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Título: Babá e...esposa?

Autor: Jéssica Steele


Título original: Bachelor in Need
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 2001
Publicação original: 2000
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Revisão: Bruna
Estado da Obra: Corrigida

A tarefa parecia fácil... até Fennia perceber que teria de cuidar não só de uma criança,
mas também de um homem!

Jegar Urquart precisa urgentemente de uma babá temporária para cuidar de sua sobrinha
Lucie, que agora está sob seus cuidados. A mulher ideal para essa tarefa parecia ser Fennia Massey,
que trabalha em um berçário e tem uma ligação muito especial com a menininha. Quando soube a
razão pela qual Lucie estava sob a guarda do tio, Fennia não teve como se recusar a ajudar... Apenas
tinha de resistir para não cair no papel de esposa temporária também! Por outro lado, Jegar
precisava de uma mulher, embora nem mesmo ele reconhecesse tal necessidade. Afinal, ele podia
comandar quase tudo, mas apenas um toque de mulher o faria feliz!
BABÁ E... ESPOSA?
Jessica Steele
CAPÍTULO I

Fennia olhou novamente para o relógio. Sete horas! Onde eles estariam? Nenhum dos dois
aparecera. Lucie Todd, uma garotinha de dois anos e meio, era o tesouro dos pais, e Marianne e
Harvey Todd raramente se atrasavam para buscar a filha.
Kate Young, a proprietária do berçário, sempre colocara o interesse das crianças em primeiro
lugar, e pensando naquilo, estipulará o horário de seis e trinta para a saída. Se os pais não pudessem
obedecer a tal regra, teriam de procurar outro lugar para seus filhos.
Fennia levou Lucie para a cozinha e lhe serviu um suco enquanto se perguntava o que iria
fazer. Aquilo tinha que acontecer bem naquele dia? Kate raramente saía cedo, mas naquela tarde,
quando a maioria das crianças e das assistentes já tinha ido embora, recebeu um telefonema da
escola do filho, informando que ele havia se machucado em um jogo.
— Vá — insistiu Fennia. — Eu cuidarei de tudo.
— Você tem certeza?
— Não há nada que eu não possa resolver — respondeu Fennia, fingindo segurança.
Percebendo que Lucie começava a bocejar, Fennia a pegou no colo, deu-lhe seu urso
favorito, imaginando que aquela hora a menina já deveria estar em casa, pronta para ir dormir.
Então a levou para o quarto de descanso e a colocou em uma das camas. Após cobri-la, saiu
do quarto, silenciosamente, para observar, através da janela, se havia algum sinal dos pais de Lucie.
Pensou em ligar para Kate, mas o acidente com Jonathan, um adolescente de dezesseis anos,
parecera sério e não queria deixar Kate ainda mais preocupada.
Então voltou para ver a criança adormecida. Lucie parecia um anjo, muito diferente da
criança que chegara aquela manhã, cheia de energia. Fennia desejou que Kate não houvesse saído
tão apressada, pois assim não teria esquecido de deixar as chaves do arquivo onde estava o telefone
dos pais de Lucie.
Voltou a olhar pela janela. Conhecia Marianne e Harvey Todd, mas não fazia a menor idéia
de onde moravam. Sabia apenas que trabalhavam em uma grande agência de publicidade e
ocupavam cargos de bastante prestígio.
Pensou em procurar o nome de algumas grandes agências na lista telefônica e tentar obter
alguma informação com a telefonista, mas foi naquele momento que um carro esporte preto
estacionou na porta da frente.
Seus ânimos se elevaram, mas quando viu um homem loiro, com porte atlético, com
aproximadamente quarenta anos, descer do carro, desanimou-se. Ela não o conhecia e se perguntou
o que aquele homem fazia ali, aquela hora.
Correu apressada em direção à porta, antes que ele tocasse a campainha, para não correr o
risco de acordar Lucie.
Fennia abriu a porta no exato momento em que ele colocava a mão na campainha.
— Sim? — perguntou ela friamente.
— Você trabalha aqui? — perguntou ele, parecendo um pouco surpreso e analisando-a com
seus olhos azul-acinzentados.
Fennia não sabia quem ele era ou o que queria, mas não se deixaria impressionar pela
aparência cordial do homem, nem por suas maneiras gentis.
— Você é um pai? — Ela preferiu ignorar a pergunta do desconhecido.
— Não que eu saiba — respondeu o estranho, com um sorriso.
Que audácia! Fennia o olhou com seriedade. O sorriso dele desapareceu, mas uma ponta de
divertimento ainda brilhava em seus olhos.
— Eu sou tio — informou ele, subitamente sério.
— Alguém ligou avisando que eu viria buscar Lucie Todd?
Fennia abriu mais a porta, sentindo-se aliviada.
— Você é tio de Lucie?
— Sim, irmão do pai dela.
Bem, ninguém podia escolher os parentes. E Fennia sabia muito bem disso. Adorava suas
primas, mas em relação à sua mãe e tias, com exceção de tia Delia, o sentimento era outro.
— É melhor você entrar — convidou ela.
O homem loiro e alto aceitou a oferta imediatamente. Fennia sempre fora muito cautelosa
em relação aos homens, eles gostavam de complicar tudo, sempre no intuito de confundir as
mulheres, e estava receosa pelo fato de não conhecê-lo.
— Você veio buscar Lucie? — perguntou ela.
— Pelo que parece, não há mais ninguém.
— E os pais dela? — perguntou Fennia.
— Sofreram um acidente grave — respondeu ele. O coração de Fennia disparou.
— Eu sinto muito! — exclamou Fennia.
Os olhos azuis a examinaram novamente, deixando-a sem jeito.
— Eles estão muito machucados?
— Ainda não sabemos ao certo o que aconteceu, mas a situação é grave — respondeu ele
com tal seriedade, que Fennia concluiu que aquele era o tipo de homem que sabia esconder os
sentimentos.
— Marianne também está ferida? — perguntou Fennia.
— Eles estavam juntos, indo visitar um cliente, esta tarde — explicou ele. — O carro colidiu
com um caminhão.
— As autoridades o localizaram?
— Ligaram para o meu escritório — respondeu ele.
— Como eu estava fora, minha assistente ligou para meu telefone celular. Fui direto para o
hospital, mas meu irmão e a esposa estavam inconscientes.
— Eu sinto muito. Deve ter sido um grande choque — disse Fennia, solidária.
— Foi terrível — concordou ele. — Telefonei para o escritório quando saí do hospital.
Alguém da agência Frost e Fletcher havia ligado para pedir que eu viesse buscar Lucie no berçário.
— Certo.
Fennia o conduziu até a sala de descanso. Pararam na porta de onde observaram a criança
adormecida, e então, de repente, Lucie abriu os olhos.
— Papai — disse ela sonolenta, sorrindo ingenuamente.
Fennia então percebeu que a garotinha não sabia quem ele era.
— Volte a dormir, querida — sussurrou Fennia.
Enquanto Lucie fechava os olhos novamente, Fennia empurrou o homem para fora do
quarto, sentindo o coração se acelerar.
— Quem é você? — perguntou, afastando-se cada vez mais do quarto.
Para seu alívio, o homem a acompanhou.
— Já lhe disse quem sou! — Ele falou de modo ríspido, deixando claro que não gostara da
maneira como ela se dirigira a ele.
— Não tente me enganar! Lucie não tem a menor idéia de quem você é!
— Isso não me surpreende, eu a vi apenas algumas vezes.
— Você não é muito próximo de seu irmão? — indagou Fennia.
Aquele homem parecia de boa índole, mas Fennia não podia confiar a guarda da criança a
um desconhecido.
— Nós somos próximos, porém muito ocupados. Falamo-nos por telefone e nos
encontramos quando podemos.
— Cada um tem sua vida.
— Exatamente — concordou ele, friamente. Então pôs a mão no bolso da jaqueta, tirou um
cartão e estendeu para Fennia.
Ela o leu e soube que se tratava de Jegar Urquart, diretor da Corporação de Comunicação
Global. Bem, o homem era realmente importante. Estava prestes a devolver lhe o cartão, mas parou,
como se uma dúvida tivesse surgido em sua mente.
— Você é Jegar Urquart? Ele a olhou com irritação.
— Sim!
— Seu sobrenome é Urquart... e do seu irmão é Todd — reclamou ela.
— Nós somos meio-irmãos!
Fennia desejou que Kate estivesse ali. Assim, decidiriam juntas o que fazer.
— Você é mais velho que Harvey — comentou ela, querendo ganhar tempo. — Harvey
Todd deve ter uns vinte e seis anos.
— Sou dez anos mais velho. Minha mãe casou-se novamente, e teve Harvey. Escute, hoje
não foi um os meus melhores dias. Ainda tenho muito a fazer, portanto... Vou levar Lucie e...
— Não!
— Não? — Ele parecia realmente zangado. Fennia não pôde evitar. Na verdade, simpatizara
com o homem, mas enquanto não confirmasse sua identidade, Lucie não sairia dali. Porém, como
poderia confirmar, se o escritório dele já estava fechado?
Então ele começou a andar em direção ao quarto, sem o consentimento de Fennia.
— E sua esposa, está em casa? — perguntou Fennia apressada.
— Eu não tenho esposa.
— Uma companheira?
— Não tenho uma relação permanente — respondeu ele e voltou-se para o quarto onde
estava Lucie.
Fennia entendeu que ele era o tipo de homem que não se prendia a nada, nem a ninguém, e
ficou ainda mais nervosa.
— Pare! — ordenou ela.
Jegar simplesmente a encarou.
— Eu não posso permitir que a leve, pois está sob meus cuidados. Ela é minha responsa... —
Fennia parou de falar quando o homem soltou a maçaneta da porta e a fitou.
Ele pensou, por um momento, então sorriu. Era um sorriso enigmático, e Fennia não podia
confiar nele.
— Muito bem. Você pode vir conosco.
Fennia o olhou incrédula.
— Eu não posso fazer isso! — protestou e notou quando ele olhou para suas mãos,
procurando por alguma aliança.
— Tem alguém esperando por você?
— Não, mas...
— Não precisa se preocupar. Apenas ligue para sua mãe e...
— Eu não moro com minha mãe! — rebateu Fennia e, apesar do olhar defensivo que queria
transparecer, sabia que não teria outra alternativa. — Lucie vai no meu colo.
Ele sorriu. Fennia virou-se e se dirigiu ao armário de roupas de onde pegou algumas coisas
que Lucie poderia precisar nas vinte e quatro horas seguintes. Então virou-se e entregou o pequeno
pacote para Jegar Urquart, pegou Lucie no colo, e Jegar foi obrigado a abrir as portas, trancar toda a
casa e esperar Fennia se acomodar com a criança no carro.
O apartamento de cobertura era enorme e estava impecável.
— Você tem empregada? — perguntou Fennia, tentando analisar aquele novo lugar onde
teria de deixar a criança.
Jegar, que havia tirado Lucie do carro, deitou-a em um sofá grande e confortável.
— A sra. Swann vem todos os dias. Você vai passar a noite aqui, certo?
Fennia não tinha a menor intenção de dormir ali, mas, pensando melhor, percebeu que não
teria para onde levar Lucie naquele momento. A meia-irmã de sua mãe, tia Delia, já estava velha e
não gostaria de receber visitas inesperadas àquela hora. Havia também a prima Astra, mas esta
trabalhava período integral e precisava de tranqüilidade e descanso, então Fennia sabia que não
podia contar com ela. Pensou na casa da mãe, porém, imediatamente, afastou a idéia, elas não se
falavam já havia algum tempo.
Então olhou para Jegar Urquart e notou que ele a media de cima a baixo. Era óbvio que não
entendia nada de crianças.
— Sim, vou — aceitou ela, sem alternativa naquela emergência.
— É melhor arrumarmos um quarto para você. Por falar nisso, qual é o seu nome?
— Fennia Massey — respondeu ela, seguindo-o rumo aos quartos. O primeiro que ele lhe
mostrou tinha duas camas.
— Este está ótimo para nós duas — decidiu Fennia. Ela se pegou, de repente, encarando os
sérios olhos azuis dele.
— Você ainda não confia em mim, não é mesmo? — perguntou ele.
Fennia percebeu que não havia motivo algum para desconfiança, então sorriu e disse
francamente:
— Não é isso, mas se Lucie acordar no meio da noite, é bom que eu esteja por perto para que
não se assuste por estar em um lugar estranho.
Jegar sorriu.
— Você é um amor — afirmou, de modo suave.
— Não fale assim! — Fennia contestou zangada.
— Nossa, como você está irritada. Fique sabendo que não corre perigo comigo. — Ele riu.
— Você não tem nenhum compromisso? Dessa vez, não houve nenhum sorriso.
— Eu vou até o hospital — anunciou ele secamente. Jegar mostrou a ela onde estavam as
roupas de cama e partiu.
Eram quase nove horas quando Fennia conseguiu acomodar Lucie na cama com seu urso.
Então decidiu tomar alguma coisa e telefonar para Kate. Se as notícias fossem boas, contar-lhe-ia o
que havia acontecido, caso contrário, esperaria até o dia seguinte.
As notícias eram boas de fato.
— Bem, não foi nada tão grave — explicou Kate.
— Jonathan quebrou a clavícula, mas está fora de perigo. Algum problema depois que eu
saí?
— Os pais de Lucie Todd sofreram um acidente. O tio foi buscá-la.
— Jegar Urquart? — perguntou Kate de imediato, e Fennia sentiu vergonha de sua própria
desconfiança.
— Na verdade, estou na casa dele agora — confessou Fennia. — Ele voltou para o hospital,
então...
— Você está tomando conta de Lucie? É muita bondade de sua parte.
Fennia não quis confessar que fora mais desconfiada do que bondosa.
— Como estão Harvey e Marianne?
Fennia contou o pouco que sabia, depois ligou para sua prima e informou-lhe dos
acontecimentos.
— Eu vou levar algumas roupas para você — prontificou-se Astra. — Com certeza, vai
precisar de alguma coisa para dormir e...
Fennia sabia que a prima estava no escritório, criando novos projetos e não queria incomodá-
la.
— Jegar Urquart tem ótimas camisetas no armário. Posso vestir alguma roupa dele.
— Se você prefere assim...
Depois de falar com a prima, Fennia sentiu-se faminta e caminhou para a cozinha, onde
preparou um sanduíche para si e deixou outro para Jegar Urquart, caso ele ainda não tivesse jantado.
Depois, verificou se Lucie estava bem e decidiu tomar um banho.
Ela pensava freneticamente enquanto a água quente escorria pelo corpo. Quando deixara o
apartamento de Astra naquela manhã, pensara visitar a mãe após o trabalho, para ver se poderia
esclarecer um grande mal-entendido, mas o bem-estar de Lucie fora mais importante.
Até o Natal, Fennia havia morado com a mãe. Mas a chegada de Bruce Percival, namorado
da mãe, mudará tudo. Fennia ficava enojada só ao lembrar-se como aquele homem repugnante a
havia agarrado embaixo da árvore de Natal e grudado os lábios úmidos nos dela. Fora revoltante, e
Fennia nunca mais queria ser beijada. Estava lutando para se livrar dele quando sua mãe entrou na
sala.
— Fennia! — exclamou ela friamente.
Bruce esquecera rapidamente sua paixão e inventara para Portia Cavendish que Fennia o
havia agarrado!
— Não consegui controlar sua filha, Portia! — irrompeu ele. — Eu estava atravessando o
hall quando, de repente, ela estava me beijando!
Fennia, sabendo que a mãe jamais acreditaria naquela história, não se importou em se
defender. Então ficou totalmente horrorizada quando a mãe acreditou nele. Mais ainda, para mostrar
que tinha controle sobre a filha, mandou Fennia fazer as malas e ir embora.
Fennia, sentindo seu orgulho ferido, recusou-se a brigar na frente daquele homem asqueroso.
Passara a noite na casa de tia Delia e, no dia seguinte, mudou-se para o apartamento de Astra.
Não querendo perder tempo com aquele incidente com Bruce Percival, Fennia voltou a
pensar sobre os acontecimentos do dia e logo estava pensando em Jegar Urquart. Ele havia se saído
muito bem, mascarando a preocupação que sentia em relação ao irmão Harvey. E com Marianne
também, sem dúvida. Mas, lembrando-se da maneira como ele deixara o apartamento, Fennia viu
que a tensão e a preocupação estavam presentes. Esperava, sinceramente, que boas notícias o
recebessem no hospital.
Ele era tão atraente e... Deus do céu! Estava fora de cogitação pensar em um homem daquela
maneira. Então mudou o rumo dos pensamentos e voltou a pensar em Astra e sua família.
Eram três primas, ela, Yancie e Astra, todas nascidas com apenas um mês de diferença, e
mandadas para um internato desde muito jovens. As três haviam crescido juntas e se amavam como
irmãs. O que mais as aproximava, era o fato de as mães serem loucas por homens, e por dinheiro, e
cujo comportamento beirava à promiscuidade, o que as fazia temer haver herdado alguma coisa
delas. Tinham jurado, na adolescência, que estariam sempre alertas contra tudo o que pudesse torná-
las parecidas com as mães e haviam concordado em se entregar somente para o homem certo.
Até então, não tinha sido nada difícil para Fennia manter o acordo. Tivera poucos encontros
e nenhum homem havia mexido com seu coração nem mesmo despertado sua sexualidade. Quem
ela era, afinal? O oposto da promiscuidade? O quer que fosse, era tão traumatizada com as atitudes
da mãe e das duas tias, Úrsula e Imogen, que havia decidido não se envolver em relacionamentos
amorosos. E assim seria.
Jegar Urquart voltou aos pensamentos de Fennia. Por trás daqueles olhos azuis, ela podia ver
a existência de sentimentos profundos. Sentia que ele faria de tudo pela filha do irmão. Ele... Fennia
novamente o afastou da mente, estava fantasiando demais! Então, rezou para que Jegar chegasse
com boas notícias.
Saiu do chuveiro e pensou novamente na mãe. Fennia tinha notado na última semana, no
casamento de Yancie, que talvez houvesse uma tênue chance da mãe mudar de atitude em relação a
ela. Na verdade, Bruce Percival estava fora de cena agora, substituído por Joseph Price.
Cansada das próprias reflexões, decidiu ir dormir. Tinha a impressão de que Lucie Todd
acordaria ao primeiro raio de sol com a energia recarregada.
Pensando em pegar emprestada uma camiseta de Jegar, Fennia se enrolou na toalha e saiu do
banheiro. A caminho do armário notou que havia uma luz acesa na cozinha que provavelmente
esquecera-se de apagar. Então se dirigiu para lá e, quando procurava pelo interruptor, encontrou um
par de olhos azul-acinzentados em sua frente.
— Oh! — exclamou ela, enrubescendo.
Jegar Urquart a observou e tentou decidir o que mais o fascinava, o rubor das faces dela ou
os lindos ombros nus, sem falar nas pernas bem torneadas que, até então, haviam estado escondidas
pela calça.
— Eu... eu não o ouvi entrar — comentou Fennia com a voz embargada, mas procurando
manter um ar de dignidade, como se estivesse vestida normalmente.
— Com uma criança dormindo aqui, tentei ser o mais silencioso possível.
— Foi muita consideração de sua parte. — Ela tentava parecer normal e tranqüila, mas tinha
vontade de sumir dali.
Jegar sorriu.
— Obrigado pelo sanduíche, foi muita consideração de sua parte.
Fennia deu de ombros. A toalha estava firme, mas, mesmo assim, ela a segurou para
certificar-se.
— Como estão as coisas no hospital? — indagou Fennia.
— Harvey estava entrando na sala de cirurgia quando cheguei lá. Ele acordou muito
preocupado com Marianne.
— Você a viu?
— Sim, ela está fazendo uma série de exames, e talvez tenha que ser transferida para a ala da
ortopedia, por causa da coluna.
— Pobre Marianne — sussurrou Fennia.
— Está tudo bem por aqui? — perguntou Jegar com um sorriso gentil.
— Sem problemas — disse ela. O fato de estar parada ali, enrolada em uma toalha na frente
de um desconhecido, de repente não pareceu tão importante comparado com todos os
acontecimentos daquele dia.
— Naturalmente, você foi me inspecionar depois que saí.
Fennia sentiu o sangue ferver pelo corpo e estava pronta para fugir se aquele calor se
transformasse em outro acesso de rubor. Pelo amor de Deus! Ela nunca enrubescia!
— Eu disse que confiava em você — murmurou ela.
— Então, para quem ligou? — perguntou ele descontraído, entendendo que se havia uma
criança envolvida, ela jamais relaxaria e confiaria cegamente.
— Só não me informei quem você era antes, porque Kate Young, a proprietária do berçário,
teve que sair às pressas para ver o filho que se machucara em um jogo de rugby — explicou Fennia.
Ela sabia que estava gaguejando, mas o fato de estar ali, enrolada em uma toalha àquela hora da
noite, estava começando a incomodá-la. — Então depois que você saiu, liguei para perguntar como
estava Jonathan e...
— Como ele está? — perguntou Jegar.
— Quebrou a clavícula, mas está bem. Então, quando contei para Kate sobre o acidente de
Marianne e Harvey Todd e como o tio de Lucie tinha aparecido para pegá-la, ela imediatamente
mencionou seu nome.
Fennia suspirou longamente e observou que Jegar Urquart ainda mantinha um sorriso gentil.
Após um longo silêncio, ele falou:
— Sabe, Fennia, você não precisa ter o menor receio de ficar sozinha comigo.
Uma explosão de aborrecimento a acometeu naquele instante, e ela lhe lançou um olhar
indignado.
— Eu vou me deitar — disse ela de modo categórico e saiu da cozinha.
Quem ele pensava que era dizendo que ela não precisava ficar nervosa em relação a ele?
Porque então não aproveitara para dizer também que, mesmo vestida daquele jeito, ele não se sentia
atraído por ela?
Furiosa e sem mais nenhuma palavra, Fennia foi até o armário, pegou uma camiseta de Jegar
e se deitou na cama, ressentida pelo que ele dissera.
Bom Deus, quem diria que ela poderia ficar infeliz porque um homem não a cortejara?
Aquilo era ridículo!

CAPÍTULO II

Como Fennia previra, Lucie acordou ao raiar do dia. Era uma esplêndida manhã de maio.
Um grito agudo chamando: "Mamãe!" fez Fennia despertar no mesmo instante. Olhou ao
redor do quarto e, quando percebeu que Lucie não estava na cama, pulou sobressaltada.
Fennia a encontrou na sala de visitas e a pegou no colo.
— Bom dia, querida — disse ela, beijando os cachos dourados de Lucie. — Como está
minha garotinha preferida, esta manhã?
Um som na sala fez Fennia e Lucie olharem em direção à porta. Jegar Urquart entrava
usando apenas um robe até os joelhos que deixava suas pernas à mostra, e, de repente, Fennia
sentiu-se horrorizada ao se conscientizar de seus próprios trajes. A camiseta dele era tudo que
estava usando.
Ficou aliviada pela camiseta cobrir-lhe metade das coxas e agradeceu por Jegar ser um
homem de ombros largos, o que deixava a blusa folgada em seu corpo magro.
Jegar Urquart parecia à vontade, observando a cena.
— Há uma... — começou ele, mas Lucie começou a gritar naquele momento:
— Suco! — pediu ela.
Fennia, consciente de sua aparência depois daquela noite, pensou rapidamente, na tentativa
de ver-se livre daquela situação.
— Segure-a — disse ela, andando na direção de Jegar e entregando-lhe a sobrinha.
— O que... — hesitou Jegar, parecendo totalmente perdido.
— Sua sobrinha quer um suco.
— Eu não sei se há suco. Pode ser leite?
— Suco! — pediu Lucie mais alto, agitando-se no colo dele para chamar atenção.
Um pouco assustado, Jegar entregou a criança que choramingava de volta para Fennia e
rumou em direção à cozinha. Fennia o seguiu, e ambos ficaram felizes quando viram uma caixa de
suco na geladeira.
Lucie recobrou o bom humor miraculosamente ao ver o suco e sorriu quando Fennia a
sentou à mesa da cozinha. Jegar, entretanto, não gostou nada quando Fennia pediu:
— Cuide dela enquanto eu tomo um banho.
— Fennia! — Jegar chamou.
Ela o ignorou. Tomou um banho rápido e passou apenas um batom. Sentia-se feliz por estar
vestida, e ficaria muito mais feliz quando as coisas voltassem ao normal. Aquela proximidade com
o sexo oposto não lhe fazia nada bem. Por duas vezes, ele a vira seminua. E enquanto ele parecia
tranqüilo lidando com aquilo, Fennia sentia-se nervosa e inquieta. Graças a Deus, dentro de, no
máximo uma hora, estaria longe de Jegar Urquart.
Fennia apressou-se para retornar à cozinha.
— Voltei antes mesmo que você sentisse minha falta — brincou ela, de maneira jovial.
Então viu os olhos de Jegar vagarem por sua camiseta e, sem dúvida, reconhecê-la.
— Espero que não esteja pensando em usar esta camiseta hoje — disse ela.
Jegar apenas sorriu e logo depois disse que iria tomar banho.
Fennia ocupou-se com Lucie, dando-lhe um banho e vestindo-a. Depois voltou à cozinha e
procurou cereal nos armários.
Quando Lucie chamou novamente pela mãe, Fennia explicou-lhe, da maneira mais simples
possível, que seus pais estavam doentes e teriam que ficar uns dias fora, mas logo ela os veria de
novo. Fennia estava dando o café da manhã para Lucie quando Jegar entrou na cozinha com uma
pasta na mão, parecendo pronto para sair.
— Eu liguei para o hospital — explicou ele. — Vou até lá agora.
Fennia notou que ele evitou usar o nome do irmão e de Marianne por causa de Lucie.
— Diga a eles que está tudo bem com a criança — disse Fennia e, mesmo sabendo que ele
estaria ocupado o dia todo, perguntou: — Você vai providenciar uma babá? Eu posso levá-la
comigo hoje, mas...
Ele franziu a testa, olhou para o relógio e desapareceu, para voltar em seguida, segurando
uma chave.
— Você poderia fazer o favor de trazer Lucie para casa hoje?
A primeira reação de Fennia foi dizer que não. Ela não conhecia aquele homem, mas os
instintos a preveniam para tomar cuidado porque ele poderia magoá-la. Porém, disse apenas:
— É claro. — Disse a si mesma que Jegar estava preocupado com o irmão e a cunhada, e
não precisava de mais problemas.
Havia bastantes funcionários no berçário na hora do descanso das crianças, e Fennia
aproveitou para ir comprar algumas coisas de que Lucie gostava. Sabia que Jegar estaria ocupado
demais, tentando encontrar uma babá e não teria tempo de comprar sucos e frutas para a criança.
Fennia explicara para Kate as circunstâncias que a fizeram passar a noite na casa de Jegar
Urquart e o pedido dele para levar Lucie para casa. E foi idéia de Kate que Lucie jantasse antes de
sair. Aquilo daria tempo para a nova babá se acomodar melhor.
O que significava, Fennia pensou enquanto levava a garota exausta de volta à cobertura do
tio, que a babá teria pouco trabalho aquela noite. Na verdade, Lucie já estava sonolenta quando
Fennia estacionou o carro.
Hesitou na porta do apartamento de Jegar antes de tocar a campainha, e então pegou a chave
que Jegar lhe dera naquela manhã.
Uma hora depois de colocar Lucie na cama, Fennia lamentou estar no apartamento daquele
desconhecido, pois não tinha nada para fazer, a não ser que vasculhasse as estantes e os armários.
Quando começou a sentir fome, ocupou-se na cozinha e logo estava fazendo comida
suficiente para duas pessoas.
Foi então que Jegar chegou em casa. Parecia cansado, e o coração de Fennia se enterneceu
por ele.
— Você já comeu? — perguntou ela gentilmente.
Todas as outras perguntas poderiam esperar.
Jegar a olhou, pensou por um momento e respondeu:
— Acho que não.
— Então vá lavar as mãos — ordenou ela.
Jegar sorriu, e ela imediatamente sentiu-se embaraçada com o que havia dito. — Ou não vá,
como preferir. O jantar está pronto.
Jegar lavou as mãos na pia da cozinha enquanto ela terminava de colocar os pratos na mesa.
— Está muito bom! — elogiou ele depois de provar a comida. — Você comprou?
— O que esperava? Que eu mesma a preparasse? — desafiou ela.
Ele apenas sorriu, e Fennia notou que o cansaço havia desaparecido de seu rosto.
— Como estão Marianne e Harvey?
— Fizeram grandes progressos de ontem para hoje — respondeu ele. — A operação de
Harvey foi bem-sucedida, apesar de que ainda levará um bom tempo para que ambos se recuperem
completamente. Mas estão fora de perigo, isso é o mais importante.
— É claro — concordou ela. — Marianne também está consciente?
Ele meneou a cabeça.
— Eu visitei os dois. Estão muito preocupados com Lucie, mas Marianne ficou mais
tranqüila quando soube que você estava ajudando a cuidar dela. Parece que Lucie fala muito de
você em casa. Como eles entendem o que ela diz, eu não sei.
— Você terá de aprender a linguagem das crianças — disse Fennia com delicadeza.
— Parece que sim. Não há muita chance de que eles saiam do hospital logo. Pode demorar
uns dois meses.
— Tudo isso? — Só agora Fennia se dava conta da gravidade dos ferimentos de Harvey e
Marianne.
— Marianne será transferida para uma unidade especial para problemas de coluna, enquanto
Harvey terá que se submeter a várias cirurgias no futuro.
— Jegar, eu sinto muito.
Ele sorriu e comentou:
— De qualquer maneira, como já disse, a boa notícia é que estão fora de perigo.
— Isso é verdade — disse Fennia sinceramente.
— Portanto, nós devemos fazer de tudo para que tenham uma boa recuperação — anunciou
ele.
Fennia não entendeu porque ele dissera "nós", mas achou melhor não perguntar.
— Você encontrou a babá? — indagou ela.
— Você é inteligente demais para trabalhar cuidando de crianças.
— Sem adulação. Encontrou a babá?
— Eu ia procurar... — começou ele.
— Mas não procurou!
— Não fique brava. — Jegar sorriu de modo persuasivo.
Ela permaneceu imóvel.
— Não estou brava. — Sem terminar a refeição, Fennia se levantou. — Eu estou indo. Vejo
Lucie amanhã, no berçário.
— Fennia! Não dificulte mais as coisas para mim — suplicou ele. — Estou fazendo o
melhor que posso.
Ela o olhou e sentiu-se uma carrasca, então se sentou novamente.
— O que quer que eu faça?
— Eu pretendia procurar uma babá, era minha real intenção quando saí de casa hoje. Mas
primeiro fui ao hospital e, como já contei, Marianne ficou muito aliviada ao saber que você passou
a noite com Lucie. Ela não sabia como lhe agradecer por ter ficado perto dela em uma situação
como essa e teme ver a menina rodeada por pessoas estranhas. Nós... — ele parou de falar e olhou
direto para Fennia — gostaríamos de saber se você aceitaria o emprego — terminou ele, sério.
— Eu já tenho um emprego! — Fennia o lembrou.
— Sim, eu sei, mas Lucie a adora e sente-se segura a seu lado.
— Eu não quero este emprego!
— Ela já vai ficar traumatizada o suficiente com a perda temporária dos pais, não desapareça
também.
Fennia queria era ajudar, mas estava insegura, cautelosa, sem saber exatamente o porquê. Do
que tinha tanto medo? Com certeza, não era da responsabilidade de olhar uma criança, mas...
— Não há ninguém mais que possa ficar com ela? Outro parente? Marianne deve ter...
— Marianne é órfã.
— Sua mãe...
— Está fora da cidade, meu padrasto está se recuperando de um sério problema respiratório.
Fennia se viu num beco sem saída. Apesar de o problema não ser dela, pensou na pequena
Lucie e sentiu-se incapaz de abandoná-la.
Do outro lado da mesa, Fennia observou aqueles sérios olhos azuis.
— Está sugerindo que eu durma aqui com você... — Ela interrompeu-se. Não, aquelas não
eram as palavras certas a falar. — Você sabe o que quero dizer, está sugerindo que eu more aqui
com você e...
— A maioria das mulheres que conheço daria qualquer coisa por esta chance — disse ele,
sabendo que vencera a batalha.
— Deixe a modéstia de lado! — respondeu Fennia secamente. — Você quer que eu durma
aqui por dois meses...
— A não ser que prefira levar o problema para sua casa.
Ele era mesmo muito inconstante!, refletiu Fennia. A cada conversa que tinham, descobria
algo novo em Jegar.
— Você deixaria Lucie ir morar comigo? — perguntou impulsivamente e sabia, antes
mesmo de ouvir a resposta, que ele protegeria a sobrinha ou qualquer outro membro da família com
muita responsabilidade.
Ele a olhou fixamente.
— Eu falei que você era inteligente — frisou ele e concordou: — É uma idéia atraente, mas
não, eu não deixaria a menina ir para lugar algum.
— O que para mim é excelente — reconheceu Fennia, começando a gostar dele. — Eu moro
com uma prima e ela trabalha muito com a cabeça...
— É neurocirurgiã?
Fennia não conteve uma risada.
— Você é impossível.
— É o que todos dizem. — Jegar sorriu.
Fennia fitou-lhe a boca, o sorriso bem-humorado nos lábios, e sentiu um estranho calor subir
pelo corpo, mas rapidamente se recompôs.
— Vamos esclarecer as coisas — começou ela. — Eu adoro meu emprego e não tenho a
menor intenção de abandoná-lo.
— E então? — encorajou ele.
— Então eu levarei Lucie comigo todos os dias para o berçário, de segunda à sexta, e a trarei
de volta. Dormirei aqui todas as noites e também durante o fim de semana, mas apenas para
verificar se ela está limpa, alimentada e bem tratada. O restante do tempo, você poderá exercer a
função de tio-guardião. Alguma pergunta?
Os lábios dele se contorceram, mas Fennia não se importou por ele achar graça de sua
atitude autoritária.
— Parece-me divertido.
— Será um processo de aprendizado para você — disse Fennia, satisfeita e, ao se lembrar da
última afirmação de Jegar, ela lançou-lhe um olhar ansioso. — Outra coisa, eu não quero nenhum
tipo de intimidade... — Ela falou rápido demais e sentiu-se enrubescer.
Desejou que o chão se abrisse para poder se esconder, quando viu que ele a encarava,
estudando o rubor de suas faces. Mas Fennia, com toda certeza, não gostou nem um pouco quando
Jegar inclinou a cabeça para trás e disse vagarosamente:
— Você não precisa se preocupar quanto a isso, Fennia. — E então acrescentou: — Para ser
franco, você não é meu tipo.
Fennia se levantou e reconheceu que estava desapontada, o que era absolutamente fora de
propósito. Deveria se sentir agradecida por não ser o tipo dele.
— Vejo-o mais tarde — disse ela. Ele também se levantou.
— Aonde você vai? — perguntou Jegar.
— Não posso continuar usando suas camisetas, vou buscar algumas roupas.
— Vai me deixar aqui com Lucie? — Ele tremeu só em pensar naquela possibilidade. — O
que devo fazer se ela acordar?
Fennia sorriu.
— Teste seus ouvidos — instruiu ela. — Lucie vai querer beber alguma coisa ou ir ao
banheiro.
— Você vai demorar? — perguntou ele, aterrorizado demais para um homem que estava
acostumado a lidar com milhões de dólares todos os dias. — Promete voltar?
— Eu não deixaria nem mesmo um bichinho de estimação a seus cuidados por muito tempo.
Fennia sorriu, mas ele permaneceu sério. Afinal, a vida não era maravilhosa?

