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Ultraperiferia e Diversidade. Do Pensamento Global à


Acção Local 1

Manuel Menezes 2

Nota Introdutória

Quanto à estrutura da conferência, a mesma encontra-se subdividida em dois


pontos. Num primeiro momento, dada a temática subjacente ao congresso, gostaríamos
de desenvolver uma pequena reflexão relativa a um conjunto de mediações que
perpassam a problemática da cidadania, mediações essas, que foram alvo da nossa
atenção num passado recente (Manuel Menezes, 2001; 2002). Após este ponto
introdutório, buscar-se-á estabelecer algumas conexões entre o global e o local de modo
a tornar perceptível, por um lado, alguns dos desafios colocados às ultraperiferias num
contexto globalizado e, por outro, as possibilidades meso-locais de intervenção
enquanto movimento de contracorrente a esses mesmos desafios.

1 – Reflexões Conexas com a Cidadania

Um ponto de partida possível para o desenvolvimento de algumas considerações


sobre a temática em análise, interliga-se com a tentativa de perceber porque é que o
subtítulo do Congresso remete para a questão da Cidadania Activa – Direitos e
Responsabilidades. Seguindo este raciocínio algumas questões se levantam: (i) porque é
que não é suficiente falarmos somente de cidadania? (ii) Qual a razão para
acrescentarmos à reflexão o vocábulo «activo»? (iii) Será que existem diferentes

1
Comunicação proferida no dia 14 de Abril de 2005, no Congresso da Cidadania: Cidadania Activa,
Direitos e Responsabilidades (Janeiro a Maio de 2005), Ministro da República para a Região Autónoma
dos Açores, Flores/Lajes das Flores– Auditório Municipal.
2
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pelo Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa.
Doutorando em Ciências da Linguagem e da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa. Docente – Licenciatura em Serviço Social – no Instituto Superior
Bissaya-Barreto.
2

dimensões da cidadania, uma activa e outra não-activa? (iv) Se sim, qual a justificação
para o realce da dimensão activa? (v) Será que esta dimensão se encontra subvalorizada
face à dimensão não-activa?
Ao buscarmos algumas respostas para as questões enunciadas, deveremos
pontuar, de um modo bastante sinóptico, a existência de duas tradições que abordam a
cidadania de modo distinto e, por consequência, o papel adstrito do cidadão. Por um
lado, encontramos uma versão mais estática da cidadania, dentro da qual se enquadra a
Tradição Liberal-individualista:
(i) A cidadania é apreendida, essencialmente, como sendo o status legal que o
indivíduo possui pelo facto de pertencer a uma comunidade ou a um Estado-
nação, ou seja, é essa pertença que vai assegurar esse status o que, por
consequência, conduz à conclusão de que nos encontramos perante uma
recepção passiva onde a participação dos cidadãos não é realçada;
(ii) Valoriza, essencialmente, os direitos individuais e a igualdade de tratamento;
logo, o cidadão, enquanto sujeito do Estado, serve como meio para a reprodução
do Estado em troca de alguns benefícios (liberdade, protecção, bem-estar social,
entre outros) 3 .

Na sequência do enunciado, em termos históricos, os defensores desta tradição,


captando a cidadania como um processo em movimento/construção, vão apreendê-la,
essencialmente, pela via das interligações que ao longo dos tempos foram sendo
estabelecidas entre os indivíduos e o Estado, interligações essas que, em princípio,
deveriam permitir ao indivíduo adquirir um estatuto que lhe proporcionaria a
participação na comunidade, comungando igualitariamente de direitos e deveres por ela
definidos. Por outras palavras, o estatuto de cidadania em conexão com os direitos que
lhe estão adstritos, deveria conferir aos indivíduos oportunidades iguais para a plena
realização do ser humano na sociedade.
Seguindo esta linha de análise vamos encontrar no desenvolvimento histórico da
cidadania moderna três estádios que se vão complexificando, nomeadamente os estádios
que abrangem os direitos civis, políticos e sociais ou, se assim o preferirmos, os estádios

