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ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO DISTRITO JUDICIÁRIO DA ZONA
NORTE
Av. Guadalupe 2145 Conj. Santa Catarina, 2º andar, Potengi - CEP 59.112-560, Fone: 3615-4663, Natal-RN

Processo n.º [APAGADO]


Ação: Ação Penal
Ré(u)(s): [APAGADO]

SENTENÇA

RELATÓRIO

Trata-se de ação penal pública em que figura [APAGADO], parte já qualificada


nos autos, como acusado pela prática dos fatos violadores das regras penais previstas no(s)
artigos(s) 155, caput, do Código Penal.
Quanto às provas documentais e periciais, há o termo de exibição e apreensão de
fl. 13 e o termo de entrega de fl. 15.
A denúncia foi recebida no dia 30/04/2008 (fl. 02).
A citação se deu à fl. 68.
À fl. 67 foi determinada a suspensão condicional do processo, nos termos do
artigo 89 da Lei nº 9.099/95.
À fl. 132 consta decisão de revogação da suspensão condicional do processo.
A resposta à acusação se encontra às fls. 135-136.
O interrogatório não ocorreu em audiência em razão da revelia do acusado.
As testemunhas foram ouvidas em audiência.
As partes apresentaram suas alegações finais em audiência.

FUNDAMENTAÇÃO

No tocante à prova documental ou pericial, consta termo de exibição e apreensão


de fl. 13 e o termo de entrega de fl. 15.
A vítima [APAGADO], durante oitiva judicial, afirmou que vendia DVD. O
acusado chegou em sua casa e começou a conversar. O acusado pediu para entrar para urinar.
Depois o acusado disse que tinha uma enxada para vender e depois retornaria. Depois deu
conta da falta do objeto. Foi a casa do acusado e este inicialmente negou, mas depois
confessou e disse que estava na casa de uma certa pessoa. O depoente deu cinquenta reais
para ele recuperar. Ele saiu com dinheiro e correu. Teve que chamar a polícia. O acusado
disse que era bom o depoente não ir no local onde estava o DVD, pois era usuário de drogas.
Quando o acusado foi preso, já estava drogado. O acusado era primo do depoente. O DVD é
da mãe do depoente. O DVD foi R$ 360,00. Não recuperou o dinheiro. Não faz questão do
dinheiro. Quer por fim ao processo. Sabia que o acusado usava drogas antes disso. Não tem
muito contato com o acusado, apesar de primos.
[APAGADO], testemunha ouvida judicialmente, relatou que foi acionado pela
vítima. Ela disse onde morava o acusado. O acusado estava dentro de casa. O DVD foi
devolvido na hora pela mãe do acusado.
A testemunha [APAGADO], ouvida em juízo, disse que estavam na viatura e
chegou a vítima solicitando que fossem atrás do acusado, pois tinha subtraído um DVD.
1
Como era um sobrinho da vítima, ela disse onde era o endereço. Conversaram
com a mãe da vítima e ela devolveu o DVD. O acusado foi levado à delegacia. O
acusado devolveu espontaneamente.
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e
dando início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial
e imputados a que, figura no polo passivo da relação processual.
E a decisão judicial é um processo dialético, composto de a) tese (argumentos da
acusação); b) antítese (argumentos da defesa); c) síntese (decisão justa). E cada um dos
argumentos que constitui a tese e a antítese devem obedecer a um silogismo (premissa maior,
premissa menor e conclusão) no qual a premissa maior é a historicidade dos fatos (as
condutas realizadas) e a premissa menor a adequação desses fatos ao Direito, sendo a
conclusão as consequências jurídicas dessa relação entre a historicidade dos fatos e o que diz
o Direito.
Em relação a cada uma das teses da acusação e das antíteses da defesa, entendo
que há questão prévia que precisa ser enfrentada: a insignificância.
1ª Tese da defesa: insignificância. Para a defesa teria ocorrido insignificância
porque o valor era baixo e a razoabilidade imporia isso, ainda mais levando em consideração
que a vítima não queria mais a punição do criminoso, além do bem ter sido devolvido.
É bem verdade que fixei o valor do bem em cento e cinquenta reais como mínimo
para tipicidade. Abaixo disso seria bagatela. Outrossim, já houve um caso em que relativizei
esse valor com base no princípio da razoabilidade.
A razoabilidade é um critério de justiça que medeia o tipo descrito em abstrato em
relação ao fato concreto. No caso concreto entendo que o valor de mais de trezentos reais era
significante para a vítima.
1ª Tese da acusação: materialidade e autoria comprovadas do furto. Disse a
acusação que o acusado teria cometido a infração da forma descrita na denúncia. O crime,
portanto, se perfectibilizou.
A defesa apresentou outras teses, mas que por ora entendo despiciendas de
apreciação, como se verá mais a frente. Foram elas: 2ª Tese da defesa: atenuante da co-
culpabilidade; 3ª Tese da defesa: atenuante da confissão; 4ª Tese da defesa: aplicação da
minorante do furto de pequeno valor.
DA REPARAÇÃO DO DANO
Verifiquei que a coisa foi espontaneamente devolvida. Existe norma expressa no
Código Penal a respeito:
Arrependimento posterior
Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano
ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do
agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
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Furto
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Apropriação indébita
Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (AC)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (AC)
(...)
§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o

