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Direcção

José Eduardo Franco

DICIONÁRIO
HISTÓRICO DAS

ORDENS
INSTITUTOS RELIGIOSOS
E OUTRAS FORMAS
DE VIDA CONSAGRADA
CATÓLICA EM PORTUGAL

CRONOLOGIA DA HISTÓRIA
DA VIDA CONSAGRADA

Com o Alto Patrocínio


da Presidência da República
Direcção
José Eduardo Franco

DICIONÁRIO
HISTÓRICO DAS

ORDENS
INSTITUTOS RELIGIOSOS
E OUTRAS FORMAS
DE VIDA CONSAGRADA
CATÓLICA EM PORTUGAL

CRONOLOGIA DA HISTÓRIA
DA VIDA CONSAGRADA

Com o Alto Patrocínio


da Presidência da República
Mais do que um dicionário comum, estamos diante de uma verdadeira enciclopédia

desenvolvida em que se condensa o conhecimento sistematizado sobre a extraordinária

multiplicidade de instituições de vida consagrada integradas ao longo dos séculos na

Igreja Católica.

Esta obra de grande fôlego mostra, de forma rigorosa e profusamente ilustrada, o

quanto tantos monges e monjas, frades e freiras tiveram e continuam a ter presença

e influência significativas em Portugal.

As Ordens, as Congregações, os Institutos Seculares e as Novas Comunidades de Vida

Consagrada, ramos que brotam do tronco multimilenar do monaquismo cristão, têm

revelado, ao longo da nossa história, um dinamismo empreendedor no plano da

Missionação, da Arte, do Património, da Cultura, da Ciência e da Espiritualidade.

As marcas qualificadas do empreendedorismo das ordens, realizado com o patrocínio

do poder político e económico, são mais notáveis no plano do património monumental

traduzido nas imensas edificações de igrejas, mosteiros e conventos, muito visíveis em

todo o território português. Estas constituem, de facto, uma das partes mais importantes

da herança monumental do nosso país.

Na época contemporânea, marcada por relações de conflito entre ordens, congregações

e Estado, esta obra mostra que estas instituições, muitas vezes perseguidas e expulsas,

tiveram uma capacidade extraordinária de resistência, renovação, regresso e renascimento

em Portugal.

Hoje, a sua acção continua a ser de grande dimensão e valia, não só na Igreja, mas

também ao serviço da sociedade portuguesa. Encontramos estes homens e mulheres,

marcados pelo seu estilo de vida consagrado, ao serviço da Educação, da Assistência

Social, da Saúde e da Evangelização. É a história fascinante dessas instituições e dos

seus protagonistas que aqui nos é dada a conhecer. Ligando passado e presente, este

dicionário enciclopédico oferece um instrumento de conhecimento global sobre a grande

diversidade e deriva histórica de instituições que revelaram extrema capacidade de

metamorfose para efeitos de adaptação aos desafios de cada tempo.


SUMÁRIO

13 PREFÁCIO DE MANUEL JOAQUIM GOMES BARBOSA

15 ORGANIGRAMA
15 DIRECÇÃO
15 COORDENAÇÃO
15 SECRETARIADO DE REDACÇÃO EDITORIAL
15 COMISSÃO CIENTÍFICA
16 AUTORES
19 INSTITUIÇÕES COORDENADORAS
19 INSTITUIÇÕES PROMOTORAS
19 INSTITUIÇÕES ASSOCIADAS
19 INSTITUIÇÕES PATROCINADORAS

21 ABREVIATURAS

23 INTRODUÇÃO GERAL

27 ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS

307 ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS

553 ORDENS RELIGIOSAS MILITARES

609 INSTITUTOS SECULARES

635 OUTRAS INSTITUIÇÕES

671 GLOSSÁRIO TÉCNICO


689 SIGLÁRIO
695 ÍNDICE REMISSIVO ANTROPONÍMICO
721 ÍNDICE DOS NOMES DAS INSTITUIÇÕES
730 CRONOLOGIA DA HISTÓRIA DA VIDA CONSAGRADA
780 CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
ÍNDICE GERAL1

13 PREFÁCIO DE MANUEL JOAQUIM GOMES BARBOSA

15 ORGANIGRAMA
15 DIRECÇÃO
15 COORDENAÇÃO
15 SECRETARIADO DE REDACÇÃO EDITORIAL
15 COMISSÃO CIENTÍFICA
16 AUTORES
19 INSTITUIÇÕES COORDENADORAS
19 INSTITUIÇÕES PROMOTORAS
19 INSTITUIÇÕES ASSOCIADAS
19 INSTITUIÇÕES PATROCINADORAS

21 ABREVIATURAS

23 INTRODUÇÃO GERAL

27 ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS


27 INTRODUÇÃO
39 AGOSTINHOS – Agostinianos, Eremitas de Santo Agostinho, Eremitarum Sancti Augustini, Frades Agostianianos,
Gracianos, Ordem de Santo Agostinho, Ordo Fratrum Eremitarum Sancti Augustini, Ordo Fratrum Sancti
Augustini (OSA/OESA)
50 AGOSTINHOS DESCALÇOS – Congregação de Nossa Senhora da Conceição dos Agostinhos Descalços,
Congregação dos Agostinhos Descalços, Grilos
51 APÓSTOLOS DE SANTA MARIA – Arautos da Misericórdia Divina, Comunidade dos Apóstolos de Santa Maria
52 ARRÁBIDOS – Franciscanos Arrábidos, Franciscanos Reformados da Província da Serra da Arrábida, Ordem
dos Frades Menores Capuchos da Serra da Arrábida (OFM, Cap. Ar.)
59 BAPTISTAS – Missionários de São João Baptista (MSJB)
60 BENEDITINOS – Congregação dos Monges Negros de São Bento dos Reinos de Portugal, Ordem Beneditina,
Ordem de São Bento (OSB)
71 CAPUCHINHOS – Franciscanos Capuchinhos, Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, Padres Capuchinhos
(OFMCap)
77 CARMELITAS CALÇADOS – Albertos, Carmelitas Observantes, Frades Listrados, Gregórios, Irmãos da Bem-Aventurada
Virgem Maria do Monte Carmelo, Irmãos de Nossa Senhora do Monte Carmelo, Mitigados, Monges Carmelitas,
Ordem da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, Ordem do Carmelo, Ordem do Carmo, Ordem
dos Carmelitas Observantes, Ordo Fratrum Beatissimae Virginis Mariae do Monte Carmelo (OCarm)
82 CARMELITAS CLAUSTRAIS DE GOA – Carmelitas Terceiros Claustrais, Ordem Terceira Carmelita Claustral,
Terceiros Carmelitas Claustrais de Goa
83 CARMELITAS DESCALÇOS – Irmãos Descalços da Ordem da Bem-Aventurada Virgem do Monte Carmelo,
Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem dos Padres Carmelitas Descalços, Ordo Fratrum Discalceatorum
Beatissimae Virginis Mariae do Monte Carmelo (OCD)
100 CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES – Carmelitas Observantes Seculares, Ordem dos Carmelitas Terceiros
Observantes
105 CARTUXOS – Brunos, Frades Brancos, Ordem Cartusiana, Ordo Cartusiensis (O-Cart)
109 CISTERCIENSES – Cister, Monges Bernardinos, Monges Brancos, Ordem de Cister, Ordem Cisterciense (OCist)
1
Os nomes em maiúsculas são aqueles que figuram com a
119 CLARETIANOS – Missionários Claretianos, Missionários de Santo António Maria de Claret, Congregação dos
respectiva entrada na ordenação alfabética do Dicionário. A seguir,
em itálico, estão colocados os outros nomes ou cognomes, oficiais
Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (CMF)

ou alcunhados, das mesmas instituições por que foram nomeadas 125 CLUNIACENSES – Cluny, Monges Beneditinos do Mosteiro de Cluny, Ordem de Cluny

ao longo da sua história. Entre parênteses estão indicadas as 129 COMBONIANOS – Missionários Combonianos do Coração de Jesus, Padres Combonianos (MCCJ)
siglas por que são identificadas. 131 CONSOLATINOS – Instituto Missionário da Consolata, Missionários da Consolata (IMC)
134 DEHONIANOS – Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Padres Reparadores (SCJ)
138 DOMINICANOS – Ordem de São Domingos, Ordem de São Domingos de Gusmão, Ordem Dominicana,
Ordem dos Pregadores (OP)
152 EREMITAS DE SÃO PAULO – Congregação da Serra d’Ossa, Eremitas de São Paulo Primeiro Eremita da Serra
de Ossa, Ordem de São Paulo Primeiro Eremita da Congregação da Serra de Ossa, Ordo Sancti Pauli Primi
Eremitae, Paulistas (OSPPE)
155 ESPIRITANOS – Congregação do Espírito Santo e do Imaculado Coração de Maria, Congregação dos Padres
do Espírito Santo, Padres Espiritanos (CSSp)
157 FILHOS DA CARIDADE – Instituto Religioso Filhos da Caridade, Padres Operários (FC)
158 FRANCISCANOS – Frades Menores, Franciscanos Observantes, Ordem de São Francisco, Ordem dos Frades
Menores, Ordem dos Frades Menores da Regular Observância, Ordem Franciscana (OFM)
169 FRANCISCANOS CONVENTUAIS – Capuchos, Frades Menores Conventuais, Ordem dos Frades Menores
Conventuais (OFMConv)
173 HOSPITALEIROS – Irmãos de São João de Deus, Ordem Hospitaleira de São João de Deus (OH)
187 IRMÃOS DE JESUS – Irmãos de Jesus do Padre Foucauld, Irmãozinhos de Jesus, Petits Frères de Jésus (IJ)
188 IRMÃOS DO CAMPO – Irmãos Missionários do Campo (IMC)
189 IRMÃOZINHOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS – Fraternidade dos Irmãozinhos de São Francisco de Assis
190 JERÓNIMOS – Eremitas de São Jerónimo, Monges de São Jerónimo, Ordem de São Jerónimo, Ordem Jeronimita,
Ordo Sancti Hieronimi (OSH)
195 JESUÍTAS – Companhia de Jesus, Inacianos, Padres da Companhia, Padres de Santo Inácio, Ordem de Santo
Inácio, Sociedade de Jesus, Societas Jesu (SJ)
206 LAPA, Ordem da – Irmandade da Lapa, Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa
209 LASSALISTAS – Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs, Fratres Scholarum Christianarum, Irmãos de La
Salle, Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, Irmãos das Escolas Cristãs (FSC)
211 LÓIOS – Cónegos Azuis, Cónegos de São João Evangelista, Cónegos São Salvador de Vilar, Congregação de
São João Evangelista de Xabregas, Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista, Homens
Bons de Vilar
213 MARIANOS – Clérigos Marianos da Imaculada Conceição da Beatíssima Virgem Maria, Marianos da Imaculada
Conceição (MIC)
218 MARISTAS – Congregação dos Irmãos Maristas das Escolas, Institutum Fratrum Maristarum a Scholis, Irmãos
Maristas, Irmãos Maristas das Escolas (FMS)
220 MERCEDÁRIOS – Ordem da Mercê, Ordem da Virgem Maria da Mercê da Redenção de Cativos de Santa
Eulália de Barcelona, Ordem de Nossa Senhora das Mercês, Ordem Mercedária (O de M)
222 MÍNIMOS – Ordem de São Francisco de Paula, Ordem dos Mínimos, Ordo Minimorum (OM)
224 MISSIONÁRIOS DA BOA NOVA – Sociedade Missionária Portuguesa (SMP/SMBN)
226 MISSIONÁRIOS DE SÃO FRANCISCO XAVIER – Congregação dos Padres do Pilar, Congregação Missionária
de São Francisco Xavier do Pilar de Goa, Sociedade do Pilar, Sociedade dos Missionários de São Francisco
Xavier, Sociedade Missionária do Pilar
227 MISSIONÁRIOS DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE – Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, Congretatio Missionariorum Pretiosissimi Sanguinis Domini Nostri Iesu Christi (CPPS)
229 MONFORTINOS – Companhia de Maria, Missionários da Companhia de Maria, Societas Mariae Montfortana (SMM)
231 ORATORIANOS – Congregação de São Filipe de Néri, Congregação do Oratório, Congregados do Oratório,
Oratório Português, Padres Oratorianos (CO)
240 ORATORIANOS DE GOA – Congregação da Cruz dos Milagres, Congregação do Oratório da Santa Cruz dos
Milagres de Goa, Congregação do Oratório de São Filipe Néri de Goa, Congregação dos Milagristas do
Beato Padre José Vaz, Milagristas de Goa
242 ORDEM FRANCISCANA SECULAR – Congregação da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco, Frades
Borras, Irmãos da Terceira Ordem da Penitência, Ordem da Penitência, Ordem dos Penitentes, Ordem
Terceira da Penitência, Ordem Terceira de São Francisco, Ordem Terceira Franciscana, Ordem Terceira
Regular de São Francisco de Assis, Terceira Ordem Regular de São Francisco, Terceiros Franciscanos, Tertius
Ordo Franciscani (TOR/OFS)
245 ORDEM TERCEIRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade
247 PALOTINOS – Sociedade de Vida Apostólica, Sociedade do Apostolado Católico, Societas Apostolatus Catholici
(SAC)
249 PASSIONISTAS – Congregação da Paixão de Jesus Cristo, Congregação dos Missionários Passionistas, Missionários
Passionistas (CP)
252 PAULISTAS – Instituto Missionário Pia Sociedade de São Paulo, Padres Missionários de São Paulo, Padres
Paulistas, Paulus, Pia Sociedade de São Paulo, Sociedade de São Paulo (SSP)
258 PREMONSTRATENSES – Cónegos Premonstratenses, Norbertinos, Ordem Premonstratense (OPraem)
261 REDENTORISTAS – Congregação do Santíssimo Redentor (C SS R)
266 REGRANTES DE SANTA CRUZ, Cónegos – Cónegos de Santa Cruz, Cónegos Regulares da Santa Cruz de
Coimbra, Congregação de Santa Cruz, Congregação de Santa Cruz de Coimbra, Crúzios, Irmãos da Cruz,
Ordem dos Cónegos Regulares de Santa Cruz, Ordem dos Crúzios, Ordo Canonicorum Regularium Sanctae
Crucis, Ordo Regularium Crucis (ORC)
276 REGRANTES DE SANTO AGOSTINHO, Cónegos – Cónegos de Santo Agostinho, Cónegos Regulares de Santo
Agostinho
281 REGRANTES DE SANTO ANTÃO, Cónegos – Antonianos, Antoninos, Cónegos de Santo Antão, Frades de
Santo Antão, Hospitalários de Santo Antão, Ordem de Santo Antão, Ordem Hospitaleira de Santo Antão
Abade
283 SACRAMENTINOS – Congretatio Presbyteorum Sanctissimo Sacramento, Eucaristinos, Sociedade do Santíssimo
Sacramento, Societas Sanctissimi Sacramenti (SSS)
284 SAGRADOS CORAÇÕES – Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria e da Adoração Perpétua
do Santíssimo Sacramento do Altar, Padres Brancos, Picpus, Picpussianos (SS CC)
286 SALESIANOS – Congregação Salesiana, Salesianos de Dom Bosco, Sociedade de São Francisco de Sales,
Sociedade Salesiana (SDB)
291 SCALABRINIANOS – Congregação dos Missionários de São Carlos, Congregação dos Scalabrinianos de São
Carlos Borromeu (CS)
292 SENHOR JESUS DA BOA MORTE E CARIDADE, Congregação do
293 TEATINOS – Caetanos, Clérigos, Clérigos Regulares de São Caetano de Thiene, Ordem dos Clérigos Regulares,
Regulares Teatinos da Divina Providência (CR)
294 TOMINA, Congregação da – Agonizantes, Camilos, Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos, Congregação
de Nossa Senhora das Necessidades da Tomina, Congregação dos Clérigos Regulares da Tomina (MI)
295 TRINITÁRIOS – Ordem da Santíssima Trindade (O SS T)
297 VERBITAS – Congregação do Verbo Divino, Missionários do Verbo Divino, Sociedade do Verbo Divino, Sociedade
dos Missionários do Verbo Divino (SVD)
299 VICENTINOS – Congregação da Missão, Congregatio Missionis, Irmãos de São Vicente de Paulo, Lazaristas, Padres
da Congregação da Missão, Padres da Missão, Padres de Rilhafoles, Padres de São Vicente de Paulo (CM)

307 ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS


307 INTRODUÇÃO
311 ADORADORAS ESCRAVAS – Adoradoras Escravas do Santíssimo Sacramento e da Caridade, Religiosas
Adoradoras, Religiosas Escravas do Santíssimo Sacramento e da Caridade (AASC/AESSC/ESSCC)
312 AGOSTINHAS – Cónegas Agostinhas de Santa Cruz de Coimbra, Cónegas Regrantes de Santo Agostinho,
Religiosas Agostinhas
313 ALIANÇA DE SANTA MARIA – Irmãs da Aliança de Santa Maria (ASM)
313 AMOR DE DEUS, Irmãs do – Congregação das Irmãs do Amor de Deus, Congregação das Religiosas do Amor
de Deus (RAD)
317 ANGÉLICAS DE SÃO PAULO – Angélicas, Congregação das Irmãs Angélicas de São Paulo
320 ANUNCIAÇÃO, Ordem da – Celestinas, Ordem da Santíssima Anunciada, Turquinas
321 ANUNCIATAS – Dominicanas de la Anunciata, Irmãs Anunciatas
322 APRESENTAÇÃO DE MARIA – Congregação da Apresentação de Maria, Congregação das Irmãs da Apresentação
de Maria, Irmãs da Apresentação de Maria (PM)
325 AUXILIADORAS DA CARIDADE – Auxiliatrices de la Charité
329 BENEDITINAS – Congregação das Beneditinas, Monjas Beneditinas (OSB)
333 BENEDITINAS MISSIONÁRIAS – Beneditinas Missionárias de Tutzing (OSB)
335 BENEDITINAS DA RAINHA DOS APÓSTOLOS – Congregação das Monjas Beneditinas da Rainha dos Apóstolos
(SRA)
337 BOM PASTOR, Congregação do – Bom Pastor, Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor,
Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de Angers, Irmãs do Bom Pastor, Ordem de
Nossa Senhora da Caridade (CBP)
340 BRÍGIDAS – Freiras Inglesas, Inglesinhas, Irmãs da Ordem de São Salvador, Ordem de Santa Brígida, Ordem
de São Salvador, Ordem do Santíssimo Salvador (O SS S)
340 CANOSSIANAS – Canossianas Missionárias, Filhas da Caridade, Instituto das Filhas da Caridade Irmãs
Canossianas, Servas dos Pobres (FdCCM)
344 CAPUCHINHAS FRANCESAS – Clarissas Capuchinhas Francesas, Francesinhas
345 CARMELITAS – Irmãs Carmelitas Observantes, Monjas Carmelitas, Ordem das Irmãs da Virgem Maria do
Monte Carmelo
347 CARMELITAS DE ORIHUELA – Congregação de Terceiras Carmelitas de Vida Regular, Irmãs da Bem-Aventurada
Virgem Maria do Monte Carmelo
349 CARMELITAS DESCALÇAS – Monjas Descalças, Ordem das Irmãs Carmelitas Descalças da Bem-Aventurada
Virgem Maria do Monte Carmelo
352 CARMELITAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS – Carmelitas de Málaga, Congregação de Terceiras Carmelitas
Regulares, Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Jesus (CSCJ)
353 CARMELITAS MISSIONÁRIAS – Irmãs Carmelitas Missionárias (CM)
358 CARMELITAS MISSIONÁRIAS TERESIANAS – Irmãs Carmelitas Missionárias Teresianas, Religiosas Carmelitas
Missionárias Teresianas (CMT)
359 CLARETIANAS – Congregação das Missionárias de Santo António Maria de Claret, Missionárias Claretianas,
Missionárias de Santo António Maria de Claret (MC)
360 CLARISSAS – Capuchas, Damas Pobres, Damianitas, Filhas de Santa Clara, Irmãs Pobres de São Damião,
Monjas de Santa Clara da Observância, Ordem das Clarissas, Ordem das Irmãs Clarissas, Ordem de Santa
Clara, Religiosas Clarissas, Religiosas de Santa Clara, Segunda Ordem Franciscana (OSC)
370 COMBONIANAS – Irmãs Missionárias Combonianas, Irmãs Missionárias Pia Madre da Nigrícia, Missionárias
Combonianas, Pias Madres da Nigrícia (IMC)
372 CONCEPCIONISTAS AO SERVIÇO DOS POBRES, Congregação das Irmãs – Congregação das Irmãs Concepcionistas
de Santa Beatriz da Silva ao Serviço dos Pobres, Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres, Religiosas
Concepcionistas da Beata Beatriz da Silva ao Serviço dos Pobres (CSP)
374 CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS – Monjas Concepcionistas Franciscanas, Ordem da Conceição de Maria,
Ordem da Imaculada Conceição, Ordem da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria
379 COOPERADORAS PAROQUIAIS – Cooperadoras Paroquiais de Santa Maria, Educadoras Paroquiais, Educadoras
Paroquiais de Santa Maria (CPSM)
380 CORAÇONISTAS – Irmãs Coraçonistas, Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus (JHS)
381 CRIADITAS DOS POBRES – Congregação das Criaditas dos Pobres, Parvulae Ancillae Christi (PAX)
382 DIVINA PROVIDÊNCIA E SAGRADA FAMÍLIA, Congregação da – (DPSF)
384 DOMINICANAS, Monjas – Moniales Ordinis Praedicatorum, Monjas da Ordem dos Pregadores, Monjas OP,
(MOP)
385 DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA – Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de
Sena, Congregação das Terceiras Dominicanas de Portugal, Congregação de Santa Catarina de Sena da
Ordem Terceira Regular de São Domingos em Portugal, Dominicanas Portuguesas, Irmãs Dominicanas de
Santa Catarina de Sena (DSCS)
390 DOMINICANAS DO ROSÁRIO – Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário (MDR)
392 DOMINICANAS IRLANDESAS – Congregação das Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário e Santa
Catarina de Sena, Dominicanas de Cabra, Dominicanas Irlandesas do Bom Sucesso, Irmãs Dominicanas
de Nossa Senhora do Rosário e Santa Catarina de Sena, Religiosas Dominicanas Irlandesas do Convento
de Nossa Senhora do Bom Sucesso
393 DOROTEIAS – Congregação das Irmãs Doroteias, Instituto das Irmãs de Santa Doroteia, Instituto de Santa
Doroteia Filhas da Santa Fé, Irmãs de Santa Doroteia, Irmãs Doroteias (SSD)
398 ESCRAVAS DA EUCARISTIA – Congregação das Religiosas Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de
Deus (ESEMP)
399 ESCRAVAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS – (ACI)
401 FILHAS DE JESUS BOM PASTOR – Irmãs de Jesus Bom Pastor, Pastorinhas
402 FILHAS DE MARIA MÃE DA IGREJA – Congregação das Religiosas Filhas de Maria Mãe da Igreja, Filhas de
Maria (FMMI)
403 FILHAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES – Hijas de la Virgen de Dolores (HVD)
404 FILHAS DE SANTA MARIA DE GUADALUPE – Congregação das Religiosas Filhas de Santa Maria de Guadalupe
(FSMG)
405 FILHAS DE SANTA MARIA DE LEUCA – Instituto das Filhas de Santa Maria de Leuca (FSML)
406 FILHAS DE SÃO CAMILO – Congregação das Filhas de São Camilo (FSC)
407 FILHAS DE SÃO JOSÉ – (FSJ)
408 FILHAS DO CORAÇÃO DE MARIA – Sociedade das Filhas do Coração de Maria (SFCM/FCM)
411 FRANCISCANAS DA IMACULADA – Irmãs Franciscanas da Imaculada
412 FRANCISCANAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO – Hermanas Franciscanas de la Inmaculada Concepción (HFIC)
413 FRANCISCANAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO E SÃO MIGUEL ARCANJO – Irmãs Franciscanas da Imaculada
Conceição e São Miguel Arcanjo
414 FRANCISCANAS DE NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO – (FBC)
415 FRANCISCANAS EVANGELIZADORAS DE NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA – Franciscanas de Nossa Senhora
da Esperança, Fraternidade Franciscana Evangelizadora de Nossa Senhora da Esperança, Irmãs Franciscanas
Evangelizadoras de Nossa Senhora da Esperança (FENSE/IFENSE)
416 FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS – Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição,
Irmãs Hospitaleiras da Ordem Terceira de São Francisco (CONFHIC)
427 FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DA MÃE DO DIVINO PASTOR – Congregação da Divina Pastora, Religiosas
Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino Pastor (FMMDP)
429 FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA – Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria,
Instituto das Franciscanas Missionárias de Maria, Missionárias de Maria (FMM)
434 FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA – Franciscanas de Calais (FMNS)
438 FRANCISCANAS REPARADORAS – Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado (SFRJS)
439 FRATERNIDADE FRANCISCANA DA DIVINA PROVIDÊNCIA – (FFDP)
440 HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS – Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado
Coração de Jesus, Congregação Hospitaleira das Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus,
Congregação Religiosa das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e da Bem-Aventurada
Virgem Maria Senhora Nossa, Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus, Irmãs Hospitaleiras
(IHSCJ)
447 IRMÃS DA GLÓRIA – Congregação da Glória, Congregação das Irmãs da Glória, Congregação das Irmãs de
Nossa Senhora da Glória, Congregação de Assistência Social das Irmãs de Nossa Senhora da Glória
448 IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA – Instituto das Irmãs da Misericórdia, Instituto das Irmãs da Misericórdia
de Verona, Irmãs da Misericórdia
450 IRMÃS DA SANTA CRUZ – Comunidade das Irmãs de Santa Cruz
451 IRMÃS DE MARIANNHILL – Congregação das Irmãs Missionárias do Precioso Sangue, Congregação Internacional
das Irmãs Missionárias do Precioso Sangue, Congregatio Sororum Missionum Pretiosi Sanguinis de Mariannhill,
Irmãs Vermelhas, Missionárias de Mariannhill (CPS)
451 IRMÃS DE SÃO JOÃO BAPTISTA – Irmãs de São João Baptista e de Maria Rainha (ISJB)
453 IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CLUNY – Congregação de São José de Cluny (SJC)
455 IRMÃS DO CAMPO
455 IRMÃS DO CORAÇÃO DE JESUS SACRAMENTADO
456 IRMÃS DO SANTÍSSIMO SALVADOR – Congregação das Irmãs do Santíssimo Salvador, Irmãs de Niederbronn
(ISS)
459 IRMÃS DOS VELHINHOS – Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados
461 IRMÃZINHAS DA ASSUNÇÃO, Congregação das – Petits Soeurs de l’Assomption (IA)
463 IRMÃZINHAS DE JESUS – Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus, Irmãs do Padre Foucauld (PSJ)
464 IRMÃZINHAS DOS POBRES – Congregação das Irmãzinhas dos Pobres (IP)
466 JESUS MARIA JOSÉ, Instituto – Associação Religiosa e Beneficiante Jesus Maria José, Congregação Jesus
Maria José, Irmãs de Jesus Maria José (JMJ)
467 JOSEFINAS DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Irmãs Josefinas Trinitárias
468 MALTESAS – Religiosas Maltesas do Convento de São João da Penitência de Estremoz
469 MANTELATAS
469 MARIAS NAZARENAS – Missionárias Eucarísticas de Nazaré (MEN)
470 MERCEDÁRIAS DA CARIDADE – Irmãs Mercedárias da Caridade
471 MISSIONÁRIAS CORDIMARIANAS – Congregação Cordimariana, Missionárias Filhas do Coração de
Maria (MC)
471 MISSIONÁRIAS CRUZADAS DA IGREJA – (MCI)
472 MISSIONÁRIAS DA CARIDADE – Irmãs da Madre Teresa de Calcutá (MC)
474 MISSIONÁRIAS DA CONSOLATA – Consolatinas, Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata (MC)
475 MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA – Instituto das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima
476 MISSIONÁRIAS DE SÃO DOMINGOS – Religiosas Missionárias de São Domingos
477 MISSIONÁRIAS DE SÃO PEDRO CLAVER – Irmãs Missionárias de São Pedro Claver, Sociedade de São Pedro
Claver (SSPC)
478 MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO – Congregação das Irmãs Missionárias do Espírito Santo, Espiritanas,
Irmãs Missionárias do Espírito Santo (CSSp)
482 MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS – Cabrinianas (MSC)
483 MISSIONÁRIAS DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO – Missionárias do Santíssimo Sacramento e Maria Imaculada
(MSS)
484 MISSIONÁRIAS DOS POBRES – (MP)
485 MISSIONÁRIAS REPARADORAS – Congregação das Missionárias Reparadoras, Missionárias Reparadoras do
Sagrado Coração de Jesus (MR)
487 MISSIONÁRIAS SERVAS DO ESPÍRITO SANTO – Servas do Espírito Santo (SSpS)
489 OBLATAS – Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor
491 OBLATAS DO CORAÇÃO DE JESUS
493 OBLATAS DO DIVINO CORAÇÃO – Congregação das Oblatas do Divino Coração (ODC)
494 PASSIONISTAS DE SÃO PAULO DA CRUZ – Irmãs Passionistas de São Paulo da Cruz (CP)
495 PAULINAS – Filhas de São Paulo, Instituto Missionário Filhas de São Paulo, Irmãs Paulinas (FSP)
501 PEQUENAS MISSIONÁRIAS DE MARIA IMACULADA – Instituto das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada,
Pequenas Missionárias (IPMMI)
503 PIAS DISCÍPULAS – Irmãs Discípulas, Irmãs Discípulas do Divino Mestre, Irmãs Pias Discípulas, Pias Discípulas
do Divino Mestre (PDDM)
504 RELIGIOSAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ – Instituto das Damas da Instrução Cristã, Instituto das Religiosas da
Instrução Cristã
505 RELIGIOSAS DE MARIA IMACULADA – Congregação das Religiosas de Maria Imaculada (RMI)
506 RELIGIOSAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA – Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria (IRSCM/RSCM)
508 REPARADORAS DE FÁTIMA – Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima,
Irmãs da Congregação das Reparadoras de Nossa Senhora das Dores (RF)
511 REPARADORAS MISSIONÁRIAS DA SANTA FACE – Irmãs Reparadoras Missionárias da Santa Face
512 SALESIANAS – Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Filhas de Maria Auxiliadora (FMA)
514 SCALABRINIANAS – Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeu, Irmãs Missionárias Scalabrinianas
(MSCS)
515 SERVAS DA CARIDADE – Religiosas Servas de Jesus da Caridade, Servas de Jesus da Caridade (SdeJ)
516 SERVAS DA DIVINA PROVIDÊNCIA – Servas da Divina Providência, de Maria Auxiliadora e do Próximo
516 SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA – Congregação das Irmãs Servas da Sagrada Família (ISSF)
519 SERVAS DA SANTA IGREJA – Congregação das Servas da Santa Igreja (SSI)
521 SERVAS DE MARIA – Servas de Maria – Ministras dos Enfermos (SdeM)
522 SERVAS DE MARIA REPARADORAS – Congregação das Irmãs Servas de Maria Reparadoras (SMR)
523 SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA – Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima (SNSF)
527 SERVAS DOS POBRES, Congregação das
527 SERVAS FRANCISCANAS – Congregação das Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças (CSFNSG)
529 SERVIDORAS DE JESUS – Irmãs do Cottolengo, Irmãs Servidoras de Jesus do Cottolengo do Padre Alegre
530 TERESIANAS – Companhia de Santa Teresa de Jesus, Irmãs Teresianas (STJ)
533 TRABALHADORAS MISSIONÁRIAS DA IMACULADA – Congregação das Trabalhadoras Missionárias da Imaculada
533 TRINITÁRIAS – Trinas
536 URSULINAS – Congregação Religiosa das Ursulinas
538 VERBUM DEI – Fraternidade Missionária Verbum Dei (FMVD)
541 VICENTINAS – Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, Filhas da Caridade, Filhas da
Caridade de São Vicente de Paulo, Filhas de São Vicente de Paulo, Irmãs da Caridade de São Vicente de
Paulo, Irmãs de São Vicente de Paulo, Irmãs Vicentinas, Servas dos Pobres
545 VISITANDINAS – Ordem da Visitação de Santa Maria, Salésias
547 VITORIANAS – Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, Irmãs Vitorianas (FNSV)

553 ORDENS RELIGIOSAS MILITARES


553 INTRODUÇÃO
557 AVIS, Ordem de – Freires de Avis, Freires de Évora, Milícia de Avis da Ordem de Calatrava, Milícia de Évora,
Milícia de Évora da Ordem de Caltrava, Ordem de Avis e de Calatrava, Ordem de São Bento de Avis,
Ordem Militar de Avis, Ordem Nova, Real Ordem Militar de São Bento de Avis
562 CALATRAVA, Ordem de – Freires de Calatrava, Ordem de Calatrava de Castela
564 CRISTO, Ordem de – Cavaleiros de Cristo, Freires de Cristo, Milícia de Cristo, Ordem da Cavalaria de Jesus
Cristo, Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ordem dos Cavaleiros de Cristo, Ordem dos Pobres Cavaleiros
de Cristo, Ordo Militum Christi, Religião Militar de Cristo
574 HOSPITAL, Ordem do – Cavaleiros de Rodes, Cavaleiros de São João, Cavaleiros de São João de Jerusalém
e de Rodes, Cavaleiros Hospitalários, Freires Hospitalários, Hospitalários, Hospitalários de São João, Ordem
de Rodes, Ordem de São João, Ordem de São João de Jerusalém, Ordem de São João do Hospital, Ordem
dos Hospitalários, Ordem dos Hospitalários de São João, Ordem Religiosa e Militar do Hospital de São
João de Jerusalém
577 MALTA, Ordem de – Cavaleiros de Malta, Ordem Soberana de Malta, Ordem Soberana e Militar de Malta,
Soberana Ordem de Malta, Soberana Ordem Militar Hospitalar de São João de Jerusalém, de Rodes e de
Malta (SMOM)
592 RONCESVALLES, Ordem Hospitalar de – Cónegos Regulares de Roncesvalles (RV)
595 SANTIAGO, Ordem de – Cavaleiros de Santiago, Espatários, Freires de Alcácer, Freires de Palmela, Freires de
Santiago, Freires Espatários, Ordem Militar de Santiago, Ordem Militar de Santiago da Espada, Santiaguistas
602 SANTO SEPULCRO, Cónegos do – Cavaleiros do Santo Sepulcro, Cónegos do Santo Sepulcro & Ordem
Equestre do Santo Sepulcro, Cónegos Regrantes do Santo Sepulcro, Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro,
Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, Ordem do Santo Sepulcro, Ordem dos Cónegos do
Santo Sepulcro, Ordem Equestre do Santo Sepulcro
604 SÃO JULIÃO DO PEREIRO, Ordem de – Alcântara, Cavaleiros de Alcântara, Freires de São Julião, Milícia de
São João do Pereiro, Ordem de Alcântara, São Julião do Pereiro
604 TEMPLÁRIOS – Cavalaria do Templo, Cavaleiros de Cristo, Cavaleiros do Templo, Cavaleiros Templários,
Fratres Christi, Fratres Militiae Templi, Freires de Cristo, Freires de Jesus Cristo, Freires do Templo, Freires
do Templo de Salomão, Ordem do Templo, Ordem dos Cavaleiros do Templo, Ordem dos Pobres Cavaleiros
de Cristo, Ordem dos Templários, Ordo Militum Templi, Pauperes Commilitones Christi, Pauperes Commilitones
Christi Templique Salamonici, Templo

609 INSTITUTOS SECULARES


609 INTRODUÇÃO
613 ANCILLA DOMINI – Instituto Ancilla Domini, Instituto Secular Ancilla Domini
613 ANUNCIATINAS – Instituto de Nossa Senhora da Anunciação
614 CARITAS CHRISTI – Instituto Secular Caritas Christi
616 COMPANHIA MISSIONÁRIA – Companhia Missionária do Coração de Jesus, Companhia Missionária do Sagrado
Coração de Jesus
619 COOPERADORAS DA FAMÍLIA – Instituto Secular das Cooperadoras da Família (ISCF)
623 FILIAÇÃO CORDIMARIANA – Filhas do Santíssimo e Imaculado Coração de Maria, Instituto Secular Filiação
Cordinariana
623 INSTITUTO SECULAR DO CORAÇÃO DE JESUS – Sociedade do Coração de Jesus (ISCJ)
624 INSTITUTO SECULAR NOSSA SENHORA DE SCHOENSTATT – Instituto de Nossa Senhora de Schoenstatt (ISNSS)
625 IRMÃS DE MARIA DE SCHOENSTATT – Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt, Institutum
Schoenstattense Sororum Marialium (ISSM)
626 MISSIONÁRIAS COMBONIANAS – Instituto Secular das Missionárias Combonianas, Missionárias Seculares
Combonianas
627 MISSIONÁRIAS DO AMOR MISERICORDIOSO – Missionárias do Amor Misericordioso do Coração de Jesus (MAMCJ)
628 PADRES DE SCHOENSTATT – Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt (ISCH)
629 PEQUENA FAMÍLIA FRANCISCANA – Pequena Família
630 SAGRADA FAMÍLIA, Instituto Secular da – Instituto Labor Christi, Obra da Sagrada Família (ISSF)
631 SANTA FAMÍLIA, Instituto – (ISF)
632 SERVAS DO APOSTOLADO – Instituto das Servas do Apostolado, Instituto Missionário das Servas do Apostolado,
Instituto Secular Missionário das Servas do Apostolado (ISA)
632 VOLUNTÁRIAS DE DOM BOSCO – (VDB)

635 OUTRAS INSTITUIÇÕES


635 INTRODUÇÃO
639 ARAUTOS DO EVANGELHO – (AE)
639 CANÇÃO NOVA, Comunidade
641 CARISMÁTICOS – Movimento de Renovação Carismática Católica, Renovação Carismática Católica, Renovação
Pentecostal Católica, Renovamento Carismático
643 COMUNHÃO E LIBERTAÇÃO – Fraternidade de Comunhão e Libertação, Memores Domini (CL)
647 CRISTO DE BETÂNEA, Comunidade
648 EMANUEL, Comunidade
649 FOCOLARES – Focolarinos, Movimento Focolarino, Obra de Maria
651 GRAAL
654 INSTITUIÇÃO TERESIANA – Instituição Teresiana de Coimbra (IT)
655 LUZ E VIDA, Comunidade
656 NEOCATECUMENAIS – Caminho Neocatecumenal
656 NOSSA SENHORA DA RESSURREIÇÃO, Fraternidade
657 OBLATAS DO MENINO JESUS – Instituto Pio das Oblatas do Menino Jesus, Recolhimento de Monfreita,
Recolhimento do Menino Jesus
661 OPUS DEI – Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei
664 REPARADORES DE NOSSA SENHORA VIRGEM DAS DORES
665 SEMENTES DO VERBO, Comunidade
666 SHALOM – Comunidade Shalom
668 SILENCIOSOS OPERÁRIOS DA CRUZ – (SODC)
668 TOCA DE ASSIS, Fraternidade – Instituto das Filhas e Filhos da Pobreza do Santíssimo Sacramento

671 GLOSSÁRIO TÉCNICO


689 SIGLÁRIO
695 ÍNDICE REMISSIVO ANTROPONÍMICO
721 ÍNDICE DOS NOMES DAS INSTITUIÇÕES
730 CRONOLOGIA DA HISTÓRIA DA VIDA CONSAGRADA
780 CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Prefácio

Prefaciar uma obra de vulto como o Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e
Outras Formas de Vida Consagrada Católica em Portugal, não se acomete tarefa fácil, sobretudo
quando não se tem em mente todo o panorama do seu itinerário. Contudo, face ao elenco temático
conhecido, o incentivo geral só pode ser de homenagem àqueles e àquelas que se arrojaram a levar
adiante este ingente “projecto aberto e em aberto”, na intenção dos seus promotores.
Como actual coordenador nacional das contemporâneas ordens e congregações em
Portugal, só posso congratular-me com esta empresa. A iniciativa afigura-se louvável, por vários
motivos. Primeiro, porque é realizada de um ponto de vista histórico-científico, o que vale por
si mesmo como arrojo. Segundo, porque procura ser exaustiva na sistematização coerente que
engloba quer as ordens e congregações actuais quer as que finaram nos séculos decorridos.
Terceiro, porque aborda a pluralidade da sua existência, nas traças de comuns substratos
assumidos na sua diversidade. Quarto, por se tratar de um trabalho pioneiro nos seus objectivos
globais, pelo seu carácter interdisciplinar e interinstitucional. Quinto, pelo reconhecido e variado
leque de especialistas que, com competência científica, emprestam o seu saber a esta causa
editorial.
Não deixa de ser assinalável que este projecto tenha nascido num momento histórico em
que, em Portugal, precisamente em 2005, todos os Institutos Religiosos e Sociedades de Vida
Apostólica se uniram numa única conferência: a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal.
O sentido de unidade plural, intimamente presente neste projecto de vida religiosa, favorece
todo um dinamismo de comunhão e de colaboração entre todas as ordens e congregações
existentes hoje em Portugal. Dessa comunhão plural ou diversidade comunional da vida religiosa
em Portugal nos nossos dias nos dá conta, de modo rigoroso e científico, a presente edição.
Mas não deixa igualmente de nos trazer, com o mesmo método, a memória histórica de tantas
ordens e congregações que contribuíram para a identidade cultural e religiosa de Portugal e
que, por variadas razões, não fazem parte da história presente.
Este Dicionário Histórico diz respeito às ordens e congregações religiosas, ou seja, ao
conjunto dos institutos de vida consagrada que, do ponto de vista jurídico, englobam os
Institutos Religiosos, os Institutos Seculares e as Sociedades de Vida Apostólica. Ainda que à
laia de breve resenha introdutória, importa reter o que sobre estas três entidades jurídicas se
refere no Direito Canónico: “instituto religioso é a sociedade em que os membros emitem
segundo o direito próprio votos públicos perpétuos ou temporários mas que, decorrido o prazo,
devem ser renovados, e vivem a vida fraterna em comum” (cân. 607 § 2); “instituto secular é
o instituto de vida consagrada, em que os fiéis, vivendo no século, se esforçam por atingir a
perfeição da caridade e por contribuir, sobretudo a partir de dentro, para a santificação do
mundo” (cân. 710); “aproximam-se dos institutos de vida consagrada as sociedades de vida
apostólica, cujos membros, sem votos religiosos, prosseguem o fim apostólico próprio da
sociedade e, vivendo em comum a vida fraterna, de acordo com a própria forma de vida,
tendem, pela observância das constituições, à perfeição da caridade” (cân. 731, §1).
Estas condensadas descrições procuram clarificar o âmbito jurídico do conjunto das ordens
e congregações religiosas mas, como é facilmente observável, não exprimem todas as dimensões
vivenciais da forma de existência cristã que é a vida consagrada. Possa este Dicionário Histórico
contribuir para desvelar um pouco mais, com fundamento e clareza, toda esta abundante e
multiforme forma de vida, quer no que toca ao passado, quer em perspectiva futura, acolhendo
a realidade actual.
Presentemente, dois grandes organismos coordenam a vida consagrada em Portugal: a
Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) e a Federação Nacional dos Institutos
Seculares (FNIS).
A CIRP engloba os cerca de 150 Institutos Religiosos masculinos e femininos e Sociedades de
Vida Apostólica existentes em Portugal. Enquanto organismo de Direito Pontifício, com personalidade
jurídica canónica e civil, sem fins lucrativos, foi instituída por Decreto da Sé Apostólica e com a
correspondente aprovação dos Estatutos, a 16 de Abril de 2005, tendo em conta o parecer favorável
da Conferência Episcopal Portuguesa. Trata-se de uma entidade recente em Portugal, pois resultou
da união entre a Conferência Nacional dos Superiores Maiores dos Institutos Religiosos (CNIR) e a

13
Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos (FNIRF). Tendo como objectivo principal
realizar um trabalho de coordenação e auxílio mútuo entre os diversos institutos, a CIRP visa os
seguintes fins, segundo os seus próprios Estatutos: tornar mais fortes os laços de solidariedade
que os une na prossecução do ideal próprio do seguimento de Jesus Cristo; promover um melhor
conhecimento da vida consagrada na Igreja e na sociedade; cooperar nos planos da pastoral de
conjunto da Igreja e em outras questões de comum interesse; estabelecer a conveniente coordenação
e cooperação com a Conferência Episcopal Portuguesa e com cada um dos bispos para um melhor
serviço à Igreja; promover o bem dos institutos pelo estudo e, na medida do possível, pela solução
dos problemas comuns, tendo sempre em conta a autonomia, a finalidade específica e o carisma
de cada instituto; promover iniciativas apostólicas em comum; alargar a comunhão a todas as
formas da vida consagrada em Portugal, no respeito pela sua autonomia; relacionar-se em espírito
de colaboração com as Federações de outros países e participar na União das Conferências Europeias
de Superiores e Superioras Maiores (UCESM); estar atenta aos desafios da actualidade que interpelam
a presença dos religiosos no mundo como consagrados e responder-lhes com sentido profético.
A FNIS é um organismo erecto canonicamente, que goza de personalidade jurídica no foro
civil, sendo constituído pelos institutos seculares e clericais erectos e estabelecidos canonicamente
na Igreja em Portugal. Tem como objectivos principais, segundo Estatutos próprios: promover
o mútuo conhecimento e a colaboração entre os institutos seculares, por meio de encontros
de oração, estudo e convívio ou outras iniciativas e actividades que estreitem a comunhão entre
eles; apoiar a participação dos Institutos Federados, respeitando e promovendo o carisma próprio
de cada um, nas instituições e actividades eclesiais de âmbito diocesano e supradiocesano;
contribuir para o aprofundamento da natureza e características próprias dos institutos seculares
e promover a sua divulgação, designadamente nas instâncias de pastoral vocacional; prestar a
ajuda possível aos grupos que aspirem a constituir-se em Institutos Seculares.
Ambos os organismos procuram cumprir os seus objectivos para o bem comum da vida
consagrada em Portugal, através de assembleias nacionais e regionais, do trabalho de comissões
específicas em vários sectores de actividade, como seja a realidade da justiça e paz e do tráfico
de pessoas, de revistas e publicações próprias, de celebrações comuns das suas actividades, de
jornadas e semanas de estudos e formação permanente, de resposta em comum aos desafios
vindos dos sectores da educação, da saúde e da administração fiscal, entre outros, de participação
e colaboração nas actividades eclesiais em Portugal e em “terras de missão”, em particular nos
países de expressão portuguesa.
Estes desafios só terão sentido se todos os membros dos institutos religiosos continuarem
a investir na espiritualidade como essencial à sua existência, na sua formação em ordem a um
melhor serviço qualificado nas tarefas a si confiadas, no desenvolvimento de uma pastoral
vocacional conjunta em ligação com a pastoral juvenil, num maior envolvimento em actividades
e iniciativas intercongregacionais, na abertura aos leigos enquanto participantes do seu carisma,
na reflexão e empenho na missão Ad Gentes, na sua inserção constante na vida das igrejas
locais, na coragem em rever estruturas e obras tantas vezes sem significância para os problemas
do mundo de hoje. Sem substituir a autonomia própria de cada instituto, a CIRP e a FNIS, nas
suas tarefas de coordenação e dinamização, procuram contribuir para dar resposta aos desafios
e sinais dos tempos, colocados à vida consagrada em Portugal, em atitude de abertura à
mudança, sempre na fidelidade ao Espírito de Jesus Cristo e na comunhão eclesial.
Na senda do dinamismo comunional destas duas grandes estruturas da vida consagrada em
Portugal, o presente Dicionário Histórico constitui um precioso contributo para dar a conhecer,
de modo rigoroso e científico, todo o universo, passado e presente, das congregações e ordens.
Por um lado, este trabalho traz à memória as que deixaram de existir mas que muito construíram
em prol do bem da sociedade e da Igreja; por outro, recordando os dados históricos, poderá
apelar às existentes para que renovem a sua identidade na fidelidade dinâmica às suas origens.
Em ambos os casos, o Dicionário Histórico constitui, certamente, um ponto referencial, qual ponto
de partida para futuras investigações sobre as ordens e congregações em Portugal. Permanecendo
na pauta do seu carácter histórico e científico, será sempre expressão de vida e de testemunho
de milhares de homens e mulheres que deram e continuam a dar a vida por Jesus Cristo na vida
consagrada, qual testemunho iluminador para gerações de novos consagrados e consagradas.

Lisboa, 23 de Março de 2008, Solenidade da Páscoa do Senhor.

Padre Manuel Joaquim Gomes Barbosa, scj


Presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP)
Vice-Presidente da União das Conferências Europeias dos Superiores(as) Maiores (UCESM)

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Organigrama

Direcção
José Eduardo Franco

Coordenação
Isabel Mayer Godinho Mendonça e Teresa Peralta (Iconografia)
João Luís Inglês Fontes e Manuel Saturino da Costa Gomes (Glossário Técnico)
João Miguel Almeida (Institutos Seculares)
José Carlos Lopes de Miranda (Outras Instituições)
José Varandas (Ordens Religiosas Militares)
Paulo Mendes Pinto e João Luís Inglês Fontes (Ordens/Congregações Masculinas)
Sara Morais Saraiva de Andrade e Sílvia Ferreira (Ordens/Congregações Femininas)

Secretariado de Investigação, Redacção e Pré-Edição


Susana Mourato Alves (Chefe de Redacção)
Cristiana Lucas Silva
Paula Cristina Ferreira da Costa Carreira

Comissão Científica
Aires Augusto Nascimento (CEC – FL – Universidade de Lisboa)
Ana Cristina da Costa Gomes (CCCM – Centro Científico e Cultural de Macau)
Annabela Rita (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
António Montes Moreira (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
António Ventura (CH – FL – Universidade de Lisboa)
Arnaldo do Espírito Santo (CEC – FL – Universidade de Lisboa)
Bento Domingues (Instituto de São Tomás de Aquino)
Bernard Vincent (École des Hautes Études en Sciences Sociales – Paris)
Carlos Moreira Azevedo (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Christine Vogel (Universidade de Mainz – Alemanha/CLEPUL)
Fernando Cristóvão (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Geraldo Coelho Dias (Universidade do Porto)
Guy Bedouelle (Universidade de Fribourg – Suíça)
Hermínio Rico (Universidade Católica Portuguesa)
Isidro Lamelas (FT – Universidade Católica Portuguesa)
Jerónimo Trigo (FT – Universidade Católica Portuguesa)
João Francisco Marques (FL – Universidade do Porto)
José Augusto Mourão (FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
José Augusto Ramos (FL – Universidade de Lisboa)
Lázaro Messias de Carvalho (Diocese de Quelimane – Moçambique/CLEPUL)
Luis Machado de Abreu (CLC – Universidade de Aveiro)
Manuel Clemente (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)

15
†Manuel da Costa Freitas (Universidade Católica Portuguesa)
Manuel Saturino da Costa Gomes (ISDC – Universidade Católica Portuguesa)
Manuela Mendonça (FL – Universidade de Lisboa)
Muanamosi Matumona (Universidade Agostinho Neto – Angola/CLEPUL)
Norberto Dallabrida (Universidade Estadual de Santa Catarina – Brasil/CLEPUL)
Paulo de Assunção (Universidade de São Paulo – Brasil/CLEPUL)
Pedro Barbas Homem (FD – Universidade de Lisboa)
Rui Loureiro (CHAM-FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Valmir Francisco Muraro (Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil/CLEPUL)
Vítor Feytor Pinto (Universidade Católica Portuguesa)
Vítor Melícias Lopes (Universidade Católica Portuguesa)
Vítor Serrão (FL – Universidade de Lisboa)
Vítor Teixeira (Universidade Católica Portuguesa – Porto)

Autores
Acílio Mendes (Franciscanos Capuchinhos)
Adélio Torres Neiva (Congregação dos Espiritanos)
Aileen Josephine Coates (Dominicanas Irlandesas)
Aires Gameiro (Ordem Hospitaleira dos Irmãos de São João de Deus/IPCDVS-FPCE – Universidade
de Coimbra)
Alexandre Honrado (Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes)
Álvaro Manuel da Rocha Tição (Câmara Municipal de Lisboa)
Álvaro Terreiro (Diocese da Guarda)
Amador Anjos (Congregação dos Salesianos)
Ana Cláudia Vicente (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Ana Cristina da Costa Gomes (Centro Científico e Cultural de Macau)
Ana Filipa Isidoro da Silva (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Ana Maria Homem Leal de Faria (CH – FL – Universidade de Lisboa)
Annabela Rita (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
António de Araújo (FD – Universidade de Lisboa)
†António Lopes (Companhia de Jesus)
António Rocha Martins (FL – Universidade de Lisboa)
Armando Alberto Martins (FL – Universidade de Lisboa)
Artur Manso (Universidade do Minho)
Augusto Moutinho Borges (Museu S. João de Deus/CEIS20 – Universidade de Coimbra)
Áurea Adão (Universidade Lusófona)
Benilde Abegão (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Carla Delgado de Piedade (FL – Universidade de Lisboa)
Carlos Aguiar Gomes (Militia Sanctae Mariae)
Carlos Berrincha (Instituto Politécnico da Guarda)
Carlos João Correia (CF – FL – Universidade de Lisboa)
Carlos Margaça Veiga (FL – Universidade de Lisboa)
Célia Cristina da Silva Tavares (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
Cristiana Lucas Silva (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
David Sampaio Barbosa (CEHR – Universidade Católica Portuguesa/Congregação do Verbo Divino)

16
Deolinda Rodrigues (Irmãs Dominicanas do Rosário)
Deolinda Serralheiro (Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima)
Diana Barbosa (Irmãs Doroteias)
Eugénio dos Santos (FL – Universidade do Porto)
Eva Santos (Sociedade das Filhas do Coração de Maria)
Fernanda Cristina Santos (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Fernanda Olival (CIDEHUS – Universidade de Évora)
Filomena de Melo Borja (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Gisela Pinto (FL – Universidade de Lisboa)
Helena Maria Cardoso Oliveira (Congregação do Amor de Deus)
Henrique Manuel S. Pereira (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa/Universidade Católica
Portuguesa)
Henrique Pinto Rema (Ordem dos Franciscanos Menores – OFM)
Ilda Maria A. S. Soares de Abreu (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Inês Versos (Instituto Europeu de Florença)
Isabel Baltazar (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Isabel Castro Pina (IEM-FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Isabel Mayer Godinho Mendonça (ESAD – Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva)
Isabel Rodrigues (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Jacinto Salvador Guerreiro (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Jerónimo Trigo (FT – Universidade Católica Portuguesa/Congregação dos Claretianos)
Jesué Pinharanda Gomes (Academia Portuguesa da História/Ordem Terceira Carmelita)
Joana Barreira (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
João Luís Inglês Fontes (IEM-FCSH – Universidade Nova de Lisboa/CEHR – Universidade Católica
Portuguesa)
João Miguel Almeida (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
João Paulo Freire Carreteiro (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
José Carlos Calazans (CECR – Universidade Lusófona)
José Carlos Lopes de Miranda (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa/Faculdade de Ciências
Sociais – Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa)
José Eduardo Franco (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa/Instituto Europeu de Ciências da
Cultura Padre Manuel Antunes)
José Maria Silva Rosa (Universidade da Beira Interior)
José Nunes Dorguete (Ordem Hospitaleira dos Irmãos de São João de Deus)
José Renato Gonçalves (FD – Universidade de Lisboa/CLEPUL)
José Varandas (CH – FL – Universidade de Lisboa)
José Victor Adragão (Comunidade Shalom)
Lauro Portugal (Sociedade Portuguesa de Autores/CLEPUL)
Luís Filipe Oliveira (Universidade do Algarve/IEM-FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Luís Machado de Abreu (CLC – Universidade de Aveiro)
Luís da Cunha Pinheiro (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Luísa de Oliveira Guimarães (ESAD – Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva)
Mafalda Neves Pedroso (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Manuel Joaquim Gomes Barbosa (Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus/CIRP)
Manuel Saturino da Costa Gomes (ISEDC – Universidade Católica Portuguesa)

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Margarida da Costa Alves (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Maria da Glória C. Santana Paula (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Maria de Fátima Reis (CH – FL – Universidade de Lisboa)
Maria do Céu de Brito Vairinho Borrêcho (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Maria Domingos (Monjas Dominicanas)
Maria Emília Stone (CEFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Maria Filomena Andrade (Universidade Aberta)
Maria Graça Vicente (FL – Universidade de Lisboa)
Maria João Ferreira (CHAM – Universidade Nova de Lisboa)
Maria João Pereira Coutinho (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Maria José Remédios (Universidade Lusófona)
Maria Julieta Mendes Dias (Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria)
Maria Leonor García da Cruz (FL – Universidade de Lisboa)
Maria Lúcia Amado Correia (Companhia Missionária do Coração de Jesus)
Maria Odete Soares Martins (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Maria Teresa C. S. Gonçalves dos Santos (CFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa/ Universidade
de Évora)
Mariagrazia Russo (Universidade de Viterbo)
Miguel Real (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Miguel Rodrigues Lourenço (FL – Universidade de Lisboa)
Nuno Milheiro (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
†Otília Rodrigues Fontoura (Ordem de Santa Clara)
Paula Cristina Ferreira da Costa Carreira (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Paula Xavier (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Paulo Mendes Pinto (CECR – Universidade Lusófona/Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto
Benveniste da Universidade de Lisboa)
Paulo Santos (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Pedro Carlos Lopes de Miranda (Instituto de Estudos Teológicos de Coimbra)
Pedro Gil (Opus Dei)
Ricardo Basílio (Associação Internacional de Estudos Ibero-Eslavos – CompaRes)
Ricardo Duarte Gonçalves (CEC – FL – Universidade de Lisboa)
Ricardo Varela Raimundo (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Rita Angeja (FL – Universidade de Lisboa)
Rita Maria Nicolau (Congregação das Dominicanas de Santa Catarina de Sena)
Rosa Fina (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Rui A. Costa Oliveira (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias)
Sandra Leandro (Universidade de Évora/IHA – Universidade Nova de Lisboa/CLEPUL)
Sara Morais Saraiva de Andrade (ESAD – Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva)
Sérgio Pinto (CEHR – Universidade Católica Portuguesa)
Sílvia Ferreira (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Sofia Mendes Geraldes (École des Hautes Études en Sciences Sociales – Paris/França)
Susana Bastos Mateus (Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste da Universidade de
Lisboa)
Susana Mourato Alves (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Susana Pedroso (FL – Universidade de Lisboa)

18
Teresa Amaro (CFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Teresa Leonor M. Vale (CEPESE – Universidade do Porto)
Teresa Peralta (CLEPUL – FL – Universidade de Lisboa)
Teresa Rosa (Universidade dos Açores)
Valmir Francisco Muraro (Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil/CLEPUL)
Vasco Resende (École Pratique des Hautes Études – Paris/França)
Virgínia Dias (CFE/FCSH – Universidade Nova de Lisboa)

Instituições Coordenadoras
Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa das Universidades de Lisboa – Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL – FLUL), actual Centro de Literaturas e Culturas
Lusófonas e Europeias
Centro de História – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CH – FLUL)

Instituições Promotoras
Centro de Estudos em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona
Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República
Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes
Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa
Reitoria da Universidade de Lisboa

Instituições Associadas
Associação Internacional de Estudos Ibero-Eslavos – CompaRes
Centro Cultural Franciscano, Ordem dos Frades Menores
Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro
Direcção Regional dos Serviços Culturais da Região Autónoma da Madeira
Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva
Instituto de São Tomás de Aquino, Ordem dos Pregadores
Ordem Hospitaleira dos Irmãos de São João de Deus
Revista Brotéria, Companhia de Jesus

