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Resumo

Em meados dos anos 80 surge, nas falas de estudiosos brasileiros, a palavra


"letramento", que visa diferenciar a alfabetização definida como ação de aprender
ou ensinar sujeitos a ler e escrever. O presente artigo aborda a diferença entre
alfabetização e letramento e a relevância que o termo tende ganhar no cenário
atual, onde a sociedade se apresenta cada vez mais centrada na escrita.

Palavras-chave:

Psicologia; Educação; Alfabetização; Letramento.

Desenvolvimento

O presente texto vem tentar expor e investigar um pouco mais o conceito, as


palavras e a importância da alfabetização e do letramento. Quais seus
significados, quais suas utilidades, como usar estes conceitos na prática? É
importante começar pela própria palavra alfabetização, com a qual já estamos
familiarizados, por ser uma palavra há tempos usada no cotidiano brasileiro e se
apresentar dicionarizada – ao contrário de letramento, que tem origem bastante
recente e, por isso, ainda se encontra fora dos dicionários. Alfabetização (alfabet +
izar + sufixo "ação" = ação) significa ação de alfabetizar (alfabet + sufixo "izar" =
tornar), que significa tornar "alfabeto". Depara-se aqui com uma curiosidade da
língua portuguesa: temos a forma negativa da palavra, ou seja, analfabeto, mas
não usamos a forma positiva, alfabeto, para designar seu antônimo. Alfabetização,
portanto, é o processo de tornar "alfabeto" ou alfabetizado, que é entendido na
língua portuguesa como aquele capaz de ler e escrever. O analfabeto ("a" = sufixo
de negação) seria aquele privado do alfabeto (alfa e beta, primeiras letras do
alfabeto grego e que equivaleria ao bê-á-bá), incapaz de ler e escrever. Como já
foi dito, a palavra letramento é bastante recente; de acordo com Soares (1999),
sua primeira aparição data de 1986, por Mary Kato no livro No mundo da escrita:
uma perspectiva psicolingüística (há registro da palavra há um século atrás, mas
com sentido bastante distinto do atual). É interessante perguntar, então, porque
criar ou re-criar a palavra letramento neste contexto. Verifica-se que esta criação
advém da necessidade do homem de nomear os fenômenos e objetos que
aparecem diante dele. Portanto, o que se percebe é que este fenômeno ou é um
fenômeno novo ou não se dava conta dele até o momento. A palavra letramento
foi buscada do inglês, "literacy", que designa "condição de ser letrado", tendo a
palavra letrado outro sentido daquele que vem tendo em português. Letramento,
portanto, vem designar o resultado da ação de "letrar-se" (sufixo "ento" = resultado
da ação), tornar-se letrado, que indicaria não só a faculdade de ler e escrever,
mas a habilidade de responder adequadamente às demandas sociais da leitura e
da escrita, fazendo uso freqüente e competente destas habilidades – o que
resultaria num envolvimento nas práticas sociais de escrita e leitura, provocando
no sujeito uma mudança no seu lugar social, no seu modo de pensar e viver e até
mesmo no uso de sua linguagem oral. Segundo Soares (1999), letramento seria a
apropriação da escrita, o que significa tornar-se própria, assumi-la como sua
propriedade. No Brasil, desde sua colonização tem-se o uso da palavra
analfabeto, pois desde este tempo nos deparamos com o fenômeno do
analfabetismo; mas só com a gradual mudança deste quadro (com a dita
alfabetização) é que um novo fenômeno se evidenciou, mostrando que não basta
aprender a ler e escrever, é preciso incorporar estas práticas e saber usá-las
numa sociedade cada vez mais grafocêntrica (centrada na escrita).

Verificando as diferenças entre alfabetização e letramento, vê-se que é possível


que um sujeito analfabeto, ou seja, que não sabe escrever, seja letrado, uma vez
que este conheça as funções da escrita e faça uso da mesma, por exemplo,
pedindo a um alfabetizado que leia ou redija uma carta, pergunte o que diz uma
bula de remédio, uma placa ou um aviso que encontre em seu caminho. Assim
como também é possível que um sujeito alfabetizado não seja letrado, ou seja,
sabe ler e escrever mas não cultiva nem exerce práticas de leitura e escrita. A
diferença entre o alfabetizado e o letrado é ainda muita imprecisa, pois letramento
diz da escrita e da leitura, sendo que os níveis de leitura e escrita podem variar
completamente, desde o mais rudimentar (a escrita e a leitura do próprio nome)
até os mais complexos usos destas habilidades (escrita e leitura de textos
acadêmicos, notícias e livros clássicos). Dentre estes níveis, pergunta-se até onde
o sujeito é alfabetizado, ou, a partir de onde ele é letrado? Esta pergunta vem
denunciar a imprecisão do termo letramento e sua definição ainda precária devido
a seu uso ainda muito recente. Esta imprecisão traz outros questionamentos,
como a avaliação dos índices de analfabetismo do país. Como calcular o
analfabetismo e como calcular o letramento? Nos países de primeiro mundo,
encontra-se, muitas vezes, altos índices de analfabetismo, mas o fato é que se
traduz o que eles denominam de letramento como analfabetismo, que quase não
existe nestes países.

Fica bastante claro, desta forma, a importância do termo letramento, da utilização


efetiva da escrita e da leitura para os cidadãos de um país e, para isso, se faz
necessário criar condições adequadas para este processo de alfabetização e
letramento concomitantemente. Vê-se aí a necessidade de escolas e meios de
educação adequados para o ensinamento da escrita e da leitura, como também
disponibilidade de material que pudesse inserir o sujeito no contexto das práticas
sociais de leitura e escrita, fazendo com que este se aproprie de fato destas
habilidades tão relevantes na sociedade atual, o que abre espaço para novas
discussões de educação, escola, pedagogia e psicologia no processo de formação
de indivíduos do país.

