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Ferros Fundidos
Wilson Luiz Guesser
ISBN: 9788521205012
Páginas: 344
Formato: 21x27,5 cm
Peso: 0,800 kg
CONTEÚDO
D
entro do universo dos conhecimentos problemas de tradução. A intenção é que o aluno,
necessários ao desenvolvimento de quando for aprofundar o estudo de algum assunto,
produtos fundidos, o tema Proprieda- aproveite estas bibliografias em português, e, além
des Mecânicas dos Ferros Fundidos disso, tome conhecimento dos diversos grupos bra-
assume importância crescente para as sileiros engajados em desenvolvimento dos ferros
fundições brasileiras. O seu aprendizado e domínio fundidos e de suas aplicações.
permitem às fundições a ocupação de um espaço Deste modo, a estrutura do livro supõe leitura
importante no projeto de componentes fundidos, sequencial dos capítulos, utilizando-se num dado
anteriormente plenamente ocupado pelas empre- capítulo dos conceitos vistos em capítulos anterio-
sas montadoras de veículos e de subconjuntos. res. Para quem consultar o livro apenas para buscar
Esta passagem da etapa de projeto da montadora uma informação, alerto para este ponto.
para a fundição ocorre numa sequência de passos, O livro inicia com uma visão geral sobre os
de complexidade crescente. Inicia-se com a sim- tipos de ferros fundidos e sua utilização. Segue-se
ples revisão do projeto do componente, de modo a uma rápida revisão sobre a metalurgia dos ferros
adequá-lo ao processo de fundição, segue-se a par- fundidos, enfocando-se principalmente o desenvol-
ticipação da fundição na equipe de projeto, e pode vimento da microestrutura, que vai condicionar as
culminar no projeto completo da peça e das suas propriedades mecânicas do componente. Também
etapas de fabricação por parte da fundição. Quantos dentro desta visão apresenta-se um pequeno capí-
destes passos serão realizados pela fundição? De- tulo sobre tratamentos térmicos de ferros fundidos,
pende essencialmente de sua capacidade de ocupar, importante ferramenta de modificação de proprie-
com competência, o espaço disponível, e isto passa dades mecânicas.
necessariamente pela capacitação de sua equipe Na discussão das propriedades mecânicas,
técnica em projeto de componentes mecânicos, a sempre que possível procurou-se apresentar os di-
serem produzidos pelo processo de fundição. Neste versos ferros fundidos dentro de um mesmo capí-
universo o tema Propriedades Mecânicas é um dos tulo, como por exemplo, no Capítulo sobre Módulo
itens importantes, e esta tem sido a motivação do de Elasticidade. Entretanto, às vezes isto tornava a
curso que leciono na UDESC. apresentação confusa, de modo que em alguns as-
O presente livro tem como público-alvo prin- suntos as apresentações foram separadas por tipo
cipal o estudante de engenharia, de graduação ou de de ferro fundido (p. ex., Propriedades Estáticas).
pós-graduação. Como lecionei na UDESC por mais Decidiu-se incluir um capítulo sobre Normas,
de 30 anos e quase sempre para cursos de engenha- para familiarizar o estudante com esta importante
ria mecânica, o livro traz este viés, com algumas ferramenta de relacionamento fornecedor-cliente.
explicações talvez desnecessárias para engenheiros Este capítulo não substitui a consulta à norma es-
metalurgistas e de materiais; sugiro que você apro- pecífica, que apresenta detalhes que não é possível
veite para relembrar certos conceitos. Como este incluir neste livro.
livro também se destina para cursos de graduação, Em muitos capítulos apresentaram-se discus-
as referências bibliográficas em português foram sões sobre temas nos quais ainda não se tem uma
privilegiadas, mesmo que algumas delas apresentem visão clara. A intenção foi mostrar ao estudante que
O
s ferros fundidos são ligas Fe-C-Si, tem então profundo efeito sobre as propriedades
contendo ainda Mn, S e P, podendo mecânicas; a forma esférica traduz-se em menor
adicionalmente apresentar elemen- efeito de concentração de tensões (σmax /σmédio = 1,7),
tos de liga diversos. São ligas que enquanto formas agudas (grafita em veios) resultam
apresentam na solidificação geral- em alta concentração de tensões (σmax /σmédio = 5,4)
mente uma fase pró-eutética (austenita, grafita) e (Kohout, 2001). Por outro lado, outras propriedades
que se completa com uma solidificação eutética podem ser influenciadas favoravelmente pela forma
(austenita + grafita ou austenita + carbonetos). da grafita em veios, como a condutividade térmica,
Os ferros fundidos contendo grafita serão o objeto o amortecimento de vibrações e a usinabilidade.
principal deste livro. A matriz metálica pode ser, por exemplo,
Nos ferros fundidos com grafita, a microes- constituída de ferrita; este microconstituinte re-
trutura apresenta-se como uma matriz similar aos sulta em baixos valores de resistência associados
aços (ferrita, perlita, martensita, etc.) e partículas a altos valores de dutilidade e tenacidade. Outra
ou um esqueleto de grafita. A grafita possui resis- alternativa é que a matriz seja de perlita, o que
tência mecânica muito baixa (Goodrich, 2003), de implica em bons valores de resistência mecânica,
modo que, sob o enfoque de propriedades mecâni- associados a valores relativamente baixos de duti-
cas, a sua presença pode ser entendida como uma lidade (Figura 2.2). Produzindo-se então misturas
descontinuidade da matriz, exercendo um efeito de ferrita e perlita obtém-se as diferentes classes
de concentração de tensões (Figura 2.1). A forma de ferros fundidos, com diferentes combinações de
desta descontinuidade, isto é, a forma da grafita, propriedades, cada qual adequada para uma apli-
a b
FIGURA 2.1 – A presença da grafita traduz-se em efeito de concentração de tensões na matriz próxima à grafita. A intensidade da concen-
tração de tensões depende da forma da grafita. Ferro fundido nodular (a – 400 X) e ferro fundido cinzento (b – 200 X). Sem ataque.
a b
FIGURA 2.6 – Microestruturas de ferro fundido nodular, sem ataque (a) e com ataque (matriz perlítico/ferrítica). 400 x.
P
ara o entendimento das propriedades me- rejeita carbono para o líquido. Com a diminuição
cânicas dos ferros fundidos, é necessário da temperatura aumenta a quantidade de austenita
que se compreenda a formação da micro- formada, cuja composição altera-se em direção a
estrutura nestes materiais, e de como as E’, enquanto a composição do líquido movimenta-
variáveis de processo e de composição se em direção a C´.
química afetam a microestrutura. Este conhecimen- Quando se atinge a temperatura de 1.153 ºC, a
to normalmente cabe ao fabricante da peça, porém austenita tem composição correspondente a 2,0% C
a discussão de alguns fundamentos auxilia o proje- e o líquido está com 4,3% C. Pela regra das alavancas
tista na percepção do que é possível obter com os verifica-se que as percentagens de fase são:
ferros fundidos, suas possibilidades e limitações. % austenita = (3,4 – 2,0) /(4,3 – 2,0) = 63%
% líquido = (4,3 – 3,4) /(4,3 – 2,0) = 37%
3.1 METALURGIA DOS Esta é a temperatura eutética, abaixo da
FERROS FUNDIDOS qual o líquido se transforma em dois sólidos,
simultaneamente.