Instituições Patrocinadoras
Artlandia Design
Centro Cultural Franciscano
Centro Nacional de Cultura
Congregação das Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus
Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena
Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias
Congregação das Religiosas do Sagrado Coração de Maria
Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima
Congregação de São José de Cluny
Congregação do Santíssimo Redentor
Congregação dos Missionários do Verbo Divino

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Criaditas dos Pobres
Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja
Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora
Fundação Calouste Gulbenkian
Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora
Instituto Missionário da Consolata
Irmãs da Apresentação de Maria
Irmãs Franciscanas Evangelizadoras de Nossa Senhora da Esperança
Missionárias Dominicanas do Rosário
Missionários do Preciosíssimo Sangue
Sacerdotes do Coração de Jesus

Projecto financiado pela


Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
(Programa Operacional Ciência e Inovação 2010 (POC/2010) do Quadro Comunitário de Apoio
III e Comparticipação pelo Fundo Comunitário Europeu FEDER), e pelo Projecto “La obra de
Mário Martins como estudio de las interrelaciones literarias y culturales en el contexto ibérico”
(INTERIBER), aprovado pela Dirección General de Investigación Científica y Tecnológica [Referência:
FFI2008-00824 do Plan Nacional I+D+I] do Ministerio de Ciencia y Tecnología de Espanha.
Abreviaturas

a.C. = antes de Cristo ms. = manuscrito


AA.VV. = autores vários mss. = manuscritos
art. = artigo n. = nascimento
arts. = artigos N. = Nossa
Av. = Avenida n.º = número
B.º = Bairro n.os = números
c. = cerca m. = morte
cap. = capítulo (de livros) op. cit. = opus citatum
cf. = conferir p. = página (pp. = páginas)
Cód. = Códice P.e = Padre
col. = coluna P.es = Padres
cols. = colunas Prof. = Professor
comp. = compilador Pr. = Praça
cx. = Caixa Q.ta = Quinta
d.C. = depois de Cristo R. = Rua
Dr. = doutor Res. = Reservado
d. = direito
to
S. = São
e. g. = exempli gratia S.ta = Santa
ed. = edição / editor S.to = Santo
(quando a obra é uma compilação de artigos) s.d. = sem data
eds. = editores s.l. = sem lugar
Eng. = engenheiro s.n. = sem nome
esq. = esquerdo séc. = século
etc. = et cetera sécs. = séculos
Fr. = Frei Sept. = Separata
i. e. = id est Sr. = Senhor
Il. = Ilustrado Sr.ª = senhora
Ir. = Irmã/Irmão ss. = seguintes
mo(a)
Irs. = Irmãs/Irmãos SS. = Santíssimo(a)
L. = Largo t. = tomo/tomos
liv. = livro/livros trad. = tradução
m. = morte Trav. = Travessa
mç. = maço/maços v. = vida
M. me
= Madame vol. = volume
Mons. = Monsenhor vols. = volumes

21
Introdução Geral
Introdução Geral

“Não há História definitiva, pela simples razão de que a palavra pronunciada, por mais fundadora
e fecunda que seja, está ela própria sujeita ao tempo, torna-se ela própria passado, objecto de outras
experiências, o que quer dizer que tem de ser constantemente renovada, constantemente pronunciada
para se manter viva. A sua relação com uma intuída Palavra eterna exige a sua actualização constante
para que o tempo não devore tudo.”
(José Mattoso, A Escrita da História)

Coloca-se agora à disposição do grande público e da comunidade científica um Dicionário


que traz como título Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e Outras Formas de Vida
Consagrada Católica em Portugal. Gostaríamos de o considerar, em primeiro lugar, no quadro da
intensa renovação que, sobretudo a partir das últimas décadas do séc. XX, atingiu a historiografia
portuguesa, envolvendo também, e necessariamente, a historiografia religiosa e a história das
instituições eclesiásticas. Desse movimento é sinal eloquente a recente História Religiosa de Portugal,
dirigida por Carlos A. Moreira Azevedo1 e o respectivo Dicionário de História Religiosa, coordenado
pelo mesmo autor2, que permitiram ultrapassar, em muitos aspectos e sobretudo numa base teórica
e conceptual renovada, a antiga, embora ainda útil, História da Igreja em Portugal, de Fortunato
de Almeida3, e dar continuidade, ainda que em moldes distintos, ao Dicionário de História da Igreja,
deixado inacabado por A. Banha de Andrade4. Dessa renovação é também fruto o recente Guia
Histórico das Ordens Religiosas em Portugal, dirigido por Bernardo Vasconcelos e Sousa5, roteiro
bibliográfico e documental de grande utilidade, abarcando o período que se situa entre os primeiros
1
Carlos A. Moreira Azevedo (dir.), História Religiosa de Portugal, testemunhos da presença do monaquismo em território português e o Concílio de Trento.6
3 vols., Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História Contudo, toda esta produção, orientada para fins específicos, não suplantou, mas antes
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000-2002. estimula e exige, um instrumento que permita um olhar tão exaustivo e sistemático quanto
2
Carlos A. Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa, possível, sobre o universo institucional das ordens e congregações religiosas presentes em
4 vols., Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História Portugal, ou seja, sobre esse vasto conjunto de famílias e institutos religiosos genericamente
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000-2001. englobados pelo actual Código do Direito Canónico sob a designação de institutos de vida
3
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, 4 vols., consagrada. Desta forma, não só se colmata o carácter não exaustivo de outros dicionários
Nova ed. preparada e dirigida por Damião Peres, Porto, face ao conjunto das ordens e congregações, como se possibilita a integração, nas notícias
Portucalense Editora, 1967-1971. A edição original, em oito elaboradas para o mesmo, dos mais recentes progressos facultados pela investigação no que
volumes, data de 1910-1928. respeita à história e aos contornos da sua presença entre nós.
4
António Alberto Banha de Andrade (dir.), Dicionário de História Este projecto de dicionarização de um saber fundamental sobre as ordens foi desenvolvido
da Igreja em Portugal, 2 vols, Lisboa, Ed. Resistência, 1980- por um conjunto vasto de investigadores e especialistas de várias áreas do saber e de várias
-1983. instituições científicas e universitárias nacionais e estrangeiras. Associam-se nesta obra, pois,
5
Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Isabel Castro Pina, Maria autores e consultores científicos de vários países, de vários quadrantes científicos e de várias
Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos, faixas etárias, reunindo os contributos de reconhecidos investigadores e de outros, mais jovens,
Ordens Religiosas em Portugal: Das Origens a Trento – Guia cujos caminhos de investigação tendem a aportar novos e importantes elementos para um
Histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 2005. conhecimento renovado da história das instituições aqui tratadas.
6
Não podemos deixar de referir que a nível internacional se Estudar ordens e instituições afins implicou aqui assumir também aquele que é considerado
têm diversificado um conjunto de projectos de investigação e o pecado original do historiador: uma parte significativa das instituições estudadas ainda é
de publicações que revelam o renovado interesse que o universo realidade viva e actuante.
das ordens e congregações religiosas continua a suscitar entre Contudo, quando aquilo sobre que se trabalha, sobre o que se escreve, com o que
a comunidade científica. Muitas delas são obras de referência dormimos, sonhamos ou desesperamos, vem até nós ou, ao menos, tem raízes até tempos
obrigatória para quem se dedica ao estudo deste universo vasto próximos, com gentes e lugares prenhes e marcados dessas realidades, o Presente-vivido irrompe
e diversificado. Referimos aqui apenas algumas a título ilustrativo muito mais brutalmente pelo Passado-estudado.
entre uma miríade de outras edições que têm vindo a lume em No resultado final destas centenas de entradas, encontramos, assim, um longo caminho
várias línguas: Agnès Gerhards, Dictionnaire Historique des de diálogo e de conhecimento em que, estranhem, nenhuma das partes ficou a perder. A
Ordres Religieux, Prefácio de Jacques Le Goff, Paris, Fayard, maioria dos participantes neste processo compreendeu a natureza científica do trabalho, não
1998; Gaston Duchet-Suchaux, Monique Duchet-Suchaux, Les apologética ou memorialista. Apenas se valorizou o esclarecimento e o rigor, exactamente com
Ordres Religieux: Guide Historique, Paris, Flammarion, 2000; o mesmo respeito que demos a todos os intervenientes.
Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti Este Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e Outras Formas de Vida Consagrada
di Perfezione, 10 vols., Roma, Ed. Paoline, 1974-2003. Católica em Portugal é uma edição parcelar extraída, corrigida e adaptada do projecto mais vasto

23
de que participou, intitulado Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal.
Esta mesma introdução, especificamente orientada para abrir a presente edição parcelar é
adaptada da Introdução Geral do Dicionário-Mãe, onde tem a sua origem.
Nesta realidade, o projecto que agora chega ao seu fim, teve de apresentar algumas soluções
que superassem o inicial constrangimento provocado pela amplíssima abordagem proposta e o
transformassem numa mais-valia. Decidiu-se enfrentar essa dificuldade, deixar de a olhar como
um problema, e esgrimir com ela o que desejamos para esta obra: exactidão, mas também
diálogo e respeito. Assim, qual Janus, com duas caras e dois olhares, a direcção e a coordenação
do projecto olharam para as realidades historiografadas, mas ao mesmo tempo vivas.
Em nome da procura do máximo rigor de informação e sempre à luz da nossa posição
ecuménica e construtiva, pedimos à maior parte dessas mesmas instituições vivas a abertura
para nos receberem, para lerem os nossos textos, para complementarem alguns dados importantes
descurados e corrigirem aspectos de pormenor em termos de informação factual. Foi, pois,
com este fim que convidámos os representantes e dirigentes das instituições vivas que participassem
na revisão do nosso trabalho.
Uma Ciência Dialogada e para a Comunidade é, assim, o que pretendemos apresentar
como o resultado desta postura de Diálogo Metodológico. Estes textos são a imagem desse
processo longo de anos e rico de experiências.
Seguramente, ficámos todos mais ricos. A obra engrandeceu-se. A Ciência ficou mais clara
e dialogante. Nós, a quem a tarefa foi por nós próprios pedida, mais satisfeitos.
Acima de tudo, este é um projecto aberto e em aberto. Não se pretende dizer a última
palavra sobre o assunto, nem encerrar ou esgotar o campo de investigação, nem muito menos
ter o delírio do definitivo. Tão-só queremos explorar e abrir decisivamente as portas de um
caminho novo e apaixonante de conhecimento, facultando, de forma clara, distinta e sistemática,
a informação já existente sobre as ordens e acrescentar-lhe um pouco mais através do processo
de pesquisa que todas as equipas envolvidas, que aceitaram o nosso convite à colaboração,
realizaram com grande dedicação, apesar da escassez dos meios disponíveis.
É para eles, em primeiro lugar, que dirigimos o nosso caloroso “Muito Obrigado”: aos
autores nomeados em cada entrada que em graus diversos ajudaram a construir com os seus
textos esta obra, auxiliados pelo inestimável apoio dos diferentes membros da Comissão Científica
que em conjunto penhoradamente reconhecemos.
A segunda mas não menos importante palavra de agradecimento vai para as instituições
que acolheram e promoveram cientificamente o projecto que esteve na base desta obra e para
aquelas que apoiaram materialmente a sua execução. Há depois muitas pessoas que, não
aparecendo visivelmente, nomeadas em algum lugar desta edição, contribuíram como facilitadores
e incentivadores no processo da sua preparação.
Dado o longo período que implicou a elaboração desta, corremos o risco de esquecer
alguém que tenha tido um papel mais ou menos adjuvante; mesmo assim arriscamos fazer
menção de alguns nomes que é de justiça referenciar como forma de agradecimento: Hermínio
Rico, sj, antigo Director da Revista Brotéria, Ana Teresa Santa Clara, Diogo Gaspar (Director) e
Jorge Inácio do Museu da Presidência da República, Pedro Sousa e Silva da FCT, João Henrique
Silva, Director da DRAC-Madeira, Marcelino de Castro, Director da Revista Islenha, José António
Falcão, Director do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, Maria
Teresa Rosendo (Chefe de Divisão) da Câmara Municipal de Palmela e Isabel Cristina Fernandes
do Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) da Câmara Muncipal de Palmela,
Miguel Gaspar, Director da Artlândia, Isidro Lamelas OFM, então Provincial da Ordem dos Frades
Menores, Patrícia Costa e José Furtado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Fausto
Oliveira da Câmara de Lousada, Maria Edite B. Mourato Alves do IECC-PMA, José Luís de
Almeida Monteiro, Bibliotecário do Convento Dominicano de Tours.
Uma palavra importante de agradecimento reconhecido queremos deixar bem patente às
instituições que acreditaram no nosso projecto desde o início do lançamento e decidiram oferecer
o seu apoio material para garantir a sua viabilização. Em particular, e a modo de representação
de todas estas, queremos destacar o grande significado do Alto Patrocínio concedido pela
Presidência da República, bem como aqueles que contribuíram para que este apoio, que muito
nos honrou, fosse garantido. Da actual equipa da Presidência da República, agradecemos o
empenho do Chefe da Casa Civil, José Nunes Liberato, e do Secretário-Geral da Presidência,
Armando Ferreira Coutinho. Da anterior Presidência, agradecemos as diligências importantes
do Assessor para os Assuntos Culturais, José Manuel dos Santos.
Finalmente, cumpre-nos deixar bem expresso um agradecimento muito especial à equipa
de investigadoras-bolseiras da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, constituída por Cristiana

24
Lucas Silva, Paula Cristina Ferreira da Costa Carreira e Susana Mourato Alves. Estas tenazes
investigadoras constituíram um eficiente secretariado executivo, no qual, com entusiasmo,
empenho e rigor, trabalharam a tempo inteiro numa fase decisiva de preparação, revisão e
produção dos instrumentos complementares (índices, siglários e glossários) desta obra composta
por 231 entradas, englobando Ordens, Congregações, Instituto Seculares e outras instituições
de algum modo herdeiras do dinamismo carismático da chamada Vida Consagrada Católica.

As Equipas de Direcção e de Coordenação

Lisboa, 3 de Março de 2010

25
Ordens e Congregações Masculinas
Introdução
Ordens e Congregações Masculinas
Coordenação de Paulo Mendes Pinto e João Luís Inglês Fontes

INTRODUÇÃO

“Os homens procuram a solidão no deserto, na praia ou nas montanhas – um sonho que tu
próprio tanto tens acarinhado. Mas tais fantasias são totalmente impróprias de um filósofo, uma vez
que em qualquer altura que queiras podes recolher-te dentro de ti próprio. Não há para o homem
refúgio algum mais silencioso e mais tranquilo do que a própria alma; sobretudo para quem possua,
em si mesmo, recursos que apenas precisa de contemplar para assegurar uma paz de espírito imediata
– paz que é apenas outro nome para um espírito bem organizado. Aproveita, pois, este retiro com
frequência e renova-te continuamente. Traça para a tua vida regras sumárias, mas que abranjam o
fundamental.”

Marco Aurélio, Meditações, 4, 3

“À medida, porém, que se vai avançando na vida religiosa e na fé, o coração dilata-se e, com
inefável doçura de amor, corre-se pelo caminho dos mandamentos de Deus. Deste modo, não nos
desviando nunca dos seus ensinamentos e perseverando em sua doutrina no mosteiro até à morte,
partilhamos, pela paciência, dos sofrimentos de Cristo, a fim de merecermos também ser participantes
do seu reino.”

Regra de S. Bento, Prólogo

“A regra e vida dos irmãos é esta, a saber: Viver em obediência, em castidade e sem nada de
próprio; e seguir a doutrina e exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo.”

S. Francisco de Assis, Primeira Regra, n.º 1

I. Do Mundo Helenista Ao Ideal Monástico Cristão

1. Quadro de funcionalidade: A cristianização de uma herança helenista


Após quase 2000 anos de história da religião cristã, urge olhar para o que de não cristão
ela integrou. Dentro dos inúmeros fenómenos a si anteriores ou paralelos, o que desaguará
no universo tradicionalmente designado por ordens religiosas é, de forma questionável,
obviamente, um dos que mais interesse tem na construção das próprias imagens que essa
religião criou de si mesma.
Em grande medida por dentro da espiritualidade que o Cristianismo desenvolveu, senão
mesmo quase o seu único motor, o universo dos grupos de religiosos organizados em comunidade
foi, desde muito cedo, uma consciência atenta e uma quase constante motivação de reforma,
de retorno, de recriação e de purificação da própria fé e das suas práticas.
É dentro deste jogo de conceitos, onde as ideias de reforma e de retorno marcam um
lugar de primeiro plano, que vemos os mais antigos grupos que podemos genealogicamente
entroncar com o fenómeno cristão.
De facto, e segundo o nosso olhar, o que genericamente passaremos a designar neste
ponto por monaquismo apresenta, na sua origem, uma forte relação com uma forma cultural
e religiosa específica, o helenismo.
Desta forma, o fenómeno que naturalmente vemos francamente enraizado na própria
definição de Cristianismo é, acima de tudo, uma corrente cultural transversal a toda uma época
e uma vasta região que abrange, pelo menos, o lado oriental da bacia do Mediterrâneo.
Torre do Tombo, arquivo nacional rico em documentação sobre Reflexo de ecos que emergem de medos e receios antigos, matizados com fugas recentes
as ordens (JEF) a um cada vez mais forte e aglutinador mundo urbano, a criação de formas religiosas onde a

27
vida dos indivíduos se pauta por um propositado afastamento ao mundo da urbe, numa busca
de algo de espiritual e de sentido da vida que nela não se encontrava, é imagem de uma
religiosidade que se pode encontrar em diversos grupos ou seitas religiosas que pululavam no
mundo que herdaram os antíocos, os selêucidas, os ptolemeus, para não falar em realidades
mais distantes, como o Budismo, onde pelos mesmos séculos nasciam movimentos em muito
semelhantes.
Seguidores de Mitra, de Aura Mazda, de Ísis, de Dioníso ou de Baco, Neoplatónicos,
Pitagóricos e Órficos, todos incluíam no seu horizonte de possibilidade religiosa a fuga para
fora das grandes cidades1. O que significava essa fuga?

2. A fuga para uma Idade de Ouro


Um dos sentidos mais fortes que podemos encontrar nestes grupos de seitas religiosas
helenistas reside numa certa ideia de que, fora do mundo dos deveres e do ritmo das cidades,
existia como que uma paz imanente gerada pelo próprio mundo ainda não corrompido pelo
homem.
Ora, este primeiro motor patente nesse retorno, através de uma reforma de vida, encontra-
-se, claramente, numa recusa e num crescente afastamento do processo de urbanização no
Médio Oriente Antigo. No limite, a raiz desta realidade encontramo-la em diversos mitos que
nos mostram uma clara nostalgia da fase da caça e recolecção, o que se pode designar como
uma consciência de que o processo de neolitização trouxera uma perda de qualidade de vida
ao obrigar a um trabalho constante, diário.
De facto, é o que encontramos nas descrições idílicas do Éden retratado em Génesis, onde
Pedro, o Eremita (in Susie Hodge, Templários: não era necessário trabalhar para ter alimento, ou, numa versão talvez da mesma época, a
A História Secreta, Lisboa, Editorial Lisboa, 2007, p. 14) descrição da Idade de Ouro de Hesíodo: “Para eles tudo era perfeito: o solo fértil oferecia-lhes
por si frutos numerosos e abundantes; e eles, contentes e tranquilos, viviam da terra, no meio
de bens inúmeros.”
Neste quadro, é de dar alguma atenção ao facto de os personagens apresentados nestes
grupos humanos idílicos viverem, de facto, numa plena e perfeita harmonia. Adão e Eva viviam
longe de todo o pecado, isto é, como irmãos (que realmente eram), e não maritalmente; essa
alteração de situação “civil” ocorre apenas depois da sua queda. A vida monástica procurará
sempre este ideal anterior à saída do paraíso; uma forma de vida de irmandade onde a pureza
das práticas dita as necessidades.
Obviamente, esta questão do afastamento do mundo implica levar ao limite a própria
condição humana. Por um lado, a própria noção de humanidade implicava já o próprio mundo
criado por ela; por outro lado, o que na prática alguém que se afastasse do mundo urbano
iria encontrar era exactamente o oposto da terra do leite e do mel – a vida de eremita era, na
sua grande parte, uma vida de provação e não de abundância.
Será nestas duas linhas que o aprofundar dos sentidos do monaquismo nos irá levar nas
próximas reflexões.

3. A fuga para uma expiação


O sentido anterior, de um mítico reencontro original, deve ser revisto no equilíbrio com
uma outra dimensão, esta mais visível nas leituras que do fenómeno se podem fazer.
Paralelamente a uma ideia de regresso ao paraíso, aos tempos primeiros, a uma dimensão
ainda não corrompida, numa recusa do mundo agrícola, porque não seria necessário trabalhar
manualmente, mas especialmente numa negação do mundo urbano, devemos olhar para esse
alheamento face aos bens terrenos como um caminho para o sofrimento, como prova diária,
como sacrifício continuado e expiação.
A ida para esses locais ermos tinha uma clara natureza de iniciação, de prova que necessitava
S.to Antão no altar da nave da Igreja de N. Sr.ª do Livramento,
de ser superada – quanto mais não fosse porque poderia equivaler a uma literal sobrevivência.
Câmara de Lobos (DRAC)
Mas mais que sobreviver nesse sentido estrito de conseguir regularmente água e alimento para
manter em funcionamento as funções vitais do corpo, fugir ao mundo onde viviam normalmente
os homens era também fugir ao horizonte das tentações e, assim, expiar os pecados pelo
sofrimento e pela força constante da recusa. Não tendo todos os bens que estavam ao alcance
no mundo cosmicizado, antropizado, a maior das tentações era a fuga, o regresso para esse
mundo antes conhecido. Obviamente, não indo, assumindo essa falta como algo de natural,
1
Sobre esta questão aplicada às seitas religiosas greco-romanas, era entrar num campo de autoflagelação continuada.
ver, por exemplo, M. L. Freyburger-Galland, G. Freyburger, J. C. Mas os exemplos desta funcionalidade eram dados abundantemente por muitas tradições
Tautil, Sectes Religieuses en Grece et à Rome, Paris, Les Belles religiosas. No Êxodo, é o próprio Povo Eleito que fará uma longa e simbólica travessia do
Lettres, 1986. deserto durante o tempo necessário para que toda uma geração fosse superada, que morressem

28
todos os que participaram nas ofensas cometidas contra Deus na base do monte Sinai. Seriam
necessários 40 anos de vida errante no deserto – vejamos que fora em comunidade, com regras
de convivência, e com um guia – para que a população vinda do Egipto, antes brindada com
a libertação, fosse agora introduzida na Terra prometida – uma terra de leite e mel.
No campo dos indivíduos, os exemplos hebreus eram ainda em número e peso muito
significativos. Jesus, seguindo claramente uma tradição e costume da época, segue também
para o deserto para ser posto à prova. Neste caso, a prova estava num nível diferente: não
estava em causa o dado simples e linear de não ter alimento ou outro conforto qualquer, mas
sim o próprio confronto com a entidade maléfica que lhe ofereceria tudo o que o mundo teria
para lhe dar. Jesus não vai expiar culpa alguma; passando para o campo de uma leitura cultural
em que o texto dos Evangelhos é o mediador entre quem quis passar a mensagem e a quem
ela era dirigida, podemos dizer que Jesus vai a um lugar onde se reconheceria que seria
importante e significativo ir para poder afirmar bem alto, quando a fraqueza do corpo fosse
grande, que mesmo assim recusava tudo o que de bom o mundo dos homens lhe tinha para
oferecer. É a situação da fuga que é, mais uma vez, alicerçada até ao limite da interpretação
da vida em retiro: a prova é a vida sem os bens, mas mais que essa superação constante e
momentânea, é a recusa constante da fuga para onde esses bens existissem.

4. O local de comunicação e de hierofania


Longe do mundo dos homens, da cidade e dos espaços agrícolas domesticados pela mão
inventiva do génio humano, o isolamento em locais ainda não alterados pelo homem implicava
uma literal integração ecológica do indivíduo. A interacção directa com a natureza e as suas
criaturas, sem que isso implicasse uma intervenção destruidora, foi, sem dúvida, uma das linhas
constantes no movimento monástico da Antiguidade.
Ao ir viver, sem meios, para um campo qualquer, fosse ele deserto ou floresta, a pessoa
em causa integrava-se na referida dimensão de Hesíodo em que se esperava que fosse a própria
terra a dar o que de alimento lhe aprouvesse. Recolectores, os eremitas integravam-se numa
natureza em tudo semelhante à da criação, à primeira das paisagens nascidas da mão da
sabedoria divina. Estes espaços, ainda em comunhão com os tempos primeiros, eram também
espaços de comunicação, de passagem aberta para com o divino.
É no isolamento que se dá uma parte significativa dos grandes momentos de comunicação
entre homens e divindade. Jesus, quando quis orar, afastou-se no horto. A Maomé foi revelado
o Corão em isolamento – como diz o ditado, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha
a Maomé... O que interessava é que teria que haver “montanha” para se dar a revelação.
Na construção do imaginário judaico, a situação da revelação da “condição” de Moisés
também passou por essa fase de transmissão de conhecimento num local isolado. De facto, a
hierofania de que Moisés é alvo, a sarça ardente, e que modificaria toda a sua vida e de um
povo, ocorre quando Moisés “conduziu o rebanho para além do deserto” (Ex 3, 1). De resto,
os pastores eram, na Antiguidade Oriental, dos poucos grupos humanos que de forma sistemática
e continuada se embrenhavam pelos espaços menos antropizados em busca de pasto para os
seus rebanhos. Não é de estranhar que algumas das mais significativas revelações do último
Monge marronita (Tours) milénio antes de Cristo tivessem ocorrido a pastores quando estavam junto a montes ou rios:
assim aconteceu com Ezequiel, “nas margens do rio Cabar” (Ez 1, 3); mas também com Amós,
que foi “um dos pastores de Técua” (Am 1, 1); no mundo grego, o quase contemporâneo dos
dois anteriores, Hesíodo, também apascentava o seu gado quando as ninfas foram ter com
ele: “Foram elas [as musas] que uma vez ensinaram um belo canto a Hesíodo, quando ele
apascentava os seus cordeiros nas faldas do Hélicon divino” (Teogonia, vv. 22, 23 e 26).

5. A sabedoria
A hierofania, o contacto, o conhecer, são essencialmente sabedoria. E os espaços de fuga
eram, obviamente, locais, zonas de saber. De facto, na confluência fenomenológica dos dois
temas antes focados, desaguamos num que será, ao longo de centenas de anos, duplamente
entendido e do qual resultaram diferentes formas de encarar a vida monástica: a sabedoria,
num sentido mais contemplativo, de estado a atingir, ou num sentido mais nosso contemporâneo,
de uma acção que se empreende. Aqui, o que entendemos por sabedoria é algo que surge de
forma natural do contacto com o divino, seguindo muito a tradição de interpretação das figuras
de David e de Salomão, expressa de forma notável nos livros bíblicos da Sabedoria e de Ben
Mosteiros em Meteora (Grécia), cujo isolamento proporcionado Sirá, entre outros. A sabedoria faz parte da própria esfera do divino, nomeadamente no momento
pela orografia permite realizar mais plenamente o ideal da criação, em alguns casos, como que autónoma dele, e pode ser atingida por uma caminhada
de fuga mundi (PCC) que propositadamente a procure.

29
Para atingir a sabedoria, o espaço do retiro espiritual e físico é a melhor das chaves. O
sofrimento e a própria natureza dos locais, propícios a hierofanias, de contacto com um mundo
primevo, para além da liberdade de tempo e pensamento possíveis num alheamento a tudo o
que de social existia no mundo urbano, promovem todo o eventual monge ou eremita num
suposto repositório de saber. Do Extremo Oriente à Península Ibérica, era recorrente que as
populações acolhessem nas suas proximidades eremitas e monges que eram, e em algumas
regiões do Oriente ainda são, vistos como pontos de acesso a saberes divinos inacessíveis aos
comuns dos mortais.
Fora do horizonte cristão, e pelas palavras de um “pagão”, Plutarco, que tenta relatar a
religião em torno de Ísis e Osíris, é exactamente este o sentido com que se justifica um
afastamento aos prazeres, em muito próximo ao que se pedia aos monges e eremitas dos
Mosteiros em Meteora (Grécia), cujo isolamento proporcionado
primeiros séculos do Cristianismo, e mesmo posteriores: “Com efeito, ao obrigá-los a seguir
pela orografia permite realizar mais plenamente o ideal
um regime constantemente moderado, a absterem-se de manjares abundantes e dos prazeres
de fuga mundi (PCC)
de Afrodite, amortece neles a destemperança e a sensualidade. Inacessíveis à moleza, habitua-
-os a persistir nas santas práticas, com uma constante devoção, práticas cuja finalidade é a
obtenção do conhecimento do Ser primeiro, soberano2.”
Obviamente, o grande desafio respondido por alguns dos primeiros cristãos que olharam
de forma sistemática para o fenómeno, foi o de integrar esta realidade que, não nos esqueçamos,
era crescentemente importante no seio da religião cristã, mas não lhe era peculiar, dentro de
uma realidade religiosa cada vez mais bem organizada e com regras estabelecidas para muitas
das funções que implicava.

6. Quadro da normativização: A integração cristã – primeiras formas e funções


Muita variedade de formas de vida e de rigor nasceu numa vastidão de Cristandade que
integrava um largo conjunto de heranças. No pós 313, com o fim da perseguição às seitas
menos submetidas à religiosidade cívica do Império, haveria que procurar um outro espaço de
sacrifício que fosse a continuidade do martírio – forma de sacrifício plenamente integrada no
Cristianismo nascente, já referida de forma positiva nos Actos dos Apóstolos (Act 5, 41; 14,
22). O deserto, o eremitismo, a busca de formas o mais radicalmente afastadas da vida corpórea,
fosse em locais ermos, ou no cimo de colunas, eram agora uma das chaves que faria o imaginário
religioso. Mesmo Maria e Madalena eram recriadas em modelos eremíticos que serviam de
guias para até os mais incorrigíveis pecadores – Maria era efabulada a viver numa floresta nos
arredores de Éfeso, depois de uma passagem pelo monte Athos, onde ainda hoje vivem várias
comunidades monásticas ortodoxas em rigorosa clausura, enquanto que Maria Madalena viveria
miticamente alguns anos numa montanha próxima de Marselha, expiando as suas duras faltas
enquanto prostituta – mito criado exactamente no séc. VI e passado para a posteridade num
sermão de Gregório Magno (540-604 d.C.)3.
O modelo copta terá sido dos mais difundidos pelo rigor da vida que implicava a ida para
fora da cidade. No ere-mos, o deserto, as colónias de discípulos em torno de eremitas, por vezes
famosos, criaram verdadeiros mitos de santidade e magia. Seguia-se o mestre, era esta a regra
fundamental até Pacómio (m. 346/348) ter consignado uma primeira forma monástica de vida
regulamentada. Neste misto entre cenobitismo e eremitismo (visto que se criavam comunidades
Religioso copta (Tours)
em redor de um eremita), Pacómio vai centrar-se na organização dos grupos de eremitas em
mosteiros – destes mosteiros, criados no séc. IV, com base em grupos de eremitas do séc. III,
ainda subsistem, junto ao mar Vermelho, dois: o Mosteiro de S.to António (Dair Anba- Antuniyus),
fundado por António, o Grande (m. 356), e o Mosteiro de S. Paulo (Dair Anba- Bula-), supos-
tamente fundado onde se encontrava o túmulo do eremita Paulo de Tebas (m. 341). De qualquer
maneira, a mítica forma eremítica de vida não desapareceu, antes pelo contrário: no deserto
de Nitrie, a escassos 14 km da cidade mais próxima, no Delta do Nilo, viviam 2000 eremitas
no ano 3914 – a vida eremítica implicava, em especial em larga escala, uma retaguarda de
abastecimentos e de logística que impossibilitava uma verdadeira entrada pelo deserto das
comunidades maiores.
2
Plutarco, Ísis e Osíris, 2, Lisboa, Fim de Século, 2001, p. 8. Vários modelos se tinham regulado e sistematizado, todos procurando a imitação de
3
Homilia XXXIII, integrada em PL LXXVI, 1238: “Aquela que antigos mestres de ascese: vida cenobítica, com um superior que regulava a comunidade,
Lucas diz ser pecadora, a que João nomeia como Maria, são a normalmente o fundador do espaço, e a vida eremítica ou anacorética, que dava uma maior
mesma, cremos nós, que aquela de quem, seguindo Marcos, liberdade de gestão espiritual, e não só, aos seguidores. Não se pode falar propriamente em
foram retirados sete demónios.” Noviciado, mas sim em fases de provação, de integração e prova, pelas quais os “iniciados”
4
Julius Assfalg, “Monastères Coptes”, in Julius Assfalg, Paul teriam de passar.
Krüger, Petit Dictionnaire de l’Oriente Chrétien, Paris, Brepolis, No Oriente, a vida monástica tinha algumas regras gerais, como a recusa total da carne
1991, p. 381. como alimentação. A profissão monástica consistia em tomar o hábito do mosteiro, numa cerimónia

30
que está atestada para o séc. V, e que simbolizava a aceitação de todas as regras desse mosteiro5.
Mas, como vemos, a transversalidade de elementos das regras, a existir, era fruto das
heranças de que falámos antes e não de uma organização centralizada que impusesse algumas
directivas. A criação de normas tendencialmente universais no horizonte religioso cristão, seria
um processo longo e sinuoso.
O segundo Concílio de Constantinopla, em 553, normaliza em muito a vida monástica,
apresentando 32 cânones sobre a questão. Já antes, o cânone 4.º do Concílio de Calcedónia
regulamentava funções semelhantes.

7. A integração cristã: Primeiros elementos em terras peninsulares


No que respeita ao caso peninsular, nomeadamente no que concerne ao território actualmente
português, as primeiras notícias seguras datam exactamente da época antes referida, o séc.
VI, época que marca o início de um forte esforço de normativização da vida monástica em
todo o Ocidente cristão.
Seguindo José Mattoso6, terá sido S. Martinho de Dume (m. 579) quem primeiro levou a
cabo a introdução de uma observância de vida monástica no actual território português. Foi
ele quem divulgou na Península Ibérica uma muito lida colecção de sentenças dos Padres do
Deserto. Mas, a vida monástica, ou melhor, as práticas de natureza monástica e ascética foram,
de certo, anteriores. Por um lado, há que ter em conta a presença gnóstica priscilianista; por
outro, parece certo que o próprio Martinho de Dume, ao aprender grego aquando da tradução
Convento do Buçaco, Carmelitas Descalços (PCC)
das sentenças dos Padres do Deserto, revelava já o conhecimento de outras importantes
sistematizações relativas à vida monástica, nomeadamente a de João Cassiano, também ela
fortemente marcada pela experiência do deserto.
Martinho de Dume pode, e ainda segundo José Mattoso, ter apreendido tais ensinamentos
no Sul de França, ou na própria Galécia. A própria função exercida por Martinho, expressa pelo
título Bispo-Abade, revela uma proximidade a alguma forma de monaquismo celta, muito
relacionado com as instituições episcopais, e que teria existido na Galécia, provavelmente em
Britónia.
De qualquer forma, o que nos surge como essencial nesta caracterização em torno do
séc. VI, na medida em que se pode falar de uma anterior presença e influência priscilianista,
com uma forte e inevitável procura de uma perfeição superior, e uma posterior adopção, por
parte de meios episcopais (começando por Martinho, seguido pelo seu discípulo Pascácio de
Dume), de uma orientação vinda da dura prática ascética do deserto, é que o rigor e a severidade
seriam a dominante neste monaquismo nascente em terras lusas.
Esta severidade de vida monástica atesta-se ainda no século seguinte, com a figura
importante de S. Frutuoso (m. 665). Terá sido ele quem redigiu para o Mosteiro de Compludo,
junto a Bragança, uma Regra monástica. Terá ainda presidido ao Sínodo abacial que promulgou
a Regula communis que, por essa razão, lhe tem sido atribuída.
Noutro horizonte de organização, totalmente diverso do que referimos até agora, é também
seguindo S. Frutuoso que sabemos da existência, por ele combatida, de formas de monaquismo
clânicas. De facto, o Sínodo que promulgou a Regula communis declara como uma corrupção
intolerável da vida religiosa as comunidades monásticas de base familiar, em que habitavam
no mosteiro os descendentes e colaterais do fundador, repartindo entre eles os bens comuns
e mesmo os dos membros que decidiam abandonar o grupo.
Numa época de franca instabilidade administrativa e territorial, o esforço por criar fortes
linhas de observância por parte de entidades religiosas teve fracos ecos na realidade das
organizações monásticas. Só os sécs. IX e X verão nascer com força movimentos que trarão
uma verdadeira unidade de formas (desde espirituais a arquitectónicas) aos movimentos
monásticos do ocidente europeu. Cluny será a primeira pedra dessa longa caminhada que
desaguou nas ordens que historicamente mais relacionamos com a História de Portugal:
Franciscanos, Dominicanos e, mais tarde, Jesuítas – todas elas estruturas já muito acima
dos regionalismos, das intricadas heranças locais.

5
Johannes Madey, “Monachisme Maronite”, in Julius Assfalg,
Paul Krüger, Petit Dictionnaire de l’Oriente Chrétien, Paris, II. Da Idade Média à Contemporaneidade: Percursos pelas Formas
Brepolis, 1991, p. 377. de Vida Religiosa
6
José Mattoso, “Monaquismo”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário
de História Religiosa de Portugal, vol. J-P, [Lisboa], Círculo de 1. O tempo das ordens
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Chegados ao séc. XI, as experiências monásticas que se documentam neste extremo
Católica Portuguesa, 2001, pp. 255-258. ocidental da Península apresentavam uma configuração muito própria. Certamente que os

31
elementos fundamentais da vida monástica já aí se encontram: a separação do “mundo”, a
abstinência sexual, a organização de exercícios religiosos (recitação ou canto de orações e
meditação) e as práticas ascéticas, enquadradas no desejo do seguimento de Cristo7. Contudo,
estamos ainda longe da vinculação a uma Regra específica e da profissão de votos solenes que
o Direito Canónico associaria, mais tarde, ao conceito de ordem monástica. Pelo contrário,
estas comunidades anteriores ao séc. XI recorriam a uma grande diversidade de Regras então
conhecidas, bem como a costumes locais, que, com grande liberdade, utilizavam, mais como
repertório de princípios espirituais e de soluções práticas que como textos normativos. Regras
como as de S. Bento ou de S.to Isidoro de Sevilha seguiam assim a par com as de S. Leandro,
de S. Frutuoso ou de Cesário de Arles, muitas vezes reunidas em códices, em combinações
diversas, servindo aos superiores dos cenóbios na orientação das respectivas comunidades.
A esta diversidade de Regras (regula mixta) aliava-se uma grande autonomia dos mosteiros,
Rosácea, Mosteiro de Alcobaça (PCC)
proporcionada pela ausência de uma autoridade centralizada e pela aceitação implícita de tal
estatuto pelos bispos das respectivas dioceses. A configuração destas comunidades era igualmente
diversificada, com alguns cenóbios mais ricos a par de numerosos mosteiros rurais, mais pequenos
e de parcos recursos, ou comunidades masculinas a par de comunidades dúplices ou de mosteiros
familiares. Mesmo os movimentos de reforma intentados por figuras como S. Martinho de
Dume (séc. VI), S. Frutuoso (séc. VII) ou S. Rosendo (séc. X) não impediriam a manutenção de
muitos costumes locais e da grande diversidade de soluções encontradas pelo monaquismo
peninsular.
Só a partir de 1080 começamos a encontrar indícios documentais mais seguros que atestam
um gradual abandono da regula mixta, por parte de diversos mosteiros, em favor da Regra de
S. Bento, tida agora como norma exclusiva de vida. Este seguirá, aliás, a par com uma importante
“reforma” litúrgica, traduzida no abandono da liturgia moçárabe em favor da romana. Esta
normalização da vida monástica, que conduziria gradualmente à extinção dos mosteiros familiares
e das comunidades dúplices, realiza-se por meio da adopção dos costumes cluniacenses, apoiada
desde cedo pelo papado e pelo episcopado peninsular, empenhados na reforma das instituições
eclesiásticas e no reforço do seu poder e autonomia face aos poderes seculares (reforma
gregoriana). Afonso VI de Leão e Castela e o próprio Conde D. Henrique, também ele de origem
borgonhesa, secundarão os intentos reformadores da Santa Sé e muitas famílias de infanções,
então em ascensão, favoreceriam a adopção das novas observâncias nos mosteiros de que eram
padroeiros8.
Contudo, o abandono das antigas formas de vida monástica e dos costumes litúrgicos
peninsulares não se fará sem resistências. Sobretudo após a fundação do Mosteiro de S.ta Cruz
de Coimbra, em 1131, muitas comunidades mais refractárias aos novos costumes iriam optar
pelo modelo canonical, na sujeição à Regra de S.to Agostinho. Esta nova forma de vida, embora
com profundas raízes na história do Cristianismo, ganhava um novo vigor, nestes tempos em
que, por toda a Europa, se assistia gradualmente a um renascimento urbano e a um reanimar
da vida económica e da circulação monetária. Dando uma nova primazia à actividade pastoral
e propondo também para os clérigos uma vida comunitária, segundo o modelo dos tempos
apostólicos, com uma nova ênfase na observância da pobreza, procurava-se, deste modo, dar
uma resposta às novas necessidades suscitadas pelas cidades. Por outro lado, a adopção da
Regra de S.to Agostinho, mais flexível que a de S. Bento, permitia aos antigos mosteiros uma
mais fácil adaptação às novas observâncias propostas.
Outras ordens de matriz canonical, embora com uma vertente mais assistencial, teriam
entre nós uma presença muito mais discreta. Assim, ainda antes de 1130, é possível atestar a
instalação, no Mosteiro de Águas Santas (Diocese do Porto), dos Cónegos do Santo Sepulcro
e, já no séc. XIII, durante o governo de Sancho II, a chegada a território português dos Cónegos
de Santo Antão. A estes se juntariam, possivelmente ainda no séc. XIII, os Cónegos de
Roncesvales.
7
Cf. Jean Leclercq, “Monachesimo, Fenomenologia del”, in O mesmo movimento de renovação atingiria também o universo monástico, motivado por
Guerrino Pelliccia, Giancarlo Roca (dirs.), Dizionario degli Istituti igual desejo de um regresso à pureza das suas origens, por meio de uma vivência mais radical
di Perfezione, vol. V, Roma, Ed. Paoline, 1978, cols. 1672-1684; da Regra de S. Bento. Cister assumirá esta contestação contra Cluny, à sua opulência e ao
José Mattoso, “Forma de vida monástica. Nota histórica”, in primado da liturgia sobre o trabalho, propondo uma vida mais austera e simples, num equilíbrio
Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Ordens Religiosas em entre a oração e o labor manual. A sua rápida expansão entre nós ao longo dos sécs. XII e
Portugal: Guia Histórico (das Origens a Trento), Lisboa, Centro XIII, a par do apoio dos monarcas e, para o ramo feminino, das irmãs de Afonso II, será
de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica igualmente feita pela adesão aos seus costumes de numerosos grupos eremíticos ou de
Portuguesa/Livros Horizonte, 2006, pp. 37-39. emparedadas. Outras ordens parecem também ter atraído estes grupos, como é o caso dos
8
Cf. José Mattoso, O Monaquismo Ibérico e Cluny, Lisboa, Cónegos Premonstratenses, já instalados no antigo eremitério de Ermida do Paiva (Diocese
Círculo de Leitores, 2002. de Lamego), em 1214.

32
Também no Norte do país, mas sobretudo nos territórios mais próximos da fronteira com
o Islão, instalar-se-ão, desde o séc. XII, diversas ordens, distintas das anteriores pela aliança
que propunham entre a vida monástica e o exercício da guerra. Nascidas na Terra Santa após
a Primeira Cruzada (1096-1099) e votadas à defesa dos lugares santos ou à protecção dos
peregrinos que aí afluíam, as ordens militares consignavam uma aliança entre o ideal religioso
e os valores guerreiros da nobreza que, após algumas reticências iniciais, acabaria por ser
plenamente aceite pela Igreja. Algumas das ordens aí fundadas estenderiam a sua presença ao
ocidente hispânico (Hospital e Templo), mas o desinteresse manifestado por muitos destes
monges guerreiros pela cruzada peninsular motivaria a formação, na segunda metade do séc.
XII, de diversas ordens militares autóctones.
Estas manifestariam soluções diversas, quer nas Regras adoptadas (Santiago seguiria a
Regra de S.to Agostinho e as restantes a de S. Bento, numa versão transmitida por Cister a
Capela do Senhor do Horto no Convento de S.ta Cruz da Serra
de Sintra, Franciscanos Conventuais (CS)
Calatrava), quer nos costumes que regiam o seu quotidiano. As diversas adaptações introduzidas
à disciplina monástica tradicional, ao nível dos hábitos alimentares, do vestuário, das obrigações
litúrgicas e até do celibato (a Ordem de Santiago, por exemplo, substitui-lo-ia pelo da castidade
conjugal, autorizando a profissão de casais e a existência de freires casados), bem como os
poderes dados aos Mestres, em regra leigos, que podiam inclusive suspender o cumprimento
da Regra, acentuavam a importância da actividade militar no âmbito do seu modo de vida e,
mesmo obrigando os seus membros ao cumprimento dos votos monásticos, afastavam-nos
claramente da tradicional reclusão e do rigor da vida claustral9.
A rápida difusão destas ordens no território português e a emergência de novas ordens
militares autóctones (como a Ordem dos Freires de Évora-Avis) associar-se-iam, desde cedo, à
protecção que lhes foi dispensada pela realeza e ao seu envolvimento na guerra contra as
forças muçulmanas presentes na Península ou na defesa e povoamento dos territórios
paulatinamente conquistados ao Islão.
À excepção das ordens militares, todas as restantes famílias religiosas, desde as monásticas
às canonicais, pautavam-se por uma grande autonomia das respectivas casas, mesmo quando,
como acontecia com Cister ou Prémontré, a sequência das fundações implicava a estruturação
de uma rede de filiações entre os novos mosteiros e as respectivas Casas-Mães. Os monges
ligavam-se vitalmente ao mosteiro onde professavam, por meio do voto de estabilidade e, em
regra, abades e priores exerciam o respectivo cargo vitaliciamente.
Um modelo alternativo de organização e de espiritualidade nascerá ainda nas primeiras
décadas do séc. XIII sob o impulso de Francisco de Assis (1182-1226) e Domingos de Gusmão
(m. 1221). Sem recusarem a dimensão do afastamento do século, dado a forma de vida por
eles proposta implicar também a recusa dos prazeres e bens do mundo, a tónica era agora
colocada sobre a dimensão pastoral e apostólica, propondo-se, com matizes diversas, uma
relação própria com os bens materiais, com o universo da cultura e com os pobres, numa
procura de resposta às novas aspirações espirituais do mundo urbano e dos próprios leigos.
Embora com traços distintos – os Franciscanos reger-se-iam por textos normativos redigidos
pelo próprio S. Francisco, com uma forte acentuação da sua componente laical e da fraternidade
entre clérigos e leigos no interior da Ordem, enquanto S. Domingos optaria por um modelo
algo próximo do canonical, seguindo a Regra de S.to Agostinho e constituindo comunidades
prevalentemente clericais –, ambas as ordens partilhavam importantes elementos que justifica-
riam o seu rápido sucesso: um novo entendimento da vivência da pobreza evangélica, não
já a um nível somente pessoal mas também comunitário, a aceitação do trabalho e da
mendicância como formas de sustento, o cuidado com a pregação nos meios urbanos e com
a formação e coerência de vida dos seus agentes, a incondicional obediência à Igreja e
respeito aos seus ministros, uma espiritualidade profundamente cristocêntrica, humanizada
e evangélica10. Ao contrário das ordens anteriores, os mendicantes optariam por uma forma
de governo bastante centralizado, com conventos regidos por um Prior (Dominicanos) ou
Guardião (Franciscanos) eleitos temporariamente, organizados em Províncias e superintendidos
por um Geral directamente dependente da Santa Sé.
Ambas se instalaram, desde cedo, em Portugal, ainda em vida dos respectivos fundadores,
alcançando uma rápida expansão, com uma geografia que dava prioridade aos núcleos urbanos,
onde desenvolviam a sua acção apostólica, livre do controle episcopal por privilégio outorgado
pela Santa Sé. Quer Franciscanos quer Dominicanos manteriam desde cedo na sua órbita
9
Luís Filipe Oliveira, “Ordens militares”, in Bernardo Vasconcelos não apenas comunidades femininas, como também grupos de leigos que procuravam viver, no
e Sousa (dir.), op. cit, pp. 455-457. seu quotidiano, segundo o carisma e a espiritualidade dos respectivos fundadores. No caso dos
10
Cf. André Vauchez, A Espiritualidade da Idade Média Ocidental Franciscanos, desde cedo muitos grupos optaram por uma vivência em comunidade com a
(Sécs. VIII-XIII), Lisboa, Ed. Estampa, 1995, pp. 75-156. profissão de votos religiosos, dando assim origem à Ordem Terceira Regular, que receberia do

33
Papa Leão X, em 1521, uma Regra própria.
À família mendicante juntar-se-iam, por acção do papado, outras ordens, umas de origem
eremítica (caso dos Carmelitas e dos Eremitas de Santo Agostinho) e outras com uma forte
vertente caritativa, ligadas ao resgate de cristãos sob cativeiro muçulmano (caso dos Trinitários
ou dos Mercedários). A sua implantação entre nós ocorre também durante o séc. XIII, embora
no caso dos Agostinhos aí se integrem comunidades de eremitas com uma origem talvez
anterior. A família das ordens mendicantes ficaria completa com os Mínimos, fundados por
S. Francisco de Paula no séc. XV (em Portugal, a sua presença é muito tardia, com um convento
em Lisboa fundado em 1717) e os Hospitaleiros de São João de Deus, surgidos na segunda
metade do séc. XVI, ambos vocacionados para o cuidado dos mais pobres e marginalizados.
No campo das ordens monásticas e canonicais, será ainda preciso contar com as novas
fundações decorrentes dos movimentos de reforma religiosa que perpassam os finais da Idade
Média. No primeiro grupo se inseririam duas ordens resultantes de uma primeira experiência
eremítica: os Jerónimos e os Eremitas de São Paulo Primeiro Eremita da Serra de Ossa. Se,
no caso dos Jerónimos, a fase eremítica foi bastante breve, já para os segundos esta estendeu-
-se por cerca de dois séculos, até ao enquadramento das respectivas comunidades numa ordem
religiosa. Embora adoptassem já alguns elementos organizativos típicos das ordens mendicantes
(o governo centralizado, a divisão em províncias, a realização de Capítulos Gerais e de visitações
e a eleição de Superiores temporários), o seu modo de vida permaneceria fiel aos cânones
monásticos, pela exclusão, em princípio, da acção pastoral, e pelo primado dado à separação
do mundo, à contemplação e à vida comunitária. Com intuitos de reforma efectiva do clero e
Padrão dos Descobrimentos, Lisboa (PCC)
da vida religiosa é igualmente fundada, na primeira metade do séc. XV, a Congregação dos
Cónegos Seculares de São João Evangelista (Lóios) a partir do modelo dos Cónegos de São
Jorge de Alga de Veneza.
O apoio dos monarcas de Avis a estas novas ordens, bem como de diversos bispos em
cujas dioceses efectuariam novas fundações, é bem revelador do crescente envolvimento e
empenho da Coroa e das autoridades eclesiásticas na reforma da vida religiosa. Esta revelava-
-se, aliás, transversal ao universo das ordens religiosas, suscitando movimentos diversos de
regresso a uma observância mais fiel e austera dos respectivos carismas. Se, nalguns casos, as
tentativas perpetradas se revelariam, num primeiro momento, condenadas ao fracasso (como
aconteceu, por exemplo, com as iniciativas reformadoras de D. Gomes de Florença11 ou de
Fr. João Álvares entre os Beneditinos12, ainda no séc. XV), noutros mostrar-se-iam bastante
bem sucedidas, nomeadamente entre os Franciscanos e os Dominicanos. Este esforço de
reforma das ordens teria, aliás, plena continuidade ao longo do séc. XVI, por vezes com o
recurso a reformadores vindos de fora do reino, como aconteceria, por exemplo, com os
Eremitas de Santo Agostinho.
A mesma renovação que se pretendia da vida religiosa traduzir-se-ia igualmente num
intenso esforço ordenador, desde logo, face aos movimentos eremíticos e de beguinagem, que
11
Cf. António Domingues de Sousa Costa, “D. Gomes, serão alvo de um crescente controlo por parte dos monarcas e das instâncias eclesiásticas,
reformador da abadia de Florença, e as tentativas de reforma favorecendo-se a sua gradual institucionalização13, mas também perante os conventos ou ordens
dos mosteiros portugueses no século XV”, in Studia Monastica, sem capacidade de renovação dos seus efectivos ou sem rendimentos, por meio da respectiva
t. V, 1963, pp. 59-164. extinção e transferência das comunidades que aí ainda subsistissem. As soluções encontradas
12
Cf. João Luís Inglês Fontes, “Frei João Álvares e a tentativa iriam da redução dos conventos a igrejas seculares ou da sua entrega a outras ordens à efectiva
de reforma do mosteiro de S. Salvador de Paço de Sousa no extinção das respectivas ordens, como aconteceria com os Cónegos de Santo Antão, do
século XV”, in Lusitana Sacra, 2.a série, vol. X, 1998, pp. 217- Santo Sepulcro e Premonstratenses14.
-302.
13
Cf. Maria de Lurdes Rosa, “A religião no século: vivências e 2. Sob o signo da Reforma Católica
devoções dos leigos”, in C. M. Azevedo (dir.), História Religiosa Estes e outros aspectos preparariam, assim, o intenso esforço reformador e ordenador que
de Portugal, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos constituiria o Concílio de Trento (1545-1563). Com o duplo intuito da definição doutrinal e da
de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, reforma disciplinar, o Concílio acabaria por orientar toda a instituição eclesiástica na perspectiva
pp. 492-505. da salvação das almas. O clero, na sua natureza como nos seus actos, passava a ser definido
14
Cf. José Adriano Freitas de Carvalho, “A Igreja e as reformas essencialmente pela sua função pastoral, ao serviço dos fiéis, decorrendo desta as renovadas
religiosas em Portugal no século XV. Anseios e limites”, in El preocupações com a formação dos candidatos ao sacerdócio e as exigências quanto à respectiva
Tratado de Tordesillas y Su Época: Congreso Internacional de exemplaridade de vida. Por seu lado, os bispos eram claramente apontados como os principais
História, vol. II, Madrid, Sociedad “V Centenario del Tratado de responsáveis da missão pastoral, não se deixando, por isso, de proclamar repetidamente as
Tordesillas”-C.N.D.P./Junta de Castilla y León, 1995, pp. 635-660. suas obrigações e poderes, com novos mecanismos que lhes permitiam vigiar e ordenar a vida
15
Cf. Marc Venard, “L’Église Catholique”, in J.-M. Wayeur, Ch. religiosa das respectivas dioceses. Sob o seu domínio incluir-se-iam também as ordens religiosas,
et L. Pietri, A. Vauchez, M. Venard (dirs.), Histoire du Christianisme, anunciando-se assim um reforço do controle episcopal sobre as mesmas15.
vol. VIII: Le Temps des Confessions (1530-1620), s.l., Desclée, Todos estes factores incutiriam um novo dinamismo no campo da vida consagrada,
1992, pp. 223-279. permitindo, por um lado, a continuidade do esforço reformador entre as ordens tradicionais

34
e, por outro, abrindo e valorizando a dimensão apostólica e missionária no âmbito da vida
religiosa. Assim, vemos expandirem-se, entre nós, algumas reformas iniciadas no período anterior
ao Concílio, nomeadamente entre os Carmelitas, com a criação do ramo descalço da Ordem,
ou entre os Franciscanos, com consecutivas novas províncias ligadas a movimentos de uma
renovada austeridade na vivência do carisma do Poverello. Para algumas das antigas ordens
monásticas e canonicais, optar-se-á por novas soluções institucionais, mantendo a autonomia
dos mosteiros mas unindo-os numa congregação encabeçada por uma casa da ordem
(Congregação de Santa Cruz de Coimbra, para os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho
– 1556; Congregação de Alcobaça, para Cister e Congregação de São Bento de Portugal, para
os Beneditinos – 1567). Tal como nas ordens mendicantes, os Superiores das diversas casas
passavam a ser eleitos temporariamente e não por toda a vida, como acontecia anteriormente.
Alicerçadas na prioridade da actividade pastoral definida pelo Concílio, vemos surgirem
novas ordens, distintas das anteriores por agregarem comunidades de clérigos regulares,
particularmente dedicadas à evangelização e com uma grande preocupação na formação dos
seus efectivos e na exemplaridade da sua vida. O primado dado à vida apostólica, exigente de
uma grande mobilidade, levaria a uma redução ou aligeiramento das respectivas funções corais.
Entre estas ordens, contam-se os Jesuítas, os Camilos ou Ministros dos Enfermos e os
Teatinos. Se as duas últimas só mais tardiamente chegariam a Portugal (1650 e 1709,
respectivamente), os seguidores de S.to Inácio, reconhecidos pela Santa Sé em 1540, nesse
mesmo ano se instalariam em território português. O seu sucesso seria tal que, volvidos apenas
seis anos, constituiriam a sua primeira província, precisamente em terras lusas, tornando-se,
Pormenor da Basílica da Estrela, Lisboa (PCC)
aqui como por toda a Europa e fora dela, um dos instrumentos e dos rostos mais fiéis da
Reforma católica.
A par destas novas ordens de clérigos regulares, outros institutos religiosos nasceriam
como respostas às diversas necessidades pastorais, desde o trabalho missionário ou o cuidado
dos mais pobres à educação da juventude ou à formação dos clérigos. Distinguiam-se das
ordens religiosas por professarem votos simples e pela sua vertente activa, definida de acordo
com o carisma do respectivo fundador e orientada para uma influência directa na sociedade.
O Direito Canónico consagrá-los-ia, mais tarde, sob o título de Congregações, dividindo-as
entre Congregações Religiosas Clericais e Laicais, consoante o desempenho do ministério
sacerdotal fizesse ou não parte essencial do seu carisma. A sua implantação em Portugal
aconteceria sobretudo a partir do séc. XVIII e com maior pertinência ao longo do séc. XIX, num
contexto novo de afirmação da autonomia da própria Igreja em face dos Estados saídos das
Revoluções Liberais.
No mesmo domínio do empenho apostólico, outros institutos religiosos também surgidos
durante o período moderno, como os Oratorianos ou os Lazaristas (Congregação da
Missão), seriam posteriormente enquadrados pelo Direito Canónico como Sociedades de Vida
Apostólica. Distintos, no novo enquadramento jurídico, dos Institutos de Vida Consagrada, por
não implicarem a profissão de votos religiosos, partilhavam com estes o primado da actividade
apostólica, vivendo em comum a vida fraterna, de acordo com a própria forma de vida e
procurando a perfeição de acordo com as respectivas constituições16.

