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Número 5 – Abril 2011
Judiccaël Perro
oy
Miguel Carva
alhinho
Alan
n Rawstho
orne
Guita
arra Clássica
Editorial:
Na sua entrevista, Judicaël Perroy refere como acha extraordinário ver que existem cada vez
mais crianças dedicadas à música clássica. Os efeitos positivos no desenvolvimento cerebral
das crianças encontram‐se amplamente estudados e muitos de nós já ouvimos falar sobre o
efeito Mozart (nome que poderá suscitar incorrectas interpretações dado que muitas pessoas
pensam que se deverá ouvir apenas música de W. A. Mozart).
O que mais poderá fascinar será como nos dias de hoje, apesar de todas as distracções
possíveis e imaginárias, encontramos jovens plenamente dedicados ao estudo da música. As
horas passam muito mais rapidamente quando nos encontramos embrenhados em distracções
que nos induzem a um estado hipnótico, estado alfa, actividades como ver televisão ou jogar
computador. Tal como em toda a educação, a facilidade não pode estar presente. O carácter
individual do estudo musical reclama uma atenção e exclusividade por parte do músico. O
músico não deverá favorecer a comodidade de um passatempo em detrimento de uma relação,
de afecto e constante pesquisa, com a sua arte.
Pedro Rodrigues
Estará o meio artístico português sentenciado? Para quem ainda se encontra em negação, a
resposta é inequivocamente sim. A Holanda, um dos expoentes máximos da cultura europeia
verá o seu orçamento para as artes reduzido em cerca de 25% o que levou milhares de músicos
às ruas em protesto em Outubro de 2010. Não estamos mais no campo do desconhecido. O
caminho que será tomado no futuro no que às artes diz respeito é mais do que previsível, é
uma certeza. Estaremos preparados para tal cenário?
Portugal não estando só na cauda da Europa geograficamente mas também social e
economicamente, terá forçosamente de evoluir ideias e conceitos em prol da sua
sobrevivência. Parafraseando António Pinho Vargas em Música e Poder, é o momento das
respostas individuais criativas, independentemente do destino do património artístico.
João Henriques
Índice:
Entrevista a Judicaël Perroy 4
Entrevista a Miguel Carvalhinho 13
Estratégias de estudo 17
Novas Gravações 62
Páginas com Música 64
Equipa: Marcos Vinícius Araújo, João Henriques, Tiago Cassola Marques,
Pedro Rodrigues, Manuel Tavares
Guitarra Clássica
Entrrevista a Judicaël Pe
erroy
Por Pedro Rod drigues
erroy ‐ Comecei a estuda
Judicaël Pe ar guitarra qu
uando
tinha 7 anos mas inicialmentee queria esstudar
acordeão por razões que não sei bem expliccar. O
m pouco dee guitarra como
meu pai tocava um
amador, mas um amador
a esclarecido no
o que
respeita a
a música clássica. E foi portanto ele
e que
me impulssionou a esttudar guitarrra e me insccreveu
no conservvatório do centro de Parris. Apesar d
de não
estar particularmente motivado n
nos primeiro
os seis
meses, alguma
a coisa acontecceu e con
nsegui
perceber perfeitamen
nte como tudo funcionava na
guitarra. É
É algo que não sei exp
plicar muito
o bem
como aco
onteceu maas consegui tocar todas as
músicas do livro em leitura à primeira vista. E te
er esta
capacidade indiccava que era
e bastantee dotado para a
guitarra. Na alturra tinha um professor m
mediano, que
e aliás não to
ocava guitarra clássica, o
o meu
pai procurou um novo professsor, alguém mais compe
etente e foi ffalar com Ro
oberto Aussel após
oncerto. E os primeiros eestudos a sério começaraam aos 9 ano
um co os pois estud
dei com ele e
e com
Delia Estrada durante
d doiss anos. Co
omo era ne
ecessário qu
ue tivesse um diplom
ma do
conseervatório, esstudei posteeriormente com
c Raymon
nd Gratien que
q foi o meeu professorr mais
importante pois eestudei com ele entre oss 11 e os 15 anos. Foi com ele igualm
mente que fizz mais
progrressos.
Guita
arra Clássica
de aulas correu de modo relativamente difícil pois tive dificuldade em ajustar‐me às aulas.
Tinha um imenso respeito por Ponce enquanto professor, alguém que é muito dedicado aos
seus alunos mas aquilo que me queria ensinar não se adequava de todo a mim e foram aulas
muito difíceis. Após este período de estudo, fiz poucos concursos, fiz o GFA em 1997 e a partir
desse momento comecei a ter bastantes concertos o que também motivou que fizesse poucos
concursos em comparação com muitas pessoas. Devo ter feito 7 concursos tendo começado
em concursos internacionais aos 14 anos. Nessa idade ganhei o segundo prémio, pois aos 14
anos já tinha as mesmas capacidades técnicas que actualmente possuo. Musicalmente
diferente como seria de esperar mas tecnicamente era bastante semelhante ao que sou hoje.
RGC – Em entrevistas mais antigas, refere frequentemente o piano como instrumento de referência. Que
outros músicos considera que influenciaram a sua maneira de pensar a música?
JP ‐ Quando era mais novo nunca ouvi outra música sem ser a erudita e até aos 13‐14 anos ouvi
unicamente música para guitarra clássica. A partir dos 14 anos comecei a ouvir outras coisas, comecei
com as cassetes que existiam em casa dos meus pais e consistiam em Polonaises de Chopin tocadas por
Maurizio Pollini e obras de Granados interpretadas por Alicia de Larocha. Fui de certo modo influenciado
pelo meu pai que ouvia bastantes vezes os Impromptus de Schubert por Brendel e assim fiquei também
eu imerso nesta música.
Na altura em que parei de estudar guitarra, por coincidência, fui ver um concerto do pianista Nikita
Magaloff que estava a fazer a integral de Chopin e partir desse momento comecei a ouvir cada vez mais
este instrumento. No que respeita aos intérpretes não diria que me influenciaram, mas sim que
marcaram, pois não tenho a pretensão de dizer que tenho a influência de tais músicos na maneira como
toco. Muito especificamente, existem quatro: Pollini que devo ter visto em concerto pelo menos umas
vinte vezes; Brendel que vi igualmente em diversas ocasiões; Richter que vi apenas uma vez em 1995 e
finalmente Rudolf Serkin que conheci através dos seus discos de Beethoven. Após ter ganho o concurso
Bartoli, a primeira coisa que fiz foi comprar a integral das sonatas de Beethoven.
RGC – E o que admira mais em cada um desses músicos?
JP – É bastante difícil definir. Evidentemente, após alguma reflexão chegamos à conclusão que existe um
ponto comum: a ausência de compromisso perante o repertório há muito estandardizado, algo que o
piano permite com alguma facilidade pois o seu repertório é de facto enorme. E cada um desses
músicos tem as suas características: destaco em Brendel a maneira como cada interpretação é estudada
e aprofundada, mesmo que tenha gravado várias vezes as mesmas obras, cada gravação apresenta
sempre novidade e frescura e é algo que acho admirável, tal como o facto de ser alguém que escreveu
bastante sobre a música, análise, interpretação e a sua profissão. Em Richter, que é o meu pianista
favorito, admiro as suas escolhas radicais. Tem uma quantidade de repertório alucinante, maior que
qualquer outro pianista. O facto de tomar riscos em concerto e há mais do que essa ausência de
compromisso: quando o vi ao vivo, tocava no escuro e com alguém ao lado que lhe virava as páginas.
Guitarra Clássica
Não víamos as mãos e como não as víamos, tínhamos a capacidade de ouvir muito melhor. Para ele
havia esta necessidade de concentração na audição por parte do público. Em Pollini salientaria a
perfeição técnica mas esta perfeição não é um objectivo em si, como se nota nos concertos onde
sentimos uma urgência em comunicar. Sinto, no entanto, que acabo por ter uma maior ligação com
Brendel.
RGC – Quais os factores que o motivam a escolher determinadas obras e qual o seu método de estudo e
aproximação às peças?
JP – É um método muito lento e está a tornar‐se cada vez mais lento (o que é um pouco inquietante). Há
muitas obras que gosto muito e à medida que as vou trabalhando dou‐me conta que "não, não é isto
que quero fazer". Como agora não tenho de fazer concursos, não tenho imposições. Há imensas obras
que gosto de ouvir e que gostaria de tocar, mas uma vez que para tocar bem as peças preciso de as
trabalhar muito, eu tenho de gostar muito delas o que acaba por limitar a minha escolha. Por exemplo,
a sonata de Tedesco, é uma peça que gosto muito e que trabalho frequentemente com os meus alunos.
Já a comecei a estudar 3‐4 vezes porque tinha evidentemente vontade mas de cada vez que a estudava
perdia o interesse pela obra.
Como sou alguém bastante ocupado com concertos e aulas, preciso de uma enorme motivação para
encetar o estudo de uma obra nova. Por exemplo, um amigo transcreveu a partita de Bach (Tristan
Manoukian – Partita nº2) e essa obra sim, tive uma grande vontade de estudar pois era algo que gostava
mesmo muito. Uma peça que comecei por tocar e depois deixei, seja por achar que não era capaz de a
tocar bem ou porque não tinha inspiração suficiente, foi a Introdução e Capricho de Regondi. Portanto,
o mais importante agora é considerar que as obras valem realmente a pena.
RGC – E foi esse o critério para o novo disco que irá sair brevemente editado pela Naxos?
JP – Os dois discos anteriores a solo foram discos com programa tipo recital, diversas obras sem uma
verdadeira ligação entre elas. O próximo disco, com obras de Bach, não surgiu com esse propósito de ter
uma coerência temática porque é algo que já foi feito. Não reivindico o facto de tocar bem Bach, não
tenho essa pretensão, aliás quando me pedem para falar da música de Bach sinto‐me completamente
incapaz de o fazer. Mas, é uma música que sempre esteve comigo e sem me dar conta apercebo‐me que
quando tinha 16 anos, bastante isolado a nível guitarrístico, já tocava duas suites (uma para alaúde,
outra para violoncelo e a Chaconne).
A vontade de tocar a música de Bach esteve portanto sempre presente e para este novo disco, esta
escolha, muito pessoal, foi aceite pela Naxos especialmente graças à Partita nº2. A suite BWV 997 foi a
primeira peça de Bach que estudei seriamente, aprendi‐a quando tinha 13 anos. Para este trabalho tive
de a reaprender após um hiato de mais de 20 anos e evidentemente surgiram muitas alterações tal
como o grau de exigência e trabalho que se modificou substancialmente. É sobretudo um projecto
pessoal e tal fará com que toque bastante Bach, não sendo no entanto uma reivindicação, é obviamente
Guitarra Clássica
um dos grandes compositores de sempre e o prazer que retiro das suas obras é suficiente para justificar
esta escolha.
RGC – Em outros artigos seus menciona frequentemente a música de Bach e a problemática que dela
surge. Nomeadamente o Prelúdio, Fuga & Allegro BWV 998.
JP – Sim, comecei a tocar essa obra há cerca de 4 anos. De vez em quando retiro‐a do repertório e
depois volto a tocá‐la e isso é algo que acontece com alguma frequência. Não sei porque tal acontece,
pois tenho a sensação que a trabalhei bem e tenho a obra tecnicamente bem dominada. Há no entanto
sempre algo que não me agrada e acho que esse é um problema que acontece com muitas pessoas, não
apenas em Bach mas em toda a música (talvez particularmente evidente em Bach). Há um equilíbrio
hiper‐complicado entre o rigor e a vertente mais lírica e podemos sempre pensar na frase "tocar Bach
como Chopin e Chopin como Bach" pois Chopin é um compositor muito clássico, longe da imagem ultra‐
romântica que temos actualmente.
A música de Bach, por seu lado, tem muita sensualidade e penso que esse equilíbrio é realmente difícil
de atingir. Convém dizer que estudei parcamente as disciplinas de análise e contraponto e a capacidade
de análise que possuo surgiu de modo instintivo. Desenvolveu‐se muito com a audição de discos e a
verdade é que aprendemos muito de análise e solfejo ao ouvir. É muito difícil fazer a ligação entre
aquilo que estudamos e o que tocamos e parece‐me urgente a necessidade de criar a disciplina de
"estudos de interpretação". Por exemplo, analisar boas interpretações e ver quais os pontos que fazem
com que gravação X ou Y se destaque das outras. Tal permitiria uma ligação entre a análise e a
interpretação e é algo sobre o qual tenho vindo a pensar recentemente e faço‐o regularmente com
alunos, ouvindo diferentes versões da mesma obra. Em França, e em mais países, temos a análise de um
lado e o instrumento de outro e estes dois nunca estão conectados e é frequente ver pessoas que são
muito boas em análise e que quando tocam fazem erros típicos de pessoas que não têm uma boa
capacidade de análise.
RGC – É curioso notar como existe muitas vezes uma sobrecarga de disciplinas teóricas sem uma
verdadeira aplicação prática na disciplina principal.
