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PALAVRAR

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MINÚCIAS DA MORTE –
RESENHA CRÍTICA DO FILME A PARTIDA

Minutiae of Death –
Critical Review of the movie A Partida

1
Andréia de Sousa Martins

Título: A Partida
Título Original: Okuribito
Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue, Kazuko
Yoshyuki, Kimiko Yo, Takashi Sasano.
Direção: Yojiro Takita
Gênero: Drama
Duração: 130 min.
Distribuidora: Paris Filmes
Estreia: 05 de Junho de 2009

odo trabalho relacionado à morte e suas representações é visto, no


mínimo, como uma atividade inferior ou indigna por toda a sociedade. É a
partir desta idéia que trabalharemos, nesta resenha crítica, os assuntos
abordados pelo filme A Partida, de Yojiro Takita, vencedor do Oscar 2009 de
Melhor Filme Estrangeiro.
O filme conta a história de Daigo Kobayashi, um jovem violoncelista
que retorna de Tóquio para a sua cidade natal, no interior do Japão. Lá,
começa a trabalhar como agente responsável pelo Noukan – o ritual de
acondicionamento de corpos japonês. Nossa análise será focada no caráter
comunicacional que esse ritual estabelece entre os que estão partindo e os
seus familiares, evidenciando os preconceitos enfrentados por esses
profissionais, em diversos momentos, na narrativa fílmica. Deixaremos as
análises estéticas de lado e nos preocuparemos em trazer a ritualística
cultural da morte para mais perto de nós.

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Revista PALAVRAR - João Pessoa - Ano 1, vol. 1, n. 1, p. 113-118 - Abril de 2010 – Semestral
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“Agora percebo como minha vida foi inexpressiva até hoje”. Com essa
frase, somos apresentados ao músico Daigo Kobayashi e introduzidos ao
mundo dos rituais funerários com a preparação do corpo de Tomeo, uma
jovem hermafrodita que cometera suicídio. O ritual de “Acondicionamento”,
como é chamado, garante uma partida pacífica do falecido. Em seguida, com
um flashback, somos transportados à Tókio para conhecer a vida de Daigo
dois meses antes. Com a dissolução da Orquestra Filarmônica onde
trabalhava e sem perspectivas de continuar a viver da música, surge a idéia
de retornar para sua cidade natal, Yamagata. Sua esposa, Mika, é favorável à
mudança e o casal vai morar na casa em que Daigo cresceu, onde sua mãe
morreu e onde seu pai, que os abandonou quando ele ainda era criança,
possuía um bar. Procurando ofertas de emprego no jornal local, ele se
depara com o anúncio da empresa NK Agent – Ajudando a partir, que ele
pensa ser uma agência de viagens.
Assim, conhecemos a figura enigmática do Sr. Ikuei Sasaki, o chefe, e
de sua secretária, Yuriko Kamimura. Ele explica que o “ajudando a partir”,
na verdade, por um erro de digitação, é “ajudando os que partiram” e que a
NK Agent é uma agência especializada em acondicionar os corpos dos
mortos antes da cremação ou do enterro. NK vem de Noukan, que,
literalmente, significa “pôr no caixão”. Daigo fica espantado com o trabalho,
mas o aceita, e começa a conhecer as etapas e, principalmente, as
dificuldades do ramo.
Concomitantemente ao avanço de Daigo nas tarefas do trabalho,
vamos conhecendo também outros personagens da cidade de Yamagata,
como a proprietária da Casa de Banhos Tsurunoyu, a Sra. Tsuyako, e seu
filho, Yamashita, que insiste em vender o imóvel para a construção de um
prédio de apartamentos. Conhecemos também o grande amigo da Sra.
Tsuyako, o Sr. Shokichi Hirata, cliente da casa de banhos há décadas. Mas,
mesmo assim, Daigo ainda demora a se acostumar ao trabalho; neste ponto,
começamos a conhecer melhor sua estreita relação com a música, quando
ele volta a tocar o seu violoncelo de criança, e percebemos o quanto
bloqueou lembranças do pai, ao ponto de sequer lembrar o seu rosto. Depois
de diversos trabalhos como assistente do Sr. Sasaki, Daigo já tem autonomia