3. Do confronto à integração
O multiplicar de casas religiosas pertencentes às diversas ordens e congregações durante
os sécs. XVI a XVIII, não raro estendendo-se aos territórios ultramarinos, não impediu que se
verificasse, em muitos casos, uma efectiva estagnação e incapacidade de renovação por parte
dos referidos institutos. A crise interna que os atravessava acentuar-se-ia ao longo do séc. XVIII,
bem patente nas dificuldades de recrutamento de novos efectivos, nas infracções à disciplina
regular, na estagnação intelectual e na quebra do ideal missionário. Acresciam ainda as dificuldades
económicas derivadas de uma população conventual excessiva e de uma administração muitas
16
Cf. Código de Direito Canónico Promulgado por S. S. o Papa vezes incompetente, motivando o endividamento de muitas casas religiosas e o avolumar de
João Paulo II: Texto Latino e Versão Portuguesa, Lisboa /Braga, queixas junto da Corte e do Governo. Os conturbados anos das Invasões Francesas (1807-
Conferência Episcopal Portuguesa/Editorial Apostolado da Oração, -1811), com as delapidações efectuadas em numerosos conventos e mosteiros, a par da
1983, cânone 731, § 1. participação de muitos religiosos nas hostes de combate às tropas napoleónicas, viriam agravar
17
Para uma perspectiva mais global, cf. José Pedro Paiva, “A ainda mais a situação.
Igreja e o poder”, in C. M. Azevedo (dir.), História Religiosa de Os institutos religiosos deparavam ainda com um crescente intervencionismo do poder
Portugal, vol. 2: Humanismos e Reformas, coord. João Francisco político sobre os seus destinos e uma nova mentalidade que encarava de forma cada vez mais
Marques e António Camões Gouveia, Lisboa, Círculo de depreciativa o seu modo de vida. Às iniciativas tomadas durante o governo de Pombal com
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade vista à afirmação do poder do Estado sobre a vida da Igreja, que conduziriam à expulsão dos
Católica Portuguesa, 2000, pp. 171-185. Jesuítas (1759) e ao corte de relações diplomáticas com a Santa Sé (1760)17, juntar-se-iam as

35
tentativas de reforma das ordens e congregações religiosas por meio da criação, já no reinado
de D. Maria I, da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens
Regulares (1789). O advento do Liberalismo viria acentuar a política anticongreganista, que
culminaria com o famoso Decreto de 28 de Maio de 1834, pelo qual se extinguiam todos os
conventos e mosteiros masculinos e se condenavam as casas femininas a uma lenta agonia,
impossibilitadas legalmente de admitir novas candidatas à vida religiosa. Os respectivos bens
eram destinados à Fazenda Nacional, à excepção dos paramentos e vasos sagrados, que seriam
entregues aos bispos diocesanos18. À dispersão dos religiosos seguir-se-ia uma política de
nacionalização dos bens das ordens e congregações repleta de percalços, sobretudo na gestão
do respectivo património artístico e na preservação das bibliotecas e arquivos que tão ciosamente
haviam sido constituídos e preservados19.
Seria necessário aguardar pelo reatar das relações diplomáticas com a Santa Sé (1841)
para que se assistisse a um paulatino e tolerado regresso das ordens e congregações religiosas,
iniciado logo em 1848 com os Jesuítas e continuado nas décadas seguintes com os Lazaristas
(1857), Franciscanos (1861), Beneditinos (1865), Espiritanos (1867), Irmãos de São João
de Deus (1867), Salesianos (1894) e Claretianos (1898). As limitações do Estado liberal no
campo do ensino e da assistência abririam caminho a uma crescente presença dos institutos
religiosos nestes domínios, embora se mantivesse em vigor a legislação de 1833-1834. A mesma
duplicidade no tratamento pelo Estado das ordens e congregações religiosas transpareceria nas
iniciativas legislativas tomadas por Hintze Ribeiro em 1901, ao promover a sanção das mesmas
ordens e congregações, sob o epíteto de associações que corresponderiam, por vezes ficticiamente,
a instituições com que os religiosos se encontravam pastoralmente comprometidos. Embora
reduzisse o alcance das mesmas às áreas da beneficência, educação e ensino ou às missões
ultramarinas, e impusesse diversas limitações aos seus movimentos, exigindo a aprovação dos
respectivos Estatutos no Diário do Governo e proibindo a existência de clausura, noviciado e
profissões ou votos, este decreto tornava visível o retomar da presença dos religiosos e a sua
paulatina reorganização e, sem aprovar explicitamente qualquer instituto religioso, permitia a
manutenção e extensão da sua actividade e influência20.
A polémica anticongreganista que marcou os últimos anos da monarquia constitucional
culminaria, após o advento da República, com o retomar da legislação pombalina e liberal,
concretizado no Decreto de 8 de Outubro de 1910, que extinguia de novo todas as ordens e
congregações em Portugal e submetia os respectivos bens à tutela e posse do Estado. Ficava
vedado aos religiosos o acesso ao ensino e o uso de vestes talares, fazendo-se depender da
autorização estatal a possibilidade de trabalharem em estabelecimentos de saúde, higiene,
piedade e beneficência. De modo a impedir o desenvolvimento da vida comunitária, a possibilidade
de residência comum era limitada a um máximo de três elementos, devendo o seu domicílio
ser comunicado ao Ministério da Justiça.
Embora a investigação recente tenha permitido enquadrar melhor os efeitos da legislação
republicana neste domínio, demonstrando, apesar de tudo, a continuidade da presença de
muitos religiosos em Portugal e a manutenção em funcionamento de diversas casas sob a sua
18
Cf. Vítor Neto, O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal tutela, bem como o reanimar da vida de diversos institutos logo a partir da década de 20, após
(1832-1911), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998, o restabelecimento das relações diplomáticas entre o Governo português e a Santa Sé (1919)21,
pp. 45-52. só em 1940, com a Concordata e o respectivo Acordo Missionário, as ordens e congregações
19
António Martins da Silva, Nacionalizações e Privatizações em abandonariam definitivamente a clandestinidade e alcançariam o reconhecimento jurídico da
Portugal: A Desamortização Oitocentista, Coimbra, Minerva, sua existência. É certo que a porta já havia sido aberta para muitas famílias religiosas que
1997; Paulo J. S. Barata, Os Livros e o Liberalismo: Da Livraria desenvolviam alguma actividade missionária, através do Estatuto Orgânico das Missões Católicas
Conventual à Biblioteca Pública, Lisboa, Biblioteca Nacional, Portuguesas de África e Timor (13.10.1926), que conferia personalidade jurídica às missões
2003; Carl Erdmann, “A secularização dos arquivos da Igreja católicas e responsabilizava o Estado pela protecção e sustento dos missionários. Mas a Concordata
em Portugal”, in Anais das Bibliotecas e Arquivos, 2.a série, vol. e o Acordo Missionário consagrariam, de forma mais lata, todo um quadro legal que permitiria
VIII, 1927, pp. 48-57. a livre implantação das ordens e congregações religiosas e o desempenho do seu trabalho
20
Cf. Vítor Neto, op. cit., pp. 310-361; Artur Villares, As apostólico. A obrigação, consignada no Acordo Missionário, de todas as ordens com trabalho
Congregações Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, missionário nos territórios coloniais portugueses terem casas de formação na metrópole, suscitaria
Fundação Calouste Gulbenkian/ Fundação para a Ciência e a instalação em Portugal de novos institutos religiosos, cujo número não cessaria de aumentar
Tecnologia, 2003, pp. 21-47. ao longo das décadas seguintes22.
21
Ibidem. António Matos Ferreira, “Congregacionismo”, in C. Com a Revolução de 1974 e o avançar dos processos de descolonização, abrir-se-ia uma
M. Azevedo, Dicionário de História Religiosa de Portugal, op. nova fase na vida de muitas ordens e congregações. Com efeito, estas alterações políticas
cit., vol. A-C, pp. 488-490. obrigaram a um reequacionar de prioridades pastorais e a uma maior abertura à colaboração
22
Cf. Adélio Torres Neiva, “Acordo Missionário”, in C. M. Azevedo com as igrejas locais em Portugal, desde a formação à imprensa ou ao trabalho paroquial. Por
(dir.), ibidem, pp. 19-20; António Matos Ferreira, outro lado, desde há uma década que todos os institutos religiosos haviam sido intimados, na
“Congregacionismo”, ibidem, pp. 488-490. sequência do Concílio Vaticano II (1962-1965), a repensarem profundamente os caminhos de

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uma efectiva renovação da vida religiosa, na dupla vertente do “contínuo regresso às fontes
de toda a vida cristã e à genuína inspiração dos Institutos” e da “adaptação às novas condições
dos tempos”23. Os próprios textos conciliares propunham uma abordagem nova do fenómeno
da vida consagrada, centrada no respeito pela pluralidade, por uma eclesiologia de comunhão,
pelo acentuar da essencialidade do seguimento de Cristo, expresso na profissão dos conselhos
evangélicos, e pela inserção numa sociedade olhada, não já na defensiva mas numa atitude
esperançosa de acolhimento e de diálogo. E, de facto, os tempos pós-conciliares assistiriam,
não apenas a uma renovação da vida religiosa, como ao aparecimento de novas formas de
vida consagrada, de compromisso apostólico e de experiência de vida comunitária, que não
excluiriam os leigos nem o quotidiano da sociedade secularizada.
Muitos destes dinamismos seriam assumidos, é certo que de formas e em ritmos distintos,
pela Igreja em Portugal e também pelos diversos institutos de vida consagrada. Não nos cabe
aqui fazer qualquer balanço ou avaliação. Constataremos apenas a actual diversidade de ordens,
congregações e institutos seculares, a par das sociedades de vida apostólica, que actuam em
Portugal, bem como o efectivo alargamento do seu campo de acção pelas diversas áreas da
vida eclesial e social. Importa igualmente reconhecer o papel activo de muitos institutos religiosos
em países de expressão portuguesa, numa presença retomada após os conturbados tempos da
descolonização, em moldes que atestam o abandono de um caduco modelo de colonização
cultural em favor de uma verdadeira aculturação do Evangelho. A nova importância dada a
aspectos como o desenvolvimento, a participação, a paz ou a defesa dos direitos humanos,
S. Pedro, Vaticano (CLS)
revela uma efectiva mudança que, talvez mais do que noutras áreas, aqui se torna bem eloquente.

PAULO MENDES PINTO


JOÃO LUÍS INGLÊS FONTES

23
Igreja Católica, “Decreto Perfectae Caritatis – A Conveniente
Renovação da Vida Religiosa”, in Concílio Ecuménico Vaticano II:
Constituições, Decretos, Declarações e Documentos Pontifícios, 9.a
ed., Braga, Editorial A. O., 1983, n.º 2.

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Ordens e Congregações Masculinas
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

AGOSTINHOS Março de 1244 e Setembro de 1245, contribuirão 1895, 1925), a última das quais, finalizada em 1968,
Ordem mendicante actualmente designada como para uma gradual definição da Ordem, sujeita à procuraria ajustar já o modo de pensar e viver o
Ordem de Santo Agostinho – Ordo Fratrum Sancti profissão de votos religiosos e à recitação do Ofício carisma dos Agostinhos aos desafios e indicações
Augustini (OSA) ou simplesmente Agostinhos – Divino, isenta da jurisdição episcopal (e, logo, veiculados pelos padres do Concílio Vaticano II.
recebeu, nos primeiros séculos da sua existência, o directamente dependente da Santa Sé) e aberta a O seu modo de vida é, segundo estas, definido como
nome de Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho leigos e clérigos, podendo os respectivos sacerdotes eminentemente apostólico, radicado numa profunda
– Ordo Eremitarum Sancti Augustini ou Ordo Fratrum exercer o múnus da confissão e da pregação. comunhão com Deus e com os irmãos da própria
Eremitarum Sancti Augustini (OESA). Tal designação Em 1256, novamente sob a iniciativa e direcção da comunidade. A humildade e a pobreza individual
permitia a sua distinção da chamada “Ordem de Santa Sé, uma segunda união – chamada a “Grande são encaradas como exigências decorrentes desta
Santo Agostinho”, ou Ordo Sancti Augustini, expres- União” – acabará por integrar na recente Ordem mesma comunhão. O estudo assume também, no
são usada, ao longo dos sécs. XI a XV, para designar outras famílias eremíticas, nomeadamente os carisma agostinho, uma importância central, quer
as diversas formas de vida religiosa que observavam Guilhermitas e os Eremitas de Frei João Bom, de como caminho da procura de Deus e da comunhão
a Regra de S.to Agostinho, ao mesmo tempo que Montefavale e de Brettino. Ratificada por Alexandre com Ele, quer como meio para uma adequada
ilustrava, com maior fidelidade, as próprias origens IV por meio da Bula Licet Ecclesiae Catholica preparação para a actividade pastoral.
desta família religiosa, resultante, num primeiro (09.04.1256), a “Grande União” implicaria uma
momento, da união de diversos ramos eremíticos ampliação da Ordem em número e em extensão, 2. A presença dos Agostinhos em Portugal: das
sob imposição pontifícia. acabando por impor às restantes famílias eremíticas origens à reforma do séc. XVI. As origens da
entretanto reunidas aos Agostinhos a forma de vida presença dos Eremitas de Santo Agostinho em
1. Origem da Ordem, sua organização e textos anteriormente imposta aos eremitas da Toscana. território português permanecem, em larga medida,
normativos. Esta fusão de grupos eremíticos foi A mesma Bula de 1256 atribuía já à Ordem dos por esclarecer, dada a falta quase total de estudos
iniciada em Março de 1243, por meio de duas Bulas Eremitas de Santo Agostinho os mesmos privilégios mais aprofundados que recenseiem, a partir da
– Incumbit nobis e Praesentium vobis – então das ordens mendicantes, embora só em 1567 estes documentação existente, os dados seguros sobre as
emanadas pelo Papa Inocêncio IV, dirigidas aos fossem oficialmente reconhecidos no seu estatuto datas e circunstâncias da fundação das primeiras
eremitas da Toscana (Itália). A primeira, verdadeira de ordem mendicante, durante o pontificado de comunidades agostinhas. As informações facultadas
carta de fundação da Ordem, determinava a união Pio V. Por privilégio outorgado por Alexandre IV em pelos cronistas da Ordem devem, aqui, ser lidas com
dos diversos grupos eremíticos existentes nessa 1257, o voto de pobreza era interpretado no seu particular cuidado, dada a tendência para ligar os
região, enquanto que a segunda definia o modo sentido mais lato, permitindo-se a posse colectiva conventos mais antigos a feitos do passado
como essa união se deveria operar. Colocados de bens às casas que o desejassem, de modo a particularmente exaltantes (caso da conquista de
doravante sob a obrigação de observarem a Regra garantir a sua subsistência e a tranquilidade da sua Lisboa) ou a figuras prestigiantes que, na histo-
de S.to Agostinho, deveriam os membros da nova vida espiritual e apostólica. Por outro lado, a isenção riografia da Ordem, desde cedo foram associadas
família religiosa elaborar as suas próprias episcopal inicialmente concedida à Ordem seria às suas fileiras, caso de S. Guilherme de Aquitânia,
Constituições e eleger um Prior Geral, num esquema paulatinamente alargada entre 1244 e 1347. Aberta que aparece relacionado por Fr. António da
de governo centralizado similar ao adoptado para a leigos e a clérigos, o reforço gradualmente colocado Purificação, um dos mais importantes cronistas
as ordens mendicantes. O primeiro Capítulo Geral na sua dimensão pastoral contribuiria decisivamente agostinhos portugueses, à fundação do Convento
para a crescente clericalização das suas comunidades. de Penafirme. Assim, os dados que com alguma
Na sua estrutura, a Ordem adoptaria claramente o segurança se podem actualmente apresentar parecem
modelo centralizado dos mendicantes, com conventos sustentar a possibilidade de se terem integrado na
regidos por um Prior, inseridos em províncias e Ordem, talvez após a “Grande União” de 1256,
colocados sob a direcção de um Prior Geral, na algumas comunidades portuguesas de eremitas já
directa sujeição à Sé Apostólica. Junto da Cúria existentes. Assim aconteceu com Penafirme (Concelho
Romana, encontrava-se o Cardeal Protector que, a de Torres Vedras), onde, desde 1226, se documenta
seguir ao Papa, detinha a maior autoridade sobre a a presença de um grupo de eremitas, liderado por
Ordem, bem como o Procurador Geral da Ordem, um certo Fr. Gaibetino, a quem o Concelho de Torres
para tratar das questões relativas à Santa Sé. Vedras doa um terreno, junto à costa, para nele se
Os Capítulos Gerais assumiriam uma importância instalarem e desenvolverem o seu modo de vida.
determinante, até porque lhes cabia redigir ou rever Do mesmo modo, em Lisboa, diversas tradições falam
as Constituições que, juntamente com a Regra de da existência de um grupo de eremitas em S. Gens,
S. to Agostinho, constituíam o texto normativo
fundamental de toda a Ordem. As primeiras
Constituições surgiriam logo a partir do Capítulo de
1244, embora a sua composição e aprovação
definitivas datem de 1254. Com graduais acrescentos
e revisões, estas Constituições acabariam por ser
alvo de uma profunda reelaboração, definitivamente
S.to Agostinho no seu estúdio com o Coração na mão (I) aprovada no Capítulo de Ratisbona (1290). Este
corpus legislativo manter-se-ia, com algumas adições,
até 1551, data em que um novo texto é aprovado,
da Ordem é celebrado em Roma em Março de 1244, sob influência do Geral Jerónimo Seripando. As
sob a presidência do Cardeal Riccardo degli Annibaldi Constituições da Ordem seriam alvo de sucessivas
e diversas bulas emitidas por Alexandre IV, entre reformulações após esta data (1575, 1685, 1753, Convento de Penafirme, Torres Vedras (FF)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

que mais tarde transitaria para o interior da cidade, onde a presença dos Agostinhos parece documentar-
vindo a estar na origem do Mosteiro de S.to Agostinho -se a partir dos primeiros anos do séc. XVI, junto a
de Lisboa, dito posteriormente de N. Sr.a da Graça. uma anterior igreja dedicada a N. Sr.a da Graça.
As datas apontadas por diversos autores para a A fundação do novo convento dar-se-ia em 1512,
existência documentada desta comunidade de junto ao referido templo. O apoio do Bispo da cidade,
agostinhos em Lisboa oscilam, contudo, entre 1192 D. Afonso de Portugal, bem como dos Monarcas D.
e 1234, sem que se possa, por falta de indicação Manuel e D. João III, revelar-se-ia fundamental para
dos elementos que as suportam, tirar mais conclu- a expansão do convento e para a vasta campanha
sões. O certo é que, após 1256, começamos a encon- de obras realizadas no convento e na igreja, que lhes
trar os indícios que apontam para a construção, seria doada pelo bispo eborense em 1520. As obras
nestes locais, de complexos habitacionais e igrejas de ampliação da igreja estender-se-iam até 1540 e
destinados às respectivas comunidades conventuais as do convento pelo menos até 1546, fazendo-se
e que atestam a sua efectiva filiação na Ordem o próprio D. Afonso sepultar nessa igreja, num
entretanto criada pela Santa Sé. Sinal claro da túmulo de singular beleza por ele mandado construir.
presença da Ordem em Portugal é também o apoio
régio concedido aos Agostinhos, patente num
diploma datado de 24 de Dezembro de 1266, pelo
qual o Rei D. Afonso III autorizava a fundação de
novas casas agostinhas nas importantes urbes de
Torres Vedras, Abrantes e Vila Viçosa.
Igreja da Graça, Santarém (AJ)
Destas três vilas, apenas a de Vila Viçosa acolheria,
de imediato, um convento agostinho, fundado logo
no ano seguinte, em 1267. Amplamente beneficiada as casas portuguesas deste período e mesmo
pelo Rei D. Dinis, a casa conheceria um particular posteriormente optaram num primeiro momento
incremento graças ao patrocínio do Condestável por escolher como patrono o próprio Bispo de
Nuno Álvares Pereira que, em 1366, aumentou o Hipona. Só a partir da segunda metade do séc. XIV,
convento e reedificou a capela-mor da respectiva várias casas passariam a referir-se também ao título
Convento dos Anjos, Montemor-o-Velho (LA)
igreja. Após este, o Convento de Vila Viçosa, mariano de N. Sr.a da Graça, em larga medida graças
dedicado a S. to Agostinho, continuaria a ser à tradição que liga o Convento de Lisboa à des-
particularmente agraciado pela Casa de Bragança, coberta de uma imagem da Virgem, cerca de 1362, Também em Évora, os Agostinhos lograriam a
que acabaria por obter o respectivo padroado. por parte de uns pescadores, imediatamente guar- primeira fundação feminina, a do Convento de S.ta
A fundação seguinte, ocorrida em Torres Vedras, dada no convento, e cujos milagres lhe valeram o Mónica, que, contrariamente ao afirmado pelas
aconteceria mais de um século depois. Com efeito, título de Sr.a da Graça. A mesma invocação seria crónicas da Ordem, tem a sua origem numa
seria necessário esperar por uma nova licença régia, tomada pelos Conventos de Torres Vedras e comunidade de “beatas” ou “mulheres da pobre
dada por D. Pedro I em 1366, para que se desse o Penafirme, e os frades da Ordem passariam também vida”, já existente junto à Igreja de S. Mamede
arranque definitivo da casa torreense, cuja existência a ser conhecidos por Gracianos. possivelmente desde o primeiro quartel do séc. XV,
nos aparece documentada a partir de 1383. Quatro Durante este período inicial, as casas portuguesas que viviam em comunidade mas sem se sujeitarem
anos volvidos, encontramos já o nome de um dos permaneceram integradas na Província de Espanha, a qualquer Regra. A documentação permite apenas
seus primeiros priores, o P. e João de São Pedro. criada logo em 1256. Face às guerras que, durante comprovar a sua adesão à Regra de S.to Agostinho
A este convento se liga, de forma particular, a o último quartel do séc. XIV, opuseram os reinos de a partir de 1508, altura em que se pode aceitar
memória de S. Gonçalo de Lagos (m. 1422), que Portugal e Espanha, e que culminariam com a derrota também a sua integração na Ordem Agostiniana.
nela exerceu o cargo de Prior e em cuja igreja seriam de João I de Castela em Aljubarrota, bem como o Ainda no Alentejo, uma segunda comunidade
depositados os seus restos mortais, desde cedo alvo Cisma do Ocidente que dividia os dois reinos entre feminina, dedicada a S.ta Cruz, seria fundada em
de veneração por parte dos fiéis, com culto aprovado a obediência a Avinhão ou a Roma, o Rei D. João 1527, desta feita em Vila Viçosa. Ligada à casa ducal,
pelo Papa Pio VI em 1778. I de Portugal obterá, neste contexto, e face ao dado que as casas para a comunidade foram doadas
Ainda em 1376, um novo convento de Agostinhos número já significativo de casas da Ordem fundadas pelo P.e Mendo Rodrigues de Vasconcelos, capelão
é fundado em Santarém, com o apoio de D. João no seu território, a desvinculação do ramo português do Duque D. Jaime de Bragança, a nova fundação
Afonso Teles de Meneses e sua mulher, D. Guiomar da Província Castelhana. Assim, logo em 1387, os seria iniciada com várias freiras oriundas do Convento
de Vilalobos, Condes de Ourém. Instalada ini- conventos portugueses eram erigidos em Vicariato de S.ta Mónica de Évora.
cialmente em dependências do paço condal, a Provincial, colocado sob a directa dependência do Em 1519, a Ordem lograria ainda uma outra
comunidade de frades agostinhos transitaria para o Prior Geral de Roma. Esta situação manter-se-ia até fundação do ramo masculino em Castelo Branco.
novo convento, cuja construção se estenderia até 1476, data da constituição da Província de Portugal. Segundo a cronística da Ordem, este convento,
ao primeiro quartel do séc. XV. A respectiva igreja, A criação da Província Portuguesa suscitou um novo dedicado a N. Sr.a da Graça, teria sido inicialmente
iniciada em 1380, converter-se-ia no panteão familiar surto de fundações, iniciado em 1494 com o habitado por Franciscanos, transitando para os
dos condes, estando também aí sepultado D. Pedro estabelecimento de um convento em Montemor-o- Agostinhos em 1526.
de Meneses (m. 1437), Governador de Ceuta e neto -Velho, no local onde existia uma ermida dedicada Durante este período, encontramos já documentada
dos fundadores. a N. Sr. a dos Anjos, propriedade de Diogo de uma estreita ligação da Ordem com o meio
Obedecendo à tradição em vigor na Ordem que, Azambuja, o qual se faria sepultar na igreja universitário e com a Corte régia, tais como o francês
por não ter fundador, desde cedo valorizara a sua conventual, concluída em 1511. As fundações Fr. Martinho de Lyon e o italiano Fr. André Orsini.
ligação ao carisma e obra de S.to Agostinho, todas seguintes direccionar-se-iam para a cidade de Évora, Para a mesma época é citado também o português

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

Fr. Álvaro de Veiros, professor de Teologia em 1344 Romano como reformador da Ordem e, por duas e Montoya, se procedia à trasladação do Convento
(nesta altura a universidade já tinha sido mudada vezes, enviou-o a Portugal com o propósito de sub- de Torres Vedras para um novo local, dado que o
para Coimbra, facto ocorrido em 1308). Além deste, meter os Agostinhos à reforma, apelando aos Decretos primeiro convento, além de modesto, estava
são referidos outros professores agostinhos do V Concílio de Latrão (1512-1517), no qual o próprio localizado perto do rio Sizandro, tornando-se alvo
portugueses que leccionaram mais tarde, já no tempo Egídio tivera um papel relevante. No entanto, Teófilo fácil das águas do rio que, em Invernos mais
de D. Afonso III (1438-1481), sendo eles Fr. Soeiro Romano acabaria por não ter sucesso na sua empresa, rigorosos, facilmente transpunham as margens,
de Santarém, Fr. Pedro da Graça e Fr. Bento de facto que levaria o próprio Rei D. João III a solicitar inundando o cenóbio. Para o efeito, o monarca doou
Lisboa. Relativamente aos professores reitores, o ao prior geral o envio para Portugal de dois novos aos Frades Agostinhos, nesse mesmo ano, o hospital
cronista cita os nomes de um Fr. Geraldo, de Fr. reformadores. da antiga Gafaria de S.to André, situado junto às
Simão da Cruz e de Fr. Agostinho Belo. Alguns portas da vila, após obter a devida licença do Papa
acontecimentos também evidenciam a estreita relação 3. Sob o signo da reforma: a acção dos P.es Fr. Paulo III. Apesar da resistência dos oficiais camarários,
entre a universidade e a Ordem. São eles uma Francisco de Villafranca e Fr. Luís de Montoya os Agostinhos tomaram posse do hospital e dos
cerimónia académica, chamada Augustiniana, (1535-1569). Em Janeiro de 1535 eram enviados respectivos bens em Outubro desse ano, mudando-
celebrada no convento agostinho de N. Sr.a da Graça, para Portugal pelo Superior Geral, Gabriel Véneto, -se para o novo local em Novembro. A construção
a realização de um dos autos de Teologia no mesmo os P.es Francisco de Villafranca e Luís de Montoya, do novo convento e da respectiva igreja iniciar-se-
local e o Préstito, que consistia na celebração de com o intuito de reformarem a Província Portuguesa. -ia em 1559, prolongando-se as obras até 1590. Do
uma missa, realizada todos os anos no dia 25 de À exemplaridade de vida dos reformadores aliar-se- mesmo modo, também o Convento de Penafirme,
Março, pela alma do Infante D. Henrique, o -ia todo um plano bem estruturado de reforma, próximo do de Torres Vedras, sofreria importantes
Navegador, na Igreja de N. Sr.a da Graça, e a que apoiado pelo monarca e pelos superiores gerais, que obras a partir de 1547, que permitiriam a edificação
todo o corpo universitário estava obrigado, sob assentava as suas traves mestras na normalização e de uma nova igreja e de novas estruturas para a
juramento (ex juramento praestito), a participar. Fora defesa da vida comunitária, no cuidado com a vida da comunidade e para o acolhimento dos
do contexto universitário, algumas figuras foram formação e renovação espiritual e cultural dos peregrinos que demandavam o templo conventual,
relevantes, nomeadamente o agostinho inglês Fr. religiosos, na vigilância sobre a admissão e formação devido à fama dos milagres operados pela imagem
Agostinho de Santa Mónica, confessor de D. Filipa dos candidatos à Ordem, na realização regular de da Sr.a da Graça aí existente.
de Lencastre (1359-1415), o P.e Álvaro de Lisboa, visitas canónicas aos diversos conventos, na escolha As crónicas da Ordem conservam, relativamente a
confessor do Rei D. João I (1385-1433), o P.e João criteriosa dos priores e outros religiosos para cargos este período, a memória de alguns frades que se
de São Tomás, nomeado regente do Estudo Romano de direcção e governo das casas, na promoção de destacaram pela sua exemplaridade de vida: Fr. Álvaro
dos Agostinhos em 1419, e o Beato Gonçalo de uma correcta gestão dos bens conventuais – pela Monteiro (1461-25.12.1551), agostinho professo no
Lagos (m. 1422) que viveu os seus últimos anos em realização de tombos, cópia das escrituras Convento de Lisboa e que viveu no Convento de
Torres Vedras (onde é hoje santo padroeiro), apesar comprovativas da posse dos bens, adopção de Torres Vedras, onde granjeou fama pela sua caridade
de ter professado no Convento da Graça em Lisboa, critérios mais rigorosos de gestão – e na própria para com os pobres e onde morreu, com 90 anos,
e onde, depois da sua morte, o seu corpo passou realização de importantes campanhas de obras com depois de ter tido uma visão do Beato Gonçalo de
a receber culto, aprovado pelo Papa Pio VI no ano vista à adequação das estruturas conventuais às Lagos e de Fr. João de Estremoz anunciando a sua
de 1778. necessidades de vida das comunidades. Vários morte; Fr. Ubertino Eneu (m. 11.11.1559), um
indicadores deixam-nos perceber o sucesso da acção agostinho francês que viveu completamente isolado
desenvolvida em Portugal pelos reformadores durante os 17 anos que esteve em Portugal e que,
castelhanos ao longo de cerca de trinta e cinco anos: pela forma de vida que adoptou, se tornou num
o aumento claro de vocações, o fomento dos estudos, modelo de austeridade e simplicidade; e Fr. Cipriano
a renovação da vida comunitária, o incremento da Perestrelo, um agostinho devoto de Nossa Senhora
acção missionária da província e a própria expansão que se entregou à oração e à penitência, tendo
da Ordem com a fundação de novas casas. morrido muito novo, pensa-se que em 1565, seis
Destas, a primeira foi realizada em Tavira, em 1542, anos depois de ter ingressado na Ordem.
fruto do abandono do Convento de Azamor, fundado
por Pedro de Vila Viçosa nesta cidade africana, que
tivera uma existência efémera devido ao alto custo
exigido pela sua manutenção. No entanto, a
Beato Gonçalo de Lagos (PLG)
construção do edifício conventual só se iniciaria em
1569, no local da antiga judiaria da cidade. Em
Uma das suas figuras mais emblemáticas neste domínio 1543, atendendo ao pedido do Superior Geral
é a de Fr. João da Madalena, Mestre em Teologia e Jerónimo Seripando, D. João III mandou edificar o
professor desta disciplina na Universidade de Lisboa, Colégio de N. Sr. a da Graça em Coimbra, cuja
confessor da Rainha D. Leonor, mulher de D. João II, importância no âmbito dos intuitos de reforma da
que, entre 1491 e 1505, exerceu por quatro vezes o Ordem justificariam a presença do próprio Fr. Luís
cargo de Provincial. Outros provinciais aparecem já de Montoya, que desde 1544 dirigiu os destinos da
Convento da Graça, Torres Vedras (FF)
ligados às primeiras tentativas de reforma da Ordem, comunidade instalada no colégio. Aí leccionaram os
sendo alguns deles expressamente nomeados para melhores mestres entre os agostinhos, nomea-
reformadores da província, como foi o caso do P.e Bento damente João Soares (1507-1572), Gaspar do Casal 4. O período de ouro da Ordem: fundações e
de Lisboa (1512) e do P.e Ambrósio Brandão (1517). (m. 1584) e Egídio da Apresentação (1539-1626). actividade missionária (1569-1630). O período
No mesmo sentido, Egídio de Viterbo, Prior Geral da Também em 1544, sob a égide de D. João III e de 60 anos que se seguiu à morte de Villafranca e
Ordem, em Janeiro de 1515 nomeou o italiano Teófilo certamente a pedido dos reformadores Villafranca de Montoya é considerado a época de ouro da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

Ordem de Santo Agostinho, durante o qual as de uma cátedra em Bolonha oferecida por Gabriel cidade de Braga acolheu também um novo colégio
fundações se multiplicaram e se deu início a uma Palleoto, Cardeal da referida cidade; Agostinho da da Ordem, dedicado a N. Sr.a do Pópulo, graças ao
intensa actividade missionária no golfo da Guiné e Graça (m. 1593), professor durante 14 anos na patrocínio do Arcebispo Fr. Agostinho de Castro.
no Oriente. Universidade de Lovaina, tendo recusado a cátedra Este colégio destinava-se à instrução teológica de
No que ao provincialato diz respeito, em 1566 foi de Teologia em Coimbra que lhe fora oferecida por muitos párocos da Diocese de Braga, cujos
nomeado Provincial português o P.e Pedro de Vila Filipe II; P.e António Galvão (m. 1609), catedrático conhecimentos eram insuficientes para um bom
Viçosa, fundador do Convento de Tavira, e nos anos de Bíblia em Coimbra; Gregório Nunes Coronel (m. exercício do seu ofício. Em 1603, os Agostinhos
seguintes sucederam-lhe excelentes provinciais, dos 1620), que, embora não tivesse dirigido nenhuma fundaram o modesto Convento de N. Sr.a da Penha
quais nos chegaram os seguintes nomes, por ordem cátedra, foi bastante erudito e chegou a trabalhar de França, a terceira fundação agostinha na cidade
de sucessão: Diogo de São Miguel (1568-1570), ao lado dos Papas Clemente VIII e Paulo V; e o P.e de Lisboa.
Agostinho de Castro (1570-1572), Sebastião Toscano Egídio da Apresentação (1539-1626) que, com um A estas casas de frades juntou-se uma de freiras,
(1578-1580), Miguel dos Santos (1580-1582), percurso notável na área dos estudos de Teologia, também em Lisboa, o Convento de S. ta Mónica,
Agostinho de Castro, pela segunda vez, (1582-1584), foi autor do tratado De Beatitudine e de outro em fundado no dia 1 de Janeiro de 1586, em casas
Dionísio de Jesus (1584-1586), Cristóvão de Corte defesa da Ordem de Santo Agostinho. No que à doadas por D. Maria de Abranches. No dia 12 de
Real (1586-1588), Manuel de Cristo (1588-1590), santidade diz respeito, Fr. Afonso de Alhos Vedros Outubro do mesmo ano introduzia-se a clausura,
Dionísio de Jesus, pela segunda vez, (1590-1592), (m. 1576) e Fr. Paulo de Barletta (m. 1580), um com três freiras oriundas do Convento de Évora: D.
Manuel da Conceição (1592-1594), Guilherme de agostinho italiano que, antes de ir para as missões Isabel de Noronha, D. Jerónima de Meneses e D.
Santa Maria (1594-1596), António de Santa Maria em Goa, viveu um longo tempo de ascese no Margarida da Silva, com os cargos de Superiora,
(1596-1598) e Dionísio de Santa Cruz, pela terceira Convento de Lisboa. Vice-Superiora e Porteira, respectivamente.
vez (1598-1600). Destes, distinguiram-se Agostinho A reforma aplicada por Montoya e Villafranca à
de Castro, que, entre outros aspectos, foi o fundador Província Portuguesa permitiu, após a sua morte, a
das missões da província, Vigário Geral na Alemanha, fundação de novas casas e o melhoramento de
Arcebispo de Braga e Primaz em Portugal entre os outras mais antigas. Um dos conventos agostinhos
anos 1588 e 1609, e Sebastião Toscano, professo a ser fundado nesta altura foi o de Arronches, em
em Salamanca, com formação em Itália, que foi 1574, dedicado a N. Sr.a da Luz, com o patrocínio
nomeado Pregador Real por D. João III, sendo o do Rei D. Sebastião e o apoio do então Provincial
responsável pela primeira tradução para castelhano P.e Diogo de São Miguel. No dia 8 de Março do
das Confissões de S. to Agostinho. Além destes mesmo ano foi também confiado à Ordem o
homens, todos eles provinciais, outros se destacaram Convento de Loulé, dedicado a N. Sr.a da Graça,
enquanto bispos na metrópole, nomeadamente João pondo termo à presença, no mesmo, da anterior
Soares (1507-1572), Bispo de Coimbra durante 34 comunidade de Franciscanos. Uma terceira
anos; Fr. Gaspar do Casal (1512-1584), Arcebispo fundação ocorreria em Leiria, graças à iniciativa de
do Funchal (1551) e Bispo de Leiria (1557) e de Fr. Gaspar do Casal, Prelado dessa cidade. A data
Coimbra (1579); Fr. António de Santa Maria (m. desta fundação é incerta, sendo 1576 considerado
1623), nomeado Bispo de Leiria em 1616; Fr. o ano em que se iniciou a construção e 1593 o ano
Francisco Pereira (m. 1621), Bispo de Miranda em em que todas as obras terão terminado, pois só
1618; e Fr. João de Valadares (m. 1635), eleito Bispo nesta data se procedeu à trasladação do corpo do
de Miranda em 1621 e transferido para a Sé do bispo fundador, conforme a sua vontade. Na cidade
Porto em 1628. A Província Portuguesa teve dois de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, foi também
bispos auxiliares durante este período, ambos ligados edificado um convento agostinho, do qual se
Convento de N. Sr.ª da Graça, Lisboa (PLG)
à Arquidiocese de Braga. Foram eles Fr. Jorge desconhece a respectiva data da fundação, embora
Queimado (m. 1618), nomeado para o cargo em já apareça mencionado nas actas do Capítulo de
1599, pelo Arcebispo Agostinho de Castro, com o 1584 como tendo sido fundado pelo P.e Fr. António Durante este período, o Convento da Graça de Lisboa
título de Fez e, em 1612, pelo Arcebispo Aleixo de Varejão e nas actas do Capítulo de 1598 com a adquiriu um renovado esplendor, fruto dos trabalhos
Meneses, e Fr. António dos Santos (m. 1618), eleito informação de que nesse ano o convento tinha o de ampliação e engrandecimento da igreja e
Bispo Auxiliar pelo mesmo Aleixo de Meneses, em seu próprio superior e que nele funcionava uma dependências conventuais, iniciados ainda no tempo
1616, com o título de Nicomédia. O escritor comunidade agostinha. O convento agostinho da de Montoya e que se estenderiam durante nove
agostinho que mais se destacou foi Fr. Tomé de Jesus cidade do Porto foi fundado em 1592, depois de o anos (1556-1567). À magnificência da igreja juntou-
(c. 1530-c. 1585), autor da célebre obra Os Trabalhos Superior Geral Tadeu de Perúrgia, em 1573, ter -se o facto de nela se começar a guardar, a partir
de Jesus, escrita enquanto esteve prisioneiro em escrito uma carta ao rei dando conta da falta de de 1610, uma peça de ourivesaria muito valiosa:
Alcácer-Quibir e a mais editada em língua portuguesa um convento desta Ordem numa cidade tão uma arca de cristal que fora oferecida ao Arcebispo
depois da Bíblia e das obras de Camões. Outros, importante. No ano seguinte, procedeu-se à fundação de Goa, Fr. Aleixo de Meneses, pelo Governador de
embora não tão famosos, também merecem ser do Colégio de S.to Agostinho, instalado no antigo Ormuz, para que servisse de sacrário ou tabernáculo
relembrados pela função que desempenharam Convento de S.to Antão-o-Velho, após o mesmo ter na igreja do convento lisboeta. Além deste, a igreja
enquanto docentes universitários, nomeadamente sido deixado pelos Jesuítas, que transferiram o seu possuía outros tesouros, como a antiga estátua de
Fr. Francisco de Cristo (m. 1587), professor em Colégio de S.to Antão para novas instalações. Esta N. Sr.a da Graça e uma imagem de Nossa Senhora
Coimbra nas cátedras de Gabriel Biel, Escoto e fundação viu os seus Estatutos serem confirmados trazida de Ormuz em 1622, conhecida por N. Sr.a
Vésperas de Teologia; Fr. Agostinho da Trindade (m. pelo Provincial P.e António da Ressurreição e pelos do Resgate, ou N. Sr. a da Pérsia, por ter sido
1598), catedrático em Coimbra de Durando (1574) seus conselheiros e aprovados pelo Superior Geral resgatada aos maometanos quando a ilha caiu nas
e de Escoto (1576); Luís de Beja Perestrelo, director da Ordem em 1601. No dia 3 de Julho de 1596, a mãos dos persas. Com a justificação de que não

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

existia uma universidade na região do Alentejo que esteve no convento feminino de S.ta Cruz, tendo -1563), para o que contou com um grupo
promovesse a formação dos párocos da mesma seguido de imediato para Lisboa. A sua estada em significativo de missionários agostinhos, do qual
região, o Duque de Bragança D. Teodósio I pediu Lisboa coincidiu com o ataque das tropas inglesas apenas nos chegaram os nomes dos P.es Gaspar de
ao Papa Pio V (1559-1572) que unisse a Igreja de à cidade, conduzidas por D. António, Prior do Crato, Santa Mónica, Inácio Antunes e Francisco da Madre
S. Pedro de Monforte ao convento agostinho de tendo, por isso, seguido de imediato para Coimbra, de Deus. O Bispo Gaspar Cão morreu pouco depois
Vila Viçosa, com o título de colégio, encarregando- passando por Santarém e por Tomar. Antes de do seu retorno a S. Tomé, em 1574 e, no ano
-se o próprio das despesas. Apesar da anuência seguir para Espanha, em direcção a Santiago de seguinte, o Provincial Fr. Miguel dos Santos enviou
papal, o projecto acabaria por não ter continuidade Compostela, passou por Braga, onde esteve na outro grupo de agostinhos, entre os quais se
após a morte do Duque D. Teodósio, ocorrida em companhia de Fr. Agostinho de Castro, Arcebispo encontrava o frade italiano Paulo de Barletta. Os
1563. daquela cidade. Desta estada resultou o projecto de Agostinhos dirigiram o Seminário de S. Tomé até
No séc. XVI, três superiores gerais da Ordem visitaram fundação do Colégio de Braga, que viria a ser 1584, ano em que abandonaram a ilha, depois de
a Província Portuguesa. A primeira foi realizada por edificado poucos anos depois. o novo bispo lhes ter tirado a fundação. Em 1634,
Jerónimo Seripando em 1541, na sequência da visita Os Agostinhos actuaram em duas regiões missionárias fez-se uma nova tentativa no sentido de voltar a
efectuada às Províncias de França e de Espanha, autónomas num espaço de pouco mais de dois enviar um grupo de missionários agostinhos para
com o objectivo de supervisionar a reforma iniciada séculos e meio: no golfo da Guiné e na Índia Oriental. aquela região, de acordo com as determinações da
por Montoya e Villafranca. O superior geral entrou O trabalho missionário em pouco se diferenciava da Congregação Romana De Propaganda Fide, encarre-
em Portugal e dirigiu-se em primeiro lugar ao vida religiosa vivida nos conventos de Portugal, gue de dirigir a actividade missionária da Igreja, mas
Convento de Vila Viçosa, donde seguiu para Lisboa, embora o apostolado tivesse sido exercido entre tal nunca chegou a acontecer.
onde visitou a casa central dos Agostinhos. Daí, povos e contextos culturais e religiosos muito A presença dos Agostinhos na Índia Oriental, pelo
seguiria para Évora, tendo regressado a Vila Viçosa diferentes. Um dos objectivos fundamentais das contrário, foi mais duradoura, tendo-se mantido até
antes de seguir para Espanha. missões era revigorar a prática religiosa de muitos ao decreto de expulsão das ordens, emanado em
A segunda visita, realizada em 1573, traria a Portugal cristãos, esmorecida devido à permanência pro- 1834. Os primeiros missionários agostinhos foram
o Superior Geral Tadeu Guidelli (ou Tadeu Perusino, longada entre os infiéis. Neste sentido, era privilegiada enviados para o Oriente português a pedido do Rei
como era conhecido), onde chegou no início de a assistência dada aos soldados portugueses, quer D. Sebastião, em Março de 1572, com destino à
Junho desse ano, depois de uma visita às Províncias nas frotas, quer nos hospitais, e a viajantes europeus ilha de Ormuz e a Goa, onde deveriam fundar uma
de Espanha, tendo seguido para Lisboa, onde foi católicos e protestantes. Procurou-se o regresso à casa com o objectivo de prestarem assistência
Igreja Católica dos cristãos de S. Tomé e a espiritual. E, com efeito, nesse mesmo ano duas
recuperação de uma tradição católica que se estava novas fundações eram erigidas em Goa e Ormuz,
a perder, numa comunidade que só aparentemente embora em instalações provisórias. Formava-se, então,
estava ligada a Roma. Os missionários agostinhos a Congregação da Índia Oriental, governada como
trabalharam, assim, com grupos de cristãos dispersos se de uma província se tratasse, mas sempre
pelo Oriente, como os monofisitas arménios da Pérsia dependente da Província de Portugal, com a “casa-
e da Arménia, os monofisitas jacobitas da Pérsia e -mãe” sediada em Goa. Era então Provincial o Fr.
da Geórgia, os nestorianos do Malabar e os maome- Agostinho de Castro.
tanos, e com os mandeus do Iraque. O trabalho O cenário geográfico onde os Agostinhos se
missionário nem sempre deu bons resultados pois, estabeleceram e actuaram foi bastante alargado,
por vezes, as conversões eram meramente aparentes estendendo-se desde a costa suaíli, na África Oriental,
e visavam apenas a ajuda económica. Mas nem até à costa da China. Assim, em 1598 fundaram
sempre assim foi, tendo, muitas vezes, sido coroado um convento na cidade de Mombaça (actual Quénia),
pelo êxito. Porém, para que tal acontecesse, foi onde permaneceram durante um século, a partir do
necessária muita dedicação por parte dos Agostinhos, qual puderam prestar assistência a outras estações
que tiveram de aprender os hábitos e os idiomas missionárias estendidas ao longo da costa suaíli (uma
árabe e persa, os dialectos da Índia e da costa sualí área que se estende desde a ilha Lamu, no Quénia,
de África, e de colaborar com outras comunidades até à fronteira meridional da Tanzânia) e em algumas
que trabalhavam em zonas comuns ou próximas, ilhas próximas. No mesmo ano, fundaram um
como os Carmelitas em Ispahan e em Baçorá, os convento na fortaleza portuguesa de Mascate, onde
Capuchinhos e Jesuítas em Ispahan e com os prestaram assistência espiritual aos portugueses
Teatinos na Geórgia e na Índia. residentes e aos viajantes católicos que por lá
Convento de S.ta Cruz, Vila Viçosa (NM)
A sua presença na costa da Guiné remonta ao ano passavam e onde, sempre que possível, faziam um
de 1565, quando Gaspar Cão, nomeado Bispo de trabalho de missionação dirigida aos muçulmanos
recebido pelo Rei D. Sebastião. Daí, dirigiu-se a S. Tomé em 1564, se dirigiu àquela região, que viviam na região circundante. Esta fundação
Coimbra, com vista a visitar o colégio agostinho, acompanhado por dois agostinhos. O próprio bispo durou apenas 50 anos, altura em que os portugueses
tendo passado primeiro por Santarém, Almeirim e trabalhou empenhadamente na ilha de S. Tomé e perderam o controlo da referida fortaleza. Foram
por Leiria. O seu itinerário contemplaria ainda as no interior do continente africano. Porém, no mesmo também criadas fundações menores no Golfo Pérsico:
casas do Porto e de Braga, num percurso que, ao ano em que chegou ao golfo da Guiné viu-se o Convento de Ormuz, que se conservou até à perda
contrário do anterior, optaria sobretudo pela visita obrigado a regressar a Portugal, só podendo voltar da ilha pelo portugueses, em 1622, por ocasião de
aos conventos a norte do Tejo. O último superior à sua diocese em 1572. Desde então, desenvolveu um ataque dos persas em conjunto com tropas
geral a visitar a província no séc. XVI foi Gregório uma profícua actividade, logrando inclusive criar um inglesas, onde os Agostinhos, além de exercerem a
Petrocchini (ou Gregório de Montelparo), em 1589. seminário com vista à formação do clero, de acordo função de párocos, davam assistência a um hospital
Durante a sua visita, passou por Vila Viçosa, onde com o determinado pelo Concílio de Trento (1545- militar português e aos cristãos que passavam pela

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

ilha; uma paróquia na ilha de Quism, que se perdeu Mas a glória maior da actividade missionária dos
em 1622 nas mesmas circunstâncias de Ormuz; outra Agostinhos na Índia foram as missões de Bengala
paróquia na fortaleza de Combrum, que se perdeu que, desde 1599 até à supressão das ordens
em 1617 após um ataque dos persas; e uma terceira religiosas, estiveram sob o cuidado dos Agostinhos
paróquia no porto de Kung, que nos finais do séc. e dos Jesuítas. A actividade missionária em Bengala
XVII ainda se conservava em actividade. Outras era desenvolvida a partir do convento central de
paróquias na costa do Golfo Pérsico foram alvo da Hoogly, do qual dependia a igreja central de Calcutá.
actividade dos Agostinhos, mas delas apenas nos O mesmo Convento de Hoogly apoiava muitos
Escudo da Ordem de Santo Agostinho (I)
chegaram os nomes: Soar, que se perdeu em 1647, centros missionários. A cidade mais importante era
Doba e Curiate. Os Agostinhos também estiveram Dracca, a capital, cuja catedral é a antiga igreja
presentes no actual Iraque, na cidade de Baçorá, teológicos, tornando-se depois sede do vigário agostinha de N. Sr. a das Dores, que em 1813
onde chegaram em 1624 vindos de Ispahan e onde provincial e do governo da Congregação. A ele foi substituía a antiga Igreja de N. Sr.a da Assunção.
actuaram durante cerca de 25 anos em conjunto anexado, em 1602, um colégio dedicado a S. to Os Agostinhos estiveram também presentes, ainda
com os Carmelitas. O centro dirigente destas fun- Agostinho, destinado a jovens estudantes. Um e que em menor escala, em centros missionários
dações no Golfo Pérsico foi o Convento de Ispahan outro duraram até 1834. Os Agostinhos deram ainda localizados em regiões mais afastadas, como nos
(1602-1747), na Pérsia, que serviu de base para o assistência ao Seminário de S. Guilherme em Neurá, antigos reinos de Arakan e de Ava (actual Birmânia)
estabelecimento dos Agostinhos em toda aquela perto de Goa, fundado no ano de 1622 e trasladado e no de Sião (actual Tailândia). As fundações mais
região, dando origem a uma comunidade conventual no ano seguinte para outro local nas imediações da orientais foram as de Malaca e Macau, nas costas
que, apesar de pouco numerosa, durou quase 150 cidade, tendo durado até 1737; à Igreja de S. to da China. Malaca era a sede de um episcopado onde
anos. Deste convento dependia também uma casa António, localizada perto do convento central e os Agostinhos fundaram, em 1587, um convento
de saúde, na cidade de Xiraz, que se conservou em cedida aos Agostinhos pelo Arcebispo Fr. Aleixo de cuja existência se prolongou até 1641. Macau era
funcionamento apenas até 1625. Por intermédio Meneses em 1606; às igrejas paroquiais de S. João já um território português quando os Agostinhos
desta cidade, os Agostinhos chegaram à Geórgia, Envagelista e de S.ta Inês, além de outras de menor da Província das Filipinas fundaram lá uma casa, em
em 1627, e fundaram um convento na cidade de importância. Além destas, davam também assistência 1581, onde permaneceram até 1819. Desta fundação
Gori, a capital de um dos reinos, que pouco depois, a três casas femininas: o Mosteiro de S.ta Mónica, a dependia a Paróquia de Penha de França, fundada
em 1647, se viram obrigados a abandonar por falta Casa de N. Sr.a da Serra para meninas e a Casa de em 1623.
de missionários. Os Agostinhos fundaram também S.ta Maria Madalena para mulheres arrependidas, as Um elevado número de bispos agostinhos tiveram
uma casa na cidade de Tattà, no actual Paquistão, três fundadas no início do séc. XVII. A mais um papel fundamental no apoio e expansão desta
em 1627. O P.e Francisco Pópulo foi o fundador desta importante foi, sem dúvida, o Mosteiro de S.ta Mónica, actividade missionária, nomeadamente Fr. Aleixo de
casa, cuja função era apoiar os missionários que se fundado em 1606 e considerado uma das glórias Meneses, Arcebispo de Goa entre 1595 e 1612, e
dirigiam à Pérsia, à Geórgia ou ao Iraque. Esta da Ordem e da Diocese de Goa. O seu imponente quem primeiro promoveu a actividade missionária
fundação terá durado pouco tempo, embora não edifício albergava mais de 100 religiosas e durou dos Agostinhos. Meneses obteve três bispos auxiliares,
seja possível precisar a data em que cessou de até ao séc. XIX, acolhendo actualmente um centro Fr. Diogo da Conceição ou Araújo, eleito Bispo Titular
funcionar. diocesano de formação teológica para religiosas de de Salém em 1595, Fr. Jerónimo Carreio, eleito Bispo
Mas foi nas costas da Índia que a Congregação da diversas ordens e congregações. Titular de Calamense em 1598 e Fr. Domingos
Índia Oriental fundou um maior número de casas: No interior da Índia foi fundada uma casa em Torrado, Bispo Titular de Salém entre 1605 e 1610,
um asilo em Diu, em 1750, que durou até 1804; Bisnagar (ou Vijayanagar), em 1652. A ilha de Ceilão, tendo substituído o arcebispo em 1610 quando este
um convento em Damão, em 1599, que se conservou uma das últimas conquistas de Portugal (séc. XVII), regressou a Portugal. Outros Bispos foram Luís de
activo até 1832 e do qual estava dependente uma foi missionada pelas quatro ordens mais importantes Melo em Malaca (1639-1648), Eugénio Trigueiros
Capela de S.to António; um outro convento, dedicado presentes na Índia, que a repartiram entre si, cabendo em Macau (1725-1740), Francisco da Purificação,
à Anunciação de Maria, em Baçaim, fundado em aos Agostinhos a chamada zona das “Quatro segundo Bispo de Pequim, e António de Gouveia,
1587, e só perdido em 1739, juntamente com outras Cordas”, assistida a partir do seu convento central Bispo Titular de Cirene e Administrador Apostólico
casas situadas nesta costa indiana devido à insurreição instalado em Colombo, a capital, e de 11 estações para os católicos na Pérsia entre 1611 e 1628. Em
de nativos vizinhos. Do Convento de Baçaim estavam missionárias existentes nessa região. Na costa oriental Goa, além de Aleixo de Meneses, foram Bispos
dependentes várias paróquias, entre as quais as de da Índia, os Agostinhos iniciaram a sua presença Sebastião de São Pedro (1624-1641), Cristóvão da
Casabe, Mola e Daince, esta doada pelas agostinhas com a fundação, em 1606, de um convento em Silveira (1670-1673), Eugénio Trigueiros (1740-1741)
do Convento de S. ta Mónica de Goa aos Frades Mailipur, no mesmo ano em que se fundou esta e Francisco da Assunção ou Brito (1773-1783). Na
Agostinhos. Um dos conventos mais antigos da diocese, sendo o seu primeiro Bispo Fr. Sebastião Diocese de Cochim foram Bispos Sebastião de São
Congregação foi fundado em Tana, a norte de Goa, de São Pedro. Em 1658, perdeu o estatuto de Pedro (1600-1615), Luís de Brito (1615-1629) e
em 1575, e durante muito tempo serviu de casa de diocese, tornando-se numa simples paróquia e Pedro da Silva (1687-1691). Na Diocese de Meliapor
Noviciado e sede de estudos humanistas, tendo sido acabou por ser abandonada em 1663. Desta foram Bispos Sebastião de São Pedro (1606-1615),
encerrado em 1737. Outro convento fundado a fundação dependiam outras duas: o Asilo de S.ta Luís de Brito (1615-1624), António de Jesus (c. 1643-
norte de Goa foi o de Chaúl, com a função de apoiar Rita, transformado em convento no ano de 1757, -1647), António da Encarnação (1745-1752),
os religiosos que se dirigiam a Goa e a Ormuz. Tal mantido como tal até 1825, e a Igreja de Monte Bernardo de São Caetano (1758-1780), António da
como o de Tana, também este funcionou como casa Grande, confiada aos Agostinhos por Fr. Bernardo Assunção (1782-1783), Manuel de Jesus (1787-1797)
de estudos, tendo-se perdido em 1739. de São Caetano. Em 1625, assistiu-se à fundação e Joaquim de Meneses e Ataíde (1804-1820), que
A cidade de Goa acolheu as casas agostinhas mais do Convento da Graça em Negapatão, abandonado nunca residiu na sua diocese, tendo permanecido
importantes da Índia. O convento central de S.to em 1658. O Asilo de Masulipatão foi fundado em no Funchal. Além destes, os Agostinhos tiveram, no
Agostinho, fundado em 1572, começou por ser 1652 e da Igreja de Vizagapatão apenas se sabe séc. XVIII, 3 bispos no Brasil, 3 em Angola nos sécs.
apenas uma sede provisória e uma casa de estudos que foi entregue aos Teatinos em 1729. XVII e XVIII e vários agostinhos descalços em S. Tomé,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

entre os sécs. XVII e XIX. A maior parte dos bispos dependente da Província-Mãe, pelo facto de as ilhas de 1720-1722 e Arcebispo de Évora entre 1740 e
citados foram também missionários, especialmente se encontrarem a uma grande distância da capital 1759. Teve como Bispo Auxiliar o agostinho Jerónimo
Sebastião de São Pedro, Bispo de Meliapor e de portuguesa, onde funcionava a sede do Governo de São José, Bispo Titular de Tipassa, em África,
Cochim e Arcebispo de Goa. Além deste devemos Provincial. entre os anos 1752 e 1773. O P.e António de Távora,
ainda mencionar outros cujos feitos merecem o seu Apesar da situação de decadência que a província irmão de Miguel, foi por este consagrado Bispo do
reconhecimento: o P. e Simão de Morais ou da atravessava, acentuada com a da independência Porto, onde exerceu o cargo entre 1757 e 1766.
Conceição, um dos primeiros missionários enviados política de Portugal preconizada em 1640, uniram- Além destes, foram Bispos Clemente Vieira, que,
para o Oriente em 1572 e o pioneiro da presença -se esforços para uma restauração religiosa, posta natural do Porto, foi doutor em Coimbra e eleito
católica na Pérsia; o P. e Jerónimo da Cruz, um em prática em 1715, cujos resultados foram bastante Bispo de Angra do Heroísmo, onde exerceu o seu
missionário que foi bastante admirado pelos positivos. Procedeu-se, desde logo, ao melhoramento múnus entre 1687 e 1692; José de Oliveira (1638-
maometanos de Ispahan; o P.e Diogo de Santa Ana, de algumas casas. Como consequência do terramoto -1719), nomeado Bispo do Congo em 1694, tendo
o grande impulsionador do Mosteiro de S.ta Mónica de 1755, foram restaurados os Conventos de Vila apresentado a sua demissão em 1700 sem nunca
de Goa; o P.e Melchior dos Anjos, que realizou um Viçosa, de Lisboa e de Penafirme. O Convento do ter ido à diocese; António de São José (1704-1779),
árduo mas frutuoso trabalho na Pérsia, durante as Porto foi ampliado com o apoio do Bispo agostinho eleito Bispo de S. Luís do Maranhão, onde exerceu
primeiras décadas do séc. XVII; o P.e José do Rosário, dessa diocese, Fr. António de Távora. Nesta altura, o cargo entre 1756 e 1778, foi depois transferido
que foi um exímio missionário, tendo actuado os Agostinhos prestavam assistência a quatro para o Arcebispado de S. Salvador da Bahia, mas
essencialmente em Ispahan durante a primeira mosteiros de freiras agostinhas como capelães. morreu antes de ter tomado posse do cargo;
metade do séc. XVII; o P.e Jorge da Apresentação, No que diz respeito ao ensino, os Agostinhos tinham Francisco da Anunciação Brito (1726-1783) foi
que fez um importante trabalho nas regiões de três colégios que se destinavam à educação de jovens nomeado Bispo de Olinda, embora nunca tenha
Bengala. religiosos e à actividade científica dos seus professores tomado posse da diocese dado que, em 1773, foi
e onde ensinavam sobretudo os professores e os eleito Bispo de Goa, função que exerceu até 1783;
5. Os dois últimos séculos da província (1630- leitores da província: o Colégio de N. Sr.a da Graça e António Correia, Bispo da Diocese de S. Salvador
-1834). Nos dois últimos séculos de existência da em Coimbra, o Colégio de S. to Antão ou de S. to da Bahia entre 1779 e 1802. Em Portugal, alguns
província, notou-se uma certa saturação, Agostinho em Lisboa e o Colégio de N. Sr.a do agostinhos exerceram o cargo de Bispo Auxiliar,
caracterizada pela carência de novas fundações, Pópulo em Braga, tendo sido este mais orientado nomeadamente Pedro de Foios (1640-1708), Auxiliar
perda de alguns conventos, indiferença em relação para a formação do clero diocesano da região. O de Lisboa, António Botado (1651- 1715), Auxiliar
à actividade missionária, dificuldade no cumprimento número de bibliotecas conventuais fundadas por de Braga entre 1696 e 1715, e o já mencionado
dos votos professados (o voto da pobreza, no caso religiosos aumentou neste período, assim como a Jerónimo de São José, Auxiliar de Évora. Entre os
dos Agostinhos) e por um crescente clima de tensão preocupação pela catalogação dos livros nas mesmas. pregadores distinguiu-se o P.e Manuel da Conceição
que se fazia sentir entre os Conventos do Porto e A melhor biblioteca da Província Portuguesa (1627-1682), fundador dos Agostinhos Descalços
de Lisboa. Excepção a este panorama foram as ilhas encontrava-se no colégio de Coimbra e fora fundada em Portugal.
dos Açores, onde se operaram duas novas fundações: pelo P. e Egídio da Apresentação (1539-1626). Apesar de vários conventos fundados no Oriente se
o Convento de Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, Habitualmente, a formação científica daqueles que terem perdido, como os de Baçaím, Tana e Chaúl,
e o de Vila da Praia, na ilha Terceira, cujos fundadores foram considerados os melhores professores e de outros terem sido abandonados, como os de
saíram do Convento de Angra do Heroísmo, na ilha começava nos estudos da própria Ordem, Cochim e Colombo, a actividade missionária naquela
Terceira, que tinha sido fundado em 1584. Estes três terminando, depois, nas reconhecidas universidades região continuou com bastante intensidade. As casas
conventos formavam uma pequena província, de Portugal, às quais deixavam os seus nomes ligados, de Goa e dos seus arredores e as missões em Bengala
pelo que a Província Portuguesa apresentava, neste continuaram até à extinção das ordens em Portugal
período, um número consistente de homens de e nas suas colónias. Outras estações missionárias,
letras, entre os quais se distinguiram o P.e João de como as da costa suaíli, também se perderam devido
Azevedo, um importante teólogo e moralista que à dificuldade em manter a sua supremacia.
publicou em 1726, em Lisboa, o seu Tribunal Nas últimas décadas de existência da província,
Theologicum et Juridicum; o P.e Bento Meireles, quem distinguiram-se inúmeros frades agostinhos. Fr. José
entre os anos 1740 e 1745 editou a obra do de Santa Rita Durão, agostinho desde 1738, foi leitor
agostinho irlandês Gibbon, Speculum Theologicum, em Coimbra, onde fez o doutoramento em 1756,
em sete volumes; Manuel Leal de Barros (m. 1691), professor no Colégio de N. Sr.a do Pópulo em Braga
um historiador doutorado pela Universidade de e autor do poema épico Caramurú, sobre a
Bordéus; os hagiógrafos José de Santo António (m. descoberta da Bahia. Foi implicado no atentado de
1727), que publicou a biografia de alguns agostinhos 1759 ao Rei D. José I, pelo que se viu obrigado a
e foi autor da obra Flos Sanctorum Augustinianum, sair do país rumo a Castela, donde partiu, mais
dividida em quatro partes, e José da Assunção (m. tarde, para Roma. Morreu em 1784, três anos depois
1751), um poeta que escreveu em latim e autor das da publicação do seu poema. Fr. Manuel de Santa
obras Hymnologia Sacra, em três volumes, e Inês, agostinho descalço, foi três vezes nomeado
Martyrologium Augustinianum, em dois volumes. Vigário Geral da sua congregação e, pelo Rei
Em relação ao apostolado, distinguiram-se, na D. Pedro IV, Vigário Capitular da Diocese do Porto
metrópole, os irmãos Miguel e António de Távora, e, depois, da de Braga. Fr. José de Santo Agostinho
tratados com rigor pela implicação da sua família Macedo é considerado o mais inteligente de todos
no atentado contra o Rei D. José I, em 1758. O P.e quantos passaram pela Ordem nas décadas anteriores
Miguel de Távora (1683-1759) foi mestre em à sua extinção. Era, porém, dotado de um
Nave central da Igreja da Graça, Santarém (AJ) Teologia, professor em Coimbra, Provincial no biénio temperamento irascível, pelo que foi expulso da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

