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Rosana Rapizo
É uma honra para mim que este texto faça parte de uma homenagem ao fantástico pensador Gregory
Bateson. Porém, o agradecimento não é só pela oportunidade de participar, mas pelo processo que
desencadeou em mim e que e que resultou neste artigo. Quando recebi o convite do Instituto NOOS e
aceitei o desafio de construir uma fala sobre o processo mental em Gregory Bateson, mergulhei no “clima”
mágico do mundo batesoniano. . Algumas vezes na vida, desde que há mais ou menos 17 anos li pela
primeira vez GB, percebo que a leitura de seus textos sempre leva a um mergulho em um outro mundo,
uma realidade paralela que vai se impondo á medida em que se conversa com os textos. Já há algum
tempo, por motivos variados, minhas leituras de Bateson andavam mais esparsas. A concentração que
precisei ter de leituras para achar que podia cumprir a tarefa, me levou de novo para este clima diferente
que implica em, de repente, ter um olhar novo para tudo o que acontece a sua volta. Um olhar que vê
coisas que habitualmente não vemos. Bruxaria? Mágica? Certamente não é o olhar da ciência tradicional
que separa para compreender, mas o de uma ciência que combina rigor e poesia, que traz com ela o
sagrado. Um olhar que liga, combina e conecta coisas com coisas, interminavelmente. Que só concebe a
compreensão como fruto de conexões e só compreende as coisas se as conecta. Bateson foi um
pensador importante para todos os que têm participado da tão falada mudança de paradigma da ciência.
Falaremos mais de sua visão de ciência adiante.
Queria continuar contando a vocês o contexto que resultou neste texto. Além do mergulho na obra de
Bateson, no seu jeito de pensar, no “clima”, como chamei, resolvi ver um pouco do que se pensava sobre
Gregory Bateson. Já havia lido algumas coisas, especialmente de sua filha Mary Catherine 1 e em um livro
organizado por Yves Winkin2, além de muito do que se escreveu sobre ele no campo da terapia de família.
Mas, fora deste campo, quem seria Gregory Bateson? Assim, fui “conversar” com pessoas da
antropologia, da comunicação, da filosofia, da educação, entre outros. Um pouco destas conversas é o
que tenho para dizer hoje para vocês. Além disto, procurei trazer a voz de Gregory para nós. Algumas
citações e histórias que ele contava freqüentemente e, principalmente as minhas favoritas estarão
presentes.
O terceiro ponto que gostaria de mencionar para compreendermos o contexto da minha apresentação hoje
é que falarei de Bateson de uma forma muito particular. Quando recebi o convite para construir este texto -
apresentação, precisei escolher um título, um tema. Sobre o que escreveria? Era uma pergunta difícil,
Conferência proferida por Rosana Rapizo no evento para comemoração do
Centenário de Gregory Bateson
Promovido pelo Instituto Noos de Pesquisas Sistêmicas
18 de setembro de 2004
poderia falar sobre quase qualquer coisa e o medo, a ansiedade não me deixavam pensar muito bem em
que ponto da obra de Bateson poderia me concentrar? Por momentos considerei a pergunta era grande
demais para mim. Durante anos dei aulas no ITF sobre Bateson, coordenei vários grupos de estudo sobre
sua obra e não conseguia responder à pergunta “qual tema você vai abordar?”. Ora, sobre Gregory
Bateson... Mas qual parte? Qualquer assunto que você fale sobre a ecologia das idéias, puxa um outro e
se conecta com outro e assim por diante. Bom, para dar uma resposta que pudesse estar na divulgação
do evento, segui um raciocínio que envergonharia de certa forma a meu mestre. Pensei bom, sou
psicóloga, terapeuta de família. Psicólogos falam e gostam de falar sobre mente, cabeça, estas coisas,
então acho que como psicóloga vou falar do processo mental, da mente. E assim, resolvi: “Vou falar sobre
o processo mental porque sou psicóloga”. Se conhecem algo sobre Bateson, vocês já devem saber o
porquê ele detestaria esta resposta. A tal divisão do mundo nestas categorias e compartimentalizações
que separam e tornam invisíveis as relações sistêmicas e o todo, é tudo o que ele abominaria,
especialmente a separação entre mente e corpo. Além disto, o que eu mais gosto na obra de Bateson é
poder revolucionar a forma de categorizar a realidade tão estanque que a ciência e a nossa vida cotidiana
nos habituam a fazer. Tudo bem, poderia falar do processo mental que é uma das coisas que mais me
fascina em Bateson, justamente a forma como ele revoluciona o conceito de mente e ajuda, do meu ponto
de vista, a nós psicólogos a ampliarmos nosso olhar para além das divisões que estamos acostumados a
aprender na universidade: mente é separada de corpo, filosofia é separada de ciência e de religião, o que
a gente pensa é separado da nossa biologia, eu sou um indivíduo, separado de você, e de você, e do meu
meio ambiente e da minha história enquanto espécie, etc... Bom, então este era um bom tema. Ao
começar aquele mergulho do qual lhes falei agora pouco fui me conectando com algo que já sabia e que
sempre soube: O processo mental é a obra de Bateson. Tudo o que ele fez resulta em uma síntese que
podemos resumir em: processo mental. Então era grande demais para que eu pudesse dar conta aqui. Foi
nestes movimentos de angústia e às vezes alegria, que fiquei estes meses desde o convite até agora.