Referência Bibliográfica:

SOARES, Magda. O que é Letramento e Alfabetização? Escola e Escrita. n. 1, p.


4-25, julho 1999.
"LETRAR É MAIS QUE ALFABETIZAR"

Magda Soares

No início dos anos 90, começaram a surgir os ciclos básicos de


alfabetização, em vários estados; mais recentemente, a própria lei [Lei de
Diretrizes e Bases, de 1996] criou os ciclos na organização do ensino. Isso
significa que, pelo menos no que se refere ao ciclo inicial, o sistema de ensino e
as escolas passam a reconhecer que alfabetização, entendida apenas como a
aprendizagem da mecânica do ler e do escrever e que se pretendia que fosse feito
em um ano de escolaridade, nas chamadas classes de alfabetização, é
insuficiente. Além de aprender a ler e a escrever, a criança deve ser levada ao
domínio das práticas sociais de leitura e de escrita. Também os procedimentos
didáticos de alfabetização acompanham essa nova concepção: os antigos
métodos e as antigas cartilhas, baseados no ensino de uma mecânica
transposição da forma sonora da fala à forma gráfica da escrita, são substituídos
por procedimentos que levam as crianças a conviver, experimentar e dominar as
práticas de leitura e de escrita que circulam na nossa sociedade tão centrada na
escrita.
Em uma sociedade constantemente em mudanças, é preciso que o
indivíduo desenvolva integralmente suas capacidades, que amplie e aprofunde
seus universos de conhecimento e que, além de aprender a resolver problemas
numa sociedade em mudanças, aprenda a aprender. Mas o ponto de partida é,
sem dúvida, o domínio dos princípios do sistema de escrita no meio em que vive.
Para que a transformação do indivíduo em cidadão se efetive, é necessário que
ele apresente um bom desempenho comunicativo, ou seja, leia
compreensivamente, escreva o que for necessário para sua atuação social e seja
capaz de julgar o que lê e escreve, por que lê e escreve e principalmente para que
lê e escreve.
O letramento é a conquista das diversas linguagens das diversas áreas do
conhecimento humano. É o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e
escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na
sociedade em que vive: sabe ler e lê jornais, revistas, livros; sabe ler e interpretar
tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas contas de água, luz,
telefone; sabe escrever e escreve cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade,
sabe preencher um formulário, sabe redigir um ofício, um requerimento. São
exemplos das práticas mais comuns e cotidianas de leitura e escrita; muitas outras
poderiam ser citadas.
A alfabetização é entendida como a aquisição do domínio de um saber
técnico que demanda trabalho especializado e específico. É o estado de quem
sabe ler e escrever.
Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma
criança letrada, tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de
escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em
diferentes contextos e circunstâncias. Se a criança não sabe ler, mas pede que
leiam histórias para ela, ou finge estar lendo um livro, se não sabe escrever, mas
faz rabiscos dizendo que aquilo é uma carta que escreveu para alguém, é letrada,
embora analfabeta, porque conhece e tenta exercer, no limite de suas
possibilidades, práticas de leitura e de escrita.
Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a
escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita:
substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais,
enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando
situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos.
Pode-se dizer que o processo começa bem antes de seu processo de
alfabetização: a criança começa a "letrar-se" a partir do momento em que nasce
numa sociedade letrada. Rodeada de material escrito e de pessoas que usam a
leitura e a escrita - e isto tanto vale para a criança das camadas favorecidas como
para a das camadas populares, pois a escrita está presente no contexto de ambas
-, as crianças, desde cedo, vão conhecendo e reconhecendo práticas de leitura e
de escrita. Nesse processo, vão também conhecendo e reconhecendo o sistema
de escrita, diferenciando-o de outros sistemas gráficos (de sistemas icônicos, por
exemplo), descobrindo o sistema alfabético, o sistema ortográfico. Quando chega
à escola, cabe à educação formal orientar metodicamente esses processos, e,
nesse sentido, a Educação Infantil é apenas o momento inicial dessa orientação.
A alfabetização, no sentido que atribuí a essa palavra, é que se concentra nos
primeiros anos de escolaridade. Concentra-se aí, mas não ocorre só aí: por toda a
vida escolar os alunos estão avançando em seu domínio do sistema ortográfico.
Aliás, um adulto escolarizado, quando vai ao dicionário, resolver dúvida sobre a
escrita de uma palavra está retomando seu processo de alfabetização. Mas esses
procedimentos de alfabetização tardia são esporádicos e eventuais, ao contrário
do letramento, que é um processo que se estende por todos os anos de
escolaridade e, mais que isso, por toda a vida.
Nos dias de hoje, em que as sociedades do mundo inteiro estão cada vez
mais centradas na escrita, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever, tem se
revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas
contemporâneas. É preciso ir além da simples aquisição do código escrito, é
preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se da função social
dessas duas práticas; é preciso letrar-se.
Em suma, alfabetização e letramento se somam. Ou melhor, a
alfabetização é um componente do letramento. Considerando que é um risco o
que se vem fazendo, repetindo-se que alfabetização não é apenas ensinar a ler e
a escrever, desmerecendo assim, de certa forma, a importância de ensinar a ler e
a escrever. É verdade que esta é uma maneira de reconhecer que não basta
saber ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, pode levar também a perder-se a
especificidade do processo de aprender a ler e a escrever, entendido como
aquisição do sistema de codificação de fonemas e decodificação de grafemas,
apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua, aquisição que é
necessária, mais que isso, é imprescindível para a entrada no mundo da escrita.
Um processo complexo, difícil de ensinar e difícil de aprender, por isso é
importante que seja considerado em sua especificidade. Mas isso não quer dizer
que os dois processos, alfabetização e letramento, sejam processos distintos; na
verdade, não se distinguem, deve-se alfabetizar letrando .
-
A proposta educacional a que se propõe o MAXXI Educacional está sustentada
em quatro pilares básicos:
A centralidade das intenções educativas está na formação do homem onde o
conhecimento acadêmico trabalhado é um meio para tal. O aprender a aprender
é prioridade.
A alfabetização é entendida como a aquisição do domínio de um saber técnico
que demanda trabalho especializado e específico.
O letramento é a conquista das diversas linguagens das diversas áreas do
conhecimento humano.
É de fundamental importância a apropriação adequada das tecnologias como
recursos indispensáveis à gestão de cidadania competente.
Para o bom desenvolvimento da escola é imprescindível um bom Programa de
Desenvolvimento Profissional e Institucional contínuo e permanente de todos
que nela atuam.