Ordem em 1792. Foi nomeado Pregador Régio e Terceira, e o Convento de S.to Agostinho, em Ponta Nossa Senhora de Fátima e, desde 1999, novamente
cronista do reino, foi membro das academias Arcádia Delgada, na ilha de S. Miguel. como seminário menor. A igreja conserva diversas
de Roma e Belas Letras de Lisboa e foi eleito Todo o processo acabou, tal como noutros países, imagens do antigo convento, nomeadamente a da
deputado nas cortes de 1822. O P.e Patrício da Silva com a supressão imediata das ordens religiosas Sr.a da Graça, bem como a sepultura de Fr. João de
foi um agostinho que, nascido em 1757 no seio de masculinas e a nacionalização dos respectivos bens, Estremoz, que morreu no séc. XVI neste convento.
uma família modesta, conseguiu ser admitido à por decreto do Ministro da Justiça Joaquim António No Convento e na Igreja de Vila Viçosa passou a
profissão por ter dado mostras de grande talento. de Aguiar emitido no dia 28 de Maio de 1834. funcionar, entre 1890 e 1963, a Escola Prática de
Foi ordenado sacerdote em 1780 e doutorou-se em À extinção imediata dos conventos masculinos seguiu- Cavalaria. Desde essa altura está lá estabelecido o
Coimbra em 1785, onde dirigiu várias cátedras de -se a longa agonia dos femininos, proibidos de seminário menor da Diocese de Évora. Em 1982, o
forma notável. Além disso, foi Prior do Colégio de admitirem novas candidatas e, por isso, extintos à antigo convento agostinho recebeu a visita do Papa
Lisboa, Pregador Real, teólogo ao serviço da Inquisição data da morte da última religiosa. João Paulo II aquando da sua peregrinação ao
de Lisboa, membro da Real Academia das Ciências, Finda a presença da Ordem de Santo Agostinho em santuário nacional de N. Sr.a da Conceição de Vila
professor de Teologia no Seminário de Santarém e Portugal, depois de seis séculos de história, as suas Viçosa, padroeira de Portugal.
inspector dos estudos na Diocese de Lisboa. Em casas continuam ainda de pé, mais ou menos
1818, foi nomeado pelo rei para o cargo de Bispo conservadas e dedicadas a outros usos. O Convento 7. O regresso dos Agostinhos a Portugal.
da Diocese de Castelo Branco, tendo sido transferido, de N. Sr.a da Graça, que tinha sido restaurado em Passaram 140 anos até ao regresso dos Agostinhos
dois anos depois, para a sede episcopal de Évora, 1777 depois do terramoto de Lisboa, conserva, ainda, a Portugal, cuja ausência era muito sentida a nível
onde permaneceu até 1825. Em Évora, no ano de com a igreja, um aspecto majestoso. Quando a da Ordem. A restauração da província foi decidida
1824, foi nomeado Cardeal Presbítero mas, no ano supressão das ordens religiosas foi decretada, a igreja no Capítulo Geral de 1971 e levada a efeito sob a
seguinte, foi transferido para a sé patriarcal de Lisboa, foi confiada às Confrarias de S.ta Cruz e dos Passos orientação do novo Superior Geral, o P.e Theodore
onde morreu em 1840. Foi, ainda, Conselheiro da e posteriormente convertida em igreja paroquial, Tack, que enviou a Portugal os P. es Modesto
Princesa Isabel Maria para o governo do reino e enquanto que as dependências conventuais foram Santamarta e Pedro Mariezcurrena, agostinhos de
Ministro da Justiça. ocupadas por um quartel militar. Espanha, com o objectivo de fundarem uma casa.
No Convento de N. Sr.a da Graça de Torres Vedras, Estes agostinhos estabeleceram-se na cidade da
6. A supressão da província e o destino de alguns o Patriarcado de Lisboa fundara uma escola onde Guarda, onde contactaram com o Bispo desta
dos conventos da Ordem. Chegados aos finais do se ensinava a ler, escrever, contar e a gramática diocese, Mons. Policarpo da Costa Vaz. No dia 19
séc. XVIII, a Ordem detinha 18 conventos de frades latina, com professores pagos pelo Estado. No mesmo de Dezembro de 1972, o superior geral enviava uma
e 3 de freiras e os Agostinhos Descalços possuíam convento existia uma boa biblioteca e nele era petição ao Bispo da Guarda para estabelecer uma
11 conventos de frades e um de freiras. O primeiro realizado um importante trabalho social e prestava- comunidade agostiniana de três religiosos na sua
-se culto ao Beato Gonçalo de Lagos, cujas relíquias diocese, a qual poderia, num primeiro momento,
ainda se conservam na igreja. Hoje, conservam-se encarregar-se de alguma paróquia ou actividade
ainda duas séries de azulejos, representando a apostólica, sendo o seu objectivo fundar um
vida do Beato Gonçalo de Lagos e, outra, a vida de seminário onde pudessem ser acompanhados e
D. Fr. Aleixo de Meneses, que foi Prior deste con- formados futuros candidatos à Ordem. Obtida a
vento. Após os acontecimentos de 1834, a igreja anuência do prelado, os Agostinhos estabeleceram-
dos Agostinhos foi confiada à Irmandade dos Passos. -se na cidade da Guarda logo em 1974, onde
Quanto ao convento, foi vendido à Câmara Municipal trabalharam na Paróquia de S. Vicente, dirigidos
em 1887, que nele colocou diversos serviços sociais, pelo P.e Isaías Alonso. Daí em diante, o provincial
entre eles o do asilo municipal. Em 1984, fizeram- da Província de Espanha seria o elo entre os
-se obras de restauro na igreja e, mais tarde, no agostinhos da nova fundação portuguesa e o superior
convento, onde hoje funciona o Museu Municipal. geral. Como tal, a 8 de Fevereiro do mesmo ano, a
Província de Espanha pedia ao superior geral a
Igreja e Convento de N. Sr.ª da Graça, Évora (PB)
erecção canónica da nova comunidade, que seria
outorgada no dia 25 daquele mês. Este acon-
golpe desferido às ordens religiosas aconteceu em tecimento, tão importante, foi publicado no Boletim
1821, com um decreto que proibia o ingresso de da Província de Espanha n.º 8 (B) do mês de Abril
noviços nas Ordens religiosas e militares. No ano de 1974.
seguinte, um novo decreto reduzia o número de Mas os esforços destes agostinhos não tiveram o
conventos em todas as ordens religiosas. No que êxito esperado. De facto, a fundação na Diocese da
toca aos Agostinhos, estes viram as suas casas Guarda viria a ser apenas provisória pois, durante
reduzidas ao número de sete, assim como os bastantes anos não se ordenara nenhum sacerdote
Agostinhos Descalços, situação apenas colmatada da Ordem. Desejando experimentar outros métodos,
em 1823, com a devolução dos conventos suprimidos e devido à necessidade de continuação de estudos
por ordem do Rei D. João VI. Um outro decreto, dos jovens agostinhos que foram destinados a
Seminário de N. Sr.ª da Graça, Penafirme (FF)
emitido no dia 17 de Maio de 1832, proibia de novo Portugal, decidiram que seria mais proveitoso formar
a entrada de noviços em qualquer Ordem e suprimia uma nova comunidade do que continuar na Guarda.
diversos dos seus conventos. Os Agostinhos O Convento de Penafirme, após um tempo em posse A 14 de Março de 1979, foi pedida ao superior
perderam, em virtude deste decreto, os Conventos de particulares, acabaria por ser consecutivamente geral autorização para encerrar a Casa da Guarda,
de N. Sr.a da Graça, em Angra do Heroísmo, de S. usado como Seminário Menor do Patriarcado, como na expectativa de uma nova fundação em Lisboa,
Tomás de Vila Nova, na vila de Praia, ambos na ilha casa de retiros sob a administração das Servas de na Paróquia de Azambuja. No entanto, este projecto

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

não chegou a ser executado, acabando por ser


confiada aos Agostinhos uma outra paróquia, em
Arruda dos Vinhos, em 1975. Esta foi a segunda
fundação dos Agostinhos em Portugal após o seu
regresso ao país, com duas filiais, as de Arranhó e
Cardosas. A 29 de Julho de 1975, o Cardeal D. António
Ribeiro assinava a nomeação do P.e Fernando Pérez
de los Rios como Pároco de Arruda dos Vinhos e,
no dia seguinte, assinava o acordo entre a Diocese
e a Província de Espanha para a entrega da referida
paróquia.
Capela de N. Sr.ª do Rosario, S.ta Iria de Azóia (RB) Igreja Matriz de S. Domingos de Rana (JMB)

grande empenho e conseguiram algumas vocações Reyes Marzo, Miguel Ángel San Gregorio, Francisco
para o ramo feminino, como Agostinhas de Clausura Xavier Carreras e José Ignacio Izquierdo.
em Talavera de la Reina ou como Agostinhas
Missionárias. Além disso, privilegiaram o trabalho BIBLIOGRAFIA: Impressa: “A Igreja da Graça –
com os jovens das freguesias, procurando entusiasmá- Santarém”, in Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios
-los pela vocação agostiniana, para o que eram e Monumentos Nacionais, n. os 65-66, Lisboa,
criados círculos juvenis e celebradas assembleias de D.G.E.M.N., 1951; “A Igreja de Santa Maria dos
jovens. Todavia, a presença agostinha nestas Anjos”, in Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios
paróquias estava a chegar ao fim. No Capítulo e Monumentos Nacionais, n.º 22, Lisboa, D.G.E.M.N.,
Capela de S. José, Sassoeiros (JMB)
Provincial do mesmo ano, decidia-se que para 1940; ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em
conseguir a restauração da Ordem com vocações Portugal, Nova ed. preparada e dir. por Damião Peres,
Em 1976, aconteceria a terceira fundação dos portuguesas era preferível concentrarem-se numa vols. I-IV, Porto, Portucalense Editora, 1967-1971;
Agostinhos, na Paróquia de Sobral de Monte Agraço. mesma casa todos os agostinhos residentes em ALONSO, Carlos, Os Agostinhos em Portugal, Madrid,
Efectivamente, a 28 de Setembro do mesmo ano, Portugal. Essa casa seria a Paróquia de S.ta Iria de Ediciones Religión y Cultura, 2003; ALONSO, Carlos,
o Patriarca de Lisboa assinava a nomeação do P.e Azóia. Assim, em 1992, foi suprimida a comunidade “Agostinhos”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de
Hipólito Martínez como pároco desta freguesia e de agostinha instalada em Arruda-Sobral. A ideia de História Religiosa de Portugal, vol. A-C, [Lisboa],
duas filiais, S. Quintino e Sapataria. No dia 3 de fundar uma comunidade em S.ta Iria da Azóia surgiu Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História
Outubro, tomou posse da paróquia e iniciou-se o pelo facto de esta localidade se encontrar mais perto Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000,
trabalho pastoral. Assim, no Boletim da Província de Lisboa. Como esta paróquia não tinha casa pp. 27-32; ALONSO, Carlos, Antonio de Gouvea, OSA:
de Dezembro de 1976, as comunidades de Portugal paroquial, foi necessário adquirir uma para albergar Diplomático y Visitador Apostólico en Persia († 1628),
apareciam formadas da seguinte maneira: na Guarda os padres que dela se encarregariam. Essa casa ainda Valladolid, Estudio Agustiniano, 2000; ALONSO, Carlos
estavam os P.es Isaías Alonso e Feliciano Vaz, em hoje pertence à Província de Espanha, situada no (ed.), Bullarium Ordinis Sancti Augustini: Regesta,
Arruda os P.es Eleutério del Dujo e Fernando Perez B.º da Portela de Azóia, no n.º 37 da Av. Serpa Pinto. vols. I (1256-1362), II (1362-1415), III (1417-1492),
e em Sobral os P. es Arturo Carrascal e Hipólito No dia 25 de Julho de 1986, o P.e Félix Aliste era IV (1492-1572), V (1572-1621), VI (1621-1644), VII
Martínez. Em meados de 1977 ocorreu uma nova nomeado Pároco e o P.e Arturo Carrascal Vigário (1644-1669), Roma, Institutum Historicum
alteração da distribuição dos sacerdotes pelas daquela paróquia, cuja tomada de posse ocorreu a Augustinianum, 1997-2002; ALONSO, Carlos, “Escritos
paróquias: na Guarda ficavam os P. es Hipólito 21 de Setembro do mesmo ano. Em 1992, à hagiográficos de Alejo de Meneses, arzobispo de
Martínez, Isaías Alonso e Arturo Carrascal, e em comunidade de S.ta Iria da Azóia juntaram-se os Goa y de Braga († 1617)”, in Analecta Augustiniana,
Arruda e Sobral os P.es Fernando Perez, Eleutério del religiosos que, até então, se encontravam na vol. 59, Roma, Typographia Polyglotta Vaticana,
Dujo e Félix Aliste. Pouco depois entrou para a Comunidade de Arruda-Sobral: os P.es José Manuel 1996, pp. 235-290; ALONSO, Carlos, “Las visitas de
Paróquia de Arruda o P.e Juan del Valle. Em 1978, Morales, Juan Carlos Gutiérrez e Jesús Isidro Labrador. tres priores generales del siglo XVI a la Provincia
o Patriarca de Lisboa ofereceu aos Agostinhos a Os dois últimos receberam do Cardeal Patriarca de Agustina de Portugal”, in Amar, Sentir e Viver a
Paróquia de Barcarena, respondendo ao pedido Lisboa, a 3 de Dezembro de 1992, a nomeação de História: Estudos de Homenagem a Joaquim Veríssimo
destes, que desejavam uma casa em Lisboa ou noutra Vigários Paroquiais. Entretanto, a antiga casa situada Serrão, vol. I, Lisboa, Ed. Colibri, 1995, pp. 275-
cidade universitária onde pudessem estudar. No na Portela da Azóia foi transformada num centro -289; ALONSO, Carlos, “Capítulos provinciales de la
entanto, esta oferta não foi aceite pela Província de juvenil agostiniano, procurava-se concluir a construção provincia de Portugal (1582-1598)”, in Archivo
Espanha. Às Paróquias de Arruda e Sobral viria a da igreja, situada na mesma zona, e introduzir Agustiniano, vol. 78, Madrid, PP. Agustinos, 1994,
juntar-se a de S.ta Iria de Azóia e, em meados de melhorias na igreja e no salão paroquial de S.ta Iria. pp. 3-36; A LONSO , Carlos, Alejo de Meneses,
1983, as comunidades estavam formadas do seguinte Alguns dos padres que citámos davam aulas de Arzobispo de Goa (1595-1612): Estudo Biográfico,
modo: em Arruda e Sobral encontravam-se os P.es Juan Religião e Moral ou de Filosofia, outros assistiam a Valladolid, Estudio Agustiniano, 1992; ALONSO, Carlos,
José Alonso, Eleutério del Dujo, Fernando António aulas em Lisboa e vários conseguiram uma graduação “La fundación del colegio agustiniano de Ntra. Sra.
Fabiani, Juan Carlos Calzada e José Manuel Morales, em Teologia na Universidade Católica de Lisboa. Nos de Gracia de Coimbra (1543-1551)”, in Revista da
e em S.ta Iria de Azóia os P.es Félix Aliste, Arturo últimos anos, a Paróquia de S.ta Iria da Azóia tem Universidade de Coimbra, vol. 36, Coimbra, 1991,
Carrascal e Miguel Ángel Ferrera. recebido novos padres. Actualmente, a comunidade pp. 327-341; ALONSO, Carlos, “Nueva documentación
Nestas paróquias, pertencentes ao Patriarcado de agostinha é constituída pelos P.es Arturo Carrascal inédita para una biografia de Agustín de Castro,
Lisboa, os sacerdotes agostinhos trabalharam com Minguez (Superior), Félix Aliste Mezquita, Luís Xavier OSA, arzobispo de Braga (1588-1609)”, in Analecta

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

Augustiniana, vol. 53, Roma, Typographia Polyglotta (s. XVIII)”, in Analecta Augustiniana, vol. 34, Roma, Dicionário de História de Portugal, vol. I, Porto,
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Agustinos en la Costa Suahili (1598-1698), Valladolid, ALONSO, Carlos, “Nueva documentación inedita sobre Luciano Coelho, “A igreja de Santo Agostinho de
Estudio Agustiniano, 1988; ALONSO, Carlos, “Vida las misiones agustinianas en la India y en Persia Leiria”, in Mundo da Arte, n.º 14, Coimbra,
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48
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS

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instituio em Africa, & seus discipulos introduzirão Provincia de Portugal da Ordem dos Eremitas de S. da sagrada & apostólica ordem canónica, Lisboa,
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(dir.), Dicionário de História da Igreja em Portugal, in Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, Ed. por Arnulfus Hartmann, Roma, Institutum
vol. I, Lisboa, Ed. Resistência, 1980, pp. 69-72; vol. IX, Coimbra, A.U.C, 1987, pp. 269-283; Historicum Augustinianum, 1996-1999; VITERBIENSIS,
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49
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS AGOSTINHOS DESCALÇOS

AGOSTINHOS DESCALÇOS lhe providenciarem a necessária assistência religiosa. Efectivamente, as fundações continuaram a bom
A Congregação de Nossa Senhora da Conceição dos O projecto seria transmitido pela rainha ao Geral da ritmo: em 1671, eram erigidos dois novos conventos,
Agostinhos Descalços, também conhecida apenas ordem, Pedro Lanfranconio, em carta datada de 25 um em Montemor-o-Novo, dedicado a N. Sr.a da
por Agostinhos Descalços ou Grilos, constituiu-se, de Abril de 1663: fundar um convento de religiosas Conceição e patrocinado por D. Fernão Martins
em Portugal, como congregação autónoma, no seio agostinhas “capuchas e descalças”, onde também Marcarenhas, e outro em Estremoz, numa igreja que
da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, ligados ela se pudesse recolher, directamente dependente pertencera a Religiosas de Santa Clara, colocado
à iniciativa da Rainha D. Luísa Francisca de Gusmão do Geral dos Agostinhos. Aos seus intentos associava sob a invocação de N. Sr.a da Consolação; em Lisboa,
e ao empenho do seu confessor, o P.e Fr. Manuel da explicitamente o seu confessor, o P.e Fr. Manuel da instalar-se-iam, em 1674, no Convento da Boa Hora
Conceição, que a mesma desde cedo associaria à Conceição, escolhido para vigário da nova comu- e, no ano seguinte, lograriam erigir uma nova casa
direcção das primeiras casas agostinhas de vida nidade, e o P. e Fr. Bartolomeu de Santa Maria, no lugar de Rolão, dedicada a N. Sr.a das Neves
reformada. Tal como em outros países, onde diversos proposto como confessor das monjas, determinando- (Arruda dos Vinhos). Ainda antes da morte do
movimentos de reforma, vividos no interior da ordem, -se que também eles ingressassem no novo modo Fundador, registar-se-iam outras fundações em Porto
haviam conduzido, ao longo dos sécs. XV e XVI, à de vida descalço. Para tal, não só cedia o seu palácio, de Mós (1676), Sobreda (1677) e Monsaraz (1679).
multiplicação de comunidades adeptas de uma mais sito em Xabregas, para aí edificar o novo convento, Em 1683, os Descalços já possuíam 11 conventos e
estrita observância da Regra, com soluções dedicado a Nossa Senhora, como se dispunha a 3 hospícios, onde viviam cerca de 152 religiosos,
institucionais diversas – desde a autonomia sob a patrocinar uma outra fundação, ligada a esta, onde dos quais 60 eram sacerdotes, 40 era noviços, 37
direcção do Geral da ordem, como os recolectos de se instalassem os frades agostinhos dispostos a eram irmãos leigos e 15 eram clérigos estudantes.
Espanha, à constituição de ordens autónomas, como enveredar pela vida descalça, sob a direcção de Fr. A partir desta data, verificaram-se outras fundações,
aconteceria com os eremitas descalços de Itália e Manuel da Conceição. em Portalegre (1683), Loulé (1695), Setúbal (1695),
Alemanha – também em Portugal, ultrapassado o Os intentos da rainha seriam plenamente acolhidos Mora (1711), Grândola (1727), Coimbra (um colégio,
ímpeto reformador do séc. XVI conduzido sob a pelo Geral dos Agostinhos, que autorizaria ambas 1727), Porto (1745), Malhada Sorda (Vilar Maior, na
direcção dos P.es Fr. Luís de Montoya e Fr. Francisco as fundações, colocando-as directamente sob a sua Diocese de Lamego, 1746) e Lisboa (Colégio de S.ta
de Villafranca, se avivaram as pretensões de introduzir autoridade, designando ainda ambos os padres Rita, 1748).
uma mais estrita observância no interior da ordem. agostinhos para os cargos de Vigário e Confessor
Já no início do séc. XVII, D. Fr. Aleixo de Meneses, da comunidade agostinha. Deste modo, ainda em
o ilustre agostinho que governou a Diocese de Goa 1663, a rainha ratificaria o instrumento de fundação
(1595-1612) e posteriormente o Arcebispado do convento feminino, para o qual obteria diversas
bracarense (1612-1617), manifestava a sua simpatia religiosas vindas do mosteiro agostinho de S. ta
pelos recolectos espanhóis e expressava o desejo de Mónica (Lisboa), lideradas por Soror Maria da
fundar novos conventos da observância em Portugal. Apresentação. O convento masculino de N. Sr.a da
Conceição do Monte Olivete foi autorizado pelo
Geral da ordem em 1664 e, dois anos depois, o
próprio D. Afonso VI presidia ao lançamento da
primeira pedra do complexo conventual. Edificado
também em Xabregas, no sítio chamado do Grilo –
razão pelo qual os Frades Agostinhos Descalços
seriam também designados por “Grilos” –, o cenóbio
era governado pelo P.e Fr. Manuel da Conceição,
que dirigiria os destinos dos Frades Descalços até à
sua morte, ocorrida em 1682. Para este convento,
ingressaram diversos frades do Convento da Graça,
nomeadamente Fr. Bartolomeu de Santa Maria, Fr.
Domingos da Madre de Deus e Fr. Inácio dos Anjos,
além do já mencionado P.e Manuel da Conceição,
Igreja da Boa Hora, Setúbal (DB)
primeiro Prelado do convento.
Durante o governo deste último, multiplicar-se-iam
as fundações de novos conventos agostinhos Tal como os Agostinhos, também os seus congé-
descalços, na sequência do desejo expresso da Rainha neres Descalços desenvolveram uma importante
D. Luísa, a que o Rei D. Afonso VI (1643-1683) daria actividade missionária. Com efeito, não só esten-
pleno cumprimento, protegendo e patrocinando a deriam as suas fundações à ilha de S. Tomé (1691)
erecção de novas casas. Assim, ao Convento de e à Bahia, no Brasil (1693), como das suas fileiras
Igreja dos Grilos, Porto (FF) Monte Olivete seguiram-se, nos anos subsequentes, se recrutariam importantes figuras escolhidas para
a fundação do Colégio de Santarém (1668) e dos o governo de algumas das dioceses ultramarinas.
Contudo, tais pretensões não teriam sequência, Conventos de N. Sr.a da Assunção da Caparica (1668) Tal foi o caso de S. Tomé, onde a Congregação teve
sendo necessário esperar quase meio século para e de N. Sr.a das Mercês, em Évora (1669). D. Afonso sete bispos, entre 1699 e 1812: António da Penha
que a Rainha D. Luísa de Gusmão (1613-1666), após VI, por Alvará de 21 de Fevereiro de 1669, dava de França (1699-1702), João de Sahagún (1709-
o abandono da regência do reino, viesse a concretizar entretanto licença para que os Agostinhos Descalços -1730), Leandro da Piedade (1738-1740), Luís da
o seu projecto de fundar um convento de monjas fundassem seis conventos, de modo a poderem Conceição (1742-1744), Luís das Chagas (1745-
agostinhas de rigorosa observância, ao qual associaria constituir província e, a 11 de Abril do mesmo ano, -1758), Vicente do Espírito Santo (1779-1782) e
um convento de frades igualmente descalços para tomava a mesma província sob a sua protecção. Custódio de Santana (1805-1812).

50
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS APÓSTOLOS DE SANTA MARIA

Desde as primeiras fundações, a congregação 1979, pp. 260-273; B ARBAGALLO , I., “Agostiniani com acompanhamento da mesma orquestra e
portuguesa dos Agostinhos Descalços dependeu Scalzi”, in Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca (dirs.), participação de António Chainho em guitarra, incluía
directamente do Geral da Ordem de Santo Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. I, Roma, temas como “No céu, no céu”, “Nome Dulcíssimo”,
Agostinho, tendo sido logradas as tentativas, Ed. Paoline, 1974, cols. 404-415; C ASTRO , João “Jesus, eu amo-Te”, entre outros.
documentadas ainda em vida do P. e Manuel da Baptista de, Mappa de Portugal Antigo, e Moderno, Em 2003, Fr. Hermano lança o CD Vivo d’ Arte Vivo
Conceição, quer para se associarem aos recolectos 2.a ed., t. II, Lisboa, Na Officina Patriarcal de Francisco d’ Amor. É um disco repleto da espiritualidade e da
espanhóis, quer para se colocarem sob o governo Luiz Ameno, 1763, pp. 54-55; L OPEZ , Agustino alegria que sempre o caracterizaram, tendo inclusive
do Geral dos descalços italianos. Face à rápida Saturnino, “Los orígenes de los Agustinos Descalzos um tema pessoal de homenagem ao Papa João Paulo
expansão dos Agostinhos Descalços nas primeiras en Portugal”, in Archivo Agustiniano, vol. 55, Madrid, II – “Amar é dar a Vida”.
décadas após a fundação dos Conventos de PP. Agustinos, 1961, pp. 229-253; MADAHIL, A. G. Cantar É Rezar, de 2006, é o nome do disco que
Xabregas, em larga medida fruto da protecção régia da Rocha, “A crónica inédita da Congregação dos marca o fim da sua carreira artística, de cerca de
que desde cedo lhes fora assegurada, a Congregação Agostinhos Descalços”, in Biblos, Coimbra, Faculdade 50 anos. As orquestrações e direcção musical ficaram
acabaria por ser reconhecida como Congregação de Letras, vol. 12, 1936, pp. 455-469/vol. 13, 1937, a cargo do maestro José Marinho. Participa neste
independente a 8 de Fevereiro de 1675 por Clemente pp. 215-254; NOGUEIRA , José Artur Anes Duarte, disco, enquanto compositor, Paco Bandeira, nos
X e dividida em duas províncias, Estremadura e “Malhada Sorda – Notas acerca do Convento dos temas “Poetas Sonhadores” e “Sina Cigana”.
Alentejo-Algarve, às quais, mais tarde, se juntou Agostinhos Descalços”, in Beira Alta, vol. XXXVI, A par de um fulgurante percurso artístico, Fr.
uma terceira, a da Beira. A Congregação era Viseu, Junta Distrital de Viseu, 1977, pp. 321-335; Hermano da Câmara acalentava o sonho de criar
governada por um Vigário Geral, que detinha os SALAZAR, J. A., “Agostiniani Recolletti”, in Guerrino um projecto que (de acordo com um princípio
mesmos privilégios concedidos aos Agostinhos. Pellicia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti expresso por S. Tomás de Aquino) a uma vertente
A par com o registado com outras ordens e di Perfezione, vol. I, Roma, Ed. Paoline, 1974, cols. contemplativa, baseada na oração, se aliasse uma
congregações, os Agostinhos Descalços foram 387-404. Digital: www.agencia.ecclesia.pt. outra, de acção, que tivesse no apostolado pela
também duramente afectados pela legislação que, música o meio por excelência para ajudar os padres
desde finais do séc. XVIII, procurava reforçar a CRISTIANA LUCAS SILVA nas paróquias e contribuir para a acção social levada
intervenção do Estado sobre a vida das comunidades JOÃO LUÍS INGLÊS FONTES a cabo pela Igreja Católica. Os Apóstolos de Santa
religiosas. Assim, em 1821, foi proibido o ingresso Maria figuram, assim, como a corporização desse
de novos candidatos nas ordens religiosas e militares projecto.
e, no ano seguinte, um decreto reduzia o número APÓSTOLOS DE SANTA MARIA
de conventos em todas as ordens, restringindo os A Comunidade dos Apóstolos de Santa Maria,
Agostinhos Descalços a apenas sete casas. Em 1823, também conhecida por Arautos da Misericórdia
D. João VI devolveu às ordens os bens que lhes Divina, foi fundada a 1 de Outubro de 1988, por
tinham sido confiscados no ano anterior. Todavia, Fr. Hermano da Câmara, em Braga. Tendo começado
um decreto, emitido a 17 de Maio de 1833, voltava a funcionar oficialmente no Prado S. Miguel, a
a proibir a entrada de noviços em qualquer ordem fundação transferiu-se, cerca de um ano depois,
e a reduzir o número de conventos. Após o triunfo para a Casa da Imaculada Conceição, no Sameiro.
dos Liberais, em 1834, foi ordenada a extinção de Hermano Vasco Vilar Cabral da Câmara, de nome
todas as ordens religiosas masculinas por decreto artístico Fr. Hermano da Câmara, nasceu em Lisboa,
de Joaquim António de Aguiar, emitido a 28 de a 12 de Julho de 1933. Ligado ao fado e à guitarra
Maio. Os Agostinhos Descalços, exclaustrados, foram por tradição familiar, gravou o primeiro disco em
distribuídos pelas diversas dioceses e os bens das 1955. Aos 27 anos, tornou-se monge beneditino,
suas casas confiscados e integrados no património ingressando no Mosteiro de Singeverga, onde viveu
estatal. O seu único convento de freiras continuou até 1983. Data desta época o famoso Fado da
abrangido pelo Decreto de 1833, que proibia a Despedida. Com o seu timbre peculiar, ele encarna
entrada de noviças, pelo que não tardou a extinguir- a vedeta da canção de tipo místico. Nos anos 70,
-se o ramo feminino da Congregação, após pouco o Nazareno, obra musical inspirada no Evangelho e
mais de século e meio de vida. apoiada em vários poetas portugueses, com
transcrição, arranjos, direcção de orquestra e coros
BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LMEIDA , Fortunato de, de Jorge Machado, teve muitas representações e
N. Sr.ª Aurora da Nova Humanidade, Igreja de Queijas (PCC)
História da Igreja em Portugal, Nova ed. preparada vendeu numerosos discos. Granjearam igualmente
e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, sucesso os discos Deus é Música e Totus Tuus
Livraria Civilização Editora, 1968, pp. 195-196; (serenata mística a Nossa Senhora). Trata-se de um edifício espiritual em que o primado
ALONSO, Carlos, Os Agostinhos em Portugal, Madrid, Fr. Hermano deu espectáculos no Teatro Tivoli (1969), da misericórdia divina e a confiança filial são os
Ediciones Religión y Cultura, 2003, pp. 128-129; o primeiro recital em público depois da entrada no temas dominantes. Inserido no âmbito da Nova
ALONSO, Carlos, “Agostinhos”, in C. M. Azevedo Mosteiro de Singeverga, no Teatro de S. Luís (1977), Evangelização, o apostolado através da música
(dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, acompanhado pela Orquestra da Radiodifusão apresenta-se como forma peculiar, mas que procura
vol. A-C, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Portuguesa, no Teatro Maria Matos (1980), no Coliseu ir ao encontro das características do tempo actual,
Estudos de História Religiosa da Universidade Católica dos Recreios (1986), no Coliseu do Porto (1988) e de anunciar a Palavra de Deus. Com efeito, a própria
Portuguesa, 2000, p. 31; ALONSO, Carlos, “Alejo de na Expo 98. Em 1994, no topo de vendas disco- Igreja reconhece plenamente que a música é, nos
Meneses, O.S.A., Arzobispo de Goa y de Braga († gráficas encontrava-se Missa Portuguesa, editado tempos que correm, o veículo mais potente para
1617), amigo de los Agustinos Recolectos”, in pela Movieplay, com acompanhamento da London tornar Jesus mais conhecido e amado. O sinal
Recollectio, vol. 2, Roma, PP. Agostiniani Recolletti, Philarmonic Orchestra. Em 1997, Um Astro de Luz, distintivo desta Comunidade é a devoção à Santíssima

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

Virgem. Ser Apóstolo de Santa Maria implica, pois, cap. 1.º). Ainda em vida do Fundador, a Ordem Duque de Bragança, D. Jaime. De tal modo se
uma vida que seja orientada pela Mãe do Verbo Franciscana fora capaz de absorver alguns grupos empenharam na organização comunitária e na
Encarnado e ser-se arauto das maravilhas que Deus de zelotas, extravagantes ou transviados, relaxados, fundação de conventos, que, em 1518, foram erectos
n’Ela operou, ao jeito dos primeiros apóstolos, aqueles sem Regra própria, mas possessos de vocação mística em província autónoma, separada da Província de
que acompanharam Cristo. (Irmãos da Pobreza, Espirituais, Fraticelli, Giróvagos Castela, e denominada Província da Piedade, que
Relativamente a hábitos, a vida diária dos Apóstolos Mendicantes, etc.), mas esta junção raramente cresceu até fins do séc. XVII. Com efeito, em 1673
de Santa Maria caracteriza-se pela procura de uma conseguiu unicidade de pontos de vista e, na Idade a Província da Piedade desmembrou-se e deu origem
verdadeira ascese, aceite com espírito sobrenatural Média, foram várias as tentativas de reforma, em a outra, a Província da Soledade.
e para a qual concorrem o silêncio da cela, a geral apostadas na restituição do franciscanismo às Entretanto, a par deste movimento, outro iria surgir,
sobriedade no comer, no vestir e no dormir e a origens evangélicas, com abandono das práticas activado por Fr. Martinho de Santa Maria (m. 1546),
libertação de usos escravizantes, tais como bebidas sociais e dos privilégios conquistados pela Ordem. da província franciscana de Cartagena. Ele
alcoólicas, televisão e outros passatempos mundanos. No séc. XVI, face aos reformismos oriundos de norte acompanhara, em Itália, a reforma capuchinha e
Além disso, são firmes as opções da Comunidade e, também, a uma sociedade cada vez mais quis adaptá-la a Castela. Um dia, tendo-se
relativamente a leituras e meios audiovisuais. urbanizada e imersa no temporalismo, verificaram- encontrado no Mosteiro de Guadalupe com o Duque
Os Apóstolos de Santa Maria são convidados várias -se diversos movimentos de descalcez, ou de resti- de Aveiro, D. João de Lencastre, manifestou o desejo
vezes ao dia para louvar a Deus, participando, tuição das ordens à alma mater das Regras. de um reformismo eremitista. O duque ofereceu-
diariamente, na celebração da Eucaristia, da Liturgia A descalcez motivou ordens como as dos -lhe, então, um campo que possuía na serra da
das Horas, e da Lectio Divina. Há também um tempo Agostinhos, dos Carmelitas e, também, dos Arrábida para, aí, estabelecer um eremitério. Fr.
reservado para a oração privada, que deve ser Franciscanos. Na Itália, Mateus de Bascio iniciara, Martinho aceitou a oferta, pelo que o duque escreveu
praticada com frequência e fervor, num clima de em 1525, uma reforma da Primeira Ordem, que veio (23.02.1539) ao Padre Geral dos Franciscanos,
silêncio, para que se possa escutar a voz de Deus. a constituir a terceira família franciscana, vulgarmente solicitando que permitisse a Fr. Martinho transferir-
Mas há também, naturalmente, tempo para actos nominada de Capuchinhos (em Portugal, também -se para a Arrábida, onde viveu desde esse ano,
comunitários, que incluem recreios que muito ditos Barbadinhos), por usarem um capuz depois de o padre geral ter procedido à instituição
favorecem a união fraterna e o interesse da pontiagudo, ou por usarem barbas. canónica do Convento e da Custódia (divisão
comunidade em relação a aspectos que lhe estão Na Península Ibérica, conhecidos por Franciscanos administrativa) da Arrábida – Ordem dos Frades
relacionados. Nos curtos períodos de lazer de que Descalços e Alcantarinos, os frades iniciaram a Menores Capuchos da Serra da Arrábida. Fr. Martinho
esta comunidade dispõe, realizam-se, de vez em reforma nos finais do séc. XV, sendo o movimento foi nomeado primeiro Custódio pelo Geral Fr. João
quando, jogos de futebol e de voleibol, forma de orientado por Fr. João de Guadalupe (m. 1503), Calvo, no ano de 1542.
aliviar a tensão acumulada devido a uma vida fundador da Custódia do S.to Evangelho na Província Em 1541, juntaram-se a Fr. Martinho duas outras
intelectual muito intensa. da Estremadura (Castela) e por Fr. Pedro de Alcântara. personalidades históricas: Pedro de Alcântara (depois
No que à missão social por parte destes apóstolos canonizado) e Fr. João de Aguila, ambos castelhanos,
diz respeito, à semelhança de Jesus, que dedicou além de portugueses como Diogo de Lisboa e
especial atenção aos mais pequenos e aos humildes, Francisco Pedraíta.
também eles procuram promover os pobres e No percurso temporal do Instituto, podemos
necessitados, os analfabetos e os marginalizados identificar três fases: a fundacional (1539-1545), a
pela sociedade. fase de expansão e consolidação (1545-c.1700) e a
fase da decadência (1700-1834). A custódia foi
BIBLIOGRAFIA: AA.VV., Frei Hermano da Câmara, o criada província (1560) pelo Breve Sicut aliquando
Monge Cantor, Lisboa, Edições Inapa/Neptuno, 2000; exposit, do Papa Pio IV. Os primórdios foram algo
WESTWOOD, P.e Nuno (compil.), Apóstolos de Santa perturbados. A custódia ficara um tanto sujeita à
Maria: Arautos da Misericórdia Divina/Frei Hermano Província dos Algarves, no tempo em que era
da Câmara, Lisboa, Neptuno, 1998. Provincial Fr. André da Ínsua, frade desafecto aos
reformismos e que, por isso, procurou contrariar a
RICARDO DUARTE GONÇALVES nova Ordem Arrábida, nomeando, em 1545, pouco
antes da morte do Fundador, um custódio da sua
confiança. De resto, a nova custódia carecia de um
ARRÁBIDOS Estatuto, o qual, entretanto, fora redigido por Fr.
O nome Arrábidos é atribuído a um ramo dos Pedro de Alcântara, personalidade chave desta fase,
Franciscanos Reformados (Capuchos) da Província como educador de noviços, arquitecto de novos
da (Serra) Arrábida. A Ordem dos Frades Menores conventos e orientador da vida ascética e da
(Franciscanos) viveu desde cedo o pluralismo de espiritualidade dos frades eremitas. Melhores dias
vocações e de tensões, resultantes do modo de vieram quando Fr. André da Ínsua foi eleito Geral
interpretar a Regra dada por S. Francisco. A par de dos Franciscanos (1547-1553) e saiu para Roma.
S. Pedro de Alcântara, Convento da Madre de Deus
um realismo pragmático, ocorreram diversas formas A rede conventual cresceu a olhos vistos, centrada
da Verderena, Barreiro (SMA)
de literalismo, propondo uma vivência rigorosíssima na região da Estremadura portuguesa (da mesma
da Regra, vivência essa sem contemplações nem forma que sucedera na Estremadura castelhana),
mitigações, sobretudo no que respeita à posse de O movimento provocou discordâncias e dissenções entre Setúbal e Leiria, constituindo-se como uma
bens, uma vez que S. Francisco fora transparente: na Primeira Ordem, pelo que os descalços foram Congregação de geografia estremenha, apesar de
“Observar o santo Evangelho, vivendo em obediência, vítimas de perseguição, o que levou alguns frades Lisboa estar ocupada pela Província de S.to António
sem nada de próprio e em castidade” (2.a Regra, a procurar refúgio em Portugal, sob a protecção do (restos ainda no Hospital de S. to António dos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

Capuchos, antigo Convento de S. to António). de S.ta Catarina de Ribamar foi fundado em 1553,
A sede da província passou da Arrábida para o junto de uma ermida daquela invocação, pela Infanta
Convento de S. Pedro de Alcântara e, depois, para D. Isabel. Mais tarde passou a propriedade de
Mafra. A província tinha um Provincial, com dois D. Fernando Palha. Situado um pouco acima de S. José
Conselheiros, cada convento possuía um Guardião, de Ribamar, era considerado um “verdadeiro ninho
cada hospício um Presidente, o Noviciado um Mestre de açor”. A ponte da Cruz Quebrada, sobre o rio
e os estudos um Director. Periodicamente, reuniam- Jamor, foi construída sob a orientação de Fr. Rodrigo
-se em Capítulo Provincial. de Deos, autor do muito lido Tratado dos Passos
Na família dos Capuchos há várias custódias (S.to que se Andam na Quaresma e Motivos Espirituaes
António, Conceição, Piedade, Soledade e Arrábida), (1618), obra muito editada e lida. Em Santarém, no
pelo que nem sempre o inventário de casas é Vale de Figueira, foi fundado, em 1556, o Convento
coerente nas fontes documentais. Dos Arrábidos de S. ta Maria de Jesus. Inicialmente, o convento
Convento da Arrábida, Setúbal (SMA)
tanto se diz terem fundado 20 como 23 ou 26 funcionava numa quinta, propriedade do poeta e
conventos, sem considerar os hospícios que, em espiritualista D. Manuel de Portugal (m. 1606).
1834, seriam apenas três, dos nove fundados até a Na sequência das diligências do Duque D. João de Todavia, o local não foi do agrado dos habitantes.
essa data. No Dicionário de História Religiosa de Lencastre, para que Fr. Martinho de Santa Maria A casa conventual era pequena, comportava poucos
Portugal (vol. C-I, p. 276), a redacção pode induzir fundasse, num campo que o duque possuía na serra, frades e, por isso, o filho de D. Manuel, D. Henrique,
que os Arrábidos tiveram mais, incluindo em Coimbra. uma comunidade monástica, Fr. Martinho tomou fez um novo convento com uma igreja, tendo a obra
De facto, o número indicado naquela obra abrange posse do campo e da ermida (29.09.1539) e, com ficado concluída em 1627. Em 1623, ainda existia
os conventos de todos os ramos franciscanos. outro companheiro, fez da ermida a cela. O duo o velho a par do novo. Os fundadores acham-se
O movimento demográfico assentou na constituição inicial cresceu e deu-se início à construção do sepultados na mencionada igreja, que não deve ser
de pequenas comunidades auto-suficientes (na ideia convento, terminada pouco depois, em 1542, confundida com a existente Igreja de S. Domingos.
de Pedro de Alcântara, cada convento só deveria conforme inscrição na entrada do Convento – In O Convento de N. Sr.a da Piedade foi fundado em
ter oito frades), tendo havido um crescendo durante hoc barbarico monte/et sancto loco, propriedade da 1558, na Caparica, Almada, situado num “miradouro
o séc. XVII, uma forte expansão no séc. XVIII (Mafra Sancta Religionis Capucinorum de Arrábida. Com o maravilhoso”, num local onde já haviam habitado
chegou a ultrapassar as duas centenas de habitantes) aumento do número de monges, a comunidade (séc. XV) os Frades Paulistas de Nossa Senhora da
e um progressivo ermamento desde o terramoto de obrigou-se a dispor de celas (ermidas) para cada um Rosa. O padroeiro foi D. Lourenço Pires de Távora,
1755, até à supressão das ordens em 1834. Ordem deles, existindo já cinco celas cubiculares em 1542,
situada na órbita de influência de Lisboa, as suas separadas umas das outras. Cada cubículo só tinha
casas sofrem muitos danos no terramoto, com difíceis espaço para um residente. Casa-Mãe, nela iniciaram
condições de reconstrução. Também as condições ou desenvolveram a carreira monástica as principais
sociais das Invasões Francesas dificultaram a figuras da Ordem em Portugal. Lê-se ainda com
serenidade eremítica, ainda mais perturbada com a agrado, apesar de a serra ser considerada “barbárico/
guerra entre Liberalismo e Legitimismo. Receosos monte”, a Descripçam da Arrábida, do arrábido
de terem de aceitar as imposições régias caso os madeirense Fr. Inácio Monteiro, do séc. XVII, uma
Liberais tivessem a vitória, logo em 1833, imitando obra de estética barroca. Após a supressão, a
outras comunidades religiosas (cartuxos de Laveiras, propriedade e o complexo conventual devieram
cistercienses de Alcobaça, entre outros), abandonaram propriedade da família dos Duques de Palmela.
as fundações mais próximas da capital, incluindo a Integrados no Parque Nacional da Serra da Arrábida,
de Mafra. Em 1822, as Cortes decretaram a redução como bens de interesse público (Decreto n.º 129/77
do número de religiosos, pelo que os Arrábidos de 29 de Julho de 1977), vieram a ser adquiridos
foram obrigados a reduzir o número de casas, pela Fundação Oriente, que ali tem levado a efeito
incluindo os hospícios, para 25, com um total de diversas iniciativas de carácter cultural.
318 professores (média de 12 por casa), sem criados Outros conventos e hospícios foram fundados. Em
e sem leigos Salvaterra de Magos, o Convento de N. Sr. a da
Eram relativamente poucos os frades em 1834. Uns, Piedade, onde se venerou uma relíquia de S. Baco,
os apenas frades, voltaram ao seio das famílias, foi fundado em 1542, pelo padroeiro Infante D. Luís.
enveredando por diversas profissões; outros, O Convento de N. Sr. a dos Prazeres, em Palhais
sacerdotes, viveram como egressos, ou aderiram ao (actual Concelho do Barreiro), foi fundado em
Convento dos Capuchos, Costa da Caparica (SMA)
clero secular, ou, por volta de 1840, tornaram-se 1542, sendo seu padroeiro o Conde da Vidigueira,
pregadores das “missões populares”. D. Francisco da Gama. A traça do convento foi
Virada ao mar, numa ladeira belíssima, estabeleceu- desenhada por Pedro de Alcântara, que deu o nome que levou as obras a efeito entre 1618 e 1630,
-se a primeira fundação do novo ramo franciscano ao poço aberto na cerca conventual. Teve alguma tendo jazida na igreja conventual. Segundo alguns
em território português, junto de uma ermida da projecção na Ordem, em virtude da presença de autores, o convento só seria habitado a partir de
invocação da N. Sr. a da Arrábida, na serra da Pedro de Alcântara, chegando a ser, em 1560, sede 1564, achando-se em ruínas à data da supressão
Arrábida, Setúbal – o Convento de S.ta Maria da da Província da Arrábida. Em Almada, D. Lourenço das ordens religiosas. Adquirido, então, por Virgílio
Arrábida, fundado em 1539. Na raiz da serra exis- de Sousa fundou, em 1550, o Convento de N. Sr.a Alves Xavier, veio a ser incorporado no património
tia, e ainda existe, uma caverna, a Lapa de S. ta da Conceição, o qual, por ser pequeno e de pobre municipal de Almada (1950) e sujeito a restauração,
Margarida, que teria sido protegida por um grupo economia, levou a que os frades se mudassem para tendo a igreja sido reaberta ao culto em 1952.
de frades crúzios que antes lá tinham habitado. o que, depois, foi fundado na Caparica. O Convento O Convento de S. José de Ribamar, em Carnaxide

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

(Oeiras) foi fundado em 1559, pelos padroeiros Congregação do Bom Pastor, obra de recuperação ordens religiosas, veio a ser adquirido por D. Luís
D. Francisco de Gusmão e sua mulher, D. Joana de de raparigas, que foram conhecidas por “Angelinas” Atouguia, que o doou à Misericórdia, juntamente
Blasbett, aia da Infanta D. Maria e situa-se a um em razão de a casa ter N. Sr.a dos Anjos por padroeira com um notável silhar de azulejos barrocos, que
quarto de légua de S.ta Catarina de Ribamar, junto (O Portugal Antigo e Moderno, vol. 9, diz que a estão bem conservados. Em Verderena, localidade
à foz do rio Tejo. Há autores que consideram ser casa foi comprada pelos Lazaristas, decerto por situada entre Barreiro e Lavradio, foi fundado o
esta a quarta fundação arrábida, cujas instalações ignorância de que Rademaker, ali dado como Convento de Madre de Deus, em 1591, por
receberam benefícios em 1595. A igreja conventual, fundador do Seminário do Barro, era, não lazarista, D. Francisca de Azambuja, viúva de Álvaro Mendes
com sepulturas de gente ilustre da nobreza, era mas jesuíta). Em 1573, foi fundado o Convento do de Vasconcelos. O Convento de N. Sr.a da Boa Viagem
considerada rica. Lá repousam os restos mortais de Divino Espírito Santo, na Mealhada, Loures. Eleito
D. Francisco Manuel de Melo. Os frades tinham o Provincial no tempo do Cardeal D. Henrique, Fr.
privilégio de serem os primeiros autorizados a pedir Baltasar das Chagas agradou-se muito de uma
esmolas e dispunham de um bote para transporte vertente, virada a oriente, junto da então localidade
no rio Tejo. O convento foi vendido, em 1869, a rural de Loures, com bonita vista sobre as marinhas
Eduardo Augusto da Silva Cabral, segundo Conde ou salinas que se faziam na veiga de Frielas, onde
de Cabral. Em 1560, foi erguido no local mais chegavam as marés do Tejo. Obteve o patrocínio de
escondido da Serra de Sintra o Convento de Santa D. Luís de Castro do Rio, fidalgo da casa real (jaz,
Cruz, tendo como padroeiro D. Álvaro de Castro, com sua mãe, na capela-mor da igreja conventual),
filho de D. João de Castro e Vedor da Fazenda de tendo-se lançado a primeira pedra em 1573 e
D. Sebastião. A igreja foi construída, aproveitando procedido à restauração em 1646. O mesmo D. Luís
o côncavo de uma grande lapa, num sítio húmido. doou aos Agostinhos Descalços o Convento da
Para evitarem deslocações dos doentes a Lisboa, os Boa Hora, no Chiado, Lisboa. O Convento do Divino
frades criaram um pequeno hospício na vila de Espírito Santo recebia muitas esmolas, sendo lugar Convento da Madre de Deus da Verderena, Barreiro (AJ)
Cascais. Em Liteiros, Torres Novas, foi fundado o de peregrinação dos peixeiros de Alcântara, que se
Convento de N. Sr. a do Egipto, em 1561, por deslocavam com frequência à Mealhada à compra
D. João de Lencastre. Porém, este lugar da freguesia de sal. A capela é muito bonita, tendo um foi fundado por António Faleiro de Abreu, em 1618,
torrejana de S.ta Maria não agradou aos religiosos, esplendoroso retábulo do Pentecostes do pintor tendo a sua construção sido concluída em 1622.
pelo que o convento viria a ser refundado noutro Bento da Silveira, e outras obras de arte. A partir Inicialmente chamou-se de S.ta Catarina-a-Nova, por
local, com o título de S.to António, em 1590. O de 1728, as casas anexas serviram de hospício à justaposição a S.ta Catarina de Ribamar. A Ordem
Convento de S.ta Maria, em Chaqueda (ou Xaqueda), Ordem Terceira de São Francisco de Loures. A seguir disputou com a Cartuxa a posse da Q. ta de
Aljubarrota, foi fundado, em 1566, pelo Cardeal D. a 1834, o conjunto, vulgo, conventinho foi Laveiras, mas perdeu o processo a favor daquela,
Henrique, junto de uma ermida dedicada a S.ta propriedade do Conde de Tomar, do Marquês de que não tinha ermo perto de Lisboa, enquanto que
Maria Madalena. O convento foi habitado até 1610, Sagres e de Joseph Gellweiler. Adquirido pelo os Arrábidos possuíam diversas casas. O Convento
data a partir da qual a comunidade se transferiu Município de Loures, todo o conjunto (convento, de S.to António, em Leiria, foi fundado, em 1651,
para Chaqueda, ou Casais de Xaqueda, de onde o cerca e igreja) tem beneficiado de grandes obras de por Pedro Vieira da Silva (que seguiu o sacerdócio,
nome popular de Frades da Xaqueda. Também pelo restauro, nele se instalando o Museu Municipal, sendo ordenado Presbítero e eleito Bispo) e D. Leonor
Cardeal D. Henrique foi fundado o Convento de S. embora à volta surjam urbanizações que tendem a de Noronha. Compulsivamente abandonado, em
Miguel, em Gaeiras, Óbidos, em 1569. O convento esconder o venerável edifício. O Convento de N. Sr.a 1834, seria utilizado, desde 1864, como Hospital
encontrava-se, inicialmente, localizado no Arelho, da Conceição, em Alferrara, Palmela, foi construído, Militar. Na igreja conventual, ainda existente e con-
mas os frades consideravam o sítio inóspito e, em 1578, entre as vilas de Palmela e Setúbal, por siderada imóvel de interesse público (Decreto n.º
protestando por causa do frio, requereram um “lugar obra do padroeiro D. Estêvão da Gama, que o fundou 28/82 de 26 de Fevereiro de 1982), salientam-se a
mais salutífero”. Ao desejo acorreram novos com a ajuda dos freires da Ordem de Cristo. Em fachada barroca e o claustro conventual. Em Lisboa,
padroeiros (D. Dinis de Lencastre e mulher, D. Isabel 1584, foi fundado o Convento de N. Sr. a da no Bairro Alto, foi fundado o Convento de S. Pedro
Henriques), que criaram nova casa na sua Q. ta Conceição, na Póvoa de S.ta Iria, Vila Franca de Xira, de Alcântara, em 1672. Como a província desejasse
de Gaeiras (ou Caeiras), vulgarmente dita Q. ta pelos Condes de Pombeiro, numa ermida antes um convento na capital, um benemérito, D. Pedro
dos Freires, em 1601, a qual possuía uma fonte ocupada pelos Jerónimos. O convento, em ruínas, Coutinho, ofereceu um lugar. Contudo, o primeiro
termal. Em Torres Vedras foi fundado o Convento foi reedificado em 1672, por iniciativa de D. Pedro Marquês de Marialva, D. António Luís de Meneses,
de N. Sr.a dos Anjos, em 1570. Fundado na Freguesia de Castelo Branco. Em Santarém, foi fundado o ofereceu um campo e uma ermida, situados acima
de S. Pedro, no sítio do Barro, um lugar solitário em Convento de S. João Baptista (ou do Pereiro), em da casa jesuíta de S. Roque, a caminho do Noviciado
vale profundo e “pouco divertido” segundo um 1590, por D. Catarina de Bragança e D. João de jesuíta da Cotovia (Escola Politécnica) que os
cronista, teve o padroado de Infanta D. Maria, filha Lencastre, no sítio de S.ta Catarina dos Olivais, junto Arrábidos preferiram, dando-se início às obras em
de D. Manuel. Neste lugar do Barro tiveram casas, de uma capela construída em 1469. Foi uma das 1672, poucos anos depois da canonização de Pedro
mais tarde, Franciscanos e Jesuítas. O local inicial mais importantes comunidades arrábidas, chegando de Alcântara, cujo nome foi escolhido para a nova
foi em Matacães, um lugar pantanoso e doentio, a ter uma população de 45 religiosos. Em 1834, só casa. Com o auxílio de outros benfeitores, as obras
pelo que, em 1579, todos os frades morreram de havia um religioso de ordens e um frade leigo. ficaram concluídas entre 1681 e 1685, sendo a igreja
sezões. Por esse motivo, em 1595 o conjunto O convento fundado em 1590, no sítio de Berlé, um belo edifício barroco, ainda em muito bom estado
conventual foi transferido para o Barro e viria a em Torres Novas, deu continuidade ao de Liteiros, apesar da ruína de 1755. Depois de 1834, o conjunto
tornar-se propriedade do Marquês de Valada, que, agora com a invocação de S.to António. Os fun- passou a propriedade da S.ta Casa da Misericórdia
em 1860, o vendeu ao P.e Carlos Rademaker, sj, ali dadores foram Antão Mogo de Melo e sua mulher de Lisboa, que ali instalou uma obra social, o Instituto
se tendo instalado o Noviciado jesuíta, que funcionou D. Ângela Velasco, que doaram, em 1580, uma S. Pedro de Alcântara, no Bairro Alto. Para que se
até 1910. Mais tarde, passou a propriedade da quinta, vasta propriedade. Após a supressão das dissipem dúvidas, importa referir que é corrente

