Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Belo Horizonte
2000
Francisco Carlos Cardoso de Campos
Belo Horizonte
2000
II
Dedico este trabalho a todos aqueles que abraçaram
a luta por um Sistema Nacional de Saúde público,
equânime e gratuito para todos os brasileiros, quando
todas as outras forças se orientavam para outra direção, e
a esta luta dedicam as suas vidas,
III
AGRADECIMENTOS
IV
“Administrar um grande Estado é como preparar um
pequeno peixe”
V
RESUMO
Os mecanismos de gestão intergovernamental (GIG) utilizados na negociação
dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento do Sistema Único de
Saúde (SUS) e do conflito redistributivo resultante foram analisados a partir de um
estudo de caso do processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI) ocorrido no
estado de Minas Gerais, Brasil, nos anos de 1997 e 1998.
A PPI 97/98 inseriu-se numa estratégia adotada pelo gestor estadual de
elevação dos volumes de recursos para o estado e de consolidação de um pacto
político com atores emergentes no cenário setorial em decorrência do próprio
movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A identidade de
interesses introduzida na instância de negociação formal (Comissão Intergestores
Bipartite) obrigou à negociação dos conflitos por outros canais. A ineficácia relativa
dos mecanismos de GIG no tratamento do conflito redistributivo no interior do setor
resultou na sua extrapolação para outras áreas do sistema político.
A partir de categorias analíticas construídas a partir da teoria existente sobre
Relações Intergovernamentais (RIG) e Gestão Intergovernamental (GIG), comprovou-
se a utilização de mecanismos semelhantes aos descritos por outros autores para
outros sistemas federativos. Ressalte-se a articulação em redes intergovernamentais,
com graus diferenciados de integração e continuidade dos contatos, decrescendo
desde o nível federal (sub-rede federal) em direção a estados e municípios (sub-rede
estadual). Os atores se relacionam com alto grau de informalidade, atuando à parte
das linhas de mando hierárquicas, com alto grau de autonomia e baixa necessidade
de coordenação vertical. Os conflitos de competência são marcantes, indicando a
persistência de uma fase de transição do modelo centralizado anterior. Mecanismos
de GIG conhecidos como mudança de procedimentos e controle de recursos são
freqüentemente utilizados. Observam-se também mecanismos específicos, que não
contradizem a teoria existente, como a retenção de metas, uma tática marcada pela
manipulação dos dados no processo de programação dos recursos de custeio, e o
camaleonismo de alguns atores, que mudam de postura e discurso conforme o locus
ocupado na rede.
VI
ABSTRACT
VII
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 REFERENCIAL TEÓRICO 19
2.1 RELAÇÕES E GESTÃO INTERGOVERNAMENTAIS 19
2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO 22
2.3 DESCENTRALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS 26
2.4 MODELOS DE RELAÇÕES DE AUTORIDADE NAS RIG 31
2.5 A GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL DE POLÍTICAS 33
2.6 COOPERAÇÃO E CONFLITO NA GESTÃO DAS POLÍTICAS 34
3 METODOLOGIA 37
3.1 TRABALHO DE CAMPO 42
3.1.1 SELEÇÃO DO "HOMEM - CHAVE" 42
3.1.2 AS ENTREVISTAS 43
3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS ADOTADAS 44
3.2.1 CATEGORIA : "INTERAÇÃO" 46
3.2.2 CATEGORIA "ARTICULAÇÃO EM REDE" 47
3.2.3 CATEGORIA "CAPACIDADE DE AÇÃO" 49
3.2.4 CATEGORIA "FORMALIZAÇÃO" 50
3.2.5 CATEGORIA "NEGOCIAÇÃO" 50
3.2.6 CATEGORIA "FOCALIZAÇÃO E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS" 51
3.2.7 CATEGORIA "CONTROLE DOS RECURSOS" 51
3.2.8 CATEGORIA "COMPORTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO" 52
3.2.9 CATEGORIA "REGULAÇÃO" 52
4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 54
4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS 55
4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 59
4.2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO DEPENDENTE E VINCULADA 59
4.2.2 OS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO CONTIDOS NA LEGISLAÇÃO 59
4.2.3 A REGULAMENTAÇÃO NEGOCIADA 63
4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS : SUA CONSTITUIÇÃO
E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO 69
4.3.1 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NÃO INSTITUCIONALIZADA 69
4.3.2 A FASE DE GESTÃO NEGOCIADA NA CIB FORMALIZADA 72
4.3.3 A FASE DO CONFLITO ABERTO : 1995-1996 75
4.3.4 A FASE DA CIB HOMOGÊNEA: A EXTERIORIZAÇÃO DO CONFLITO PARA OUTRAS
DIMENSÕES DO SISTEMA POLÍTICO 78
VIII
5 RESULTADOS 80
5.1 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DA PPI 97/98 80
5.1.1 AS MOTIVAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PPI 97/98 80
5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO AUMENTO DOS
RECURSOS 87
5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM NOVO PACTO
POLÍTICO 90
5.1.4 MUNICÍPIOS PEQUENOS CONTRA MUNICÍPIOS GRANDES: A EXPLORAÇÃO DAS
DESIGUALDADES 92
5.1.5 INSTRUMENTO DE PROGRAMAÇÃO AMBULATORIAL: A PLANILHA ELETRÔNICA 93
5.1.6 A PACTUAÇÃO DAS METAS ENTRE OS MUNICÍPIOS 95
5.1.7 AJUSTE FINAL DOS TETOS ORÇAMENTÁRIOS MUNICIPAIS 98
5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA APRESENTAÇÃO AO
MINISTÉRIO DA SÁUDE 102
7 CONCLUSÃO 152
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14
IX
11 ANEXOS 20
ROTEIRO DE ENTREVISTA 21
PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI 25
X
SIGLAS
XI
PAB Piso da Atenção Básica
PPI Programação Pactuada e Integrada
PROS Programação e Orçamentação da Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
RCA Recursos para Cobertura Ambulatorial
RIG Relações Intergovernamentais
SAS Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde
SES-MG Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais
SIA-SUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
SIH-SUS Sistema de Informações Hospitalares do SUS
SINDSAÚDE Sindicato dos Trabalhadores da Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TABWIN Sistema de Tabulação de Dados para Windows®, DATASUS
TABNET Sistema de Tabulação de Dados do DATASUS, via Internet
XII
1 INTRODUÇÃO
14
O financiamento do SUS é reconhecido como ponto crítico desse processo de
implementação, pelas suas implicações diretas sobre a magnitude e a qualidade dos
serviços de saúde prestados à população usuária. Não apenas as enormes
restrições financeiras têm sido apontadas como limitadoras, mas também as
diversas dimensões do modelo de financiamento: as bases de arrecadação dos
recursos que compõem as fontes de receita, a oportunidade de vinculação destas
fontes, os mecanismos de transferência de recursos entre os níveis do sistema
(federal, estadual e municipal), as formas de regulação e remuneração dos atos
médicos (MENDES, 1996) e os próprios modelos técnico-assistenciais adotados, em
que se consubstancia a atenção direta à saúde individual e coletiva (CAMPOS,
1992).
O modelo de financiamento definido pela legislação, bem como o
efetivamente implantado, tem sido objeto de permanentes conflitos e embates nos
campos técnico e político entre os diversos níveis de governo e grupos de interesse.
A necessidade do afluxo ininterrupto de recursos para o custeio da rede de
serviços, o modelo de organização descentralizado do SUS estabelecido pela
Constituição de 1988, associado às dificuldades da aplicação direta dos critérios de
distribuição de recursos previstos na legislação, bem como as mudanças
conjunturais observadas no processo de implementação do sistema, determinam a
configuração de um espaço de contínua negociação e repactuação dos critérios de
distribuição dos recursos centralmente arrecadados pelo nível federal, configurando-
se um típico sistema de relações e de gestão intergovernamentais.
O tema das relações intergovernamentais e da gestão intergovernamental,
apesar de suas potenciais contribuições para a análise do processo de
implementação do SUS e da estruturação e dinâmica do seu sistema de
financiamento, se encontra praticamente ausente dos debates e da produção teórica
na área das políticas de saúde e do SUS, em particular. As abordagens adotadas se
restringem em geral à óptica federalista: seja do processo de descentralização
(municipalização da saúde), com perceptível caráter prescritivo, seja dos aspectos
fiscais relacionados aos montantes de recursos alocados ao setor e formas de
distribuição para as instâncias descentralizadas (abordagem do chamado
federalismo fiscal). As limitações do campo do federalismo são apontadas por
WRIGHT (1997), ao criticar o caráter formalista e prescritivo dos estudos nessa
15
linha, bem como o privilégio da análise das relações estatais-nacionais, propondo o
conceito de relações intergovernamentais (RIG) para abarcar "a rica gama de ações
e concepções informais dos funcionários que de outra forma permaneceriam
submersas" (WRIGHT, 1997:101). O conceito de RIG incluiria as complexas
relações entre os funcionários públicos pertencentes aos diversos níveis de governo,
predominantemente informais e não hierárquicas, privilegiando os modos concretos
de formulação e implementação das políticas públicas. Essa abordagem apresenta,
então, inúmeras vantagens em relação ao enfoque clássico do federalismo na
compreensão do funcionamento real do sistema político em geral e da administração
pública em especial, embora não invalide as análises federalistas, atuando como
"um novo par de lentes, fazendo visíveis a variedade de cores, o terreno e as pautas
do panorama político que antes estavam obscurecidas" (WRIGHT, 1997:104).
A dinâmica da gestão negociada desses conflitos em instâncias formais, ou
por mecanismos informais de interação e negociação, permitindo a redefinição dos
montantes de recursos destinados a cada município, sem interrupções no seu fluxo,
será enfocada em uma perspectiva de valorização da ação concreta dos atores
sociais específicos envolvidos, portadores de estratégias e intencionalidades
próprias.
Sem se propor a invalidar a importância das análises macroestruturais das
políticas públicas na área de saúde ou questionar a relevância prática dos estudos
do financiamento setorial até aqui empreendidos (centrados no enfoque do chamado
federalismo fiscal), busca abordá-los num nível mais desagregado de análise, ao
focalizar seu interesse nas estratégias, movimentos e ações táticas de atores sociais
específicos envolvidos na negociação permanente dos mecanismos de distribuição
dos recursos de financiamento do SUS e na gestão dos conflitos decorrentes. A
agregação de uma abordagem conceitual diferenciada, qual seja, a das RIG e da
GIG, permite um entendimento mais amplo dos processos de formulação e de
implementação negociada dos critérios e mecanismos de distribuição dos recursos
entre os níveis de governo, um dos aspectos-chave da dimensão administrativa da
implementação do SUS.
16
Assim, a presente pesquisa se propõe a responder basicamente à seguinte
questão: de que forma é gerida, no subsistema de políticas1 constituído pelo SUS, a
interação entre os agentes públicos concretos situados nos três níveis de governo,
com especial ênfase na descrição dos mecanismos utilizados na negociação
permanente dos critérios de distribuição dos recursos de financiamento e nas formas
de tratamento dos conflitos redistributivos decorrentes?
A realização desta pesquisa se justificaria por aportar contribuições de
estudos sobre relações e gestão intergovernamental, agregando um novo
instrumental analítico à discussão setorial da saúde, com possíveis implicações
pragmáticas na gestão do sistema de saúde.
Ao introduzir a abordagem de relações intergovernamentais (RIG) e gestão
intergovernamental (GIG) na análise do processo de implementação do SUS, em
especial em seu sistema de financiamento, este estudo permite contribuir para uma
compreensão mais aprofundada desses processos, clareando os mecanismos
utilizados pelos atores envolvidos na gestão do processo de descentralização do
sistema, bem como oferecer subsídios para uma ação mais informada e consciente
por parte dos mesmos.
Este trabalho pode também estimular a utilização desse enfoque por outros
grupos de pesquisa na análise dos processos de descentralização do sistema de
saúde, nos aspectos ligados a sua gestão, induzindo-os a orientações menos
prescritivas e/ou puramente ideológicas.
De um ponto de vista mais pragmático, a apropriação do enfoque da gestão
intergovernamental pelos atores interessados possibilita, potencialmente, contribuir
para maior eficácia na implementação do SUS. A compreensão por parte dos
mesmos de sua inserção num sistema de gestão intergovernamental complexo e
interdependente, em que a interação e a negociação permanentes constituem a sua
essência, evitaria as rupturas freqüentes nos processos de negociação, observadas
no presente estágio das RIG no SUS, reduzindo assim os custos de transação, com
impactos positivos na utilização finalística dos recursos.
1
Os subsistemas de políticas "se compõem de atores muito diversos: instituições, organizações,
grupos e indivíduos . Todos eles articulados pelo fato de compartilhar importantes interesses em uma
política particular. No sistema norteamericano, são as burocracias governamentais de diversos tipos,
grupos de interesse, comitês e subcomitês legislativos, indivíduos poderosos..." (MILWARD &
WASNSLEY, 1984, citado por MUNIZ, 1998:10) (Tradução livre do autor da Dissertação).
17
A exposição dos produtos da presente pesquisa respeitou a estrutura relatada
a seguir. No capítulo "Referencial teórico" foram apresentados os pressupostos
teóricos adotados, discutidos os conceitos de RIG e GIG e sua pertinência e
adequação em relação ao problema da pesquisa, em contraposição aos enfoques do
federalismo mais usualmente utilizados pelos autores que analisam o setor saúde.
Na "Metodologia", foram enumeradas as justificativas para a escolha do setor saúde
e do estudo de caso da PPI 97/98 para a descrição dos mecanismos de gestão
intergovernamental. Nesse capítulo também foram descritas as categorias analíticas
construídas para a abordagem empírica, procurando definir seu significado e
correlacionando-as com o referencial teórico existente, e mesmo complementando-o
com aportes teóricos não incluídos no capítulo anterior. Entendeu-se que tais
acréscimos teóricos junto às categorias facilitariam sua melhor delimitação e
evitariam recorrências freqüentes do leitor ao primeiro capítulo da exposição. Na
"Contextualização da Pesquisa", discutiram-se alguns aspectos da implementação
do SUS e do seu financiamento, procurando demonstrar a necessidade de
negociação compulsória dos critérios e mecanismos de financiamento, frente às
indefinições do texto legal. Procedeu-se, também, à descrição dos estágios de
funcionamento da instância formal de negociação do processo de descentralização
do SUS no âmbito do estado, a Comissão Intergestores Bipartite - CIB -, até o
momento da PPI 97/98, para compor o pano de fundo político-institucional que
delimitava o espaço de ação dos atores. O capítulo "Resultados" foi dividido em dois
blocos. No primeiro, fez-se uma descrição histórico-cronológica do processo da PPI
97/98. No segundo, os mecanismos de gestão intergovernamental foram descritos e
analisados, a partir das categorias analíticas adotadas. Uma síntese analítica foi
empreendida no capítulo das "Conclusões". As limitações percebidas na realização
do estudo, bem como recomendações de estudos subseqüentes, finalizam a
exposição. Como Anexos, juntou-se o Roteiro de Entrevistas utilizado e uma
máscara da planilha eletrônica que serviu de instrumento à PPI 97/98.
18
2 REFERENCIAL TEÓRICO
"Desde os anos 30 até a atualidade, a investigação e a prática das RIG têm sido
motivada por uma grande preocupação com a prestação eficaz de serviços públicos a
seus clientes, sejam eles grupos particulares na sociedade ou a toda a cidadania. Como
resultado disso, as atividades distributivas e redistributivas do 'serviço' ou estado de
Bem-Estar suplantaram as funções regulatórias do governo nacional ou o controle social"
(WRIGHT, 1997:69).
19
O interesse pelo estudo das RIG em uma perspectiva comparada foi
localizado por AGRANOFF (1992) nos finais da década de setenta, como “uma
tentativa de superação das análises tradicionais acerca dos sistemas unitários e
federais” (AGRANOFF, 1992:179). Este autor adotou a definição de RIG proposta
por ANDERSON (1960)3, que as considera “um importante contigente de atividades
ou interações que têm lugar entre unidades de governo de todo o tipo e nível dentro
do sistema federal” (ANDERSON, 1960:3).
Esses mesmos autores enfatizam que a situação de interdependência entre
os níveis ou organizações governamentais na prestação de serviços leva a que os
vínculos reais não sejam necessariamente aqueles estabelecidos nas normas
jurídicas.
Uma extensa revisão do marco das relações intergovernamentais e,
especialmente, da gestão intergovernamental, enfocando historicamente o caso
brasileiro e o movimento descentralizador imprimido pela Constituição de 1998 foi
realizado por MUNIZ (1998).
O modelo de organização do SUS definido na legislação como função
concorrente dos vários níveis de governo com atribuições complementares e
solidárias, bem como a prática da sua gestão, poderia ser considerado como dando
curso a um típico sistema de relações intergovernamentais.
Nesse sentido, os cinco traços distintivos das relações intergovernamentais
propostos por WRIGHT (1997), poderiam ser assinalados no funcionamento do SUS:
1°) As relações intergovernamentais transcendem as pautas de atuação
governamentais reconhecidas e incluem uma ampla variedade de relações entre
todas as unidades de governo. Não se limitam às relações estatais-nacionais e
interestatais, às quais se prende o enfoque das análises clássicas do federalismo,
mas englobam também as relações entre o nível nacional e o local, as locais-
estatais e as interlocais;
2°) A importância do elemento humano: “não existem relações entre
governos, unicamente se dão relações entre pessoas que dirigem as distintas
unidades de governo”, através de relações de “ajuste mútuo”, “construção de
consenso” e “pacificação";
2
ROSE, R. Understanding big government. Londres: SAGE, 1984.
20
3°) "As RIG incluem os contatos contínuos dos funcionários e os intercâmbios
de informação e de opiniões". Os participantes das RIG se preocupam, sobretudo,
"para que as coisas se façam, quer dizer, pelos arranjos informais, práticos e
orientados a metas que podem realizar-se dentro do marco formal, jurídico e
institucional dos funcionários";
4°) “Qualquer tipo de funcionário público é, ao menos potencialmente, um
participante no processos intergovernamentais de tomada de decisões nas RIG”;
5°) “As relações intergovernamentais se caracterizam por sua vinculação às
políticas públicas”, com interações nas diversas fases de formulação, implantação e
avaliação das políticas. "As políticas consistem de intenções e ações (ou inações) de
funcionários públicos e as conseqüências destas ações" (WRIGHT, 1997:71-87).
MUNIZ (1998) estende ainda mais o conceito de RIG, para envolver todos os
órgão públicos, inclusive os da administração indireta, bem como as organizações
não governamentais, essas últimas crescentemente envolvidas na formulação e
implementação das políticas públicas. Procura, assim, abarcar
3
ANDERSON, W. Intergovernmental relations in review. Minneapolis: University of Minesota Press,
1960.
4
O conceito de rede e as diversas utilizações do termo nas ciências sociais foram revistos por
LOIOLA & MOURA (1997:63-4) associando-o às "novas formas de organização e gestão do trabalho,
resultantes de questionamentos quanto à eficácia das estruturas burocráticas e hierárquicas,
emergindo daí formas mais soft e orgânicas de interação nas instituições" (p.63). Para as autoras, as
redes apresentam como características básicas "a interação de atores e/ou organizações formais
com informais, e a regularidade nessas interações", podendo ser estas interações "mais ou menos
formalizadas ou até informais, baseando-se em projetos e ações comuns". A consideração de "um
arranjo organizacional como rede abre a possibilidade de perceber os atores/agentes em suas
interações e propósitos e, portanto, em uma dinâmica processual" (p. 64). As noções e fluidez,
complementariedade e interdependência entre atores e organizações, comandadas, em maior ou
menor medida, por um centro gerador, servem para indicar redes que se aproximam quer do padrão
unidirecional, quer do multidirecional (p.64). Por essas características expostas, o conceito de rede se
21
2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E FEDERALISMO
"...antes porém, serve como uma base conceitual diferente, em vários modos preferida,
sobre a qual explorar e resumir experiências recentes e atuais de funcionários públicos,
assim como de cidadãos. O conceito de RIG é como um novo par de lentes, faz visível
a variedade de cores, o terreno e as pautas do panorama político que antes estavam
obscurecidos" (WRIGHT, 1997:104).
23
quando utilizado por longos períodos de tempo. Compara-o aos termos democracia
e republicanismo,
"que evocam matizes diversos e que provocam muitos debates entre os estudiosos
porque são difíceis de definir, mas cujo significado profundo pode ser estabelecido
dentro de um contexto apropriado, apesar de suas numerosas variantes, simplesmente
excluindo o uso incorreto do termo em questão" (ELAZAR, 1990:37).