JP – É um facto. E consideremos ainda o facto de muitas vezes os guitarristas trabalharem
paralelamente ao curso, todos estes elementos que "roubam" tempo são flagrantes sobretudo nesta
altura em que surgem guitarristas muito bons cada vez mais novos. Tenho alunos que tiveram muito
sucesso por volta dos seus 20 anos e por outro lado tenho outros alunos que são muito bons também
mas que com 23‐24 anos têm a impressão de já estarem completamente ultrapassados e "velhos". É
algo que compreendo mas não deixo de achar absurdo pois quando alguém toca bem, simplesmente
toca bem seja qual for a sua idade e aos 23‐24 anos temos uma vida inteira para continuar a evoluir.
Contudo, estes alunos têm a impressão de estar atrasados porque com esta idade não ganharam o GFA
por exemplo.
É preciso notar que nem todas as pessoas que tocam bem vão ganhar este tipo de concurso e é por isso
que é importante desenvolver outros caminhos. Para além disso, o facto de ganhar concursos ou fazer
Guitarra Clássica
conceertos não garaante que uma pessoa contin
nue a evoluir musicalmentee. Há imensass pessoas que fazem
muito
os concertos p mos sempre a noção que algo dentro deelas já morreu
por ano e tem u. O essenciall passa
por deesenvolver o interesse e a ssua maneira d
de se exprimirr através da m
música.
RGC –– Dessa consta
ante procura d
de desenvolvimento surge o
o duo com Jérrémy Jouve?
onheci Jérémyy quando ele tinha 19 ano
JP – SSim, é muito importante reeferir isso. Co os e eu teria 2
25. Na
alturaa já tocava muitíssimo
m m e tornámo‐nos amigos antes de term
bem mos decidido fazer o duo.. Certa
alturaa tive vontade de fazer música
m de câm
mara, por um
ma necessidad
de de pesquiisa, para não
o estar
sempre a viajar sozzinho e por vo
ontade de parrtilha musical.. Evidentemen
nte, não é fáccil encontrar aalguém
com quem nos entendamos e
e que simultaneamente gostemos
g com
mo instrumen
ntista, alguém
m que
estimule a criatividade musical m
mutuamente.
E assim propus a Jérémy que fizzéssemos estee duo, algum tempo antes de ele ganhaar o GFA. Ape
esar de
eu serr mais velho, ele tinha basttante mais experiência que
e eu a nível daa música de cââmara, uma vez que
tive apenas raras eexperiências n
neste campo. Temos uma maneira semeelhante de veer a música, m
mesmo
se exiistem diferençças consideráveis entre nós, por exemplo o Jérémy, o
ouve imensos estilos de mú
úsica e
ovisa bem, musicalmente aberto (fez música
impro m indianaa) enquanto eu, faço exclusivamente música
m
clássicca e ouço excclusivamente m ma decisão minha o facto d
música clássicca. Não foi um de ouvir apenaas este
génerro musical, maas foi este gén
nero que me m
motivou e que
e presentemeente desperta interesse.
RGC –– Quais são oss próximos pro
ojectos do vossso duo?
JP – Existe o projeecto de gravar um disco co
om música de
e compositorees franceses. Tristan Mano
oukian,
que fez a traanscrição de Bach, transccreveu
recentemen
nte a Suiite Bergamasque.
Teremos César
C Franckk (francês à
à sua
maneira…) e uma transcrição de Rave
el. Será
uma gravaçção que farem
mos para a Naxxos.
Guita
arra Clássica
RGC – A sociologia é uma das suas grandes paixões. Sente que a situação de crise económica tem
paralelo com uma crise cultural?
JP – É muito difícil comparar as histórias das diversas culturas. É certo que há cerca de uma/duas
centenas de anos, a cultura pertencia a 0,1% da população. Existe actualmente o fenómeno da cultura
de massa mas simultaneamente temos sempre tendência a pensar que no passado era bastante melhor.
O que tenho a certeza é que quando dou aulas a alunos jovens, que estão a começar a estudar guitarra,
parece‐me sempre milagroso como estes jovens de 10‐11 se interessam por música erudita uma vez que
esta é muito pouco valorizada. É algo que me impressiona sempre, como se a necessidade de cultura do
Homem, não pudesse ser apagada, independentemente da necessidade, da crise, do desemprego ou da
necessidade de fazer mais dinheiro.
Como disse, durante algum tempo imaginei a minha vida sem música, mas penso que a vida sem Arte,
sem cultura, ficaria desprovida de sentido. Sobra certamente o Amor mas falta‐lhe uma vertente
espiritual (e não sou crente) que apenas a Arte poderá dar. Acredito que a mais forte espiritualidade
reside na cultura e é algo vital. Se nos contentarmos meramente com comida, dormir e por aí fora, se
perdermos a componente cultural da nossa existência não seremos diferentes dos animais. O Amor, é
difícil saber o que é, existem definições complicadas mas muitos animais vivem em casal para sempre e
isso acaba por ser amor também. Ao fim ao cabo, a Cultura é uma produção exclusivamente do Homem
e é uma necessidade, infelizmente pouco valorizada no momento presente.
RGC – Enquanto professor (e um dos professores mais pretendidos actualmente) o que procura
especificamente nos seus futuros alunos?
JP – É complicado de definir. Tenho a sorte de, desde há 9‐10 anos, ter alunos muito bons à partida.
Quer isto dizer que chegam com um nível já muito alto o que como é evidente, torna mais fácil o
trabalho futuro. Actualmente, tenho também a sorte de poder escolher e é um pouco difícil de dizer o
que motiva a selecção. Mas, gosto que os valores que tenho na vida musical sejam semelhantes aos dos
futuros alunos. Se um aluno quer apenas ser muito famoso e tocar coisas de um gosto duvidoso aí tenho
a certeza de não querer trabalhar com ele. Procuro alguém que seja realmente dedicado à Arte, que
tenha necessidade da Música para se exprimir, que tenha necessidade de viver a Música que seja
relativamente similar à minha.
Depois deste período de aulas, cada um terá o seu próprio percurso e vejo isso nos alunos que tenho
pois todos fazem percursos incrivelmente diferentes, e dentro desses percursos, vejo que a minha
influência é relativamente fraca o que é muito bom, pois o percurso deve pertencer exclusivamente às
pessoas. Poderão ser pessoas com objectivos comuns: melhorar ou trabalhar determinados aspectos
mas no fundo ficarão sempre eles mesmos.
RGC – E quais são aqueles que considera como os seus principais ensinamentos?
Guitarra Clássica
JP – Fico muito contente se sentir que os alunos são felizes enquanto estão a fazer música ou que
eventualmente vão continuar a fazer música durante muito tempo, sempre com esta felicidade
presente. Tal felicidade poderá tomar formas diferentes pois nem todos serão concertistas, como por
exemplo Gabriel [Bianco] ou Florian [Larousse], mas se todos chegarem a esta relação positiva com a
música, seja com um concerto por ano ou por ser um professor entusiasta que faz com que os seus
alunos gostem de música, ou músicos de ensembles maiores. Em resumo, quando as pessoas estão vivas
no que respeita a música, posso dizer que cumpri a minha missão quanto ao que deveria acrescentar à
vida de cada um dos alunos. É preciso compreender que não tenho espaço para todos os alunos mas há
espaço para que cada aluno encontre o seu caminho.
Durante um curso que leccionei inserido num festival e cursos de outros instrumentos, havia muitos
violinistas entre 15 e 18 anos, mais novos que os guitarristas, que queriam estudar exclusivamente
concertos. Durante esse curso, foi‐lhes pedido que fizessem música de câmara com outros
instrumentos, algo que não tinham muita vontade, de tal modo que sabotaram o concerto final e
tocaram mal de propósito. Apercebi‐me que dentro destes 300‐400 alunos que estudavam unicamente
concertos, apenas um número restrito irá realmente tocar ao longo da sua vida estas obras e é pena que
não desenvolvam outros aspectos para além deste. E é isso que gostava de expandir no trabalho com os
meus alunos, que possam gostar de música de câmara, que possam gostar de ensinar, que possam estar
vivos com a Música. Evidentemente, sinto‐me muito feliz com o facto de ensinar e sinto que há uma
comunicação e retorno maior durante as aulas do que por exemplo durante um concerto, onde toda a
gente diz que foi muito bem no final, onde não é possível saber exactamente o que as pessoas pensam,
que é algo que acho meio frustrante: perceber que há pessoas que gostam dos concertos por razões
absurdas como tocar rápido. Durante as aulas temos a noção do que a pessoa ouviu e compreendeu
pois houve um verdadeiro intercâmbio de comunicação.
RGC – Como utilizador frequente das novas tecnologias de comunicação, quais as principais vantagens e
desvantagens que destaca deste enorme mundo?
JP – No campo da música, há imensas possibilidades. Se, eu fiz poucos concursos e nunca parti para o
estrangeiro para estudar, tal se deve ao facto de na minha altura ser bastante mais complicado e caro
viajar. Nesse sentido é de invejar a comunicação possível actualmente, comunicação entre alunos e
comunicação também possível com determinados professores. Tenho alunos de diversos países graças a
este poder de correspondência. Do mesmo modo, determinados aspectos mais pueris, como por
exemplo a questão do ataque à esquerda vs ataque à direita, desapareceram pois as pessoas viajaram
muito e consequentemente evoluíram.
Enquanto cada um estava isolado no seu canto ou país, referíamo‐nos a escolas de uma pessoa, "Escola
Lagoya", "Escola Carlevaro", "Escola Ponce" e por aí fora. A partir do momento em que viajamos
apercebemo‐nos que há coisas interessantes um pouco por todo o lado e isso foi muito positivo.
Naturalmente, o verdadeiro problema coloca‐se na indústria discográfica, mesmo que tal não afecte do
mesmo modo os músicos clássicos que não são os principais motivos de venda das editoras. Ao gravar
Guitarra Clássica
para a Naxos, fiquei muito contente naturalmente mas pensei que foi muito bom gravar para eles antes
que deixassem de fazer discos. Os 1500 discos que comprei, perfazem uma bela soma mas se os
comprasse actualmente seria muito mais barato. E este desconto dos preços é demonstrativo da perda
de valores que damos à música. Comprei uma integral de piano, 100 discos por 90 euros, e cada disco é
realmente incrível. É fantástica esta possibilidade mas ao mesmo tempo é perigoso pois podemos
pensar: "Por quê comprar um disco a 15 euros quando posso comprar 100 a um euro cada?" A
globalização faz com existam muitos guitarristas que estejam constantemente em tournée mas de igual
modo faz com que muito poucos sejam realmente conhecidos, não só em guitarra mas em todos os
instrumentos. O que torna impossível que exista um novo Karajan, Rostropovich, etc, pessoas que se
tornam conhecidas apenas pela música.
Actualmente, existe uma razão paralela à música para que os intérpretes sejam conhecidos. Por
exemplo, Lang‐Lang é um representante do novo poderio asiático, Helène Grimaud apoia os lobos, e
cada um tem algo que para além da música faz com que tenha destaque através do media. Antes
existiam pessoas como Horowitz, Rubinstein, Rampal, Lagoya, que eram muito conhecidos unicamente
por aquilo que faziam musicalmente.
RGC – Mas é preciso considerar a força que o marketing tem…
JP – Sem dúvida que há um marketing muito forte. Li recentemente uma entrevista de uma pianista
chinesa que ganhou diversos concursos e nesta entrevista falou de Lang‐Lang e menciona como muitas
histórias em torno deste pianista não correspondem propriamente à verdade. É verdade que o
marketing joga uma carta muito importante mas não deixo de o constatar sem sentir alguma pena. É
óptimo que se queira dar cultura a todas as pessoas mas observo que em vez de levarmos, ou
levantarmos o nível cultural das pessoas, estamos constantemente a baixar o nível da cultura para que
corresponda à média das pessoas.
É algo que não posso fazer na minha vida. Vivo confortavelmente, tenho os alunos que quero, os
concertos, portanto não tenho razões para me deixar controlar por um determinado marketing. Estou
num contexto onde uma vez que não morro de fome, não tenho razões para fazer coisas que não
correspondem com a minha forma de ser. Naturalmente, é preciso pensar que nem todas as pessoas se
encontram nesta situação, que cada um de nós tem os seus próprios motivos, e a verdade é que
infelizmente pode ser muito lucrativo. Certas pessoas fazem certas coisas para serem conhecidas, é a
sua escolha. Se vivemos correctamente não há grandes razões para criticar.
RGC – No entanto a escolha que uma pessoa faz no sentido de querer mais ou menos mediatismo e
exposição acaba por influenciar a sua maneira de pensar a música.
Guitarra Clássica
JP – Claro. Peensemos no m
músico erudito
o mais
conhecido,
c peenso que pod
demos dizer que
q foi
Pavarotti. Algguém que já eera muito conh
hecido
como
c cantor de ópera ee que mais para
p a
frente se torn
f nou ainda maiis conhecido aa fazer
esses eventos
e s de nível fracco. Ele afirmavva que
se divertia a f
s oncertos, portanto é
fazer esses co
um
u direito seeu, mas se no
os perguntarm
mos se
este tipo de c
e concertos levaava mais gente
e a ver
e
e ouvir óperaa, acabo por não ter a cerrteza e
não
n estou co
onvencido qu
ue as pessoaas que
compravam o
c os bilhetes paara ver "Pavarrotti &
bilhetes para ópera.