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

chamar-se à Paróquia de Alcântara, S. Pedro de Papa Clemente XIV, a instâncias do Marquês de


Alcântara, havendo quem julgue ser a paróquia da Pombal, entregou o complexo aos Cónegos
invocação deste santo. De facto não é. Antes do Regulares de Santo Agostinho, em 1771, que ali
terramoto, havia a Paróquia de S. Pedro (Alfama) e tiveram casa e escolas até 1791, dando lugar a um
foi criada outra, nova, do mesmo padroeiro (S. Pedro), período de grande brilhantismo cultural e social. Em
em Alcântara, com uma área transferida da Ajuda 1791, os Cónegos de Santo Agostinho preferiram
e anexa à quase paróquia que havia na zona, da regressar a Lisboa, pelo que os Arrábidos (em número
invocação da N. Sr.a da Boa Morte e da Caridade de 200) voltaram a povoar o Convento de Mafra,
(pequena igreja no L. do Calvário, já destruída). que deixaram pouco menos que desabitado aquando
A Igreja Paroquial de S. Pedro (em Alcântara), das Invasões Francesas. A população tendeu a
construída em 1786, fica na Calçada da Ajuda, mas diminuir a uma média de 40 professos, que lá se
não tem que ver com o monge arrábido. O Convento mantiveram até 1833, ano em que, temerosos da
de S. Cornélio, localizado nos Olivais, então sede
concelhia, foi fundado em 1674, às portas de Lisboa,
entre o actual sítio de Moscavide e o Poço de Bispo,
numa suave encosta virada a sudeste, onde havia
umas ermidas dedicadas a N. Sr.a da Estrela e a S.
Cornélio, tendo sido patrocinado pelo sargento-mor
João Borges de Moraes e sua esposa. Inicialmente,
fora aí construído um hospício de convalescença. O
Claustro do Convento dos Capuchos, Costa da Caparica (AJ)
novo convento, com igreja, foi inaugurado em 1675,
podendo receber 150 habitantes, ainda que só lá
tivessem vivido cerca de 20, embora pareça que, A vida económica arrábida é o corolário da opção
depois de melhoria de cómodos, em 1718, mais pela Regra fransciscana sem mitigação: “Os irmãos
Vista aérea do Convento de Mafra (MG)
frades lá tivessem sediado. No tecto da igreja via-se nada tenham de seu, nem casa, nem lugar, nem
um painel (Anunciação) do pintor Pedro Alexandrino, cousa alguma” (2.ª Regra, cap. 6). A Regra da
que vivia na Póvoa de S.to Adrião e que executou vitória dos Liberais e imitando outras ordens religiosas, província revela grande clareza quanto aos bens
pinturas para várias igrejas do termo de Lisboa, abandonaram o convento, de novo ocupado pelos materiais, porquanto nenhum professo era autorizado
incluindo o retábulo da antiga Igreja de S.to Adrião Cónegos de Santo Agostinho, por breve tempo. a receber moeda, fosse de quem fosse, uma vez
da Póvoa. S. Cornélio era uma popular devoção dos A 30 de Maio de 1834, todo o complexo era que não basta parecer pobre aos olhos do mundo,
saloios, que lhe suplicavam a protecção dos gados, nacionalizado e incorporado na Fazenda Real. Desde mas importa ser pobre aos olhos de Deus; nenhum
pagando as promessas com cornos de cera ou de 1835, a igreja serve de paroquial a Mafra, o paço professo se atreveria a apropriar-se de “cousa
prata. Após a supressão das ordens, a casa conventual tornou-se museu e o convento foi transformado em alguma”, casa ou lugar, devendo antes procurar os
passou a residência da Província de S.ta Maria dos quartel. três graus de pobreza: de corpo, de espírito e, juntas,
Olivais, enquanto que a cerca deveio cemitério, Sem efeito ficaram os projectos, aliás, aprovados pobreza de corpo e de espírito. Pela pobreza de
ainda hoje em utilização. Em 1717, foi fundado o em 1618 e em 1662, para novas fundações em corpo, o monge será mendigo; pela pobreza de
Convento de S.to António, em Mafra. Fr. José de Porto de Mós e em Condeixa (aqui, a pedido dos espírito entende-se a opção pela pobreza voluntária;
Jesus Maria prometeu, Deo dante, na sua Chronica moradores da vila). Além destes conventos, a Ordem a pobreza total chama-se “altíssima pobreza”, porque
[…] da Arrábida, escrever a memória acerca desta criara os principais hospícios (casas de passagem em outras ordens podem ter coisas em comum, mas
fundação, que ele considerava a coroa da província, trânsito apostólico, ou de convalescença para nunca os Menores, que não têm seja o que for, nem
mas não levou a promessa a bom termo. O convento doentes): N. Sr.a da Conceição, Lisboa (1542), onde em comum, nem próprio. Assume-se o princípio da
foi fundado por D. João V, em cumprimento de uma Fr. Martinho chegou a viver; Santarém (1570); N. não-propriedade, não fazendo mais uso das coisas
promessa para haver sucessão. A casa foi projectada Sr.a de Setúbal (1589); N. Sr.a de Azeitão (1646); do que as aves do céu fazem da terra. Qualquer
para 40 religiosos, alargada para 80 e, finalmente, S. to António de Torres Vedras (1646); N. Sr. a da objecto de luxo é irregular – nem “caixas de tabaco
para 300. O majestoso templo, incluído no complexo Assunção de Torres Novas (1662); S.to António de de tartaruga”, nem “lenços de seda”, antes
de que também faz parte o Paço Real, foi dedicado Caldas da Rainha (1663) anexo ao hospital real e preferindo “ordinários de lã, ou algodão”. Nenhum
a Nossa Senhora e a S.to António, na frontaria dele fundado por António Fernão de Castelo Branco, frade dirá “isto é meu”, porque nada é dele.
se contemplando um medalhão em mármore branco, Cavaleiro da Ordem de Cristo; N. Sr.a do Porto Uma comunidade carece de uma Regra ou Estatuto
com uma representação de Maria a entregar o Seguro (Cascais, 1695); e S.to António de Minde e de uma finalidade de vida, mas também carece de
Menino ao Santo. Os arrábidos desejavam muito ter (1733). um lugar onde habitar – primeira e essencial
uma fundação na zona mafrense e, aproveitando a A geografia conventual arrábida situou-se dificuldade, uma vez que a posse de terras e de casas
falta de um filho na família real, Fr. António de São principalmente na Estremadura, principalmente entre era interdita. Para vencer essa dificuldade, os Estatutos
José convenceu o monarca de que um sucessor lhe Setúbal e Leiria, repetindo o carácter estremenho determinaram que todos os conventos seriam
seria dado se erguesse, em Mafra, o convento dedi- que também tiveram em Castela. A principal propriedade de padroeiros, que os emprestariam, sem
cado a S.to António. Não nasceu um filho, mas nasceu jurisdição episcopal foi a do Arcebispo de Lisboa, custos, à Ordem. Esse empréstimo era sempre
uma filha e o rei satisfez o voto. Imediatamente a ficando apenas sob jurisdição de Évora o Convento provisório, com a duração mínima de um ano, pelo
seguir à sagração do templo, a 22 de Outubro de de Salvaterra e sob jurisdição de Leiria o desta cidade. que o guardião de cada convento visitaria o padroeiro
1730, os Arrábidos povoaram o convento com 210 Os Arrábidos ainda ensaiaram a missionação no uma vez por ano, para entregar as chaves, agradecer
frades, número que aumentou para 342 até ao ano Brasil, tendo fundado o Convento de N. Sr. a da o empréstimo e pedir (caso necessário) autorização
de 1744. Poucos mais anos lá estariam, porque o Penha, na capitania do Espírito Santo. para poderem continuar a viver no mesmo sítio.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

O rigor não os inibia de uma defesa dos locais que com o terramoto de 1755 e com a incapacidade feitos em favor da decência, tapando o corpo, mas
lhes interessavam. No caso de Ribamar, perto de para fazer obras de reconstrução. Quanto às rendas qualquer pedaço de pano serviria, de onde as notícias
Laveiras, já por ali estadeavam havia uns 17 anos, conventuais, conhecemos verbas de 1828, no de que, à falta de melhor (burel) os frades utilizariam
quando a Ordem da Cartuxa, em 1594, pretendeu seguimento das inspecções levadas a efeito pela outros trapos, a jeito de manta de farrapos. O hábito
obter o direito de fundação de um eremitério na Junta do Exame das Ordens Regulares: de prédios exprimia, em imagem visível, a “evangélica pobreza”.
quinta que a Misericórdia de Lisboa recebera da urbanos, de dízimos e de prédios rústicos, nada Nem mesmo em matéria de cultura o supérfluo se
benfeitora D. Simoa, “preta de S. Tomé”. As duas tiveram; de foros e pensões, 7200 réis; de capelas permitia, cada frade podendo ter na cela apenas o
ordens entraram em conflito, mas os Cartuxos e legados pios, 1 581 560 réis; de juros e tenças, Breviário com as Horas da Liturgia e um ou dois
obtiveram o que queriam, com base no facto de os 36 000 réis; de juros e esmolas ordinárias, incluindo livros de meditação espiritual.
Arrábidos já ali terem duas casas, enquanto a Cartuxa as do Tesouro, 10 197 764 réis; e de donativos das Se o hábito de vestir se vê, o hábito interior – vida
nada tinha na região de Lisboa. Aos padroeiros Casas de Bragança e das Rainhas e do Infantado, ascética – situa-se no domínio monástico, privado.
reservava-se o direito de rescindir o empréstimo dos 162 440 réis, num total de 11 984 964 réis. Quer É a vivência da disciplina e da Regra, complementada,
conventos, cuja construção custeavam, seguindo as isto dizer que os Arrábidos nada possuíam em segundo o lugar, pelos Estatutos próprios. Os
orientações dos frades, uma vez que havia sempre, imóveis, mas bastante em pecúnia, sendo, das Estatutos da Província da Arrábida (publicados em
entre eles, algum mais instruído em arquitectura e congregações capuchas, a que dispunha de maior 1698) desenvolvem-se em 67 capítulos, 21 dos quais
em construção civil. Todavia, não consta que algum rendimento, só suplantada pela Ordem Terceira da dedicados à disciplina interna, Noviciado, tempos
padroeiro tivesse dado ordem de despejo aos Penitência. Quanto aos rendimentos da Ordem em de oração e silêncio. Dos tempos de oração
“inquilinos precários”, pelo que, por sucessão 1834, eram computados ainda no mesmo montante comunitária (Liturgia das Horas, Eucaristia, etc.),
geracional e usufrutuária, a Ordem como que se de 1828. sobressaem as três horas diárias de oração mental
tornou donatária dos lugares e das casas. De resto, Na circunstância de 1834, uns inventários indicam e, das disciplinas com cilício, relevam-se as diárias,
quanto a estas, eram sempre modestas, mais 23 conventos e três hospícios, mas em boa verdade excepto aos domingos e dias santos. Os cronistas
parecendo “cabanas de pastores, que moradas de nem todos eram propriedade adquirida pela Ordem registaram o costume de Pedro de Alcântara fazer
Religiosos”, segundo a descrição de Fr. António da em função do uso. Tenhamos em vista o caso de as três horas de oração mental, dentro do poço do
Piedade. As celas nunca teriam ornatos. Para evitar Mafra, que de modo algum podia ser contabilizado Convento de Palhais. As Eucaristias seriam sempre
posses supérfluas, obrigavam-se os frades a não naquele número. A ideia geral é a de que a por intenção dos benfeitores e padroeiros. Os
fazer objectos de madeira, barro ou cortiça. Por nacionalização dos bens das Ordens em 1834 parcos capítulos 22 e 23 são dedicados ao programa de
cama, tinham uma tábua, de madeira ou de cortiça, rendimentos gerou ao Tesouro. Em todo o caso, Estudos de modo breve, enquanto que uma
e, por travesseiro, uma pedra, e nunca guardariam sempre se poderá confirmar a realidade mediante sequência posterior até ao capítulo 43 abrange o
qualquer louça. Quanto à alimentação, tendo saúde, a consulta dos processos relativos aos conventos hábito, as enfermarias e outros aspectos logísticos.
não podiam comer carne, nem peixe e “muito menos arrábidos (um por um) constantes das Secções do Os restantes capítulos contemplam as hierarquias e
vinho” ou ovos. Em viagem, aceitariam, por gentileza, Ministério das Finanças e do Ministério da Justiça e as responsabilidades.
a comida que lhes fosse dada, podendo até levá-la dos Negócios Eclesiásticos (Feitos Findos, Torre do Os noviços eram, desde o primeiro dia, iniciados na
para o convento, excepto perdizes e galinhas, Tombo). Contudo, noutros mapas do Estado
consideradas “manjares delicados”. Aos doentes era aparecem propriedades urbanas (conventos) em
permitida melhor dieta, incluindo carnes. Quanto nome dos Arrábidos, mas nem todas as informações
aos bons de saúde, comeriam de preferência ervas, são de imediato credíveis, em vista da prática arrábida
cozidas em água com sal. Por ervas, entendamos da não-propriedade.
hortaliças e legumes, por vezes cultivados na cerca As premissas economia/espiritualidade nas ordens
conventual, mas não batata, uma vez que esta cultura religiosas ordenam-se de modo a que a espiritualidade
tão popular só foi introduzida no séc. XVIII. Nem seja a causa da economia, nunca a economia sendo
sempre os frades cuidariam das hortas, o que levou causa da espiritualidade. É esta que decide o perfil
um viajante estrangeiro que visitou o Convento de da economia, a qual evidencia, de forma visível, os
Ribamar a apelidar os frades de “madraços”, por caracteres e carismas da Ordem. Destes caracteres,
ver jardim e horta ao abandono. Vivendo nos campos, o mais visível é o hábito que o professo veste e com
não caçavam e até protegiam a fauna. É lendária a o qual transita pelo mundo. Os religiosos vestiam
gineta que se tornou companhia de Agostinho da um “saco de burel”, de vil pano, comprido até aos
Cruz, na Arrábida, enquanto Fr. André Falcão tornozelos, e, para tapar a cabeça, um capacho ou
mereceu a fama de milagreiro ao ser obedecido capucho de forma oblonga, como o dos frades,
pelas raposas e pelos toiros bravos que pastavam modelo aliás não apreciado pelo Padre Geral dos
na serra. Uma vez que durante a Quaresma não se Franciscanos, que preferiria o tradicional franciscano
acendia o forno, comiam pão (rijo) das esmolas ou, no máximo, o pontiagudo da reforma dos
molhado em água. O azeite, se acaso recebiam Capuchinhos. Nenhum frade possuiria mais do que
Pormenor do Convento dos Capuchos, Costa da Caparica (AJ)
algum de esmola, era, não para comer, mas para o uma túnica com capucho, ainda que, sendo
lampadário do Santíssimo Sacramento. Quanto às necessário, pudesse dispor de outra, mas sem capuz.
uvas, as vinhas estavam proibidas, mas podiam ter À cinta, o cordão branco dos Franciscanos foi vida monástica própria, após terem sido aprovados
latadas, as uvas sendo secas, ou feitas passas. E, da substituído por uma corda, sobre a túnica, mormente nos exames de sangue e de costumes, havendo lugar
Arrábida, uma deslocação a Lisboa só poderia em serviço, usariam um manto ou capa de mangas para a admissão de homens adultos, incluindo frades
acontecer in scriptis, quer dizer, com licença escrita até às mãos e, quanto a calçado, andariam que pertencessem a outras ordens e que desejassem
do custódio conventual. completamente descalços. Sempre que o hábito professar nos Arrábidos. A admissão era possível,
O património construído sofreu grandes depreciações precisasse de ser remendado, os remendos seriam mas sujeita a um requisito processual muito rigoroso.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

Nestes Estatutos sente-se o vigor ascético de Pedro como o atribuído aos grupos de Alumbrados, os Círios de N. Sr. a do Cabo, receberam apoio
de Alcântara e de João de Aguila, que puseram a Iluminados e Quietistas. Toda a ascese se concentrava pastoral e foi prestada assistência à respectiva
tónica na unificação dos costumes dos vários na vida penitencial e na busca das origens, pelo que confraria, sem prejuízo da primazia devocional devida
conventos. Os noviços aprendiam tudo quanto Pedro de Alcântara pesou tanto no movimento ao Bom Jesus da Arrábida. Releve-se o pormenor
respeitasse à vocação monástica (por forma a descalço, a começar pela sua primeira discípula, de o costume dos Círios a N. Sr.a do Cabo e da
decidirem, em tempo, o que queriam), a distinguir Teresa de Ávila. Todavia, outros espirituais (Luís de Nazaré se ter radicado e consolidado exactamente
vida profana e vida sagrada, a procurar o caminho Granada, Amador Arrais, Tomé de Jesus, etc.), na Estremadura, região por excelência da milícia
oracional da perfeição, a treinar os métodos de pertencentes a outras ordens, inspiravam a renovação arrábida. Idêntico juízo se predica do culto e dos
oração, a dominar os termos da Teologia Mística e carismática própria do séc. XVII, antes da onda bodos do Divino Espírito Santo, como festas de
a conhecer linha a linha a Regra de S. Francisco. secularista de Setecentos e de Oitocentos. Não há, caridade activa e de partilha, pois é nesta região
Além disso, prometiam cumprir a disciplina, jamais porém, dúvida de que um tempo houve em que os estremenha que tal culto assumiu notória
revelando aos de fora segredos só do interesse da dois principais orientadores da nossa espiritualidade historicidade, mesmo antes do surto açoriano.
província. Ainda aprendiam uma série de orações eram espanhóis (Pedro na Arrábida e Luís de Granada, O culto do Santíssimo Sacramento foi protegido. No
para serem recitadas de cor, sem necessidade de em S. Domingos do Rossio). primeiro quartel do séc. XIX, verificaram-se vários
livro. O calendário cultual arrábido seguia o esquema da desacatos e violações a sacrários, levados a efeito
No essencial, as linhas de vida são as da praxis Ordem dos Frades Menores, entrosando as Festas, por cidadãos que já haviam esquecido o triste
minorita: obediência, pobreza, castidade, despo- Memórias e Solenidades próprias com os da Igreja exemplo do Senhor Roubado de Odivelas, memorado
jamento de possessão de coisas, recusa do supérfluo Universal. Na prática pastoral, souberam valorizar pela Congregação do Senhor de Jesus da Boa Morte.
(“é aquilo que tirando-o, basta o que fica para suprir as devoções populares. Antes de mais, o marianismo, Algumas igrejas arrábidas foram vítimas deste
a necessidade”), a parcimónia da prática de pedir uma vez que a Ordem nascera sob o signo de N. sacrilégio: Torres Vedras (1808); S. Cornélio de Olivais
esmola (apenas em caso de necessidade), a procura Sr.a da Arrábida, à qual Agostinho da Cruz dedicou (1810); Divino Espírito Santo da Mealhada (1826).
da “caridade pura”, a fuga a “suspeitosas com- diversos sonetos, entre eles este: “Oh Virgem Mãe Neste se constitui então uma confraria para desa-
panhias” ou “conselhos de mulheres” e a repulsa de Deus, Senhora minha,/a quem me socorri; por gravar o Sacramento, muito participada por pesca-
pelo pecado, seja ele de que grau for. A autoridade quem chamava,/A quem servir minha alma dores de Alcântara.
primeira era S. Francisco e os seus sucessores. A vida desejava/Nesta Serra do Céu vossa vizinha. Tornar- Os Frades Menores foram, desde os primórdios,
decorria no ermo, com horas comunitárias, mas -me à saudade que me vinha,/Quanto mais interpelados, não para os estudos, mas para a
também serviço apostólico, neste ponto o eremitismo docemente contemplava,/Como com favor vosso caridade evangélica e, como se sabe, só depois da
arrábido diferindo do eremitismo cartuxo, que não caminhava, /Daqui donde mais livre se caminha; Esta fundação dos Minoritas, S. Francisco de Assis aceitou
tem vida apostólica fora da Cartuxa, nem recebe terceira vez que determino/(Se Vós assim também introduzir os estudos na Ordem, em vista das
confitentes. determinais) Sem mudança fazer a sepultura,/Mostrai- necessidades pastorais da mendicância. O menor
A serra da Arrábida deveio lugar de peregrinação, -vos liberal de amor Divino,/Arça neste meu peito interesse pela cultura intelectual manteve-se nas
sendo procurada por pessoas que lá se dirigiam, tanto mais,/Quanto mais vos dotou de formosura.” aulas espiritualistas e ressurgiu nos movimentos de
não em grupos que iriam perturbar a disciplina A devoção pela imagem de N. Sr.a da Arrábida era descalcez. Ainda que fosse escritor e pensador de
eremítica, mas solitárias, em busca de cura moral e tal, que uns a queriam no convento, outros na admirável envergadura, Pedro de Alcântara prezava
de exercício em vida de perfeição. Foi esse o caso ermida, onde veio a ficar, pois das três vezes que mais – e outros co-fundadores como ele – a vida
de Agostinho da Cruz, que acabaria por lá professar, de lá a tiraram, a imagem, milagrosamente, voltou penitente do que a curiosidade erudita. Tanto explica
e, entre os mais, temos as notícias relativas ao jurista à ermida, dando sinal de que aqui era a sua real que, nos primeiros anos, os Arrábidos não tivessem
e poeta camoniano Fernão Rodrigues Soropita (m. morada. As grandes procissões devocionais, como estudos internos. Só em Janeiro de 1671, no
c. 1606), que depois de se converter, fez penitência provincialiato de Fr. Basílio da Conceição, o Capítulo
no ermo arrábido. Outros penitentes procuravam da Ordem, reunido no Hospital Real de Caldas da
cura de alma nos conventos de outros locais, embora Rainha, decidiu abrir um curso de Filosofia, o qual
o da Arrábida fosse o preferido. Aliás, os conventos serviria de propedêutico a Teologia, com a duração
promoviam a fundação, junto deles e neles sediada, de sete anos (seis de estudo especulativo e um ano
da Ordem Terceira de São Francisco, destinada a de Teologia Moral). Até essa data, a Ordem satisfazia
leigos e também a sacerdotes seculares que à pastoral e à pregação com frades já letrados, tanto
desejassem viver a espiritualidade franciscana segundo os que eram arrábidos como os que vinham de
o estado, sem votos de vida consagrada. Esta Ordem outras províncias instituídos como pregadores, mas
Terceira, promovida não apenas pelos Arrábidos, tanto uns como outros eram cada vez menos, pois
mas por toda a família franciscana, veio a radicar e a morte os ia levando pouco a pouco. No entanto,
a consolidar a óbvia faceta do franciscanismo popular e ainda que o Capítulo houvesse aprovado o Estudo
português, importante vector da piedade popular. Filosófico, proposto por Fr. João das Chagas, “amante
Terceiros penitenciavam, em retiro, nos diversos das letras”, não havia quem se resolvesse a aceitar
conventos, sobretudo na época quaresmal. a regência do estudo, o que levou os Arrábidos a
Os escritos espirituais dos Arrábidos, e sobretudo entregar esse ministério aos capuchos da Província
os de Pedro de Alcântara eram lidos e influenciavam de S.to António, tendo matriculado 18 estudantes
a praxis de muita gente. O Tratado de La Oración, (nove já presbíteros e nove coristas). Dos sacerdotes,
publicado bem cedo em Lisboa, seria traduzido para alguns já eram guardiães, mas renunciaram ao cargo
a nossa língua pelo P.e António de Araújo e seria para seguirem os estudos.
objecto de várias reedições, exercendo influência, A modéstia dos Estudos foi compensada pelo número
por vezes suspeita, de tendências de exagero místico, Convento da Arrábida (SMA) de vocações de candidatos já formados e com

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ARRÁBIDOS

interesses intelectuais, e não impediu a formação, Machado (Bibliotheca Luzitana, vol. IV, p. 475).
nos vários conventos, de valiosas livrarias. Os Citando a esmo, têm perfil definido: André da
inventários de 1833-1834, relativos aos bens de Natividade (m. 1684), ritualista; Bernardino de Jesus
cada comunidade, são expressivos quanto às (m. 1609), poeta; Braz do Espírito Santo (m. 1638),
existências bibliográficas, sendo particularmente teólogo e pregador do Convento de Ribamar; Filipe
importantes as do Convento de S. Pedro de Alcântara da Purificação (m. 1613), teólogo e historiador da
de Lisboa, com 12 000 volumes, e a de Mafra, com Ordem; Francisco da Cruz (m. 1681) de Alferrara,
cerca de 40 000 volumes. É certo que esta, mantida pregador e ordenador dos Estatutos da província;
a seguir a 1834, por sua vinculação à Biblioteca Jácome Peregrino (m. 1648), pregador; João José
Régia, também recebeu os contributos dos Cónegos do Prado, liturgista e historiador, muito ligado a
Regrantes Agostinhos enquanto residiram no Mafra; João da Madre de Deus (m. 1625), exegeta
convento mafrense, onde os livros se guardavam do pensamento de S. Boaventura e vário escritor;
num luxuoso salão, com muitas obras de arte, e João das Neves e Rodrigo de Deus, moralistas; José
sempre a comunidade dispondo de frades copistas de Jesus Maria (m. 1752), historiador e Superior da
e encadernadores. De um modo geral os acervos Comunidade do Espírito Santo da Mealhada; António
de livros datam de entre os sécs. XVI e XVIII, da Piedade (m. 1731), o principal cronista juntamente
abundando o Direito Canónico, a Filosofia, a Política com o anterior; o sermonista José da Purificação; o
e a Teologia em suas várias especialidades, etc. Todas cronista Luís da Ascensão; o diuturno pregador
as demais livrarias foram dispersas a seguir a 1834, Manuel de Santo António Dorotheu, da comunidade
achando-se em diversas instituições. Idêntico juízo de Xaqueda, cujos sermões foram impressos em seis
é aferível ao património artístico, bastando o exemplo volumes; o místico barroco Manuel das Chagas (m.
de S. José de Ribamar, de onde foram subtraídos 1637); o bibliotecário de Mafra, Matias da Conceição;
26 quadros de pintura religiosa. Não faltaram na o mestre de oração Pedro de Santo António (m. S. Pedro de Alcântara, Convento da Madre de Deus
Ordem os escritores e, sobretudo, os orientadores 1641); o moralista Sebastião da Conceição (m. 1696), da Verderena, Barreiro (SMA)
de piedade e os pregadores. Relativamente à música, cujos Exercícios Espirituais ainda eram reeditados
os conventos arrábidos não usavam órgão e, rezando em 1749; o mestre de noviços e liturgista Tomás de
muito, cantavam pouco. No entanto, visando motivar Cantuária; etc. Do Episcopológio, fazem parte, entre que revelam como “mal se pode escrever o que se
os fiéis populares, alguns frades introduziram o outros, Hilário de Santa Rosa, Bispo de Macau, que sente/No meio do silêncio sepultado/Consumido de
costume da entoação de jaculatórias cantadas a elaborou um projecto para a conquista da China a amor em fogo ardente”. A sua obra poética só foi
duas e três vozes, imperfeita imitação do cantochão, partir daquele território; Silvestre de Maria Santíssima, tornada pública muito depois da sua morte, em
a que se chamou capuchas. No tempo de D. João Bispo de Cabo Verde; António de Pádua (de quem Coimbra, no ano de 1771, embora no primeiro
V, o mestre cantor João Jorge (D. Giovani Giorgi) se sabe ter morrido depois de 1805), Bispo do volume da Chronica da Arrábida se registem algumas
ensinou os frades a cantar e fez o aproveitamento Maranhão; Joaquim de Nossa Senhora da Nazaré das produções poéticas. Sendo um dos mais
do cantochão figurado, que se fixou na música com (m. 1823), Bispo de Moçambique e depois do singulares poetas de Quinhentos é, pelo mesmo
o nome de “Canto Capucho”, chegando a influenciar Maranhão, que recusou jurar a independência do motivo, singular mestre de espiritualidade ascética
as melodias profanas, como as “modas de terno”. Brasil, pelo que regressou a Portugal; Caetano de e mística, cujo exemplo de vida serviu, mesmo depois
Só o canto gregoriano, importado da Abadia de Nossa Senhora do Pópulo, Bispo de S. Tomé; o da morte, através dos seus escritos.
Solesmes (Bélgica) travou o progresso desse canto mafrense Manuel de São Gualdino, Bispo no Oriente;
capucho, de origem portuguesa, popular e e Francisco de Nossa Senhora da Luz Chacin, Bispo BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Carta Regia ao Dr.
devocional. de Macau, entre outros. Anastácio Ferreira Raposo para ir a Mafra tratar da
Numa instituição que durou cerca de três séculos, De mais histórica visibilidade são, porém, os nomes Restituição dos Arrabidos ao Mosteiro daquela Villa,
e apesar de a sua implantação ser mais regional do de S. Fr. Pedro de Alcântara e de Fr. Agostinho da Ms., BNP, Cód. 800; Contas Correntes de Objectos
que nacional, o número de figuras ou de Cruz. Pedro de Alcântara (1499-1562) era castelhano, Preciosos, Ms., BNP, Res. 419A; DEOS, António da
personalidades históricas é elevado, sendo iden- mas deixou fundo rasto em Portugal, como Madre de, Descripçam do Convento e Fundação da
tificadas nas crónicas institucionais muitas daquelas organizador da província e como mestre espiritual, Arrábida, Ms., BNP, Cód. 6988; História dos
que marcaram, quer pelo desempenho de funções, tendo sido canonizado em 1669. Veio a Lisboa uma Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
quer por terem deixado testemunho de pensamento primeira vez, a convite de D. João III, para exercício Ms., BNP, Cód. 145; Modo de Celebrar o Capítulo
e de acção. Há nomes que se mantiveram discretos, de direcção espiritual, e voltou pouco depois para Provincial, Ms., BNP, Cód. 6277; MONTEIRO, Inácio,
nas suas vidas de perfeição ascética, alguns deles co-fundar a Arrábida. O seu Tratado de la Oración Descripçam da Arrábida, Ms., BNP, Cód. 8767;
memorados por sinais de santidade, e muitas figuras seria editado pelo impressor João Belávio de Colónia, Origem e Formação da Província da Arrábida de
ganharam um rosto visível, fosse porque deixaram em Lisboa, em data incerta da segunda metade do Portugal, Ms., BNP, Cód. 68; PEREIRA, Luís Gonzaga,
obra escrita, ou porque deixaram documento de séc. XVI. Fr. Agostinho da Cruz (1540-1619), que Monumentos Sacros de Lisboa em 1833, Ms. il.,
acção apostólica. Por via de regra, nas ordens no século se chamou Agostinho Pimenta, sendo BNP, Cód. 215. Impressa: ABREU, António Graça de,
religiosas, os nomes de maior visibilidade são os dos irmão de outro notável poeta (Diogo Bernardes), “Macau: o Arrábido Mafrense Fr. Hilário de Santa
escritores, ou dos bispos, ou dos ascetas e professara a vida capucha no Convento de S.ta Cruz Rosa e o seu fantástico plano para a conquista da
missionários, cujo elenco pode ser verificado nas (Sintra, 1561), mas, por volta da idade de 65 anos, China”, in Boletim Cultural 92, Mafra, s.n., pp. 197-
Crónicas, embora as da Arrábida só atinjam os decidiu professar na Arrábida para se entregar à -207; ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em
começos do séc. XVIII. Em termos de escritores, que vida eremítica até à morte. Poeta do sofrimento Portugal, Ed. Damião Peres, vol. II, Porto, Livraria
viveram até meados do séc. XVIII, o elenco acha-se interior, exprimiu toda uma funda sensibilidade Civilização, 1968; Arrábida: Publicação Comemorativa
também registado, na obra de Diogo Barbosa saudosa em elegias e em sonetos de clássico lavor, da Festividade Celebrada pelo Antigo Círio de Setúbal,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BAPTISTAS

Set., Tip. A. Mascarenhas, 1896; A ZEVEDO , J. C., São José do, Monumento Sacro (Mafra), Lisboa, os cursos, retiros e ajudavam na formação dos futuros
Inventário Artístico de Portugal Ilustrado: Estremadura, Miguel Deslandes, 1751; PROENÇA, Raul, Guia de missionários de S. João Baptista. Em 1924, padres
Lisboa, Nova Gesta, s.d.; BARATA, Paulo J. S., Os Livros Portugal, vols. 1 e 2, Lisboa, Fundação Calouste e irmãos começaram a orientar um lar para homens,
e o Liberalismo: Da Livraria Conventual à Biblioteca Gulbenkian, 1983-1988; Real Collegio de Mafra: em Berlim. A 2 de Maio de 1927, o P.e Haw fundou,
Pública, Lisboa, BNP, 2003; B ARATA , Paulo J. S., Estatutos, Lisboa, Imp. Régia, 1781; Rede Museus em Leutesdorf, a Escola Apostólica da União de S.
“Admissão dos Noviços Arrábidos”, in Boletim Cultural de Loures, n.º 1, Loures, 2004, pp. 19-20; RIBEIRO, João, destinada a preparar rapazes para futuros
94, Mafra, s.n., pp. 79-85; BECKFORD, William, Diário Aquilino, Oeiras, Lisboa, Imp. Portugal/Brasil, 1940. membros da Congregação. Em 1932, a escola passou
de […] em Portugal e Espanha, Trad. port. de João para Mainz com o nome de Lar de S.ta Teresinha.
Gaspar Simões, 2.ª ed. rev., Lisboa, BNP, 1983; CASTRO, JESUÉ PINHARANDA GOMES Um dos primeiros missionários foi o Ir. Hermann que
João Bautista de, Mappa de Portugal Antigo e entrou para o lar com 17 anos e, durante o Nazismo,
Moderno, t. II, 3.ª ed. rev., Lisboa, Tip. do Panorama, esteve num campo de concentração.
1870; CRUZ, J. Luís da, O Convento dos Capuchos BAPTISTAS Organicamente, a Congregação tem um Conselho
da Costa da Caparica, Cacilhas, Gráfica do Sul, 1954; Os Baptistas, canonicamente denominados Geral com cinco membros, dos quais o Superior
DIAS, J. S. da Silva, Correntes do Sentimento Religioso Missionários de São João Baptista (MSJB), são uma Geral que se encontra na sede. De seis em seis anos,
em Portugal (Século XVI a XVIII), vol. I, 2 t., Coimbra, congregação religiosa de Direito Diocesano, integrada decorre o Capítulo Geral dos Missionários, em
Universidade de Coimbra, 1960; Estatutos da Província na União de São João (Irmãs de São João Baptista Leutesdorf, que reúne todos os membros, padres e
de Santa Maria da Arrábida […] aceites e aprovados e de Maria Rainha). Fundada pelo P. e João Haw irmãos, a fim de fazerem o balanço das actividades
pelo Capítulo […] em S. José de Ribamar, 6 de Julho (1871-1949), a Congregação foi erigida canoni- e elegerem os novos Superiores. Na Alemanha e na
de 1697, Lisboa, Miguel Deslandes, 1698; GAMA, camente a 6 de Maio de 1948, e tem por divisa
Luís Filipe Marques da, Palácio Nacional de Mafra: “anunciar os caminhos do Senhor” em conformidade
Roteiro, Mafra, Elo, 1985; G ANDRA , M. J., O espiritual com o seu patrono S. João Baptista. O
Monumento de Mafra de A a Z, vol. I, Mafra, Câmara carisma e a missão abrangem as vertentes socio-
Municipal de Mafra, 2002; Guias Panorama: N.º 7 caritativa (acolhimento dos sem-abrigo, margi-
– Setúbal, Lisboa, s.n., s.d.; HELME, Ervino, S. Pedro nalizados, alcoólicos) e de apostolado (formação de
de Alcântara: Mestre e Exemplo de Místicos, Trad. leigos, retiros, cursos, encontros, publicações dirigidas
port. de Vasco Cabral, Lisboa, Paulistas, 1963; INSTITUTO ao aprofundamento da Fé). Actualmente, a
DOS ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO, Inventário: comunidade, com sede em Leutesdorf, na Alemanha,
Ordens Monástico Conventuais, Lisboa, TT, 2002, continua a empenhar-se em actividades pastorais e
pp. 356-362; J ESUS M ARIA , José de, Chronica da de carácter social.
Província de Sancta Maria da Arrábida, t. II, Lisboa, O P.e João Maria Haw tinha fundado, em 1919, um
José António da Silva, 1737; JESUS MARIA, José de, sanatório de alcoólicos a que deu o nome de Lar
Instruçam de Noviços da Província de Nossa Senhora de S. João. A partir de 1921, começaram a aparecer
da Arrábida com que […] o Padre Martinho de Santa os primeiros candidatos a irmãos e alguns sacerdotes
Maria […] os educava no Caminho da Perfeição, para colaborar na Obra. Os sacerdotes orientavam
Lisboa, José Lopes Ferreira, 1716; LEAL, Pinho, Portugal
Antigo e Moderno, 12 vols., Lisboa, Tip. Matos
Moreira e Tavares Cardoso, 1873-1890; LIMA, Durval Logótipo da Congregação (I)
Pires de (ed.), História dos Mosteiros, Conventos e
Casas Religiosas de Lisboa, 2 vols., Lisboa, Câmara
Municipal de Lisboa, 1972; LOPES, F. Félix, “Influência Índia, a administração geral é comum com as Irmãs
de S. Pedro de Alcântara na espiritualidade portuguesa de São João Baptista e de Maria Rainha.
do seu tempo”, in Revista Portuguesa de História, Actualmente, o Instituto conta com cerca de meia
n.º 6, 1964; MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca centena de Missionários, na Alemanha, Portugal,
Luzitana, Ed. de Lopes de Almeida, 4 vols., Coimbra, Moçambique (Nampula) e na União Indiana (Estado
Atlântida Editora, 1967; N ATIVIDADE , André da, de Kerala), onde têm duas casas de formação.
Cerimonial ou Ritual para uso dos Frades da sua Os Missionários de São João Baptista chegaram a
Província, Lisboa, H. V. Oliveira, 1659; P EREIRA , Portugal em 1956 (padres, irmãos e também irmãs).
Fernando Jasmins et alii, “Bens”, in Dicionário de Instalaram-se numa velha casa denominada Vila
História da Igreja em Portugal, vol. 2, Lisboa, Ed. América, em Gouveia. Uma das primeiras iniciativas
Resistência, 1983, pp. 424-751; PEREIRA, Luís Gonzaga, foi a compra de uma tipografia, surgindo depois a
Monumentos Sacros de Lisboa em 1833, Ed. de A. Escola Apostólica de Cristo Rei para formação cristã
Vieira da Silva, Lisboa, BNP, 1927; PERESTRELO, Dulce, de jovens (hoje casa de acolhimento pastoral e
A Serra da Arrábida e o Seu Convento, Lisboa, espiritual). Mais tarde foi fundado o Centro P.e Haw,
Santelmo, 1952; PIEDADE, António da, Chronica da em Lisboa, na R. Ginestal Machado, que, além de
Província da Arrábida, t. I, Lisboa, José António da outras actividades, funciona como casa de formação
Silva, 1728; PIMENTEL, Alberto, História do Culto de dos membros da União de São João Baptista.
Nossa Senhora em Portugal, Lisboa, Guimarães Ed., Dedicam-se a acções pastorais nas paróquias da
1899; PORTUGAL, Fernando, MATOS, Alfredo, Lisboa região e colaboram em encontros de formação e
em 1758: Memórias Paroquiais de Lisboa, Lisboa, espiritualidade para leigos. Em Portugal, publicam
Câmara Municipal de Lisboa, 1974; PRADO, João de P.e João M. Haw (I) os Caminhos Novos, um periódico trimestral que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

serve de boletim informativo das actividades das a firmeza, a placidez, o pragmatismo e o asceticismo; ao acolhimento e cuidado de outros. Esta planta
congregações que formam a União de São João. uma fisionomia propícia à realização de acções elementar delineada na Regra (RB, cap. 52-53)
Desde há uns anos que desenvolvem trabalho fecundas; uma fisionomia admirável dado o contexto introduz e fixa a concepção de mosteiro como espaço
missionário em Moçambique (Nampula). histórico em que nasceu e viveu – a fase moribunda espiritual relacional, irredutível a uma mera economia
do Império Romano. espacial de religação viática. A configuração do
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, S. Bento nasceu por volta do ano 480, em Núrcia edifício reflecte admiravelmente a vivência simples
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal (próximo da cidade italiana de Spoleto), quando as da grandeza decorrente da possibilidade de o ser
Portuguesa, 2007, p. 851; Caminhos Novos, Gouveia, instituições do Império Romano estavam a ser humano usufruir de vários níveis intercomunicantes
Ed. Escola Apostólica de Cristo Rei, 1988-2004; desfuncionalizadas por sucessivas vagas de invasores de encontro. Por conseguinte, S. Bento foi, na plena
FRANCO, José Eduardo, “Baptistas”, in Carlos Moreira e por violentas disputas sucessórias. Em 476, Odoacro consciência dos princípios cristãos, um homem da
Azevedo, Dicionário de História Religiosa de Portugal, desferiu-lhes o golpe de misericórdia ao conquistar instituição comunitária e um organizador que se
vol. A-C, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Roma. Foi nessa Roma, reduzida a identidade entregou ao desafio de reconfigurar a tradição
Estudos de História Religiosa da Universidade Católica simbólica, que se instalou na juventude para começar monástica. Tais características aproximam-no dos
Portuguesa, 2001, p. 181; GOMES, Manuel Saturino os estudos liberais. Mais tarde, estimulado por uma seus grandes contemporâneos – Boécio (c. 475-
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, forte moção religiosa, abandonou Roma e retirou- -524/526), Cassiodoro (514-584), Cesário d’Arles (c.
1994, p. 137; OSÓRIO, Margarida Maria, O Seu Nome -se para Enfide (Affila), localidade montanhosa perto 470-543) e Martinho de Dume (c. 518/528-c. 580).
era João, Gouveia, Edição “Caminhos Novos”, 1997; de Subiaco. Seguiu-se a opção pela radicalização da Todos eles, posicionados no limiar histórico fixado
SCHULTHEIS, Joseph M., sj, Novena a Pedir a Intercessão experiência eremítica, refugiando-se numa gruta que entre o mundo antigo e o medieval, propício à
do Servo de Deus Padre João Maria Haw, Leutesdorf/ habitou solitariamente de acordo com a longa desagregação ininteligível e à perda dos universais
Gouveia, edições da União de S. João, 1980. tradição dos Padres do Deserto. Três anos depois horizontes de demanda, tiveram, diversamente, o
começou uma definitiva vida cenobítica, primeira- apurado sentido de salvaguardar instituições e persistir
ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU mente no mosteiro dedicado a S. Cosmado, perto na vitalização dos saberes e ideais. O círculo relacional
de Vicovaro. de S. Bento inclui Escolástica, tida como sua irmã,
com quem mantém diálogos religiosos e vive na
BENEDITINOS proximidade. A relação entre irmão e irmã ganharia
A Ordem de São Bento (Ordo Sancti Benedicti – força simbólica originando eremitérios e cenóbios
OSB), comummente conhecida por Beneditina, resulta de mulheres ou comunidades duplas, isto é, incluindo
da reunião de comunidades monacais católicas os dois géneros.
obedientes à Regra de S. Bento de Núrcia (Regula S. Bento morreu no ano de 547. A iconografia
Benedicti – RB), composta no séc. VI. Identificada descreve-o a segurar o livro da Regra ou, inspirando-
pela Regra, a referência à Ordem remete decisiva- -se nos Diálogos de Gregório Magno, recorre
mente para o autor a quem é atribuída e para o criativamente à imagem do taumaturgo, associando-
contexto histórico em que foi produzida. A expressão -o ora ao cálice quebrado, ora ao corvo com um
Ordo Sancti Benedicti apareceu tão-só no séc. XIII pão na boca. Cálice e corvo remetem para as
para designar a observância dos mosteiros que, não Mosteiro de Montecassino, Itália (CLS) lendárias tentativas de envenenamento a que esteve
pertencendo a Cluny ou a Cister, seguiam a Regra sujeito e fixam a sua capacidade de descortinar a
de S. Bento. No ano de 529, fixou-se em Montecassino, no local subtileza e imprevisibilidade do Mal, vencendo-o.
onde se situara um templo dedicado a Apolo. Em Neste quadro, em que o Mal sub-repticiamente
1. Vida de S. Bento. S. Bento foi redactor de uma sua substituição e aproveitando as ruínas, construiu espreita a humanidade, fica o essencial e duradouro
Regra comunitária promotora de vivência espiritual, a Capela de S. Martinho e um oratório em honra da mensagem: a certeza da sua fé e o profundo
à qual se prendem as sobejamente conhecidas noções de S. João Baptista, dando origem ao núcleo refe- conhecimento que possuía da natureza do ser
de ora e labora. Em torno dela se configurou o rencial de todo o monaquismo ocidental. A iniciativa humano. A representação mais antiga é a de um
monaquismo ocidental e se radicou a ideia cristã de de S. Bento beneficiou do período de relativa acalmia fresco nas catacumbas de S. Ermete, em Roma.
equilíbrio entre vida activa e contemplativa. A Regra político-social e de delicada tolerância religiosa Outra imagem significativa do santo remonta ao
constituiu o primeiro elemento de remissão biográfica mantidas pelos governos de Teodorico, Eutarico e séc. XII, em estilo bizantino, e representa-o de hábito
e a sua extraordinária projecção social e cultural é Atalarico, Reis ostrogodos de confissão ariana. Tal com uma cruz na mão. A cruz assinala o gesto de
indicativa da estatura humana do seu redactor. ambiente possibilitou-lhe a criação de segundo persignação a que recorria para, juntamente com a
A biografia de S. Bento tem como fonte os Diálogos mosteiro em Terracina, dedicado a S.to Estêvão. Este oração, vencer as ciladas do Mal. As palavras da
(Dialogi, II) de Gregório Magno (540-604), Papa que desdobramento foi determinado pela crescente oração estão gravadas numa medalha em forma de
adoptou a Regra e dela fez uso para reformar e vontade manifestada por muitos quer em participar cruz, também denominada Medalha Milagrosa ou,
estabilizar a vida religiosa no momento incoativo da com S. Bento na vivência religiosa, quer em dar por antonomásia, Medalha de S. Bento. Conhecida
Idade Média. O livro II dos Diálogos constitui uma seguimento à exemplar missão evangelizadora de como objecto de veneração desde o séc. XII, o registo
digressão hagiográfica, cujo carácter histórico tem Cristo. Se Montecassino se impôs por ser o primeiro gráfico mais antigo data do séc. XIV, tendo sido
sido questionado devido ao peso das narrativas núcleo do monaquismo da linhagem beneditina, aprovado por Bento XIV, no dia 12 de Março de
miraculosas fornecidas pelos monges que Terracina destacou-se como modelo de construção 1742. No anverso da medalha, onde está repre-
conheceram pessoalmente o santo (Constantino, funcional e simbólica da Santa Humanidade em Jesus sentado o santo, lê-se no debrum circundante a
Simplício, Honorato e Valentiniano). As investigações Cristo. A planta gizava três espaços essenciais, inscrição latina impetratória Eius in obitu nostro
históricas e a hermenêutica textual têm permitido traduzindo uma realista inteligentia fidei: a igreja, praesentia muniamur (“Sejamos protegidos pela sua
balizar datas, apurar factos e preencher lacunas, restrita à prática orante; o refeitório, reservado ao presença na hora de nossa morte”). No reverso, a
porém o essencial da fisionomia permanece intocado: fortalecimento do corpo; a hospedaria, lugar aberto medalha repete o debrum e no espaço interno tem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

desenhada uma cruz de braços regulares. A carga do Ocidente devido ao respeito e admiração pela suscitadas e deixadas inconclusas não impedem que
alfabética é muito forte, pelo que em cada um dos influência do seu magistério, sedimentado na Regra se carreiem os factos contextualizadores.
quatro ângulos formados pelos braços da cruz está monástica que criou. O título de Pai da Europa, não S. Bento, quando a certa altura teve de delinear as
golpeada uma das seguintes iniciais maiúsculas: desligado do anterior, reconhece o poderoso impulso coordenadas para a vida em comum, dispunha de
CSPB, que significam Crux Sancti Patris Benedicti dado ao desenvolvimento cultural medieval a partir uma tradição normativa proveniente dos Padres do
(“Cruz do Santo Patriarca Bento”). No interior da de vectores como organização e unidade, ambos Deserto e do próprio cenobitismo italiano, como
cruz, no braço vertical, registam-se as maiúsculas embebidos na Regra e largamente inculcados por parecem ser a Regula Orientalis (PL 103, 477-484)
CSSML, que iniciam as cinco palavras da frase Crux vários beneditinos ilustres. À sua acção se deve uma e a Regra de Eugípio (Isidoro de Sevilha, Vir., III. 26).
Sancta Sit Mihi Lux (“A cruz santa seja a minha certa identidade da realidade europeia, suportada Três nomes se impunham: S. Pacómio (292-346),
luz”); no braço horizontal encontram-se as maiúsculas pela íntima afinidade entre vida cultural livre, a partir por ser a primeira figura legisladora, S. Basílio (m.
NDSMD, equivalentes a Non Draco Sit Mihi Dux (“o da razão autónoma, e vida espiritual, fixa num fim 380), redactor de um conjunto de normas florilégicas
Dragão não seja o meu guia”). No debrum da conscientemente director. Este título – Pai da Europa muito divulgadas, traduzidas para latim por Rufino,
medalha figuram as letras VRS – NSMV – SMQL – – está declarado na Encíclica Fulgens radiatur de Pio e S. to Agostinho, que também delineara normas
IVB, que pronunciam uma admoestação exorcizante: XII, publicada a 21 de Março de 1947, por ocasião cenobíticas apreciadas (De opere monachorum e
Vade Retro Satana! – Numquam Suadeas Mihi Vana! da celebração do 14.º centenário da morte do santo Epístola 211). Se S. Bento conhecia directamente os
– Sunt Mala Quae Libas – Ipse Venena Bibas (“Retira- (Mensageiro de S. Bento, pp. 131-146), e foi textos disponíveis, servindo-se deles como fonte, ou
-te, Satanás!” – “Não me aconselhes loucuras!” – decretado várias vezes em documentos que o boletim se deles apenas tinha informação, nada se sabe.
“São Maldades o que me apresentas” – “Tu mesmo do Mosteiro de Singeverga deu conta em tradução Certo é que avançou para a composição de um texto
bebe esses venenos”). portuguesa. Destaca-se a homilia de Pio XII, capaz de garantir a indissolubilidade entre as
Na actualidade, o mesmo formato de cruz, pronunciada na Basílica de S. Paulo a 18 de Setembro ocupações contemplativa e activa, de assegurar uma
diversamente estilizada, serve de base ao logótipo de 1947. Aí se afirma solenemente que “São Bento digna autonomia para a comunidade e de exprimir
identificador de cada congregação beneditina. Em é verdadeiramente o Pai da Europa” (Mensageiro o ideal de vida cristã em quaisquer das tarefas
Portugal, a antiga devoção popular ao “milagroso de S. Bento, pp. 227-231), pois projectou um futuro rotineiras ou urgentes da vida quotidiana. A intenção
S. Bentinho” continua e testemunha-se com roma- efectivo e estabeleceu linhas estruturantes da pedagógica e o pragmatismo são evidentes e partem
gens e novenas feitas nos centros de S.to Tirso, Vairão, morfologia cultural. De referir ainda o discurso de de dois pressupostos: primeiro, fornecer um regu-
Rio Tinto ou Ermelo, e nos santuários de Seixas do Paulo VI feito na cerimónia de sagração da restaurada lamento que facilitasse a vida a todos os que, em
Minho, Rio Caldo, Gavieira (Cando), Vizela e Basílica de Montecassino a 24 de Outubro de 1964, regime comunitário, se votassem à prossecução de
Alandroal, no Alentejo. Invocações como “S. Bento proclamando-o Padroeiro e Protector da Europa um ideal comum enraizado na mundividência cristã;
durante o período da Guerra Fria, período de latente segundo, aprender a lidar com problemas concretos
ameaça disruptiva. sem se enredar em fascínios perfeccionistas ou
A Festa de S. Bento, celebrada a 21 de Março, angelicais.
apareceu pela primeira vez em Ripon, no Mosteiro Sem perder a função instrumental nem o sentido
de Wilifrido, em 704, e também está indicada no soteriológico que a embebe, a Regra dirige-se a dois
martirológio de Beda, datado entre 725 e 731. destinatários bem definidos – os regrantes e a
instituição – e opera a duas dimensões: directiva
2. Regra de S. Bento e sua problemática. S. ascética e disciplina governativa. O cristocentrismo
Bento, devotado construtor de mosteiros referenciais, constitui o eixo teológico da Regra, determinando
foi hábil artífice da Regra. Contudo, a sua autoria, a piedade e o caminho de acesso ao mistério da
originalidade e datação têm recorrentemente sido realidade e à salvação, por um lado, e, por outro,
debatidas. Que S. Bento tenha escrito uma Regra dando inteligibilidade à vontade incondicionada de
em lingua vulgaris, facto fornecido pelo Papa seguir Cristo (militia Christi Regis). Escrita com clareza,
Gregório Magno, está fora do debate, mas se decal- é constituída por um prólogo, espaço para
cou ou não partes do texto da anónima e extensa apresentação da motivação e finalidade, e por 73
(RB, cap. 94) Regra do Mestre (Regula magistri), capítulos com pontos integrados. O prólogo articula
como desde 1938 questionam os investigadores em as dimensões do acolhimento, da escuta e
vasta literatura, permanece em aberto. A similitude advertência, realçando assim a pujança da pedagogia
expressa no conteúdo e na forma impôs formular espiritual que as palavras iniciais expressam
a questão da mútua dependência e prioridade de convidativamente (Venite, filii, audite me: timorem
uma em relação à outra. Porém, a originalidade do Domini docebo vos). Se a escuta é condição genuína
texto não é aspecto decisivo na singularidade da para quem queira franquear a comunidade, a
Mosteiro de S. Bento, S.to Tirso (JAM)
Regra, antes a lucidez e a coerência da acomodação advertência é indicadora do espírito paternal que
do conjunto de prescrições à prossecução da vida deve assistir à interpretação e à aplicação da Regra.
da Porta Aberta” ou “S. Bento das Peras” parecem religiosa em comunidade. A não desprezar na Distingue-se a paternidade espiritual da noção
ter origem em circunstâncias locais (peras são pedras) apreciação a sobriedade e clareza do registo moderna de “direcção espiritual”, entendida como
e na Trasladação das Relíquias (11 de Junho), linguístico, de imediato notadas por Gregório Magno. acompanhamento orientado do desenvolvimento
expressam fé popular no seu poder taumatúrgico Também a data de composição, comummente pessoal. A paternidade espiritual, presente já na
para a cura de males ruins, predominando a crença apontada para o ano de 525, logo após a construção tradição cenobítica primitiva, tem tanto o peso da
de extirpador de verrugas ou cravos e de invocação de Terracina, é infirme, posto que é deduzida de herança vetotestamentária como a marca da
contra a bicharada venenosa (aracnídeos). uma ficcionada cronologia aproximativa e orientada civilização romana (pater familias), estando associada
S. Bento é conhecido como Patriarca dos Monges pelo faro da razoabilidade. As questões heurísticas ao reconhecimento e à aceitação da autoridade