e a cartilha é um tipo de leitura tão bom, por que não há uma entre os livros de
sua estante?" A pergunta, feita pela alfabetizadora Mariá Ferreira dos Santos a um
pai que não concordava com a substituição do tradicional livro didático por textos
variados, o deixou sem resposta. Parcialmente vencido, ele deu um voto de
confiança à professora da Escola Estadual Almirante Barroso, em São Paulo.
Meses depois, totalmente rendido, parabenizou-a agradecido por ter alfabetizado
a filha tão rapidamente. Quando a história aconteceu, Mariá estava estreando
essa metodologia de trabalho, mas já tinha plena consciência de que não basta
ensinar os códigos de leitura e escrita, como relacionar os sons às letras. É
preciso tornar os estudantes capazes de compreender o significado dessa
aprendizagem, para usá-la no dia-a-dia de forma a atender às exigências da
própria sociedade. Em outras palavras, promover o letramento.

Hoje, nove anos depois, Mariá é especialista em transformar isso em realidade.


Na sala de aula, o que não falta é material escrito. Livros, são mais de mil. Mas há
também jornais, revistas, gibis, folhetos de propaganda, novenas, anúncios de
cartomantes, receitas. Enfim, tudo o que possa servir para garantir que o primeiro
tijolo da grande construção da cidadania fique bem assentado. "Enquanto ainda
não sabem ler, leio tudo para as crianças", conta ela. O resultado desse esforço é
visível. "No final do primeiro semestre, meus 35 alunos, de 6 e 7 anos, estavam
lendo e escrevendo", comemora. Dia após dia, Mariá ensina que há muitos jeitos
de usar a técnica que eles recém-aprenderam. Em junho, a garotada leu com a
professora o manual de instruções do rádio que ela levou para a classe. E cada
novo jogo só começa depois que as regras (sempre impressas, certo?) forem
devidamente decifradas.
Infelizmente, essa não é a rotina nas escolas brasileiras. De modo geral, o que
mais se vê é a preocupação de fazer os estudantes decodificarem a língua. E só.
Muitas agem assim por acreditar que, num passe de mágica, todos se tornem
capazes de compreender os textos de um livro de Ciências Naturais ou de
descobrir o melhor jeito de localizar um endereço no mapa. "Isso é um erro",
resume Magda Soares, professora da Faculdade de Educação e membro do
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas
Gerais. "Não é porque os processos de alfabetização e de letramento são
diferentes que devem ser sucessivos. O ideal é alfabetizar letrando."

Só o avanço contínuo impede que a criança chegue à 4a ou à 5a série sem saber


ler nem escrever. Até porque alfabetizar de verdade é bom também para o
professor. "Quem conhece o processo de aprendizagem e sabe encaminhar as
propostas de ensino alcança resultados sempre próximos de 100%", confirma
Rosaura Soligo, coordenadora geral do Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores do Ministério da Educação, oferecido em parceria com secretarias
de Educação, universidades e organizações não-governamentais.

Se você acha um sonho impossível que todos os alunos aprendam, é melhor


repensar alguns conceitos. Não há pesquisador em educação que aceite a
exclusão "natural" de algumas crianças. Todos podem aprender. Sem exceção. A
professora Valéria Scorsafava comprovou isso no ano passado, quando
alfabetizou uma turma de 4a série com 34 jovens entre 9 e 13 anos — vários dos
quais se consideravam fracassados incorrigíveis. A classe foi formada pela Escola
Municipal de Ensino Fundamental Comandante Gastão Moutinho, em São Paulo,
especialmente para servir de referência e mostrar que não nascemos inteligentes,
mas podemos ficar aprendendo.

Entrevista com Magda Becker Soares.

Nos dias de hoje, em que as sociedades do mundo inteiro estão cada vez mais
centradas na escrita, ser alfabetizado, isto é, saber ler eescrever, tem se revelado
condição insuficiente para responder adequadamente às demandas
contemporâneas. É preciso ir além da simples aquisição do código escrito, é
preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se da função social
dessas duas práticas; é preciso letrar-se. O conceito de letramento, embora ainda
não registrado nos dicionários brasileiros, tem seu aflorar devido à insuficiência
reconhecida do conceito de alfabetização. E, ainda que não mencionado, já está
presente na escola, traduzido em ações pedagógicas de reorganização do ensino
e reformulação dos modos de ensinar, como constata a professora Magda Becker
Soares, que, há anos, vem se debruçando sobre esse conceito e sua prática.