O estudo da metalurgia dos ferros fundidos
inicia-se com a solidificação, primeiramente em
L austenita + grafita
condições de equilíbrio. Para tanto, utiliza-se uma Esta transformação (eutética) prossegue até
importante ferramenta, o diagrama de equilíbrio que todo o líquido seja consumido, encerrando-se
Ferro-Carbono (Figura 3.1). Um diagrama de equi- a solidificação.
líbrio é um mapa temperatura-composição, no qual
se localizam as fases de equilíbrio e as transforma-
ções de fase. Um exercício importante é resfriar-se
uma liga desde o campo líquido até a temperatura
ambiente, detalhando-se as transformações de fase
que ocorrem neste intervalo. Isto permite visualizar
o que pode ocorrer numa peça fundida, deste o seu
vazamento no molde até o resfriamento à tempera-
tura ambiente.
Seja por exemplo um ferro fundido cinzen-
to com 3,4% C, à temperatura de 1.400 ºC. Este
par de informações (3,4% C e 1.400 ºC) mostra no
diagrama que a fase de equilíbrio é o líquido. Res-
friando-se lentamente este líquido, a solidificação
inicia-se a cerca de 1.260 ºC, com a formação das
primeiras dendritas de austenita (Figura 3.2). Estas
dendritas apresentam teor de carbono de aproxi- FIGURA 3.1 – Diagrama de equilíbrio Ferro-Carbono. (Pieske et
al., 1976).
madamente 1,5%, de modo que o seu crescimento
E
nquanto nos ferros fundidos cinzentos a to). O nódulo de grafita normalmente está destaca-
fratura tem geralmente um caráter frágil, do da matriz, resultado da deformação plástica na
devido ao efeito preponderante da forma matriz que envolve o nódulo (Figura 4.2). Regiões
da grafita (em veios, contínua na célula de perlita também apresentam fratura dútil e que
eutética), nos ferros fundidos vermicular, revela as características deste microconstituinte
nodular e maleável preto a fratura pode ser dútil (Figura 4.3).
ou frágil, dependendo das condições em que ela se A fratura dútil em ferros fundidos nodulares
processa. Deste modo, este capítulo é iniciado pela e maleáveis pretos ocorre segundo a seguinte se-
apresentação dos mecanismos de fratura nos fer- quência de eventos:
ros fundidos nodulares, seguindo-se o cinzento e o • Fratura na interface grafita/matriz ou na grafita.
vermicular. A maioria das fractografias apresenta- • Deformação plástica na matriz.
das refere-se a ensaios de tração; em alguns casos • Formação de microtrincas junto à grafita.
são apresentadas fraturas de ensaios de impacto e • Propagação da trinca principal.
de fadiga.
Na Tabela 4.1 são apresentados resultados
que caracterizam a deformação necessária para
4.1 FERROS FUNDIDOS NODULARES
ocorrer cada uma destas etapas. Estes resultados
E MALEÁVEIS PRETOS – MODOS serão comentados nas discussões de cada evento,
DE FRATURA E MECANISMOS como se segue.
DE PROPAGAÇÃO DE TRINCAS Fratura na interface grafita/matriz ou na
própria grafita: ocorre no início do processo de
Nos ferros fundidos nodulares, bem como nos deformação, devido à concentração de tensões
maleáveis pretos, a fratura dútil ocorre por nucle- junto à partícula de grafita, e absorve pouquíssima
ação e crescimento de microcavidades (alvéolos), energia de fratura (Eldory & Voigt, 1986, Voigt &
enquanto a fratura frágil pode ser por clivagem, ou Eldory, 1986, Voigt et al., 1986, Pourladian & Voigt,
em algumas circunstâncias particulares, de modo 1987, Voigt, 1989). Não é considerado evento de
intergranular (Figura 4.1). Discute-se a seguir cada início de fratura, mas de “pré-fratura” (Voigt, 1990).
um destes modos de fratura. A Figura 4.4 ilustra este evento, em ferro fundido
nodular. Observa-se a fratura dentro do nódulo de
4.2 FRATURA DÚTIL EM FERROS grafita, bem como na interface grafita/matriz. Em
FUNDIDOS NODULARES E nodulares ferríticos tratados termicamente a fra-
tura se concentra dentro da grafita, enquanto que
MALEÁVEIS PRETOS
em nodulares ferríticos brutos de fundição a trin-
A fratura dútil nos ferros fundidos nodulares ca se inicia na interface grafita/matriz (Dierickx et
e maleáveis pretos ocorre por formação e cresci- al., 2001).
mento de microcavidades (alvéolos). A superfície Deformação plástica da matriz: localiza‑se
de fratura apresenta aspecto rugoso e revela os al- junto às partículas de grafita, sendo devido ao efei-
véolos, geralmente associados a nódulos de grafita to de concentração de tensões causado pela grafi-
ou inclusões de MnS (no caso do ferro maleável pre- ta (Mogford et al., 1967). Ocorre em deformações
1,5% Si
2,5% Si
FIGURA 4.9 – Formação de alvéolos em nodulares ferríticos com diferentes teores de Si (Guesser, 1993).
ximo nódulo de grafita (Adewara & Loper, 1976), A formação de trincas na matriz junto aos
quando encontram uma região com perlita (Figura nódulos de grafita foi observada por uma série de
4.8), ou ainda podem ser bloqueadas por um con- autores, em diferentes condições. Em ensaios de
torno de grão ferrítico (Figura 4.9). Nesta Figura 4.9 fadiga com nodulares ferríticos e ferrítico/perlíti-
pode-se ainda verificar o efeito do teor de silício, cos verificou-se que as trincas iniciavam-se junto
sendo o alvéolo de tamanho um pouco maior para às partículas de grafita (Kühl, 1983, Shiota, 1990).
o nodular com menor teor de Si (Guesser, 1993). Mesmo em microestruturas com orla de martensita
A
maioria dos países desenvolveu as do projeto da peça e dos requisitos de condutivida-
suas normas técnicas, objetivando de térmica (Guesser et al., 2003). Blocos de motores
assim o estabelecimento de padrões normalmente são especificados na classe FC-250,
mínimos de qualidade e a redução de enquanto cabeçotes de motores podem ser especi-
custos, por permitir escalas crescen- ficados nas classes FC-250 e FC-300.
tes de produção. Atualmente os países se unem para As classes FC-350 e FC-400 são empregadas
produzir normas internacionais, como as Normas para aplicações muito específicas, como alguns
Européias e as Normas ISO, facilitando assim o co- eixos comandos de válvulas; sua utilização tem
mércio internacional. Muitos consumidores de fun- decrescido, substituídas por ferros fundidos nodu-
didos, insistindo em usar suas normas particulares, lares, com menor utilização de elementos de liga e
ainda não perceberam as vantagens destas normas melhor usinabilidade.
internacionais, pois além de lhes garantir um nível Observa-se ainda na Tabela 5.1 que a norma
de qualidade, permitem também alternativas de for- prevê a diminuição da resistência com o aumento
necimento de diversas fontes. De qualquer modo, a do diâmetro da barra fundida, tendência que toda
fundição deve atender as exigências de seu cliente, liga fundida apresenta, e que deve ser considerada
e, portanto, seja fornecendo para consumidores no no projeto da peça.