3
Uma das questões que actualmente se coloca relativamente a esta abordagem da cidadania, é a das
dificuldades que cada vez mais se levantam à interligação do conceito de cidadania com o de
nacionalidade ou identidade nacional, ou seja, ao se falar em cidadania transnacional, nomeadamente, na
União Europeia, há necessidade de repensar a abordagem que enuncia como aspecto básico da cidadania
o status/pertença a um determinado Estado. Sobre este aspecto pode-se, entre muitos outros autores, cf.
Antje Wiener (1996).
3

que abrangem a cidadania civil (século XVIII), a cidadania política (século XIX) e a
cidadania social (século XX).
Ao encetarmos uma análise crítica desta tradição, que toma como pano de fundo
essencialmente a perspectiva marsheliana (T. H. Marshall, 1950), gostaríamos de
referir que a mesma, embora importante, não é suficiente para apreender a
complexidade que envolve o conceito de cidadania. Podendo, desde já assinalar-se a
existência de algumas esferas não cobertas ou, pelo menos, problemáticas quando
analisadas segundo a óptica desta tradição 4 .
Face às insuficiências expostas, vimo-nos obrigados ao reequacionamento de
novas vias de análise que tomem em atenção, não só, o direito na sua vertente formal,
mas também na sua efectivação concreta. Será, então, neste âmbito, que a segunda
tradição da cidadania ganha particular interesse. Estamos a falar nomeadamente da
Tradição Aristotélica ou Republicana-Cívica
Esta, podendo ser considerada uma versão mais dinâmica da cidadania, é uma
concepção que tem subjacente, um entendimento comunitário e ético, na tradição da
filosofia política de Aristóteles segundo a qual a cidadania envolve actividade política
ou o «moeurs politiques». Por outras palavras, esta tradição concebe a cidadania em
analogia com um modelo onde predomina a «conquista» da pertença a uma comunidade
ético-cultural autodeterminada, i.e., constatamos que os laços que interligam o
indivíduo com a comunidade são muito mais fortes. O debate sobre a cidadania, nesta
perspectiva, já não se limita somente à relação entre o indivíduo e o Estado, mas é
alargado ao contexto mais vasto da sociedade civil, tomando-se em linha de conta as
inter-relações existentes entre os diferentes membros de uma comunidade e a forma
como as mesmas podem propugnar alterações, aos mais variados níveis, na evolução
dessa mesma comunidade, nomeadamente, o reconhecimento pela comunidade da
extensão dos direitos a todos.
No concernente ao papel do indivíduo, esta segunda perspectiva reserva para o
mesmo um papel mais activo, dado que, a realização da cidadania está dependente da
existência de uma prática conjunta de autodeterminações (Jürgen Habermas, 1994: 26),
4
A título de exemplo, podem-se enunciar: (i) a cidadania desde o seu inicio foi exclusora, tanto ao nível
dos direitos civis (condicionalismos económicas e preconceitos de raça), como ao nível dos direitos
políticos (preconceitos de raça e questões de género); (ii) análise tem subjacente, essencialmente, um
contexto de masculinidade; (iii) necessidade de ser repensada de modo a abarcar as alterações ocorridas
com a entrada da mulher na esfera do trabalho e as mutações da estrutura familiar; (iv) problemáticas das
minorias étnicas não têm enquadramento; (v) países de leste existência de direitos sociais vs. inexistência
de direitos civis e políticos; EU: 1.º direitos sociais e civis, 2.º direitos políticos; para uma análise mais
aprofundada destas questões, cf. Manuel Menezes (2001).
4

entendendo-se a participação no poder – de acordo com Charles Taylor – «(...) como a