2
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as
informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos
arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, limitada a suspensão
aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem
rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o
disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da
pretensão punitiva.
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de
tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de
concessão de parcelamento.
Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15
do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos
valores correspondentes à ação penal.
Deparo-me agora com o enfrentamento das seguintes questões: justifica-se a
diferença de tratamento nas hipóteses de suspensão e extinção da punibilidade, entre os
crimes de furto e apropriação indébita, e de apropriação indébita previdenciária? Qual a
viabilidade de aplicação do princípio da isonomia nesses crimes, com vistas a incidência da
norma mais benéfica prevista na legislação especial ao furto e à apropriação indébita? Existe
alguma justificativa para a distinção de tratamento?
Como objeto desse estudo, tenho as normas relativas à restituição do bem ou da
coisa subtraída ou indevidamente apropriada, e a repercussão jurídica dessa restituição ou
devolução para efeitos penais em cinco situações: no furto, na apropriação indébita, na
apropriação indébita previdenciária, na sonegação previdenciária e nos crimes contra a ordem
tributária, previstos, respectivamente, nos arts. 155, 168, 168-A e 337-A, do Código Penal –
CP, e arts. 1º e 2º da lei 8.137/90. Em relação aos dois primeiros crimes, o arrependimento
posterior é regulado pelo art. 16 do CP. Já quanto aos demais, aplicam-se as regras previstas
na lei 11.941/2009.
A REPARAÇÃO DO DANO NA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL
Em nosso CP, em dois momentos a reparação do dano produz efeitos: a) antes do
recebimento da denúncia; e b) depois do recebimento da denúncia.
No primeiro caso, incide a regra do art. 16 do CP, que dispõe que nos crimes
cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até
o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de
um a dois terços.
Posteriormente ao recebimento da denúncia, o benefício que pode ser dar ao
acusado é, tão somente, uma atenuação, prevista no art. 65, II, b, do CP, em caso de ter o
agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe
ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano.
Sendo assim, há, tão somente, a mitigação da pretensão punitiva. Jamais sua
fulminação.
A REPARAÇÃO DO DANO NOS DELITOS DOS ARTS. 168-A E 337-A DO
CP, E ARTS. 1º E 2º DA LEI 8.137/90
A diferença de tratamento adveio com a n.º 9.249/95, que previu a extinção da dos
crimes definidos na Lei nº 8.137/90, e na Lei nº 4.729/65, quando o agente promover o
pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da
denúncia.
A Lei 9.964/2000, que criou hipóteses de extinção e suspensão da punibilidade