Alguns amigos sabem disto porque acompanharam e me ajudaram como interlocutores preciosos. A eles
também agradeço. O resultado de tudo isto, é uma síntese absolutamente particular e pessoal, com minha
codificação, como só poderia ser, do que aprendi com a leitura dos textos de Gregory Bateson e das
pessoas que escreveram sobre ele. Também vale a pena acrescentar que conheço Bateson como
terapeuta de família. Para os que não estão familiarizados com o campo, Bateson é uma das peças
fundamentais no nascimento da terapia de família, mas, fato repetido em sua vida, nunca fez parte deste
movimento que quase que involuntariamente ajudou a criar. Algumas das pessoas que trabalharam com
Bateson no projeto sobre comunicação, mais especificamente na hipótese sobre comunicação na
esquizofrenia, tornaram-se fundadores da primeira onda da terapia de família e começaram mesmo a ver
famílias juntas por ocasião deste projeto 3. A fundação do Mental Research Institute em Palo Alto foi
resultado direto da convivência dos profissionais que atuavam no projeto Bateson que deu origem ao
famoso conceito de duplo vínculo. Porém, Bateson jamais, como às vezes equivocadamente se
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considerou, foi terapeuta de famílias, atendeu famílias ou dedicou-se a criar ou pensar sobre como fazer
isto. Bateson, por uma série de circunstâncias de sua história pessoal e ao longo do tempo por coerência
com seus próprios caminhos intelectuais, era muito pessimista em relação a qualquer pensamento que
resultasse em uma fórmula de intervenção na ecologia, fosse ela das idéias, das relações, da natureza, o
que dá no mesmo.
Mas, voltando, meu olhar para Bateson é o olhar de alguém que foi formado psicólogo, que é terapeuta de
família há mais de 20 anos e que, mesmo que tenha ampliado o contato e buscado outras formas de olhar,
que tenha tido um olhar crítico para o lugar de Bateson na história do conhecimento que em muito amplia
este do qual o conheci, não pode deixar de mencionar que esta é, certamente, a marca original para minha
leitura de sua obra.
Durante a minha apresentação, além dos pontos que já mencionei e que desenvolverei mais adiante, farei
um breve perfil de Bateson que, agregado ao que meus colegas de mesa já fizeram, pode nos ajudar a
compreender algumas coisas. Depois tentarei apresentar a vocês algo sobre o processo mental que
selecionei para hoje. O processo mental, como já mencionei, é a síntese e o resultado de toda uma vida
de tentativa de entendimento da Natureza de um homem. Portanto, seria pretensioso demais achar que
vou poder esgotar isto em um pequeno texto. Assim, selecionei alguns pontos que a mim mais são caros:
a descrição mesma do processo mental, as discussões sobre o monismo Batesoniano, suas reflexões
sobre a consciência e o propósito e as conseqüências disto para ele. Minhas fontes principais em sua obra
para hoje serão Os textos do Steps 4 sobre Propósito Consciente e Natureza 5,6 e forma, substância e
diferença. O livro Mind and Nature 7 e o Angel‟s Fear8, especialmente o capítulo sobre o processo mental.
Como falei, não é possível fazer separações muito claras entre partes da obra de Bateson. Estas
referências são apenas as que concentram mais elementos para hoje e especialmente os textos do Steps,
pelos quais tenho um carinho especial, puro gosto.
