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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS


CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO

GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO


DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A PROGRAMAÇÃO
PACTUADA E INTEGRADA (PPI) DO SUS-MG, 1997-98

Francisco Carlos Cardoso de Campos

Belo Horizonte

2000
Francisco Carlos Cardoso de Campos

GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO


DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: A PROGRAMAÇÃO
PACTUADA E INTEGRADA (PPI) DO SUS-MG, 1997-98

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em
Administração da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Administração.

Área de Concentração: Organizações e


Recursos Humanos
Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Maia Muniz

Belo Horizonte

2000
II
Dedico este trabalho a todos aqueles que abraçaram
a luta por um Sistema Nacional de Saúde público,
equânime e gratuito para todos os brasileiros, quando
todas as outras forças se orientavam para outra direção, e
a esta luta dedicam as suas vidas,

E a meu pai, Gabriel, e minha mãe, Alba, pelo apoio


e incentivo constantes...

III
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, ao combalido instituto da UNIVERSIDADE PÚBLICA E


GRATUITA e também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq - que, através da concessão de bolsa, permitiu minha dedicação
às atividades do Curso de Mestrado.
Minha gratidão não é menor a minha esposa, Crizelide, e a minha filha, Ana,
por suportarem, com relativa tolerância, minhas ausências durante esses três anos a
que me dediquei ao mestrado.
Ao meu orientador, Prof. Reynaldo Maia Muniz, a quem devo a sugestão do
tema desta dissertação e todo o desenvolvimento teórico sobre gestão
intergovernamental representado por sua pioneira tese de doutorado. Também, por
sua infinita paciência e tolerância com o aluno pouco disciplinado e por ter
transformado a difícil tarefa da orientação numa relação de amizade e confiança
pessoais.
Ao Dr. Edmundo Pereira Rodrigues, pela acolhida com que me honrou na
Coordenadoria de Oftalmologia Social da SES/MG e pela liberação e flexibilização
dos horários de trabalho, sempre que se fez necessário para o desempenho de
minhas atividades no mestrado e, mais ainda, pelo seu exemplo de persistência,
dedicação e entusiasmo na luta por reduzir a cegueira física e política dos mineiros.
A Suzana Maria Morais Miranda, Érica Shisleine Rezende Pinto Souza e
Regina Maria Morais Miranda, pelo diligente e árduo trabalho de transcrição das
entrevistas.
Ao Prof. Dr. Francisco Eduardo de Campos, Coordenador Geral do Núcleo de
Pesquisas em Saúde Coletiva e Nutrição – NESCON – da Faculdade de Medicina de
Universidade Federal de Minas Gerais, por franquear, gentilmente, a infra-estrutura
do Núcleo para a realização dos trabalhos da pesquisa.
Ao Prof. Dr. José Maria Malta Lima, pela zelosa e eficiente correção estilística
e gramatical do texto da Dissertação.
Finalmente, e em especial, a todos os meus colegas de turma, pela ótima
convivência e colaboração mútua, e aos professores e funcionários do CEPEAD, pela
sua dedicação e seriedade com que encaram seu trabalho.
A todos, meu muito obrigado.

IV
“Administrar um grande Estado é como preparar um
pequeno peixe”

(LAO TZÉ, no Tao Te King)

V
RESUMO
Os mecanismos de gestão intergovernamental (GIG) utilizados na negociação
dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento do Sistema Único de
Saúde (SUS) e do conflito redistributivo resultante foram analisados a partir de um
estudo de caso do processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI) ocorrido no
estado de Minas Gerais, Brasil, nos anos de 1997 e 1998.
A PPI 97/98 inseriu-se numa estratégia adotada pelo gestor estadual de
elevação dos volumes de recursos para o estado e de consolidação de um pacto
político com atores emergentes no cenário setorial em decorrência do próprio
movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A identidade de
interesses introduzida na instância de negociação formal (Comissão Intergestores
Bipartite) obrigou à negociação dos conflitos por outros canais. A ineficácia relativa
dos mecanismos de GIG no tratamento do conflito redistributivo no interior do setor
resultou na sua extrapolação para outras áreas do sistema político.
A partir de categorias analíticas construídas a partir da teoria existente sobre
Relações Intergovernamentais (RIG) e Gestão Intergovernamental (GIG), comprovou-
se a utilização de mecanismos semelhantes aos descritos por outros autores para
outros sistemas federativos. Ressalte-se a articulação em redes intergovernamentais,
com graus diferenciados de integração e continuidade dos contatos, decrescendo
desde o nível federal (sub-rede federal) em direção a estados e municípios (sub-rede
estadual). Os atores se relacionam com alto grau de informalidade, atuando à parte
das linhas de mando hierárquicas, com alto grau de autonomia e baixa necessidade
de coordenação vertical. Os conflitos de competência são marcantes, indicando a
persistência de uma fase de transição do modelo centralizado anterior. Mecanismos
de GIG conhecidos como mudança de procedimentos e controle de recursos são
freqüentemente utilizados. Observam-se também mecanismos específicos, que não
contradizem a teoria existente, como a retenção de metas, uma tática marcada pela
manipulação dos dados no processo de programação dos recursos de custeio, e o
camaleonismo de alguns atores, que mudam de postura e discurso conforme o locus
ocupado na rede.

Palavras-chave: relações intergovernamentais; gestão intergovernamental; redes


intergovernamentais; administração pública; financiamento de políticas sociais;
descentralização das políticas de saúde; Programação Pactuada e Integrada;
Sistema Único de Saúde.

VI
ABSTRACT

This study aims to analyze the mechanisms of Intergovernmental Management (IGM)


and their utilization in the definition of criteria for distribution of financial resources
among intergovernmental spheres in the Brazilian Unified Health System (Sistema
Único de Saúde). In order to deal with the resulting distributive conflict, a case study
was also analyzed. This case is about the so-called process of Integrated Pactuated
Programming – IPP (Programação Pactuada e Integrada – PPI) in the state of Minas
Gerais, Brazil, during 1997 and 1998. The IPP was part of a strategy adopted by state
health authorities as to increase the financial grants for the state level, thus
consolidating a political pact in this scenario. Emergent stakeholders are now a part of
such a pact in the health sector due to a decentralization process verified in the former
administration. Common political interests were brought to a formal negotiating sphere
(Comissão Intergestores Bipartite/Bipartite Managers Commission). Such a new
outcome obliged all interested parts to negotiate the existing conflicts by other informal
channels. The relative inefficacy of these IGM mechanisms to deal with a distributive
conflict in the sector led to an overshot point in other areas of the political system. The
analytical categories observed in this study were found in the intergovernmental
relations and management theory. The study identified similar mechanisms already
pointed out by some other authors concerning other federal systems. Another
important issue that was emphasized was the articulation resulting from different
continuing contacts (federal to state and state to municipalities) in the
intergovernmental network. Such a network has been established with differentiated
levels of integration. The relationships among the participants were observed in a high
level of informality acting apart from hierarchies, showing a high degree of autonomy
and a low vertical coordination need. A conflict of competence is pronounced
indicating a visible persistent transitional phase once compared to the former
centralized model. IGM mechanisms called change of procedures and resources
control are frequently used. Specific mechanisms which do not contradict the current
theory, like the so-called retention of goals in this study, a political tactic marked by
manipulation of data in the budgetary resources process and the chamaleonism of
some stakeholders that do change attitudes, behaviors and discourses according to
the locus where they start in this network, were also observed.
Keywords - Intergovernmental relations; intergovernmental management,
intergovernmental networks, public administration, social policy financing, health
policy, health systems, Sistema Único de Saúde, Programação Pactuada e Integrada.

VII
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 REFERENCIAL TEÓRICO 19
2.1 RELAÇÕES E GESTÃO INTERGOVERNAMENTAIS 19
2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO 22
2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS 26
2.4 MODELOS DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE NAS RIG 31
2.5 A GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL DE POLÍTICAS 33
2.6 COOPERAÇÃO E CONFLITO NA GESTÃO DAS POLÍTICAS 34

3 METODOLOGIA 37
3.1 TRABALHO DE CAMPO 42
3.1.1 SELEÇÃO DO "HOMEM - CHAVE" 42
3.1.2 AS ENTREVISTAS 43
3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS ADOTADAS 44
3.2.1 CATEGORIA : "INTERAÇÃO" 46
3.2.2 CATEGORIA "ARTICULAÇÃO EM REDE" 47
3.2.3 CATEGORIA "CAPACIDADE DE AÇÃO" 49
3.2.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇÃO" 50
3.2.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" 50
3.2.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS" 51
3.2.7 CATEGORIA "CONTROLE DOS RECURSOS" 51
3.2.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO" 52
3.2.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO" 52

4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 54
4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS 55
4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 59
4.2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DEPENDENTE E VINCULADA 59
4.2.2 OS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO CONTIDOS NA LEGISLAÇÃO 59
4.2.3 A REGULAMENTAÇÃO NEGOCIADA 63
4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS : SUA CONSTITUIÇÃO
E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO 69
4.3.1 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NÃO INSTITUCIONALIZADA 69
4.3.2 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NA CIB FORMALIZADA 72
4.3.3 A FASE DO CONFLITO ABERTO : 1995-1996 75
4.3.4 A FASE DA CIB HOMOGÊNEA: A EXTERIORIZAÇÃO DO CONFLITO PARA OUTRAS
DIMENSÕES DO SISTEMA POLÍTICO 78

VIII
5 RESULTADOS 80
5.1 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DA PPI 97/98 80
5.1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PPI 97/98 80
5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO AUMENTO DOS
RECURSOS 87
5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM NOVO PACTO
POLÍTICO 90
5.1.4 MUNICÍPIOS PEQUENOS CONTRA MUNICÍPIOS GRANDES: A EXPLORAÇÃO DAS
DESIGUALDADES 92
5.1.5 INSTRUMENTO DE PROGRAMAÇÃO AMBULATORIAL: A PLANILHA ELETRÔNICA 93
5.1.6 A PACTUAÇÃO DAS METAS ENTRE OS MUNICÍPIOS 95
5.1.7 AJUSTE FINAL DOS TETOS ORÇAMENTÁRIOS MUNICIPAIS 98
5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA APRESENTAÇÃO AO
MINISTÉRIO DA SÁUDE 102

6 OS MECANISMOS DE GIG: ANÁLISE PELAS CATEGORIAS ADOTADAS 104


6.1 CATEGORIA : "INTERAÇÃO" 104
6.1.1 A INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES : “A ÁRVORE E OS SEUS PASSARINHOS” 104
6.1.2 CAMALEONISMO DOS ATORES: MUDANÇAS DE POSTURA SEGUNDO A POSIÇÃO NA
REDE 106
6.2 A ARTICULAÇÃO EM REDE 108
6.2.1 A ESTRUTURA DA REDE INTERGOVERNAMENTAL 108
6.2.2 A SUB-REDE FEDERAL 108
6.2.3 AS SUB-REDES DOS ESTADOS 112
6.2.3.1 A DESARTICULAÇÃO NA SUB-REDE ESTADUAL: FALHAS NA INTERAÇÃO 119
6.2.4 MECANISMOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZADOS 121
6.2.5 A COORDENAÇÃO DA REDE 125
6.3 CATEGORIA “CAPACIDADE DE AÇÃO” 127
6.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇAO" 128
6.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" 129
6.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS" 138
6.7 CATEGORIA "CONTROLE DE RECURSOS" 140
6.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO" 144
6.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO" 148

7 CONCLUSÃO 152

8 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 156

9 RECOMENDAÇÕES DE NOVOS ESTUDOS 157

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14
IX
11 ANEXOS 20
ROTEIRO DE ENTREVISTA 21
PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI 25

X
SIGLAS

AIH Autorização de Internação Hospitalar


BDP Boletim de Diferença de Pagamento
CES Conselho Estadual de Saúde
CIB Comissão Intergestores Bipartite Estadual
CIBR Comissão Intergestores Bipartite Regional
CIS Consórcio Intermunicipal de Saúde
CIT Comissão Intergestores Tripartite
CMS Conselho Municipal de Saúde
CNS Conselho Nacional de Saúde
CODEC Coordenação de Desenvolvimento dos Serviços de Saúde do
Ministério da Saúde
CONASEMS Colegiado Nacional dos Secretários Municipais de Saúde
CONASS Colegiado Nacional dos Secretários (Estaduais) de Saúde
COSAU Coordenação de Operação e Controle dos Serviços de Saúde
do Ministério da Saúde
CONASEMS Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde
CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras
DATASUS Departamento de Informática do SUS/MS
DRS Diretoria Regional de Saúde
FIOCRUZ Fundação Instituto Oswaldo Cruz
FUNDAP Fundação do Desenvolvimento Administrativo
GED Grupo Especial de Descentralização
GIG Gestão Intergovernamental
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
INCOR Instituto do Coração/Hospital das Clínicas da USP
IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
MS Ministério da Saúde
NESCON Núcleo de Pesquisas em Saúde Coletiva e Nutrição/FM/UFMG
NOB Norma Operacional Básica do SUS
OPS Organização Pan-americana de Saúde

XI
PAB Piso da Atenção Básica
PPI Programação Pactuada e Integrada
PROS Programação e Orçamentação da Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
RCA Recursos para Cobertura Ambulatorial
RIG Relações Intergovernamentais
SAS Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde
SES-MG Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais
SIA-SUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
SIH-SUS Sistema de Informações Hospitalares do SUS
SINDSAÚDE Sindicato dos Trabalhadores da Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TABWIN Sistema de Tabulação de Dados para Windows®, DATASUS
TABNET Sistema de Tabulação de Dados do DATASUS, via Internet

XII
1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa investigar os mecanismos utilizados pelos agentes


públicos situados nos três níveis de governo na gestão dos conflitos relacionados à
distribuição dos recursos de financiamento do Sistema Único de Saúde - SUS. Para
isso, elegeu-se o processo de Programação Pactuada e Integrada - PPI - realizada
no ano de 1997 e primeiro semestre de 1998, no âmbito do SUS do estado de Minas
Gerais - SUS/MG-, como um caso exemplar.
Este processo representou um esforço de reprogramação de metas físicas e
orçamentárias para o custeio da assistência ambulatorial e hospitalar do sistema
para os diversos municípios do estado de Minas Gerais. Devido aos intensos
conflitos verificados durante sua realização, envolvendo atores dos três níveis de
governo, o caso da PPI representou um momento privilegiado de descrição e análise
de um processo empírico de gestão intergovernamental (GIG) do financiamento da
saúde, com limites temporais definidos, bem como resultados conclusivos, objetivos
e potencialmente verificáveis.
A Constituição Federal de 1988 reafirmou o federalismo como forma de
estruturação político-territorial do Estado e procurou garantir “as condições jurídicas
e financeiras para o efetivo exercício da autonomia das esferas de governo" (MUNIZ,
1998: 4). A crescente complexidade da estrutura sócio-econômica do país e o
desenvolvimento de seu sistema político redundaram na expansão das funções
públicas do Estado, o que passou a demandar um esforço de coordenação
intersetorial e regional para garantir seu êxito (MUNIZ, 1998:75-80).
O processo de implementação do SUS, considerado como política pública
setorial abrangente que prevê funções concorrentes e ações articuladas dos três
níveis de governo (federal, estadual e municipal), apresenta-se como um processo
social complexo,

"...construído no embate político, ideológico e tecnológico entre diversos atores sociais


em situação e resulta de propostas que, ao longo de muitos anos, vêm sendo
impulsionadas por um movimento social que se denomina de reforma sanitária brasileira”
(MENDES, 1996:58).

14
O financiamento do SUS é reconhecido como ponto crítico desse processo de
implementação, pelas suas implicações diretas sobre a magnitude e a qualidade dos
serviços de saúde prestados à população usuária. Não apenas as enormes
restrições financeiras têm sido apontadas como limitadoras, mas também as
diversas dimensões do modelo de financiamento: as bases de arrecadação dos
recursos que compõem as fontes de receita, a oportunidade de vinculação destas
fontes, os mecanismos de transferência de recursos entre os níveis do sistema
(federal, estadual e municipal), as formas de regulação e remuneração dos atos
médicos (MENDES, 1996) e os próprios modelos técnico-assistenciais adotados, em
que se consubstancia a atenção direta à saúde individual e coletiva (CAMPOS,
1992).
O modelo de financiamento definido pela legislação, bem como o
efetivamente implantado, tem sido objeto de permanentes conflitos e embates nos
campos técnico e político entre os diversos níveis de governo e grupos de interesse.
A necessidade do afluxo ininterrupto de recursos para o custeio da rede de
serviços, o modelo de organização descentralizado do SUS estabelecido pela
Constituição de 1988, associado às dificuldades da aplicação direta dos critérios de
distribuição de recursos previstos na legislação, bem como as mudanças
conjunturais observadas no processo de implementação do sistema, determinam a
configuração de um espaço de contínua negociação e repactuação dos critérios de
distribuição dos recursos centralmente arrecadados pelo nível federal, configurando-
se um típico sistema de relações e de gestão intergovernamentais.
O tema das relações intergovernamentais e da gestão intergovernamental,
apesar de suas potenciais contribuições para a análise do processo de
implementação do SUS e da estruturação e dinâmica do seu sistema de
financiamento, se encontra praticamente ausente dos debates e da produção teórica
na área das políticas de saúde e do SUS, em particular. As abordagens adotadas se
restringem em geral à óptica federalista: seja do processo de descentralização
(municipalização da saúde), com perceptível caráter prescritivo, seja dos aspectos
fiscais relacionados aos montantes de recursos alocados ao setor e formas de
distribuição para as instâncias descentralizadas (abordagem do chamado
federalismo fiscal). As limitações do campo do federalismo são apontadas por
WRIGHT (1997), ao criticar o caráter formalista e prescritivo dos estudos nessa

15
linha, bem como o privilégio da análise das relações estatais-nacionais, propondo o
conceito de relações intergovernamentais (RIG) para abarcar "a rica gama de ações
e concepções informais dos funcionários que de outra forma permaneceriam
submersas" (WRIGHT, 1997:101). O conceito de RIG incluiria as complexas
relações entre os funcionários públicos pertencentes aos diversos níveis de governo,
predominantemente informais e não hierárquicas, privilegiando os modos concretos
de formulação e implementação das políticas públicas. Essa abordagem apresenta,
então, inúmeras vantagens em relação ao enfoque clássico do federalismo na
compreensão do funcionamento real do sistema político em geral e da administração
pública em especial, embora não invalide as análises federalistas, atuando como
"um novo par de lentes, fazendo visíveis a variedade de cores, o terreno e as pautas
do panorama político que antes estavam obscurecidas" (WRIGHT, 1997:104).
A dinâmica da gestão negociada desses conflitos em instâncias formais, ou
por mecanismos informais de interação e negociação, permitindo a redefinição dos
montantes de recursos destinados a cada município, sem interrupções no seu fluxo,
será enfocada em uma perspectiva de valorização da ação concreta dos atores
sociais específicos envolvidos, portadores de estratégias e intencionalidades
próprias.
Sem se propor a invalidar a importância das análises macroestruturais das
políticas públicas na área de saúde ou questionar a relevância prática dos estudos
do financiamento setorial até aqui empreendidos (centrados no enfoque do chamado
federalismo fiscal), busca abordá-los num nível mais desagregado de análise, ao
focalizar seu interesse nas estratégias, movimentos e ações táticas de atores sociais
específicos envolvidos na negociação permanente dos mecanismos de distribuição
dos recursos de financiamento do SUS e na gestão dos conflitos decorrentes. A
agregação de uma abordagem conceitual diferenciada, qual seja, a das RIG e da
GIG, permite um entendimento mais amplo dos processos de formulação e de
implementação negociada dos critérios e mecanismos de distribuição dos recursos
entre os níveis de governo, um dos aspectos-chave da dimensão administrativa da
implementação do SUS.

16
Assim, a presente pesquisa se propõe a responder basicamente à seguinte
questão: de que forma é gerida, no subsistema de políticas1 constituído pelo SUS, a
interação entre os agentes públicos concretos situados nos três níveis de governo,
com especial ênfase na descrição dos mecanismos utilizados na negociação
permanente dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento e nas formas
de tratamento dos conflitos redistributivos decorrentes?
A realização desta pesquisa se justificaria por aportar contribuições de
estudos sobre relações e gestão intergovernamental, agregando um novo
instrumental analítico à discussão setorial da saúde, com possíveis implicações
pragmáticas na gestão do sistema de saúde.
Ao introduzir a abordagem de relações intergovernamentais (RIG) e gestão
intergovernamental (GIG) na análise do processo de implementação do SUS, em
especial em seu sistema de financiamento, este estudo permite contribuir para uma
compreensão mais aprofundada desses processos, clareando os mecanismos
utilizados pelos atores envolvidos na gestão do processo de descentralização do
sistema, bem como oferecer subsídios para uma ação mais informada e consciente
por parte dos mesmos.
Este trabalho pode também estimular a utilização desse enfoque por outros
grupos de pesquisa na análise dos processos de descentralização do sistema de
saúde, nos aspectos ligados a sua gestão, induzindo-os a orientações menos
prescritivas e/ou puramente ideológicas.
De um ponto de vista mais pragmático, a apropriação do enfoque da gestão
intergovernamental pelos atores interessados possibilita, potencialmente, contribuir
para maior eficácia na implementação do SUS. A compreensão por parte dos
mesmos de sua inserção num sistema de gestão intergovernamental complexo e
interdependente, em que a interação e a negociação permanentes constituem a sua
essência, evitaria as rupturas freqüentes nos processos de negociação, observadas
no presente estágio das RIG no SUS, reduzindo assim os custos de transação, com
impactos positivos na utilização finalística dos recursos.

1
Os subsistemas de políticas "se compõem de atores muito diversos: instituições, organizações,
grupos e indivíduos . Todos eles articulados pelo fato de compartilhar importantes interesses em uma
política particular. No sistema norteamericano, são as burocracias governamentais de diversos tipos,
grupos de interesse, comitês e subcomitês legislativos, indivíduos poderosos..." (MILWARD &
WASNSLEY, 1984, citado por MUNIZ, 1998:10) (Tradução livre do autor da Dissertação).
17
A exposição dos produtos da presente pesquisa respeitou a estrutura relatada
a seguir. No capítulo "Referencial teórico" foram apresentados os pressupostos
teóricos adotados, discutidos os conceitos de RIG e GIG e sua pertinência e
adequação em relação ao problema da pesquisa, em contraposição aos enfoques do
federalismo mais usualmente utilizados pelos autores que analisam o setor saúde.
Na "Metodologia", foram enumeradas as justificativas para a escolha do setor saúde
e do estudo de caso da PPI 97/98 para a descrição dos mecanismos de gestão
intergovernamental. Nesse capítulo também foram descritas as categorias analíticas
construídas para a abordagem empírica, procurando definir seu significado e
correlacionando-as com o referencial teórico existente, e mesmo complementando-o
com aportes teóricos não incluídos no capítulo anterior. Entendeu-se que tais
acréscimos teóricos junto às categorias facilitariam sua melhor delimitação e
evitariam recorrências freqüentes do leitor ao primeiro capítulo da exposição. Na
"Contextualização da Pesquisa", discutiram-se alguns aspectos da implementação
do SUS e do seu financiamento, procurando demonstrar a necessidade de
negociação compulsória dos critérios e mecanismos de financiamento, frente às
indefinições do texto legal. Procedeu-se, também, à descrição dos estágios de
funcionamento da instância formal de negociação do processo de descentralização
do SUS no âmbito do estado, a Comissão Intergestores Bipartite - CIB -, até o
momento da PPI 97/98, para compor o pano de fundo político-institucional que
delimitava o espaço de ação dos atores. O capítulo "Resultados" foi dividido em dois
blocos. No primeiro, fez-se uma descrição histórico-cronológica do processo da PPI
97/98. No segundo, os mecanismos de gestão intergovernamental foram descritos e
analisados, a partir das categorias analíticas adotadas. Uma síntese analítica foi
empreendida no capítulo das "Conclusões". As limitações percebidas na realização
do estudo, bem como recomendações de estudos subseqüentes, finalizam a
exposição. Como Anexos, juntou-se o Roteiro de Entrevistas utilizado e uma
máscara da planilha eletrônica que serviu de instrumento à PPI 97/98.

18
2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 RELAÇÕES E GESTÃO INTERGOVERNAMENTAIS

O conceito de Relações Intergovernamentais –RIG- surgiu na década


de 30 como fruto da reflexão sobre o sistema federal dos Estados Unidos da
América. O termo, segundo WRIGHT (1997), passou a ser utilizado "com o advento
do New Deal e do amplo esforço de governo nacional para combater o caos
econômico e social causado pela Grande Depressão" (WRIGHT, 1997:68).
O surgimento desse termo, bem como sua progressiva conceituação
posterior, esteve ligada ao Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) e às políticas
utilizadas para viabilizá-lo:

"Desde os anos 30 até a atualidade, a investigação e a prática das RIG têm sido
motivada por uma grande preocupação com a prestação eficaz de serviços públicos a
seus clientes, sejam eles grupos particulares na sociedade ou a toda a cidadania. Como
resultado disso, as atividades distributivas e redistributivas do 'serviço' ou estado de
Bem-Estar suplantaram as funções regulatórias do governo nacional ou o controle social"
(WRIGHT, 1997:69).

O interesse no tema surgiu, segundo ROSE (1984)2, citado por AGRANOFF


(1992), por se tratar de uma das principais tarefas governamentais a organização e
prestação de serviços próprios do Estado de Bem-Estar Social que, frente à
impossibilidade de sua execução sobre uma ampla base territorial, obriga o
envolvimento de vários níveis de governo:

“O governo central fixa geralmente as condições de prestação ou estabelece os


parâmetros dos serviços, mas não os administra. O resultado, o envolvimento de
diversas instituições pertencentes a distintos níveis de governo, nos sugere a existência
de uma situação de interdependência. Em resumo, a atuação pública implica a presença
de uma dimensão territorial no exercício da autoridade junto ao desempenho de
determinadas responsabilidades funcionais. A clássica concepção unitarista do Estado já
se encontra superada. Não estamos ante uma organização monolítica ou um todo
indiferenciado, mas sim em presença de uma realidade complexa na qual há lugar para o
conflito, o jogo político e as relações de intercâmbio” (AGRANOFF, 1992:181).

19
O interesse pelo estudo das RIG em uma perspectiva comparada foi
localizado por AGRANOFF (1992) nos finais da década de setenta, como “uma
tentativa de superação das análises tradicionais acerca dos sistemas unitários e
federais” (AGRANOFF, 1992:179). Este autor adotou a definição de RIG proposta
por ANDERSON (1960)3, que as considera “um importante contigente de atividades
ou interações que têm lugar entre unidades de governo de todo o tipo e nível dentro
do sistema federal” (ANDERSON, 1960:3).
Esses mesmos autores enfatizam que a situação de interdependência entre
os níveis ou organizações governamentais na prestação de serviços leva a que os
vínculos reais não sejam necessariamente aqueles estabelecidos nas normas
jurídicas.
Uma extensa revisão do marco das relações intergovernamentais e,
especialmente, da gestão intergovernamental, enfocando historicamente o caso
brasileiro e o movimento descentralizador imprimido pela Constituição de 1998 foi
realizado por MUNIZ (1998).
O modelo de organização do SUS definido na legislação como função
concorrente dos vários níveis de governo com atribuições complementares e
solidárias, bem como a prática da sua gestão, poderia ser considerado como dando
curso a um típico sistema de relações intergovernamentais.
Nesse sentido, os cinco traços distintivos das relações intergovernamentais
propostos por WRIGHT (1997), poderiam ser assinalados no funcionamento do SUS:
1°) As relações intergovernamentais transcendem as pautas de atuação
governamentais reconhecidas e incluem uma ampla variedade de relações entre
todas as unidades de governo. Não se limitam às relações estatais-nacionais e
interestatais, às quais se prende o enfoque das análises clássicas do federalismo,
mas englobam também as relações entre o nível nacional e o local, as locais-
estatais e as interlocais;
2°) A importância do elemento humano: “não existem relações entre
governos, unicamente se dão relações entre pessoas que dirigem as distintas
unidades de governo”, através de relações de “ajuste mútuo”, “construção de
consenso” e “pacificação";

2
ROSE, R. Understanding big government. Londres: SAGE, 1984.

20
3°) "As RIG incluem os contatos contínuos dos funcionários e os intercâmbios
de informação e de opiniões". Os participantes das RIG se preocupam, sobretudo,
"para que as coisas se façam, quer dizer, pelos arranjos informais, práticos e
orientados a metas que podem realizar-se dentro do marco formal, jurídico e
institucional dos funcionários";
4°) “Qualquer tipo de funcionário público é, ao menos potencialmente, um
participante no processos intergovernamentais de tomada de decisões nas RIG”;
5°) “As relações intergovernamentais se caracterizam por sua vinculação às
políticas públicas”, com interações nas diversas fases de formulação, implantação e
avaliação das políticas. "As políticas consistem de intenções e ações (ou inações) de
funcionários públicos e as conseqüências destas ações" (WRIGHT, 1997:71-87).
MUNIZ (1998) estende ainda mais o conceito de RIG, para envolver todos os
órgão públicos, inclusive os da administração indireta, bem como as organizações
não governamentais, essas últimas crescentemente envolvidas na formulação e
implementação das políticas públicas. Procura, assim, abarcar

"todas as permutas e combinações de interações possíveis na produção das políticas


- como as processadas entre o governo nacional e local , entre o estatal e local ou,
inclusive, interlocal - e as relações entre as agências setoriais de governo em
diferentes níveis (empresas públicas, fundacionais, etc.) e os organismos não
governamentais" (MUNIZ, 1998:6) (tradução livre, do original em espanhol, do autor
da Dissertação)

Esse referencial remete aos conceitos de redes4 e de redes


intergovernamentais, que serão abordados em outros momentos desta dissertação.

3
ANDERSON, W. Intergovernmental relations in review. Minneapolis: University of Minesota Press,
1960.
4
O conceito de rede e as diversas utilizações do termo nas ciências sociais foram revistos por
LOIOLA & MOURA (1997:63-4) associando-o às "novas formas de organização e gestão do trabalho,
resultantes de questionamentos quanto à eficácia das estruturas burocráticas e hierárquicas,
emergindo daí formas mais soft e orgânicas de interação nas instituições" (p.63). Para as autoras, as
redes apresentam como características básicas "a interação de atores e/ou organizações formais
com informais, e a regularidade nessas interações", podendo ser estas interações "mais ou menos
formalizadas ou até informais, baseando-se em projetos e ações comuns". A consideração de "um
arranjo organizacional como rede abre a possibilidade de perceber os atores/agentes em suas
interações e propósitos e, portanto, em uma dinâmica processual" (p. 64). As noções e fluidez,
complementariedade e interdependência entre atores e organizações, comandadas, em maior ou
menor medida, por um centro gerador, servem para indicar redes que se aproximam quer do padrão
unidirecional, quer do multidirecional (p.64). Por essas características expostas, o conceito de rede se
21
2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO

Ao criticar o formalismo e o caráter restritivo da linhagem de estudos inseridos no


marco do federalismo5, WRIGHT (1997) propõe o conceito de RIG para "incluir toda
uma gama de atividades e significados que não estão explícitos nem implícitos no
conceito de federalismo" (WRIGHT,1997:100). Esse autor assinala cinco distinções
que proporcionariam razões para se preferir o uso do conceito de RIG sobre o
conceito de federalismo.
A primeira delas prende-se ao fato de que "embora o federalismo não tenha
impedido os nexos locais-estatais, ao largo de sua história o federalismo tem
favorecido as relações estatais-nacionais" (WRIGHT, idem, idem). O enfoque das
RIG amplia o espaço de análise para englobar as "interações entre funcionários de
todas as combinações de entidades governamentais e em todos os níveis"
(WRIGHT, idem, idem).
Uma forma de buscar a superação da herança legalista dos enfoques federalistas
seria a segunda razão para se preferir o conceito de RIG. "Os poderes legais, as
ações formais e os acordos (ou desacordos) escritos têm tendido a dominar o
pensamento e a prática do federalismo" (WRIGHT, 1997:101). O conceito de RIG
transcende o enfoque jurídico estrito desta corrente e inclui "toda uma rica gama de
ações e concepções informais dos funcionários que de outra maneira ficariam
submersas" (WRIGHT, idem, idem).
O enfoque federalista para WRIGHT (1997) "implica um conjunto hierárquico de
relações de poder ou de autoridade". Para ele,

"o conceito de RIG não contem distinções hierárquicas de superioridade ou inferioridade.


Embora não exclui a existência de diferenças de poder, tampouco implica - como
freqüentemente o faz o conceito de federalismo- que o nível nacional seja,
presumivelmente, o superior" (WRIGHT, 1997:101).

aproxima e, de certa forma, complementa os conceitos de relações e gestão intergovernamentais,


quando aplicada às interações entre os níveis federativos.
5
Cabe aqui clarear o sentido dúbio do termo federalismo, distinguindo-o entre uma vertente teórica
que preside a realização de estudos sobre a conformação territorial do poder do Estado, da acepção
de federalismo entendido como uma proposição normativa de um "sistema baseado na distribuição
territorial - constitucionalmente definida e assegurada - de poder e autoridade entre instâncias de
governo, de tal forma que os governos nacionais e subnacionais são independentes em sua esfera
própria de ação" (ALMEIDA,1995:89)
22
A quarta razão assinalada por esse autor corresponde à preeminência das
políticas públicas no enfoque das RIG, embora "a bibliografia sobre o federalismo
não tenha excluído os assuntos de política, não lhes tem concedido grande
importância", desdenhando do acúmulo teórico das tentativas de explicar como se
formulam e se implementam as políticas. "A busca de conceitos e de resultados
empíricos no âmbito dos estudos de política tem ocorrido simultaneamente com os
esforços de aclarar as RIG", aduz aquele autor (WRIGHT, 1997:102).
Por fim, a múltipla variedade de condições e de propósitos verificados na
utilização do conceito de federalismo resulta numa imprecisão conceitual e confusão
sobre os significados. A pletora de adjetivos que políticos e acadêmicos têm
acrescentado ao termo resultou por "embotar seu significado e alterar sua
capacidade analítica". O termo Relações Intergovernamentais, para WRIGHT
(1997), possibilita maior precisão e reveste-se de "menor carga emocional".
O conceito de RIG não pretende, portanto, substituir o conceito de federalismo,

"...antes porém, serve como uma base conceitual diferente, em vários modos preferida,
sobre a qual explorar e resumir experiências recentes e atuais de funcionários públicos,
assim como de cidadãos. O conceito de RIG é como um novo par de lentes, faz visível
a variedade de cores, o terreno e as pautas do panorama político que antes estavam
obscurecidos" (WRIGHT, 1997:104).

ELAZAR (1990), ao comentar a emergência do conceito de RIG no estudo


dos sistemas federais, reconhece-a como

"...o começo de um estudo sério dos sistemas de administração federal, separados de


seus aspectos legais e constitucionais. Tratava-se de analisar as relações
intergovernamentais reais, existentes, distinguindo-as da maranha legal, árida e
sempre crescente, e das doutrinas jurídicas que, em ocasiões, ignoram as realidades
da política e da administração, que crescem rapidamente e adquirem maior peso em
um governo em fase de expansão" (ELAZAR, 1990:36).

O termo federalismo, para ELAZAR (1990), padece dos inconvenientes de


todas as terminologias clássicas, resultantes da evolução histórica de seu significado

23
quando utilizado por longos períodos de tempo. Compara-o aos termos democracia
e republicanismo,

"que evocam matizes diversos e que provocam muitos debates entre os estudiosos
porque são difíceis de definir, mas cujo significado profundo pode ser estabelecido
dentro de um contexto apropriado, apesar de suas numerosas variantes, simplesmente
excluindo o uso incorreto do termo em questão" (ELAZAR, 1990:37).

Entende este mesmo autor que o termo federalismo é um termo mais


genérico, "a que nos podemos referir sempre que falamos de relações de
autogoverno + governo compartido", ao passo que relações intergovernamentais
seria um termo mais restrito, que

"...tem a ver com algumas vias particulares e meios de fazer operativo um sistema de
governo no contexto norte-americano, um sistema federal- , que incluem relações
extensivas e contínuas entre o estado federado, os governos locais, e qualquer
combinação que deles se derivem" (ELAZAR, idem, idem).

Embora atribua as confusões terminologias a "uma redução do termo


federalismo à sua dimensão mais estreita" resultante da própria experiência histórica
norte-americana desde a independência, reconhece a universalidade do conceito ao
afirmar que "a certos níveis, as relações intergovernamentais podem ser
contempladas como um fenômeno universal que se produz sempre que dois ou mais
governos interagem no desenvolvimento e execução de atos e/ou programas
políticos". Exclui, obviamente, a possibilidade de utilização desse enfoque aos
estados unitários. O autor conclui, afirmando que o

"...federalismo é um conceito anterior e mais amplo e que relações intergovernamentais


é um termo subsidiário, um tecnicismo sumamente útil na exploração dos
procedimentos que se dão no interior de sistemas políticos concretos, particularmente,
embora não exclusivamente, nos federais, e , com maior efetividade, naqueles que
partem de uma visão da soberania de tipo federalista" (ELAZAR, 1990:39)

A crítica desse expoente da teoria do federalismo não invalida, portanto, a


utilização do enfoque das RIG com o propósito assumido pela atual pesquisa. Ao

24
contrário, reafirma a pertinência e a adequação desse enfoque teórico, visto o
interesse de centrar o foco de análise na investigação de práticas administrativas
concretas adotadas por funcionários de distintos níveis de governo num setor social
de um sistema caracteristicamente federal.
A forma que as relações entre as esferas de governo assumem nos sistemas
federais é vista por ALMEIDA (1995) como "constitucionalmente competitivas e
cooperativas", marcadas por "modalidades de interação necessariamente baseadas
na negociação entre as instâncias de governo", atribuindo essas características ao
fato de tratarem-se de estruturas não centralizadas. O federalismo se caracterizaria,
justamente, por esta não-centralização:

"Em uma forma original, bem como na definição normativa , o federalismo se caracteriza
pela não-centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos centros,
nos quais a autoridade não resulta da delegação de um poder central, mas é conferida
pelo sufrágio universal" (ALMEIDA, 1995:89).

Essa característica de não-centralização do federalismo é devida a ELAZAR


(1990), para quem

"Os países federais possuem a característica da não-centralização, quer dizer, que o


poder se difunde entre numerosos centros, cuja existência e autoridade está garantida
pela constituição geral, em vez de estar concentrada em um único centro" (ELAZAR,
1990:58).

Para ALMEIDA (1995) "a expressão mais clara da natureza não centralizada
do federalismo" (ALMEIDA, 1995:89) é a existência de competências comuns entre
instâncias de governo.

Para a mesma autora, os padrões de relação entre esferas de governo


classificam-se em três tipos de arranjos federativos. O "federalismo dual" constitui o
modelo originário, caracterizado pela ACIR6 e citado por ALMEIDA (1995), como
aquele no qual

6
Advisory Comission on Intergovernmental Relations - ACIR. The federal role in the federal system:
the dynamics of growth - the condition of contemporary federalism: conflicts, theories and collapsing
constraints. Washington, 1981.
25
"os poderes do governo geral e do Estado, ainda que existam e sejam exercidos nos
mesmos limites territoriais, constituem soberanias distintas e separadas, que atuam de
forma separada e independente, nas esferas que lhe são próprias" (ALMEIDA,
1995:90).