3
pós recebimento da denúncia, nos casos de crimes dos arts. 1º e 2º da lei dos
crimes contra a ordem tributária (lei 8.137/90). A extinção da punibilidade se
daria quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuasse o pagamento
integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que
tivessem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia
criminal. Mas o abrandamento não pararia por aí.
O crime de apropriação indébita previdenciária veio com a lei 9.983/2000, que
inseriu no Código Penal o art. 168-A. Analisando o tipo, seu § 2º diz que, em havendo a
pagamento do debito previdenciário antes do recebimento da denuncia, há extinção da
punibilidade. Até aí nenhuma diferença de tratamento. No § 3º ocorreria uma situação de
tratamento mais leve do infrator, uma vez que seria facultado ao juiz deixar de aplicar a pena
ou aplicar somente a de multa se o agente fosse primário e de bons antecedentes, desde que
tivesse promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento
da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou o valor das contribuições
devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência
social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções
fiscais.
Contudo, a discrepância mais relevante se deu a partir do ano de 2003, com o
advento da lei 10.684, que culminou na lei 11.941/2009, que em seu art. 68 diz o seguinte: a
pretensão punitiva do Estado fica suspensa, em relação aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º
da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal,
limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento,
enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei,
observado o disposto no art. 69 dessa Lei. Previu ainda a extinção da punibilidade dos crimes
referidos quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos
débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido
objeto de concessão de parcelamento.
A DISPARIDADE DE TRATAMENTO DOS CRIMES DE FURTO E
APROPRIAÇÃO INDÉBITA (SEM FALAR DE OUTROS DO TÍTULO “DOS CRIMES
CONTRA O PATRIMÔNIO”)
Vejamos bem, por exemplo, o que ocorre com o furto. Em um caso de um furto
em que a coisa seja devolvida antes do recebimento da denuncia, em sendo essa devolução
espontânea, ocorre a aplicação da minorante do art. 16 do CP, o que gera uma diminuição de
1/3 a 2/3 da pena. Ocorrendo essa devolução após o recebimento da denuncia por ato
voluntário do agente, não mais é possível a diminuição da pena, cabendo, tão somente, uma
atenuação. Observa-se, portanto, que nessa situação o regramento penal é deveras mais
rigoroso que nas demais infrações já citadas, uma vez que não existe a possibilidade de
extinção da punibilidade, ainda que com o integral ressarcimento ou restituição do valor da
coisa que foi subtraída ou apropriada.
Então, o que se verifica nessa questão é a disparidade no tratamento do infratores
das três situações, apesar de se tratarem de normas que, ontologicamente não guardam,
notadamente no caso da apropriação indébita simples, uma disparidade tal que impeça uma
paridade de tratamento. Pelo contrário, verifica-se que eles, na verdade, tem muito em comum
e não há, portanto, um fundamento para a não extensão do benefício previsto no art. 68 da lei
11.941/2009 às referidas infrações penais.
Tendo em vista demonstrar a similitude, apresentamos a tabela abaixo:
FURTO APROPRIAÇÃO APROPRIAÇÃO
INDÉBITA INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA
Tipo Crime contra o Crime contra o Crime contra o
patrimônio patrimônio patrimônio
Objeto jurídico O patrimônio O patrimônio O patrimônio da
4
previdência
social
Sujeito ativo Qualquer pessoa Qualquer pessoa O
responsável tributário
Sujeito passivo Qualquer pessoa Qualquer pessoa A Previdência Social e o
contribuinte que tem sua
contribuição recolhida e
não repassada à
Previdência Social
Objeto material Coisa móvel
Tipo objetivo Subtrair Apropriar-se Apropriar-se, deixando
de repassar à Previdência
Social
Tipo Subjetivo Dolo de subtrair Dolo de apropriar-se Dolo de apropriar-se
Quanto ao Crime material Crime material Crime material
resultado
naturalístico
Quanto à conduta Comissivo Omissivo Omissivo
Quanto à Crime instantâneo Crime instantâneo Crime instantâneo
consumação
Momento da Posse tranquila, Quando o autor No momento em que o
consumação inversão da posse ou transforma a posse em agente que recolheu
domínio (descontou) a
contribuição deixa de
repassá-la à Previdência
Social, no prazo e forma
legal
Arrependimento Diminuição da pena Diminuição da pena de Extinção da punibilidade
posterior antes da de 1/3 a 2/3 1/3 a 2/3
denúncia
Arrependimento Atenuante inominada Atenuante inominada Extinção da punibilidade
posterior após a (possibilidade) (possibilidade)
denúncia
Parcelamento do Sem efeito Sem efeito Suspensão da pretensão
débito punitiva
Porém, antes de adentrar especificamente na discussão sobre a aplicabilidade do
princípio da igualdade, faz-se essencial abrir um parêntesis para abordar um ramo da filosofia:
a lógica. Isso porque as súmulas (vinculantes ou não), as repercussões gerais e os precedentes
judiciais se tornaram verdadeiros fetiches na práxis judiciária, sem os quais, em razão da
abordagem dogmática, repetitiva, maquinal e acrítica, o senso comum teórico não consegue
obter uma resposta justa para a questão. Queremos mostrar que há outros caminhos.
SOBRE FALÁCIAS
A filosofia e a lógica aristotélica estão mais próximas do jurista do que ele
costuma pensar, pois a decisão judicial segue um silogismo.1 Existem tratados sobre lógica.
Mas em poucas palavras podemos dizer que o silogismo é composto de duas premissas e uma
conclusão. Todo argumento correto precisa se basear em premissas verdadeiras e a conclusão
ser válida. Veremos mais a frente quando isso ocorre. Exemplo de um silogismo:
Todo homem é mamífero (primeira premissa).
1 Segundo Godofredo Telles Júnior, é “argumentação na qual um antecedente, formado de duas proposições,
que unem dois termos a um terceiro, infere um consequente, que une esses dois termos a um ao outro”
(TELLES JUNIOR, Godofredo. Tratado da consequência. Curto de lógica formal. 6ª. ed. rev. – São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2003, p. 207).
5
Félix é homem (segunda premissa).
Félix é mamífero (conclusão).
Porém, é possível que as proposições sejam verdadeiras e a
conclusão falsa. Basta inverter, por exemplo, os termos:
Todo homem é mamífero (primeira premissa).
Félix é mamífero (conclusão).
Félix é homem (segunda premissa).
Por exemplo, se Félix for o nome de um gato. Todo gato é mamífero. Porém a
conclusão se tornou falsa e, por isso, o argumento não é válido.
Além dessa possibilidade, ocorre também a falsidade da premissa. Imaginemos se
Félix for um gato, e não um ser humano. Não raras vezes acontece de se tomar os sujeitos
com acepções diferentes em cada proposição (homem como gênero humano e homem como
gênero masculino, apenas).
A essas deficiências ou erros a lógica deu o nome de falácias. (ou sofismas, como
alguns chamam). Podemos dizer, em poucas palavras, que falácia é um raciocínio ou
afirmação falsa ou errônea aparentemente verdadeira.2 Para os lógicos é um erro de raciocínio
ou de argumentação que, entretanto, é psicologicamente persuasivo, que parece correto, mas
quando examinado cuidadosamente, não o é. Por isso, numa área como o Direito, em que a
linguagem é o instrumento de trabalho (ou arma...) visando (con)vencer mediante o embate de
argumentos, é tão importante o estudo de tais vícios do raciocínio, para impedir que sejamos
iludidos.
Quem primeiro tratou com rigor o tema foi Aristóteles. Alertava ele, a respeito
dos sofistas, a quem denunciava a utilização dessas ilações errôneas para fins nada dignos,
que
“Visto que aos olhos de algumas pessoas mais vale parecer sábio do que ser sábio sem o
parecer (uma vez que, a arte do sofista consiste na sabedoria aparente e não na real, e o
sofista é aquele que ganha dinheiro graças a uma sabedoria aparente e não real), está claro
que para essas pessoas é essencial parecer exercer a função de sábio, em lugar de
realmente exercê-la sem parecer que o fazem (...) constitui tarefa daquele que detém ele
mesmo conhecimento de um determinado assunto abster-se de argumentos falaciosos em
torno dos temas de seu conhecimento e ser capaz de denunciar aquele que os utiliza.”3
Em relação à sua forma de expressão, as falácias são divididas em: a) formais; b)
informais. As primeiras têm sua falha na própria composição do raciocínio, na invalidade da
construção dele, como no exemplo da inocência de João. Contudo, a falácia faz com que os
incautos deduzam essa conclusão.
Já as falácias informais encontram sua falha na falsidade/impropriedade de suas
premissas, seja através do uso de termos vagos (falácias de ambigüidade) ou da não relevância
para justificar a conclusão (falácias de relevância).4 Exemplificando: todos os homens são
iguais perante a lei. Maria não é homem, é mulher. Logo, Maria não deve ser tratada
igualmente (o termo homem foi utilizado de maneira ambígua, ora para representar o gênero
humano, ora o gênero masculino); quem comete crime é punido. A quase totalidade dos
presos é pobre. Logo, pessoas ricas tendem a não delinquir (omite que de fato o que ocorre é a
impunidade dos criminosos ricos); a pena criminal visa combater a criminalidade. A
criminalidade está alta. Logo, devemos aumentar as penas (não há relevância porque não se
verifica que as penas já são muito altas e que a criminologia comprova que penas mais altas
não afetam a criminalidade, mas sim a efetividade em sua aplicação).
Mas como identificar uma falácia formal? Primeiro devemos procurar saber: a) se
o argumento é válido; b) se ele parte de premissas verdadeiras; c) que as premissas geram