Queria falar um pouco sobre o perfil de Gregory Bateson. Faço isto, não ou, pelo menos não só, porque
sou psicóloga, mas porque como diz Yves Wilkin, Gregory Bateson não é um pensador sem rosto. Quando
lemos Bateson, faz toda a diferença saber como ele era, de onde veio e entender sua originalidade. Diz
ele: “Há pensadores sem rosto. Suas idéias são suficientes. Sua cara não diz nada ao leitor. Com Bateson
é diferente. Ver uma fotografia do homem é compreender a metade de suas idéias. Conhecer sua vida é
compreender a outra metade ou quase.” 9
Bateson era uma pessoa diferente. Fora dos padrões físicos, de vida, etc. E esta foi uma marca importante
de sua obra. Ao mesmo tempo à frente de seu tempo e anacrônico. Podia ter idéias que só 20 anos mais
tarde seriam devidamente elaboradas. Podia intuir coisas para as quais em sua época não tinha recursos
para continuar trabalhando, podia revolucionar toda a metodologia de análise de dados na antropologia,
como podia se apegar a conceitos como os Tipos Lógicos a despeito de toda a crítica que era feita a ele e
continuar usando-o em sua peculiar interpretação.
1
Os critérios para definir o processo mental existem em vários textos de Bateson em formatos diversos. Podem ser melhor
explorados em várias obras de Gregory Bateson e Mary Catehrine Bateson. Ver referências.
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que permita a reação à diferença. Em geral isto significa circuitos circulares ou mais complexos que
permitam a auto-regulação e autocorreção do sistema.
2. Ter capacidade de reagir à diferença. Para Bateson a diferença, no mundo do processo mental é
análoga à causa.
3. Ser capaz de não depender da energia externa. Ou seja, ter a sua própria energia, produzi-la ou
armazena-la. Isto permite a reação à diferenças que não transmitem sua própria energia
(ausências, silêncios, não acontecimentos).
4. Estes processos estão organizados de forma hierárquica em termos de complexidade e abstração.
Em níveis, diríamos, de forma que algo que acontece no sistema tem repercussões diferentes para
diversos níveis do sistema e um nível pode funcionar como correção de outro.
5. Toda mente está encarnada em alguma base física. A mente é imanente aos processos físicos.
Não há para Bateson qualquer transcendência na noção de mente.
Estas características implicam que nosso conhecimento do mundo depende de nossos mapas e de como
os fazemos. E, mais importante que tudo as características do processo mental se aplicam a nós mesmos.
“O que acreditamos ser nós mesmos deve ser compatível como o que acreditamos do mundo a nossa
volta”. Como diz Bateson em sua conferência sobre o dualismo mente-corpo: “Uma descrição do
comportamento ou anatomia de algo vivo deveria relacionar – ser uma ponte entre – nossa forma de
17
conhecer e a forma do sistema que estamos descrevendo”.
Esta forma de conhecer e esta relação entre o conhecedor e o conhecido é o que Bateson chamou de
epistemologia.
Todos temos uma epistemologia, as culturas promovem epistemologias, temos vários níveis em que
podemos considerar a epistemologia, mas devemos enfatizar dois aspectos. Nas palavras de Bateson:
“Considerar o caráter auto-validante de todas as epistemologias. Em que extensão, adotando uma dada
epistemologia, tornamos o sistema “verdadeiro” ou verdadeiro para nós?” e “Considerar algumas das
peculiaridades do processo e relacionamento que acompanham várias visões epistemológicas. Devemos
considerar tanto as experiências da cultura, da formação do caráter, etc que promovem tipos particulares
de epistemologia e como os resultados de qualquer epistemologia e particular são refletidos nas relações
18
humanas, ações, arte, religião, humor, política, exploração, etc.”
A teoria sobre a mente Batesoniana é revolucionária também em um ponto, especialmente caro a nós
psicólogos. Ela revê a idéia de indivíduo e a tradicional oposição - mais um dualismo de nossa cultura -
entre indivíduo e sociedade. Ele achava que o enfoque puramente psicológico do indivíduo deixava de
lado o caráter cultural da aprendizagem dos sentimentos ou idéias. Ao contrário, colocando toda a ênfase
no social e cultural, não vemos que o potencial de mudança das idéias também passa pelo indivíduo. Ele
apostava que a mudança de pensamento deveria começar pelo indivíduo. Só que o indivíduo, para uma
visão sistêmica, é sempre pensado como um sistema de relações, de interações, desde as mais imediatas
Conferência proferida por Rosana Rapizo no evento para comemoração do 8
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às mais estendidas. “A esquizofrenia, a aprendizagem de segunda ordem, o duplo vínculo, não podem
limitar-se ao campo da psicologia individual, mas dependem da ecologia de idéias, organizadas em
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sistemas ou mentes cujas fronteiras não coincidem com os limites dos indivíduos que participam nelas”.