essência da liberdade (...), sendo capaz de durante a maior parte do tempo participar na
formação do poder consensual, onde cada um pode ser identificado perante os outros.
Mandar e ser mandado, significa, que pelo menos durante algum tempo os
“governantes” podemos ser “nós” e não sempre os “outros”» (apud Jürgen Habermas,
1994: 26), ou nas palavras clarividentes de Colin Crouch, a essência da cidadania
apreende-se quando existe «[...] participação directa nos negócios públicos da
comunidade» (1996: 2), devendo o indivíduo sentir-se envolvido/identificado com o
destino individual e colectivo, agindo sobre os desafios reais dos homens e das
mulheres à escala onde os problemas se colocam, tentando ultrapassar o sentimento de
impotência que tanta vezes nos assola, enfim, entendendo a cidadania como sendo a
crença na nobreza e na possibilidade do político (Pierre Calame, 1995).
Não descurando o referido, e ao retornarmos ao nosso ponto de partida, i.e., ao
subtítulo do congresso, pensamos encontrarmo-nos agora em condições de estabelecer
algumas conexões entre o mesmo e as tradições de cidadania apresentadas.
Destarte, ao retomarmos as questões inicialmente colocadas, pensarmos ter
esclarecido o porquê da insuficiência de falarmos somente em cidadania, pois, como se
pôde verificar a partir do exposto, existem, pelo menos, duas esferas que perpassam a
problemática, designadamente uma dimensão mais estática por contraposição a uma
vertente mais dinâmica da cidadania. Esferas essas que, ao serem apreendidas em
complementaridade, acabam por enriquecer o conceito dando conta da complexidade
inerente ao mesmo.
Em segundo lugar, ao procurarmos estabelecer uma interconexão entre o
subtítulo e as duas tradições apresentadas, facilmente se constata, por um lado, a
existência de uma maior proximidade entre a Tradição Liberal-Individualista e a
vertente dos Direitos enunciada no subtítulo e, por outro lado, o salientar da
Responsabilidade remete claramente para a Tradição Aristotélica Republicana-Cívica.
Devendo-se, ainda, acrescentar que esta última tradição, dada a riqueza que a perpassa,
como é lógico, não descura a dimensão dos direitos, pois, o seu objectivo último é que
os mesmos, no percurso necessário da teoria à prática, se efectivem no concreto
vivenciado.
Em terceiro lugar, na resposta à questão de saber qual das duas dimensões tem
sido mais valorizada, de um modo muito sucinto, gostaríamos de referir que a dimensão
mais estática da cidadania foi predominante até, sensivelmente, aos finais da década de
5

60 do século passado, começando, a partir daí, a ser questionada quase em simultâneo


com a crise do Estado-Providência. Desde esse período até aos dias de hoje, cada vez
mais se tem vindo a falar e a debater a cidadania o que, negativamente, indicia a crise
do conceito e, positivamente, remete para uma maior consciencialização da comunidade
quanto à necessidade de efectivação da mesma, ou seja, para a revalorização em
crescendo da dimensão dinâmica, activa da cidadania.
Por último, mas não menos importante, a resposta ao porquê de, ainda hoje, ser
necessário realçar a dimensão activa da cidadania. Este realce justifica-se, porquanto,
apesar de o percurso percorrido ter sido de extrema valia, ainda muito há a fazer para
que os direitos sejam uma realidade extensível a todos. Neste sentido, partindo do
pressuposto de que, a priori, todos os aqui presentes são cidadãos e/ou possuem a
cidadania portuguesa, a questão que interessa colocar a nós próprios é a de saber
quantos de nós são cidadãos activos, para a partir daí continuarmos ou, se ainda o não
fazemos, começarmos a agir. Agir no sentido, por exemplo, de reflectirmos sobre se a
sociedade em que vivemos é o tipo de sociedade que desejamos ou não e, se não, o que
é que poderemos fazer para alterar o rumo que a mesma tem vindo a tomar; ou, numa
escala mais micro, local, comunitária, procurarmos, em conjunto com outros
concidadãos, analisar quantos daqueles que nos rodeiam, apesar de serem cidadãos
portugueses como nós, não passam no concreto de cidadãos virtuais, na medida em que
nos parece ser difícil ser cidadão real quando não se tem um tecto sobe o qual possa
viver condignamente ou, ainda, o que significa o exercício da cidadania política para
aqueles que estão sem emprego e por consequência sem reconhecimento social, em
suma, como se pode ser um cidadão activo quando se tem um emprego precário,
sabendo que no actual mercado de trabalho a qualquer momento se pode cair numa
situação de exclusão (Manuel Menezes, 2001).
Temos a perfeita consciência de que a tarefa adstrita ao cidadão activo, não é
uma tarefa nada fácil, mas isso não significa que tenhamos de desanimar logo à partida.
O estar atento, pode ser um ponto de partida, mas isto não é suficiente, pois, para além
da vigilância, é necessário que não fiquemos indiferentes perante o sofrimento dos
outros. Assim sendo, apesar de sabermos que, por vezes, é mais cómodo fingir que não
enxergamos ou que, aquilo que observamos, não nos diz respeito, o que deve ser
salientado é que, por mais pequena que seja a nossa acção, a mesma, pode ser muito
importante e, neste sentido, por exemplo, um simples telefonema – que não dá assim
tanto trabalho – pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
6