"A cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de escrita,


não só na chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela, com os
meios eletrônicos", diz Magda, professora emérita da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). "Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro,
uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de
escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada", explica. Para ela, em
sociedades grafocêntricas como a nossa, tanto crianças de camadas favorecidas
quanto crianças das camadas populares convivem com a escrita e com práticas
de leitura e escrita cotidianamente, ou seja, vivem em ambientes de letramento.

"A diferença é que crianças das camadas favorecidas têm um convívio


inegavelmente mais freqüente e mais intenso com material escrito e com práticas
de leitura e de escrita", diz. "É prioritário propiciar igualmente a todos o acesso ao
letramento, um processo de toda a vida".

(ELIANE BARDANACHVILI)

- O que levou os pesquisadores ao conceito de "letramento", em lugar do de


alfabetização?

- A palavra letramento e, portanto, o conceito que ela nomeia entraram


recentemente no nosso vocabulário. Basta dizer que, embora apareça com
freqüência na bibliografia acadêmica, a palavra não está ainda nos dicionários.
Há, mesmo, vários livros que trazem essa palavra no título. Mas ela não foi ainda
incluída, por exemplo, no recente Michaelis, Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa , de 1998, nem na nova edição do Aurélio, o Aurélio Século XXI ,
publicado em 1999. É preciso reconhecer também que a palavra não foi
incorporada pela mídia ou mesmo pelas escolas e professores. É ainda uma
palavra quase só dos "pesquisadores", como bem diz a pergunta. O mesmo não
acontece com o conceito que a palavra nomeia, porque ele surge como
conseqüência do reconhecimento de que o conceito de alfabetização tornou-se
insatisfatório.

- Por quê?

- A preocupação com um analfabetismo funcional [terminologia que a Unesco


recomendara nos anos 70, e que o Brasil passou usar somente a partir de 1990,
segundo a qual a pessoa apenas sabe ler e escrever, sem saber fazer uso da
leitura e da escrita], ou com o iletrismo, que seria o contrário de letramento, é um
fenômeno contemporâneo, presente até no Primeiro Mundo.

- E como isso ocorre?

- É que as sociedades, no mundo inteiro, tornaram-se cada vez mais centradas na


escrita. A cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de
escrita, não só na chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela,
com os meios eletrônicos, que, ao contrário do que se costuma pensar, utilizam-se
fundamentalmente da escrita, são novos suportes da escrita. Assim, nas
sociedades letradas, ser alfabetizado é insuficiente para vivenciar plenamente a
cultura escrita e responder às demandas de hoje.

- Qual tem sido a reação a esse fenômeno lá fora?

- Nos Estados Unidos e na Inglaterra, há grande preocupação com o que


consideram um baixo nível de literacy da população, e, periodicamente, realizam-
se testes nacionais para avaliar as habilidades de leitura e de escrita da população
adulta e orientar políticas de superação do problema. Outro exemplo é a França.
Os franceses diferenciam illettrisme muito claramente illettrisme de
analphabétisme . Este último é considerado problema já vencido, com exceção
para imigrantes analfabetos em língua francesa. Já illettrisme surge como
problema recente da população francesa. Basta dizer que a palavra illettrisme só
entrou no dicionário, na França, nos anos 80. Em Portugal é recente a
preocupação com a questão do letramento, que lá ganhou a denominação de
literacia, numa tradução mais ao pé da letra do inglês literacy .

- O que explica o aparecimento do conceito de letramento entre nós?

- Não se trata propriamente do aparecimento de um novo conceito, mas do


reconhecimento de um fenômeno que, por não ter, até então, significado social,
permanecia submerso. Desde os tempos do Brasil Colônia, e até muito
recentemente, o problema que enfrentávamos em relação à cultura escrita era o
analfabetismo, o grande número de pessoas que não sabiam ler e escrever.
Assim, a palavra de ordem era alfabetizar. Esse problema foi, nas últimas
décadas, relativamente superado, vencido de forma pelo menos razoável. Mas a
preocupação com o letramento passou a ter grande presença na escola, ainda
que sem o reconhecimento e o uso da palavra, traduzido em ações pedagógicas
de reorganização do ensino e reformulação dos modos de ensinar.

- Como o conceito de letramento, mesmo sem que se utilize este termo, vem
sendo levado à prática?

-- Como se poderia, então, definir letramento?

- Letramento é, de certa forma, o contrário de analfabetismo. Aliás, houve um


momento em que as palavras letramento e alfabetismo se alternavam, para
nomear o mesmo conceito. Ainda hoje há quem prefira a palavra alfabetismo à
palavra letramento - eu mesma acho alfabetismo uma palavra mais vernácula que
letramento, que é uma tentativa de tradução da palavra inglesa literacy , mas
curvo-me ao poder das tendências lingüísticas, que estão dando preferência a
letramento. Analfabetismo é definido como o estado de quem não sabe ler e
escrever; seu contrário, alfabetismo ou letramento, Ou seja: letramento é o estado
em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas
sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive: sabe ler e lê
jornais, revistas, livros; sabe ler e interpretar tabelas, quadros, formulários, sua
carteira de trabalho, suas contas de água, luz, telefone; sabe escrever e escreve
cartas, bilhetes, telegramas sem dificuldade, sabe preencher um formulário, sabe
redigir um ofício, um requerimento. São exemplos das práticas mais comuns e
cotidianas de leitura e escrita; muitas outras poderiam ser citadas.

- Ler e escrever puramente tem algum valor, afinal?