— Você tem tempo para uma xícara de café? — perguntou Astra quando Fennia explicou o
que acontecera.
Fennia quase disse sim, mas não podia ser tão cruel com Jegar ou com Lucie.
— E melhor não, acho que aquele tio ficará olhando para o relógio até eu voltar.
Ambas riram, e então Fennia se ocupou em pegar as coisas de que precisaria. Depois de
alguns dias de convivência com a sobrinha de dois anos de idade, ela tinha certeza de que Jegar se
acostumaria. Mas tinha que admitir e admirar que ele estava colocando o bem-estar de Lucie em
primeiro lugar. Levara a menina para viver com ele, mesmo sem ter ninguém para ajudá-lo.
O fato de Lucie conhecer Fennia e sentir-se segura com uma pessoa conhecida por perto,
fora de extrema relevância para Jegar. Não queria que a sobrinha ficasse mais traumatizada pelas
circunstâncias se tivesse como babá uma pessoa desconhecida.
Fennia já se sentia bem mais segura quando voltou para a cobertura.
— Tudo tranqüilo? — perguntou ela, quando entrou.
— Ela dorme como um anjo — respondeu Jegar e demonstrou alívio com a chegada dela. —
Posso preparar alguma coisa para você beber?
Fennia sorriu.
— Eu moro aqui agora — ela o lembrou. — Você não precisa ser tão formal.
Jegar a encarou.
— Você é realmente diferente, Fennia Massey.
— Acredito que sim. — Ela sorriu. — Vou colocar a chaleira no fogo e, enquanto isso,
podemos combinar algumas coisas a respeito de Lucie.
Fennia deitou-se na cama aquela noite depois de ter discutido vários assuntos com Jegar. No
dia seguinte, ele pegaria a chave da casa do irmão e iria até lá buscar roupas para a sobrinha.
Aquilo acertado, eles conversaram sobre qual quarto Fennia deveria ocupar, e ela escolheu o
que ficava ao lado do da menina,
Na noite seguinte, após Lucie dormir, Fennia estava arrumando suas coisas quando ouviu o
barulho da chave de Jegar na porta do apartamento. Então foi até o hall para encontrá-lo.
— Você trouxe as coisas de Lucie? — perguntou ela, vendo-o colocar uma grande mala no
chão. — Como estão Marianne e Harvey?
— Eu não pude ver Harvey. Estava na sala de cirurgia para pôr pinos nos ossos fraturados.
— Coitado! E Marianne?
— Está na mesma, tentando parecer alegre, e muito preocupada com Lucie. — Jegar sorriu.
— Marianne não sabe como lhe agradecer.
— É o mínimo que posso fazer — comentou Fennia e mudou de assunto. — A sra. Swann
deixou uma torta deliciosa para você. Se quiser, posso esquentar com alguma...
— Eu vou sair hoje — ele interrompeu-a, com prazer.
Era óbvio que ele tinha um encontro e, de repente,
Fennia revisou o que acabara de dizer sobre o mínimo que podia fazer por Lucie.
— Eu vou apenas...
— Espere um minuto! — Fennia o parou antes que ele pudesse ir a algum lugar. Jegar
hesitou, sem entender aquela repentina atitude fria. — Isso não está certo — anunciou ela
secamente.
Ele a olhou intrigado, mas obviamente, quando consultou o relógio, parecia estar apressado
para sair. Então perguntou:
— O que não está certo?
Já que ele demonstrava estar com pressa, Fennia decidiu não fazer rodeios e ir direto ao
assunto.
— Eu fico com Lucie durante o dia, e o turno da noite é seu — disse ela sem preâmbulos.
— Meu turno? — Pela expressão dele, podia-se perceber que não estava acreditando no que
ouvira. — Mas... eu estou lhe pagando! — defendeu-se Jegar.
— Não, você não está!
— Mas vou pagar, é esta minha intenção. Nós podemos não ter discutido sobre isso, mas
sempre foi minha... — Enquanto falava, começou a tirar a carteira do bolso, e Fennia, além de
aborrecida, sentiu-se afrontada.
— Você pode guardar isso! Não preciso do seu dinheiro — disse com frieza.
— Não precisa? Mas...
— Não preciso!
— Ora, Fennia. Não permitirei que você tome conta de Lucie sem ganhar nada.
Ela sorriu.
Jegar não confiou naquele sorriso.
— Eu não sou responsável por Lucie, você é! — declarou ela, com ironia.
Jegar murmurou alguma coisa desagradável, e dessa vez foi ele quem demonstrou frieza
quando quase gritou:
— Você realmente espera que eu fique todas as noites em casa pelos próximos três meses?
— Três meses! — exclamou Fennia. — Eu pensei que você tivesse dito dois meses.
— Essa foi a estimativa inicial. Hoje conversei com o cirurgião que operou Harvey e as
estimativas mudaram para ele e para Marianne... — Jegar meneou a cabeça devagar. — Eles se
machucaram muito.
Aquela informação anulou os argumentos de Fennia, e qualquer outro sinal de protesto foi
deixado de lado. Seu coração se amoleceu por saber como o casal deveria estar sofrendo, mas não
iria falar aquilo para Jegar.
— Certo — concordou ela, com firmeza. — Vamos às regras. Uma vez que você já assumiu
um compromisso para hoje, vamos começar, a partir de amanhã, a alternar nossas folgas. Amanhã é
minha vez.
Jegar arqueou as sobrancelhas como quem não estivesse acreditando no que acabara de
ouvir. Fennia imaginou que talvez, desde os tempos de adolescência, ninguém falara com ele
daquela maneira, e não estava arrependida.
— Mas... — começou ele a replicar, parecendo ter algum programa para a noite seguinte
também. Porém, para surpresa de Fennia, Jegar perguntou com tranqüilidade:
— Você tem um encontro amanhã? Ela não tinha.
— Encontros não são tudo!
Ele lhe lançou um olhar fulminante e se dirigiu para dentro do apartamento. O próximo som
que ela ouviu, foi o do chuveiro. "Casanova" estava tomando uma rápida ducha para sair.
Fennia não conseguiu dormir aquela noite. Pensamentos sobre Jegar Urquart insistiam em
invadir-lhe a mente, e ela continuava tentando afastá-los. Ele queria pagá-la! Ela não precisava do
dinheiro de Jegar!
Deixou os pensamentos vagarem. Tinha oito anos quando seu pai morrera de um ataque
cardíaco, deixando ela e a mãe em uma situação financeira privilegiada. E, no ano anterior, ao
completar vinte e um anos, havia recebido uma grande parte da fortuna do pai, referente a sua
porcentagem na herança.
Era muito bom ter seus próprios rendimentos agora.
Sua mãe, logo após enviuvar, casara-se, juntando sua fortuna à do milionário Edward
Cavendish. Fennia desconfiava que Edward já estava saindo com sua mãe desde quando seu pai
falecera. Mas Portia Cavendish não demorou a enjoar de seu novo marido, divorciando-se após o
primeiro ano para viver com outra pessoa. Apesar do pouco tempo de convivência, Fennia e
Edward tinham se tornado bons amigos. Quando ela, Yancie e Astra deixaram o internato, Fennia
visitara Edward e lhe contara sobre como estava sendo difícil o convívio com a mãe, o que Edward
entendera muito bem, uma vez que conhecia Portia e sabia como ela era capaz de negligenciar as
pessoas.
— Arrume um emprego — aconselhou ele.
— Você vai contar para minha mãe ou eu conto? — brincou ela.
— Eu fico do seu lado.
Por alguma razão desconhecida, as irmãs Portia, Úrsula e Imogen, colocavam o casamento
em primeiro lugar, e eram totalmente contra que as filhas trabalhassem. Ele pensou por um
momento e, como sempre, encontrou com uma solução.
— Por que não faz como sua prima Astra?
— Fazer um curso?
— Isso seria bom para você, pois a manteria longe de casa por muitas horas e livre dos
discursos de sua mãe sobre o casamento.
Então Fennia decidiu conversar com as primas.
— Venha comigo — ofereceu Astra.
— Eu não sei, Astra — lamentou-se Fennia.
— Você não precisa fazer o curso completo. Faça apenas a parte de computação.
— É uma boa idéia, Fen. — Yancie juntou-se a elas. — Você é inteligente.
— Não tanto quanto Astra.
As três riram. Fennia gostava muito das primas. Estava pensando em como Astra tinha se
saído bem no curso, quando ouviu um barulho que a trouxe de volta à realidade. Jegar havia
chegado. Recusou-se a olhar as horas, como se aquele detalhe pudesse perturbá-la. Estranho, mas só
então conseguiu adormecer, depois de se sentir aliviada ao saber que ele já estava em casa.
O sábado amanheceu radiante. Quando Fennia acordou foi ao quarto de Lucie e descobriu
que ela não estava mais lá. Rapidamente vestiu um robe e saiu à procura da garota.
Não precisou procurar muito. A porta do escritório estava aberta, e ela entrou no momento
em que Lucie subia em uma cadeira e alcançava o teclado do computador sobre uma enorme mesa
antiga.
— Bom dia, mocinha — cumprimentou ela. Mas antes que tivesse tempo de pegar a garota,
vislumbrou o mesmo robe que vira na noite anterior.
Abriu a boca para dizer um sonoro "bom dia", mas as palavras não saíram.
— O que está fazendo aqui? — vociferou Jegar.
— Pelo que vejo, você acordou com o pé esquerdo — retrucou Fennia.
Ele olhou primeiro dentro dos profundos olhos castanhos e depois para Lucie, que os
observava fascinada. Jegar tentou controlar a ira, mas seu tom ainda era severo quando olhou
fixamente para Fennia.
— Agora ela quer brincar no meu escritório, e depois, sabe Deus onde! São meses de
trabalho nestes disquetes, e...
— Não se irrite! — Fennia o interrompeu e, quando Jegar a olhou mais calmo, ela pegou
Lucie no colo e perguntou: — Aonde você vai levar sua sobrinha hoje?
— Eu? — perguntou ele incrédulo. O bom humor de Fennia voltou.
— Estou trabalhando de graça, lembra-se?
— Eu lhe pago.
— De jeito nenhum! Lucie é sua sobrinha.
— Meia sobrinha — corrigiu ele.
Fennia sorriu, o homem estava desesperado.
— Não se esqueça de que ela tem energia de sobra para gastar e precisa de atividades,
senão... — Ela não precisou concluir a frase.
— Será uma catástrofe?
— Você entendeu tudo rapidamente.
Jegar parecia perplexo, mas depois de alguns instantes perguntou:
— O zoológico é uma boa opção?
— Não se esqueça de levar comida para os elefantes — respondeu Fennia, enquanto previa
um dia tranqüilo e adorável para si própria. Mas Jegar tinha outra idéia em mente.
—Venha com a gente.
Aquilo parecia mais uma súplica do que um convite, e ela o olhou, com uma sombra de
travessura nos brilhantes olhos castanhos.
— Por favor! — implorou Jegar.
— Tudo bem — concordou ela, preocupada em ocultar sua vontade de rir. O coitado estava
mesmo em pânico.
A visita ao zoológico começou bem. Fennia observava com alegria enquanto Lucie olhava
encantada para os animais. Comportara-se muito bem na última hora e Jegar a havia levantado nos
ombros para que ela pudesse ver melhor os gorilas. Entretanto, depois de algum tempo que estavam
ali, a garotinha mudou completamente o comportamento. Começou a gritar e espernear para descer
dos ombros do tio, o lindo rostinho contorcido e vermelho de fúria. Jegar não sabia o que fazer.
— O que há de errado com ela? — perguntou ele, desesperado, enquanto tirava a menina dos
ombros.
— Está apenas com mau humor — disse Fennia.
— Mau humor? — repetiu ele sem entender. — Parece que eu estava tentando matá-la! O
que faço?
— Apenas coloque-a no chão, segure firme a mãozinha dela e continue andando.
— Você acha que devemos ficar?
— Essa é a dúvida de muitos pais.
— Você quer dizer que isso acontece com freqüência?
— Crianças não são chamadas de "pestinhas" por nada — informou ela, mantendo os olhos
em Lucie, que parecia estar segurando a respiração havia cinco minutos.
— Quando ela vai fazer três anos?
— Dentro de seis meses. — Fennia quase riu da expressão de Jegar quando Lucie realmente
respirou e os gritos se acalmaram, até se transformarem em soluços. Fennia a abraçou e perguntou:
— Que tal tomarmos um sorvete?
Como se o sol aparecesse entre as nuvens, Lucie imediatamente se recuperou.
Jegar parecia incrédulo diante daquela repentina mudança.
— Acho que nunca vou querer filhos — comentou. Fennia riu.
— É claro que vai, isso não é nada.
Mais tarde, durante o almoço, Lucie teve a oportunidade de lhe mostrar que, apesar da idade,
tinha ótimas maneiras à mesa.
— Você é muito boa com ela — observou Jegar.
— Nós passamos muito tempo juntas. — Fennia, sabendo que já o conhecia um pouco,
pressentiu que Jegar iria perguntar alguma coisa.
— Você poderia ficar mais algum tempo com ela esta tarde, enquanto vou ao hospital?
Se ele esperava uma resposta negativa, enganou-se.
— É claro.
Jegar sorriu e procurou os olhos castanhos de Fennia.
— Acho que estou começando a conhecê-la, Fennia Massey.
Ela não tinha certeza do que estava sentindo.
— Não conte com isso! — respondeu secamente.
Ele não se abalou com a resposta de Fennia.
— Acho que você é mais do que apenas uma boa pessoa — continuou ele.
Fennia o encarou. Sabia que ele não estava fazendo charme, mas achou que as palavras "uma
boa pessoa" queriam dizer alguma coisa.
— É verdade. Mas hoje ainda é a sua vez.
Esperou que ele ficasse nervoso, mas enganou-se.
Jegar sorriu e eles voltaram ao apartamento. Depois que ele saiu, Fennia colocou Lucie para
descansar e depois ligou para tia Delia.
— Você tem algum programa excitante para hoje à noite? — perguntou ela para a meia-irmã
de sua mãe.
— Venha jantar comigo. — Sua tia a convidou imediatamente.
— Às sete?
A hora que Jegar chegou, Lucie estava de pijama, pronta para ir para a cama. Fennia pegou
um livro de histórias e saiu à procura dele.
— Como estão as coisas no hospital? — perguntou ela.
— Progredindo devagar.
Ela sorriu e estendeu-lhe o livro.
— Você gostaria de ler para Lucie enquanto eu me arrumo?
— Arrumar-se? — indagou ele.
Não acredito que você se esqueceu!
— Apenas achei que você não estava falando a sério sobre me deixar aqui sozinho com a
menina.
Fennia não pôde evitar uma gargalhada.
— Há sorvete no freezer para o caso de ela ter outro acesso de mau humor.
— Eu não pensaria duas vezes — ameaçou ele.
Fennia tomou banho, maquiou-se levemente e escovou os cabelos. Escolheu um vestido de
seda vermelho, pegou a bolsa e seguiu para onde ouvia a voz de Jegar.
Ele havia acomodado Lucie na cama com seu urso de pelúcia e, apesar de a garota já estar
quase dormindo, continuava lendo a história.
Os olhos de Fennia se enterneceram. Jegar parecia exasperado e então riu daquela situação,
mas voltou a ficar sério quando a acompanhou até a sala.
— Olhe, estou realmente preocupado com tudo isso — disse ele.
— Ela vai dormir até amanhã — prometeu Fennia.
— E se ela acordar? E se tiver outro daqueles acessos e prender a respiração? E se...
De repente, Fennia sentiu pena de Jegar. Quase desistiu de sair, mas tinha orgulho e havia
dado a entender que tinha um encontro.
— Eu vou... — começou ela, mas logo mudou de idéia.
— Acho que posso voltar um pouco mais cedo. Tentarei não demorar... E você, faria o
mesmo por mim?
— E claro que faria. — Jegar mentiu. Fennia lançou-lhe um olhar de censura e saiu.
Era sempre um prazer ver sua tia Delia. Durante a animada conversa, Fennia contou tudo o
que havia acontecido com Lucie Todd.
— E você a deixou sozinha, com um homem que não entende nada de crianças? —
perguntou Delia Alford.
— A meu ver, ele ficará tão atento quanto qualquer outra pessoa que esteja acostumada com
crianças. Talvez até mais.
— Ele estava com medo?
— Apavorado — concordou Fennia. — Você se importa se eu não ficar muito tempo?
A tia lhe deu um olhar caloroso.
— Conhecendo-a como conheço, estou surpresa que ainda esteja aqui em uma circunstância
como esta.
— Você é um amor — disse Fennia, dando-lhe um beijo e partindo em seguida.
Chegou ao apartamento por volta das dez. Quando entrou, Jegar caminhou até o hall para
encontrá-la. Os olhos azuis percorreram seu corpo esbelto.
— Ele a deixou vir embora mais cedo? — indagou Jegar.
Fennia sentiu-se tomada por um estranho sentimento de culpa. Encaminhou-se para a sala de
visitas, sem responder.
— Algum problema? — inquiriu, virando-se para olhá-lo.
— Tirando o fato de que eu estava parecendo um gato pisando em um telhado quente,
escutando atrás da porta de Lucie a cada dez minutos, a noite foi tranqüila. — Ele fez uma pausa. —
Você voltou muito rápido. E isso que entende por "sair"?
— Desde que eu tinha em mente voltar para lhe ajudar, sim.
Jegar não conteve um sorriso sarcástico.
— Bem, já que fez isso por mim, e eu não mereço...
— Chega de rodeios, vá direto ao que interessa — sugeriu Fennia de maneira hostil.
— Acho que você não está sendo tão severa quanto quer aparentar.
— Quer testar? — instigou ela.
Jegar fitou-a, os olhos brilhando de contentamento.
— Eu sei que pode parecer muita audácia da minha parte, mas planejei um encontro.
Àquela hora? Quando a maioria das pessoas estava pronta para ir para a cama? Mas era
sábado, e Jegar Urquart não era igual a maioria das pessoas.
— Você já a convidou para sair?
— Se você não quiser, posso marcar o encontro para outro dia.
Que arrogância! Alguma pobre mulher deveria estar muito ansiosa só porque iria sair com
ele aquela noite, mas, se não desse certo, ele poderia encontrá-la qualquer outro dia. Fennia ficou
irritada. Não dava a mínima se ele iria sair ou não, Jegar poderia ir aonde bem entendesse e ficar a
noite toda!
Que loucura! Por um momento, tivera a estranha sensação de uma pontada de ciúme.
Ridículo, pensou com ironia.
— Vá com Deus. — Entretanto, antes que Jegar saísse, ela lhe disse desnecessariamente: —
Não faça barulho quando chegar.
Fennia deitou-se sem sono uma hora depois, com a cabeça zunindo. Não tinha certeza se fora
o ciúme que provocara aquilo, mas para alguém que não tinha interesse algum no sexo oposto, era
estranho que não se sentisse nada bem ao pensar que Jegar Urquart saíra com outra mulher.