Nós próprios, temos consciência do pouco que fazemos, sabemos que


desenvolvemos uma acção relativamente modesta. No entanto, não desanimamos e,
quotidianamente, tanto por via da escrita como por intermédio da palavra, no contacto
que todos os anos estabelecemos com os alunos, procuramos transmitir-lhe algumas das
ideias até aqui enunciadas, com o intuito de que os mesmos tomem consciência destas
questões e, a partir daí comecem a reflectir e a agir no sentido de construir um mundo
melhor.
A argumentação desenvolvida adquire uma importância especial a partir do
momento em que nos damos conta de que a actual experiência, ao propugnar uma
intersecção cada vez mais marcante da presença e da ausência, ou seja, o
entrelaçamento das relações sociais fisicamente não-presentes com os contextos locais
(Anthony Giddens, 1991: 19), acaba por plasmar um quadro onde é possível vislumbrar
uma diminuição significativa das capacidade anteriormente detidas pelos indivíduos
relativamente ao controlo das suas vidas e dos contextos em que as mesmas se inserem.

2 – Ultraperiferias num Contexto de Globalização

2.1 – Estratégias Globais

Não descurando o tema de enquadramento da presente comunicação –


Autonomias, Globalização e Conhecimento, gostaríamos de esclarecer um pouco o
nosso ponto de vista face à globalização. Assim sendo, numa primeira abordagem à
questão, pensamos ser necessário encetar uma desmistificação das ideias que realçam,
somente, a dimensão positiva do processo, ou seja, advogamos o repensar da
concepção prevalecente de que a globalização é boa para todos.
Deste modo, apesar de cientes dos aspectos positivos associados à mesma e dos
quais a maioria de nós, de uma forma ou outra, temos conhecimento e/ou
experienciamos, deveremos ser cuidadosos nas análises que façamos sobre os benefícios
trazidos pela globalização aos diferentes territórios locais. Porquanto, a globalização,
dada a complexidade que a perpassa, ao mesmo tempo, pode traduzir-se em novas
7

oportunidades para algumas economias locais, enquanto que, para outras, pode
significar a exclusão dos interesses globais 5 . Por outras palavras, a globalização no
mesmo processo em que abre oportunidades, produz ameaças melindrosas 6
engendrando, por consequência, não só vencedores, mas, também, milhões de
vencidos 7 : «[…] a despeito de padrões de vida mais elevados que a globalização […]
proporcionou em vastas extensões do mundo, centenas de milhões de pessoas
experimentaram reversões económicas em vez de avanços» (PNUD, 2003: 16).
Daqui decorre, necessariamente, a conclusão de que a globalização ao induzir
uma reorganização/transformação do tempo e do espaço, no seu âmago, é polarizadora
tanto para as pessoas como para os territórios, porque, apesar de ter beneficiado alguns
espaços e indivíduos, noutros, aprofundou, ainda mais, as assimetrias existentes
anteriormente 8 . Mais ainda, ela é polarizadora não só, entre regiões, mas, também,
dentro dos próprios países, onde emerge uma polarização produtora de hiatos
rurais/urbanos, de género e sócio-económicos que, em última análise, promovem um
desenvolvimento distorcido ou, mais precisamente, um desenvolvimento desumano.