- Alfabetização e letramento se somam. Ou melhor, a alfabetização é um


componente do letramento. Considero que é um risco o que se vinha fazendo, ou
se vem fazendo, repetindo-se que alfabetização não é apenas ensinar a ler e a
escrever, desmerecendo assim, de certa forma, a importância de ensinar a ler e a
escrever. É verdade que esta é uma maneira de reconhecer que não basta saber
ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, pode levar também a perder-se a
especificidade do processo de aprender a ler e a escrever, entendido como
aquisição do sistema de codificação de fonemas e decodificação de grafemas,
apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua, aquisição que é
necessária, mais que isso, é imprescindível para a entrada no mundo da escrita.
Um processo complexo, difícil de ensinar e difícil de aprender, por isso é
importante que seja considerado em sua especificidade. Mas isso não quer dizer
que os dois processos, alfabetização e letramento, sejam processos distintos; na
verdade, não se distinguem, deve-se alfabetizar letrando .

- De que forma?

- Se alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita,


letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita. Uma
criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada
(tomando este adjetivo no campo semântico de letramento e de letrar, e não com
o sentido que tem tradicionalmente na língua, este dicionarizado) é uma criança
que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de
diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes
contextos e circunstâncias. Se a criança não sabe ler, mas pede que leiam
histórias para ela, ou finge estar lendo um livro, se não sabe escrever, mas faz
rabiscos dizendo que aquilo é uma carta que escreveu para alguém, é letrada,
embora analfabeta, porque conhece e tenta exercer, no limite de suas
possibilidades, práticas de leitura e de escrita. Alfabetizar letrando significa
orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com
práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais
cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que
circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e
significativas práticas de produção de textos.

- O processo de letramento ocorre, então, mesmo entre crianças bem pequenas...

- Pode-se dizer que o processo começa bem antes de seu processo de


alfabetização: a criança começa a "letrar-se" a partir do momento em que nasce
numa sociedade letrada. Rodeada de material escrito e de pessoas que usam a
leitura e a escrita - e isto tanto vale para a criança das camadas favorecidas como
para a das camadas populares, pois a escrita está presente no contexto de ambas
-, as crianças, desde cedo, vão conhecendo e reconhecendo práticas de leitura e
de escrita. Nesse processo, vão também conhecendo e reconhecendo o sistema
de escrita, diferenciando-o de outros sistemas gráficos (de sistemas icônicos, por
exemplo), descobrindo o sistema alfabético, o sistema ortográfico. Quando chega
à escola, cabe à educação formal orientar metodicamente esses processos, e,
nesse sentido, a Educação Infantil é apenas o momento inicial dessa orientação.

- O processo de letramento ocorre durante toda a vida escolar?

- A alfabetização, no sentido que atribuí a essa palavra, é que se concentra nos


primeiros anos de escolaridade. Concentra-se aí, mas não ocorre só aí: por toda a
vida escolar os alunos estão avançando em seu domínio do sistema ortográfico.
Aliás, um adulto escolarizado, quando vai ao dicionário, resolver dúvida sobre a
escrita de uma palavra está retomando seu processo de alfabetização. Mas esses
procedimentos de alfabetização tardia são esporádicos e eventuais, ao contrário
do letramento, que é um processo que se estende por todos os anos de
escolaridade e, mais que isso, por toda a vida. Eu diria mesmo que o processo de
escolarização é, fundamentalmente, um processo de letramento.

- Em qualquer disciplina?

- Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos


aprendem através de práticas de leitura e de escrita: em História, em Geografia,
em Ciências, mesmo na Matemática, enfim, em todas as disciplinas, os alunos
aprendem lendo e escrevendo. É um engano pensar que o processo de
letramento é um problema apenas do professor de Português: letrar é função e
obrigação de todos os professores. Mesmo porque em cada área de
conhecimento a escrita tem peculiaridades, que os professores que nela atuam é
que conhecem e dominam. A quantidade de informações, conceitos, princípios,
em cada área de conhecimento, no mundo atual, e a velocidade com que essas
informações, conceitos, princípios são ampliados, reformulados, substituídos, faz
com que o estudo e a aprendizagem devam ser, fundamentalmente, a
identificação de ferramentas de busca de informação e de habilidades de usá-las,
através de leitura, interpretação, relacionamento de conhecimentos. E isso é
letramento, atribuição, portanto, de todos os professores, de toda a escola.

- Mas seria maior a responsabilidade do professor de Português?

- É claro que o professor de Português tem uma responsabilidade bem mais


específica com relação ao letramento: enquanto este é um "instrumento" de
aprendizagem para os professores das outras áreas, para o professor de
Português ele é o próprio objeto de aprendizagem, o conteúdo mesmo de seu
ensino.

- Muitos pais reclamam do fato de, hoje, os grandes textos de literatura, nos livros
didáticos, darem lugar a letras de música, rótulos de produtos, bulas de remédio.
O que essa ênfase nos textos do dia-a-dia tem de positivo e o que teria de
negativo?