No "federalismo centralizado", considerado uma resultante da "tendência


universal à expansão do escopo do governo federal", observa-se uma
"transformação dos governos estaduais e locais em agentes administrativos do
governo federal, que possui forte envolvimento nos assuntos das unidades
subnacionais, primazia decisória e recursos". Já no "federalismo cooperativo"
observam-se "graus diversos de intervenção do poder federal e se caracteriza por
formas de ação conjunta entre instâncias de governo". Estas duas últimas tipologias
"podem descrever o padrão predominante das relações entre instâncias de governo,
em dado período, como podem conviver lado a lado, em diferentes áreas de ação
governamental", nomeando relações entre níveis de governo "nas quais a não-
centralização, característica do ordenamento federativo, convive de forma complexa
e, freqüentemente, conflitante com a lógica da centralização-descentralização"
(ALMEIDA, 1995:90).
A discussão sobre o federalismo e o caso brasileiro tem sido extensamente
explorada por diversos autores (ALMEIDA, 1995; PEPPE et al., 1997). Pesquisa
multicêntrica, coordenada pela FUNDAP entre 1993 e 1995, resgata uma ampla
revisão do tema (AFFONSO, 1995). MUNIZ (1998) apresenta também uma extensa
revisão histórica do federalismo brasileiro, já incorporando o enfoque da gestão
intergovernamental, marco inicial a partir do qual a presente pesquisa foi
desenvolvida.

2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

Para JUNQUEIRA (1997) a descentralização configura-se como "um dos


pressupostos das diversas iniciativas de mudança que ocorreram no setor saúde, a
partir da década de oitenta, culminando como o Sistema Único de Saúde"
(JUNQUEIRA, 1997:173). Apesar das controvérsias existentes na literatura
especializada, adota um conceito de descentralização que julga coerente com o

26
contexto que presidiu a intenção de conferir maior eficiência e eficácia ao aparato
estatal:

"Apesar das diferenças no âmbito da gestão pública, a descentralização tem um


significado precípuo, o da transferência de poder dos níveis centrais de governo para os
mais periféricos, gerando autonomia de gestão em oposição a um poder centralizado e
burocratizado. Neste sentido, a descentralização emerge em oposição ao poder
centralizado, determinando formas diversas de organização através da criação de
instâncias de poder, tornando-o permeável aos interesses da sociedade e, portanto,
dando maior eficácia à gestão" (JUNQUEIRA, idem, idem).

A partir da década de 70, o conceito de descentralização emerge como uma


alternativa de reorganização político-institucional frente à crise do Estado de Bem-
Estar Social nos países centrais (JUNQUEIRA, idem, idem). No Brasil, o conceito
assume um caráter diferenciado, ao congregar diversas forças políticas na busca da
superação impasse político derivado da crise do Estado autoritário, conformando-se
como uma verdadeira "palavra de ordem", a "Descentralização já!" (LOBO, 1998:14).
Nessa linha, JUNQUEIRA (1997) constata que no "contexto de crise política e
econômica, a descentralização surgiu como uma possibilidade de democratização
do poder" (JUNQUEIRA, 1997:174), ao pretender criar as condições de mudança em
regimes autoritários caracterizados como centralizados, burocráticos e excludentes.
Tais expectativas democratizantes ligadas ao processo de descentralização
se viram em parte frustradas, por não considerarem outros fatores intervenientes
como a privatização do Estado e os arranjos clientelistas do poder local. A
descentralização, longe de garantir, apenas abre novas possibilidades quanto à
interferência dos interesses coletivos nas políticas públicas:

"...é oportuno discutir o conceito de descentralização, que não está, necessariamente,


associado à democratização, nem à participação e nem mesmo à eficácia da gestão.
Embora constitua um instrumento de mudança do formato do Estado, do seu aparato,
tornando-o mais permeável aos interesses coletivos, não se pode dizer que haja uma
relação necessária entre as variáveis e a eficácia da gestão" (JUNQUEIRA, 1997: 174-
5).

27
ARRETCHE (1996) questiona esta "expectativa de que a descentralização
seria condição necessária à democratização do processo decisório", alertando que
"o caráter democrático do processo decisório depende menos do âmbito no qual se
tomam decisões e mais da natureza das instituições delas encarregadas"
(ARRETCHE, 1996:62). A autora atribui ao interesse de elites locais e/ou regionais,
sequiosas de maior participação no processo político, essa identificação automática
de descentralização com democratização:

"... a associação de centralismo e autoritarismo pode ser mais bem explicada pelo
exame da forma pela qual se associaram historicamente, no processo de formação dos
distintos Estados nacionais, estruturas administrativas do governo central e elites locais
e/ou regionais. É a maior ou menor capacidade de absorção/cooptação/integração
dessas elites no Estado centralizado que estimularia essas elites a identificar
descentralização e democratização em suas demandas de maior participação no
processo político" (ARRETCHE, idem, idem).

A Constituição Federal de 1988 introduziu uma inovação no campo federalista


ao conferir aos municípios o status de entidade federativa (CAMARGO, 1993), com
um elevado grau de autonomia e competências político-administrativas
constitucionalmente conferidas, sugerindo um modelo de não-centralização:

"O IBAM7 tem o mérito histórico de ter inventado uma coisa que só o Brasil possui hoje,
que é o município como entidade federativa, ...proposta que eu diria, até revolucionária -
nenhum país federativo do mundo tem o município como entidade federativa. Isso talvez
se justifique pelo fato de que também são poucos os grandes países que são federativos
para valer" (CAMARGO, 1993:29).

O texto constitucional é claro ao declarar, no artigo 18 do capítulo da


Organização Político-Administrativa do Estado, que "a organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição"
(BRASIL, 1989).
No caso da saúde, definida pelo texto constitucional e na legislação
infraconstitucional como de competência comum às três esferas de governo, no

7
IBAM: Instituto Brasileiro de Administração Municipal
28
entanto, o estágio de centralização verificado no passado induziu a necessidade de
um estágio de transição marcado pela transferência progressiva de competências
decisórias e executivas para estados e municípios, num típico movimento de
descentralização. ALMEIDA (1995) reconhece que "a descentralização contida no
modelo do SUS é radical: implica a realocação de capacidade decisória, de recursos
e funções aos municípios" (ALMEIDA, 1995:95).
Ao estabelecer a saúde como de competência concorrente entre os níveis de
governo, a legislação abriu espaço para conflitos quanto à definição de papéis e
limites claros de competências e responsabilidade na execução de serviços e no seu
controle e avaliação. As iniciativas de definição negociada desses limites de
competência vão resultar na elaboração pactuada das Normas Operacionais Básicas
(NOB), mais especificamente, das NOB 93 e da NOB 96.
ARRETCHE (1996) reconhece que no setor saúde "ocorreram os mais bem
sucedidos avanços em direção a uma reforma de tipo descentralizador"
(ARRETCHE, 1996:95), com transferência efetiva de capacidade decisória,
competências e recursos para a prestação de serviços básicos de saúde. Aponta,
porém, que "dificuldades na implementação destas reformas decorrentes das
dificuldades financeiras e institucionais do governo federal para dar continuidade ao
processo de reformas" (ARRETCHE, idem, idem), conjugadas a disposições
políticas de governadores estaduais e prefeitos municipais em implementar
efetivamente o sistema, resultou num padrão desigual na prestação de serviços de
saúde entre as regiões e municípios do país:

"...as feições do sistema descentralizado se tornam crescentemente heterogêneas no


território nacional, dadas as diferentes possibilidades financeiras e administrativas e as
distintas disposições políticas de governadores e prefeitos: em algumas regiões, onde
os recursos são mais escassos e as demandas são mais agudas, o sistema dá sinais
evidentes de falência; em outras regiões, com mais recursos, os municípios demonstram
capacidade de gestão praticamente autônoma de seus sistemas de saúde"
(ARRETCHE, idem, idem).

Essa heterogeneidade na conformação do sistema de saúde resultante das


distintas capacidades técnico-administrativas, financeiras e de priorização política
dos estados e municípios interfere diretamente na conformação dos padrões de

29
estruturação das relações intergovernamentais e nos processos de gestão
intergovernamental. A desigualdade estrutural entre as entidades federadas implica
possibilidades também distintas de participação efetiva na rede intergovernamental,
contribuindo para reforçar as desigualdades entre as regiões.
A dimensão da gestão intergovernamental do sistema manifesta-se no SUS
como um campo não previsto quando da elaboração dos princípios e diretrizes que
orientariam a sua organização, sendo suscitada no decorrer do seu processo de
implementação:

"...os problemas relacionados à implementação do modelo sistêmico (hierarquização e


integralidade da assistência; harmonização e integração espacial dos sistemas
municipais), suscitam a discussão sobre as funções e relacionamentos existentes entre
as diferentes instâncias de governo para montagem e funcionamento de um sistema de
ações e serviços hierarquizado e integrado no território supramunicipal" (LIMA, 1999:
22).

O papel das instâncias de gestão negociada do processo de implementação


da diretriz descentralizadora do SUS, as Comissões Intergestoras Tripartite (federal)
e das Comissões Intergestoras Bipartite Estaduais, na "introdução de crescentes
graus de racionalidade na distribuição dos recursos entre municípios e reduzindo a
presença de práticas clientelistas", é apontado por BARROS (1997). Essa autora
faz, também, uma avaliação positiva do impacto do funcionamento dessas instâncias
nas relações entre os níveis de governo:

"Tem sido (as Comissões Intergestoras), principalmente, um espaço de socialização de


informações e de negociação de algumas questões, melhorando a qualidade das
relações entre as esferas de governo, viabilizando processos de intercâmbio e
cooperação técnica horizontal e facilitando a implementação de sistemas de referência.
...Em alguns estados ainda não se constituíram como espaço real de negociação, com o
predomínio de posições da instância estadual. Mas é impossível não reconhecer a
melhor qualidade das relações entre os níveis de governo que a existência desse foro
propiciou" (BARROS, 1997:124).

Em pesquisa exploratória sobre o funcionamento da CIB do estado do Rio de


Janeiro, LIMA (1999: 166) conclui que os conflitos intergovernamentais suscitados

30
pelo processo de descentralização encontraram tratamento adequado, pelas
possibilidades abertas de negociações efetivas sobre questões relevantes, inclusive
atinentes à redistribuição de tetos financeiros, mesmo em conjunturas políticas
francamente desfavoráveis:

"A experiência do processo decisório na CIB/RJ mostra que mesmo nos períodos de
grande tensão no sistema político-eleitoral (mudanças de governo, de gestores, da
direção do COSEMS8) é possível formar pactos e firmar acordos que apontem para a
solução de problemas. Esta afirmativa pode ser claramente identificada em diferentes
momentos da CIB/RJ. Em especial, no último período analisado, mesmo frente à
escassez e insuficiência de recursos federais a serem distribuídos nos municípios e a
uma conjuntura política desfavorável, consegue-se aprovar uma metodologia de
pactuação e rateio dos tetos financeiros ambulatoriais, onde municípios semi-plenos ou
plenos do sistema, nem todos municípios-pólo com grande capacidade instalada,
realocaram recursos antes transferidos diretamente para o Fundo Municipal de Saúde"
(LIMA, 1999:166).

2.4 MODELOS DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE NAS RIG

WRIGHT (1988) estabelece três modelos básicos de RIG, com base no tipo
de relação de autoridade entre os níveis de governo: - modelo de autoridade
coordenada (autonomia), modelo de autoridade dominante ou inclusiva (hierarquia) e
de autoridade igual ou superposta (negociação). No modelo coordenado ou
separado, as relações predominantes são marcadas pela independência,
prevalecendo a plena autonomia dos níveis. No modelo superposto, as relações são
interdependentes e as pautas de autoridade caracterizam-se pela negociação. Para
MUNIZ (1998), no modelo superposto

"...existiria a tendência, ou melhor, o imperativo, da negociação como principal


instrumento de interação intergovernamental , já que esta seria, naturalmente a forma
mais idônea de evitar conflitos e promover a imprescindível cooperação entre os níveis
de governo" (MUNIZ, 1998:8). (Tradução livre do autor da Dissertação)

8
COSEMS: Conselho de Secretários Municipais de Saúde
31
No modelo inclusivo, as relações são marcadas pela dependência de níveis
inferiores, e as pautas, condicionadas pela hierarquia dos níveis. Neste padrão de
relações caberiam, segundo WRIGHT (1997), dois tipos de estratégias
predominantes, em se utilizando aportes da Teoria dos Jogos9. A primeira estratégia,
do tipo I, é o caso do jogo de soma zero, em que a soma dos ganhos dos jogadores
é igual à soma das perdas. Aqui, os ganhos de poder de um dos níveis de governo
implicam em perdas necessárias dos demais níveis. Outra estratégia adotada é a do
tipo II, ou de aumentar o bolo, sendo um jogo de soma variável. Todos os
participantes deste jogo podem ganhar ou obter ganhos. Um exemplo dado por este
autor para esta estratégia é a transferência condicionada (conditional grants-in-aid).
O nível federal expande sua influência arrecadando mais recursos para oferecer, na
forma de transferências, a estados e localidades. Os fundos são oferecidos com
condições (perdas) impostas a quem os recebe, mas implicam ganhos atrativos que
sopesam menos que as limitações impostas pelas condições.
O Sistema Único de Saúde, como definido na legislação, pressupõe a adoção
formal de um modelo superposto, em que as responsabilidades pela saúde dos
cidadãos são compartidas entre os níveis de governo, sendo a sua gestão realizada
de forma harmônica, cooperativa e interdependente. Na prática, traços de um
modelo inclusivo, baseado numa relação hierárquica entre os níveis, são
observados, como se verá na descrição dos resultados da pesquisa, principalmente
em episódios ou questões em que a capacidade de negociação dos atores se esgota
ou não é envidada. Poder-se-ia afirmar que o padrão das relações de autoridade no
SUS situa-se em algum ponto de um continuum que liga o modelo inclusivo e o
superposto, oscilando pendularmente entre um e outro nas questões específicas ou
momentos da implementação do sistema.
As modalidades de estratégia descritas para o modelo inclusivo são
freqüentemente observadas no SUS, tanto na relação do nível federal com os
estados, do nível federal com os municípios, quanto naquela observada entre
estados e municípios. Como reação, os entes federados afetados buscam restringir

9 *
A Teoria dos Jogos é "um método sistemático para estudar o comportamento em situações de
tomadas de decisão. Esta teoria pressupõe que todos os participantes se esforçam por otimizar seu
comportamento, intentando cada um maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas dentro dos
limites da conduta permitida (daí a analogia com os jogos). Os resultados dependem não só do
comportamento de qualquer um dos participantes, mas das reações dos demais atores". (WRIGHT,
1997: 110) (Tradução livre do autor da Dissertação).
32
ao máximo as transferências condicionadas e substituí-las por repasses
automáticos, baseados em critérios estáveis, entre o Fundo Nacional de Saúde e os
fundos estaduais e municipais. As normas regulamentadoras do financiamento do
SUS (as NOB) refletem, em grande parte, o esforço de limitar estas transferências
condicionadas. Embora objeto de conflito permanente, esse tipo de relação se
impõe em diversas circunstâncias, mitigado em parte pelo fato de que estratégias do
tipo II podem pontualmente ser adotadas, quando eventuais conquistas de
incremento de recursos federais permitem que se aumente o bolo.

2.5 A GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL DE POLÍTICAS

Uma das dimensões das relações intergovernamentais, no que se refere à


“gestão cotidiana dos problemas entre unidades de governo", denomina-se “gestão
intergovernamental” - GIG (AGRANOFF, 1992).
A situação de interdependência entre os níveis ou organizações
governamentais na prestação de serviços, a complexidade de tais interações, a
importância do conflito, da cooperação e do jogo político entre os atores, a
relevância das relações interpessoais entre os interlocutores dos diversos níveis, a
valorização de vínculos e processos supra-legais estabelecidos e reconstruídos
quotidianamente, são traços marcantes desse enfoque complexo e dinâmico, que
busca superar as análises formalistas e unitaristas do funcionamento do Estado.
Para MUNIZ (1997), o interesse pelas RIG e pela GIG adquiriu maior
relevância a partir da Constituição de 1998, que redefiniu as competências dos
níveis de governo demarcando um novo modelo federalista, em resposta à
democratização e à crescente complexidade da sociedade brasileira. Para esse
autor

"...o sistema político surgido na Constituição de 88 no Brasil supõe relações entre os


níveis de governo com um grau de complexidade não alcançado em períodos anteriores
e cujos requisitos técnicos de gestão passam a contar como elementos estratégicos para
o desenvolvimento das políticas" (MUNIZ, 1997:1). (Tradução livre do autor da
Dissertação).

33
A gestão intergovernamental pressupõe a utilização de diversos mecanismos
ou técnicas de gestão. MUNIZ (1997) enumera várias de tais técnicas dentre as
arroladas por AGRANOFF (1989):

“...a regulação, bem como alterações das rotinas intergovernamentais, com a intenção
de determinar o comportamento das outras unidades de governo; a administração de
subvenções, tanto por parte de quem as recebe como de quem as concede, com o fim
de canalizá-las para seus interesses; a negociação mediante mecanismos mais ou
menos formais desde um enfoque, no entanto, em que se concebem como perdas para
as demais partes os benefícios alcançados por uma delas; a resolução de problemas,
implicando interesses comuns, uma relativa abertura ao intercâmbio de informação e a
busca e seleção de alternativas que beneficiem a todas as partes; a gestão cooperativa,
que supõe alguma forma de acordo - que vai desde os informais até convênios
formalizados por escrito e, finalmente, o desenvolvimento das capacidades de cada nível
de governo, que lhes permite adquirir as habilidades de prever e influir nas mudanças,
para tomar decisões bem fundamentadas, atrair, absorver e gerir recursos e também
para avaliar as atividades com vistas a adquirir referências para ações futuras". (MUNIZ,
1997:14).

2.6 COOPERAÇÃO E CONFLITO NA GESTÃO DAS POLÍTICAS

LOWY (1964)10, citado por MUNIZ (1998), propõe a existência de "arenas de


políticas", "delimitadas pelos impactos de seus custos e dos benefícios que os
grupos de interesse esperam de sua implementação" e classificadas em três
categorias:

“as políticas regulatórias, formadas por normas e cuja coerção se exerce de forma
direta e imediata sobre o comportamento individual; as políticas distributivas, que
consistem na repartição dos recursos mediante sua desagregação em pequenas
unidades independentes umas das outras e livres de toda regra geral; as políticas
redistributivas, que implicam no estabelecimento de critérios por parte do setor público
dando acesso a vantagens que se outorgam não a sujeitos específicos, mas a classes
de casos ou de sujeitos, sendo a arena mais conflitiva de todas; as políticas

10
LOWY, J. Americam business, public policy, case-studies and political theory. World Politics, v. 16,
1964, p.677-715.

34
constitutivas , que traduzem em definições por parte do poder público das regras do
jogo em geral, podendo significar reformas constitucionais, institucionais ou
administrativas, apresentando um elevado grau de conflito (MUNIZ, 1998:17).

O caso do financiamento do SUS, foco desse estudo, poderia ser enquadrado


no grupo das políticas redistributivas, de elevado potencial de conflito11, constituindo
uma dimensão de uma política setorial mais ampla representada pelo Sistema Único
de Saúde, passível de ser qualificada como uma "política constitutiva", também
espaço de elevado grau de conflito, a se aplicar as categorias utilizadas de LOWY
(1964)12, citado por MUNIZ (1998).
WRIGHT (1997) ressalta que nas RIG os conflitos convivem simultaneamente
com espaços e iniciativas de cooperação, o que o leva a concluir que a cooperação
e o conflito não se manifestam objetivamente como pólos opostos de um continuum .
Uma tendência de um aumento de conflito nas RIG, nos Estados Unidos da América
do Norte, é antevista por esse autor, devido às expectativas de um baixo
crescimento econômico e à continuidade das políticas de austeridade fiscal adotadas
pelo setor público, bem como pelas crescentes iniciativas de regulação do governo
central. Tais tendências podem ser transplantadas para o Brasil, sem grandes riscos,
vista a situação econômica marcada pela estagnação econômica e as políticas de
ajuste fiscal em curso. Argumenta aquele autor que as situações marcadas pela
dificuldade de crescimento do bolo resultam na adoção pelos atores de estratégias
de soma zero, em que os ganhos de uma parte implicam necessárias perdas da
outra.
O desenvolvimento e rápida difusão das tecnologias informacionais são
apontadas por WRIGHT (1997) como instrumentos para o compartilhamento das

11
O conflito pode ser definido como "uma contenda a respeito de valores, ou por reivindicações de
status , poder e recursos escassos, na qual os objetivos das partes conflitantes são não apenas obter
os valores desejados mas também neutralizar seus rivais" (COSER, 1996:120), podendo ocorrer
entre indivíduos ou coletividades. Para alguns autores o conflito "implicaria choques para o acesso e
a distribuição de recursos escassos" tendo, portanto, "sempre um caráter redistributivo. Não se
trataria, neste caso, do conflito interpessoal no sentido psicológico mas no sentido do conflito social e
político" (PASQUINO, 1995:.225)

12
LOWY (1964) Op. cit.
35
informações, convertendo-se em uma base favorável à cooperação, porém, não
representando uma condição suficiente.
As possibilidades de cooperação crescem também na medida em que se
aperfeiçoam as tecnologias sociais para a resolução dos conflitos. "A mediação das
disputas em RIG é um enfoque na resolução de conflitos sem recorrer aos tribunais
nem a estratégias, encobertas ou dissimuladas, de influência política". As melhorias
na teoria e na prática da implementação das políticas públicas são consideradas
condições para a redução dos conflitos nas RIG, tornando-as menos "acidentadas e
mais cooperativas" (WRIGHT, 1997:627).

36
3 METODOLOGIA

Para analisar os mecanismos de gestão intergovernamental utilizados no


tratamento dos conflitos distributivos ligados ao financiamento do SUS, foi realizada
uma pesquisa do tipo descritiva utilizando-se de estratégia qualitativa, em que se
procurou atentar para as percepções e visões de atores sociais situados em
condição privilegiada de observação e/ou participação nos processos descritos.
A unidade empírica escolhida para a investigação foi o processo de
Programação Pactuada e Integrada do SUS, realizada no estado de Minas Gerais,
no período de março de 1997 a julho de 1998, sob a coordenação da Secretaria de
Estado da Saúde, envolvendo órgãos e atores situados nos três níveis de governo
(municipal, estadual e federal).
O processo da PPI 97/98 revelou-se um palco de intensos conflitos pela
distribuição dos recursos federais alocados no setor saúde no estado, obrigando os
atores envolvidos a utilizar mecanismos formais e informais de gestão desse conflito
de natureza redistributiva.
O setor público de saúde e, em especial, os movimentos dos atores
envolvidos na redefinição permanente de seus mecanismos de financiamento e dos
critérios de distribuição dos recursos propiciam um espaço privilegiado para a
descrição e análise de mecanismos de gestão intergovernamental pelas seguintes
razões:
Em primeiro lugar, a ordem instaurada pela Constituição Federal de
1998 definiu a saúde como responsabilidade do Estado e tarefa concorrente das três
esferas de governo, tanto na formulação e execução das políticas, quanto no seu
financiamento.
Em segundo lugar, e independentemente dos dispositivos
constitucionais, tecnicamente a execução das políticas de saúde exige a articulação
dos diversos níveis de governo, pela existência de fenômenos sanitários que
extrapolam os limites geográficos estritos da jurisdição de cada nível, como é o caso
das epidemias e, no caso da assistência à saúde, do fluxo de doentes referenciados
numa rede de serviços hierarquizada tecnologicamente, em níveis crescentes de
complexidade.

37
Em terceiro lugar, os critérios definidos na legislação infra-
constitucional (Leis Federais n° 8.080, de 19/09/1990 e n° 8.142, de 28/12/1990,
denominadas usualmente, em seu conjunto, de Lei Orgânica da Saúde) foram vagos
e passíveis de múltiplas interpretações, dificultando a sua regulamentação e
tradução em critérios objetivos e definidos (vide o capítulo "Contextualização da
Pesquisa"). Essa situação obrigou os atores envolvidos a desenvolver mecanismos
formais e informais de negociação e definição dos critérios de distribuição, sempre
provisórios, que se consubstanciaram em dispositivos normativos pactuados (as
NOB) e na organização de instâncias de negociação das políticas e mecanismos de
descentralização e de distribuição dos recursos (CIB, no nível estadual, e CIT, no
nível federal).
Em quarto lugar, além de satisfazer os requisitos do referencial teórico
adotado, o das relações e da gestão intergovernamentais, o processo de
implementação do SUS foi reconhecido por diversos autores como representando
um avanço em relação a outros setores das políticas públicas, quanto à sua
descentralização efetiva:

“O SUS constituiu, seguramente, a mais audaciosa reforma da área social empreendida


sob o novo regime democrático. Ainda que a implantação do novo sistema esteja longe
de se haver completado, e muitos sejam seus impasses, no estágio atual já significa uma
transformação profunda do sistema público de saúde” (ALMEIDA, 1995:95).

Neste sentido, formas organizacionais e decisórias do SUS foram emuladas


por outros setores sociais como o da Assistência Social, como a criação de
Conselhos e a normalização complementar na forma de Normas Operacionais. A
utilização de mecanismos de gestão intergovernamental semelhantes aos utilizados
no âmbito do SUS também é presumível, cabendo a estudos de caráter comparativo
verificar a sua existência.

O método de investigação empírica adotado, o estudo de caso, elegendo-se


para tal o processo da PPI, apresentou-se como a abordagem ideal para essa
investigação descritiva. O estudo de caso permite descrever em profundidade os
mecanismos utilizados pelos atores envolvidos, situados nos três níveis de governo,
nas suas transações cotidianas, no sentido de tratar o conflito distributivo pelos
38
recursos captados e distribuídos majoritariamente pelo nível federal. Como aponta
GRENWOOD13, citado por MUNIZ (1998:30):

"...a principal virtude do método do estudo de caso é que permite uma compreensão
profunda do fenômeno com um todo, tal como se dá no caso estudado. Ao não se ver
distraído por uma multiplicidade de unidades de observação e ao estar restrito a um
certo número de fatores que devem ser observados, o pesquisador pode centrar sua
atenção em um pequeno número de casos e explorar, com grande detalhe, todas e cada
uma das facetas dos casos que prometam brinda-lo com certa luz sobre o fenômeno.
Esse grau de amplitude e profundidade não se pode obter com nenhum dos outros
métodos empíricos." (GRENWOOD, 1973:125). (Tradução livre do autor da Dissertação).

A escolha do caso da PPI do SUS de Minas Gerais respeitou os seguintes


critérios:
Em primeiro lugar, a PPI representou um processo delimitado no
tempo, iniciando-se em março de 1997 com a elaboração da proposta técnica por
parte da Secretaria Estadual de Saúde, e prolongando-se até julho de 1998, com a
publicação final dos "tetos orçamentários" municipais no Diário Oficial do estado.
Em segundo lugar, o processo de PPI envolveu os três níveis de
governo, desde a definição geral do processo pelo nível federal (Ministério da
Saúde), passando pela elaboração da proposta técnica pelo estado de Minas Gerais
(Secretaria de Estado da Saúde - SES/MG), até a negociação entre os municípios, e
entre os municípios e as instâncias estaduais, das metas físicas e orçamentárias dos
serviços de referência regional e estadual.
Em terceiro lugar, o fato do autor da Dissertação ter atuado
profissionalmente, em passado recente, nessa área de programação e orçamento,
ocupando, inclusive, cargo público com função de elaboração técnica da
programação ambulatorial do estado, facilitou o acesso aos atores envolvidos e uma
prévia compreensão dos complexos aspectos técnicos inerentes à questão que, de
outra forma, representariam uma dificuldade adicional para o pesquisador leigo.
Além do mais, o fato de este pesquisador ter participado do processo da PPI,
assessorando um grande município da Região Metropolitana de Belo Horizonte,
representa tanto um fator facilitador no acesso às informações e atores envolvidos,

13
GRENWOOD, E. Metodologia de la investigación social. Buenos Aires: PAIDOS, 1973.
39
como um fator introdutor de um viés subjetivo, que deve ser aqui explicitado. A
objetividade do estudo foi intentada pela busca consciente de posições divergentes
ou contraditórias manifestadas pelos diversos atores envolvidos, sendo esse um dos
critérios para a seleção dos entrevistados.
Embora não possa ser assumida como uma pesquisa participante, pois não
houve, à época do transcurso dos fatos aqui analisados, uma intenção explícita de
seu registro metódico, uma certa dimensão participante não pode ser negligenciada.
A posição ocupada pelo autor no processo modulou consideravelmente a escolha
consciente do tema e dos aspectos investigados e orientou a sua visão geral do
processo em causa que, de outra maneira, assumiria certamente enfoques
diferenciados.
O pertencimento do autor ao subsistema de políticas representado pelo
financiamento da saúde dirige também uma clara e assumida intencionalidade da
aplicação dos conhecimentos adquiridos na análise descritiva dos fatos abordados
na formulação de políticas e no desenho de estratégias de financiamento e gestão
setoriais.
Informações complementares sobre a criação e funcionamento da instância
de negociação formal (CIB-MG) envolveram entrevistas com cinco atores ligados
direta ou indiretamente aos primeiros momentos de sua criação e funcionamento
posterior, permitindo o estabelecimento de uma periodização histórico-cronológica
dessa instância, que se encontra descrita no capítulo "Contextualização da
Pesquisa".
O universo da pesquisa foi constituído pelos atores localizados em órgãos
oficiais do setor saúde nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e
órgãos de representação envolvidos na regulamentação dos dispositivos do
financiamento do SUS, bem como nas negociações dos critérios de distribuição e
dos montantes de recursos. Esses órgãos são secretarias do Ministério da Saúde
e de uma Secretaria Estadual de Saúde (de Minas Gerais), bem como as
representações de secretários estaduais (Colegiado dos Secretários de Saúde -
CONASS) e secretários municipais de saúde (Colegiado de Secretários
Municipais de Saúde - CONASEMS), participantes das instâncias colegiadas de
gestão (Comissão Intergestores Tripartite nacional e Comissão Intergestores
Bipartite de Minas Gerais). A não inclusão de atores pertencentes à iniciativa

40
privada ou membros da sociedade civil organizada participantes dos Conselhos
Estaduais ou do Conselho Nacional de Saúde deveu-se à sua participação
marginal no processo em estudo, verificada já de início, na entrevista com o
homem - chave.
As unidades de observação foram os agentes públicos participantes das
negociações cotidianas em torno do subsistema de financiamento, sendo
representantes dos níveis de governo, membros dos staffs de assessoria,
representantes nas comissões intergestores ou dos grupos de trabalho vinculados
a tais comissões.

41
3.1 TRABALHO DE CAMPO

Para a realização do trabalho de campo foi elaborado um "Plano de Trabalho


de Campo" contendo os critérios de seleção do principal informante (o homem-
chave), personagem que concentrasse em si o domínio completo do processo em
estudo, de cujo depoimento se identificariam os principais conflitos ocorridos e os
atores envolvidos, orientando, assim, a composição de uma amostra intencional, não
probabilística, de entrevistados. Como já foi dito, a condição privilegiada de
observação e/ou participação, bem como a manifestação de posições divergentes ou
contraditórias no decorrer do processo descrito, foram consideradas como critérios
para o pertencimento à amostra. Nesse sentido, não foram coletados dados ou
informações destinados a qualquer tratamento estatístico, com pretensões a amplas
generalizações.
Realizou-se também a definição de categorias analíticas que foram utilizadas
na formulação dos roteiros das entrevistas e na posterior análise das mesmas,
correlacionando-as com aspectos do referencial teórico adotado que as
fundamentam.

3.1.1 SELEÇÃO DO "HOMEM - CHAVE"

O critério básico para a escolha do homem-chave14 foi a sua participação


decisiva no processo em estudo, seu domínio completo da história anterior e dos
acontecimentos que conformaram o caso estudado.
Seria desejável que a participação desse ator no processo fosse contínua,
não fragmentada temporalmente, permitindo uma visão histórica e compreensiva da
atuação dos outros atores e uma compreensão dos conflitos existentes e sua
resolução. A localização do homem-chave foi facilitada pela participação do autor
desta pesquisa no subsistema de políticas, pelo seu conhecimento anterior da
maioria dos atores relevantes.

14
A adoção desse informante - chave acompanhou a estratégia utilizada por MUNIZ (1998),
assumindo-se a mesma denominação utilizada por aquele autor.
42
Durante a sua entrevista, atentou-se para os conflitos existentes durante o
processo de programação (PPI) e os diversos atores envolvidos.
A partir da entrevista com o homem-chave os demais atores foram
identificados, compondo a amostra intencional, não probabilística.

3.1.2 AS ENTREVISTAS

Como instrumento de coleta de dados foram desenvolvidos roteiros de


entrevistas, do tipo de entrevista centrada (“focused interview”), descrita por
THIOLLENT (1981), como aquela “na qual, dentro de hipóteses e de certos temas, o
entrevistador deixa o entrevistado descrever livremente sua experiência pessoal a
respeito do assunto investigado". O roteiro foi construído aberto o suficiente para
comportar uma liberalidade no discurso do ator, contemplando questões que
surgissem no decorrer da entrevista.
A composição da amostra dos entrevistados foi não-probabilística (amostra
intencional), buscando incluir atores considerados relevantes pela sua
participação nos processos descritos, procurando, sempre que possível, incluir
posições divergentes e/ ou conflitantes, e constituída por agentes situados nos
três níveis de governo, em funções de direção e/ou consultoria que participassem
das negociações cotidianas e/ou dos processos de regulamentação normativa do
subsistema de financiamento.
Os critérios para a inclusão dos entrevistados na amostra foram a
participação ativa no processo de elaboração e negociação das metas da PPI e o
exercício de função formalmente designada ou informalmente de interlocução
com outras instâncias de governo na definição de critérios de distribuição e
valores de recursos. Um critério complementar foi a manifestação pelo ator de
visão diferenciada ou de proposições divergentes, no decorrer do processo,
incorporadas ou não aos resultados da negociação, e que possa ser localizada a
partir dos relatos dos demais entrevistados.
Este critério concorda com RUQUOY (1997), para quem

"Nos estudos qualitativos interroga-se um número limitado de pessoas, pelo que a


questão da representatividade, no sentido estatístico do termo, não se coloca. O
43
critério que determina o valor da amostra passa a ser a sua adequação aos objetivos
da investigação, tomando como princípio a diversificação das pessoas interrogadas e
garantindo que nenhuma situação importante foi esquecida. Nesta ótica, os indivíduos
não são escolhidos em função da importância numérica da categoria que
representam, mas antes devido ao seu caráter exemplar" (RUQUOY, 1997:103).

Foram realizadas doze entrevistas, envolvendo cinco atores do nível federal


(incluindo o homem-chave), quatro atores do nível estadual e três atores do nível
municipal. Outras cinco entrevistas foram realizadas anteriormente para o resgate
histórico do funcionamento da CIB-MG, cuja análise se fez em separado e compõe
parte do capítulo “Contextualização da Pesquisa”.
Consultas pontuais foram realizadas em alguns casos, quando se mostraram
necessárias para o esclarecimento de pontos obscuros ou contradições detectadas
nas falas de outros atores entrevistados posteriormente ao ator em causa.
As entrevistas foram transcritas e analisadas, buscando-se extrair os aspectos
relevantes à compreensão dos fenômenos em pauta, segundo categorias analíticas
pré-definidas, que são descritas a seguir.

3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS ADOTADAS

A importância da definição de categorias analíticas é identificada por MAROY


(1997), para quem,

"...a operação intelectual básica de uma análise qualitativa de materiais de entrevistas


consiste essencialmente em descobrir 'categorias' , quer dizer, classes pertinentes de
objetos, de ações, de pessoas ou de acontecimentos. Seguidamente, trata-se de definir
as propriedades específicas e de conseguir construir um sistema ou um conjunto de
relações entre essas classes. Esta operação pode, evidentemente, assumir aspectos
diferentes, consoante os objetivos atribuídos à análise" (MAROY, 1997:118).

O processo de construção das categorias varia, segundo SHATZMAN &


STRAUSS (1973)15 citado por MAROY (1997), de acordo com o objetivo a que se
pretenda chegar com a análise, seja a uma descrição simples, a uma descrição

44
analítica ou, finalmente, a um esquema teórico. Adotando-se a classificação destes
autores, considera-se uma descrição simples ("straight description"), objetivo
explícito da atual pesquisa, quando

"...o investigador utiliza uma teoria existente na disciplina para forjar um esquema de
análise a priori que lhe permita classificar o seu material. Destaca, no seu material,
segmentos que correspondem aos conceitos e às 'categorias' utilizadas na teoria ou na
disciplina. Além disso, tende a articulá-los numa lógica sugerida pela teoria" (MAROY,
1997:119).

Nesse tipo de análise, as categorias devem ser predefinidas, bem como suas
possíveis relações teóricas, como aqui se pretendeu realizar.
Nos demais tipos de objetivos, o de descrição analítica (analitic description) e
o de teoria local, o esquema geral de análise não parte de categorias previamente
estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas a partir dos materiais, "as
classes ou categorias e suas relações são sugeridas ou descobertas indutivamente
a partir dos dados" (MAROY, 1997:120).
A geração de teorias locais (local theories) seria um objetivo mais ambicioso
de algumas descrições analíticas. GLASSER & STRAUSS (1967), citados por
MAROY (1997:121)16, em sua obra The discovery of grounded theory, defendem que
as análises qualitativas teriam a possibilidade de gerar, a partir dos dados
contextualizados, aquilo que denominam de teoria fundada (grounded), superando a
simples descrição dos fatos em uma área específica. Esta teoria local, derivada
indutivamente de um campo empírico restrito de uma investigação qualitativa
particular, poderia depois se conformar em teorias formais ou gerais (formal
theories), numa segunda fase, abrangendo um campo conceptual mais amplo.
Na presente pesquisa, a construção das categorias analíticas se fez através
do cotejamento de atributos ou dimensões reconhecidas como constitutivas das
relações e da gestão intergovernamentais contidas na teoria estabelecida nessa
área do conhecimento, bem como de referenciais teóricos que dão conta dos
mecanismos envolvidos no seu processo de efetivação prática.

15
SHATZMAN, L. & STRAUSS, A. Field research strategies for a natural sociology. Englewood Cliffs :
Prentice Hall, 1973.
16
GLASSER, B. & STRAUSS, A. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative
research. New York: Aldine, 1967.
45
Essas categorias se mostraram instrumentos úteis na verificação da
expressão e conformação das diversas dimensões no caso em estudo, orientando a
elaboração do roteiro de entrevistas e possibilitando a análise das mesmas.
A seguir, enumeramos as categorias analíticas e sua definição conceitual.

3.2.1 CATEGORIA "INTERAÇÃO"

Essa categoria pretende contemplar o que para WRIGHT (1997) constituiria


dois dos atributos das RIG, qual sejam o fato de as RIG "abarcarem todas as
permutas e combinações de relações entre as unidades de governo" (primeiro
atributo) e o fato de essas relações serem contínuas e não estarem "formalmente
ratificadas em acordos ou rigidamente fixadas por estatutos ou decisões dos
tribunais" (terceiro atributo). Ambos os atributos foram aqui reunidos numa mesma
categoria analítica pelo fato de que o primeiro constitui o espaço ou o ambiente em
que as relações se dão e o segundo atributo pretende abarcar as formas pelas quais
tais relações se dão concretamente.
Ao enfatizar interações entre atores que se dão além do marco
constitucionalmente estabelecido, o enfoque das RIG supera as análises clássicas
do federalismo, enfatizando um amplo espectro de interações que vão além das que
se estabelecem formalmente entre os governos nacional e estatal ou inter-estatal
(MUNIZ, 1998).
Por definição, o conceito de RIG engloba todo uma gama de interações
complexas que se concretizam na formulação e implementação de políticas:

"Motivo pelo qual abarca todas as permutas e combinações de interações possíveis


na produção de políticas - como as processadas entre o governo nacional e local,
entre o estadual e local, e inclusive interlocal - e as relações entre as agências
setoriais do governo em diferentes níveis (empresas públicas, fundações, etc.) e os
organismos não governamentais" (MUNIZ, 1998:6).