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

abacial. É-lhe correlativa a obediência geradora de paisagem rural e urbana; assentamento cultural.
afectividade (pius pater); é-lhe contrária a deso- A pena, a cruz e o arado são símbolos fortemente
bediência impositiva de gradativa sanção correctora expressivos da reconhecida relação entre a OSB e a
(iratus pater). A paternidade espiritual aparece construção da Europa.
sobretudo desenvolvida segundo um ângulo Também com assinalável consequência para a
metafísico, em que o estado de obediência constituição de uma estética mística ocidental, se
comunitária traduz a antecipação da existência destaca o capítulo 19 da Regra dedicado à salmodia.
beatífica e testemunha o compromisso radical de No louvor a Deus no Ofício Divino, assoma uma
demanda de um plano expressivo da Vontade requintada exigência de harmonia e ordenação: a
universal. Não obstante o predomínio do estatuto voz deve afinar-se pelo espírito e seguir o seu curso
da paternidade na mundividência beneditina, válido (mens concordet voci). O exercício orante é aqui
para a gestão e a relação, a fraternidade não é assumido como experiência de busca de uma sintonia
excluída, manifestando-se quer no exercício da vibrátil com o espírito, a fim de ampliar e intensificar
caridade e da obediência mútua entre todos os a ressonância do louvor a Deus. Este acentuado
regrantes quer na recomendação do bom zelo (RB, traço contemplativo do beneditismo revela a
cap. 71, cap. 72). profundidade da Regra, escondida na sua arqui-
O capítulo 1 é decisivo para definir a natureza da tectónica prática e plástica.
comunidade e a identidade do regrante como A plasticidade inerente à Regra e a estabilidade que
cenobita, distinguindo-o do eremita (de vida austera, diversamente promove, embora se afigurem
solitária e combativa), do giróvago (indisciplinado, irreconciliáveis, foram factores simbióticos deter-
caprichosamente errante e habituado a viver à custa minantes na projecção beneditina. A plasticidade
de outro) e do sarabaíta (de detestável ociosidade). permitiu a sua adaptação diferenciada, facilitando
Nesta distinção, o equilíbrio assoma simultaneamente a independência dos mosteiros, que assim não só
como determinante modelador do cenobita e ficavam espaldados nas mentalidades epocais e
configurador da comunidade em que está integrado, Beneditino (Tours) regionais, como também agilizavam a gestão em
entretecendo o vínculo entre ambos, e nele per- função de condições particulares da geografia e do
passam as mesmas exigências quanto ao cultivo da acompanhar noviços com solicitude paternal (RB, clima. Deste modo, as excepções e as derrogações
vida interior e à manutenção da vida comunitária cap. 58), e, finalmente, do Prior (RB, cap. 65). Sem introduzidas com detalhes de observância encor-
dedicada ao serviço divino. Outros vectores emergem perder de vista a radicalidade da vocação, estão pavam a Regra e ajustavam-na ao concreto vivencial.
na promoção deste equilíbrio característico da consignados diversos aspectos práticos da organi- Por seu lado, a estabilidade beneficiava a fixação
organização beneditina: estabilidade (stabilitas in zação com carácter mais ou menos técnico: o silêncio, da comunidade e vincava-lhe os traços institucionais:
communitate), acomodação à Regra (conversatio) e o serviço litúrgico (opus Dei), a leitura (lectio divina), oficina de oração, centro para santificação da alma
obediência (obedientia). No seu conjunto, expressam as diversas ocupações, o tipo e a quantidade de e fortaleza para abrigo da contaminação social.
a compossibilidade do indivíduo e da comunidade, refeições, o repouso, o cálculo de horas. Porém, a Cumprindo o princípio da flexibilidade, a indu-
ambos dispostos no organismo do mundo, de se tradição destacou e condensou toda a Regra na mentária sempre se adequou ao clima (RB, cap. 55).
fortalecerem mutuamente na concretização de um fórmula ora et labora (“reza e trabalha”). Inicialmente, aconselhava-se uma túnica interior (a
ideal participado. Deste fortalecimento depende a Não é fácil compreender a razão subjacente à cógula), o manto com capuz e o escapulário. Para
eficácia do compromisso religioso. Por conseguinte, insistência na harmonização da contemplação com trabalhar, usava-se um manto mais curto. Havia
o equilíbrio e os demais vectores integram um a acção, considerando a tendência inicial de S. Bento ainda sandálias e meias, mas tudo tosco, de cor
esquema relacional dinâmico de resposta a uma real para a contemplação e interiorização, ou a explícita indiferente e confeccionado com material barato e
e comum vontade de ordem espiritual. valorização do eremitismo ou a sua experiência do acessível. Os calções estavam reservados para viagens.
A Regra estende-se funcionalmente ao governo, incomensurável labor na prospecção interior. Ao lado Tal indumentária encontra-se representada num
persistindo numa estrutura interna simples. Em de prováveis argumentos de ordem pragmática, antigo fresco das catacumbas perto da romana Via
conformidade com o exposto, a figura cimeira é o favoráveis à estabilidade (stabilitas loci) e dignidade Salária.
Abade, escolhido pela comunidade em função da da comunidade, como o combate da ociosidade e
exemplaridade de vida e mérito da sabedoria, a a garantia de autonomia do cenóbio, alinham-se
quem cabe a responsabilidade por todas as tarefas outros provenientes de diferentes considerações.
doutrinais e administrativas. O exercício governativo Merecem destaque o conhecimento profundo que
é partilhado com os Decanos (RB, cap. 21), escolhidos S. Bento possuía da essencial relação dinâmica entre
segundo “o mérito de suas vidas e a sabedoria de o corpo e o espírito, por um lado, e, por outro, a
sua doutrina” e os “simpectas” (RB, cap. 27), indicados necessidade de salvaguardar a coordenada cristã
pela sua sabedoria (seniores sapientes). Para agilizar que recomenda a conservação do corpo enquanto
o desempenho das tarefas doutrinais e adminis- suporte essencial do ser humano perfeito. Ao desa-
trativas, a Regra estabelece a co-responsabilidade gravar a dimensão corporal da vida humana,
do Celeireiro, que igualmente deve ser um pai para associando-a aos valores da encarnação, e ao admitir
toda a comunidade (omni congregationi sicut pater, o artifício técnico inerente à produção de bens, S. Monges beneditinos na Abadia de Dormitio (dormição),
RB, cap. 31), do Enfermeiro (RB, cap. 36), que deve Bento inaugurava um novo programa de vida Terra Santa (I)

servir os irmãos como Cristo se disponibilizou para religiosa, que interviria diversamente na configuração
servir, de uma figura equivalente ao Mestre dos do espaço e na criação do ambiente europeu: A Regra cedo transbordou o muro de Montecassino,
Noviços, isto é, um ancião capaz de formar e desenvolvimento agrícola e técnico; modelação da por força de circunstâncias geomilitares nada claras.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

Estima-se que, em 577, Zotón, Duque lombardo de observância conjunta das Regras de S. Columbano Regra, talvez por contactos com o Império Carolíngio
Benavento, tomou, saqueou e destruiu o arqui- e S. Bento (Regula Mixta), datada de 632 e ou por mediação de livros em circulação na época
cenóbio, transformando-o em praça forte contra o encontrada em Solignac, no mosteiro fundado por (comentário de Esmaragdo).
ducado romano e forçando os cassinenses a S.to Eloy. De registar ainda a promulgação, em regime
refugiarem-se em Roma nas proximidades da basílica de exclusividade, da Regra Beneditina pelo Bispo 3. Beneditização. A beneditização manifestou-se
papal de Latrão, levando consigo a Regra. Tal saída San Leger, no cânone 15.º do Concílio de Autun, de duas formas: a progressiva internalização de
compulsiva dos monges foi essencial à publicitação realizado entre os anos de 663 e 680 (Regula Sancti prescrições da Regra em Regras pré-existentes,
e projecção da própria Regra. No ano de 742, o Benedicti edocet et implere et custodiri in omnibus misturando-se com ela (Regula Mixta), e a multipli-
Papa Zacarias (741-752) recolocou a Ordem em debeant). A considerar também a primeira citação cação de fundações a ela obedientes.
Montecassino, depois da restauração efectuada por da Regra, datada de 690, num documento em que O impulso difusor foi dado inicialmente por Gregório
Petronax, em 717, e a Regra regressou ao lugar de o Arcebispo de Rouen, Ausberto, concede ao Magno, quer por via da publicação da biografia de
pertença. No século seguinte, por volta de 883, Mosteiro de Fontenelle o privilégio de eleger o abade. S. Bento, quer por via da missionação, encarregando
quando se concretizaram as ameaças às ambições Na Bretanha, destino inaugural da missão beneditina, os monges de alargarem e consolidarem o
dos sarracenos, o mosteiro foi de novo atacado e a as referências à Regra são posteriores às encontradas Cristianismo na Europa, mediante a prática oracional
Regra transportada para Teano. Passados 13 anos, no território gaulês. No Sínodo de Edwinspath, e a celebração litúrgica. Neste sentido, ao lado do
um incêndio destruiu o mosteiro e com ele a Regra realizado em 702, consta uma declaração de Wilfrido clero secular emergia o clero regular sob a cógula
tida por primeira. A questão está em saber se desse de York dando conta de ter mandado seguir a Regula beneditina, disciplinada, eficiente e de austeridade
documento original circulavam ou não cópias Sancti Benedicti a uns monges na Nortúmbria. No moderada. A sua actividade apostólica encarnava o
fidedignas. Certo é que Carlos Magno possuía uma caso da Germânia, a Regra é mencionada pela ideal cristão de despojamento e serviço, por um
cópia em Aix-la-Chepelle, apresentada pelo Abade primeira vez no séc. VIII, por ocasião do envio de lado, e, por outro, a sua pedagogia inspirava-se nos
Teodemaro, em 787 (Regulam quam beatus pater Sturmo, colaborador imediato de S. Bonifácio (718- princípios da obediência e exemplaridade. A conse-
Benedictus cum suis sanctis manibus conscripsit). -754), a Montecassino, a fim de a vir a aplicar no cução da beneditização, ladinamente visível na Idade
Porém, a cópia também desapareceu. Os manuscritos mosteiro fundado em Fulda (Vita Bonifacii de Média gótica, foi bem captada por Linage Conde
restantes apresentam diferenças redactoriais e Wilibaldo, PL 89, 603). Na Península Ibérica, a que a fixou na expressão “a Europa dos mosteiros”.
somente a submissão dos manuscritos ao exame referência mais recuada encontra-se numa doação Outra figura incontornável para a beneditização foi
amplo e rigoroso da edição crítica permitiu de Afonso III, datada de 3 de Março de 905, ao Bento de Aniano (750-821), também chamado
caracterizá-los e classificá-los. A edição de Rudolf Mosteiro dos S.tos Cosme e Damião de Abellar, perto segundo Fundador por, no contexto da reforma
Hanslik, publicada em 1960, estabeleceu três de Leão. Como se pode verificar, pelos dados mais carolíngia da Igreja, ter introduzido, não sem
categorias de texto: puro, interpolado, recebido. significativos, o conhecimento do documento resistência persistente, uma relação de dependência
Pertence à primeira categoria o manuscrito 914 de regrante desde cedo se localiza além do perímetro entre os mosteiros, dando-lhes uniformidade de vida
Saint Gall. Trata-se de uma cópia transcrita pelos do ducado romano, mas a dispersão dos dados revela e disciplina conforme à Regra. Bento de Aniano teve
monges Grimoaldo e Tato, de Reichenau, da cópia a lentidão do processo difusor. Só a partir da época um papel determinante no Concílio de Aix-la-Chapelle
do manuscrito original redigida a pedido de Carlos carolíngia, a Regra Beneditina vigorou nestes (816-817), sendo responsável pela redacção e
Magno. Do texto interpolado faz parte o mais antigo territórios em regime de exclusividade. promulgação do capitular organizador da vida
códice conhecido, escrito em Cantuária. Data dos Na Península Ibérica, a vida religiosa seguiu um monástica (capitulare monasticum, de 10 de Julho
princípios do séc. VIII e encontra-se no manuscrito caminho próprio, tão anacrónico quanto singular, de 817), no qual se sublinham três pontos: a exi-
Hatton 48 da Bodleian Library de Oxford, publicado determinado pela invasão dos muçulmanos no séc. gência de cumprimento da observância beneditina
por E. A. Lowe, em 1929. A terceira categoria inclui VIII. À medida que se confirmava a Reconquista, o
os textos recebidos e produzidos por Paulo Diácono monacato avançava seguindo várias regras
desde o séc. VIII e no séc. IX por Hildemaro. contaminadas por tradições regionais ou parti-
Paralelamente ao texto latino, foram circulando cularismos locais, que acabaram por facilitar a
traduções. A mais antiga é em alemão e data do constituição de regimes comunitários ecléticos, mais
séc. IX (Ms. Saint Gall 916). O estudo mais apurado ou menos efémeros. Dentro do território futuramente
das edições recentes deve-se a C. Butler: Sancti correspondente ao reino de Portugal, a situação não
Benedicti Regula Monasteriorm. A primeira tradução diferia, vigorando o uso da Regula Mixta, essa
portuguesa data de 1929 e conta com 29 edições. miscelânea de prescrições sem articulação assegurada
É difícil reconstituir com precisão os percursos iniciais que admitia diversos modelos de convivencialidade
da Regra fora do ducado romano e é igualmente e de suporte económico, sendo comuns os mosteiros
difícil apurar os processos de introdução noutros dúplices, abertos a homens e mulheres, e os patrimo-
territórios e identificar os focos difusores. Os dados niais, em que o fundador podia dispor absolutamente
obtidos são avulsos e distanciados; por exemplo, dos bens. Uns e outros franqueavam as comunidades
data do ano de 620 a referência mais antiga e está religiosas à fragilidade decorrente das virtualidades
devidamente registada em pasta de correspondência. e tensões relacionais. No território português, as
Trata-se do documento enviado pelo abade diferentes Regras estão recolhidas em dois codices
venerando, fundador de Altaripa u Hauterive, na regularum pertencentes ao Mosteiro de Guimarães,
diocese gaulesa de Albi, ao seu Bispo Constâncio. datados de 959. Num constam as Regras de S.
Intitula-se Regulam sancti Benedicti abbatis Romensis, Pacómio, S.to Isidoro, S. Frutuoso e S. Leandro, noutro
quam praesens continet liber, in arce ecclesiae reúnem-se as de S.to Isidoro, S. Frutuoso e S. Bento.
Albiensis recondendam direximus. Outra referência Esta última referência, bem documentada por Mário
textual explícita enquadra-se na exigência de Martins, assinala inequívoco conhecimento da Um monge beneditino na Abadia de S. Bento de Singeverga (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

a todos os mosteiros; o acento no valor espiritual expansão por volta do ano 700. Basta indicar as introduzia neles os monges formados em Brogne
do Ofício Divino, cuja duração se alongava consi- Abadias de Farfa (Sabina) e de S. Vicente de Volturno até comprovar que estava assegurada a regularidade
deravelmente (a leitura martirológica, a recitação de para dar conta de instituições vinculadas à Regra e da vida monacal. Outro caso a evidenciar a força
salmos acrescida ao ofício nocturno, a recitação decisivas no alargamento do seu campo de influência. operativa da influência e determinação na ramificação
diária do ofício dos mortos); a desvalorização do Acrescente-se que o vigor e dinamismo espiritual e na animação de comunidades religiosas é o da
trabalho manual expressa na redução do tempo a dado ao mosteiro cassinense pelo monge inglês abadia lorena de Gorza, que no início do séc. XI
ele dedicado. Wilibaldo, que nele permaneceu durante dez anos, contava com 140 comunidades. Por sua vez, uma
A beneditização conheceu três fases. A primeira fase após o seu regressou da Terra Santa (729), não são dessas comunidades, Saint-Vanne de Verdun,
foi expansionista e esteve associada à construção elementos a desconsiderar nas razões do expan- notabilizou-se como centro difusor da reforma
de mosteiros que funcionavam simultaneamente sionismo beneditino, uma vez que o recuperou e beneditina durante o governo de Ricardo (1004-
como marcos do Cristianismo e centros de apoio à preservou como referência nuclear de inspiração. -1046), dando continuidade ao típico efeito
evangelização, alguns deles originando cidades. Caen A segunda fase da beneditização corresponde à ramificador e renovador. Tal efeito também é visível
procede da Abadia de Saint-Omer, fundada em 649. tendência para o domínio exclusivo do sistema regular nas áreas vizinhas das abadias restauradas por
Os mosteiros cedo se revelaram com capacidade de Montecassino. Inicialmente avulsa ou mista, a regulares provenientes de Cluny. A Abadia de Fleury
interventiva no plano político e capacidade produtiva Regra Beneditina passou nesta fase para uso (Saint-Benoît-sur-Loire), reformada pelo cluniacense
no plano intelectual, uma e outra subordinadas à exclusivo, sujeitando todas as instituições monásticas Odão (927-948), a quem se atribui a invenção da
espiritualidade cristã, tendo-se elevado à categoria a uma mesma codificação, sem prejuízo do linguagem por signos gestuais para restaurar a
de instituição dominante. A segunda fase coincidiu atendimento à diversidade resultante de deter- observância do silêncio, acabou por reformar Saint-
com o esforço sistematizador que acompanhou a minações extrínsecas. Não obstante as resistências, -Èvre de Toul, Saint-Remi de Reims e Saint-Père de
aplicação da Regra em todas as instituições particularmente da Abadia de Saint-Denis em que Chartres, que, por sua vez, foram decisivas na reforma
monásticas, e a terceira fase correspondeu ao triunfo, uma parte dos religiosos recusou aceitá-la durante das abadias inglesas. O mesmo se pode exemplificar
simbolizado em Cluny. Na primeira fase, o itinerário cerca de 15 anos (817-832), o regime eclético foi com a Abadia de Marmoutier (perto de Tours),
inaugural da expansão foi direccionado para a substituído pelo regime cassinense, graças à restaurada por Mayeul de Cluny (954-994), que
Bretanha. No ano de 596, por ordem do Papa confluência de três factores de índole reformista: a formou uma congregação compreendendo 270
Gregório Magno partiu do Mosteiro de S.to André, política uniformizadora do Império Carolíngio; o dependências no conjunto de uma quarentena de
em Roma, um grupo integrado por 40 monges e empenho disciplinador de S. Bento de Aniano; a mosteiros. Fora da dependência de Cluny, foram
tutelado por Agostinho de Cantuária. A influência força deliberativa do Concílio de Aix-la-Chapelle muitas as abadias a prosperar no séc. XI, como a
circunscreveu-se inicialmente aos reinos celtas de (816-817). Nesta fase surgiram novas fundações fiéis de Bec, fundada pelo cavaleiro Herluin (1034), na
Kent (York) e Sussex (Salsey), graças à mobilização ao ideal monástico de S. Bento, entre as mais famosas Diocese de Rouen, ou a Abadia de La Chaise-Dieu
de Wilfrido, Monge de Lindisfarne, estendendo-se contam-se as de Vézelay (821), Hirsau, em (1043), depois tornada beneditina em 1050. Por
à Irlanda, cujo ambiente monástico criado por S. Wutemberg (c. 830), S.ta Júlia de Brescia (c. 840), conseguinte, a situação nesta terceira fase consistiu
Patrício (c. 385-c. 461) viabilizava a tentativa de Charlieu (872), etc. A disciplinação e a centralização em reformar, anexar, fundar e ramificar, sempre no
consolidação. O monaquismo beneditino carac- dos estabelecimentos, medidas propostas para contexto de um espírito empreendedor, estabilizador
terizou-se pela persistente vontade evangelizadora depurar e sintonizar o modus vivendi regrante, não e vivificador, encarado como coroamento da
e pelo elevado nível de instrução, exponenciado por estancaram a instabilidade provocada pelas invasões espiritualidade cristã.
Bento Biscop e Beda, o Venerável. Em função do normandas, sarracenas e húngaras – chamadas
sucesso anglo-saxónico, a expansão direccionou-se “invasões do ferro” –, antes adiou o investimento 4. História da Ordem Beneditina. A grande
para os territórios da Germânia, Países Baixos e na desejada recuperação da autenticidade da vida instituição beneditina foi Cluny. Estabelecida a 11
centro da Europa. Desde 721 que a Abadia de religiosa e na regularização monástica afectada pela de Novembro de 909, por doação de Guilherme, o
Reichenau, fundada por S. Pirmínio, serviu de foco desconcertante profusão de estilos. Piedoso, iniciativa patronal comum na época, não
difusor da Regra e propagação do Cristianismo. Da A terceira fase representou o restabelecimento e o configura inicialmente uma singularidade excepcional
evangelização bretã no continente europeu, iniciada triunfo do beneditismo no séc. X, resultante da no contexto da constituição beneditina. Apresenta,
por Wilfrido de York e Wilibrordo, Monge de distensão da reforma e do apogeu de Cluny. A par contudo, algumas variações que transformaram a
Nortumbría, há a destacar S. Bonifácio (m. 754) – de imperativos internos, a restauração da vida tradição da OSB e deram identidade própria a Cluny:
o apóstolo da Germânia –, fundador de grandes religiosa nesta terceira fase também foi movida pela a direcção do estabelecimento por um abade não
mosteiros na região de Turínga, Baviera e Saxónia. necessidade de príncipes ou outros, indepen- eleito que escapava ao controlo dos bispos; a
Na mesma época, o beneditismo continuou a dentemente da firmeza do sentimento piedoso, prioridade dos ofícios litúrgicos, da oração e do
progredir no território franco, onde, desde o séc. assegurarem o poder e estabelecerem uma certa silêncio no programa das actividades diárias; a
VI, beneficiava de contributos régios. Recorde-se, ordem política e social na área sob seu domínio. desvalorização da ascese por via da mortificação; o
por exemplo, a iniciativa das Rainhas Radegunda, Dada a dependência entre as instituições e o posicionamento ostensivo da liturgia, enquanto meio
cujo nome se associa à construção de S.ta Cruz de emaranhado das ramificações, a reforma estendeu- de concretização do ideal de oração perpétua e que
Poitiers, e Matilde, responsável por Chelas e Corbia. -se por influência e determinação pessoal. Referência acentuou a vocação de claustro (propter chorum
No séc. VII, a Regra internalizou-se nas instituições privilegiada para se contactar com esta estratégia fundati). Para ordenar o funcionamento da extensa
de obediência a S. Columbano e integrou-se na projectiva é o Abade Geraldo (m. 959), fundador e complexa rede cluniacense, foram redigidos três
panóplia da Regula Mixta. Nesse período, de Brogne em 914, na Diocese de Liège. Orientando documentos regulamentares durante o séc. X (ordo
celebrizaram-se os Mosteiros de Gorza (748), na um grupo de monges de Saint-Denis que se cluniacensis), cujo sucessivo apuramento estava
Lorena, de Lorsch, perto de Worms (764), ou ainda assumiam temporariamente como abades, Geraldo determinado pela minúcia dos pormenores previstos:
Brantôme (769), Aniane (782) e Conques (795?). procedeu à reforma de uma vintena de mosteiros dois sob os abadiciados de Mayeul e Odilão, o terceiro
Também em Itália, onde o beneditismo ficara contido na Flandres e em Hainaut. Para cimentar e dar denominado Costumes de Farfa (1042/1043). A codi-
no perímetro demarcado por Montecassino, houve continuidade à aplicação das novas práticas, ficação definitiva, base do direito monástico, é

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

atribuída a Ulrique, em uso até em 1081 os eslavos do Norte e ao fundar o primeiro mosteiro Com a Concordata de Worms (1122), decisiva no
(Antiquiores), e a Bernardo (1086-1088). Decidi- polaco. processo de nomeação abacial e que, por isso
damente mais orante que penitente, mais intelectual Cluny foi historicamente registado em dupla mesmo, tem sido utilizada para demarcação
que manual, a espiritualidade cluniacense promovia referência: por ser tomado como modelo da periódica, alguns estabelecimentos religiosos
o cuidado caritativo, a mais manifesta das beneditização e por ser o núcleo comum de um acabariam por se libertar da tutela das abadias e
coordenadas evangélicas. vasto conjunto de estabelecimentos ramificados por proceder a reagrupamentos, com vista à reabilitação
sua iniciativa. Como nenhum outro, Cluny exemplifica ascética ou aproximação à doutrina cristã. Sobre
a tipicidade beneditina corroborada ao longo da sua este fundo contestatário, o monaquismo de tipo
história: dependência e autonomia, rupturas dentro cluniacense, de estrutura centralizada e hierárquica,
de um mesmo quadro vinculativo – a Regra não ficou imune às dissidências por parte dos que
Beneditina –, influências, crise e vivificação, desdo- procuravam uma vida religiosa mais austera e menos
bramento institucional e revestimento de novas sistematizada. Entre os cenóbios e mosteiros que
formas. A mobilidade e plasticidade sempre deram emergiram, uns foram famosos e outros mais ou
oportunidade à OSB quer de se ajustar à variedade menos efémeros e de fraca ou nula representação
dos apelos vocacionais, quer de persistir no tempo, europeia. Famoso foi o da Ordem de Fontevraud
e a multiplicação de estilos oracionais e modelos (1111) que compreendia uma comunidade dupla,
organizacionais não provocou nenhum esmagamento. masculina e feminina, dirigida por uma abadessa,
Por um lado, reforçou a resistência ao colapso, por não obstante a pouco a pouco ter perdido a sua
outro, originou um novelo relacional difícil de originalidade. Destacou-se a comunidade eremítica
deslindar que agrava a descrição da história da OSB. de Pulsano, fundada por Jean de Matera no Monte
Basta atender à pululação da Ordem no séc. XI, Gargano, em 1129. Igualmente Montevergine,
quando a forte corrente eremítica determinou a criação fundada por volta de 1124 por Guilherme de Vercil,
de novas comunidades sob obediência beneditina que se multiplicou e estendeu a sua influência ao
ou dela derivada ou até afastada, concentradas em Sul de Itália e Sicília. Os Gilbertinos, ordem dupla
regiões do Sul da Europa, particularmente em Itália, composta simultaneamente por monges e cónegos,
que mantinha estreito contacto com o Oriente e fundada em 1139 por Gilbert de Sempringham (m.
Bizâncio. Em breve exemplificação, Romualdo (m. 1189), na Diocese de Lincoln, e influenciada pelos
1072) fundou o eremitério de Camoldoli (1023), na Cistercienses. Os Guilhermitas, criados por volta
Mosteiro de Pedroso, Vila Nova de Gaia (JAM)
Diocese de Arezzo, situada nos Apeninos (Toscânia, de 1155 pelo eremita Guilherme, na região deserta
Marcas, Úmbria), dando origem à Ordem dos da Toscânia, evoluindo para um monaquismo de
Cluny foi o símbolo do monaquismo beneditino Camaldulenses, só reconhecida em 1113; João tipo cisterciense. Algumas comunidades ligaram-se
poderoso, faustoso e triunfante. Entre as várias Gualberto, em 1036, estabeleceu uma abadia na à Regra Augustiniana e formaram a Ordem dos
razões, perfilam a sua transformação em centro comuna de Reggelo (Apeninos), que seria reconhecida Eremitas de Santo Agostinho, em 1256. Toda esta
cultural particularmente dedicado à música, como a casa da Ordem Vallombrosa, de vincada movimentação de autonomização sem perda
arquitectura, pintura e escultura. Acresce a singu- dimensão contemplativa; Roberto de Molesme vinculativa à OSB e sem perda da vitalidade
laridade do seu esplendor litúrgico, a sua participação (1028/1029-1111), inspirado directamente no regime institucional evidencia quão complexa se tornou a
nos grandes empreendimentos eclesiásticos e políticos de Cluny, fundou os Cistercienses, ou Frades questão da observância da Regra.
e a estrutura jurídica centralizada, bem em sintonia Brancos, em 1098, cujo apogeu foi alcançado com Em toda a história da OSB, as vicissitudes e as crises
com a estrutura social da época em que se inseriu Bernardo (1090/1091-1153), nomeado Abade de são uma constante, seja pelo desregramento interno,
– a medieval –, dominada pela categoria da Claraval em 1115, e com Guilherme de São Teodorico seja pela pressão externa para apropriação dos
dependência mútua estratificada. Indicativo da (1075-1148), o grande representante da contem- benefícios monásticos, seja ainda por assaltos e
proximidade com o poder feudal é o facto de a plação monástica; S. Silvestre Gualberto (m. 1073), depredações dos bens. No séc. XIII, a OSB sobreviveu
maioria dos monges, particularmente os abades, que está na origem de um eremitério em Fonte num imobilismo relativo, enquanto as ordens
pertencerem à classe senhorial, como afirma Georges Avallana, na Úmbria, cuja vida religiosa era mendicantes traziam renovação espiritual e nova
Duby para vincar o elitismo cluniacense. A influência particularmente marcada por mortificações. Outros abordagem social adequada à dinâmica da época,
de Cluny foi notável, inclusivamente pelo número nomes, entre muitos, integram o quadro genealógico marcada por profundas alterações agrícolas,
de estabelecimentos que a constituíam, quer de intermitentes cenóbios e eremitérios: Estêvão de comercias e urbanas e pela subtileza da especulação
priorados ou casas (La Charité-sur-Loire, Souvigny, Muret, S. Guilherme de Vercelli e Robert d’Arbrissel. escolástica produzida nas universidades, em parte
Sauxillanges, Saint-Martin-des-Champs e Lewesem Neste período de dinâmica fundacional, os bene- devotadas ao apuramento formal do raciocínio e ao
Inglaterra), quer mosteiros (Farfa, Mont-Saint-Michel, ditinos confrontaram-se com as grandes questões espessamento da visão metafísica da realidade. Neste
Lérins, Hirsau, Saint-Denis, Saint-Wanddrille, entre da filosofia medieval, sendo magistralmente contexto apelativo a mudanças, sucederam, entre
outros). O apogeu deu-se no abaciado de Pedro, o desenvolvidas na obra de S.to Anselmo (1033-1109), os papados de Inocêncio III e Bento XII, uma série
Venerável (1122-1156), contando então com cerca enformada pela dialéctica e motivada da busca de reformas infrutíferas, sempre insistentes na ideia
de 1200 dependências povoadas por cerca de 10 000 inteligível de Deus. Foi no Proslogion que a razão de comunidade e visando o particular relaxamento,
monges, repartidos pelos territórios hoje corres- demonstrativa e a adesão fideística coincidiram na a disfunção regulamentar, a apropriação dos
pondentes a França, Itália, Inglaterra, Espanha e construção de um argumento comprovativo da rendimentos monásticos e o descontrolo adminis-
Portugal. Temporariamente, pois desencadearam-se existência de Deus, argumento continuamente trativo. De destacar a promulgação da Constituição
reacções hostis, os monges de S. Bento instalaram- comentado por filósofos e que Kant designaria, Summa magistri dignatio (20 de Junho de 1336),
-se também na Polónia e na Boémia. Ganhou fama embora impropriamente, por “argumento onto- comummente chamada Bula Benedictina e endere-
S.to Alberto de Praga, de origem checa, ao evangelizar lógico”. çada a todas as congregações e abadias da OSB,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

que sem desnaturalizar a tradição de autonomia origem ao monaquismo neobeneditino, mais


lançava continuidade renovada. Verdadeiramente individualista, mais intelectual e menos austero.
ilustrativa do esforço reformador de Bento XII, antigo A força da sua influência revela-se na rapidez com
monge cisterciense, a sua intenção primeira consistiu que se estendeu à maioria dos conventos italianos,
no reagrupamento dos estabelecimentos de englobando por vezes estabelecimentos olivetanos
beneditinos negros em 36 províncias eclesiásticas e outros como La Cava, Farfa, Subíaco e
(10 em Itália, 6 em França, 4 na Alemanha, 3 em Montecassino.
Espanha, um em Inglaterra, etc.). Na esperança de Também fora de Itália, conseguiu mobilizar outras
aproveitar benignamente a participação dos altos instituições a reformarem-se, tais como algumas dos
representantes comunitários, a Benedictina propunha condados germânicos do Sul, da Áustria e da Baviera
a reunião capitular de três em três anos, de modo Mosteiro de S. Bento, S.to Tirso (JAM)
(1418), graças quer à determinação de Nicolas
a exercer-se uma vigilância disciplinar comum e a Seyringes, monge proveniente do Subíaco, quer aos
administração disponibilizar ajuda mútua na resolução apoios dados pelo Duque Alberto V da Áustria e
de desvios com base nas informações elaboradoras conventos devido à peste negra e destruição pelo Bispo de Posen. Em 1470, 17 abades, eleitos
por visitadores e fiscais. A par desta proposta e no provocada por guerras contínuas. Por essa altura, a livremente e em representação da própria instituição,
mesmo intuito avançava com a integração das casas florescente Saint-Martin de Tournai não tinha mais reuniram-se em Melk, grande centro reformador, e
isoladas e de pequenas congregações num sistema de 24 elementos, em 1330, e Cluny passou de 120 aí constituíram a União de Melk, de observância
organizado, defendia a desconcentração das grandes monges para 80, entre 1360 e 1420, contando regida pela abstinência e simplicidade. O facto de
ordens em agrupamentos menores coerentes, como apenas com 60, em 1426. Uma certa política nunca se assumir como congregação não afectou
o caso de Cluny, exigia a reunião dos mosteiros em sistemática dos abades, que recusavam o aumento o poder de influenciar, pelo que a reforma proposta
províncias e obrigava à sua participação nos Capítulos de religiosos para não constranger a gestão pela União atingiu extensivamente a Áustria,
Provinciais. A Benedictina insistia na sancionação, administrativa nem diminuir a parte de cada um, o contaminou Souabe e margeou o Norte da Baviera,
no ensino (Gramática, Lógica e Filosofia), na tomada relaxamento dos costumes, a inobservância dos votos à volta de Kastl (Diocese de Eichstaedt).
de medidas favoráveis a uma gestão económica e o Grande Cisma provocaram uma certa estagnação Na mesma época, entre os reagrupamentos similares,
eficaz, enfim, na renovação de uma imagem aceitável e atonia, aceleraram a decomposição da OSB e há a mencionar a Congregação de Bursfeld
da OSB. A inexistência de meios para aplicação enfraqueceram a coerência dos agrupamentos que (Alemanha), iniciativa de João Déderoth, monge de
destas medidas controladoras decepcionou as pouco a pouco se dividiram. Mais uma vez, irrompeu Rheinhausen, que, após ter reformado Clus, recebeu
expectativas reformistas, causando desordem e o que se afigura como uma tradição crítica eivada a missão de fazer o mesmo em Bursfeld. Levou
comprometendo a vitalidade espiritual. de construtivismo e os abades beneditinos avançaram quatro monges de Saint-Mathias de Trêves que
Ao longo do séc. XIII, a OSB teve dois registos com reformas para restabelecer uma vida religiosa puseram em aplicação os princípios de João Rode.
contrários: ao mesmo tempo que fortaleceu e autêntica, desembaraçando-a das recorrentes Em 1446, o sucessor de Déderoth, João de Hagen,
continuou a recrutar religiosos, de tal modo que irregularidades perturbadoras e dos abusos derivados decidiu agrupar os mosteiros assim reformados numa
algumas abadias alcançaram índices de grande da sujeição à comenda, benefício que entregava a congregação chamada Bursfeld, cujo estatuto
prosperidade e notoriedade intelectual (Saint-Martin direcção da Congregação ao Abade Comendador, impunha austeridade estrita e eleição livre do Abade.
de Tournai), emergiram sinais de debilidade. Por pessoa exterior à comunidade monástica. Segundo registos do ano de 1469, esta corporação
exemplo, as grandes fundações pararam, datando Os Concílios de Constança (1414-1419) e Basileia religiosa conseguira reunir 36 mosteiros. Pela
a última de 1231, a dos Silvestrinos ou Beneditinos (1431-1445), determinados na actualização do poder proximidade rigorista (clausura, rudeza do regime
Azuis. Sob a tutela de Silvestre Guzzolini, a Ordem, papal, propuseram estabelecer um regime digno quotidiano, silêncio, flagelações, etc.), pelo lugar
em Itália, teve os Estatutos aprovados em 1247, os para o monacato, de modo a injectar vitalidade e fundamental atribuído à oração pessoal e impacte
quais acentuavam a austeridade, a pobreza estrita respeito pelo viver autónomo, num quadro de relação reformista, há a referir a Abadia de S. Bento de
e incluíam a prática da confissão e da pregação à vinculativa e compromisso regular. A concretização Valladolid. A partir de Espanha, originou um
maneira das ordens mendicantes. O vigor da OSB da reforma teve configurações diversas, ajustando- movimento renovador transfronteiriço.
despontaria ramificações menos robustas, mas não -se a situações casuísticas e a interpretações pessoais, Ao longo do séc. XV, tendo em conta a desor-
menos problemáticas, como a dos Florenses ou de umas vezes dando origem a novas congregações, ganização das ordens antigas e as reivindicações
Joaquim de Fiore (c. 1134-1202), Celestinos, outras não. Tal é o caso da acção reformadora de gerais a favor da autonomia e paz conventual, tentou-
Olivetanos e Corpus Christi, esta criada em 1328 João Rode (1358-1439) na Abadia de Saint-Mathias -se difundir duas medidas complementares. Uma
por Andrea di Paolo. O vigor da OSB manifestar-se- de Trêves, que nunca originou uma congregação, consistiu em reagrupar Beneditinos e Cluniacenses,
-ia ainda em três grandes reformas: Kastl, Bursfeld não obstante ter sido aplicada em mosteiros renanos tendo Cluny participado plenamente nesta tarefa
e Melk. A reforma de Kastl, na Baviera, foi iniciada de homens e mulheres (a partir da Abadia de sob a direcção dos Abades João de Bourbon e
em 1381 por Francisco de Kastl, de quem tirou o Marienbourg), defendendo a austeridade da vida Jacques d’Ambroise, destacando-se, entre outras,
nome. O seu rápido declínio contrasta com a sua quotidiana, prática da caridade, meditação pessoal as Abadias de Saint Benoît-sur-Loir e Saint-Evre de
rápida influência, alcançando directamente e trabalho intelectual. Ao contrário, a introdução Toul. Outra empresa reformadora foi posta em acção
Reichenbach (1394), Ensdorf (1413), Weihenstephan da Regra na Abadia de S.ta Justina de Pádua, fundada a partir de 1479, na Abadia de Chezal-Benoît,
(1418), Michelfeld (1436), S. Gall (1440), Veilsdorf a pedido do Papa Gregório XII por Luís Barbo em pertencente à Diocese de Bourges, pelo Abade Pedro
(1446) e S. Emmerano de Ratisbona (1452). Na 1407, estendeu-se a todos os estabelecimentos du Mas. Este insistia na vida cenobítica e na dureza
sequência da expansão da reforma de Kastl surgirão, dependentes e justificou a instituição da Congregação obrigatória da vida quotidiana. Mas, talvez inspirado
na segunda metade do séc. XV, dois grandes centros Cassiniana, em 1504. O acento na ruptura com o por S.ta Justina de Pádua, decidiu que a congregação,
reformadores: Melk e Bursfeld. mundo exterior e a recusa em aceitar uma de onde operava o reagrupamento, seria dirigida
No séc. XIV, assistiu-se à ruína de abadias causada organização selada pela presença de um abade por uma Assembleia Geral, reunindo representantes
por dificuldades económicas, despovoamento dos perpétuo afastou-os da tradição beneditina, dando de cada estabelecimento e que os Abades de diversas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

instituições seriam eleitos apenas por um período antimonásticas muito populares e contagiantes, cujas
de três anos, tendo reunido mosteiros na bacia de consequências foram humanamente dramáticas: a
Paris e a norte de França (Saint-Suplice de Bourges, intervenção estatal e a exclaustração, seguida da
Saint-Martin de Sées, Saint-Vincent du Mans). No desamortização e, em geral, perseguição religiosa
mesmo período, o monaquismo desapareceu aos exclaustrados. A estas medidas, devoradoras de
completamente nos países escandinavos e nas ilhas mosteiros, devem-se acrescentar as consequências
britânicas, particularmente nos países germânicos, culturais provocadas quer pelo desbarato de
na Suíça, nos Países Baixos espanhóis. bibliotecas e arquivos, quer pelo saque de tesouros
O Concílio de Trento (1545-1563), que reagiu contra de arte sacra. Em França, a Comissão dos Regulares
a pressurização da Reforma e inaugurou um período (1766), encarregada pelo poder real de rever as
de revisão e reestruturação em toda a Igreja, assentou instituições de todas as congregações e ordens
na sua 25. a sessão alguns princípios de reforma religiosas, suprimiu a antiga observância de Cluny,
monástica que moldaram decisiva e intensamente assim como priorados das congregações maurista,
a vida beneditina, desde a sensibilidade devocional calmudense, guihermista e celestina. A desamor-
à expressão teológica e molde canónico. Das tização dos mosteiros, englobada na confiscação
deliberações, de carácter eminentemente jurídico, total dos bens da Igreja e decretada pela Assembleia
fixou-se a duração do Noviciado (um ano), prescreveu- Constituinte de 2 de Novembro de 1789, permitiu
-se a idade mínima para a profissão (16 anos) e que os municípios vendessem incondicionalmente
regularam-se outros aspectos, como a administração propriedades a particulares com capacidade para
de bens e a concessão de privilégios. Nele aumentar o património pessoal. Mais tarde, quando
participaram beneditinos representantes de posições a França anexou a margem esquerda do Reno,
extremadas e moderadas, distinguindo-se neste estipulou-se no Tratado de Lunéville (1801) a
último grupo o Beato Paulo Giustiniani (1476-1528), expropriação das congregações e ordens como
Interior do Mosteiro de S. Bento, S.to Tirso (JAM)
pelo manifesto equilíbrio entre o humanismo medida compensatória. Os príncipes espoliados foram
renascentista e o ideal monástico mais exigente. Na compensados com o património monástico e, a
Ordem Beneditina adoptou-se o sistema de do monaquismo beneditino graças à criação de duas pouco e pouco, as abadias desapareceram.
congregações, inspirado no de províncias, adoptado congregações, a de Saint-Vanne e de Saint-Maur, As primeiras exclaustrações foram antecipadas por
por outras ordens modernas. Alterou-se inteira e modelares na coesão interna, regularidade da vida Decreto da Assembleia Constituinte francesa, de 28
definitivamente a situação dos mosteiros. No caso religiosa e estrita articulação ao papado. Saint-Vanne de Outubro de 1789, que proibiu temporariamente
dos estabelecimentos que não aceitaram as decisões de Verdun foi reformada pelo Monge Didier de la a emissão de votos. A 13 de Fevereiro de 1790, a
tridentinas, ficaram submetidos aos bispos, passando Cour em 1600, e agrupava 400 casas distribuídas proibição tornou-se definitiva e aboliram-se as ordens
a ser conhecidos por “velhos beneditinos”. Destes pelas regiões de Lorena, Franche-Comté e Champagne. de votos solenes, tendo-se criado duas possibilidades:
não incorporados, alguns houve que, querendo Na época moderna, coube à Congregação de São opção pela secularização acompanhada por uma
escapar à autoridade episcopal, se agruparam em Mauro simbolizar o renovamento beneditino. pensão vitalícia, ou reagrupamento em casas
“congregações de isenção”, como aconteceu na Fundada em 1618, integrou mais de 200 mosteiros concentradas de ordens e congregações. O começo
Flandres e em França, criando uma nova figura de e dedicou-se ao ensino, ao ministério paroquial e à da perseguição dos exclaustrados fundamentou-se
reagrupamento autónomo. Em todo o caso, instituiu- investigação histórica. Na história da cultura e da na condição sacerdotal da maioria deles, condição
-se um sistema federativo, em que os mosteiros de erudição, sobressaem os nomes de Achery, Mabillon, que obrigava à prestação de um juramento cívico,
tipo individualista, continuando independentes ou Bousquet, Martène e Montfaucon. De não menor que por suposto nem todos acataram. Inicialmente,
relativizando a independência, se agrupavam sob a notoriedade pela dinâmica organizativa foi a a desobediência consistiu só na perda dos cargos
autoridade de um Abade Geral, assistido por Congregação de França, aparecida em 1624, com ou pensões, agravando-se a penalização da
Definidores, Visitadores e outros oficiais, tendo por uma centena de conventos. No mesmo período, a desobediência a partir 26 de Agosto de 1792, quer
órgão supremo, o Capítulo Geral. Nesta organização, Ordem de Cluny conheceu dissenções e quedas. com a condenação dos refractários à deportação
o Abade Local e tudo o que pudesse representar Uma tentativa de reforma para estabelecer a para uma colónia francesa, em caso de se verificar
autoridade passou a ter um carácter temporário, regularidade da vida religiosa desejada pelo Abade resistência, quer com a morte, em caso de tentativa
com mandatos geralmente trienais. As congregações Jacques de Veny d’Arbouze, no ano de 1621, de emigração clandestina. Em Outubro de 1793, a
foram: Mélida (1548); Flandres e Bélgica (1564); conduziu à divisão da Ordem em duas facções: uma, pena capital estendeu-se a todos os que não
Portugal (1566); França (1580); Espanha (1592); San da “antiga observância”, que recusou a reforma; compareciam à chamada para deportação (ilhas de
Vanne (1604); S. Dinis (1614); S. Mauro (1618); outra, de “estrita observância”, na qual se colocou Ré e de Oléron) e a quem os escondia. Dois casos
Estrasburgo e Alsácia (1622); Suíça (1622); S. José o Abade de Cluny, aderente da reforma. ilustram significativamente o extremismo do
(Clemente VIII); Austríaca (1635); Cluniacense Os beneditinos ingleses, perseguidos na Abadia de movimento anticlerical, simbolizado na proibição do
reformada (1634); Salisbúria (1641); Bávara do S.to Westminster em 1559, encontraram refúgio em uso de hábito religioso (1893): a morte do Superior
Anjo (1684); Espírito Santo (1685); Boémia (1709); congregações do continente. Reagruparam-se para Geral da congregação de Saint-Maur, Ambrósio
Mequitarista (1711). reconstituir a Congregação Beneditina Inglesa, Agostinho Chevreux, massacrado na igreja parisiense
Ao Concílio de Trento seguiram-se decretos aprovada em 1612, com Constituições redigidas em dos Carmelitas em Setembro de 1792, e a morte
prescritivos rectificadores emanados pelos Papas Pio 1621. do Superior da observância estrita de Cluny, João
V (1566-1572) e Paulo V (1605-1621), no sentido A história beneditina do séc. XVIII, como a história Baptista Courtin, guilhotinado em Paris em 1794.
de obrigar à realização quer de Capítulos Provinciais monástica no seu todo, foi particularmente influen- Em apoio dos perseguidos, organizou-se em Inglaterra
ou Gerais de três em três anos, quer das visitas ciada pelo jansenismo, josefismo e Revolução um serviço de socorro eficiente e regular, tendo os
canónicas. No séc. XVII, verificou-se o renascimento Francesa e profundamente marcada por duas medidas beneditinos de Gand sido os primeiros a desembarcar

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

(1794). Os beneditinos de Bruxelas chegaram a 20 e 23 de Maio de 1814. À morte do rei, assina- movimento de restauração foi iniciado em França
Londres no mesmo ano e estabeleceram-se lando o fim do antigo regime e velho monacato, as por Próspero Guéranger, que fundou Solesmes e
inicialmente em Winchester. Estes mudaram para cortes liberais instituídas retomaram a questão instituiu a congregação francesa, em 1837. Logo
East-Bergholt perto de Colchester em (1875), e monástica, promulgando a 25 de Outubro do mesmo foi seguido na Alemanha pelos irmãos Wolter, que
aqueles fixaram-se em Oulton, perto de Stone (1853), ano a Lei dos Regulares, suprimindo as ordens fundaram a Congregação de Beuron em 1868. Na
depois de terem permanecido em Caverswall Castle. religiosas e reservando alguns conventos para asilos. Itália, aparece a Congregação Americano-Cassinense,
Napoleão prolongou o movimento antimonacal e, Os sucessivos revezamentos dos partidos no governo em 1855, e a Subeacense, dita Cassinense da
a 4 de Dezembro de 1808, firmou, em Chamartín, provocaram fortes oscilações nas posições clericais Primitiva Observância, em 1909.
o decreto de exclaustração parcial, com respectiva e anticlericais. Quando de novo sucedeu o regime
redução dos mosteiros à terceira parte, reforço da absoluto, as ordens reais, emanadas de 11 de Junho 5. Confederação beneditina. Foi neste horizonte
proibição relativa à admissão de noviços e insistência e 12 de Agosto de 1823, revogaram as enclaus- impregnado de antiespiritualidade que Leão XIII
na escolha entre a secularização ou o agrupamento trações e devolveram aos proprietários os bens equacionou as medidas mobilizadoras da restauração
em mosteiros indiferenciados. Toda a Europa confiscados, sem direito a indemnização. E, quando católica. Considerando agora apenas o caso dos
participou neste ambiente epocal e, como conse- avançou o governo de Martínez de la Rosa, por Beneditinos, Leão XIII lançou, em 1893, uma
quência, a exclaustração e a desamortização oposição, o Decreto de 26 de Março de 1834 instituição de cúpula capaz de interligar as congre-
estenderam-se progressivamente, à medida que as suprimiu alguns conventos que tinham apoiado os gações beneditinas existentes e vinculadas à Regra
ideias anticlericais ganhavam força de lei e as invasões carlistas na guerra civil e de seguida, a 22 de Abril, e tradição da OSB. Tal instituição denominou-se
francesas iam progredindo. Com a anexação dos proibiu a admissão de noviços, criando uma Junta Confederação Internacional Beneditina (CIB), foi
territórios situados na margem esquerda do Reno Eclesiástica para analisar assuntos deste âmbito. Com fornecida com regulamento jurídico próprio, presidida
por parte de França (1 de Outubro de 1795), depressa o programa progressista Mendizál, reforçou-se a pela figura do Abade Primaz e sediada em Roma
o anticlericalismo chegou à Bélgica e Luxemburgo exclaustração e supressão das ordens monásticas (Breve Summa semper). É actualmente presidida por
e se impôs por Decreto de 1 de Dezembro de 1796. (11 de Setembro de 1835). Toda esta oscilação Notker Wolf, eleito no Congresso de Abades a 7 de
Na Alemanha, a exclaustração afigurou-se evidencia a incompatibilidade entre a construção da Setembro de 2000. A Confederação integra órgãos
consequência de uma desamortização total dos bens racionalidade moderna – a querer dominar todas as de decisão e formação: o Congresso dos Abades,
monásticos, motivada por conveniência financeira, instâncias do pensar e agir humanos – e os alicerces que promove o regular diálogo interinstitucional, é
ou seja, por estratégia seguradora de fundos numa religiosos, suporte de um modelo de conhecimento constituído por Abades, Superiores de priorados
conjuntura histórica determinada. Na Áustria, sob mediado pela Fé. independentes, Prior do Colégio Internacional de
o governo da Imperatriz Maria Teresa, estabeleceu- S.to Anselmo, Reitor do Ateneu, Administradores e
-se, em 1756, uma comissão inicialmente controladora Procuradores legitimamente designados e é
dos mosteiros, alguns extremamente prósperos convocado de quatro em quatro anos, sendo uma
(Melk), o que conduziu posteriormente à supressão das funções estabelecidas a eleição do Abade Primaz;
verificada em 1783. No mesmo movimento o Sínodo dos Abades negoceia matérias comuns às
invasionista e antimonástico foram suprimidos os congregações; o Colégio de S.to Anselmo, centro
mosteiros suíços, a partir de 1794, e todas as abadias internacional beneditino de estudos (domus
da Toscana, em 1807. Em Espanha, por exemplo, a studiorum), situado em Roma e onde funciona o
exclaustração definitiva foi tardia (Decreto de 4 de Ateneu Pontifício de S.to Anselmo, centro cultural
Dezembro de 1808), tendo lugar quando a França monástico beneditino. Estes órgãos comportam
já estava em plena restauração trapense e em véspera diferentes serviços que projectam diversas funções
da beneditina. Em Itália, outro exemplo diferente é administrativas ou assistenciais. A Confederação está
o de José Bonaparte, que decretou o encerramento ligada a outras instituições monacais internacionais
de todas as casas religiosas no prazo de 15 dias, independentes e a instituições ecuménicas e
com contagem a partir de 18 de Agosto de 1809, comunidades leigas variadas. Com Pio XII, toda a
à excepção de Montecassino, Cava e Montevirgine. legislação da Confederação foi codificada na Lex
Por conseguinte, embora a legislação anticlerical propria, sua constitutione Confoederationis
corresponda à concreção da ideologia oitocentista monasticarum Ordinis Sancti Benedicti, promulgada
dominante, as circunstâncias políticas e situações a 21 de Março de 1952. Importa destacar o
militares de cada país tornaram anacrónica a sua congresso de 1973, devido à decisão tomada sobre
aplicação. a eleição do Abade, fixa de oito em oito anos com
A par da hostilidade dirigida aos regulares e à Igreja, direito a reeleição por um período de quatro anos.
vai-se constituindo um movimento defensivo com Em 1960, a Confederação foi alargada com a
enquadramento político. A sucessão em alternativa integração da Congregação dos Oliveteanos,
Interior do Mosteiro de S. Martinho de Tibães (JAM)
dos partidos governamentais provocou uma seguindo-se os Vallombroseanos (1966), os Eremitas
intermitência ora favorável, ora desfavorável ao sector de Camaldoli (1966) e os Silvestrinos (1973).
religioso. A relação directa entre o fluxo e refluxo No séc. XIX, a OSB estava moribunda, mas, mais Actualmente, as 21 congregações vinculadas à CIB
ideológico-político e a alteração de pressão sobre o uma vez, recuperou o seu vigor e revestiu estão individualmente representadas em Roma pelo
sector religioso são paradigmaticamente ilustradas observâncias extremamente variadas, sobretudo a respectivo Abade e mantêm reuniões anuais. Em
por Espanha. Assim, com o regresso de Fernando partir da segunda metade do século. Algumas antigas 1957, a CIB contava com 11 500 religiosos, mas a
VII como rei absoluto e imediata abolição do sistema instituições reapareceram ou reencontraram a sua crise de vocações, sobretudo de vocações estáveis,
liberal, as casas e propriedades confiscadas aos dinâmica (Congregação Cassiniana) e outras foram provocou uma diminuição de efectivos e, em 2004,
religiosos foram devolvidas, por ordens datadas de criadas (Sainte-Cécile de Solesmes, em França). Este contabilizaram-se 8000 monges.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