Brasil, seja exportando, deve utilizar normas técni- A Tabela 5.2 apresenta a correlação entre as
cas de diferentes países. Apresentam-se a seguir os dimensões das barras de ensaio vazadas separa-
principais aspectos das normas de materiais refe- damente e a espessura representativa da peça. Da
combinação destas duas Tabelas podem-se estimar
rentes a ferros fundidos.
as propriedades mecânicas em qualquer ponto da
peça, para uma dada classe.
5.1 FERROS FUNDIDOS CINZENTOS A Norma ABNT NBR 8583/1984 prevê ainda
NORMAS ABNT classes de ferro fundido cinzento de acordo com
(NBR 6589/1986 E NBR 8583/1984) a dureza (Tabela 5.3). O ensaio de dureza Brinell
é efetuado na própria peça, ou então em corpo de
A Tabela 5.1 apresenta as classes de ferro prova apenso à peça (tronco de cone de diâmetros
fundido cinzento, previstas na norma ABNT, bem de 30 e 35 mm, e altura de 30 mm). Na Norma ABNT
como as dimensões da barra para determinação NBR 8583/1984 não estão previstas variações de
das propriedades mecânicas e do corpo de prova dureza com variação da espessura da peça; como
usinado, e o Limite de Resistência (à tração) míni- visto a seguir, este aspecto é detalhado na Norma
mo especificado. A designação da Norma ABNT já ISO 185/2005 e na Norma Europeia EN 1561/1997.
indica o LR mínimo. Estão previstas classes desde As classes de ferro fundido cinzento segundo a du-
FC-100 (LR = 100 a 150 MPa) até FC-400 (LR = 400 reza (Tabela 5.3) são utilizadas para especificação
a 500 MPa). A classe FC-100 é empregada principal- quando não existirem requisitos de resistência para
mente para aplicações envolvendo choque térmico a peça em questão; usinabilidade e resistência ao
ou ainda alta capacidade de amortecimento de vi- desgaste são os enfoques principais.
brações. Discos e tambores de freio podem ser fa- A classificação dos ferros fundidos cinzen-
bricados nas classes FC-150 a FC-250, dependendo tos segundo a resistência (Tabela 5.1) ou segundo
TABELA 5.8 – Classes de ferro fundido cinzento previstas na Norma TABELA 5.9 – Classes de ferro fundido cinzento previstas na Norma
ASTM (A 48-94a). ASTM (A 48M-94), sistema métrico.
Limite de Resistência min. Diâmetro nominal do Limite de Resistência min Diâmetro nominal do
Classe Classe
ksi MPa corpo de prova (mm) (MPa) corpo de prova (mm)
20 A 22,4 150 A 20 a 22
20 B 30,5 150 B 30
20 138 150
20 C 50,8 150 C 50
20 S barra S 150 D Barra S
25 A 22,4 175A 20 a 22
25 B 30,5 175 B 30
25 172 175
25 C 50,8 175 C 50
25 S barra S 175 D Barra S
30 A 22,4 200 A 20 a 22
30 B 30,5 200 B 30
30 207 200
30 C 50,8 200 C 50
30 S barra S 200 D Barra S
35 A 22,4 225 A 20 a 22
35 B 30,5 225 B 30
35 241 225
35 C 50,8 225 C 50
35 S barra S 225 D Barra S
40 A 22,4 250 A 20 a 22
40 B 30,5 250 B 30
40 276 250
40 C 50,8 250 C 50
40 S barra S 250 D Barra S
45 A 22,4 275 A 20 a 22
45 B 30,5 275 B 30
45 310 275
45 C 50,8 275 C 50
45 S barra S 275 D Barra S
50 A 22,4 300 A 20 a 22
50 B 30,5 300 B 30
50 345 300
50 C 50,8 300 C 50
50 S barra S 300 D Barra S
55 A 22,4 325 A 20 a 22
55 B 30,5 325 B 30
55 379 325
55 C 50,8 325 C 50
55 S barra S 325 D Barra S
60 A 22,4 350 A 20 a 22
60 B 30,5 350 B 30
60 414 350
60 C 50,8 350 C 50
60 S barra S 350 D Barra S
Barra S – dimensão a acordar entre as partes 375 A 20 a 22
375 B 30
375
375 C 50
diferentes valores diferentes de resistência mecâni- 375 D Barra S
ca; na Norma ASTM, a classe especificada pode de- 400 A 20 a 22
terminar um diâmetro do corpo de prova diferente 400 B 30
400
para cada caso, porém o valor mínimo de Limite de 400 C 50
400 D Barra S
Resistência referente à classe é atingido no diâme-
tro correspondente à seção da peça em questão. A Barra S – dimensão a acordar entre as partes
S
ão denominadas de propriedades está- • Para a determinação do Limite de Escoa-
ticas aquelas onde o tempo não é uma mento, a velocidade de aplicação da carga
variável importante, sendo obtidas em deve ser inferior a 10 MPa/s (Norma ABNT
ensaios progressivos, como o ensaio de NBR 6152/1992), ou ainda de 1,1 a 11 MPa/s
tração, dureza, flexão, compressão, etc. (Norma ASTM E8/2000), ou 6 a 30 MPa/s
Elas permitem uma primeira visão sobre a relação (Norma EN 10.002-1/1990), ou 6 a 60 MPa/s
entre microestrutura e as propriedades mecânicas. (Norma ISO 6892/1998).