AGRANOFF (1991) considera que o número de unidades de governo


envolvidas nas RIG estaria em contínuo crescimento e, ao reconhecer que no
interior dessas unidades estão implicados diversos segmentos organizativos

46
funcionalmente especializados, suas relações resultariam num número assombroso
de interações possíveis.
Tais padrões de interação remetem ao conceito de redes interorganizacionais
adotado por MANDELL (1993), pretendendo abarcar a complexidade inerente a esse
tipo de sistema. Assim, para esta autora, as redes interorganizacionais se definem
como "várias distintas ações que estão relacionadas por meio de um tipo específico
de interação e dentro de um certo contexto" (MANDELL, 1993:191). Embora
estreitamente relacionadas, as duas categorias: interação e articulação em rede,
serão tratadas separadamente. Julgou-se oportuno destacar as interações nestas
duas categorias analíticas, procurando abarcar a amplitude, a periodicidade e
superação dos marcos legais na primeira categoria e a estrutura que se conforma
com a acumulação histórica das interações na segunda categoria. Para utilizar os
conceitos de MATUS (1993), a primeira se localiza no plano das fenoprodução
(produção dos fatos) e a segunda se inscreve no plano das fenoestruturas
(acumulações históricas), sendo uma de suas dimensões.
O interesse na adoção dessa categoria analítica seria investigar como se
manifestam as interações entre os atores localizados nos diversos órgãos e níveis
de governo, com vistas a viabilizar o andamento das políticas setoriais (no caso, do
financiamento do setor).

3.2.2 CATEGORIA "ARTICULAÇÃO EM REDE"

WRIGHT (1997) assinala que os administradores públicos estão envolvidos


em um grande número de interações intergovernamentais.
Para MANDELL (1993) estes padrões de interação conformam "redes
intergovernamentais", envolvendo "várias distintas ações que estão relacionadas por
meio de um tipo específico de interação e dentro de um certo contexto" (MANDELL,
1993:191). Já AGRANOFF (1991) destaca que "as redes intergovernamentais se
caracterizam pelo fato de serem, simultaneamente, políticas, administrativas e
interorganizativas" (AGRANOFF, 1991:204).
KLIKSBERG (1999) reconhece que “a idéia de que as relações
intergovernamentais são levadas a cabo em redes intergovernamentais e não em
entidades organizacionais separadas é uma mudança importante na nossa maneira

47
de conceitualizar a gerência no cenário intergovernamental” (KLIKSBERG, 1999:4)
(Tradução livre do autor da Dissertação).
RUBIEN (1984) entende as redes como estruturas interorganizativas que
podem ajustar-se a um dos três modelos: reticular, de implantação e de enlace.
Estruturas reticulares não são permanentes ou específicas para cada projeto.
Estruturas de implantação são orientadas à execução de programas. As de enlace
se encontram a meio caminho entre o controle central próprio das estratégias de
implantação e a coordenação frouxa das estruturas reticulares.
MANDELL (1993) classifica dois tipos de estrutura de rede: as redes por
projeto (organizadas para dar conta de projetos específicos) e redes funcionais
("existem independentemente da execução ativa ou não de projetos"). Para ela "a
idéia - chave é que a rede interorganizacional se converte em uma vinculação de um
variado número de organizações e/ou indivíduos dentro de um todo coerente"
(MANDELL, 1993:192).
Os padrões de contato e mecanismos de comunicação utilizados
desempenham, segundo a autora, elementos para que condicionem a capacidade
dos administradores para operar estas redes de gerência:

"Posto que não há formas de depender de instruções ou regras específicas para reger as
ações dos membros da rede organizacional , a comunicação efetiva se torna o elemento
crítico da execução de projetos. Por conseguinte, as redes de gerência constituem uma
ferramenta para alcançar o tipo de comunicação multilateral indispensável nestes
contextos. A capacidade dos gerentes para utilizar estas redes de gerência requer que
dominem 'tanto a estrutura das redes como o processo de 'trabalhar em rede' (construir
relações)"' (MANDELL, idem, idem).

Outro aspecto relevante no funcionamento das redes intergovernamentais é o


padrão adotado de coordenação da ação dos diversos atores envolvidos. A
coordenação nas redes pode ser qualificada de multilateral, não baseada na
hierarquia entre níveis de governo.

"Os gerentes na rede interorganizacional na realidade não estão gerenciando diferentes


níveis de governo; estão gerenciando relações que atravessam os distintos níveis de
governo. Os esforços de coordenação hierárquica fracassam porque não tomam em
conta este aspecto singular da gerência dentro da rede" (MANDELL, 1993:197).
48
LOVELL (1979)17, citada por WRIGHT (1997), ao analisar as estratégias de
coordenação das RIG no contexto norte-americano da década de 70, concluiu pela
existência de uma mínima coordenação das RIG numa fase classificada pelo último
autor, como a fase competitiva, que perdurou durante as décadas de 60 e 70,
naquele país. A autora identificou três tipos ou estratégias de coordenação. A
primeira delas foi a orquestração de cima para baixo, partindo da administração
superior e praticada por ocupantes de cargos eletivos, intentando regular a ação dos
especialistas funcionais, a tecnoburocracia localizada em instâncias executoras dos
programas. Essa foi a estratégia de coordenação menos utilizada nos casos que
estudou. Mais freqüentemente utilizada que a primeira, uma segunda estratégia
envolvia os especialistas funcionais no nível local, em que procuravam saltar o fosso
que os separava dos demais programas governamentais. A maior parte dessa
estratégia se dava por canais informais, que se tornavam cada vez mais importantes
e institucionalizados, realizando-se através de intenso intercâmbio de informações e
idéias entre os profissionais. A terceira estratégia de coordenação foi a chamada
engrenagem de transmissão de baixo para cima, que consistiria no "processo de unir
ou integrar o apoio financeiro no ponto de prestação dos serviços ao cliente ou
cidadão". Este tipo de estratégia revelou-se o "mais freqüente, satisfatório e eficaz",
sendo facilitado pelas transferências globais destinadas ao nível local. (WRIGHT,
1997:159-60).

3.2.3 CATEGORIA "CAPACIDADE DE AÇÃO"

Essa categoria corresponde ao segundo atributo, sugerido por WRIGHT


(1997), para a caracterização das RIG relativa ao elemento humano, às pessoas
concretas, funcionários públicos-chave que influenciam poderosamente as RIG. Para
o autor não haveria relações em abstrato entre governos, mas sim, relações entre
funcionários concretos que dirigem diferentes unidades de governo, sendo suas
ações e atitudes o cerne das RIG.
Desta forma "as ações e atitudes individuais dos funcionários públicos
constituem a essência das relações intergovernamentais" (WRIGHT, 1997:74). Ao

17
LOVELL, C.H. Where we are in intergovernmental relations da some of the implications. Southern
Review of Public Administration, v. 2 , jun.1979. p.13-14.
49
enfatizar os papéis dos agentes públicos individuais como atores potencialmente
influentes nas RIG, este autor valoriza, portanto, um nível analítico mais
desagregado das relações entre os níveis e órgãos de governo do que aquele
adotado no enfoque clássico do federalismo.
A capacidade de ação dos funcionários públicos envolvidos nas RIG está
determinada pelas suas acumulações históricas que desenvolvem na sua trajetória
profissional, inclusive acumulações de poder. Nessa categoria, enquadram-se os
diferenciais de poder, conhecimento, experiências anteriores com os temas, contatos
anteriores consolidados com os demais componentes da rede, credibilidade,
reconhecimento inter paris, reputação, etc. As habilidades de negociação desses
agentes, condicionadas em parte pelas acumulações apontadas, são elementos
fundamentais para a eficácia das RIG.

3.2.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇÃO"

Essa categoria verificaria o grau de formalidade das interações. Corresponde


a uma das dimensões do terceiro atributo das RIG descrito por WRIGHT (1997).
Os funcionários envolvidos nas RIG utilizariam basicamente de mecanismos
informais, práticos e orientados para objetivos que possam se realizar no interior dos
contextos organizacionais e legais definidos. Estariam esses atores
fundamentalmente preocupados em que as coisas aconteçam, funcionem, isto é,
que os processos não se interrompam por amarras jurídicas ou institucionais.

3.2.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO"

O processo permanente de negociação entre os agentes públicos constitui


uma das manifestações mais evidentes da prática da GIG. Essa categoria visa
identificar os mecanismos utilizados pelos atores dos três níveis de governo para
definir a agenda de negociação, as práticas utilizadas e os entraves ao processo.
Propõe-se, assim, identificar os

"Instrumentos de gestão das discrepâncias entre distintos atores pelos quais estes,
mediante mecanismos mais ou menos formalizados e desde suas respectivas posições,
chegam a um reconhecimento dos interesses que os unem e separam. Os benefícios

50
obtidos por alguns participantes se percebem que se dão ligados a perdas, por parte dos
demais" (AGRANOFF, 1991: 210)

3.2.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS"

Categoria advinda dos mecanismos descritos por AGRANOFF(1991) como


típicos da GIG entendidos como

"...processos de ajuste mútuo, geralmente informal, viáveis naqueles casos em que não
existem diferenças de fundo entre as distintas posições. Os interesses em conflito são
percebidos como menos importantes que os pontos de acordo" (AGRANOFF,
1992:210).

MUNIZ (1997) atribui à focalização em problemas específicos a condição de


eficácia das negociações na GIG:

"...o êxito da GIG está condicionado à capacidade de manter o foco permanente no


problema em questão e à capacidade de negociação com o fim de resolver os
problemas específicos, onde fiquem claras não apenas as razões técnicas da solução
adotada, senão também a natureza política da própria GIG" (MUNIZ, 1997:11).

A escolha dessa categoria visa abarcar os mecanismos de definição das


questões problemáticas e de definição da agenda de negociações setoriais e os
enfoques utilizados na sua resolução, seu grau de focalização em torno de questões
potencialmente conceituais e pragmáticas ou meramente ideológicas.

3.2.7 CATEGORIA "CONTROLE DOS RECURSOS"

O controle diferencial dos recursos entre os diversos níveis de governo e


entre os diversos atores é aqui contemplada. Essa heterogeneidade no controle dos
recursos é assim descrita por MUNIZ (1998):

"Devido ao fato de que, nos estados politicamente descentralizados, nenhuma das


esferas territoriais possui todos os recursos necessários (humanos, financeiros, legais e
informativos) para o desenvolvimento da política, a interação entre elas se faz
imprescindível para esta formação, sendo os aspectos financeiros um fator crucial para a

51
análise desta interação, entendendo-se que 'as cifras monetárias são, desde logo, um
método conveniente para medir a envergadura e o efeito das influências entre unidade
de governo''' (MUNIZ, 1998:7).

Essa atitude do nível que detém os recursos é classificada por WRIGHT


(1997) como a regra de ouro dos jogos de RIG. Esta regra estabelece que quem tem
o ouro faz as regras. Há também a variante de quem paga o músico escolhe o tom.
Ela reflete as expectativas naturais ou impostas de que, ao se outorgar um fundo
federal a um programa ou projeto, deve-se estabelecer requisitos que garantam a
destinação dos fundos aos objetivos estabelecidos.
Tal categoria correspondente ao mecanismo de GIG descrito por AGRANOFF
(1991) que supõe a "utilização de subvenções para alcançar objetivos nacionais
através de governos subnacionais e organizações privadas" (AGRANOFF,
1991:209).

3.2.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO"

Essa categoria busca contemplar o comportamento estratégico e político dos


atores envolvidos no processo da implementação das políticas. Diferentemente do
enfoque estratégico clássico no qual fixam metas, definem estratégias e as
executam, os agentes envolvidos nas redes interorganizacionais assumem uma
postura mais incremental, adotando comportamentos de mobilização:

"Embora tenham idéia do que esperam alcançar, vão 'provando as águas' antes de
proceder. Desenvolvem apoio a suas idéias e as vão modificando à medida que
avançam. No caminho, reúnem as forças necessárias para levar adiante as idéias"
(MANDELL, 1993:195)

3.2.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO"

Nessa categoria busca-se abranger os "intentos de condicionar as ações de


outras unidades de governo através da produção de normas" (AGRANOFF,
1991:209). Pela sua abrangência, aqui se opta por incluir mecanismos que o citado
autor distingue, como mudanças no marco intergovernamental (reforma estrutural
legal ou normativa) e as revisões de procedimentos.
52
O mesmo autor localiza apenas interesses positivos e cooperativos nessas
mudanças, como fica explícito na motivação que localiza nas primeiras:

"Favorecer o desenvolvimento das relações cotidianas alterando o marco


intergovernamental (aprovação de novos tipos de subvenções intergovernamental ou
estandardização dos requisitos ligados às mesmas, por exemplo)" (AGRANOFF, idem,
idem).

Pressupõe apenas intenções cooperativas e eficientistas nos objetivos do


segundo tipo de mudanças ("revisão de procedimento"), descurando em parte das
manobras utilizadas pelos atores que detêm a capacidade de impor normas legais
ou infralegais para alcançar seus intentos, expandir seu grau de autonomia no
processo e/ou limitar o poder dos outros componentes da arena de políticas.

"Facilitar a gestão das subvenções intergovernamentais através da reforma dos


processos administrativos (formalização e revisão conjunta das solicitações, moderação
dos requisitos de procedimentos, renúncia à aplicação rigorosa das normas)"
(AGRANOFF, idem, idem).

Inclui-se no âmbito de análise por esta categoria os "convênios entre


unidades de governo para a prestação, obtenção ou intercâmbio de serviços, assim
como para a criação de organizações orientadas à consecução de objetivos
comuns" (AGRANOFF, idem, idem).

53
4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

Neste capítulo, empreendeu-se inicialmente uma descrição sucinta de alguns


dos impasses resultantes do processo de implementação do SUS, de certa forma
assumidos como motivadores da realização desta pesquisa.
Posteriormente, realizou-se uma contextualização do financiamento do SUS
nos seus aspectos institucionais-legais, revendo-se os critérios de distribuição
contidos na legislação e procurou-se demonstrar a impossibilidade prática de sua
aplicação automática, obrigando sua regulamentação negociada.
A seguir, abordou-se o processo de regulamentação dos dispositivos legais
através da negociação entre os atores situados nos três níveis de governo, que
resultaram nos conteúdos das Normas Operacionais Básicas do SUS. Esses
instrumentos normativos regem a descentralização do sistema, fixando os
mecanismos e critérios de distribuição dos recursos federais, sempre de maneira
transitória, refletindo as conjunturas político-institucionais e a grande
heterogeneidade das situações regionais e locais.
A seguir, procura-se descrever o processo de programação e orçamentação
recente do sistema, situando os antecedentes do processo de PPI, condição para
um entendimento do caso estudado.
Por fim, a partir de uma investigação complementar ao núcleo da presente
pesquisa, buscou-se historiar sinteticamente a CIB-MG, desde a sua criação até o
momento da PPI, e empreendeu-se uma tentativa de periodização de sua evolução
histórica. A compreensão da história e do funcionamento da CIB-MG e, portanto, da
relação entre os gestores municipais com o gestor estadual, é condição para um
bom entendimento do processo da PPI, compondo seu pano de fundo político e
institucional.

54
4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS

O processo de implementação do SUS, uma vez superados os momentos de


sua formulação inicial no interior do denominado “Movimento de Reforma Sanitária"
e sua conformação jurídico-legal na Constituição Federal de 1988 e nas Leis
Federais n° 8080, de 19/09/90 e n° 8142, de 28/12/90 (impropriamente
denominadas, em seu conjunto, de Lei Orgânica da Saúde) (BRASIL, 1988,1990),
coloca diversas questões e desafios teórico-práticos do maior interesse e de
resolução urgente.
O "Movimento da Reforma Sanitária", ou simplesmente "Movimento
Sanitário", constituiu-se, na década de 70, a partir de

"...redes de estudantes e docentes de medicina, jovens médicos que iniciaram sua


carreira no serviço público, outros profissionais empregados no serviço público de saúde
e os sanitaristas. A visão do movimento sanitário a respeito da atenção à saúde era
determinada de um lado pelos princípios que serviram de base aos projetos de extensão
de cobertura de saúde implementados pelas secretarias estaduais de saúde, e, de outro,
pelas críticas ao sistema existente de serviços de saúde" (STRALEN, 1996:297)

Uma aliança desses atores, qualificada por ARRETCHE (1996) como "uma
articulação positiva entre a burocracia do Ministério da Saúde, a elite profissional do
setor e governadores e prefeitos", conseguiu viabilizar "a aprovação de medidas de
reforma a partir do centro do sistema político” (ARRETCHE, 1996:56).
O consenso inicial aparente entre os diversos atores sociais envolvidos no
processo de formulação e formalização jurídico-legal foi progressivamente solapado
frente aos diversos obstáculos e encruzilhadas que foram se antepondo no processo
de implementação dessa política social.
Fundamentos basilares do modelo do sistema, como a universalização, a
descentralização e o controle social, se veriam ameaçados por resultados
inesperados ou desfavoráveis que se manifestaram no decorrer do processo de
implementação da política.
A diretiva da universalização dos benefícios da assistência à saúde, ao ser
assumida num contexto de aguda crise financeira em geral e do sistema

55
previdenciário em particular, aprofundaria o fenômeno que os meios de comunicação
de massa em geral rotulam de caos da saúde. Essa situação crítica da assistência à
saúde no país, para MENDES (1996), não poderia ser imputada exclusivamente à
expansão da demanda decorrente da universalização do sistema, antecedendo
historicamente à sua implantação. Esse autor constata, então

"...uma crise dos serviços de atenção médica, mais agudamente manifestada na


desorganização dos hospitais e dos ambulatórios, em que se misturam ingredientes
perversos: filas, atendimento desumanizado, pacientes nos corredores, mortes
desnecessárias, grevismo crônico, etc. São problemas indiscutíveis mas que não
surgiram como conseqüência do SUS; ao contrário, constituem problemas históricos em
nosso país” (MENDES, 1996:70).

Observou-se um progressivo declínio do gasto público federal nos primeiros


anos da implantação do SUS. A essa queda nos gastos federais aliou-se a
instabilidade das fontes de financiamento num momento de crescimento da
produção dos serviços prestados à população pelo sistema (MENDES,1996),
agudizando, assim, a crise já existente.
Outro fenômeno observado foi denominado, por vários autores, como
universalização excludente. Por esse termo procurou-se caracterizar o padrão de
cobertura assistencial marcado pela expulsão dos setores médios para a assistência
supletiva (seguros-saúde privados) e a redução da clientela do sistema oficial aos
contingentes pauperizados e marginalizados da sociedade (FAVERET FILHO et al.,
1989; MENDES, 1993).
A descentralização, outro princípio basilar do sistema, ocorreu de forma
heterogênea e complexa, não alcançando a melhoria na gestão dos serviços e o
18
desejado controle social pela população organizada, como se propalava no
discurso das lideranças reformistas.
A democratização do sistema seria, naquela visão, um corolário automático
da descentralização da gestão. Como assinala MUNIZ (1992), “seria equivocada a

18
Por controle social é qualificada, na literatura sanitária brasileira recente, a participação de
setores da sociedade civil organizada na formulação e controle da implementação das políticas de
saúde, através das Conferências e Conselhos de Saúde. Na literatura sociológica clássica, o sentido
é inverso, denotando o controle da sociedade sobre o indivíduo, assumindo-se "que uma pessoa está
condicionada ou limitada em suas ações pelos grupos, pela comunidade e pela sociedade a qual
pertence" (WOLFF,1986:265).
56
identificação entre democracia e instituições político-administrativas
descentralizadas” (MUNIZ, 1992:106).
Assim também entende MÉDICI (1994), ao afirmar que:

“Muitos autores, ao considerar a descentralização como um fim, argumentam que o


resultado da descentralização é a participação social. Esta concepção é falsa. O que
a descentralização permite é uma melhor canalização ou vocalização das demandas
sociais da população, mas isso só ocorre em comunidades que estão mobilizadas na
defesa de seus interesses. Assim, a descentralização pode ser um instrumento de
opressão das comunidades de baixo grau de consciência e organização, pelas
oligarquias que manipulam o poder local” (MÉDICI, 1994:59).

O processo de implementação do SUS envolve, portanto, questões


complexas e ainda não resolvidas, sem melhorias perceptíveis na qualidade dos
serviços, apresentando, pelo contrário, sensível piora dos mesmos, como é voz
corrente nas contínuas denúncias veiculadas nos meios de comunicação de massa.
Os determinantes dessa crise podem ser localizados, para além das
restrições do financiamento e das desastradas administrações federais e estaduais
do período, sem querer negá-las ou obscurecer seu forte papel na configuração do
estágio atual do sistema, nas representações subjetivas e estratégias dos atores
sociais envolvidas na condução do processo de Reforma Sanitária, como alerta
CAMPOS (1994):

“...no caso brasileiro da Reforma Sanitária... optamos por um desvio estruturalista


aparentemente mais viável e mais breve. Nas duas últimas décadas, empenhamo-
nos muito mais na mudança do aparato legal e da estrutura político-administrativa,
esquecendo-nos das pessoas concretas que operariam e que usufruiriam desta
máquina que criávamos. O resultado disso está sendo um impasse. Mudou-se muito,
para pouquíssimos resultados concretos, ou pior, a crise dos serviços de saúde e da
saúde pública prossegue sua trajetória destrutiva, à revelia do esforço de um
conjunto de atores a que se convencionou denominar de movimento sanitário"
(CAMPOS, 1994:33).

A preocupação com a gestão do sistema e com os aspectos de sua efetiva


implementação é relativamente recente, resultante do viés estruturalista
anteriormente apontado por CAMPOS (1994), quando se pretendeu que as
57
mudanças do arcabouço jurídico-legal e a elaboração de modelos abstratos de
estruturação político-adminitrativa, acrescentando-se aqui as proposições de
modelos de atenção, fossem resultar, mais ou menos automaticamente, em um
sistema mais eficiente, universalizado e equânime.
A compreensão dos mecanismos de gestão do processo de implementação
do SUS em um aspecto vital para sua viabilidade, o financiamento, com um enfoque
centrado nas práticas concretas das pessoas concretas que operam o sistema, é
uma possibilidade aberta pelo enfoque de RIG e GIG que se pretende desenvolver
na atual pesquisa.

58
4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

4.2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DEPENDENTE E VINCULADA

A legislação que instituiu o Sistema Único de Saúde definiu as bases do


modelo de financiamento do sistema, tanto com respeito às fontes quanto aos
mecanismos de transferência de recursos entre o nível federal e os estados e
municípios (BRASIL, LEI n° 8080, de 19/09/90 e LEI n° 8.142, de 28/12/90).
Tal legislação definiu que as transferências seriam subvenções
intergovernamentais do tipo transferências não condicionadas ou não negociadas,
por mecanismos de transferência direta e automática do Fundo Nacional de Saúde
aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde.
Esse padrão definido na legislação configura um modelo de “descentralização
dependente e vinculada” (MEDICI, 1994:65). A descentralização dependente se
caracteriza por repasses do nível federal, instância arrecadadora, para os demais
níveis, sujeitando-os ao cumprimento de requisitos formais de organização e
alocação de recursos, diferenciando-se da descentralização autônoma, em que os
recursos seriam arrecadados na própria instância local. A descentralização
dependente se daria sob duas formas: a vinculada, baseada em transferências
automáticas definidas em legislação e a forma tutelada, baseada em transferências
negociadas, que agudizaria a condição de dependência dos níveis local e regional
ao nível central e alicerçada em alianças políticas ou técnicas efêmeras (MEDICI,
1994:66).

4.2.2 OS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO CONTIDOS NA LEGISLAÇÃO

A Lei Federal no 8.080, de 19/09/90, estabeleceu explicitamente, no seu Art.


35, os critérios para a distribuição dos recursos federais para a saúde para estados e
municípios:

“Art.35 - Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito


Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo
análise técnica de programas e projetos :
59
I - perfil demográfico da região;
II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;
III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;
IV - desempenho técnico , econômico e financeiro no período anterior;
V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e
municipais;
VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;
VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas
de governo.
Parágrafo primeiro - Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios
será distribuída pelo quociente de sua divisão pelo número de habitantes,
independentemente de qualquer procedimento prévio” (BRASIL, 1990 a).

A Lei Federal n° 8.142, de 28/12/90, estabeleceu, posteriormente, maiores


restrições ao arbítrio governamental, definindo como único critério a ser seguido,
enquanto não se regulamentasse o Art.35 da Lei n. 8.080, aquele contido no
Parágrafo Primeiro do mesmo, ou seja, “o quociente de sua divisão pelo número de
habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio”:

“Art.3° - Os recursos referidos no inciso IV desta Lei serão repassados de forma regular
e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios
previstos no Art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990.
Parágrafo primeiro - Enquanto não for regulamentada a aplicação dos
critérios previstos no art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990,
será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente, o critério
estabelecido no parágrafo primeiro do mesmo artigo.
Parágrafo segundo - Os recursos referidos neste artigo serão
destinados, pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o
restante aos Estados.
Parágrafo terceiro - Os Municípios poderão estabelecer consórcio
para a execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si,
parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2 desta Lei” (BRASIL,
1990 b).

Para esclarecimento, o referido inciso IV do art.2 desta Lei Federal n. 8.142 se


referiria a recursos do Fundo Nacional de Saúde - FNS - a serem alocados para a

60
cobertura de ações e serviços de saúde e a serem implementados pelos Municípios,
Estados e Distrito Federal .
A imprecisão dos critérios de distribuição elencados pela legislação induziu a
diversas tentativas de proposição técnica de critérios, como a apresentada por
VIANNA e outros, ainda em 1990 (VIANNA et al.,1990). Esses autores se depararam
com dificuldades em traduzi-los para parâmetros concretos e índices de ponderação
definidos, obtendo-se simulações de perfis de distribuição mais eqüitativos que os
observados na prática, mas sempre vulneráveis a questionamentos pelas multíplices
possibilidades de escolha abertas pela imprecisão do texto legal .
Ao resumir as conclusões da primeira simulação realizada por este estudo de
VIANNA et al. (1990), que resultara em uma distribuição semelhante à da população,
na medida em que critérios concentradores eram anulados por critérios
distributivistas, na ausência da utilização de ponderações, MENDES (1996)
observou que:

“Uma simulação da aplicação dos critérios estabelecidos na Lei Orgânica da Saúde,


pelas macrorregiões brasileiras, com dados de 1989, levou a algumas conclusões:
os perfis demográfico e epidemiológico favoreceram as regiões Norte e Nordeste; as
características quantitativas e qualitativas da rede de serviços privilegiaram as
regiões Sudeste e Sul; o desempenho técnico, medido pela cobertura vacinal ,
beneficiou as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul; os níveis de participação do
setor saúde nos orçamentos estaduais favoreceu as regiões Norte e Nordeste. A
síntese dos critérios permitiu verificar que, em conjunto, eles aproximaram-se do
tamanho populacional relativo, o que significa distribuição bastante igualitária mas
não necessariamente eqüitativa” (MENDES, 1996:197).

Esse perfil mais igualitário de distribuição obtido pela simulação de VIANNA et


al. (1990) seria, para MENDES (1996), motivo para justificar resistências à aplicação
dos critérios contidos na legislação e a prática observada de utilização de critérios
outros, a partir de processos de negociação entre os atores sociais interessados,
expressos nas Normas Operacionais. Assim, segue-se à citação anterior :

“...talvez por isso os critérios da lei não foram implementados na prática


social, sempre sob justificativa de que faltava a regulamentação do Art.35,
da Lei 8.080/90 . De fato, os critérios distributivos, no que concerne aos
recursos da União, na parte que significa transferência para a assistência
61
médica, vêm sendo construídos por normas operacionais que,
pragmaticamente, desconhecem os critérios legais, dentro da melhor
tradição nacional de fazer leis que não podem ou não devem ser
cumpridas” (MENDES, idem, idem).

Outras propostas de critérios foram elaboradas por OLIVEIRA JR (1992) e


CASTRO (s.d).
A aplicação estrita dos dispositivos legais, no entanto, resultou problemática,
na medida em que o Ministério da Saúde sempre se dispôs a distribuir
exclusivamente recursos de custeio para a assistência médico- hospitalar, como já
tinha sido problematizado por VIANNA et al.(1990), reservando os recursos de
investimento para transferências negociadas, através de convênios. Essa limitação
dos montantes distribuídos contraria a perspectiva que se poderia deduzir da
interpretação textual da legislação, qual seja a da redistribuição da totalidade dos
recursos destinados a estados e municípios, inclusive daqueles destinados a ações
de saúde coletiva e, principalmente, daqueles de investimento. Quaisquer das
simulações de caráter redistributivo realizadas se mostraram desfavoráveis a vários
estados e municípios que, já limitados na suas capacidades de financiamento dos
serviços existentes, se veriam na iminência de ter de compartilhar estes recursos de
custeio com estados e municípios de menor gasto per capita.
Uma distribuição perfeitamente isonômica, com idênticos valores de gasto per
capita, como ademais previa a legislação na ausência de regulamentação dos
critérios contidos no Art.35 da Lei Federal n° 8.080, significaria reduções mais
drásticas dos recursos de custeio para aqueles estados e municípios com estruturas
assistenciais mais expressivas, justamente aqueles já mais sobrecarregados pela
demanda assistencial.
Tal distribuição perfeitamente homogênea dos recursos de custeio contradiz
também o caráter de sistema tecnologicamente hierarquizado que caracterizaria o
SUS, organizado em distintos níveis de atenção, portadores de graus diferenciados
de incorporação tecnológica e, portanto, com custos operacionais distintos e
crescentes à medida que se ascende nos níveis. Essa heterogeneidade inerente ao
sistema impede a aplicação de critérios simplistas de distribuição, pretensamente
mais igualitários. Mesmo as iniciativas de se conferir tetos de programação com
idênticos valores per capita envidadas por alguns estados, como exemplificado por
62
MENDES (1996), redundariam em acumulação nos centros de referência regional ou
estadual, após negociados os fluxos de referência e contra-referência entre os
municípios. A transferência direta de recursos do nível federal aos estados e
municípios com base exclusivamente no estoque de habitantes revelar-se-ia
impraticável.
CARVALHO (1992)19, em texto apresentado como subsídio à IX Conferência
Nacional de Saúde, afirma que:

“...ao que tudo indica [...], será muito difícil, se não impossível, buscar hoje uma
definição aceitável para o artigo 35. A busca da eqüidade através destes parâmetros,
na atual conjuntura, parece ser temerária. O óbice principal é a falta de dados o
mínimo necessários e o mínimo confiáveis. Corre-se o risco de ferir a eqüidade
através da aceitação de casuísmos indefensáveis. Seria como uma tentativa de
‘forçar’ o cumprimento atual de uma lei impossível de ser cumprida com clareza e
precisão. A saída pela partilha exclusivamente pelo quociente populacional é o
cumprimento exato da Lei n. 8142. O que já é possível hoje . A lei é clara que se deva
adotar este critério até que se defina o Art.35 da Lei n. 8080. À primeira vista, poderia
parecer que esta definição era apenas uma questão de trabalho ‘braçal’ de se fazer
cálculos e modelos. A realidade está sendo clara em mostrar a tantos quantos
tentaram que, com os dados disponíveis atualmente e com os casuísmos necessários
para se definir o 35, esta opção é inviável” (CARVALHO,1992:71).

4.2.3 A REGULAMENTAÇÃO NEGOCIADA

Após um período de “turbulências políticas e morais” que caracterizou o


Governo Collor de Mello (MENDES, 1996), com resistências à descentralização e a
implementação efetiva do SUS, o Ministério da Saúde do Governo Itamar Franco
editaria a Norma Operacional SUS 01/93 (NOB 93), através da Portaria MS n° 545,
de 20 de maio de 1993 (BRASIL, 1993).
Essa norma operacional, que regulamentou o processo de descentralização
da gestão do sistema, criou instâncias permanentes de negociação e normalização
no âmbito federal (Comissão Intergestores Tripartite - CIT) e estadual (CIBs).

19
Este autor posteriormente seria nomeado Secretário de Assistência à Saúde do Ministério da
Saúde, cargo que sucedeu a extinta Presidência do INAMPS.
63
A CIT foi constituída por representantes do Ministério da Saúde, do CONASS,
entidade representativa dos secretários estaduais, e do CONASEMS, configurando-
se como uma instância formal e permanente de negociação e de gestão
intergovernamental. Tem por finalidade "assistir o Ministério da Saúde na elaboração
de propostas para a implementação e operacionalização do SUS, submetendo-se ao
poder deliberativo e fiscalizador do Conselho Nacional de Saúde” (BRASIL, 1993).
As CIBs estaduais foram formadas paritariamente por dirigentes das
Secretarias Estaduais de Saúde e dos órgãos de representação dos Secretários
Municipais de Saúde, constituindo-se como “instância(s) privilegiada(s) de
negociação e decisão quanto aos aspectos operacionais do SUS” e “cujas decisões
deverão ser referendadas ou aprovadas pelo respectivo Conselho Estadual,
submetendo-se ao seu poder deliberativo e fiscalizador” (BRASIL, 1993).
Essas instâncias de gerenciamento do processo de descentralização foram
criadas no sentido de possibilitar a adoção de mecanismos flexíveis de normalização
do processo de descentralização, dada a heterogeneidade dos diversos processos
estaduais de implementação do SUS.
A NOB 93 resultou de um processo de reiteradas consultas e negociações
entre diversos atores sociais e grupos de interesse. Isso fica explícito na introdução
do documento “Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de
cumprir e fazer cumprir a lei”, texto que cumpriu o papel de uma exposição de
motivos da Portaria Ministerial que instituiu a Norma Operacional 01/93, elaborado
pelo Grupo Especial de Descentralização (GED), incumbido da elaboração da
proposta de regulamentação:

“A prioridade atribuída à formulação de uma proposta de operacionalização dos


dispositivos legais que determinam a descentralização do Sistema Único de Saúde,
manifestada, ante o Conselho Nacional de Saúde, se concretizou em documento
apresentado ao Plenário daquele Colegiado em reunião extraordinária, realizada no dia
21 de Janeiro de 1993. A partir daí iniciou-se um longo processo de discussão e
negociação com o conjunto dos atores da área, que em maior ou menor grau já se
encontravam integrados ao debate destas questões . Gestores estaduais e municipais,
setor privado, entidades de representação popular e sindical, instituições públicas
federais, entidades científicas se dedicaram a analisar, questionar e oferecer sugestões
para o aperfeiçoamento da proposta. O que se buscava - e se obteve - foi a superação

64
de divergências capazes de inviabilizar a implementação das medidas propostas”
(BRASIL, 1993:5).

Como o próprio título do relatório do GED ressalta, “a ousadia de cumprir a


lei” foi uma das consignas que orientou os trabalhos daquele grupo incumbido de
traduzir, em normas acordadas entre os diversos atores sociais interessados, os
dispositivos legais anteriores. Porém, no esforço de regulamentar os conteúdos da
legislação, o GED inseriu critérios de distribuição, transferência de recursos e
mecanismos de descentralização não contemplados pela legislação e, mesmo, em
total desacordo com aqueles dispositivos.
Ao regulamentar a Lei, a NOB 93 reorientou o processo de descentralização,
propondo diversas modalidades de gestão descentralizada para os estados
(condições de gestão parcial e semi-plena) e municípios (condições de gestão
incipiente, parcial e semi-plena), de acordo com o interesse e o compromisso
manifesto pelos respectivos entes federados na assunção das diversas
responsabilidades de gestão descentralizada .
Manteve ainda, a respeito do financiamento, as modalidades de
transferências de recursos denominadas AIH (Autorização de Internação Hospitalar)
e RCA (Recursos de Cobertura Ambulatorial) e os respectivos sistemas
informatizados de pagamento (e base para controle), SIH-SUS (Sistema de
Informações Hospitalares do SUS) e SIA-SUS (Sistema de Informações
Ambulatoriais do SUS). Definiu também que

“...para os municípios o teto quantitativo mensal (de AIHs) será equivalente a um


duodécimo de 8% de sua população, enquanto para os estados será de um duodécimo
de 2% de sua população, acrescido dos quantitativos devidos aos seus municípios que
não estiverem nas condições de gestão incipiente, parcial ou semi-plena” (BRASIL,
1993:5).

No aspecto financeiro, a NOB introduziu o princípio de limitação dos gastos


estaduais e municipais com internações hospitalares a um teto orçamentário
previamente definido. Até então, o limite ao gasto hospitalar se prendia à fixação
apenas do teto físico, isto é, de um quantitativo de internações permitidas de serem
realizadas em cada estado, independentemente do impacto financeiro total que tais

65
internações fossem representar. O valor do impacto financeiro só podia, então, ser
conhecido à medida que se consolidava a totalidade das faturas hospitalares do
estado. Esse princípio fica assim inscrito na NOB 93, baseando seu cálculo na série
histórica dos valores médios da AIH:

“...o teto financeiro de custeio das atividades hospitalares para os municípios será
calculado através da multiplicação do quantitativo de AIH pelo valor médio histórico da
AIH no estado (janeiro a dezembro de 1992), corrigido na mesma proporção que a tabela
básica de remuneração de procedimentos hospitalares” (BRASIL, 1993:5).

No caso do financiamento ambulatorial, manteve-se o cálculo pela Unidade de


Cobertura Ambulatorial (UCA), valor definido para cada estado e a ser aprovado pelo
Conselho Nacional de Saúde que, ao ser multiplicado pelo número de habitantes do
estado, comporia os RCA, um limite orçamentário para os gastos ambulatoriais.
Todos estas modalidades de cálculo de recursos contradizem o texto legal,
sendo produto da negociação entre os gestores dos três níveis de governo,
correspondendo às especificidades das diversas situações e estágios de
implementação do sistema e à busca de garantias de condicionar o comportamento
dos demais níveis.
Resultados positivos quanto à implantação da NOB foram reconhecidos por
MENDES (1996), mas considerados insuficientes quanto à consecução de maior
eqüidade pelo sistema, pontuando que

“...a NOB 01/93 não obedeceu à determinações legais contidas na Lei 8.080/90 no que
concerne à distribuição dos recursos e não se preocupou em instituir mecanismos que
levassem à equidade. A sua operacionalização, na prática social, fez avançar
significativamente o processo descentralizador e teve impacto na eficiência dos serviços
prestados, especialmente em municípios que adotaram gestão semiplena. Contudo, seus
resultados em eqüidade são questionáveis” (MENDES, 1996:198).

O período que se seguiu à edição da NOB 93 foi marcado por grande


diversidade nos padrões de gestão do sistema descentralizado e das relações entre
estados e municípios (LIMA, 1999 e LEVCOVITZ, 1997) e conflitos de competências
entre os níveis de governo.

66
A NOB 01/96 vai radicalizar o processo de descentralização do sistema,
buscando corrigir as distorções detectadas durante a aplicação da norma
operacional anterior. LIMA (1999), citando LEVCOVITZ (1997), arrola as estratégias
adotadas pelo Ministério da Saúde, fruto de negociação com o CONASS e o
CONASEMS, além daquelas de reforço à capacidade gestora do SUS e da
organização da gestão da assistência à saúde, representadas pelo desenvolvimento
de instrumental técnico/operacional para gestão do SUS:

"...radicalização da descentralização e ampliação dos efeitos da NOB SUS 01/93, com


definição clara dos papéis das instâncias de governo e plena responsabilização dos
municípios pela saúde integral de seus munícipes; mudança na lógica de alocação de
recursos financeiros com estímulo à utilização dos instrumentos de programação,
controle e avaliação como indutor da recuperação do comando do sistema pelos
gestores públicos; estímulo à mudança do modelo de atenção à saúde, priorizando-se a
reorganização da atenção básica; recuperação da capacidade operacional e melhoria da
qualidade das unidades assistenciais do SUS" (LIMA, 1999:78).