Ao interagirem os indivíduos põem em ação processos intelectuais e emocionais codificados e
normalizados pela cultura, métodos de percepção, modos de pensamento. Nada disto é categoria
permanente da mente humana, mas atualizações contextuais. O que chamamos mente individual é
imanente não só ao corpo, mas nas vias e mensagens exteriores ao corpo. Além do que cada indivíduo é
um subsistema de outros tantos capazes de processo mental. O que parece ser nosso interior, ou „self‟
para alguns dos psicólogos, não tem uma natureza material, não é uma entidade, mas uma forma de nos
referirmos a nossa auto-consciência. Um processo.
A nova ciência que Bateson propõe, portanto, é uma ciência da mente. A ecologia da mente que também
pode ser chamada de epistemologia. A ecologia da qual Bateson fala inclui a compreensão da
interconexão cósmica, da natureza e do homem. E, ele chega à conclusão que esta epistemologia o leva
para perto do sagrado, de onde os anjos mesmo temem chegar, que é a consciência da unidade de todas
as coisas. A unidade mente-corpo, ser e ambiente é definitiva, não só uma questão de fato, mas de ética,
de integridade. Unificar é religar, é sacralizar... Em Angel´s Fear, seu livro póstumo com sua filha ele
reflete: ”O que é preciso para lidar de maneiras mais complexas com os relacionamentos? Isto requer
modos de ver que afirmam nossa complexidade e a complexidade sistêmica de outros. Estes modelos
propõem a possibilidade de constituir juntos um sistema inclusivo, uma rede mental comum da qual
participem elementos daquilo que é inevitavelmente misterioso. Tal percepção, tanto de nós mesmo como
dos outros é a afirmação do sagrado. A sacralidade é a visão da totalidade complexa, o entendimento da
auto-regulação, da auto-produção, da autocorreção e da autocura. É o sentimento de pertencer, de
encaixar-se de fazer parte de uma unidade. Nossa perda do sentido da unidade estética foi um terrível erro
epistemológico”.20
Porém antes de chegar à sua síntese do que seria a Mente, e durante todo o percurso em que elaborou
sua teoria, Bateson se deu conta de que a natureza sistêmica da natureza e da mente humana era
obscurecida pela consciência. Em uma conferência em 1968, apresenta seu artigo sobre Propósito
Consciente e Natureza21. Bateson, questionando o modo dualista de pensar do homem ocidental, se dá
conta que esta forma de pensar não nos deixa ver a natureza sistêmica de todas as coisas. Percebe que o
raciocínio de causalidade linear do tipo A + B = C ou se p então q era característica de nossa consciência.
Quando você leva em conta um sistema mais amplo, percebe que nem tudo o que acontece em partes
deste sistema tem a mesma relevância para o sistema como um todo. Assim, em uma floresta o que
acontece com uma determinada planta vai ter uma influência diferente para partes diferentes do sistema.