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para realizar o ritual do Noukan sozinho. É quando a opinião pública


aparece: Yamashita, filho da dona da casa de banhos, o encontra na rua e
tem vergonha dele. Impede, inclusive, que sua mulher e filha o conheçam
melhor e pede que ele arrume “um trabalho decente”.
Em casa, Mika descobre o verdadeiro trabalho do marido e também
sente vergonha, pois ainda pensava que ele trabalhava para uma agência de
viagens. Ela pede que ele arrume “um trabalho normal” e que deixe este,
mas Daigo se recusa e ela diz que vai voltar a morar com os pais até que ele
peça demissão. Tem nojo de seu toque quando ele tenta segurá-la. Em
seguida, Daigo é comparado a um fracassado durante o acomodamento de
um corpo e resolve pedir demissão. Assim, ele acaba conhecendo melhor o
Sr. Sasaki, seu chefe, que lhe conta como entrou no ramo funerário.
Voltamos ao início do filme, ao acondicionamento do corpo de Tomeo.
Daigo continua só e se dedica cada vez mais ao trabalho. O tempo passa,
diversas cerimônias de acondicionamento são mostradas. É aí que Mika
volta, grávida e, ao mesmo tempo, a dona da casa de banhos, Sra. Tsuyako,
morre. Daigo é chamado para fazer o acondicionamento de seu corpo e Mika
o acompanha. Mika e Yamashita, os que mais discriminavam seu trabalho,
compreendem sua importância. Isso só aconteceu porque a Sra. Tsuyako era
querida por ambos. Assim, nos deparamos com outra pessoa que lida com os
mortos: o Sr. Shokichi Hirata, grande amigo de Tsuyako, que é responsável
pelos fornos crematórios.
Mika e Daigo fazem as pazes e ele partilha algumas lembranças de
infância ao dar-lhe uma “pedra-carta”, da mesma forma que seu pai havia
lhe dado quando criança. Ele explica: “os antigos, antes da invenção da
escrita, procuravam uma pedra que expressasse seus sentimentos e a davam
aos seus entes queridos. Quem recebia a pedra podia ler os sentimentos do
outro pelo peso e textura. Uma pedra lisa era sinal de um coração sereno.
Uma pedra áspera, que a pessoa estava em dificuldades.” Mika recebe uma
correspondência avisando da morte de seu sogro, Hideki Kobayashi. De
início, Daigo se nega a ir vê-lo, mas acaba indo. Ao perceber a forma
desleixada com que os agentes funerários tratam o corpo, decide, ele
mesmo, acondicioná-lo. Assim, descobre que seu pai nunca o esquecera e

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consegue se lembrar, nitidamente, de sua feição. Isso faz com que reconheça
a figura de seu pai.

Apreciação Crítica

De forma leve e animada, somos imersos nesse mundo fantástico do


trabalho com os mortos. Com atuações bem características dos filmes
japoneses – humor físico e expressões faciais bem marcantes – sem
perceber, vamos refletindo a respeito da vida e da morte, tema muito caro ao
cinema. Este era um resultado esperado para um filme que trata desta
temática, mas a forma com que chegamos a esse resultado é que é inusitada.
A própria reação de Daigo, quando fica conhecendo o teor do trabalho que
terá de desenvolver, é negativa. Ele, como representante da massa que
marginaliza e inferioriza o trabalho com os mortos, não poderia agir de outra
forma, visto que ainda não conhece, de fato, todas as minúcias que envolvem
essa lida. Sentimos também certo receio ao acompanhar seu trabalho com o
Sr. Sasaki, mas, aos poucos, com o privilégio onipresente do espectador,
vamos conhecendo, com uma enorme riqueza de detalhes, todos os
processos envolvidos nessa atividade, como a significação de cada passo do
ritual, como por exemplo, a necessidade da limpeza do corpo, significando “o
primeiro banho de um novo nascimento”, a feitura da barba, da maquiagem,
e da pele não ser mostrada a fim de preservar a dignidade do falecido.
Questões de dignidade e honra são muito caras à sociedade japonesa,
o que pudemos comprovar ao longo de diversos episódios na História. Um
exemplo disso, bem perto do nosso tema, é o suicídio – utilizado tanto para
honrar quanto para depreciar. Morin (1976) nos fala da honra no suicídio,
identificada nos Kamikazes, como exaltação da pátria, e a depreciativa,
aquela que visa desonrar o outro, como no caso dos que cometiam o
haraquiri na porta de seus adversários.
Para nós, é importante destacar o caráter comunicacional presente em
todos esses atos: o suicida visa, com sua morte, dizer algo que não pôde
dizer em vida – sejam mensagens de honra ou de dor. Os agentes funerários,
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através de seus atos, na preparação do corpo, transmitem mensagens que