Friends" fosseem comprar b
Tal sucede igu
T m o violinista André
ualmente com
Rieu,
R que háá uns anos atrás foi, so
ozinho,
re
esponsável po
or 20% das vendas de música
m
eruditta em França.. As pessoas q
que compram
m estes
discoss não vão depois ver conccertos ao vivo
o de formaçõ
ões eruditas. Por muito qu
ue se diga qu
ue trás
novoss públicos à música
m clássicca, tal não é verdade.
v Que
em trouxe as pessoas à música foi Bern
nstein,
atravéés dos seus programas de ttelevisão, Gleenn Gould e outros grandess comunicado
ores. É preciso
o notar
que m
muitas vezes o
o músico clásssico quer guarrdar qualquerr coisa de mággico à sua volta como se trratasse
de um
m mundo heermeticamente fechado. Estive recen m cruzeiro ee algumas pessoas
ntemente num
disserram‐me que para músico clássico era muito simpáático e achavva isso algo iimpressionante. Há
portanto essa noçãão transmitida pela televisão de que o músico clássicco é um génio, incompree
endido,
torturrado, etc. etc. quando na reealidade são p
pessoas que têm talento e sensibilidade mas sobretud
do que
trabalham e que accima de tudo são pessoas n
normais. Mass muitos gostaam de transm
mitir esta imaggem de
magiaa à semelhançça do que aco
ontece por exeemplo com oss cientistas: teemos sempre presente a id
deia do
cientista louco de ccabelos espetaados quando são sobretudo trabalhadorres incansáveiis.
RGC –– Qual a sua im
mpressão sobre a vida mussical portuguesa?
JP – D
Devo dizer qu muito mal apesar de ter visitado algumas vezes Portu
ue conheço m ugal. Como to
odas as
pesso
oas, conheço a pianista Maaria João Pirees. No que re
espeita a guitaarra, é um po
ouco mais diffícil de
falar, evidentemen
nte conheço‐te a ti e tivee a possibilid
dade de conh
hecer músico
os portuguese
es que
estudaram em França. Recordo que a primeiira vez que esstive em Portugal, no festival de Sernan
ncelhe,
assisti a um concerrto de guitarra portuguesa e este concerto teve muitto mais públicco que qualqu
uer um
dos outros
o concerttos de guitarrra, tinha iguaalmente um público
p bastante mais joveem e um ambiente
mais ccaloroso. Estaa relação próxxima com a m ular foi algo que me
música de caráácter mais tradicional/popu
marco
ou bastante pois tem um accolhimento qu
ue não vemoss em todos os países.
Guita
arra Clássica
Entrrevista a M
Miguel Carvalhinho
o
Por JJoão Henrriques
Revistta Guitarra Clássica
C – Ca
aro Miguel, obrigado po
or ter aceita
ado o nosso convite. Falle‐nos
sobree o seu trajeccto como mú
úsico.
Miguel Carvaalhinho ‐ Obrrigado pelo co
onvite.
Eu comeceii a estudar gguitarra clássica no
Conservatório de Castelo
o Branco em 1983,
em 1986 enttrei na classe do professor Carlos
Gouveia, e a
a par das disciplinas teóriccas do
curso, fiz o exame de 5
5º grau. Entre
etanto
como havia uma orquestra de cord
das no
Conservatório, fizemos o
o concerto em
e Ré
Maior de Vivvaldi sob a dirrecção do pro
ofessor
António dee Oliveira ee Silva e com a
participação
o da profeessora Luísaa de
Vasconcelos, duas personalidades
importantes no meio musical porttuguês
nomeadameente na área da música baarroca.
Simultaneam
mente realizeei a licenciatu
ura de
professores do ensino b
básico varian
nte de
português
p in
nglês na Esscola Superio
or de
Educcação de Casttelo Branco.
Frequ
uentei ainda cursos
c de Veerão com o professor
p José
é Diniz. Quan
ndo conheci o
o professor Alberto
A
Poncee nos cursos d
do Estoril, em 1991, fiquei m
muito impressionado com a sua forma impar de ver m
música
e partticularmente aa guitarra. Intterpelei‐o no ssentido de saber se poderiaa estudar em Paris com ele
e. Deu‐
me indicações sobrre o programaa que teria dee estudar e, no ano seguintte, em 1993, d
depois da ediçção do
referido curso, fui para Paris onde
o entrei no
n Conservato
oire d’Aubervvilliers La Cou
urneuve. Doiss anos
depoiis fiz o exame do “Prix” e fiq
quei a fazer o “Perfectionnement” no mesmo conservvatório.
RGC –– Sendo docen
nte na Escola
a Superior de Artes Aplicad
das do Institutto Politécnico de Castelo B
Branco,
qual éé o seu parecer no que diz respeito ao eensino e desempenho artísstico da guitarrra em Portug
gal e o
que see poderia fazeer para melho
orar a qualidad
de destas dua
as vertentes?
Guita
arra Clássica
MC ‐ Penso que esste instrumen
nto tem uma grande aceitaação no públiico em geral devido talvezz à sua
versattilidade. Assim
m, o número de interessad
dos em aprender a tocar guitarra é conssiderável. Porr outro
lado, a presença na
n Internet da
d guitarra, quer
q a nível de
d partituras,, quer a nível de prestaçõ
ões no
YouTu
ube é enormee. Eu costumo dizer que nos enta noventa do século paassado, em Castelo
n anos oite C
Brancco, não tocávvamos o quee queríamos mas sim as partituras qu
ue apareciam
m trazidas que
er por
professores quer pela frequênciaa de alunos nos cursos que
e aconteciam.
Juntando estes dois factores pen
nso que o dessafio para o prrofessor de Gu
uitarra Clássicca é importantte. Por
um laado terá que adequar o programa à no
ova realidade que é ter ob uase todos os dias,
bras novas qu
bastando para isso
o consultar a internet. Porr outro lado ter
t alunos cad
da vez mais iinformados so
obre o
“mundo global” da
d Guitarra Clássica.
C O prrofessor tem que ter a competência
c para aceitar novas
partituras, e ter a capacidade de
d as executaar à primeira vista, ou num curto espaaço de tempo
o, para
satisfaazer a curiosidade do alun
no em relação
o à obra. Teráá ainda que teer uma visão bastante abe
erta do
mund
do da guitarra para estar acctualizado em relação ao qu
ue se passa naa actualidade,, tendo a posttura de
quem
m não sabe tud
do o que se paassa mas está interessado e
em saber…
Em reelação ao desempenho artíístico penso q
que é bastantte melhor porrque há cada vez mais alun
nos de
nível superior em Portugal. A oferta
o das insttituições de ensino
e superio
or tem qualid
dade e a oferrta dos
Conseervatórios e outras
o Escolaas de Música também. De
epois há todaas as actividaades como fe
estivais
organ
nizados com in
nstrumentistaas nacionais o nais ou cursoss, que vão accontecendo durante
ou internacion
todo o
o ano. Esta dinâmica faz co
om que a Guittarra Clássica sseja um instru uma boa divulgação
umento com u
e aceiitação.
Guita
arra Clássica
voltam
m à sua esco
ola vêm mais ricos com ou
utras experiê
ências que são
o creditadas no seu diplo
oma. O
aspeccto que me parece menos positivo é a redução
o da licenciattura para três anos. Parra um
instru
umentista é pouco
p tempo de trabalho a nível supe
erior. No enttanto, se enccararmos a po
ossível
realizaação de um mestrado, qu
ue será inevitável para qu
uem quiser ingressar no ensino ou te
er uma
formaação sólida paara fazer carrreira artística, esse tempo
o passa para cinco
c anos e não três. O ensino
superrior tem agoraa um desafio importante q ecer mestrados com temas interessante
que será ofere es que
m os alunos a continuar na escola ou
aliciem o atrair outros, detentorres de uma licenciatura noutra
n
uição nacional ou estrangeira.
institu
MC –
– Em tempos de crise o meio
m o sofre sempre muito poiis exerce uma actividade que é
artístico
consid
derada supérfflua. Quando o cinto apertaa cortamos prrimeiro no supérfluo… Seria muito impo
ortante
quem governa tivesse outraa visão: Consid
que q derar a música e a arte em geral como u
um bem de prrimeira
necesssidade, tão importante como o “pãão para a boca”.
b Todas as formas de organizaação e
financciamento das instituições d
dependeriam d
deste sinal qu
ue o governo q
quiser dar.
RGC –– De que modo
o veria a asceensão de uma associação na
acional de guiitarra em Porttugal?
ue já existe. Poderia
MC – Penso que seeria muito bem‐vinda uma associação que ajudasse àà dinâmica qu
ser um
m grupo impo
ortante para reeivindicar os d
direitos dos guitarristas e aao mesmo tem
mpo potenciarr todas
as acttividades que se realizam a nível nacionaal.
RGC – Durante
D a sua formação ccomo músico
o quais
foram ass suas principa
ais influênciass musicais?
A influências são tão variadas e tantaas que
MC – As
enumeráá‐las será fastiidioso. Diria eem traços geraais que
a músicaa barroca mee influenciou e foi determinante
no início do meu perccurso enquantto instrumenttista. É
claro que
e me emocion
no com os lieeder de Schub
bert ou
Schuman
nn ou com a ccomplexa estrrutura das ob
bras de
Mahler ou M.M.Ponce ou
o com as propostas inovaadoras
da Música Contem nfluenciado pela Música C
mporânea. Deepois a outross níveis fui in Country, Blue Grass,
Rock, Jazz Rock e Jazz.
J Neste capítulo surgeem nomes com
mo Neil Youn d Mac, Chick Corea,
ng, Fleetwood
Williee Nelson, Petee Seeger, John
n Cougar Melleencamp, entrre outros. Maiis recentemen
nte, devido ao
o tema
do meeu doutorameento e a projeectos que tenh
ho desenvolviido, redescobri a magia e o
o encanto da m
música
portuguesa de raizz, nomeadam
mente a músicca de tradição oral da min
nha região e o fado. Estass duas
influêências estiveraam sempre presentes mas ssó agora conssigo perceber a sua dimensãão.
Guita
arra Clássica
RGC –– Que conselho deixaria parra os futuros g
guitarristas po
ortugueses?
PA – O
O conselho qu
ue deixo é que trabalhem m
muito. Só trab
balhando no liimite se abrem
m novas portaas e se
m os degraus para atingir o
sobem o seu melhor nível. Depois de se ter chegado ao máxiimo de si próp
prio se
perceebe que há sem
mpre muito m
mais para atin o para a vida. Outro
ngir, o que torrna a nossa arrte um desafio
conseelho que deixo
o é que se acrredite no trabalho de quem
m nos orienta. É essencial confiar no proffessor,
onfiança e gaarantir o total empenho de
só asssim se pode merecer a co d quem trabalha connoscco. Por
último nto a tudo o que se passsa na música em geral e na guitarra em particular para
o, estar aten
desen mais exigentes connosco próprios e com o que
nvolver um saaudável espíritto crítico quee nos torne m
nos ro
odeia.
RGC –– Que projecto ojectos para o futuro?
os musicais levva a cabo nesste momento ee quais os proj
MC –– O meu le
ema é
experiimentar o maior
númerro de situaçõe
es que
estão ao alcancce da
Guitarrra.
Estou também a traabalhar num duo com Pian
no para aprese
entar um repeertório variado que vai da m
música
clássicca até ao sééculo XX. Deepois há doiss projectos, que
q estão prreparados paara quando houver
h
solicittações, que sãão dois Quinttetos de Bocccherini com o Quarteto Capela e o trio com a violoncelista
Mariaa José Falcão ee a cantora Maria Salazar.
RGC –– Caro Miguel, em nome d
da Revista Guiitarra Clássica
a, o nosso obrrigado pela su
ua disponibilid
dade e
votos de muito suceesso.
Guita
arra Clássica
ESTRATÉGIAS DE ESTUDO UTILIZADAS POR DOIS GUITARRISTAS NA PREPARAÇÃO PARA A
EXECUÇÃO MUSICAL DA ELEGY DE ALAN RAWSTHORNE.
Marcos Vinícius Araújo
RESUMO
Através da análise das atividades inseridas nos processos de estudo de dois experientes
guitarristas professores universitários, o presente trabalho investiga as estratégias de estudo
utilizadas na preparação da execução musical da Elegy (1971) de Alan Rawsthorne. A
construção da execução musical, quando vista como atividade de solução de problemas
(problem solving activity), através da utilização consciente de estratégias de estudo, pode ser
otimizada em termos de qualidade e quantidade de estudo. A elaboração do modelo analítico,
a partir das bases teóricas expostas no presente trabalho, permitiu a identificação das
estratégias de estudo utilizadas pelos violonistas, bem como o enfoque dado por cada um a
essas.
Palavras‐chaves: Execução musical – Estratégias de estudo – Elegy (1971).