Ou se tomamos como exemplo um indivíduo humano como sistema, acontecimentos em sua vida
alimentar não vão ser não alteram totalmente a vida sexual, por exemplo. Existe uma certa
compartimentalização que é necessária para a economia total do sistema. Uma das
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compartimentalizações mais cruciais para a vida humana é conexão semipermeável entre a consciência e
o restante da mente total. A consciência poderia ser comparada a uma tela de televisão. O que está
presente na tela é apenas uma parte do que acontece no sistema total, e, logicamente não poderia estar
representado na tela. Assim como a televisão não mostra os processos que ocorrem no processo de
televisão como um todo. A inclusão de mais uma parte do processo implica em um incremento da
complexidade dos circuitos, o que não significaria que a consciência estaria percebendo mais do sistema
total, já que para que este novo circuito aparecesse, mais outros foram incluídos no processo total. Mas
como são selecionados os eventos ou partes do sistema total que estarão presentes na consciência? Em
nossa cultura ocidental esta seleção é guiada por propósitos lineares. “A pequena seleção da mente que
aparece na tela da consciência é em sua maior parte, pedaços e fragmentos de nossos propósitos. Estes
fragmentos que aparecem na consciência invariavelmente nos dão uma falsa visão da mente como um
todo... Nós nunca vemos na consciência que a mente é como um ecossistema – uma rede de circuitos
autocorretivos. Os cientistas tomam erradamente a parte pelo todo, considerando que o que é visto pela
consciência tem o caráter da mente como um todo.” 22 Toda a nossa percepção consciente é dominada
pela idéia de propósito. Então ele pergunta: O que acontece com um sistema cibernético seja ele uma
floresta ou um organismo qualquer quando a figura que temos dele é desenhada para responder apenas
perguntas sobre propósito? A consciência para Bateson está organizada em termos de propósitos. Ou
seja, de como chegar aonde queremos chegar pelo caminho mais linear possível. Ele nos traz dois
exemplos. O primeiro da Medicina. Quando os médicos resolvem que seria bom livrar a humanidade do
câncer ou da pólio ou de qualquer destas pragas dedica anos de estudo e dinheiro focalizando o
problema. Então em algum momento alguém descobre como resolver o problema. Por exemplo, uma
vacina que dará às crianças e que impedirá que elas tenham pólio. Neste momento em que resolveram o
problema da pólio eles cessarão seus esforços sobre este problema e passarão a se dedicar a outro. A
Medicina terminará assim por ser uma ciência de inventar diversas soluções para diversos problemas.
Dentro desta ciência existe pouquíssimo espaço para o conhecimento sobre o tipo de coisas sobre os
quais Bateson fala, ou seja, a natureza sistêmica do corpo como um todo. Ou em suas palavras: “o corpo
como um sistema autocorretivo, ciberneticamente organizado. O pensamento centrado em propósitos
determina o que entrará na consciência da ciência médica. O tipo de conhecimento assim construído não
é de forma alguma dispensável, porém não temos nenhum conhecimento sobre o funcionamento do
organismo como um todo e não considerando isto podemos afetar o sistema mais amplo de interações de
forma a perturbar a ecologia do sistema, gerando mudanças exponenciais. A consciência operando por
propósitos é um atalho para capacitar-nos a chegar rapidamente aonde queremos, não a agirmos com o
máximo de sabedoria para a vida, mas a tomar o caminho mais rápido seja ele causal ou lógico para
nosso próximo desejo, que pode ser o jantar, ou sexo, dinheiro ou poder” 23. E, o que mais preocupava
Bateson, e que hoje temos alguns bons exemplos, é a adição da tecnologia moderna a esta forma de
pensar. Isto implica em um crescimento enorme do poder da consciência operada por propósitos e
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gerando cada vez mais rápidos e graves distúrbios na ecologia do nosso corpo, de nossa sociedade ou do
meio ambiente em que vivemos. Para Bateson a falta de sabedoria sistêmica é sempre punida. E, então
nos oferece um mito como 2o. exemplo do que pretende dizer:
Era uma vez um jardim. Ele continha muitas centenas de espécies – provavelmente subtropical – vivendo
em grande fertilidade e equilíbrio, com húmus suficiente, etc. Neste jardim viviam dois antropóides que
eram mais inteligentes que os outros animais.
Em uma das árvores havia uma fruta, muito alto, que os antropóides eram incapazes de alcançar. Então
eles começaram a pensar. E, este foi o erro. Eles começaram a pensar com um propósito.
De quando em quando o antropóide macho, seu nome era Adão, buscou um caixote vazio e colocou
embaixo da árvore. Subiu nele e descobriu que ainda não podia alcançar a fruta. Então buscou outro
caixote e colocou em cima do primeiro. Subiu nos dois caixotes e conseguiu alcançar a maçã.
Adão e Eva ficaram quase embriagados de excitação. Esta é a maneira de fazer as coisas. Fazer um
plano: ABC e então você consegue D. Então eles começaram a se especializar em fazer as coisas
planejadamente. Desta forma, expulsaram do jardim o conceito de sua natureza sistêmica e da natureza
sistêmica do todo.