"...tem a ver com algumas vias particulares e meios de fazer operativo um sistema de
governo no contexto norte-americano, um sistema federal- , que incluem relações
extensivas e contínuas entre o estado federado, os governos locais, e qualquer
combinação que deles se derivem" (ELAZAR, idem, idem).
24
contrário, reafirma a pertinência e a adequação desse enfoque teórico, visto o
interesse de centrar o foco de análise na investigação de práticas administrativas
concretas adotadas por funcionários de distintos níveis de governo num setor social
de um sistema caracteristicamente federal.
A forma que as relações entre as esferas de governo assumem nos sistemas
federais é vista por ALMEIDA (1995) como "constitucionalmente competitivas e
cooperativas", marcadas por "modalidades de interação necessariamente baseadas
na negociação entre as instâncias de governo", atribuindo essas características ao
fato de tratarem-se de estruturas não centralizadas. O federalismo se caracterizaria,
justamente, por esta não-centralização:
"Em uma forma original, bem como na definição normativa , o federalismo se caracteriza
pela não-centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos centros,
nos quais a autoridade não resulta da delegação de um poder central, mas é conferida
pelo sufrágio universal" (ALMEIDA, 1995:89).
Para ALMEIDA (1995) "a expressão mais clara da natureza não centralizada
do federalismo" (ALMEIDA, 1995:89) é a existência de competências comuns entre
instâncias de governo.
6
Advisory Comission on Intergovernmental Relations - ACIR. The federal role in the federal system:
the dynamics of growth - the condition of contemporary federalism: conflicts, theories and collapsing
constraints. Washington, 1981.
25
"os poderes do governo geral e do Estado, ainda que existam e sejam exercidos nos
mesmos limites territoriais, constituem soberanias distintas e separadas, que atuam de
forma separada e independente, nas esferas que lhe são próprias" (ALMEIDA,
1995:90).
26
contexto que presidiu a intenção de conferir maior eficiência e eficácia ao aparato
estatal:
27
ARRETCHE (1996) questiona esta "expectativa de que a descentralização
seria condição necessária à democratização do processo decisório", alertando que
"o caráter democrático do processo decisório depende menos do âmbito no qual se
tomam decisões e mais da natureza das instituições delas encarregadas"
(ARRETCHE, 1996:62). A autora atribui ao interesse de elites locais e/ou regionais,
sequiosas de maior participação no processo político, essa identificação automática
de descentralização com democratização:
"... a associação de centralismo e autoritarismo pode ser mais bem explicada pelo
exame da forma pela qual se associaram historicamente, no processo de formação dos
distintos Estados nacionais, estruturas administrativas do governo central e elites locais
e/ou regionais. É a maior ou menor capacidade de absorção/cooptação/integração
dessas elites no Estado centralizado que estimularia essas elites a identificar
descentralização e democratização em suas demandas de maior participação no
processo político" (ARRETCHE, idem, idem).
"O IBAM7 tem o mérito histórico de ter inventado uma coisa que só o Brasil possui hoje,
que é o município como entidade federativa, ...proposta que eu diria, até revolucionária -
nenhum país federativo do mundo tem o município como entidade federativa. Isso talvez
se justifique pelo fato de que também são poucos os grandes países que são federativos
para valer" (CAMARGO, 1993:29).
7
IBAM: Instituto Brasileiro de Administração Municipal
28
entanto, o estágio de centralização verificado no passado induziu a necessidade de
um estágio de transição marcado pela transferência progressiva de competências
decisórias e executivas para estados e municípios, num típico movimento de
descentralização. ALMEIDA (1995) reconhece que "a descentralização contida no
modelo do SUS é radical: implica a realocação de capacidade decisória, de recursos
e funções aos municípios" (ALMEIDA, 1995:95).
Ao estabelecer a saúde como de competência concorrente entre os níveis de
governo, a legislação abriu espaço para conflitos quanto à definição de papéis e
limites claros de competências e responsabilidade na execução de serviços e no seu
controle e avaliação. As iniciativas de definição negociada desses limites de
competência vão resultar na elaboração pactuada das Normas Operacionais Básicas
(NOB), mais especificamente, das NOB 93 e da NOB 96.
ARRETCHE (1996) reconhece que no setor saúde "ocorreram os mais bem
sucedidos avanços em direção a uma reforma de tipo descentralizador"
(ARRETCHE, 1996:95), com transferência efetiva de capacidade decisória,
competências e recursos para a prestação de serviços básicos de saúde. Aponta,
porém, que "dificuldades na implementação destas reformas decorrentes das
dificuldades financeiras e institucionais do governo federal para dar continuidade ao
processo de reformas" (ARRETCHE, idem, idem), conjugadas a disposições
políticas de governadores estaduais e prefeitos municipais em implementar
efetivamente o sistema, resultou num padrão desigual na prestação de serviços de
saúde entre as regiões e municípios do país:
29
estruturação das relações intergovernamentais e nos processos de gestão
intergovernamental. A desigualdade estrutural entre as entidades federadas implica
possibilidades também distintas de participação efetiva na rede intergovernamental,
contribuindo para reforçar as desigualdades entre as regiões.
A dimensão da gestão intergovernamental do sistema manifesta-se no SUS
como um campo não previsto quando da elaboração dos princípios e diretrizes que
orientariam a sua organização, sendo suscitada no decorrer do seu processo de
implementação:
30
pelo processo de descentralização encontraram tratamento adequado, pelas
possibilidades abertas de negociações efetivas sobre questões relevantes, inclusive
atinentes à redistribuição de tetos financeiros, mesmo em conjunturas políticas
francamente desfavoráveis:
"A experiência do processo decisório na CIB/RJ mostra que mesmo nos períodos de
grande tensão no sistema político-eleitoral (mudanças de governo, de gestores, da
direção do COSEMS8) é possível formar pactos e firmar acordos que apontem para a
solução de problemas. Esta afirmativa pode ser claramente identificada em diferentes
momentos da CIB/RJ. Em especial, no último período analisado, mesmo frente à
escassez e insuficiência de recursos federais a serem distribuídos nos municípios e a
uma conjuntura política desfavorável, consegue-se aprovar uma metodologia de
pactuação e rateio dos tetos financeiros ambulatoriais, onde municípios semi-plenos ou
plenos do sistema, nem todos municípios-pólo com grande capacidade instalada,
realocaram recursos antes transferidos diretamente para o Fundo Municipal de Saúde"
(LIMA, 1999:166).
WRIGHT (1988) estabelece três modelos básicos de RIG, com base no tipo
de relação de autoridade entre os níveis de governo: - modelo de autoridade
coordenada (autonomia), modelo de autoridade dominante ou inclusiva (hierarquia) e
de autoridade igual ou superposta (negociação). No modelo coordenado ou
separado, as relações predominantes são marcadas pela independência,
prevalecendo a plena autonomia dos níveis. No modelo superposto, as relações são
interdependentes e as pautas de autoridade caracterizam-se pela negociação. Para
MUNIZ (1998), no modelo superposto
8
COSEMS: Conselho de Secretários Municipais de Saúde
31
No modelo inclusivo, as relações são marcadas pela dependência de níveis
inferiores, e as pautas, condicionadas pela hierarquia dos níveis. Neste padrão de
relações caberiam, segundo WRIGHT (1997), dois tipos de estratégias
predominantes, em se utilizando aportes da Teoria dos Jogos9. A primeira estratégia,
do tipo I, é o caso do jogo de soma zero, em que a soma dos ganhos dos jogadores
é igual à soma das perdas. Aqui, os ganhos de poder de um dos níveis de governo
implicam em perdas necessárias dos demais níveis. Outra estratégia adotada é a do
tipo II, ou de aumentar o bolo, sendo um jogo de soma variável. Todos os
participantes deste jogo podem ganhar ou obter ganhos. Um exemplo dado por este
autor para esta estratégia é a transferência condicionada (conditional grants-in-aid).
O nível federal expande sua influência arrecadando mais recursos para oferecer, na
forma de transferências, a estados e localidades. Os fundos são oferecidos com
condições (perdas) impostas a quem os recebe, mas implicam ganhos atrativos que
sopesam menos que as limitações impostas pelas condições.
O Sistema Único de Saúde, como definido na legislação, pressupõe a adoção
formal de um modelo superposto, em que as responsabilidades pela saúde dos
cidadãos são compartidas entre os níveis de governo, sendo a sua gestão realizada
de forma harmônica, cooperativa e interdependente. Na prática, traços de um
modelo inclusivo, baseado numa relação hierárquica entre os níveis, são
observados, como se verá na descrição dos resultados da pesquisa, principalmente
em episódios ou questões em que a capacidade de negociação dos atores se esgota
ou não é envidada. Poder-se-ia afirmar que o padrão das relações de autoridade no
SUS situa-se em algum ponto de um continuum que liga o modelo inclusivo e o
superposto, oscilando pendularmente entre um e outro nas questões específicas ou
momentos da implementação do sistema.
As modalidades de estratégia descritas para o modelo inclusivo são
freqüentemente observadas no SUS, tanto na relação do nível federal com os
estados, do nível federal com os municípios, quanto naquela observada entre
estados e municípios. Como reação, os entes federados afetados buscam restringir
9 *
A Teoria dos Jogos é "um método sistemático para estudar o comportamento em situações de
tomadas de decisão. Esta teoria pressupõe que todos os participantes se esforçam por otimizar seu
comportamento, intentando cada um maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas dentro dos
limites da conduta permitida (daí a analogia com os jogos). Os resultados dependem não só do
comportamento de qualquer um dos participantes, mas das reações dos demais atores". (WRIGHT,
1997: 110) (Tradução livre do autor da Dissertação).
32
ao máximo as transferências condicionadas e substituí-las por repasses
automáticos, baseados em critérios estáveis, entre o Fundo Nacional de Saúde e os
fundos estaduais e municipais. As normas regulamentadoras do financiamento do
SUS (as NOB) refletem, em grande parte, o esforço de limitar estas transferências
condicionadas. Embora objeto de conflito permanente, esse tipo de relação se
impõe em diversas circunstâncias, mitigado em parte pelo fato de que estratégias do
tipo II podem pontualmente ser adotadas, quando eventuais conquistas de
incremento de recursos federais permitem que se aumente o bolo.
33
A gestão intergovernamental pressupõe a utilização de diversos mecanismos
ou técnicas de gestão. MUNIZ (1997) enumera várias de tais técnicas dentre as
arroladas por AGRANOFF (1989):
“...a regulação, bem como alterações das rotinas intergovernamentais, com a intenção
de determinar o comportamento das outras unidades de governo; a administração de
subvenções, tanto por parte de quem as recebe como de quem as concede, com o fim
de canalizá-las para seus interesses; a negociação mediante mecanismos mais ou
menos formais desde um enfoque, no entanto, em que se concebem como perdas para
as demais partes os benefícios alcançados por uma delas; a resolução de problemas,
implicando interesses comuns, uma relativa abertura ao intercâmbio de informação e a
busca e seleção de alternativas que beneficiem a todas as partes; a gestão cooperativa,
que supõe alguma forma de acordo - que vai desde os informais até convênios
formalizados por escrito e, finalmente, o desenvolvimento das capacidades de cada nível
de governo, que lhes permite adquirir as habilidades de prever e influir nas mudanças,
para tomar decisões bem fundamentadas, atrair, absorver e gerir recursos e também
para avaliar as atividades com vistas a adquirir referências para ações futuras". (MUNIZ,
1997:14).
“as políticas regulatórias, formadas por normas e cuja coerção se exerce de forma
direta e imediata sobre o comportamento individual; as políticas distributivas, que
consistem na repartição dos recursos mediante sua desagregação em pequenas
unidades independentes umas das outras e livres de toda regra geral; as políticas
redistributivas, que implicam no estabelecimento de critérios por parte do setor público
dando acesso a vantagens que se outorgam não a sujeitos específicos, mas a classes
de casos ou de sujeitos, sendo a arena mais conflitiva de todas; as políticas
10
LOWY, J. Americam business, public policy, case-studies and political theory. World Politics, v. 16,
1964, p.677-715.
34
constitutivas , que traduzem em definições por parte do poder público das regras do
jogo em geral, podendo significar reformas constitucionais, institucionais ou
administrativas, apresentando um elevado grau de conflito (MUNIZ, 1998:17).
11
O conflito pode ser definido como "uma contenda a respeito de valores, ou por reivindicações de
status , poder e recursos escassos, na qual os objetivos das partes conflitantes são não apenas obter
os valores desejados mas também neutralizar seus rivais" (COSER, 1996:120), podendo ocorrer
entre indivíduos ou coletividades. Para alguns autores o conflito "implicaria choques para o acesso e
a distribuição de recursos escassos" tendo, portanto, "sempre um caráter redistributivo. Não se
trataria, neste caso, do conflito interpessoal no sentido psicológico mas no sentido do conflito social e
político" (PASQUINO, 1995:.225)
12
LOWY (1964) Op. cit.
35
informações, convertendo-se em uma base favorável à cooperação, porém, não
representando uma condição suficiente.
As possibilidades de cooperação crescem também na medida em que se
aperfeiçoam as tecnologias sociais para a resolução dos conflitos. "A mediação das
disputas em RIG é um enfoque na resolução de conflitos sem recorrer aos tribunais
nem a estratégias, encobertas ou dissimuladas, de influência política". As melhorias
na teoria e na prática da implementação das políticas públicas são consideradas
condições para a redução dos conflitos nas RIG, tornando-as menos "acidentadas e
mais cooperativas" (WRIGHT, 1997:627).
36
3 METODOLOGIA
37
Em terceiro lugar, os critérios definidos na legislação infra-
constitucional (Leis Federais n° 8.080, de 19/09/1990 e n° 8.142, de 28/12/1990,
denominadas usualmente, em seu conjunto, de Lei Orgânica da Saúde) foram vagos
e passíveis de múltiplas interpretações, dificultando a sua regulamentação e
tradução em critérios objetivos e definidos (vide o capítulo "Contextualização da
Pesquisa"). Essa situação obrigou os atores envolvidos a desenvolver mecanismos
formais e informais de negociação e definição dos critérios de distribuição, sempre
provisórios, que se consubstanciaram em dispositivos normativos pactuados (as
NOB) e na organização de instâncias de negociação das políticas e mecanismos de
descentralização e de distribuição dos recursos (CIB, no nível estadual, e CIT, no
nível federal).
Em quarto lugar, além de satisfazer os requisitos do referencial teórico
adotado, o das relações e da gestão intergovernamentais, o processo de
implementação do SUS foi reconhecido por diversos autores como representando
um avanço em relação a outros setores das políticas públicas, quanto à sua
descentralização efetiva:
"...a principal virtude do método do estudo de caso é que permite uma compreensão
profunda do fenômeno com um todo, tal como se dá no caso estudado. Ao não se ver
distraído por uma multiplicidade de unidades de observação e ao estar restrito a um
certo número de fatores que devem ser observados, o pesquisador pode centrar sua
atenção em um pequeno número de casos e explorar, com grande detalhe, todas e cada
uma das facetas dos casos que prometam brinda-lo com certa luz sobre o fenômeno.
Esse grau de amplitude e profundidade não se pode obter com nenhum dos outros
métodos empíricos." (GRENWOOD, 1973:125). (Tradução livre do autor da Dissertação).
13
GRENWOOD, E. Metodologia de la investigación social. Buenos Aires: PAIDOS, 1973.
39
como um fator introdutor de um viés subjetivo, que deve ser aqui explicitado. A
objetividade do estudo foi intentada pela busca consciente de posições divergentes
ou contraditórias manifestadas pelos diversos atores envolvidos, sendo esse um dos
critérios para a seleção dos entrevistados.
Embora não possa ser assumida como uma pesquisa participante, pois não
houve, à época do transcurso dos fatos aqui analisados, uma intenção explícita de
seu registro metódico, uma certa dimensão participante não pode ser negligenciada.
A posição ocupada pelo autor no processo modulou consideravelmente a escolha
consciente do tema e dos aspectos investigados e orientou a sua visão geral do
processo em causa que, de outra maneira, assumiria certamente enfoques
diferenciados.
O pertencimento do autor ao subsistema de políticas representado pelo
financiamento da saúde dirige também uma clara e assumida intencionalidade da
aplicação dos conhecimentos adquiridos na análise descritiva dos fatos abordados
na formulação de políticas e no desenho de estratégias de financiamento e gestão
setoriais.
Informações complementares sobre a criação e funcionamento da instância
de negociação formal (CIB-MG) envolveram entrevistas com cinco atores ligados
direta ou indiretamente aos primeiros momentos de sua criação e funcionamento
posterior, permitindo o estabelecimento de uma periodização histórico-cronológica
dessa instância, que se encontra descrita no capítulo "Contextualização da
Pesquisa".
O universo da pesquisa foi constituído pelos atores localizados em órgãos
oficiais do setor saúde nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e
órgãos de representação envolvidos na regulamentação dos dispositivos do
financiamento do SUS, bem como nas negociações dos critérios de distribuição e
dos montantes de recursos. Esses órgãos são secretarias do Ministério da Saúde
e de uma Secretaria Estadual de Saúde (de Minas Gerais), bem como as
representações de secretários estaduais (Colegiado dos Secretários de Saúde -
CONASS) e secretários municipais de saúde (Colegiado de Secretários
Municipais de Saúde - CONASEMS), participantes das instâncias colegiadas de
gestão (Comissão Intergestores Tripartite nacional e Comissão Intergestores
Bipartite de Minas Gerais). A não inclusão de atores pertencentes à iniciativa
40
privada ou membros da sociedade civil organizada participantes dos Conselhos
Estaduais ou do Conselho Nacional de Saúde deveu-se à sua participação
marginal no processo em estudo, verificada já de início, na entrevista com o
homem - chave.
As unidades de observação foram os agentes públicos participantes das
negociações cotidianas em torno do subsistema de financiamento, sendo
representantes dos níveis de governo, membros dos staffs de assessoria,
representantes nas comissões intergestores ou dos grupos de trabalho vinculados
a tais comissões.
41
3.1 TRABALHO DE CAMPO
14
A adoção desse informante - chave acompanhou a estratégia utilizada por MUNIZ (1998),
assumindo-se a mesma denominação utilizada por aquele autor.
42
Durante a sua entrevista, atentou-se para os conflitos existentes durante o
processo de programação (PPI) e os diversos atores envolvidos.
A partir da entrevista com o homem-chave os demais atores foram
identificados, compondo a amostra intencional, não probabilística.
3.1.2 AS ENTREVISTAS
44
analítica ou, finalmente, a um esquema teórico. Adotando-se a classificação destes
autores, considera-se uma descrição simples ("straight description"), objetivo
explícito da atual pesquisa, quando
"...o investigador utiliza uma teoria existente na disciplina para forjar um esquema de
análise a priori que lhe permita classificar o seu material. Destaca, no seu material,
segmentos que correspondem aos conceitos e às 'categorias' utilizadas na teoria ou na
disciplina. Além disso, tende a articulá-los numa lógica sugerida pela teoria" (MAROY,
1997:119).
Nesse tipo de análise, as categorias devem ser predefinidas, bem como suas
possíveis relações teóricas, como aqui se pretendeu realizar.
Nos demais tipos de objetivos, o de descrição analítica (analitic description) e
o de teoria local, o esquema geral de análise não parte de categorias previamente
estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas a partir dos materiais, "as
classes ou categorias e suas relações são sugeridas ou descobertas indutivamente
a partir dos dados" (MAROY, 1997:120).
A geração de teorias locais (local theories) seria um objetivo mais ambicioso
de algumas descrições analíticas. GLASSER & STRAUSS (1967), citados por
MAROY (1997:121)16, em sua obra The discovery of grounded theory, defendem que
as análises qualitativas teriam a possibilidade de gerar, a partir dos dados
contextualizados, aquilo que denominam de teoria fundada (grounded), superando a
simples descrição dos fatos em uma área específica. Esta teoria local, derivada
indutivamente de um campo empírico restrito de uma investigação qualitativa
particular, poderia depois se conformar em teorias formais ou gerais (formal
theories), numa segunda fase, abrangendo um campo conceptual mais amplo.
Na presente pesquisa, a construção das categorias analíticas se fez através
do cotejamento de atributos ou dimensões reconhecidas como constitutivas das
relações e da gestão intergovernamentais contidas na teoria estabelecida nessa
área do conhecimento, bem como de referenciais teóricos que dão conta dos
mecanismos envolvidos no seu processo de efetivação prática.