2 COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 73.
3 ARISTÓTELES. Organon. Trad. Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2005, p. 546-547.
4 CARAHHER, David W. Senso crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. São Paulo: Cengage Learning,
2008, p. 27.
6
uma conclusão plausível. Em havendo resposta negativa a qualquer desses três
pressupostos, estar-se-á diante dela. Já em relação às falácias informais,
necessário se faz observar se as acepções estão sendo usadas sob o mesmo
contexto e se há pertinência a gerarem a conclusão proposta.
Em poucas palavras, sob pena de comprometer a objetividade do texto, a validade
de um argumento diz respeito à pertinência entre as proposições e a conclusão. Assim, um
argumento pode se basear em premissas verdadeiras, mas sem uma conclusão válida.
Exemplo: todo furto é de bem móvel. Todo terreno não é bem móvel, mas imóvel. Logo, não
há furto de terrenos. A conclusão aqui é válida e as proposições verdadeiras. Mas pode
ocorrer das proposições serem verdadeiras, mas a conclusão ser falsa. Exemplo: todo
condenado por um juiz criminal o foi porque cometeu infração penal. João nunca foi
condenado por um juiz criminal. Logo, João nunca cometeu crimes. As duas proposições são
verdadeiras, mas a conclusão é inválida. Pode ser até provável, mas não há como concluir
pela inocência de João tão somente pelo fato de ele nunca ter sido condenado, pois pode ser
ele culpado e impune.
Apesar do pouco espaço, mas sendo o tema relevante, durante nosso estudo
detectaremos os argumentos falaciosos nas passagens de alguns precedentes judiciais.
Aproveitamos para exemplificar alguns:
Petição de princípio: nessa a conclusão já está escondida nas premissas. Exemplo: o
acusado deve ser condenado porque é mal. E todo mal causado deve ser punido. Assim, o
acusado deve ser punido.
Pergunta complexa: você deixou de furtar? Nesse caso, em qualquer das respostas o
interlocutor estará confessando a prática de furtos.
Apelo à compaixão: “ele deve ser absolvido, ou Vossa Excelência não é
misericordioso?”.
Apelo circunstancial: “você vai condená-lo ou vai querer que seus filhos se deparem com
mais um assaltante na rua?”.
Apelo ao popular: “você precisa aplicar penas mais leves, ser mais progressista”.
Apelo à autoridade: “é ilegal a atenuação aquém do mínimo porque o STJ e o STF já
disseram isso”.
Apelo à tradição: “adultério sempre foi crime em nosso ordenamento jurídico!”
Argumento ad hominem: “essa tese partiu do Ministro Gilmar Mendes? Nem vou dar o
trabalho de olhar, pois ele é o gênio do mal...”
Falsa causa: “o réu é reincidente? E ainda quer negar a autoria?”, como se o fato de ser
reincidente já implicasse sua culpa.
Apelo à ignorância: “nunca vi um traficante se regenerar. Portanto, ele deve ser
culpado.”, como se a falta de conhecimento de um dado fosse o mesmo que sua não
existência.
Negação do antecedente: quem atira (antecedente), fere. Não atirou. Logo, não feriu. O
fato de negar o antecedente (atirar), não implica em não ferir, pois não se fere somente
com tiros.
Afirmação do consequente: quem atira, fere. Feriu (consequente). Logo, atirou. Da
mesma forma, afirmar o consequente (ferir), não implica no antecedente (atirar), já que
não se fere somente com tiros.
Falácia naturalista: associar juízos de valor a juízos fáticos. Toda reincidência (juízo
fático) revela distorção de caráter (juízo de valor). João é reincidente. Logo, tem caráter
distorcido. A reincidência pode até ser consequência de um caráter distorcido. Mas
ninguém pode desconhecer as dificuldades de reinserção social dos condenados.
ANÁLISE DOS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Sobre o beneficio que foi concedido a quem sonega ou se apropria indevidamente
do valor das contribuições previdenciárias, fizemos um estudo de alguns precedentes do
Supremo, para verificar se há, efetivamente, base jurídica para o tratamento diferenciado.
Procuramos pesquisar um fundamento para o posicionamento do Supremo de vedação da
aplicação dessa norma penal mas favorável ao réu em relação aos outros crimes contra o