ABSTRACT
By analyzing the activities included in the study processes of two experienced classical
guitarist’s academics, this paper investigates the study strategies used in the preparation of
the musical performance of Elegy (1971) by Alan Rawsthorne. The construction of musical
performance, when viewed as an activity of problem solving (problem solving activity),
through the conscious use of practice strategies, can be optimized in terms of quality and
quantity of study. The elaboration of the analytical model, based on the theoretical basis
outlined in this study, permitted the identification of practice strategies used by guitarists as
well as the emphasis given by each of these.
Key‐words: Musical performance – Practice strategies – Elegy (1971)
INTRODUÇÃO
Guitarra Clássica
Com o intuito de melhor compreender o processo de construção da execução musical e, a
partir disso, alimentar os processos de ensino e aprendizagem de outros estudantes, o
conhecimento tácito no aprender a executar uma obra necessita ser explicitado. Nesse
contexto, o presente artigo1 é uma investigação das estratégias de estudo utilizadas na
preparação de uma obra nunca antes estudada por dois guitarristas. A obra selecionada foi a
Elegy (1971), de Alan Rawsthorne. Os modelos analíticos construídos à luz do referencial
teórico adotado permitiram a identificação, classificação e discussão das estratégias utilizadas,
tentando responder as seguintes questões: Como os guitarristas relatam seu estudo? Como
eles concebem a preparação de uma obra por eles nunca antes estudada? Quais são as
estratégias de estudo utilizadas na preparação de uma obra desconhecida? Qual o enfoque
dado a cada estratégia?
2 ESTRATÉGIAS DE ESTUDO
Considerando a importância da temática das estratégias de estudo, sendo apontada como um
fator decisivo para atingir um nível de excelência instrumental, a investigação das estratégias
de estudo utilizadas por músicos experientes com nível profissional pode proporcionar
caminhos mais seguros durante o estudo, sem que o tempo seja desperdiçado, por exemplo,
com meras repetições exaustivas de alguns trechos problemáticos de uma obra. As pesquisas
dentro dessa temática também podem influenciar positivamente a qualidade do ensino do
instrumento, visto que as estratégias de estudo “podem ser utilizadas como parâmetro para o
ensino [...] por estarem baseadas na vivência e na experiência prática de especialistas (músicos
profissionais, professores e pedagogos do instrumento)” (BARROS, 2008, p. 109).
1
O presente artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada “Estratégias de estudo utilizadas por
dois violonistas na preparação para a execução musical da Elegy de Alan Rawsthorne” (Araújo, 2010)
2
“How to form mental representations of the music, devise performance plans and strategies for
efficient practice” (Gabrielsson, 2003, p. 236).
Guitarra Clássica
No presente artigo, estratégias de estudo são consideradas como “o conjunto de táticas e
técnicas empregadas durante a prática do instrumento com o intuito de alcançar um objetivo
específico” (BARROS 2008, p. 105). Nielsen esclarece que “uma atividade na prática
instrumental só pode ser considerada como estratégia se levar a alcançar as metas
estabelecidas, pois as estratégias são definidas como um processo intencional e direcionado
para atingir determinado objetivo” (1999, p.276). Portanto, foram investigados somente os
procedimentos diretamente relacionados com o objectivo do aprendizado da obra, através da
análise das declarações dos guitarristas a cerca das próprias actividades realizadas na
construção da execução musical, identificando, analisando e discutindo as estratégias de
estudo.
METODOLOGIA DA PESQUISA
3 PROCESSO DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Adotei a técnica da entrevista semi‐estruturada, a qual utiliza perguntas pré‐concebidas como
em uma entrevista estruturada. Entretanto, o entrevistador fica mais livre para aprofundar e
ampliar as respostas, proporcionando um maior direcionamento para o tema. Esse tipo de
procedimento metodológico faz com que o entrevistado se sinta mais à vontade para falar,
onde respostas espontâneas podem ser decisivas no resultado da pesquisa, trazendo a
perspectiva do entrevistado em relação às estratégias de estudo. Este tipo de entrevista
também “colabora muito na investigação dos aspectos afetivos e valorativos dos informantes
que determinam significados pessoais de suas atitudes e comportamentos” (BONI, 2005, p. 8).
Assim, podem‐se obter informações profundas a respeito das práticas de estudo comumente
empregadas pelos guitarristas. Inicialmente foram colocadas as mesmas perguntas para os
sujeitos, e, a partir de cada resposta, outras questões emergiram, gerando assim outros
questionamentos.
A utilização dos diários de estudo serviu para complementar as informações obtidas na
entrevista e em questionários, que também foram enviados via e‐mail. Neles foram indicados
todos os procedimentos realizados durante o estudo da obra, bem como a duração e a data.
Um roteiro concebido na fase inicial da pesquisa permitiu a abordagem de aspectos pontuais
da temática. Esse roteiro tomou por base os tipos de estratégias de estudo identificadas no
modelo analítico. A seção de entrevista foi registrada em áudio, e os diários de estudo
enviados pelos guitarristas foram recebidos também através de e‐mail.
Guitarra Clássica
4 CONSTRUÇÃO DO MODELO ANALÍTICO
As estratégias de estudo apresentadas por pesquisas empíricas nessa temática (HALLAM,
1995a, 1995b, 1997a, 1997b; JORGENSEN, 2004; CHAFFIN et al., 2002; WILLIAMON e
VALENTINE 2002; PROVOST, 1992) foram tomadas como modelo analítico para a condução
desse trabalho. Elas serviram tanto como parâmetro para a elaboração dos roteiros que
guiaram a sessão de entrevista e a formulação dos questionários, assim como para a coleta dos
dados. As estratégias obtidas para o modelo analítico foram as seguintes:
• Estudo através de repetições: caracterizado pela repetição de trechos selecionados
ou da obra inteira durante o estudo. Existem evidências de que os músicos menos experientes
adotam essa estratégia de uma forma pouco reflexiva, constantemente tocando a obra do
início ao fim nas suas seções de estudo (HALLAM, 1997). As repetições, quando utilizadas com
objetivos claros podem ser muito úteis. Elas podem contribuir, por exemplo, para a
memorização de um trecho, para o aumento gradativo do andamento (com metrônomo), ou
para a resolução de uma passagem difícil.
• Estudo através de seções musicais: é caracterizado pela divisão do estudo para
trabalhar trechos curtos, intercalando‐os com a execução de partes maiores. Chaffin et al.
(2002) observaram que pianistas profissionais utilizam o estudo de seções no início do
processo de aprendizagem. Essas seções musicais podem ou não estar de acordo com a visão
do compositor (JORGENSEN, 2004). Pesquisas igualmente indicam que quanto mais complexa
a obra menores são as seções escolhidas (CHAFFIN et al., 2002, WILLIAMON, VALENTINE,
2002).
• Estudo de passagens difíceis: Jorgensen (2004) sugere o estudo das passagens
difíceis de duas formas: utilizando exercícios e estudos musicais que trabalhem determinado
aspecto técnico‐musical problemático, ou o estudo das partes difíceis repetidamente e
intensivamente até que a dificuldade seja vencida. Em contrapartida, Fernández (2000) propõe
um conceito diferente para o termo “passagem”:
O que é então uma passagem? Não deve de maneira alguma ser confundido
com um mero local onde habitualmente ocorre um erro. Esse local é
necessariamente parte de um gesto musical mais amplo, é parte de um
contexto, e está integrado a ele. Nada seria mais contraproducente que
estudar somente o local onde o erro habitualmente ocorre; é necessário
estudar todo o gesto, pela razão elementar de que desejamos fazer música,
e a única maneira de aprender a fazê‐la é fazê‐la em cada momento de
nossa aprendizagem (FERNÁNDEZ, 2000, p. 41).
Guitarra Clássica
A idéia de vencer uma dificuldade através de estudos geralmente não funciona quando
colocamos essa dificuldade em seu contexto real. Da mesma forma que Fernández (2000),
David Russel em outras palavras aponta a importância de se conferir unidade às passagens
difíceis:
Se há uma passagem extremamente difícil, buscar produzir uma mensagem
unitária. Não importa se não se toca todas as notas, o importante é dotá‐las
de sentido, tocar com precisão rítmica e com consciência da direcionalidade
(CONTRERAS, 1998, p. 4).
• Estudo de mãos separadas: O estudo de mãos separadas é uma estratégia bastante
utilizada por pianistas de nível avançado (CHAFFIN et al., 2002). Provost (1992) aponta a
necessidade de o violonista saber separadamente o dedilhado de mão direita e a digitação da
mão esquerda para a memorização de um trecho, assim como para otimizar a identificação
dos problemas de cunho mecânico. Essa estratégia pode contribuir ainda para um
aperfeiçoamento na coordenação entre as mãos. Isso poderá ajudar no controle dos níveis de
força empreendidos em cada mão em passagens complexas (por exemplo, trecho polifônico,
em dinâmica forte, e andamento elevado). A dinâmica é um elemento controlado somente
pela mão direita do guitarrista, e a dificuldade pode residir na aplicação de força excessiva na
mão esquerda, causando defeitos na mobilidade e precisão necessária para a resolução do
trecho. Outro aspecto da execução musical que poderá ser resolvido trata‐se da articulação.
Melodias com execução non‐legato formam um exemplo de aplicação dessa estratégia de
estudo, onde somente o ato de pressionar e soltar as cordas com a mão esquerda já contribui
para o dito efeito.
• Estudo em andamentos distintos: Músicos profissionais se utilizaram dessa
abordagem nos estudos de Hallan (1995) e Chaffin et al (2002). Consiste em estudar a obra ou
trechos aplicando diferentes andamentos com o objetivo principal de adquirir fluência na
execução com o andamento final. Jorgensen (2004) aponta como estratégias: o estudo gradual
do andamento, aumentando o andamento aos poucos; o estudo alternado dos andamentos
lento e rápido, comentando que a utilização dessa estratégia pode fazer com que o
andamento final seja alcançado em menos tempo; e o estudo no andamento final desde o
início da aprendizagem. Sobre o estudo alternado de andamentos, BARROS acredita que
[...] seja uma das estratégias que apresenta grande probabilidade de que a
música aprendida também assimile um número maior de falhas cometidas
durante a execução [...], pois nas fases iniciais do processo de aprendizagem
Guitarra Clássica
o músico
m ainda não dominou
u todos os desafios
d enco
ontrados na música
m
(BARRROS, 2008, p
p. 162).
Exemplo 1 – Duas
D possibilid
dades para a ex
xecução da meesma passagem
m
A esccolha da diggitação está relacionada a diversos fatores, enttre os quais se encontraam “a
dificu
uldade técnicca da obra, as caracteríssticas individ
duais (anatom
mia das mão
os, nível técn
nico e
sonoridade do in
nstrumento),, estilo da obra
o erpretação (ffraseado, arrticulação, timbre,
e a inte
3
Os n
números repreesentam os deedos da mão eesquerda, e os que estão ciirculados as cordas em que
e se
devem
m tocar as nottas.
Guita
arra Clássica
etc.)” (WOLFF, 2001). Importantes violonistas e professores discorreram sobre a estreita
relação entre a digitação e os dois últimos fatores. Eduardo Fernandez (2000), por exemplo,
menciona que:
É necessário que a busca de uma digitação seja extremamente rigorosa e,
que tenhamos a paciência de buscar todas as variáveis imagináveis, tendo
sempre em conta a relação inseparável entre a digitação e o resultado
musical. [...] digitar é já interpretar, não é simplesmente buscar a maneira
mais fácil de tocar as notas. [...] [...] [caso contrário] nossas idéias musicais
correm o risco de ficar afogadas dentro de um modo de digitação
estabelecido quase que ao acaso (FERNANDEZ, 2000, p.15).
A busca de todas as variáveis imagináveis é salientada por Fernandez (2000) como o
procedimento ideal para então podermos escolher a digitação que mais estará de acordo com
as características de determinada peça musical. No entanto, vale‐se lembrar de que nem
sempre existirão muitas variáveis, pois “passagens tecnicamente complexas como, por
exemplo, trechos contrapontísticos a várias vozes oferecem freqüentemente não mais do que
uma ou duas opções de digitação” (WOLFF, 2001, p.1).
David Russel (1998) igualmente aconselha realizar a digitação de uma obra “buscando sempre
a fluidez no fraseado. Deve‐se tocar a frase em questão por partes, e ver onde se pode cortar o
som e onde não se pode, para estabelecer a digitação mais adequada” (CONTRERAS, 1998, p.
4). No contexto pianístico, Barros adiciona:
. Estudo mental: “Visualização” foi o nome dado por Leimer (1932) ao processo de
estudo visual da obra musical e da mentalização da execução, apenas imaginando como a
música irá soar e como será a sensação física ao tocar somente olhando a partitura. Assim, o
estudo mental é realizado sem o instrumento. É caracterizado pela imaginação do ato de tocar
o instrumento, audição interna das próprias intenções interpretativas, ou até mesmo por um
ensaio imaginário dos movimentos do corpo empregados numa performance. Jorgensen
Guitarra Clássica
(2004) salienta que “não há execução sem atividade cognitiva, significando que a performance
é inevitavelmente uma combinação entre esforço mental e físico”.