Com excepção do período dominado pelo nacional- denominada International Commission on Benedictine sucedem-se os Cistercienses: Tarouca (1144), Lafões
-socialismo alemão e pelo regime comunista após Education (ICBE). Publica edições científicas, a (1163), Salzedas (1196), Aguiar (1190), Macieira-
1945, a OSB ganhou estabilidade no séc. XX. salientar Corpus Cristianorum (Seebbrugge), Volgata -Dão (1195), S. Pedro de Águias (1201), Fiães (1203),
A Ordem dilatou-se pelo Novo Mundo, lançou-se (Roma, S. Jerónimo), Vetus Latina (Beuron), Corpus Seiça (1206), Bouro (1208), Estrela (1234).
no apostolado missionário (Congregação Missionária Consuetudinum (Roma, S.to Anselmo), e mantém em No séc. XIV, os mosteiros portugueses não estiveram
de Santa Otília) e fomentou o movimento litúrgico. circulação várias revistas científicas e históricas de imunes ao relaxamento disciplinar nem isentos do
A partir de 1919, reconheceu-se o interesse das referência, como Revue Mabillon (Ligugé, França), vínculo aos comendadores. Foram igualmente
missões para as colónias, dando resposta pronta às Downside Review (Downside, Inglaterra), Worship dizimados pela peste negra e neles se repercutiu a
necessidades locais e obedecendo a cinco princípios: (St. John, Collegeville, EUA), Studia Monastica crise nacional decorrente da Revolução de 1383.
co-responsabilidade, descentralidade, subsidiaridade, (Montserrat, Espanha), Revue Bénédictine (Maredsous, A situação criada trouxe à evidência a necessidade
solidariedade e adaptabilidade. Exemplo dessa Bélgica) e Studia Anselminiana (S.to Anselmo, Roma). de reformas. Seguiu-se a mobilização de autoridades
expansão transeuropeia foi a iniciativa de Camilo Com página própria na Internet (www.osb.org), a diocesanas (D. Fernando da Guerra e D. Luís Pires),
Leduc que estabeleceu o Mosteiro de S.to André de OSB mantém uma presença discreta impossível de reis (D. Duarte e D. Afonso V), e regrantes, entre
Bruge, em 1927, em Si-Shan, perto de Shundking contornar, diminuir ou anular. eles o Abade Gomes Anes, discípulo do grande
(China), dotando-o de uma biblioteca dedicada aos reformador olivetano Luís Barbo, e o Abade João
estudos orientais. O fracasso de algumas fundações 6. Ordem Beneditina em Portugal. Embora na Álvares, de Paço de Sousa. Desentendimentos e
(Leopolville, no Congo Belga, abandonado em 1925; Península Ibérica a vida monástica tenha seguido protestos isolaram as diversas propostas de reformas
Beagle Bay no Norte da Austrália até 1903) não um caminho próprio devido à invasão mulçumana, e inviabilizaram a generalização de bulas renovadoras.
interrompeu o expansionismo, como comprova a a reforma de Cluny entrou em Espanha através dos A reforma efectiva começou no Mosteiro de S.to
fundação de Keur-Moussa (Senegal) em 1963, reinos de Navarra, Leão e Castela. Relativamente ao Tirso com o Abade Comendatário D. António da
tornada abadia 19 anos mais tarde, notável pelo condado e posterior reino portucalense, toda a Silva e com a chegada, em 1558, do Fr. Pedro de
culto da música sacra. Os bascos Belloc, Dahomey informação sobre a reforma cluniacense e a OSB, Chaves (espanhol) e Fr. Plácido Villalobos (natural
e Benin, em 1963, criaram S. Bento das Fontes, em em geral, deve ser prioritariamente procurada no de Lisboa), os dois provenientes do Mosteiro de
Zagnando, na Diocese de Abomey (Tanzânia). Na trabalho de José Mattoso, que investiu na ordenação Montserrat.
Índia, a 21 de Março de 1950, o beneditino Kergonan de maços de pergaminhos e na reconstituição de A Congregação dos Monges Negros de São Bento
Henri le Saux e o Sacerdote Júlio Monchanin séries de documentos, viabilizando uma análise dos Reinos de Portugal foi das primeiras a constituir-
fundaram o Mosteiro de Saccidananda o Shantivanam tipológica e estrutural de consulta incontornável. -se logo após o decreto reformador do Concílio de
(Tamic Nadu), de estrutura similar a um ashram. Esta Mattoso atestou que a Regra é mencionada pela Trento. Foi efectivamente erecta, em 1566, pela Bula
adaptação cultural e internalização de certos primeira vez numa prescrição do Concílio de Coiança In eminenti de Pio V e completada pelas Bulas
costumes (vegetarianismo e hábito) são reveladoras de 1055, em alternativa com a Regra de S.to Isidoro, Regimini Universalis Ecclesiae e Ex injuncto nobis
da capacidade vivificadora das marcas da segundo o costume peninsular da não-exclusividade. desuper, ambas de 1567. No estudo de Geraldo
espiritualidade beneditina. A sua aplicação efectivou-se no Mosteiro de Vilela, Dias informa-se que a Congregação foi formada por
O monaquismo pós conciliar investiu na dinâmica em 1086, e no de S. Romão do Neiva, em 1087. 22 abadias de diferentes dioceses, precisamente 18
interinstitucional e criou uma estrutura mediadora, A Regra é ainda citada em documentos dos Mosteiros de antigos mosteiros e 4 de outros construídos de
a Aliança Inter-Mosteiros (AIM), que promove a do Paço de Sousa, de 1087, da Pendorada, de 1099, raiz, do Colégio de S. Bento de Coimbra, tornado
cooperação, a solidariedade e o Diálogo Inter-religioso deduzindo-se deles a sua observância. Também o abadia por volta de 1588, e de 2 casas menores
Monástico (DIM/MID). processo de eleição do Abade de S.to Tirso, em 1092, (Foz do Douro e Braga). No primeiro grupo,
Os Beneditinos sempre se ocuparam da educação e processo típico da Regra, e a atribuição do título de
da cultura, algumas vezes de modo paradigmático. Prior aos Abades de Leça, em 1093, de Pendorada,
Embora não tenha tido uma escola teológica e em 1094, de Paço de Sousa, em 1104, e de Cete,
filosófica própria, destacou-se S. to Anselmo que em 1117, permitem atestar a influência cluniacense.
recebeu o título de Doutor da Igreja. Foram muitos A relação entre o Abade de Tibães e S. Geraldo,
os papas pertencentes à OSB por curtos ou longos Arcebispo de Braga que havia professado no mosteiro
períodos de pontificado: S. Gregório I, o Grande cluniacense de Moissac, admite a introdução dos
(590-604), S. Bonifácio IV (608-615), Adeodato II costumes de Cluny no mosteiro tibanense, tanto
(672-676), João IX (898-900), Leão VII (936-939), mais que o biógrafo do arcebispo lhe atribui
Silvestre II (999-1003), Estêvão X (1057-1058), actividade reformadora na diocese. Mattoso afirma
S. Gregório VII (1073-1086), Beato Vítor III (1086-1087), que entre 1080 e 1115-1120 os mosteiros das
Beato Urbano II (1088-1099), Gelásio II (1118-1119), Dioceses de Porto e Braga haviam adoptado a Regra
Celestino IV (1241-1241), Nicolau III (1277-1280), e os costumes cluniacenses, sem se filiarem na
S. Celestino V (1294-1294), Beato Urbano V (1362- Congregação nem obterem isenção canónica. Fora
-1370), Pio VII (1800-1823). Actualmente, entre as desta área, outros mosteiros tinham filiação
figuras de forte projecção religiosa, destacam-se os cluniacense, como Rates (1100), Vimieiro (1127) e
Beatos Plácido Riccardi, Cardeal Dusmet e Cardeal S.ta Justa de Coimbra (1102). Todavia, e não obstante
Schuster. Também se reconhece o esforço de Luca a adesão e presença, mesmo em comunidades
Etlin de Conception (EUA) e Meinrado Eugster de eremíticas, o sistema beneditino não foi o único no
Einsiedeln a favor do retorno à autêntica tradição território português. Alguns antigos mosteiros
da OSB. A OSB possui centros para formação dos passaram para a reforma de Cister a que D. Afonso
próprios religiosos e escolas que promovem o ideal Henriques deu ajuda, em particular depois da vitória
beneditino, integradas numa organização de apoio de Ourique, em 1139. Numa linha genealógica, Mosteiro de S. Martinho de Tibães (JAM)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS BENEDITINOS

inscreveram-se S. Martinho de Tibães (1569), cabeça e na leccionação, manifestando maior dedicação à monásticas e a extinção de vários conventos (18 de
da Congregação e respectiva casa capitular, S. to pregação e ministérios que ao retiro contemplativo. Outubro de 1822). D. João VI suspendeu as medidas
André de Rendufe (1569), S.ta Maria de Pombeiro Deste modo, o Capítulo Geral de 1575 investiu na (14 de Junho de 1823), sendo novamente revogadas,
(1569), S. Salvador de Travanca (1569), S. João de criação de três colégios de coristado (Latinidade, em até se decretar a extinção definitiva de todas as
Arnoia (1569), S. Miguel de Refojos de Bastos (1569), Refojos de Basto; Artes, em Alpendorada; Teologia, casas das ordens regulares, correspondente à
S. Romão de Neiva (1569), S. João de Cabanas em Coimbra) e por deliberação de Gregório XVI exclaustração total, datada de 28 de Maio de 1834.
(1569), S. Salvador de Ganfei (1569), S. João Baptista (1596) a Congregação usufruía do privilégio de Em consequência, os exclautrados dispersaram-se
de Alpendorada (1569), S. to Tirso de Riba d’Ave conferir graus de bacharel, mestre e doutor, com em direcções tão variadas que o estudo reconstitutivo
(1569), S. Miguel de Bustelo (1585), S. Martinho do direito quer a privilégios e isenções, quer ao das trajectórias pessoais resulta impossível. O último
Couto de Cucujães (1588), S. Salvador de Palme reconhecimento à jubilação, a quem quer que monge da congregação portuguesa dos Beneditinos
(1588), S.ta Maria do Carvoeiro (1588), S. Cláudio leccionasse ininterruptamente durante 12 anos. morreu aos 85 anos, em 1894.
de Lima ou Clódio (1588), S. João de Arga (1588), Também nesta reunião capitular se colocou o A restauração portuguesa começou com Fr. João de
S.ta Maria de Miranda (1588). No séc. XVI, foram problema da fundação de mosteiros nas ilhas Santa Gertrudes Leite Amorim, vindo do Brasil.
edificados os Mosteiros de N. Sr.a da Estrela (1571) atlânticas, na Índia e no Brasil. Angariou vocações e comprou o Mosteiro de
em Lisboa, S. Bento dos Doze Apóstolos (1581) em A congregação portuguesa expandiu-se para o Brasil Cucujães (1875), elevado a Priorado (1876) e, anos
Santarém, S. Bento da Saúde (1581/1593), S. Bento com o apoio de Filipe II. Em 1580, o irmão donato depois, a Abadia (1888). São duas as etapas de
da Vitória (1596) no Porto. O processo das tomadas Pedro de São Bento Ferraz, brasileiro, foi enviado à restauração da Confederação Portuguesa. A primeira
de posse dos mosteiros pela vagatura dos Bahia para sondar uma possível fundação, ainda que data de 1888 (Couto de Cucujães) e assinala a
comendatários foi moroso e dificultoso, pelo que o esse não fosse o motivo declarado. O acolhimento federação na Congregação Beuronense (Alemanha),
primeiro Capítulo Geral se reuniu em Tibães, a 10 foi excelente, tendo sido doado um terreno para que mais tarde ajudou na fundação do Mosteiro de
de Setembro de 1570 (Livro dos Capítulos Gerais fundação de um mosteiro pelo casal Francisco- Singeverga, Roriz (1892). A Congregação foi de
da Congregação do Glorioso S. Bento e das Suas -Alfonso Condestável e Maria Carneiro. A 7 de seguida penalizada pelo Decreto monárquico de 18
Definições e Eleições). Nele participaram 19 Outubro de 1581, o Capítulo Geral da Congregação, de Abril de 1901, que proibiu a vida de clausura,
representantes de oito mosteiros, encarregados da sob direcção do recém-eleito Plácido Villalobos (1 os Noviciados e os votos, exceptuando as instituições
redacção das constituições e realização de eleições. de Outubro de 1581), concordou com o esta- dedicadas à instrução, beneficência ou propaganda
O primeiro Abade Geral foi Fr. Pedro de Chaves, belecimento de casa e enviou Fr. António Ventura da fé e civilização no Ultramar, levando ao encerra-
nomeado de 1569 a 1578 e eleito por mais um que seria o primeiro Abade de S. Sebastião de S. mento de Cucujães e da escola claustral de
triénio (1578-1581), seguindo-se Fr. Plácido Villalobos Salvador na Bahia (1581). Seguiram-se construções Singeverga. Não obstante, anteviu-se a possibilidade
(1581-1587), Fr. Baltasar de Braga (1587-1609) e de abadias no Rio de Janeiro (1586), Paraíba do de contornar o decreto, caso se assumisse a figura
Fr. Gonçalo de Morais (1590-1593), num total de Norte (1596) e S. Paulo (1598), de onde irradiou a de associação, pelo que se instituiu a Associação de
94 gerais. Em 1569, a congregação portuguesa era beneditização brasileira. Na Junta de Pombeiro, de São Bento, cujos Estatutos foram aprovados a 2 de
constituída por 80 monges e os dados recolhidos 22 de Agosto de 1596, esboçaram-se as primeiras Novembro de 1903. A implantação da República (5
na visitação de 1588-1589 indicavam 180 regrantes, constituições da Província do Brasil, erecta nesse de Outubro de 1910) deixou emergir as antigas
cuja distribuição era decidida de três em três anos mesmo ano. Os Abades eram eleitos, sempre em medidas de exclaustração e Cucujães foi arrolado e
pelo Capítulo Geral. Em função do número de número de dois, nos Capítulos Gerais realizados em vendido, escapando Singeverga por estarem vivos
monges, distinguiam-se os mosteiros em maiores Portugal. As dificuldades de recrutamento para o os doadores. Nele permaneceu o Superior P.e Manuel
ou menores, estes com menos de 13 residentes. Brasil, conjuntamente com a ordenação da exclusão Baptista Ramos e dois irmãos, mantendo um reduto
Além disso, os mosteiros estabeleciam duas categorias de mestiços e não nobres na Congregação (Pombeiro, institucional, que se converteu no ponto de apoio
de regrantes: os clérigos e os irmãos leigos ou irmãos 1600), levaram a acrescentar um quarto voto: voto para a arrancada da segunda restauração, prota-
donatos, orientados para a prestação de serviços de passar o mar. Para a história da presença gonizada por D. António Coelho e D. António
auxiliares. As Constituições de 1629 exigiam como beneditina no Brasil, há a considerar o período das Ildefonso, ambos postulantes na Bélgica (8 de
condição de admissão o saber latim ou, na sua falta, invasões holandesas (1624-1650), que afectou os Outubro de 1919). Em Julho de 1921, o Capítulo
possuir outra vantagem, tal como nascimento ilustre mosteiros brasileiros, sobretudo os do Norte, e o Geral da congregação belga decidiu quer a erecção
ou dotes musicais. O Noviciado decorria durante movimento separatista das “bilhas”, conduzido pelo de Singeverga em Priorado Conventual (1922), quer
mais ou menos um ano e realizava-se em Tibães, Abade Provincial Fr. Diogo Rangel, eleito no Capítulo a autonomia relativamente à Congregação de Beuron,
Lisboa e Porto. Os mosteiros investiam na formação Geral de 1 de Março de 1662. Inicialmente, Roma à qual Cucujães aderira. Até à revogação das leis
sentenciou contra o separatismo no Breve Exponi anticongregacionistas, viabilizadora da abertura do
nobis nuper fecit (9 de Setembro de 1686), mas Noviciado em Falperra (Setembro de 1927), a
com a independência do Brasil em 1822, a Santa formação foi assegurada em Samos, na Galiza (1922-
Sé autoriza a erecção da congregação brasileira -1926). A congregação portuguesa uniu-se à
mediante a Bula do Papa Leão XII, Inter gravissimas congregação belga da Anunciação em 1933.
(1 de Julho de 1827). Na história dos Beneditinos em Portugal há ainda a
Portugal desde cedo se mostrou ilustrado e positivista. considerar a elevação de Singeverga a Abadia (1938),
Com o Marquês de Pombal seguiram-se os passos a extinção da cela de Tibães (1931-1938) e o seu
antimonásticos de França e instituiu-se uma Junta reconhecimento como corporação missionária (1931),
de Exame, com a finalidade de verificar o estado colocada no Moxico (Angola), em 1933. Seguiu-se
actual e melhoramento temporal das ordens um momento de expansão, pontuado não só com
regulares. Porém, na sequência da Revolução Liberal o funcionamento de uma cela no antigo Mosteiro
(1820), foi decretada (25 de Maio de 1821) a de S. Bento da Vitória no Porto (1943), a reabertura
Palácio de S. Bento, antigo convento beneditino (Artlandia) suspensão da admissão de noviços nas ordens do Colégio de Lamego (1949) e a inauguração da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

cela de N. Sr.a da Graça em Lisboa (1950), como Benedictino, Trad. de José Aguirre, Eneko Aguirre, no Arquivo Distrital de Braga: Nota Explicativa”, Sept.
também com a significativa construção do novo Zamora, Ediciones Monte Casino, 2001; BUTLER, C., de Bracara Augusta, 20, 45/46, Braga, 1967; MEIRELES,
Mosteiro de Singeverga (1957) e o apostolado La Règle de Saint Benoît, Paris, Desclée ou Lethielleux, António da Assunção, Memórias do Mosteiro de
missionário em Angola, no Priorado de Luena (1962). 1933; BUTLER, C., Sancti Benedicti Regula Monasteriorm, Paço de Sousa & Index Monástico-Conventual, Braga,
2.a ed., Fribourge-en-Brisgrau e de Linderbrau/Bonn, Universidade do Minho, 1985; Mensageiro de S.
1928; COCHERIL, Maur, Études sur le Monachisme en Bento, Singeverga, Ano XVI [1947]; PACAUT, Marcel,
Espagne et au Portugal, Paris, Belles Lettres, 1966; Les Ordres Monastiques et Religieux au Moyen Agê,
COLOMBÁS, Garcia M., La Traducción Benedictina, 10 Lyon, Éditions Nathan, 1993; Regra de S. Bento, Trad.
vols., Zamora, Ediciones Monte Casino, 1989-1997; do latim por D. Crisóstomo d’Aguiar, Cucujães,
COLOMBÁS, Garcia M., San Benito, Su Vida y Su Regla, Tipografia Porto Médico Lda., 1937; Regula
2.ª ed., Madrid, La Editorial Catolica, 1968; CONDE, Monasteriorum 2.º L. de Gregorii Magni Dialogi,
António Linage, San Benito y los Benedictinos, 8 (593), Editiones Patrologiae, apud Montem Rubrum,
vols., Braga, Edição da Irmandade de S. Bento da luce donatae inter quos praecipuus R.P. Pitra ordinis
Porta Aberta, 1991-1993; DIAS, Geraldo, “Liturgia S. Benedicti; SAINT-MARIE de PARIS, osb, Sous la Règle
e arte: diálogo exigente e constante entre os de Sain Benoît: Structures Monastiques et Sociétés
Mosteiro de Singeverga (JAM)
beneditinos”, in Revista da Faculdade de Letras, en France du Moyen Âge à l’Époque Moderne,
Ciências e Técnicas do Património, vol. 2, I Série, Genève, Librairie Droz, 1982; Sancti Benedicti, Regula
De momento, da Abadia de S. Bento de Singeverga Porto, 2003, pp. 291-310; DIAS, Geraldo, “A Regra Monachorum, Textus ad fidem. Cod. Sangallensis
dependem o Priorado de Lamego, as casas de Lisboa de S. Bento, norma de vida monástica: sua 914, adujuncta verborum concordantia cura D.
e do Porto, o Priorado de Luena e a Casa de Huambo. problemática moderna e edições em português”, in Philiberti Schmitz, Maredsous, Éditions de Maredsous,
Integrada na Congregatio Annuntiationis, mantém Revista da Faculdade de Letras: História, vol. 3, III 1946; São Bento: II Livro dos Diálogos de S. Gregório,
actividades culturais diversas (Museu de Etnografia Série, Porto, 2002, pp. 9-48; DIAS, Geraldo, “Ora & Mosteiro de S. Bento da Vitória, Edições Ora & Labora,
e Zoologia de Angola, Conservação e Restauro de Labora: À procura da origem da divisa beneditina”, 1993; SCHMITZ, Philibert, Histoire de l’Ordre de Sain-
Arte Sacra, Encadernação e Gráfica e Editora Ora & in Humanitas, vol. I, Coimbra, 1998, pp. 293-298; -Benoît, 7 t., 2.ª ed., Paris, Les Éditions de Maredsous,
Labora) e praticam agricultura, sendo famoso o Licor DIAS, Geraldo, “Do mosteiro beneditino ideal ao 1948-1956; SOUSA, D. Gabriel de, “Beneditinos”, in
de Singeverga. A acção dos beneditinos portugueses Mosteiro de S. Bento da Vitória”, in O Mosteiro de Dicionário de História da Igreja em Portugal, vol. II,
caracteriza-se pelo apostolado litúrgico a que está S. Bento da Vitória: 400 Anos, Porto, Arquivo Distrital Lisboa, Editorial Resistência, 1981, pp. 319-407;
adstrito serviço em paróquias, pelo serviço de do Porto/Afrontamento, 1997, pp. 13-93; D IAS , SOUSA, D. Gabriel de, Mosteiro de Singeverga: Cem
hospedagem e divulgação editorial. A publicação de Geraldo, “Hagiografia e Iconografia beneditinas. Os Anos de Vida Beneditina (1892-1992), Santo Tirso,
revistas tem sido uma constante: Opus Dei (1926- Diálogos do papa S. Gregório Magno”, in Via Spiritus, Ed. Ora & Labora, 1992; V ILLARES , Artur, As
-1937), Liturgia (1926-1951), Mensageiro de São n.º 3, Porto, 1996, pp. 7-24; D IAS , Geraldo, “O Congregações Religiosas em Portugal (1901-1926),
Bento (1931-1951), Ora & Labora (1954-1982), Mosteiro de Tibães e a reforma dos beneditinos Lisboa, FCG e FCT, 2003; VOGÜÉ, Adalbert de, La
Mensageiro de São Bento de Singeverga (1959- portugueses no século XVI”, in Revista de História, Règle de Saint Benoît, 7 vols., Paris, Sources
-1971) e Presença de Singeverga (1978). Entre os vol. XII, Porto, Centro de História da FLUP, 1993, Chrétiennes, 1972-1977.
Beneditinos conhecidos, destacam-se Fr. Bernardo pp. 95-132; D IAS , Geraldo, “Os beneditinos
de Vasconcelos, poeta com processo de beatificação, portugueses e a missão”, Sept. de Bracara Augusta, MARIA TERESA C. S. GONÇALVES DOS SANTOS
D. António Ildefonso dos Santos Silva, Bispo de Silva vol. XXXVIII, n.os 85-86 (98-99), 1984; DUBOIS, Jacques,
Porto, D. Francisco Dias, Bispo do Luso. O Abade Les Ordres Monastiques, Paris, PUF, 1985; ENDRES,
Superior de momento é D. Luís Bernardo Sacadura D. José Lohr, A Ordem de São Bento no Brasil Quando CAPUCHINHOS
Botte Aranha e, em 2007, registavam-se 52 monges Província 1582-1827, Bahia, Editora Beneditina, A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap)
distribuídos pelo Mosteiro de Singeverga, Priorado 1980; GENESTOUT, A., “La Règle du Maître et la Règle foi fundada em 1525 nas Marcas (Itália) por
do Colégio de Lamego, celas da Graça em Lisboa e de Saint Benoît”, in Revue d’Ascétique et de Fr. Mateus de Bascio, a partir da reforma dos
S. Bento da Vitória, no Porto, e em Angola. Os Mystique, 21, 1940; LACERDA, Silvestre de Almeida, Franciscanos Observantes. Os Capuchinhos,
oblatos seculares estão espalhados por diversos “Nota para o Estudo da Documentação do Mosteiro chamados originariamente Ordem dos Irmãos da
centros. de São Salvador de Paço de Sousa”, Sept. de Penafiel: Vida Eremítica, constituem um dos três grandes
Boletim Municipal de Cultura, Penafiel, Câmara ramos da Ordem Franciscana.
BIBLIOGRAFIA: AA.VV., Dictionnaire de Spiritualité Municipal de Penafiel, 1992, pp. 6-7; LEVISON W. Embora o verdadeiro fundador dos Franciscanos
Ascétique et Mystique: Doctrine et Histoire, t. XIII, (ed.), Scriptores rerum merovingicarum in usum Capuchinhos seja S. Francisco de Assis, o iniciador
Paris, Beauchesne, 1988, pp. 268-281; A LMEIDA , schorarum, Hannover, MGH, 1905; LUNA, Joaquim desta reforma é Fr. Mateus de Bascio, nascido em
Fortunato de, História da Igreja em Portugal, 4 vols., Gomes de, Os Monges Beneditinos no Brasil, Rio de Urbino (Itália), na segunda metade do séc. XV, e
Porto/Lisboa, Livraria Civilização, 1970-1971; Anuário Janeiro, Ed. “Lúmen Christi”, 1947; MARTINS, Mário, falecido em Veneza, em 1552. Revoltado com a
Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado O Monacato de São Frutuoso de Braga, Coimbra, adulteração dos princípios da Ordem Franciscana,
Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, Coimbra Editora, 1950; MATTOSO, José, Religião e decidiu repor a pureza original de S. Francisco. Fugido
pp. 823-824; A RAÚJO , António de Sousa, S ILVA , Cultura na Idade Média, Lisboa, INCM, 1982; MATTOSO, do seu convento, partiu para Roma onde pediu ao
Armando Malheiro da, Inventário do Fundo Arquivo José, Lusitania Sacra, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa Papa Clemente VII autorização para pregar a sua
Distrital de Braga: Nota Explicativa, Braga, s.n., 1967; da Moeda, 1974; MATTOSO, José, Le Monachisme reforma, o que lhe foi concedido, de viva voz, em
AZEVEDO, C. M. (dir.), Dicionário de História Religiosa Ibérique et Cluny: Les Monastères du Diocese de 1525. Em finais deste mesmo ano, acorrem ao seu
em Portugal, [Lisboa], Círculo dos Leitores/Centro Porto de l’An Mille à 1200, Lovaine, Publications de Superior Provincial, Fr. João de Fano, dois irmãos de
de Estudos de História Religiosa da Universidade l’Université, 1968; MATTOSO, José, “Inventário dos sangue, Fr. Ludovico e Fr. Rafael de Fossombrone,
Católica Portuguesa, 2000-2001; BUTLER, C. Monacato Fundos de Antigos Mosteiros Beneditinos Existentes pedindo autorização para se retirarem a um

71
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

a partir da reforma observante, que mais tarde, em Observantes, aos quais estavam ainda sujeitos
1525, surgiram os Capuchinhos, fundados por Fr. juridicamente, passaram a usar um hábito, de
Mateus de Bascio. estamenha escura muito simples, feito de túnica
talar com capuz alto e pontiagudo, cingido com
cordão de lã branca; o frade usa sandálias e por
vezes barba, e em certas épocas mais frias cobre-
-se de capa comprida. Pelos votos de austeridade e
pobreza, individuais e colectivos, os Capuchinhos
Logótipo da Difusora Bíblica (I) renunciavam a todos os privilégios que a Igreja tinha
concedido sucessivamente à Ordem de São
Francisco. Renunciavam assim ao pagamento por
Assim, a fundação deu-se só em 1529, nas toda e qualquer obra apostólica, recorrendo sempre
Constituições de Albacina, altura em que foi lavrada à mendicância. Na actualidade, a fisionomia humana,
a acta de fundação dos Capuchinhos, exarada pela religiosa e franciscana dos Capuchinhos pode
Bula Religionis Zelus, do Papa Clemente VII, na qual configurar-se nestes traços: no coração da sua
se constituía uma família franciscana independente vocação está o Evangelho de Cristo pobre, crucificado
dos Observantes, embora ficando ainda sujeitos à e servo; a vida e intuição carismática de S. Francisco
tutela dos Conventuais. A preocupação do seu de Assis, como genuíno Fundador; a densidade das
Fundador, de repor a pureza de S. Francisco, tomou características da sua designação de “frades
forma nas Constituições de Albacina, em 1529, mas menores”, na vivência da fraternidade e da
foi só em 1536 que as Constituições da Ordem minoridade; a dimensão orante e contemplativa da
foram revistas e terminadas pela pena de Bernardino vida pessoal e comunitária; a fisionomia de homens
de Asti, o terceiro Superior da Ordem, sendo a partir pobres, austeros e populares; a presença fraterna,
Fr. Mateus de Bascio (I)
desta data que o movimento capuchinho fica minorítica e profética junto dos irmãos mais
definitivamente organizado, destacando-se pela vida necessitados.
eremitério com outros companheiros, a fim de de oração, amor fraterno e simplicidade, pobreza e
observar a Regra de S. Francisco em toda a sua serviço aos necessitados. As Constituições de 1536,
pureza. Perseguidos pelos seus superiores, refugiam- conhecidas como Constituições de Santa Eufémia
-se nos Camaldulenses de Massaccio, indo depois (Roma), são a autêntica “carta de identidade” desta
procurar Fr. Mateus de Bascio para com ele se “bela e santa reforma”. Expoente simbólico destes
acolherem sob a autorização pontifícia. As valores é o seu primeiro irmão canonizado, S. Félix
perseguições continuam. A solicitude destes frades de Cantalício (m. 1587). Em 1608, Paulo V, pela
para com as vítimas da nova peste que assolou a constituição apostólica, declarava finalmente os
cidade de Camerino granjeou-lhes o apreço da Capuchinhos como verdadeiros filhos menores de
população. O Geral dos Franciscanos Conventuais S. Francisco de Assis, com igual deferência dos outros
tomou-os sob a sua protecção, concedendo-lhes a irmãos da família franciscana. Em 1619, pelo Breve
liberdade de viver segundo as suas aspirações. Para Alias felicis recordationis, Paulo V acabava com a
resolver a sua situação jurídica, é decisiva a tutela dos Conventuais sobre os Capuchinhos. Em
intervenção de Catarina Cibo, Duquesa de Camerino, 1643, o Papa Urbano VIII aprovou as Constituições
que apresenta ao seu tio, o Papa Clemente VII, a definitivas, revistas e adaptadas ao Direito Canónico
súplica de Fr. Ludovico e Fr. Rafael de Fossombrone, vigente, e confirmadas por Pio X a 8 de Setembro
sendo-lhes concedida a aprovação pontifícia com a de 1909. A última e mais significativa reforma das
Bula Religionis zelus, a 3 de Julho de 1528. Muitos Constituições dos Capuchinhos data de 1986,
Observantes vieram unir-se aos Capuchinhos – nome secundando os dinamismos e exigências da renovação
que lhes foi dado pelas crianças e jovens de do Concílio Vaticano II e a publicação do novo Código
Camerino, devido ao seu novo hábito, mais de Direito Canónico.
concretamente às características do capuz. Segundo as suas antigas Constituições, os Capu-
Bíblia dos Capuchinhos (JEF)
O Movimento da Observância defendia o chinhos deviam viver em pequenas casas, erigidas
cumprimento rigoroso da vida claustral, com disciplina fora das povoações, e ter nem menos de seis nem
e penitência. Como diz Fr. Manuel da Esperança, mais de 12 frades, se as casas estivessem na orla Desde a sua fundação até 1608, os Observantes
“Frade observante na Ordem de S. Francisco, quer das cidades; também as igrejas deviam ser pequenas, opuseram-se à sua expansão, mas a partir daquela
dizer frade pobre, descalço, penitente, humilde, e celebravam as horas litúrgicas da meia-noite, e os data, o papa passou a defender os Capuchinhos
ajustado em tudo com as grandes obrigações da sermões deviam ser simples e despidos de retórica; tomando-os como verdadeiros representantes de
sua regra seráfica”. Os Frades Franciscanos aos Frades Capuchinhos era totalmente proibida S. Francisco, conferindo-lhes autonomia jurídica e com
Observantes tiveram o seu primeiro ministro geral qualquer remuneração pela pregação; deviam viver ela a liberdade em relação à tutela dos Observantes.
e governo independente em 1517, quando o Papa em fraternidade, com uma vida austera, penitente Desde o início que o espírito evangélico, os votos
Leão X, com a Bula Ite et vos dividiu a Ordem e pobre, pondo tudo em comum. A emergência de pobreza e austeridade os tornaram populares em
Franciscana nos dois grandes ramos: Conventuais deste ramo franciscano no séc. XVI não se fez sem todos os círculos sociais, sendo chamados de “frades
e Observantes, juntando nestes últimos as múltiplas oposição dos Franciscanos Conventuais e do povo”, sem que tivessem perdido com o tempo
reformas existentes na época. É deste movimento e Observantes. Para se distinguirem dos Irmãos estas características das origens. No início do

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

movimento capuchinho, e para além das restrições capuchinhos, em 1620 já contavam com devido às relações entre Portugal e a Coroa de
impostas pela tutela dos Observantes, a bula de aproximadamente 1000. No séc. XX, em Portugal, Espanha. Na restante África, onde franciscanos e
fundação tinha igualmente limitado a expansão ao serviram o Instituto Português de Oncologia, a Cruz jesuítas portugueses tinham missionado até ao séc.
território italiano, mas o apoio concedido por Carlos Vermelha de Lisboa, os hospitais civis de Lisboa e XVII, e quando já o Congo, Angola, Matamba,
de Lorena e pelo Rei de França, Carlos IX, à Barcelos, assim como os hospitais militares de Marrocos e Casanje se encontravam abandonados,
emergente Ordem dos Capuchinhos, fez com que Coimbra, Porto e Lisboa. o Padroado Português alargou-se pela acção dos
Gregório XIII revogasse tal restrição a 6 de Maio de mesmos Capuchinhos, solicitados pelo Papa Paulo
1574, passando os frades a ter total liberdade de V, em 1618, e a pedido de Álvaro III, Rei do Congo,
se estabelecerem onde quisessem, como o fizeram e da Rainha Ginga. Este pedido originou uma nova
em toda a Europa, América e Oriente. Foi assim que missão em 1640, dirigida por Fr. Boaventura de
rapidamente em França levantaram 438 conventos, Alessano, que só cinco anos depois passou ao Congo,
contando com um total de 6176 religiosos, integrando capuchinhos italianos e espanhóis. Com
distribuídos por 14 províncias. Em 1583 passaram a chegada de novos missionários fundou-se uma
aos Países-Baixos (Bélgica), em 1589 à Suíça, e em prefeitura em Angola. Os atrasos e dificuldades na
1593 à Áustria. Em 1599, já se encontravam na acção do Padroado Português deveram-se
Checoslováquia e um ano depois na Baviera. Em praticamente ao receio de que agentes contrários
Espanha, ainda tutelados pelos Observantes, aos interesses da Coroa portuguesa, principalmente
separaram-se deles, mas só em 1558 é que se por parte dos espanhóis, se infiltrassem na
estabeleceram, na cidade de Barcelona, seguindo- missionação portuguesa de além-mar. Por esta razão,
-se Valença, Aragão, Castela, Andaluzia e Navarra. foram proibidos os capuchinhos espanhóis, restando
Em Portugal, só viriam a ter uma efectiva presença os italianos que desenvolveram uma grande acção
e expansão em 1939, quando a guerra civil espanhola Convento dos Capuchinhos, Barcelos (I) cultural e religiosa. Foi assim que D. João IV deu
os obrigou ao exílio. A sua expansão, porém, autorização apenas a 61 missionários, de 72
prosseguiu em todos os continentes. São significativos O conceito de missão e expansão capuchinha, propostos. Durante o reinado de D. Afonso VI, de
os números: cerca de 30 frades em 1529; 700 em idealizado por Fr. Mateus de Bascio, baseava-se na 29 missionários apresentados, só seis é que foram
1636; 3746 em 1578; 12 499 em 1613; 27 336 em pregação devidamente alicerçada nos pilares do aceites. Quando a Propaganda Fide nomeou 161
1702; 34 029 frades em 64 províncias e 1730 casas, Evangelho e da teologia, mediante a oração, o missionários capuchinhos (1667-1703), D. Pedro
em 1761, ano em que os Capuchinhos atingiram a silêncio, a meditação e o despojamento. Foi com deixou apenas que 127 partissem para a África; igual
maior expansão. Com a Revolução Francesa e a este zelo que os Capuchinhos não só aumentaram procedimento teve D. João V, que de 127
supressão das ordens religiosas, os Capuchinhos o número de frades como de conventos: para cada capuchinhos só autorizou a partida de 112. A missão
viram diminuídas as suas fileiras, e em 1847 contavam cidade protestante havia um convento capuchinho. do Congo, levada por diante exclusivamente pelas
com 11 152 religiosos, e em 1910, com 7628. Só A expansão da Ordem atingiu o elevado número de províncias italianas, subsistiu até 1835, enfrentando
em 1966 é que os Capuchinhos viriam a acusar de 438 conventos com mais de 6000 religiosos em toda a espécie de dificuldades, sendo a principal o
novo um crescimento considerável com 15 838 França, no decurso de 1754; estendeu-se com igual clima mortífero, que até 1746 tinha custado a vida
membros, 1286 casas e 71 províncias, para logo fervor à África, América e Oriente durante o período a 144 missionários. Da missionação em África, saiu
diminuírem até aos dias de hoje. Em Janeiro de dos Descobrimentos, dando início à missionação e a lume a Histórica Descrição dos Três Reinos do
2006, os Capuchinhos eram 10 793 frades professos à fundação de conventos e igrejas. O seu momento Congo, Matamba e Angola, da autoria de Fr. João
e 434 noviços, presentes em 101 nações do mundo. de maior expansão deu-se entre os sécs. XVI e XVII, António Cavazzi, que viveu mais de 25 anos naqueles
O seu trabalho social e religioso tocou todos os quando igualmente os Descobrimentos portugueses territórios. A Congregação de Propaganda Fide pôde
cantos da sociedade europeia, da África das e a conquista espanhola se alargaram ao mundo. alargar a sua acção à Índia através dos capuchinhos
conquistas, da América e da Índia: deram o seu Porém, a missionação dos Capuchinhos teve maior franceses: as primeiras missões procediam da sua
apoio efectivo durante os surtos epidémicos que em incidência em Angola e Brasil onde substituíram os irradiação de Alepo; em 1639, chegam a Surate;
sucessivos anos arrasaram a Europa – em 1668, 268 capuchinhos franceses por volta de 1615. Ainda no depois, atravessando o continente, para evitar o
capuchinhos morreram vítimas da ajuda prestada à Brasil, os capuchinhos italianos contaram com o encontro com os portugueses, dirigem-se a Madras,
epidemia de Paris; apoiaram e sustentaram os lugares apoio das autoridades portuguesas, ocupando os possessão inglesa; enfrentam vários conflitos com
de peregrinação; criaram associações e confrarias mesmos cargos deixados pelos seus irmãos franceses. os Jesuítas na controvérsia acerca dos ritos
de apoio aos presos e condenados à morte; Neste sentido, foi-lhes entregue, em 1705, o Hospício malabares. A missão asiática mais significativa foi a
ocuparam-se de órfãos e de jovens abandonados; da Bahia; em 1725, era-lhes confirmada pela do Tibete, mantida pelos capuchinhos italianos,
deram conforto aos combatentes, moribundos e Propaganda Fide a prefeitura de Pernambuco e, em desde 1703 até 1745. Em 1910, a Ordem dos
feridos de guerra – o Papa Pio V chegou a enviar 1737, a do Rio de Janeiro. Foi, a partir desta data, Capuchinhos possuía 736 conventos em 55 provín-
30 capuchinhos para a Batalha de Lepanto em 1571; que a missionação dos capuchinhos italianos cresceu cias, num total de 10 056 religiosos, dos quais 936
foram os primeiros a organizar-se na luta contra os no Brasil, com a abertura de várias missões. Na se dedicavam à missionação.
incêndios, podendo ser justamente considerados Guiné, onde tinham chegado em 1637, os Com o fim da Segunda Grande Guerra, os
como os precursores dos bombeiros voluntários; e Capuchinhos italianos não tiveram a mesma sorte, Capuchinhos foram expulsos da Abissínia, principal
revelaram-se como grandes pregadores populares. sendo expulsos neste mesmo ano pelos calvinistas centro de missionação, pedindo então para passarem
Embora as suas pregações fossem dirigidas às holandeses. Em Cabo Verde, trabalharam os à África portuguesa, tendo conseguido entrar em
populações menos cristianizadas, o seu trabalho capuchinhos da Normandia, de 1635 a 1644, tendo Angola, Moçambique e Cabo Verde. Desde 1947
mostrou-se igualmente profícuo na luta contra a abandonado a missão devido ao clima. Na Serra que os Capuchinhos têm permanecido em Angola,
Reforma Protestante nos Países-Baixos, e se aqui Leoa, entre 1645 e 1688, os missionários capuchinhos onde mantêm até hoje grande actividade de relevo
tinham chegado, em 1583, apenas quatro abriram várias missões, que acabaram por fechar evangelizador, cultural e humanitário em todos os

73
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

Francisco da Mata Mourisca, que visitara os terminando assim esta missão francesa. Nestes 185
missionários em 1964 como Comissário Provincial anos de presença em Lisboa, os capuchinhos
dos Capuchinhos, veio a ser nomeado primeiro Bispo franceses eram reconhecidos pela sua vida edificante
de Carmona-S. Salvador (actual Uíje), tomando posse e irrepreensível.
a 30 de Julho de 1967, tendo exercido o seu Em 1686, seguiram-se-lhes os italianos, ambos
ministério episcopal até 3 Fevereiro de 2008. A 2 (franceses e italianos) designados por Barbadinhos.
de Novembro de 1968, é criada por decreto a Missão D. Pedro II concedeu-lhes licença para se congregarem
Regular dos Padres Missionários Capuchinhos, em Lisboa, a fim de prepararem as missões
conferindo-lhes o direito de eleger os seus próprios ultramarinas portuguesas onde já trabalhavam desde
superiores e a organizarem-se autonomamente. Em 1641 a pedido da Propaganda Fide, tendo ocupado
1972, serviam em Angola nas quatro missões do a Ermida de N. Sr.a do Paraíso. A concessão do rei
Caxito, Luanda, Uíje e Catete, 12 missionários, dos aos capuchinhos italianos, para terem em Lisboa
Missionação, Timor Leste (I)
quais cinco se mantiveram em 1976, devido às casa própria, deveu-se ao facto de, sempre que se
convulsões políticas geradas pelas lutas da dirigiam às províncias ultramarinas e de lá regres-
sectores. Ainda no Ultramar, as missões desenvol- independência. Actualmente, encontram-se a savam, terem de ficar hospedados na casa dos
veram-se em dois períodos: desde 1944, quando o trabalhar na Vice-Província de Angola seis franceses. Em 1692, os capuchinhos italianos
português Fr. Francisco Leite de Faria, juntamente capuchinhos portugueses, sendo dois bispos (D. Fr. passaram a ter casa própria, inicialmente administrada
com alguns confrades suíços, partiu para a Beira Francisco da Mata Mourisca, Bispo emérito do Uíje, por irmãos da Província de Génova e, mais tarde,
(Moçambique), mas pouco tempo depois os com- agraciado pelo Presidente da República Portuguesa, por superiores de várias províncias italianas. No
panheiros passaram ao Tanganica e às Seychelles, a 10 de Junho de 1992, com a Ordem do Infante mesmo ano, a 10 de Junho, os capuchinhos italianos
onde tinham as suas missões, e Fr. Francisco Faria Dom Henrique, e D. Fr. Joaquim Ferreira Lopes, Bispo receberam casa própria por doação das
acabou por regressar a Portugal em 1948; o segundo de Viana) e quatro frades. Mais recentemente, em comendadeiras de Santos da Ordem Militar de São
período situa-se em 1954, com a abertura da missão Outubro de 2003, os capuchinhos de Portugal Tiago da Espada, quando estas se transferiram para
de Angola, que teve como pioneiros Fr. Cirino de abriram uma nova frente missionária no jovem país um novo mosteiro. Fr. Paolo Varazze, Procurador e
Getúlio Vargas e Fr. Lourenço Torres Lima, o primeiro Timor-Leste, com um ano apenas de independência. primeiro Superior dos capuchinhos italianos,
capuchinho português formado e ordenado em Ali dispõem actualmente de duas fraternidades: uma anunciava a Roma que o seu novo convento tinha
Portugal, e mais tarde juntaram-se-lhes o Fr. Egídio em Laleia, na Diocese de Baucau, e outra em Díli, 23 celas, habitadas a partir desse ano de 1692 até
da Carpalhosa, o Ir. António do Carmo e o goês Fr. com o objectivo de implantar o carisma franciscano 1742. Em 1739, D. João V doou-lhes outro lugar
Aleixo de Calangute. Em Angola foram abertas as capuchinho em terras do Sol Nascente. A província onde fundaram um convento, para o qual o rei
missões de Nambuangongo, Caxito, Dande, S. José dos capuchinhos da Bahia e Sergipe (Brasil) colabora contribuiu anualmente com mais de 50 000 cruzados,
do Encoje e Nova Caipemba. Entre 1954 e 1964 nesta vivência e expansão missionária. que foi o Convento de S.ta Engrácia em Lisboa. Nele
foram realizados 8622 baptismos e 168 casamentos, Em 1761, os Capuchinhos atingiram a maior habitaram personalidades de relevo eclesiásticas e
fundaram-se 20 escolas primárias, com um total de expansão numérica, com 34 029 frades, disseminados civis, como por exemplo, Miguel Ângelo Conti, que
1027 alunos, e 2 internatos; construíram-se as por toda a Europa cristã, excepto a Inglaterra e a veio a ser o Papa Inocêncio XIII. Nele viveram os
Capelas de Porto Kipiri, Quikabo, Nambuangongo Holanda (pela oposição protestante) e Portugal, por capuchinhos italianos até ao ano de 1834 quando
e Nova Caipemba. Na década de 60, foram motivos ainda hoje não devidamente esclarecidos. foram extintas as ordens religiosas por D. Pedro,
construídas a Casa e Igreja de S. to António em Portugal foi, até ao século passado, a única nação pela pena do Ministro Joaquim António de Aguiar.
Luanda, e expandiram as suas actividades até ao católica em que os Capuchinhos se não estabe- Embora estes capuchinhos franceses e italianos
Distrito do Uíje. Em 1972, havia 12 missionários leceram, tendo presente que, nos sécs. XVII e XVIII tenham estado em Portugal e tenham participado
capuchinhos portugueses em Angola, com havia em Portugal 11 províncias de Franciscanos no Padroado Português, a Ordem dos Frades Menores
fraternidade no Caxito, Luanda, Uíje e Catete. Fr. com cerca de 3000 frades. Em 1612, os capuchinhos Capuchinhos nunca se implantou em Portugal.
franceses da Província de Paris entram em Portugal Apesar de tudo, houve 70 portugueses que se fizeram
e chegam pela primeira vez ao Brasil (por iniciativa frades, mas no estrangeiro. Por altura da guerra civil
de Fr. Cirilo de Mayenne) da Província da Bretanha, espanhola (1936-1939), os capuchinhos das Províncias
desenvolvendo aí notável serviço espiritual e cultural, de Castela e de Andaluzia refugiaram-se em Portugal.
nas regiões de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. De entre eles, Fr. José de Castro del Rio passou
A 11 de Agosto de 1647, D. João IV concedia provisoriamente por Serpa e Beja; Fr. Félix Maria de
autorização a Fr. Cirilo para construir em Lisboa uma Vegamián, Provincial dos Capuchinhos, com o seu
casa ou hospício, que seria inaugurado em 1648 na secretário, partiu para o Minho, e com a protecção
Freguesia de Santos em terreno doado pelo Duque do Arcebispo Primaz de Braga, D. António Bento
de Aveiro – aqui viveram, no início do séc. XVIII, 11 Martins Júnior, dirigiram-se a Barcelos e Ponte de
Capuchinhos. Igual apoio tiveram da Rainha D. Maria Lima. Devido à inexistência dos Capuchinhos em
Francisca Isabel de Sabóia, mas pouco tempo durou, Portugal, Fr. Francisco Leite de Faria, entrado na
pois, após a sua morte, e por recear que os Ordem dos Capuchinhos na Província de Castela,
missionários franceses em território do Brasil pediu ao ministro geral em Roma para a fundar em
favorecessem as pretensões da França em tomar as Portugal. Donato de Welle, então Ministro Geral,
terras da Vera Cruz, o Governo português proibiu que já tinha estado em Portugal, a 1 de Março de
o envio de mais Capuchinhos. Depois deste desaire, 1939 dava autorização para se fundar o Comissariado
o Superior da Casa-Mãe da Bretanha, mandou Geral de Portugal, nomeando para primeiro
D. Francisco da Mata Mourisca (I) regressar os restantes nove capuchinhos de Lisboa, Comissário o catalão Fr. Damião de Ódena, que

74
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

o número de religiosos. Dos seus superiores Francisco Maria de Arezzo, até que, em Março de
destacaram-se os Comissários Gerais: Damião de 1745, o Papa Bento XIV entregou perpetuamente
Ódena (1939-1948), José de Castro del Rio (1948- aos Capuchinhos a pregação na Casa Pontifícia,
-1951), Mateus do Souto (1951-1955) e Cornélio sendo o actual pregador, Raniero Cantalamessa, o
de San Felices (1955-1957); como Comissários primeiro a exercer este ministério ao longo dos
Provinciais: Cornélio de San Felices (1957-1961), últimos 30 anos (desde 1980). Entre os pensadores
Francisco da Mata Mourisca (1961-1967) e António destacou-se S. Lourenço de Brindes, Doutor da Igreja,
Monteiro (1967-1969). A 27 de Junho de 1969, a falecido em Lisboa em 1619 e autor de várias obras
Sagrada Congregação dos Religiosos e dos Institutos literárias compendiadas em 15 volumes com o título
Fr. Francisco Leite de Faria (I) Seculares assinou em Roma o rescrito n.º 4999/57, Opera Omnia.
que autorizou o ministro geral a elevar o Comissariado Até ao Concílio de Trento (1545-1563), os
tinha estado à frente da Cúria Geral da Ordem, a uma Província da Ordem. Dois dias depois da Franciscanos tinham posto algumas reservas ao
como Vice-Secretário Geral, durante 12 anos. Pela autorização, Clementino de Vlissingen, Ministro estudo das ciências mas, a partir deste evento eclesial,
primeira vez, a Ordem dos Franciscanos Capuchinhos Geral, oficializava a fundação da nova Província aceitaram-nas, fundando posteriormente colégios e
estava implantada em Portugal. Portuguesa. A partir de 1969, presidiram à Ordem: institutos para o cultivo das mesmas. Múltiplas são
António Monteiro (1969-1975 e 1981-1987), as congregações religiosas surgidas no seio do
nomeado Bispo de Viseu em 1987 e falecido em franciscanismo, sendo o caso mais emblemático o
2004; Vítor Arantes da Silva (1975-1981), Carlos do capuchinho polaco Beato Honorato de Biala (m.
Fernandes Pereira de Carvalho (1987-1990), Manuel 1916), que fundou mais de 20 associações e
Arantes da Silva (1990-1996), João José Costa Guedes congregações religiosas, entre 1874 e 1896. As
da Silva (1996-2002) e Acílio Dias Mendes (desde actividades actuais dos capuchinhos portugueses
Maio de 2002). incluem a dinamização bíblica e a pastoral paroquial,
a pregação e as missões populares, capelanias de
hospitais, as missões em Angola e Timor-Leste. Das
missões populares, algumas das que mais se
destacaram entre 1947 e 1987 foram: Sé Nova de
Coimbra (Março de 1947), N. Sr.a de Fátima, em
Lisboa (Maio de 1949), Guimarães (Dezembro de
1949 e Dezembro de 1951), SS.mo Sacramento, no
Porto (Abril de 1950), ilha da Madeira (Abril de
1957), Diocese de Beja (Outubro a Dezembro de
1957), Açores (Outubro de 1959 e 1960), Chaves
(Abril de 1960), Viana do Castelo (Fevereiro de 1964),
Lamego (Junho de 1964), Covilhã (Maio de 1966),
Póvoa de Varzim (Abril de 1967), Bragança (Maio
de 1966). A partir de 1987, iniciou-se uma nova

D. António Monteiro (I)


Igreja dos Capuchinhos, Porto (I)

A pregação dos Capuchinhos, preferentemente


A partir desta data começaram a surgir as casas de evangélica, vai orientada mais a mover o coração
formação, sendo a primeira alugada em Fafe, que do que a ilustrar a inteligência. Dos pregadores
provisoriamente serviu de seminário até à sua capuchinhos emergiram alguns nomes notáveis
definitiva instalação no Porto (Amial), em 1941. Em como os de Bernardino Ochino, Alonso Lobo de
Barcelos, funcionou o Noviciado e os estudos de Medinasidonia, S. José de Leonissa, S. Lourenço de
Filosofia, na pequena casa situada ao lado da Igreja Brindes, Francisco de Sevilha, Jerónimo de Arles,
de S.to António. Quanto à disciplina de Teologia, foi Beato Marcos de Aviano, Beato Ângelo de Acre,
ministrada em Navarra, Castela, Valência e Tolosa Beato Diogo José de Cádiz. O pregador capuchinho
Centro Bíblico dos Capuchinhos, Fátima (I)
(província francesa) e, em 1966, os estudos superiores era aceite também na Corte, escutado por reis,
fixaram-se definitivamente na casa do Porto, já monarcas e magistrados da república, tal como na
remodelada. O comissariado foi inicialmente Itália, Alemanha, França, Espanha. Em França, surgem etapa nas missões populares com a Missão Popular
composto por capuchinhos oriundos de várias como pregadores reais Zacarias de Lisieux, José de Bíblica, sendo a equipa missionária integrada por
províncias de Espanha, mas a partir de 1945 Morlaix e Serafim de Paris. Em Espanha, há célebres Capuchinhos, religiosas de várias congregações e
igualmente os brasileiros das Províncias do Rio Grande “pregadores de Sua Majestade”, como Mauro de leigos, dando especial ênfase às Assembleias
do Sul e de S. Paulo integraram o Comissariado Valência, Boaventura de San Mateo, José de Sevilha, Familiares Bíblia e Vida. Realizaram-se Missões
Português. Terminada esta solidariedade de irmãos Jaime de Corella, Miguel de Lima e José de Madrid. Populares Bíblicas em Baixa da Banheira (Março de
espanhóis e brasileiros, os portugueses passaram a Digno de registo é o facto de serem os Capuchinhos 1987), Mangualde (Março de 1992), Amial/Porto
assumir o governo do dito comissariado. As casas os pregadores do papa e da Casa Pontifícia, come- (Março de 1993), Pinhel (Março de 1999), Figueira
e actividades da Ordem aumentaram, assim como çando por Anselmo de Monopoli, Jerónimo de Narni, de Castelo Rodrigo (Março de 2000), Cabanas de

75
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CAPUCHINHOS

Viriato (Março de 2001), Faria, Paradela e Vilar de Madeira e emigrantes portugueses em todo o mundo.
Figos (Novembro de 2001), Gondomar (Fevereiro de Esta mesma actividade convergiu no Movimento
2005) e Arcozelo/Barcelos (Março de 2007). Unido Nacional de Dinamização Bíblica: edição e difusão
ao ministério da pregação está o confessionário, (Difusora Bíblica), formação básica e dinamização
proibido em Itália nos princípios da reforma, abraçado (equipa bíblica, através de cursos de iniciação,
com dedicação quando a Ordem se propagou pela secretariado nacional e secretariados regionais) e
Europa, de tal modo que, só na Província de Alsácia formação permanente (cursos e semanas de vários
os Capuchinhos, entre 1740 e 1747, atenderam temas e graus, revista Bíblica, grupos bíblicos, cursos
mais de 24 000 000 penitentes. Ainda hoje em para animadores de grupos bíblicos, cursos de
Portugal, mormente em Barcelos, os Capuchinhos agentes de pastoral bíblica e retiros bíblicos). De
são procurados para o sacramento da Reconciliação.
Grandes figuras de santidade fizeram do con-
fessionário um excelente meio de acção apostólica,
como S. Leopoldo Mandic de Castelnuovo (m. 1942)
e S. Pio de Pietrelcina (m. 1968). Intenso tem sido
também o apostolado através da imprensa (em 1937
eram 498 as publicações periódicas dos Capuchinhos,
em cerca de 30 línguas). Além da rádio, também
na televisão se notabilizaram alguns capuchinhos,
sendo os casos de maior sucesso o italiano Mariano
de Turim (m. 1972) e a província brasileira do Rio Fr. Inácio Vegas (I)
Grande do Sul, com várias emissoras de rádio e um
canal de televisão a cores. O serviço paroquial, referente à edição e difusão dos textos bíblicos, de
Revista Bíblica (I)
embora não sendo uma das actividades da tradição estes serem na sua grande maioria da iniciativa de
dos Capuchinhos, mas por pedido expresso da confissões protestantes. Neste sentido editaram:
hierarquia a nível mundial, tem vindo a ser aceite Concordância dos Evangelhos: Jesus Meu Caminho, todas as actividades destacam-se as 30 Semanas
pela Ordem. Hoje, os Capuchinhos têm a seu cargo Verdade e Vida (Famalicão, 1951); História de Jesus Bíblicas Nacionais e regionais, realizadas anualmente
as Paróquias da Baixa da Banheira (Setúbal), Calhariz Segundo a Concordância dos Evangelhos: Pensa- em Portugal continental e insular, onde cada tema
de Benfica (Lisboa), Amial (Porto) e Arcozelo mentos do Santo Evangelho para Todos os Dias do bíblico é tratado pelos melhores especialistas
(Barcelos), além da animação das comunidades cristãs Ano (Beja, 1951). A 25 de Fevereiro de 1955, era portugueses. Destas Semanas Bíblicas foram
de Coimbra, Gondomar e Barcelos. Igualmente são fundada a Difusora Bíblica e a revista Bíblica, podendo publicados seis livros monográficos, reunindo as
capelães no Hospital de S. ta Maria, no Instituto os capuchinhos portugueses agir agora com mais várias conferências num só volume. As conferências
Português de Oncologia do Porto, na Casa de Saúde liberdade e criatividade. A revista Bíblica teve uma das últimas 16 Semanas Bíblicas foram publicadas
de Coimbra e no Hospital de Barcelos. tiragem inicial de 3000 exemplares, chegando no na revista Bíblica: Série Científica. Nos últimos 33
No campo da cultura é de destacar a acção de Fr. ano seguinte aos 7500. Actualmente, depois de 53 anos, e como consequência da dinamização bíblica,
Francisco Leite de Faria, um dos maiores bibliógrafos anos de actividade, tem 15 000 assinantes. A Difusora foram nascendo várias centenas de grupos bíblicos,
europeus do seu tempo, até hoje o único capuchinho Bíblica publicou a Bíblia Sagrada (1966), que atingiu com encontros regulares em Fátima (Encontro
português a ser nomeado (em 1982) académico de a 19.a edição, com mais de 1 210 000 exemplares Nacional dos Grupos Bíblicos), anualmente
número da Academia Portuguesa de História, além vendidos, obra com edição totalmente nova, feita participados por mais de 3000 pessoas. Em 1992,
de outros capuchinhos que têm leccionado na a partir dos originais hebraico e grego, em 1998 foi inaugurado em Fátima o Centro Bíblico dos
Universidade Católica Portuguesa e noutras (Nova Bíblia dos Capuchinhos: Versão dos Textos Capuchinhos, para onde se transferiu em 1997 a
instituições académicas. Na pregação popular, os Originais (Lisboa/Fátima, Difusora Bíblica), 1998, já Difusora Bíblica, com livraria e biblioteca. A nível
Capuchinhos têm desenvolvido várias actividades em 5.a edição). Esta nova versão da Bíblia Sagrada bíblico-pastoral, ali são ministrados cursos, fins-de-
como retiros, tríduos, sermões, semanas de pregação encontra-se também em suporte digital. Editaram -semana, retiros, encontros, além do acolhimento a
e novenas, em aldeias e cidades, actividade que teve ainda Os Quatro Evangelhos e Novo Testamento, peregrinos.
início nas décadas de 40 do séc. XX, depois da ambos na 19.a edição; o Novo Testamento, em 3.a A fecundidade e vitalidade desta reforma na Família
chegada a Portugal de Fr. Francisco Leite de Faria, edição (nova versão); a colecção Cadernos Bíblicos, Franciscana tem uma expressão muito significativa
em 1938, e dos irmãos gémeos Fr. Mateus e Fr. com 98 números (quatro por ano); a colecção em tantos irmãos capuchinhos que a Igreja foi
Jerónimo do Souto, e de Fr. Bernardino de Vilas Actualidade Bíblica, com 14 números (dois por ano); proclamando santos e beatos, ao longo de quase
Boas, estes últimos vindos do Brasil. A opção Atlas Bíblico Geográfico-Histórico (3. a edição); 500 anos de vida evangélica e fraterna no amor a
preferencial apostólica dos Capuchinhos portugueses Dinamização Bíblica do Povo de Deus; trilogia bíblico- Deus e no serviço aos irmãos. A Ordem dos
a partir do Capítulo Provincial de 1975, é a -litúrgica sobre Mateus, Marcos e Lucas; À mesa da Capuchinhos tem 15 santos (8 religiosos, 6
“dinamização bíblica do povo de Deus” – inicia-se Palavra. sacerdotes e uma religiosa clarissa capuchinha); 40
em 1951 com o profeta carismático Fr. Inácio de A intensa actividade dos capuchinhos portugueses irmãos e irmãs beatificados (26 sacerdotes, 11
Vegas, oriundo de León (Espanha), tendo como na pastoral bíblica levou a um maior empenho religiosos e 5 religiosas clarissas capuchinhas).
objectivo difundir e dar a conhecer a Palavra de formativo dos seus membros. Quatro dos seus irmãos Destacam-se S. Félix de Cantalício (1515-1587: o
Deus, a Bíblia, por meio de edições muito formaram-se em Sagrada Escritura pelo Instituto primeiro capuchinho a ser canonizado, em 1712),
económicas, assim como formar católicos instruídos, Bíblico Pontifício de Roma e muitos deles têm-se S. Lourenço de Brindes (1559-1619: morreu em
dando a conhecer Cristo, contrariando deste modo dedicado ao apostolado directo com as comunidades Lisboa; proclamado Doutor da Igreja pelo Papa João
a tendência até então existente em Portugal, no cristãs em Portugal continental, ilhas dos Açores e XXIII, com o nome de “Doutor Apostólico”), S. Fiel

76
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS CALÇADOS

-Université de Saint-Étienne, 1993; FARIA, Francisco


Leite de, NEGREIROS, Fernando de, Os Capuchinhos
em Portugal: Memória de um Cinquentenário (1939-
-1989), Lisboa, Difusora Bíblica, 1990; FELICÍSSIMO,
Albino, “Capuchinhos”, in C. M. Azevedo (dir.),
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. A-
-C, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos
de História Religiosa da Universidade Católica
Portuguesa, 2000, pp. 288-294; GERHARDS, Agnès,
Dictionnaire Historique des Ordres Religieux, Paris, Elias, inspirador da Ordem Carmelita (I)
Fayard, 1998, pp. 123-125; IRIARTE, Lázaro, Historia
Franciscana, Nova ed., Valência, Editorial Asís, 1979;
K ALIHOWSKI , Franiszek, Il Modello della Vita 1209, segundo se pensa, S.to Alberto, Patriarca de
Comunitaria nei Capitoli Post-Conciliari dell’ Ordine Jerusalém, dá-lhes uma Regra escrita e reúne-os
dei Frati Minori Capuccini, Roma, Pontifica Universitas perto da fonte de Elias, sob a obediência de
Gregoriana, 1985; LISBOA, Fr. Marcos de, Crónicas Brocardo (o nome não é certo), que, segundo as
da Ordem dos Frades Menores, reedição, vol. III, instituições latinas, é o primeiro Superior Geral da
liv. IX, cap. XV, Porto, Faculdade de Letras da Ordem Carmelita. Nenhum dos eremitas importantes
Universidade do Porto, 2001; MAUZAIZE, Jean, Le da época de formação teve a pretensão de ser
Rôle et l’Action des Capucins de la Province de Paris fundador. Imitar o espírito de Elias é a tradição
dans la France Religieuse du XVII e Siècle, Paris, mais antiga da Ordem Carmelita. Quando, mais
Honoré Champion, 1978; OLIVEIRA, P.e Miguel de, tarde, todas as ordens se vangloriavam do seu
História Eclesiástica de Portugal, Mem Martins, fundador, os Carmelitas quiseram pôr Elias como
S. Lourenço (I)
Publicações Europa-América, 1994; P OBLADURA , o seu. Daí as lendas da sucessão eliana, que põem
Melchior de, “Les Capucins (François, 1er ordre de “os filhos dos profetas” como os primeiros
de Sigmaringa (1577-1622: o primeiro mártir da saint)”, in Dictionnaire d’Histoire et de Géographie habitantes do Carmelo. Mas é claro que Elias era
Congregação da Propagação da Fé), Beatos Ecclésiastiques, t. XVIII, Paris, Letouzey et Ané, 1977, apenas modelo e pai espiritual, e assim o declara
Agatângelo de Vendôme (1598-1638) e Cassiano cols. 931-958. a Rubrica Prima do Capítulo de Londres (1281),
de Nantes (1607-1638: nascido em França de uma que se retomou em todas as Constituições.
rica família portuguesa), S. Pio de Pietrelcina (1887- ACÍLIO MENDES Mediante a Regra de S. to Alberto, os Carmelitas
-1968: o santo estigmatizado), S. Félix de Nicósia JOSÉ CARLOS CALAZANS receberam a existência canónica. A aprovação
(1715-1787: o último capuchinho e um dos primeiros pontifícia foi dada pelo Papa Honório III, a 30 de
santos a ser canonizado pelo Papa Bento XVI, em Janeiro de 1226. A primeira emigração para a Europa
2005). A afirmação é do Papa S. Pio V, dominicano CARMELITAS CALÇADOS dá-se entre 1226 e 1229, tornando-se obrigatória
(séc. XVI): “Aquele que observar perfeitamente estas Os Monges Carmelitas, cuja ordem é identificada em 1237, devido às perseguições dos islamitas.
Constituições [dos Capuchinhos] pode ser contado pela sigla canónica OCarm, embora nalgumas Inglaterra, Chipre, Sicília e Provença acolhem os
entre os santos”. publicações apareça incorrectamente a sigla OC, são primeiros exilados. Em 1291, foram massacrados os
também designados, em fontes mais antigas, por que ficaram no Carmelo. Queriam continuar na
BIBLIOGRAFIA: AMORIM, Maria Adelina de Figueiredo outros nomes, nomeadamente Albertos (em razão Europa a vida solitária e contemplativa, pois os
Batista, “A formação dos franciscanos no Brasil- de Alberto de Jerusalém, autor da Regra), Frades conventos ingleses de Aylades, Aylesford e Cambridge
-colónia à luz dos textos legais”, Sept. da Lusitania Listrados (em razão da capa antiga, às listas) eram verdadeiros eremitérios.
Sacra, n.º 11, 2.a série, Lisboa, UCP, 1999, pp. 361- Gregórios (na região de Torres Novas), Observantes Em 1229, o Papa Gregório IX obrigou-os a uma
-377; AMORIM, Maria Adelina de Figueiredo Batista, (também para significar a sua filiação directa nas pobreza mais estreita, equiparando-os às ordens
Missão e Cultura dos Franciscanos no Estado do origens, antes da reforma descalça), Irmãos da Bem- mendicantes, o que os levou a procurar o sustento
Maranhão e Grão-Pará (século XVII): Ao Serviço de -Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo e numa vida mais activa. Todavia, eram proibidos por
Deus, de Sua Majestade e Bem das Almas, Lisboa, Carmelitas Calçados (para se distinguirem dos muitos bispos. Nestas circunstâncias, celebrou-se,
Texto policopiado, 1997; ANDRADE, António Alberto posteriores Descalços). em Aylesford o primeiro Capítulo Geral (em 1245),
Banha de, Dicionário de História da Igreja em Está oculta num verdadeiro labirinto histórico a durante o qual foi eleito Prior Geral Simão Stock.
Portugal, Lisboa, Editorial Resistência, 1980; Anuário origem da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Este conseguiu do Papa Inocêncio IV, a 1 de Outubro
Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Virgem Maria do Monte Carmelo. Há, por um lado, de 1247, a aprovação da Regra, adaptada às novas
Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, lendas piedosas sem valor histórico e, por outro circunstâncias. É nesta época que se define o perfil
pp. 841-842; AZEVEDO, C. M. (dir.), Dicionário de lado, um mar de documentos, fruto das pesquisas mendicante da Ordem, com a concepção do hábito
História Religiosa de Portugal, 4 vols., [Lisboa], dos historiadores do séc. XX, que causaram um (o escapulário e o manto, primeiro às listas brancas
Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História renascimento na história da Ordem Carmelita. e castanhas, depois todo branco), do carisma da
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000- Todavia, existem algumas datas certas para a origem imitação de Maria e da heráldica (o brasão da Ordem
-2001; CHÂTELLIER, Louis, La Religion des Pauvres: da Ordem. Entre 1153 e 1159, Bertoldo vai para Carmelita remete para o monte Carmelo, com três
Les Missions Rurales en Europe, Paris, Aubier, 1993; o monte Carmelo e aí constrói uma pequena capela, estrelas, aludindo a Maria, a Elias e Eliseu, e com
DOMPNIER, Bernard, Enquête au Pays des Frères des junto da gruta de Elias. Pouco a pouco, aumenta legenda da frase do zelo de Elias). Com isto, a Ordem
Anges: Les Capucins de la Province de Lyon aux o número de eremitas, que, querendo imitar Elias, Carmelita começou uma nova vida. Como as outras
XVII e et XVIII e Siècles, Saint-Étienne, CERCOR- se espalham pelo monte, vivendo nas grutas. Em mendicantes, Simão Stock fundou conventos nas