Assim, expulsaram Deus do paraíso. Uma vez que fizeram isto, se puseram a trabalhar sério no assunto
do propósito e logo, logo a capa que recobria o solo desapareceu. Depois disto, várias espécies de plantas
se converteram em “daninhas” e alguns dos animais se converteram em “pestes” e Adão descobriu que a
agricultura era um trabalho muito mais duro. Teve que ganhar o pão com o suor de sua fronte, e disse: “É
um Deus vingativo, nunca devia ter comido esta maçã.”.
Depois de desalojarem Deus do jardim também se produziu uma mudança qualitativa na relação de Adão
e Eva. Eva começou a não gostar tanto dos assuntos ligados a sexo e à reprodução. Cada vez que estes
fenômenos bastante básicos irrompiam em sua nova e planejada maneira de viver, que agora se
transformara em teleológica, se lembrava da vida mais ampla que havia chutado a pontapés do jardim.
Eva então começou a se ressentir do sexo e da reprodução. Quando chegou o momento do parto, ela
achou todo o processo muito doloroso. Disse que, também isto, devia-se à natureza vingativa de Deus.
Até escutou uma voz que dizia: “Com dor parirás!”, e “Teu desejo será para teu marido e ele te dominará”
A versão bíblica desta história, na qual me inspirei largamente, não explica a extraordinária perversão de
valores através da qual a extrema capacidade feminina para o amor chega a parecer uma maldição
infligida por Deus.
Adão seguiu perseguindo seus propósitos e por fim inventou o sistema de livre empresa. A Eva, durante
muito tempo, não se permitiu participar disto, porque era uma mulher. Mas, se associou a um clube de
bridge e ali encontrou uma válvula de escape para seu ódio.
Na geração seguinte, tiveram outra vez problemas com o amor. A Caim, inventor e inovador, Deus disse:
“Teu será o desejo dele (de Abel) e tu o dominarás”. E então, Caim matou Abel.” 24
1
Bateson, M.C. - With a daughter´s eye. New York: Washington Square Press, 1984.
2
Winkin, Y.(1988) – Bateson: primer inventario de una herencia. Buenos Aires: Ed. Nueva Visión, 1991.
3
Bateson et al. – Towards a Theory of Schizofrenia. In: Steps to an Ecology of Mind. New York: Ballantine
Books. 1972.
4
Idem.
5
Bateson, G. - Conscious Purpose versus Nature. Op. cit.
6
Bateson, G. - Effects of conscious purpose on Human adaptation. Op.cit.
7
Bateson, G. – Mind and Nature, New York: Balantine Books, 1978.
8
Bateson, G. e Bateson, M.c. Angel´s Fear. New York: bantan Books, 1988.
Conferência proferida por Rosana Rapizo no evento para comemoração do 14
Centenário de Gregory Bateson
Promovido pelo Instituto Noos de Pesquisas Sistêmicas
18 de setembro de 2004
9
Winkin, Y.(1988) – Bateson: primer inventario de una herencia. Buenos Aires: Ed. Nueva Visión, 1991.
10
Dell, P. – Understanding Bateson and Maturana: toward a biological foundation for social sciences.
Journal of marital and Family Therapy. 11(1), 1985.
11
Bateson, Mary Catherine. Prefácio para Bateson, G. Steps to na echology of mind, University of Chicago,
2000.
12
Idem
13
idem.
14
Bateson, G. – Mind/Body dualism conference – invitational paper. Co-evolutionary quarterly, fall 1976.
15
Bateson, G. - Form, Substance and Difference. In: Steps to an Ecology of Mind. New York: Ballantine
Books, 1972.
16
verificar
17
Bateson, G. – Mind/Body dualism conference – invitational paper. Co-evolutionary quarterly, fall 1976.
18
idem
19
ver ref.
20
Bateson, G. e Bateson, M.c. Angel´s Fear. New York: Bantan Books, 1988.
21
Bateson, G. - Conscious Purpose versus Nature. Op. cit.
22
idem
23
idem
24
idem
25
Bateson, M.C. – Our own metaphor. Washington: Smithonian Institution Press, 1972.
26
Donaldson, Rodney(org.) - They threw God out of the garden: letters from Gregory bateson to Philip Wylie
and Warren Mc Culloch. Coevolutionary Quarterly, winter, 1982.
27
idem
28
Bateson, Mary Catherine. Prefácio para Bateson, G. Steps to an echology of mind, University of Chicago,
2000.
Bateson, G. – A Sacred Unity: further steps to an ecology of mind. Ed. Rodney Donaldson. New York:
29