15
SHATZMAN, L. & STRAUSS, A. Field research strategies for a natural sociology. Englewood Cliffs :
Prentice Hall, 1973.
16
GLASSER, B. & STRAUSS, A. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative
research. New York: Aldine, 1967.
45
Essas categorias se mostraram instrumentos úteis na verificação da
expressão e conformação das diversas dimensões no caso em estudo, orientando a
elaboração do roteiro de entrevistas e possibilitando a análise das mesmas.
A seguir, enumeramos as categorias analíticas e sua definição conceitual.
46
funcionalmente especializados, suas relações resultariam num número assombroso
de interações possíveis.
Tais padrões de interação remetem ao conceito de redes interorganizacionais
adotado por MANDELL (1993), pretendendo abarcar a complexidade inerente a esse
tipo de sistema. Assim, para esta autora, as redes interorganizacionais se definem
como "várias distintas ações que estão relacionadas por meio de um tipo específico
de interação e dentro de um certo contexto" (MANDELL, 1993:191). Embora
estreitamente relacionadas, as duas categorias: interação e articulação em rede,
serão tratadas separadamente. Julgou-se oportuno destacar as interações nestas
duas categorias analíticas, procurando abarcar a amplitude, a periodicidade e
superação dos marcos legais na primeira categoria e a estrutura que se conforma
com a acumulação histórica das interações na segunda categoria. Para utilizar os
conceitos de MATUS (1993), a primeira se localiza no plano das fenoprodução
(produção dos fatos) e a segunda se inscreve no plano das fenoestruturas
(acumulações históricas), sendo uma de suas dimensões.
O interesse na adoção dessa categoria analítica seria investigar como se
manifestam as interações entre os atores localizados nos diversos órgãos e níveis
de governo, com vistas a viabilizar o andamento das políticas setoriais (no caso, do
financiamento do setor).
47
de conceitualizar a gerência no cenário intergovernamental” (KLIKSBERG, 1999:4)
(Tradução livre do autor da Dissertação).
RUBIEN (1984) entende as redes como estruturas interorganizativas que
podem ajustar-se a um dos três modelos: reticular, de implantação e de enlace.
Estruturas reticulares não são permanentes ou específicas para cada projeto.
Estruturas de implantação são orientadas à execução de programas. As de enlace
se encontram a meio caminho entre o controle central próprio das estratégias de
implantação e a coordenação frouxa das estruturas reticulares.
MANDELL (1993) classifica dois tipos de estrutura de rede: as redes por
projeto (organizadas para dar conta de projetos específicos) e redes funcionais
("existem independentemente da execução ativa ou não de projetos"). Para ela "a
idéia - chave é que a rede interorganizacional se converte em uma vinculação de um
variado número de organizações e/ou indivíduos dentro de um todo coerente"
(MANDELL, 1993:192).
Os padrões de contato e mecanismos de comunicação utilizados
desempenham, segundo a autora, elementos para que condicionem a capacidade
dos administradores para operar estas redes de gerência:
"Posto que não há formas de depender de instruções ou regras específicas para reger as
ações dos membros da rede organizacional , a comunicação efetiva se torna o elemento
crítico da execução de projetos. Por conseguinte, as redes de gerência constituem uma
ferramenta para alcançar o tipo de comunicação multilateral indispensável nestes
contextos. A capacidade dos gerentes para utilizar estas redes de gerência requer que
dominem 'tanto a estrutura das redes como o processo de 'trabalhar em rede' (construir
relações)"' (MANDELL, idem, idem).
17
LOVELL, C.H. Where we are in intergovernmental relations da some of the implications. Southern
Review of Public Administration, v. 2 , jun.1979. p.13-14.
49
enfatizar os papéis dos agentes públicos individuais como atores potencialmente
influentes nas RIG, este autor valoriza, portanto, um nível analítico mais
desagregado das relações entre os níveis e órgãos de governo do que aquele
adotado no enfoque clássico do federalismo.
A capacidade de ação dos funcionários públicos envolvidos nas RIG está
determinada pelas suas acumulações históricas que desenvolvem na sua trajetória
profissional, inclusive acumulações de poder. Nessa categoria, enquadram-se os
diferenciais de poder, conhecimento, experiências anteriores com os temas, contatos
anteriores consolidados com os demais componentes da rede, credibilidade,
reconhecimento inter paris, reputação, etc. As habilidades de negociação desses
agentes, condicionadas em parte pelas acumulações apontadas, são elementos
fundamentais para a eficácia das RIG.
"Instrumentos de gestão das discrepâncias entre distintos atores pelos quais estes,
mediante mecanismos mais ou menos formalizados e desde suas respectivas posições,
chegam a um reconhecimento dos interesses que os unem e separam. Os benefícios
50
obtidos por alguns participantes se percebem que se dão ligados a perdas, por parte dos
demais" (AGRANOFF, 1991: 210)
"...processos de ajuste mútuo, geralmente informal, viáveis naqueles casos em que não
existem diferenças de fundo entre as distintas posições. Os interesses em conflito são
percebidos como menos importantes que os pontos de acordo" (AGRANOFF,
1992:210).
51
análise desta interação, entendendo-se que 'as cifras monetárias são, desde logo, um
método conveniente para medir a envergadura e o efeito das influências entre unidade
de governo''' (MUNIZ, 1998:7).
"Embora tenham idéia do que esperam alcançar, vão 'provando as águas' antes de
proceder. Desenvolvem apoio a suas idéias e as vão modificando à medida que
avançam. No caminho, reúnem as forças necessárias para levar adiante as idéias"
(MANDELL, 1993:195)
53
4 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
54
4.1 ALGUNS IMPASSES NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS
Uma aliança desses atores, qualificada por ARRETCHE (1996) como "uma
articulação positiva entre a burocracia do Ministério da Saúde, a elite profissional do
setor e governadores e prefeitos", conseguiu viabilizar "a aprovação de medidas de
reforma a partir do centro do sistema político” (ARRETCHE, 1996:56).
O consenso inicial aparente entre os diversos atores sociais envolvidos no
processo de formulação e formalização jurídico-legal foi progressivamente solapado
frente aos diversos obstáculos e encruzilhadas que foram se antepondo no processo
de implementação dessa política social.
Fundamentos basilares do modelo do sistema, como a universalização, a
descentralização e o controle social, se veriam ameaçados por resultados
inesperados ou desfavoráveis que se manifestaram no decorrer do processo de
implementação da política.
A diretiva da universalização dos benefícios da assistência à saúde, ao ser
assumida num contexto de aguda crise financeira em geral e do sistema
55
previdenciário em particular, aprofundaria o fenômeno que os meios de comunicação
de massa em geral rotulam de caos da saúde. Essa situação crítica da assistência à
saúde no país, para MENDES (1996), não poderia ser imputada exclusivamente à
expansão da demanda decorrente da universalização do sistema, antecedendo
historicamente à sua implantação. Esse autor constata, então
18
Por controle social é qualificada, na literatura sanitária brasileira recente, a participação de
setores da sociedade civil organizada na formulação e controle da implementação das políticas de
saúde, através das Conferências e Conselhos de Saúde. Na literatura sociológica clássica, o sentido
é inverso, denotando o controle da sociedade sobre o indivíduo, assumindo-se "que uma pessoa está
condicionada ou limitada em suas ações pelos grupos, pela comunidade e pela sociedade a qual
pertence" (WOLFF,1986:265).
56
identificação entre democracia e instituições político-administrativas
descentralizadas” (MUNIZ, 1992:106).
Assim também entende MÉDICI (1994), ao afirmar que:
58
4.2 O FINANCIAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
“Art.3° - Os recursos referidos no inciso IV desta Lei serão repassados de forma regular
e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios
previstos no Art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990.
Parágrafo primeiro - Enquanto não for regulamentada a aplicação dos
critérios previstos no art.35 da Lei no 8.080, de 19 de Setembro de 1990,
será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente, o critério
estabelecido no parágrafo primeiro do mesmo artigo.
Parágrafo segundo - Os recursos referidos neste artigo serão
destinados, pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o
restante aos Estados.
Parágrafo terceiro - Os Municípios poderão estabelecer consórcio
para a execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si,
parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2 desta Lei” (BRASIL,
1990 b).
60
cobertura de ações e serviços de saúde e a serem implementados pelos Municípios,
Estados e Distrito Federal .
A imprecisão dos critérios de distribuição elencados pela legislação induziu a
diversas tentativas de proposição técnica de critérios, como a apresentada por
VIANNA e outros, ainda em 1990 (VIANNA et al.,1990). Esses autores se depararam
com dificuldades em traduzi-los para parâmetros concretos e índices de ponderação
definidos, obtendo-se simulações de perfis de distribuição mais eqüitativos que os
observados na prática, mas sempre vulneráveis a questionamentos pelas multíplices
possibilidades de escolha abertas pela imprecisão do texto legal .
Ao resumir as conclusões da primeira simulação realizada por este estudo de
VIANNA et al. (1990), que resultara em uma distribuição semelhante à da população,
na medida em que critérios concentradores eram anulados por critérios
distributivistas, na ausência da utilização de ponderações, MENDES (1996)
observou que:
“...ao que tudo indica [...], será muito difícil, se não impossível, buscar hoje uma
definição aceitável para o artigo 35. A busca da eqüidade através destes parâmetros,
na atual conjuntura, parece ser temerária. O óbice principal é a falta de dados o
mínimo necessários e o mínimo confiáveis. Corre-se o risco de ferir a eqüidade
através da aceitação de casuísmos indefensáveis. Seria como uma tentativa de
‘forçar’ o cumprimento atual de uma lei impossível de ser cumprida com clareza e
precisão. A saída pela partilha exclusivamente pelo quociente populacional é o
cumprimento exato da Lei n. 8142. O que já é possível hoje . A lei é clara que se deva
adotar este critério até que se defina o Art.35 da Lei n. 8080. À primeira vista, poderia
parecer que esta definição era apenas uma questão de trabalho ‘braçal’ de se fazer
cálculos e modelos. A realidade está sendo clara em mostrar a tantos quantos
tentaram que, com os dados disponíveis atualmente e com os casuísmos necessários
para se definir o 35, esta opção é inviável” (CARVALHO,1992:71).
19
Este autor posteriormente seria nomeado Secretário de Assistência à Saúde do Ministério da
Saúde, cargo que sucedeu a extinta Presidência do INAMPS.
63
A CIT foi constituída por representantes do Ministério da Saúde, do CONASS,
entidade representativa dos secretários estaduais, e do CONASEMS, configurando-
se como uma instância formal e permanente de negociação e de gestão
intergovernamental. Tem por finalidade "assistir o Ministério da Saúde na elaboração
de propostas para a implementação e operacionalização do SUS, submetendo-se ao
poder deliberativo e fiscalizador do Conselho Nacional de Saúde” (BRASIL, 1993).
As CIBs estaduais foram formadas paritariamente por dirigentes das
Secretarias Estaduais de Saúde e dos órgãos de representação dos Secretários
Municipais de Saúde, constituindo-se como “instância(s) privilegiada(s) de
negociação e decisão quanto aos aspectos operacionais do SUS” e “cujas decisões
deverão ser referendadas ou aprovadas pelo respectivo Conselho Estadual,
submetendo-se ao seu poder deliberativo e fiscalizador” (BRASIL, 1993).
Essas instâncias de gerenciamento do processo de descentralização foram
criadas no sentido de possibilitar a adoção de mecanismos flexíveis de normalização
do processo de descentralização, dada a heterogeneidade dos diversos processos
estaduais de implementação do SUS.
A NOB 93 resultou de um processo de reiteradas consultas e negociações
entre diversos atores sociais e grupos de interesse. Isso fica explícito na introdução
do documento “Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de
cumprir e fazer cumprir a lei”, texto que cumpriu o papel de uma exposição de
motivos da Portaria Ministerial que instituiu a Norma Operacional 01/93, elaborado
pelo Grupo Especial de Descentralização (GED), incumbido da elaboração da
proposta de regulamentação:
64
de divergências capazes de inviabilizar a implementação das medidas propostas”
(BRASIL, 1993:5).
65
internações fossem representar. O valor do impacto financeiro só podia, então, ser
conhecido à medida que se consolidava a totalidade das faturas hospitalares do
estado. Esse princípio fica assim inscrito na NOB 93, baseando seu cálculo na série
histórica dos valores médios da AIH:
“...o teto financeiro de custeio das atividades hospitalares para os municípios será
calculado através da multiplicação do quantitativo de AIH pelo valor médio histórico da
AIH no estado (janeiro a dezembro de 1992), corrigido na mesma proporção que a tabela
básica de remuneração de procedimentos hospitalares” (BRASIL, 1993:5).
“...a NOB 01/93 não obedeceu à determinações legais contidas na Lei 8.080/90 no que
concerne à distribuição dos recursos e não se preocupou em instituir mecanismos que
levassem à equidade. A sua operacionalização, na prática social, fez avançar
significativamente o processo descentralizador e teve impacto na eficiência dos serviços
prestados, especialmente em municípios que adotaram gestão semiplena. Contudo, seus
resultados em eqüidade são questionáveis” (MENDES, 1996:198).
66
A NOB 01/96 vai radicalizar o processo de descentralização do sistema,
buscando corrigir as distorções detectadas durante a aplicação da norma
operacional anterior. LIMA (1999), citando LEVCOVITZ (1997), arrola as estratégias
adotadas pelo Ministério da Saúde, fruto de negociação com o CONASS e o
CONASEMS, além daquelas de reforço à capacidade gestora do SUS e da
organização da gestão da assistência à saúde, representadas pelo desenvolvimento
de instrumental técnico/operacional para gestão do SUS:
67
Um maior detalhamento e uma análise dos conteúdos da NOB 96 podem ser
realizados a partir dos trabalhos de LIMA (1999) e SCOTTI (1996), fugindo do
escopo desta pesquisa.
A PPI, no entanto, mote deste estudo de caso, representou:
"...um elemento primordial da NOB SUS 01/96. Enquanto instrumento negociado entre
gestores, traduz as responsabilidades, objetivos, metas, referências inter-municipais,
recursos e tetos orçamentários e financeiros, em todos os níveis de gestão. Expressa a
garantia de acesso universal aos serviços de saúde, diretamente, ou por referência a
outro município, sempre por intermédio da relação gestor-gestor. O processo de
elaboração é ascendente com base municipal, buscando a integralidade das ações,
observando critérios nas CIB e CIT, aprovados nos respectivos Conselhos Estaduais de
Saúde (CES)" (LIMA, 1999:83).
20
CMS - Conselho Municipal de Saúde
68
4.3 A COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITE EM MINAS GERAIS: SUA
CONSTITUIÇÃO E MOMENTOS DE FUNCIONAMENTO
"Um dos aspectos relevantes dessa comissão, segundo atores da SES/MG, é que
ela, através da negociação entre os gestores, normatiza (sic) e legitima as decisões via
deliberações (de acordo com a pauta de reunião) que são publicadas no Diário Oficial do
Estado, facilitando a comunicação com as instituições encarregadas do processo de
implantação do sistema. Esta conduta não era observada antes do SUS, conforme
declarações de atores entrevistados, uma vez que a maioria das decisões partia da SES"
(AIRES, 1996:29).
"A grande questão é que o financiamento se dava pela definição de teto por estado,
através dos valores de UCA. Havia cinco diferentes valores de UCA no Brasil. A NOB 91
é que trazia esta definição de valor UCA. O estado tinha um teto fixado e começou a
haver um saldo, quando o estado não gastava aquele teto tinha um 'saldo de UCA'.
Então a Secretaria de Estado passava a receber este dinheiro. Como a gente tinha um
processo de negociação, a distribuição deste recurso passou a ser reivindicado que
ocorresse num processo de negociação. Então nós acoplamos o processo de
descentralização à possibilidade de se receber o 'saldo de UCA'. Quem recebesse a
rede básica recebia também esse recurso, uma vez que o estado não pôs recurso
(próprio) para a distribuição” (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91/94).
21
UCA - Unidade de Cobertura Ambulatorial: valor per capita atribuído pelo Ministério da Saúde a
cada estado federado, que multiplicado pelo número de habitantes, resultava no valor da RCA
(Recursos de Cobertura Ambulatorial), teto orçamentário para as ações ambulatoriais ao qual os
estados tinham que se adequar , sob pena de sofrer "cortes" nas faturas apresentadas ao Ministério.
70
Segundo os depoimentos, na primeira distribuição de AIH, quando se
definiram os primeiros tetos por município, a sua distribuição intramunicipal baseou-
se numa programação conjunta entre estado e gestor municipal, num momento em
que os municípios, em geral, ainda não tinham uma perspectiva de assumir
plenamente a gestão da rede hospitalar. A relação da SES com os municípios
assumiu uma postura pautada pela mera informação dos critérios propostos e dos
resultados obtidos, com uma concordância explícita, por parte da direção do
COSEMS, quanto aos encaminhamentos.
Nesse contexto, o conflito mais evidente e a negociação subsequente se
deram principalmente com os deputados majoritários de regiões que assumiram a
defesa da persistência das cotas hospitalares. Essas cotas vinham, até então, sendo
definidas centralmente por ato do Secretário de Estado da Saúde, desde a
implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS – em 1987.
Com a instituição do SUDS, estágio do processo de descentralização do sistema
nacional de saúde, diversas competências do extinto INAMPS foram delegadas aos
estados, inclusive o poder de realizar a distribuição interna dos recursos para
pagamento dos serviços realizados pelos setores público e privado.
Na época enfocada, a representação dos municípios no COSEMS compunha-
se, em sua maioria, de municípios de maior porte. Em 1992, com a presidência do
órgão passando a um secretário de saúde de um município médio, a participação de
um maior número de municípios de porte médio naquela representação ampliou-se.
A estratégia adotada pela SES à época, para consolidar a transferência da
rede básica se deu, segundo os depoimentos dos dirigentes da SES, através da
participação nas Conferências Municipais de Saúde preparatórias da IX Conferência
Nacional de Saúde, realizada em agosto de 1992.
Durante o ano de 1993, a direção da SES/MG desencadeou a realização de
Seminários Macrorregionais, realizados em cidades-pólo regionais, com intensiva
participação das diversas áreas técnicas da Secretaria. Nesses eventos, buscou-se
o convencimento dos secretários municipais e prefeitos para a aceitação da
transferência da gestão da rede contratada, com o repasse da responsabilidade
pelos procedimentos administrativos de autorização das internações hospitalares.
Tais procedimentos eram realizados, até então, pelos antigos Serviços de Controle e
71
Avaliação do INAMPS, já incorporados, à época, nas estruturas dos Centros
Regionais de Saúde da SES.
O convencimento dos prefeitos municipais no sentido de assumirem o
controle da rede contratada trouxe novos aliados para este momento de
radicalização do processo de descentralização. Os deputados estaduais, que teriam
agido como empecilho na retirada das cotas hospitalares transformaram-se, para
surpresa dos dirigentes estaduais, em inesperados aliados da descentralização,
quando vislumbraram as possibilidades da transferência efetiva de poder para as
prefeituras municipais de suas regiões.
A adoção de práticas de relações intergovernamentais nessa fase não
institucionalizada e incipiente de funcionamento da instância que se constituiria
posteriormente na CIB-MG fica então evidenciada. A necessidade da gestão
negociada do processo de descentralização e dos critérios e mecanismos de
financiamento, já se faz presente tão logo se implementou a descentralização do
sistema, com a transferência da rede básica de serviços para os municípios. O
caráter informal das relações e a negociação contínua das questões relevantes entre
os gestores foram um traço marcante dessa fase, atestando a constituição de um
incipiente sistema de RIG, com características daqueles descritos por WRIGHT
(1997:71).
"A gente fez um levantamento na secretaria estadual das resoluções do Secretário e das
deliberações da Bipartite, sobre o que era o objeto de deliberação da Bipartite no
primeiro ano de seu funcionamento e o que passou a ser no último ano em que nós
ficamos lá (1994). No primeiro ano de funcionamento, tudo saia como forma de
resolução do Secretário. Gradativamente, a Bipartite foi assumindo o papel normativo da
72
Secretaria. Coisas, que no começo eram consideradas como da competência exclusiva
da Secretaria Estadual, foram gradativamente assumidas como deliberação da Bipartite.
Passou a ser um processo de negociação" (Depoimento de dirigente da SES, gestão 91-
94).
"Os conflitos nesta época circulavam em torno dos tetos municipais, muito mais em
função dos critérios aplicados na redistribuição do que na publicação do valor final.
