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Manuel Menezes 2
Nota Introdutória
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Comunicação proferida no dia 14 de Abril de 2005, no Congresso da Cidadania: Cidadania Activa,
Direitos e Responsabilidades (Janeiro a Maio de 2005), Ministro da República para a Região Autónoma
dos Açores, Flores/Lajes das Flores– Auditório Municipal.
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Assistente Social. Mestre em Serviço Social pelo Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa.
Doutorando em Ciências da Linguagem e da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa. Docente – Licenciatura em Serviço Social – no Instituto Superior
Bissaya-Barreto.
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dimensões da cidadania, uma activa e outra não-activa? (iv) Se sim, qual a justificação
para o realce da dimensão activa? (v) Será que esta dimensão se encontra subvalorizada
face à dimensão não-activa?
Ao buscarmos algumas respostas para as questões enunciadas, deveremos
pontuar, de um modo bastante sinóptico, a existência de duas tradições que abordam a
cidadania de modo distinto e, por consequência, o papel adstrito do cidadão. Por um
lado, encontramos uma versão mais estática da cidadania, dentro da qual se enquadra a
Tradição Liberal-individualista:
(i) A cidadania é apreendida, essencialmente, como sendo o status legal que o
indivíduo possui pelo facto de pertencer a uma comunidade ou a um Estado-
nação, ou seja, é essa pertença que vai assegurar esse status o que, por
consequência, conduz à conclusão de que nos encontramos perante uma
recepção passiva onde a participação dos cidadãos não é realçada;
(ii) Valoriza, essencialmente, os direitos individuais e a igualdade de tratamento;
logo, o cidadão, enquanto sujeito do Estado, serve como meio para a reprodução
do Estado em troca de alguns benefícios (liberdade, protecção, bem-estar social,
entre outros) 3 .
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Uma das questões que actualmente se coloca relativamente a esta abordagem da cidadania, é a das
dificuldades que cada vez mais se levantam à interligação do conceito de cidadania com o de
nacionalidade ou identidade nacional, ou seja, ao se falar em cidadania transnacional, nomeadamente, na
União Europeia, há necessidade de repensar a abordagem que enuncia como aspecto básico da cidadania
o status/pertença a um determinado Estado. Sobre este aspecto pode-se, entre muitos outros autores, cf.
Antje Wiener (1996).
3
que abrangem a cidadania civil (século XVIII), a cidadania política (século XIX) e a
cidadania social (século XX).
Ao encetarmos uma análise crítica desta tradição, que toma como pano de fundo
essencialmente a perspectiva marsheliana (T. H. Marshall, 1950), gostaríamos de
referir que a mesma, embora importante, não é suficiente para apreender a
complexidade que envolve o conceito de cidadania. Podendo, desde já assinalar-se a
existência de algumas esferas não cobertas ou, pelo menos, problemáticas quando
analisadas segundo a óptica desta tradição 4 .
Face às insuficiências expostas, vimo-nos obrigados ao reequacionamento de
novas vias de análise que tomem em atenção, não só, o direito na sua vertente formal,
mas também na sua efectivação concreta. Será, então, neste âmbito, que a segunda
tradição da cidadania ganha particular interesse. Estamos a falar nomeadamente da
Tradição Aristotélica ou Republicana-Cívica
Esta, podendo ser considerada uma versão mais dinâmica da cidadania, é uma
concepção que tem subjacente, um entendimento comunitário e ético, na tradição da
filosofia política de Aristóteles segundo a qual a cidadania envolve actividade política
ou o «moeurs politiques». Por outras palavras, esta tradição concebe a cidadania em
analogia com um modelo onde predomina a «conquista» da pertença a uma comunidade
ético-cultural autodeterminada, i.e., constatamos que os laços que interligam o
indivíduo com a comunidade são muito mais fortes. O debate sobre a cidadania, nesta
perspectiva, já não se limita somente à relação entre o indivíduo e o Estado, mas é
alargado ao contexto mais vasto da sociedade civil, tomando-se em linha de conta as
inter-relações existentes entre os diferentes membros de uma comunidade e a forma
como as mesmas podem propugnar alterações, aos mais variados níveis, na evolução
dessa mesma comunidade, nomeadamente, o reconhecimento pela comunidade da
extensão dos direitos a todos.
