Desejar Deus pertence à essência da fé cristã. No Evangelho Deus aparece
como PAI acessível, um Deus livre que escuta e acolhe sempre, Alguém em quem se pode confiar, um Deus que nos ama e que nos constitui como “outros” distintos d’Ele. Só a um Deus assim se pode desejar, amar. Só um Deus assim nos mantém de pé como pessoas, como liberdades que possam abrir-se à acolhida e à resposta de sua própria liberdade. No fundo, o que faz com que a liberdade de Deus não seja temível é que sua essência é AMOR. A liberdade de Deus coincide com seu AMOR: é amor; e desse Amor não há nada que temer. Mas é Amor ao modo de Deus, nem sempre coincidente com as expectativas de nosso desejo.
Toda experiência religiosa é caracterizada pelo desejo humano de uni-
ão com o Absoluto, de confiança ilimitada e de superação dos limites. “Desejo morrer para estar com Cristo” (Fil l,23). De onde nasce esse “estranho” e impetuoso desejo de união com Deus? Que produz e para onde leva? Tem ou não tem raízes sagradas o desejo humano de Deus? Pode converter-se ou não em transparência de Deus e em veículo para Ele?
O DESEJO, indicador e motor de transcendência.
O desejo humano se extende entre a experiência de um vazio e a esperança de uma plenitude. O desejo é o preço que temos de pagar por sermos livres. Temos desejos porque somos “criaturas”; nossa relação e nossa referência ao Criador não é acidental, senão que nos constitui essencialmente. É isso que possibilita o ser humano abrir-se aos outros, amar e ser amado, caminhar em direção à plenitude, à perfeição, à santidade. “Porque nos fizeste para Ti, e nosso coração está inquieto até que descanse em Ti” (S.Agostinho). O “coração inquieto” da experiência cristã é um coração ansiosamente necessitado de infinito. É um coração “habitado” por Deus e em busca desse Outro que o habita. “Porque peço que venhas a mim, quando eu não seria se Tu não fosses em mim ” (S.Agostinho).
A transcendência do desejo, seu impulso para fora, dirige-se em 1º lugar ao
mundo das coisas e às pessoas, mas não pára aí. O desejo vai sempre mais além daquilo que foi conseguido; nenhuma satisfação o aquieta definitivamente; seu anseio é constitutivamente anseio de INFINITO. O desejo é assim por dentro; tem esse dinamismo interior. O DESEJO é indicador de Deus, transparência d’Ele, caminho para Ele. Isso porque o ser humano é fruto do DESEJO de Deus – Deus cria o ser humano e por isso o ser humano sonha Deus e tem desejo d’Ele. Nesse sentido somos uma projeção de Deus.
Não é qualquer desejo que é transparência de Deus e caminho para Ele; o
verdadeiro desejo é aquele que ao abrir-se para fora se encontra com os outros como “outros”, como “diferentes” de si, como “alteridade e chamado” que solicita nosso amor, e como “promessa”. Será justamente na resposta a esse outro diferente que o desejo se vê re- enviado a Deus, como seu mistério mais constitutivo e mais profundo, como suas “raízes sagradas”. O desejo de Deus não é um desejo que entra em competição com outros desejos, mas que os purifica e os “ordena”. “O primeiro mandamento é este: amarás o Senhor com todo o teu coração, com todas as tuas forças, com toda a tua mente. O segundo...” (Mt 22,37-40) Sem esse desejo, primeiro e principal, o amor aos outros se extravia com muita facilidade e frequencia. A condição de possibilidade de um Amor aos outros que quer ser profundo, duradouro... é o desejo de Deus. Textos bíblicos: Jó 29; Sl 63(62) Oração e desejo formam uma unidade: “Se não queres deixar de orar, não interrompas o DESEJO. Teu desejo contínuo é tua voz, isto é, tua oração contínua”. (S.Agostinho)