CAPÍTULO III

Fennia despertou cedo na manhã seguinte e achou graça da maneira absurda que se
comportara por Jegar ter saído para um encontro na noite anterior. Ficara chateada porque ele tinha
saído na noite de folga dela.
Quando ouviu um pequeno ruído no quarto, ficou feliz por poder voltar a atenção para outro
assunto e concentrou-se na adorável criança de cabelos loiros cacheados que entrava no quarto
naquele momento.
— Olá, querida. Você dormiu bem? — perguntou a Lucie.
— Suco! — respondeu a menina, dando um sorriso tão encantador que fez Fennia pular da
cama rápido, vestir-se e levá-la para a cozinha, a fim de preparar-lhe o suco de laranja.
— Você tem que fazer tanto barulho assim com o espremedor de frutas? — perguntou Jegar
mal-humorado, juntando-se a elas.
— Bem, pode parecer realmente muito alto para quem chegou em casa ao raiar do dia —
respondeu ela alegremente, sabendo que ele dormira no máximo duas ou três horas.
Ele lhe lançou um olhar maligno.
— Você também quer suco? — perguntou ela e adorou quando percebeu que o havia
irritado.
Havia um traço de divertimento nos olhos de Jegar quando falou:
— Sim, obrigado.
Após fazer o suco para os três, Fennia levou Lucie para tomar um pouco de ar. Admitiu que
não fora uma boa idéia ter combinado em passar as noites com Lucie. Afinal, a sobrinha era
responsabilidade dele.
Jegar estava dando o melhor de si, ela reconheceu. Fazia visitas diárias ao hospital e deixara
de lado muitos de seus compromissos para passar mais tempo em casa.
Fennia sabia que ele devia ter muitas coisas para fazer. Enquanto Lucie segurava firmemente
sua mão e insistia em caminhar mais, ela pensou em como a vida de Jegar mudara drasticamente em
prol do bem-estar da sobrinha e sentiu uma enorme simpatia por ele.
Quando voltaram ao apartamento, ele foi ao encontro delas no hall.
— Sentiu nossa falta? — perguntou ela maliciosamente.
— Estava tudo muito calmo por aqui.
— O que costuma fazer nos almoços de domingo? — indagou Fennia, sabendo que teria de
programar alguma coisa para Lucie e poderia muito bem incluí-lo na programação.
— Geralmente levo uma das minhas melhores amigas para almoçar — disse ele. Então olhou
para os enormes olhos castanhos de Fennia e continuou: — Mas já que hoje tenho duas delas aqui
mesmo, eu as convido.
Fennia sentiu o sangue agitar-se em suas veias. O que seria aquilo? Quantas melhores
amigas ele teria? Bem, aquilo não importava, e ela precisava se acalmar imediatamente.
Lucie não comeu quase nada durante o almoço, e Fennia, com sua experiência no berçário,
sabia que crianças eram assim mesmo, tinham altos e baixos. Talvez ela estivesse apenas cansada
do passeio da manhã.
Mais tarde, Jegar as deixou no apartamento e foi visitar Harvey e Marianne. Fennia colocou
Lucie no sofá para descansar. Quando a garota dormiu mais tempo do que o normal, Fennia
verificou se ela não estava com febre. A temperatura, apesar de um pouco alta, não era motivo de
preocupação.
Lucie parecia melhor quando acordou, mas novamente não tinha fome. Sem se alarmar,
Fennia tentou mantê-la distraída até a hora de dormir e quando a colocou na cama, leu uma história
para a menina. Lucie dormiu quase que imediatamente.
Quando Jegar chegou, encontrou Fennia na cozinha, lavando louça.
— Como estão eles?
— Estão se recuperando. Hoje Harvey saiu da cama.
— Fico feliz por isso. — Fennia sorriu e quando Jegar retribuiu o sorriso, ela, de repente,
sentiu-se desconfortavelmente tímida. — Quer que eu prepare alguma coisa para você comer? —
perguntou, enchendo a chaleira de água.
— Bem... — começou ele.
Fennia confiava em seus instintos. Alguma coisa no tom de voz dele a preveniu sobre a
sensação que a incomodava. Quando se virou para encará-lo, percebeu uma ponta de divertimento
nos olhos azul-acinzentados.
— Diga logo — convidou ela friamente. Ele riu.
— Você será razoável? — perguntou Jegar.
— Como assim?
— Eu sei que já saí ontem, mas se eu quiser sair novamente esta noite você vai declarar
guerra?
Então fora por isso que Jegar não respondera quando ela se oferecera para lhe preparar
alguma coisa para comer!
— Uma vez que você já convidou uma mulher para jantar, eu jamais seria desmancha-
prazeres — respondeu ela, rapidamente.
Ele sorriu, e Fennia retribuiu o sorriso.
— Ah, antes que você saia — acrescentou ela —, acho que Lucie não deve ir ao berçário
amanhã. Está com um pouco de febre, nada sério. As crianças são imprevisíveis, mudam a cada dois
minutos.
— Ela ficará bem?
— Acho que sim. Mas não quero que se misture com outras crianças, pois parece predisposta
a pegar uma gripe.
Ele voltou a sorrir.
— Nós temos muita sorte em tê-la aqui.
— Não precisa fazer elogios — começou Fennia, sentindo um certo desconforto perante o
sorriso charmoso de Jegar —, porém você terá que tirar o dia de amanhã de folga para ficar com
Lucie.
O sorriso sumiu dos lábios dele.
— Tirar o dia de folga!? — Ele parecia completamente estarrecido.
— E isso que os pais dedicados fazem.
— Eu tenho vários compromissos amanhã! Não posso cancelá-los — disse ele com
franqueza.
Fennia permaneceu imóvel, e quando ele começou a se recuperar do choque inicial, olhou-a
no fundo dos olhos e de repente mudou de atitude.
— Não me maltrate, Fennia — adulou ele. Ela não conteve uma risada quando declarou:
— Você não merece minha presença aqui.
Jegar meneou a cabeça, rindo da própria situação.
— Que mulher cruel!
— Vá para o seu jantar, você tem minha bênção — disse ela resignada.
Quando Jegar saiu, ela tentou manter-se ocupada com tarefas domésticas e algumas
arrumações.
Na manhã seguinte, Lucie acordou irritada e chamava pela mãe o tempo todo, fazendo o
coração de Fennia se apertar. Havia pensado em pedir para que Jegar levasse a menina ao hospital
para ver a mãe, mas como ela não parecia muito bem, achou melhor adiar a visita.
Jegar saiu cedo, e Fennia telefonou para o berçário a fim de explicar por que não iria
trabalhar. Sentiu-se aliviada quando Kate compreendeu plenamente.
Eram apenas oito e meia da manhã, e Lucie já estava aflita e agitada. Fennia sabia que teria
que ficar à disposição da menina. Felizmente, a sra. Swann, a empregada de Jegar, chegou às nove e
mostrou ter um jeito especial com crianças.
— O sr. Urquart me contou tudo sobre você quando falei com ele por telefone — disse ela
para Lucie. — Mas esqueceu de mencionar que garota linda você é.
Lucie, apesar de exigir a presença de Fennia o tempo todo, ficou encantada por aquela
senhora magra de cabelos grisalhos. Fennia ficou exultante ao perceber que o apetite da criança
voltara na hora do almoço. A sra. Swann foi embora ao meio-dia, e Lucie, após descansar um pouco
à tarde, acordou disposta e cheia de energia.
Brincou durante o resto do dia e quando, finalmente, foi acomodada na cama, Fennia
calculou que ganhara sua noite de folga.
Decidindo ir até o apartamento de Astra, foi tomar uma ducha e se arrumar. Escolheu um
conjunto de calça e blusa de seda. Estava penteando os cabelos quando ouviu o barulho da chave de
Jegar na porta. Por alguma razão desconhecida, sentiu o coração bater mais forte e experimentou
novamente uma sensação de timidez.
Que absurdo! Ela desceu as escadas e foi procurá-lo. Encontrou-o na sala de visitas,
preparando um drinque. Jegar a mediu de cima a baixo, observando a roupa que usava e o brilho
dos cabelos pretos. Fennia ficou tensa quando viu o olhar dele pousar na sua boca, e então subir
novamente para os olhos castanhos, que permaneciam sérios.
Eles se entreolharam por um longo momento. Fennia se perguntou se ele estaria consciente
da tensão que pairava sobre eles. Então, Jegar quebrou o silêncio:
— Gostaria de tomar um drinque?
Ela balançou a cabeça, negando.
— E se eu fosse você, não beberia muito — sugeriu, calmamente. — Você está de babá esta
noite.
Jegar levantou uma sobrancelha ante a informação, mas mesmo assim sorriu. Ele a,estudou
uma vez mais e deu um suspiro, o que a fez rir furtivamente. O que acontecia com ela quando
estava perto de Jegar? Aquele homem lhe causava sensações estranhas.
— Presumo que você não iria a lugar algum se minha sobrinha não estivesse em ótimo
estado de saúde.
Fennia não entendia como ele sabia tantas coisas a seu respeito.
— Ela está bem. Amanhã também não a levarei para o berçário, apenas por precaução. A
propósito, a sra. Swann foi maravilhosa com Lucie hoje.
— Verdade? — Ele a olhou interessado.
— Se não houvesse ficado tão apavorado e me pedido para ficar aqui, provavelmente
poderia contar com ela para ajudá-lo com Lucie.
Jegar a olhou, a boca contorcida.
— Minha querida Fennia — falou ele devagar. — Você se olhou no espelho ultimamente?
Ela o encarou sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
O olhar dele se demorou na pele sedosa e no lindo rosto de Fennia.
— Prefiro olhar para você durante o café da manhã — disse ele.
O coração de Fennia disparou, e ela se sentiu em um território ameaçador.
— Você é muito bonita — continuou Jegar, deixando-a ainda mais vulnerável.
Fennia abruptamente se recompôs. Aquilo não daria certo.
— Você está brincando comigo? — perguntou ela, de modo desafiador.
— Eu não ousaria.
Fennia deu meia-volta e saiu da sala.
Astra não estava em casa quando Fennia chegou. Então ela fez um café e sentou-se, tentando
tirar Jegar Urquart de seus pensamentos.
A fim de manter-se ocupada, preparou uma lasanha enquanto esperava Astra. Porém aquele
homem ainda persistia em não deixá-la em paz.
Não estava gostando nada daquilo. Não queria pensar nele ou em qualquer outro homem. Ele
insinuara que a conhecia. Bem, ela também já conhecia um pouco de sua bondade, sinceridade, e
isso sem mencionar o charme irresistível. Inegavelmente, Jegar era super-protetor, mas podia
também ser bastante duro, como acontecera no sábado quando a encontrara com Lucie no escritório.
Além disso, podia fazê-la rir. Jegar a fazia sentir-se viva e estimulada. Bom Jesus, o que estava
acontecendo com ela?
Fennia começou a limpar a cozinha, mas logo os olhos tornaram-se sonhadores quando se
lembrou de quando ele lhe dissera que era bonita e não ousaria brincar com ela, o que mostrava que
Jegar realmente não se sentia atraído. Bem, era um alívio saber daquilo. Um ponto positivo.
Eram quase dez horas quando Fennia olhou para o relógio e imaginou que Astra
provavelmente tinha ido jantar com algum cliente e estava envolvida em uma calorosa discussão de
negócios.
Chegou ao apartamento de Jegar às onze horas e foi direto ao quarto de Lucie. A cama
estava vazia! Sentindo-se culpada por ter saído, apressou-se em procurá-la.
Caminhando em direção ao hall, viu que a luz da sala de visitas estava acesa e rapidamente
abriu a porta. A cena que encontrou foi surpreendente! Ali, sentados no sofá, olhando paralela,
estavam Jegar e uma loira elegante de aproximadamente trinta anos, impecavelmente vestida. Entre
eles, pedindo para ouvir uma história, estava Lucie Todd.
Fennia abriu a boca para falar alguma coisa, quando a loira, medindo-a dos pés a cabeça,
exclamou de maneira arrogante:
— Deus seja louvado, a babá chegou!
Que insuportável! Fennia a ignorou e continuou a entrar na sala.
— E o que a srta. Lucie está fazendo fora da cama? — perguntou ela, sorrindo para a
criança.
— Leite — pediu a menina.
Jegar levantou-se e fez as apresentações. Charmine Rhodes não se dignou a estender a mão,
então Fennia apenas sorriu educadamente. Jegar a apresentou como Fennia Massey, alguém a quem
ele era extremamente grato. Fennia percebeu que a arrogante Charmine, cuja boca tentou esboçar
um sorriso enquanto os olhos se mantinham frios, interpretou que ela era apenas uma babá. Fennia
não se importou, estava acostumada com aquele tipo de gente e achava que pessoas assim eram
problemáticas.
Depois de murmurar alguma coisa sobre levar Charmine para casa, Jegar saiu para pegar as
chaves do carro. Ela percebeu o olhar da mulher percorrendo todos os objetos de valor da sala.
Tão mercenária quanto arrogante!, pensou.
Quando a loira saiu com Jegar, ela sentiu uma pontada de ciúme mas negou tal sentimento a
si mesma com veemência.
— Vamos lá, boneca. Vamos pegar seu leite — disse a Lucie com carinho.
Estavam ambas na cama quando Jegar retornou. Quando o ouviu chegar, concluiu que ele
não havia demorado muito para levar a loira para casa, fato que a fez dormir bem naquela noite.
Viu Jegar rapidamente na manhã seguinte enquanto Lucie tomava sua tigelinha de cereal
com leite. Ele a olhava de um modo estranho, parecendo querer falar alguma coisa.
— O que houve? — perguntou Fennia, quando encontrou aqueles olhos preocupados.
— Você não avisou onde estaria a noite passada — acusou ele.
— Lamento — respondeu ela, sorrindo. — Reconheço que não foi nada eficiente de minha
parte. — Se Jegar queria eficiência, ela lhe daria. — Então combinamos assim: nós dois devemos
informar nosso paradeiro a partir de hoje — acrescentou, surpreendendo-o. Jegar, sem dizer uma
palavra, saiu para trabalhar.
Naquela noite, quando chegou em casa ele trancou-se no escritório. Fennia não o viu mais.
Não que se importasse com isso, naturalmente. Mal o conhecia. Entretanto, o fato de ele não
ter saído em sua noite de folga, a fez repensar sobre o esquema de alternar as noites. Talvez não
fosse necessário sair todos os dias. Na verdade, ela adorava ficar em casa.
O telefone estava tocando quando Fennia chegou em casa no fim da tarde do dia seguinte.
Pondo Lucie no chão e dando-lhe um brinquedinho para distraí-la, atendeu ao telefone e escutou
uma voz agradável perguntar:
— É Fennia quem está falando? Sou a mãe de Jegar — apresentou-se a mulher. — Nós
estamos tão agradecidos a você! Jegar tem nos ligado regularmente para nos dar notícias sobre
Harvey e Marianne. Eu pensei em ligar, para variar.
— Acho que ele ainda não chegou — respondeu Fennia e, em vez de dizer adeus, continuou
conversando por um longo tempo. A sra. Todd era uma mulher muito agradável.
Horas depois, Lucie estava na cama e Fennia cuidava das roupas na lavanderia quando
escutou Jegar entrando na casa. Como sempre, a porta do quarto de Lucie estava entreaberta, e ele
provavelmente passaria para vê-la.
Minutos depois, ela ouviu o barulho do chuveiro e, logo em seguida, percebeu que Jegar
entrara no escritório.
Queria avisá-lo de que a mãe telefonara, mas não sabia como agir. Não tinha idéia do que a
estava acometendo, de por que sentia-se relutante, se na verdade era tudo muito simples, bastava
enfiar a cabeça pela porta do escritório e dar o recado da mãe.
Caminhou em direção ao escritório, porém hesitou e decidiu fazer um café primeiro. Assim
teria a desculpa de lhe oferecer uma xícara da bebida.
Minutos depois, parou em frente à porta do escritório, com a bandeja na mão e mais uma vez
vacilou, mas acabou batendo de leve.
— Eu fiz café... e achei que você gostaria de beber uma xícara.
O computador estava ligado, Fennia achou um espaço na mesa e colocou a bandeja. Jegar
empurrou a cadeira e se inclinou para trás.
— Foi muito gentil da sua parte.
Ele iniciou uma conversa, e Fennia apreciou aquela atitude. Eles não haviam brigado, mas
nos últimos dois ou três dias não tinham sido nada amigáveis.
— Sua mãe telefonou. Está tudo bem — assegurou rapidamente, caso ele se alertasse. —
Nós tivemos uma conversa bem agradável. — Ela se dirigiu para a porta, precisava escapar dali. —
Sua mãe acha que você trabalha demais — contou, de maneira branda.
Fennia não conseguiu alcançar a porta.
— E você, o que acha, Fennia Massey? — indagou ele.
— Eu diria que é o que o mantém afastado de problemas. — Ela riu e aproximou-se da mesa.
— Nossa, este computador é fantástico.
— Você conhece computadores?
Fennia deu de ombros. Jegar pensava que ela era uma incompetente diante da tecnologia
moderna?
— É claro que conheço — disse ela, com ar de pouco-caso.
— É uma especialista em computadores?
Não era hora de impressionar.
— Eu não diria isso, apenas fiz um curso de computação e trabalhei na área por algum
tempo.
— Verdade? — Jegar pareceu surpreso. Levantou-se e puxou uma cadeira para ela. —
Sente-se — convidou.
— E me conte sobre este curso e por que trabalha em um berçário.
Fennia esqueceu-se de que fora apenas dar um recado e se sentou. Pensou em contar para ele
que a mãe a havia proibido de trabalhar em escritório, e por outro lado, também não considerava o
trabalho no berçário como algo importante. Mas essa não era toda a verdade.
— Gosto mais de trabalhar no berçário do que em um escritório.
— Você é muito boa com crianças — frisou ele. — Bem, pelo menos é absolutamente
fantástica com Lucie.
— Lucie não dá nenhum trabalho — assegurou Fennia.
— Não diga isso! Você viu o que ela fez no zoológico! — Jegar exclamou.
Fennia riu.
— Sinto muito sobre a noite que eu saí. Lucie não teve um ataque de fúria, teve?
Ele fixou os olhos na boca sorridente de Fennia por alguns segundos.
— Não, graças a Deus. Eu estava ao telefone e de repente senti a mãozinha dela segurando a
minha. Então pedi para Charmine pegar um táxi e vir para cá.
— Você achou que não saberia lidar com ela?
— Eu sou apenas um homem. — Ele calou-se, e logo depois acrescentou: — Charmine não
tem jeito com crianças, como você.
O coração de Fennia se acelerou, e ela ficou tensa. Queria falar alguma em favor da loira,
mas não con seguiu pensar em nada.
— Tenho certeza de que ela é boa em muitas outras coisas — disse ela, tentando ser
simpática, mas certa que o tom de maldade transparecera em sua voz.
Felizmente, Jegar não a interpretou mal. Na verdade, ele sorriu. No entanto, aquele sorriso
aborreceu Fennia, pois desconhecia que tipo de talento aquela mulher prepotente e arrogante
poderia ter. Levantou-se da cadeira e sentiu novamente que precisava sair dali.
— De qualquer maneira, se sua amiga ficou perturbada com o comportamento de Lucie,
tenho certeza de que você, com sua habilidade, será capaz de convencê-la do contrário — disse ela
de modo provocativo, dirigindo-se para a porta.
Jegar estudou a expressão fria de Fennia. Se a intenção dele era atingi-la, ela nunca saberia,
mas sentiu-se abalada quando olhando-a fixamente, ele perguntou:
— Eu não estou tendo muito sucesso com você, não é mesmo?
Por um momento, ela ficou sem fala. Então rapidamente se refez.
— Não comece com isso, Urquart — ordenou ela.
— Não estou interessada!
— Intrigante... — murmurou ele. Fennia estava começando a se aborrecer.
— Por quê? Porque não estou caindo a seus pés? Quando Jegar sorriu, ela soube que aquilo
era um teste.
Uma provocação pelo que dissera sobre a habilidade dele.
— Bem, minha taxa de aceitação perante as mulheres é alta. E saiba que estou sendo
modesto. — Ele sorriu com falsidade.
— Não se esqueça de que eu o vi de manhã, precisando fazer a barba! — provocou Fennia
de modo peulante. E, tentando cortar a conversa, continuou: — Tenho muitas coisas para fazer. E
falando nisso... tenho um encontro amanhã. — O dia seguinte seria a folga dela, e uma vez que ele
não fez nenhuma objeção, Fennia prosseguiu: — Vou sair às sete horas — inventou. — Se você
puder chegar em casa cinco para as sete, eu agradeço. — Ela deixou o aposento sem esperar
resposta.
Por causa de sua invenção sobre o encontro, Fennia vestiu-se com cuidado, escolhendo um
vestido amarelo-claro. Lucie já estava acostumada com o tio agora e sentia-se segura com ele, então
Fennia não se sentiu culpada por deixá-la.
Jegar chegou em casa às sete e dez, e ela supôs que deveria agradecê-lo por se atrasar apenas
quinze minutos. O olhar dele a percorreu, e Fennia sabia, sem falsa modéstia, que estava bonita.
Jegar não parecia estar de bom humor.
— Você pretende me dizer onde vai estar? — perguntou ele secamente.
Certamente ela não ia contar que ficaria no apartamento de Astra!
— Você vai se sair bem — replicou ela.
— Não demore muito, eu tenho que sair amanhã bem cedo.
— Certo! — Fennia deixou o apartamento furiosa. Não demore muito! Como se a hora que
ela chegasse fosse da conta dele!
Dessa vez, Astra estava em casa e adorou vê-la.
— Recebi um cartão de Yancie. — Ela estava radiante, os cabelos vermelhos soltos e os
olhos verdes cheios de ternura.
Fennia pegou o cartão.
—Isso é maravilhoso! Yancie está apaixonada e confiante no casamento.
— Yancie conseguiu.
— E agora somos duas — comentou Astra, referindo-se a um pacto que as três tinham feito
em não seguir os passos das mães. Casos furtivos estavam proibidos. Era casamento ou nada. —
Apesar de achar que nunca me casarei.
— Nós vamos ficar solteiras para sempre — disse Fennia, rindo. — Já que não tenho visto
nenhum homem interessante por quem me apaixonar, acho que não devo me preocupar com isso
por hora. — Naquele exato momento, ela visualizou a figura de Jegar Urquart para confundi-la. Por
que ele surgira em sua mente justo naquela hora?
— Que tal um café? — perguntou ela a Astra.
Enquanto tomavam café, conversaram bastante, confortáveis e relaxadas como sempre
faziam, sem falar nada em particular.
Com exceção, é claro, dos novos namorados das mães.
— Mamãe desmanchou com o último amor — contou Astra. — Então, por enquanto, não
terei nenhum padrasto. E sua mãe? Ainda estão sem se falar?
— Achei que ela estava menos fria comigo no casamento de Yancie. Pelo menos, a troca do
pavoroso Bruce Percival por Joseph Price fez com que ela não me ignorasse totalmente. — Fennia
pensou por um momento, e sua fisionomia tornou-se preocupada. — Você acha que eu deveria
tentar falar com ela novamente?
— Eu acho, Fen, que você não ficará totalmente feliz até que se entenda com ela, apesar de
todo aquele egoísmo... — Astra não terminou. E nem precisava, a mãe dela era igual.
— Você tem razão, como sempre. — Fennia olhou para o relógio. — Veja que horas são! —
exclamou atônita.
— Sua carruagem se transformou em abóbora, Cinderela? — Astra sorriu, verificando que
era meia-noite. — Você não pode dormir aqui hoje?
— Lucie acorda muito cedo, e Jegar... — Ela interrompeu, hesitante ao falar dele.
— Você gosta dele, não é? — perguntou a prima.
— A maior parte do tempo, mas às vezes tenho vontade de esmurrá-lo.
Após despedir-se da prima, Fennia voltou para o apartamento de Jegar e notou que alguma
coisa havia acontecido, pois o homem que precisava descansar e dormir porque no dia seguinte teria
de sair muito cedo, ainda estava de pé. De robe e cabelos despenteados, segurava um urso com uma
das mãos e uma garotinha que chorava copiosamente, com a outra.
— Mamãe! — gritava Lucie.
— Querida... — Fennia a alcançou e a pegou no colo. — Mamãe está melhor — disse ela e,
quando viu que a menina não se contentara com o comentário, prosseguiu: — Que tal perguntarmos
ao médico se podemos visitar a mamãe por alguns minutos, isto é, se prometermos nos comportar e
não chorar.
A pequena deu mais um soluço e beijou Fennia, que quase caiu em prantos. Eles precisavam
tentar, a menina estava muito triste e traumatizada.
Lucie parecia exausta e não demorou a dormir. Fennia ficou mais um pouco com ela,
certificando-se de que tudo estava bem. Então, esperando que Jegar não tivesse ido para o quarto,
foi procurá-lo. Na sua opinião, Lucie teria de ir ao hospital ver os pais. Eles teriam que correr o
risco de Lucie aprontar uma cena e perturbar Marianne quando fosse hora de partir.
Jegar estava na cozinha, inclinado sobre a pia, os olhos fixos na direção da porta, como se
estivesse esperando que ela aparecesse a qualquer momento.
Fennia entrou na cozinha, abriu a boca, mas não falou nada. Ficou transtornada ao fixar a
abertura do robe de Jegar, no tórax onde uma porção de pêlos escuros sobressaía. Rapidamente
desviou os olhos daquele torso masculino, mas ainda estava sem fala quando ele disse com cinismo:
— Você deve ter tido uma noite muito agradável.
— Absolutamente soberba — respondeu ela, com um sorriso. Não entendia por que somente
ele poderia vivenciar as boas coisas da vida.
— Você ficou para o café, naturalmente — comentou ele de modo maldoso.
Fennia se controlou, percebendo a implicação da expressão "ficar para o café". Mas, ao que
parecia, ele era bom em provocá-la, e quando ela se preparou para responder, Jegar continuou:
— Estou surpreso que não tenha passado a noite.
Ela dissera a Astra que havia momentos que gostaria de esmurrá-lo. Esse era um deles. Mas
então respondeu docemente:
— Eu fui convidada e quase aceitei, mas achei muito complicado estar aqui logo cedo para
cuidar de Lucie.
Jegar a olhou enfurecido e Fennia continuou:
— Por falar em Lucie, acho que da próxima vez que você for ao hospital, terá que levá-la
para ver os pais.
— Eu posso decidir isso sozinho! — ele replicou duramente.
Fennia decidiu que não gostava de Jegar. Definitivamente, não gostava daquele homem.
— Bem, você é o inteligente por aqui — argumentou ela, desejando que a criança não
estivesse dormindo para poder sair dali e bater a porta.
Fennia demorou a pegar no sono aquela noite e ficou deitada, praguejando sobre Jegar.
Ficaria imensamente feliz o dia que Harvey e Marianne estivessem recuperados para cuidar da filha.
Aliás, somente um deles seria suficiente. Então ela sairia dali tão depressa que deixaria marcas de
fumaça no carpete de Urquart.
CAPÍTULO IV