Após um período de negociação de cerca de um ano nos fóruns da CIT e do


Conselho Nacional de Saúde, edita-se a NOB – SUS O1/96, através da Portaria n°
2202, de 5/11/96. O conteúdo da NOB 96 foi amplamente discutido, e "envolveu
vários segmentos da sociedade, além de várias oficinas de trabalho do CONASS e
encontros do CONASEMS", onde se "buscou a elaboração de uma proposta
consensual, que atendesse às necessidades dos diferentes níveis gestores do SUS"
(LIMA, 1998:82).
A NOB 96 introduz uma série de inovações na gestão do sistema, cabendo
aqui destacar a proposta de uma PPI, a introdução do Piso Assistencial Básico
(PAB) - um montante de recursos destinado exclusivamente às ações básicas de
saúde - e uma melhor definição das competências dos três níveis de governo, além
de diversos incentivos financeiros vinculados a ações de vigilância sanitária e
epidemiológica. Modifica também as condições de gestão para estados e
municípios, instituindo as formas de gestão plena da atenção básica e gestão plena
do sistema municipal para os municípios, e gestão avançada do sistema estadual e
gestão plena do sistema estadual, para os estados.

67
Um maior detalhamento e uma análise dos conteúdos da NOB 96 podem ser
realizados a partir dos trabalhos de LIMA (1999) e SCOTTI (1996), fugindo do
escopo desta pesquisa.
A PPI, no entanto, mote deste estudo de caso, representou:

"...um elemento primordial da NOB SUS 01/96. Enquanto instrumento negociado entre
gestores, traduz as responsabilidades, objetivos, metas, referências inter-municipais,
recursos e tetos orçamentários e financeiros, em todos os níveis de gestão. Expressa a
garantia de acesso universal aos serviços de saúde, diretamente, ou por referência a
outro município, sempre por intermédio da relação gestor-gestor. O processo de
elaboração é ascendente com base municipal, buscando a integralidade das ações,
observando critérios nas CIB e CIT, aprovados nos respectivos Conselhos Estaduais de
Saúde (CES)" (LIMA, 1999:83).

A PPI abrangeria todas as dimensões da atenção à saúde realizadas pelo


sistema (assistência ambulatorial, hospitalar, vigilância sanitária, epidemiológica e
controle de doenças), com uma base municipal, "constituindo um instrumento
essencial de reorganização do modelo de atenção e da gestão do SUS, de alocação
dos recursos e explicitação do pacto estabelecido entre as três esferas de governo"
(BRASIL, 1997:18)
A NOB 96 vai valorizar o papel das instâncias estaduais na coordenação do
processo de programação e a compatibilização e harmonização das metas das
referências intermunicipais.

"O processo de elaboração da Programação Pactuada entre gestores e Integrada


entre esferas de governo deve respeitar a autonomia de cada gestor: o município
elabora sua própria programação, aprovando-a no CMS20; o estado harmoniza e
compatibiliza as programações municipais, incorporando as ações sob sua
responsabilidade direta, mediante negociação na CIB, cujo resultado é deliberado pelo
CES" (BRASIL, 1997:18).

As intenções expressas na NOB 96, quanto ao papel da PPI, serão


modificadas no processo de sua implementação concreta, como se descreverá no
capítulo seguinte.

20
CMS - Conselho Municipal de Saúde
68
4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS: SUA
CONSTITUIÇÃO E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO

A partir dos depoimentos colhidos nas entrevistas, o funcionamento da


CIB/MG foi descrito e periodizado em diversas fases, de acordo com os padrões de
relações estabelecidos, o seu grau crescente de formalização, o perfil dos conflitos
observados e das estratégias adotadas pelas partes no seu tratamento e resolução.
A Comissão Intergestores Bipartite Estadual foi constituída no âmbito do
SUS/MG, imediatamente à sua proposição pela NOB 93, e instituída por portaria da
Secretaria Estadual de Saúde. O papel previsto para essa comissão foi o de
deliberar sobre os diversos aspectos relativos à descentralização do SUS no Estado
que, até aquele momento, vinham sendo assumidas exclusivamente pelo gestor
estadual:

"Um dos aspectos relevantes dessa comissão, segundo atores da SES/MG, é que
ela, através da negociação entre os gestores, normatiza (sic) e legitima as decisões via
deliberações (de acordo com a pauta de reunião) que são publicadas no Diário Oficial do
Estado, facilitando a comunicação com as instituições encarregadas do processo de
implantação do sistema. Esta conduta não era observada antes do SUS, conforme
declarações de atores entrevistados, uma vez que a maioria das decisões partia da SES"
(AIRES, 1996:29).

Antes mesmo dessa instituição formal, as relações entre o gestor estadual e


os gestores municipais já vinham, entretanto, se dando de maneira informal e já
configurando um incipiente espaço de gestão intergovernamental, caracterizando a
primeira das fases, que passamos a descrever.

4.3.1 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NÃO INSTITUCIONALIZADA

Os entrevistados são concordes em afirmar que as deliberações sobre o


processo de descentralização do SUS, embora assumidas e publicadas
unilateralmente pelo gestor estadual, no período de 1991 a 1993, foram um
resultado de consultas e pactuações informais com a direção do Colegiado dos
69
Secretários Municipais de Saúde (COSEMS/MG), entidade reconhecida pela direção
da SES como legítima interlocutora do conjunto dos gestores municipais. Essa
interlocução se processou na definição dos mecanismos de transferência da rede
básica e da cessão de pessoal, no momento inicial da municipalização.
Ainda nessa fase marcada pela informalidade na relação entre os gestores,
deu-se a pactuação do processo e dos critérios de distribuição dos recursos de saldo
de UCA21, condicionando os repasses à assunção, pelos municípios, da gestão da
rede básica. Fica, portanto, evidenciada a utilização de um incentivo de caráter
econômico para estimular tal adesão, na época voluntária, do município ao processo
de descentralização capitaneado pelo estado federado:

"A grande questão é que o financiamento se dava pela definição de teto por estado,
através dos valores de UCA. Havia cinco diferentes valores de UCA no Brasil. A NOB 91
é que trazia esta definição de valor UCA. O estado tinha um teto fixado e começou a
haver um saldo, quando o estado não gastava aquele teto tinha um 'saldo de UCA'.
Então a Secretaria de Estado passava a receber este dinheiro. Como a gente tinha um
processo de negociação, a distribuição deste recurso passou a ser reivindicado que
ocorresse num processo de negociação. Então nós acoplamos o processo de
descentralização à possibilidade de se receber o 'saldo de UCA'. Quem recebesse a
rede básica recebia também esse recurso, uma vez que o estado não pôs recurso
(próprio) para a distribuição” (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91/94).

Nessa fase, o processo de programação ambulatorial e hospitalar foi também


um dos objetos da pactuação. No caso da área ambulatorial, houve a definição dos
critérios de distribuição dos Recursos de Cobertura Ambulatorial (RCA), um
montante de recursos destinados aos estados federados para cobertura de todas as
atividades e procedimentos realizados em ambulatórios e fixado regularmente a
partir da NOB 91. Quanto ao financiamento da rede hospitalar pública e privada, a
pactuação se estendeu à fixação de tetos de AIH por município, rompendo-se com a
lógica anterior das cotas pertencentes aos hospitais.

21
UCA - Unidade de Cobertura Ambulatorial: valor per capita atribuído pelo Ministério da Saúde a
cada estado federado, que multiplicado pelo número de habitantes, resultava no valor da RCA
(Recursos de Cobertura Ambulatorial), teto orçamentário para as ações ambulatoriais ao qual os
estados tinham que se adequar , sob pena de sofrer "cortes" nas faturas apresentadas ao Ministério.

70
Segundo os depoimentos, na primeira distribuição de AIH, quando se
definiram os primeiros tetos por município, a sua distribuição intramunicipal baseou-
se numa programação conjunta entre estado e gestor municipal, num momento em
que os municípios, em geral, ainda não tinham uma perspectiva de assumir
plenamente a gestão da rede hospitalar. A relação da SES com os municípios
assumiu uma postura pautada pela mera informação dos critérios propostos e dos
resultados obtidos, com uma concordância explícita, por parte da direção do
COSEMS, quanto aos encaminhamentos.
Nesse contexto, o conflito mais evidente e a negociação subsequente se
deram principalmente com os deputados majoritários de regiões que assumiram a
defesa da persistência das cotas hospitalares. Essas cotas vinham, até então, sendo
definidas centralmente por ato do Secretário de Estado da Saúde, desde a
implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS – em 1987.
Com a instituição do SUDS, estágio do processo de descentralização do sistema
nacional de saúde, diversas competências do extinto INAMPS foram delegadas aos
estados, inclusive o poder de realizar a distribuição interna dos recursos para
pagamento dos serviços realizados pelos setores público e privado.
Na época enfocada, a representação dos municípios no COSEMS compunha-
se, em sua maioria, de municípios de maior porte. Em 1992, com a presidência do
órgão passando a um secretário de saúde de um município médio, a participação de
um maior número de municípios de porte médio naquela representação ampliou-se.
A estratégia adotada pela SES à época, para consolidar a transferência da
rede básica se deu, segundo os depoimentos dos dirigentes da SES, através da
participação nas Conferências Municipais de Saúde preparatórias da IX Conferência
Nacional de Saúde, realizada em agosto de 1992.
Durante o ano de 1993, a direção da SES/MG desencadeou a realização de
Seminários Macrorregionais, realizados em cidades-pólo regionais, com intensiva
participação das diversas áreas técnicas da Secretaria. Nesses eventos, buscou-se
o convencimento dos secretários municipais e prefeitos para a aceitação da
transferência da gestão da rede contratada, com o repasse da responsabilidade
pelos procedimentos administrativos de autorização das internações hospitalares.
Tais procedimentos eram realizados, até então, pelos antigos Serviços de Controle e

71
Avaliação do INAMPS, já incorporados, à época, nas estruturas dos Centros
Regionais de Saúde da SES.
O convencimento dos prefeitos municipais no sentido de assumirem o
controle da rede contratada trouxe novos aliados para este momento de
radicalização do processo de descentralização. Os deputados estaduais, que teriam
agido como empecilho na retirada das cotas hospitalares transformaram-se, para
surpresa dos dirigentes estaduais, em inesperados aliados da descentralização,
quando vislumbraram as possibilidades da transferência efetiva de poder para as
prefeituras municipais de suas regiões.
A adoção de práticas de relações intergovernamentais nessa fase não
institucionalizada e incipiente de funcionamento da instância que se constituiria
posteriormente na CIB-MG fica então evidenciada. A necessidade da gestão
negociada do processo de descentralização e dos critérios e mecanismos de
financiamento, já se faz presente tão logo se implementou a descentralização do
sistema, com a transferência da rede básica de serviços para os municípios. O
caráter informal das relações e a negociação contínua das questões relevantes entre
os gestores foram um traço marcante dessa fase, atestando a constituição de um
incipiente sistema de RIG, com características daqueles descritos por WRIGHT
(1997:71).

4.3.2 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NA CIB FORMALIZADA

Nessa fase, a partir das negociações envidadas no interior da CIB, as


decisões da SES em relação ao funcionamento do sistema, que inicialmente eram
consideradas de competência exclusiva do gestor estadual, passaram a ser
progressivamente submetidas à negociação na instância intergestora e publicados
na forma de deliberações conjuntas:

"A gente fez um levantamento na secretaria estadual das resoluções do Secretário e das
deliberações da Bipartite, sobre o que era o objeto de deliberação da Bipartite no
primeiro ano de seu funcionamento e o que passou a ser no último ano em que nós
ficamos lá (1994). No primeiro ano de funcionamento, tudo saia como forma de
resolução do Secretário. Gradativamente, a Bipartite foi assumindo o papel normativo da

72
Secretaria. Coisas, que no começo eram consideradas como da competência exclusiva
da Secretaria Estadual, foram gradativamente assumidas como deliberação da Bipartite.
Passou a ser um processo de negociação" (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91-
94).

Essa mudança representa uma inflexão importante nos mecanismos de


tomada de decisões sobre as políticas estaduais de saúde. Até então, as decisões
eram tomadas unilateralmente pelo Secretário de Estado da Saúde e expressas em
resoluções. O compartilhamento com a representação dos municípios das decisões
fundamentais com respeito à descentralização do sistema passam a ser uma prática
usual. Progressivamente, todas as decisões que implicavam a habilitação dos
municípios nos critérios previstos na NOB 93, bem como a fixação de valores dos
recursos de custeio para os municípios, passam a ser tomadas conjuntamente.
Ainda em 1994, realizou-se uma reprogramação dos tetos de AIH, com a
redefinição dos seus quantitativos, resultante de uma negociação no âmbito
microrregional dos fluxos de referência intermunicipais , quando "pela primeira vez
um município visualizou o que ele tinha no outro município" (Depoimento de
dirigente da SES, gestão 91-94).
O nível de consenso com o processo de negociação nessa fase pode ser
aquilatado pelo seguinte depoimento:

"Os conflitos nesta época circulavam em torno dos tetos municipais, muito mais em
função dos critérios aplicados na redistribuição do que na publicação do valor final.
Quando se publicavam os tetos, já estavam consensados. Não se publicava sem
consenso. A Bipartite funcionava não por voto, mas por consenso, e ela negociava até
consensar. Havia um processo de negociação árduo. A Bipartite não ‘rachou,’
verdadeiramente, em nenhum momento. Quando as coisas eram apresentadas ao
Conselho Estadual para serem homologadas, elas já tinham um consenso, então o
estado e os municípios defendiam juntos. Nós nunca levamos uma divergência estado -
município. No processo 91-94 isto não aconteceu nenhuma vez da gente ir ‘rachado’.
...Não houve, também, na época, nenhum recurso à Tripartite". (Depoimento de dirigente
da SES, gestão 91-94).

Uma condição determinante para a conformação do grau de conflito presente


nesta fase se prende ao fato da existência de uma relativa margem de folga no teto
orçamentário total do Estado em relação ao nível de execução real dos serviços.
73
Essa folga propiciou uma maior liberalidade na fixação dos tetos orçamentários
municipais, num momento em que os municípios assumiam a responsabilidade
sobre a gestão das estruturas assistenciais. Neste período, o estado de Minas
Gerais conquistou uma elevação contínua nos valores dos RCA junto ao Ministério
da Saúde, por uma conjunção de interesses entre atores que ocupavam a direção da
Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) e o gestor estadual. Ambos os atores
tinham compromissos explícitos com o processo de descentralização do sistema de
saúde e pertenciam às hostes do Movimento da Reforma Sanitária. O Estado
conseguiu, à época, dobrar o montante dos recursos destinados ao custeio dos
serviços ambulatoriais.
Essa situação privilegiada permitiu um nível relativamente baixo de conflito
entre os gestores e um grande crescimento da oferta de serviços de saúde
executados direta ou indiretamente pelas prefeituras municipais. Essa conjuntura
pode ser classificada como de transição de um modelo de autoridade inclusiva para
um modelo de autoridade superposta, para utilizar as categorias de WRIGHT (1997),
onde o "crescimento do bolo" permitiu a adoção de "estratégias de soma variável",
em que "todos os participantes podem obter ganhos" (WRIGHT, 1997:109). Esse
autor ressalta também uma tendência de crescimento dos conflitos em conjunturas
opostas, de restrição orçamentária e adoção de políticas fiscais restritivas do gasto
público.
Tal conjuntura favorável vai se reverter nos momentos posteriores, quando o
limite do teto orçamentário estadual passa a ser alcançado freqüentemente e mesmo
ultrapassado. Este “estouro do teto”, no jargão dos atores, vai constituir um fator
gerador de um novo tipo de conflito, dada a necessidade de remanejamento entre os
tetos dos municípios sempre que se pretendesse a inclusão de novos serviços. Essa
nova condição atuou também como fator desestimulador para gestores que
estivessem assumindo, naquele momento, a municipalização dos serviços.
Os depoimentos dos dirigentes da SES foram também acordes em localizar a
maior resistência ao processo de descentralização nessas duas primeiras fases, em
setores da própria burocracia estadual. Estes setores passaram a manifestar uma
crescente insegurança, cada vez mais explícita quanto às suas novas atribuições e à
perda ou limitação dos espaços de poder discricionário que vinham até então
gozando. Diversas Diretorias Regionais de Saúde (DRS), que resistiram a

74
implementar as novas diretivas, tiveram um papel relevante no atraso dos processos
de descentralização para os municípios. Os cento e quinze Serviços de Controle e
Avaliação Microrregional, que conservaram o seu funcionamento praticamente nos
mesmos moldes que foram herdados do INAMPS, mantinham-se como instâncias
burocráticas onde se davam todas as autorizações de AIH e das faturas de serviços
ambulatoriais públicos e privados e passaram a ameaçar a própria competência das
DRS, arrogando normas e orientações já ultrapassadas provindas do seu órgão de
origem, já em processo de extinção.
Observa-se, nos depoimentos coletados, a assunção da condução das
políticas de descentralização como uma tarefa executada com alto
comprometimento pessoal. Neste sentido, o uso freqüente e recorrente da utilização
dos tempos verbais na segunda pessoal do plural revela um elevado envolvimento
dos diversos atores na implementação das políticas, sem se confundir, de nenhuma
forma, com a interpenetração de objetivos meramente pessoais ou de grupos de
interesse na condução da política pública. Essa observação coincide exatamente
com a condição assinalada por outros autores para o sucesso na implementação de
políticas, para os quais “... o êxito da implementação pode ser frustrado quando os
técnicos encarregados desta atividade não estão cônscios de seu comprometimento
com a política" (VAN METER et al., 1975, p.128).

4.3.3 A FASE DO CONFLITO ABERTO: 1995-1996

A administração estadual, iniciada em 1995, encontrou uma situação


qualitativamente diferenciada em relação ao início da anterior, com um processo de
descentralização das estruturas assistenciais e de poderes de gestão para os
municípios já bastante avançada. A prática de gestão compartilhada do próprio nível
estadual com os municípios veio a limitar em muito, como foi descrito, o poder
discricionário do nível central do sistema e do Secretário de Estado, em particular.
Acresce-se que os tetos orçamentários municipais, tanto para a assistência
ambulatorial, quanto para a hospitalar, já se encontravam distribuídos e sua
execução já alcançava os limites globais permitidos para o estado, definidos pelo
Ministério da Saúde.

75
No programa eleitoral para a saúde do governo que se iniciava duas
propostas prioritárias foram assumidas: a organização de Consórcios Intermunicipais
de Saúde e o Programa de Saúde da Família. O estágio de implementação do SUS,
encontrado pela nova gestão, se diferenciava muito do anterior. A rápida
descentralização do sistema, com a transferência da gestão da rede de serviços
para os municípios (municipalização da saúde), introduz na arena política uma
enorme quantidade de novos atores, gestores municipais de pequenos municípios,
até então alijados das negociações mais relevantes e portadores de demandas
novas, como a da desconcentração dos serviços. Essas demandas, em franca
contradição com os interesses dos municípios de maior porte, decorriam do próprio
processo de municipalização que impunha responsabilidades assistenciais novas,
até então assumidas pelo Estado ou pela rede assistencial existente nos municípios
maiores. O pacto legitimador das políticas da gestão anterior da Secretaria Estadual,
como foi dito, privilegiava a aliança com os municípios de maior porte, resultando
que as novas demandas expressas pelos pequenos municípios tinham dificuldade
de se expressar naquele contexto, ou eram sobrepujadas por outras questões, para
eles menos relevantes.
Essa emergência no cenário de novos atores sociais, oriundos de processos
políticos diferentes daqueles que forjaram os fundadores do Movimento da Reforma
Sanitária (a luta pela redemocratização do país e a reforma democrática do setor
saúde), desmobilizou e deslegitimou o pacto político anterior. Esses novos atores
manifestavam um evidente descompromisso com o arcabouço ideológico do
movimento sanitário e com o discurso municipalista estrito.
Percebendo essas novas demandas destes atores, o Governo Eduardo
Azeredo orientou sua ação para capitalizar estas expectativas, conformadas num
projeto de mudança da orientação do processo de descentralização. As resistências
de setores municipalistas da tecnoburocracia do Estado foram obstaculizadas pela
introdução de um modelo de coordenação microrregional do processo de
descentralização e de organização dos serviços no interior do estado, através dos
Consórcios Intermunicipais de Saúde. Com esta estratégia contemplavam-se as
demandas pela desconcentração geográfica dos serviços de saúde e se estabelecia
uma instância de poder regional, que enfraqueceria o poder das estruturas estatais

76
existentes, as Diretorias Regionais de Saúde e as Secretarias de Saúde dos
municípios de maior porte.
Nesse quadro, e eleitas as estratégias assinaladas, a alternativa escolhida
pelo novo gestor foi encaminhar, de forma centralizada, as diretivas de sua política
de saúde, não as submetendo ao crivo da CIB. Tal postura gerou, à época, uma
reação exacerbada dos representantes do COSEMS. Na interpretação dos gestores
municipais entrevistados, a estratégia dos Consórcios Intermunicipais fragilizava a
interlocução direta com os mesmos, dirigindo os esforços de convencimento e poder
de decisão nessas instâncias de articulação microrregional diretamente para os
prefeitos municipais, que passavam a assumir a Presidência e o Conselho Diretor
dos consórcios. Outra estratégia adotada consistiu no apelo direto aos pequenos
municípios, grande maioria numérica no estado.
O COSEMS, como foi relatado, mantinha-se constituído por representantes de
municípios de grande e médio porte e encontrava-se bastante fortalecido
tecnicamente por uma assessoria reforçada, inclusive por membros remanescentes
da administração anterior.
A reorientação estratégica empreendida pelo gestor estadual gerou um
conflito permanente no interior da CIB que, nos momentos iniciais, foi esvaziada,
com reuniões ordinárias deixando de ser convocadas ou tendo sua pauta restrita a
aspectos secundários.
Apreende-se, pelos depoimentos, que alguns técnicos da Secretaria Estadual
que detinham cargos de direção na gestão anterior e haviam sido mantidos,
procuravam conservar as práticas anteriores de negociação e interpretavam tais
reorientações como um retrocesso na descentralização, resistindo às mesmas. Tal
resistência resultou no gradativo alijamento destes técnicos do processo e na sua
demissão voluntária ou forçada de seus cargos.
Os depoimentos dos gestores municipais e dos funcionários da gestão
anterior enfatizam o argumento de que as duas propostas de reorganização
comprometiam o processo de descentralização, na forma em que o mesmo vinha
sendo conduzido anteriormente. A proposta dos Consórcios Intermunicipais de
Saúde, capitaneada pela direção da SES/MG, interferia numa articulação que os
próprios municípios estavam iniciando autonomamente, do ponto de vista da
pactuação das referências microrregionais. A outra proposta, a implantação do

77
Programa de Saúde da Família, apresentava características de uma estratégia
assistencial de nível local, entre outras alternativas possíveis. A sua adoção deveria,
segundo os atores, ser objeto de decisão dos gestores municipais e não uma
imposição vertical do gestor estadual.
Essas divergências quanto ao espaço de autonomia dos municípios para a
definição dessas políticas, que traduziria uma concepção distinta dos limites de
competência de formulação e implementação de políticas no âmbito do sistema, se
configurou, portanto, com um dos pontos centrais do conflito, agora expresso
explicitamente e de forma pública extrapolando os limites da própria instância de
gestão negociada, a CIB.
Em face da resistência encontrada pelo gestor estadual de implementar suas
propostas, iniciou-se um processo de adiamentos repetidos das reuniões da CIB e
de alijamento de sua Secretaria Técnica que, até então, vinha apresentando um
funcionamento ativo e permanente. A decisão que iria alterar radicalmente o papel
da CIB nos momentos posteriores foi a interferência direta na eleição do COSEMS,
realizada em abril de 1997. O governo estadual mobilizou os pequenos municípios,
conclamando-os a participar do processo eleitoral, facilitando inclusive a locomoção
dos delegados. Como resultado dessa mobilização, capitaneada pelo Governo do
Estado, se elege uma chapa identificada com as propostas do Secretário Estadual
de Saúde, sintomaticamente denominada Chapa Consórcio.
A nova CIB, agora constituída por membros do COSEMS estreitamente
identificados com as políticas do gestor estadual, oriundos em sua totalidade de
pequenos municípios do interior do estado, vai marcar o momento seguinte.

4.3.4 A FASE DA CIB HOMOGÊNEA: A EXTERIORIZAÇÃO DO CONFLITO


PARA OUTRAS DIMENSÕES DO SISTEMA POLÍTICO

Nessa fase, as propostas do gestor estadual puderam ser implementadas,


dada a constituição de um novo pacto político legitimador, com reflexo direto na
composição da CIB. O grupo técnico da SES, localizado na Superintendência
Operacional de Saúde (SOS), retira-se da interlocução direta com os municípios nas
questões relevantes da descentralização. Até então, esse órgão interno da SES
vinha sendo o locus de pré-processamento técnico e negociação prévia com os
78
gestores do antigo COSEMS. O Secretário passa, nessa fase, a conduzir
pessoalmente as reuniões da CIB.
Os conflitos distributivos, inerentes à dinâmica de funcionamento do sistema,
passam a ter sua expressão em outros fóruns, visto que, na CIB, a estreita
identidade da direção do COSEMS com o gestor estadual impedia que os mesmos
se manifestassem livremente e encontrassem tratamento adequado naquela
instância.
Denúncias quanto a privilégios na distribuição de recursos para determinados
municípios de interesse político do governo passaram, então, a ser veiculadas na
imprensa. Tais denúncias passaram a ser formuladas por representantes sindicais
dos trabalhadores no âmbito do Conselho Estadual de Saúde, que até essa fase
vinha homologando as decisões da CIB, e foram assumidas também por
parlamentares da oposição. Nessa época, inclusive, representação ao Ministério
Público foi oferecida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Saúde - SINDSAÚDE,
denunciando a distribuição de recursos via Boletim de Diferença de Pagamento
(BDP)22, privilegiando eventuais municípios de interesse político-eleitoral do
Secretário.
Este transbordamento das questões e conflitos inerentes à gestão do
financiamento do SUS para outras áreas de negociação do sistema político
(parlamento, judiciário) e para a imprensa marcou essa fase do funcionamento da
CIB, uma vez que o conflito deixou de receber o tratamento negociado e a resolução
pactuada na instância interna ao setor .
Mesmo destituídos de representação formal,vários municípios de maior porte
mantiveram uma participação informal nas reuniões da CIB, intervindo em diversos
momentos, demonstrando a impossibilidade, mesmo numa situação de conflito
explícito e público, de se prescindir da negociação das questões suscitadas pelo
financiamento do setor.
Nova disputa pela representação no COSEMS, em abril de 1998, resultou na
vitória de outra chapa identificada com a direção da Secretaria Estadual à época,
agora por menor margem de votos que na eleição de 1997.

22
Boletim de Diferença de Pagamento – BDP: instrumento administrativo, utilizado no sistema de
pagamento do SUS, para corrigir quantitativos de repasses a mais ou a menos no Sistema de
Informações Ambulatoriais (SIA-SUS).
79
5 RESULTADOS

Neste capítulo, são expostos os resultados da pesquisa, divididos em dois


blocos. No primeiro, o processo da PPI é descrito em suas linhas gerais, na forma de
um relato histórico e analítico. No segundo, os mecanismos de gestão
intergovernamental empreendidos pelos atores envolvidos são descritos, em
correspondência com as categorias analíticas construídas a partir do referencial
teórico.

5.1 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DA PPI 97/98

5.1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PPI 97/98

A proposta de uma PPI surge na NOB SUS 01/96 como um mecanismo de


intermediação e explicitação das negociações de recursos financeiros, metas
assistenciais e modelos de atenção à saúde entre os três níveis de gestão do SUS.
A própria NOB resultou de um longo processo de negociação, no âmbito do
Ministério da Saúde, das competências e responsabilidades dos diversos níveis de
gestão e dos mecanismos de financiamento do sistema (vide capítulo 4-
“Contextualização da Pesquisa”).
A NOB 96 reafirmou o arcabouço institucional do processo de negociação
entre os gestores do SUS das questões suscitadas pela descentralização do sistema
e de sua regulamentação, já contido na norma operacional anterior, a NOB 93. Este
arranjo institucional define a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), no nível federal,
e as CIBs, no nível estadual, como os espaços institucionais privilegiados de
negociação, funcionando os Conselhos de Saúde (Nacional e Estaduais) como
instâncias homologatórias das decisões. A CIT assume o papel de instância de
recurso, dirimindo os conflitos não resolvidos no nível dos estados federados. A PPI,
nesse desenho institucional, foi então pensada como um instrumento de integração
das programações dos diversos níveis de gestão do sistema e de formalização dos

80
resultados das negociações, principalmente da definição de recursos de custeio e
dos fluxos de usuários dentro do sistema:

"As instâncias básicas para a viabilização desses propósitos integradores e


harmonizadores são os fóruns de negociação, integrados pelos gestores municipal,
estadual e federal - a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) - e pelos gestores estadual
e municipal - a Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Por meio destas instâncias e dos
Conselhos de Saúde, são viabilizados os princípios de unicidade e de eqüidade.
Nas CIB e CIT são apreciadas as composições dos sistemas municipais de
saúde, bem assim pactuadas as programações entre os gestores e integradas entre as
esferas de governo. Da mesma forma, são pactuados os tetos financeiros possíveis -
dentro das disponibilidades orçamentárias conjunturais - oriundos dos recursos das três
esferas de governo, capazes de viabilizar a atenção às necessidades e às exigências
ambientais. O pacto e a integração das programações constituem, fundamentalmente, a
conseqüência prática da relação entre os gestores do SUS".(BRASIL, 1997:9)

A expectativa por parte da representação dos municípios, na época, era que o


processo de PPI rompesse com a lógica anterior de programação, presa na maioria
das vezes a ajustes realizados sobre as séries históricas dos gastos de recursos
federais. Tal prática, disseminada na maioria dos estados, penalizava as gestões
mais inovadoras e racionalizadoras, enquadradas em formas de gestão mais
avançadas (gestão semi-plena), que buscavam reorientar os recursos entre os
diversos componentes dos tetos financeiros, com vistas a mudanças no modelo da
assistência:

"A lógica sempre foi uma série histórica e quem controlou teve perda financeira. A
verdade é essa! E o processo de programação que a NOB tentou introduzir era para
romper com isso. Dizendo o seguinte: 'Olha, vamos trabalhar a necessidade a nível
municipal, com o Conselho de Saúde, vamos dimensionar a demanda, e ao final, com o
recurso das três esferas disponível, vamos definir então o que dá para fazer através de
uma receita de prioridades de intervenção. Esse era o princípio, vamos consolidar isso
para o estado? Vamos consolidar a nível nacional? E esse vira um instrumento de
pactuação e tal. Não dá para ser esse ano, então tem metas acordadas para o segundo,
para o terceiro, para o quarto ano. Esse era o princípio. O princípio nunca saiu do
papel..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

81
A proposta de uma PPI representava para os gestores municipais, portanto,
um mecanismo que permitiria a ampliação e o exercício de um maior espaço de
autonomia municipal na utilização dos recursos do SUS. A repactuação pretendida,
num fluxo ascendente, a partir do município, como instituía a NOB 96, abriria
também a possibilidade de incremento de recursos:

"...eu programo a partir de necessidade, ainda que seja com parâmetro alocado de
forma eqüitativa para o estado inteiro, ele gera, no final ele gera, porque quem está
acima do parâmetro não aceita reduzir, quem tá abaixo do parâmetro quer atingir o
parâmetro. Então, na prática, ele gera necessidade. Então como você não tem - e as
raras vezes que você teve recurso público, com alguma relevância, ele acabou não
sendo pactuado por programação e, sim, por pressão de demanda de série histórica,
então a PPI sempre foi um instrumento marginal no processo geral de programação.
Essa que é a minha visão disso..." (Depoimento de ator do nível federal -
representação dos municípios)

Publicada já nos últimos dias da gestão de Adib Jatene no Ministério da


Saúde (período 95/96), a NOB 96 vai ter sua implementação arrastada durante todo
o ano de 1997, pela indefinição da nova equipe (gestão Carlos César Albuquerque,
período 97/98) quanto à concordância com os termos da negociação anterior da qual
resultou. Tal indefinição se refletiu na lentidão com que a proposta de diretrizes e
instrumentos da PPI, aguardados pelos gestores estaduais e municipais, tomasse
corpo.
Ciente de que a abertura de um amplo processo de programação resultaria
necessariamente numa pressão pela elevação dos tetos orçamentários estaduais,
congelados em sua maioria desde 1994, a direção do Ministério da Saúde se retraiu,
adiando a proposição de uma proposta de PPI. A aprovação, pelo Congresso
Nacional, da CPMF23, após uma prolongada campanha de convencimento do próprio
governo e do empresariado, empreendida pelo Ministro Adib Jatene, sinalizava a
injeção de recursos novos para o setor saúde, ampliando, assim, as expectativas
dos gestores estaduais e municipais:

23
Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras – CPMF: tributo compulsório cobrado
sobre a maioria das movimentações financeiras bancárias realizadas no país, destinada, a princípio, a
complementar o financiamento do SUS e da Previdência Social.
82
"... isso foi e voltou. Se você pegar as pautas da Tripartite, pelo menos 80% das reuniões
tinham aquele ponto lá. O que, na verdade, era informe, que estava em elaboração o
instrumento (da PPI). O problema é que, na ausência disso, os estados começaram a ter
que tomar iniciativas particularmente num momento, que foi em 97, onde havia
expectativa de um recurso novo com a CPMF. Quer dizer, a criação da CPMF, como
uma contribuição nacional, gerou expectativa de recurso novo” (Depoimento de ator do
nível federal - representação dos municípios).

O relato de um dos dirigentes do Ministério da Saúde à época, confirma que


tal expectativa de incremento do volume de recursos estava muito presente, após a
edição da NOB 96:

"... a NOB/96 [...] vira um paradigma mais financeiro do que de planejamento. Na


NOB/96, quando eu cheguei no Ministério, para mim estava embutido um pedido de
financiamento de mais dois bilhões e duzentos no sistema. Parecia que isso era um
pacto que estava assim... estava tudo certo que esse dinheiro ia acontecer. Eu acho que
o Jatene (Dr. Adib Jatene, Ministro da Saúde, período de 95/96) sai por causa disso,
porque esse dinheiro não apareceu. E aí eu chego justamente, o Albuquerque chega
(Ministro Carlos César Albuquerque, período 97/98), todo mundo chega nessa questão,
que a NOB/96 ia trazer mais dois bilhões e duzentos, dois bilhões e quatrocentos, e a
gente estava demonstrando que não, era menos um bilhão e quatrocentos...”
(Depoimento de ator do nível federal - Dirigente do Ministério da Saúde, período 97/98).

Tais expectativas se verão frustradas pelas restrições impostas pela área


econômica do governo federal (Ministério da Fazenda e do Planejamento),
impossibilitando um incremento de recursos do SUS para os estados:

“A primeira palavra do Malan (Dr.Pedro Malan, Ministro da Fazenda), para o


Albuquerque (Dr.Carlos César Albuquerque, Ministro da Saúde, período 97/98) era a
seguinte: olha, vocês não vão ter os vinte e dois bilhões, vocês vão ter vinte como estava
combinado, e menos um 'bi' e quatrocentos que é o pagamento do FAT...'Aceita ou não
aceita'? A princípio a gente falou : 'Não queremos', mas isso criou uma crise interna de
governo, que não saiu muito para fora, e nós nos propusemos ao desafio e falamos isso
na Tripartite vária vezes. Nós falamos mesmo: 'Olha, nós estamos fazendo o desafio
aqui a todos de gerir com esse dinheiro e, é claro, fazer um movimento por fora...Agora,
nós temos que criar regras para esse dinheiro...' Então a PPI entra nessa... numa nova
lógica” (Depoimento de ator do nível federal - Dirigente do Ministério da Saúde, período
97/98).
83
Nos últimos meses de 1996 e início de 1997, sob pressão da representação
dos estados e municípios, a direção do Ministério da Saúde aprovou na CIT uma
proposta de instrumento de PPI. Essa proposta havia sido desenvolvida pelas
assessorias do CONASS24 e CONASEMS25 em articulação com as áreas técnicas
do Ministério, se restringindo aos aspectos financeiros do custeio do sistema. A
preocupação dos estados e municípios com a recomposição de seus tetos
orçamentários justificava esta restrição, abdicando das diversas dimensões que a
NOB 96 previu para a PPI (dimensão de reorganização do modelo de assistência, de
necessidades de saúde baseadas no quadro epidemiológico, etc.). Essa
característica desse documento de proposta de PPI fica clara no depoimento de um
assessor do CONASEMS à época:

"O processo nacional que era a elaboração do instrumento, nunca passou disso,
né? Participei disso, com o (assessor do CONASS), basicamente, éramos os
responsáveis, no CONASS ele, e eu no CONASEMS, para fazer essa discussão e o que
nós fizemos foi um instrumento de descentralização do dinheiro. Foi isso. Porque nós
não acreditávamos que era possível avançar mais do que isso naquela conjuntura..."
(Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios)

O depoimento anterior coincide com este de outro ator do nível federal,


também participante permanente, pelo lado do Ministério da Saúde, nas
negociações ligadas ao financiamento:

"...se chegou à conclusão de que o estado faria a sua programação com os municípios
da melhor forma que ele achasse. Negociando com as planilhas que ele quisesse, com o
enfoque que ele achasse melhor. Porém, o Ministério da Saúde sugeriria que eles
respondessem ao Ministério da Saúde algumas informações que seriam importantes
para o Ministério da Saúde. Acompanhar essa programação, obter informações
gerenciais e algumas coisas que fossem importantes para o Ministério da Saúde sobre a

24
CONASS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários de saúde dos estados
federados que, através de uma diretoria eleita anualmente, realiza a interlocução com a direção do
Ministério da Saúde. Sua sede funciona nas dependências do próprio Ministério da Saúde, em
Brasília.
25
CONASEMS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários municipais de
saúde de todos os municípios brasileiros. Possui uma diretoria eleita anualmente em um congresso,
com delegação para realizar a interlocução com a direção do Ministério da Saúde. Sua sede funciona
em dependências do Ministério da Saúde, em Brasília.
84
organização dos estados. E ai então foi feito um primeiro, se tentou discutir na Tripartite
um documento que foi discutido com o CONASS e o CONASEMS e que contemplasse
tanto a necessidade do Ministério como as possibilidades dos estados. E esse
documento, ele nunca chegou a ser efetivamente adotado pelo Ministério da Saúde.
Chegou a ser aprovado na Tripartite, mas com essas mudanças de governo... Em
meados de 97 foi discutido esse documento mas ele não chegou a ser implantado de
jeito nenhum” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de
Políticas de Saúde/MS).

Pelo lado da representação do CONASS, a mesma avaliação se repete,


confirmando a estreita articulação das representações dos estados, municípios com
grupos técnicos do Ministério da Saúde na formulação das propostas. Tal articulação
resultou na elaboração de uma proposta de instrumento de PPI que chegou a ser
aprovada na Câmara Técnica da CIT e pela própria CIT, embora acabasse por não
ser assumida posteriormente pela direção do Ministério:

“...então, no ano 97 e 98, quando o processo de programação, patrocinado, vamos dizer


assim, pelo Ministério, esfriou muito, o CONASS teve o papel de tentar trazer de volta
essa discussão. Inclusive produzindo documentos, levando à Tripartite e aprovando na
Tripartite. Como não é órgão operacional, a operacionalização depende do Ministério,
não é? Um Conselho não implanta uma programação. Isso acabou caindo no vazio. Em
termos, porque agora o Ministério está resgatando a partir deste trabalho do CONASS,
uma nova proposta de PPI... Aí nós fizemos uma aliança com o CONASEMS, e aí
tentamos viabilizar via Câmara Técnica da Tripartite. E levamos à Tripartite. A Tripartite
aprovou, mas não havia um interesse político no Ministério de conduzir essa
programação...” (Depoimento de ator do nível federal – representação dos estados).