No concernente ao papel do indivíduo, esta segunda perspectiva reserva para o
mesmo um papel mais activo, dado que, a realização da cidadania está dependente da
existência de uma prática conjunta de autodeterminações (Jürgen Habermas, 1994: 26),
4
A título de exemplo, podem-se enunciar: (i) a cidadania desde o seu inicio foi exclusora, tanto ao nível
dos direitos civis (condicionalismos económicas e preconceitos de raça), como ao nível dos direitos
políticos (preconceitos de raça e questões de género); (ii) análise tem subjacente, essencialmente, um
contexto de masculinidade; (iii) necessidade de ser repensada de modo a abarcar as alterações ocorridas
com a entrada da mulher na esfera do trabalho e as mutações da estrutura familiar; (iv) problemáticas das
minorias étnicas não têm enquadramento; (v) países de leste existência de direitos sociais vs. inexistência
de direitos civis e políticos; EU: 1.º direitos sociais e civis, 2.º direitos políticos; para uma análise mais
aprofundada destas questões, cf. Manuel Menezes (2001).
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oportunidades para algumas economias locais, enquanto que, para outras, pode
significar a exclusão dos interesses globais 5 . Por outras palavras, a globalização no
mesmo processo em que abre oportunidades, produz ameaças melindrosas 6
engendrando, por consequência, não só vencedores, mas, também, milhões de
vencidos 7 : «[…] a despeito de padrões de vida mais elevados que a globalização […]
proporcionou em vastas extensões do mundo, centenas de milhões de pessoas
experimentaram reversões económicas em vez de avanços» (PNUD, 2003: 16).
Daqui decorre, necessariamente, a conclusão de que a globalização ao induzir
uma reorganização/transformação do tempo e do espaço, no seu âmago, é polarizadora
tanto para as pessoas como para os territórios, porque, apesar de ter beneficiado alguns
espaços e indivíduos, noutros, aprofundou, ainda mais, as assimetrias existentes
anteriormente 8 . Mais ainda, ela é polarizadora não só, entre regiões, mas, também,
dentro dos próprios países, onde emerge uma polarização produtora de hiatos
rurais/urbanos, de género e sócio-económicos que, em última análise, promovem um
desenvolvimento distorcido ou, mais precisamente, um desenvolvimento desumano.
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Isto deriva do facto de a economia global não ser planetária, ou seja, é assimétrica entre países e entre
regiões dentro de cada país, o que, por consequência, conduza a que a «[…] concentração de recursos,
dinamismo e riqueza em determinados territórios [propugne uma] crescente segmentação da população
mundial, seguindo a da economia global e conduzindo em última análise, a tendências globais de
crescente desigualdade e de exclusão social» (Manuel Castells, 2000-a: 163).
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Segundo a acepção Amartya Sen, a globalização é tanto uma enorme oportunidade – propugnando novas
formas de prosperidade e opulência –, como uma ameaça – especialmente para os modos tradicionais de
vida e de rendimento (2000: 28). Um outro exemplo é-nos fornecido por John Kavanagh que, referindo-
se à influência exercida pelas novas tecnologias na vida das pessoas, advoga que «a globalização deu
mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a
mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e
especular com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos
pobres do mundo. De facto, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas
deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial» (apud Zygmunt Bauman, 1998: 79).
7
Denominados por Zygmunt Bauman (1998), de turistas ou vagabundos, consoante se enquadrem na
primeira ou na segunda situação.
8
Um exemplo do referido, é-nos fornecido por Peter Townsend et all, para quem a «polarização social» é
o maior problema estrutural que o mundo enfrenta na actualidade: «o ratio entre os 20% mais pobres e os
20% mais ricos da população mundial situava-se, em 1960, em 30:1. Segundo os cálculos mais recentes
do PNUD, ele cresceu para 73:1» (1999: 5); para conclusões similares, cf. Manuel Castells (2000-b).