Apesar da maior parte dos componentes estar soli- • Para a determinação do Limite de Resistên-
citada a esforços dinâmicos, em especial a esforços cia, a velocidade de alongamento deve ser
de fadiga (Scholes, 1970), o estudo das propriedades inferior a 0,007mm/mm.s (Norma ABNT NBR
estáticas representa o início do conhecimento do 6152/1992), ou ainda de 0,0008 a 0,008 mm/
comportamento mecânico do material. Além disso, mm.s (Norma ASTM E8/2000), ou então in-
todas as normas técnicas se referem às proprieda- ferior a 0,008 mm/mm.s (Normas EN 10.002-
des estáticas, em particular às obtidas em ensaio de 1/1990 e ISO 6892/1998)
tração e dureza, de modo que a sua determinação
Utilizando-se as dimensões da parte útil do
é usual no controle de qualidade na fabricação de
corpo de prova (área da seção inicial – A0 e com-
produtos fundidos.
primento inicial – l0) e medindo-se continuamente
a carga aplicada (F) e a deformação da parte útil do
6.1 O Ensaio de Tração em corpo de prova (∆l), grafica-se a tensão (σ = F/A)
Ferros Fundidos em função da deformação (ε = ∆l/l0), obtendo-se
uma curva como apresentada na Figura 6.1, para
O ensaio de tração é uma caracterização
um ferro fundido nodular.
muito simples de um material, porém fornece in-
formações valiosas para prever o comportamento
mecânico deste material em serviço. É utilizado
também para controle de qualidade, já que a maioria
das especificações de materiais inclui itens como
resistência e dutilidade. Para as ligas fundidas nor-
malmente se emprega um corpo de prova de seção
cilíndrica, com as extremidades preparadas para
fixação na máquina de tração (rosca, por exemplo)
e uma parte central de diâmetro menor, de modo
a concentrar nesta região as deformações. É usual
adaptar a esta parte central um extensômetro, para
medir com precisão as variações de comprimento
durante o ensaio. A carga, imposta pela máquina, é
acrescida progressivamente, sendo padronizada a FIGURA 6.1 – Curva do ensaio de tração de ferro fundido nodular
sua velocidade de aplicação, conforme segue: ferrítico.
6) Por que a reta teórica para ferros fundidos resistência é aumentada com teores crescentes de
cinzentos não se ajustou aos resultados da perlita (em substituição à ferrita) e com diminuição
Figura 6.9, enquanto para ferro fundido no- do espaçamento interlamelar da perlita. Uma com-
dular a concordância foi boa? plicação adicional nos ferros fundidos cinzentos é
que o tipo de grafita afeta a quantidade de perlita na
6.3 Propriedades Estáticas de matriz; grafitas de super-resfriamento (tipo D, ver
Figura 6.18) facilitam a formação de ferrita devido
Ferros Fundidos Cinzentos
à baixa distância para difusão do carbono.
Como visto em capítulo anterior, a Norma Como mostra o diagrama da Figura 6.17, as
ABNT NBR 6589/1986 estabelece classes de ferro principais variáveis que afetam a microestrutura (e,
fundido cinzento de acordo com o Limite de Resis- portanto, as propriedades mecânicas) são o teor
tência, desde FC 100 até FC 400 (Tabela 5.1 do ca- de carbono equivalente, os teores de elementos de
pítulo sobre Normas). A designação de cada classe liga, a inoculação e a velocidade de resfriamento
indica o valor mínimo do Limite de Resistência, sen- da peça.
do que o valor de LR obtido não pode exceder em Na Figura 6.19 pode-se observar como o au-
100 MPa o valor mínimo especificado. Assim, peças mento do teor de carbono equivalente diminui o
especificadas na classe FC 250 devem apresentar limite de resistência, e este efeito é devido ao au-
valores de LR entre 250 e 350 MPa (corpo de pro- mento da quantidade e principalmente do tamanho
va em separado, anexo ou da peça, ver capítulo de das partículas de grafita. O efeito do tamanho das
Normas sobre a seleção do local do corpo de prova). partículas de grafita pode ser visto na Figura 6.20,
Para a classe FC 100, a faixa de LR é menor, de 100 a onde a variação no tamanho da grafita foi obtida
150 MPa. Na Figura 6.16 pode-se observar a relação com variações no teor de carbono e no diâmetro da
entre Limite de Resistência e Dureza, associando-se
as classes de resistência com as de dureza, previstas
nas Normas ABNT NBR6589/1986 e 8583/1984.
A resistência mecânica dos ferros fundidos
cinzentos depende da grafita e da matriz (Figura
6.17). Como foi visto no Capítulo sobre Fratura, a
grafita não oferece resistência mecânica apreciável,
de modo que quanto maiores as partículas de grafita
e quanto maior a quantidade de grafita, menor é a re-
sistência mecânica, particularmente à tração (Sou- FIGURA 6.17 – Efeitos da microestrutura e de variáveis de pro-
cesso sobre o Limite de Resistência à Tração em ferro fundido
za Santos & Branco, 1977). Com relação à matriz, a cinzento.
C
milhões, a vida é considerada infinita, e a máxima
omponentes de máquinas, veículos e tensão correspondente a esta situação é denomina-
estruturas são frequentemente subme- da de Limite de Fadiga.
tidos a carregamentos repetitivos, e A ruptura por fadiga pode ser evitada, com
as tensões cíclicas resultantes podem base no conhecimento da solicitação do componen-
conduzir a danos microscópicos no te e do comportamento do material em solicitações
material. Mesmo sob tensões bem abaixo do limite cíclicas. A Figura 7.2 mostra que, dependendo da
de escoamento do material, estes danos microscó- tensão aplicada e de sua ciclagem, as solicitações
picos podem se acumular com a ciclagem conti- de fadiga podem ser classificadas em fadiga de bai-
nuada até que se desenvolve uma trinca, que conduz xo ciclo (vida finita), fadiga sob vida infinita e dano
à ruptura do componente. Este processo de dano cumulativo. Para cada uma destas solicitações ado-
e fratura devido a carregamentos cíclicos é deno-
minado de fadiga (Dowling, 1998). Uma trinca por
fadiga inicia em locais de concentração de tensões
após um certo número de ciclos. Ela é sempre de
natureza frágil, mesmo ocorrendo em materiais dú-
teis. À medida que a trinca se desenvolve, aumenta a
concentração de tensões, o que resulta em aumento
da velocidade de propagação da trinca (Goodrich,
2003). Quando a trinca atinge um tamanho crítico,
Figura 7.1 – Curva S-N de ferro fundido nodular.
ocorre a sua propagação final.
A fratura causada por fadiga apresenta duas
zonas distintas: uma região rompida por fadiga,
normalmente plana e com as “marcas de praia”,
características da ciclagem de tensões, indicando
ainda a origem do processo de fratura; apresenta
ainda outra região de ruptura final, geralmente com
fratura frágil e grosseira, que conduziu à fratura fi-
nal do componente (Hachenberg et al., 1988).
A ocorrência de uma fratura por fadiga é di-
retamente influenciada pelo nível de tensão e pelo
número cumulativo de ciclos em que esta tensão é
aplicada; quanto maior a tensão aplicada, menor o
número de ciclos que a peça resiste até sua fratura.
Esta relação é expressa numa curva denominada
de S-N (Figura 7.1), relacionando a tensão aplicada Figura 7.2 – Classificação dos tipos de solicitação de fadiga: vida
finita (fadiga de baixo ciclo), vida infinita e dano cumulativo (Ha-
com o logaritmo do número de ciclos até a fratura. chenberg et al., 1988).