- É verdade que o conceito de letramento, bem como a nova concepção de


alfabetização que decorre dele e também das teorias do construtivismo que
chegaram ao campo da educação e do ensino nos anos 80, trouxeram um certo
exagero na utilização de diferentes gêneros e diferentes portadores de texto na
sala de aula. É realmente lamentável que os textos literários, até pouco tempo
atrás exclusivos nas aulas de Português, tenham perdido espaço. É preciso não
esquecer que, exatamente porque a literatura tem, lamentavelmente, no contexto
brasileiro, pouca presença na vida cotidiana dos alunos, cabe à escola dar a eles
a oportunidade de conhecê-la e dela usufruir. Por outro lado, tem talvez faltado
critério na seleção dos gêneros. Por exemplo: parece-me equivocado o trabalho
com letras de música, que perdem grande parte de seu significado e valor se
desvinculadas da melodia: é difícil apreciar plenamente uma canção de Chico
Buarque ou de Caetano Veloso lendo a letra da canção como se fosse um poema,
desligada ela da música que é quem lhe dá o verdadeiro sentido e a plena
expressividade. Parece óbvio que devem ser priorizados, para as atividades de
leitura, os gêneros que mais freqüentemente ou mais necessariamente são lidos,
nas práticas sociais, e, para as atividades de produção de texto, os gêneros mais
freqüentes ou mais necessários nas práticas sociais de escrita. Estes não
coincidem inteiramente com aqueles, já que há gêneros que as pessoas lêem,
mas nunca ou raramente escrevem, e há gêneros que as pessoas não só lêem,
mas também escrevem. Por exemplo: rótulos de produtos são textos que devemos
aprender a ler, mas certamente não precisaremos aprender a escrever. Assim, a
adoção de critérios bem fundamentados para selecionar quais gêneros devem ser
trabalhados em sala de aula, para a leitura e para a produção de textos, afastará
os aspectos negativos que uma invasão excessiva e indiscriminada de gêneros e
portadores sem dúvida tem.

- A condução do processo de letramento difere, no caso de se lidar com uma


criança de classe mais favorecida ou com uma de classe popular?

- Em sociedades grafocêntricas como a nossa, tanto crianças de camadas


favorecidas quanto crianças das camadas populares convivem com a escrita e
com práticas de leitura e escrita cotidianamente, ou seja, umas e outras vivem em
ambientes de letramento. A diferença é que crianças das camadas favorecidas
têm um convívio inegavelmente mais freqüente e mais intenso com material
escrito e com práticas de leitura e de escrita do que as crianças das camadas
populares, e, o que é mais importante, essas crianças, porque inseridas na cultura
dominante, convivem com o material escrito e as práticas que a escola valoriza,
usa e quer ver utilizados. Dois aspectos precisam, então, ser considerados: de um
lado, a escola deve aprender a valorizar também o material escrito e as práticas
de leitura e de escrita com que as crianças das camadas populares convivem; de
outro lado, a escola deve dar oportunidade a essas crianças de ter acesso ao
material escrito e às práticas da cultura dominante. Da mesma forma, a escola que
serve às camadas dominantes deve dar oportunidade às crianças dessas
camadas de conhecer e usufruir da cultura popular, tendo acesso ao material
escrito e às práticas dessa cultura.

- Como deve ser a preparação do professor para que ele "letre"? Em que esse
preparo difere daquele que o professor recebe hoje?

- Entendendo a função do professor, de qualquer nível de escolaridade, da


Educação Infantil à educação pós-graduada, como uma função de letramento dos
alunos em sua área específica, o professor precisa, em primeiro lugar, ser ele
mesmo letrado na sua área de conhecimento: precisa dominar a produção escrita
de sua área, as ferramentas de busca de informação em sua área, e ser um bom
leitor e um bom produtor de textos na sua área. Isso se refere mais
particularmente à formação que o professor deve ter no conteúdo da área de
conhecimento que elegeu. Mas é preciso, para completar uma formação que o
torne capaz de letrar seus alunos, que conheça o processo de letramento, que
reconheça as características e peculiaridades dos gêneros de escrita próprios de
sua área de conhecimento. Penso que os cursos de formação de professores, em
qualquer área de conhecimento, deveriam centrar seus esforços na formação de
bons leitores e bons produtores de texto naquela área, e na formação de
indivíduos capazes de formar bons leitores e bons produtores de textos naquela
área.

(Jornal do Brasil - 26/11/2000)

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Existem duas maneiras de se ensinar a leitura e a escrita. A primeira maneira é a


Alfabetização Restringida e a segunda de Alfabetização Generalizada. A primeira
geralmente vem associada a aprendizagem do ensino do código alfabético e a
outra está mais associada aos usos socias deste código. Na Alfabetização
Restringida o ato de ler e escrever é concebido como um processo de aquisição
de habilidades para decifrar o código alfabético e a outra está mais associada aos
usos sociais deste código. Ao optarmos pela alfabetização generalizada, optamos
por uma escrita que é vista como um ato inteligente, que consiste na compreensão
da natureza desta escrita e de modos como é usada na nossa sociedade. Já a
leitura é concebida como um ato que tem significado, que é muito diferente da
decifração. Optamos pela Alfabetização Generalizada porque não desejamos
formar apenas indivíduos que saibam decifrar o código. Queremos formar sim,
como é explicitado na Filosofia Educacional da Escola Monteiro Lobato, indivíduos
autônomos e participantes e que possam contribuir com seus questionamentos
para uma sociedade mais humana, mais justa, mais consciente e mais culta. Para
isto o grande desafio é tornar possível a descoberta e a utilização da leitura e
escrita como um instrumento de reflexão sobre o próprio pensamento e como um
recurso para organizar e reorganizar o pensamento. Uma ferramenta essencial
para o progresso cognitivo e para o desfrute pessoal. Pesquisas têm mostrado
que crianças que vivem em ambientes onde a leitura e a escrita estão presentes,
apresentam um grau de letramento (entende-se aqui como grau de letramento o
conhecimento sobre os vários usos sociais da escrita) maior do que as que não
vivem nas mesmas condições, por isto a importância da escola instrumentalizar-se
para ser mais um veículo deste letramento. Isto vem justificar o porquê da adoção
de textos de diversas modalidades e de variadas funções sociais, substituindo os
textos cartilhescos, desprovidos de significado e com a única função de
automatizar a decifração do código alfabético. Estes textos são os veículos que
utilizamos para levar as crianças a refletirem e compreenderem a natureza e o
modo de construção das palavras, além de servirem de bons modelos de escrita,
tanto no que se refere ao estilo, quanto às diversas funções a eles atribuídas.