Quando se publicavam os tetos, já estavam consensados. Não se publicava sem
consenso. A Bipartite funcionava não por voto, mas por consenso, e ela negociava até
consensar. Havia um processo de negociação árduo. A Bipartite não ‘rachou,’
verdadeiramente, em nenhum momento. Quando as coisas eram apresentadas ao
Conselho Estadual para serem homologadas, elas já tinham um consenso, então o
estado e os municípios defendiam juntos. Nós nunca levamos uma divergência estado -
município. No processo 91-94 isto não aconteceu nenhuma vez da gente ir ‘rachado’.
...Não houve, também, na época, nenhum recurso à Tripartite". (Depoimento de dirigente
da SES, gestão 91-94).
74
implementar as novas diretivas, tiveram um papel relevante no atraso dos processos
de descentralização para os municípios. Os cento e quinze Serviços de Controle e
Avaliação Microrregional, que conservaram o seu funcionamento praticamente nos
mesmos moldes que foram herdados do INAMPS, mantinham-se como instâncias
burocráticas onde se davam todas as autorizações de AIH e das faturas de serviços
ambulatoriais públicos e privados e passaram a ameaçar a própria competência das
DRS, arrogando normas e orientações já ultrapassadas provindas do seu órgão de
origem, já em processo de extinção.
Observa-se, nos depoimentos coletados, a assunção da condução das
políticas de descentralização como uma tarefa executada com alto
comprometimento pessoal. Neste sentido, o uso freqüente e recorrente da utilização
dos tempos verbais na segunda pessoal do plural revela um elevado envolvimento
dos diversos atores na implementação das políticas, sem se confundir, de nenhuma
forma, com a interpenetração de objetivos meramente pessoais ou de grupos de
interesse na condução da política pública. Essa observação coincide exatamente
com a condição assinalada por outros autores para o sucesso na implementação de
políticas, para os quais “... o êxito da implementação pode ser frustrado quando os
técnicos encarregados desta atividade não estão cônscios de seu comprometimento
com a política" (VAN METER et al., 1975, p.128).
75
No programa eleitoral para a saúde do governo que se iniciava duas
propostas prioritárias foram assumidas: a organização de Consórcios Intermunicipais
de Saúde e o Programa de Saúde da Família. O estágio de implementação do SUS,
encontrado pela nova gestão, se diferenciava muito do anterior. A rápida
descentralização do sistema, com a transferência da gestão da rede de serviços
para os municípios (municipalização da saúde), introduz na arena política uma
enorme quantidade de novos atores, gestores municipais de pequenos municípios,
até então alijados das negociações mais relevantes e portadores de demandas
novas, como a da desconcentração dos serviços. Essas demandas, em franca
contradição com os interesses dos municípios de maior porte, decorriam do próprio
processo de municipalização que impunha responsabilidades assistenciais novas,
até então assumidas pelo Estado ou pela rede assistencial existente nos municípios
maiores. O pacto legitimador das políticas da gestão anterior da Secretaria Estadual,
como foi dito, privilegiava a aliança com os municípios de maior porte, resultando
que as novas demandas expressas pelos pequenos municípios tinham dificuldade
de se expressar naquele contexto, ou eram sobrepujadas por outras questões, para
eles menos relevantes.
Essa emergência no cenário de novos atores sociais, oriundos de processos
políticos diferentes daqueles que forjaram os fundadores do Movimento da Reforma
Sanitária (a luta pela redemocratização do país e a reforma democrática do setor
saúde), desmobilizou e deslegitimou o pacto político anterior. Esses novos atores
manifestavam um evidente descompromisso com o arcabouço ideológico do
movimento sanitário e com o discurso municipalista estrito.
Percebendo essas novas demandas destes atores, o Governo Eduardo
Azeredo orientou sua ação para capitalizar estas expectativas, conformadas num
projeto de mudança da orientação do processo de descentralização. As resistências
de setores municipalistas da tecnoburocracia do Estado foram obstaculizadas pela
introdução de um modelo de coordenação microrregional do processo de
descentralização e de organização dos serviços no interior do estado, através dos
Consórcios Intermunicipais de Saúde. Com esta estratégia contemplavam-se as
demandas pela desconcentração geográfica dos serviços de saúde e se estabelecia
uma instância de poder regional, que enfraqueceria o poder das estruturas estatais
76
existentes, as Diretorias Regionais de Saúde e as Secretarias de Saúde dos
municípios de maior porte.
Nesse quadro, e eleitas as estratégias assinaladas, a alternativa escolhida
pelo novo gestor foi encaminhar, de forma centralizada, as diretivas de sua política
de saúde, não as submetendo ao crivo da CIB. Tal postura gerou, à época, uma
reação exacerbada dos representantes do COSEMS. Na interpretação dos gestores
municipais entrevistados, a estratégia dos Consórcios Intermunicipais fragilizava a
interlocução direta com os mesmos, dirigindo os esforços de convencimento e poder
de decisão nessas instâncias de articulação microrregional diretamente para os
prefeitos municipais, que passavam a assumir a Presidência e o Conselho Diretor
dos consórcios. Outra estratégia adotada consistiu no apelo direto aos pequenos
municípios, grande maioria numérica no estado.
O COSEMS, como foi relatado, mantinha-se constituído por representantes de
municípios de grande e médio porte e encontrava-se bastante fortalecido
tecnicamente por uma assessoria reforçada, inclusive por membros remanescentes
da administração anterior.
A reorientação estratégica empreendida pelo gestor estadual gerou um
conflito permanente no interior da CIB que, nos momentos iniciais, foi esvaziada,
com reuniões ordinárias deixando de ser convocadas ou tendo sua pauta restrita a
aspectos secundários.
Apreende-se, pelos depoimentos, que alguns técnicos da Secretaria Estadual
que detinham cargos de direção na gestão anterior e haviam sido mantidos,
procuravam conservar as práticas anteriores de negociação e interpretavam tais
reorientações como um retrocesso na descentralização, resistindo às mesmas. Tal
resistência resultou no gradativo alijamento destes técnicos do processo e na sua
demissão voluntária ou forçada de seus cargos.
Os depoimentos dos gestores municipais e dos funcionários da gestão
anterior enfatizam o argumento de que as duas propostas de reorganização
comprometiam o processo de descentralização, na forma em que o mesmo vinha
sendo conduzido anteriormente. A proposta dos Consórcios Intermunicipais de
Saúde, capitaneada pela direção da SES/MG, interferia numa articulação que os
próprios municípios estavam iniciando autonomamente, do ponto de vista da
pactuação das referências microrregionais. A outra proposta, a implantação do
77
Programa de Saúde da Família, apresentava características de uma estratégia
assistencial de nível local, entre outras alternativas possíveis. A sua adoção deveria,
segundo os atores, ser objeto de decisão dos gestores municipais e não uma
imposição vertical do gestor estadual.
Essas divergências quanto ao espaço de autonomia dos municípios para a
definição dessas políticas, que traduziria uma concepção distinta dos limites de
competência de formulação e implementação de políticas no âmbito do sistema, se
configurou, portanto, com um dos pontos centrais do conflito, agora expresso
explicitamente e de forma pública extrapolando os limites da própria instância de
gestão negociada, a CIB.
Em face da resistência encontrada pelo gestor estadual de implementar suas
propostas, iniciou-se um processo de adiamentos repetidos das reuniões da CIB e
de alijamento de sua Secretaria Técnica que, até então, vinha apresentando um
funcionamento ativo e permanente. A decisão que iria alterar radicalmente o papel
da CIB nos momentos posteriores foi a interferência direta na eleição do COSEMS,
realizada em abril de 1997. O governo estadual mobilizou os pequenos municípios,
conclamando-os a participar do processo eleitoral, facilitando inclusive a locomoção
dos delegados. Como resultado dessa mobilização, capitaneada pelo Governo do
Estado, se elege uma chapa identificada com as propostas do Secretário Estadual
de Saúde, sintomaticamente denominada Chapa Consórcio.
A nova CIB, agora constituída por membros do COSEMS estreitamente
identificados com as políticas do gestor estadual, oriundos em sua totalidade de
pequenos municípios do interior do estado, vai marcar o momento seguinte.
22
Boletim de Diferença de Pagamento – BDP: instrumento administrativo, utilizado no sistema de
pagamento do SUS, para corrigir quantitativos de repasses a mais ou a menos no Sistema de
Informações Ambulatoriais (SIA-SUS).
79
5 RESULTADOS
80
resultados das negociações, principalmente da definição de recursos de custeio e
dos fluxos de usuários dentro do sistema:
"A lógica sempre foi uma série histórica e quem controlou teve perda financeira. A
verdade é essa! E o processo de programação que a NOB tentou introduzir era para
romper com isso. Dizendo o seguinte: 'Olha, vamos trabalhar a necessidade a nível
municipal, com o Conselho de Saúde, vamos dimensionar a demanda, e ao final, com o
recurso das três esferas disponível, vamos definir então o que dá para fazer através de
uma receita de prioridades de intervenção. Esse era o princípio, vamos consolidar isso
para o estado? Vamos consolidar a nível nacional? E esse vira um instrumento de
pactuação e tal. Não dá para ser esse ano, então tem metas acordadas para o segundo,
para o terceiro, para o quarto ano. Esse era o princípio. O princípio nunca saiu do
papel..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).
81
A proposta de uma PPI representava para os gestores municipais, portanto,
um mecanismo que permitiria a ampliação e o exercício de um maior espaço de
autonomia municipal na utilização dos recursos do SUS. A repactuação pretendida,
num fluxo ascendente, a partir do município, como instituía a NOB 96, abriria
também a possibilidade de incremento de recursos:
"...eu programo a partir de necessidade, ainda que seja com parâmetro alocado de
forma eqüitativa para o estado inteiro, ele gera, no final ele gera, porque quem está
acima do parâmetro não aceita reduzir, quem tá abaixo do parâmetro quer atingir o
parâmetro. Então, na prática, ele gera necessidade. Então como você não tem - e as
raras vezes que você teve recurso público, com alguma relevância, ele acabou não
sendo pactuado por programação e, sim, por pressão de demanda de série histórica,
então a PPI sempre foi um instrumento marginal no processo geral de programação.
Essa que é a minha visão disso..." (Depoimento de ator do nível federal -
representação dos municípios)
23
Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras – CPMF: tributo compulsório cobrado
sobre a maioria das movimentações financeiras bancárias realizadas no país, destinada, a princípio, a
complementar o financiamento do SUS e da Previdência Social.
82
"... isso foi e voltou. Se você pegar as pautas da Tripartite, pelo menos 80% das reuniões
tinham aquele ponto lá. O que, na verdade, era informe, que estava em elaboração o
instrumento (da PPI). O problema é que, na ausência disso, os estados começaram a ter
que tomar iniciativas particularmente num momento, que foi em 97, onde havia
expectativa de um recurso novo com a CPMF. Quer dizer, a criação da CPMF, como
uma contribuição nacional, gerou expectativa de recurso novo” (Depoimento de ator do
nível federal - representação dos municípios).
"O processo nacional que era a elaboração do instrumento, nunca passou disso,
né? Participei disso, com o (assessor do CONASS), basicamente, éramos os
responsáveis, no CONASS ele, e eu no CONASEMS, para fazer essa discussão e o que
nós fizemos foi um instrumento de descentralização do dinheiro. Foi isso. Porque nós
não acreditávamos que era possível avançar mais do que isso naquela conjuntura..."
(Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios)
"...se chegou à conclusão de que o estado faria a sua programação com os municípios
da melhor forma que ele achasse. Negociando com as planilhas que ele quisesse, com o
enfoque que ele achasse melhor. Porém, o Ministério da Saúde sugeriria que eles
respondessem ao Ministério da Saúde algumas informações que seriam importantes
para o Ministério da Saúde. Acompanhar essa programação, obter informações
gerenciais e algumas coisas que fossem importantes para o Ministério da Saúde sobre a
24
CONASS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários de saúde dos estados
federados que, através de uma diretoria eleita anualmente, realiza a interlocução com a direção do
Ministério da Saúde. Sua sede funciona nas dependências do próprio Ministério da Saúde, em
Brasília.
25
CONASEMS: entidade que congrega e representa os interesses dos secretários municipais de
saúde de todos os municípios brasileiros. Possui uma diretoria eleita anualmente em um congresso,
com delegação para realizar a interlocução com a direção do Ministério da Saúde. Sua sede funciona
em dependências do Ministério da Saúde, em Brasília.
84
organização dos estados. E ai então foi feito um primeiro, se tentou discutir na Tripartite
um documento que foi discutido com o CONASS e o CONASEMS e que contemplasse
tanto a necessidade do Ministério como as possibilidades dos estados. E esse
documento, ele nunca chegou a ser efetivamente adotado pelo Ministério da Saúde.
Chegou a ser aprovado na Tripartite, mas com essas mudanças de governo... Em
meados de 97 foi discutido esse documento mas ele não chegou a ser implantado de
jeito nenhum” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de
Políticas de Saúde/MS).
"...ele era um instrumento que foi criticado por conter só a divisão do bolo financeiro e
federal e como um instrumento de captação de recursos, aí o Ministério recusava
implantar"..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).
“E aí, final de 97, o Ministério da Saúde se sentou sozinho e preparou uma proposta de
PPI que, no pacote do final do ano de 97, foi aprovada junto. E o Ministério da Saúde
começou a divulgar como uma proposta aprovada. Quando, na verdade, os estados e
municípios não tinham dado um 'OK' naquela proposta e discordavam inclusive da
proposta, porque ela tinha uma lógica diferente do que eles viam...” (Depoimento de ator
do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de Saúde/MS).
“...e, nesse período todo, o Ministério da Saúde ficou sem ter como uniformizar ou pegar
as informações dos estados e consolidar aqui no Ministério. Porque cada estado mandou
a informação de modo diferente [...] aí cada ação do Ministério previa uma contrapartida
do Estado e do Município, e que a gente sabe que não é assim que funciona. Mas foi
assim que o Ministério enxergou e foi assim que ele propôs e colocou na rua essa PPI,
mesmo sem a aprovação do CONASS e do CONASEMS, mas a gente estava muito
preocupada em descentralizar, em habilitar. E aí, é como eu falei anteriormente, quem
estava se preocupando? ‘Cadê o documento de orientação de PPI do Ministério da
Saúde?’: era quem estava se organizando para habilitar o Estado. Então como não tinha,
ou tinha um que ninguém queria fazer, que não tinha como fazer, cada Estado fez o seu”
(Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas de
Saúde/MS).
86
5.1.2 A REALIZAÇÃO DA PPI COMO MECANISMO DE PRESSÃO PELO
AUMENTO DOS RECURSOS
Se, por parte da direção do Ministério da Saúde, a PPI não foi um instrumento
privilegiado no planejamento e na distribuição dos recursos, num período
caracterizado por poucas alterações nos valores dos tetos orçamentários dos
estados e municípios (pelas restrições financeiras expostas anteriormente), no nível
estadual o mote da reprogramação atendeu outros interesses e teve conseqüências
mais abrangentes, pelo menos no caso em estudo.
A direção da SES-MG desencadeou o processo de PPI logo nos primeiros
meses de 1997. Criou-se um grupo técnico encarregado da elaboração de uma
proposta de processo e de instrumento de programação, coordenado pela sua
Superintendência Operacional de Saúde (SOS). Em reunião ocorrida em 19 de
fevereiro de 1997, a CIB aprovou a metodologia e o cronograma para a
reprogramação hospitalar, com atualização dos tetos físicos (quantitativos) e
orçamentários das AIH, prevendo seu término para o mês de maio seguinte. As DRS
iniciaram a implementação da proposta em março, com um prazo previsto para a
conclusão dos trabalhos em apenas 44 dias. A consolidação dos dados das
pactuações intermunicipais e inter-regionais, prevista para ser realizada pelo nível
central até o final de maio, se arrastou por vários meses, sendo concluída apenas
em novembro de 1997. Essa periodização e as dificuldades para a realização dessa
consolidação se encontram descritas em relatório de avaliação do processo da PPI
(“Programação Pactuada e Integrada – componente hospitalar e ambulatorial:
síntese do relatório final”), elaborado pela SOS:
“A terceira fase, registro e processamento das programações, no nível central (2ª etapa),
previa o início das atividades (análise da entrada de dados, relatórios, montagem do
banco de dados, desenvolvimento dos sistemas, etc.), para março e abril/97, com
término fixado em 30/maio/97” (MINAS GERAIS, SES-MG, 1998:1-2).
87
cumprimento dos prazos definidos no cronograma, apesar das insistentes
cobranças. Tal fato determinou atraso no cumprimento das atividades.
“O que os estados fizeram? E Minas é um exemplo clássico disso, né? Ele pegou um
dinheiro, no caso de Minas, se não me engano, 7, 8% acima do teto disponível e
programou acima do teto disponível” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos municípios).
“Acho que o ... (Secretário de Estado da Saúde à época), do ponto de vista de estratégia
de condução do estado lá fora, teve uma estratégia interessante que foi criar um fato
político, ele fez a PPI 6% maior do que ele tinha, publicou os tetos como se reais o
fossem, mas também contando que a capacidade de gastos dos municípios também não
é 100%. Então eu achei a estratégia interessante. A minha crítica é um pouco na forma
do relacionamento e da seleção dos municípios” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).
“... foi nesse tempo mesmo, junho, por aí. Porque eles tinham apresentado a proposta de
habilitação do Estado em março, se não me engano, e tinha uns dez requisitos que não
tinham sido cumpridos, inclusive da PPI. E aí nós fomos lá para acabar de discutir com
eles isso. E assim, o estado... ,era uma proposta. E tinha aquela discussão: a PPI da
necessidade e a PPI do recurso que está definido para o estado. Então a gente encarou
aquilo como uma PPI que o Estado estava propondo para no momento que tivesse
88
condições de dar um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas
coisas a mais que ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve
repercussão nenhuma dentro do Ministério da Saúde. Os estados mandaram, o Distrito
Federal mandou, com quase 30% também de aumento no teto, Pernambuco mandou
também, propondo a habilitação do Estado nessa faixa de 30% de aumento de teto.
Então todos os estados mandaram a PPI da necessidade. A programação que eles
tinham efetivamente discutido e pensado, incrementando serviços e criando novas
coisas...” (Depoimento de ator do nível federal - cargo técnico da Secretaria de Políticas
de Saúde/MS).
26
PAB - Piso Assistencial Básico: valor per capita definido pela NOB 96 para cobertura de ações de
atenção básica de saúde. A definição de seu valor e dos procedimentos que seriam cobertos por esse
componente do teto orçamentário dos municípios foi uma questão polêmica que se arrastou por todo
o ano de 1997.
89
5.1.3 A PPI ESTADUAL COMO UM MECANISMO DE CONSOLIDAÇÃO DE UM
NOVO PACTO POLÍTICO
“A relação com o Ministério se dá, a meu ver, da seguinte maneira: o estado de Minas
com a política do PSF e com a política dos consórcios, ela quis se credenciar através da
PPI como uma expressão dessa nova política; quer dizer, o Secretário que era o
presidente do CONASS, e é importante que não se esqueça disso, quis através da PPI
apresentar ao Ministério uma proposta que incluía esses atos, que ele considerava
avanços, que eram o consórcio e o PSF; e queria também na Tripartite que a distribuição
dos recursos do Ministério fossem feitos através dessas propostas que todos os estados
apresentassem a PPI e que no nível da Tripartite se fizesse uma negociação a partir
dessas demandas” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).
90
restrições burocráticas ao andamento da política, de que nos fala esse autor, mas,
sim, de uma mudança das regras do jogo para neutralizar os oponentes e ampliar a
capacidade de ação de um dos atores na situação.
A percepção dessa orientação estratégica pelos atores envolvidos fica
evidenciada nas entrevistas, embora a interpretação e a valoração conferida pelos
mesmos seja, evidentemente, muito diferenciada, segundo sua posição relativa na
arena setorial:
"O [...] (Secretário Estadual de Saúde à época da PPI) percebeu que havia no Estado um
vazio em relação aos atores sociais e isso era um negócio interessante, porque havia
uma reclamação, digamos assim, de representatividade dos municípios pequenos, que
são a maioria dos municípios de Minas. O segundo vetor era a necessidade que tinha a
nova aliança política de ter uma identidade na área da saúde. Quer dizer, não se tratava
de continuar o trabalho anterior, de ter uma face própria. Aí entra a dimensão política. O
novo governo vai implementar o SUS; coisa que politicamente o outro não teria feito, ou
teria feito mal. Então, a conjugação desses dois elementos a meu ver é que deu...
empurrou o estado de Minas a fazer a PPI antes da sua regulamentação pelo Ministério.