Não descurando o referido anteriormente, pensamos ser correcta a asserção de


que a polarização, em princípio, se tem vindo a manifestar tanto sobre as regiões
periféricas como, de forma mais intensa, sobre as ultraperiféricas 9 , contribuindo, desta
forma, para o aprofundar das assimetrias já anteriormente existentes. Por outras

5
Isto deriva do facto de a economia global não ser planetária, ou seja, é assimétrica entre países e entre
regiões dentro de cada país, o que, por consequência, conduza a que a «[…] concentração de recursos,
dinamismo e riqueza em determinados territórios [propugne uma] crescente segmentação da população
mundial, seguindo a da economia global e conduzindo em última análise, a tendências globais de
crescente desigualdade e de exclusão social» (Manuel Castells, 2000-a: 163).
6
Segundo a acepção Amartya Sen, a globalização é tanto uma enorme oportunidade – propugnando novas
formas de prosperidade e opulência –, como uma ameaça – especialmente para os modos tradicionais de
vida e de rendimento (2000: 28). Um outro exemplo é-nos fornecido por John Kavanagh que, referindo-
se à influência exercida pelas novas tecnologias na vida das pessoas, advoga que «a globalização deu
mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a
mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e
especular com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos
pobres do mundo. De facto, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas
deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial» (apud Zygmunt Bauman, 1998: 79).
7
Denominados por Zygmunt Bauman (1998), de turistas ou vagabundos, consoante se enquadrem na
primeira ou na segunda situação.
8
Um exemplo do referido, é-nos fornecido por Peter Townsend et all, para quem a «polarização social» é
o maior problema estrutural que o mundo enfrenta na actualidade: «o ratio entre os 20% mais pobres e os
20% mais ricos da população mundial situava-se, em 1960, em 30:1. Segundo os cálculos mais recentes
do PNUD, ele cresceu para 73:1» (1999: 5); para conclusões similares, cf. Manuel Castells (2000-b).
Sobre as implicações sociais, espaciais, entre outras, da globalização, cf. Estevam Martins (s/d).
9
No caso da União Europeia, englobando cerca de 4 milhões de habitantes, são consideradas regiões
ultraperiféricas: os departamentos ultramarinos franceses (Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica e
Reunião), as regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e as Canárias.
8

palavras, se por um lado, algumas regiões (muito concretas e delimitadas


territorialmente), viam o seu desenvolvimento ser condicionado, de um modo
perseverante, por causa das suas características específicas que determinavam o seu
carácter ultraperiférico, designadamente pelo facto de serem, por exemplo, detentoras
de uma a situação social e económica estrutural complexa, situação essa, agravada, em
muitos casos, pelo isolamento decorrente do distanciamento geográfico em relação aos
centros de produção/consumo e de decisão política e económica, bem como pela
insularidade múltipla e, consequente, fragmentação/descontinuidade do território 10 , pela
pequena superfície, pelo orografia e pela sua dependência económica em relação a um
pequeno número de produtos e a um mercado de reduzidas dimensões 11 . Por outro, aos
condicionalismos inerentes às RUP, vieram-se juntar outros derivados da matiz inerente
ao «capitalismo informacional/global» que, ao estabelecer subdivisões no espaço de
acordo com os seus interesses, i.e., territórios não-valiosos versus valiosos (Manuel
Castells, 2000-b), acaba por produzir uma geografia desigual e, em última análise, um
saltitar constante pelo mapa global de acordo com classificações momentâneas 12 .
Dever-se-á salientar que a problemática se torna muito mais complexa quando
deslocamos o nosso olhar para outras ultraperiferias que não «as nossas», porquanto,
como iremos ver, se os impactos globais podem, até certo ponto, ser amortizados por
via das acções que têm vindo a ser desenvolvidas pela UE, o mesmo não se passa em
outras ultraperiferias onde esses mesmos impactos se manifestam de modo muito mais
intenso.
Em jeito de síntese, gostaríamos de assinalar que, com o salientar da
coexistência entre o processo de globalização e o aprofundamento das desigualdades
territoriais, não pretendemos marcar um posicionamento autista de oposição pura ao
processo de globalização, mas, tão somente, defender uma globalização pautada por
uma maior justiça social, onde os benefícios potencias advindos da mesma possam ser
repartidos de forma mais equitativa entre todos.