• Estudo de técnica pura e atividades de aquecimento: Penso que a execução musical
transcende os aspectos motores, mas ainda assim depende desses para concretizá‐la. O
estudo da técnica pura é caracterizado pela utilização de exercícios, tais como arpejos, escalas,
ligados de mão esquerda, traslados, exercícios com dedos fixos, etc. Jorgensen (2004)
recomenda que antes de utilizar esses tipos de exercícios como aquecimento, o músico
deveria se questionar a finalidade da utilização de determinado exercício, e se existem outros
exercícios mais apropriados para determinada situação particular. Ele ainda ressalta que os
exercícios podem trazer benefícios, mas precisam ter foco direcionado e ser empregados
somente se contribuírem para solucionar dificuldades técnico‐musicais de um determinado
repertório. Ainda que Provost tenha afirmado que “os maiores concertistas demandam bem
pouco tempo para o estudo da técnica” (1992, p.53), não foram encontrados estudos
relevantes acerca da eficácia dessa prática, apesar de David Russel recomendar simplesmente
ser “necessário dedicar uma parte do dia à técnica” (CONTRERAS, 1998, p. 3).
• Memorização: A memorização foi o primeiro elemento da construção da execução
musical a ser pesquisado, no início do século XX. Os estudos já citados da psicóloga americana
Grace Rubin‐Rabson confirmaram os resultados provindos da pesquisa pioneira de Sandor
Kovacs, entre eles, “que a memorização é melhor quando um pré‐estudo analítico é
empreendido antes do estudo; quando a prática é distribuída ao longo do tempo; quando as
mãos são aprendidas separadamente; quando algum ensaio mental ocorre no desenrolar da
agenda de prática e quando a obra é aprendida em seções curtas” (SANTIAGO, 2001, p. 173).
Pesquisas posteriores ampliaram as informações, e os estudos de Hallam (1995, 1997a,
1997b), Jorgensen (2004), e Chaffin et al. (2002) revelaram que tanto músicos profissionais
quanto iniciantes memorizaram as obras através de processos automatizados, visualizando as
notas, baseando‐se na memória auditiva da música, ou através da memória motora cinestésica
(associada ao movimento). Além disso, os músicos profissionais também utilizaram alguma
análise da estrutura da música para ajudar nesse processo (WILLIAMON e VALENTINE, 2002).
Há indícios de que o tempo atribuído para a memorização está relacionado com a experiência
do intérprete com o estilo de determinada obra.
• Fixação de metas e objetivos: metas são necessárias para se alcançar o aprendizado
e desenvolvimento. Essas podem estar relacionadas com os mais diversos aspectos da
interpretação e execução musical. Jorgensen (2004) recomenda incluir as intenções
expressivas nos objetivos para as sessões de prática, salientando que essas “são imbuídas de
mais ou menos idéias musicais conscientes ou mensagens comunicativas a serem
Guitarra Clássica
desenvolvidas e incorporadas na performance”4(2004, p.89). O autor menciona que alguns
instrumentistas deixam suas intenções expressivas serem guiadas pelo trabalho técnico. Já
Nielsen (2001) encontrou o desenvolvimento de um plano de performance, através da fixação
dos objetivos somente após o domínio das dificuldades técnicas da obra. Embora existam
várias situações para a formulação de metas e objetivos, a utilização dessas vai depender das
características de cada músico, bem como da natureza da obra. Jorgensen deixa uma
recomendação geral: “no início da sessão, formular algumas de suas intenções gerais com essa
sessão (quaisquer que sejam elas) o mais claro e preciso possível. O que você quer
especificamente desenvolver ou dominar?” 5(2004, p.89)
• Estudo através de gravações da própria execução: Concordando com Juslin, o
registro da própria gravação poderá informar com precisão se as intenções expressivas estão
ou não sendo realizadas pelo executante (WILLIAMON, 2004, p.249). Jorgensen (2004) ao
sugerir entender como os movimentos corporais podem influenciar a percepção da audiência
durante uma apresentação confirma a utilidade da estratégia da gravação da própria
execução. Daniel adiciona que “além da auto‐avaliação, o aluno poderá obter uma maior
independência, visto que ele geralmente precisa dos comentários do professor para avaliar seu
desenvolvimento musical” (2001, p.96).
• Estratégias para motivação para o estudo: Segundo Provost (1992), algumas ações
podem contribuir para o aumento da motivação para o estudo. São elas: exercícios brandos,
podendo ser através de uma corrida no parque, uma leve caminhada, alongamentos ou
qualquer outro tipo de exercício que aumente o fluxo sanguíneo; ouvir uma gravação do
artista favorito ou uma peça que se está aprendendo, como inspiração e motivação para a
prática; e ainda deixar o estojo do violão aberto, explicando que o problema sempre é
começar. Para o autor, o estojo aberto pode funcionar como um forte convite para a prática.
Praticar é estar energizando. Não precisar abrir o estojo para estudar pode ser uma motivação.
• Estratégias para preparação de uma apresentação: Uma apresentação musical
comumente envolve preocupações com os mais diversos erros. Esses podem ser, por exemplo,
lapsos de memória, ansiedade e nervosismo. Jorgensen sugere considerar a perspectiva do
público durante a prática como estratégia. O autor explica:
Instrumentistas experientes têm colocado que levam em consideração a
perspectiva do público quando desenvolvem suas idéias expressivas, e
trabalham deliberadamente na comunicação de idéias musicais nos estágios
4
Which is comprised of more or less conscious musical ideas or communicative messages to be
developed and incorporated into performance.
5
At the beginning of a session, formulate some of your overall intentions for the practice session
(whatever these may be) as clearly and precisely as possible. What do you specifically want to develop?
Guitarra Clássica
finais de estudo de uma peça. Muitos têm igualmente reportado que
imaginam como o público poderá perceber a performance numa grande
diversidade de ambientes acústicos (2004 p.95)6
A partir das informações acima, o autor trouxe as seguintes estratégias: trabalhar
deliberadamente sobre a comunicação de idéias musicais nos estágios finais da aprendizagem,
sendo que as intenções expressivas devem ser analisadas e trabalhadas desde os estágios
iniciais de estudo; e estudar e ensaiar o comportamento de palco, tentando entender como os
movimentos do corpo influenciam na percepção do ouvinte durante uma apresentação
pública. O autor sugere que os movimentos corporais estejam de acordo com as intenções da
mensagem musical.
• Análise da estrutura da obra musical: Jorgensen (2004, p. 92) apresenta a análise
detalhada da partitura como estratégia para a prevenção de erros. A análise da partitura,
estando ela ou não provinda de teorias formais, pode proporcionar algumas ferramentas ao
instrumentista para a identificação de aspectos importantes da música, muitas vezes, difíceis
de serem encontrados auditivamente ou numa análise superficial.
A análise das estratégias de estudo utilizadas pelos sujeitos foi realizada em duas etapas: a
identificação, classificação e a discussão. A identificação foi realizada a partir do cruzamento
dos dados provindos dos diários de estudo, além da entrevista com o modelo analítico. Isso
proporcionou as informações necessárias para a identificação das estratégias e a posterior
classificação. Na segunda etapa, foi realizada uma discussão a cerca da utilização dessas
estratégias por parte dos violonistas, sendo salientadas as ações mais significativas na
preparação da obra. O processo de análise das estratégias utilizadas encontra‐se no seguinte
diagrama:
ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO/
MODELO
ANALÍTICO CLASSIFICAÇÃO
DIÁRIOS DE
ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS
6
Experienced performers have reported taking the audience’s perspective into account when
developing their expressive ideas and working deliberately on the communication of musical ideas in the
final stages of practice on a piece. Many have also reported imagining how the audience will perceive
the performance in a range of different acoustical environments.
Guitarra Clássica
DISCUSSÃO
5 A OBRA ESTUDADA: Elegy (1971), de Alan Rawsthorne
O compositor Alan Rawsthorne nasceu em Lancashire, Inglaterra, no ano 1905. Iniciou seus
estudos na Royal Manchester School of Music em 1925, onde teve classes de composição com
o Dr. Thomas Keighley, violoncello com Carl Fuchs, e piano com Frank Merrick. Os estudos ao
piano intensificaram‐se quando Rawsthorne iniciou na classe do pianista alemão Egon Petri,
com o qual estuda até o ano 1929. Após o retorno para a Inglaterra em 1932, ele assume o
posto de professor no Dartington Hall School of Dance and Mime, diga‐se de passagem, o
único posto permanente ocupado. Ele deixa a cidade de Dartington em 1934, fixando
residência em Londres a partir de então.
Seu reconhecimento como compositor ocorreu a partir dos trinta e três anos. A primeira obra
a receber algum tipo de reconhecimento foi “Theme and variation for two violins”, e a
primeira performance de seus Symphonic Studies na International Society of Contemporary
Music, evento realizado em Varsóvia, Polônia também constitui um marco inicial de sua
carreira. A partir daí, ele passa a receber várias encomendas de obras, escrevendo diversos
arranjos. Outras obras de destaque são o Concerto para Piano n.2, talvez sua obra mais
conhecida, o Concerto para Violoncelo, comissionado pela Royal Philarmonic Society, e “Street
Corner Overture” (1944). Entre seus trabalhos, destacaram‐se sinfonias, concertos para
instrumentos de sopro, música de câmara e obras corais, além de vinte e seis trilhas para
filmes.
Em 1971, ano de sua morte, Alan Rawsthorne deu início ao que vem a ser a sua única peça
para guitarra, a Elegy, editada em 1975, e finalizada pelo violonista britânico Julian Bream. A
obra possui uma macro‐forma ternária (A B A’), sendo as três partes baseadas na mesma série
dodecafônica original:
Guitarra Clássica
Atravvés da perceepção do ritm
mo, contorno
o melódico e
e das ligaduras longas, p
percebe‐se aa série
dividaa em três en
ntidades rítm
mico‐melódicaas distintas, aqui chamad
das motivos A, B e C.
Exemp
plo 3 - Elegy, Motivo
M A
Cham
mo a atenção
o para o deeslocamento da nota fá bequadro (c.2,
( 4º tempo, Ex. 2) para
p o
motivvo A, já quee podemos perceber qu
ue essa notaa pertence ao motivo B
B. Sendo issso um
proceedimento reccorrente em
m obras seriaiis inglesas de
essa época, o
o motivo B n
na frase apre
esenta
a notta fá bequad
dro como um
ma anacrusee que preparra esse motiivo, indicado
o pela ligadu
ura de
frase. Já o motivo
o gerador (m
motto) A, com a nota fá bequadro in
nserida, pod
de ser identifficado
atravvés da contin
nuação da an
nálise.
Guita
arra Clássica
A primeira partee da obra esttá subdividaa em três pequenas seçõ
ões menoress: “Andante molto
serioso” (c.1 – 23
3), “Pochiss. più mosso” (c. 24 – 31), e o “Ancorra più mosso
o” (c. 33 – 54
4). No
“Andante molto serioso”, a série dodecafônica (Exxemplo 2) é
é apresentad
da três veze
es em
o (c.7 – 10), os motivos A e B
seqüêência com trratamentos distintos. Naa primeira apresentação
apareecem em um
ma textura p
polifônica a ttrês e duas vvozes respecctivamente, com a ordem
m dos
intervvalos modificados, e com
m ritmos distintos em re
elação à apreesentação orriginal. No m
motivo
B, a última nota é modificad
da (Sol ao in
nvés de Ré bequadro).
b M
Mesmo assim, o intervaalo de
semittom descend
dente entre as notas lá b
bemol e sol ssustentam aa sensação original flutuaante e
não conclusiva do
d motivo. A
A mesma nota sol é trransportada para a vozz inferior, on
nde é
apressentado o motivo C, iguaalmente mod
dificado e orn
namentado:
Exemplo 6 - Elegy,
E Motivo A modificado
E
Exemplo 8 - Elegy
E Motivo C na voz inferioor
Na seegunda apreesentação daa série, entrre os c.11 e c.14, o mottivo A aparece com o mesmo
m
conto
orno melódico do que na apariçãão anterior (c.7), porém
m, uma quaarta justa acima,
a
acom
mpanhada po
or acordes, e nserção das duas primeiras notas do e si, com ritmo
e com a rein
mais curto na rep
petição desssas. Os motivvos B e C se
e apresentam
m uma quartta justa acim
ma em
relaçãão à apresen
ntação origin
nal.