A medida em que Minas Gerais queria ter uma face própria, nada melhor do ela se
antecipar ao plano federal e apresentar um trabalho que fosse pioneiro do ponto de vista
do SUS” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).
Por parte dos municípios excluídos desse pacto, a percepção foi de que o
encaminhamento do processo da PPI orientou-se por motivações meramente
político-eleitorais pessoais do Secretário Estadual de Saúde, que posteriormente,
veio a se candidatar e se eleger como deputado federal.
“Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para
depois ver o que sobra para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,
jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser.
Criar aqueles fatores de estímulo ao estado, aquele monte de fator que ninguém sabia o
que era, naquela planilha. Se você fechar a planilha... Nós fizemos, nós fechamos a
planilha, limpa, sobravam 20 milhões por ano. Era um absurdo! Vinte milhões por mês,
quase. A população do Estado, sem os estímulos todos que tinha, era uma sobra de
dinheiro astronômica... Eu vim ao COSEMS, nessa época. Falei isso aqui, em uma
reunião... foi a mesma coisa de não falar...” (Depoimento de ator do nível municipal –
secretário municipal de saúde de pequeno município).
91
“Na verdade, o que foi feito em Minas, em termos do que foi chamada uma PPI, porque
aqui nunca foi uma PPI da forma como a gente imaginava. O que é que foi? Ele tinha
expectativa de um recurso novo, queria pressionar politicamente o Ministério para
incrementar os recursos no estado, tinha uma base eleitoral no interior. Então o que ele
fez? Ele tentou, num primeiro momento, diminuir dinheiro dos municípios de médio e
grande porte que não faziam parte da base de sustentação política dele, aliás, nem do
governo, quer dizer, dos municípios de médio e grande porte de Minas, só [...] (município
de médio porte do estado, localizado próximo à capital) era do partido, fazia parte da
frente. A maioria era de oposição. Então ele tentou, num primeiro momento, tirar dinheiro
de [...] (cita municípios de grande porte e a capital do estado), etc. Como ele não deu
conta, ele congelou o teto desses municípios e injetou recursos financeiros onde ele
tinha prioridade política. E chamou isso de PPI. Claro que houve uma série de critérios.
Ele estabeleceu um conjunto de parâmetros, de cobertura assistencial, e depois foi
manipulando os parâmetros de acordo com a necessidade final da planilha de valor”
(Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).
92
em infra-estrutura econômica e social, inclusive na área da saúde. Essa acumulação
histórica condiciona necessariamente a concentração dos recursos de financiamento
do custeio do SUS, como é o caso dos recursos em disputa no processo da PPI.
Os recursos distribuídos no processo de programação, por se tratarem de
valores destinados ao custeio da assistência, inseridos num modelo de
financiamento que privilegia a remuneração por procedimentos realizados, se
direcionam necessariamente para as estruturas assistenciais já instaladas. Uma
exceção a essa lógica distributiva ligada à capacidade assistencial instalada da rede,
instituída pela NOB 96, foi a introdução do PAB, recurso destinado à cobertura das
ações básicas de saúde, que abrange a grande maioria das ações desenvolvidas
nos pequenos municípios.
A direção estadual do SUS-MG gerou uma expectativa de distribuição mais
equânime dos recursos ao propor o aumento dos valores per capita dos tetos
orçamentários dos pequenos municípios, capitalizando, assim, o descontentamento
de grande contingente de gestores municipais, que constituem a grande maioria dos
856 municípios do estado. Tal postura fica evidenciada na fala de um dos membros
do grupo técnico de coordenação da PPI estadual:
“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários
do seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos
os municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja,
uma distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio governador, em
várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a
distribuição per capita, R$1,00; para cada habitante, R$1,00...” (Depoimento de ator do
nível estado – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).
“Eu acho que a PPI buscava exatamente assegurar a descentralização, quer dizer, seria
uma programação de via dupla, quer dizer, ela teria um nível ascendente mas sob a
coordenação do estado no sentido de, vamos dizer assim, de organizar essa
programação. Isso de fato ocorreu, porque a PPI 97-98 teve um instrumento que
inclusive foi criado por nós, tivemos a oportunidade de criá-lo, era um instrumento
informatizado de modo a facilitar o lançamento da programação dos dados e até o
cálculo que a gente introduziu, quer dizer, já havia sido introduzido na POI 94 (processo
de programação ambulatorial conduzido pela SES-MG, no ano de 1994). Os parâmetros
assistenciais, então a gente combinou esses parâmetros assistenciais dentro desse
instrumento, de modo a permitir que houvesse, não digo uma eqüidade, mas pelo menos
uma igualdade de direitos para todos os habitantes de Minas Gerais. É diferente se falar,
parece que é a mesma coisa igualdade e eqüidade, mas a igualdade seria o direito que
todos têm da mesma forma para as ‘coisas da saúde’. Ao você dar isso, você fortalecia o
nível municipal no sentido que ele teria que pactuar com os pólos principais para poder
dividir esse orçamento para ele. Aí o pequeno passou a ter voz porque os parâmetros ao
colocarem recursos assistenciais àquele município, como ele não tinha muitas vezes a
capacidade instalada, mas ele tinha direito àquela fatia que ele pactuava, então a coisa
inverteu um pouco, o pequeno, os municípios menores, eles começaram a ter voz para
94
participar junto aos maiores...” (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo
técnico de coordenação da PPI).
27
Diretorias Regionais de Saúde -DRS: unidades administrativas da Secretaria de Estado da Saúde
distribuídas pelas diversas regiões do estado de Minas Gerais, em número de 23. Tratam-se de
unidades desconcentradas da SES/MG, incumbidas da execução das políticas e atividades
operacionais definidas pelo nível central.
95
os gestores municipais, com base em acordos formalizados regionalmente,
direcionariam as metas assistenciais aos municípios com maior capacidade
resolutiva, num movimento ascendente. Na medida em que esses municípios
receptores de metas se mostrassem incapacitados de executá-las, as mesmas
seriam referenciadas para municípios com maior capacidade instalada de serviços.
No final, esperava-se que este fluxo de metas, em cascata, chegasse à capital do
estado, último ponto onde os procedimentos de maior complexidade tecnológica
poderiam ser atendidos. As metas pactuadas deveriam ser então apresentadas à
CIB -Regional para aprovação.
A implementação da proposta por parte dos municípios, no entanto, não
alcançou plenamente os resultados desejados pela direção da SES. Ao aplicarem as
planilhas eletrônicas, diversos municípios apresentaram redução em relação às
metas assistenciais já executadas, o que implicaria diminuição dos valores de seus
tetos orçamentários para cobertura do custeio ambulatorial. Daí a estratégia adotada
por vários deles no sentido da retenção de metas, de forma mais ou menos artificial.
Assim, o fluxo para os municípios com estruturas assistenciais de maior
complexidade tecnológica se viu grandemente comprometido, obrigando a direção
da SES-MG a atribuir-lhes, de forma mais ou menos arbitrária, metas físicas e
orçamentárias necessárias para a manutenção dos serviços já existentes e para a
cobertura das referências pactuadas na PPI.
Essa aplicação rígida do instrumento da planilha eletrônica, muito criticada à
época por vários gestores municipais prejudicados, também foi reconhecida por
técnicos da SES encarregados da coordenação do processo:
"...a planilha era um ponto de partida e não um ponto de chegada. Muitas vezes isso foi
entendido a meu ver equivocadamente, seja da parte de representação da Secretaria,
seja da parte de representação do COSEMS; a planilha na realidade era um instrumento
auxiliar, ela é um instrumento de intermediação, para tornar a negociação mais racional,
então isso é interessante. O outro grande avanço, a meu ver, nesse processo da PPI, foi
realmente a experiência de negociação e pactuação entre os municípios... (Depoimento
de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).
96
próprio processo de reprogramação. O conflito distributivo latente aparece nessa
ocasião com maior intensidade, gerando a necessidade de intermediações por parte
das DRS e do nível central da SES. Tal intermediação das DRS no processo de
negociação não foi homogênea, variando conforme a composição política da sua
direção e de sua relação com os gestores municipais. Os diretores das DRS são
funcionários de recrutamento amplo, em geral, indicados pelas lideranças políticas
regionais do partido político ou da aliança política que sustenta o governo estadual.
Os deputados estaduais mais votados na região, os chamados deputados
majoritários, reivindicam freqüentemente as indicações para estes cargos.
Os depoimentos colhidos dos gestores municipais entrevistados confirmam
esta alta politização e mesmo a partidarização do processo, com tratamento
diferenciado dos atores segundo sua inserção no sistema político regional.
O reconhecimento dessa situação por vários gestores municipais interferiu
decisivamente no processo de negociação, gerando desconfiança entre os atores,
pela percepção de que se tratava de um instrumento de manipulação política dos
recursos. A PPI passou, então, a ser vista, por diversos atores, como um mecanismo
de direcionamento de recursos para as bases políticas da aliança no poder:
"...na nossa situação em [...] (grande município do interior de Minas Gerais) a PPI, ela foi
uma relação bastante conflituosa, porque nós começamos a negociar a PPI com a
diretoria regional de saúde antagonista. Eu sou petista28, o governo PMDB e a diretoria
regional de saúde era tucana29. E a gente percebeu logo no começo da PPI, que estava
havendo uma manipulação que a gente estava fazendo papel de palhaço e a gente se
retirou da negociação" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de
grande porte).
28
Petista: filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido de esquerda, oposição ao governo
estadual à época da PPI.
29
Tucano: alcunha por que são chamados os membros do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), partido de centro-direita, detentor do poder no governo estadual à época da PPI.
97
regionais de perder recursos orçamentários era manifesto, chegando, em alguns
casos, a abandonar as negociações como medida de protesto:
"A gente participava das negociações, tentava fazer negociação de gestor para
gestor, essas negociações eram cortadas pelo gestor da DRS que chegava, depois de a
gente ter negociado com o gestor das outras cidades, ele chegava para a gente com um
número completamente diferente daquele que tinha sido pactuado entre os gestores, um
número em que sempre levava prejuízo a situação da cidade-pólo, já estava dentro
daquela política de criar conflito entre as cidades-pólo e as cidades pequenas. A gente
participou de umas seis reuniões, depois disso aí a gente declarou publicamente que não
iria participar mais...” (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de município de
grande porte).
"O que foi feito foi tabulado [...] foi feito em duas etapas: um, nós demos liberdade para
todo mundo se programar, mas aí nós não poderíamos deixar essa programação liberal
sem você checar as coisas, quer dizer, aquilo que veio dos municípios nós cruzamos
dados com série histórica, com capacidade instalada, com cadastro, com uma série de
coisas para verificar se aquilo era uma coisa fiel e aí nós tivemos que fazer ajuste
técnico.Foram feitos ajustes técnicos inicialmente e esses ajustes técnicos, eles foram,
na minha opinião, bem feitos porque eram municípios querendo ter recursos muito
maiores do ele tinha capacidade e ele tinha que pactuar mais, então ele tentou segurar o
recurso" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).
Esse ajuste final gerou uma nova onda de protestos por parte de municípios
prejudicados, com acusações de manipulação política dos tetos orçamentários.
Os próprios membros do grupo técnico de coordenação da PPI reconhecem
que houve algum grau de ingerência política na definição final dos tetos de alguns
municípios. Isso porque, no final do processo, certos municípios tiveram elevações
de seus tetos orçamentários descoladas das propostas negociadas nas regiões.
Estes funcionários fazem questão de salientar que estas alterações partiram do nível
de decisão política da SES-MG.
Essa distinção é reafirmada em vários momentos das entrevistas, tanto pelo
lado dos próprios funcionários que coordenavam o processo, quanto de gestores
que manifestaram discordância com a condução da PPI. A distinção entre o nível
99
técnico e o nível político de condução é freqüentemente utilizada como uma forma
de se resguardar um espaço de interlocução e negociação, nos momentos mais
tensos do conflito político. A pretensa neutralidade dos funcionários públicos de
carreira é contraposta à posição do dirigente político, no caso, o Secretário de
Estado da Saúde.
"Eu acho que houve uma vontade do Estado de condensar o teto de todo mundo para
depois ver o que sobrava para distribuir. Essa é a minha avaliação. Pegar uma planilha,
jogar um valor abaixo do real, sobrar um montão de dinheiro para colocar aonde quiser...
Do instrumento, para mim foi... é claro que quem desenvolveu o instrumento não deve
ter pensado nisso, dessa maneira, eu imagino. Fez o instrumento com uma lógica de
tentar fazer uma redistribuição mais justa, na minha avaliação" (Depoimento de ator do
nível municipal - gestor municipal de pequeno município).
"...eu acho também que de uma certa forma houve algum acerto também de natureza
política, que vai acontecer com a PPI 2000, 2001, 2005, isso aí é tradicional. Agora, do
ponto de vista técnico, eu posso afirmar para vocês que em momento nenhum, nenhuma
dessas pessoas que atuou aqui modificou qualquer coisa do ponto de vista técnico”
(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de coordenação da PPI).
"...a CIB deliberou alteração de teto baseada nas apresentações dos planos municipais
de saúde dos municípios, reclamações dos municípios formais junto à CIB, negociações
diretas na Câmara Técnica da CIB, já não envolvendo mais o fórum técnico e a área de
operação. Decisões da CIB de ajuste sobre os valores programados, alteração do FAE30,
alteração na alta complexidade, alteração em quotas de AIH, diversas alterações
definidas pela CIB vieram apenas alterar o banco de dados, não chegaram a ser
pactuadas, não foram pactuadas. Não chegaram a ser propostas e aprovadas pela área
operacional, foram definidas diretamente na CIB e foi alterado o banco de dados...”
30
FAE: Fração Assistencial Especializada, parte componente do teto orçamentário municipal
destinada à cobertura de ações especializadas (consultas, exames e terapias especializadas),
definida pela NOB 96.
100
(Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo técnico de coordenação da
PPI).
"Às vezes chegavam deputados com cinco, seis municípios, reclamando, discutindo.
Aí você provava tecnicamente que aqueles municípios até um certo período não tinham
produção. A partir do período seguinte, um, dois meses depois, ele começou a produzir.
Aumento de 60% de produção! Então é assim, inviável" (Depoimento de ator do nível
estadual - grupo de direção da SES).
"A pressão vinda não só do gabinete como dos municípios, diversos políticos, deputado,
senador, Presidente da República, vinha reclamação de tudo quanto é lado e a gente
ficava o tempo todo fazendo análise, explicando por que aquele era o teto, o que
significava aquele teto" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo de
coordenação da PPI).
101
5.1.8 A PUBLICAÇÃO OFICIAL DOS TETOS MUNICIPAIS E SUA
APRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO DA SÁUDE
Uma vez feitos os ajustes dos tetos orçamentários municipais pela SES, os
mesmos foram aprovados na CIB, através da Deliberação n° 155/98, de 23/01/98. A
SES-MG encaminhou a sua publicação, no Diário Oficial do Estado, condicionando
sua vigência à aprovação pela Comissão Intergestores Tripartite. Apesar dos cortes
nas propostas de programação de diversos municípios, o montante dos valores
programados superava o teto orçamentário total destinado pelo Ministério da Saúde
ao estado. Esta premência na publicação dos tetos se deveu à necessidade de sua
definição para efeito da habilitação dos municípios solicitantes às condições de
gestão previstas na NOB 96. O enquadramento do município em uma das formas de
gestão teria que ser acompanhado da publicação de um teto orçamentário que
orientasse a transferência direta dos recursos do MS (SES-MG, 1998).
Outra motivação que a direção da SES-MG teve para a publicação dos tetos
da PPI foi a tentativa de pressionar o Ministério da Saúde, antecipando-se aos
demais estados da federação. Essa estratégia se mostrou ineficaz, pois o Ministério
manteve o teto estadual inalterado, apesar das constantes pressões no sentido de
sua elevação. O incremento do teto estadual só foi ocorrer em 1999, como resultado
de políticas definidas centralmente pelo Ministério da Saúde, com aumentos
focalizados em áreas de seu interesse, sem qualquer consideração por
programações realizadas internamente nos estados.
"A programação pactuada integrada do Estado de Minas Gerais foi bem maior do que o
teto financeiro depois estabelecido pelo Ministério da Saúde. Porque, quando
começamos a programação, o Ministério da Saúde não tinha estabelecido o teto
financeiro. Disse que era para trabalhar com o real e depois alegou que não tinha
recurso para pagar no final da programação..." (Depoimento de ator do nível estadual -
grupo de direção da SES).
"Primeiro estado (Minas Gerais) que apresenta... e força inclusive a discussão da PPI.
Eu inclusive fui a Brasília umas duas ou três vezes para apresentar a PPI e nós não
conseguimos [...] de uma certa maneira o Ministério enrolou de uma tal maneira que
nunca se chegou a discutir a PPI..." (Depoimento de ator do nível estadual - membro do
grupo de coordenação da PPI).
102
“Fomos lá, passamos um dia inteiro lá, conversando com o estado porque ele estava se
preparando para a habilitação [...] E tinha aquela discussão: a PPI da necessidade e a
PPI do recurso, que está definido para o Estado. Então a gente encarou aquilo como
uma PPI que o estado estava propondo para, no momento que tivesse condições de dar
um aumento de teto, o aumento de teto que ele queria era naquelas coisas a mais que
ele tinha colocado lá. E a discussão não foi adiante. Não teve repercussão nenhuma
dentro do Ministério da Saúde” (Depoimento de ator do nível federal - técnico do
Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde).
103
6 OS MECANISMOS DE GIG: ANÁLISE PELAS CATEGORIAS
ADOTADAS
104
era sempre a mesma. Eu achei uma imagem muito boa do que vinha a ser o SUS.
Então são os mesmos há muito tempo, e isso facilita muito. Tanto nos afetos, quanto
nos desafetos” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).
31
"Weber definiu a burocracia como um agrupamento social em que rege o princípio da competência
definida mediante regras, estatutos, regulamentos, da documentação, da hierarquia funcional, da
especialização profissional, da permanência obrigatória do servidor na repartição, durante
determinado período de tempo; e da subordinação do exercício a cargos a normas abstratas"
(GERREIRO RAMOS, 1983: 191).
105
Minas Gerais, para ajudar alguma coisa, até a gente fazer uma prévia no sentido de
apoiar... Porque para você abrir uma reunião daquela com 27 estados e pessoas, às
vezes que tinham maior facilidade de expressão verbal, que manipulava, vamos dizer
assim, a reunião pela eloqüência e pela entonação, realmente assustava um
pouco...Os contatos eram pessoas que tinham assento no COSEMS, na própria
Tripartite, que sabiam como é que estava o andar da carruagem, então são pessoas
que poderiam ajudar e realmente ajudavam, pessoas de muita expressão, eu acho de
saber também, eu acho que isso ajudou muito..." (Depoimento de ator do nível
estadual - membro do grupo técnico de coordenação da PPI).
A interação dos atores localizados nos estados com os do nível federal se faz
com menor intensidade e freqüência. A motivação dos contatos varia muito. Um dos
motivos freqüentes é a consulta pelos técnicos assessores do CONASS e
CONASEMS aos secretários estaduais e/ou municipais mais expressivos, ou
membros das diretorias daquelas instituições, para o acerto de estratégias e
antecipação de posições a serem apresentadas nos fóruns da CIT ou de outros
fóruns técnicos do MS, até o teste da reação dos secretários e grupos técnicos dos
estados a propostas em elaboração ou negociação no elo federal da rede
intergovernamental. As motivações mais freqüentes englobam uma série de trocas
de informações sobre normas e procedimentos de operação dos sistemas de
informação e pagamento do SUS, regulamentados centralmente pelo Ministério da
Saúde.
106
mimetismo32. Camaleão, segundo FERREIRA (1975), além do "reptil lacertílio, da
família dos camalentídeos" seria o "indivíduo que assume o caráter conveniente aos
seus interesses; indivíduo que adapta sua opinião ao interesse do momento"
(FERREIRA, 1995).
Mais do que um mero juízo moral condenatório do comum oportunismo
político ou do arrivismo, a insistência dos entrevistados em apontar este fenômeno
sugere algo mais complexo. A condenação da prática, deve-se esclarecer, não
exclui, de nenhuma forma, o ator acusado da participação na rede
intergovernamental. É utilizada, porém, como argumento brandido freqüentemente
nas disputas daquela arena política:
"Agora, não se esqueça, quem está com a faca e o queijo é o Ministério, ele está com o
dinheiro. Ele tem ainda a idéia errada e inconstitucional de que o dinheiro é dele. Os
atores que aqui vêm, casualmente, transitoriamente, mesmo que seja de Minas, que
tenham sido extremamente municipalistas, descentralizadores, aí vêm para cá e
incorporam essa idéia centralista. Então o dinheiro é federal, então nós temos que tomar
cuidado, senão eles vão tomar esse dinheiro da gente. Vocês são todos [...]