A
lém das propriedades mecânicas, 8.1 Densidade
várias propriedades físicas são im-
portantes na aplicação dos ferros fun- A substituição de peças de aço forjado por
ferros fundidos resulta em diminuição de peso do
didos, tais como densidade, expansão
componente, já que os ferros fundidos apresentam
térmica, condutividade térmica, calor
densidade menor que os aços. Deste modo, esta
específico, propriedades elétricas e magnéticas,
propriedade é um diferencial importante para os
propriedades acústicas.
ferros fundidos.
Muitas propriedades apresentam forte cor-
A densidade de um ferro fundido depende da
relação com algum parâmetro da microestrutura
quantidade relativa dos microconstituintes presen-
(relação perlita/ferrita, forma da grafita), e são en- tes. Como indicado na Tabela 8.5, a grafita tem uma
tão empregadas em ensaios não destrutivos, como densidade de 2,25 g/cm3, enquanto os microconsti-
controle de peças fundidas. tuintes da matriz apresentam densidade entre 7,3
Algumas normas técnicas fornecem valores a 7,9 g/cm3.
de propriedades físicas para cada classe de ferro Deste modo, quanto maior a quantidade de
fundido, conforme ilustrado nas Tabelas 8.1 a 8.4. grafita, menor a densidade do ferro fundido. A for-
Estas propriedades são discutidas a seguir, bem ma da grafita é de pouca importância; cinzentos e
como a sua influência pela microestrutura e pela nodulares com a mesma quantidade de grafita pos-
composição química. suem a mesma densidade (Palmer, 1987).
Tabela 8.1 – Propriedades físicas de ferros fundidos cinzentos, obtidas em corpo de prova de 30 mm de diâmetro, fundido em separado. Norma
ISO 185/2005. A Classe ISO 185/JL/100 não é listada nesta Tabela.
M
quente enfoca as solicitações impostas aos com-
uitas peças de ferro fundido são ponentes, e que segundo Röhrig (2002) podem ser
empregadas em aplicações de alta classificadas em:
temperatura. Na indústria auto- • Térmicas
mobilística destacam-se blocos e »» Oxidação externa e interna
cabeçotes de motor, coletores de »» Alterações de microestrutura
exaustão, discos e tambores de freio (Figura 9.1). • Mecânicas
Componentes de turbinas de geração de energia »» Peso próprio e de componentes que ele
são exemplos na indústria de equipamentos (Ha- suporta
chenberg et al., 1988). O estudo das propriedades »» Fadiga devido a vibrações
a quente dos ferros fundidos reveste-se então de • Termomecânicas
especial importância. Como será visto, não existe »» Variações de temperatura
apenas uma propriedade que caracteriza o desem- »» Tensões externas
penho de componentes de ferro fundido sujeitos »» Vibrações
a altas temperaturas, sendo necessário analisar
Do ponto de vista do material, este deve
conjuntamente várias propriedades. As aplicações
apresentar algumas características importantes,
em altas temperaturas podem ser classificadas em tais como:
quatro grandes grupos (Röhrig, 1977):
• Estabilidade da microestrutura
• Aplicações onde precisão dimensional é im- • Baixa variação de propriedades mecânicas
portante, e onde distorções sob carga devem com a temperatura
ser minimizadas. A tendência dos metais mu- • Resistência à oxidação
darem lentamente de dimensões sob carga a • Baixa tendência ao crescimento e alteração
altas temperaturas é chamada de fluência. Ex: da microestrutura
peças de motores de combustão interna. • Resistência à fadiga térmica
• Fadiga térmica. Neste caso a peça é exposta
a aquecimentos e resfriamentos bruscos. Ex:
tambor de freio, cabeçote de motor.
• Aplicações que envolvem a aplicação de car-
gas, sendo admissível distorção da peça. Su-
portes internos de fornos são exemplos desta
aplicação. A característica importante é a ten-
são de ruptura na temperatura.
• Em outras aplicações a peça deve suportar
somente o seu próprio peso sem distorção
muito acentuada. Um exemplo é carcaça de
queimador. A temperatura máxima de uso é Figura 9.1 – Discos e tambores de freio são exemplos de peças
limitada pela oxidação destrutiva da peça. sujeitas a fadiga térmica (Severin & Lampic, 2005).
então formados por usinagem inadequada ou trin- 10.3 Ferros Fundidos Cinzentos
cas de solda). Este tipo de solicitação será discutido
em capítulo especial, abordando-se aqui apenas o As propriedades mecânicas dos ferros fundi-
comportamento de propriedades estáticas em bai- dos cinzentos tendem a apresentar o comportamen-
xas temperaturas. to registrado na Figura 10.4. Verifica-se aumento do
limite de escoamento e diminuição do alongamento
com a diminuição da temperatura, enquanto o limi-
10.2 Ferros Fundidos Nodulares
te de resistência passa por um ponto de máximo
As Figuras 10.1 e 10.2 mostram a variação das (Palmer, 1988). A taxa de crescimento do limite de
propriedades mecânicas com a diminuição da tem- resistência com a diminuição da temperatura é in-
peratura. Verifica-se que o limite de escoamento e dependente da classe de ferro fundido cinzento, ou
o limite de proporcionalidade aumentam continua- seja, as classes de ferro fundido cinzento mantém
mente com o decréscimo da temperatura, para todas a mesma ordem de limite de resistência que apre-
as classes de ferros fundidos nodulares. Por outro sentam à temperatura ambiente (Rickards, 1970).
lado, com a diminuição da temperatura, o limite de A posição do ponto de máxima resistência situa-se
resistência aumenta apenas para a classe ferrítica, entre -150 a –200 ºC, dependendo da classe de ferro
decrescendo para as classes perlíticas. Isto se deve fundido cinzento. Para a classe FC 300 este ponto si-
à mudança do mecanismo de fratura nestas classes, tua-se a cerca de -150 ºC (Figura 10.4, Palmer-1988),
passando a ser predominantemente por clivagem. ou ainda a -175 ºC (Goodrich, 2003), enquanto para
Para nodulares com cerca de 50% perlita, com limite cinzento com grafita de super-resfriamento (tipo D)
de resistência em torno de 500 MPa (50 kgf/mm2), esta temperatura é de -200 ºC (Goodrich, 2003).
o abaixamento da temperatura não modifica o li- Valores de limite de resistência até -60 ºC
mite de resistência. As avaliações de dutilidade no podem ainda ser vistos na Tabela 10.1, para ferros
ensaio de tração, como alongamento e redução de fundidos cinzentos com limites de resistência cres-
área, mostram um contínuo decréscimo com a di- centes, verificando-se que a ordem se mantém com
minuição de temperatura (Figura 10.2). O módulo o decréscimo de temperatura.
de elasticidade (Figura 10.3) tem comportamento
similar ao do limite de escoamento, aumentando
continuamente com o decréscimo de temperatura
(Siefer, 1985). O comportamento do módulo de elas-
ticidade apresentado na Figura 10.3 para a classe
FE 50007 também foi registrado para as classes FE
42012 e FE 70002 (Palmer, 1988; Rickards, 1970).