Talvez por efeito da noite maldormida, Lucie acordou tarde na manhã seguinte. Fennia
despertou à primeira luz do dia, com uma batida de leve à porta entreaberta de seu quarto. Era
Jegar, vestido em um terno de caimento perfeito.
Quando ela abriu os olhos, Jegar estava parado ao lado da sua cama.
— Você disse que precisava sair cedo — comentou ela, olhando para o relógio no criado-
mudo.
Enquanto ele a observava calmamente, Fennia se sentiu ridícula, sem maquiagem e com os
cabelos despenteados, e um forte calor a invadiu.
— Achei melhor avisar que hoje vou chegar mais tarde — ele explicou a finalidade da
inesperada visita.
— Está bem... — disse ela, tentando colocar os pensamentos em ordem. — Mas hoje seria,
oficialmente, minha noite de folga.
— Você tem algum compromisso? — perguntou ele.
Sentindo um estalo no pescoço, Fennia sentou-se.
Infelizmente o movimento fez com que a alça da camisola escorregasse, deixando à mostra a
delicada pele do ombro. Ficou consternada por não saber quanto Jegar poderia ver de seu corpo, do
lugar onde estava. Apressadamente, colocou a alça no lugar e olhou para ele que, imediatamente,
desviou o olhar de seu seio. Fennia corou.
— Agora, diga-me, por que mentiu para mim? — perguntou ele.
— Quando foi que menti para você? — desafiou ela, sem saber do que ele estava falando.
— Você não está acostumada a receber um homem em seu quarto, está?
Francamente!
— Como sabe disso? — Fennia blefou.
— O seu fascinante rubor diz tudo.
— E quando foi que eu menti?
— Você realmente pensou em passar a noite fora, ontem?
— Ora, por que você não vai trabalhar? — perguntou ela asperamente.
Jegar deu uma gargalhada.
— Minha interpretação sobre ficar para o café é diferente da sua! — exclamou Fennia.
Jegar caminhou em direção à porta.
— Eu vou trabalhar, como você mandou.
Os pensamentos de Fennia se aguçaram.
— Você disse que vai se atrasar hoje. Pretende trabalhar ou se divertir?
— Trabalhar — respondeu ele. — E você, tem mesmo um encontro?
— Eu vou dizer a ele que hoje não posso sair. Vai ser bom — acrescentou ela, mentindo.
Mas, com medo que houvesse exagerado, rapidamente mudou de assunto. — Você terá tempo para
comer alguma coisa? — Detestou como aquilo soara tão íntimo e familiar, mas mesmo assim
prosseguiu: — Eu vou deixar alguma coisa para você no microondas — concluiu, percebendo que
enrubescera novamente.
Jegar Urquart não saiu de seus pensamentos durante o dia todo. Repetidas vezes, culpou-se
por se oferecer a deixar o jantar pronto para ele. Mas, como não podia voltar atrás, preparou a
comida com carinho.
Na manhã seguinte, arrependeu-se, do fundo da alma, em ter feito o jantar para Jegar. Depois
de uma rápida inspeção pela cozinha, notou que ele não fizera mais do que levantar a tampa da
panela. Aquilo era tão embaraçoso! Tudo estava muito claro, Jegar devia ter pensado que estavam
se tornando muito próximos, e não era o que ele queria.
Ele era um homem de quase quarenta anos, saudável e capaz e, se estivesse com fome,
saberia muito bem o que fazer. Fennia decidiu que aquilo fora grosseiro e, se pudesse, pegaria suas
coisas imediatamente e sairia dali. Mas havia Lucie.
Lucie, que naquele momento apareceu, vagando à procura dela.
— Suco — balbuciou ela.
Fennia sorriu e ligou o espremedor de frutas, sem se importar se acordaria Jegar ou não.
Ele apareceu quando Lucie já estava vestida e alimentada.
— Não vou demorar — informou Fennia para ele, deixando-o com Lucie enquanto foi tomar
um banho.
Quando retornou, encontrou-o conversando com a sobrinha, que respondia na sua própria
linguagem, e Jegar, obviamente, não entendia nada.
— Ela quer visitar os pais hoje — traduziu Fennia. — E acho que você deveria levá-la.
Ele pensou por um instante e então, um pouco relutante em pedir qualquer coisa para ela,
falou:
— É melhor você ir também.
Fennia já ia negar o pedido, mas cometeu o erro de olhar primeiro para a garotinha de
cabelos loiros cacheados.
— É melhor eu ir, pois com certeza haverá muitas lágrimas — disse ela, deixando bem claro
que iria por Lucie e não por ele.
As lágrimas realmente aconteceram. Marianne chorou, Lucie soluçou e Fennia teve que
fingir contemplar o jardim pela janela, para disfarçar seus olhos cheios de lágrimas. Harvey também
estava lá, em uma cadeira de rodas. Quando Lucie se acalmou um pouco, Fennia deixou a família
sozinha e saiu do quarto.
Houve mais lágrimas quando a visita terminou, mas como já eram esperadas, Fennia tentou
distrair Lucie.
Aquela foi a primeira visita de uma série de muitas outras nas duas semanas seguintes, e
Lucie começou a aceitar que a mãe demoraria a voltar para casa.
Fennia mantivera-se vigilante naquelas semanas e não oferecera nem mesmo uma xícara de
café para Jegar. Se ele estivesse com sede ou com fome, podia muito se cuidar sozinho.
Com Lucie sentindo-se cada vez mais segura com o tio, Fennia pôde passar mais tempo no
apartamento que dividia com Astra nas suas noites de folga. Por duas vezes, quando chegara ao
apartamento de Jegar, ela o vira em companhia de alguma mulher. Desejava que ele fosse muito
feliz. Nas noites de folga dele, Jegar não saía mais. Em vez disso, ficava trancado no escritório até
tarde da noite.
Fennia havia levado a tia Delia ao teatro na segunda-feira, e estava jantando com Astra na
quarta, quando sentíu-se deprimida, apesar de nada haver acontecido. Então, imaginou se não seria
por ainda não ter feito as pazes com a mãe.
— Acho que vou correr o risco de mamãe bater a porta no meu rosto pela terceira vez —
disse ela para a prima.
— Você não ficará bem enquanto não tentar novamente — respondeu Astra.
— Então vou arriscar.
Fennia voltou para o apartamento de Jegar decidida a visitar a mãe em sua próxima folga.
Estava tudo em silêncio quando entrou. Naquela noite Jegar não estava no escritório nem com
alguma loira fatal.
— Eu fiz café — anunciou ele, entrando no hall.
— Não, obrigada — respondeu ela. — Boa noite. Um pouco mais tarde, já deitada na cama,
Fennia pensou que adoraria ter tomado uma xícara de café. Colocara um ponto final naqueles
momentos de intimidade com ele, mas não se sentia nada bem com isso.
Devido à grande importância que a mãe dava às aparências, sempre procurando parecer
muito bem, Fennia caprichou aquela noite. Os cabelos estavam imaculadamente arrumados, a
maquiagem na medida certa e a roupa fora escolhida a dedo. Se era para agradar a mãe, não
pouparia esforços. Comprara um conjunto verde de saia e blusa. Tudo o que desejava agora era que
Jegar chegasse para que ela pudesse sair.
Estava na lavanderia, tirando umas roupas da secadora, quando ouviu Jegar entrar. Terminou
o que estava fazendo, sem pressa, e o encontrou na cozinha.
— Teve um bom dia? — indagou ela, sentindo necessidade de falar alguma coisa.
— Pelo que vejo você vai sair novamente — observou ele, o olhar percorrendo sua roupa
nova e os sapatos de salto alto.
— Sim. — Fennia sorriu sem graça. Jegar a encarou com seriedade.
— Você tem visto muito esse homem.
— O que o faz pensar que é o mesmo homem todas as vezes?
Como se ela fosse lhe contar onde passava as noites de folga!
Jegar estudou-a e, mesmo sem saber, fez o melhor comentário que ela já ouvira.
— Eu não sei — começou ele —, apenas não a vejo como uma garota muito fácil.
Fennia o encarou, e um sorriso delineou seus lábios. Sua mãe é que era assim com os
homens, e felizmente Jegar a achava diferente da mãe, mesmo sem conhecê-la!
— Você acha mesmo? — insistiu ela.
Jegar deteve-se, pego de surpresa pela expressão radiante do rosto de Fennia.
— Isso significa muito para você?
Ele nunca poderia imaginar quanto, mas ela não lhe respondeu.
— Vejo-o mais tarde. — Fennia despediu-se, consciente dos olhos de Jegar seguindo-a,
enquanto saía.
Verdade fosse dita, confessou para si mesma, enquanto dirigia para a casa da mãe, estava
sempre consciente da presença de Jegar e pensava muito sobre ele.
O que era muito natural, decidiu ela, estacionando o carro, pois estava morando na mesma
casa que ele. Não deveria dar muita importância para aqueles pensamentos, afinal tinha mais coisas
com que se preocupar, e uma de suas preocupações era saber como seria recebida pela mãe.
— Você deveria ter telefonado antes! — declarou Portia Cavendish friamente, quando
atendeu a porta.
A última vez que ligara, a mãe se recusara a conversar e desligara o telefone. Mas Fennia
achou melhor não lembrá-la daquilo.
— Eu cheguei em uma hora imprópria? — perguntou ela, tentando aplacar a raiva da mãe.
— Joseph está para chegar, mas ainda tenho alguns minutos.
Tomando a observação da mãe como um convite, Fennia a seguiu para dentro da elegante
sala de visitas.
— Como tem passado, mamãe?
Portia tinha cinquenta anos, cabelos escuros como os da filha, e era muito bonita.
— Estou bem — respondeu ela secamente.
Um silêncio constrangedor se seguiu, e Fennia se perguntou por que era sempre a mesma
coisa. Então começou a perceber que depois de ter morado com a mãe por quatro anos, após sair do
internato, e ter partido dali havia cinco meses, não tinha a menor intenção de voltar.
— Como está Joseph? — perguntou Fennia, e outro silêncio incômodo estendeu-se pela sala,
enquanto a mãe parecia imperturbável.
— Por que pergunta? — questionou Portia bruscamente.
Fennia suspirou.
— Nenhuma razão específica, estava apenas querendo ser educada. — E você deveria tentar
algumas vezes, mamãe, pensou ela.
— Você parece ter um interesse particular por meus namorados! — acusou a mãe de modo
rude.
— Oh, mamãe! — exclamou Fennia exasperada. Porém, lembrando-se que aquela não era a
melhor maneira de resolver as coisas, e que fora lá para tentar fazer as pazes com a mãe, ouviu-se
dizendo: — Na verdade, eu tenho meu próprio namorado, não preciso roubar o de ninguém.
Portia riu atônita, e Fennia, que nunca havia mentido para ela, sentiu-se atordoada.
— Erga a bandeira branca! — declarou Portia Cavendish — Vamos cessar fogo!
— Eu tive outros namorados. — Fennia, como em todas as conversas com a mãe, sentiu
necessidade de defender-se.
— Não diga! — refutou a mãe. — Enquanto você viveu aqui, os únicos homens que ligavam
eram seus amigos de infância.
Aquilo era verdade. Fennia, com muito esforço, encontrou uma ponta de bom humor.
— Então, estou atrasada — sugeriu. A mãe a olhou desconfiada.
— Quem é ele?
O interrogatório estava apenas começando.
— Ninguém que você conheça. — O nome de Jegar Urquart se fez presente naquele
momento. E ele teria adorado aquilo, justo o homem que queria distância de qualquer compromisso!
Mas Portia não iria desistir tão facilmente.
— Você o conheceu por intermédio de suas primas? — Ela queria mais detalhes.
Fennia tentou desesperadamente mudar de assunto.
— Eu não estou morando com Astra no momento. O truque funcionou.
— Você está morando com Delia?
Deus do céu. Parecia que tia Delia também não estava em alta com a mãe no momento.
— Não, estou morando em um apartamento para cuidar... — A campainha soou, e Portia
rapidamente perdeu o interesse em escutar o que a filha estava dizendo.
A voz de Fennia sumiu. Será que num futuro próximo sua mãe se dignaria a mostrar
qualquer interesse por ela?
A personalidade de Portia pareceu mudar quando entrou na sala acompanhada de Joseph
Price. Repentinamente, parecia ter dezesseis anos, e não cinquenta.
— Você conhece minha filha, Fennia, Joseph. Ela estava no casamento de minha sobrinha.
— É verdade — respondeu o homem magro e de cabelos grisalhos. — Eu ainda não posso
acreditar que vocês são mãe e filha, Portia! — Então olhou para o relógio, consciente de que estava
sobrando ali.
— Fennia tem um compromisso — informou a mãe para Joseph. — Você não deve deixá-lo
esperando. Importa-se se eu não acompanhá-la até a porta? — Portia sorriu para a filha.
Fennia voltou aliviada para o apartamento, pois sabia que tinha quebrado um pouco do gelo
entre ela e a mãe, mas não conseguia entender por que ainda se sentia mal.
Entrou no apartamento e se dirigiu à cozinha, onde encontrou Jegar fazendo um café. Sabia
que havia sido rude com ele na quarta-feira, quando recusara a xícara de café, e sabia que ele não
ofereceria de novo. Mas, naquele momento, sentiu que precisava de um amigo, apesar de que ela e
Jegar não agiam de maneira muito amistosa ultimamente.
— Pode preparar um café para mim? — perguntou ela.
Jegar a encarou com uma expressão indecifrável e puxou uma cadeira para ela junto à mesa.
Fennia se sentou.
— Obrigada.
Ele ignorou o agradecimento.
— Então, diga-me — começou ele calmamente —, o que aconteceu com aquela mulher
animada e feliz que saiu daqui a menos de duas horas?
Animada? Fennia olhou para ele e tentou sorrir.
— Deve estar em algum lugar por aí.
— Você chegou antes do que eu esperava. — E então Jegar perguntou diretamente: — Seu
namorado a perturbou?
— Não! — Ela negou depressa. E, de repente, ele a olhou quase que com agressividade —
Eu não tive nenhum encontro — Fennia surpreendeu-se explicando.
— Você... não saiu com alguém?
Aquilo estava se tornando muito embaraçoso, principalmente porque Fennia tinha dado a
impressão de que estava se encontrando com um homem.
— O que o faz você pensar que seja com um homem? — Ela sentiu um rubor subir às faces e
desejou ter ido direto para o quarto quando chegara, principalmente quando tivera de admitir: — Eu
fui ver minha mãe.
— Sua mãe?
Fennia o olhou irritada. Por que ele tinha que se intrometer na sua vida?
— Você sabe, mães... Aquelas que se casam com os pais — disse ela com sarcasmo.
Jegar ignorou a provocação e insistiu:
— Como estava sua mãe?
A boca de Fennia se contorceu. Aquele homem lhe causava sensações tão diversas, indo de
hostilidade à simpatia.
— Ela está bem.
— Você foi visitá-la por alguma razão especial? Fennia ficou boquiaberta.
— Como você... — começou ela, bebendo o café.
— É um dom — respondeu Jegar à pergunta inacabada.
— Aposto que o pessoal nas reuniões de diretoria adora este dom!
— Pelos menos as mulheres, tenho certeza de que sim — concordou ele.
Fennia lhe lançou um olhar desgostoso, entretanto teve vontade de rir.
— Assim é bem melhor — murmurou ele, feliz por ter conseguido aliviar o clima. — Agora,
diga-me, o que sua mãe fez para perturbá-la?
— Você não tem o direito de perguntar isso! — Fennia estava irritada com a audácia dele.
— Claro que tenho. Reivindico o direito por querer manter uma atmosfera agradável para
minha sobrinha.
— Você é inacreditável!
— Já me disseram isso — zombou ele, porém seus olhos continuavam sérios e
intransponíveis.
— Você mal sabia da existência de sua sobrinha antes... — Fennia calou-se repentinamente,
percebendo que aquele homem estava determinado a saber mais coisas e aquilo a perturbava. Sabia
que quanto mais dificultasse, mais Jegar insistiria. — Já que quer saber — ela cedeu —, morei com
minha mãe até o Natal, quando ela me pediu para ir embora. Eu fui vê-la hoje na esperança de
poder acertar as coisas.
Jegar continuou com o interrogatório:
— E você conseguiu?
— Acredito que sim — admitiu ela.
— Você não me parece muito segura.
Do ponto de vista de Fennia, as coisas tinham melhorado tanto quanto possível. Não era
culpa de Portia não conseguir ser o tipo de mãe que Fennia desejava.
— Acho que vou levar o café para o quarto e...
— Por que a sra. Massey pediu para você sair de casa? — Jegar quis saber.
— Sra. Cavendish — corrigiu Fennia. — Meu pai morreu quando eu ainda era pequena, e
minha mãe se casou de novo.
— Isso tem alguma coisa a ver com seu padrasto?
— Não, não tem! — negou ela, de maneira veemente.
— Meu padrasto e eu somos bons amigos, e eu o adoro. — Abruptamente, Fennia se
levantou. — Eu vou dormir! Jegar se postou na frente dela, impedindo-a de prosseguir. Eles
estavam muito próximos.
— Seu padrasto não tentou impedir que sua mãe a mandasse embora?
Fennia o olhou estupefata.
— Ele e minha mãe são divorciados — disse ela relutante.
Jegar não fez nenhum comentário, mas suavizou a voz:
— Eu não posso acreditar que você tenha cometido um crime tão terrível a ponto de ser
mandada embora de casa.
Fennia, que estava decidida a não dizer mais uma palavra, desarmou-se perante àquela
afirmação tão gentil. Então foi incapaz de controlar as palavras que fluíam de sua boca:
— Minha mãe convidou um amigo para jantar, e ele me agarrou na sala, ao lado da árvore de
Natal. Não foi apenas um beijo, foi horrível, nojento... Não conseguia me livrar dele, eu o
empurrava e isso o fazia avançar cada vez mais.
Fennia reviveu a repulsa que sentira, e a palidez e o enjôo daquela noite voltaram.
— Minha mãe entrou na sala naquele momento, e ele me acusou de seduzi-lo.
Ela engoliu em seco. Nunca havia chorado sobre aquele episódio, mas agora se sentia à beira
das lágrimas.
— Minha mãe acreditou nele — finalizou Fennia.
Pronto, estava feito. Ela contara tudo. Quem sabe agora ele a deixaria ir para o quarto para
sofrer a dor daquela ferida. Fennia deu um passo hesitante, mas Jegar não se moveu. De repente,
colocou a mão no queixo dela.
Fennia não queria encará-lo, não queria ver a censura em seus olhos, mas Jegar levantou a
cabeça dela gentilmente, e ambos se fitaram.
— Não, Fen — murmurou ele involuntariamente, observando aqueles olhos assustados com
os sentimentos que restavam daquela noite de Natal. — Venha aqui. — E, como se fosse a coisa
mais natural do mundo, abraçou-a.
Sentindo-se levemente inebriada e com o coração palpitando, Fennia estava mais trêmula
com o que estava acontecendo do que com as lembranças que a acometiam. Sentiu-se plenamente
em paz, e a depressão tornou-se uma coisa do passado. Era como se os braços dele fossem o
paraíso. Queria permanecer ali para sempre, mas aquilo não fazia o menor sentido, e
relutantemente, ela se afastou.
Jegar afrouxou o abraço, abaixou a cabeça e a beijou ternamente. Fennia ficou parada, o
toque dos lábios dele era maravilhoso e reconfortante. Ela não se esquivou, nem pediu que ele
parasse, apenas permaneceu ali, compartilhando aquele momento.
Com a mesma gentileza que a beijara, Jegar parou. Somente quando ele se afastou, Fennia
percebeu o que acontecera. Mesmo sem conseguir controlar a rouquidão da voz, quando o cérebro
finalmente começou a funcionar, ela disse:
— Se isso era para eu me sentir melhor, funcionou. — E rapidamente, para que ele não
tomasse aquilo como um convite, continuou: — Boa noite. — O café foi esquecido, e ela saiu dali
rapidamente.
Fennia tinha muitas coisas para pensar quando se deitou, completamente sem sono. No curto
espaço de poucas horas, muitas coisas haviam acontecido. Fora visitar a mãe e agora sentia-se mais
à vontade para manter contato com ela. Portia não ficara exatamente feliz ao vê-la, mas como
Fennia já a conhecia o suficiente para saber que não obteria muito mais, concluiu que as coisas não
estavam tão ruins.
Surpreendeu-se em pensar que não gostaria mais de voltar para a "casa da família". Morar
com Astra durante os últimos cinco meses fora bem mais tranqüilo.
Então pensou na depressão que sentira antes e de como ainda se sentia mal quando retornara
ao apartamento de Jegar.
E Jegar? Fennia não gostara nem um pouco de lhe contar sobre o incidente do Natal, mas ele
a convencera a falar. E depois de tudo que tinha acontecido, ela se sentia muito melhor.
Mas por que estava se sentindo bem? Fennia tentou ser o mais honesta possível e analisou o
motivo daquele alívio.
Será que falar sobre aquela experiência desgastante com Bruce Percival tinha melhorado seu
estado de espírito? Tentava desesperadamente achar uma razão para a súbita mudança em relação
ao fato ocorrido cinco meses atrás. Acreditara que apenas havia aprendido a conviver com aquilo.
Se fosse isso, por que se sentira tão deprimida? Por mais alguns minutos, Fennia ponderou
sobre o caso. Então, lembrou-se de que ainda estava aborrecida quando deixou a casa da mãe, e,
com a rapidez de um raio, descobriu que a razão daquela tristeza que já durava quase duas semanas,
fora sua situação nada amigável com Jegar. Não que eles precisassem ser amigos, mas afinal de
contas, moravam na mesma casa...
Fennia aceitou que tinha tanta culpa quanto Jegar pelo clima entre eles. Para ser justa, ele
tentara uma aproximação o dia que lhe oferecera café. Ela recusara e, como consequência,
entregara-se àquele estado deprimente.
Mas naquela noite, Jegar a fizera desabafar, abraçara-a e a beijara ternamente. E ela
permitira. Os olhos começaram a pesar, e Fennia sentiu-se extremamente cansada para analisar por
que permanecera tanto tempo nos braços de Jegar sem protestar.
Tudo que sabia, enquanto o sono a levava, era que aquele estado de tristeza desaparecera, e o
único motivo aparente era a volta da amizade de Jegar.
Lucie estava no quarto de Fennia mais cedo que o normal. Sentindo-se alegre pela
reconciliação com Jegar, levou Lucie para a cozinha e pegou um espremedor manual para fazer o
suco.
Jegar apareceu na cozinha alguns minutos depois e foi recebido com um copo de suco de
laranja.
— Acho que devo beijá-la com mais frequência! — comentou ele calmamente, referindo-se
ao barulho do espremedor de frutas.
Ela queria que eles permanecessem amigos. Mas...
— Eu não recomendaria isso — disse ela de modo igualmente sereno, apesar de ter feito um
esforço tremendo para pronunciar aquelas palavras.
Mais tarde, levou Lucie para passear, enquanto Jegar ficou no escritório. Eles concordaram
em almoçar mais cedo para que Lucie pudesse descansar antes da visita ao hospital.
Fennia tinha acabado de acomodar à menina no quarto, quando ouviu a campainha tocar.
Jegar foi atender e quando ela o ouviu falar com alguém, achou melhor recolher-se em seu quarto,
pois não queria parecer uma intrusa.
Subitamente, Jegar apareceu no quarto.
— Sua mãe está aqui — anunciou ele. Fennia arregalou os olhos assustada.
— Minha mãe?
— Responde pelo nome de sra. Portia Cavendish! — esclareceu ele.
Fennia continuava perplexa. O que a mãe estaria fazendo lá? Não lhe contara onde estava
morando.
— Eu vou... — ela não sabia o que dizer. — Eu vou... descer.
— Fennia, minha querida — cumprimentou a mãe, sentada em um dos sofás, quando Fennia
apareceu.
Ela não conseguiu se lembrar se alguma vez a mãe já a chamara de "querida".
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou ela perplexa.
— Por que deveria ter acontecido? — perguntou a elegante e impecavelmente vestida, Portia
Cavendish.
— Eu não posso apenas visitar minha filha, sem que nada de ruim tenha acontecido?
Por quê?, Fennia se perguntava. Porém lembrou-se das boas maneiras.
— Você aceita um chá ou um café, mamãe?
— Não, obrigada — recusou Portia educadamente.
— Eu esperava um lugar menor.
Fennia desejou que Jegar falasse alguma coisa, em vez de ficar ali parado, observando.
Então lembrou-se que não os havia apresentado.
— Desculpe-me, eu deveria tê-los apresentado. Jegar, esta é minha mãe, Portia Cavendish.
Mamãe, este é Jegar Urquart. — Então sentou-se ao lado da mãe.
— Eu estou morando aqui...
— Você me contou — cortou Portia, sorrindo para o homem alto, de cabelos loiros, sentado
à vontade, no sofá em frente a elas. — Você me contou a noite passada que estava saindo com um
homem. O que você não disse — continuou ela, sorrindo de modo charmoso para Jegar —, foi que
estava vivendo com ele.
Fennia não saberia dizer o que a embaraçou mais, se o flerte da mãe com relação a Jegar ou
o fato de ela ter presumido que eles moravam juntos.
— Mamãe, eu... — começou ela, apenas para descobrir que o homem que até então ficara
em silêncio, observando a cena toda, estava falando:
—Fennia gosta de manter alguns segredinhos.
Estava tudo muito óbvio, Jegar insinuara que ela mantivera aquele segredo muito bem
guardado dele também.
Ela o odiou naquele momento. Precisava de ajuda e não de estorvo.
— Na verdade, mamãe... — Fennia achou que era hora de esclarecer toda aquela situação. —
Jegar e eu... — Ela interrompeu o que estava dizendo quando percebeu que a mãe desviava os olhos
para a porta.
— Você tem uma filha! — exclamou Portia para Jegar quando Lucie, com o urso nos braços,
juntava-se a eles.
Ele não respondeu, mas pareceu se divertir da maneira com que a garota se aproximou da
visitante, entregando-lhe o urso e dizendo claramente:
— Urso, vovó.
Fennia olhou para a expressão aterrorizada da mãe. Nunca se sentira muito à vontade no
papel de mãe, imagine no de vovó!
— Eu estou atrasada! — exclamou ela, ignorando a criança e levantando-se.
Fennia pegou Lucie no colo e disse a única coisa que parecia sensata naquele momento:
— Eu vou acompanhá-la até a porta.
Quando voltou para a sala de visitas, notou que Jegar estava sério. Na verdade, algo lhe dizia
que ele não estava nada contente com aquela visita inesperada à sua casa, e muito menos com o fato
de Fennia ter contado para a mãe que ele era seu namorado.
Fennia imaginou que teria de dar muitas explicações.