As críticas defensivas por parte da direção do Ministério da Saúde ao


instrumento aprovado na Tripartite dirigiam-se ao seu caráter restritivo, centrado
numa lógica de captação de recursos por parte de estados e municípios:

"...ele era um instrumento que foi criticado por conter só a divisão do bolo financeiro e
federal e como um instrumento de captação de recursos, aí o Ministério recusava
implantar"..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

Se durante todo o ano de 1997 a direção do MS se retraiu quanto à aceitação


de um instrumento de PPI e adotou uma estratégia protelatória, no final daquele ano,
85
no bojo de uma série de portarias que visavam regulamentar a NOB 96, definindo os
critérios de fixação dos valores do Piso Assistencial Básico (PAB), é apresentada
finalmente uma proposta de instrumento de PPI. Esse instrumento não fora fruto de
negociação com as representações dos estados e municípios, o que redundou numa
reação negativa por parte dos mesmos, resultando, na prática, na sua não
implementação:

“E aí, final de 97, o Ministério da Saúde se sentou sozinho e preparou uma proposta de
PPI que, no pacote do final do ano de 97, foi aprovada junto. E o Ministério da Saúde
começou a divulgar como uma proposta aprovada. Quando, na verdade, os estados e
municípios não tinham dado um 'OK' naquela proposta e discordavam inclusive da
proposta, porque ela tinha uma lógica diferente do que eles viam...” (Depoimento de ator
do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de Saúde/MS).

Esse impasse perdurou até o momento da pesquisa, sendo que os estados


que empreenderam processos de programação durante o período o fizeram
utilizando instrumentos próprios, por eles desenvolvidos, sem qualquer
uniformização de parâmetros assistenciais, critérios de fixação dos fluxos referência,
etc. As áreas técnicas do MS incumbidas da análise dos processos de
enquadramento (habilitação) dos estados nas formas de gestão previstas na NOB
96, em que a apresentação de uma PPI era uma das exigências, ficaram sem
qualquer referencial para a análise das propostas, aceitando qualquer tipo de
produto que lhes foi enviado:

“...e, nesse período todo, o Ministério da Saúde ficou sem ter como uniformizar ou pegar
as informações dos estados e consolidar aqui no Ministério. Porque cada estado mandou
a informação de modo diferente [...] aí cada ação do Ministério previa uma contrapartida
do Estado e do Município, e que a gente sabe que não é assim que funciona. Mas foi
assim que o Ministério enxergou e foi assim que ele propôs e colocou na rua essa PPI,
mesmo sem a aprovação do CONASS e do CONASEMS, mas a gente estava muito
preocupada em descentralizar, em habilitar. E aí, é como eu falei anteriormente, quem
estava se preocupando? ‘Cadê o documento de orientação de PPI do Ministério da
Saúde?’: era quem estava se organizando para habilitar o Estado. Então como não tinha,
ou tinha um que ninguém queria fazer, que não tinha como fazer, cada Estado fez o seu”
(Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de
Saúde/MS).

86
5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO
AUMENTO DOS RECURSOS

Se, por parte da direção do Ministério da Saúde, a PPI não foi um instrumento
privilegiado no planejamento e na distribuição dos recursos, num período
caracterizado por poucas alterações nos valores dos tetos orçamentários dos
estados e municípios (pelas restrições financeiras expostas anteriormente), no nível
estadual o mote da reprogramação atendeu outros interesses e teve conseqüências
mais abrangentes, pelo menos no caso em estudo.
A direção da SES-MG desencadeou o processo de PPI logo nos primeiros
meses de 1997. Criou-se um grupo técnico encarregado da elaboração de uma
proposta de processo e de instrumento de programação, coordenado pela sua
Superintendência Operacional de Saúde (SOS). Em reunião ocorrida em 19 de
fevereiro de 1997, a CIB aprovou a metodologia e o cronograma para a
reprogramação hospitalar, com atualização dos tetos físicos (quantitativos) e
orçamentários das AIH, prevendo seu término para o mês de maio seguinte. As DRS
iniciaram a implementação da proposta em março, com um prazo previsto para a
conclusão dos trabalhos em apenas 44 dias. A consolidação dos dados das
pactuações intermunicipais e inter-regionais, prevista para ser realizada pelo nível
central até o final de maio, se arrastou por vários meses, sendo concluída apenas
em novembro de 1997. Essa periodização e as dificuldades para a realização dessa
consolidação se encontram descritas em relatório de avaliação do processo da PPI
(“Programação Pactuada e Integrada – componente hospitalar e ambulatorial:
síntese do relatório final”), elaborado pela SOS:

“A terceira fase, registro e processamento das programações, no nível central (2ª etapa),
previa o início das atividades (análise da entrada de dados, relatórios, montagem do
banco de dados, desenvolvimento dos sistemas, etc.), para março e abril/97, com
término fixado em 30/maio/97” (MINAS GERAIS, SES-MG, 1998:1-2).

As dificuldades em se estabelecer uma reprogramação pactuada e integrada,


baseada em um sistema de referência e contra-referência para internações
intermunicipais e inter-regionais, contudo, contribuiu significativamente para o não

87
cumprimento dos prazos definidos no cronograma, apesar das insistentes
cobranças. Tal fato determinou atraso no cumprimento das atividades.

“A apuração das inconsistências por erros no preenchimento dos formulários, critérios de


programação, além de erros de soma, falta de assinaturas na documentação, etc., gerou
um grande número de informações complementares, em substituição aos dados
fornecidos originalmente. Com o passar do tempo, essas ocorrências foram se
avolumando, dificultando a elaboração consistente de um banco de dados confiável e a
consulta apurada sobre a realidade de cada município, em razão dos parâmetros
previamente aceitos” (MINAS GERAIS, 1998:2)

As motivações que levaram a direção da SES-MG a desencadear a


reprogramação hospitalar e ambulatorial são interpretadas diferentemente pelos
diversos atores entrevistados.
Na sua relação com o MS, a direção da SES-MG utilizou o mote da realização
de uma PPI como um claro mecanismo de aumento do teto financeiro do Estado, no
que são acordes todos os depoimentos das entrevistas:

“O que os estados fizeram? E Minas é um exemplo clássico disso, né? Ele pegou um
dinheiro, no caso de Minas, se não me engano, 7, 8% acima do teto disponível e
programou acima do teto disponível” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos municípios).

“Acho que o ... (Secretário de Estado da Saúde à época), do ponto de vista de estratégia
de condução do estado lá fora, teve uma estratégia interessante que foi criar um fato
político, ele fez a PPI 6% maior do que ele tinha, publicou os tetos como se reais o
fossem, mas também contando que a capacidade de gastos dos municípios também não
é 100%. Então eu achei a estratégia interessante. A minha crítica é um pouco na forma
do relacionamento e da seleção dos municípios” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).

“... foi nesse tempo mesmo, junho, por aí. Porque eles tinham apresentado a proposta de
habilitação do Estado em março, se não me engano, e tinha uns dez requisitos que não
tinham sido cumpridos, inclusive da PPI. E aí nós fomos lá para acabar de discutir com
eles isso. E assim, o estado... ,era uma proposta. E tinha aquela discussão: a PPI da
necessidade e a PPI do recurso que está definido para o estado. Então a gente encarou
aquilo como uma PPI que o Estado estava propondo para no momento que tivesse

88
condições de dar um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas
coisas a mais que ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve
repercussão nenhuma dentro do Ministério da Saúde. Os estados mandaram, o Distrito
Federal mandou, com quase 30% também de aumento no teto, Pernambuco mandou
também, propondo a habilitação do Estado nessa faixa de 30% de aumento de teto.
Então todos os estados mandaram a PPI da necessidade. A programação que eles
tinham efetivamente discutido e pensado, incrementando serviços e criando novas
coisas...” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas
de Saúde/MS).

A eficácia dessa estratégia de utilização da PPI como um instrumento de


pressão pelo aumento dos recursos federais do SUS para o estado, com vistas a
viabilizar a concessão de incentivos financeiros que induziriam os municípios a
adotar as políticas definidas pelo governo estadual (Consórcios Intermunicipais de
Saúde e Programa de Saúde da Família), foi nula, conforme será descrito adiante. A
direção do MS privilegiou a implantação do PAB26, focalizando, nesta nova forma de
financiamento da atenção básica à saúde, a aplicação dos recursos novos
conseguidos na negociação interna com a área econômica.

26
PAB - Piso Assistencial Básico: valor per capita definido pela NOB 96 para cobertura de ações de
atenção básica de saúde. A definição de seu valor e dos procedimentos que seriam cobertos por esse
componente do teto orçamentário dos municípios foi uma questão polêmica que se arrastou por todo
o ano de 1997.
89
5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM
NOVO PACTO POLÍTICO

Além do interesse imediato no aumento dos tetos, a direção da SES-MG


procurou, com a perspectiva aberta pela NOB 96 da realização de uma PPI, garantir
as condições de implementação das duas estratégias eleitas de mudança do modelo
de assistência: a organização dos Consórcios Intermunicipais de Saúde- CIS- e a
implantação do Programa de Saúde da Família- PSF. Através de um novo
instrumento de programação, pretendeu-se inserir incentivos financeiros aos
municípios que viessem a adotar aquelas estratégias de reorganização dos serviços.

“A relação com o Ministério se dá, a meu ver, da seguinte maneira: o estado de Minas
com a política do PSF e com a política dos consórcios, ela quis se credenciar através da
PPI como uma expressão dessa nova política; quer dizer, o Secretário que era o
presidente do CONASS, e é importante que não se esqueça disso, quis através da PPI
apresentar ao Ministério uma proposta que incluía esses atos, que ele considerava
avanços, que eram o consórcio e o PSF; e queria também na Tripartite que a distribuição
dos recursos do Ministério fossem feitos através dessas propostas que todos os estados
apresentassem a PPI e que no nível da Tripartite se fizesse uma negociação a partir
dessas demandas” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).

Como foi descrito no capítulo "Contextualização da Pesquisa", com essas


estratégias, o governo estadual buscava diferenciar-se das administrações
anteriores e estabelecer um novo pacto de legitimação e sustentação política,
fundando tal pacto nos novos atores emergentes do processo de descentralização.
Dirige sua estratégia para contemplar interesses de gestores dos pequenos
municípios do estado, que historicamente vinham sendo preteridos na distribuição de
recursos de custeio e investimento do SUS. Estabelece-se, assim, um típico
movimento de revisão de procedimentos, para utilizar a conceituação proposta por
AGRANOFF (1992:209), em que a PPI cumpriria o papel de consolidar, do ponto de
vista da distribuição de recursos financeiros e da cobertura das estratégias
assistenciais focalizadas, esse novo pacto político. Nesse contexto, a revisão de
procedimentos não visa a otimização do processo ou o desimpedimento de

90
restrições burocráticas ao andamento da política, de que nos fala esse autor, mas,
sim, de uma mudança das regras do jogo para neutralizar os oponentes e ampliar a
capacidade de ação de um dos atores na situação.
A percepção dessa orientação estratégica pelos atores envolvidos fica
evidenciada nas entrevistas, embora a interpretação e a valoração conferida pelos
mesmos seja, evidentemente, muito diferenciada, segundo sua posição relativa na
arena setorial:

"O [...] (Secretário Estadual de Saúde à época da PPI) percebeu que havia no Estado um
vazio em relação aos atores sociais e isso era um negócio interessante, porque havia
uma reclamação, digamos assim, de representatividade dos municípios pequenos, que
são a maioria dos municípios de Minas. O segundo vetor era a necessidade que tinha a
nova aliança política de ter uma identidade na área da saúde. Quer dizer, não se tratava
de continuar o trabalho anterior, de ter uma face própria. Aí entra a dimensão política. O
novo governo vai implementar o SUS; coisa que politicamente o outro não teria feito, ou
teria feito mal. Então, a conjugação desses dois elementos a meu ver é que deu...
empurrou o estado de Minas a fazer a PPI antes da sua regulamentação pelo Ministério.
A medida em que Minas Gerais queria ter uma face própria, nada melhor do ela se
antecipar ao plano federal e apresentar um trabalho que fosse pioneiro do ponto de vista
do SUS” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).

Por parte dos municípios excluídos desse pacto, a percepção foi de que o
encaminhamento do processo da PPI orientou-se por motivações meramente
político-eleitorais pessoais do Secretário Estadual de Saúde, que posteriormente,
veio a se candidatar e se eleger como deputado federal.

“Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para
depois ver o que sobra para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,
jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser.
Criar aqueles fatores de estímulo ao estado, aquele monte de fator que ninguém sabia o
que era, naquela planilha. Se você fechar a planilha... Nós fizemos, nós fechamos a
planilha, limpa, sobravam 20 milhões por ano. Era um absurdo! Vinte milhões por mês,
quase. A população do Estado, sem os estímulos todos que tinha, era uma sobra de
dinheiro astronômica... Eu vim ao COSEMS, nessa época. Falei isso aqui, em uma
reunião... foi a mesma coisa de não falar...” (Depoimento de ator do nível municipal –
secretário municipal de saúde de pequeno município).
91
“Na verdade, o que foi feito em Minas, em termos do que foi chamada uma PPI, porque
aqui nunca foi uma PPI da forma como a gente imaginava. O que é que foi? Ele tinha
expectativa de um recurso novo, queria pressionar politicamente o Ministério para
incrementar os recursos no estado, tinha uma base eleitoral no interior. Então o que ele
fez? Ele tentou, num primeiro momento, diminuir dinheiro dos municípios de médio e
grande porte que não faziam parte da base de sustentação política dele, aliás, nem do
governo, quer dizer, dos municípios de médio e grande porte de Minas, só [...] (município
de médio porte do estado, localizado próximo à capital) era do partido, fazia parte da
frente. A maioria era de oposição. Então ele tentou, num primeiro momento, tirar dinheiro
de [...] (cita municípios de grande porte e a capital do estado), etc. Como ele não deu
conta, ele congelou o teto desses municípios e injetou recursos financeiros onde ele
tinha prioridade política. E chamou isso de PPI. Claro que houve uma série de critérios.
Ele estabeleceu um conjunto de parâmetros, de cobertura assistencial, e depois foi
manipulando os parâmetros de acordo com a necessidade final da planilha de valor”
(Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).

5.1.4 MUNICÍPIOS PEQUENOS CONTRA MUNICÍPIOS GRANDES: A


EXPLORAÇÃO DAS DESIGUALDADES

Para legitimar e consolidar o novo pacto político, a direção da SES-MG


estimulou uma contradição já existente no interior do sistema de saúde resultante da
distribuição diferencial de recursos do SUS entre pequenos e grandes municípios.
Historicamente, os municípios de maior porte, por concentrarem estruturas
assistenciais e poder político, foram contemplados com maiores cotas per capita de
recursos financeiros. Outro determinante dessa distribuição desigual é o próprio
desenho da rede assistencial inerente à implementação do SUS. O princípio de
organização do sistema denominado hierarquização, contido na legislação,
pressupõe o desenho do sistema em redes de serviços organizados em níveis
crescentes de complexidade tecnológica o que, conseqüentemente, resulta em uma
desigualdade nos custos da assistência entre municípios de portes populacionais
diferentes.
Esses municípios maiores concentram não apenas o fluxo migratório nas suas
regiões, mas também poder econômico e político, segundo sua importância geo-
econômica regional e estadual, acumulando historicamente recursos de investimento

92
em infra-estrutura econômica e social, inclusive na área da saúde. Essa acumulação
histórica condiciona necessariamente a concentração dos recursos de financiamento
do custeio do SUS, como é o caso dos recursos em disputa no processo da PPI.
Os recursos distribuídos no processo de programação, por se tratarem de
valores destinados ao custeio da assistência, inseridos num modelo de
financiamento que privilegia a remuneração por procedimentos realizados, se
direcionam necessariamente para as estruturas assistenciais já instaladas. Uma
exceção a essa lógica distributiva ligada à capacidade assistencial instalada da rede,
instituída pela NOB 96, foi a introdução do PAB, recurso destinado à cobertura das
ações básicas de saúde, que abrange a grande maioria das ações desenvolvidas
nos pequenos municípios.
A direção estadual do SUS-MG gerou uma expectativa de distribuição mais
equânime dos recursos ao propor o aumento dos valores per capita dos tetos
orçamentários dos pequenos municípios, capitalizando, assim, o descontentamento
de grande contingente de gestores municipais, que constituem a grande maioria dos
856 municípios do estado. Tal postura fica evidenciada na fala de um dos membros
do grupo técnico de coordenação da PPI estadual:

“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários
do seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos
os municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja,
uma distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio governador, em
várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a
distribuição per capita, R$1,00; para cada habitante, R$1,00...” (Depoimento de ator do
nível estado – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

5.1.5 INSTRUMENTO DE PROGRAMAÇÃO AMBULATORIAL: A PLANILHA


ELETRÔNICA

Se uma distribuição perfeitamente igualitária dos recursos sob uma base


populacional é inviável e desestruturante de todo o sistema, como foi demonstrado
no capítulo “Contextualização da Pesquisa”, um sucedâneo desse modelo foi
adotado na PPI 97/98: atribuiu-se a cada município, com base na aplicação de
parâmetros assistenciais pré-fixados à sua população, metas assistenciais uniformes
93
do ponto de vista per capita. Isso foi realizado através da adoção de um instrumento
de programação baseado em uma planilha eletrônica (vide Anexo I).
O desenvolvimento do modelo da planilha eletrônica ficou a cargo de um
técnico ligado ao Escritório de Representação do Ministério da Saúde em Minas
Gerais, unidade regional do nível federal que substituiu a antiga Superintendência
Regional do INAMPS.
A construção da planilha foi orientada para que a entrada da população do
município num campo próprio gerasse uma proposta de metas assistenciais, a que
todos os municípios tinham, teoricamente, direito. Essas metas eram obtidas a partir
do cálculo automático resultante da multiplicação do número de habitantes por
parâmetros de concentração per capita de serviços, desagregadas nos grupos de
procedimentos padronizados nacionalmente para efeito de pagamento do sistema
(SIA-SUS).
A partir dessa base igualitária na atribuição de metas assistenciais per capita,
o município pactuaria em sua região os fluxos de pacientes para serviços com os
quais não contava em sua própria rede.

“Eu acho que a PPI buscava exatamente assegurar a descentralização, quer dizer, seria
uma programação de via dupla, quer dizer, ela teria um nível ascendente mas sob a
coordenação do estado no sentido de, vamos dizer assim, de organizar essa
programação. Isso de fato ocorreu, porque a PPI 97-98 teve um instrumento que
inclusive foi criado por nós, tivemos a oportunidade de criá-lo, era um instrumento
informatizado de modo a facilitar o lançamento da programação dos dados e até o
cálculo que a gente introduziu, quer dizer, já havia sido introduzido na POI 94 (processo
de programação ambulatorial conduzido pela SES-MG, no ano de 1994). Os parâmetros
assistenciais, então a gente combinou esses parâmetros assistenciais dentro desse
instrumento, de modo a permitir que houvesse, não digo uma eqüidade, mas pelo menos
uma igualdade de direitos para todos os habitantes de Minas Gerais. É diferente se falar,
parece que é a mesma coisa igualdade e eqüidade, mas a igualdade seria o direito que
todos têm da mesma forma para as ‘coisas da saúde’. Ao você dar isso, você fortalecia o
nível municipal no sentido que ele teria que pactuar com os pólos principais para poder
dividir esse orçamento para ele. Aí o pequeno passou a ter voz porque os parâmetros ao
colocarem recursos assistenciais àquele município, como ele não tinha muitas vezes a
capacidade instalada, mas ele tinha direito àquela fatia que ele pactuava, então a coisa
inverteu um pouco, o pequeno, os municípios menores, eles começaram a ter voz para

94
participar junto aos maiores...” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo
técnico de coordenação da PPI).

A proposta de metodologia e o cronograma de atividades foi apresentada aos


representantes técnicos das DRS27 em reunião realizada nos dias 4 e 5 de agosto
de 1997, prevendo-se um prazo de pouco menos de três meses para todo o
processo de pactuação microrregional, regional e inter-regional (a terminar no dia 30
de outubro).
A orientação da SES-MG para o processo de negociação das metas nas
microrregiões privilegiava os Consórcios Intermunicipais de Saúde como o espaço
institucional de coordenação dos pactos entre os gestores. Elegendo os Consórcios
Intermunicipais de Saúde, a direção da SES-MG buscava reforçar politicamente
essas instituições, criadas sob seu estímulo direto, elevadas à condição de instância
de negociação intergestores no nível microrregional. Essa estratégia condiz com a
orientação mais geral do gestor estadual de criação de uma instância microrregional,
que competisse e de certa forma esvaziasse, o poder técnico e político das DRS,
consideradas como núcleos de resistência às diretrizes da política estadual de saúde
que se pretendia implementar (vide capítulo "Contextualização da Pesquisa").
Registre-se que, nessa época, mantinha-se uma discussão, no nível central da SES,
quanto à oportunidade da criação de Comissões Intergestores Bipartite
Microrregionais, proposta que acabou por não granjear o consenso mínimo
necessário, acabando por não ser efetivada.

5.1.6 A PACTUAÇÃO DAS METAS ENTRE OS MUNICÍPIOS

Em agosto de 1997, iniciou-se o processo de programação pelos gestores


municipais, através da utilização da planilha eletrônica.
As metas geradas pela planilha deveriam ser referenciadas para outros
municípios da região, em caso da inexistência no local dos serviços
correspondentes. A suposição que presidiu a construção do instrumento era de que

27
Diretorias Regionais de Saúde -DRS: unidades administrativas da Secretaria de Estado da Saúde
distribuídas pelas diversas regiões do estado de Minas Gerais, em número de 23. Tratam-se de
unidades desconcentradas da SES/MG, incumbidas da execução das políticas e atividades
operacionais definidas pelo nível central.
95
os gestores municipais, com base em acordos formalizados regionalmente,
direcionariam as metas assistenciais aos municípios com maior capacidade
resolutiva, num movimento ascendente. Na medida em que esses municípios
receptores de metas se mostrassem incapacitados de executá-las, as mesmas
seriam referenciadas para municípios com maior capacidade instalada de serviços.
No final, esperava-se que este fluxo de metas, em cascata, chegasse à capital do
estado, último ponto onde os procedimentos de maior complexidade tecnológica
poderiam ser atendidos. As metas pactuadas deveriam ser então apresentadas à
CIB -Regional para aprovação.
A implementação da proposta por parte dos municípios, no entanto, não
alcançou plenamente os resultados desejados pela direção da SES. Ao aplicarem as
planilhas eletrônicas, diversos municípios apresentaram redução em relação às
metas assistenciais já executadas, o que implicaria diminuição dos valores de seus
tetos orçamentários para cobertura do custeio ambulatorial. Daí a estratégia adotada
por vários deles no sentido da retenção de metas, de forma mais ou menos artificial.
Assim, o fluxo para os municípios com estruturas assistenciais de maior
complexidade tecnológica se viu grandemente comprometido, obrigando a direção
da SES-MG a atribuir-lhes, de forma mais ou menos arbitrária, metas físicas e
orçamentárias necessárias para a manutenção dos serviços já existentes e para a
cobertura das referências pactuadas na PPI.
Essa aplicação rígida do instrumento da planilha eletrônica, muito criticada à
época por vários gestores municipais prejudicados, também foi reconhecida por
técnicos da SES encarregados da coordenação do processo:

"...a planilha era um ponto de partida e não um ponto de chegada. Muitas vezes isso foi
entendido a meu ver equivocadamente, seja da parte de representação da Secretaria,
seja da parte de representação do COSEMS; a planilha na realidade era um instrumento
auxiliar, ela é um instrumento de intermediação, para tornar a negociação mais racional,
então isso é interessante. O outro grande avanço, a meu ver, nesse processo da PPI, foi
realmente a experiência de negociação e pactuação entre os municípios... (Depoimento
de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

O momento da pactuação das metas entre os municípios também fez aflorar


conflitos de várias naturezas, já existentes no interior do sistema ou suscitados pelo

96
próprio processo de reprogramação. O conflito distributivo latente aparece nessa
ocasião com maior intensidade, gerando a necessidade de intermediações por parte
das DRS e do nível central da SES. Tal intermediação das DRS no processo de
negociação não foi homogênea, variando conforme a composição política da sua
direção e de sua relação com os gestores municipais. Os diretores das DRS são
funcionários de recrutamento amplo, em geral, indicados pelas lideranças políticas
regionais do partido político ou da aliança política que sustenta o governo estadual.
Os deputados estaduais mais votados na região, os chamados deputados
majoritários, reivindicam freqüentemente as indicações para estes cargos.
Os depoimentos colhidos dos gestores municipais entrevistados confirmam
esta alta politização e mesmo a partidarização do processo, com tratamento
diferenciado dos atores segundo sua inserção no sistema político regional.
O reconhecimento dessa situação por vários gestores municipais interferiu
decisivamente no processo de negociação, gerando desconfiança entre os atores,
pela percepção de que se tratava de um instrumento de manipulação política dos
recursos. A PPI passou, então, a ser vista, por diversos atores, como um mecanismo
de direcionamento de recursos para as bases políticas da aliança no poder:

"...na nossa situação em [...] (grande município do interior de Minas Gerais) a PPI, ela foi
uma relação bastante conflituosa, porque nós começamos a negociar a PPI com a
diretoria regional de saúde antagonista. Eu sou petista28, o governo PMDB e a diretoria
regional de saúde era tucana29. E a gente percebeu logo no começo da PPI, que estava
havendo uma manipulação que a gente estava fazendo papel de palhaço e a gente se
retirou da negociação" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de
grande porte).

Os municípios de maior porte se postaram na defensiva, pois teriam que


renegociar, com os municípios menores, as metas orçamentárias já existentes na
composição de seu teto. Num contexto em que o discurso da SES-MG estava
direcionado no sentido de privilegiar os pequenos municípios (vide o capítulo
"Contextualização da Pesquisa), o temor dos representantes dos municípios-pólo

28
Petista: filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido de esquerda, oposição ao governo
estadual à época da PPI.
29
Tucano: alcunha por que são chamados os membros do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), partido de centro-direita, detentor do poder no governo estadual à época da PPI.
97
regionais de perder recursos orçamentários era manifesto, chegando, em alguns
casos, a abandonar as negociações como medida de protesto:

"A gente participava das negociações, tentava fazer negociação de gestor para
gestor, essas negociações eram cortadas pelo gestor da DRS que chegava, depois de a
gente ter negociado com o gestor das outras cidades, ele chegava para a gente com um
número completamente diferente daquele que tinha sido pactuado entre os gestores, um
número em que sempre levava prejuízo a situação da cidade-pólo, já estava dentro
daquela política de criar conflito entre as cidades-pólo e as cidades pequenas. A gente
participou de umas seis reuniões, depois disso aí a gente declarou publicamente que não
iria participar mais...” (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de
grande porte).

5.1.7 AJUSTE FINAL DOS TETOS ORÇAMENTÁRIOS MUNICIPAIS

Após a pactuação das metas físicas e orçamentárias entre os municípios,


intermediada pelas DRS, como se viu, iniciou-se uma fase de consolidação e
compatibilização estadual das programações.
O grupo técnico encarregado da coordenação da PPI criou um banco de
dados com as propostas oriundas das regionais e passou a realizar ajustes nas
programações municipais com base nos dados existentes sobre a capacidade
instalada de serviços, série histórica dos gastos, adequações dos valores do PAB
àqueles recentemente redefinidos pelo MS, definição dos valores dos incentivos do
Programa de Saúde da Família- PSF, Carências Nutricionais e Farmácia Básica.
(SES-MG, 1998).
Esse ajuste se mostrou mandatório, segundo os atores do nível central,
porque o somatório dos valores dos tetos orçamentários municipais extrapolou em
muito o teto total do estado, definido pelo MS:

"...depois do processo feito (os remanejamentos de metas), concluiu-se que o total


programado pelos diversos municípios estava muito além dos recursos possíveis de se
obter junto ao Ministério. Foi feita uma revisão de programação, mas não conseguiu
abaixar esse montante, fez uma segunda tentativa e não conseguiu, até que a CIB
definiu para o ajuste pelo nível central mesmo, pegou o banco dos dados, consolidou e
comparando a série histórica foi ajustando o que cada município programou. Nessa nova
98
rodada houve alterações, novos fatores em cima do processo de pactuação que é a
negociação por regional" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo
técnico de coordenação da PPI).

Nessa fase de ajuste foram corrigidas as metas daqueles municípios que


teriam realizado programações que superavam a sua capacidade instalada ou que
incorporavam propostas que representavam incremento muito superior à série
histórica dos gastos verificada no passado recente. Outra distorção, já referida, foi
resultante da retenção de metas: os municípios deixavam de remeter ao pólo
regional as metas necessárias para cobrir os fluxos de referência. Essa necessidade
de um ajuste das metas é relatada por um dos responsáveis pela compatibilização
estadual:

"O que foi feito foi tabulado [...] foi feito em duas etapas: um, nós demos liberdade para
todo mundo se programar, mas aí nós não poderíamos deixar essa programação liberal
sem você checar as coisas, quer dizer, aquilo que veio dos municípios nós cruzamos
dados com série histórica, com capacidade instalada, com cadastro, com uma série de
coisas para verificar se aquilo era uma coisa fiel e aí nós tivemos que fazer ajuste
técnico.Foram feitos ajustes técnicos inicialmente e esses ajustes técnicos, eles foram,
na minha opinião, bem feitos porque eram municípios querendo ter recursos muito
maiores do ele tinha capacidade e ele tinha que pactuar mais, então ele tentou segurar o
recurso" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).

Esse ajuste final gerou uma nova onda de protestos por parte de municípios
prejudicados, com acusações de manipulação política dos tetos orçamentários.
Os próprios membros do grupo técnico de coordenação da PPI reconhecem
que houve algum grau de ingerência política na definição final dos tetos de alguns
municípios. Isso porque, no final do processo, certos municípios tiveram elevações
de seus tetos orçamentários descoladas das propostas negociadas nas regiões.
Estes funcionários fazem questão de salientar que estas alterações partiram do nível
de decisão política da SES-MG.
Essa distinção é reafirmada em vários momentos das entrevistas, tanto pelo
lado dos próprios funcionários que coordenavam o processo, quanto de gestores
que manifestaram discordância com a condução da PPI. A distinção entre o nível

99
técnico e o nível político de condução é freqüentemente utilizada como uma forma
de se resguardar um espaço de interlocução e negociação, nos momentos mais
tensos do conflito político. A pretensa neutralidade dos funcionários públicos de
carreira é contraposta à posição do dirigente político, no caso, o Secretário de
Estado da Saúde.

"Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para
depois ver o que sobrava para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,
jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser...
Do instrumento, para mim foi... é claro que quem desenvolveu o instrumento não deve
ter pensado nisso, dessa maneira, eu imagino. Fez o instrumento com uma lógica de
tentar fazer uma redistribuição mais justa, na minha avaliação" (Depoimento de ator do
nível municipal - gestor municipal de pequeno município).

"...eu acho também que de uma certa forma houve algum acerto também de natureza
política, que vai acontecer com a PPI 2000, 2001, 2005, isso aí é tradicional. Agora, do
ponto de vista técnico, eu posso afirmar para vocês que em momento nenhum, nenhuma
dessas pessoas que atuou aqui modificou qualquer coisa do ponto de vista técnico”
(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de coordenação da PPI).

Os conflitos gerados pelo ajuste final dos tetos orçamentários se


manifestaram em várias instâncias, inicialmente na CIB. Esta instância, pressionada
pelas mais diversas formas, passa a decidir por alterações nos tetos orçamentários,
sem aprovação formal pelas áreas técnicas da SES-MG:

"...a CIB deliberou alteração de teto baseada nas apresentações dos planos municipais
de saúde dos municípios, reclamações dos municípios formais junto à CIB, negociações
diretas na Câmara Técnica da CIB, já não envolvendo mais o fórum técnico e a área de
operação. Decisões da CIB de ajuste sobre os valores programados, alteração do FAE30,
alteração na alta complexidade, alteração em quotas de AIH, diversas alterações
definidas pela CIB vieram apenas alterar o banco de dados, não chegaram a ser
pactuadas, não foram pactuadas. Não chegaram a ser propostas e aprovadas pela área
operacional, foram definidas diretamente na CIB e foi alterado o banco de dados...”

30
FAE: Fração Assistencial Especializada, parte componente do teto orçamentário municipal
destinada à cobertura de ações especializadas (consultas, exames e terapias especializadas),
definida pela NOB 96.
100
(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da
PPI).

A pressão por alterações de tetos passa a ser também canalizada para o


Legislativo, com deputados encaminhando as reivindicações de suas bases
eleitorais:

"Às vezes chegavam deputados com cinco, seis municípios, reclamando, discutindo.
Aí você provava tecnicamente que aqueles municípios até um certo período não tinham
produção. A partir do período seguinte, um, dois meses depois, ele começou a produzir.
Aumento de 60% de produção! Então é assim, inviável" (Depoimento de ator do nível
estadual - grupo de direção da SES).

"A pressão vinda não só do gabinete como dos municípios, diversos políticos, deputado,
senador, Presidente da República, vinha reclamação de tudo quanto é lado e a gente
ficava o tempo todo fazendo análise, explicando por que aquele era o teto, o que
significava aquele teto" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de
coordenação da PPI).

Essas pressões externas, oriundas de outras áreas do sistema político,


confirmam a ineficiência relativa de resolução do conflito distributivo suscitado pela
PPI 97, pela impossibilidade de um tratamento definitivo do conflito no interior da
CIB-MG. Os mecanismos de gestão intergovernamental, embora suficientemente
eficazes para equacionar aspectos pontuais do conflito, como a mudança dos
parâmetros assistenciais resultante da pressão e negociação por parte dos
municípios, não se mostraram suficientes para equacionar, no âmbito setorial da
saúde, todas as dimensões implicadas na pugna redistributiva. O fato da CIB-MG
estar controlada por um bloco hegemônico resultante da estreita aliança de
interesses entre a direção da SES-MG e a representação dos municípios (COSEMS-
MG), impediu que os conflitos pudessem ser dirimidos totalmente pela instância de
negociação formal e pelos mecanismos de GIG informais.

101
5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA
APRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO DA SÁUDE

Uma vez feitos os ajustes dos tetos orçamentários municipais pela SES, os
mesmos foram aprovados na CIB, através da Deliberação n° 155/98, de 23/01/98. A
SES-MG encaminhou a sua publicação, no Diário Oficial do Estado, condicionando
sua vigência à aprovação pela Comissão Intergestores Tripartite. Apesar dos cortes
nas propostas de programação de diversos municípios, o montante dos valores
programados superava o teto orçamentário total destinado pelo Ministério da Saúde
ao estado. Esta premência na publicação dos tetos se deveu à necessidade de sua
definição para efeito da habilitação dos municípios solicitantes às condições de
gestão previstas na NOB 96. O enquadramento do município em uma das formas de
gestão teria que ser acompanhado da publicação de um teto orçamentário que
orientasse a transferência direta dos recursos do MS (SES-MG, 1998).
Outra motivação que a direção da SES-MG teve para a publicação dos tetos
da PPI foi a tentativa de pressionar o Ministério da Saúde, antecipando-se aos
demais estados da federação. Essa estratégia se mostrou ineficaz, pois o Ministério
manteve o teto estadual inalterado, apesar das constantes pressões no sentido de
sua elevação. O incremento do teto estadual só foi ocorrer em 1999, como resultado
de políticas definidas centralmente pelo Ministério da Saúde, com aumentos
focalizados em áreas de seu interesse, sem qualquer consideração por
programações realizadas internamente nos estados.

"A programação pactuada integrada do Estado de Minas Gerais foi bem maior do que o
teto financeiro depois estabelecido pelo Ministério da Saúde. Porque, quando
começamos a programação, o Ministério da Saúde não tinha estabelecido o teto
financeiro. Disse que era para trabalhar com o real e depois alegou que não tinha
recurso para pagar no final da programação..." (Depoimento de ator do nível estadual -
grupo de direção da SES).

"Primeiro estado (Minas Gerais) que apresenta... e força inclusive a discussão da PPI.
Eu inclusive fui a Brasília umas duas ou três vezes para apresentar a PPI e nós não
conseguimos [...] de uma certa maneira o Ministério enrolou de uma tal maneira que
nunca se chegou a discutir a PPI..." (Depoimento de ator do nível estadual - membro do
grupo de coordenação da PPI).

102
“Fomos lá, passamos um dia inteiro lá, conversando com o estado porque ele estava se
preparando para a habilitação [...] E tinha aquela discussão: a PPI da necessidade e a
PPI do recurso, que está definido para o Estado. Então a gente encarou aquilo como
uma PPI que o estado estava propondo para, no momento que tivesse condições de dar
um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas coisas a mais que
ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve repercussão nenhuma
dentro do Ministério da Saúde” (Depoimento de ator do nível federal - técnico do
Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde).

A extrapolação do teto definido pelo MS foi da ordem de 17 milhões de reais


por ano, uma diferença, portanto, de 1,4 milhões por mês, percentualmente pouco
significativa para um teto total da ordem de 89 milhões/mês. Essa diferença foi
administrada pela SES-MG durante o ano de 1998, contando com o fato de que a
maioria dos municípios não desempenharia, na sua totalidade, a produção proposta
na PPI.
Ao término da gestão, no final de 1998, essa diferença ainda persistia...

103
6 OS MECANISMOS DE GIG: ANÁLISE PELAS CATEGORIAS
ADOTADAS

6.1 CATEGORIA "INTERAÇÃO"

O processo de reforma do setor saúde, marcado pela descentralização


progressiva das competências e responsabilidades assistenciais e administrativas
para estados e municípios, apesar de oscilações e movimentos táticos tendentes à
recentralização em algumas questões, trouxe à arena política setorial um enorme
contingente de novos atores sociais. Os secretários estaduais e municipais,
juntamente com seus respectivos staffs de assessoria, passam a assumir um papel
cada vez mais relevante na composição do subsistema de políticas do setor. Essa
entrada de numerosos atores na cena setorial apresentando novas e múltiplas
demandas, redunda numa maior complexidade em relação ao quadro anterior, onde
o nível federal reinava absoluto e inconteste através da adoção de mecanismos de
administração uniformes e elaborados centralmente.
O novo quadro que se instaura com a descentralização obriga a articulação
permanente, através do contato mais ou menos permanente dos atores dos três
níveis de governo, num padrão de interação marcado pela negociação permanente
dos dispositivos regulamentadores do processo de descentralização e redistribuição
de recursos, cujo consenso mínimo passa a ser condição essencial para sua
implementação efetiva.