7
patrimônio, que não a sonegação fiscal previdenciária.
O mais recente é o habeas corpus 91.065/SP. Seu relator foi o
Ministro Eros Grau. Tratava-se de um caso de furto em estabelecimento militar.
Em suma, toda a fundamentação sobre a questão foi feita em um parágrafo. Nada mais. E
ocorreu uma falácia de falsa causa, pois se fundamentou num julgado que era impertinente
para o deslinde da questão, pois não foi discutido nele, em nenhum momento, a possibilidade
ou não de aplicação da extinção da punibilidade pela reparação do dano em face do princípio
da igualdade. Disse o seguinte:
"com relação à alegada extinção da punibilidade em razão da restituição do objeto furtado
antes do oferecimento da denúncia também não assiste razão à impetrante. O Supremo
Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que '(a) reparação do dano ocorrida
após a consumação do crime, ainda que anteriormente ao recebimento da denúncia, só
tem como efeito a atenuação da pena' (HC n. 75.051, Relator Ministro Sidney Sanches,
DJ de 12.9.97)."
Observa-se que a fundamentação consistiu em remeter a um precedente. E em
relação a esse precedente citado, o HC 75.051, de 12.09.1997, o mesmo se fundamenta numa
acórdão do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, cujo relator foi o juiz Joaquim Alves
de Andrade, datado de 26 de março de 1987.5 Destaco que o precedente mineiro é anterior à
Constituição Federal e à época só havia, para a reparação do dano, a regra geral do art. 16 do
Código Penal. Portanto, trata-se de precedente imprestável para o deslinde da questão, e clara
a ocorrência de uma falácia na argumentação, no caso a falácia da tradição, que tenta levar a
crer que um argumento se sustenta pelo simples fato de se pensar de um mesmo jeito há um
determinado tempo.
Inclusive os fatos discutidos no HC 75.051 ocorreram entre 1993 e janeiro de
1995, também anteriores a qualquer das leis que previu a extinção da punibilidade pela
reparação do dano (a primeira lei foi a 9.249/95, publicada em 27.12.1995). E mesmo sendo o
acórdão de 1997, nele não se discutiu em nenhum momento essa questão. Argui-lo como
razão de decidir é incidir na falácia da falsa causa, pois o precedente, embora tratando de
apropriação indébita, era absolutamente impertinente, isto é, não era causa de se impedir a
extensão, aos crimes de furto e apropriação indébita, dos benefícios conferidos a quem comete
apropriação indébita previdenciária. O uso dessa jurisprudência é um exemplo claro de como
os atores jurídicos não compreendem os efeitos perigosos de não observarem a
contemporaneidade nos precedentes judiciais. Não dá para se repetir jurisprudências como um
mantra.
Portanto, é imprestável também como precedente o HC 75.051, pois comete um
erro de contemporaneidade, de constituir a chamada “falácia da tradição”. O erro consiste em
não avaliar que há um panorama legislativo, e até constitucional diferente, que põe a baixo
toda coerência, legalidade e legitimidade do raciocínio feito. Ao revés, demonstra a falta de
historicidade, que seria essencial em uma situação como essa. Essa alienação temporal abre
alas para interpretações que não guardam reciprocidade nem com os textos atuais, e nem com
o contexto em que vivemos. Gadamer teceu severas críticas a esse modus operandi quando
discorreu sobre a importância da consciência histórica nas ciências humanas:
"A consciência moderna assume – precisamente como “consciência histórica” – uma
posição reflexiva com relação a tudo que lhe é transmitido pela tradição. A consciência
histórica já não escuta beatificamente a voz que lhe chega do passado, mas, ao refletir
sobre a mesma, recoloca-a no contexto em que ela se originou, a fim de ver o significado
e o valor relativo que lhe são próprios. Esse comportamento reflexivo diante da tradição
chama-se interpretação. (...) devemos questionar o sentido de se buscar, por analogia ao
método das ciências matemáticas da natureza, um método autônomo próprio às ciências
humanas que permaneça o mesmo em todos os domínios de sua aplicação."6