Guita
arra Clássica
Exemplo 11 - Elegy Motivo
M C
Entree os compasssos 15 e 19, a série aparece pela últiima vez com
mpleta nessa seção musiccal. Os
motivvos A e B são apresentados como no original, co
om modificaações irrelevvantes no disscurso
(apen
nas uma bordadura infeerior no motivo A e aco
ordes de co
olorido tímbrrico entre os três
motivvos). A senssação de reepouso ao fiim da apressentação daa série é proporcionadaa pela
alteraação do mottivo C, começçando pela n
nota si. Saliento a mudan
nça de registtro da últimaa nota
sol su
ustenido, reaalizada oitavaa acima:
hiss. Più Mosso”: O trataamento maiss livre dado à série nessa seção mussical, em con
“Poch njunto
com a escrita em ritmos irrregulares alternados, produzem
p em
m conjunto uma espéccie de
indeccisão. Os mo
otivos apareccem intercalaados com diversos mateeriais melódicos evocativvos da
série,, através da mistura de fragmentos d
dos intervalo
os constituinttes. A série, portanto, ap
parece
modificada atravvés da expan
nsão, com rittmo aumenttado. As nottas do motivvo A aparece
em na
em veermelho, as de B em azu
ul, e C em am
marelo:
Guita
arra Clássica
“Ancora Più Mosso”: As sensações de angústia e incerteza, ou de algo que ainda está longe de
acabar, são expressas através de afastamentos da série original nessa seção, além da própria
indicação do andamento (sempre acelerando). Percebem‐se apenas fragmentos dos motivos
da série distribuídos até o compasso 47, modificados melodicamente e ritmicamente (ex. 14 e
15).
A partir do compasso 47, a série é apresentada com a mesma textura polifônica da seção
musical do Pochíss. Piú Mosso (Ex. 14). Chamo a atenção para a dificuldade desse trecho,
sendo ele um ponto relevante de aplicação de estratégias de estudo. Uma possibilidade seria o
motivo A aumentado (c. 47 – 50) ser salientado em termos de intensidade ou timbre, em
relação às outras notas. Ainda que a própria escrita já se incline para essa percepção, o
violonista deverá ter um cuidado para que as notas graves desse motivo não sejam executadas
com indiferença, justamente por elas formarem um dos motivos geradores (motto):
Guitarra Clássica
As estratégias de estudo por mim aplicadas para esse trecho foram o estudo de dinâmicas
distintas para as notas do motivo gerador A aumentado, estudo de timbres distintos, e o
estudo através da execução separada das vozes, algumas vezes cantando o motivo A e tocando
as vozes superiores, e vice‐versa.
“Allegro di bravura e rubato”: essa longa seção musical é motórica, dotada de poucas
respirações, num movimento fluído de semicolcheias. Esse trecho apresenta dificuldades
técnico‐motoras em virtude da articulação proposta na edição, dotada de ligados, em
andamento rápido, sendo uma possível fonte de aplicação de determinadas estratégias de
estudo. Quando estudei essa seção, um dos critérios estilísticos que adotei para executá‐la foi
não modificar as articulações contidas na edição, e as estratégias de estudo que utilizei foram:
o estudo da técnica de ligados, preferencialmente em momentos do dia em que não estivesse
estudando a obra. O estudo através de repetições também foi utilizado, onde pequenas frases
eram repetidas até o completo domínio dessas. Nos primeiros momentos, as repetições foram
realizadas com o objetivo de não cometer erros técnicos, procurando uma execução musical
clara. Posteriormente, as repetições foram necessárias para tentar atingir o meu ideal de
caráter para determinados trechos, sendo a dinâmica, expressão, timbres e rubato os
principais elementos norteadores. Também utilizei a estratégia do estudo invertido de seções
musicais, iniciando a prática muitas vezes pelos últimos compassos da referida seção. Isso
contribuiu para uma memorização homogênea de toda a parte, evitando que os primeiros
compassos fossem mais estudados que os últimos.
Guitarra Clássica
Abaixo apresento algumas aparições dos motivos A (vermelho), B (azul), e C (amarelo) em
diversos procedimentos, principalmente em aumentação (Ex. 19), transposição (Ex.16, 17 e 21)
e inversão (Ex.16, 17):
Exemplo 18 ‐ Elegy Fragmentos do motivo B em reiteração
Guitarra Clássica
Guitarra Clássica
A Seção A’ (“dos harmônicos”) foi composta por Julian Bream, pois, conforme já dito
anteriormente, o compositor faleceu compassos antes do início dessa seção. A reexposição de
parte do Andante molto serioso aparece em harmônicos oitavados:
Exemplo 22 - Elegy Parte do Andante molto serioso reexposto em harmônicos. c.132 – c.135
Na seqüência, é reexposto parte do Ancora Piú Mosso (c.136 – c.148):
Guitarra Clássica
Exemplo 23 - Elegy, c. 136 – C. 148. Reexposição parcial do Ancora Piu Mosso
A partir do compasso 148, há a construção de material novo em harmônicos, constituindo
outro provável ponto relevante de aplicação de estratégias de estudo. A dificuldade dos
harmônicos oitavados em fusas reside na precisão rítmica, pois o braço ou mão direita deverá
se movimentar rapidamente por locais precisos da região sobre aguda do braço do
instrumento, enquanto a mão esquerda também se movimenta. O estudo separado dos
harmônicos, através de repetições, variações de andamento, variações rítmicas, e dinâmicas
distintas constituíram o meu conjunto de estratégias para o domínio desse trecho. Os motivos
A, B e C aparecem com modificações, alterações rítmicas e transposições:
Exemplo 24 - Elegy, c. 149 – 153. Material novo em harmônicos. Motivos A (vermelho), B (azul) e C (amarelo).
Guitarra Clássica
A breve análise apresentada possibilita uma visão da organização da obra, e de como os três
motivos que constituem a série dodecafônica foram tratados pelo compositor ao longo das
seções musicais.
6 Os participantes da pesquisa
Os dois sujeitos selecionados possuem trajetórias e características distintas em relação as suas
carreiras. Isso proporcionou resultados contrastantes não só de estratégias de estudo
utilizadas, mas igualmente no que diz respeito ao enfoque da utilização dessas. Por uma
questão ética, bem como solicitação dos próprios participantes, seus respectivos nomes não
serão citados no corpo do trabalho, sendo então chamados de Sujeito 1 (S1) e Sujeito 2 (S2).
6.1 Análise das estratégias de estudo utilizadas pelo Sujeito 1
A partitura da Elegy de Alan Rawsthorne foi entregue ao S1 precisamente no dia 21 de julho de
2009, ocasião da primeira e única sessão de entrevista (Anexo 3). Nessa sessão foram
requeridos dados biográficos relevantes e informações a cerca do seu processo de preparação
de uma obra, que puderam ser cruzadas com os dados dos diários de estudo. Após um total de
treze sessões de estudo até a gravação, o processo de estudo de S1 encontra‐se resumido na
tabela de atividades realizadas:
Guitarra Clássica
DATA DURAÇÃO ATIVIDADES REALIZADAS
Leitura do andante e pochiss. Più mosso.
Leitura do compasso 1 ao 33.
Repetição do Ancora più mosso
Leitura do Allegro di bravura rubato
Leitura do compasso 90 ao fim.
Leitura da parte A.
Guitarra Clássica
Leitura do Allegro di bravura e rubato. Rápido.
Leitura completa.
20/08/2009 40 minutos
Limpeza da parte B.
Leitura da parte A’.
Estudo parte A’.
Estudo de B e A’.
Estudo das partes A e A’.
Estudo das partes B e A’ sem partitura.
23/08/2009 1 hora
Execução da peça inteira.
Leitura completa.
Estudo de limpeza da parte B.
Guitarra Clássica
Leitura completa.
28/09/2009 1 hora
Estudo das seções musicais separadamente.
Toca a peça inteira de memória.
Estuda trechos separadamente
Aquecimentos e gravação da própria execução
musical da Elegy em vídeo.
19/01/2010 30 minutos
Guitarra Clássica
6.1.1 Classificação
Segue a Tabela com as estratégias de estudo utilizadas por S1 para a resolução dos problemas
encontrados em seu processo de estudo. Os comentários provindos dos diários de estudo a
cerca dos problemas também são apresentados:
PROBLEMA/DIFICULDADE
ESTRATÉGIA DE ESTUDO COMENTÁRIOS
Estudo da passagem difícil;
Mudança de articulação; “No c. 7 tem um ré que não
faz parte da melodia, mas,
por características do violão,
Compasso 7 Repetição do trecho sempre soa como sendo
inúmeras vezes; melódico. Ainda não estou
satisfeito com isso.”
Guitarra Clássica
‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ peça.”
‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐
“Usei o metrônomo
principalmente para manter
uma regularidade de ritmo
em todo o Allegro, para não
correr.”
Estudo da técnica de ligados
ascendentes e
Allegro di bravura e rubato: descendentes.
Execução da articulação
proposta na edição em
andamento rápido.
Estudo com metrônomo.
Estudo de dinâmicas
distintas entre o motivo A
(forte) e o acorde “O c. 16 é utópico como está
(pianíssimo, segundo plano). escrito, simplesmente não
Compasso 16 há como deixar soando
Estudo da passagem difícil tudo.”
Guitarra Clássica
Estudo através de repetições
dos trechos;
Variações súbitas de
andamento;
Estudo da passagem difícil.
Mudanças no
posicionamento da mão
direita.
Tabela 3: Estratégias de estudo utilizadas por S1
6.1.2 Discussão
As ações de S1 durante o estudo da obra confirmaram seu depoimento a respeito do próprio
processo de preparação de uma obra nunca antes estudada, salvo uma pequena divergência a
respeito da memorização. Em sua primeira sessão de estudo, ele baseia sua memorização na
memória conceitual (também conhecida como memória declarativa ou analítica), de uma
forma intuitiva, visto que passou 45 minutos sem utilizar o instrumento, apenas realizando o
que chamou de “análise superficial”, memorização de trechos recorrentes, caráter das partes e
macro‐forma, tudo isso colaborando para um profundo entendimento das relações cognitivas
que irão sedimentar o conteúdo na memória de forma mais eficiente. Segundo Barros, “a
memória conceitual tem sido a mais estudada por pesquisas empíricas, sendo, também, a mais
destacada nas entrevistas, as quais denotam que esse é o tipo de memória com resultados
mais eficazes para a retenção do conteúdo musical” (2008, p.118). Ainda, parte da sua
penúltima sessão de estudo (18/01/2009) foi destinada à memorização de trechos e a outra
Guitarra Clássica
leitura sem o instrumento, onde um dos objetivos precisamente foi a memorização de algumas
passagens recorrentes. Abaixo o fragmento da entrevista e a contradicente anotação em diário
de estudo:
– Então tocando durante o estudo, tu não faz nada específico no violão com o intuito de
Eu
memorizar. Isso ocorre naturalmente durante o estudo né?
S1 – “Naturalmente. Eu não sei como memorizar.”
Eu – Tu não separas isso né..por exemplo, hoje é memorização?
18/01/2010: “Estudei a peça com a partitura buscando memorizar corretamente as partes que
não estavam bem”.
A divergência encontrada, entretanto, ocorreu em função de uma pausa de três meses sem
estudar a Elegy, entre os dias 28/09/2009 e 16/01/2010 estando, portanto, a necessidade de
memorizar alguns trechos relacionada com a proximidade à data da gravação, realizada três
dias após (19/01/2010). Esse dado demonstra que a despeito de S1 relatar não se preocupar
com o aspecto da memorização da obra em sua rotina de estudos, o processo de
armazenamento do conteúdo estudado permitiu a ele conseguir resgatar a obra em apenas
uma sessão de prática. Sobre o processo de memorização de uma música, Barros (2008)
sintetiza:
A memorização de uma música é feita através de sua representação mental
armazenada na memória de longo prazo, a qual o músico utiliza quando
executa. Diferentes tipos de estratégias podem contribuir para o
desenvolvimento da representação mental da música, a exemplo das
informações coletadas pelo armazenamento sensório (memória tátil, visual
e auditiva da música) as quais são essenciais nas primeiras etapas de
memorização (p.121)
Duas observações qualitativas emergem a partir disso: a primeira, que as estratégias utilizadas
por S1 em seu processo de estudo estiveram, de alguma forma, direcionadas à capacidade de
armazenamento do conteúdo aprendido na memória de longo prazo, tipo de memória vital
para a memorização de uma música (GINSBORG, apud WILLIAMON, 2004, p. 126). Segundo,
que esse processo permitiu a S1, mesmo após três meses sem praticar a obra, ir diretamente
aos trechos que necessitavam mais trabalho. S1 relata as atividades realizadas:
Guitarra Clássica
Neste dia fiz uma revisão da leitura constatando que algumas notas já
estavam deturpadas pela memória. Assisti a um vídeo no youtube da peça
gravada de uma forma bastante amadora. Estudei a peça com a partitura
buscando memorizar corretamente as partes que não estavam bem.
Consegui fazer funcionar melhor os harmônicos da parte A2, dando um
pouco mais de liberdade no ritmo e diminuindo o ataque das notas. Talvez
eu tenha diminuído um pouco toda a dinâmica, percebi que a minha
maneira de tocar estava agressiva demais para a Elegy.
O enfoque da utilização da estratégia de estudo de exercícios de técnica converge
absolutamente com aquele sugerido por Jorgensen (apud Williamon, 2004), o qual recomenda
uma atitude reflexiva quanto à utilização desses. S1 realizou o estudo da técnica de ligados ao
final de uma das sessões, em virtude da articulação da seção musical do Allegro di bravura e
rubato, quase toda com ligados de mão esquerda em andamento rápido.