Figura 10.3 – O módulo de elasticidade sofre um pequeno aumen- Figura 10.4 – Variação de propriedades mecânicas com a tempe-
to com a diminuição da temperatura. FE 50007 (Siefer, 1985). ratura, em ferro fundido cinzento (Palmer, 1988).
M
uitas aplicações de peças de ferros de aplicação da carga, de modo que em ensaios de
fundidos envolvem solicitações de impacto esta transição é quase sempre visível.
impacto, seja à temperatura am- Também a presença de entalhes desloca a
biente, seja em baixas temperatu- transição dútil-frágil para maiores temperaturas
ras. Os ferros fundidos nodulares (Figura 11.2), porém ao mesmo tempo decrescendo
ferríticos foram especialmente projetados para este intensamente a energia absorvida no patamar dú-
tipo de aplicação, existindo inclusive classes nor- til, o que muitas vezes dificulta a caracterização do
malizadas para este fim (ver Capítulo de Normas). efeito de uma variável metalúrgica, já que a etapa
Apesar dos ferros fundidos cinzentos e vermicula- de nucleação da trinca fica suprimida; deste modo,
res normalmente não serem utilizados para aplica- dependendo do tipo de variável estudada, mais ou
ções envolvendo impacto, em algumas condições menos sensível à etapa de nucleação da trinca, são
aparecem esforços de impacto, mesmo que mode- empregados corpos de prova com ou sem entalhe.
rados. Deste modo, a resistência ao impacto destes O ensaio de impacto é então utilizado para ca-
ferros fundidos é também aqui discutida. racterizar a energia absorvida no patamar dútil e para
identificar a temperatura de transição dútil-frágil, pa-
11.1 A Transição Dútil-Frágil râmetros importantes para componentes sujeitos a
aplicações de impacto e a baixas temperaturas.
Os ferros fundidos, assim como os aços, po-
dem apresentar modos de fratura completamente
distintos, dependendo das condições em que esta
fratura ocorre. O modo dútil de fratura, associa-
do com intensa deformação plástica, acontece em
condições onde a movimentação de discordâncias
é favorecida: baixa densidade inicial de discordân-
cias, alta temperatura, baixo teor de elementos de
liga que endurecem por solução sólida, baixa quan-
tidade de interfaces que diminuem o livre caminho
médio das discordâncias. Quando a deformação
plástica é dificultada, pode ocorre fratura por cliva-
gem, um mecanismo frágil de fratura que acontece
em planos cristalográficos preferenciais.
O ensaio de impacto, realizado em diferentes
temperaturas, é uma excelente ferramenta para ca-
racterizar a transição dútil-frágil. Em altas tempera-
turas o mecanismo de fratura é dútil, enquanto em
baixas temperaturas a fratura ocorre por clivagem, Figura 11.1 – Efeito da velocidade de aplicação da carga sobre a
energia absorvida no processo de fratura. Ferro nodular ferrítico,
de modo frágil. Na Figura 11.1 pode-se verificar que com 2,95% Si. Amostra entalhada. Os pontos com símbolos cheios
a transição dútil-frágil fica deslocada para maiores correspondem a fratura dútil, enquanto os símbolos vazios repre-
sentam situações de fratura frágil (Bradley & Srinivasan, 1990).
temperaturas à medida que se aumenta a velocidade
O
sidera o tamanho e a forma da trinca, bem como a
projeto de componentes tem sido geometria do componente (ver Simbologia no final
feito de modo a prevenir a fratura do capítulo). O fator de intensificação de tensões au-
associada à deformação plástica. menta quando uma estrutura com trinca é carregada
Deste modo, emprega-se o limite progressivamente, até que atinge um valor crítico, que
de escoamento ou então o limite de no caso de estado plano de deformação é KIc, ocor-
resistência para caracterizar as propriedades do rendo então rápido crescimento da trinca. KIc é um
material, e os projetistas aplicam um fator de se- parâmetro do material, e o seu conhecimento permite
gurança para determinar a tensão admissível na prever a dimensão crítica da trinca ou então a tensão
peça. Entretanto, sabe-se que as estruturas podem limite para propagar uma dada trinca (Cushway, jul
falhar por fratura frágil e fadiga, especialmente na 1989). De uma maneira geral, pode-se escrever para
presença de um defeito com a característica de uma a geometria da Figura 12.1 (Dowling, 1998):
trinca. Assim, a tenacidade à fratura, a resistência KIc = σ.(π.a)1/2. F (12.2)
intrínseca do material à propagação de um trinca,
onde o adimensional F depende da geometria da
tem se tornado uma parte essencial do conjunto
estrutura e da trinca, bem como do modo de car-
de propriedades dos materiais, utilizado pelos pro-
regamento e da relação entre o tamanho da trinca
jetistas para selecionar materiais para aplicações
e a largura da peça. Estes valores estão padroniza-
críticas (Kikkert, 2002).
dos, e podem ser encontrados em Dowling (1998)
A mecânica da fratura estuda o risco de que-
e Pusch (1992).
bra de um componente causado pela concentração
Para o ensaio de tenacidade à fratura podem
de tensões num defeito. Há dois regimes da mecâ-
ser empregados diversos tipos de corpos de prova,
nica da fratura: mecânica da fratura elástica linear
apresentando-se na Figura 12.2 os mais utilizados.
(MFEL, ou LEFM na língua inglesa) e mecânica da
É inicialmente usinado um entalhe, submetendo-se
fratura com deformação (MFD, ou YFM em inglês).
então o corpo de prova a solicitações de fadiga, pro-
Ambos os regimes tem o objetivo de especificar, vocando o aparecimento de uma trinca de fadiga.
usando o conceito de tenacidade à fratura, a com- Este corpo de prova é então solicitado no ensaio de
binação de tensão e tamanho de trinca que resul- tenacidade à fratura, que envolve a determinação
tará em rápida propagação de trinca e fratura do da curva carga x deslocamento para abrir a trinca
componente. A MFEL é aplicável a situações onde previamente formada. A abertura da trinca é medida
não existe deformação plástica na vizinhança da durante o ensaio, com extensômetro acoplado na
trinca (ou a deformação plástica é muito peque- abertura da trinca. A Figura 12.3 mostra os 3 tipos
na), enquanto a MFD trata de situações onde existe de curvas previstos na norma ASTM E399-90, bem
deformação plástica significativa associada com o como as cargas correspondentes à propagação ins-
evento da fratura (Cushway, jul 1989). tável da trinca (PQ). Calcula-se então KQ para esta
Em MFEL, o fator de intensificação de tensões, situação, através das equações apresentadas na Fi-
KI, relaciona-se com a geometria através da equação: gura 12.2, empregando-se os fatores de geometria
KI = P x f (12.1) (f1, f2) segundo a Tabela 12.1 (Pusch, 1992). A seguir
dimensões equações
W = 2B
S = 4W KI = P.s.f1(a/W)/(B.W3/2)
H » 4,2W f1(a/W) – fator de geometria (ver Tabela I)
a = (0,45 a 0,55)W
dimensões equações
W = 2B
S = 0,55W
H = 1,2W KI = P.f2(a/W)/(B.W1/2)
a = (0,45 a 0,55)W f2(a/W) – fator de geometria (ver Tabela I)
D = 0,25W
G = 1,25W
Figura 12.2 – Corpos de prova para ensaio de tenacidade à fratura (3PB e CT), segundo Norma ASTM E399-90. Ver Simbologia no final
do capítulo (Pusch, 1992).