6.1.1 A INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES: “A ÁRVORE E OS SEUS


PASSARINHOS”

"Eu gosto muito de uma frase que o [...] (ex-Superintendente de Finanças da


SES-MG), que trabalhou com a gente lá na Secretaria de Saúde, usava. Ele é um
economista que tinha vindo da Secretaria da Fazenda e, depois de um certo tempo
observando, ele falou assim: que o SUS era como uma árvore cheia de passarinhos,
a cada mudança de governo alguém balançava a árvore, aí os passarinhos revoavam
todos, para daí a um tempo, era a mesma árvore e os mesmos passarinhos, cada um
num galho diferente. Mas, na sua maioria eram os mesmos passarinhos e a árvore

104
era sempre a mesma. Eu achei uma imagem muito boa do que vinha a ser o SUS.
Então são os mesmos há muito tempo, e isso facilita muito. Tanto nos afetos, quanto
nos desafetos” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

No caso em estudo, fica evidenciada a dinâmica de interação entre os atores


incumbidos de negociar os termos e fazer avançar o processo de financiamento do
sistema de saúde, em que a PPI demarca apenas um momento de modulação mais
ou menos ordenada dessas relações. No dia a dia, a interação desses atores é
fortemente marcada pelas relações pessoais construídas na administração do
próprio sistema de saúde, como é ilustrativa a metáfora citada acima por um dos
entrevistados, que remete a uma relativa permanência dos atores na arena setorial,
embora ocupando posições relativas diferentes na árvore, a estrutura institucional
que organiza o sistema. Fica também evidente, nessa rica metáfora, a elevada
mobilidade dos atores, alternando suas posições relativas nas periódicas mudanças
de governo, o que poderia ser interpretado também como uma decorrência da
elevada politização dos mesmos e do distanciamento do tipo ideal weberiano de
burocracia31.
Esses contatos pessoais prévios vão constituir a base sobre a qual se darão a
comunicação e a negociação de caráter informal.
Os contatos pessoais anteriores já mantidos com atores do nível federal, ou
mesmo com ex-funcionários da SES-MG que ocupavam cargos em áreas técnicas
do Ministério ou das representações do CONASS e CONASEMS, foram relevantes
para os atores do nível estadual incumbidos de proceder à negociação da proposta
de PPI de Minas Gerais com nível federal. Na avaliação dos entrevistados do nível
estadual, esses contatos anteriores facilitaram o recebimento de informações e o
embasamento das propostas levadas pelo estado:

"...quando se ia a Brasília para discutir a coisa, geralmente se fazia uma


comunicação com essas pessoas para apoiar ...Para as reuniões da Tripartite, muitas
vezes ia uma caravana mineira, duas ou três pessoas, geralmente Secretário, só a
gente se apoiava realmente nessas pessoas, que tinham uma certa ligação com

31
"Weber definiu a burocracia como um agrupamento social em que rege o princípio da competência
definida mediante regras, estatutos, regulamentos, da documentação, da hierarquia funcional, da
especialização profissional, da permanência obrigatória do servidor na repartição, durante
determinado período de tempo; e da subordinação do exercício a cargos a normas abstratas"
(GERREIRO RAMOS, 1983: 191).
105
Minas Gerais, para ajudar alguma coisa, até a gente fazer uma prévia no sentido de
apoiar... Porque para você abrir uma reunião daquela com 27 estados e pessoas, às
vezes que tinham maior facilidade de expressão verbal, que manipulava, vamos dizer
assim, a reunião pela eloqüência e pela entonação, realmente assustava um
pouco...Os contatos eram pessoas que tinham assento no COSEMS, na própria
Tripartite, que sabiam como é que estava o andar da carruagem, então são pessoas
que poderiam ajudar e realmente ajudavam, pessoas de muita expressão, eu acho de
saber também, eu acho que isso ajudou muito..." (Depoimento de ator do nível
estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

A interação dos atores localizados nos estados com os do nível federal se faz
com menor intensidade e freqüência. A motivação dos contatos varia muito. Um dos
motivos freqüentes é a consulta pelos técnicos assessores do CONASS e
CONASEMS aos secretários estaduais e/ou municipais mais expressivos, ou
membros das diretorias daquelas instituições, para o acerto de estratégias e
antecipação de posições a serem apresentadas nos fóruns da CIT ou de outros
fóruns técnicos do MS, até o teste da reação dos secretários e grupos técnicos dos
estados a propostas em elaboração ou negociação no elo federal da rede
intergovernamental. As motivações mais freqüentes englobam uma série de trocas
de informações sobre normas e procedimentos de operação dos sistemas de
informação e pagamento do SUS, regulamentados centralmente pelo Ministério da
Saúde.

6.1.2 "CAMALEONISMO" DOS ATORES: MUDANÇAS DE POSTURA SEGUNDO


A POSIÇÃO NA REDE

Um achado nas entrevistas, não intencional em relação às categorias e ao


marco conceitual adotado, foi a percepção de vários entrevistados quanto às
mudanças de postura dos atores quando trocam de posições relativas dentro da
rede. A adoção da lógica e do discurso institucional do órgão a que se encontra
vinculado supera a mera repetição formal do posicionamento oficial da organização
que agora representa. A esse fenômeno, que chamaremos de "camaleonismo", em
analogia à capacidade inata dos camaleões de apresentarem o fenômeno do

106
mimetismo32. Camaleão, segundo FERREIRA (1975), além do "reptil lacertílio, da
família dos camalentídeos" seria o "indivíduo que assume o caráter conveniente aos
seus interesses; indivíduo que adapta sua opinião ao interesse do momento"
(FERREIRA, 1995).
Mais do que um mero juízo moral condenatório do comum oportunismo
político ou do arrivismo, a insistência dos entrevistados em apontar este fenômeno
sugere algo mais complexo. A condenação da prática, deve-se esclarecer, não
exclui, de nenhuma forma, o ator acusado da participação na rede
intergovernamental. É utilizada, porém, como argumento brandido freqüentemente
nas disputas daquela arena política:

"Agora, não se esqueça, quem está com a faca e o queijo é o Ministério, ele está com o
dinheiro. Ele tem ainda a idéia errada e inconstitucional de que o dinheiro é dele. Os
atores que aqui vêm, casualmente, transitoriamente, mesmo que seja de Minas, que
tenham sido extremamente municipalistas, descentralizadores, aí vêm para cá e
incorporam essa idéia centralista. Então o dinheiro é federal, então nós temos que tomar
cuidado, senão eles vão tomar esse dinheiro da gente. Vocês são todos [...]
(impublicável) e ladrões! Entendeu? Então, qualquer pessoa que venha para cá... o
Ministério nunca teve uma equipe tão boa de gente assessorando... Eu digo com
sinceridade. Pessoas comprometidas com o movimento, pessoas [...] e que acabam
sendo instrumento do próprio Ministério. Tem coisas que passam por cima e atropelam
essas pessoas. Então, as pessoas também nos informam: vai acontecer isso. Tem que
fazer alguma coisa...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).

O tema se repete em outros momentos do mesmo depoimento:

"E tem outro problema: nem sempre um municipalista de quatro costados virará dirigente
estadual e manterá os mesmos princípios... Eu não sei te explicar... Tem outras versões
para explicar isso aí. Então é outra conversa. Então a gente brinca assim: 'o pior é que
os centralistas são ex-municipalistas' [...] Porque ele sabe todo o discurso nosso lá, as
manhas, então ele vem...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).

32
"Mimetismo ,(do grego mimetós, 'imitado’). Fenômeno que consiste em tomarem diversos animais a
cor e configuração dos objetos em cujo meio vivem, ou de outros animais de grupos diferentes,
homocromia. Ocorre no camaleão , em borboletas, etc." (FERREIRA,1975).
107
Essa mudança de posicionamento determinada pela posição relativa do ator
na rede intergovernamental sugere que as pressões a que se submete para manter
o cargo e sua percepção da situação condicionada pelo estoque de informações
disponível vai sobrepujar, de alguma forma, suas preferências puramente
ideológicas ou o compromisso com posições assumidas no passado. Obviamente, o
tema merece maior aprofundamento, restando, nesse espaço, o simples registro de
sua existência.

6.2 A ARTICULAÇÃO EM REDE

6.2.1 A ESTRUTURA DA REDE INTERGOVERNAMENTAL

A análise das entrevistas indica que os atores envolvidos na pactuação dos


critérios e mecanismos de financiamento do SUS se articulam numa rede cuja
estrutura se conforma de maneira bastante heterogênea e complexa.
Observa-se, a partir dos relatos, uma grande diversidade existente na sua
estruturação e no funcionamento dessa rede, o que permite considerar a existência
não de uma única rede, mas de diversas sub-redes, que articulam atores situados
em diferentes níveis do sistema de saúde, interligadas de forma mais ou menos
consistente. Tais sub-redes apresentam graus diferenciados de desenvolvimento e
intensidade das interações, conforme o nível em que elas se constituem. Os
diferentes graus de coesão entre os elementos das sub-redes e entre elas, sua
grande labilidade e precariedade parecem distanciar-se do todo coerente que
caracterizaria a "vinculação de um variado número de organizações e/ou indivíduos"
na composição das redes interorganizacionais, como descritas pela autora acima
citada.

6.2.2 A SUB-REDE FEDERAL

No nível federal, uma sub-rede articula atores localizados na direção do


Ministério e nas suas áreas técnicas com as representações dos estados (CONASS)

108
e municípios (CONASEMS). Colateralmente a esse núcleo principal, situam-se
atores no Conselho Nacional de Saúde e em outros órgãos da administração pública
federal como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Ministério do
Planejamento. Outro grupo de atores, que mais recentemente tem sido agregado à
rede, é constituído por membros do Ministério Público Federal33.
Essa sub-rede constitui uma estrutura mais permanente, com contatos e
negociações estabelecidos com grande freqüência. Embora os atores
individualmente tenham uma grande alternância, os canais diretos de consulta
mútua e negociação dos conteúdos das políticas, normas e dos critérios de
distribuição se realizam praticamente sem interrupções importantes.34
Relaciona-se essa sub-rede diretamente, mas de forma mais esporádica e
pontual, com atores que compõem uma rede de assunto mais ampla sobre o
financiamento da saúde e a economia da saúde, situados na academia e em outros
órgãos públicos e privados. Tal tipo de articulação e seu papel foram explicitados em
vários momentos das entrevistas.
A relação com os pesquisadores da academia manifesta-se em eventos e
situações localizadas, sem uma articulação ou interação permanentes.

"O IPEA se localizou bem e a FIOCRUZ35 que tem lá outra linha. E é importante, mas
eles não fazem essa conexão diária. Pergunta lá para explicar... a NOB 96.... e aí, se
eles não ficarem por dentro, eles não podem produzir. Então eu acho que até como meio
de vida... De defesa, saem da jogada. Porque, se você não estiver em cima disso, você
perde, mas perde mesmo. É uma maçaroca de papel"... (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos municípios).

33
O Ministério Público tem o dever, constitucionalmente estabelecido, de fazer valer os princípios
legais do SUS, visto que a Constituição Federal de 1988 define a saúde como de interesse público, o
que remete ao Ministério Público a responsabilidade por sua garantia.
34
Momentos caracterizados pelo impasse nas negociações no fórum da Comissão Intergestores
Tripartite tem caracterizado o primeiro semestre de 1999, chegando ao abandono momentâneo desse
fórum pelas representações do CONASS e do CONASEMS, com mecanismo de pressão para que os
temas realmente relevantes para essas entidades retornassem à discussão naquela instância de
negociação.
35
FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz, órgão da administração indireta do Ministério da Saúde, com
funções de pesquisa, produção de imunoterápicos, medicamentos e de ensino, através da Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP).
109
Em outro depoimento, essa forma de articulação, através da organização e
participação em eventos temáticos, no caso, enfocando aspectos de economia e
financiamento da saúde, fica manifesta:

"...Eles fazem eventos. Tem encontro anual (da Associação Brasileira de Economia da
Saúde). Em geral, promovem encontro para gente de fora e tal. E eventualmente faz
algum, eles aproveitam algum evento para fazer uma reunião paralela. Sempre tem..."
(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

Esta articulação entre as sub-redes é acionada em momentos específicos do


processo, pelas posições privilegiadas ocupadas por seus membros em outros
órgãos da administração pública federal:

"Esse grupo aí tem muita influência no conselho e está tendo muita influência via
Ministério do Planejamento – agora não sei como é que fica, com essa mudanças todas,
orçamento de gestão... Mas na época que o Planejamento estava fazendo a discussão
com a saúde, teve muita discussão que o pessoal segurou por dentro do planejamento
em relação à saúde. A [...] (técnica do Ministério da Saúde participante da sub-rede
federal), que hoje tá na Secretaria de Políticas, foi do planejamento e segurou muita
discussão, a gente fez algumas reuniões técnicas com eles, CONASS, CONASEMS e
Ministério, para segurar no planejamento a discussão de orçamento...uma série de
discussões, via esse grupo do IPEA, da economia da saúde. Várias vezes nós fizemos
isso" (Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

Divergências dos enfoques teóricos e práticos entre esses atores e


academias também são explicitadas:

"Esse pessoal (das instituições acadêmicas) não se junta. Eles produzem lá, nós somos
os picaretas da informação do lado de cá, eles não se juntam. De vez em quando são
chamados, emitem, falam determinadas teorias. Você pega o pessoal da FIOCRUZ, não
dá.... você pega do IPEA, o [...] (técnico do IPEA, especializado em economia da saúde)
e o [...] (outro técnico do IPEA), eles são duas pessoas que tiveram um papel
importantíssimo e eles fizeram coisas muito boas. E eles estiveram muito mais em cima
do fato do que estão hoje...hoje eles não fazem mais essas coisas. O [...] (primeiro
técnico do IPEA citado, especializado em economia da saúde) está coordenando na
área, então o que eles fazem comparado a 95 é o orçamento público federal para a
saúde. Pegando saúde de todos os ministérios: saúde do exército, saúde da educação,

110
saúde da saúde. Entendeu? Então eles são pessoas extremamente confiáveis. Agora, do
outro lado não. A Universidade acaba pedindo informação para a gente, quando precisa
falar alguma coisa" (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).

No Conselho Nacional de Saúde (CNS) concentram-se também atores


importantes na composição da sub-rede federal. O papel do Conselho, segundo as
entrevistas, tem sido mais homologatório de decisões já tomadas pelo Ministério da
Saúde ou pela Comissão Intergestores Bipartite. São muito ilustrativos depoimentos
como este:

"..tem sido um aliado permanente (o Conselho Nacional de Saúde). O problema é que


não tem força política para mudar decisão nenhuma importante. O ministério, essa
gestão... o cara falou outra coisa outro dia que é verdade: o único conselho que o PSDB
reconhece é de notáveis. Essa coisa de participação social tem sido muito
marginalizada. Decisões importantes, até coisas mais elementares, que sempre foram,
mudança de tabela, repactuação de teto... vai a posteriori para o Conselho...."
(Depoimento de ator do nível federal- representação dos municípios)

Apesar dessas limitações do poder conferido ao Conselho Nacional de


Saúde, em determinadas ocasiões, estudos técnicos da execução orçamentária dos
recursos do Ministério da Saúde elaborados em seu seio são utilizados como
instrumento de pressão pelas representações dos municípios e estados nas
negociações com a direção do Ministério da Saúde:

"O (assessor do Conselho Nacional de Saúde), o (assessor do CONASEMS),


pessoas importantes, o (ex-funcionário do Ministério da Saúde), que foi da OPS36, que foi
secretário executivo do ministério, tá lá no Conselho, o (ex-dirigente da OPS). Tá nessa
comissão de acompanhamento orçamentário. Então os caras têm.... Mensalmente tem
relatório... E esse relatório a gente brinca muito, quando precisa enfrentar o [...] (dirigente
do MS), nós pegamos um relatório do Conselho e vamos mostrar. Olha, a gente está
gastando aqui....Então, tecnicamente tem uma atuação muito interessante. Eu estou
dizendo que, isso vai para o plenário, o plenário aprova resoluções, encaminhamentos,
mudanças de atitudes do Ministério que nem sempre são levadas a efeito" (Depoimento
de ator do nível federal- representação dos municípios).

36
OPS : Organização Panamericana da Saúde, organização internacional ligada à Organização
Mundial de Saúde (OMS), sediada em Washington, EUA.
111
Um nível de participação e intervenção mais política do Conselho Nacional de
Saúde, reforçando posições das representações dos estados e municípios em
recente crise nas negociações na CIT (maio de 1999), demonstrando seu papel ativo
no funcionamento da sub-rede federal, fica demonstrada no seguinte relato:

"Ele tem sido um parceiro, por exemplo, teve mobilizações que o Conselho foi
estratégico pela capacidade de mobilização da base. Mas como o Serra (Ministro da
Saúde) diminui muito, essa coisa da participação tem um papel meio secundário. Da
mesma forma que eles estão tratando a Tripartite, estão tratando o Conselho. Mas a
aliança que o Conselho fez, por exemplo, com o CONASS, CONASEMS, nessa briga,
que ficou do lado do CONASS e CONASEMS, esse documento, inclusive, muito
semelhante, com críticas muito semelhantes, claro que de novo você teve uma interação
técnica de quem faz o documento, mas com posturas que reforçaram muito a posição do
(CONASEMS)..." (Depoimento de ator do nível federal- representação dos municípios).

6.2.3 AS SUB-REDES DOS ESTADOS

A sub-rede federal articula-se com sub-redes estruturadas nos estados, de


forma muito heterogênea, dependente da capacidade organizativa e da iniciativa dos
atores situados nesse outro nível. Assim, os contatos são intermediados por atores
situados em posição de direção (Secretários de Saúde Estaduais ou seus adjuntos,
Diretores, etc.). Tais contatos se dão de forma menos permanente do que aqueles
verificados na sub-rede federal, sendo mais utilizados para consultas sobre
posicionamentos em questões específicas:

"A outra coisa que facilita o CONASS é o contato de consulta que eu tenho com os
secretários. Pela história e confiança eu disponho de acesso ao telefone celular privativo
da maioria dos secretários que atuam, não vamos dizer que seja dos vinte e sete. Então
em todo o grupo tem uns seis ou sete mais atuantes, que ligam sempre, perguntam e os
outros que vão só na assembléia. Esse eu tenho, ou um contato direto, ou eles designam
um assessor na sua secretaria, de fácil acesso, o que, aliás, é uma forma muito boa.
Porque você não incomoda o secretário no seu meio, no seu ambiente que não é o do
CONASS, é do próprio estado. Eu ligo para o assessor" (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos estados).

112
Os contatos dos demais níveis técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde
com os atores do nível federal se dão com menor freqüência, ainda com elevado
grau de informalidade. Os contatos visam tanto a resolução de questões
operacionais e dúvidas quanto à implementação de decisões já previamente
tomadas, quanto a antecipação de decisões do nível federal e tentativa de
interferência nas mesmas.
O padrão de informalidade desses contatos inter-redes é explicitado nos
depoimentos de atores do nível estadual. Em geral as interações com elevado grau
de informalidade são voltadas para a resolução de questões mais específicas e
implicadas na operacionalização de diversos aspectos ligados ao financiamento,
como informações quanto a mudanças nas normas e no acesso às bases de dados
dos sistemas de informação para pagamento dos serviços de saúde mantidos pelo
SUS:

"Existiam contatos formais que sempre demandavam expedientes, questionamentos,


mas a maioria deles eram informais, em contatos telefônicos com a equipe de
programação assistencial do Ministério, com o CODEC, que coordenava o SIA-SUS do
Ministério, o COSAU, que coordenava o sistema hospitalar. Eu tenho dúvidas de algum
dado que era alimentado do banco, as informações (e na época não havia todos os
recursos existentes hoje de TabWin e TabNet37) , então muitas das informações eram
dos bancos de dados, dos dados assistenciais, eram questionadas junto ao Ministério da
Saúde" (Depoimento de ator do nível estadual - direção da SES).

Contatos com intencionalidades mais estratégicas onde se tentava influir ou


antecipar os resultados das decisões também se mostraram freqüentes:

37
TabWin e TabNet são sistemas informatizados que permitem o acesso a diversas bases de dados
do MS, viabilizando a rápida tabulação e análise dos dados de produção assistencial, valores pagos
por unidades assistenciais, ambulatoriais e hospitalares, realizados a partir de seleção das variáveis
desejadas por parte do usuário, organizados em diversos níveis de agregação (unidades
assistenciais, tipos de rede, municípios, regiões de saúde, estados, etc). O TabNet permite este
acesso remoto através da rede mundial de computadores – Internet – acrescido de diversos dados e
informações gerais sobre estrutura da rede assistencial e informações epidemiológicas. Ambos os
sistemas são mantidos pelo DATASUS/MS.

113
...."sempre informal (o contato), sim, fora da linha formal. Um contato telefônico, todas as
informações eram tabuladas, era para trocar idéias. Um exemplo: - se a tabela que
estava em vigor, ia haver alteração na tabela, porque se você fazia um processo de
elaboração de parâmetros em cima de uma tabela assistencial, se houvesse a
perspectiva da mudança dessa tabela, todo o seu trabalho poderia ser jogado fora, então
a gente acompanhava no Ministério da Saúde as edições das portarias de tabela, as
edições de alterações da normas de processamento..." (Depoimento de ator do nível
estadual - direção da SES).

A eficácia desses contatos é questionada em situações pontuais nos


depoimentos, com respeito ao sucesso na mudança das orientações federais e à
antecipação às mesmas:

"... (se conseguia) antecipar à publicação oficial do Ministério. O que ajudou até pouco,
porque o Ministério durante, mesmo dando as informações durante o ano de 97, o
período de 97, tinha equipes lá que para fazer a instrução normativa de 98, fez uma
alteração nas normas que prejudicou a nossa programação em relação a parte básica,
houve uma mudança radical na forma de tratar os recursos do PAB" (idem)

Na relação mais permanente da sub-rede federal com a sub-rede do estado,


no caso estudado, o Secretário Estadual de Saúde ou membros de seu staff
imediato foram eleitos como interlocutores privilegiados das relações. Essa situação
resultou em limitações na difusão dos conteúdos dos pactos pelo interior do corpo
técnico da Secretaria de Estado, antepondo-se com o que um "filtro" nas
informações, com conseqüências na implementação direta dos processos pelo
técnicos responsáveis:

"E eles não informaram que haveria essa possibilidade (de alteração de
dispositivos normativos de implementação da NOB), estava sendo discutido isso a sete
chaves. Até na tripartite não foi muito bem colocado esse processo, tanto que quando
publicou a instrução normativa, e também outros fatores, a Secretaria não tinha uma
integração, um sistema administrativo de responsabilidade de forma que facilitasse essa,
obviamente que o Ministério chamava o Secretário de Estado, isso era discutido no
CONASS, mas isso não era multiplicado às áreas técnicas, então muito dos, não muito,
uma parte das atividades que era executada, vieram a ser alteradas com a instrução
normativa e que a gente não sabia e foi pego de surpresa. Poderia ter sido evitado se

114
essas discussões com o Ministério, esses contatos fossem mais formais...." (Depoimento
de ator do nível estadual - grupo de implementação da PPI)

Esses obstáculos interpostos à livre circulação das informações no interior da


própria SES-MG induzem a caracterizar uma certa fragmentação na sub-rede
estadual, condicionada pelos diferenciais de poder entre seus membros.
A participação na rede intergovernamental não anula as contradições
inerentes à relação dirigentes-subordinados. Para CROZIER (1981) um dos traços
da burocracia, que resulta em parte em sua rigidez, é a permanente luta pelo poder
entre dirigentes e subordinados. Ambos procurariam ampliar seu espaço de
liberdade: os subordinados movimentando-se para ampliar a "parte deixada a seu
arbítrio", com vistas a reforçar seu poder de negociação e obter mais vantagens
pessoais; os dirigentes agiriam "de forma completamente simétrica, esforçando-se
para atingir seus objetivos e reforçar seu poder, tanto através da racionalização
como da negociação" (CROZIER, 1981:237). O acesso à informação ou sua
negação constituem mecanismos de controle do dirigente sobre os níveis de poder
dos subordinados.
Pelo lado formal, um momento da relação entre a sub-rede federal e a
estadual se materializava em reuniões da Câmara Técnica da Comissão
Intergestores Tripartite. Esse fórum congregava maior número de atores, abrindo-se
à participação de técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde envolvidos nas
questões em pauta.
No caso da PPI, um dos aspectos que motivaram conflitos e negociações
prolongadas foi a definição dos valores per capita do PAB, o componente do teto
orçamentário dos municípios destinado ao custeio das ações básicas de saúde. A
participação dos técnicos da SES nesse debate se reduziu predominantemente às
reuniões dessa Câmara Técnica:

"... as discussões eram na Câmara Técnica da Tripartite, nunca foi diretamente. A


pressão nossa para que o Ministério alterasse determinado artigo de portarias ou que
revisse alguns critérios para definir teto, isso foi feito sempre no fórum da Câmara
Técnica da Tripartite. Aí, fazia-se um consolidado nacional e o CONASS e o
CONASSEMS negociavam com o Ministério. Algumas (negociações) deram certo outras
não. Um exemplo de pactuação é o valor do PAB. Por um bom período, o PAB seria fixo
em R$10,00, prejudicando diversos municípios que já tinham gasto acima desses dez
115
reais. Foi feita muita pressão na tripartite e estudos técnicos, fóruns técnicos..."
(Depoimento de ator do nível estadual - grupo de implementação da PPI).

Na constituição da estrutura da sub-rede estadual, uma gama de atores está


presente, como os representantes dos secretários municipais de saúde e seu grupo
de assessores, congregados no Colegiado dos Secretários Municipais de Saúde
(COSEMS-MG), os diretores e técnicos das Coordenadorias de Planejamento (CP) e
de Controle e Avaliação (CAS) das Diretorias Regionais de Saúde (DRS), bem como
o conjunto de secretários municipais de saúde e seus grupos de assessores
técnicos. Outros atores que vieram a integrar essa rede foram os dirigentes dos
Consórcios Intermunicipais de Saúde, sendo que os seus Secretários Executivos
chegaram a se organizar num colegiado, que em diversas ocasiões disputou espaço
de poder e influência na definição das políticas e na forma de sua implementação
com as Diretorias Regionais de Saúde.
No campo formal, a instância privilegiada de negociação e de deliberação
sobre os diversos aspectos ligados ao processo de descentralização do SUS no
estado foi a CIB, composta paritariamente de representantes da direção estadual da
SES e de representantes dos secretários municipais de saúde indicados pelo
COSEMS.
No estado de Minas Gerais, as DRS se organizam como órgãos operacionais
regionalizados da SES, funcionando como estruturas desconcentradas que
implementam as decisões tomadas centralmente pela direção estadual, sendo em
número de 23. Na estrutura administrativa das DRS, as Coordenadorias de
Planejamento foram as áreas técnicas vinculadas diretamente à execução das
diretrizes da PPI e à coordenação regional da aplicação dos seus instrumentos
informatizados. A compatibilização regional, bem como o acompanhamento da
negociação inter-municipal das metas orçamentárias correspondentes aos fluxos de
referência previstos, foi também delegada a esse setor.
Os Coordenadores de Planejamento das DRS se organizavam, até a
administração anterior à qual os fatos desta pesquisa se referem (Governo Hélio
Garcia-1991/1994), em um Colegiado próprio, reunindo-se periodicamente no
espaço do nível central, na maioria das vezes, por convocação da própria
Superintendência de Planejamento e Coordenação (SPC). Nas reuniões deste

116
Colegiado discutiam-se questões operacionais relativas à implementação de
políticas formuladas pelo nível central, momentos em que várias sugestões e
propostas dos técnicos regionais eram incorporadas. Cumpriam então um papel de
fórum de adaptação das diretrizes emanadas do nível central às condições reais de
operação das equipes das Diretorias Regionais e funcionavam como espaços de
antecipação e correção de possíveis conseqüências imprevistas ou desfavoráveis
das propostas. Em determinados contextos, representantes dos técnicos de
planejamento das DRS eram incorporados em grupos de trabalho, constituídos com
a atribuição de formulação das propostas de processo e instrumentos de
programação orçamentária. Isto se verificou na elaboração das propostas técnicas
da PROS 92 e da PROS 94.
Essa forma de organização dos técnicos regionais foi desmobilizada nos
primeiros anos do Governo Eduardo Azeredo (1995/1998) (vide capítulo
"Contextualização da Pesquisa"), mas reuniões com esse grupo de planejamento
ocorreram durante o processo da PPI e funcionaram como espaços de adaptação
das propostas do nível central, conseguindo mesmo, em alguns pontos, alterar seu
formato original em questões secundárias, de caráter operacional:

"As pessoas que se destacavam eram aquelas que já vinham desde 90 no sistema [...]
(cita nomes de vários técnicos das áreas de planejamento das DRSs). Existiam outras
regionais com técnicos sem experiência, eles opinavam mas não tinham o entendimento
completo da assistência. Quem tinha mais interferência era a equipe que já vinha dentro
da área de planejamento. Tinha até um colegiado formal, à época do Saraiva (José
Saraiva Felipe, Secretário Estadual de Saúde do Governo Hélio Garcia-1991/1994). É
porque a primeira programação feita na época do Saraiva não conseguiu pactuar, fechar
na CIB e aí a Secretaria teve que publicar por resolução, mas não tinha a NOB 96 ainda.
A NOB 96 não permitia que a Secretaria determinasse resolução, daí a obrigatoriedade
das pactuações. Então os agentes regionais, os atores que tinham, as pessoas, os
técnicos, eles colocavam a realidade local e isso alterava o estudo não só de
parâmetros, mas o estudo de um instrumento a nível estadual" (Depoimento de ator do
nível estadual - grupo de implementação da PPI).

No nível regional, a articulação das Diretorias Regionais de Saúde com os


municípios era organizada numa instância formal, constituída em analogia à CIB,
com representação dos secretários municipais e de membros das DRS, denominada
117
Comissão Bipartite Regional (CIBR). Essas instâncias formais de negociação foram
os fóruns eleitos pela SES para a pactuação das metas e tetos orçamentários
municipais gerados no processo da PPI. Durante o desenvolvimento da PPI
realizaram-se reuniões periódicas da comissão, geralmente com freqüência mensal,
segundo os depoimentos colhidos.
A eleição das CIBR como espaço privilegiado de negociação do processo de
programação condicionou a forma como os secretários municipais se relacionaram
com a sub-rede estadual, limitando seu acesso aos níveis superiores. Contatos
informais entre secretários municipais de saúde ou seus staffs de assessoria com os
funcionários das DRS se mantinham durante todo o decorrer do processo da PPI.
Como já foi descrito, a efetividade desses contatos foi condicionada pela intensa
politização da direção das DRS, com privilégios para municípios dirigidos por
coalizões aliadas ao governo estadual e tratamento discriminatório dos municípios
de oposição.
Frente à significativa desarticulação e descontinuidade de funcionamento da
sub-rede no nível regional, o papel do COSEMS e de seu grupo de assessoria foi
decisivo na interlocução dos municípios com o nível central da SES. Tal interlocução
padecia, no entanto, de um déficit importante de representatividade, visto que a
composição do COSEMS envolvia predominantemente secretários de saúde de
municípios de pequeno porte populacional.
Os municípios de médio e grande porte, excluídos do pacto político
estabelecido entre a direção da SES e COSEMS, passaram a se articular
independentemente em torno do que se denominou "Movimento dos Municípios-
Pólo". Seus secretários municipais passaram a se reunir separadamente e formular
reivindicações específicas que faziam chegar ao Governador do Estado e ao
Secretário Estadual de Saúde através dos seus prefeitos. O temor manifesto por
estes secretários era de que a PPI redundasse na redução dos seus tetos
orçamentários. Num contexto de resistência do Ministério da Saúde em ampliar o
teto orçamentário global do estado, a única possibilidade que a direção da SES
contava para elevar os tetos dos municípios de pequeno porte era a redistribuição de
parcelas subtraídas aos tetos dos municípios de maior porte. Tal temor se justificava
por precedente anterior, verificado ainda no ano de 1997, quando a CIB aprovara a
redução linear de 6% nos tetos dos municípios em gestão plena, justificado, à época,

118
pela necessidade de controlar sucessivas extrapolações na execução do teto
orçamentário estadual.
Esse movimento dos municípios-pólo demonstra a impossibilidade prática da
interrupção dos mecanismos de GIG, mesmo em contextos adversos e
extremamente conflitivos, em que uma interlocução aberta e facilitada entre a
direção da SES e uma fração dos municípios estava obstaculizada por uma
representatividade restrita da representação formal (COSEMS), que se refletia
diretamente na CIB.
Diversos municípios de médio e grande porte também buscaram uma
interlocução direta com a direção da SES. Esse fato reforça ainda mais a evidência
da necessidade da continuidade do funcionamento, ainda que precário, dos canais
de comunicação, mesmo quando uma fração dos atores se acha alijada das
instâncias de representação formal e explicita um posicionamento de oposição
política e denúncia.

6.2.3.1 A DESARTICULAÇÃO NA SUB-REDE ESTADUAL: FALHAS NA


INTERAÇÃO

A interação entre os atores municipais e estaduais, no interior da sub-rede


estadual, se dá de forma bastante heterogênea, condicionada pelo grau de poder
político ou importância do município na rede assistencial. Assim, os municípios
menores, com pequena expressão na produção de serviços encontram diversas
barreiras para interferir no ritmo do processo de negociação e se fazer ouvir. A
própria representação dos municípios institucionalizada como interlocutora no
processo, o COSEMS, não é muitas vezes permeável às demandas e
posicionamentos de alguns de seus membros, visto a intensa politização que
revestiu a sua composição recente (vide capítulo “Contextualização da Pesquisa):

“Eu vinha à reunião do COSEMS, participava, falava sempre, nunca aparecia nada do
que eu falava nas atas, isso é muito interessante. Todos os pontos que eu registrava,
todos os questionamentos que eu fazia, na ata do mês seguinte, simplesmente, não
aparecia. Era impressionante como que o povo era descarado nesse sentido...”
(Depoimento de ator do nível municipal – secretário municipal de pequeno município à
época da PPI).
119
A dinâmica de pactuação organizada pelas DRS, através de reuniões com os
gestores da região, nas quais eram instados a estabelecer a alocação de metas nos
municípios-pólo regionais ou naqueles de interesse político da direção do regional,
servia como um anteparo à livre interação dos atores municipais a uma relação
direta com o nível central da SES:

“Tem uma coisa impressionante que eu percebi nessa coisa de estar fora daqui de Belo
Horizonte. É que o domínio dos regionais é tão grande sobre os municípios. Primeiro
eles não deixam você acessar o nível central de jeito nenhum. Não deixam. Pedem para
não receber. É a maior complicação. É difícil você acessar, eles não querem de jeito
nenhum... Você não consegue falar nunca. O secretário, o prefeito não consegue falar. O
prefeito uma vez ligou para a [...] (Superintendente- adjunta da SOS/SES, à época da
PPI) e não conseguiu falar com ela, para você ter uma idéia, o prefeito de [...] (pequeno
município onde o entrevistado era secretário municipal de saúde). Não tem canal não.
Tem canal para [...] (cita grandes e médios municípios da região)" (Depoimento de ator
do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno município à época da
PPI).

Tais fatos demonstram uma desarticulação e fragmentação das interações


entre os atores no interior do estado, condicionada fortemente pelo padrão de
relacionamento da direção da DRS com os gestores de sua área de abrangência. A
elevada politização dessas instâncias desconcentradas do nível estadual do SUS
privilegia ou exclui determinados atores municipais da arena.
A composição das Comissões Intergestores Bipartite Regionais, instâncias
paritárias de negociação das questões ligadas à descentralização e financiamento
do sistema, também vai condicionar os padrões de relacionamento adotados. A
representação dos municípios, nessas instâncias, é reflexo de alianças e disputas
mais amplas no sistema político regional, funcionando como mecanismos de
viabilização de pactos assumidos nesse nível. Assim, diversos municípios foram
excluídos do processo de negociação intencionalmente ou se auto-excluíram, por
não conseguirem ressonância de suas demandas naqueles fóruns.

“Eu não conseguia participar de nada, eu não conseguia participar de nada. Eu ia de


xereta. Eu não queria nem saber. O [...] (secretário municipal de saúde de município de

120
médio porte da região) era o representante do regional... Sabe o quê ele fazia? Ele me
convidava. Eu falei: 'Me convida, que eu vou com você, toda vez que tiver'. Eu ia junto
com ele, de palpiteiro. Nas primeiras reuniões eu não podia participar. Era fechado”
(Depoimento de ator do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno
município à época da PPI).

O padrão de estruturação da rede intergovernamental no financiamento do


SUS caracteriza-se, portanto, numa grande heterogeneidade interna, com níveis de
integração e de freqüência de interações decrescente na medida em que se caminha
do nível federal para o estadual e o municipal. A crescente desarticulação interna da
rede à proporção que se aproxima do nível municipal pode ser imputada ao nível de
capacidade técnica e disponibilidade de recursos humanos especializados nessa
atividade, que claramente decresce nessa direção. A maioria dos municípios não
dispõe de quadros profissionais em qualidade e quantidade suficiente para arcar
com a operação dessa função altamente especializada e de custos significativos.
Esses municípios, em geral, delegam à sua representação formal, o Colegiado de
Secretários Municipais de Saúde, a explicitação de suas reivindicações de
incremento de recursos. Outra estratégia adotada por esses municípios é a
contratação temporária de consultores especializados que elaboram e negociam as
propostas.
A heterogeneidade dessa rede não contradiz a teoria estabelecida referida no
Capítulo "Metodologia", quando a categoria analítica foi descrita, mas indica uma
necessidade de se contemplar, na análise da estrutura, uma complexidade muito
maior do que a aparente homogeneidade e composição isotrópica38 (para usar uma
analogia com os sistemas físicos), que as descrições genéricas da teoria parecem
sugerir.

6.2.4 MECANISMOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZADOS

CARRILLO (1992), citado por MUNIZ (1997), enfatiza a importância das redes
de comunicação e dos contatos pessoais para o estudo da GIG, na medida em que

38
Isotrópico: que apresenta as mesmas propriedades físicas em todas as direções; isótropo.
(FERREIRA, 1975.)
121
esta se funda em transações realizadas entre indivíduos de diferentes organizações
e níveis de governo.
A operação das redes intergovernamentais envolve a utilização de padrões de
contato (já descritos no caso em estudo), o domínio da estrutura da rede e dos
processos de comunicação multilaterais utilizados (conforme detalhado no capítulo
"Metodologia", quando da construção das categorias analíticas). Os canais de
comunicação estabelecidos, o seu grau de utilização e periodicidade, irão constituir
os elos que vinculam os diversos elementos ou nós componentes da rede.
Coerentemente com o enfoque adotado, o da GIG, privilegiaram-se os mecanismos
informais de comunicação.
No caso em estudo, o que se depreende da análise das entrevistas é que os
canais de comunicação utilizados para operar as redes foram os mais variados e
com as mais diversas formas de utilização.
Um dos mecanismos de comunicação observados foi o da produção, por
determinados componentes da rede, de documentos analíticos, em geral de
conteúdo crítico, sobre a conjuntura do financiamento do setor, sobre iniciativas de
políticas ou normas formuladas pelos demais níveis de governo.
Assim, um dos atores que mais utiliza desse artifício comenta:

"Então, isso vai mais ou menos na informalidade. Eu fico meio que isolado em [...]
(cidade do interior do estado de São Paulo) porque eu estou lá sozinho, certo? Então eu
estou lá, eu me comunico por telefone, fax, Internet e viagens e vindas a Brasília onde a
gente encontra, certo? ....mas o que acontece é via isso daí, e eu faço muito de escrever
em cima de documentos para ações. Eu fiz uma opção franciscana de ser acusado de
bravateiro, panfletário, mas eu procuro produzir alguma coisa em cima do fato. Quer
dizer, saiu um negócio eu comento, porque tem que começar a discutir. É para malhar?
Está aqui o Judas, pode malhar. Mas, pelo menos vamos começar a discutir. Então isso
leva com que pessoas briguem, que pessoas falem e que isso acabe entrando na roda,
também, de outras pessoas" (Depoimento de ator do nível federal - representação
municipal).

Outro canal de comunicação crescentemente utilizado é a rede mundial de


computadores (Internet) que veio possibilitar um meio ágil e barato de troca de
informações, documentos escritos, boletins institucionais, artigos científicos, etc.

122
Os relatos do uso da Internet entre os entrevistados variaram muito quanto
ao grau de utilização e a forma adotada. Quanto ao grau de utilização, variaram
desde a não utilização para os fins enumerados acima, mais freqüentemente
declarada nos depoimentos dos atores estaduais e municipais, até uma utilização
permanente entre os atores do nível federal. Entre estes últimos, esse meio é
utilizado permanentemente para a difusão de informações oficiais e de documentos
semi-oficiais que alimentam os debates das redes de assunto constituídas.
Uma das utilizações mais freqüentes é a divulgação de boletins institucionais
dos escritórios de representação dos secretários municipais e estaduais de saúde
localizados em Brasília:

"O CONASEMS tem o Linha Direta, que é semanal. O CONASS tem o informativo
semanal que não tem muito por objetivo entrar nessas polêmicas, mas... é um mais ligth,
para o grande público. Mas eu costumo muito fazer relatório da evolução das
negociações e mandar para os secretários. Nós temos no CONASS uma infra-estrutura
muito pequena, são três funcionários só., mas muito ágil. Eu tenho condição de, em três
horas, pôr um documento na mão de todos os secretários do país" (Depoimento de ator
do nível federal - representação estadual).