CAPÍTULO V

Felizmente, as explicações tiveram que esperar, pois Lucie estava ansiosa com a expectativa
da visita aos pais no hospital e não parava de bombardear Jegar de perguntas. Eles foram ao hospital
e, durante o trajeto, só trocaram algumas palavras.
Marianne não precisou ser transferida para a ala ortopédica, e Fennia ficou feliz ao ver que
ela e Harvey estavam fazendo grandes progressos na recuperação. Como nas visitas anteriores,
depois de algum tempo, Fennia os deixou a sós para que pudessem ficar mais à vontade.
Estava um dia encantador, então ela se dirigiu para os jardins do hospital e sentou-se em um
banco para pensar sobre a visita inesperada da mãe. Por que Portia a havia procurado? Fennia não
podia nem imaginar. Olhava para o chão, tentando achar alguma explicação plausível, quando um
par de sapatos masculinos entrou em seu campo de visão e parou diante dela.
Fennia olhou para cima, Jegar não parecia nada contente.
— Nós já vamos embora? — perguntou ela, apenas para dizer alguma coisa, sabendo que as
visitas costumavam ser mais longas.
— Lucie está brincando com os pais — respondeu Jegar, sentando-se a seu lado. — Agora,
fale — ordenou ele diretamente.
— O que quer saber? — Fennia fingiu-se de inocente, mas sabia muito bem que ele se
referia à visita de sua mãe.
— Parece-me, Fennia Massey, que de uma maneira ou de outra, você está querendo me
fisgar!
Fennia ficou perplexa. E furiosa!
— O quê? Você, um solteiro inveterado e egoísta, que olha somente para seus interesses! —
exclamou ela com a voz entrecortada de raiva. — Acha que estou tentando fisgá-lo? Por quê? Eu...
qualquer mulher que se interesse por você deve ser examinada da cabeça. E não estou tentando
fisgá-lo. Para sua informação, eu não me casaria com você nem se estivesse coberto de ouro e
diamantes!
Ela parou para respirar. Jegar estava imóvel.
— Então por que sua mãe veio nos visitar? Por que lhe disse que sou seu namorado?
— Eu não falei que você era meu namorado — negou ela com firmeza. — Simplesmente
contei que eu tinha um namorado.
— Quem é ele?
— O que você tem a ver com isso?
— Você não tem um namorado — afirmou ele.
— Cale-se — gritou Fennia descontrolada.
— Então me conte, quem é ele?
— Ninguém que você conheça! — replicou ela e, com a mesma rapidez que a fúria viera,
desaparecera.
Fennia suspirou. — Não há ninguém em particular — admitiu. Possuía um pouco de
orgulho, por isso não estava preparada para contar que não existia ninguém.
— Eu apenas... — Ela hesitou.
— Continue — pediu ele, parecendo menos agressivo.
— Bem. Você sabe sobre os amigos de minha mãe, o incidente no Natal, tudo aquilo...
— Isso tudo está relacionado?
— De certa forma, sim. O propósito da visita à minha mãe na noite passada, foi tentar fazer
as pazes, então inventei que tinha um namorado e ela supôs que fosse um relacionamento firme,
assim saberia...
— Que você não estaria interessada em nenhum namorado dela?
Fennia meneou a cabeça e sussurrou:
— Sim.
— Então sua mãe tirou as próprias conclusões, isto é, que eu seria o tal namorado?
Fennia assentiu calada.
— Não lhe ocorreu que, quando você lhe contasse que estava morando comigo, ela tiraria
esta conclusão?
— Não, não me ocorreu! — Ela estava ficando furiosa novamente. — Eu nem mesmo
mencionei onde estava morando!
— Sua mãe saiu por aí, batendo às portas à sua procura? — perguntou Jegar de modo
grosseiro.
— E como eu vou saber, seu egoísta? — revidou ela com ódio. — Eu não contei onde eu
estava morando, falei apenas que havia me mudado. Não que isso tivesse alguma importância —
zombou ela. — Você me pediu para vir para cá, e suponho que posso falar para meus amigos ou
para minha mãe, onde me encontro.
— Novamente a raiva se dissipara. — Eu contei para tia Delia e para minha prima. Minha
mãe deve tê-las contatado para me localizar.
Jegar aceitou a explicação e perguntou:
— E o que ela queria com você?
— Nós não tivemos tempo para conversar sobre isso — respondeu Fennia, irada.
— Sua mãe não gosta de crianças?
Jegar obviamente percebera que Portia se apressara em sair quando a sobrinha aparecera e a
olhara como se fosse pular em seu colo e amassar a elegante roupa.
— Nem todo mundo gosta — respondeu Fennia. — E por falar em crianças, um de nós
precisa entrar para ver está tudo bem com Lucie.
Para surpresa de Fennia, ele se afastou sem fazer mais nenhum comentário.
Assim que chegaram ao apartamento, ela se manteve afastada de Jegar o maior tempo
possível. Subitamente, achou muito desconfortável tê-lo por perto. Estava enfurecida e nervosa, e
nunca se comportara daquela maneira antes. Seria tudo por causa de Jegar?
Fennia levantou-se na segunda-feira, decidida a esclarecer aquela confusão. Estava dando o
café da manhã para Lucie, quando Jegar entrou na cozinha, vestido com um terno impecável, e
serviu-se de uma xícara de café.
— Eu... — começou Fennia, atraindo a atenção dele —, vou ver minha mãe hoje à noite.
Jegar pareceu interessado.
— Vou explicar tudo para ela.
— O que há para explicar? — indagou ele. Ela o olhou exasperada.
— Sobre você e eu.
— Acho que não gosto do som destas palavras.
— Não seja tão convencido! — Fennia olhou para Lucie e sorriu, mantendo-se calma pela
menina. — Quero esclarecer que nós não temos nada um com o outro. Não somos um casal e...
— Será que sua mãe não achará esta situação um pouco estranha? — perguntou Jegar,
sorrindo de modo malicioso.
— O que quer dizer com isso?
Ele deu de ombros e se inclinou na direção dela.
— Você precisa ter um namorado muito compreensivo para aceitar o fato de nós dois
estarmos morando juntos aqui, independente das circunstâncias.
Fennia não havia pensado naquilo, mas agora não poderia dizer para a mãe que não havia
namorado algum. Ela suspirou.
— Sim, provavelmente ela vai achar estranho. — Ela o olhou mal-humorada. — Mas eu não
sei mais o que fazer para agradá-lo, para fazê-lo entender as coisas...
O olhar enfurecido de Jegar a interrompeu.
— O que foi agora? — desafiou ela.
— Se você realmente quisesse me agradar, Fennia... ele fez uma pausa —, poderia... —
Jegar hesitou e tomou um gole de café.
— O quê? — perguntou ela ansiosa, lembrando-se do beijo que eles haviam trocado. — Se
teve alguma idéia diabólica...
— Minha querida, que mente suja você tem! — exclamou ele com ironia.
— Fale de uma vez.
— Você poderia me agradar muito mais se ficasse aqui hoje à noite e amanhã também, para
que eu pudesse... sair para tratar de uns assuntos pessoais.
Naturalmente ele pretendia sair com alguma mulher! Fennia não gostou nada daquilo.
— Você não se importa em saber que minha mãe está pensando que nós somos um...
— Ela vai fazer alguma fofoca?
— Provavelmente.
Jegar terminou o café, colocou a xícara na mesa e se afastou para acariciar os cabelos de
Lucie.
— Acho que poderei carregar essa cruz — anunciou ele, saindo para o trabalho.
— Espero que esta valha a pena! — Fennia falou quando ele saiu, e não gostou da sensação
que sentiu ao imaginá-lo nos braços de uma mulher nas próximas duas noites.
— Sua mãe conseguiu falar com você? — perguntou Kate assim que chegou.
— Ela foi à casa de Jegar no sábado — respondeu Fennia, tentando esconder o sentimento
de perplexidade.
— Que bom. — Kate sorriu, contando que Portia Cavendish havia telefonado para saber o
endereço da filha.
Fennia finalmente entendia como tudo acontecera. Kate, sempre tão solícita, sabia do
desentendimento entre mãe e filha, e ficou contente em poder ajudar na reconciliação. Quando Kate
dera o endereço da cobertura para Portia, sem mencionar nenhum detalhe, ela provavelmente não
gostara de saber que a filha andava gastando muito dinheiro em um apartamento daquele padrão.
Fennia teria contado para Jegar como a mãe conseguira o endereço se o tivesse visto aquela
noite, mas apenas o ouviu chegar por volta da uma hora da manhã, e embora sentisse muita vontade
de vê-lo, decidiu permanecer quieta na cama.
Acordou cedo na manhã seguinte e pensou em tomar uma longa ducha antes de ir cuidar de
Lucie, mas algum instinto a alertou, e ela foi ver a menina primeiro.
Mais uma vez, encontrou a cama de Lucie vazia. Deixou o quarto rapidamente e então
escutou um barulho de alguém mexendo em um computador. Lembrou-se da voz severa de Jegar:
"Agora meu escritório e depois sabe-se lá o que mais!", e se apressou pelo corredor.
A porta estava aberta, o computador ligado, e Lucie em uma cadeira, estava feliz, apertando
as teclas.
— Olá, querida — cumprimentou Fennia calmamente, tentando tirar o disquete da menina,
antes que ela causasse um dano maior.
Lucie olhou para ela, depois para a tela e pegou o disquete que Fennia retirara.
— Vamos fazer um só para nós? — sugeriu Fennia.
Havia uma caixa de disquetes ao lado do computador. Fennia ignorou os que estavam com
etiquetas e pegou um novo para inserir na máquina. Em poucos minutos estaria pronto.
Pegou Lucie no colo, mas a garota estava mais interessada em mexer no mouse do que em
criar alguma coisa nova. De repente, Lucie desceu.
— Meu urso — anunciou ela, começando a correr.
Fennia foi desligar o computador antes de seguir atrás dela, mas quando retirou o disquete,
percebeu que não era um dos novos, ao contrário, aquele parecia conter informações confidenciais.
Deus do céu!
— O que está fazendo?
Fennia se virou para encontrar o olhar furioso de Jegar, que estava usando apenas um robe e
entrava no escritório.
— O que estou fazendo? Tentando entreter sua sobrinha! — respondeu ela de modo ríspido.
Ele abruptamente se inclinou sobre ela, puxando o disquete e colocando-o no bolso do robe.
— Eu lhe avisei para ficar longe daqui! — vociferou ele.
— Não é minha culpa se Lucie adora computadores — Fennia quase gritou e então levantou-
se.
— Eu não estou vendo Lucie por aqui!
— Eu vim procurá-la e a encontrei brincando no computador — explicou ela.
— Você está tentando me dizer que Lucie acordou, veio até aqui, abriu a porta, correu para o
computador e...
— Você deve ter deixado a porta aberta! — cortou Fennia, tentando se defender.
— Ela então ligou o computador com aqueles dedinhos gorduchos...
— Você não tem idéia do que uma criança de três anos é capaz de fazer quando está sozinha!
— E começou a mexer...
— Provavelmente está habituada com computadores. Eu não me surpreenderia em saber que
ela costumava sentar com o pai na frente do computador para desenhar ou jogar...
— E escolher um disquete em particular para inserir...
— Eu fiz isso! — entregou-se Fennia — Ele não estava com nenhuma etiqueta. Achei
melhor que ela brincasse com um disquete em branco do que mexer em alguma coisa que você
estivesse trabalhando.
— Aposto que você...
— Como eu poderia saber que toda a proposta de trabalho sobre a Lomax Mortimer Trading
estava gravada naquele disquete?
— Você leu? — indagou Jager de modo hostil.
Minha nossa, ela não gostaria de enfrentá-lo em uma reunião de negócios.
— Eu deveria ter me interessado! — respondeu ela com desprezo.
— Você é uma espiã! — acusou ele.
— Então processe-me!
— Se eu souber que você falou alguma coisa do que leu naquele disquete para alguém, vou
fazer muito mais do que isso! — ameaçou ele.
A raiva de Jegar estava aumentando, e Fennia descobriu isso quando ele a segurou com força
pelo braço, demonstrando toda sua ira.
— Eu estou avisando... — começou ele, quando repentinamente, Lucie entrou na sala com o
urso nos braços.
A menina olhou de um para outro, parou e voltou-se para o tio:
— Bejo fenna — balbuciou ela.
Jegar respirou fundo para controlar a raiva, mas ainda segurava firmemente o braço de
Fennia quando perguntou:
— O que ela está dizendo?
Depois que ele soltou seu braço e a tensão pareceu diminuir, Fennia riu, mas Jegar não
parecia estar se divertindo nem mesmo quando ela explicou:
— Parece que os pais da garotinha resolvem suas brigas de uma maneira bem antiquada.
— E? — indagou ele.
— Lucie disse: "Beije Fennia".
Para seu espanto, ela recebeu um olhar fulminante nada parecido com um beijo e, em
seguida, Jegar saiu do escritório.
Por mais que Fennia tentasse se distrair, aquele turbulento incidente permaneceu em sua
mente o resto do dia. Jegar ficara irritadíssimo. Bem, se a proposta da Lomax Mortimer Trading era
tão confidencial, ele nunca deveria ter deixado aquele disquete sem identificação. Um pensamento
de repente a assolou. Que lugar melhor para esconder um disquete confidencial do que no meio de
outros novos? Seria tão importante que ele não queria chamar a atenção? Não precisaria ser muito
inteligente para concluir que o que ela lera naquela manhã seria de suma importância para um
concorrente!
Fennia não deu a mínima atenção para Jegar nos dias que se seguiram. Ela o surpreendeu
olhando-a uma ou duas vezes, mas se ele tivesse alguma coisa para dizer, com certeza não ousaria.
Tudo foi feito pelo bem-estar de Lucie e pela necessidade de manter um clima de harmonia.
Qualquer comentário que Fennia fazia era sempre de maneira simpática e agradável, mesmo
sentindo-se péssima.
Com a aproximação do fim de semana, desejava tirar alguns dias de folga, ir para algum
lugar para descontrair-se.
Estava novamente deprimida, confessou para si mesma, e pensou em perguntar para Jegar se
ele daria conta do recado se ela saísse no sábado e voltasse no domingo à noite.
Lucie estava dormindo quando Jegar chegou em casa na noite de sexta-feira, e Fennia já
estava no quarto.
Ela o esperou tomar um banho, e então foi encontrá-lo na sala de visitas, lendo jornal. Assim
que entrou, Jegar levantou a cabeça.
— Eu gostaria de conversar com você — disse ela sem preâmbulos.
Colocando o jornal de lado, ele a convidou para sen-tar-se, os olhos sérios e observadores.
Então, quando Fennia se acomodou no sofá e tomou fôlego para falar sobre os dois dias de folga,
não para pedir, apenas para informar, ele a desarmou completamente com um sorriso charmoso e
disse:
— Se você veio até aqui para me pedir alguma coisa impossível, Fennia, já vou lhe adiantar
que não aceitarei.
Os olhos dela se estreitaram, e o coração disparou. Mas ela não estava ali para pedir nada
impossível.
— Na verdade... — começou ela.
— Você me odeia pelo meu comportamento abominável daquele dia no escritório, não é
verdade?
— Isso seria um pedido de desculpas?
— Eu ficaria perdido sem você, Fennia — declarou ele calmamente.
O charme de Jegar era irresistível.
— Você não gostaria de tentar por uns dois dias? — Ela estava pedindo. Era patética! — Eu
vou sair amanhã — disse com mais firmeza, e ficou completamente trêmula com o que ouviu.
— Com quem?
Fennia o olhou boquiaberta.
— Eu sou capaz de ficar um fim de semana sozinha! — respondeu veementemente.
— Sei — comentou ele.
— O quer dizer?
— Quero dizer que você está cansada de mim e quer ficar algum tempo sozinha, certo?
— Acabou de ler meus pensamentos! — confirmou ela.
Jegar olhou para o rosto sério de Fennia.
— Eu tenho andado muito nervoso, reconheço — disse ele. — E não a culpo por querer sair
por alguns dias.
— Você está querendo alguma coisa — Fennia falou em tom de acusação.
Ele sorriu.
— Eu vou receber alguns convidados para o jantar amanhã.
Ela olhou para o homem alto, com cabelos loiros, charmoso e devastadoramente atraente que
estava a sua frente. Aquilo era inacreditável. O que ela estava pensando?
— Você quer que eu fique para cuidar de Lucie?
— Pelo que eu saiba, ninguém ficava com ela quando os pais recebiam visitas — respondeu
ele. — Eu queria que você participasse do jantar.
Jegar queria que ela jantasse com ele e os convidados?
— O que causou este repentino desejo de confraternização?— perguntou ela secamente.
Ele sorriu, e o coração de Fennia pulsou mais forte.
— Neville Armitage, um dos meus convidados, um homem encantador, recebeu a visita
inesperada do irmão e os convidei para jantar.
Fennia o observou e teve uma sensação estranha, quando se deu conta de que adoraria jantar
com Jegar na noite seguinte.
Mas não iria ceder tão facilmente.
— Então estou sendo convidada para fazer companhia ao irmão solitário de seu convidado,
certo?
— Isso realmente seria ótimo para combinar os pares na mesa.
Fennia riu, quase sem poder controlar seu nervosismo.
— Você pensou mesmo em combinar os pares?
Ele a fitou com um sorriso envolvente e estudou demoradamente seus lábios.
— Diga que sim — implorou ele.
— Dizer sim para um jantar com um acompanhante aparentemente chato?
— Eu a salvarei se seu olhar parecer desesperador — prometeu Jegar.
— Então eu aceito.
Ross Armitage podia ser qualquer coisa, menos chato. Tinha aproximadamente trinta anos, e
demonstrou ser uma pessoa alegre. Fennia ficou contente com a simpatia do homem.
Ela se vestira com simplicidade, um vestido preto de crepe, sem mangas e decotado, e sabia
que estava atraente. Por alguma razão desconhecida, quando viu Charmine Rhodes em um
deslumbrante vestido preto e dourado, não se intimidou. Ao contrário, estava cheia de confiança em
si mesma.
Eram oito pessoas para o jantar e foi contratado um serviço especial de bufê. Mesmo
achando que Jegar a convidara somente para combinar os pares, Fennia estava aproveitando a noite.
Gostou dos amigos de Jegar e, apesar de não conhecer nenhum deles, com exceção da pedante
Charmine, rapidamente se entrosou com a tagarela Nancy Enstone que, por coincidência, havia
frequentado a mesma escola que ela.
Conforme a noite se desenrolava, entretanto, Fennia começou a perceber que Ross Armitage,
que estava sentado a seu lado, monopolizava-a. Então ficou feliz quando Van Enstone, sentado do
lado oposto, começou a conversar com ela:
— Você gostava da escola? — perguntou ele, sorrindo. — Nancy não via a hora de sair de
lá.
Fennia gostou de Van Enstone e retribuiu o sorriso.
— Eu estava com minhas duas primas e me sentia em casa — respondeu ela, olhando para
Jegar, que a observava.
— Quanto tempo você ficou lá? — Jegar intrometeu-se na conversa.
— Onze anos.
— Pobre Fennia — comentou Ross gentilmente. —Você foi para o internato quando tinha
apenas... sete anos?
Meu Deus! Fennia estava sendo o centro das atenções e não queria aquilo. Então lembrou-se
de que Ross trabalhava na bolsa de valores e perguntou:
— O mercado de ações sempre me fascinou. É tão estressante quanto parece?
Ross estava dando detalhes sobre o trabalho, quando Islã Armitage o interrompeu:
— Vale a pena comprar ações da Lomax Mortimer?
Eu estava pensando...
Fennia olhou ao redor da mesa e encontrou os olhos azuis de Jegar, e, em seguida, olhou
para Neville Armitage. Fennia não tinha a menor idéia do que Ross respondera à esposa de Neville.
Tudo que sabia era que não ousaria pronunciar uma palavra do que lera no disquete de Jegar sobre a
transação da Lomax Mortimer.
Eles se dirigiram à sala de visitas para o café e os licores, e Fennia achou melhor olhar se
tudo estava bem com Lucie.
Adentrou o quarto de Lucie, intrigada com o comportamento irritante da acompanhante de
Jegar, antipática e interesseira. Fennia, não seja tão crítica só porque a loira a ignorou durante toda a
noite. Ela também não dera atenção a Nancy e Islã. Conversara ocasionalmente com os outros
homens presentes, mas sua atenção estava toda voltada para o anfitrião da casa, Jegar Urquart. Mas
que importância tinha aquilo?, pensou Fennia.
Após ver que Lucie dormia tranqüilamente, cobriu-a e saiu de mansinho do quarto.
Estava no final do corredor quando Ross Armitage foi a seu encontro.
— Eu pensei que você estivesse perdida — comentou ele, postando-se na frente dela.
— Fui apenas olhar em Lucie. — Ela sorriu.
— O que devo fazer para ter alguém como você cuidando de mim? — murmurou ele com
voz sedutora.
Ah, não!
— Eu não cuido de adultos — disse Fennia sem graça, afinal os dois eram convidados ali.
— Você não gostaria de me acomodar na cama? — perguntou ele, de modo sugestivo. —
Talvez me dar um beijo de boa-noite.
Ela não pôde pensar em nada pior para fazer.
— Não — respondeu ela, as boas maneiras começavam a vacilar.
Ross não notou.
— Que tal um beijo de boa-noite agora? — pediu ele, aproximando-se e abaixando a cabeça.
Fennia recuou.
— Pelo amor de Deus, comporte-se! — Ela notou um olhar divertido passar pelo rosto do
homem.
— Eu não acredito nisso! — exclamou ele, como se sua taxa de aceitação com as mulheres
fosse de cem por cento e Fennia fosse uma experiência totalmente nova.
Ele tentou enlaçá-la nos braços. Fennia reagiu:
— Tire as mãos de cima de mim... agora! — ordenou ela severamente.
— Você está me testando?
— Vá embora! — exclamou uma voz suave atrás dele.
E, enquanto os braços de Ross Armitage a soltavam e Fennia se afastava, Jegar continuou:
— Neville e Islã estão se despedindo. — E então, caminhando em direção a Fennia, ele
pegou as mãos dela. — Tudo bem?
Fennia se recompôs, era tudo muito mais fácil com Jegar por perto.
— Sim. — Aquela altura, Ross já fora encontrar o irmão.
— Alguém já lhe falou que você é irresistível? — brincou Jegar, tentando aplacar o incidente
que presenciara.
— Não me provoque! — preveniu ela.
Ele riu e beijou a mão de Fennia.
— Vejo que você já está totalmente recuperada e pronta para outra.
— É melhor eu ir me despedir de Neville e Islã — murmurou ela, afastando-se de Jegar.
Fennia adorou quando o trio que partia ofereceu uma carona para Charmine e desviou os
olhos quando Charmine inclinou-se para dar um beijo de despedida em Jegar. Depois que todos
partiram, Fennia ficou sozinha com Jegar, o que a fez sentir-se estranhamente tímida.
— Eu vou lavar estes últimos copos que sobraram — ofereceu-se ela, ansiando por fazer
alguma coisa.
— Deixe tudo para amanhã — sugeriu Jegar.
— Você não sabe o que é fazer as coisas com uma criança querendo provar tudo o que
sobrou. — Pressentindo que Jegar a seguiria para a cozinha, Fennia mudou de idéia: — Pensando
melhor, acho que vou dormir. Estou muito cansada.
Apagando as luzes, Jegar a acompanhou até a porta do quarto.
— Obrigada por esta noite — disse ele, com um sorriso charmoso.
— Sou eu quem devo agradecer, foi uma noite encantadora.
— Mesmo depois do que aconteceu com Ross?
— Ele foi muito simpático — respondeu ela, não querendo comprometer Ross.
— Você está tentando dizer que eu não deveria ter interferido?
— Eu teria controlado a situação — respondeu Fennia, mas quando viu o olhar dele se
transformar, rapidamente acrescentou: — Mas fiquei muito feliz em tê-lo por perto.
Jegar a encarou.
— Fennia Massey... — Ele roçou o nariz no rosto dela — Uma mulher de grande
sensibilidade.
— E... continue — provocou ela.
— E uma mulher que sabe manter a boca fechada.
— Você não confiou em mim?
Ele olhou para aqueles intrigantes olhos castanhos.
— Apenas por um segundo, quando ouvi o nome Lomax Mortimer, e você sabia que havia
uma oferta naquele disquete.
— Você está insinuando que meu conceito subiu?
— Há apenas alguns dias, ele a acusara de sabotagem industrial!
Jegar colocou as mãos nos ombros dela, e subitamente Fennia precisou engolir em seco.
Tremia por dentro.
— Minha opinião sobre você sempre foi elevada — explicou ele, encarando-a
profundamente.
Fennia soube, naquele instante, que ele iria beijá-la e, ao contrário do que acontecera pouco
tempo antes com Ross Armitage, ela não se enrijeceu, apenas ficou ali, imóvel e com o coração
disparado.
A boca de Jegar contra a sua era quente e gentil, e o beijo agradável e prazeroso. Mas se
descobriu adorando o contato das mãos de Jegar sobre sua pele, em uma sensação de infindável
prazer.
Quando Fennia notou que ele iria se esquivar, inconscientemente o abraçou pela cintura.
Jegar parou de beijá-la e a fitou. Então, deu um sorriso caloroso, tirou as mãos dos ombros dela para
poder abraçá-la mais forte.
O beijo seguinte foi um breve prelúdio. Ele a segurou firmemente, pressionando-a cada vez
mais contra si, beijando-a com maior possessividade. E quando acabou, Fennia não sabia nem
mesmo onde se encontrava.
— Eu... — Ela tossiu para liberar a voz. — Eu... — Ela queria beijá-lo! — Eu preciso ir para
cama — disse ela, totalmente ruborizada. — Minha... minha cama — esclareceu, sentindo-se não
somente desajeitada, mas desesperada. — Imagine como seria embaraçoso se Lucie começasse a
chorar e nos pegasse aqui! — exclamou ela confusa, sentindo-se frustrada diante daquela situação
que não lhe era nada familiar.
Jegar sorriu levemente e afrouxou os braços ao redor dela.
— Eu vou tirá-la daqui — ofereceu ele, afastando-se.
— Vejo-a pela manhã, srta. Massey.
Fennia tentou virar-se em direção ao quarto, mas não conseguiu se mexer. Olhou para Jegar
e, vendo naqueles seus olhos o mesmo desejo que sentia, aconteceu o inevitável, eles novamente se
abraçaram e se beijaram.
Compartilharam beijos maravilhosos. Fennia se sentia sem fôlego cada vez que a boca
devastadora de Jegar possuía a sua com paixão. Então ele lhe beijou o pescoço e ao redor do decote
do vestido.
Um fogo parecia queimar sua pele, enquanto Jegar a acariciava, e quando aquelas mãos
maravilhosas passaram por seus seios, Fennia ficou inebriada.
Quando se deu conta, já havia sido carregada para o quarto. Jegar provavelmente iria embora
logo, Fennia estava ciente disso. Mas por enquanto, por um curto espaço de tempo, queria apenas
saborear aqueles momentos deliciosos nos braços dele.
Quando sentiu os dedos longos no zíper do vestido, teve vontade de gritar o nome dele.
Entretanto, permaneceu calada. Teve medo de dizer alguma coisa que pudesse quebrar a magia
daquele momento maravilhoso.
Jegar a beijava mais uma vez, quando o fecho do vestido se abriu e ele afastou-o dos ombros
dela, deixando-o cair no chão. Fennia começou a tremer e foi naquele momento que ele caiu em si.
— Você está tremendo — murmurou ele gentilmente.
— Eu... estou perdida — respondeu ela, sem saber o que estava falando, mas sentindo que
estava a um passo de um grande acontecimento na sua vida.
— Linda Fennia — sussurrou ele ofegante, curvando-se para beijar a alvura de seus seios,
que pulsavam dentro do pequeno sutiã que ela usava.
Fennia suspirou nervosa. Sabia que nunca desejara um homem antes, e queria Jegar
desesperadamente.
Mas quando as mãos de Jegar afastaram as alças do seu sutiã, Fennia se deu conta de que,
muito em breve, estaria nua na frente dele. Então ela se afastou, surpreendendo-o e o confundindo.
— Jegar, eu... — começou, desamparada, não sabendo se pedia desculpas ou se dava alguma
explicação.
Como poderia explicar a ele que o desejava muito, mas que todos aqueles anos em que
vivera preocupada com a promiscuidade a fizeram recuar. Uma parte de si mesma queria atravessar
a ponte e descobrir um mundo novo. Porém, todos aqueles anos tentando resguardar-se estavam
muito entranhados em seu ser e não era fácil quebrar aquele tabu.
Naquele momento, eles ouviram um pequeno grito vindo do quarto ao lado. Lucie não
poderia ter escolhido uma hora melhor para acordar.
— Salva pelo gongo! — exclamou Fennia em um sufocante suspiro, agarrando o robe que
estava aos pés da cama e correndo para fora, deixando Jegar boquiaberto atrás dela.