10
No caso concreto dos Açores, dever-se-á salientar a dispersão dos 19 concelhos por 9 ilhas.
11
Sobre estes aspectos, enquanto justificativos da adopção de um estatuto especifico de ultraperiferia para
esses territórios, cf. o n.º 2 do artigo 299.º, do Tratado de Amesterdão.
12
Segundo a acepção de Manuel Castells, «a globalização actua de forma selectiva, incluindo e excluindo
segmentos de economias e sociedades das redes de informação, riqueza e poder que caracterizam o novo
sistema dominante» (2000-b: 202).
9

2.2 – Acção Meso-Local

Face ao referido, a questão que se levanta é a de saber quais as estratégias a


adoptar visando a redução dos impactos produzidos pelo processo de globalização ou,
se assim o preferirem, pelo pensamento e acção globais. Na resposta a esta questão
vamos encontrar distintos actores, dos quais cabe salientar: as próprias unidades
territoriais em análise, o Estado e a UE. Não descurando que, as ultraperiferias, de per
si, não detêm possibilidades significativas de minorar esses impactos, a solução tem
passado pelo estabelecimento de interconexões com outros actores que, à partida,
estarão melhor colocados para desempenhar esse papel.
Mas, também, a este nível, apesar de as capacidades de enfrentamento serem
maiores, não nos devemos esquecer, por um lado, da crise de legitimidade que tem
vindo a atravessar a acção do Estado, crise essa, conducente ao esvaziar de algumas
competências anteriormente detidas, por via de transferências, tanto no topo para
instâncias supranacionais, como na base para governos regionais e/ou locais. Por outro
lado, consequência não só mas também do anteriormente referido, constata-se que «o
Estado-Nação está cada vez mais destituído de poder para controlar a política
monetária, definir o seu orçamento, organizar a produção e o comércio, arrecadar
impostos de pessoas jurídicas e honrar os seus compromissos no que diz respeito aos
benefícios sociais. Em suma, o Estado-Nação perdeu a maior parte do seu poder
económico, embora detenha uma certa autonomia para regulamentar e um relativo
controlo sobre os seus sujeitos» (Manuel Castells, 2001: 306). Com o enunciado não
pretendemos afirmar o menosprezo do Estado enquanto actor com capacidades de
intervenção ao nível dos processos em análise, mas, tão-somente, salientar o
enfraquecimento dessas mesmas capacidades.
Deste modo, num mundo estruturado por processos cada vez mais globais, a
solução tem passado, em certa medida, pela acção desenvolvida pela União Europeia.
Esta, apesar de segundo a óptica de alguns autores poder ser considerada uma «mini-
globalização», tem-se vindo a consubstanciar, em última análise, como uma força
intermédia capaz de exercer uma oposição minimamente eficaz a esses processos 13 .

13
Segundo a acepção de Manuel Castells, «a integração europeia é, ao mesmo tempo, uma reacção ao
processo de globalização e a sua expressão mais avançada. Também é prova de que a economia global
não é um sistema indistinto constituído por empresas e fluxos de capital, mas uma estrutura regionalizada
em que as velhas instituições nacionais e as novas entidades supranacionais ainda desempenham um
10

Neste sentido, cabe realçar os esforços desenvolvidos no sentido de a integração


europeia se consubstanciar como uma realidade para todos os territórios da União. Os
intentos de atenuar os handicaps existentes entre os distintos territórios, bem como os
propósitos de promover um desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável que
se opusesse às distorções propugnadas por outro tipo de desenvolvimentos são, desde
logo, visíveis pelo reconhecimento formal (em distintos tratados da UE) da existência
de disparidades «[…] entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso
das regiões e das ilhas menos favorecidas, incluindo as zonas rurais» (artigo 158.º, do
Tratado de Amesterdão). Disparidades essas que, por sua vez, exigiram um tratamento
distinto para alguns desses territórios, ou seja, a diversidade inerente aos mesmos
propugnou uma diferenciação positiva e a consequente consignação específica do
estatuto de ultraperiferia a alguns territórios.
Assim sendo, expressando a solidariedade entre os diferentes Estados-Membros
e Regiões, vários têm sido as diligências no sentido da prossecução do reforço da
coesão económica e social com o intuito de promoção de uma integração territorial e
igualdade de oportunidades, de modo a que todo e qualquer cidadão não possua
desvantagens relativamente a outros pelo simples facto de residir ou trabalhar num
território específico da União. De entre as mesmas, cabe realçar a criação de distintos
instrumentos financeiros de redistribuição de verbas, designadamente os Fundos
Estruturais 14 , o Fundo de Coesão 15 , as Iniciativas Comunitárias 16 , bem como a adopção
de medidas específicas e de financiamento adicional para as RUP.
Embora cientes dos avanços que têm sido conseguidos nesta esfera por via das
medidas adoptadas, não nos poderemos esquecer de que ainda muito está por fazer para
atingir o «objectivo de convergência» entre os diferentes espaços territoriais da EU.