O padrão observado é a composição de diversas sub-redes de comunicação.


Algumas são constituídas a partir dos diferentes graus de afinidade
político/ideológica existentes entre os atores, outras são de interesse mais geral ou
difuso sobre os temas constituintes da agenda setorial.
Na fala de um dos atores do nível federal esse padrão fica evidente:

"...Porque tem um outro...um conjunto, né? Como na matemática. Um outro conjunto de


elementos que não é exatamente das relações institucionais. É um grupo de pessoas
que têm uma afinidade por um projeto do SUS. Pelo assunto... é uma afinidade mesmo.
Pensam da mesma maneira... É um costume que a gente vai criando" (Depoimento de
ator do nível federal - representação estadual).

Os mecanismos utilizados não se estruturam na forma de típicos newsgroups


39
e listas de discussão , difundidos universalmente na Internet como instrumento de

39
Os newsgroups são áreas da Internet destinadas à criação de grupos de discussão temáticos,
localizados em um host (servidor) específico, em que as intervenções dos participantes são
visualizadas e podem ser lidas quando se realiza uma conexão ao hospedeiro. No caso das listas, os
123
discussões temáticas acadêmicas ou recreativas. Em geral, são restritos ao envio de
mensagens por correio eletrônico, e-mail, para listagens de endereços eletrônicos
que se constituem por tipo de interesse comum ou orientados por focalização em
atores de importância estratégica na formulação de políticas específicas ou nos
processos de negociação.
Essa diversidade na composição das listas dos atores-alvo das mensagens
pode ser exemplificada no seguinte relato:

"Agora não é um grupo fixo. Dependendo do tema, eu dou uma olhada ali na minha rede
de... no meu catálogo e vou clicando, isso aqui é legal o fulano ler, e o [...] (técnico
especializado em economia da saúde) no IPEA é bom ler isso, mas o outro assunto é
muito varejo para o (idem) ,mas é importante para o [...] (assessor do CONASEMS), de
jeito nenhum o [...] (um ex-Ministro da Saúde) vai querer ler isso, é muito chato... Você
faz isso. O [...] (assessor do CONASEMS) tem uma outra forma de divulgar, ele faz por
agregação. Tudo que ele escreve ele vai aumentando o grupo e manda para todo mundo
e cada um que selecione se quer ler ou não quer ler. Mas tem outros, o CONASEMS de
São Paulo também manda demais, o [...] (outro ator, ex-secretário municipal de saúde)
quando estava em Belém também divulgava muito, eu acho interessante..." (Depoimento
de ator do nível federal - representação estadual).

Confirmando o depoimento anterior sobre o mecanismo de estabelecer


listagens por agregação, um dos atores citados anteriormente explicita a forma como
organiza seu instrumento de comunicação que, segundo o mesmo, transforma-se
freqüentemente em fóruns de debates, com retorno de comentários e sugestões,
indicando um certo grau de eficácia do meio. Esse mecanismo funciona também
como forma de cooperação bilateral na localização de informações e documentos
temáticos:

"Na Internet, eu pessoalmente tenho uma listagem das pessoas que pedem, eu tenho
acho que uns trezentos nomes na minha lista de endereços. Se você disser assim 'eu
quero entrar na tua lista'', manda lá! Vou mandando o texto, tem pessoas também que
mandam coisas para mim com comentário. Ou mandam textos próprios. Ou peço a
outras pessoas: 'estou atrás disso, quero isso, quero aquilo, mande para mim'"
(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).

seus “assinantes” recebem, via correio eletrônico, (e-mail), todas as contribuições individuais dos
demais membros.
124
Ainda quanto à eficácia do meio, outro depoimento confirma o retorno de
opiniões e informações que subsidiam os processos de consulta e negociação
empreendidos, ao mesmo tempo em que manifesta temores quanto à saturação do
meio pelo excesso de informações e pela dificuldade dos atores interessados as
processar:

"...quando isso também vai aumentando, o que acontece é que a maioria das pessoas
não tem tempo de abrir e ler tanta correspondência. Então, eu estou preocupado no
CONASS e com pessoas estratégicas do CONASEMS em criar uma rede de consulta.
Os técnicos dentro do Ministério que eu mando, não porque eles são do Ministério, são
pessoas que me devolvem e falam assim: olha, porque que em vez disso você não tenta
por aqui? Quer dizer, essas conversas se dão via Internet também, né? Você tem o
próprio [...] (ator do nível federal ocupando cargo de direção superior), o [...] (outro ator
do nível federal ocupando cargo de direção superior), a [...] (ator do nível federal
ocupando posição de alta especialização em GIG), que é uma pessoa muito importante
nesse processo, ela articula muito. Então você tem pessoas de confiança que você cria
ao longo do processo e a gente conversa – a (outro ator do nível federal ocupando
posição de alta especialização em GIG) ... eu acho isso uma questão muito importante"
(Depoimento de ator do nível federal - representação estadual).

Conclui-se, desses depoimentos, que o intercâmbio de informações pela


Internet tem agilizado a comunicação entre os componentes da rede de assunto do
setor e a constituição de sub-redes focalizadas em temas e interesses mais
específicos, caracterizadas por composições bastante variáveis e difusas, centradas
na iniciativa de determinados atores situados em posição-chave no processo de
gestão intergovernamental, em geral por aqueles com maior grau de especialização
da gestão das relações entre os níveis de governo.

6.2.5 A COORDENAÇÃO DA REDE

A interação dos atores envolvidos na negociação dos critérios e mecanismo


de financiamento do SUS, em que a PPI cumpre um papel mediador dessas
relações, dentre outros mecanismos, se faz predominantemente à margem dos
canais formais ou hierárquicos estabelecidos. A premência da resolução das
questões suscitadas pelo financiamento do sistema de saúde, em especial aquelas
125
relacionadas à operacionalização dos sistemas informatizados de pagamento dos
serviços executados pelos diversos prestadores públicos e privados, impede,
objetivamente, que as interações se façam pelos canais burocráticos estabelecidos,
esses vinculados a relações hierárquicas ou funcionais legalmente estabelecidas. O
fluxo de informações e decisões via canais formais tornaria o sistema de pagamento
impraticável, pela necessidade do cumprimento de cronogramas mensais de
apresentação de faturas e emissão de ordens de pagamento, que não poderiam
aguardar prolongados trâmites burocráticos de informação e decisão.
As constantes mudanças nos critérios de financiamento impõem, também,
uma contínua readequação dos instrumentos de análise de dados com vistas à
produção de informações utilizadas nos processos de negociação, exigindo grande
flexibilidade organizacional e autonomia relativa dos agentes públicos na elaboração
de propostas e negociação dos valores dos tetos orçamentários estaduais e
municipais.
Esses determinantes conformam necessariamente um padrão de
coordenação das equipes técnicas vinculadas ao processo de financiamento e
pagamento bastante distante das organizações burocráticas tradicionais. Os
participantes da rede, localizados nos diversos órgãos e níveis de governo,
relacionam-se continuamente à margem das linhas de mando hierárquicas.
Esta relativa autonomia dos atores dos três níveis componentes desta
estrutura paralela à estrutura formal reforça a imagem proposta recentemente por
KLIKSBERG (1999), que compara o agente da GIG a um corretor multilateral
funcionando à margem da estrutura formal, e

"...que negocia permanentemente programas e relações dentro da própria rede e tem


capacidades para identificar pontos comuns, persuadir, promover, negociar e acumular
coincidências” (KLIKSBERG, 1999:10).

Essa autonomia dos atores em elaborar e pactuar mecanismos de


financiamento é relativa, ficando limitada aos espaços delimitados pelo nível de
decisão política situado na direção superior dos órgãos:

“Então esses conflitos aí no processo de descentralização que tem, quer dizer, e a


estabilidade que a equipe técnica dá nesse processo de transição, ela é relativa, tem
126
limite. Quer dizer, ela vai até onde não tem uma decisão em contrário. Quando tem bem
definida, ela não avança. Ela empaca quando a decisão política vai no sentido oposto.
Ou ela afasta do processo, como foi o caso daqui de Minas, por bem ou por mal, alguns
porque não agüentaram mais, outros porque foram alijados” (Depoimento de ator do
nível federal – representação dos municípios).

6.3 CATEGORIA “CAPACIDADE DE AÇÃO”

As acumulações históricas dos atores durante sua trajetória profissional


anterior, incluindo os contatos e relacionamentos desenvolvidos por eles em outras
contextos, bem como experiências anteriores em processos de negociação, é que
vão capacitá-los a agir na rede intergovernamental.
A maioria dos entrevistados demostrou conhecer os demais atores e ter
participado de processos anteriores de planejamento e programação em diversos
órgãos públicos.
A capacidade do ator de participar desse processo de negociação é
desenvolvida a partir dos contatos pessoais mantidos anteriormente e da construção
de uma habilidade pessoal para o estabelecimento de articulações entre os diversos
elementos que compõem a rede intergovernamental. Assim, um dos atores auto-
avalia essa sua capacidade:

"... não é muito estruturada, é de filling, de capacidade de acesso, não é... eu fico
pensando, às vezes, o governo federal, quando eu vejo assim: designar um articulador
político. Não existe isso. Ou as pessoas se sobressaem pela capacidade de articulador
político ou não. Você pode até indicar um, um bom articulador para um posto mais
estratégico, isso sim. Mas você sente, tem pessoas que têm uma capacidade. E eu acho
que eu tenho essa capacidade, se é que eu tenho uma habilidade é essa" (Depoimento
de ator do nível federal – representação dos municípios).

Os atores mais especializados na GIG vão acumulando crescentes


capacidades de negociação e de compreensão dos pontos de vista dos demais
atores, o que facilita a elaboração das estratégias de argumentação e
convencimento:

127
"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergência
não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o
outro é sacana. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um
ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,
como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.
Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está já ajuda a sugerir
saídas factíveis com essa realidade em que ele está inserido, ao invés de você impor
seu ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho
clima aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima
dele permita ..." (Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).

6.4 CATEGORIA “FORMALIZAÇAO”

Os atores participantes da rede interagem com alto grau de informalidade,


tanto nos contatos e trocas de informações diários ou periódicos, quanto nas
negociações que são empreendidas, levando às instâncias formais as questões já
previamente discutidas e com um grau de consenso já avançado.

“Então eu acho assim, basicamente, essas negociações, são feitas realmente nesse
campo do informal. Quando nós suspendemos uma reunião de Tripartite é porque, no
campo formal, às vezes um dirigente do Ministério não tinha como voltar atrás em
relação ao assumido, então você vai para o campo informal construir uma saída que, se
aceita, a gente volta para reapresentar no campo formal de uma forma viável de ser
apresentada. Então quando a gente suspendeu, nós não interrompemos o diálogo com
as pessoas, houve uma interrupção do diálogo oficial, por impasse. .Até para criar um
espaço de consenso que é o objetivo da Tripartite. Então a gente começa, depois disso
já realizamos várias conversas. Inicia-se uma negociação, conversamos com o [...] (cita
ocupantes de cargos da alta direção do MS), hoje o Ministro vai fazer uma reunião em
São Paulo com outras pessoas. Então eu acho que é uma situação, o campo informal, é
onde amadurecem as coisas, onde se viabilizam. O campo formal é uma discussão mais
institucional... “ (Depoimento de ator do nível federal – representação dos estados).

Embora as interações entre os atores sejam marcadas por alto grau de


informalidade, observa-se nos relatos que um certo grau de formalidade é
respeitado, delimitando-se claramente os momentos de negociação daqueles em
que as relações puramente pessoais ou de amizade predominam.

128
“...nesses anos no Ministério o boteco não tem sido um espaço de negociação. Mesmo a
informal, a gente faz dentro do ambiente institucional. Realmente, quase zero (a chance
de...) você sair... quando você sai, você sai explicitamente para isso, à vezes é possível.
Vamos marcar um almoço com o Secretário Executivo para a gente poder sair, mas na
verdade eu estou fugindo é da agenda dele, do telefonema e tal. O almoço é de trabalho.
Essa mistura não, eu não vou dizer quase zero, realmente eu não me lembro de nada
que tenha sido neste nível... agora eu não acho que seja fundamental as pessoas terem
relações pessoais. Por isso, separar é importante. Eu devo ter, com quem eu tenho
relação e com quem não tenho, a mesma relação institucional. Tem pessoas que são
grandes aliados na instituição que porventura não se tornam seus amigos. A gente
nunca sai, eu nunca estive com eles fora do ambiente de trabalho. E acho que essa
questão do boteco é muito comum porque a gente está há muitos anos nessa estrada,
aí, acaba se conhecendo, fazendo amizade...” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).

Os contatos informais também predominaram na relação entre os grupos


técnicos dos estados e as áreas do MS incumbidas da elaboração técnica das
normas e portarias ministeriais e da operacionalização dos sistemas informatizados
de pagamento. Assim, nesses contatos diretos, atravessando o trâmite burocrático
usual entre os respectivos níveis diretivos de ambas as instituições, se conseguia
antecipar às mudanças normativas e, de alguma forma, influir no seu andamento e
conformação final.

6.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO"

O processo de definição dos valores para o financiamento do SUS nos


estados e municípios passa, como se pode depreender das entrevistas, por intensos
movimentos de negociação.
Um mecanismo utilizado para esclarecer as posições em jogo no processo de
negociação e estabelecer um ponto de partida das discussões é a prática de se
explicitar as posições em documentos escritos, em geral, elaborados pelas equipes
de assessores:

129
"Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou as suas
críticas e vou construindo até chegar na assembléia, onde se tira uma posição do
CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia" (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos estados).

Internamente aos órgãos de representação dos estados e municípios


(CONASS e CONASEMS, respectivamente), se desenvolvem mecanismos de
definição periódica das posições passíveis ou não de serem modificadas no
processo de negociação. A delegação que é atribuída aos representantes se
transforma em objeto de contínua redefinição, sendo o seu poder de negociação
sempre limitado e continuamente redimensionado:

..."Delega a ele (o Presidente do CONASS) a negociação, ou a negociação com tais


ressalvas: - ‘isso você pode negociar, isto você não pode, sem voltar à assembléia’, por
exemplo. Questão, por exemplo, de teto dos estados, nós queremos negociar
composição interna de onde aplicar o teto. O Presidente teve a delegação da
assembléia, mas ele não tem delegação da assembléia de alterar um valor de um teto
de um estado para outro. Dentro do teto que os estados já conquistaram, o como isso se
distribui, se mais na alta, mais na média e tal, a gente sabe o que os estados querem e
têm uma delegação de negociar, mas jamais tirar de um estado e pôr no outro"
(Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

No caso dos secretários estaduais, por se tratar de um contingente de atores


relativamente reduzido, o processo de controle grupal sobre as posições levadas à
mesa de negociação (em geral na Comissão Intergestores Tripartite) é maior que no
caso dos municípios. Essa característica condiciona o estabelecimento de laços de
mútuo compromisso e confiança, mais facilitada ainda quando se trata de secretários
que permaneceram durante as mudanças de governo ou de atores com quem já se
mantinham relações anteriores no interior do sistema:

..."como são poucos (os secretários de saúde estaduais), o controle também é muito
grande, mas não há mais necessidade. A grande vantagem é que a grande maioria dos
secretários foram reempossados no segundo mandato, então há um nível de confiança
muito grande. Muitos secretários de importância continuaram, outros que chegaram são
pessoas de muita inserção no sistema" (Depoimento de ator do nível federal -
representação dos estados).

130
No caso em estudo, a proposta de PPI elaborada pela direção da SES-MG
surge como um instrumento que viria sacramentar, do ponto de vista da distribuição
dos recursos de custeio do sistema, um pacto político entre as forças estabelecidas
no governo do estado e uma conjunção de atores sociais emergentes no processo
de descentralização, com a municipalização. Esses atores emergentes provinham,
em geral, de pequenos municípios do interior do estado, pressionando por um
tratamento diferenciado na partilha dos recursos, na medida em que referendavam
esse pacto hegemônico. Esse novo arranjo político representou uma ruptura do
pacto anterior em que os interlocutores privilegiados, componentes da representação
formal dos secretários municipais, eram provenientes de municípios de grande e
médio portes.(vide capítulo “Contextualização da Pesquisa”, em que estão descritas
as diversas fases do funcionamento da CIB-MG).

"Porque, na verdade, a CIB é um pacto. Ela é um pacto em dois níveis. Um pacto entre
os municípios e um pacto dos municípios com o estado. Na medida em que você rompe
o pacto dos municípios, você altera a relação desse pacto com a CIB. Me parece que foi
essa.. a grande mudança que houve nessa gestão" (Depoimento de ator do nível
estadual - membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

Na administração anterior à do período em estudo (Governo Hélio Garcia –


1991/94), verificou-se um amplo processo de descentralização da gestão dos
sistemas municipais de saúde. Este movimento, denominado de municipalização da
gestão, significou a transferência da gestão da rede básica e do poder da
redistribuição interna dos recursos e cotas de AIH e das metas ambulatoriais entre
os prestadores de serviços de saúde presentes no município. Deu-se ainda na
primeira metade do período de governo. Com a edição da Norma Operacional
Básica SUS/01, em 1993, que definiu diversos critérios para a habilitação dos
municípios em formas de gestão diferenciadas segundo o seu grau de organização
administrativa e de responsabilidades assumidas, foi desencadeado um processo
rápido e ampliado de habilitação dos gestores municipais (vide capítulo
“Contextualização da Pesquisa”). Essa situação resultou numa maior complexidade
em relação ao quadro anterior, com a emergência de novos atores sociais, provindos
dos mais diversos contextos de poder local e regional, acrescentando novas
131
demandas e formas de pressão política traduzidas em reivindicações de recursos
financeiros para a viabilização dos projetos locais.
Na fala de um dos membros do grupo técnico de coordenação do processo
da PPI, essa crescente complexidade da composição da arena política setorial é
reconhecida e identificada como um dos determinantes, senão o principal, para o
desencadeamento do processo da PPI, com a revisão dos tetos orçamentários
municipais do SUS:

“O que é a PPI? Fundamentalmente é isso, quer dizer, nós vamos fazer uma nova
programação assistencial porque os municípios menores pediram. Então nós vamos
fazer ... eu quase diria que ele não tinha como não fazer a PPI, porque se ele não fizesse
a PPI, ele estava rompendo um pacto” (Depoimento de ator do nível estadual – membro
do grupo técnico de coordenação da PPI).

Esse novo padrão de negociação entre o gestor estadual e os gestores


municipais assumido pelo Governo Eduardo Azeredo (1995-1998) resultou de uma
estratégia de traduzir esse novo pacto político numa mudança de orientação quanto
ao papel da CIB-MG, buscando uma estreita aliança com os representantes dos
gestores municipais nela presentes. Isso significou uma intervenção direta no
processo eleitoral interno da representação dos secretários municipais de saúde,
apoiando uma chapa afinada com o projeto da direção da SES (processo descrito
em maiores detalhes no capítulo “Contextualização da Pesquisa”). Assim, a
composição da representação municipal na CIB-MG passa a ser de municípios de
pequeno porte, estreitamente afinados com as propostas de reorientação do
processo de descentralização da direção da SES:

“O que houve exatamente foi isso, uma aliança com a CIB. Então a CIB é uma aliança do
governo do Estado envolvendo a Secretaria com os municípios menores, que eram a
maioria. Esse eu acho que foi o artifício...” (Depoimento de ator do nível estadual –
membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

A ruptura com o padrão anterior de relacionamento com a representação


municipal e, portanto, com o conteúdo e a forma do processo de negociação, se
desdobrou numa revisão dos tetos orçamentários dos municípios, em que o discurso

132
da eqüidade, com uma distribuição per capita menos desigual entre os municípios de
diversos portes, marcou o discurso legitimador da proposta de PPI:

“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários do
seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos os
municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja, uma
distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio Governador, em
várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a
distribuição per capita, para cada habitante R$1,00... Essa planilha pretendia ser um
ponto de partida, você teria parâmetros, população, um cruzamento de parâmetros com
população, com recursos, e você teria então... todos partiam do ponto de vista
conceitual, do mesmo ponto de partida, ou seja, todos eram iguais. A diferenciação se
daria através das referências da complexidade tecnológica e da pactuação" (Depoimento
de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

Ao ser questionado se esse novo padrão de relacionamento entre a SES e a


representação dos municípios não enfraqueceria a CIB enquanto espaço de
resolução setorial do conflito, este mesmo ator pondera que:

“Não, eu acho que ela seja... ela não fica menos conflituosa. Só que o conflito é resolvido
de maneira diferente. Porque é o seguinte: quando você abre espaço para os atores
sociais....porque a questão política é muito complexa, eu falo assim: quando você tem
um discurso de participação, você torna-se refém do discurso, quer dizer, mesmo que
você tenha a maioria, mas para poder você continuar a exercer o poder, você tem que
atender parte das reivindicações dos atores sociais. A PPI é isso" (grifo nosso)
(Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da
PPI).

O processo da PPI induziu uma negociação forçada entre os municípios


quanto aos quantitativos de metas dos fluxos de doentes encaminhados para
serviços de maior complexidade tecnológica, o que, no jargão do setor, é
denominado referência. Tais pactos, que em muitos casos já vinham sendo
desenvolvidos desde outros processos de programação anterior ("PROS 1992" e
"PROS 1994", também promovidos pela SES-MG), foram atualizados frente às
novas exigências da demanda de serviços e às mudanças nas capacidades
instaladas dos municípios. Essas negociações foram estabelecidas em vários níveis,
133
partindo do nível microrregional, entre municípios vizinhos e depois englobadas, no
nível regional, em negociações capitaneadas pelas DRS. No nível interregional,
congregaram-se DRS vizinhas que mantinham fluxos importantes de pacientes entre
si e, finalmente, procedeu-se à compatibilização e estabelecimento final dos tetos
orçamentários pelo nível central da SES-MG.
Uma característica que marcou esse processo foi a diretriz assumida pela
direção da SES-MG de que a negociação microrregional fosse organizada pelos
Consórcios Intermunicipais de Saúde, reforçando politicamente essa forma
associativa dos municípios, eleita pela administração estadual como forma
organizativa privilegiada para a implementação das diretrizes de sua política de
saúde. Os Consórcios Intermunicipais de Saúde assumiram, então, neste processo,
um papel de verdadeira instância administrativa descentralizada do sistema, apesar
de sua heterogeneidade nas formas organizativas e de seu estatuto jurídico baseado
no direito privado.
O instrumento da PPI foi elaborado na forma de uma planilha eletrônica que
gerava, uma vez preenchido o número de habitantes do município, uma proposta de
metas assistenciais resultante da aplicação automática de "parâmetros", isto é,
valores normativos de concentração per capita de procedimentos assistenciais. As
metas geradas pela planilha eram então negociadas entre os municípios, na
dependência da existência dos serviços correspondentes e do interesse do gestor do
município receptor das metas em atendê-las, compondo, assim, seu teto
orçamentário. O instrumento formal da PPI, isto é, a planilha eletrônica e as metas
por ela geradas, representaram o meio sobre o qual se realizou o processo de
negociação, condicionando fortemente as possibilidades, o escopo e os limites do
âmbito dessa negociação.

"A outra questão interessante é que a planilha era um ponto de partida e não um ponto
de chegada. Muitas vezes isso foi entendido, a meu ver, equivocadamente, seja da parte
de representação da Secretaria, seja da parte de representação do COSEMS; a planilha,
na realidade, era um instrumento auxiliar. Ela era um instrumento para permitir, para
tornar a negociação mais racional, então isso é interessante. O outro grande avanço, a
meu ver, nesse processo da PPI foi realmente a experiência de negociação e pactuação
entre os municípios. E do registro formal dessa negociação" (Depoimento de ator do
nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).

134
Para os gestores municipais que se sentiram prejudicados pelos os
parâmetros assistenciais fixos inseridos na planilha eletrônica, a restrição imposta
pelo instrumento representou um obstáculo à livre negociação das propostas do seu
município, sendo avaliada negativamente:

"Logo que eu fui para lá, em abril, maio, por aí. Em julho, eu assumi a Secretaria. Em
maio, eu fiz a programação... mas era mais ou menos aquele instrumento. Eu fiz por
grupo, por procedimento, a programação. Eu lembro que nós fechamos um teto mais ou
menos de 80 mil reais. Esse teto chegou agora. Agora, com o último ajuste emergencial,
nós conseguimos chegar no teto que eu tinha proposto há quase dois anos atrás. E que
já está com capacidade resolutiva lá. Fizemos essa proposta de teto e levei para o
regional. O pessoal achava que eu estava doido, que não era assim, que o instrumento
não era aquele. O instrumento era aquele 'pacotinho', do disquete. Aí mandou o disquete
para o município" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de pequeno
município).

O componente da pactuação dos fluxos de referência entre os gestores foi


sempre valorizado pelos entrevistados, independentemente de suas posições
relativas no processo. Assim, essa avaliação positiva da eficácia desses pactos
emerge no discurso de atores do nível estadual:

"O outro avanço foi a compreensão de que o SUS não se implanta sem a negociação,
sem a pactuação, né? Quer dizer, as normas, as planilhas, qualquer que seja a
metodologia mais sofisticada que você pode desenvolver ao longo do tempo, mas há
uma variável estratégica que é a pactuação. O próprio instrumento formal, ele resulta de
uma pactuação maior ou menor, em maior ou menor intensidade. Então eu acho que
esses dois elementos são interessantes, a introdução de instrumento formal de
intermediação da negociação e a compreensão progressiva de que só se implanta o
SUS através de pactos" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo
técnico de coordenação da PPI).

Uma avaliação positiva dessa dimensão da PPI e da eficácia da pactuação


das metas de referência também são expressas por ator do nível municipal, esse
com discurso marcado fortemente pela crítica a todas as demais dimensões:

"Porque aquele instrumento, se ele fosse melhor usado, poderia até ter sido
'melhorzinho' do que foi. Eu acho que teve até uma vantagem, eu acho que se tivesse
135
clareado realmente essa questão de referência, se tivesse sido mais real aquilo ali, podia
ter sido um negócio bem mais legal, bem mais claro. Porque, para os municípios
pequenos, o que aconteceu? Isso ficou muito claro. Você ia no município vizinho e
cobrava: 'Olha, eu tenho tantos disso...' Você tinha uma clareza do quanto você tinha
quando você ia marcar. E a gente começou a cobrar isso. Por exemplo: [...] (Município-
pólo regional), a gente não conseguia fazer nenhuma tomografia, era zero, tomografia só
entrava via hospital-escola. Nós começamos a cobrar: 'Espera aí, nós temos tomografia,
nós queremos marcar, nós queremos marcar direto, não queremos marcar pelo hospital'"
(Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno município).

Um aspecto do processo de negociação envolveu a redefinição dos


parâmetros assistenciais durante a execução da PPI. O parâmetro de consulta
médica foi definido na primeira versão da planilha eletrônica em 2,13
consultas/habitante/ano. É importante ressaltar que vários outros parâmetros
assistenciais estavam vinculados ao número de consultas médicas. Um aumento do
número de consultas fixado para um município refletia-se, portanto, em cascata para
as muitas outras metas assistenciais (por exemplo, o número de radiografias e
exames laboratoriais a serem realizados). A pressão dos municípios pelo aumento
do parâmetro de consultas médicas foi expressa em várias ocasiões, inclusive em
documentos por escrito, pressionando a representação do COSEMS na CIB a
encampar a proposta de incremento do mesmo, como de fato se verificou.
Essa mudança no parâmetro de consultas é lembrada por quase todos os
entrevistados, demonstrando a relevância que a questão assumiu à época. Assim,
as manifestações foram unânimes em rechaçar o valor fixado inicialmente em 2,13
consultas/habitante/ano:

"Quando chegou o disquete, eu fui na regional e falei para o pessoal: ‘Olha, é um


absurdo, nós vamos fazer a programação com duas consultas habitante/ano, sendo que
nós fizemos a PROS, há 3, 4 anos atrás com duas e meia consultas?’ Aí vim para a
reunião do COSEMS e levantei isso. Falei que era um absurdo porque duas consultas
era uma miséria, que aquilo ali ia dar uma sobra de mais de 20 milhões na simulação. Aí
passou para 2,2... Houve uma reunião do COSEMS e a gente ‘quebrou o pau’ lá, que era
um absurdo esse parâmetro, e aí na outra reunião...Não, a gente propôs que fosse 2,5.
Eu não lembro quem estava comigo não. Eu levei essa proposta de aumentar para 2,5 e
aí, 15 dias depois ou um mês depois chegou a nova planilha com 2,2 consultas. Aí
passou para 2,2. Fizemos a programação em cima daqueles parâmetros malucos lá, e

136
deu no que deu". (Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno
município).

Por parte do grupo técnico de coordenação da PPI pela SES, a preocupação


de alterar o parâmetro se prendeu ao impacto financeiro que ela significava, pelo seu
efeito multiplicador, em cascata, sobre os outros itens de programação. O parâmetro
inicial revelou-se então como um produto de uma simulação da aplicação do
conjunto dos itens à população do estado e da verificação de seu impacto
orçamentário/financeiro, mais do que de um estudo mais profundo de necessidades
assistenciais:

"Então diversos gestores não entenderam...não identificaram o instrumento como um


instrumento ideal para o município dele e tentaram questionar isso na CIB. Então
resistiram, foram contra, tentaram alterar, submeteram à CIB diversas reclamações. Isso
era discutido com o município, mas inclusive, em alguns casos, foi até objeto para alterar
o instrumento, para alterar algum fluxo, alguma rotina, então valeram algumas das
reclamações valeram alguma coisa.... O parâmetro da consulta, nós resistimos ao
máximo na alteração do parâmetro da consulta, porque o estado não tinha infra-estrutura
para atender, alguns municípios sim, outros não. Atender mais que duas consultas (e a
consulta ela indexa todos os SADT40), então, se alterasse o parâmetro da consulta, o
teto já estava muito acima do previsto... Ia ser um processo em cascata, ou então não ter
nada com o instrumento" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de
coordenação técnica da PPI).

O processo de negociação instaurado em torno do parâmetro de consultas


médicas resultou em mudança da posição anterior da SES, demonstrando uma certa
abertura, obtida sob pressão dos municípios, no sentido de incorporar na versão final
da planilha eletrônica uma proposta de incremento do parâmetro (2,2
consultas/habitante/ano), embora num patamar menor do que foi reivindicado (2,5
consultas/habitante/ano).

"Então houve diversas pactuações para manter a consulta, já que a grande parte das
consultas eram básicas, estava previsto isso já no 'finalzinho' (sic) que o Ministério iria
alterar a parte básica, como alterou em 98. Não sabíamos o que iria alterar, não

40
SADT - Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico, sigla da nomeclatura de antigo sistema de
informações ambulatoriais, e que agrupava diversos exames e terapias ambulatoriais
137
sabíamos se seria tão prejudicial. Acabou aprovado, ficando as 2,2 consultas, então
foram diversos instrumentos (diversas versões)" (Depoimento de ator do nível estadual -
membro do grupo de coordenação técnica da PPI).

Essa mudança verificada nos parâmetros reafirma a característica apontada


por AGRANOFF & LINDSAY (1983)41, citado por MUNIZ (1997:11), e que condiciona
o êxito da GIG "à capacidade de manter o foco permanente no problema em questão
e à capacidade de negociação com o fim de resolver os problemas específicos, e
que fiquem claras as razões técnicas da solução adotada...", independentemente de
diferenças e pressupostos de natureza puramente ideológica. Esse mecanismo de
focalização é descrito com mais detalhe, a seguir.

6.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS"

Os mecanismos de definição das questões problemáticas que compõem a


agenda de negociação dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento do
SUS pelos atores participantes da rede intergovernamental podem ser divididos em
mecanismos formais e informais.
No campo formal, a definição das questões problemáticas a serem debatidas
e equacionadas envolve a elaboração pactuada das pautas das instâncias formais
de negociação (CIT e CIB) e das suas respectivas Câmaras Técnicas. As Câmaras
Técnicas são justamente espaços semi-institucionalizados em que se reúnem
periodicamente representantes dos diversos níveis de governo, mais comumente
seus staffs de assessoria, em datas acertadas para antecederem proximamente as
reuniões das comissões intergestores. Esse mecanismo de articulação técnico-
política foi introduzido na prática do funcionamento da CIT e organizado por
emulação no nível dos estados, precedendo as reuniões das CIB. O grau de
informalismo nesses fóruns é grande, funcionando como mecanismo de ajuste

41
AGRANOFF, R. & LINDSAY, V. Intergovernmental management perspectives from human services
problem solving at the local level. Public Administration Review, London, v.43, n.3, p. 227-37,
1983.

138
mútuo das pautas e do tratamento preliminar das questões a serem levadas à
decisão das comissões intergestoras.

“...nós conseguimos criar, no âmbito da Tripartite, uma chamada Câmara Técnica,onde


as questões técnicas são primeiro apreciadas. [...] é um espaço que a gente tem para
fundamentar as diversas opiniões. Quer dizer, se ela vai depois para a Tripartite dar o
parecer, ela também, apesar de ser uma Câmara Técnica, é um espaço político do
varejo onde você tenta fundamentar as suas propostas, encaminhado um certo sentido.
Nela participam o Ministério, CONASS e CONASEMS, sem paridade, mais ou menos
aberta à participação de quantas pessoas o Ministério achar necessário, mais o pessoal
técnico, que faz a articulação...” (Depoimento de ator do nível federal – representação
dos estados).

A composição da agenda das negociações intergestores no plano federal é


objeto de uma articulação entre a direção do MS, com a interlocução privilegiada da
Secretaria Técnica da CIT vinculada à Secretaria de Políticas, e as representações
do CONASS e CONASEMS. Na prática, uma proposta de pauta das reuniões da CIT
é elaborada conjuntamente pelo CONASS e CONASEMS e submetida à Secretaria
Técnica, sendo em geral acatada.
A relativa informalidade do fórum da Câmara Técnica permite uma discussão
livre e preliminar dos temas da agenda, bem como a construção de um consenso
mínimo sobre os temas. A Câmara Técnica também funciona como um mecanismo
de acompanhamento da implementação das decisões tomadas pela CIT, cobrando
das diversas áreas técnicas do MS informações sobre o andamento das questões
pactuadas. A preocupação com a implementação das decisões se reflete também na
prática usual da realização de uma reunião da Câmara Técnica após a reunião
ordinária da CIT.
No âmbito dos estados, o papel da Câmara Técnica da CIB é similar,
funcionando como um mecanismo de acerto preliminar das questões da agenda,
permitindo um pré-processamento dos temas e uma construção negociada de
alternativas com viabilidade técnica e política de serem aprovadas pela instância
formal. No caso em estudo, além da Câmara Técnica já existente, foi instituída pela
CIB-MG uma comissão específica para acompanhamento da PPI, em que se
procurava dirimir questões emergentes da implementação da proposta da PPI e
elaborar alternativas técnicas para a resolução dos conflitos que foram surgindo no
139
decorrer do processo. Um desses conflitos que encontrou tratamento nesse espaço
institucional foi a revisão dos parâmetros assistenciais inicialmente propostos, que
resultou na alteração da planilha eletrônica. Essa nova versão da planilha eletrônica
incorporou um incremento no parâmetro de consultas médicas, que se refletiu em
diversos outros parâmetros que a ele estavam vinculados (exames de laboratório,
determinadas terapias, etc.).

“A CIB aprovou uma comissão para fazer um estudo da planilha, e houve algumas
mudanças como, por exemplo, estava se trabalhando com 2 consultas/habitante e
passou para 2,2 consultas/habitante anos. Outro parâmetro... Houve também ajustes e
melhoras na própria construção do instrumento eletrônico. Houve uma reunião da
Comissão Tripartite quando representantes do COSEMS, representantes da Secretaria
com umas... umas 5 ou 6 reuniões em que se discutiu a planilha e a metodologia do
trabalho" (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).

Como descrito anteriormente, a alteração do parâmetro de consultas médicas


foi um ponto de acalorada discussão entre os atores e objeto de intensa pressão por
parte dos gestores municipais, principalmente daqueles que já apresentavam
patamares de produção de serviços superiores ao fixado por aquele parâmetro. A
sua alteração pode ser tomada como um recuo tático da direção da SES e
demonstra a eficácia dos mecanismos de negociação adotados, quando os atores
focam sua atenção sobre problemas específicos, em que restam claras as razões
técnicas da solução adotada.

6.7 CATEGORIA “CONTROLE DE RECURSOS”

Os recursos para o financiamento do SUS são arrecadados, em sua maioria,


pelo nível federal, chegando a constituir um montante de cerca de 65 a 70% dos
recursos de custeio do sistema. Essa situação garante ao Ministério da Saúde uma
centralidade e um grande poder de barganha nas negociações sobre o
financiamento e sobre os modelos de assistência à saúde implantados pelos níveis
estadual e municipal.

140
Esse controle da maioria dos recursos financeiros do sistema estabelece uma
certa hierarquia decisória, em que as questões sobre as quais não se estabelece um
consenso entre os níveis de governo são decididas unilateralmente pelo nível que
conta legalmente com o poder discricionário sobre a utilização dos recursos
(mormente o nível federal, mas também decisões unilaterais são tomadas por
estados e municípios sem consulta ao gestor federal do sistema).

“É como se fosse hierarquia de exército, né? O Ministro é o general, o estado é o


sargento e o município é o cabo e o prestador o soldado. Então, essa relação, que era
de sócios, o Ministério está tentando impor. Mas ele, ao ser general, também ele não
está optando por comandar toda a tropa, ele está escolhendo as missões gloriosas que
lhe rendem apenas um grande espaço na mídia, um grande impacto publicitário. Nem
sempre com um posterior acompanhamento dessas iniciativas. Certo? Nós tivemos, por
exemplo, em 98 e começo de 99, uma grande companha nacional, com mérito: a
questão do combate ao câncer do colo de útero. Um grande ‘auê’, muita propaganda,
muita gente fez o diagnóstico... Agora, a intervenção sobre o diagnóstico que é o
problema pior, né? É por conta agora do sargento e do cabo. Estado e município têm
que se virar com aquele tanto de diagnóstico feito, etc. etc.” (Depoimento de ator do nível
federal – representação dos estados).

Essa concentração diferencial dos recursos entre os níveis de governo


impacta diretamente os processos de planejamento e programação do sistema,
limitando a sua racionalidade e a adoção de modelos de intervenção e metas
nacionais amplamente discutidas e negociadas.

“... se a gente tivesse um processo efetivamente correto de programação, estas


prioridades nasceriam de uma discussão compartilhada das três instâncias de governo.
E não uma definição solitária do Ministério ou individual ou de pequenos grupos
definindo para todo o país o que é prioridade nesse momento. Será que a cirurgia de
catarata é prioridade em Roraima? Será que onde tem a questão da malária, onde você
não tem... quem sabe com esse mesmo recurso você não estrutura serviços e ao invés
de fazer um ganho de episódio... Quem acompanhou o exército brasileiro, o Projeto
Rondon tinha aquelas... o dia da saúde, a semana da saúde, ia lá abria a boca olhava o
dente... e ia embora. Isso não resulta em nada" (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).