Sobre as implicações sociais, espaciais, entre outras, da globalização, cf. Estevam Martins (s/d).
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No caso da União Europeia, englobando cerca de 4 milhões de habitantes, são consideradas regiões
ultraperiféricas: os departamentos ultramarinos franceses (Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica e
Reunião), as regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e as Canárias.
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No caso concreto dos Açores, dever-se-á salientar a dispersão dos 19 concelhos por 9 ilhas.
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Sobre estes aspectos, enquanto justificativos da adopção de um estatuto especifico de ultraperiferia para
esses territórios, cf. o n.º 2 do artigo 299.º, do Tratado de Amesterdão.
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Segundo a acepção de Manuel Castells, «a globalização actua de forma selectiva, incluindo e excluindo
segmentos de economias e sociedades das redes de informação, riqueza e poder que caracterizam o novo
sistema dominante» (2000-b: 202).
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Segundo a acepção de Manuel Castells, «a integração europeia é, ao mesmo tempo, uma reacção ao
processo de globalização e a sua expressão mais avançada. Também é prova de que a economia global
não é um sistema indistinto constituído por empresas e fluxos de capital, mas uma estrutura regionalizada
em que as velhas instituições nacionais e as novas entidades supranacionais ainda desempenham um
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Destarte, um dos desafios actualmente colocado às RUP, decorre do facto de, com o
alargamento da UE a 25 membros, o cálculo para a distribuição dos apoios vir, muito
provavelmente, a prejudicar essas regiões. Isto é, a entrada dos novos membros do Leste
europeu propugnou uma diminuição da média do PIB comunitário em 13%, o que, por
consequência, conduz a que, devido a um efeito estatístico, algumas regiões vejam a sua
situação melhorada face a essa mesma média (no caso da Madeira, por exemplo, o PIB
per capita passa a ser superior a 75% da média comunitária), deixando, por conseguinte,
de ser elegíveis para alguns dos fundos estruturais 17 previstos para o Quadro
Comunitário de Apoio 2007-2013. Se nos recordar-mos que, até recentemente, 6 das 7
RUP figuravam entre as 10 regiões mais pobres da UE, as ultraperiferias, apesar de
evidenciarem um «enriquecimento estatístico», em termos reais, dada a não modificação
das suas circunstâncias objectivas, deparar-se-ão com maiores dificuldades no alcance
dos objectivos de convergência com os outros territórios, tanto nacionais como
europeus. Dever-se-á, no entanto, salientar que já estão previstas algumas medidas
transitórias visando compensação dos efeitos estatísticos decorrentes do alargamento 18 .
17
Designadamente o Objectivo 1, destinado ao ajustamento estrutural das regiões com menores índices de
desenvolvimento económico (com um PIB médio per capita inferior a 75% da média da União Europeia)
e/ou que sejam abrangidas pelo estatuto de ultraperiferia.
18
Sobre estes aspectos, cf. Comissão Europeia (2002).
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É nesse espaço, por via da participação «[…] em organizações comunitárias que, ao longo do tempo,
geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural,
comunitária», que os indivíduos terão algumas hipóteses de resistência ao processo de individualização e
atomização a que as suas vidas se encontram sujeitas (Manuel Castells, 2001: 73).
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Integra as Universidades dos Açores, Madeira, Las Palmas e La Laguna.
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Referências Bibliográficas
CROUCH, Colin (1996). Social and Economic Citizenship below the Nation State. In
Social and Political Citizenship in a World of Migration - Conference, European
Forum. Florença, European University Institute, policopiado, 15 pp.
14
SEN, Amartya (2000). Social Exclusion: Concept, Application and Scrutiny. Manila,
Asian Development Bank, Office of Environment and Social Development, 54 pp.
TOWNSEND, Peter; GORDON, David (1999). Poverty, Social Exclusion and Social
Polarization: Applying the 1995 UN Programme of Action on Absolute and Overall
poverty to all Countries. Lisboa, CESIS, 20 pp.