são direcionadas tanto para os que morreram quanto para os que ficaram.
Para ilustrar essa situação comunicacional especial da morte, devemos nos
lembrar das palavras de José Luiz de Souza Maranhão (2008): “não se morre
mais como antigamente”. Morin (1976) e Ariès (1977) também salientam
que, nos séculos XVI e XVII, as pessoas “pressentiam” a chegada de sua hora
e podiam, tranquilamente, antes de fechar os olhos em definitivo, organizar
seus últimos desejos e preparativos, presidindo uma “cerimônia pública
aberta às pessoas da comunidade”, onde era imprescindível a presença de
familiares e amigos, que assistiam e participavam de tudo: “desse modo se
morreu durante séculos” (MARANHÃO, 2008; p.8). Estes pesquisadores
defendem que esse tipo de comportamento era possível por conta do ritmo
tranqüilo com que se vivia nesses tempos, quando as pessoas podiam prestar
mais atenção em sinais importantes de seu próprio corpo e, assim, “sentir” a
aproximação de seu fim.
Toda essa comunicação corporal e do indivíduo para o seu ambiente
familiar e próximo se esvaiu ou está extremamente escassa em nossa
sociedade. O que mais nos chama atenção aqui é a substituição de uma
forma de comunicação com o morto por outra. A família sai e entram os
serviços especializados, pessoas estranhas ao falecido. Assim, nos
lembramos da fala de Yuriko, secretária do Sr. Sasaki, no inicio do filme,
sobre o Noukan já ter sido feito pelos familiares dos mortos, antigamente, e
ter se terceirizado. Isto reflete a inversão dessa situação comunicacional e,
hoje em dia, é ilustrada pela reação de Yamashita e de Mika: as pessoas se
distanciaram de tal forma da morte que se esquecem até de que é um
acontecimento normal, natural, e passam a temê-la tanto que sentem até
nojo das pessoas que estão relacionadas a ela.
No Brasil, por possuirmos uma cultura de luto e de preparação dos
mortos diferente dos orientais, podemos utilizar os coveiros como exemplo
desse pensamento inferiorizado: a população tende a taxá-los como pessoas
sem preparação, sem estudo, e que só exercem essa profissão porque não
tem outra escolha. O mesmo deve acontecer em outros lugares do mundo,
pois esse distanciamento é culturalmente desenvolvido desde muito tempo,

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não é local; podemos até dizer que se trata de uma definição presente no
inconsciente coletivo (JUNG, 2006).
Mas, de toda forma, nos é possível, apesar do distanciamento da
morte atual, ou do “tabu da morte”, conforme definiu José Carlos Rodrigues
(2008), enxergar a necessidade deste tipo de ritual em nossa sociedade,
mesmo que não seja mais realizado por quem de direito. Se esta etapa fosse
pulada, se acabássemos de vez com os rituais de morte e de luto – o que
acreditamos impossível – nos seria muito mais complicado superar o
rompimento que a morte causa. De toda forma, a comunicação com o morto
nunca cessa: acontece em sonhos, em lembranças e em qualquer tipo de
objeto ou ação que nos lembre dos que já se foram. Essa comunicação
permanecerá.
A diferença é a forma com que nós a conduziremos, já que a estrutura
formal de interação será substituída por uma exclusivamente unilateral.
Então, chegamos a duas instâncias de substituição: a primeira,
culturalmente transformada pelo afastamento da morte, pela criação do
“tabu da morte”, definida pela transferência do tratamento dos mortos da
família para as casas funerárias já especializadas; e, a segunda, em termos
estritamente comunicacionais, da troca da estrutura de relacionamento
entre o que fica e aquele se vai – e necessitamos nos prender aqui somente
aos fatos científicos, abortando aqueles espirituais, religiosos e
supersticiosos – a relação comunicacional se torna unilateral: apenas os
vivos lembram-se dos mortos, primeiro com freqüência, depois, somente em
datas ou em acontecimentos específicos.
A forma com que o filme lida com essa substituição em primeira
instância (família – funerária), retratando tão bem as dificuldades
enfrentadas por esse ramo de atuação tão necessário e, ainda assim, tão
descriminado, nos faz esquecer todos esses trâmites e desejar sermos tão
delicada e respeitosamente tratados no dia de nossa morte, não importando
por quem seja. Amém.

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1 Estudante do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo – da


Universidade Federal da Paraíba.
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