CAPÍTULO VI

Parecia ser uma temporada de insônia para Fennia, e não sabia se estava contente ou
arrependida. Ela voltou para o quarto depois de acomodar Lucie e descobriu que Jegar havia saído.
Deitou-se e permaneceu acordada durante horas, perguntando-se se Jegar percebera que ela
hesitara na hora de fazer amor e decidira tomar a decisão por ela, ou se não estava verdadeiramente
empolgado, e não quisera esperar pela sua volta.
Pela manhã, Fennia já sabia que estava apaixonada por ele. Não queria que isso acontecesse,
mas não havia nada que pudesse fazer para evitar. Na verdade, apaixonara-se por Jegar desde que o
conhecera, mas se recusara a encarar o fato.
Contudo, não havia necessidade de negar mais nada. Ele era a causa de toda a depressão que
ela vinha sentindo ultimamente. Amava Jegar.
Ele a desejara, Fennia não era ingênua. Mas o desejo dele não tinha nada a ver com amor,
uma vez que estava acostumado a ter uma fila de mulheres prontas a se juntarem ao seu harém.
Fennia levantou-se cedo também no domingo, e decidira que jamais se colocaria à mercê de
Jegar, pois tinha orgulho e auto-estima.
Porém algo tinha sido positivo naquela situação toda. Ela não precisava mais se preocupar
em manter-se alerta para não seguir o tipo de vida da mãe e das tias. Todos aqueles anos,
preocupara-se à toa. Não herdara aquele gene e nunca se interessaria por muitos homens. Sentia
amor somente por um homem, e este homem era Jegar Urquart. A vida não era justa! Mas, mesmo
assim, não iria implorar pelo amor dele, nunca, jamais.
Saiu do quarto para ver Lucie, que dormia tranqüila como um anjo. Então foi à cozinha
preparar um chá.
— Oh! — Fennia corou quando o viu.
Não lhe ocorrera que Jegar já estivesse acordado e vestido. Mas ali estava ele, segurando
uma xícara de chá, encostado no balcão. Com certeza não conseguira dormir também, e agora a
observava sem dizer nada.
— Eu realmente enrubesço muito fácil! — exclamou ela, incapaz de se lembrar quando fora
a última vez que aquilo acontecera antes de conhecer Jegar. Apesar de fazer um comentário idiota,
ela precisava falar alguma coisa, pois aquele silêncio era insuportável.
Ele sorriu e, de repente, perguntou:
— Você é virgem?
Fennia ficou boquiaberta com aquela questão.
— Mas... — Ela se calou, recompôs-se e indagou:
— Por que está me perguntando isso agora?
Jegar parecia estar divertindo-se.
— Há chá no bule — disse ele, pegando uma xícara para servi-la.
Ela se sentou à mesa.
— Você é? — insistiu ele, de modo prazeroso.
Fennia não podia evitar estar apaixonada por ele, contudo não permitiria que Jegar brincasse
com seus sentimentos.
— Isso você terá que descobrir! — respondeu ela, percebendo instantaneamente o que
acabara de dizer. Enrubescendo mais uma vez, acrescentou: — Não foi o que eu quis dizer!
— Quando você estiver dentro de um buraco e quiser sair, pare de cavar — aconselhou ele.
— Você já me deu a resposta.
— Eu? — Ela não o entendia.
— Por quê?
— Por que o quê? — Fennia tomou um gole do chá. Ele se recostou na cadeira.
— Por que você nunca... experimentou? Que sujeito descarado!
— E o que foi aquilo ontem, pelo amor de Deus? — Ela se exaltou, arrependendo-se em
seguida. Aquilo era embaraçoso demais! Fennia não gostava de comentar sua vida íntima e, ali
estava ela, caindo naquela cilada!
Como resposta, Jegar deu um sorriso zombeteiro, esbanjando charme.
— Você acha que Lucie é muito pequena para passar um período em um internato?
Fennia olhou-o por alguns segundos e entendeu onde ele queria chegar. E então, o charme e
o sorriso provocador a desarmaram. Fennia não se conteve e riu. Ela o amava de verdade.
— Você quer que ela vá embora para que nós possamos ficar sozinhos? — indagou em tom
escandalizado. — E um homem muito malvado, sr. Urquart.
Jegar sorriu, parecia gostar de vê-la descontraída. Fennia rapidamente se refez, pois a
qualquer momento aquele homem astuto perceberia alguma coisa diferente no seu olhar que a
entregaria, e não podia permitir que aquilo acontecesse.
— Na verdade, Jegar — começou ela apressadamente, antes que desistisse —, eu gostaria de
colocar um ponto final na noite de ontem. Aconteceu, mas...
Ela calou-se, estava tensa. Jegar, em compensação, parecia relaxado. Fennia desejou poder
odiá-lo.
— Você não pensa em repetir a dose? — perguntou ele carinhosamente.
— Você se esqueceu de que sou uma contratada não remunerada?
Ele riu ante ao comentário, mas estava sério quando considerou:
— Talvez você tenha razão.
— Você sabe que tenho. — Fennia o olhou solenemente e, pensando mais em seu orgulho
do que em qualquer outra coisa, pois o que queria mesmo era ser abraçada por ele novamente,
respondeu: — Acho que deveríamos concordar em um ponto, que os beijos que trocamos, por
melhores que tenham sido, não podem mais se repetir.
Jegar a estudou por alguns segundos.
— Que garota sem coração! Mas eu tenho que concordar — continuou ele, enfatizando: —
poderíamos ter bons momentos juntos, mas nosso principal objetivo é o bem-estar de Lucie.
Fennia foi rápida e seguiu por aquela linha de raciocínio.
— O que significa que qualquer relacionamento entre nós está fora de cogitação, pois
poderia afetar Lucie? — Mesmo depois de ter falado, ela continuava perturbada. — Eu não acredito
no que está acontecendo! Estamos conversando sobre a possibilidade de termos um caso... Eu não
quero um caso — disse ela.
— Eu nunca tive um caso, e...
— Obrigado.
Estarrecida pelo que dissera, Fennia o encarou. Jegar não demonstrou emoção alguma e
deixou que ela imaginasse o significado daquele "Obrigado".
— Ter um caso não faz parte dos meus planos — esclareceu Fennia.
Pronto, ela falara!
Apesar de perceber o olhar firme e confiante de Jegar, ela não se abalou, porém não gostou
quando ele perguntou:
— Por quê, Fennia?
— Eu não sabia que isso era obrigatório!
— Você não tem curiosidade em saber...
Meu Deus!, o homem era mesmo corajoso. Como ousava perguntar aquilo?
— Nós podemos acabar com isso? — cortou ela, antes que ele terminasse a frase.
— Sexo não é uma coisa suja. — Os olhos de Jegar a perscrutavam e, dessa vez, eram
avaliadores.
— Eu nunca disse que era! — Fennia se levantou para sair, mas ele foi mais rápido, e se
postou diante da porta.
— Parece que o internato que você freqüentou desde pequena é o responsável por essa sua
maneira de pensar — sugeriu ele friamente.
— Você não sabe o que está falando! — Sem ter como sair, Fennia voltou a sentar-se.
Jegar pegou uma cadeira e acomodou-se ao lado dela.
— Você está dizendo que o fato de ter permanecido encarcerada por todos esses anos
naquela escola, não tem nada a ver com a sua inibição?
— Eu não tenho inibição alguma! E antes que você tente me convencer de que não sou
normal como todo mundo, deixe-me explicar. Minhas duas primas e eu...
— Vocês três foram para o internato quando tinham sete anos? — Jegar a interrompeu.
Ela já lhe contara aquilo? Não se lembrava. Quando estava próxima de Jegar, não conseguia
raciocinar direito.
— Sim, e era uma ótima escola.
— Suas primas pensam como você?
Ela o olhou furiosa.
— Isso não tem nada a ver com a escola. Nós decidimos há muito tempo que não queríamos
relações sem importância. — Pronto! Como já frisara antes, não estava interessada em ter um caso
com ele.
Fennia sentiu orgulho de si mesma. Mero engano! Jegar não parecia nem mesmo chateado.
Em vez de se sentir ofendido e esquecer o assunto, com audácia, analisou as inibições dela sob um
ângulo diferente.
— Então, se não foi na escola, deve ter sido em sua própria casa — declarou ele.
Aquilo estava chegando muito próximo da verdade!
— Eu não sou obrigada a ficar aqui ouvindo essas coisas.
— Do que tem tanto medo, Fennia? — perguntou Jegar.
— Não tenho medo de nada. — Não mais, não agora que sabia que o amor que sentia por ele
não era promíscuo, e sim verdadeiro. Tais pensamentos a tornaram mais vulnerável. — Esqueça
tudo isso, Jegar — pediu ela, já sem forças.
— Sinto muito — desculpou-se ele imediatamente. — Eu não queria magoá-la.
— Oh, Jegar. — As desculpas naquele tom reconfortante derrubaram a determinação de
Fennia. — Eu não estou magoada. É que nós apenas... eu cresci temendo me tornar promíscua e...
— Você, promíscua? — Ele parecia perplexo, aquilo era inacreditável. — De onde tirou esta
idéia absurda?
O coração de Fennia se alegrou com o comentário, mas não pretendia revelar nada sobre o
comportamento da mãe e das tias. Será que ele ficaria surpreso se soubesse toda a verdade?
— Por que absurda? — perguntou ela. — Eu poderia estar me divertindo nas minhas noites
de folga.
Jegar deu um sorriso que teve um efeito dilacerante por todo o corpo de Fennia.
— Eu vi a maneira como você se comporta na presença de um homem. — O sorriso dele
tornou-se travesso.
— A maneira que me comportei com você depois que todos foram embora ontem, não foi
nada recomendável.
— Eu comecei aquilo — admitiu Jegar.
Mais uma vez, ela desejou não ter iniciado aquele assunto.
— Deve ter sido o efeito do vinho. — Fennia se desculpou por ele.
Jegar ignorou o comentário.
— Havia três homens ansiosos por sua companhia. Você é muito bonita e chegou a deixar as
esposas preocupadas.
O coração de Fennia bateu mais forte quando Jegar lhe disse que era bonita, mas não iria se
impressionar com aquilo.
— Não eram todos casados.
— Pelo que me lembro, não foi somente com Ross Armitage que você flertou — comentou
Jegar.
Fennia começou a se sentir inquieta. Sabia que precisava se controlar.
— Você é uma mulher muito charmosa e atraente — continuou ele. — Não precisa se
insinuar para ninguém.
Uma hora ele a elogiava, depois a criticava. Fennia estava cansada daquelas emoções tão
conflitantes.
— É melhor eu ir olhar Lucie — decidiu ela.
Mas antes que pudesse se levantar, Jegar segurou-a pelo braço, detendo-a.
— Nós ainda não terminamos.
Fennia sentiu um arrepio quando ele a tocou.
— Eu terminei. — E em vez de tentar soltar-se, ela deu um olhar significativo para a mão de
Jegar pousada no seu ombro.
Ele não se moveu.
— Com quem sua mãe conseguiu meu endereço, com sua prima ou sua tia?
Fennia ficou intrigada com aquela súbita mudança de assunto e não vendo nenhum motivo
para não responder, olhou para aqueles olhos azul-acinzentados e murmurou:
— Nenhuma delas. Minha mãe ligou para Kate Young, a proprietária do berçário.
Ele soltou o braço de Fennia, e ambos se levantaram.
— Você viu sua mãe recentemente?
Perplexa, Fennia o encarou.
— Não mais do que você — respondeu, cautelosa, lembrando-se de como a mãe tentara
flertar com ele no dia da visita inesperada.
Eles se entreolharam, havia muitas coisas a serem ditas, mas Fennia deu o assunto por
encerrado.
— Sua mãe tem um novo namorado? — perguntou Jegar sutilmente.
— O que você tem a ver com isso?
— Ela é uma mulher atraente. Imagino que tenha muitos amigos.
— Não todos ao mesmo tempo. Se você quiser, posso lhe dar o telefone dela! — irrompeu
Fennia com raiva.
— Fennia — ele a abraçou —, foi o comportamento de sua mãe diante dos homens que
perturbou você dessa maneira, não foi?
Fennia ficou tensa, preocupada em ser leal com a mãe. Ela não se sentia perturbada, nunca se
sentira. Nem mesmo agora que sabia que o amava, e não precisaria mais se preocupar com aquele
assunto.
— Solte-me — pediu ela, baixinho.
Jegar abraçou-a ainda mais forte. Ela não poderia permitir. Amava-o demais e
emocionalmente fraca como estava poderia deixar transparecer alguma coisa.
— Não! — exclamou ela, quase sem fôlego, quando a boca dele se aproximou da sua. —
Não! — repetiu alarmada e se desvencilhou dos braços dele.
Jegar a olhou surpreso.
— Eu queria apenas... — ele começou a explicar.
— Não... me... toque! — gritou ela, com voz trêmula. — Nunca mais! — enfatizou quando
percebeu que ele aproximava-se novamente.
Jegar a fitou por um longo momento, então se afastou.
— Eu estava apenas tentando...
— Não precisa explicar.
Os olhos dele se estreitaram e então surpreendeu-a, dizendo:
— Acredite, eu nunca mais a tocarei! — Então virou-se abruptamente, deixando-a ali,
estarrecida.
Fennia precisou de alguns momentos para se recompor. Uma parte sua queria procurar Jegar
e se desculpar. Aquele era o lado apaixonado, que não poderia suportar a indiferença dele. A outra
parte, apesar de apaixonada, avisava-lhe para se manter em alerta, para que Jegar não desconfiasse
do seu amor por ele.
Ele provavelmente queria apenas confortá-la, mas Fennia estava muito vulnerável naquele
momento. Bastava apenas um toque dele para fazê-la se descontrolar. Não poderia permitir o
contato, a não ser que quisesse explicar-lhe o verdadeiro motivo daquela reação.
Era melhor deixar as coisas como estavam. Jegar chegaria à conclusão de que ela realmente
não gostava dele e a deixaria em paz. Não que aquilo fosse incomodá-lo, ele tinha muitas mulheres
com que se ocupar. Se não saísse, provavelmente levaria suas conquistas para casa.
Na verdade, ele nunca deixava as amigas ficarem até o amanhecer. Uma noite levara Carla
para um jantar íntimo a dois. Em outra ocasião, Davina foi a convidada da semana. E naturalmente,
sempre havia Charmine Rhodes!
Fennia passava cada vez mais tempo no quarto, mantendo a porta fechada até que as
convidadas de Jegar fossem embora. Pensava em aproveitar esse tempo para colocar a leitura em
dia, mas não conseguia se concentrar em nem uma página sequer de qualquer livro que fosse.
Precisava encontrar uma companhia para sair, mas não tinha a menor vontade de sair com
ninguém.
Não sabia se estava evitando Jegar, ou se era ele quem a evitava, mas, com exceção dos dias
em que ela o acompanhava ao hospital para levarem Lucie para visitar os pais, eles nunca mais
ficaram sozinhos.
Duas semanas haviam se passado desde a discussão na cozinha, quando lhe dissera para
nunca mais tocá-la.
Naquela noite a convidada escolhida era Charmine Rhodes. Fennia não estava muito bem e
sentia-se irritada o suficiente para desejar que a loira caçadora de dotes conseguisse fisgar o
solteirão, quando alguém bateu à sua porta.
Ela foi atender com uma expressão impassível no rosto.
— Ross Armitage está no telefone — disse Jegar com a expressão fria e pouco amigável. —
Você não precisa atender se não quiser.
Fennia não tinha a menor vontade de falar com Ross Armitage, mas podia perfeitamente
fazer aquele teatro.
— Posso atender no seu escritório? — perguntou ela, sabendo que o clima da noite dele
tinha sido quebrado.
Jegar apenas assentiu sem palavras e então a seguiu, permanecendo no aposento durante todo
tempo em que Fennia falou com Ross.
— Você já me perdoou pelo meu comportamento daquela noite? — perguntou Ross ao
telefone.
— Não há nada para ser perdoado — respondeu Fennia, tentando manter uma curta
conversação.
— Então deixe-me convidá-la para jantar amanhã.
— Você está em Londres? — indagou ela, sabendo que ele morava próximo a Northampton.
— Estou chegando amanhã para ficar alguns dias. Então, aceita meu convite?
Não, nem pensar! Mas que desculpa ela daria? Ele era persistente e passaria os próximos
cinco minutos tentando convencê-la a mudar de idéia. Fennia não estava acostumada a mentir, mas
com Jegar parado ali, ouvindo a conversa, ela achou que seria interessante eliminar dois assuntos
pendentes com uma só mentira. Afinal, não era justo que apenas ele tivesse a chance de ser feliz.
— Não posso aceitar seu convite, Ross. Na verdade, estou saindo com uma pessoa.
Ela não estava olhando para Jegar, mas ouviu um grunhido vindo dele, demonstrando sua
desaprovação!
— Fennia, o que posso dizer para convencê-la? — implorou Ross.
Nem em um milhão de anos, pensou ela.
— Aproveite sua estada aqui — finalizou ela, desligando o telefone.
— Com quem você está saindo? — perguntou Jegar, antes que ela tivesse tempo de piscar.
— Por acaso eu me intrometo na sua vida particular?
— Isso para mim é uma novidade! — falou ele, de modo rude.
— Tenho certeza de que você não se importará que eu tenha decidido experimentar... fora de
casa! — retrucou ela, recebendo como resposta um olhar zangado, antes de Jegar virar-se para ir ao
encontro de Charmine.
Espero que ela já tenha ido embora, pensou Fennia irada, mas como sabia do enorme
interesse de Charmine por Jegar, tinha certeza de que nada acontecera.
Fennia estava prestes a sair do escritório quando se deu conta de que, se não quisesse perder
a batalha, teria que arrumar alguém com quem sair na noite seguinte.
Permaneceu ali parada e depois pegou o telefone. Astra estava em casa.
— O que vai fazer amanhã à noite? — perguntou ela para a prima.
— Vou pagar todos os meus pecados, minha mãe virá me visitar — respondeu Astra e,
sorrindo, acrescentou: — Você será bem-vinda se quiser aparecer.
— Melhor nos encontrarmos em outro dia — respondeu Fennia e despediu-se.
Então ligou para tia Delia, que também tinha um compromisso.
Fennia estava pronta para deixar o escritório, consciente de que não poderia deixar o orgulho
se dissipar. Teria que fazer alguma coisa no dia seguinte à noite. Porém não queria sair sozinha.
Pegou novamente o telefone e discou outro número.
— Suponho que sua agenda esteja lotada, e você não tenha tempo para jantar com sua prima
favorita, acertei? — perguntou ela para seu meio primo, Greville.
Greville reconheceu a voz de Fennia imediatamente.
— E sempre um prazer ter uma linda mulher como companhia. Amanhã está bom para você?
Querido Greville, sempre fora um grande amigo para as três primas, e mais uma vez, não a
decepcionara. Fennia desejava que ele encontrasse a felicidade. Era divorciado e sofrera muito, e
agora tinha medo de se entregar novamente.
— O que eu faria sem você? — perguntou Fennia.
— Sobreviveria, com certeza — respondeu ele. — Eu a encontrarei às sete e meia.
— Não estou no apartamento de Astra.
— Mamãe falou alguma coisa sobre um emprego temporário. Você ainda não voltou para
casa? — indagou ele.
— Não... ainda não. Mas diga-me onde iremos jantar que eu o encontrarei lá.
Greville não gostou da sugestão.
— Eu sou um homem antiquado. Onde você está morando?
Fennia lhe deu o endereço, voltou para o quarto, e não se preocupou em ouvir as gargalhadas
da companheira de Jegar, antes de fechar a porta.
Viu Jegar rapidamente na manhã seguinte. Era a noite de folga dela, mas apenas para se
certificar de que ele não teria qualquer compromisso, Fennia se dirigiu ao escritório.
— Eu apreciaria se você estivesse em casa por volta das sete e quinze — disse ela friamente.
Jegar a olhou.
— Você vai sair hoje?
— Ele virá me buscar às sete e meia, se não houver nenhuma objeção.
Se o olhar dela parecia frio, o de Jegar estava congelado.
— Sei! — Foi a resposta dele antes de pegar a pasta e sair.
Jegar chegou às sete horas em ponto.
Fennia estava no quarto e se arrumara com esmero. O primo Greville era alto e atraente, ela
ficaria orgulhosa de ser vista com ele. Lucie já estava dormindo e provavelmente só acordaria na
manhã seguinte.
Fennia ficou no quarto até ouvir a campainha tocar, então pegou a bolsa e saiu. Jegar chegou
à porta antes dela e, apesar de não abrir imediatamente, ficou ali parado, observando-a se
aproximar.
Fennia vislumbrou um lampejo de admiração nos olhos dele, e esperou que fizesse algum
comentário, mas quando Jegar abriu a boca foi para perguntar:
— A que horas você volta?
Que tola era ela! Controlou-se para não demonstrar o desapontamento e respondeu:
— Não me espere acordado!
— Eu preciso verificar se o apartamento está seguro antes de me deitar!
— Então, vou jantar e voltar correndo! — exclamou ela com ironia, abrindo a porta.
Colocou um sorriso nos lábios no momento em que viu Greville, contente por tê-lo ali a seu lado.
Jegar olhou para os dois parados na porta e, mesmo relutante, Fennia sabia que teria que
fazer as apresentações, porém se concentrou em não deixar escapar que Greville era seu primo.
Mas Jegar estava impaciente e adiantou-se:
— Jegar Urquart — disse, estendendo a mão.
— Greville Alford — respondeu o primo, apertando a mão de Jegar.
— Olá, querida. — Ele cumprimentou Fennia e, como sempre fazia, abraçou-a e beijou-a no
rosto.
— Você tem tempo para tomar um drinque? — convidou Jegar antes que eles saíssem.
— Acho que não. Temos uma reserva. Mas agradeço, de qualquer forma — disse Greville
educadamente. — Pronta?— Ele sorriu para Fennia.
Jegar afastou-se, e Fennia passou por ele, segura de si.
Greville a levou a um restaurante aconchegante e era ótimo estar na companhia dele.
— Como estão as coisas? — perguntou ela, enquanto saboreavam a entrada.
— Acho que estou me saindo muito bem. — Greville era diretor do Grupo Addison Kirk,
cujo presidente era Thomson Wakefield, o marido de Yancie.
— As coisas estão um pouco paradas agora, sem Thomson por perto.
— Nós recebemos um cartão de Yancie.
— Eu e mamãe também, emocionante não é?
— Muito. — Fennia suspirou. — Casar com a pessoa certa deve ser maravilhoso. Você... —
Ela parou de falar, lembrando-se do fim terrível do casamento do primo. — Greville, eu tenho
certeza de que existe alguém muito especial esperando por você — comentou ela gentilmente.
— Será? — questionou ele de modo céptico. Era muito popular com as mulheres, mas
depois do trauma que sofrera, ficava sempre ressabiado em apaixonar-se por alguém.
— Você é especial demais para ficar sozinho por muito tempo.
— Você tem razão, acho que é hora de recomeçar.
— Não vai demorar muito para alguém aparecer, e será uma mulher tão sensacional, que
você não resistirá.
Ele balançou a cabeça, rindo do comentário. Então repentinamente a olhou intrigado.
— Isso aconteceu com você, não é? — adivinhou ele. Fennia se traíra.
— Bem...
— Querida, conte-me.
— Ele ainda não percebeu como eu sou sensacional.
— Mas vai perceber.
— Nem em um milhão de anos. — Ela não podia suportar mais aquilo. — Como é trabalhar
sem Thomson por perto?
Havia muitas coisas que o primo poderia ter perguntado. Como, por exemplo, quem era o
homem por quem ela se apaixonara. A não ser alguns amigos casuais, nunca houvera muitos
homens na vida de Fennia, e ela imaginou que o primo era suficientemente inteligente para
descobrir de quem se tratava. Mas, por saber como era amar sem ser correspondido, ele não insistiu
naquele assunto tão pessoal.
— Nós estamos nos saindo bem.
Greville era realmente uma pessoa muito querida, o irmão mais velho que ela nunca tivera, e
passou o restante da noite preocupado em mantê-la entretida.
Fennia não conseguiu esquecer Jegar por nem um minuto, mas quando Greville a levou de
volta para casa, por volta das onze horas, ela percebeu que passara uma noite muito agradável.
Greville a acompanhou até o elevador, onde se despediu com um abraço e um beijo.
— Ligue-me a qualquer hora que precisar — ofereceu ele.
Fennia sentia-se leve e tranqüila quando o elevador começou a subir, mas quando pôs a
chave na fechadura, novamente Jegar tomou conta de seus pensamentos.
Mal fechara a porta quando ele apareceu no hall, e o coração dela disparou imediatamente.
Forçou um sorriso, ansiosa por saber se tudo estava bem com Lucie. Entretanto, não teve
chance de perguntar, pois Jegar foi mais rápido:
— Você não convidou Alford para um café?
Ah, Deus! Fennia não sabia o que fizera para merecer aquilo, mas Jegar estava claramente
aborrecido com alguma coisa. Ela não quis provocar uma discussão e passou por ele, dizendo:
— Eu não ousaria abusar de sua hospitalidade.
Fennia não conseguiu ir muito longe, pois ele a agarrou pelo braço firmemente. Quando ela
se virou para olhá-lo, percebeu que sua atitude arrogante atiçara ainda mais o mau humor dele, e,
em seguida, ela se viu sendo conduzida para a sala de visitas.
O toque de Jegar queimava sua pele. Fennia o empurrou, ele a soltou e fechou a porta. Tudo
muito óbvio, a guerra iria começar!
— E ele aceitou isso? — desafiou Jegar, antes mesmo que ela pudesse respirar.
Fennia piscou confusa.
— O que você quer dizer?
— Que Deus nos proteja! — explodiu ele. — Eu sabia que você era inexperiente, mas não
tanto assim!
Enquanto Fennia imaginava o que ele queria dizer quando perguntou se Greville aceitara em
terminar a noite na porta do elevador, Jegar tornava-se cada vez mais hostil e continuou a acusá-la:
— Você foi à casa dele!
Ela estava cansada daquilo.
— Muitas vezes! — respondeu ela.
O maxilar de Jegar se endureceu ameaçadoramente, mas ele respirou fundo e pareceu se
acalmar.
— A esposa dele não se importa?
— O que o faz pensar que ele é casado? Greville é divorciado.
Jegar pareceu gostar menos ainda de saber que ela saíra com um homem experiente.
— Há quanto tempo o conhece?
— O que isso tem a ver com esta situação?
— Tem tudo a ver, pois ele é muito experiente e maduro e você não.
— Besteira! — exclamou Fennia, ciente de que Jegar queria mesmo uma briga. Bem, ela não
participaria do jogo. — Eu vou para cama! — informou secamente e ficou furiosa quando Jegar,
com um simples movimento, segurou-a pelo braço, impedindo-a de ir a algum lugar.
Ficou ainda mais irada quando ele a desafiou:
— É de onde você acabou de sair, da cama? Da cama dele?
A boca de Fennia se abriu, mas ele ainda não acabara suas acusações:
— Ele conseguiu fazer com que você perdesse suas inibições? — perguntou Jegar irritado.
— Seu cretino! — ela explodiu. — Não julgue os outros por si mesmo.
Os braços de Fennia foram rápidos, evitando que ele segurasse sua cabeça. Tão furiosa
quanto Jegar, ela lhe deu um chute na canela.
Ela atingira o alvo e pensou que talvez tivesse acertado um osso. Ouviu um grito de dor, e,
em vez de soltá-la, Jegar a apertou ainda mais.
— Por que você... — Jegar começou, mas parou de repente.
Ela encarou os olhos enfurecidos e, enquanto Jegar se aproximava mais, Fennia soube que
ele não gastaria mais fôlego com palavras para castigá-la. Encontrara uma maneira melhor de
mostrar sua indignação.
— Não! — gritou ela, quando o beijo parecia inevitável.
— Você começou isso! — respondeu ele. E então a boca de Jegar clamou pela dela.
— Não! — protestou Fennia. Foi só o que ela conseguiu pronunciar, antes que ele a beijasse.
Não era isso que ela queria. Queria ser abraçada e beijada por ele, mas com amor, não com
raiva. Fennia virou-se abruptamente. As mãos estavam livres, e ela tentou empurrá-lo, porém sem
sucesso. Mesmo enquanto lutava para se libertar, pôde sentir toda a energia que fluía pelo seu
corpo.
Ela tremia nos braços de Jegar, e quando finalmente ele se afastou, tudo que Fennia
conseguiu fazer foi olhá-lo de maneira suplicante:
— Não, Jegar. Não faça isso comigo.
Quando ele olhou para aquele rosto pálido com olhos tristes, pareceu se acalmar. E então,
não acreditando que agira daquela maneira tão rude, balançou a cabeça.
— Fen... — começou ele, as forças esvaindo-se. — Eu sinto muito, eu... — As palavras
falharam. — Querida, eu a magoei. Você me perdoa?
Como que para desculpar-se, ele pousou os lábios nos dela, ternamente. E Fennia,
completamente atônita, deixou-se levar. Sentiu que ele tremia tanto quanto ela, e apesar do que
acontecera, ela queria confortá-lo.
— Está tudo bem — murmurou ela, quando os lábios de Jegar tomaram os seus, e para
mostrar que estava sendo sincera, retribuiu carinhosamente o beijo.
Então eles se afastaram para se olharem. Fennia não saberia dizer quem se moveu primeiro,
mas, de repente, Jegar e ela estavam um nos braços do outro novamente, compartilhando beijos
cada vez mais ternos.
Desta vez era uma alegria estar nos braços dele, diferente de poucos minutos atrás. Jegar a
segurava e trilhava beijos doces por seu rosto, pescoço, orelhas e beijava ardentemente sua boca.
O abraço carinhoso dele fazia com que ela se movesse cada vez mais contra o calor do corpo
de Jegar.
— Fennia! — ele sussurrou o nome dela e, de repente, o desejo se insinuou em seu corpo.
Ele a segurava cada vez mais junto a si. Fennia correspondia plenamente, e uma paixão
nunca antes experimentada, tomou conta de seu ser. Ela desejava aquele homem, o homem que
amava.
Sentiu a mão quente no fecho do vestido.
— Posso? — ele perguntou de modo suave.
— Sim — respondeu ela, entregando-se aos beijos tão apaixonadamente, que nem percebeu
o vestido cair no chão.
Eles ainda estavam se beijando quando Jegar a pegou no colo e a carregou até o quarto. Com
olhos fechados, Fennia não tinha a menor idéia para onde estava sendo levada e somente depois
percebeu que estavam quase nus deitados na sua cama.
Um momento de pânico a assolou, mas ela o afastou rapidamente. Estava ansiosa pelos
beijos e pelo toque de Jegar, então fechou os olhos novamente em êxtase, quando uma das mãos
dele acariciou seu seio, enquanto a outra abria o sutiã.
Fennia suspirou de prazer quando Jegar pressionou os seios dela contra seu peito nu.
— Jegar... — suspirou ela, querendo dizer quanto o amava.
— Nós vamos devagar, querida.
Enquanto os dedos dele brincavam com o bico de seus seios, Fennia o acariciava.
Como ela, Jegar estava entorpecido com aquelas emoções, e o fogo tornou-se incontrolável
quando a língua dele brincou com um dos mamilos enrijecidos de Fennia, levando-a ao delírio. Ela
sabia que não demoraria muito para os dois estarem completamente nus.
E era o que ela queria.
Acima de tudo, quando o desejo estivesse incontrolável, seu corpo em chamas à procura do
dele, era tudo que queria, somente...
Jegar moveu-se para deitar-se sobre ela. Fennia ficou tensa, mas ele sorriu, entendendo sua
preocupação.
— Relaxe, minha linda Fennia — sussurrou ele, acariciando-a, e diante daquelas palavras
delicadas, ela arqueou o corpo para Jegar, em submissão. — Meu doce amor — ofegou Jegar,
beijando-a novamente. — Diga apenas uma palavra, e eu paro — assegurou-lhe ele.
Mas Fennia não queria que isso acontecesse. Era puro êxtase estar ali nos braços dele.
— Eu não tenho nenhum problema em estar aqui com você. — Ela achou que ele precisava
saber. Então moveu-se mais ao seu encontro. — Eu não quero parar — confessou, timidamente,
beijando-o.
Quando o corpo de Jegar a pressionou contra o colchão, Fennia foi recompensada com uma
torrente de beijos apaixonados.
Ela o desejava tão intensamente que parecia não poder suportar a espera. O desejo de Fennia
tornou-se selvagem, e, de súbito, ela percebeu que, inconscientemente, movimentava-se embaixo
dele. Jegar tinha se acomodado entre suas pernas em um ato de pura intimidade.
De repente, alarmes começaram a soar na cabeça de Fennia. Não sabia se era devido à
timidez, ao pânico, porque desta vez sabia que seria quase impossível voltar atrás, ou à profunda
aceitação de que amava Jegar.
Ele não a amava, e aquilo ia contra tudo que estabelecera para si mesma.
Mas o corpo dela ansiava pelo de Jegar, e ela deu um longo suspiro, que não era de prazer.
Jegar afastou o corpo e olhou-a no fundo dos olhos sussurrando:
— O que houve? Fennia ainda o desejava.
— Por favor, ajude-me — implorou ela.
— Você está pensando em parar agora?
Ela não queria, gostaria de poder negar aquela força que a agitava interiormente, porém
falou:
— Sim.
Ele não disse nada.
— Por favor, não me odeie! — murmurou Fennia.
Ele a beijou, parecendo compreensivo, mas então mudou de idéia. Ainda a desejando, Jegar
pressionou o corpo dela contra o seu mais uma vez, apenas mais uma vez. Então, imediatamente,
enquanto ainda podia, forçou-se a se afastar e sentou-se na cama, de costas para ela.
Fennia sentiu frio sem o corpo dele por perto. Sentando-se, observou os ombros largos e nus.
— Eu... — Ela engasgou, as palavras de amor morreram em sua boca. — Eu o quero. —
Fennia queria que ele soubesse.
Jegar virou-se, encarando-a e moveu-se em direção aos seios, mas, abruptamente, desviou o
olhar. Então, levantou-se e caminhou para a porta. Antes de sair, disse apenas:
— Não pode haver nada entre nós, enquanto você tiver dúvidas, querida.
Rapidamente, ele caminhou pelo hall em direção ao quarto.