papel importante no organizar da concorrência económica e na obtenção, ou desaproveitamento, dos seus


benefícios» (2000-b: 434-435).
14
Até à última revisão, os mesmos enquadram o: (i) Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
(FEDER), direccionado para as regiões menos desenvolvidas, as que se encontram em reconversão
económica e as que têm dificuldades estruturais; (ii) Fundo Social Europeu (FSE), sustentáculo principal
da estratégia europeia para o emprego; (iii) Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA),
visa o desenvolvimento e o ajustamento estrutural das zonas rurais menos desenvolvidas; (iv) Instrumento
Financeiro de Orientação da Pesca (IFOP) apoia as evoluções estruturais do sector da pesca.
15
Destinado ao apoio de projectos ambientais e de transportes implementados nos Estados-Membros com
um Rendimento Nacional Bruto inferior a 90% da média comunitária, i.e., os denominados países da
coesão.
16
Actualmente existem quatro tipos de medidas: (i) INTERREG III, com o intuito de estimular a
cooperação transfronteiriça, transnacional e inter-regional; (ii) LEADER+, direccionado para o
desenvolvimento rural; (iii) EQUAL, destinado a práticas inovadoras de não-descriminação e igualdade
no acesso à esfera do trabalho;(iv) URBAN II, para a revitalização económica das cidades e subúrbios em
crise.
11

Destarte, um dos desafios actualmente colocado às RUP, decorre do facto de, com o
alargamento da UE a 25 membros, o cálculo para a distribuição dos apoios vir, muito
provavelmente, a prejudicar essas regiões. Isto é, a entrada dos novos membros do Leste
europeu propugnou uma diminuição da média do PIB comunitário em 13%, o que, por
consequência, conduz a que, devido a um efeito estatístico, algumas regiões vejam a sua
situação melhorada face a essa mesma média (no caso da Madeira, por exemplo, o PIB
per capita passa a ser superior a 75% da média comunitária), deixando, por conseguinte,
de ser elegíveis para alguns dos fundos estruturais 17 previstos para o Quadro
Comunitário de Apoio 2007-2013. Se nos recordar-mos que, até recentemente, 6 das 7
RUP figuravam entre as 10 regiões mais pobres da UE, as ultraperiferias, apesar de
evidenciarem um «enriquecimento estatístico», em termos reais, dada a não modificação
das suas circunstâncias objectivas, deparar-se-ão com maiores dificuldades no alcance
dos objectivos de convergência com os outros territórios, tanto nacionais como
europeus. Dever-se-á, no entanto, salientar que já estão previstas algumas medidas
transitórias visando compensação dos efeitos estatísticos decorrentes do alargamento 18 .

Por último, mas não menos importante, gostaríamos de fazer referência à


dimensão mais local da acção. Retomando as reflexões iniciais, nunca é de mais lembrar
que o cerne do exercício da cidadania tem muito mais potencialidades de ser
concretizado no espaço local 19 . No entanto, para que esse exercício seja adequado e dê
frutos, deverá ter sempre presente as interconexões necessárias entre o local e o global,
ou seja, «a extensão dos problemas à escala mundial obriga a que os mesmos sejam
encarados ao nível planetário - pensar globalmente -, mas, apesar dessa globalidade, na
análise das problemáticas teremos que ter em atenção a diversidades de contextos - aos
vários níveis - onde esses mesmos problemas existem - pensar localmente -, para
posteriormente, ao nível local, podermos conceber a intervenção - agir localmente -, não
descurando no entanto que a «solução» para essas mesmas problemáticas, não se
encontra somente ao nível local, sendo necessário processar modificações em todo um