A
nismos de desgaste podem atuar numa câmara de
discussão que se segue concentra-se combustão de motor:
em componentes automobilísticos.
• Desgaste abrasivo
Entretanto, os aspectos referentes
• Desgaste corrosivo
aos vários tipos de desgaste podem
• Fadiga de superfície
ser empregados em outras aplicações,
• Desgaste lubrificado
principalmente em componentes de máquinas.
A Figura 13.1 ilustra como a energia do com-
bustível se distribui, para um motor de automó- Desgaste abrasivo
vel, num ciclo urbano. Somente 12% da energia do Pode ocorrer por perda de material de uma
combustível é transmitida para as rodas do carro, e superfície quando atritada com outra de maior du-
15% da energia do combustível se perde como atri- reza, ou ainda pela ação de partículas duras com
to mecânico (sem considerar as frenagens). Tendo movimento relativo em relação às duas superfícies
em vista o consumo mundial de combustível em atritantes, gerando maior remoção de material na
veículos, isto mostra a importância do estudo des- de menor dureza. As partículas podem ficar in-
te tema (Priest & Taylor, 2000). Estudos adicionais crustadas numa das superfícies, gerando abrasão
mostrando a importância econômica do desgaste na outra.
foram apresentados por Sinátora (1997). No caso do desgaste abrasivo ocasionado por
duas superfícies atritantes (abrasão por dois cor-
pos), é necessário, além de uma maior dureza, que
exista uma certa rugosidade por parte do material
de maior resistência. Deste modo, melhorias no aca-
bamento superficial e na rugosidade de superfícies
diminuem o desgaste abrasivo (Vatavuk, 1994).
O desgaste abrasivo gerado por partículas
soltas (abrasão por três corpos) pode ocorrer em
virtude da presença de partículas geradas pelo atrito
em uma superfície de maior dureza, ou então gera-
das por desgaste adesivo, ou ainda por partículas
oriundas do meio externo, na forma de pós ou areia.
Esta última situação é bastante comum, sendo res-
ponsável pela maioria dos desgastes em motores de
combustão interna (Vatavuk, 1994, Demarchi et al.,
1996). Outra possível fonte de partículas abrasivas é
a coqueificação do óleo lubrificante (Schmid, 2007).
Figura 13.1 – Distribuição da energia do combustível para um A Figura 13.2 ilustra a abrasão por dois corpos e a
carro médio, em ciclo urbano (Priest & Taylor, 2000). abrasão por três corpos.
Tabela 13.3 – Resultados de consumo de óleo e de desgaste para diferentes processos de brunimento. Bloco de motor em ferro fundido cin-
zento (Schmid, 2006).
Processo de brunimento
Convencional Deslizamento helicoidal Plasma
Platô
1º anel CKS 1º anel CKS 1º anel GDC50
Consumo de óleo (g/h) 55 52 19,70 11,50
Consumo de óleo (g/kWh) 0,17 0,16 0,06 0,04
Consumo de óleo
0,08 0,08 0,03 0,02
(% do consumo de combustível)
Desgaste do 1º anel (nm/h) 8,5 - 4,00 0,83
Desgaste do cilindro (nm/h) 1,2 - 0,26 0,67
14.1 Propriedades Mecânicas ressaltada, o que pode ser visto na Figura 14.4. Em
Estáticas particular a tenacidade (alongamento, resistência
O
ao impacto) decresce acentuadamente com a dimi-
s ferros nodulares austemperados são nuição da nodularidade.
obtidos por tratamento térmico de aus- Os elementos de liga, necessários para forne-
têmpera, cujos princípios foram abor- cer temperabilidade, trazem normalmente prejuízos
dados no capítulo sobre Tratamentos para as propriedades mecânicas, seja devido à se-
Térmicos de Ferros Fundidos. gregação, seja formando carbonetos (White, 1989),
Como foi visto naquele capítulo, o tratamen- conforme discutido no capítulo sobre Tratamentos
to térmico de austêmpera envolve a austenitização, Térmicos, de modo que seu uso deve restringir-se
seguida de resfriamento rápido até a temperatura às mínimas quantidades necessárias. Estes efeitos
de austêmpera, e manutenção nesta temperatura dos elementos de liga podem ser minimizados com
por um certo tempo. A microestrutura resultante uma inoculação eficiente, etapa então de particu-
é uma mistura muito fina de ferrita e de austenita lar importância na produção de nodulares austem-
estabilizada, denominada de ausferrita (Figura 3.27 perados. Por outro lado, os elementos de liga (Cu,
do capítulo sobre Tratamentos Térmicos). Esta Ni, Mo) retardam a decomposição da austenita, de
microestrutura confere propriedades mecânicas modo que a janela de processo fica ampliada.
muito especiais a esta família de ferros fundidos
nodulares (Röhrig, 2005). A Figura 14.1 compara
as propriedades obtidas com os nodulares austem-
perados e os nodulares comuns (ferrítico/perlíticos
ou temperados e revenidos) (Blackmore & Harding,
1984). Verifica-se que os nodulares austemperados
apresentam combinações de limite de resistência
e alongamento muito superiores às dos nodulares
comuns. Esta combinação de propriedades permi-
te então a utilização dos ferros nodulares austem-
perados para aplicações envolvendo solicitações
intensas, como ilustrado na Figura 14.2.
As propriedades mecânicas dos ferros no-
dulares austemperados são influenciadas princi-
palmente pelas variáveis apresentadas na Figura
14.3. As discussões do capítulo sobre Propriedades
Estáticas dos Ferros Fundidos Nodulares, referen-
tes ao efeito da forma da grafita, também aqui são
aplicáveis. Como os ferros nodulares austempera-
Figura 14.1 – Comparação de propriedades mecânicas de nodula-
dos tem propriedades muito sensíveis à presença res austemperados com outras classes de ferros fundidos nodulares
de defeitos, a importância da forma da grafita fica (Blackmore & Harding, 1984).