(impublicável) e ladrões! Entendeu? Então, qualquer pessoa que venha para cá... o
Ministério nunca teve uma equipe tão boa de gente assessorando... Eu digo com
sinceridade. Pessoas comprometidas com o movimento, pessoas [...] e que acabam
sendo instrumento do próprio Ministério. Tem coisas que passam por cima e atropelam
essas pessoas. Então, as pessoas também nos informam: vai acontecer isso. Tem que
fazer alguma coisa...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).
"E tem outro problema: nem sempre um municipalista de quatro costados virará dirigente
estadual e manterá os mesmos princípios... Eu não sei te explicar... Tem outras versões
para explicar isso aí. Então é outra conversa. Então a gente brinca assim: 'o pior é que
os centralistas são ex-municipalistas' [...] Porque ele sabe todo o discurso nosso lá, as
manhas, então ele vem...” (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).
32
"Mimetismo ,(do grego mimetós, 'imitado’). Fenômeno que consiste em tomarem diversos animais a
cor e configuração dos objetos em cujo meio vivem, ou de outros animais de grupos diferentes,
homocromia. Ocorre no camaleão , em borboletas, etc." (FERREIRA,1975).
107
Essa mudança de posicionamento determinada pela posição relativa do ator
na rede intergovernamental sugere que as pressões a que se submete para manter
o cargo e sua percepção da situação condicionada pelo estoque de informações
disponível vai sobrepujar, de alguma forma, suas preferências puramente
ideológicas ou o compromisso com posições assumidas no passado. Obviamente, o
tema merece maior aprofundamento, restando, nesse espaço, o simples registro de
sua existência.
108
e municípios (CONASEMS). Colateralmente a esse núcleo principal, situam-se
atores no Conselho Nacional de Saúde e em outros órgãos da administração pública
federal como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Ministério do
Planejamento. Outro grupo de atores, que mais recentemente tem sido agregado à
rede, é constituído por membros do Ministério Público Federal33.
Essa sub-rede constitui uma estrutura mais permanente, com contatos e
negociações estabelecidos com grande freqüência. Embora os atores
individualmente tenham uma grande alternância, os canais diretos de consulta
mútua e negociação dos conteúdos das políticas, normas e dos critérios de
distribuição se realizam praticamente sem interrupções importantes.34
Relaciona-se essa sub-rede diretamente, mas de forma mais esporádica e
pontual, com atores que compõem uma rede de assunto mais ampla sobre o
financiamento da saúde e a economia da saúde, situados na academia e em outros
órgãos públicos e privados. Tal tipo de articulação e seu papel foram explicitados em
vários momentos das entrevistas.
A relação com os pesquisadores da academia manifesta-se em eventos e
situações localizadas, sem uma articulação ou interação permanentes.
"O IPEA se localizou bem e a FIOCRUZ35 que tem lá outra linha. E é importante, mas
eles não fazem essa conexão diária. Pergunta lá para explicar... a NOB 96.... e aí, se
eles não ficarem por dentro, eles não podem produzir. Então eu acho que até como meio
de vida... De defesa, saem da jogada. Porque, se você não estiver em cima disso, você
perde, mas perde mesmo. É uma maçaroca de papel"... (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos municípios).
33
O Ministério Público tem o dever, constitucionalmente estabelecido, de fazer valer os princípios
legais do SUS, visto que a Constituição Federal de 1988 define a saúde como de interesse público, o
que remete ao Ministério Público a responsabilidade por sua garantia.
34
Momentos caracterizados pelo impasse nas negociações no fórum da Comissão Intergestores
Tripartite tem caracterizado o primeiro semestre de 1999, chegando ao abandono momentâneo desse
fórum pelas representações do CONASS e do CONASEMS, com mecanismo de pressão para que os
temas realmente relevantes para essas entidades retornassem à discussão naquela instância de
negociação.
35
FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz, órgão da administração indireta do Ministério da Saúde, com
funções de pesquisa, produção de imunoterápicos, medicamentos e de ensino, através da Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP).
109
Em outro depoimento, essa forma de articulação, através da organização e
participação em eventos temáticos, no caso, enfocando aspectos de economia e
financiamento da saúde, fica manifesta:
"...Eles fazem eventos. Tem encontro anual (da Associação Brasileira de Economia da
Saúde). Em geral, promovem encontro para gente de fora e tal. E eventualmente faz
algum, eles aproveitam algum evento para fazer uma reunião paralela. Sempre tem..."
(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).
"Esse grupo aí tem muita influência no conselho e está tendo muita influência via
Ministério do Planejamento – agora não sei como é que fica, com essa mudanças todas,
orçamento de gestão... Mas na época que o Planejamento estava fazendo a discussão
com a saúde, teve muita discussão que o pessoal segurou por dentro do planejamento
em relação à saúde. A [...] (técnica do Ministério da Saúde participante da sub-rede
federal), que hoje tá na Secretaria de Políticas, foi do planejamento e segurou muita
discussão, a gente fez algumas reuniões técnicas com eles, CONASS, CONASEMS e
Ministério, para segurar no planejamento a discussão de orçamento...uma série de
discussões, via esse grupo do IPEA, da economia da saúde. Várias vezes nós fizemos
isso" (Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).
"Esse pessoal (das instituições acadêmicas) não se junta. Eles produzem lá, nós somos
os picaretas da informação do lado de cá, eles não se juntam. De vez em quando são
chamados, emitem, falam determinadas teorias. Você pega o pessoal da FIOCRUZ, não
dá.... você pega do IPEA, o [...] (técnico do IPEA, especializado em economia da saúde)
e o [...] (outro técnico do IPEA), eles são duas pessoas que tiveram um papel
importantíssimo e eles fizeram coisas muito boas. E eles estiveram muito mais em cima
do fato do que estão hoje...hoje eles não fazem mais essas coisas. O [...] (primeiro
técnico do IPEA citado, especializado em economia da saúde) está coordenando na
área, então o que eles fazem comparado a 95 é o orçamento público federal para a
saúde. Pegando saúde de todos os ministérios: saúde do exército, saúde da educação,
110
saúde da saúde. Entendeu? Então eles são pessoas extremamente confiáveis. Agora, do
outro lado não. A Universidade acaba pedindo informação para a gente, quando precisa
falar alguma coisa" (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
municípios).
36
OPS : Organização Panamericana da Saúde, organização internacional ligada à Organização
Mundial de Saúde (OMS), sediada em Washington, EUA.
111
Um nível de participação e intervenção mais política do Conselho Nacional de
Saúde, reforçando posições das representações dos estados e municípios em
recente crise nas negociações na CIT (maio de 1999), demonstrando seu papel ativo
no funcionamento da sub-rede federal, fica demonstrada no seguinte relato:
"Ele tem sido um parceiro, por exemplo, teve mobilizações que o Conselho foi
estratégico pela capacidade de mobilização da base. Mas como o Serra (Ministro da
Saúde) diminui muito, essa coisa da participação tem um papel meio secundário. Da
mesma forma que eles estão tratando a Tripartite, estão tratando o Conselho. Mas a
aliança que o Conselho fez, por exemplo, com o CONASS, CONASEMS, nessa briga,
que ficou do lado do CONASS e CONASEMS, esse documento, inclusive, muito
semelhante, com críticas muito semelhantes, claro que de novo você teve uma interação
técnica de quem faz o documento, mas com posturas que reforçaram muito a posição do
(CONASEMS)..." (Depoimento de ator do nível federal- representação dos municípios).
"A outra coisa que facilita o CONASS é o contato de consulta que eu tenho com os
secretários. Pela história e confiança eu disponho de acesso ao telefone celular privativo
da maioria dos secretários que atuam, não vamos dizer que seja dos vinte e sete. Então
em todo o grupo tem uns seis ou sete mais atuantes, que ligam sempre, perguntam e os
outros que vão só na assembléia. Esse eu tenho, ou um contato direto, ou eles designam
um assessor na sua secretaria, de fácil acesso, o que, aliás, é uma forma muito boa.
Porque você não incomoda o secretário no seu meio, no seu ambiente que não é o do
CONASS, é do próprio estado. Eu ligo para o assessor" (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos estados).
112
Os contatos dos demais níveis técnicos das Secretarias Estaduais de Saúde
com os atores do nível federal se dão com menor freqüência, ainda com elevado
grau de informalidade. Os contatos visam tanto a resolução de questões
operacionais e dúvidas quanto à implementação de decisões já previamente
tomadas, quanto a antecipação de decisões do nível federal e tentativa de
interferência nas mesmas.
O padrão de informalidade desses contatos inter-redes é explicitado nos
depoimentos de atores do nível estadual. Em geral as interações com elevado grau
de informalidade são voltadas para a resolução de questões mais específicas e
implicadas na operacionalização de diversos aspectos ligados ao financiamento,
como informações quanto a mudanças nas normas e no acesso às bases de dados
dos sistemas de informação para pagamento dos serviços de saúde mantidos pelo
SUS:
37
TabWin e TabNet são sistemas informatizados que permitem o acesso a diversas bases de dados
do MS, viabilizando a rápida tabulação e análise dos dados de produção assistencial, valores pagos
por unidades assistenciais, ambulatoriais e hospitalares, realizados a partir de seleção das variáveis
desejadas por parte do usuário, organizados em diversos níveis de agregação (unidades
assistenciais, tipos de rede, municípios, regiões de saúde, estados, etc). O TabNet permite este
acesso remoto através da rede mundial de computadores – Internet – acrescido de diversos dados e
informações gerais sobre estrutura da rede assistencial e informações epidemiológicas. Ambos os
sistemas são mantidos pelo DATASUS/MS.
113
...."sempre informal (o contato), sim, fora da linha formal. Um contato telefônico, todas as
informações eram tabuladas, era para trocar idéias. Um exemplo: - se a tabela que
estava em vigor, ia haver alteração na tabela, porque se você fazia um processo de
elaboração de parâmetros em cima de uma tabela assistencial, se houvesse a
perspectiva da mudança dessa tabela, todo o seu trabalho poderia ser jogado fora, então
a gente acompanhava no Ministério da Saúde as edições das portarias de tabela, as
edições de alterações da normas de processamento..." (Depoimento de ator do nível
estadual - direção da SES).
"... (se conseguia) antecipar à publicação oficial do Ministério. O que ajudou até pouco,
porque o Ministério durante, mesmo dando as informações durante o ano de 97, o
período de 97, tinha equipes lá que para fazer a instrução normativa de 98, fez uma
alteração nas normas que prejudicou a nossa programação em relação a parte básica,
houve uma mudança radical na forma de tratar os recursos do PAB" (idem)
"E eles não informaram que haveria essa possibilidade (de alteração de
dispositivos normativos de implementação da NOB), estava sendo discutido isso a sete
chaves. Até na tripartite não foi muito bem colocado esse processo, tanto que quando
publicou a instrução normativa, e também outros fatores, a Secretaria não tinha uma
integração, um sistema administrativo de responsabilidade de forma que facilitasse essa,
obviamente que o Ministério chamava o Secretário de Estado, isso era discutido no
CONASS, mas isso não era multiplicado às áreas técnicas, então muito dos, não muito,
uma parte das atividades que era executada, vieram a ser alteradas com a instrução
normativa e que a gente não sabia e foi pego de surpresa. Poderia ter sido evitado se
114
essas discussões com o Ministério, esses contatos fossem mais formais...." (Depoimento
de ator do nível estadual - grupo de implementação da PPI)
116
Colegiado discutiam-se questões operacionais relativas à implementação de
políticas formuladas pelo nível central, momentos em que várias sugestões e
propostas dos técnicos regionais eram incorporadas. Cumpriam então um papel de
fórum de adaptação das diretrizes emanadas do nível central às condições reais de
operação das equipes das Diretorias Regionais e funcionavam como espaços de
antecipação e correção de possíveis conseqüências imprevistas ou desfavoráveis
das propostas. Em determinados contextos, representantes dos técnicos de
planejamento das DRS eram incorporados em grupos de trabalho, constituídos com
a atribuição de formulação das propostas de processo e instrumentos de
programação orçamentária. Isto se verificou na elaboração das propostas técnicas
da PROS 92 e da PROS 94.
Essa forma de organização dos técnicos regionais foi desmobilizada nos
primeiros anos do Governo Eduardo Azeredo (1995/1998) (vide capítulo
"Contextualização da Pesquisa"), mas reuniões com esse grupo de planejamento
ocorreram durante o processo da PPI e funcionaram como espaços de adaptação
das propostas do nível central, conseguindo mesmo, em alguns pontos, alterar seu
formato original em questões secundárias, de caráter operacional:
"As pessoas que se destacavam eram aquelas que já vinham desde 90 no sistema [...]
(cita nomes de vários técnicos das áreas de planejamento das DRSs). Existiam outras
regionais com técnicos sem experiência, eles opinavam mas não tinham o entendimento
completo da assistência. Quem tinha mais interferência era a equipe que já vinha dentro
da área de planejamento. Tinha até um colegiado formal, à época do Saraiva (José
Saraiva Felipe, Secretário Estadual de Saúde do Governo Hélio Garcia-1991/1994). É
porque a primeira programação feita na época do Saraiva não conseguiu pactuar, fechar
na CIB e aí a Secretaria teve que publicar por resolução, mas não tinha a NOB 96 ainda.
A NOB 96 não permitia que a Secretaria determinasse resolução, daí a obrigatoriedade
das pactuações. Então os agentes regionais, os atores que tinham, as pessoas, os
técnicos, eles colocavam a realidade local e isso alterava o estudo não só de
parâmetros, mas o estudo de um instrumento a nível estadual" (Depoimento de ator do
nível estadual - grupo de implementação da PPI).
118
pela necessidade de controlar sucessivas extrapolações na execução do teto
orçamentário estadual.
Esse movimento dos municípios-pólo demonstra a impossibilidade prática da
interrupção dos mecanismos de GIG, mesmo em contextos adversos e
extremamente conflitivos, em que uma interlocução aberta e facilitada entre a
direção da SES e uma fração dos municípios estava obstaculizada por uma
representatividade restrita da representação formal (COSEMS), que se refletia
diretamente na CIB.
Diversos municípios de médio e grande porte também buscaram uma
interlocução direta com a direção da SES. Esse fato reforça ainda mais a evidência
da necessidade da continuidade do funcionamento, ainda que precário, dos canais
de comunicação, mesmo quando uma fração dos atores se acha alijada das
instâncias de representação formal e explicita um posicionamento de oposição
política e denúncia.
“Eu vinha à reunião do COSEMS, participava, falava sempre, nunca aparecia nada do
que eu falava nas atas, isso é muito interessante. Todos os pontos que eu registrava,
todos os questionamentos que eu fazia, na ata do mês seguinte, simplesmente, não
aparecia. Era impressionante como que o povo era descarado nesse sentido...”
(Depoimento de ator do nível municipal – secretário municipal de pequeno município à
época da PPI).
119
A dinâmica de pactuação organizada pelas DRS, através de reuniões com os
gestores da região, nas quais eram instados a estabelecer a alocação de metas nos
municípios-pólo regionais ou naqueles de interesse político da direção do regional,
servia como um anteparo à livre interação dos atores municipais a uma relação
direta com o nível central da SES:
“Tem uma coisa impressionante que eu percebi nessa coisa de estar fora daqui de Belo
Horizonte. É que o domínio dos regionais é tão grande sobre os municípios. Primeiro
eles não deixam você acessar o nível central de jeito nenhum. Não deixam. Pedem para
não receber. É a maior complicação. É difícil você acessar, eles não querem de jeito
nenhum... Você não consegue falar nunca. O secretário, o prefeito não consegue falar. O
prefeito uma vez ligou para a [...] (Superintendente- adjunta da SOS/SES, à época da
PPI) e não conseguiu falar com ela, para você ter uma idéia, o prefeito de [...] (pequeno
município onde o entrevistado era secretário municipal de saúde). Não tem canal não.
Tem canal para [...] (cita grandes e médios municípios da região)" (Depoimento de ator
do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno município à época da
PPI).
120
médio porte da região) era o representante do regional... Sabe o quê ele fazia? Ele me
convidava. Eu falei: 'Me convida, que eu vou com você, toda vez que tiver'. Eu ia junto
com ele, de palpiteiro. Nas primeiras reuniões eu não podia participar. Era fechado”
(Depoimento de ator do nível municipal – Secretário Municipal de Saúde de pequeno
município à época da PPI).
CARRILLO (1992), citado por MUNIZ (1997), enfatiza a importância das redes
de comunicação e dos contatos pessoais para o estudo da GIG, na medida em que
38
Isotrópico: que apresenta as mesmas propriedades físicas em todas as direções; isótropo.
(FERREIRA, 1975.)
121
esta se funda em transações realizadas entre indivíduos de diferentes organizações
e níveis de governo.
A operação das redes intergovernamentais envolve a utilização de padrões de
contato (já descritos no caso em estudo), o domínio da estrutura da rede e dos
processos de comunicação multilaterais utilizados (conforme detalhado no capítulo
"Metodologia", quando da construção das categorias analíticas). Os canais de
comunicação estabelecidos, o seu grau de utilização e periodicidade, irão constituir
os elos que vinculam os diversos elementos ou nós componentes da rede.
Coerentemente com o enfoque adotado, o da GIG, privilegiaram-se os mecanismos
informais de comunicação.
No caso em estudo, o que se depreende da análise das entrevistas é que os
canais de comunicação utilizados para operar as redes foram os mais variados e
com as mais diversas formas de utilização.
Um dos mecanismos de comunicação observados foi o da produção, por
determinados componentes da rede, de documentos analíticos, em geral de
conteúdo crítico, sobre a conjuntura do financiamento do setor, sobre iniciativas de
políticas ou normas formuladas pelos demais níveis de governo.
Assim, um dos atores que mais utiliza desse artifício comenta:
"Então, isso vai mais ou menos na informalidade. Eu fico meio que isolado em [...]
(cidade do interior do estado de São Paulo) porque eu estou lá sozinho, certo? Então eu
estou lá, eu me comunico por telefone, fax, Internet e viagens e vindas a Brasília onde a
gente encontra, certo? ....mas o que acontece é via isso daí, e eu faço muito de escrever
em cima de documentos para ações. Eu fiz uma opção franciscana de ser acusado de
bravateiro, panfletário, mas eu procuro produzir alguma coisa em cima do fato. Quer
dizer, saiu um negócio eu comento, porque tem que começar a discutir. É para malhar?
Está aqui o Judas, pode malhar. Mas, pelo menos vamos começar a discutir. Então isso
leva com que pessoas briguem, que pessoas falem e que isso acabe entrando na roda,
também, de outras pessoas" (Depoimento de ator do nível federal - representação
municipal).
122
Os relatos do uso da Internet entre os entrevistados variaram muito quanto
ao grau de utilização e a forma adotada. Quanto ao grau de utilização, variaram
desde a não utilização para os fins enumerados acima, mais freqüentemente
declarada nos depoimentos dos atores estaduais e municipais, até uma utilização
permanente entre os atores do nível federal. Entre estes últimos, esse meio é
utilizado permanentemente para a difusão de informações oficiais e de documentos
semi-oficiais que alimentam os debates das redes de assunto constituídas.
Uma das utilizações mais freqüentes é a divulgação de boletins institucionais
dos escritórios de representação dos secretários municipais e estaduais de saúde
localizados em Brasília:
"O CONASEMS tem o Linha Direta, que é semanal. O CONASS tem o informativo
semanal que não tem muito por objetivo entrar nessas polêmicas, mas... é um mais ligth,
para o grande público. Mas eu costumo muito fazer relatório da evolução das
negociações e mandar para os secretários. Nós temos no CONASS uma infra-estrutura
muito pequena, são três funcionários só., mas muito ágil. Eu tenho condição de, em três
horas, pôr um documento na mão de todos os secretários do país" (Depoimento de ator
do nível federal - representação estadual).
39
Os newsgroups são áreas da Internet destinadas à criação de grupos de discussão temáticos,
localizados em um host (servidor) específico, em que as intervenções dos participantes são
visualizadas e podem ser lidas quando se realiza uma conexão ao hospedeiro. No caso das listas, os
123
discussões temáticas acadêmicas ou recreativas. Em geral, são restritos ao envio de
mensagens por correio eletrônico, e-mail, para listagens de endereços eletrônicos
que se constituem por tipo de interesse comum ou orientados por focalização em
atores de importância estratégica na formulação de políticas específicas ou nos
processos de negociação.