A construção de um pacto pela alfabetização e educação de jovens e adultos


ao longo da vida

Rosemeire Selma Monteiro - Universidade Federal do Ceará

meire@ufc.br

A tarefa que me coube nessa mesa foi a de falar sobre como construir um
pacto pela alfabetização e educação de jovens e adultos ao longo da vida. A
construção de um pacto não é uma tarefa complicada, uma vez que pacto,
significa contrato, convenção, acordo. Todavia, cabe dizer que um pacto enseja
também a idéia de concessão. Já que, em certa medida, alguém precisa ceder, ou
arcar com o ônus da empreitada.

Se a questão central é o como construir esse pacto, cabe apontar quem


seriam os pactuantes e qual a parcela de investimento de cada um em prol desse
pacto. É importante assinalar que investimento aqui não se refere exclusivamente
a investimento financeiro, mas também à criação e disponibilização de recursos
materiais, espaço físico e temporal, e ainda a investimento pessoal por parte da
população diretamente atingida pelas ações decorrentes do pacto.

Posto isso, o pacto poderia ser realizado na forma de um tripé em que os


pactuantes seriam as instituições de ensino, os empresários e os trabalhadores,
ou candidatos ao mercado de trabalho. Porém, se a construção do pacto é tarefa
relativamente simples, o mesmo não se pode dizer da manutenção da estrutura a
ser implementada e das implicações sociais e econômicas decorrentes desse
pacto.

Sob o ponto de vista do sujeito não-escolarizado, o acesso à alfabetização


e à educação continuada pode parecer um passaporte para uma vida melhor, o
que nem sempre se consolida. Ou seja, o analfabetismo, embora seja um
gravíssimo problema, não é o responsável por todas as mazelas que o nosso país
enfrenta.

O analfabetismo é um problema sim, mas não é o problema. Aliado a ele


está a má distribuição de renda, a luta desigual das classes e, também, o
predomínio de uma elite predadora que demarca seu território ainda segundo as
leis de Darwin. Na realidade, falta solidariedade no sentido mais amplo do termo.

É preciso também que se invista maciçamente em programas de educação


infantil de qualidade, com valorização efetiva dos professores, principalmente das
séries iniciais, para que possamos encerrar, um dia, o programa de alfabetização
de adultos.

O que estou querendo dizer é que qualquer pacto que venha a ser
construído deve levar em conta um cronograma viável para a erradicação total do
analfabetismo. Seja esse programa de dez ou de quinze anos. É preciso delimitar
um tempo para que essa agenda se cumpra.

É necessário também elaborar uma pauta para a melhoria da qualidade de


vida da população. Como priorizar a educação ao longo da vida, sem garantir o
acesso a bens básicos como alimentação, saúde, saneamento básico, luz elétrica,
meios de transporte e de comunicação?

Parto nesta conferência do pressuposto de que não é domínio da escrita que


impulsiona o desenvolvimento tecnológico, mas o de que os indivíduos que fazem
um uso funcional da escrita podem desempenhar diferentes papéis nessa
sociedade e contribuir sobremaneira para o desenvolvimento social e econômico.

O que estou chamando de uso funcional da escrita diz respeito tanto quanto
à habilidade no uso desta modalidade de linguagem, para ler e escrever, de
acordo com as exigências da sociedade em que o indivíduo está inserido, quanto
como em relação à quantidade e qualidade de material impresso que circula entre
os indivíduos dessas sociedades.

A preocupação com a alfabetização para todos, independentemente da


classe social a que o indivíduo pertença, desde o século XIX, tem sido
preconizada em diversos países, na forma de uma educação pública, universal e
gratuita.

Mas afinal, quando uma pessoa pode ser considerada alfabetizada, quais
os critérios para esta avaliação?

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),


basta que o indivíduo responda sim à pergunta: “Sabe ler e escrever?” para ser
considerado alfabetizado. Já em alguns países da Europa, como na Bélgica, por
exemplo, é necessário ler um pequeno texto instrucional e seguir as instruções
nele presentes, sem a intervenção do entrevistador, ou compor um texto de
aproximadamente quinze linhas sobre seu cotidiano, com dados de sua vida tais
como: local de nascimento, estado civil, grau de instrução, ocupação, informações
sobre seu bairro etc..

Adoto aqui o critério segundo o qual, alfabetizado seria aquele capaz de


realizar as habilidades inerentes à alfabetização, quais sejam, a codificação e a
descodificação dos sistemas escritos, de maneira compreensiva e compreensível.

A alfabetização pode ser definida também sob uma perspectiva psicológica,


segundo a qual trata-se de um conjunto multifacetado de habilidades instrumentais
que envolvem processos mentais que operam na produção e compreensão de
textos.

A alfabetização passa, portanto, inevitavelmente pelo contato sistematizado


com o código escrito, o que pode ocorrer dentro ou fora do ambiente escolar, mas
que deve necessariamente fazer parte de um processo de aprendizagem.

Embora a alfabetização possa ocorrer fora do contexto escolar, é


incontestável que os sistemas escolares tornaram-se e permanecem o principal
caminho para essa efetivação e de demais objetivos sociais.

A escolarização pode ser considerada, portanto, como um processo de


ensino institucional e formal, cujo objetivo principal é possibilitar uma formação
integral aos indivíduos nele envolvidos.