CAPÍTULO VII

Durante aquela noite, Fennia reviveu inúmeras vezes a maravilhosa sensação de estar nos
braços de Jegar. Ele fora gentil, carinhoso, sensível e a levara às alturas.
E ela o havia feito parar.
Deitada na cama agora, não sabia se estava feliz ou arrependida por sua atitude.
Ele não a amava, Fennia sabia, mas relacionar-se fisicamente com ele, seria tão errado
assim? Ele não precisaria saber o que ela sentia...
De repente, começou a ficar nervosa. Meu Deus, será que ele sabia? Teria visto o amor nos
olhos dela? Não, ele não poderia. Poderia? Fennia nunca chegara até aquele ponto com homem
algum. Será que Jegar suspeitara?
Subitamente, os sentimentos de Fennia se confundiram, iam desde a culpa até a emoção
daqueles momentos encantadores, do medo à ansiedade de que ele talvez soubesse a verdade sobre
seus sentimentos.
Os pensamentos perturbaram-lhe o sono, e Fennia estava bem acordada quando ouviu um
barulho indicando que Jegar já se levantara. Ele deveria ter algum compromisso cedo.
Ela o ouviu fechar a porta do quarto com cuidado para não acordar a sobrinha, e rapidamente
cobriu a cabeça com as cobertas, com medo de que ele fosse vê-la.
Para seu alívio, Jegar ignorou seu quarto. Fennia imaginou que fora à cozinha para preparar
um café. Poucos minutos depois, ela ouviu seus passos no hall. Então prendeu a respiração, Jegar
parecia estar saindo.
Fennia não respirou normalmente até ter certeza de que ele deixara o apartamento.
Aquela terça-feira pareceu ser o dia mais longo da sua vida. Toda vez que pensava em ver
Jegar, seu estômago se contorcia e o coração disparava.
— Algum problema? — perguntou Kate quando as crianças estavam descansando.
— Não, nada! — respondeu Fennia, tentando não deixar transparecer a apreensão que sentia.
Se Kate notasse seu estado, então Fennia não teria muitas chances de esconder de um homem
inteligente como Jegar, o turbilhão de emoções que estava sentindo por ele.
Não demoraria muito para ele descobrir alguma coisa, se estivesse mesmo interessado. Mas
será que estaria? Fennia não acreditava naquilo.
Lucie já estava dormindo, e Fennia não sabia em que lugar da casa desejava estar quando
Jegar chegasse. Isto é, se ele voltasse cedo. O ciúme começou a atiçá-la quando se lembrou de todas
as vezes que ele tinha companhia feminina para entreter-se nas "noites de folga". Algumas noites
ele saía direto do trabalho.
Ela estava na lavanderia, pensando que aquela seria uma das noites que ele iria se divertir
fora de casa, quando o ouviu chegar.
Jegar sabia ou não que ela o amava?
Fennia não tinha idéia de como iria encará-lo.
Quando o escutou na cozinha, um arrepio subiu por sua espinha, e soube que, gostando ou
não, não poderia esconder aqueles sentimentos por muito tempo.
Um som atrás de si a fez virar-se. Oh, meu Deus!, Jegar tinha ido até a lavanderia para
procurá-la. Fennia enrubesceu e, quando o fitou, logo percebeu que ele não tinha ido procurá-la
porque sentira saudade. Não havia o menor sinal de afeição no olhar gelado que ele lhe lançou.
— Você precisa mesmo ficar vermelha! — exclamou ele, de modo ríspido.
— Eu... eu... — gaguejou ela, sentindo o corpo todo queimar, e seus piores medos se
confirmaram.
A ternura da noite passada desaparecera, Jegar descobrira que ela o amava e, obviamente,
não desejava aquele amor.
— Eu... não queria que você descobrisse. — Fennia tentou completar a frase, sentindo-se em
frangalhos.
— Então tem a coragem de admitir! — exclamou ele, em tom de acusação.
A boca de Fennia estava seca.
— E por que eu iria negar? — Ela achava que ele fosse uma pessoa sensível, mas, pela
atitude dele, soube que se enganara. Fazer sexo com ela teria sido bom para Jegar, mas saber que
estava apaixonada não o agradava em nada. Não havia espaço na vida dele para esse tipo de
complicação.
— Achou que eu não iria descobrir? Você quase me convenceu de que era uma pessoa doce,
pura e única. Eu deveria ter desconfiado.
Fennia teve a terrível sensação de que não estavam entendendo-se, mas o orgulho falou mais
alto.
— Quer que eu vá embora?
— Com certeza! — murmurou ele. — Dez minutos já seria demorar demais.
Ela estava chocada. Imaginara várias reações, mas não aquilo. Como se enganara a respeito
de Jegar!
— O que vai fazer com Lucie?
— O problema é meu, não seu! — vociferou ele irado. Ao falar naquele tom, ele, um homem
com quem Fennia compartilhara tanta intimidade, fez com que o amor que ela sentia fosse
obscurecido pelo ódio que começou a aparecer.
— Você merece todo ataque de histeria que Lucie puder ter! — gritou ela nervosa. — E
espero que ainda existam muitos!
Com a cabeça altiva, tentando parecer fria com o que acabara de acontecer, ela apenas
rezava para conseguir se manter firme até sair do apartamento. Começou a pegar algumas coisas
suas na lavanderia.
Mas Jegar ainda não terminara:
— Não me admira que você não estivesse interessada em ganhar dinheiro para cuidar de
Lucie — disse ele.
Fennia o encarou, sem entender o significado daquelas palavras.
— Ele obviamente lhe pagou muito mais — Jegar completou furioso.
Fennia continuou a olhá-lo. Enquanto admitia que as afirmações dele pareciam um pouco
confusas, estava claro que alguma coisa o deixara irado. E não poderia ser, com certeza, porque
Jegar descobrira que ela o amava.
— Quem? — perguntou ela de forma hostil. Aquele homem era muito prepotente, então
Fennia adotou uma atitude superior e falou orgulhosamente: — Eu não tenho a menor idéia sobre o
que você está falando!
— Não tem? — acusou ele, com faíscas de raiva brilhando nos olhos, e então continuou: —
Aposto que vai me dizer que nunca ouviu falar da empresa Grupo Addison Kirk.
— Addison Kirk! — repetiu Fennia atordoada. — Bem, é claro que já ouvi falar!
O marido de sua prima Yancie era o presidente daquela empresa. Seu primo Greville...
— Você agora parece surpresa! — Jegar interrompeu os pensamentos dela. — Eu sei
também que você conhece a Lomax Mortimer Trading.
Lomax Mortimer Trading?
— Do que você está falando? — Confusão, atordoamento, o que seria aquilo?
Jegar abria e fechava as mãos ao lado do corpo, e Fennia se assustou quando ele se
aproximou de maneira agressiva.
— Mesmo agora que está ciente de que já sei de tudo, ainda não pretende ser honesta
comigo?
Honesta! Embora Fennia já houvesse concluído que o mau humor dele não tinha nada a ver
com o fato de que ela o amava, ainda não tinha idéia do porquê Jegar estava tão furioso.
— Eu sempre fui honesta com você!
— Não minta para mim! — gritou ele.
— O que eu fiz? E o que a Addison Kirk tem a ver com Lomax Mortimer? Eu não vejo a
conexão. — Ela não estava nem um pouco interessada em negócios, apenas tentava entender a
situação, por isso declarou: — Eu não sabia que você tinha alguma coisa com a Addison Kirk.
— Eu não tenho! Até hoje, tudo o que sabia era que eles são uma empresa de primeira linha,
com ramo de atividade diferente do meu.
Fennia era uma pessoa inteligente e esperta, mas por causa da raiva de Jegar, sem mencionar
o fato de que talvez o amor dela não lhe interessasse, estava tendo dificuldade em entender o que
estava acontecendo.
— Você está dizendo que, hoje, sua empresa e a Addison tiveram um interesse em comum?
— perguntou ela.
— Que doce! — exclamou Jegar com sarcasmo. — Poupe-me de detalhes. Você sabe muito
bem que hoje nossos interesses não se ligaram e sim colidiram.
— Eu não sei do que você está falando! — exclamou Fennia, com firmeza.
— Como se você não soubesse que eu estava preparando uma oferta para a Lomax
Mortimer. Como se desconhecesse os detalhes financeiros. Como se...
Uma luz pareceu se acender naquele caos.
— Você está falando sobre o disquete que vi quando Lucie entrou em seu escritório?
— É isso mesmo! Quantas cópias você tirou dele antes que eu chegasse? — Jegar gritava
enfurecido. — Foi a cópia da Addison ou...
— Você acha que eu contei para...
— Você é uma especialista em computadores, e eu diria que tem excelente nível. Foi
realmente um golpe de sorte para você quando meu irmão e minha cunhada sofreram o acidente, e
eu a convidei para morar comigo!
— Sua idéia de sorte é completamente diferente da minha! — explicou ela irada. Só então
seu cérebro começou a funcionar, e ela perguntou: — Está dizendo que você e a Addison Kirk
fizeram uma oferta para Lomax Mortimer ao mesmo tempo?
O ceticismo dele foi doloroso para Fennia, e ela então começou a ficar extremamente
indignada com o que Jegar acabara de sugerir.
Ele meneou a cabeça severamente.
— Deixando de lado o fato de que outra empresa passou momentos árduos, tentando
preparar uma oferta para adquirir uma companhia, e também que a proposta foi feita no mesmo dia,
o que importa é que a oferta da Addison foi tão próxima da minha que alguma informação deve ter
vazado.
— Está insinuando que sou uma espiã?
— Não estou apenas insinuando, estou afirmando! — respondeu ele. — Pouquíssimas
pessoas, todas de confiança, conheciam meu trabalho. Você foi a única estranha que tomou
conhecimento dos detalhes.
— Obrigada! — revidou Fennia atônita, pronta para partir imediatamente. Jegar não
precisaria colocá-la para fora. Depois daquela acusação, ela nem sonharia em ficar. Como ele
pudera pensar aquilo dela? Porém, antes de sair, pretendia esclarecer tudo. — Então, baseado no
fato de que até alguns meses atrás você não me conhecia, chegou a conclusão de que sou uma espiã
industrial?
— Acho que você sabe que existem muitas outras coincidências.
— O fato de eu conhecer um computador? Qualquer criança hoje em dia sabe lidar com
computadores! — zombou ela.
O queixo de Jegar se enrijeceu.
— Mas são todas muito jovens para sair com Greville Alford! — esbravejou ele.
Fennia o olhou astutamente e percebeu que ele ainda não terminara.
— Com o aparecimento dessa oferta tão repentina, decidi investigar um pouco sobre a
Addison Kirk, e adivinhe o que descobri? Seu amigo Alford é um dos diretores.
Fennia abriu a boca para dizer que Alford era seu primo, mas Jegar continuou gritando:
— Quanto ele lhe pagou pela noite passada?
Fennia tremeu de ódio. Aquele foi o insulto final.
— Eu nem sonharia em lhe contar — respondeu ela calmamente.
— Então, eu estava certo! Você admite?
— Vá para o inferno — disse ela, virando-se e caminhando em direção ao quarto.
Jegar não tentou detê-la.
Ela pensara em ficar para esclarecer aquela confusão, mas decidiu que não valia a pena. Era
inacreditável que ele pensasse aquilo. Deitara-se quase nua nos braços dele na noite anterior. Como
Jegar podia desconfiar dela? Como pudera perguntar quanto ela ganhara para o trair? Ele não sabia
quanto ela o amava. Se desconfiasse o quão forte era seu amor saberia que nunca o trocaria nem por
todo dinheiro do mundo.
Enquanto esforçava-se para afastar aqueles pensamentos, Fennia trabalhou rápido para juntar
suas coisas. Fora colocada para fora, e estava feliz por ir embora.
Quando saiu do quarto com a mala na mão, teve que negar um instinto urgente de ir até o
quarto ao lado para dar uma última olhada na pequena Lucie.
A dor dilacerava o coração de Fennia quando ela chegou no hall, e quando alcançou a porta
do apartamento, deparou com Jegar, sério e inflexível, vindo da sala de visitas.
Ele se adiantou para abrir a porta e quando permaneceu ali sem dizer uma palavra, esperando
que ela saísse, Fennia sentiu como se uma faca atravessasse seu corpo. Jegar estava ansioso por se
livrar dela.
Fennia levantou a cabeça e passou por ele. Não se humilharia.
— Eu já saí de lugares melhores que este — disse ela orgulhosamente, enquanto partia e
jogava a chave do apartamento para ele.
Foi somente no sábado que Fennia conseguiu se sentir melhor, embora os pensamentos sobre
Jegar ainda dominassem sua mente. Como ele pudera acreditar naquela história?
Ela deixara a cobertura na terça-feira, sem derramar uma lágrima. Não se lembrava de
quanto tempo ficara parada dentro do carro, sem entender o que acontecera. Um soluço seco a
assolara, fazendo-a tremer e conscientizar-se de onde estava e de que não poderia ficar sentada ali,
no carro, a noite toda.
Instintivamente, teve vontade de ir para casa de tia Delia, aonde sempre ia quando ficava
chateada. A dor causada por Jegar Urquart fora grande demais.
Fennia ligou o carro e foi para a casa de Astra.
— Fennia! — exclamou Astra no momento em que a viu, os enormes olhos verdes pousaram
na mala que ela tinha na mão. — O que aconteceu? Você está horrorosa.
— Eu... — Fennia não queria falar sobre aquilo, e tentou controlar a voz. — Eu fui expulsa.
— E no instante seguinte irrompeu em lágrimas.
— Como ele ousou? — perguntou Astra em tom raivoso, amparando Fennia. Ela pegou a
mala e levou a prima para se sentar no sofá. — Quem ele pensa que é? Eu vou falar com ele.
— Não, Astra! — Fennia enxugou os olhos e deu um sorriso fraco, sentia-se sem forças. —
Não quero que faça isso. E além do mais, você ainda não sabe qual de nós dois está errado.
Astra sorriu.
— Jamais poderia ser você. Fennia passou as mãos nos olhos.
— Sinto muito, eu estou muito sensível.
— Você quer conversar sobre isso?
Fennia balançou a cabeça em negativa, mas de repente se viu dizendo:
— Ele é um idiota. Jegar Urquart é um grande miserável... — A voz dela começou a falhar.
— E... e eu o amo.
— Fen! Amor! — sussurrou Astra. — Você também!
Fennia sabia muito bem que Astra estava se referindo a Yancie.
— Há alguma epidemia no ar — disse ela, mas a voz começou a tremer novamente. — O
problema é que Urquart é vacinado contra o amor.
— Algumas vezes as vacinas não são eficazes — sugeriu Astra gentilmente.
— Depois da acusação que ele me fez esta noite, eu não lhe perdoaria nem se ele me
implorasse de joelhos! — declarou Fennia ofegante.
Fennia foi trabalhar na quarta-feira, sentindo-se agitada, pois não sabia se Jegar iria aparecer
no berçário para levar Lucie. Ele não foi, e Fennia teve que explicar para Kate que havia retornado
para a casa da prima, e que acreditava que Jegar continuaria a levar Lucie durante o dia.
Logo após às nove horas, Kate recebeu um telefonema da assistente de Jegar, pedindo para
que o lugar de Lucie se mantivesse reservado, pois os pais dela tinham enorme confiança no
berçário, mas, devido a força das circunstâncias, o sr. Urquart se via obrigado a fazer um arranjo
temporário.
Fennia, que ficara muito apegada a Lucie, sentia sua falta, assim como a de Jegar. E
conforme os dias passavam, pensou na declaração que fizera a Astra sobre não perdoar nem se ele
lhe implorasse de joelhos. Quem ela pretendia enganar? Aquela altura, Astra já sabia que o
problema fora devido à oferta que Jegar e Greville haviam feito para comprar a mesma empresa.
— Você não contou para ele que Greville é seu primo?
— Você contaria? Astra sorriu.
— Eu primeiro o deixaria queimar no inferno — concordou ela.
As noites eram os piores momentos para Fennia. Sozinha no quarto, em silêncio, não
conseguia deixar de pensar em Jegar. A mente estava impregnada com a imagem dele.
Não queria ficar se martirizando com as tristes lembranças e então lembrava-se dos
momentos em que ele fora gentil e charmoso, os momentos em que a fizera rir, que falara que ela
era bonita e principalmente quando a beijara.
Nessas horas se lembrava de que ele não a amava, e aquela simples constatação a desarmava.
Jegar sabia que ela o amava, mas não queria aquele amor, tinha sido muito claro.
Repentinamente, enquanto se lembrava mais uma vez daquela última briga, percebeu, mais
calma agora, que talvez Jegar não estivesse se referindo ao fato de ter percebido o que ela sentia.
Fennia tentou se recordar, palavra por palavra, da noite em que ele a acusara de passar as
informações confidenciais que estavam no disquete.
Ele dissera: "Você precisa mesmo enrubescer!" e Fennia pensara que ele estivesse se
referindo ao amor que vira nos olhos dela. Mas não, Jegar tinha falado sobre a tal informação
confidencial, acreditando que fosse uma espiã.
Meia hora mais tarde, tendo vasculhado a memória e repensado sobre cada palavra e cada
movimento, Fennia percebeu que, para ela, o importante eram seus sentimentos por ele, mas para
Jegar o trabalho era a essência da vida.
Um sentimento de profundo alívio a dominou quando se certificou de que Jegar estivera
falando sobre trabalho e não sobre os sentimentos dela. O alívio foi tão grande que teve vontade de
ligar para ele e contar que Greville Alford era seu primo e não um homem com o qual ela estava
saindo para passar informações importantes sobre a transação da Lomax.
Ela quase telefonou, mas o orgulho mais uma vez se sobrepôs, fazendo-a desistir. Pelo amor
de Deus! O homem a acusara de receber dinheiro em troca de informações. E o fato de Greville ser
seu primo e não um mero acompanhante, não faria muita diferença. Greville, no caso da Lomax
Mortimer, ainda era o concorrente de Jegar.
Além disso, ele devia ter contratado uma babá para Lucie, e provavelmente não a aceitaria
de volta. Na verdade, Jegar não precisava dela para nada.
No sábado, depois de três dias tentando se mostrar radiante para o mundo, porém se sentindo
arrasada intimamente, Fennia procurava alguma coisa com o que se ocupar.
Tomar conta de crianças era uma ocupação e tanto, e ela estava feliz por voltar ao trabalho
na segunda-feira.
O apartamento estava impecável, não havia nada para cozinhar nem para comprar. Fennia
decidiu sair para visitar a tia.
Era um adorável dia de verão, e, como sempre, a tia a recebeu com alegria.
— Vamos tomar o chá no jardim — decidiu ela.
— Eu faço o chá — ofereceu-se Fennia. Enquanto estavam na cozinha, tia Delia perguntou
se Fennia tinha notícias de Astra.
— Eu voltei a morar com Astra — respondeu Fennia.
— Os pais da garotinha saíram do hospital?
— Ainda não. — Ela não conseguia mentir para a tia. — O tio dela e eu tivemos um
pequeno desentendimento, e ele achou que poderia se virar sozinho.
Delia Alford a olhou fixamente e, se leu alguma coisa nos olhos de Fennia, nada comentou.
— Vamos esperar que a criança lhe dê muito trabalho.
— É o que mais desejo. — Fennia riu, carregando a bandeja de chá para o jardim.
Ela e a tia desfrutaram momentos de prazer, conversando sobre plantas e a família. Ambas
estavam ansiosas com o retorno de Yancie e Thomson da lua-de-mel.
— Será maravilhoso vê-la novamente — declarou Fennia.
— Isso se nós conseguirmos separá-la do marido. — Delia Alford sorriu, ao mesmo tempo
que ouviram uma voz.
— De quem estão falando agora?
— Greville! — exclamou a mãe dele com os olhos cheios de amor e prazer. — De onde você
surgiu?
Ele se abaixou para beijá-la.
— Você estava tão ocupada fofocando que nem me escutou — brincou ele. — Olá, doçura.
— Ele deu um beijo no rosto da prima. — Como você está, Fennia?
— Bem. E você?
— Vá buscar uma xícara para você — instruiu a mãe. — O chá ainda está quente.
— Com este calor, prefiro uma cerveja.
— Você sabe onde encontrá-las.
Greville voltou com a bebida gelada e anunciou:
— Tia Úrsula está no telefone. Entre outras coisas, ela quer saber quando Yancie chega.
Delia pediu licença e foi atender ao telefone.
— Como vão as coisas com você? — perguntou Greville quando ficaram a sós.
— Eu me mudei, voltei para o apartamento de Astra.
— Você foi corajosa para enfrentar esta situação? Para tirá-lo de sua vida? — perguntou
Greville.
— Você acha que...
— Urquart? Eu deduzi que era ele. Ainda dói muito, não é?
— O que posso lhe dizer? — Ela riu um pouco sem jeito, mas admitiu. — Eu fui muito
corajosa. Nós tivemos uma briga, e mesmo se ele não tivesse me colocado para fora, eu sairia de
qualquer jeito.
— Ele a colocou para fora? — perguntou Greville, incrédulo. — Você quer que eu vá até lá
e lhe dê um soco na cara?
Fennia riu, o que provavelmente era a resposta que Greville esperara. Ele a acariciou
encorajadoramente, o que fez Fennia ter vontade de confidenciar:
— Greville — Ela percebeu que tinha toda a atenção dele, mas não sabia como começar —,
esta oferta da Lomax Mortimer Trading...
— O que sabe sobre isso? — interrompeu o primo atônito.
— Acho que estou atropelando as coisas. Estou falando algum segredo? — indagou ela
infeliz. Os segredos da empresa de Jegar!
— Conte-me o que você sabe — pediu Greville, obviamente confiando nela, coisa que Jegar
não se dignara a fazer. — Isso tem a ver com Urquart e a Corporação de Comunicação Global, não
tem?
— Você sabe que Jegar dirige a empresa?
— Eu descobri somente na terça-feira, quando, devido a nossos interesses, chequei à firma e
descobri, por acaso, que a empresa de Urquart e a minha tinham as mesmas ofertas. — Ele sorriu,
entendendo que Fennia não queria contar o que sabia, porém prosseguiu: — Na Addison Kirk há
um pessoal especializado em observar e estudar todas as possibilidades do mercado, tais como
investimentos, novas empresas, ofertas, esse tipo de coisa.
— Alguém diferente apareceu com a idéia de oferecer informações para facilitar a compra da
Lomax Mortimer Trading?
— Como assim? — indagou Greville.
— Informações, sabe como é... um espião, por exemplo.
— Espião! — exclamou ele.
Fennia nunca o vira tão sério.
— O que tudo isso significa, Fen? — Mas, de repente, provando que era muito inteligente,
rapidamente concluiu: — Meu Deus! Urquart pensa que você passou informações para nós sobre a
oferta?
— Deve ter parecido... uma coisa combinada. — Fennia descobriu-se tentando defender o
homem que amava. — Principalmente porque ele me viu tentando divertir Lucie com um disquete
que eu achava estar em branco, mas que continha informações secretas sobre a oferta da Lomax.
Greville considerou a resposta dela por alguns minutos, e então falou tranqüilamente:
— Na Addison Kirk nós nunca precisamos espionar alguém ou coisa alguma. Assim como a
Global ouviu sobre nossa oferta naquele dia, nós também ouvimos a deles. Esse é o mundo dos
negócios! Nós apenas ouvimos e observamos o que estava acontecendo, e se incomodamos alguém,
isso faz parte do negócio também. Seu amigo Urquart sabe disso tão bem quanto eu. — Greville
sorriu e então finalizou: — Foi pura coincidência que nós dois tenhamos feito a mesma oferta, no
mesmo dia.
Isso só prova que somos muito parecidos na maneira de fazer negócios. Temos os mesmos
princípios.
— Coincidência? — repetiu Fennia, os olhos estreitos. — Você está dizendo que não houve
nenhum vazamento de informações?
— É o que estou dizendo — respondeu ele. — Eu também diria que Urquart sabe isso e
aceita, como eu. — Ele a deixou perplexa quando acrescentou o último comentário.
Fennia balançou a cabeça.
— Se ele sabia e aceitou, então por que ficou furioso comigo?
— Suponho que haja algo mais nessa história — disse Greville.
O coração de Fennia se entristeceu. Então o alívio que sentira quando percebera que o
problema de Jegar estava relacionado com o trabalho, fora um engano, pois se o que Greville
acabara de dizer era verdade, isto é, que tudo aquilo fazia parte do mundo dos negócios e Jegar
aceitava com naturalidade, o problema voltara a atormentá-la.
— Mas não posso deixá-lo pensando que você foi responsável por algo que não aconteceu
— continuou Greville. — Eu vou telefonar para o escritório dele e marcar um encontro. Eu vou...
— Você vai me deixar embaraçada se fizer isso — retrucou Fennia.
— Mas, querida, não posso vê-la tão triste assim. Urquart precisa saber... — Ele calou-se ao
ouvir a mãe se aproximando.
— Deixe para lá, Greville, por favor, esqueça isso — implorou Fennia. — Jegar não confia
em mim e, honestamente, não gostaria de ficar com um homem que não acredita em mim.
Fennia deitou-se na cama sem sono, aquela noite. Não queria um homem que não confiasse
nela! As chances de ver Jegar novamente eram mínimas, e as chances de que um dia ele viesse a
amá-la eram menores ainda.
Quando acordou no domingo de manhã, estava um lindo dia e Fennia decidiu fazer um
passeio no campo, onde almoçou, e só retornou a Londres quando já era noite. Na volta para casa
resolveu parar no posto para abastecer o carro, mas se arrependeu amargamente quando viu
Charmine Rhodes, na bomba ao lado da sua.
O ciúme a corroeu quando percebeu a monumental loira olhando-a com um sorriso cínico.
Não havia nada que Fennia pudesse conversar com aquela mulher, por isso se surpreendeu
quando viu Charmine caminhar em sua direção.
Fennia percebeu, pela atitude desdenhosa do andar da loira, que ela iria somente provocá-la
com algum comentário desagradável. E estava certa.
— Já encontrou outro emprego? — perguntou a loira, em tom sarcástico.
Fennia sentiu um nó no estômago. Com certeza Jegar deveria ter contado para Charmine o
motivo pelo qual ela deixara a casa dele.
— Eu nem mesmo estou procurando por um — respondeu ela friamente. Não deixaria
aquela mulher humilhá-la.
Charmine não se importou com o tom frio dela.
— Provavelmente não será nada fácil, você sabe, sem referências é mais complicado!
— É mesmo! — exclamou Fennia com desdém, notando como a mulher era maldosa. —
Você parece pensar que sabe alguma coisa que eu não sei.
— Eu sei somente que Jegar a despediu — falou Charmine. — Você terá sérios problemas
para conseguir um emprego como babá se...
— Acho que você não entendeu bem a minha função na casa de Jegar — interrompeu
Fennia. Aquela mulher era insuportável! Fennia sorriu, e pareceu tê-la deixado sem fala.
— Você está tentando dizer que não era uma simples babá? — desafiou Charmine.
Fennia a encarou. Charmine parecia envolvida emocionalmente com Jegar, por isso ela
decidiu pôr um pouco de veneno na sua resposta. Fennia sorriu, e sabendo que Charmine
dificilmente repetiria aquela conversa para Jegar, em favor de seus próprios interesses, falou em
tom adocicado:
— Eu acho que se você perguntar para Jegar, ele lhe contará que fui muito mais que uma
simples babá naquele apartamento.
Como era de se esperar, Charmine ficou zangada.
— Você era amante dele? — Ela parecia não acreditar naquela história.
O sorriso de Fennia estava quase se dissipando, mas ela não se rendeu.
— O que você acha?
— Você foi para a cama com ele? — perguntou a loira, furiosa.
Quase. Por duas vezes eles tinham se deitado na cama dela. Por duas vezes, eles... Fennia
afastou os pensamentos.
— Mais de uma vez — respondeu ela. Entretanto quando Charmine a olhou com desprezo
antes de precipitar-se e ir embora, Fennia não se sentiu nada bem com aquela vitória.
Foi para o trabalho no dia seguinte, desejando nunca ter parado naquele posto para abastecer,
porque a todo momento pensava em Charmine Rhodes voltando para os braços de Jegar Urquart.
Pensava demais nele e não havia o que fazer para evitar aquilo.

— Hora de ir para casa — falou Kate quando, meia hora depois de terem fechado o berçário,
Fennia ainda estava lá.
Fennia, depois de sair do trabalho, resolveu fazer compras no supermercado.
Enquanto guardava os mantimentos, Jegar dominou completamente seus pensamentos. Ele
estaria com Charmine naquele momento? Ou com Carla? Ela estava rezando para que a nova babá
pedisse a noite de folga, quando ouviu alguém bater à porta.
Será que Astra esquecera a chave? Muito improvável. Quando abriu a porta, quase a fechou
novamente.
Um calor subiu por seu corpo até as faces, as emoções se agitaram, e somente uma pessoa
tinha a capacidade de fazê-la sentir-se daquela maneira! Por um momento, Fennia achou que, por
pensar tanto em Jegar, estivesse tendo uma alucinação.
— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, sem fôlego.
Ele a olhou fixamente, e Fennia viu um músculo do rosto dele se enrijecer.
— Eu vim para vê-la — respondeu Jegar calmamente.
Ela não estava tendo uma alucinação. Ele era real e estava ali, à sua frente, em carne e osso.