141
Segundo os entrevistados, os instrumentos propostos para as programações
de custeio, tanto no nível federal como estadual, se revestem de intencionalidades
da instância que o elabora, condicionando a definição dos recursos a contrapartidas
das demais esferas de governo, gerando resistências à sua aceitação e efetiva
implementação.
A insistência das representações dos estados e municípios em deflagrar um
amplo processo de reprogramação dos recursos, através de uma PPI, como
conseguiram introduzir no texto da NOB 96, se prende ao interesse de conferir maior
transparência aos critérios de distribuição utilizados pelo Ministério da Saúde e
reduzir seu espaço de alocação discricionária dos recursos, além de representar um
mecanismo de pressão pela elevação do montante de valores distribuídos:

“Eu tenho uma avaliação porque, hoje em dia PPI não é um instrumento que na prática
interesse ao Ministério. Por que? O Ministério tem dinheiro definido, tem instrumentos
que são normas e portarias de que ele pode dispor sobre utilização desse dinheiro e uma
programação, nesse momento, geraria uma pressão sobre o Ministério, sobre os pontos
de estrangulamento do sistema e uma necessidade de realocação de recursos. Ou seja,
o Ministério, pensando pragmaticamente, pensa assim: ‘eu não vou desencadear um
processo que vai gerar uma pressão por questionar onde eu estou pondo o dinheiro,
uma pressão para que eu arrume mais dinheiro, uma pressão para que eu torne mais
transparente ainda onde eu ponho o dinheiro'...” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).

Essa resistência em conferir maior transparência na distribuição dos recursos


e à redução da autonomia do nível de governo na sua alocação discricionária repete-
se no nível dos estados e dos municípios, revestindo-se de nuances específicas.
Nos estados, busca-se restringir o escopo das programações aos recursos de
custeio oriundos do nível federal, procurando se garantir a máxima liberdade na
alocação dos recursos de investimento e das fontes de receita própria. Os
municípios, por sua vez, resistem a pactuar, com os demais níveis de governo, os
recursos de seu tesouro municipal.

“... a PPI é uma coisa que na teoria há um consenso importante. Do mesmo jeito, para
não colocar o Ministério sozinho como Cristo, pense no estado. O estado é muito
interessado em fazer uma PPI das suas necessidade e levar ao Ministério como pressão.

142
Mas não é tão interessado assim que o município faça o mesmo e venha questioná-lo
quanto a isso. Como o gestor municipal também não tem tanto interesse que o Conselho
e os prestadores abram a caixa preta e comecem a discutir tudo...” (Depoimento de ator
do nível federal – representação dos estados).

Com base no exposto, depreende-se que os processos de programação do


SUS funcionam, para o nível de governo que os propõe ou realiza, como um
mecanismo de pressão sobre os demais níveis, no sentido de restringir as suas
margens de manobra e o poder discricionário na alocação dos seus recursos
destinados à saúde. A resistência dos níveis impactados pelo processo de pressão
é, então, uma conseqüência previsível, da qual eles tendem a se defender,
buscando formas de reorientar o processo com vistas a alcançar seus próprios
objetivos. Esse complexo jogo de interesses limita a pactuação solidária da
distribuição dos recursos, bem como maior transparência na sua alocação.
A noção de uma programação pactuada e integrada entre os três níveis de
governo, como inserida na NOB 96, embora aparentemente reflita a disposição
dessas esferas de desenvolver um mecanismo de gestão cooperativa do sistema de
saúde, na prática, converte-se em um dispositivo que pretende cercear mutuamente
os graus de autonomia decisória dos gestores.
As estratégias protelatórias do nível federal na definição do processo e dos
instrumentos da PPI atestam a incapacidade dos atores envolvidos na rede
intergovernamental de superar essa lógica que preside o jogo entre os dirigentes,
que acaba por limitar as possibilidades de um consenso técnico aceitável pelos
dirigentes quanto ao conteúdo e à abrangência da programação. Essa percepção é
explicitada nas entrevistas, como pode ser apreciado no seguinte trecho:

“O problema é que nunca se pactuou bem esse instrumento. Num primeiro momento, ele
era um instrumento que foi criticado (pelo nível federal) por conter só a divisão do bolo
financeiro e federal e como um instrumento de captação de recurso, aí o Ministério se
recusava a implantar. Num segundo momento, o próprio Ministério tomou a iniciativa de
fazer outro instrumento que era muito mais um instrumento de acompanhamento de
programação, acompanhamento de programas federais, que aí os municípios e os
estados não se dispuseram a implantar. E até hoje, quer dizer, quatro anos depois disso,
você não tem uma proposta pactuada em implantação. Então, cada estado acabou

143
criando um mecanismo próprio de pactuação” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos municípios).

Se no plano federal esse consenso é obstaculizado por esta visão distorcida


do esquema federativo, no plano estadual o acordo sobre o processo se mostra
possível, porém condicionado pela mesma ótica. No caso da PPI 97, a identidade de
interesses do nível estadual e da representação dos municípios garantida pelo pacto
político estabelecido na época, vai permitir um consenso elevado sobre os objetivos
da programação, qual seja o de ampliar o montante dos recursos federais alocado
ao estado e uma distribuição orientada a privilegiar os municípios de menor porte e à
viabilização financeira das políticas propostas pelo gestor estadual, os Consórcios
Intermunicipais de Saúde e o Programa de Saúde da Família. É necessário se
lembrar que esses dois projetos estratégicos foram contemplados com incentivos
financeiros previstos na PPI 97, através da qual se buscavam a anuência e a
cobertura financeira pelo nível federal.

6.8 CATEGORIA “COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO”

O agir estratégico dos atores da rede intergovernamental no processo de


negociação dos critérios de financiamento do SUS diferencia-se do enfoque
estratégico clássico de uma definição racional e prévia de metas e estratégias
seguidas da sua execução e avaliação. A linearidade desse enfoque é substituída
por uma ação complexa, em que granjeiam apoio as suas idéias e testam
permanentemente a viabilidade de suas propostas.
Nas entrevistas, ficam patentes várias táticas utilizadas pelos atores nesse
tipo de ação. Uma dessas táticas é a explicitação de idéias e posições críticas
elaboradas permanentemente sobre os fatos da conjuntura, através da elaboração
de textos analíticos, que são divulgados amplamente no interior da rede. Tal
comportamento é mais presente no âmbito da arena federal, mas também foi
observado no processo da PPI 97 em Minas Gerais, em que, até mesmo o autor da
Dissertação, pela sua participação ativa nos fatos, produziu textos desta natureza.
Na fala de um ator do nível federal, tal tática é descrita:

144
"... nós no CONASS trabalhamos muito, para não dar margem à dúvida, em informes por
escrito. Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou
as suas críticas e vou construindo e até chegar na assembléia onde se tira uma posição
do CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia, delega a ele a negociação
ou a negociação com tais ressalvas: isso você pode negociar, isto você não pode, sem
voltar à assembléia, por exemplo..." (Depoimento de ator do nível federal - representação
dos estados).

Outro movimento tático adotado pelos atores é a realização de estudos


técnicos, mormente com a coleta e análise de dados relativos às questões presentes
na agenda, reforçando seu posicionamento com informações objetivas, buscando
anular argumentos contrários e conquistando melhores posições relativas na arena.

"Eu acho que alguns municípios, a hora que eles começaram a ter noção dos dados....
porque na realidade a gente começou a fazer estudo, junto com a [...] (técnica da DRS
em cuja jurisdição o município do ator se encontrava), e o pessoal, uma ou duas pessoas
da regional, começaram a levantar os dados. E levava os dados e ‘quebrava o pau’. E
isso começou a gerar um certo ânimo nos municípios de participar. Porque a sensação
que eu tinha era que estava todo mundo assim: você tem que ir direto no estado
negociar no Gabinete, se não for lá com o prefeito não vai conseguir nada. Então a gente
começou a ter essa discussão lá e começou a surgir alguma coisa diferente, eu acho que
foi o que teve de mais positivo para mim, apesar de não ter caminhado nada.... Mas eu
acho que houve uma participação maior..." (Depoimento de ator do nível municipal -
Secretário Municipal de município de pequeno porte)

Muitos dos atores participantes da rede desempenham um papel semelhante


ao do corretor multilateral, proposto por MANDEL (1994) para caracterizar o papel
que os gerentes desempenham no contexto das redes interorganizacionais. Este
papel de "intermediário, de alguém que 'intervém'" (MANDELL, 1994:244), com alta
especialização na gestão das relações intergovernamentais, aplica-se plenamente
aos atores do nível federal (aqui entendidos os funcionários federais e as
representações dos estados e dos municípios). Sua disponibilidade permanente para
essa tarefa, bem como as suas capacidades individuais desenvolvidas no decorrer
dos processos de negociação, os habilitam a essa qualificação. No âmbito dos
estados e municípios, observa-se que essa especialização é menor e a função da
negociação permanente é, muitas vezes, delegada às suas representações. Os

145
secretários estaduais e municipais cumpririam, em maior ou menor grau, os papéis
de enlace e de delimitação de fronteiras identificados por MANDELL (1994),
observados também para outros gerentes dentro de suas próprias organizações.
Estes papéis referem-se ao fato desses gerentes ocuparem-se "mais em manter as
relações fora das fronteiras da sua organização do que em manter as de dentro". Na
rede intergovernamental estes papéis são ampliados "para incluir o papel de enlace
ou de corretor entre uma série de organizações diferentes, inclusive a própria"
(MANDELL, 1994:245). A capacidade dos secretários estaduais e municipais
desempenharem esses papéis obviamente está condicionada a características e
habilidades individuais e à disponibilidade de tempo e recursos financeiros para se
dedicar, em tempo integral, a essas atividades. Secretários de estados e municípios
mais ricos e dispondo de equipes técnicas que possam assumir a contento as
tarefas executivas de rotina tornam-se mais disponíveis para atuar continuamente na
arena intergovernamental e desempenhar os papéis assinalados.
Para contornar a inferioridade numérica e de recursos das representações
dos estados e municípios, os atores incumbidos de negociar permanentemente as
questões do financiamento desenvolvem estratégias de pressão via terceiros
(parlamentares, conselheiros, etc.). Empreendem também intrincadas articulações,
em que as diferenças das posições individuais dos diversos atores do Ministério da
Saúde e as suas contradições internas são exploradas. Algo como utilizar
habilmente as forças do oponente:

"... e se tenta trabalhar muito com os deputados da Comissão de Orçamento, porque é lá


que vai se dar a definição. Mas tentamos trabalhar muito também para que o Ministério
saiba da posição e receba alguma pressão nossa, quer dizer, não é no sentido só de pôr
mais dinheiro, mas onde pôr o dinheiro que é o mais importante. Onde tem os pontos de
estrangulamento e tudo mais. Outra coisa que eu ia falar é do Ministério, nós não
podemos tratar o Ministério como um ator. Talvez em número de atores dessa área, o
Ministério sozinho venha mais que nós outros, do lado de cá, juntos. Em cada Secretaria
você identifica, diante de uma questão, pessoas favoráveis e pessoas resistentes. Mas é
hipotético, um assunto “x” nós queremos encaminhar. Aí eu posso verificar: nisso o
(dirigente do Ministério da Saúde, ocupante de uma secretaria muito relacionada ao
financiamento) é resistente, mas o (assessor do dirigente anteriormente citado) que
trabalha com ele é favorável, o (diretor de departamento da secretaria anteriormente
citada) é resistente mas o (outro assessor da mesma secretaria) é favorável e a gente

146
procura ir tratando de... ,usando a palavra no bom sentido, é exatamente fazer o lobby
da sua idéia, né? Criar uma pressão, um convencimento, um esclarecimento" (Grifo
nosso) (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).

Uma habilidade desenvolvida pelos atores entrevistados foi a que MANDEL


(1994) denomina de "poder de relação":

"O poder de relação refere-se à capacidade de mobilizar outras pessoas em apoio às


próprias metas. É basicamente transacional e depende da persuasão e da negociação
mais do que do fornecimento de instruções, como na forma pura de autoridade ou na
posição legítima de poder" (MANDELL, 1994:245).

Demonstrações dessa habilidade aparecem nas entrevistas, com atores


mobilizando e convencendo outros atores em posição privilegiada de acesso ou de
mais sensíveis ao processo de convencimento para atingir um terceiro ator:

"Às vezes você, ao invés de conversar com o secretário (de um estado), eu converso
com o presidente do COSEMS (daquele mesmo estado), tento convencer a ele dos
pontos de vista do secretário... Eu posso conversar com o Conselho informalmente e
formalmente, via secretário. Às vezes a resistência é do próprio secretário, então você
começa a criar situações de mediar as relações".(Depoimento de ator do nível federal -
representação dos estados).

"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergências
não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o
outro é ‘sacana’. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um
ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,
como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.
Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está, já ajuda a sugerir
saídas factíveis com essa realidade que ele está inserido, ao invés de você impor seu
ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho clima
aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima dele
permita essa saída..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
estados).
Esta utilização de intermediários para a negociação ou convencimento de um
ator resistente é observada em várias situações relatadas nas entrevistas:

147
"....às vezes eu não sou a melhor pessoa para conversar, eu solicito alguém de fora, um
amigo... É um exercício na prática do tal do planejamento estratégico. O que você faz na
vida, na verdade. Você briga com um parente seu ou um irmão e você recorre a um tio
para mediar, conversa lá com ele, explica que não tive essa intenção, vê se abre o
diálogo e tal... É assim que você vai construindo..." (Depoimento de ator do nível federal
- representação dos estados).

No caso da PPI 97, essa prática foi observada e relatada por um ator-chave
no processo. Com a CIB controlada por um grupo de municípios de pequeno porte
fortemente identificados politicamente com a direção da SES, a interlocução do
COSEMS com os municípios de grande porte se tornou difícil, pela desconfiança
resultante do polêmico processo eleitoral interno da entidade. A necessidade de
negociação de algumas questões com esses municípios maiores, embora
formalmente excluídos da instância formal de pactuação, levou à busca de
interlocutores no outro campo. Assim relata o ex-presidente do COSEMS-MG à
época:

"...eu lembro de uma pessoa que foi uma grata revelação para mim, que quando formava
a discussão, o impasse, a gente sempre teve no [...] (secretário municipal de saúde de
um município de médio porte da Região Metropolitana de Belo Horizonte), que era uma
pessoa que não concordava com a atual, com aquela gestão do COSEMS. Mas era uma
pessoa que sempre foi chamado por nós na questão de maior conflito até para negociar,
trabalhar, olhar critérios na PPI, na questão também dos cortes. Porque ele é um bom
técnico e pela sua capacidade ele conseguia também colocar as questões num nível de
não exaltação e com isso ajudava muito a achar o meio" (Depoimento de ator do nível
municipal - ex-presidente do COSEMS-MG).

6.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO"

A tentativa de buscar "condicionar as ações de outras unidades de governo


através da produção de normas" (AGRANOFF, 1992) está bastante presente no
cenário intergovernamental do financiamento do SUS. As normas gerais do processo
de descentralização do sistema foram expressas na forma das NOB (em quatro
versões: 1991,1992,1993 e 1996). As NOB 93 e 96 foram fruto de negociações entre
o Ministério da Saúde e as representações dos estados (CONASS), dos municípios
148
(CONASEMS) e entidades da iniciativa privada, refletindo o consenso mínimo entre
as partes.
Já a NOB 91 e a NOB 92 foram editadas sem a anuência das partes, pela
Presidência do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social - INAMPS. A primeira instituiu o pagamento por produção para os serviços
públicos de saúde, nos mesmos valores da tabela nacional utilizada para pagamento
dos serviços privados, consolidando portarias anteriores daquele órgão que
estendiam o SIH/SUS para o setor público, dentre outras medidas (OLIVEIRA JR.,
1999).
As NOB de 1993 e 1996 foram produtos de longos processos de negociação
e seu formato extremamente detalhado reflete a insegurança dos atores do nível
federal na capacidade de organização dos sistemas estaduais e municipais de
saúde e, por parte dos atores dos estados e municípios, o elevado grau de incerteza
quanto à fidelidade do nível federal em honrar os compromissos. Disso resultou uma
regulamentação extensa, complexa e formalista. Atributos, aliás, que não
garantiram, de nenhuma forma, a sua fiel aplicação pelas partes.
A pletora normativa observada no financiamento do SUS poderia ser
comparada, em analogia, ao "círculo vicioso" que CROZIER (1981) localiza nas
organizações burocráticas, "onde a resistência (do funcionário) acaba finalmente por
reforçar a influência do esquema que a provocou" (CROZIER, 1981:261). Em reação
a normas não cumpridas ou inviáveis de se cumprirem, ditam-se (ou negociam-se)
novas normas, numa retroalimentação positiva.
As disputas pelas competências entre os níveis de governo e as garantias
formais de aportes financeiros caracterizam ambas as NOB. Esta indefinição das
competências governamentais encontra paralelo na "fase conflitiva" das RIG nos
Estados Unidos da América dos anos trinta e antes, que nos reporta WRIGHT
(1997), quando

"...os funcionários nacionais, estatais e locais, que buscavam uma especificação precisa
de seus respectivos poderes supuseram que esses se excluíam mutuamente. Ademais,
os funcionários parecem haver esperado que a oposição e o antagonismo fossem parte
do processo normal de aprender quem tem o poder para fazer o quê" (WRIGHT,
1997:133).

149
Também para este autor "distribuir os papéis e especificar limites claros são
sinais característicos da fase de conflito", naquele contexto (WRIGHT, 1997:135).
Esse intenso conflito de competências demonstra a persistência de um
prolongado processo de transição do modelo centralizado anterior, indicando que o
atual, descentralizado, ainda se encontra em fase de conformação e acomodação.
A complexidade normativa assumida pelas questões da descentralização do
SUS, em especial do seu financiamento, e a rápida mudança das regras e
regulamentos promovida pelos atores como estratégia de manter suas posições
relativas na arena setorial requer dos atores uma contínua atualização, fruto, em
geral, da participação permanente nas discussões nos vários fóruns existentes (CIT,
CIB, representações de secretários estaduais e municipais, Conselhos de Saúde,
encontros técnicos, congressos, etc.).
Essa contínua mudança das regras do jogo foi relatada espontaneamente por
um dos entrevistados como relevante, condicionada talvez pelo fato de ele residir no
interior de um estado da federação distante da capital federal, colocando-o em
desvantagem relativa frente aos demais atores da arena federal:

"Se você sair desse meio você perde, porque é um negócio...é uma matéria fluida, certo?
E altamente volátil. Então o quadro de hoje não é o quadro de amanhã. As coisas que
estão, se você não sabe, se eu deixo de...Eu vou dizer para você, eu admiro a
capacidade do [...] (assessor técnico do CONASS) de entender esses negócios de teto,
tudo, siglas, aquela barafunda. ... Outro dia, nós fomos somar, tem 22 tetos
(subcomponentes do teto orçamentário dos municípios). ...Caixinha por caixinha... Quer
dizer, essas portarias todas, eles não discutiram conosco uma série de portarias, de
repente eles jogam. Aí você vai fazer uma análise para tentar mudar. Eles voltaram atrás
em algumas coisas. Agora parece que eles vão voltar atrás nos 22 tetos, vão ficar só 3.
Vão juntar..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).

A instabilidade institucional característica do sistema resulta, portanto, em


uma contínua mudança das regras que regem os mecanismos e critérios de
financiamento, o que vai exigir dos atores uma interação permanente, não apenas
para a negociação desses critérios, mas para a troca contínua de informações e a
elaboração dos posicionamentos de cada representação:

150
"A gente acaba indo numa autoridade não conferida, mas real de vivência do processo.
Então aceitam bem. Outra coisa: tem pouco analista, tem pouca gente analisando, certo?
Não é mérito da gente, nem nada não. De tanto fazer, então.... E, às vezes, eu me
descubro assim: a gente tem opinião de tudo já, pode ser até errada, mas a gente é
capaz ... Você vai para conferência, para congresso e tal, saem as perguntas mais
cabeludas lá. Eu penso: 'Meu Deus, que versatilidade da gente que já criou'... pode não
ser a melhor, mas você não fica embaraçado: 'não sei dizer'. Não, eu tenho uma opinião,
agora não sei ao certo. É um negócio interessante, criado nisso aí. E nós comentamos,
nós temos certeza: se você sair desse...(meio) aqui você perde o poder" (Depoimento de
ator do nível federal - representação dos municípios).

Além das NOB, uma profusão de portarias e normas técnicas emitidas pelo
Ministério da Saúde procuram condicionar a ação dos estados e municípios. Em
geral, vinculam-se recursos específicos a cada grupo de ações que se deseja serem
realizadas por estes entes federados. Essa estratégia corresponde ao mecanismo
de GIG que AGRANOFF (1992) denominou de "planificação ou gestão
descendente", que supõe a "utilização de subvenções para alcançar objetivos
nacionais através de governos subnacionais e organizações privadas" (AGRANOFF,
1992:209).
No caso da PPI 97, a utilização de estímulos financeiros para os municípios
que se integrassem aos Consórcios Intermunicipais de Saúde e implantassem
equipes multiprofissionais do Programa de Saúde da Família, como já foi descrito
anteriormente, insere-se nesse tipo de estratégia.

151
7 CONCLUSÃO

Os atores sociais envolvidos na negociação dos critérios de distribuição dos


recursos de financiamento do SUS adotam mecanismos de gestão dos conflitos
redistributivos para manterem o fluxo financeiro entre os níveis de governo e a
continuidade dos serviços de saúde. Esses atores se articulam em redes
intergovernamentais com estruturas e funcionamentos heterogêneos. Configura-se
uma sub-rede federal, mais estruturada e de funcionamento mais orgânico e
contínuo, com atores mais especializados, que se articula, mais ou menos
frouxamente, com as sub-redes estaduais. A relação das sub-redes estaduais com a
federal se concretiza através de poucos atores que realizam essa intermediação,
sendo que esta sub-rede apresenta um elevado grau de autonomia e independência
do funcionamento da sub-rede federal. A sub-rede estadual estudada apresenta um
alto grau de fragmentação, com a utilização da intermediação das DRS, interpostas
entre os gestores municipais e o gestor estadual.
Os atores relacionam-se com alto grau de informalidade, atuando em espaços
paralelos às linhas de mando hierárquicas, com elevada autonomia e baixa
necessidade de coordenação vertical. Essa autonomia dos atores frente aos
ocupantes dos cargos de direção política coloca-os em situação privilegiada de
domínio das informações e da condução dos processos de negociação no setor,
distanciando-se completamente do tipo ideal de burocracia weberiano.
Apesar da grande informalidade das interações entre os atores da arena, um
grau de formalidade é observado nas negociações, com utilização freqüente de
propostas por escrito e circunscrição de grande parte das negociações a espaços e
fóruns formalizados ou semi-formalizados (Câmaras Técnicas, CIT, CIB, etc.).
O alto grau de politização e ideologização dos atores componentes da rede
intergovernamental os afasta, muitas vezes, do tratamento pragmático das questões
críticas do financiamento do sistema e das questões assistenciais, reagindo com
posturas defensivas ou marcadas por uma visão dualista do sistema federativo.
Assim, movimentos constantes são empreendidos no sentido de restringir a
capacidade de ação do outro nível de governo, por uma desconfiança nas suas
intencionalidades. A profusão e o intrincado detalhamento das normas que regem o
processo de descentralização, as formas de financiamento e critérios de distribuição
152
de recursos resultam de um círculo vicioso, análogo ao verificado nas organizações
burocráticas, quando a não observação das normas existentes, os desvios de
objetivos e sua eventual inaplicabilidade prática são respondidos com a elaboração
de novas normas (negociadas ou não).
Os conflitos de competência são marcantes, indicando a persistência de uma
fase de transição do modelo centralizado anterior. Movimentos de acomodação e
não reconhecimento mútuo, bem como a ausência de consensos definitivos sobre as
atribuições e espaços de poder de cada nível de governo, são observados.
Assim, degladiam-se na arena os chamados municipalistas, respaldados pelos
dispositivos constitucionais e portadores da herança ideológica do “Movimento da
Reforma Sanitária”, e os centralistas, localizados nos estados e no nível federal, que
utilizam o controle dos recursos como mecanismo de manter suas posições
relativas, retomando momentaneamente atribuições já descentralizadas ou
mantendo indefinidamente competências remanescentes.
A utilização dos recursos para consolidar pactos políticos e arregimentar apoio
político eleitoral é observada, o que faz reforçar os temores de ambos os lados do
conflito.Mecanismos conhecidos como mudança de procedimentos e controle de
recursos são freqüentemente utilizados.
O presente estudo demostra que os mecanismos utilizados para a GIG dos
recursos de financiamento do SUS reafirmam a teoria existente, desenvolvida no
âmbito de sistemas federativos de outros países. Procedimentos específicos, que
não contradizem a teoria existente, como a retenção de metas, uma tática marcada
pela manipulação dos dados no processo de programação dos recursos de custeio,
são observados. Tal procedimento, no entanto, pode ser considerado como uma
modalidade da ocultação de informações pelo nível local, já descrito por outros
autores.
Outro fenômeno encontrado foi o camaleonismo de alguns atores, que
mudam de discurso conforme o locus ocupado na rede. Trata-se de um achado que
mereceria maior aprofundamento e busca de referenciais comparativos em outros
sistemas de GIG.
No caso do SUS-MG, a PPI 97/98 configurou-se como um processo de
concretização de um pacto político entre o governo estadual e municípios de
pequeno porte, atores emergentes no cenário setorial em decorrência do próprio

153
movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A resistência dos
representantes dos gestores municipais às mudanças pretendidas pelo gestor
estadual resultou na intervenção direta do governo estadual na eleição do COSEMS,
redundando numa condução monolítica do processo de implementação da política
estadual de saúde e no mascaramento do conflito na instância de negociação formal
(CIB). A negociação do conflito distributivo passou a se realizar sob formas
diferentes das anteriores, com a organização de espaços informais pelos municípios
alijados do pacto dominante (movimento das cidades-pólo) e a negociação em
separado de município de alto peso político ou assistencial.
O processo da PPI desencadeado pelo gestor estadual se inseriu numa
estratégia mais ampla de retomada de prerrogativas alocativas perdidas no decorrer
do processo de descentralização. Esse redirecionamento de sua estratégia envolveu
o apelo direto aos prefeitos municipais, via organização de Consórcios
Intermunicipais de Saúde, eleito naquele período como instância microrregional
privilegiada de coordenação do planejamento da rede de serviços de saúde daquele
nível, criando um by pass sobre as estruturas estatais regionalizadas existentes. Tal
orientação decorreu da desconfiança da equipe dirigente na tecnoburocracia
localizada nas DRS que defendiam um modelo de organização dos serviços e de
implementação do SUS diferenciado, identificado com administrações anteriores da
SES.
Essa reorientação estratégica da direção da SES/MG na sua relação com os
municípios refletiu-se diretamente no funcionamento da Comissão Intergestores
Bipartite e no processo de planejamento de programação do SUS estadual,
resultando em intenso conflito entre diversos atores situados no interior do
subsistema de políticas e na sua extrapolação para fora dos limites da capacidade
de resolução no âmbito da CIB; o que redundou no seu transbordamento para
outras áreas do sistema político. Essa extrapolação do conflito redistributivo
suscitado pela PPI para outras instâncias de resolução institucional de conflitos,
como a Assembléia Legislativa, demostra a ineficiência dos mecanismos de gestão
intergovernamental existentes à época para tratar e equacionar as questões
litigiosas no âmbito do próprio setor saúde. A existência de um bloco hegemônico na
composição da CIB-MG, alicerçado numa identidade de interesses entre a
representação municipal (COSEMS-MG) e a direção da SES-MG, neutralizou a

154
instância formal de negociação como instrumento com capacidade para promover
um tratamento eficaz do conflito distributivo, como já se verificara em outros
momentos de seu funcionamento. A ineficácia relativa dos mecanismos de GIG
utilizados na negociação dos recursos de financiamento envolvidos na PPI poderia
ser explicada pela fragmentação da sub-rede intergovernamental estadual, marcada
por insuficiência dos mecanismos de comunicação entre os gestores e pela
ineficácia da resolução do conflito redistributivo na instância de negociação formal
(CIB-MG).

155
8 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Uma limitação inerente aos estudos de caso é a impossibilidade de amplas


generalizações de seus resultados a outras situações.
Uma análise ampla dos mecanismos utilizados pelos atores sociais na gestão
do SUS, em especial na negociação dos conflitos distributivos resultantes de suas
formas de financiamento, exigiria pesquisa de maior fôlego do que a que ora
apresentamos.
A complexidade da organização do SUS, pelo grande número de instituições
e atores sociais envolvidos na sua gestão, e pelas diversas idas e vindas no seu
processo de implementação, o que se reflete diretamente na intrincada estrutura dos
critérios e mecanismos de financiamento e de gestão, oferecem para o pesquisador
uma dificuldade especial em abarcar a maioria dos seus aspectos relevantes,
quando interessado na dimensão administrativa do sistema.
A limitação do objeto desta pesquisa à programação orçamentária dos
recursos federais do SUS de um único estado também representa uma restrição
importante. As diversidades regionais são marcantes no país, principalmente com
respeito a um tema que se articula estreitamente com as práticas políticas e os
diferentes estágios de implementação do SUS, e com as formas em que se
estruturam a organização e a administração dos estados federados.
Finalmente, o viés resultante do fato do autor da Dissertação ser membro,
ainda que secundário, deste subsistema de políticas, o que foi plenamente assumido
já no início deste trabalho (vide capítulo “Metodologia”), traz limitações significativas,
que cumpre aqui reconhecer. Na tentativa de contornar tal limitação metodológica,
procurou-se, a todo momento, dar voz aos entrevistados, permitindo ao leitor
verificar diretamente, pelo menos em parte, as diferentes visões, ao se inserir alguns
discursos significativos ao texto da dissertação. Procurou-se também confrontar,
tanto quanto possível, os posicionamentos discrepantes ou contraditórios.

156
9 RECOMENDAÇÕES DE NOVOS ESTUDOS:

A partir dos resultados da pesquisa e frente às limitações verificadas no


presente estudo, pode-se apresentar algumas recomendações para novas
pesquisas na área, com a utilização do marco conceitual da gestão
intergovernamental.
Em primeiro lugar, seria oportuno verificar como se dá a estruturação e
funcionamento das sub-redes estaduais nos demais estados federados,
empreendendo-se estudos de caráter comparativo, verificando os mecanismos de
GIG utilizados e suas diferentes configurações e sua relação com o processo político
e técnico específico de cada estado/região do país, bem como com os diferentes
graus de implementação do SUS.
Além disso, estudos específicos sobre a sub-rede federal poderiam clarear
melhor os mecanismos utilizados naquele nível, sendo que, no presente estudo,
aparecem como achados quase casuais das entrevistas. Para os atores envolvidos
na arena federal, a PPI do estado de Minas Gerais se insere num processo muito
mais amplo, cuja significação específica é pequena em relação aos movimentos
maiores verificados naquele espaço de conflito/negociação. Daí a dificuldade da
maioria deles em focalizar seu discurso no episódio específico de interesse deste
estudo de caso, o que os levou a introduzir necessariamente uma discussão sobre
esse processo mais amplo ou sobre a conjuntura que os angustiava no momento
das entrevistas.
Por fim, o viés resultante de pertencer o autor da Dissertação ao subsistema
de políticas poderia ser contornado com a realização de pesquisas semelhantes por
outros agentes mais distanciados do conflito setorial.

157
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :

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8 BRASIL, LEGISLAÇÃO FEDERAL. Lei n°. 8080, de 19 de setembro de 1990.

9 BRASIL, LEGISLAÇÃO FEDERAL. Lei n°. 8142, de 28 de dezembro de 1990.

10 BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria MS n°. 545, de 20 de maio de 1993.

11 BRASIL, Ministério da Saúde. Descentralização das ações e serviços de saúd : a


ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília: Ministério da Saúde, 1993.

14
12 BRASIL, Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
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1996.

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58 WRIGHT, D.S. Para entender las relaciones intergubernamentales. Mexico:


Fundo de Cultura Económica, 1997.

19
11 ANEXOS

20
PESQUISA “GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE : A PROGRAMAÇÃO PACTUADA E INTEGRADA
(PPI) DO SUS-MG, 1997-98”

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Identificação:
1.1. Nome.
1.2. formação profissional.
1.3. órgão público ao qual está formalmente vinculado.
1.4. estatuto jurídico deste órgão.
1.5. órgão público ao qual está funcionalmente vinculado; vinculação à época da
PPI 97/98.
1.6. estatuto jurídico deste órgão.
1.7. relação deste órgão com o processo de programação.
1.8. cargos públicos ocupados anteriormente).
1.9. tempo de experiência na área de saúde.
2. Participação anterior em processos de programação; papel que desempenhou
nestes processos.
3. Histórico do processo da PPI:
3.1. Antecedentes históricos.
3.2. Motivos que induziram à sua realização.
3.3. Problemas e questões que a PPI buscava resolver.
3.4. Articulação com outros processos de programação dos outros órgãos
(Ministério da Saúde, Prefeituras, etc.).
3.5. Relação da PPI com o processo de normalização da descentralização do
SUS (NOBs).
4. Objetivos que identifica na PPI.
5. Atores com que mais se relacionou durante o processo da PPI; motivos dos
contatos.
• A que órgão públicos pertenciam?
• Os atores envolvidos no processo já se conheciam anteriormente? Isto repercutiu
sobre o andamento dos trabalhos?
• Os contatos com estes atores eram formais ou informais?
21
• Como se davam estes contatos?
• Qual sua periodicidade?
• Eram frutíferos?
6. Havia outros atores ou órgãos envolvidos no processo que você não se
relacionava? Por que?
7. Houve atores intencionalmente excluídos do processo da PPI? Quais? Que
motivos justificariam esta exclusão?
8. Houve atores que foram agregados durante o processo da PPI? Que
mecanismos foram utilizados para sua incorporação?
9. Quais as estratégias dos diversos atores que você poderia identificar no processo
da PPI? Houve mudanças destas estratégias?
10. Há atores envolvidos na PPI com os quais você ainda se relaciona? Através de
que meios? Com quais finalidades?
11. Você teve interferência direta em algum momento chave do processo? Algum
outro ator teve?
12. Conflitos existentes no decorrer do processo da PPI; motivos dos conflitos;
soluções encontradas para sua resolução.
13. Os municípios se portaram uniformemente frente à proposta da PPI elaborada
pelo Estado de Minas Gerais?
14. Que movimentos foram realizados por eles? Como eles se deram? Houve
resultados importantes nestas mobilizações?
15. Houve alguma posição divergente que você assumiu em algum momento em
relação ao processo da PPI? Divergia em relação a quais outras?
16. Que outros atores manifestaram posições divergentes durante o processo?
17. Qual o papel da CIB no processo da PPI e como ela se postou frente às questões
suscitadas pela PPI?
18. Houve alguma estratégia adotada por algum órgão ou conjunto de atores no
sentido de garantir algum consenso sobre o processo?
19. Qual o papel do COSEMS/MG no processo da PPI? E do CONASS?
20. Houve participação do Conselho Estadual de Saúde? E do SINDSAÚDE?
21. Historie o processo de funcionamento da CIB desde sua criação.
22. A CIT teve algum papel relevante na PPI? Qual?
23. Que outras áreas do Ministério da Saúde interferiram no processo da PPI?
Como?
22
24. Em outros estados, como se deu o processo da PPI? Foi um processo
homogêneo? Comente?
25. Como se deu a aprovação dos tetos da PPI no Ministério da Saúde?
26. Que tipos de conflitos externos ao sistema de saúde a PPI suscitou?
27. Que tipo de perspectiva você antevê para o processo de planejamento do SUS e
das programações (distribuição dos recursos federais, estaduais e municipais)?

23
PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI

D E M O N S T R A T I V O A N A L Í T I C O D E P R O D U Ç Ã O / P R O G R A M A Ç Ã O F Í S I C O - O R Ç A M E N T Á R I A - S
M Ó DULO SE M EST R AL: APFO 1º SE M 9 7 Æ M E T A F ÍS IC O - O R Ç A M E N T Á R IA 9 7 / 9 8 ( A N U A L ) P O P U L A Ç Ã O R E F E R E N C I A D A E /O U A J U S T E D E C A P A C I D A D E I N S T A L A D A P O R G R U P O
E S T A D O : M I N A S G E R A I S R E F E R E N C IA ( + ) AJU STE ( - ) AJUST E ( - ) R E F E R E N C IA ( + )

D I R E T O R I A R E G I O N A L S A Ú D E : M . N UCLEAR Æ Å T E R A P IA R E N A L S U B S T A T .M É D

M I C R O R E G I Ã O / C O N S Ó R C I O : U L T R A -S O M Æ Å R A D IO T E R A P IA A T .M É

M U N I C Í P I O : B E T IM O U T R O S E X . IM A G . Æ Å Q U IM IO T E R A P IA A TE N D

P O P U L A Ç Ã O : ( P P I ) Æ E X . H E M O D IN Â M . Æ Å O U T R A S T . E S P .(s e m H e m o te r) RA

( P R O G . P A C T U A D A IN T E G R A D A ) O U TR O S E X . E S P E C . Æ Å O U T R A S T . E S P .( H e m o t e r a p ia ) P

= > P R O J E Ç Ã O : C O N S U L T A ( 2 ,2 ) + O D O N T O L . ( 3 ) P R O G R A M A Ç Ã O F ÍS IC O - O R Ç A M E N T Á R IA A N U A L - 9 7 / 9 8
D A D O S D E A P F O / S I A - S U S 1º S E M E S T R E 9 7 P A R Â M E T R O S A S S IS T E N C IA IS / C O N D IÇ Õ E S F IN A N C E IR A S N O B 9 6
G R U P O S D E %
P R O C E D I M E N T O S PROG R AM ADO R E A L IZ A D O CUSTO D IF E R E N Ç A P G M E T A F Í S I C A M ETA O R Ç A M E N T Á R I A F ÍS I C O

F ÍS IC O APR OVADO APR O VADO B . D .P . 9 7 / 9 8 9 7 / 9 8 N . C o m p l e x id a d e TOTAL

1 - A .V .E .I.A . N .M . 0 0
2 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - C O N S U L T A S 0 0
2 .1 - C O N S U L T A S B Á S IC A S 0 0
2 .2 - C O N S U L T A S E S P E C IA L IZ A D A S + U R G . / E M E R G Ê N C IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
3 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0
3 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0
3 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
4 - A S S IS T .F A R M A C E U T IC A - M e d ic .E x c e p c io n a is 0 0 0
5 - A T .O D O N T O L Ó G IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0
5 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0
5 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
6 - R A D IO D IA G N Ó S T IC O 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
7 - M E D IC IN A N U C L E A R 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
8 - U L T R A - S O N O G R A F IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
9 - O U T R O S E X . IM A G E N O L O G I A 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 0 - P A T O L O G IA C L ÍN IC A 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 1 - E X . H E M O D IN Â M IC O S 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 2 - O U T R O S E X . E S P E C IA L I Z A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 3 - T E R A P I A R E N A L S U B S T IT U T I V A 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 4 - R A D IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 5 - Q U IM IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 6 - F IS IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 7 - O U T R A S T E R A P IA S E S P E C IA L I Z A D A S 0 0
1 7 .1 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L . ( E X C E T O H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 7 .2 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L IZ A D A S ( H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 8 - P R Ó T E S E - Ó R T E S E S ( e x c e to m e d ic a m e n t o s ) 0 0 0

I - A S S IS T Ê N C IA B Á S I C A
P IS O A S S IS T E N C IA L B Á S IC O - P A B 0 0
FA TO R D E AJU S TE D O PA B - FA / PAB N ív e l E s ta d u a l
IN C E N T IV O P R O G .S A Ú D E F A M ÍL I A - P S F N ív e l E s ta d u a l 0
25
IN C E N T IV O P R O G .A G .C O M U N .S A Ú D E - P A C S N ív e l E s ta d u a l 0
IN C E N T IV O C O N S Ó R C IO S D E S A Ú D E - C S N ív e l E s ta d u a l 0

II - F R A Ç Ã O A S S IS T . E S P E C IA L IZ A D A - F A E
T R A T A M E N T O F O R A D E D O M IC ÍL IO - T F D 0 N ív e l E s ta d u a l 0
P R O C E D IM E N T O S D E M É D IA C O M P L E X ID A D E

III - A L T A C O M P L E X ID A D E - A _ C
A Ç Õ E S D E V I G IL Â N C I A S A N IT Á R IA
A Ç Õ E S D E V I G IL . E P ID E M IO L Ó G IC A
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