17
Designadamente o Objectivo 1, destinado ao ajustamento estrutural das regiões com menores índices de
desenvolvimento económico (com um PIB médio per capita inferior a 75% da média da União Europeia)
e/ou que sejam abrangidas pelo estatuto de ultraperiferia.
18
Sobre estes aspectos, cf. Comissão Europeia (2002).
19
É nesse espaço, por via da participação «[…] em organizações comunitárias que, ao longo do tempo,
geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural,
comunitária», que os indivíduos terão algumas hipóteses de resistência ao processo de individualização e
atomização a que as suas vidas se encontram sujeitas (Manuel Castells, 2001: 73).
12

conjunto de mecanismos tanto ao nível nacional como ao nível mundial - agir


globalmente» (Manuel Menezes, 2001: 29).
Assim sendo, como referimos anteriormente, as ultraperiferias, de per si, pouco
poderão fazer para ver a sua situação alterada. Isto, no entanto, de modo algum significa
que nada possam fazer. Deste modo, visando o alcance dos três objectivos recentemente
estipulados, nomeadamente os de tornar estas regiões mais (i) competitivas, (ii)
acessíveis e (iii) integradas regionalmente, a sua acção terá necessariamente que passar
pela adopção de novas parcerias entre as diferentes RUP’s onde (embora não
descurando as diversidades culturais que as caracterizam), sejam realçados os interesses
comuns que as perpassam. Pois, para além da troca de experiências se consubstanciar
em algo, quase sempre, enriquecedor, só por via da constituição do que poderemos
denominar de «lobby ultraperiférico», será possível dar visibilidade aos problemas
locais e, por conseguinte, força à premência a ser investida no minorar dos mesmos.
Seguindo esta linha de raciocínio, poderemos assinalar como exemplos de boas
práticas, entre outros, por um lado, a recente criação da Confederação dos Municípios
Ultraperiféricos, da qual fazem parte, para além das 7 RUP reconhecidas formalmente
pela EU, os municípios de Cabo Verve e, por outro, a parceria estabelecida entre 4
universidades de RUP 20 no âmbito da instituição da Rede Universitária da Macaronésia
(UNAMUNO).
Por fim, uma última nota relativa às novas tecnologias. A partir do momento em
que apreendemos a «distância» enquanto produto social, damo-nos conta de que a sua
extensão, maior ou menor, passa a depender da velocidade com que a mesma pode ser
vencida (Zygmunt Bauman, 1998). Logo, a acção local no sentido da convergência, em
conexão com os intentos europeus de promoção do acesso à sociedade de informação,
terá necessariamente que passar pela aposta nas novas tecnologias de informação e
comunicação (TIC), pois, estas, sendo essenciais numa economia globalizada (tornando
possíveis tanto os fluxos materiais como os imateriais), revelam uma importância
acrescida para as ultraperiferias constrangidas pelo isolamento natural, dado «[…] tais
tecnologias ajudarem a reduzir as distâncias físicas e o tempo necessário para chegar às
zonas centrais da UE, mas também, e de forma mais significativa, ao facto que qualquer
tipo de limitação à sua disponibilidade ter repercussões negativas óbvias nas
perspectivas de desenvolvimento destas regiões e afastar as empresas que aí desejem

20
Integra as Universidades dos Açores, Madeira, Las Palmas e La Laguna.
13

estabelecer-se» (Comissão Europeia, 2004: 34). No fundo, o desafio é o de promover a


passagem, de um modo de agir tradicional onde os constrangimentos da distância e do
tamanho, entre outros, emergiam como obstáculos quase inultrapassáveis conduzindo à
marginalização do território, para uma acção que, socorrendo-se dos instrumentos
fornecidos pela sociedade em rede e valorizando as parcerias, minora esses mesmos
constrangimentos naturais por via da ligação e consequente aproximação aos núcleos
centrais.

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