Essa diversidade na composição das listas dos atores-alvo das mensagens
pode ser exemplificada no seguinte relato:
"Agora não é um grupo fixo. Dependendo do tema, eu dou uma olhada ali na minha rede
de... no meu catálogo e vou clicando, isso aqui é legal o fulano ler, e o [...] (técnico
especializado em economia da saúde) no IPEA é bom ler isso, mas o outro assunto é
muito varejo para o (idem) ,mas é importante para o [...] (assessor do CONASEMS), de
jeito nenhum o [...] (um ex-Ministro da Saúde) vai querer ler isso, é muito chato... Você
faz isso. O [...] (assessor do CONASEMS) tem uma outra forma de divulgar, ele faz por
agregação. Tudo que ele escreve ele vai aumentando o grupo e manda para todo mundo
e cada um que selecione se quer ler ou não quer ler. Mas tem outros, o CONASEMS de
São Paulo também manda demais, o [...] (outro ator, ex-secretário municipal de saúde)
quando estava em Belém também divulgava muito, eu acho interessante..." (Depoimento
de ator do nível federal - representação estadual).
"Na Internet, eu pessoalmente tenho uma listagem das pessoas que pedem, eu tenho
acho que uns trezentos nomes na minha lista de endereços. Se você disser assim 'eu
quero entrar na tua lista'', manda lá! Vou mandando o texto, tem pessoas também que
mandam coisas para mim com comentário. Ou mandam textos próprios. Ou peço a
outras pessoas: 'estou atrás disso, quero isso, quero aquilo, mande para mim'"
(Depoimento de ator do nível federal - representação municipal).
seus “assinantes” recebem, via correio eletrônico, (e-mail), todas as contribuições individuais dos
demais membros.
124
Ainda quanto à eficácia do meio, outro depoimento confirma o retorno de
opiniões e informações que subsidiam os processos de consulta e negociação
empreendidos, ao mesmo tempo em que manifesta temores quanto à saturação do
meio pelo excesso de informações e pela dificuldade dos atores interessados as
processar:
"...quando isso também vai aumentando, o que acontece é que a maioria das pessoas
não tem tempo de abrir e ler tanta correspondência. Então, eu estou preocupado no
CONASS e com pessoas estratégicas do CONASEMS em criar uma rede de consulta.
Os técnicos dentro do Ministério que eu mando, não porque eles são do Ministério, são
pessoas que me devolvem e falam assim: olha, porque que em vez disso você não tenta
por aqui? Quer dizer, essas conversas se dão via Internet também, né? Você tem o
próprio [...] (ator do nível federal ocupando cargo de direção superior), o [...] (outro ator
do nível federal ocupando cargo de direção superior), a [...] (ator do nível federal
ocupando posição de alta especialização em GIG), que é uma pessoa muito importante
nesse processo, ela articula muito. Então você tem pessoas de confiança que você cria
ao longo do processo e a gente conversa – a (outro ator do nível federal ocupando
posição de alta especialização em GIG) ... eu acho isso uma questão muito importante"
(Depoimento de ator do nível federal - representação estadual).
"... não é muito estruturada, é de filling, de capacidade de acesso, não é... eu fico
pensando, às vezes, o governo federal, quando eu vejo assim: designar um articulador
político. Não existe isso. Ou as pessoas se sobressaem pela capacidade de articulador
político ou não. Você pode até indicar um, um bom articulador para um posto mais
estratégico, isso sim. Mas você sente, tem pessoas que têm uma capacidade. E eu acho
que eu tenho essa capacidade, se é que eu tenho uma habilidade é essa" (Depoimento
de ator do nível federal – representação dos municípios).
127
"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergência
não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o
outro é sacana. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um
ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,
como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.
Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está já ajuda a sugerir
saídas factíveis com essa realidade em que ele está inserido, ao invés de você impor
seu ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho
clima aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima
dele permita ..." (Depoimento de ator do nível federal – representação dos municípios).
“Então eu acho assim, basicamente, essas negociações, são feitas realmente nesse
campo do informal. Quando nós suspendemos uma reunião de Tripartite é porque, no
campo formal, às vezes um dirigente do Ministério não tinha como voltar atrás em
relação ao assumido, então você vai para o campo informal construir uma saída que, se
aceita, a gente volta para reapresentar no campo formal de uma forma viável de ser
apresentada. Então quando a gente suspendeu, nós não interrompemos o diálogo com
as pessoas, houve uma interrupção do diálogo oficial, por impasse. .Até para criar um
espaço de consenso que é o objetivo da Tripartite. Então a gente começa, depois disso
já realizamos várias conversas. Inicia-se uma negociação, conversamos com o [...] (cita
ocupantes de cargos da alta direção do MS), hoje o Ministro vai fazer uma reunião em
São Paulo com outras pessoas. Então eu acho que é uma situação, o campo informal, é
onde amadurecem as coisas, onde se viabilizam. O campo formal é uma discussão mais
institucional... “ (Depoimento de ator do nível federal – representação dos estados).
128
“...nesses anos no Ministério o boteco não tem sido um espaço de negociação. Mesmo a
informal, a gente faz dentro do ambiente institucional. Realmente, quase zero (a chance
de...) você sair... quando você sai, você sai explicitamente para isso, à vezes é possível.
Vamos marcar um almoço com o Secretário Executivo para a gente poder sair, mas na
verdade eu estou fugindo é da agenda dele, do telefonema e tal. O almoço é de trabalho.
Essa mistura não, eu não vou dizer quase zero, realmente eu não me lembro de nada
que tenha sido neste nível... agora eu não acho que seja fundamental as pessoas terem
relações pessoais. Por isso, separar é importante. Eu devo ter, com quem eu tenho
relação e com quem não tenho, a mesma relação institucional. Tem pessoas que são
grandes aliados na instituição que porventura não se tornam seus amigos. A gente
nunca sai, eu nunca estive com eles fora do ambiente de trabalho. E acho que essa
questão do boteco é muito comum porque a gente está há muitos anos nessa estrada,
aí, acaba se conhecendo, fazendo amizade...” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).
129
"Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou as suas
críticas e vou construindo até chegar na assembléia, onde se tira uma posição do
CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia" (Depoimento de ator do nível
federal - representação dos estados).
..."como são poucos (os secretários de saúde estaduais), o controle também é muito
grande, mas não há mais necessidade. A grande vantagem é que a grande maioria dos
secretários foram reempossados no segundo mandato, então há um nível de confiança
muito grande. Muitos secretários de importância continuaram, outros que chegaram são
pessoas de muita inserção no sistema" (Depoimento de ator do nível federal -
representação dos estados).
130
No caso em estudo, a proposta de PPI elaborada pela direção da SES-MG
surge como um instrumento que viria sacramentar, do ponto de vista da distribuição
dos recursos de custeio do sistema, um pacto político entre as forças estabelecidas
no governo do estado e uma conjunção de atores sociais emergentes no processo
de descentralização, com a municipalização. Esses atores emergentes provinham,
em geral, de pequenos municípios do interior do estado, pressionando por um
tratamento diferenciado na partilha dos recursos, na medida em que referendavam
esse pacto hegemônico. Esse novo arranjo político representou uma ruptura do
pacto anterior em que os interlocutores privilegiados, componentes da representação
formal dos secretários municipais, eram provenientes de municípios de grande e
médio portes.(vide capítulo “Contextualização da Pesquisa”, em que estão descritas
as diversas fases do funcionamento da CIB-MG).
"Porque, na verdade, a CIB é um pacto. Ela é um pacto em dois níveis. Um pacto entre
os municípios e um pacto dos municípios com o estado. Na medida em que você rompe
o pacto dos municípios, você altera a relação desse pacto com a CIB. Me parece que foi
essa.. a grande mudança que houve nessa gestão" (Depoimento de ator do nível
estadual - membro do grupo de coordenação técnica da PPI).
“O que é a PPI? Fundamentalmente é isso, quer dizer, nós vamos fazer uma nova
programação assistencial porque os municípios menores pediram. Então nós vamos
fazer ... eu quase diria que ele não tinha como não fazer a PPI, porque se ele não fizesse
a PPI, ele estava rompendo um pacto” (Depoimento de ator do nível estadual – membro
do grupo técnico de coordenação da PPI).
“O que houve exatamente foi isso, uma aliança com a CIB. Então a CIB é uma aliança do
governo do Estado envolvendo a Secretaria com os municípios menores, que eram a
maioria. Esse eu acho que foi o artifício...” (Depoimento de ator do nível estadual –
membro do grupo de coordenação técnica da PPI).
132
da eqüidade, com uma distribuição per capita menos desigual entre os municípios de
diversos portes, marcou o discurso legitimador da proposta de PPI:
“Nós sabemos, isso é clássico, todos os atores sociais são de certa forma tributários do
seu discurso. E qual era o discurso da nova administração? Era participação de todos os
municípios, era uma revisão dos tetos, era o que se chamava de eqüidade, ou seja, uma
distribuição eqüitativa dos recursos entre os municípios. O próprio Governador, em
várias oportunidades, antes da própria PPI, dizia que faria... faria em Minas Gerais a
distribuição per capita, para cada habitante R$1,00... Essa planilha pretendia ser um
ponto de partida, você teria parâmetros, população, um cruzamento de parâmetros com
população, com recursos, e você teria então... todos partiam do ponto de vista
conceitual, do mesmo ponto de partida, ou seja, todos eram iguais. A diferenciação se
daria através das referências da complexidade tecnológica e da pactuação" (Depoimento
de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).
“Não, eu acho que ela seja... ela não fica menos conflituosa. Só que o conflito é resolvido
de maneira diferente. Porque é o seguinte: quando você abre espaço para os atores
sociais....porque a questão política é muito complexa, eu falo assim: quando você tem
um discurso de participação, você torna-se refém do discurso, quer dizer, mesmo que
você tenha a maioria, mas para poder você continuar a exercer o poder, você tem que
atender parte das reivindicações dos atores sociais. A PPI é isso" (grifo nosso)
(Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da
PPI).
"A outra questão interessante é que a planilha era um ponto de partida e não um ponto
de chegada. Muitas vezes isso foi entendido, a meu ver, equivocadamente, seja da parte
de representação da Secretaria, seja da parte de representação do COSEMS; a planilha,
na realidade, era um instrumento auxiliar. Ela era um instrumento para permitir, para
tornar a negociação mais racional, então isso é interessante. O outro grande avanço, a
meu ver, nesse processo da PPI foi realmente a experiência de negociação e pactuação
entre os municípios. E do registro formal dessa negociação" (Depoimento de ator do
nível estadual – membro do grupo técnico de coordenação da PPI).
134
Para os gestores municipais que se sentiram prejudicados pelos os
parâmetros assistenciais fixos inseridos na planilha eletrônica, a restrição imposta
pelo instrumento representou um obstáculo à livre negociação das propostas do seu
município, sendo avaliada negativamente:
"Logo que eu fui para lá, em abril, maio, por aí. Em julho, eu assumi a Secretaria. Em
maio, eu fiz a programação... mas era mais ou menos aquele instrumento. Eu fiz por
grupo, por procedimento, a programação. Eu lembro que nós fechamos um teto mais ou
menos de 80 mil reais. Esse teto chegou agora. Agora, com o último ajuste emergencial,
nós conseguimos chegar no teto que eu tinha proposto há quase dois anos atrás. E que
já está com capacidade resolutiva lá. Fizemos essa proposta de teto e levei para o
regional. O pessoal achava que eu estava doido, que não era assim, que o instrumento
não era aquele. O instrumento era aquele 'pacotinho', do disquete. Aí mandou o disquete
para o município" (Depoimento de ator do nível municipal - gestor de pequeno
município).
"O outro avanço foi a compreensão de que o SUS não se implanta sem a negociação,
sem a pactuação, né? Quer dizer, as normas, as planilhas, qualquer que seja a
metodologia mais sofisticada que você pode desenvolver ao longo do tempo, mas há
uma variável estratégica que é a pactuação. O próprio instrumento formal, ele resulta de
uma pactuação maior ou menor, em maior ou menor intensidade. Então eu acho que
esses dois elementos são interessantes, a introdução de instrumento formal de
intermediação da negociação e a compreensão progressiva de que só se implanta o
SUS através de pactos" (Depoimento de ator do nível estadual - membro do grupo
técnico de coordenação da PPI).
"Porque aquele instrumento, se ele fosse melhor usado, poderia até ter sido
'melhorzinho' do que foi. Eu acho que teve até uma vantagem, eu acho que se tivesse
135
clareado realmente essa questão de referência, se tivesse sido mais real aquilo ali, podia
ter sido um negócio bem mais legal, bem mais claro. Porque, para os municípios
pequenos, o que aconteceu? Isso ficou muito claro. Você ia no município vizinho e
cobrava: 'Olha, eu tenho tantos disso...' Você tinha uma clareza do quanto você tinha
quando você ia marcar. E a gente começou a cobrar isso. Por exemplo: [...] (Município-
pólo regional), a gente não conseguia fazer nenhuma tomografia, era zero, tomografia só
entrava via hospital-escola. Nós começamos a cobrar: 'Espera aí, nós temos tomografia,
nós queremos marcar, nós queremos marcar direto, não queremos marcar pelo hospital'"
(Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno município).
136
deu no que deu". (Depoimento de ator do nível municipal - gestor municipal de pequeno
município).
"Então houve diversas pactuações para manter a consulta, já que a grande parte das
consultas eram básicas, estava previsto isso já no 'finalzinho' (sic) que o Ministério iria
alterar a parte básica, como alterou em 98. Não sabíamos o que iria alterar, não
40
SADT - Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico, sigla da nomeclatura de antigo sistema de
informações ambulatoriais, e que agrupava diversos exames e terapias ambulatoriais
137
sabíamos se seria tão prejudicial. Acabou aprovado, ficando as 2,2 consultas, então
foram diversos instrumentos (diversas versões)" (Depoimento de ator do nível estadual -
membro do grupo de coordenação técnica da PPI).
41
AGRANOFF, R. & LINDSAY, V. Intergovernmental management perspectives from human services
problem solving at the local level. Public Administration Review, London, v.43, n.3, p. 227-37,
1983.
138
mútuo das pautas e do tratamento preliminar das questões a serem levadas à
decisão das comissões intergestoras.
“A CIB aprovou uma comissão para fazer um estudo da planilha, e houve algumas
mudanças como, por exemplo, estava se trabalhando com 2 consultas/habitante e
passou para 2,2 consultas/habitante anos. Outro parâmetro... Houve também ajustes e
melhoras na própria construção do instrumento eletrônico. Houve uma reunião da
Comissão Tripartite quando representantes do COSEMS, representantes da Secretaria
com umas... umas 5 ou 6 reuniões em que se discutiu a planilha e a metodologia do
trabalho" (Depoimento de ator do nível estadual – membro do grupo técnico de
coordenação da PPI).
140
Esse controle da maioria dos recursos financeiros do sistema estabelece uma
certa hierarquia decisória, em que as questões sobre as quais não se estabelece um
consenso entre os níveis de governo são decididas unilateralmente pelo nível que
conta legalmente com o poder discricionário sobre a utilização dos recursos
(mormente o nível federal, mas também decisões unilaterais são tomadas por
estados e municípios sem consulta ao gestor federal do sistema).
141
Segundo os entrevistados, os instrumentos propostos para as programações
de custeio, tanto no nível federal como estadual, se revestem de intencionalidades
da instância que o elabora, condicionando a definição dos recursos a contrapartidas
das demais esferas de governo, gerando resistências à sua aceitação e efetiva
implementação.
A insistência das representações dos estados e municípios em deflagrar um
amplo processo de reprogramação dos recursos, através de uma PPI, como
conseguiram introduzir no texto da NOB 96, se prende ao interesse de conferir maior
transparência aos critérios de distribuição utilizados pelo Ministério da Saúde e
reduzir seu espaço de alocação discricionária dos recursos, além de representar um
mecanismo de pressão pela elevação do montante de valores distribuídos:
“Eu tenho uma avaliação porque, hoje em dia PPI não é um instrumento que na prática
interesse ao Ministério. Por que? O Ministério tem dinheiro definido, tem instrumentos
que são normas e portarias de que ele pode dispor sobre utilização desse dinheiro e uma
programação, nesse momento, geraria uma pressão sobre o Ministério, sobre os pontos
de estrangulamento do sistema e uma necessidade de realocação de recursos. Ou seja,
o Ministério, pensando pragmaticamente, pensa assim: ‘eu não vou desencadear um
processo que vai gerar uma pressão por questionar onde eu estou pondo o dinheiro,
uma pressão para que eu arrume mais dinheiro, uma pressão para que eu torne mais
transparente ainda onde eu ponho o dinheiro'...” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos estados).
“... a PPI é uma coisa que na teoria há um consenso importante. Do mesmo jeito, para
não colocar o Ministério sozinho como Cristo, pense no estado. O estado é muito
interessado em fazer uma PPI das suas necessidade e levar ao Ministério como pressão.
142
Mas não é tão interessado assim que o município faça o mesmo e venha questioná-lo
quanto a isso. Como o gestor municipal também não tem tanto interesse que o Conselho
e os prestadores abram a caixa preta e comecem a discutir tudo...” (Depoimento de ator
do nível federal – representação dos estados).
“O problema é que nunca se pactuou bem esse instrumento. Num primeiro momento, ele
era um instrumento que foi criticado (pelo nível federal) por conter só a divisão do bolo
financeiro e federal e como um instrumento de captação de recurso, aí o Ministério se
recusava a implantar. Num segundo momento, o próprio Ministério tomou a iniciativa de
fazer outro instrumento que era muito mais um instrumento de acompanhamento de
programação, acompanhamento de programas federais, que aí os municípios e os
estados não se dispuseram a implantar. E até hoje, quer dizer, quatro anos depois disso,
você não tem uma proposta pactuada em implantação. Então, cada estado acabou
143
criando um mecanismo próprio de pactuação” (Depoimento de ator do nível federal –
representação dos municípios).
144
"... nós no CONASS trabalhamos muito, para não dar margem à dúvida, em informes por
escrito. Eu elaboro um informe, uma opinião, que inicialmente é minha, do assessor, ou
as suas críticas e vou construindo e até chegar na assembléia onde se tira uma posição
do CONASS que delega ao presidente defender aquela idéia, delega a ele a negociação
ou a negociação com tais ressalvas: isso você pode negociar, isto você não pode, sem
voltar à assembléia, por exemplo..." (Depoimento de ator do nível federal - representação
dos estados).
"Eu acho que alguns municípios, a hora que eles começaram a ter noção dos dados....
porque na realidade a gente começou a fazer estudo, junto com a [...] (técnica da DRS
em cuja jurisdição o município do ator se encontrava), e o pessoal, uma ou duas pessoas
da regional, começaram a levantar os dados. E levava os dados e ‘quebrava o pau’. E
isso começou a gerar um certo ânimo nos municípios de participar. Porque a sensação
que eu tinha era que estava todo mundo assim: você tem que ir direto no estado
negociar no Gabinete, se não for lá com o prefeito não vai conseguir nada. Então a gente
começou a ter essa discussão lá e começou a surgir alguma coisa diferente, eu acho que
foi o que teve de mais positivo para mim, apesar de não ter caminhado nada.... Mas eu
acho que houve uma participação maior..." (Depoimento de ator do nível municipal -
Secretário Municipal de município de pequeno porte)
145
secretários estaduais e municipais cumpririam, em maior ou menor grau, os papéis
de enlace e de delimitação de fronteiras identificados por MANDELL (1994),
observados também para outros gerentes dentro de suas próprias organizações.
Estes papéis referem-se ao fato desses gerentes ocuparem-se "mais em manter as
relações fora das fronteiras da sua organização do que em manter as de dentro". Na
rede intergovernamental estes papéis são ampliados "para incluir o papel de enlace
ou de corretor entre uma série de organizações diferentes, inclusive a própria"
(MANDELL, 1994:245). A capacidade dos secretários estaduais e municipais
desempenharem esses papéis obviamente está condicionada a características e
habilidades individuais e à disponibilidade de tempo e recursos financeiros para se
dedicar, em tempo integral, a essas atividades. Secretários de estados e municípios
mais ricos e dispondo de equipes técnicas que possam assumir a contento as
tarefas executivas de rotina tornam-se mais disponíveis para atuar continuamente na
arena intergovernamental e desempenhar os papéis assinalados.