O
de inclusões de sulfetos e a relação ferrita/perlita
conceito de usinabilidade está ligado da matriz possuem efeito significativo, como será
ao desgaste da ferramenta de corte, visto adiante.
entendendo-se assim que um mate- A usinagem de ferro maleável branco, com su-
rial de alta usinabilidade resulta em perfície isenta de grafita, apresenta características
longa vida da ferramenta. A usinabi- muito distintas dos outros ferros fundidos, e dada
lidade envolve ainda outros aspectos, como força a pequena importância tecnológica deste material,
de corte e acabamento superficial, porém a vida da este assunto não será aqui discutido.
ferramenta será aqui o enfoque principal. O estudo A presença de grafita nos ferros fundidos
da usinabilidade, como propriedade tecnológica do cinzento, nodular e vermicular, em quantidades
material, é de enorme significado econômico, pois em torno de 11-12%, auxilia na quebra do cavaco,
se relaciona não apenas com o custo da ferramenta de modo que os ferros fundidos são classificados
de corte, mas também com a produtividade de toda como materiais de cavacos descontínuos. A quebra
uma linha de usinagem, usualmente de investimen- do cavaco também auxilia na prevenção de aderên-
to bastante alto. cia de cavaco à ferramenta.
Os ferros fundidos são considerados mate- Entretanto, apesar de sua boa usinabilidade,
riais de alta usinabilidade, sendo utilizados em mui- os ferros fundidos apresentam diferenças significa-
tos componentes devido a esta sua característica. A tivas entre si, pois a usinabilidade pode ser alterada
grafita presente em quase todos os ferros fundidos por pequenas variações microestruturais, já que os
(Figuras 15.1 a 15.3) desempenha um papel impor- microconstituintes dos ferros fundidos possuem
Figura 15.1 – Microestruturas de ferro fundido cinzento. Veios de grafita, matriz perlítica, partículas de sulfeto de manganês. Sem ataque
(a) e com ataque de nital (b). Aumento original 500 X.
Figura 15.25 – Inclusão de MnS em ferro fundido cinzento com 0,150% S (Pereira et al., Posmec 2005).
Figura 15.26 – Inclusões de MnS deformadas, em cavacos de ferros fundidos cinzentos com 0,120% S (Pereira et al., Posmec 2005).
N
este capítulo são discutidos os me- saio de tração com velocidade lenta. Estes aspectos
canismos pelos quais pode ocorrer são visto em detalhes nos itens que se seguem.
diminuição acentuada de alguma pro-
priedade mecânica, em especial da 16.1 Morfologias Degeneradas
tenacidade. Estes mecanismos são
de Grafita em Ferros
denominados de fragilizações. Alguns deles ocor-
rem na fabricação do componente, enquanto outros
Fundidos Nodulares
podem ser provocados também na sua utilização, de A forma da grafita, como discutido no capí-
modo que não basta a produção de uma peça com as tulo sobre Propriedades Estáticas dos Ferros Fun-
propriedades especificadas, muitas vezes é preciso didos Nodulares, é uma das importantes variáveis
também orientar o cliente sobre a sua utilização. de microestrutura que influenciam as propriedades
Algumas fragilizações estão associadas a mecânicas. Pequenos desvios da forma esférica ge-
defeitos de microestrutura. Assim, este capítulo ralmente não tem consequência sobre as proprieda-
contempla também uma discussão sobre defeitos des mecânicas, e, portanto, não são considerados
de microestrutura, mesmo que alguns deles não se defeitos de microestrutura. Entretanto, quando a
reflitam em perda acentuada de resistência ou duti- forma degenerada de grafita excede 10% do total
lidade. A intenção de reunir num só capítulo os de- de grafita presente, seu efeito torna-se evidente. As
feitos de microestrutura, junto com os mecanismos primeiras propriedades afetadas são a resistência
de fragilização, objetiva enfatizar a importância do ao impacto e a redução de área (estricção). Seguem-
controle destes aspectos microestruturais. se diminuições do limite de resistência e do alon-
Os mecanismos de fragilização e os defeitos gamento. O limite de escoamento é menos sensível
de microestrutura dos ferros fundidos podem ser à presença de grafitas degeneradas (DFB, 1991,
agrupados como se segue: Javaid & Loper, 1995). Limite de fadiga, resistência
• Morfologias degeneradas de grafita ao impacto e tenacidade à fratura são propriedades
• Distribuição inadequada de grafita que também são afetadas por formas degeneradas
• Presença de fases indesejáveis de grafita (Ruff & Doshi, 1980).
• Decoesão em contorno de grão A maioria das formas irregulares de grafita em
• Fragilização por hidrogênio ferros fundidos nodulares tende a ocorre em pon-
• Fragilização por exposição a líquidos tos quentes da peça ou junto a massalotes, onde a
velocidade de solidificação é baixa. A Figura 16.1
Deve-se registrar que a manifestação da fragi- mostra o efeito da espessura da peça sobre as pro-
lização pode ocorrer apenas em condições específi- priedades mecânicas, para espessuras até 300 mm
cas. Assim, por exemplo, decoesão de contorno de (Barton, 1972). Nos nodulares ferríticos a maior
grão, provocada por segregação de fósforo, não é redução ocorre no alongamento, enquanto nos no-
revelada por ensaio de tração, porém se manifesta dulares perlíticos o limite de resistência é a proprie-
claramente em solicitações de impacto; por outro dade mais afetada. A Figura 11.9 do capítulo sobre
lado, fragilização por hidrogênio é revelada em en- Resistência ao Impacto dos Ferros Fundidos ilustra
saios de longa duração, como fadiga estática ou en- o efeito da nodularidade sobre a resistência ao im-
Tabela 16.1 – Efeito de contaminação com chumbo sobre as propriedades mecânicas de ferro fundido cinzento (BCIRA Broadsheet 50, 1986).
A
cabeçote, pistão, carcaças), como será visto no de-
necessidade de redução de consu- correr deste capítulo. A Tabela 17.1 mostra que o
mo de combustível tem imposto uma consumo de alumínio em veículos é particularmen-
pressão constante para a substituição te importante nos países desenvolvidos. O custo do
de materiais em veículos, priorizan- alumínio continua sendo uma barreira considerável,
do‑se a utilização de materiais leves. principalmente em carros populares. A Tabela 17.2
A Figura 17.1 mostra o resultado desta tendência, mostra que as peças fundidas representam a maior
com presença importante dos plásticos e de ligas de parcela da utilização de alumínio em veículos.
alumínio. O peso total dos veículos, entretanto, tem Discutem-se a seguir aspectos que influen-
aumentado nos últimos anos, devido à incorporação ciam a seleção de material nos principais compo-
de novos sistemas ao veículo, objetivando aumentar nentes fundidos de veículos.
a segurança, o conforto e o desempenho. Este au-
mento do peso do veículo traduz-se em consumo de 17.2 Bloco de motor
combustível crescente (Figura 17.2), o que aumenta
O bloco de motor representa uma parcela
a pressão sobre a substituição de materiais.
considerável do peso do motor (Figura 17.3), e,
portanto, tem sido objeto da atenção dos projetistas
para a utilização de ligas leves, alumínio e magnésio,
neste componente. A Figura 17.4 mostra a diferença
Figura 17.1 – Utilização de materiais em automóveis europeus, Figura 17.2 – Consumo de combustível de motores a gasolina e
em 2005 (Costes, 2006). a diesel (Hofbauer, 2001)