Em seu total de dez horas e cinco minutos de estudo da obra, houve constatação de poucas
atividades sem o instrumento: a apreciação de um vídeo da execução musical da obra
disponível na internet e audição da gravação de Julian Bream; e uma “leitura superficial sem o
instrumento”, tendo como objetivos “a observação de trechos recorrentes, caráter das partes
e a forma da peça”. Ainda que S1 tenha mencionado somente esses objetivos, essa leitura foi o
elemento chave para S1 fundamentar todo o desenvolvimento da interpretação da obra,
debruçada na experiência e vivência com o repertório das obras dessa época dedicadas a
Juliam Bream. Esse processo nos remete à idéia dada por Heinrich Neuhaus (1973) sobre
imagem artística de uma composição musical, que nada mais é do que todas as informações
que se apresentam em nosso pensamento ao simplesmente ouvirmos falar em uma
determinada peça, ou ao abrir a partitura, antes mesmo de se pegar o instrumento. Essas
informações podem ser, por exemplo, a idéia de como a música realmente deve soar, com
todos os seus elementos da interpretação musical (dinâmica, fraseado, articulação, rubatos,
etc.), uma estrutura formal específica, alguma informação sobre o compositor ou o contexto
histórico da obra, seu conteúdo emocional ou poético, entre outros. A leitura igualmente
demonstrou seu enfoque da utilização da estratégia do estudo mental, conforme a definição
exposta no modelo analítico, onde estudo mental também é caracterizado audição interna das
próprias intenções interpretativas.
Assim, S1 não mencionou realizar considerações analíticas quanto a forma, frases e
parâmetros musicais diversos em seus diários de estudo. A utilização da estratégia de estudo
através de seções musicais foi recorrente, corroborando uma divisão da obra sem a
preocupação de estar em acordo com alguma teoria formal para a identificação da divisão
proposta pelo compositor. As repetições utilizadas foram todas realizadas posteriormente à
identificação dos problemas dos trechos, proporcionando assim que tais repetições somente
Guitarra Clássica
ocorressem com objetivos claros. A identificação dos problemas se deu durante a fase inicial
do estudo, por ele chamada de “leitura”.
Quanto aos andamentos, S1 utilizou a estratégia do estudo alternado dos andamentos. Essa
estratégia só foi utilizada após a assimilação do conteúdo musical e da definição de digitações
e dedilhados na fase inicial (“leitura”). S1 o fez dessa forma para não correr o risco de estudar
algo errado em andamento rápido, impedindo a fixação de movimentos incorretos. O
metrônomo só foi utilizado na seção rápida da música, com o objetivo da elevação do
andamento. Para isso, ele variou subitamente entre os andamentos por ele estipulados.
Momentos antes da gravação da execução da obra, S1 realizou atividades brandas de
aquecimento. Essas atividades incluíram escalas curtas, execução de fragmentos de outras
obras, bem como de partes do Allegro di bravura e rubato da Elegy. Nesses instantes pré‐
gravação ele não tocou a peça do início ao fim, mas sim, somente algumas partes, com o
objetivo único de aquecimento. No vídeo, percebi que a obra não foi tocada de memória, e,
por isso, as estratégias para a memorização não puderam ser minuciosamente analisadas.
Quando perguntado sobre sua própria execução da Elegy, S1 comenta ter gostado da própria
execução, e que considera a obra pronta. Ele considerou ainda que alguns pequenos erros
durante a gravação poderiam ter sido evitados com um pouco mais de prática. De acordo com
o seu retrospecto, imagino que não seria demandado mais do que uma semana pra isso, já que
os erros na sua execução foram pouco relevantes.
6.2 Análise das estratégias de estudo utilizadas pelo Sujeito 2
A partitura da obra foi entregue ao S2 precisamente no dia 02 de agosto de 2009, ocasião da
primeira e única sessão de entrevista (Anexo 4) . Nessa sessão foram requeridos dados
biográficos relevantes e informações a cerca do seu processo de preparação de uma obra, que
puderam ser cruzadas com os dados dos diários de estudo. Por motivos de força maior, foi
somente no dia 27 de novembro de 2009 que S2 deu início ao seu estudo da Elegy.
Após um total de dez sessões de estudo, a tabela abaixo resume as ações de S2 durante todo
seu processo de estudo da Elegy:
Guitarra Clássica
DATA DURAÇÃO ATIVIDADES REALIZADAS
Fixação de objetivos para a próxima sessão de
estudo.
Considerações analíticas.
Leitura detalhada do Andante molto serioso.
Fixação de objetivos para as próximas sessões
de estudo
Guitarra Clássica
Estuda a primeira parte do Allegro di bravura
e rubato, modificando digitações.
Toca três vezes a segunda parte do Allegro di
09/12/2010 1 hora bravura e rubato.
Toca a primeira parte da peça (c. 1‐54)
Testa dedilhados distintos.
Estuda a segunda parte do Allegro di bravura e
rubato. Muda digitações nessa parte.
Estuda a relação entre os andamentos em
26/01/2010 toda a peça.
28/01/2010 2 horas Estudo lento dos harmônicos da obra
Toca o Allegro inteiro.
02/02/2010 1 hora
Guitarra Clássica
6.2.1 Classificação
A seguir, apresento a tabela com os problemas e dificuldades de S2 e as estratégias de
estudo utilizadas na resolução desses:
Trecho em harmônicos (c. 132 Estudo em andamento lento.
– 154)
‐
Estudo com metrônomo.
Escala em fusas (c. 157) ‐
Guitarra Clássica
Guitarra Clássica
Minha impressão hoje, é
que dependendo do
andamento que fizer no
Allegro, ele poderia ser em
até 90 a semínima”.
“Pochiss. Piu mosso‐ ficou
bem assim, mas deve ser
definido de acordo com o
que vem antes (andante) e o
que vem depois (ancora p.
m).”
6.2.2 Discussão
O tempo total de preparação da obra por parte de S2 foi dez horas e vinte minutos.
Atividades realizadas sem o instrumento foram relevantes durante o processo, e entre elas
destacaram‐se: a leitura sem o violão, de uma forma não sistemática, fazendo‐o em momentos
que S2 julgava oportuno; pesquisa na internet sobre a obra e o compositor; e audição da
gravação, sendo esses dois últimos realizados um pouco antes da gravação da própria
execução musical e dias após, respectivamente. Sobre tais atividades, Jorgensen (2004)
sugere:
Balancear estudo com e sem o instrumento numa sessão ou em um
determinado período de tempo. Com foco, o estudo sem o instrumento
proporcionará mais tempo para o ensaio mental e reflexão, prevenindo
igualmente a sobrecarga dos músculos. No montante total, esse não se trata
de um tempo desperdiçado, mas de fato, o oposto.
Guitarra Clássica
Os depoimentos de S2 a respeito da própria prática revelaram que as leituras sem o
instrumento não foram realizadas com objetivos pontuais, ao contrário da sua “leitura geral da
obra”. Essa foi realizada com o violão, e teve como objetivo a percepção dos principais
elementos musicais constituintes (frases, dinâmicas, articulações, mudanças de caráter, etc.).
Percebi a necessidade de S2 estar se relacionando constantemente com a obra durante seu
processo, o que ocorreu através da estratégia das leituras sem o instrumento.
Observei a inexistência de atividades de preparação para o estudo nos diários de S2, ainda que
ele as tenha destacado como comum em sua prática (Anexo 3). Jorgensen (2004), vendo a
prática como uma atividade de auto‐ensino, considera fundamental o estágio de observação e
avaliação dos próprios procedimentos durante o estudo. A natureza reflexiva do processo de
estudo de S2 foi revelada na estratégia de fixação de objetivos, contribuindo assim para uma
abordagem cíclica e contínua da prática. Os objetivos para as próximas sessões de estudo
foram fixados através de uma auto‐percepção dos seus pontos fortes e fracos perante aos
elementos problemáticos da peça, característica encontrada em músicos profissionais (Hallan,
1995, 1997a, 1997b). Os objetivos declarados nos diários de estudo estiveram relacionados
com as intenções interpretativas de S2, que foram surgindo à medida que a percepção do
discurso musical melhorava.
As estratégias de repetição foram utilizadas em função de dois objetivos distintos: primeiro, já
a partir da segunda sessão de estudo (07/12/2009), as repetições serviram para melhorar a
sonoridade de alguns acordes e passagens; segundo, com o propósito da memorização dos
trechos, foi somente após o estabelecimento das digitações, dedilhados e articulações que elas
entraram em cena. Apesar de o aspecto da memorização não ter sido analisado
minuciosamente, justamente pelo fato de S2 não ter tocado a obra de cor, pude constatar que
o violonista não utilizou uma forma de memorizar, apesar de admitir a existência de um
processo:
Dependendo da linguagem tem peças que são muito fáceis de decorar, e
tem outras que são muito difíceis. E aí tu tem que estudar..bom, então
agora eu vou entrar nesse processo de memorização. E aí tu precisa usar
vários elementos pra ir memorizando ela, né. [...] Então eu pego o violão,
saio tocando e percebo bah, mas eu não decorei isso tche. Aí eu volto com a
partitura, olho de novo, penso na harmonia, penso no que tem antes e no
que tem depois. Penso nas notas, penso na armadura, penso em várias
coisas. Às vezes tu precisa pensar em várias coisas mesmo pra tu poder
realmente tocar aquilo de cor.
Guitarra Clássica
A estratégia do estudo de seções musicais foi utilizada, sendo mais tempo dedicado ao estudo
do Allegro di bravura e rubato. Essa seção foi dividida em várias partes, sendo essas estudadas
separadamente. Logo na primeira vez que o violonista foi estudar a referida seção, no segundo
dia de estudo (07/12/2009), ele praticou somente sua segunda parte. As seções musicais para
o estudo não foram escolhidas de acordo com um planejamento prévio, sendo essas
praticadas sem ordem estabelecida. Isso ocasionou um desequilíbrio em relação ao tempo de
prática dedicado a cada uma das partes da obra. Os diários de estudo de S2 mostraram que a
primeira parte da obra (c.1 a 54) foi estudada durante três dias7∙. Já para o Allegro di bravura e
rubato foram dedicados oito dias de prática. O estudo da terceira parte da obra (c.132 ao fim)
foi realizado somente na 6ª sessão (28/01/2010) através da estratégia de estudo em
andamento lento. Sobre essa terceira parte da Elegy, ressalto, portanto, que não foi tocada no
andamento estipulado por S2.
S2 realizou diversas considerações analíticas em seus diários, demonstrando uma preocupação
com o entendimento da organização da obra como um todo, tentando desvelar os
andamentos através de uma relação de dependência entre eles, e observar as mudanças de
caráter entre as seções musicais. O andamento foi o aspecto mais mencionado em seus diários
de estudo, e a estratégia de estudo com o metrônomo foi fundamental, mesmo após a
definição dos andamentos para as seções musicais, realizada na sétima sessão de prática
(02/02/2010).
Optando por não ouvir qualquer gravação da obra, fazendo isso somente às vésperas da
gravação da própria execução em vídeo (penúltima sessão de estudo, 05/02/2010), ele assim o
fez para evitar qualquer tipo de influência das gravações. Sobre a questão da obra não ser tão
difundida no repertório, S2 menciona:
Então entendi outras coisas. Por exemplo: porque a Elegy “não pegou”? Em
outras palavras, porque uma peça tão interessante não é daquelas que
muitos passam a tocar? Ora... como poderia ser... está no mesmo disco das
5 Bagatelas, nada mais do que isso. E tem o Berkeley. Como em um bom
disco que seja brilhante, com o lançamento de várias obras novas, originais,
algumas se sobressaem, outras passamos por cima. Creio não ser um
problema da obra em si, mas da força das outras.
7
O que não significa que não tenha sido tocada em outras sessões de estudo.
Guitarra Clássica
CONCLUSÃO
Através da análise das atividades inseridas nos processos de estudo de dois experientes
guitarristas professores universitários, concluo que a construção da execução musical, quando
vista como atividade de solução de problemas (problem solving activity), através da utilização
consciente de estratégias de estudo, pode ser otimizada em termos de qualidade e quantidade
de estudo. A construção do modelo analítico, a partir das bases teóricas expostas no presente
trabalho, permitiu a identificação das estratégias de estudo utilizadas pelos violonistas, bem
como o enfoque dado por cada um a essas. Os resultados, da mesma forma, mostraram a
importância da pesquisa empírica para a área de práticas interpretativas, visto que a
observação e análise de alguns itens realizados durante a fase de aprendizado mostraram‐se
diferentes do que foi informado pelo relato verbal dos sujeitos na entrevista, à exemplo da
memorização por parte de S1.
Com uma abordagem pragmática, constatei que todas as ações realizadas por S1 durante seu
processo de estudo estiveram diretamente relacionadas com o objetivo final de tocar a obra,
salvo a apreciação de um vídeo da execução da obra na internet, e a rápida e consistente
“análise superficial sem o instrumento” 8. Já S2 utilizou além de estratégias para a execução
da música, algumas atividades empreendidas para a melhor compreensão da construção da
obra. Exemplos dessas atividades foram as considerações analíticas realizadas durante todo o
seu processo de estudo, e a preocupação com a definição dos andamentos das seções
musicais.