Desta forma, a escolarização é importante não só como um espaço para


aprender a resolver problemas, mas também como um ambiente propício à
demonstração dos conhecimentos de forma sistematizada e em contextos
apropriados.

É certo que há duas maneiras básicas de se adquirir conhecimento, através


da experiência e através das linguagens. Vale lembrar que o conhecimento que se
adquire através das linguagens pode auxiliar o desenvolvimento de novos
conhecimentos cumulativamente.

Mas será que há um nível de escolarização suficiente? Cada sociedade


estabelece para si um nível de escolaridade suficiente para atender a
necessidades culturais e econômicas e, à medida em que há desenvolvimento
científico e tecnológico, este nível vai sendo alterado.

Para comprovar isto basta que relacionemos escolarização com distribuição


de renda, ou escolarização com mercado de trabalho, por exemplo. Dessa forma,
podemos considerar que o controle do nível de escolarização desejado em cada
sociedade é realizado através de políticas de alfabetização e escolarização.
Gostaria de mencionar um outro processo que vai além da alfabetização que
é o processo de letramento.

Conceituar letramento não é tarefa fácil, principalmente porque este processo


pode ser analisado sob as mais diversas perspectivas, para a discussão que
iniciaremos a seguir, letramento será tratado como um processo contínuo que
extrapola as questões de leitura e escrita, sendo, entretanto, impossível de
desenvolver-se em culturas sem escrita.

Tal decisão metodológica justifica-se porque é possível dizer que nas


sociedades onde circula material impresso não há grau zero de letramento, uma
vez que, mesmo os analfabetos teriam certo grau de letramento, devido à
exposição contínua, ainda que não sistematizada, a materiais impressos
(cartazes, rótulos, placas de trânsito, letreiros de ônibus etc.).

Nesta perspectiva, o letramento seria permeado não só pela linguagem


escrita, mas principalmente por ela. Um alto grau de letramento seria aquele que
permitisse ao indivíduo transitar entre as práticas discursivas e os mais diversos
documentos impressos presentes em seu meio, tanto na recepção, quanto na
produção de material escrito.

Ser capaz de julgar para que lê e escreve é tarefa das mais complicadas,
principalmente porque nos obriga a analisar com criticidade o processo de
letramento por que passam as sociedades, processo esse que não é discreto mas
constitui um continuum que, de certa forma, nunca está concluído, em decorrência
principalmente das transformações tecnológicas e sociais que as sociedades vão
sofrendo.

Através da instrução formal, o indivíduo não apenas cumpre um dever, mas


adquire o direito de compreender e produzir a linguagem que a “elite dominante”
do país utiliza, com todas as marcas que esta linguagem possa ter.

O desenvolvimento de uma sociedade fica seriamente abalado quando


verificamos o imenso contingente de pessoas que, embora saibam “ler e
escrever”, não são capazes de apreender o conteúdo veiculado no texto escrito,
por vários motivos, que vão desde a construção de inferências inconsistentes, ou
sequer a construção de inferências, reveladas no desconhecimento do
vocabulário, até a incapacidade de contextualizar uma mensagem, passando pela
dificuldade em perceber um conteúdo metafórico, por exemplo.

Embora freqüentemente negligenciada, a distinção entre alfabetização,


letramento e escolarização é extremamente necessária. Contudo, o estudo do
letramento não deve diminuir a atenção para o estudo da alfabetização e da
escolarização, pois ambos contribuem também para a nossa “mente educada”. É
possível tratar essas variáveis separadamente uma vez que há não escolarizados
letrados
Há evidências que assinalam influências da escolarização sobre os
processos de memória e sobre os conhecimentos gerais dos indivíduos. Em
síntese, os processos da memória dos letrados são afetados por fatores como
conhecimento, experiência e processos organizacionais advindos da
escolarização.

É necessário que os programas de instrução para adultos levem em conta


as características cognitivas dos indivíduos. Convém destacar ainda que embora
seja perfeitamente possível a existência de letrados que não passaram pelos
bancos escolares, a escola continua sendo o espaço privilegiado para o
desenvolvimento do letramento.

Além disso, convém considerar que o desenvolvimento cognitivo encontra no


interior do processo de escolarização um ambiente fecundo para ocorrer.
Principalmente porque a instrução formal pode auxiliar os indivíduos a dominarem
conceitos científicos, a utilizarem a linguagem verbal para legitimar suas
experiências, dirimir conflitos e ter participação social. Para isso, entretanto, é
necessário que as práticas realizadas na escola sejam redimensionadas.

A construção de um pacto pela alfabetização e educação de jovens e


adultos, ao longo da vida, necessariamente precisa estar comprometida também
com o acesso a bens culturais essenciais para o desenvolvimento do indivíduo.

Portanto, dessa educação ao longo da vida deve fazer parte


necessariamente o acesso efetivo à literatura, à música, ao teatro, à dança, ao
cinema e a todas as demais manifestações culturais que a humanidade
desenvolveu ao longo dos tempos.

Bens culturais devem ser considerados essenciais ao desenvolvimento


humano e não privilégio apenas para os que se encontram no topo da pirâmide
social.

Convém lembrar que foi o surgimento da escrita que possibilitou o registro do


que chamamos de História, uma vez que, teoricamente, classifica-se como Pré-
Histórico tudo o que antedata a invenção da escrita. E ainda que desenvolvimento
das sociedades está intimamente ligado ao uso que os indivíduos dessas
sociedades fazem da escrita e do acesso aos bens culturais presentes nessas
sociedades.

Sendo assim, para que se tenha êxito na construção de um pacto pela


educação é necessário que cada um dos segmentos envolvidos, dentro de seu
campo de abrangência assuma:
o

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