Para contornar a inferioridade numérica e de recursos das representações
dos estados e municípios, os atores incumbidos de negociar permanentemente as
questões do financiamento desenvolvem estratégias de pressão via terceiros
(parlamentares, conselheiros, etc.). Empreendem também intrincadas articulações,
em que as diferenças das posições individuais dos diversos atores do Ministério da
Saúde e as suas contradições internas são exploradas. Algo como utilizar
habilmente as forças do oponente:
146
procura ir tratando de... ,usando a palavra no bom sentido, é exatamente fazer o lobby
da sua idéia, né? Criar uma pressão, um convencimento, um esclarecimento" (Grifo
nosso) (Depoimento de ator do nível federal - representação dos estados).
"Às vezes você, ao invés de conversar com o secretário (de um estado), eu converso
com o presidente do COSEMS (daquele mesmo estado), tento convencer a ele dos
pontos de vista do secretário... Eu posso conversar com o Conselho informalmente e
formalmente, via secretário. Às vezes a resistência é do próprio secretário, então você
começa a criar situações de mediar as relações".(Depoimento de ator do nível federal -
representação dos estados).
"...eu acho que é uma habilidade de entender o ponto de vista do outro. As divergências
não se dão necessariamente, as pessoas têm uma tendência de sempre achar que o
outro é ‘sacana’. Entender que quando você está num outro cargo, esse cargo traz um
ônus, ele tem um compromisso com as instituições, com coisas daquela instituição,
como eu tenho com o CONASS. Eu nem sempre levo pontos de vista que são os meus.
Levo da entidade. Então entender o outro no local em que ele está, já ajuda a sugerir
saídas factíveis com essa realidade que ele está inserido, ao invés de você impor seu
ponto de vista. Ele fala: mas assim eu, eu compreendo mas não dá, eu não tenho clima
aqui para fazer isso. Porque, às vezes, você pode construir uma saída que o clima dele
permita essa saída..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos
estados).
Esta utilização de intermediários para a negociação ou convencimento de um
ator resistente é observada em várias situações relatadas nas entrevistas:
147
"....às vezes eu não sou a melhor pessoa para conversar, eu solicito alguém de fora, um
amigo... É um exercício na prática do tal do planejamento estratégico. O que você faz na
vida, na verdade. Você briga com um parente seu ou um irmão e você recorre a um tio
para mediar, conversa lá com ele, explica que não tive essa intenção, vê se abre o
diálogo e tal... É assim que você vai construindo..." (Depoimento de ator do nível federal
- representação dos estados).
No caso da PPI 97, essa prática foi observada e relatada por um ator-chave
no processo. Com a CIB controlada por um grupo de municípios de pequeno porte
fortemente identificados politicamente com a direção da SES, a interlocução do
COSEMS com os municípios de grande porte se tornou difícil, pela desconfiança
resultante do polêmico processo eleitoral interno da entidade. A necessidade de
negociação de algumas questões com esses municípios maiores, embora
formalmente excluídos da instância formal de pactuação, levou à busca de
interlocutores no outro campo. Assim relata o ex-presidente do COSEMS-MG à
época:
"...eu lembro de uma pessoa que foi uma grata revelação para mim, que quando formava
a discussão, o impasse, a gente sempre teve no [...] (secretário municipal de saúde de
um município de médio porte da Região Metropolitana de Belo Horizonte), que era uma
pessoa que não concordava com a atual, com aquela gestão do COSEMS. Mas era uma
pessoa que sempre foi chamado por nós na questão de maior conflito até para negociar,
trabalhar, olhar critérios na PPI, na questão também dos cortes. Porque ele é um bom
técnico e pela sua capacidade ele conseguia também colocar as questões num nível de
não exaltação e com isso ajudava muito a achar o meio" (Depoimento de ator do nível
municipal - ex-presidente do COSEMS-MG).
"...os funcionários nacionais, estatais e locais, que buscavam uma especificação precisa
de seus respectivos poderes supuseram que esses se excluíam mutuamente. Ademais,
os funcionários parecem haver esperado que a oposição e o antagonismo fossem parte
do processo normal de aprender quem tem o poder para fazer o quê" (WRIGHT,
1997:133).
149
Também para este autor "distribuir os papéis e especificar limites claros são
sinais característicos da fase de conflito", naquele contexto (WRIGHT, 1997:135).
Esse intenso conflito de competências demonstra a persistência de um
prolongado processo de transição do modelo centralizado anterior, indicando que o
atual, descentralizado, ainda se encontra em fase de conformação e acomodação.
A complexidade normativa assumida pelas questões da descentralização do
SUS, em especial do seu financiamento, e a rápida mudança das regras e
regulamentos promovida pelos atores como estratégia de manter suas posições
relativas na arena setorial requer dos atores uma contínua atualização, fruto, em
geral, da participação permanente nas discussões nos vários fóruns existentes (CIT,
CIB, representações de secretários estaduais e municipais, Conselhos de Saúde,
encontros técnicos, congressos, etc.).
Essa contínua mudança das regras do jogo foi relatada espontaneamente por
um dos entrevistados como relevante, condicionada talvez pelo fato de ele residir no
interior de um estado da federação distante da capital federal, colocando-o em
desvantagem relativa frente aos demais atores da arena federal:
"Se você sair desse meio você perde, porque é um negócio...é uma matéria fluida, certo?
E altamente volátil. Então o quadro de hoje não é o quadro de amanhã. As coisas que
estão, se você não sabe, se eu deixo de...Eu vou dizer para você, eu admiro a
capacidade do [...] (assessor técnico do CONASS) de entender esses negócios de teto,
tudo, siglas, aquela barafunda. ... Outro dia, nós fomos somar, tem 22 tetos
(subcomponentes do teto orçamentário dos municípios). ...Caixinha por caixinha... Quer
dizer, essas portarias todas, eles não discutiram conosco uma série de portarias, de
repente eles jogam. Aí você vai fazer uma análise para tentar mudar. Eles voltaram atrás
em algumas coisas. Agora parece que eles vão voltar atrás nos 22 tetos, vão ficar só 3.
Vão juntar..." (Depoimento de ator do nível federal - representação dos municípios).
150
"A gente acaba indo numa autoridade não conferida, mas real de vivência do processo.
Então aceitam bem. Outra coisa: tem pouco analista, tem pouca gente analisando, certo?
Não é mérito da gente, nem nada não. De tanto fazer, então.... E, às vezes, eu me
descubro assim: a gente tem opinião de tudo já, pode ser até errada, mas a gente é
capaz ... Você vai para conferência, para congresso e tal, saem as perguntas mais
cabeludas lá. Eu penso: 'Meu Deus, que versatilidade da gente que já criou'... pode não
ser a melhor, mas você não fica embaraçado: 'não sei dizer'. Não, eu tenho uma opinião,
agora não sei ao certo. É um negócio interessante, criado nisso aí. E nós comentamos,
nós temos certeza: se você sair desse...(meio) aqui você perde o poder" (Depoimento de
ator do nível federal - representação dos municípios).
Além das NOB, uma profusão de portarias e normas técnicas emitidas pelo
Ministério da Saúde procuram condicionar a ação dos estados e municípios. Em
geral, vinculam-se recursos específicos a cada grupo de ações que se deseja serem
realizadas por estes entes federados. Essa estratégia corresponde ao mecanismo
de GIG que AGRANOFF (1992) denominou de "planificação ou gestão
descendente", que supõe a "utilização de subvenções para alcançar objetivos
nacionais através de governos subnacionais e organizações privadas" (AGRANOFF,
1992:209).
No caso da PPI 97, a utilização de estímulos financeiros para os municípios
que se integrassem aos Consórcios Intermunicipais de Saúde e implantassem
equipes multiprofissionais do Programa de Saúde da Família, como já foi descrito
anteriormente, insere-se nesse tipo de estratégia.
151
7 CONCLUSÃO
153
movimento de descentralização verificado na gestão anterior. A resistência dos
representantes dos gestores municipais às mudanças pretendidas pelo gestor
estadual resultou na intervenção direta do governo estadual na eleição do COSEMS,
redundando numa condução monolítica do processo de implementação da política
estadual de saúde e no mascaramento do conflito na instância de negociação formal
(CIB). A negociação do conflito distributivo passou a se realizar sob formas
diferentes das anteriores, com a organização de espaços informais pelos municípios
alijados do pacto dominante (movimento das cidades-pólo) e a negociação em
separado de município de alto peso político ou assistencial.
O processo da PPI desencadeado pelo gestor estadual se inseriu numa
estratégia mais ampla de retomada de prerrogativas alocativas perdidas no decorrer
do processo de descentralização. Esse redirecionamento de sua estratégia envolveu
o apelo direto aos prefeitos municipais, via organização de Consórcios
Intermunicipais de Saúde, eleito naquele período como instância microrregional
privilegiada de coordenação do planejamento da rede de serviços de saúde daquele
nível, criando um by pass sobre as estruturas estatais regionalizadas existentes. Tal
orientação decorreu da desconfiança da equipe dirigente na tecnoburocracia
localizada nas DRS que defendiam um modelo de organização dos serviços e de
implementação do SUS diferenciado, identificado com administrações anteriores da
SES.
Essa reorientação estratégica da direção da SES/MG na sua relação com os
municípios refletiu-se diretamente no funcionamento da Comissão Intergestores
Bipartite e no processo de planejamento de programação do SUS estadual,
resultando em intenso conflito entre diversos atores situados no interior do
subsistema de políticas e na sua extrapolação para fora dos limites da capacidade
de resolução no âmbito da CIB; o que redundou no seu transbordamento para
outras áreas do sistema político. Essa extrapolação do conflito redistributivo
suscitado pela PPI para outras instâncias de resolução institucional de conflitos,
como a Assembléia Legislativa, demostra a ineficiência dos mecanismos de gestão
intergovernamental existentes à época para tratar e equacionar as questões
litigiosas no âmbito do próprio setor saúde. A existência de um bloco hegemônico na
composição da CIB-MG, alicerçado numa identidade de interesses entre a
representação municipal (COSEMS-MG) e a direção da SES-MG, neutralizou a
154
instância formal de negociação como instrumento com capacidade para promover
um tratamento eficaz do conflito distributivo, como já se verificara em outros
momentos de seu funcionamento. A ineficácia relativa dos mecanismos de GIG
utilizados na negociação dos recursos de financiamento envolvidos na PPI poderia
ser explicada pela fragmentação da sub-rede intergovernamental estadual, marcada
por insuficiência dos mecanismos de comunicação entre os gestores e pela
ineficácia da resolução do conflito redistributivo na instância de negociação formal
(CIB-MG).
155
8 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
156
9 RECOMENDAÇÕES DE NOVOS ESTUDOS:
157
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :
14
12 BRASIL, Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Saúde/NOB 01-SUS 96, Brasília: Diário Oficial da União de 6 de novembro de
1996.
15
23 FLEURY TEIXEIRA, S. (Org.) Reforma sanitária: em busca de uma teoria . São
Paulo: CORTEZ, Rio de Janeiro: ABRASCO, 1989 (Pensamento social e
saúde; n. 3).
29 LAO TSÉ. Tao Te King: o livro do Tao e sua virtude: versão integral e
comentários. Trad. Marcos Martinho dos Santos. São Paulo: Attar, 1995.
16
34 LOWY, J. American business, public policy, case-studies and political theory.
World Politics, v. 16, p.677-715, 1964.
52 STRALEN, C. J. van The struggle over a national health care system: the
movimento sanitário and health policy-making in Brazil. Utrech: Universiteit
van Utrecht, 1996 (Tese, Doutorado em Sociologia e Política).
18
57 WOLFF, K. H. Controle social. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro:
Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.
19
11 ANEXOS
20
PESQUISA “GESTÃO INTERGOVERNAMENTAL NO FINANCIAMENTO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE : A PROGRAMAÇÃO PACTUADA E INTEGRADA
(PPI) DO SUS-MG, 1997-98”
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Identificação:
1.1. Nome.
1.2. formação profissional.
1.3. órgão público ao qual está formalmente vinculado.
1.4. estatuto jurídico deste órgão.
1.5. órgão público ao qual está funcionalmente vinculado; vinculação à época da
PPI 97/98.
1.6. estatuto jurídico deste órgão.
1.7. relação deste órgão com o processo de programação.
1.8. cargos públicos ocupados anteriormente).
1.9. tempo de experiência na área de saúde.
2. Participação anterior em processos de programação; papel que desempenhou
nestes processos.
3. Histórico do processo da PPI:
3.1. Antecedentes históricos.
3.2. Motivos que induziram à sua realização.
3.3. Problemas e questões que a PPI buscava resolver.
3.4. Articulação com outros processos de programação dos outros órgãos
(Ministério da Saúde, Prefeituras, etc.).
3.5. Relação da PPI com o processo de normalização da descentralização do
SUS (NOBs).
4. Objetivos que identifica na PPI.
5. Atores com que mais se relacionou durante o processo da PPI; motivos dos
contatos.
• A que órgão públicos pertenciam?
• Os atores envolvidos no processo já se conheciam anteriormente? Isto repercutiu
sobre o andamento dos trabalhos?
• Os contatos com estes atores eram formais ou informais?
21
• Como se davam estes contatos?
• Qual sua periodicidade?
• Eram frutíferos?
6. Havia outros atores ou órgãos envolvidos no processo que você não se
relacionava? Por que?
7. Houve atores intencionalmente excluídos do processo da PPI? Quais? Que
motivos justificariam esta exclusão?
8. Houve atores que foram agregados durante o processo da PPI? Que
mecanismos foram utilizados para sua incorporação?
9. Quais as estratégias dos diversos atores que você poderia identificar no processo
da PPI? Houve mudanças destas estratégias?
10. Há atores envolvidos na PPI com os quais você ainda se relaciona? Através de
que meios? Com quais finalidades?
11. Você teve interferência direta em algum momento chave do processo? Algum
outro ator teve?
12. Conflitos existentes no decorrer do processo da PPI; motivos dos conflitos;
soluções encontradas para sua resolução.
13. Os municípios se portaram uniformemente frente à proposta da PPI elaborada
pelo Estado de Minas Gerais?
14. Que movimentos foram realizados por eles? Como eles se deram? Houve
resultados importantes nestas mobilizações?
15. Houve alguma posição divergente que você assumiu em algum momento em
relação ao processo da PPI? Divergia em relação a quais outras?
16. Que outros atores manifestaram posições divergentes durante o processo?
17. Qual o papel da CIB no processo da PPI e como ela se postou frente às questões
suscitadas pela PPI?
18. Houve alguma estratégia adotada por algum órgão ou conjunto de atores no
sentido de garantir algum consenso sobre o processo?
19. Qual o papel do COSEMS/MG no processo da PPI? E do CONASS?
20. Houve participação do Conselho Estadual de Saúde? E do SINDSAÚDE?
21. Historie o processo de funcionamento da CIB desde sua criação.
22. A CIT teve algum papel relevante na PPI? Qual?
23. Que outras áreas do Ministério da Saúde interferiram no processo da PPI?
Como?
22
24. Em outros estados, como se deu o processo da PPI? Foi um processo
homogêneo? Comente?
25. Como se deu a aprovação dos tetos da PPI no Ministério da Saúde?
26. Que tipos de conflitos externos ao sistema de saúde a PPI suscitou?
27. Que tipo de perspectiva você antevê para o processo de planejamento do SUS e
das programações (distribuição dos recursos federais, estaduais e municipais)?
23
PLANILHA ELETRÓNICA DA PPI
D E M O N S T R A T I V O A N A L Í T I C O D E P R O D U Ç Ã O / P R O G R A M A Ç Ã O F Í S I C O - O R Ç A M E N T Á R I A - S
M Ó DULO SE M EST R AL: APFO 1º SE M 9 7 Æ M E T A F ÍS IC O - O R Ç A M E N T Á R IA 9 7 / 9 8 ( A N U A L ) P O P U L A Ç Ã O R E F E R E N C I A D A E /O U A J U S T E D E C A P A C I D A D E I N S T A L A D A P O R G R U P O
E S T A D O : M I N A S G E R A I S R E F E R E N C IA ( + ) AJU STE ( - ) AJUST E ( - ) R E F E R E N C IA ( + )
D I R E T O R I A R E G I O N A L S A Ú D E : M . N UCLEAR Æ Å T E R A P IA R E N A L S U B S T A T .M É D
M I C R O R E G I Ã O / C O N S Ó R C I O : U L T R A -S O M Æ Å R A D IO T E R A P IA A T .M É
M U N I C Í P I O : B E T IM O U T R O S E X . IM A G . Æ Å Q U IM IO T E R A P IA A TE N D
P O P U L A Ç Ã O : ( P P I ) Æ E X . H E M O D IN Â M . Æ Å O U T R A S T . E S P .(s e m H e m o te r) RA
( P R O G . P A C T U A D A IN T E G R A D A ) O U TR O S E X . E S P E C . Æ Å O U T R A S T . E S P .( H e m o t e r a p ia ) P
= > P R O J E Ç Ã O : C O N S U L T A ( 2 ,2 ) + O D O N T O L . ( 3 ) P R O G R A M A Ç Ã O F ÍS IC O - O R Ç A M E N T Á R IA A N U A L - 9 7 / 9 8
D A D O S D E A P F O / S I A - S U S 1º S E M E S T R E 9 7 P A R Â M E T R O S A S S IS T E N C IA IS / C O N D IÇ Õ E S F IN A N C E IR A S N O B 9 6
G R U P O S D E %
P R O C E D I M E N T O S PROG R AM ADO R E A L IZ A D O CUSTO D IF E R E N Ç A P G M E T A F Í S I C A M ETA O R Ç A M E N T Á R I A F ÍS I C O
1 - A .V .E .I.A . N .M . 0 0
2 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - C O N S U L T A S 0 0
2 .1 - C O N S U L T A S B Á S IC A S 0 0
2 .2 - C O N S U L T A S E S P E C IA L IZ A D A S + U R G . / E M E R G Ê N C IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
3 - A T E N D IM E N T O M É D IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0
3 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0
3 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
4 - A S S IS T .F A R M A C E U T IC A - M e d ic .E x c e p c io n a is 0 0 0
5 - A T .O D O N T O L Ó G IC O - P R O C E D IM E N T O S 0 0
5 .1 - P R O C E D IM E N T O S B Á S IC O S 0 0
5 .2 - P R O C E D IM E N T O S E S P E C IA L IZ A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
6 - R A D IO D IA G N Ó S T IC O 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
7 - M E D IC IN A N U C L E A R 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
8 - U L T R A - S O N O G R A F IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
9 - O U T R O S E X . IM A G E N O L O G I A 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 0 - P A T O L O G IA C L ÍN IC A 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 1 - E X . H E M O D IN Â M IC O S 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 2 - O U T R O S E X . E S P E C IA L I Z A D O S 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 3 - T E R A P I A R E N A L S U B S T IT U T I V A 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 4 - R A D IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 5 - Q U IM IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 6 - F IS IO T E R A P IA 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 7 - O U T R A S T E R A P IA S E S P E C IA L I Z A D A S 0 0
1 7 .1 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L . ( E X C E T O H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia P P I 0
1 7 .2 - O U T R A S T E R . E S P E C IA L IZ A D A S ( H E M O T E R A P IA ) 0 < = R e fe rê n c ia D R S 0
1 8 - P R Ó T E S E - Ó R T E S E S ( e x c e to m e d ic a m e n t o s ) 0 0 0
I - A S S IS T Ê N C IA B Á S I C A
P IS O A S S IS T E N C IA L B Á S IC O - P A B 0 0
FA TO R D E AJU S TE D O PA B - FA / PAB N ív e l E s ta d u a l
IN C E N T IV O P R O G .S A Ú D E F A M ÍL I A - P S F N ív e l E s ta d u a l 0
25
IN C E N T IV O P R O G .A G .C O M U N .S A Ú D E - P A C S N ív e l E s ta d u a l 0
IN C E N T IV O C O N S Ó R C IO S D E S A Ú D E - C S N ív e l E s ta d u a l 0
II - F R A Ç Ã O A S S IS T . E S P E C IA L IZ A D A - F A E
T R A T A M E N T O F O R A D E D O M IC ÍL IO - T F D 0 N ív e l E s ta d u a l 0
P R O C E D IM E N T O S D E M É D IA C O M P L E X ID A D E
III - A L T A C O M P L E X ID A D E - A _ C
A Ç Õ E S D E V I G IL Â N C I A S A N IT Á R IA
A Ç Õ E S D E V I G IL . E P ID E M IO L Ó G IC A
1