5 http://www.tjmg.jus.br/institucional/desembargadores/des_apos/joaquim_alves_andrade.html
6 GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Organização Pierre Fruchon. Tradução
8
Observe-se que o efeito é em cadeia, com efeito dominó, derrubando,
um a um, os precedentes fundados em anterior precedentes. Criam-se
metaprecedentes impertinentes e falaciosos.
Em outro precedente do STF, no caso o habeas corpus 87.324/SP, o qual teve
como relatora a Ministra Carmem Lúcia, é interessante observar que o voto diz que não cabe a
aplicação analógica do § 2º art. 168-A à apropriação indébita do art. 168 do CP. Contudo, na
hora em que se estuda esse voto, vê-se que a negativa se ampara no parecer ofertado pelo
Ministério Publico, que pouco, ou nada, aliás, traz de verdadeiro enfrentamento da questão.
Cabe bem observar que inclusive os precedente citados, precedentes estes que
fundamentariam a negativa de aplicação da extinção da punibilidade pela reparação do dano,
e que são anteriores a existência do tipo descrito no art. 168-A e que abriu a discussão.
Interessante também observar que o referido voto se amparou e citou, inclusive, o
parecer do Ministério Público. Visando rechaçar a aplicação analógica dos dispositivos que
permitiriam a extinção da punibilidade na restituição da coisa apropriada após a denúncia, sob
o argumento de analogia, o raciocínio implica em várias falácias. Veja-se:
“Denotam os documentos juntados na impetração que o acusado, por razões que deverão
ser detectadas no curso da ação penal, apropriou-se de valores recebidos da Previdência
Social por idosa analfabeta, a título de honorários advocatícios, instruindo-a a não se
manifestar sobre o ocorrido, sob pena de perda do benefício. Evidente que, não obstante a
restituição posterior dos valores, trata-se de conduta grave, ainda mais quando partida de
advogado para quem o patrono da vítima havia substabelecido poderes, conduta, como já
frisado, que em tese configura crime, crime esse diverso do previsto no art. 168-A do
Código Penal, motivo pelo qual não se pode cogitar de sua aplicação por analogia na
hipótese”.
Cabe destacar que a reparação do dano não perquire sobre a moralidade da
conduta. É um instituto objetivo. Perquire sobre a existência da reparação ou não do dano. O
Ministério Público Federal, entretanto, em sua argumentação, apelou à compaixão e à
moralidade, no caso, da idosa vítima nos autos “apropriou-se de valores recebidos da
Previdência Social por idosa analfabeta (…) não obstante a restituição posterior dos valores,
trata-se de conduta grave, ainda mais quando partida de advogado”). Esse argumento não
guarda pertinência para o deslinde da questão, consistindo uma falácia informal de relevância,
no caso, em razão da irrelevância da premissa para gerar a conclusão da não aplicação da
extinção da punibilidade pela reparação do dano. Além disso, incidiu na falácia da petição de
princípio, quando falou o seguinte: “conduta, como já frisado, que em tese configura crime,
crime esse diverso do previsto no art. 168-A do Código Penal, motivo pelo qual não se pode
cogitar de sua aplicação por analogia na hipótese”. Observe-se que o raciocínio foi o seguinte:
a conduta era criminosa. O crime foi diverso do previsto no art. 168-A. Logo, não cabe
analogia. Isso é uma falácia de petição de princípio. A conclusão estava na premissa, isso
porque a analogia é exatamente aplicação de um instituto de um caso diverso, embora
parecido. Se fosse um fato que caracterizasse o crime do art. 168-A, não se haveria sequer de
se falar em analogia.
Portanto, analisando o HC 87.324, em suma, verifica-se que o Supremo Tribunal
Federal não enfrentou a questão da possibilidade ou não de aplicação dos benefícios previstos
para o crime de apropriação indébita previdenciária aos demais crimes contra o patrimônio.
Tangenciou a discussão. Disse uma coisa pela outra. Curioso destacar que esse mesmo
julgado remete a outros, todos anteriores à lei que instituiu o art. 168-A em nosso
ordenamento penal e até mesmo da Parte Geral do Código Penal, que é de 1984 (RE 88.709,
de 12.12.1978; HC 47129, de 26.08.1969; RCH 49.073, de 13.10.1971; RHC 59.033, de
17.11.1981; RE 104.270, de 05.02.1985 etc).
O outro precedente citado no voto da Ministra é aquele mesmo HC 75.051,
também já analisado acima.

Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 18
9
Portanto, os precedentes acima do STF não são pertinentes para o
enfrentamento da questão. Em nossas pesquisas na doutrina, bem como na
jurisprudência do STF, seja no site, seja nos informativos do STF, não
encontramos outros que tratassem da questão.
Diante dessas falácias que encobrem uma realidade de flagrante distinção de
tratamento com base não nos fatos, mas sim nas pessoas que os cometem, uma vez que o
crime de apropriação indébita previdenciária só pode ser cometido por quem tem empregados,
enquanto que a apropriação indébita simples e o furto são cometidos geralmente , e não há de
se negar isso, por pessoas das camadas mais sofridas da sociedade, bem cabe a denúncia de
António Manuel Hespanha:
“O juiz funciona no seio de uma teia de condicionamentos muito desequilibrada, pois o
recurso aos melhores advogados (e, portanto, aos produtores de discursos mais
consistentes ou convincentes), a possibilidade de obter mais prova, de suportar os custos
(tempo e dinheiro) dos incidentes e recursos, de entender melhor o que se passa em
tribunal, e, até, de condicionar a decisão por meio da comunicação social, tudo isso está
desigualmente distribuído na sociedade. E é esta desigualdade, mais do que “qualquer
défice democrático original, que projecta sobre a justiça uma sombra de ilegitimidade e
que cria preocupações perante o alargamento da sua esfera de intervenção, enquanto o seu
ambiente não for regido pelo princípio da igualdade de oportunidades.
Pode-se dizer quem o mesmo se passa com a decisão no processo legislativo. E é bem
verdade que isso pode ser justamente dito, dado o compadrio de interesses, as leis
políticas, as leis feitas à medida de um caso, a opacidade de certas decisões ou o
lobbyismo descarado que subjaz outras. Mas, pergunta-se, esses poderosos meios que
condicionam um governo ou uma maioria parlamentar são incapazes de controlar um
tribunal? Não passa hoje a aplicação de toda essa legislação espúria pelo crivo dos
tribunais? Os resultados da justiça não são hoje avaliados como sendo mais
discriminadores do que o enunciado das leis?”7
SOBRE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O principio da igualdade é um dos princípios estruturantes dos direitos
fundamentais, uma vez que é pressuposto para a uniformização do regime de liberdades
individuais.
No esteio dessa relevância, a Constituição Federal traz como um dos objetivos
fundamentais da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV; bem como dentre os
direitos e garantias fundamentais, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito (...) à igualdade” (art. 5º, caput).
Na doutrina portuguesa, tão amplamente aceita aqui, observa Canotilho duas
vertentes de aplicação desse princípio ao Estado: a) na atuação do Estado e, em especial, na
concretização do direito pelos os tribunais; b) na criação do direito pelo legislador.8
No primeiro caso, dirigindo-se aos tribunais, impõe que na concretização dos
direitos, não haja discriminações indevidas. No segundo, dirigindo-se ao legislador, impõe
que a lei, ao ser criada, já deve ter sido sob o prisma da igualdade.
A igualdade é relacional. Levam-se em conta determinadas características que,
naquela questão, são as mais importantes para definir sua obediência ou não. Existe
observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente
(proibição do arbítrio) tratados como desiguais. O principio de proibição do arbítrio anda
sempre ligado a um fundamento material ou um critério material objetivo, que, segundo
Canotilho, sintetiza-se assim: “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a
disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo;
7 HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje.
2ª. ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 152-153.
8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 426.
10
(iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”.9
Inevitavelmente há que se realizar um juízo de valor.
Contudo, para se definir se há ou não arbitrariedade, isto é, se há ou
não violação do princípio da igualdade, deve-se avaliar a suficiência ou não do arbítrio como
fundamento adequado de valoração e de comparação. Tem-se que analisar a natureza e o peso
dos fundamentos ou motivos justificadores para a diferenciação.
Segundo Jorge Miranda10, a igualdade pode ser vista em dois sentidos: negativo e
positivo. O primeiro sentido é o de negar, de vedar privilégios e discriminações. Isto é,
ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever. Observado a arbitrariedade, surge o dever de estancar o privilégio
ou a discriminação.
No sentido positivo, visa-se recompor a igualdade por meio da concessão de
tratamento igual em situações iguais; no tratamento desigual de citações desiguais, mas
substancial e objetivamente desiguais e não as criadas e mantidas artificialmente pelo
legislador; c) o tratamento em modos de proporcionalidade; 4) o tratamento das situações não
como apenas existem, mas como também devem existir, fazendo com que a desigualdade
perante a lei seja igualdade através da lei.
Assim o arbítrio a desrazoabilidade da solução legislativa a sua inadequação por
desproporção revelam de forma mias flagrante a preterição11 (Jorge Miranda p. 257). Surge a
situação, como no caso que analisamos, se houve duas posições ou duas leis a estabelecer
tratamento desigual para duas citações iguais, qual das duas deverá ser eivada de
inconstitucionalidade?
Proveniente da experiência do controle de constitucionalidade do Tribunal
Constitucional Alemão, a jurisprudência pátria adotou a exclusão de “benefício incompatível
com o princípio da igualdade”. Sobre ela, disse Gilmar Mendes:
“Ponto de partida para o desenvolvimento dessa variante de decisão foi a chamada
‘exclusão do benefício incompatível com o princípio da igualdade’, que se verifica
quando a lei, de forma arbitrária, concede benefícios a um determinado grupo de
cidadãos, excluindo, expressa ou implicitamente, outros segmentos ou setores. (...) Tem-
se uma exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, se a norma
afronta ao princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados
segmentos ou grupos, sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas.
Essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é concludente se a
lei concede benefícios apenas a determinado grupo; e explícita, se a lei geral que outorga
determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos”12
A resolução dessa questão se dá pela aplicação da máxima efetividade dos direitos
fundamentais. Outrossim, partimos da concepção minimalista do direito penal, uma vez que
as normas penais devem passar por um filtro no que diz respeito à sua lesividade e
necessidade. Só deve ser crime a conduta que impeça a realização dos objetivos
constitucionais do Estado, ou seja, “os delitos que alimentam a injustiça social e os
necessários à coesão do tecido social (leia-se graves, informado pelo princípio da lesividade
ou necessidade), demitindo-se, assim, da criminalização de toda-e-qualquer-conduta que

9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª. ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 428.
10 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos fundamentais. 4ª
ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 253.