Apesar das diferentes perspectivas na construção da execução musical, foram
encontradas algumas estratégias de estudo comuns, as quais são apresentadas abaixo:
• Leitura sem o instrumento: chamada por S1 como “análise superficial”, foi essa
atividade que permitiu ao instrumentista formar uma imagem artística da obra, identificando
as seções musicais, frases, dinâmicas, caráter, andamentos, e notas melódicas e harmônicas.
Observo o pouco tempo empreendido por S1 nessa que foi a principal atividade norteadora de
sua interpretação (somente a primeira sessão de prática, com duração total de 45 minutos,
entre outras atividades). S2 também utilizou a leitura sem o instrumento. Diferentemente de
S1, ele a realizou ao longo de todo o processo de estudo, apesar de não mencionado em seus
diários.9 Ele comentou que essa atividade não foi sistemática em seu processo, sendo realizada
8
O termo “superficial” foi utilizado por S1, e denota análise de superfície.
9
Apontado em questionário respondido via e‐mail em 16/03/2010.
Guitarra Clássica
com o intuito de manter uma relação estreita com a obra, estando assim a pensar
constantemente em algum aspecto da peça.
• Estudo através de seções musicais: essa estratégia de estudo foi utilizada pelos dois
violonistas, porém, de maneiras distintas em termos de quantidade de prática e tamanho de
cada seção musical. O Allegro di bravura e rubato foi divido somente em duas seções para
estudo por parte de S1 (c.55 – c.89 /c.90 – c.131). Já S2 dividiu essa seção em dois momentos:
nos estágios iniciais de prática, a divisão foi realizada em duas partes, como S1 o fez em todo
seu processo. Já para os últimos dias de estudo, S2 realizou a divisão da referida seção musical
em partes ainda menores (ver tabela 4). A respeito da quantidade de tempo gasto na prática,
os gráficos abaixo demonstram a ênfase dada a cada seção musical por parte dos sujeitos,
através do número de atividades realizadas em cada uma:
Guitarra Clássica
A análise comparativa dos gráficos gerados a partir da quantidade de atividades realizadas em
cada seção musical permitiu identificar o equilíbrio na distribuição das atividades realizadas
por parte de S1. A seção do Allegro di bravura e rubato demandou mais ações em virtude de
seu tamanho e características, com passagens virtuosísticas e articulação de difícil execução
em andamento rápido. No processo de S2, constata‐se o desequilíbrio na quantidade de
atividades empreendidas entre as seções do Allegro di bravura e rubato e a seção A’ (seção
musical final).
• Estudo através de repetições: As repetições realizadas por S1 estiveram relacionadas
com a resolução de passagens difíceis, as quais foram realizadas inúmeras vezes até o
completo domínio dessas, e com o processo por ele intitulado “limpeza” das seções musicais
da obra, com o objetivo da execução musical clara e sem erros. S2 utilizou a estratégia de
repetições somente para pequenas passagens, entre elas os harmônicos da seção musical
final, e trechos desafiadores do Allegro. Além disso, S2 repetiu diversas vezes essa seção
musical com o intuito de alcançar o andamento por ele objetivado.
• Estudo com metrônomo: Apesar do fato de os dois sujeitos terem utilizado o
metrônomo em seus processos de estudo, saliento aqui a diferença de abordagem em relação
a sua utilização. Enquanto S1 o utilizou para manter uma regularidade rítmica somente na
seção do Allegro di bravura e rubato, variando subitamente entre os andamentos, S2 utilizou o
metrônomo como um moderador de andamentos, com objetivo de estabelecer uma relação
entre os andamentos das seções musicais.
Guitarra Clássica
• Estudo através de andamentos distintos: Os andamentos praticados por S1na seção
do Allegro di bravura e rubato estiveram entre 80bpm e 120bpm, andamento no qual foi
gravada a referida seção, sendo sua abordagem sempre crescente na medida em que os dias
passaram. Saliento que S1 não mencionou ter utilizado essa estratégia de estudo para as
outras seções musicais. Por outro lado, S2 utiliza a estratégia na obra inteira, variando entre
diversos andamentos (semínima entre 65bpm e 90bpm). Apesar de S2 ter mencionado que o
andamento da seção musical do Allegro poderia ser 90bpm, ele o gravou aproximadamente
em 80bpm.
• Estudo de passagens difíceis: As passagens consideradas difíceis por S1 e S2 coincidem
apenas em relação aos harmônicos oitavados da seção musical final da obra:
PASSAGENS DIFÍCEIS S1 PASSAGENS DIFÍCEIS S2
c. 7 ‐
c. 12 ‐
c. 13 ‐
c. 16 ‐
‐ c. 95 – c. 98
‐ c. 120 – c. 124
c. 132 – c. 135 c. 132 – c. 135
c. 149 c. 149
c. 151 c. 151
c. 154 c. 154
S1 mencionou a existência de oito passagens com algum tipo de problemática técnica ou
interpretativa, enquanto S2, apenas seis. Nenhuma passagem difícil foi apontada por S1 na
seção musical do Allegro di bravura e rubato, apesar de ter sido a seção mais praticada pelo
violonista. S2 anotou duas passagens difíceis da referida seção musical, não apontando
Guitarra Clássica
qualquer problema nas seções anteriores ao Allegro di bravura e rubato.
Quanto às estratégias não comuns aos dois sujeitos, o estudo de timbres distintos para a
execução do compasso 12 realizado por S1, sendo a única estratégia utilizada que não consta
no modelo analítico construído. Apesar de S1 ter acatado a digitação proposta na partitura,
constatei a preocupação com a igualdade de timbres entre as notas harmônicas e melódicas
da passagem, problema resolvido com a referida estratégia. A abordagem de estudo de S1
também compreendeu o estudo da técnica de ligados, e atividades de aquecimento como
preparação para a execução final da obra, tais como escalas curtas, e a execução de
fragmentos da seção musical do Allegro di bravura e rubato. Para S2, as estratégias de análise
da estrutura da obra, fixação de objetivos e estudo de dedilhados e digitações distintas foram
relevantes, contribuindo paulatinamente para a compreensão e organização da Elegy.
Acredito que isso deve estar de alguma forma relacionado ao fato de S2 ser, além de
violonista, compositor.
Através da biografia dos sujeitos da pesquisa, e da análise de todas as informações provindas
dos diários de estudo, entrevista e questionários, constatei que a utilização das estratégias,
bem como o enfoque dado a cada uma delas também está relacionada, dentre outras
questões, com as características pessoais de cada instrumentista, construídas através da
vivência e experiência na área. S1 encarou as estratégias de estudo como táticas e técnicas
empregadas nas sessões de prática com o intuito final de tocar a obra, num processo pouco
declarativo, por não ter apontado em seus diários de estudo pensamentos ou dúvidas sobre
qual estratégia utilizar. Isso demonstra que, além de S1 já possuir um repertório de estratégias
armazenadas para as diversas situações e dificuldades apresentadas pela obra, ele soube
exatamente quando utilizá‐las. S2, por outro lado, não realizou depoimentos que remetessem
à identificação de estratégias pré‐concebidas. As estratégias utilizadas por S2 durante seu
processo de estudo apareciam na medida em que sua percepção do discurso musical ia
melhorando, sobretudo através da análise da estrutura da obra. As modificações nas
articulações da seção do Allegro di bravura e rubato também demonstraram que o objetivo
principal de S2 na construção da execução musical da Elegy foi “seguir a percepção do
desenho da música, o contorno das frases, e a direção das linhas melódicas”.
Saliento ainda que nenhum dos guitarristas comentou sobre o significado do termo elegia, que
dá título à música, nem mesmo da concepção retórica de tristeza, sofrimento ou caráter
fúnebre, expostos nos legatos em semitom e escalas descendentes cromáticas. Também três
estratégias do modelo analítico não foram mencionadas em nenhum momento durante o
processo: o estudo de mãos separadas (CHAFFIN, 2002; PROVOST, 1992), estudo mental
Guitarra Clássica
(GIESEKING E LEIMER, 1972; JORGENSEN, 2004), e o estudo através de gravações da própria
execução (JUSLIN, 2004; JORGENSEN, 2004; DANIEL, 2001). O estudo de mãos separadas,
apesar de abundante nas pesquisas com pianistas, pode contribuir na prática guitarrística para
a identificação e o desmembramento de problemas técnicos motores, coordenação e relação
de força empregada entre as mãos, entre outros.
Assim, as estratégias de estudo podem constituir um caminho para a otimização da
performance, e uma conseqüente melhoria qualitativa no campo das práticas interpretativas.
Como demonstrado, a utilização e enfoque dado às estratégias irão depender do nível e
diferenças individuais de cada intérprete, construídos ao longo de suas carreiras através da
experiência na área. As estratégias de estudo, no contexto da execução instrumental,
promovem subsídios práticos para o violonista resolver diversos problemas técnicos e
interpretativos de uma obra, além de igualmente contribuírem para uma melhoria no ensino
do instrumento. Quanto maior o repertório de estratégias de estudo que um professor
possuir, mais caminhos poderá oferecer ao seu aluno para a resolução dos diversos problemas
que permeiam a interpretação e execução musicais.
Guitarra Clássica
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Guitarra Clássica
Novvas Gravaçções
SOLO DUO: MATTEO
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MELA & LORENZO
L MICHEL ‐ FERDINA
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GUITAR SONA ATAS
Por Tiago Casssola Marq
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monografia, desta
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Guita
arra Clássica
já os intérpretes têm vindo a fomentar uma carreira de altíssimo nível pelos mais famosos
palcos internacionais. Seja em duo ou a solo, as interpretações de Mela & Micheli têm sido
agraciadas com óptimas críticas aos seus concertos e às suas inúmeras gravações. Imprimindo
uma carreira pautada pela descoberta e interpretação de música mais invulgar ou pouco
conhecida e por interpretações muito expressivas e virtuosísticas, deste duo, sem desvalorizar
a qualidade de Matteo Mela, sobressai individualmente Lorenzo Micheli, afirmando‐se cada
vez mais como uma personalidade incontornável da nova geração de guitarristas italianos com
projecção internacional. Repartindo a interpretação das sonatas a solo, os dois virtuosos
juntam‐se no Grande Duo. Também neste disco os dois intérpretes correspondem às
expectativas. Fraseados muito claros e equilibrados, virtuosismo e elegância nas passagens
mais densas, expressividade e compreensão perfeita do discurso musical fazem da sua audição
um enorme prazer pela descoberta desta música ainda desconhecida.
Gravado entre 2007 e 2008 e acabado de editar pela Stradivarius, apresenta‐se com um design
ligeiro e interessante. O som da captação é excelente, notando‐se todas as nuances
pretendidas pela execução primorosa dos dois guitarristas. Este disco junta‐se a outros
grandes discos de uma extraordinária colecção de 20 volumes da editora italiana.
Pela interpretação sempre fiável ou pelo prazer de ouvir música nova, este é um belo disco
que sem dúvida vale a pena ter, e que pode ser encontrado numa loja da vossa confiança ou
através da www.amazon.com/Ferdinand‐Rebay‐Guitar‐Sonatas/dp/B003V9EIH8 ($8.99), a um
preço atraente.
Ferdinand Rebay – Guitar sonatas
Solo Duo: Matteo Mela & Lorenzo Micheli, guitars
Obras: Grosses Duo für Gitarre und Quint‐Bassgitarre (Lorenzo Micheli, guitar; Matteo Mella,
Quint‐Bassgitarre); Variationen über Schuberts Wiegenlied (Lorenzo Micheli); Sonate in A moll
für Gitarre‐solo (Matteo Mela); Sonate in D moll für Gitarre (Lorenzo Micheli) – t.t. 68’43”
Stradivarius, STR 33859
Guitarra Clássica
Págiinas com Música
Trêss meninas–– Manuel Tavares
Sobrre a obra:
"Estass três pequenas peças surggiram em altuuras temporaiss distintas quee não sei preccisar, com o teempo decidi
que seeria interessa
ante agrupá‐la
as numa só ob
bra porque o seu carácter assim o parece permitir. A
As pequenas
peçass tornaram‐se assim em and
damentos con
ntrastantes qu
ue respeitam a
a velha fórmu
ula rápido ‐ len
nto ‐ rápido.
A prim
meira peça toma assim a fo
forma de uma
a espécie de prelúdio barroco com um sa
abor grave e iintrodutório
que a
a tonalidade de
d Ré menor tão bem emp
presta à guita
arra. Para o seegundo andamento escolh
hi uma peça
com u
um tema lírico
o, quase mela
ancólico, mas que vai busca
ar traços lumiinosos à tona
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Maior. Para
último
o andamento
o volto a Ré menor
m e prop
ponho uma da nas que vai buscar o seu
ança com inffluências latin
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mento a pequ
uenas célulass rítmicas quee acentuam o
o vigor e coeesão estrutura
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A uma
destas pequenas peças não posssuía originalm
mente um nom
me feminino (a
a primeira qu
ue rebaptizei ccom o nome
mé em homena
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© Manuel Tavares