CAPÍTULO VIII

Com o coração batendo descompassado, Fennia tentou desesperadamente se controlar. Ver


Jegar ali, à sua porta, deixou-a aturdida.
— Eu... — começou ela. Mas tudo que pôde pensar foi em como era maravilhoso vê-lo. —
Como vai... Lucie? — perguntou, retomando o raciocínio. A última vez que vira aquele homem, ele
a acusara de maneira injusta e a expulsara de sua casa. Como vai Lucie?! Diga alguma coisa
melhor.
— Lucie sente muito a sua falta, naturalmente... mas está bem — respondeu Jegar tranqüilo.
— A sra. Swann ficou com ela até minha mãe e meu padrasto chegarem na quarta-feira. Eles
ficarão comigo, por enquanto.
— Você veio aqui para se desculpar? — perguntou ela com coragem.
Jegar respirou profundamente.
— Sim, se você me permitir.
Fennia ficou boquiaberta por um segundo, mas logo se recompôs. Aquela era a hora exata
para dizer "Muito obrigada" e bater a porta na cara dele, mas descobriu que não conseguiria fazer
aquilo.
— Greville foi vê-lo — afirmou ela, sentindo-se desapontada com o primo, pois lhe pedira
para não procurar por Jegar.
— E por que Alford faria isso? — indagou Jegar brevemente.
Como se ela fosse contar!
— Eu pensei que você tivesse vindo para se desculpar! — exclamou ela impaciente.
Fennia o viu engolir em seco, como se tentasse afastar algum pensamento perturbador em
relação a Greville Alford.
— Posso entrar? — pediu ele, com um tom de voz alterado.
— Tenho certeza de que não precisará de muito tempo para se desculpar, mas desde que não
consegue manter um tom de voz mais baixo...
Ela se afastou da porta, e Jegar entrou no apartamento. Fennia fechou a porta e o conduziu
para a sala de visitas. Não tinha a menor intenção de convidá-lo para sentar-se, ele não ficaria ali
por muito tempo.
— Belo apartamento — comentou Jegar de modo gentil, observando à sua volta.
— Eu moro aqui com minha prima. O apartamento é do pai dela. — Ela não precisava ser
amigável com ele, mas falar sobre coisas irrelevantes, dava-lhe tempo para manter-se sob controle.
Quando voltou a raciocinar de maneira lógica, ela o acusou: — Você deve ter visto Greville, pois
não sabia onde eu estava morando.
— Ele sabe que você mora aqui? Você o tem visto? — perguntou Jegar de maneira
agressiva.
— Como descobriu meu endereço? — A pulsação de Fennia começou a se acelerar. Se Jegar
fora lá para se desculpar, mas não tinha falado com Greville, significava que repensara na acusação
que lhe fizera e agora confiava nela. Fennia ousaria acreditar naquilo? Isso não mudaria nada entre
eles, mas a fazia se sentir muito melhor.
— Eu queria vê-la — disse ele. — Liguei para o berçário na hora em que você costuma sair.
Fennia o encarou. Ele a encontrara através do berçário?
— Sente-se — convidou ela.
Jegar esperou que ela se sentasse primeiro, e Fennia acomodou-se em um dos sofás da sala
ampla e arejada. Jegar sentou-se também.
— Eu... saí mais cedo hoje — mencionou ela, tentando parecer calma.
— A sra. Young me contou.
Fennia então entendeu tudo.
— Kate lhe deu meu endereço? — Ela sabia que apesar de Kate não ser nenhuma tola, era
impossível resistir ao charme de Jegar.
— Ela estava um pouco relutante, mas quando eu lhe expliquei que cometera um erro muito
grande e que gostaria de me desculpar pessoalmente com você, ela acabou cedendo.
Parecia que seriam grandes desculpas!
— Conhecendo Kate, tenho certeza de que ela tentou ligar para me avisar, mas acabei de
chegar do supermercado — explicou ela, sem necessidade alguma.
— Você tem algum convidado para jantar?
— Você disse que cometeu um grande erro. — Fennia lembrou-o da razão da visita.
Jegar sorriu pela primeira vez desde que chegara, e ela estremeceu. Que sorriso lindo ele
tinha!
— Eu fui um canalha com você — confessou ele. — E, apesar de saber que não mereço seu
perdão, ficaria muito feliz se você pudesse aceitar minhas desculpas.
Uma rápida trégua foi estabelecida, e Fennia tentou manter-se calma.
— Você percebeu que estava errado ao acreditar que alguém me pagara para obter as
informações?
— Fennia — disse ele suavemente —, eu estava terrivelmente enganado a seu respeito.
— Quem lhe convenceu que eu não passei nenhuma informação...
— Ninguém precisou me convencer de nada! — cortou ele. — Eu apenas sabia, como
sempre soube.
— Você sempre soube? — repetiu Fennia. — Engraçado, não parecia saber naquele dia.
— Naquele dia — começou Jegar devagar —, havia muitas coisas na minha cabeça. Você
disse que não queria que eu descobrisse nada, e, por isso, eu perdi a noção da confiança que sempre
depositei em você. Achei que estava admitindo tudo.
Muitas perguntas surgiram na mente de Fennia naquele momento, mas sabia que somente
uma importava:
— Você confia em mim?
— É claro que confio — respondeu ele sem hesitar. — Sempre confiei em você, mas, por
um curto espaço de tempo, com tantos problemas para resolver e as emoções em conflito, não
pensei com clareza.
O coração de Fennia se comoveu diante daquela declaração, e ela levantou-se.
— Bem, já que acredita que eu não seja uma pessoa terrível, eu lhe perdôo — disse
apressadamente, esperando que ele fosse embora sem que ela precisasse explicar a verdade do que
admitira naquele dia, isto é, que estava apaixonada por ele. Virando-se, caminhou em direção à
porta, indicando a saída para Jegar.
Quando eles estavam próximos, Jegar colocou o braço na frente da mão dela impedindo-lhe
de abrir a porta.
— A propósito... — comentou ele casualmente, tão relaxado que Fennia se surpreendeu e o
encarou. Ambos sorriram, e ela ficou sem fala por alguns minutos — por que você disse à
Charmine Rhodes que éramos amantes?
Fennia olhou aterrorizada para ele. Engoliu em seco e sentiu o cérebro entorpecido.
— Eu... — Ela engasgou. — Eu não pensei que ela fosse lhe contar — balbuciou ela, não
conseguindo desviar os olhos de Jegar.
— Ela provavelmente não contaria — concordou ele — se eu não tivesse deixado claro que
não a veria mais.
O ciúme, que ultimamente fizera Fennia se descontrolar, agora lhe dava uma trégua, pois
Jegar estava dizendo que terminara com a loira. Entretanto, não foi capaz de resistir a mais um
comentário sarcástico:
— Não tenho dúvida de que já há mais duas ou três pretendentes na fila de espera.
Ele sorriu.
— Eu terminei todos os meus relacionamentos amorosos.
— Você deve estar doente!
Jegar riu.
— Fennia Massey, eu senti muito a sua falta — disse ele de modo carinhoso.
Imediatamente o coração dela disparou, e abaixou o rosto para que Jegar não pudesse ver sua
expressão de surpresa. Então voltou-se, caminhou até o lado do sofá, e Jegar a acompanhou.
— Foi um direito seu me demitir — colocou ela, tão astutamente quanto possível.
— Como eu poderia demiti-la? Você nem mesmo recebia um salário.
— Charmine Rhodes afirmou que sabia que você tinha me demitido.
— Para seu conhecimento, eu nunca conversei com ela sobre esse assunto. Charmine deve
ter presumido depois que Lucie contou que você partira — explicou ele. — E verdade que você
falou para ela que éramos amantes?
— Eu pensei que você tivesse dito que terminara todos os seus relacionamentos —
respondeu Fennia, tentando ganhar tempo.
— E terminei. Mas Charmine voltou a me ligar hoje, no escritório. E então? — insistiu ele.
— Bem, ela pediu por isso! — defendeu-se Fennia. — Tentou me humilhar de maneira
grosseira e ofensiva. De qualquer modo, eu sabia que não estava ferindo os sentimentos dela. Sinto
muito se estou falando a verdade, mas ela não está apaixonada por você.
— Eu nunca pensei que estivesse — disse Jegar, com um sorriso tão charmoso que provocou
um arrepio em Fennia.
— Você tem sempre o cuidado de sair somente com as mulheres incapazes de se apaixonar
por você? — Fennia sabia que estava pisando em terreno perigoso, mas não podia mais evitar
aquela pergunta.
— Quem precisa desse tipo de preocupação? — respondeu ele.
— Bem, obrigada por ter vindo até aqui para se desculpar. — Ela novamente se dirigiu para
a porta, disposta a mudar de assunto. — Como estão Harvey e Marianne?
— Estão se recuperando muito bem — respondeu Jegar, e para consternação de Fennia, ele
não deu o menor indício de segui-la até a porta, permanecendo exatamente onde se encontrava. —
Parece que Harvey sairá do hospital esta semana, e Marianne, apesar de ainda precisar da cadeira de
rodas, já está dando alguns passos.
— Fico feliz em saber disso — comentou Fennia com sinceridade. — Bem, há mais alguma
coisa?
Jegar não se moveu, parecia estranhamente tenso.
— Na verdade, sim. Há mais uma coisa.
— Oh! — exclamou ela cautelosa. Os instintos a alertavam que a tensão, real ou imaginária,
de Jegar, estavam-na afetando.
— Na verdade — Jegar respirou fundo —, não é todo dia que me encontro nesse tipo de
situação.
— E que situação é essa? — perguntou, intrigada. — Posso ajudá-lo em alguma coisa?
— Seria de grande ajuda se você viesse se sentar para ouvir o que tenho a dizer.
Fennia vacilou por um momento, porém acabou sentando-se no sofá. Estavam mais
próximos agora.
De fato, ela precisava somente esticar a mão para poder tocá-lo. Não que desejasse fazer
aquilo, naturalmente.
— Você... não veio apenas para se desculpar? — indagou ela ansiosa.
— Eu precisava me desculpar — afirmou ele. — Queria resolver logo esse mal-entendido
antes de falar no principal propósito da minha visita.
As decepções ainda não tinham terminado, pensou ela.
— Você vai me pedir para voltar e ajudá-lo com Lucie?
Jegar a olhou sério.
— Houve épocas em que eu achava a menina extremamente irritante.
— Você não quer que eu volte para ajudá-lo com Lucie? — Ela não conseguia controlar sua
ansiedade.
— Isso não tem nada a ver com Lucie ou com qualquer outra pessoa — informou-a Jegar, e
parecia assustado quando acrescentou: — Isso é sobre eu e você, Fennia Massey. Apenas nós dois e
ninguém mais.
Fennia levantou-se rapidamente, estarrecida. O desapontamento sendo substituído pelo
medo. Quase correu até a porta novamente, mas aquilo significaria entregar-se. Fique, fique e
enfrente tudo, disse a si mesma.
— Apenas nós? — perguntou ela, enchendo-se de coragem.
Jegar a estudou solenemente.
— Você vai dificultar as coisas, não vai?
E ela deveria facilitar?
— Eu não tenho muita certeza do que significa tudo isso. Para ser honesta, não tenho a
menor idéia — admitiu ela.
— Você não acha que existe alguma coisa entre nós?
Os olhos de Fennia se arregalaram. Não devia entrar em pânico. Resista.
— Evidentemente que não! — mentiu ela.
Talvez tenha sido efeito da luz, mas quando ela olhou para Jegar, ele parecia pálido, porém
não derrotado.
— Eu não aceito isso — declarou ele, de modo ríspido. — Passei muitas horas analisando
cada palavra, olhar ou movimento que aconteceu entre nós, para aceitar o que você acabou de dizer,
sem questionar.
Fennia umedeceu os lábios. Ela passara horas lembrando cada palavra que ele dissera, cada
movimento, e saber que Jegar fizera a mesma coisa, deixava-a um pouco confusa.
— Por quê?
— Por quê? Porque na noite em que você saiu do meu apartamento com a mala na mão e
disse: "Há alguma razão para negar isso?", eu vaguei a noite toda com estas palavras assombrando-
me, repetidas vezes.
— Eu não acho que... — Fennia tentou interrompê-lo naquele ponto, mas ele não tinha
terminado e continuou:
— Quando eu me acalmei o suficiente e esqueci meu ciúme por um momento...
Ele sentira ciúme? Fennia começou a suar frio.
— Soube que havia cometido um enorme erro em acusá-la. Mas o que eu poderia pensar?
Você não se defendeu e nem negou minhas acusações, apenas perguntou se havia alguma razão para
negar aquilo.
— Nunca lhe ocorreu que eu poderia estar com o orgulho ferido demais para negar qualquer
coisa? — Fennia disse o que de melhor conseguiu pensar para poder despistá-lo.
— Sim, é claro que me ocorreu. Mas aquelas palavras não saíam da minha cabeça. Eu fui um
canalha — admitiu ele. — Foi minha única defesa. — Jegar a olhou de relance e continuou: —
Entretanto, quando me acalmei, percebi que você não fazia a mínima idéia do que eu estava
falando. O que significava que estávamos falando de coisas diferentes.
Fennia estremeceu. Ele estava muito próximo da verdade.
— Eu... você... — Fennia não conseguia pensar em um modo de desviar-se do assunto.
— Então me diga, Fennia — continuou ele determinado —, já que não tinha a menor idéia
de que eu estava referindo-me à oferta da Lomax, do que você estava falando?
— Não me lembro, faz muito tempo — disse ela desdenhosamente.
— Seis dias? Minha querida, com um pequeno esforço, você conseguirá avivar sua memória.
A mágoa e o medo deixaram-na vulnerável.
— Já que é tão esperto, fale você! — exclamou ela em um ímpeto e imediatamente se
arrependeu. — Eu não quis dizer...
— Muito bem — cortou Jegar. — Já que não posso afirmar com segurança sobre o que você
se referia naquele dia, apesar de ter esperanças de saber, vou contar sobre o que eu estou falando.
Fennia queria respirar, mas parecia difícil. Ele dissera que tinha esperanças?
— Não me deixe interrompê-lo — disse ela, e era tudo que Jegar precisava ouvir.
— Tudo começou quando meu irmão e minha cunhada sofreram o acidente.
— O quê?
— Isso é... muito difícil para mim. Se você pudesse me deixar prosseguir.
— Você está nervoso! — exclamou Fennia, com um alívio interior.
— Você não gostaria de segurar minha mão? Ela riu.
— Você já é um garoto crescido, Urquart.
— Então, vamos voltar ao tempo. Eu telefonei para o berçário para tentar encontrar Lucie, e
qual não foi minha surpresa quando, ao buscá-la, fui recebido por uma linda mulher que não me
deixou levar a garota por não saber quem eu era. E, antes que eu me desse conta, aquela linda
mulher estava dormindo na minha casa e percebi rapidamente que, se tivesse que ter alguém
morando debaixo do meu teto, gostaria que fosse ela, a mulher que enrubescia tão facilmente.
Que coisa maravilhosa de se ouvir.
— Eu não costumava corar tão facilmente antes de conhecê-lo — murmurou, emocionada, e
Jegar estendeu a mão para tocá-la.
— Eu sou um homem terrível. — Ele sorriu. — Tive que aceitar a função de tutor de Lucie,
mas não poderia ter encontrado uma aliada melhor do que você.
— Você está sendo muito lisonjeiro.
— Estou falando o que realmente penso — respondeu Jegar, ainda segurando a mão dela. —
Não demorou muito para que eu notasse a maneira carinhosa com que você cuidava de Lucie, então,
foi natural pensar em você... com muita freqüência.
O coração de Fennia deu um salto. Ela pensara nele com freqüência, isso para não dizer o
tempo todo. Mas... Jegar?
— Você pensava em mim?
Fennia o encarou, tentava desesperadamente manter os pés no chão.
— Bem, suponho que, devido às circunstâncias, quero dizer, por estar morando na sua casa e
tudo o mais, seria natural, pensar em você algumas vezes.
— É claro que sim — concordou ele. — Assim como seria perfeitamente natural eu me
ressentir quando você saía algumas noites.
— Você não se importava em ficar com Lucie?
— Eu me acostumei a cuidar da menina. O que realmente me incomodava era o fato de você
sair com outro homem — confessou ele.
Os olhos de Fennia se arregalaram, e a boca estava seca.
— Você está tentando me dizer que sentia ciúme? — perguntou ela, sem jeito.
— É claro que não estava com ciúme — negou ele e, sem perceber as emoções que estava
provocando em Fennia, continuou: — Então por que eu ficava esperando-a chegar em casa quando
Lucie não dava o menor trabalho? Por que eu ficava olhando para o relógio pensando onde você
estaria? Com quem estaria? Porque eu sentia sua falta.
— Verdade? — perguntou ela atônita.
— Sim. Mas o pior ainda está por vir.
— Pior?
— Eu repentinamente perdi toda a vontade de sair.
— Você queria ficar em casa?
— Naturalmente não apenas por saber que você estaria lá.
— Naturalmente — concordou ela com voz fraca. — Você tinha trabalho para fazer em casa.
Ele sorriu e então disse suavemente:
— Fennia, querida, você me conquistou.
O que significava tudo aquilo? Fennia tinha medo de perguntar, de respirar ou de fazer
qualquer ruído. Quando o olhou, percebeu as marcas de tensão no rosto de Jegar, e então sentiu que
ele precisava de algum sinal de encorajamento.
— Eu... eu acho... que gostaria de escutar mais — ela falou.
Como recompensa, sentiu o toque leve e quente dos lábios de Jegar em seu rosto.
— Doce Fennia. Posso lhe contar sobre um outro dia? Era uma sexta-feira, e eu passei por
seu quarto para lhe dizer que trabalharia até mais tarde. Quando descobri que você não dormira
fora, peguei-me assobiando durante todo o trajeto para o trabalho. Mais tarde naquele dia,
entretanto, comecei a me questionar o porquê daquela alegria toda.
— E a que conclusão chegou?
— Que a vida caseira estava me atraindo.
— Muito estranho para você, não é?
— Sim, muito fora da minha realidade. Então, comecei a levar amigos para casa. — Ele
deveria dizer amigas, naturalmente. — Ou ia comer fora.
— Você estava fugindo?
— Com toda certeza.
Fennia não disse nada. Jegar a olhou no fundo dos olhos, respirou fundo e perguntou:
— É muito tarde para lhe confessar o meu amor?
— Oh! — exclamou ela estarrecida.
— Eu sinto muito — desculpou-se ele. — Não fique alarmada, eu não vou machucá-la.
Jamais a machucarei. Conheço seu passado, seus medos, e, acredite-me, foi um absurdo alguma vez
você ter pensado que poderia vir a ser promíscua. Minha querida, eu estou falando de amor, não de
sexo. Eu a amo com todo meu coração.
— Jegar... — Ele a amava! Ele a amava! — Eu não tenho problema algum. Bem, acho que
sou um pouco tímida, em se tratando de contatos físicos... mas sei que já superei o meu trauma de
infância.
— Verdade?
Fennia achou que não o convencera totalmente.
— Você realmente me ama?
— Com toda minha alma — respondeu ele com sinceridade.
Ela prendeu a respiração, e olhando para aqueles olhos azul-acinzentados, soube que deveria
falar-lhe a verdade.
— Então, vou lhe contar uma coisa. Sim, eu ainda me sinto um pouco tímida em relação a...
bem, você sabe... De qualquer maneira, por sua causa, não tenho mais medo de me tornar uma
pessoa sem escrúpulos.
— Como assim, por minha causa?
— Porque agora sei, em meu íntimo, que sou e sempre serei mulher de um homem só.
Jegar a olhou, o sorriso desapareceu e a expressão ficou tensa.
— Você está falando que é mulher de um homem só — disse ele vagarosamente. — Mas eu
não sou este homem.
Fennia o encarou.
— De onde tirou essa idéia?
— Pare de brincar comigo, Fennia. — Ele soltou a mão dela. — Você diz que não tem
problema algum, o que é compreensível devido à sua inocência, mas que somente este homem
poderá ajudá-la. — Ele parecia pálido, enquanto concluía: — Já que me rejeitou no último
momento em que íamos fazer amor, posso concluir que não sou este homem. — Ele deu um longo
suspiro. — Bem, vou lhe falar uma coisa, Fennia Massey, você é minha e...
— É claro que sou sua! — esclareceu ela rapidamente. — Se me deixar falar, posso
explicar...
— Explique — pediu ele de imediato.
— Eu o amo — declarou ela, viu a sobrancelha de Jegar se arquear e sentiu duas mãos
firmes segurando seus braços.
— Continue — ordenou ele.
— Eu o amo — repetiu ela timidamente. — Muito. E aquela noite, na qual quase fizemos
amor, eu de repente percebi que, por amá-lo tanto, fazer amor significaria tudo para mim. Mas, por
você não me amar, não significaria nada para você.
Os braços dele a envolveram.
— E eu não poderia me entregar — terminou ela.
— Fennia, doce Fennia — sussurrou Jegar, segurando-a firme junto ao coração. Ele a
afastou para poder fitá-la. — Você me ama?
— Muito — respondeu ela, observando a alegria daquele sorriso terno e maravilhoso.
Jegar a abraçou mais forte como se, a qualquer momento, ela pudesse fugir. Ele a beijou,
segurando-a até que, finalmente, Fennia sentiu-se verdadeiramente amada.
Jegar parecia querer saber mais.
— Quando você descobriu que me amava?
Fennia sorriu, não acreditando que tudo aquilo estava acontecendo.
— Conforme eu ia conhecendo-o. A cada dia que passava, havia uma nova razão para eu me
apaixonar.
— Você não vai me contar? — incitou ele.
Fennia sorriu, o coração tão cheio de alegria que não sabia como controlá-lo.
— Bem, algumas vezes eu não conseguia dormir enquanto você não chegava.
— Você estava com ciúme?
— Não precisa ficar tão lisonjeado.
— Eu estou adorando tudo isso, continue.
— Eu não conseguia afastá-lo de meus pensamentos, principalmente quando você saía para
um encontro.
— Eu nunca mais quero vê-la triste — murmurou ele, beijando-a para compensá-la por toda
a dor e infelicidade que lhe causara.
Nos braços fortes de Jegar, Fennia nem se lembrava mais de que algum dia ficara triste. Seus
beijos eram capazes de apagar qualquer sinal de dor.
— Do que estávamos falando? — perguntou ela, com voz rouca.
— Você estava me contando de como descobriu que me amava.
— Sim. Eu soube depois daquele jantar com seus amigos — confessou Fennia. — E você,
quando descobriu?
— Que eu estava perdidamente apaixonado? O desejo por você era tão intenso que algumas
noites eu não ousava voltar para casa, até ter certeza de que você já estava no seu quarto —
confessou ele. — Mas não tinha percebido a intensidade dos meus sentimentos até a última terça-
feira.
— Que foi... — começou ela, mas não havia necessidade de relembrá-lo.
— Foi na noite depois que você saiu com Alford — disse sucintamente. — Passei horas
terríveis enquanto você não chegava. Aquele sentimento gigantesco era até então desconhecido para
mim, e eu não sabia como lidar com ele.
— Foi essa a causa de seu mau humor quando cheguei?
— Mau humor? Eu estava possesso.
— Mas se acalmou depois de alguns minutos.
— Porque eu a segurei nos braços. Você estava encantadora, e então aceitei o fato de que
estava totalmente apaixonado por você. Na manhã seguinte mal podia esperar para vê-la de novo.
— Mas você não apareceu para tomar o café.
— Agora me arrependo. Mas, pela manhã eu estava me sentindo nervoso e inseguro como
um adolescente. Como eu iria suportar se não fosse correspondido? Você saíra com outro homem
na noite anterior.
— Meu amor, agora estou entendendo. Quando você chegou ao escritório, ouviu falar sobre
a oferta feita pela Addison Rirk e descobriu que Greville era o responsável por ela. Você então,
precipitadamente pensou o pior.
— O ciúme é o responsável por isso. Quando cheguei em casa, estava cego de ciúme e raiva,
porque a mulher que eu amava me traíra e, pela primeira vez na vida, não conseguia pensar com a
razão. Depois me acalmei e percebi o absurdo de minha desconfiança, mas você já tinha partido e
eu não sabia como lhe pedir perdão.
— Talvez eu possa deixá-lo mais tranqüilo. — Fennia sorriu, não querendo que ele se
sentisse culpado por nada. — Eu não neguei as acusações que você fez.
— Simplesmente porque não tinha a menor idéia sobre o que eu estava falando — ele a
defendeu. — Eu tenho que admitir, meu amor, que quando você reagiu daquela maneira, achei que
estava admitindo a culpa.
— E eu achei que você houvesse descoberto, pelo que acontecera entre nós, que eu estava
apaixonada por você. Era isso que eu não conseguia negar.
— Se pelo menos eu houvesse percebido! — Jegar parecia se culpar cada vez mais por ter
sido tão insensível.
— Depois, eu fiquei feliz por você não ter notado nada — disse Fennia, beijando-o.
— Eu não notei mesmo, apesar de ficar esperançoso quando lembrei a maneira maravilhosa
que você correspondera aos meus carinhos. Sabia que não agiria assim com qualquer homem, então
calculei que você deveria gostar pelo menos um pouquinho de mim.
— Foi por isso que veio aqui hoje?
— Se eu não viesse, enlouqueceria. Eu sinto tanta saudade e penso tanto em você, que não
conseguia mais dormir. Mas tudo mudou quando soube o que você tinha dito para Charmine, pois
uma vez que afirmou que era minha amante, era porque devia ter pensado nisso, o que me deu mais
esperanças. A propósito, por que fez isso?
— Ela estava tão insuportável que tive vontade de irritá-la — admitiu Fennia. E rindo,
acrescentou: — De qualquer maneira, ela não é boa o suficiente para você.
Os olhos azuis de Jegar estavam sérios quando perguntou:
— E você é, Fennia?
Ela o encarou, não entendendo o que estava por detrás daquela pergunta. Mas Fennia não
estava atrás do dinheiro dele, como Charmine, e então respondeu com segurança:
— Eu acho que sim.
Ele pareceu satisfeito com a resposta, e a surpreendeu com outra pergunta:
— Então concorda que deveríamos nos casar?
Casar? O coração de Fennia disparou. Ele estaria brincando?
— Você sairia ganhando, eu suponho — respondeu ela, tentando parecer brincalhona. —
Como sabe, eu tenho um ótimo temperamento, a maior parte do tempo. Faço uma omelete deliciosa,
e naturalmente, tenho meu próprio dinheiro.
— Você tem seu próprio dinheiro? Não precisa trabalhar?
— Meu pai deixou-me uma pequena herança no ano passado. Bem, é uma quantia razoável
— confessou ela.
— Então está decidido — afirmou Jegar. — Você pode ficar com seu dinheiro, pois tenho o
suficiente para nós dois. Nós nos casaremos assim que os papéis estiverem prontos.
Fennia o olhou chocada, o coração disparado.
— Você está falando sério?
— Meu amor, nunca falei tão sério em toda a minha vida. Meu maior desejo é me casar com
você. E agora que você concordou...
— Eu... concordei?
— É claro que sim. Por favor diga que sim. Jegar parecia pensar que pairava alguma dúvida.
— Eu concordei — confirmou ela.
Jegar deu um grito de alegria, abraçou-a e beijou-a apaixonadamente. Por muito tempo ele
ficou ali, observando-a, e então, levantando uma das mãos de Fennia para beijá-la, disse:
— Você sabe, já lhe contei que acabei com todas as minhas amizades femininas...
Fennia não conteve a risada, sentia que o conhecia melhor a cada momento.
— Você quer que eu não fale mais com os meus amigos homens?
— Se você não se importar — concordou ele. — Isso será bom para aplacar alguns instintos
assassinos que ultimamente descobri em mim.
A expressão de Fennia era de surpresa, enquanto Jegar explicava:
— Eu organizei aquele jantar na minha casa para tentar me distanciar de você, quando
comecei a perceber o que estava acontecendo. Precisava saber se era normal eu querer tê-la em
meus braços o tempo todo.
— Você achou que com outras pessoas por perto, poderia dissipar seu desejo? — perguntou
Fennia.
— Por tudo que é mais sagrado nesse mundo, eu fiquei furioso quando Ross Armitage tentou
monopolizá-la. Não sei como consegui me conter quando o vi com você nos braços.
— Alguém tinha que ser civilizado — brincou Fennia.
— Foi o que disse a mim mesmo. Também não foi nada fácil quando vi Alford abraçá-la e
beijá-la com tanta intimidade. — Jegar esboçou um sorriso. — Você não vai mais vê-lo, eu espero.
— Jegar, eu não posso, Greville é...
— O que ele significa para você?
Fennia riu, e ele não gostou.
— Greville é o irmão que eu não tive — finalmente ela revelou. — Na verdade, ele é um
primo muito querido.
— Primo?
— Meio primo para ser mais exata — confirmou ela. — Quem eu chamaria para me socorrer
depois de ouvi-lo falar tantas coisas desagradáveis? Meu querido e leal amigo Greville, que
prazerosamente me levou para jantar.
— Se está tentando fazer com que eu me sinta culpado, conseguiu.
Fennia o beijou, e Jegar pareceu adorar aquela iniciativa. Mas então ele se afastou e
comentou:
— Eu quase nem consigo acreditar que você disse sim — murmurou ele.
Fennia riu.
— Greville pode ir ao nosso casamento?
— Contanto que você esteja lá, minha querida.
— Fen, você está absolutamente maravilhosa! — gritou Yancie enquanto ela e prima Astra
ajudavam com o vestido de noiva.
Fennia olhou-se no espelho e sorriu nervosa. Jegar não quisera esperar nem um minuto a
mais que o necessário para marcar o casamento. Fennia tivera então duas semanas agitadíssimas
com os preparativos. Havia o vestido de noiva, o de Astra que seria a dama de honra, e o de Yancie,
que seria a madrinha.
— Estamos na hora? — perguntou Fennia. — Eu não quero me atrasar.
— Eu sei exatamente como você está se sentindo. — Yancie riu. — Mas, tendo em vista
como Jegar a olha quando estão juntos, eu diria que ele está preparado para esperar.
A porta então se abriu, e Fennia, esplêndida em seu vestido de noiva, viu o primo Greville
entrar.
— Prontas? Vocês estão lindas — disse ele para as primas, e então voltou-se para a noiva: —
E você está deslumbrante. Seu pai ficaria orgulhoso de você.
— Não fale desse jeito, assim vai nos fazer chorar — falou Astra em pânico e, engolindo em
seco, olhou para Fennia.
— Então vamos, Edward está esperando.
Astra e Yancie saíram, tocando de leve no ombro de Fennia.
— Nós nos veremos na igreja — disse Yancie, sorrindo.
Poucos minutos depois, Fennia foi para a igreja com Edward Cavendish, o homem que ela
ainda considerava como seu segundo pai. A cadeira de rodas na porta indicava que Marianne Todd
tinha feito progressos suficientes para poder entrar andando na igreja.
Fennia começou a ficar cada vez mais nervosa, as primas foram cuidar dos últimos detalhes.
A música enchia o ambiente, Fennia segurava firmemente o braço de Edward, e, com Yancie e
Astra seguindo-a, eles andaram vagarosamente pelo corredor da igreja.
Havia dois homens esperando por ela: um era Harvey Todd, que insistira que estava bem
para ser o padrinho, e o outro era Jegar, o homem que Fennia amava de todo o coração.
E incapaz de esperá-la por mais tempo, Jegar aproximou-se antes mesmo de ela alcançá-lo.
No momento em que se olharam, os joelhos de Fennia tremeram.
— Graças a Deus que você está aqui. Esta manhã foi interminável — murmurou ele no
ouvido de Fennia.
— Para mim também — cochichou ela.
— Fennia, você está linda. — Ela sorriu com os olhos cheios de paixão, e, em seguida, o
padre começou a cerimônia.
Fennia tremia, então Jegar pegou sua mão, olhou-a carinhosamente quando trocaram os
votos, e somente então ela começou a se acalmar.
Quando já estavam fora da igreja e um lindo dia ensolarado os saudava, Jegar passou os
braços pela cintura de Fennia e a encarou.
— Está tudo bem agora, minha querida? — perguntou, com carinho, consciente do
nervosismo dela.
— Sim — sussurrou Fennia.
— Lembre-se sempre deste dia, sra. Urquart, porque você fez dele o dia mais feliz da minha
vida.
— Estou muito feliz também — respondeu ela, sorrindo para o marido, quando sentiu uma
pequena mão tocar a dela. Ali estava Lucie, os cabelos loiros cacheados brilhavam e na boca havia
um sorriso encantador.
— Beja Fenna — balbuciou ela, enquanto o tio a olhava.
Jegar não precisou pedir ajuda para interpretá-la desta vez e lhe obedeceu prontamente.
Aquilo tudo era um sonho, um sonho que se tornara realidade. Um homem que amava sua
esposa e uma mulher que amava seu marido. Um amor para sempre.

Fim

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