11 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos fundamentais. 4ª


ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 253.
12 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 214.
11
possa ser resolvida por formas extrapenais.”13 O caso versado, inclusive, nenhum
prejuízo patrimonial causou, pois a vítima recebeu o DVD de volta e seu filho
disse ter sido insignificante o prejuízo de R$ 50,00. Sendo assim, estanca-se o
critério discriminatório de maneira positiva, isto é, tratando-se igualmente os discriminados,
no caso o agente que pratica furto ou apropriação indébita simples em relação ao que pratica
apropriação indébita previdenciária, nos termos do art. 68 da lei 11.941/2006.
Os comportamentos foram similares. A intenção de reparar o dano foi a mesma. O
resultado para a vítima foi o mesmo. O dano desapareceu para ambos. Por que, então, tratá-los
diferentemente?
Manter a discriminação é ferir o princípio da igualdade, uma vez que os crimes
guardam uma grande similitude. São todos crimes contra o patrimônio, cometidos sem
violência ou grave ameaça, dolosos e com uma série de similaridades já destacadas na tabela
acima.
O fundamento para discriminação não é sério, razoável e nem tem sentido
legítimo.
Não é sério porque o simples fato de se tratar o autor de pessoa que subtrair ou se
apropria de valores que deveriam ser repassados à Previdência Social não pode, nem deve, ser
critério diferenciador, notadamente porque no caso do crime do art. 168-A ocorre prejuízo não
só ao Estado, que deixa de arrecadar, mas também ao contribuinte que em razão da retenção e
apropriação indevida da contribuição social, foi excluído dos benefícios da Previdência
Social, incluindo as aposentadorias, especial, por idade, por invalidez, por tempo de
contribuição e os auxílios por acidente, doença e reclusão, sem contar pensão por morte,
salário-família e salário-maternidade. No caso do furto ou da apropriação indébita, os bens
são de particulares.
Não é razoável tratar mais gravosamente um tipo do que outro devido à
desproporção entre a generalidade dos casos em que ocorrem furtos e apropriação indébita –
que por terem como objetos bens móveis, comumente são de valor baixo –, e os em que
ocorre a apropriação indébita previdenciária, normalmente na casa das dezenas de milhares,
quando não centenas de milhares de reais. Há ocorrências de trezentos milhões de reais.14
Não é legítima a distinção. Ainda mais quando se trata de situações em que a
conduta é a mesma, isto é, quando há a reparação do dano pelo agente. Manter a
discriminação é aplicar o direito penal do autor (em benefício, claro, empresários dos
sonegadores), e o pior: na ordem inversa do sentido propalado por Gunther Jakobs, criando o
“direito penal do amigo dos réus ricos e inimigo dos réu pobres”.
Não existe motivo justificador para a diferenciação de tratamento. E alerta
Canotilho:
“Esta ideia de igualdade justa deverá aplicar-se mesmo quando estamos em face de
medidas legislativas de graça ou de clemência (perdão, anistia), pois embora se trata de
medidas que, pela sua natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis,
elas não dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais
tratamentos diferenciadores”.15
Verificado o arbítrio injustificado que viola a igualdade, deve o Judiciário aplicar
o princípio da igualdade, conferindo um tratamento que faça com que a desigualdade diante a
lei (injusta) seja sanada através da equiparação justa.

13 BRASIL. Poder Judiciário de Santa Catarina. Juízo de Direito da Comarca de Porto União.
Juiz Alexandre Morais da Rosa. Sentença proferida nos autos do processo de nº
052.99.001003-3.

14 R$ 300.000.000,00. É um exemplo na jurisprudência do TRF da 3ª Região (ACr


2000.61.02.015382-0/SP – 5ª T. – Relª Desª Fed. Ramza Tartuce – DJe 16.11.2010 – p. 587).
15 CANOTILHO, 2003.
12
DISPOSITIVO
Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar
improcedente a pretensão punitiva do Estado, e extinguir a punibilidade dos fatos
cometidos contra [APAGADO], parte já qualificada nos autos, o que faço com fulcro no
Princípio Constitucional da Igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal) e nas regras
descritas nos arts. 155, caput, e 168-A, § 2º, do Código Penal, bem como dos arts. 68 e 69 da
lei 11.941/2009.
Comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; comunique-se ao Distribuidor
Criminal, para os fins necessários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal, 11 de fevereiro de 2011.

Rosivaldo Toscano dos Santos Junior

Juiz de Direito - proc. nº [APAGADO]

13

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