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Descalça aprovaram uma nova leitura da Regra, ficados, em vista das necessidades apostólicas no
ordenada, ou dividida, em 24 artigos, ou capítulos, mundo. Por isso, o escapulário, nas suas diversas
sendo omissas as rubricas, ou subtítulos, que era formas e tamanhos, é a peça fundamental do hábito
costume incorporar no texto. carmelita. Posteriormente, definiu-se o hábito
Conhecem-se, pelo menos, umas 43 versões do completo: túnica de cor fosca, ou branca (conforme
escudo ao longo da história, e em todas estão o clima), escapulário, capuz, correia negra (símbolo
patentes os símbolos alusivos a Maria, à nuvenzinha da correia de Elias) e capa alba (Constitutiones, art.
de Elias (1Rs 18, 44), à brancura (castidade e pureza), 38). Em determinada altura, a túnica teria sido de
aos três estados da Ordem (Frades, Monjas e cor preta e a capa, ou manto, teria sido constituída
Terceiros), à espada eliana e às estrelas marianas. por uma espécie de manta branca às riscas largas,
A versão moderna mais corrente é constituída por castanhas, tal como se acha figurado no quadro de
um escudo em amêndoa, tendo em centro e em Pietro Lorenzetti (m. 1348), que ilustra Alberto de
chefe três estrelas, duas brancas em campo castanho Jerusalém a mostrar a Regra aos monges, junto da
e uma castanha em campo branco, numa espiral fonte de Elias. De qualquer modo, a peça funda-
triangulada, formando um conjunto a semelhar a mental é o escapulário, também vestido por seculares,
capa dos Carmelitas, embora também se interpretem embora, para estes, o Papa Pio X, pela Bula de 16
as três estrelas como símbolos de Maria, Elias e de de Dezembro de 1910, tivesse dado autorização
Eliseu. O topo do escudo é constituído por uma para usarem a medalha, a qual tem, de um lado, a
coroa, sobre a qual se ergue uma espada de fogo, imagem do Sagrado Coração e, de outro, a de N.
alusiva a Elias e ao zelo cristão. O escudo acha-se Sr.a do Carmo.
montado sobre uma espécie de paquife, com as A popularidade do Escapulário de N. S.ª do Carmo
doze estrelas (Ap 12, 1) em círculo e com a legenda deve-se, em grande parte, ao privilégio Sabatino.
eliana Zelo zelatus sum pro domino Deo Exercituum O Papa João XXII, pela Bula Sacratissimo uti culmine,
(“Ardo em zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos”, de 1322, também chamada Bula Sabatina, revelou
1Rs 19, 10). que, em sonho, lhe aparecera Nossa Senhora,
N. Sr.ª do Carmo entregando o Sagrado Escapulário a S. Simão confirmando as promessas feitas a Simão Stock.
Stock (arquivo particular) Nessa aparição, a Virgem prometeu, além da salvação
eterna, a pronta libertação das penas do Purgatório
cidades universitárias (Cambridge, em 1249; Oxford, a quem usasse o seu Escapulário. Esta pronta
em 1253; Paris, em 1259; e Bolonha, em 1260). libertação entendeu-se: cumpridas as obrigações da
Nicolau, o Francês, seu sucessor, tentou desfazer a graça, os devotos do seu Escapulário, uma vez
sua obra, mas não o conseguindo, resignou ao cargo entrados no Purgatório, dele seriam elevados ao
de Prior Geral e retirou-se para a solidão, altura em Céu, no primeiro sábado após a morte do corpo.
que escreveu Sagita Ignea, caloroso convite à primitiva Escudo da Ordem Carmelita (I) Ou, como os antigos costumavam ler na bula:
forma de vida: a contemplativa. Como em outras “sabbato post mortem”. A fé de João XXII veio a
ordens, também na carmelita houve duas importantes ser confirmada pelo Papa Clemente VII, em 1530,
reformas: no séc. XV (após o Cisma do Ocidente) e Ao tempo da fundação, crê-se que os monges e contribuiu muito para a devoção às Almas do
no séc. XVI (após o Concílio de Trento). Foi desta não definiram hábito próprio, cada um vestindo Purgatório (Alminhas), para o sufrágio dos falecidos
última, iniciada por Teresa de Ávila e João da Cruz, conforme podia e vivendo em grutas. O hábito só (obrigação que as Confrarias do Escapulário, que
que surgiu a Ordem dos Carmelitas Descalços se terá definido, na Europa, quando a Ordem entretanto foram surgindo, levaram muito a peito)
(OCD), oficializada em 1580. adoptou o modelo mendicante, pelo que as origens e para o abrigo dos fiéis sob a protecção do
A fórmula de vida (formula vitae), da autoria do do hábito estão, sem dúvida, na revelação do Escapulário de N. Sr.a do Carmo. Na legislação antiga,
Patriarca de Jerusalém Alberto Avogadro, foi redigida Escapulário. Palavra de etimologia latina, scapula é entendia-se que esta graça, ou privilégio, era
entre os anos de 1206-1214, a pedido de alguns uma peça de tecido (burel ou fazenda de lã), uma concedida à luz da chamada “grande promessa” –
leigos latinos (talvez peregrinos ou ex-cruzados), que espécie de avental com duas bandas, que se coloca trazer o Escapulário na hora da morte, guardar
se tinham fixado em vida eremítica no monte sobre os ombros. Segundo antiga tradição, os castidade segundo o estado, rezar a Nossa Senhora
Carmelo, junto da fonte de Elias. A Regra está Carmelitas, sendo monges, encontraram muitos conforme as possibilidades de cultura e abstinência
elaborada para eremitas, pelo que, em 1247, depois obstáculos na caminhada para serem aceites na de carne às quartas e aos sábados.
de os Carmelitas se terem dispersado pela Europa, Igreja Latina. Simão Stock, sendo Prior Geral nos Os Carmelitas entraram no campo de estudo com
o Papa Inocêncio IV achou necessário introduzir-lhes meados do séc. XIII e residindo em Inglaterra, não a emigração para a Europa, o que originou a
algumas modificações, apesar de poucas, para que conseguia resolver as dificuldades, pelo que recorreu adaptação da Regra em 1247, a pedido de Simão
os monges pudessem ajustar-se a uma nova missão à Padroeira (Nossa Senhora) para lhe dar um sinal Stock. O Capitulo Geral de Montpellier, em 1287,
na Igreja, já não como ordem monástica, mas como de como os Carmelitas haviam de proceder, entoando recomenda os estudos. O primeiro doutor carmelita
ordem mendicante. uma bela antífona, o Flos Carmeli. Recebeu então de que temos noticia é Miguel de Bolonha, laureado
A Regra tem a forma de uma carta, ou epístola, de Maria uma peça de roupa, milagrosamente em Paris, em 1295. Este, eleito Geral em 1297, dá
que, para fins didácticos, se costumava dividir em ofertada como signum salutis, que veio a ser um grande impulso aos estudos na Ordem e chegou-
prólogo, 18 capítulos, ou artigos regulares, e epílogo, interpretada como signum consecratione, quer dizer, -se ao ponto de decretar que não podia ser Geral
contendo as instruções necessárias à vida eremítica como sinal de consagração. Os Carmelitas quem não fosse Mestre por Paris. No generalato de
em comunidade. A 21 de Maio de 1998, os entenderam que deveriam pôr-se ao serviço da Igreja, João de Alerio (1321-1330), existia já um verdadeiro
Conselhos Gerais das Ordens Carmelita e Carmelita mesmo com o risco de verem os seus hábitos modi- regime de estudos e numerosos mestres em Teologia.

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Quando os primeiros mestres da Ordem chegaram Campo Grande. O Provincial, Fr. José Pereira de
às cátedras de Paris, tinham já passado as grandes Sant’Anna, muito cotado na Corte e apoiado pelos
figuras da escolástica e dos sistemas existentes. Nos brasileiros, iniciou a reconstrução do convento e do
sécs. XV e XVI, seguiam S. Tomás de Aquino, S.to templo, pelo que, em Julho de 1758, os frades
Agostinho e até a corrente nominalista. Baptista regressaram à casa. Introduzindo o revivalismo,
Mantuano seguia Escoto, como diz numa carta que Sant’Anna ainda iniciou a reconstrução do templo,
escreveu a Pico della Mirandola. Um movimento por segundo os cânones do gótico ecléctico, mas, por
um mestre próprio partiu dos mestres carmelitas de ter falecido, a obra não foi concluída e, hoje, ainda
Paris, chefiados por Lourenço Burrel, e propõem o se encontra como ele a deixou: uma ruína em
carmelita João Baconthorpe (m. c. 1348/1352). Esta reconstrução. Já no primeiro quartel do séc. XX,
atitude foi recebida com agrado pelo Geral Pedro esboçou-se um movimento para se concluir a obra,
Tarrasa (1503-1511), que mandou que se publicassem mas sem efeito. Nessas “ruínas” acha-se instalada
as suas obras. As Constituições de 1540 insistem a Associação dos Arqueólogos Portugueses e o
para que se ensine Baconthorpe e Miguel de Bolonha, respectivo Museu Arqueológico. Na falta de frades,
além de S. Tomás. O Capítulo Geral de 1548 fez a e achando-se a casa como que devoluta, passou, a
separação dos dois autores: Baconthorpe para as partir de 1810, a servir de quartel da Guarda Real
províncias de Itália e Miguel de Bolonha para as da Polícia e, a partir de 1814, de quartel do Batalhão
restantes. No entanto, continuava no mundo o de Caçadores, ao qual se juntou, em 1831, um outro
ressurgimento do tomismo e a Ordem não podia regimento de milícias. Finalmente, em 1834, os
ficar indiferente. Este triunfou na Ordem em 1593, Carmelitas foram privados da propriedade de todo
com as Constituições de Cremona. Em Portugal, no Entrada do Convento do Carmo, Lisboa (CLS) o conjunto. A GNR tem procurado preservar o
séc. XV, temos Fr. João Sobrinho (m. 1475), património e mesmo as ruínas do templo são
aristotélico; no séc. XVI, Fr. Manuel Tavares, qual, em memória das vitórias militares e eventualmente animadas com celebrações litúrgicas,
catedrático da Universidade de Coimbra, que rege contemplando um novo projecto de vida, decidiu como a festa da Sr.a do Carmo, padroeira da GNR.
a cadeira de Durando, em 1587, e a de Escoto, em erguer uma igreja e um convento em Lisboa, na
1597. Apenas no séc. XVIII, encontramos alguns que encosta de S. ta Catarina, sobranceira ao Rossio
seguem Baconthorpe: Fr. Manuel Inácio Coutinho e (então Vale Verde), cuja primeira pedra foi lançada
Miguel de Azevedo, entre outros. em 1389. No último decénio do séc. XIV, o
A história do Carmelo Lusitano (expressão criada Condestável convidou os Carmelitas de Moura, em
com o propósito de o distinguir, na Hispânia, do carta dirigida a Fr. Afonso de Alfama, a tomarem
Carmelo Teresiano, ou Descalço) costuma ser dividida posse do novo mosteiro. Os primeiros frades entraram
em ciclos: fundação (1251-1523), intensificação na nova casa de Lisboa em 1397. Os primeiros
(1523-1602), missionado (1580-1823), consolidação Estatutos da Ordem contemplaram de modo especial
(1629-1755), decadência (1755-1834) e restauração o Carmo de Lisboa, determinando o mínimo de
(desde 1930, e ainda em curso), cedo se constituindo monges residentes (40), assim como o horário da
em província autónoma, a partir da primeira vida conventual e as obrigações festivas. Estas
fundação. Até 1423, o Convento de Moura inseria- tornaram-se tão populares, que muita gente acorria
-se na Província de Castela, mas, naquele ano, e a elas, participando na Confraria do Bentinho, erecta Convento do Carmo, Lisboa (CLS)
pondo cobro à instabilidade resultante das guerras na igreja, e que veio a transformar-se em Ordem
da independência, celebrou-se o primeiro Capítulo, Terceira, sediada hoje em casa e igreja próprias, no
que lançou as bases da Província Portuguesa, cujos mesmo L. do Carmo. Segundo os cronistas, o interior A Comunidade de S.ta Ana, em Colares, foi a terceira
primeiros Estatutos foram promulgados em 1424, da igreja era o mais esplendoroso de Lisboa, com fundação e a casa conventual, numa encosta belís-
por D. João I. os seus seis altares, todos a cargo da respectiva sima, olha o Atlântico (a lembrar o monte Carmelo).
No decurso da história anterior à restauração, Irmandade. Dela saía anualmente, a 16 de Julho, a Começou a ser construída em 1450, só sendo
algumas comunidades ou sodalícios se evidenciaram. grandiosa procissão de N. Sr. a do Carmo, que concluída em 1528, no provincialato de D. Fr. Baltazar
A Comunidade de N. Sr.a do Carmo, em Moura, foi demorava horas e corria a Baixa lisboeta. No Limpo. Os primeiros habitantes foram Fr. João de
fundada em 1251, por iniciativa dos cavaleiros da património conventual avultava a livraria, já notável Sant’Ana e Fr. Constantino Pereira, sobrinho do
Ordem Militar de São João de Jerusalém, ordem essa nos fins do séc. XVI e que, à data da extinção das Condestável. O Capítulo Provincial de 1617 deter-
que assumira o encargo de trazer os monges da ordens religiosas, integrava 6880 volumes. Das festas, minou que este convento se transformasse em
Palestina, em vista da conquista da Terra Santa por temos registo histórico das dedicadas a S. João da eremítico, para Monges Recolectos, ou Recolhidos.
Saladino e pelo Islão. Pouco mais se sabe dos tempos Cruz (1727), na data da sua canonização, e a S.ta Esta mudança de estatuto muito ficou a dever ao
iniciais, salvo dois nomes, o Superior José Bistriade Maria Madalena de Pazzi (1669), pelo mesmo motivo. empenho do asceta Fr. Estêvão da Purificação, que
e um pregador, talvez italiano, Tiago Tomás Caliabra. Aliás, Fr. João da Cruz visitou o Carmo, a 11 de ali viveu e morreu, jazendo na respectiva igreja, desde
No séc. XV, a comunidade era constituída por 42 Maio de 1585, quando os Descalços se reuniram há muito profanada.
frades professos de coro. Pelo Decreto 33587, de em Capítulo no Convento de S. Filipe, em Pampulha. A Comunidade de N. Sr.a das Relíquias, na Vidigueira,
27 de Março de 1944, o grandioso conjunto foi O terramoto de 1755, seguido de um pavoroso foi fundada junto de uma ermida daquela evocação
classificado como imóvel de interesse público. A incêndio, destruiu o núcleo conventual e a igreja, mariana, com o fito de assistir aos peregrinos.
Comunidade de N. Sr.a do Vencimento, ou do Carmo perdendo-se tudo e aí morrendo 14 religiosos da D. Manuel I concedeu aos Carmelitas a administração
ou do Monte do Carmo, em Lisboa, deve a sua comunidade. Os sobreviventes foram viver, primeiro, completa da ermida e a licença para a fundação de
fundação ao Condestável Nuno Álvares Pereira, o para as Amoreiras e, depois, para uma barraca no um convento, tendo o processo ficado pronto entre

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1495 e 1496. A ermida primitiva veio a ser substituída débil, que, logo no início da obra, em 1559, este destinada ao povoamento da região de Paraíba,
por uma outra, bem maior e mais rica, inaugurada devolveu as casas e os quintais que lhe tinham sido onde se esperava a fundação de um convento.
em 1593. Foi especial benfeitor desta casa um doados para o efeito. A fundação do Convento de Iniciou-se, deste modo, o chamado Ciclo Missionário,
descendente de Vasco da Gama, D. Miguel da Gama. N. Sr.a do Carmo, em Trancoso, tendo sido precária, que decorreu entre 1579 e 1720. Falhado o projecto
Segundo alguns historiadores, os restos mortais de veio a ser abandonada em 1565. D. Jaime de de Paraíba, a primeira fundação foi a de Olinda
Vasco da Gama teriam sido sepultados nesta igreja Lencastre, Bispo de Ceuta e Primaz de África, sendo, (1583), a que se seguiram as de Bahia (1586), por
e só anos mais tarde trasladados para o Mosteiro ainda, pároco de todas as freguesias de Torres Novas, Fr. Damião Cordeiro, Santos (1589) e Rio de Janeiro
dos Jerónimos, em Lisboa. Já nos fins do séc. XV se entregou, em 1558, aos Carmelitas a Ermida de S. (1590). O número de conventos e a distância do
sentia um maior desenvolvimento da província, Gregório, para nele fundarem um convento, que de Reino aconselharam a que lhes fosse dada alguma
assinalando a época da intensificação, em que surgiu facto foi construído. Aos carmelitas desta casa, o autonomia, pelo que, em 1595, os conventos
o maior número de casas conventuais. povo chamava Gregórios. A igreja, de grande beleza, brasileiros da Observância foram organizados numa
A Comunidade do Arcanjo S. Miguel, depois está aberta ao culto. O Convento de N. Sr. a do vice-província, sendo Fr. Damião Cordeiro o primeiro
denominada de N. Sr. a do Carmo, em Beja, foi Carmo, em Setúbal, foi fundado, possivelmente, em Vice-Provincial e Fr. João de Seixas o Vigário Provincial.
fundada em 1526, junto da ermida que fora erecta, 1598, estando já em construção em 1605, apesar das O número de frades, nos começos do séc. XVII, já
em 1495, pelo eremita Pedro Afonso, em honra polémicas com os Franciscanos, que se opunham rondava a centena, enquanto novas fundações se
daquele anjo. Havia ali um eremitério, pelo que ao à fundação de mais um convento. Foi seu primeiro sucediam, como as que aconteceram no ano de
local se chamava “Sítio dos Beguinos”, mas Beja Prior Fr. Diogo da Anunciação. Actualmente, acolhe 1596, em S. Paulo e em Paraíba. Em 1616, os frades
deu a preferência a uma ordem religiosa, pelo que a Ordem Terceira da cidade. A fundação do Convento iniciaram a evangelização do Norte, abordando os
Baltazar Limpo aproveitou o ensejo e deu início à de N. Sr.a do Carmo, em Alverca, em 1600, não foi indígenas do Maranhão, da Amazónia, do Rio Negro
fundação. A casa conventual foi construída mediante subsistente. Por último, o Convento de N. Sr.a do e dos Solimões. Perante as necessidades, em 1640,
o contributo de Rui Lopes e da sua esposa, Catarina Socorro, em Camarate, foi fundado na Q. ta do a Vice-Província foi elevada a Província, mas a decisão
Freire, que testamentou a favor da Ordem. Talvez Socorro, que fora pertença do judeu David Negro ficou anulada devido aos protestos do governo
porque desejassem abrir um seminário em Beja, os (seguidor de Leonor Teles) e deveio património do português. Em compensação, criaram-se duas vice-
frades mudaram-se para o centro desta cidade, onde, Condestável. A fundação ocorreu em 1602, sendo -províncias: a de S.to Elias do Rio de Janeiro, ou
de facto, criaram um Estudo de Filosofia e Teologia, elevada a Priorado, em 1608, até ao fim dos seus Fluminense, e Bahia e Pernambuco. Em 1715, a
decalcado do Estatuto do Colégio de Coimbra. dias. população de frades era notável: 218 na Bahia e
O Convento de S. Tomé, em Évora, foi fundado 163 no Rio de Janeiro, sendo evidente a vantagem
junto da ermida daquele santo, às Portas da Lagoa, de uma organização provincial. Por isso, o Papa
bem perto do lugar onde veio a ser instalada a Clemente XII, em 1720, instituiu as duas províncias
Cartuxa. A ermida foi aumentada e transformada do Rio e da Bahia, separando-as da Província de
numa igreja mais digna. O convento manteve estudos Portugal. Em 1994, o Brasil constituiu uma região,
filosóficos e teológicos, considerados em tempo com três províncias: as duas mais antigas e a de
quase tão importantes como os da Companhia de Paraná, por motivos técnicos incluída numa das
Jesus. Em 1663, nas guerras da Restauração, os províncias alemãs. Depois da extinção da Ordem em
castelhanos fizeram explodir totalmente o convento, Portugal, cessaram as relações com o carmelo
pelo que os frades andaram em bolandas, até que brasileiro, retomadas quando, na restauração
D. Afonso VI lhes concedeu o Paço dos Duques de portuguesa, se criou o Comissariado de Portugal,
Bragança, junto do qual construíram a igreja, em canonicamente integrado na Província Fluminense.
1691. Este, hoje, alberga o Paço Episcopal. Alto relevo, sobre o frontão do retábulo, Igreja de N. Sr.ª O período decadente da Ordem é assinalado pelos
Em Coimbra, foi fundado o Colégio de N. Sr.a da do Carmo, Funchal (DRAC) efeitos do terramoto de 1755, que destruiu,
Conceição (ou do Carmo). Sabedor de que D. João sobretudo, as fundações na região de Lisboa,
III preparava a transferência da Universidade de avultando a catástrofe do Convento do Carmo, numa
Coimbra, Baltazar Limpo, sendo Bispo do Porto, Na época de consolidação, e em virtude da altura em que a Ordem já estava em recessão, e
decidiu criar, nesta cidade, um colégio para necessidade de apoiar os missionários em serviço pelo Decreto de 28 de Maio de 1834, que extinguiu
estudantes da sua diocese, mas acabou por o doar no Brasil, a Ordem rumou para os Açores, em 1651, as Ordens e nacionalizou os respectivos patrimónios.
à ordem a que pertencia e que dele tomou posse e também para a Madeira. Nos Açores, o Convento Os frades seguiram, nesse ano, diversos caminhos.
em 1543. O colégio e a igreja, sitos na R. da Sofia, de N. Sr.a da Boa Nova e o templo, na Horta, Faial, Uns emigraram para o Brasil e para a Itália e outros,
levaram anos a ser concluídos, mas aquele veio a ficaram concluídos em 1698. No Funchal, o Convento sendo presbíteros, tornaram-se egressos, enquanto
ser a principal escola universitária carmelita, com de N. Sr. a do Carmo deve ter sido apenas uma que os simples frades regressaram às famílias ou
Estatutos adequados aos seus fins. Em 1571, o residência ou hospício para um comissário da Ordem procuraram outro modo de vida. Aliás, desde então,
colégio foi incorporado na universidade, nele tendo Terceira. Depois de 1799, terá aderido à Ordem dos a Província Portuguesa foi absorvida pela Província
sido o primeiro a professar Fr. Amador Arrais, que Carmelitas Descalços. Além destes conventos, ainda de S.to Elias do Rio de Janeiro.
finalizou a igreja, em 1597, e o claustro, em 1600, se fundaram outras comunidades, pouco sólidas e, Um processo de restauração iniciou-se em 1930,
ambos estando bem conservados. porventura, menos importantes, em Porto de Mós por iniciativa da Província Bética (Espanha), com a
Do Convento de N. Sr.a do Socorro, em Lagoa, (1663), Faro (1713), Guimarães (1731), Gaia (1783) chegada do P.e Eliseu Maria Rúbio Maia, que arranjou
apenas se sabe que foi criado em 1550, no Viseu (1739) e Lordelo do Ouro (1780). casa residencial na antiga Trav. de S.ta Quitéria (actual
provincialato de Fr. Bento Bueno, tendo uma Os primeiros carmelitas portugueses que de- R. de S.ta Isabel, n.os 126 e128). Os primeiros frades,
existência pouco relevante. O Convento de N. Sr.a mandaram o Brasil foram na qualidade de capelães alguns deles holandeses, de formação brasileira,
do Carmo, em Mértola, teve como primeiro Prior da expedição que o Cardeal D. Henrique organizou começaram a prestar serviços pastorais em Lisboa
Fr. Baltazar de Mértola, mas a sua economia era tão em 1579, sob a chefia de Frutuoso Barbosa, e a promover vocações. A primeira vocação foi a de

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Fr. Nuno de Santa Maria Vaz de Castro, ordenado Portugal, com maior autonomia e integrado na região que, em vista de decadência que já se fazia sentir
em 1941 – depois de liberto de um pelotão de ibérica. antes de 1834, se pode tomar como conclusivo para
fuzilamento em Espanha, durante a Guerra Civil. Na Ordem, toda a economia é comum, pois a Regra o longo período que vai da fundação até à sua
Veio a ser apóstolo no Alentejo e em Lisboa. Ainda não permite que alguém possua algo de seu, sendo expulsão. Das largas dezenas de personalidades com
em 1949, considerava-se que pouco era o fruto, haven- a distribuição dos bens feita de acordo com a idade notícia adequada, destacam-se alguns nomes mais
do opiniões que achavam melhor encerrar a missão e com as necessidades. Inicialmente, os frades podiam relevantes em diversas áreas do apostolado ou do
em Lisboa. O padre geral insistiu, chegando a afirmar ter um burro ou uma mula, para as deslocações, e, saber, como os dos Bispos D. Fr. Vasco Martim de
que preferia encerrar um convento espanhol a abando- hoje em dia, podem utilizar viatura automóvel, Alvelos (Guarda, 1302), D. Fr. Gomes de Santa Maria
nar Lisboa. Após grandes dificuldades, o Capítulo propriedade da Ordem, cujo ramo português dispôs, (Hebron, 1404), D. Fr. Martinho Sotto Mayor (Tripoli,
Provincial de S. Paulo (Brasil) resolveu aceitar a incum- antes de 1834, de um importante património 1440), D. Fr. Álvaro de Abreu (Silves, 1450), D. Fr.
bência da restauração, como um dever de agradeci- material, doado pelo Beato Nuno Santa Maria. João Manuel (Guarda, 1459), D. Fr. Cristóvão Moniz
mento ao Carmelo-Mater português. Foi neste contexto Quanto aos principais conventos, Moura dispôs de (titular de Reona e auxiliar de Évora, 1524), D. Fr.
que surgiu Fr. Cirilo Alleman, o grande restaurador. um avantajado património constituído por diversas Baltazar Limpo (Porto, 1536, e Arcebispo de Braga,
herdades, foros e rendas, podendo manter cerca de 1550), D. Fr. Amador Arrais (auxiliar de Évora e Bispo
20 residentes. Em 1834, ainda detinha três grandes de Portalegre, 1583), D. Fr. Pedro Clemente (Sacer,
herdades, um pomar e um olival de jeiras. Lisboa 1583), D. Fr. Pedro Brandão (Cabo Verde, 1588), D.
era a comunidade mais rica, com bens no termo de Fr. Ângelo Pereira (Martíria, 1600), D. Fr. Tomé de
Lisboa (Camarate, Frielas, Olivais, Belém) e com o Faria (Targa, 1616), D. Fr. Martinho Moniz (Porto,
moinho de Corroios, etc., por isso chegou a albergar 1645), D. Fr. Francisco Soares de Vilhegas (Cairo,
120 frades, ainda que, em 1831, já só estivessem 1649), D. Fr. João Coelho (Cochim, 1650), D. Fr.
31 padres, 18 estudantes, 8 irmãos e 3 noviços. Fabião dos Reis (Cabo Verde, 1672), D. Fr. José de
Colares dispunha, sobretudo, da quinta e do pinhal. Lencastre (Leiria, 1678), D. Fr. Francisco de Lima
Vidigueira, além da igreja, possuía um pomar, olivais (Maranhão, 1692), D. Fr. Bartolomeu do Pilar (Grão-
e casas de habitação. Beja também possuía terras -Pará, 1720), D. Fr. Manuel de Santa Catarina (Angola,
Maria, inspiradora da Ordem Carmelita (I)
com 80 alqueires de semeadura, além da casa 1720), D. António Vitalino Dantas (Auxiliar de Lisboa,
conventual e da igreja. O património de Coimbra, 1996, e Titular residente de Beja, 1999). No que
Nesta época, procedeu-se à restauração do Seminário além do colégio e da igreja, era reduzido, apenas respeita a D. João Manuel, Balbino V. Bayón sustenta
de Miranda do Douro, em 1949, que depois passou possuindo uma quinta. Lagoa, sendo pobre, dava que o verdadeiro bispo terá sido D. João de São
para Braga, em 1954 para Falperra, e, enfim, para albergaria a 10 religiosos, mas o terramoto de 1755 Lourenço, que antes fora Bispo de Ceuta, em 1444,
um novo edifício no Sameiro, em 1967. O Noviciado destruiu muitos bens, só restando dois padres e um e, depois, confirmado na Guarda. Na área do saber
ficou instalado na Q.ta da Mata (Longra, Felgueiras), leigo em 1787. Torres Novas deteve, além da igreja, (escritores e teólogos), na época anterior ao séc.
numa aprazível quinta doada por D. Maria Augusta a Q.ta do Bispo e uma renda camarária, paga pelo XVI, registam-se os nomes de João de São Lourenço
Rola Pereira Dias, em 1959. Por fim, em 1957 foi uso do campo da festa de S. Gregório, para se (teólogo no Estudo Geral de Lisboa); do jurista João
inaugurada a Casa Beato Nuno, em Fátima, por efectuar uma feira. Camarate chegou a ter 18 frades, Sobrinho, também dito João Consobrino, mestre
iniciativa do Fr. Kiliano Lynch, depois de ter dispondo da Q.ta do Socorro e de outras rendas. por Oxford e Bolonha e autor de várias obras, embora
estabelecido contactos com a Ir. Lúcia. Esta casa Alverca foi mais modesto, mas recebia rendas de mais conhecido como autor do tratado De Justitia
albergaria o Centro Internacional das Ordens Terceiras olivais e de vinhas. À data da extinção das ordens, Commutativa; e D. Fr. Afonso de Alfama, historiador
do Carmo e serviria de centro de espiritualidade e e englobando as comunidades femininas, havia 13 e doutrinador ascético. No séc. XVI, época de ouro
de hospedaria para os peregrinos. conventos e 2 hospícios, as rendas totalizando do Carmelo Lusitano, distingue-se a figura de Fr.
Por volta de 1960 verificou-se uma profunda crise 22 913$504 reis. Actualmente, o número de frades Baltazar Limpo, Bispo e Arcebispo, teólogo no
entre os clérigos, afectando os estudantes da (presbíteros e simples frades) é de cerca de 20. Em Concílio de Trento, grande religioso e grande
Residência do Lumiar. Alguns deles abandonaram a 1993, em Lisboa, foi aberto o Centro de Estudos reformador (foi ele que saneou a Província
Ordem, precipitados pelo ambiente de contestação da Ordem do Carmo (CEOC), que funciona como Portuguesa, de tal modo que, na época do
disciplinar. Todavia, outros frades empenharam-se movimento teresiano, os Visitadores de Roma
no apostolado paroquial, em Beja (Salvador), Ervidel achavam ser Portugal uma “província religiosíssima”
e, por fim, S.to António dos Cavaleiros e Frielas (desde imune àquele movimento) e autor das Constituições
1972). A criação da Paróquia de S.to António dos Sinodais do Bispado do Porto. A par dele, o mais
Cavaleiros foi obra efectiva de Carmelitas, pelos P.es visível dos carmelitas portugueses, Amador Arrais,
Elias Manso, Francisco Rodrigues e Serapião Seiger, autor dos Diálogos (1604), tidos como obra-prima
enquanto que a nova igreja e o centro social foram da nossa espiritualidade quinhentista e paradigma
obra do P.e (D.) António Vitalino Dantas, eleito Bispo da moderna língua portuguesa. Também D. Fr. Simão
de Beja. Coelho, espiritualista e exegeta na obra Compêndio
No que à sua jurisdição diz respeito, o Carmelo das Crónicas de Nossa Senhora do Carmo; Manuel
Lusitano integrou de inicio a Província de Castela, Centro de Estudos das Ordem do Carmo (I) Tavares, “o Santinho”; e o venerável Fr. Estêvão da
pois a Província Portuguesa só foi criada em 1423. Purificação, director espiritual e mestre em oração
Após 1834, esta integrou a Província de S.to Elias centro de estudos e como residência universitária. vocal e mental, cujo perfil e cujos escritos se acham
do Rio de Janeiro e, depois, formou-se o Em relação às figuras históricas da Ordem, Manuel em Vida e Morte de Padre Frei Estêvão da Purificação
Comissariado Provincial de Portugal, em 1954. Por de Sá legou-nos um exaustivo Catálogo dos (1621), de Fr. Luís de Mértola. No séc. XVII,
fim, a 8 de Dezembro de 1992, o P.e Geral John Arcebispos e Bispos, Doutores e Professores [...] e habitualmente considerado “período de conso-
Malley erigiu aquele em Comissariado Geral de Escritores da Província de Portugal (Lisboa, 1810), lidação”, revelaram-se João Coelho, mestre teólogo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS CLAUSTRAIS DE GOA

em Lisboa, o historiador Jorge Cotrim, outro -825; BAYÓN, Balbino Velasco, ocarm, História da Claustral, cujos irmãos são conhecidos por Carmelitas
historiador, porventura o mais importante da Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, Terceiros Claustrais, Terceiros Carmelitas Claustrais
província, Fr. Emanuel de Sá, e outras duas perso- 2001; BOAGA, Emanuel, ARRIBAS, Miguel Maria, ocarm, ou, ainda, Carmelitas Claustrais de Goa. A Ordem
nalidades de superior significado, o teólogo e biblista “Maria na história e na Espiritualidade do Carmelo”, encontrava-se reservada à casta dos chardós, dando
D. Fr. João da Silveira, mariologista de água pura, in Carmelo Lusitano, vol. 12, Lisboa, Centro de hábito dos Terceiros da Senhora do Carmo a João
defensor do dogma da Imaculada Conceição e autor Estudos da Ordem do Carmo, 1994, pp. 75-157; Baptista Falcão, José da Apresentação e Francisco
de seis tomos de comentários aos Evangelhos, além COELHO, Simão, ocarm, Compendio das Chronicas Xavier dos Anjos. Esse acto foi confirmado por
de outros escritos, e o músico Fr. Manuel Cardoso, da Ordem da Nossa Senhora do Carmo: Primeira D. António Taveira de Neiva Brum, Arcebispo que,
considerado o maior contrapontista do seu tempo, Parte […], Lisboa, António Gonçalves, 1572; no mesmo mês, substituiu o primeiro. Consolidava-
cujas obras continuam a ser executadas nas ocasiões Constitutiones Ord. Fr. B.V.M. de Monte Carmelo, -se, assim, uma experiência que 12 anos antes se
mais solenes. Do período decadente, que abrange Roma, Cúria Generalicia, 1971; Chronica do havia iniciado na aldeia de Morombim, onde viveram
os sécs. XVII e XIX, registam-se os nomes de D. Fr. Condestabre de Portugal Dom Nuno A. Pereira, em vida retirada o P.e Francisco da Costa, o tonsurado
Inocêncio das Neves Portugal (nomeado Bispo do Edição de Mendes dos Remédios, Coimbra, França Paulo Mariano Falcão e, depois, os já mencionados
Algarve, mas que não chegou a receber a sagração, Amado, 1911; GALLUS, Nicolau, Ignea Sagita, Edição P.es João Baptista Falcão e Francisco Xavier do Anjos.
por ter falecido, em 1824), do canonista Manuel de A. Staring, Roma, Carmelitas, 1962; G OMES , Como surgiram outros interessados em partilhar a
Nicolau de Almeida, do Provincial e historiador Pinharanda, Amador Arraiz, Mestre do Espírito, experiência deles, transferiram-se para Chimbel e lá
D. Fr. José Pereira de Sant’Anna, autor da Crónica Lisboa, Fundação Lusíada, 2004; GOMES, Pinharanda, obtiveram licença do ordinário para estabelecer casa
dos Carmelitas, além de outros escritos apologéticos O Escapulário de Nossa Senhora do Carmo (Breve num terreno doado por Salvador Xavier de Moura.
e litúrgicos, e que ainda iniciou as obras de recons- Iniciação Histórico-Teológica), Lisboa, Rei dos Livros, Em 1781, a Rainha D. Maria confirmou essa
trução da igreja do Carmo, pondo-a no estado em 2002; G OMES , Pinharanda, Imagens do Carmelo congregação e colocou-a sob a sua protecção, tendo
que hoje se acha, e, por fim, do derradeiro Lusitano: Estudos sobre História e Espiritualidade recebido a Regra definitiva em 1785. Apesar de
historiador, Fr. Miguel de Azevedo. Nesta época, há Carmelitas, Lisboa, Paulinas, 2000; G OMES , viverem do seu património e de esmolas, uma vez
lugar para os carmelitas do Brasil, enquanto a Pinharanda, Santo António dos Cavaleiros: que fundaram residência em terreno doado, a partir
independência se não deu. Diversas personalidades Monografia Histórica, Loures, Paróquia de Santo de 1778 passaram também a dispor de uma tença
nas áreas do apostolado e da ciência se salientaram, António dos Cavaleiros, 1992; Livro de Bolso do anual, proveniente dos rendimentos dos bens
nunca se devendo omitir o nome de Fr. Caneca Confrade, 2.ª ed., s.l., Confraria do Carmo de Santo confiscados aos Jesuítas pela Coroa.
(Joaquim do Amor Divino Rebelo, falecido em 1825), António dos Cavaleiros, 2004; LOPEZ-MELUS, Rafael,
chefe da Revolução de 1824, que inspirou o projecto ocarm, El Escudo del Cármen, Caudete, Cesca, 1980;
político da “confederação do Equador”, tendo sido Regra de Santo Alberto, Apres., trad. e notas de
condenado à morte. O período pós-restauração, Manuel Gomes Quintãos, Lisboa, Edições Carmelo
caracterizado pelo reduzido número de frades Lusitano, 1993; SANT’ANNA, J. Pereira de, Chronica
comprometidos do apostolado, tem sido menos rico dos Carmelitas, Lisboa, s.n., 2 vols. 1745-1747; SOUSA,
em nomes publicitados. Ressalvam-se os holandeses Bernardo Vasconcelos e, Ordens Religiosas em
que pertenceram à nossa província: o historiador Portugal: Das Origens a Trento – Guia Histórico,
Manuel Maria Wermers, Casimiro Vloon e o escritor Lisboa, Livros Horizonte, 2005; VASCONCELOS, Evaristo
ascético Fr. Bertoldo Lurvink (m. 1994). Dos de, sj, Religiosos, Porto, A. O., 1958; VLOON, Casimiro,
portugueses, ressalva-se o Bispo D. António Vitalino ocarm, “Bens (Carmelitas)”, in Dicionário de História
Dantas, pastor e escritor, e merece registo o P. e da Igreja em Portugal, vol. 2, Lisboa, Ed. Resistência,
Henrique Martins, pela obra social que criou em Beja. 1983, pp. 619-620; WAAIJMAN , K. A., ocarm,
Outros nomes constam das publicações da Ordem “Identidade Carmelita na perspectiva da Regra”, in
e, sobretudo, da revista anual Carmelo Lusitano. Carmelo Lusitano, vol. 12, Lisboa, Centro de Estudos
Todavia, a Ordem considera como paradigma histórico da Ordem do Carmo, 1994, pp. 11-20; WAAIJMAN,
a figura de Nuno de Santa Maria, beatificado em K. A., BLOMESTTJN, ocarm, “O Âmago da Identidade
1918 e canonizado em 2009. Carmelita segundo a Rubrica Prima (1281-1369)”,
As mais importantes publicações periódicas foram: in Carmelo Lusitano, vol. 12, Lisboa, Centro de
o Santo Escapulário do Carmo (1948-1961), que Estudos da Ordem do Carmo, 1994, pp. 21-38;
depois passou a chamar-se Escapulário do Carmo, WERMERS, Manuel Maria, ocarm, A Ordem Carmelita
boletim mensal dos Sodalícios Carmelitanos; o e o Carmo em Portugal, Lisboa, União Gráfica, 1963;
Boletim Informativo do Comissariado, com circulação WESSELS, G. (ed.), “Regra: Regula Primitiva Ordinis
interna desde 1978; e a Colectânea de Estudos Nostri et Mutationis Innocentii IV”, in Analecta Ord. N. Sr.ª do Carmo, Igreja de S. Sebastião, Câmara de Lobos (DRAC)
Carmelo Lusitano (Lisboa, desde 1983), que retomou Carm., vol. 3, Roma, s.n., 1914-1916, pp. 212-223.
o título de um boletim semestral publicado pelos
clérigos em 1962-1966; e, com destino aos Sodalícios JESUÉ PINHARANDA GOMES É de sublinhar o facto notável de esta iniciativa se
de todos os graus da Ordem, Família Carmelita, tratar de um espelho da Congregação do Oratório
dirigida pelo P.e Fr. Francisco Rodrigues. da Santa Cruz dos Milagres de Goa, fundada quase
CARMELITAS CLAUSTRAIS DE GOA 70 anos antes (1682), já que ambas restringiam a
BIBLIOGRAFIA: ANTT, Inventário: Ordens Monás- No dia 10 de Dezembro de 1750, o Arcebispo de participação aos membros de uma casta, repro-
tico/Conventuais, Lisboa, s.l., 2002; Anuário Católico Goa D. Fr. Lourenço Santa Maria, depois de se ter duzindo o sistema social hindu, apesar da conversão
de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da reformado, estabeleceu em Chimbel, Tisvadi, ao Cristianismo. Ou seja, os Oratorianos recebiam
Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 824- arredores de Goa, a Ordem Terceira Carmelita membros da casta brâmane, enquanto que os

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

Terceiros Claustrais recebiam da casta chardó. LOPES, Maria de Jesus dos Mártires, Goa Setecentista: pela força da tradição referida, tornou-se importante
Outro aspecto que deve ser destacado é a iniciativa Tradição e Modernidade, Lisboa, Centro de Estudos pólo aglutinador de muitos destes leigos europeus,
da arquidiocese na fundação dessa Congregação. dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa/ Uni- de cuja presença existem testemunhos fidedignos.
Havia uma tensão crescente no seio da sociedade versidade Católica Portuguesa, 1996; MELO, Carlos Um deles é do rabino espanhol Benjamim de Tudela,
goesa, resultante do processo de cristianização que Mercês de, The Recruitment and Formation of Native que, escrevendo no ano de 1163, afirma ter visto,
implicava tanto a conversão propriamente dita quanto Clergy in India (16th-19th century), Lisboa, Agência perto da gruta de Elias, uma igreja edificada pelos
a formação de um clero nativo, que, por causa de Geral do Ultramar, 1955; NAZARETH, Casimiro Cristóvão, cristãos. Na verdade, o local preferido por estes
restrições baseadas em critérios de pureza de sangue, Mitras Lusitanas no Oriente: Catálogo dos prelados eremitas latinos situava-se junto da fonte de Elias,
sofria dificuldades na colocação em cargos religiosos da Igreja Metropolitana e primacial de Goa e das num vale aberto ao Mediterrâneo, no flanco oeste
seculares ou na entrada em algumas ordens. Assim, dioceses sufragâneas com recompilação das ordenan- do Carmelo, o que confirma a consciência de uma
a Ordem Terceira Carmelita Claustral assumia-se ças por eles emitidas e sumário dos fatos notáveis da paternidade espiritual do profeta entre estes monges,
como mais um recurso para resolver essa demanda História eclesiástica de Goa, Lisboa, Imprensa Nacional, mas também a fonte inspiradora de princípio
de alocação de religiosos nascidos na Índia Portuguesa 1897; RUSSELL-WOOD, A. J. R., “Comunidades étnicas”, fundamental da sua espiritualidade, que irá persistir
e formados nos seminários existentes em Goa, além in Francisco Bethencourt, Kirti Chaudhuri (dirs.), História na Ordem e que a expressão “Vive Deus, em cuja
de ser extremamente original, pelo facto de receber da Expansão Portuguesa, vol. 3, Lisboa, Círculo de presença estou” consubstancia. Ao testemunho do
elementos da casta dos chardós, uma vez que eram Leitores e Autores, 1998; THOMAZ, Luís Filipe F. R., De monge grego João Focas, que visitou os Lugares
os brâmanes que, em geral, haviam conseguido Ceuta a Timor, Lisboa, Difel, 1998. Santos em 1185, se deve a identificação da
algumas alternativas de carreira religiosa, mesmo comunidade que vivia junto da dita fonte: o monge
que de forma restrita. Dessa forma, o acto de CARLA DELGADO DE PIEDADE Bertoldo, natural da Calábria, com cerca de dez
fundação da nova congregação por parte do CÉLIA CRISTINA DA SILVA TAVARES companheiros. A este filho do Conde de Limoges,
Arcebispo D. Fr. Lourenço Santa Maria demonstra que veio a falecer em 1195, se associou especial
que havia a intenção de contornar esse problema. culto e devoção à Virgem Maria, embora outras
Deve-se ressaltar ainda a utilidade desses religiosos CARMELITAS DESCALÇOS fontes admitam serem-lhe anteriores. Contudo, só
goeses para a acção evangelizadora, pois dominavam O nome da Ordem advém do lugar donde surgiu, cerca do ano 1230 aparece referência a uma pequena
as línguas locais e, por isso, podiam ter um alcance o monte Carmelo, na Palestina, ou, mais exacta- capela, erguida sob a sua invocação, no guia de
maior no trabalho com as populações da região. mente, uma cordilheira que se estende ao longo de peregrinos Por aler en Iherusalem. Nesta época, os
O Arcebispo D. António Taveira de Neiva Brum pretendia 34 km, na direcção noroeste, formando um monges eram designados por Irmãos Eremitas do
que eles fossem clérigos claustrais sujeitos ao Ordinário promontório que circunda a baía de Haifa pela Monte Carmelo, para pouco tempo depois receberem
e não dependentes do Superior da Ordem do Carmo, margem sul. A generosa vegetação que reveste a o nome de Irmãos da Ordem da Bem-Aventurada
a não ser para gozarem dos seus privilégios ou para cadeia de colinas que o configura e a existência de Virgem Maria do Monte Carmelo. A mudança
evitarem conflitos jurisdicionais. Assim, a Ordem Terceira numerosas grutas nas suas encostas tornaram este prende-se com a aprovação pontifícia da Ordem,
Carmelita Claustral, apesar de os seus membros levarem “santo monte” predilecto de anacoretas, os quais como a seguir se verá. As referências, desde os
uma vida austera, chegando a ser muito estimados tomavam como modelo de vida o grande profeta primórdios, às figuras de Maria e de Elias, com a
por sua modéstia, piedade, observância e zelo, não Elias, que nele habitou, tal como Eliseu, seu discípulo espiritualidade que cada uma personifica, integrar-
cumpriam uma perpétua e rigorosa observância regular na missão profética. Criou-se a tradição, fundada -se-ão no carisma matricial da história carmelitana.
e também exerciam apostolado. em textos antigos e narrativas de peregrinação, de Os monges levavam uma vida solitária, em que
Em 1758, foi prescrito o regimento do hospício dos se ter seguido uma ocupação ininterrupta de “filhos cultivavam o silêncio e a contemplação característicos
Terceiros do Carmo em Chimbel e, na década de dos profetas”, homens inteiramente entregues à do eremitismo herdado da tradição antiga, com um
1770, os Carmelitas Claustrais fundaram o Seminário vida ascética, orante e contemplativa. Mas deste quotidiano ritmado por normas de carácter privado.
de Soledade, onde se ministrava Latim, Filosofia e longo passado, embora se colham dados com Sentindo a necessidade de uma organização canónica
Teologia. Depois da expulsão dos Jesuítas (1759), indicadores de veracidade, as lendas que a muitos reconhecida, como garantia de estabilidade, dirigiram-
ficaram encarregados de algumas missões que antes envolve dificulta o apuramento da exacta fronteira -se, por meio do Ir. Brocardo (que sucedeu na
eram geridas por essa ordem. Estes são três bons de separação. É a partir do séc. XII, com o movimento direcção dos eremitérios a Bertoldo), ao Patriarca de
exemplos de que os Carmelitas Claustrais não eram das cruzadas do Oriente e a instauração na Síria e Jerusalém, Alberto (anteriormente Bispo de Bobbio
apenas contemplativos. na Palestina do Reino Latino de Jerusalém – e depois de Vercelli), que estabelecera residência em
A 14 de Janeiro de 1835, com a chegada do Prefeito organizado em pequenos territórios subordinados, Acre por a cidade santa já se encontrar ocupada
do Estado da Índia Bernardo Peres da Silva, nomeado ao modo feudal europeu, ao Rei de Jerusalém –, pelos muçulmanos, para que lhes concedesse uma
por D. Pedro IV, foi concretizada a efectiva extinção que se passa a ter notícia histórica com contornos fórmula de vida. O documento normativo foi escrito
das ordens religiosas masculinas no Oriente, uma vez mais consistentes. Com efeito, o domínio dos Lugares entre 1206 e 1214 (admite-se que estivesse concluído
que no Reino isso tinha ocorrido pelo Decreto de 28 Santos pelos cruzados e as suas expedições em 1209 ou 1210), sugerindo o seu teor que o
de Maio de 1834. Assim, a Ordem Terceira Carmelita desencadearam, em simultâneo, no Ocidente, uma Patriarca Alberto (assassinado por um piemontês na
Claustral foi extinta junto com outras congregações corrente de mercadores e clérigos, a par de leigos procissão da Exaltação da S.ta Cruz em 1214) deu
e não voltou a ser implantada em Goa. peregrinos, alguns dos quais faziam voto de forma codificada à vida que os monges já levavam.
permanecer por toda a vida na Terra Santa, elegendo Não se conhece o texto original e o que dele se
BIBLIOGRAFIA: AZEVEDO, Carlos Moreira (dir), Dicionário o eremitismo como a melhor forma de concretizar sabe é por cotejo com versões posteriores. É dirigido
de História Religiosa de Portugal, vol. P-V, [Lisboa], o ideal ascético e penitencial, que os impelia a partir. a “Brocardo e demais eremitas que moram sob a
Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História Admite-se, também, que alguns ex-cruzados sua obediência junto à fonte do Monte Carmelo”.
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000; acabassem por se tornar anacoretas. Embora se Entre os princípios normativos que nele constam,
BOXER, C. R., As Relações Raciais no Império Colonial organizassem ermos em vários lugares das áreas destaca-se a necessidade de eleição de um Superior
Português: 1415-1825, Porto, Aforamento, 1988; conquistadas aos muçulmanos, o monte Carmelo, para os superintender e governar; a habitação de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

cada monge em gruta ou cela independente, onde buíram para a sua consolidação jurídica. Com efeito, último baluarte da resistência até 1291, ano do
se dedicariam a “meditar dia e noite na lei do no ano de 1215 reuniu-se o IV Concílio de Latrão, abandono definitivo dos cristãos latinos da Palestina.
Senhor”, como essência da sua vida orante e que congregou bispos do Ocidente e do Oriente, O declínio do poder político foi acompanhado de
contemplativa; o silêncio absoluto que ia da hora superiores das grandes ordens monásticas e reis um clima de insegurança, de conflitos entre cristãos
de Vésperas até depois da de Tércia; a reunião cristãos, saindo desta magna assembleia ecuménica e muçulmanos e da perseguição e consequente fuga
matinal diária para celebração da Eucaristia; a partilha decisões de largo alcance, que marcaram profun- de peregrinos e monges. Assim aconteceu com
de todos os bens que possuíam; a prática das obras damente a Igreja da Idade Média. De entre as Bertoldo, sucessor de Brocardo no priorado
de misericórdia; alimentação frugal, com total matérias tratadas, constou a proliferação de ordens carmelitano, com outros religiosos. A emigração,
abstinência da carne e jejum de sete meses no ano, religiosas, que em muitos casos não passavam de segundo Vicente de Beauvais, deu-se no ano de
desde a festa da Exaltação da S.ta Cruz até à Páscoa; grupos na fronteira da heresia e não controláveis, 1238, data que deve ser tida apenas como referência,
o trabalho como forma de prover à subsistência, sobre as quais saiu o Decreto Ne nimia religionum pois o processo não foi brusco mas gradual, ao ritmo
dentro da tradição monástica e a exemplo de S. Paulo, diversitas, a determinar que os futuros fundadores dos feitos militares, de compromissos conseguidos
cujo testemunho é evocado; uma reunião de Capítulo de ordens deveriam adoptar uma das Regras já com os chefes muçulmanos quanto a atitudes
aos domingos, para troca de impressões acerca do aprovadas. Na sequência deste decreto, muitos persecutórias, pelo que muitos insistiram em ficar
cumprimento das normas e correcção fraterna. institutos foram suprimidos. Mas o cânone conciliar até 1291. Neste ano brutal, os últimos eremitas que
É evidente que a pobreza, a castidade e a obediência não afectava os Carmelitas, visto a sua Regra já ter ainda viviam junto à fonte de Elias foram assas-
ao Prior constituíam pressupostos fundamentais. recebido aprovação, seis anos antes, das mãos do sinados, chegando à Europa o eco de terem
A Regra de S.to Alberto, nome por que se tornou Patriarca de Jerusalém, a cuja autoridade de Prelado enfrentado o morticínio ao canto da Salve Regina.
conhecida até hoje, é muito breve, apresentando- juntava a de Legado Pontifício. No entanto, os O ermo do monte Carmelo foi abandonado. A fuga
-se estruturada, na versão conhecida, em apenas 24 Religiosos Carmelitas, para acautelar dúvidas, numa e a dispersão tiveram, no entanto, a sua face positiva.
capítulos, quase todos repassados de passos bíblicos época em que a Igreja procurava fixar com maior Regressados às suas terras de origem e desejando
na sua formulação. Numa apreciação global, rigor o Direito Canónico, enviaram uma delegação continuar o género de vida eremítica, a Europa
constata-se que o documento, se por um lado ao papa, a fim de obterem confirmação da Regra conheceu um surto de fundações em lugares ermos,
enfatiza a espiritualidade individual do eremitismo que lhes fora concedida. A resposta foi-lhes favorável. como foram as casas de Fortamine (Chipre), Messina
de tradição bizantina anterior ao estilo de vida Com efeito, Honório III, pela Bula Ut vivendi normam, (Sicília), Les Aygalades (Marselha), Aylesford e Hulne
monacal de S. Bento, por outro sublinha aspectos de 30 de Janeiro de 1226, reconhecia que a norma (Inglaterra). E com elas divulgava-se a devoção a N.
comunitários e o valor do trabalho como forma de de vida albertina era anterior ao Concílio Geral, sem S.ra do Monte Carmelo.
subsistência, no que se tem visto uma influência da contudo a reproduzir. Pouco depois, Gregório IX, A vinda destes novos religiosos para a Europa, com
Regra Beneditina, fortemente modeladora da vida pela Bula Ex officii nostri, de 6 de Abril de 1229, um estilo de vida eremítica muito própria, não foi
cenobítica no Ocidente. Há quem lhe aponte, sancionou a decisão do seu antecessor, reconhecendo bem aceite pelas outras ordens, que lhes moveram
também, uma influência da Regra de S.to Agostinho aquele texto normativo como Regra. Com as perseguição sob vários pretextos, por vezes com o
(que mais correctamente deve chamar-se de aprovações pontifícias, ficava definitivamente apoio de bispos. Um dos pretextos foi a dificuldade
Praeceptum de S.to Agostinho), dado S.to Alberto ter confirmada a personalidade jurídica da Ordem, o em prover o seu sustento, tanto mais que acabavam
sido cónego regrante de S.to Agostinho no Mosteiro que lhe dava inteira liberdade para se estender por de ser aprovadas as ordens dos mendicantes
de Mortara, donde saiu ao ser eleito Prelado. Mais toda a Igreja. E com o tempo, os seus membros Franciscanos e Dominicanos. Na tentativa de
importante que procurar paralelismos é sublinhar a tornaram-se conhecidos como Irmãos de Nossa adaptação, procurou uma parte dos carmelitas unir-
originalidade da fórmula de vida (assim designada Senhora do Monte Carmelo, assim referidos numa -se ao movimento mendicante, opção que, junta à
no seu artigo 3.º), sendo o mais evidente a curta bula emitida por Inocêncio IV, de 1252, ficando rejeição que lhe era movida, colocou em grave risco
extensão já referida, a simplicidade, a forte carga oficialmente consagrada esta designação, que tinha a sua existência. O homem providencial chamado a
espiritual que a fundamentação bíblica lhe confere, já perto de meio século. solucionar tão perturbadora situação foi o inglês
mas igualmente a vitalidade que imprimiu não só à Estes primórdios trabalhosos, mas persistentes, Simão Stock, sexto Prior Geral, eleito no segundo
comunidade que a requereu como às dos outros reveladores da pujança espiritual do Ocidente, que Capítulo Geral do Ocidente reunido em Aylesford,
ermos. O facto de obedecerem a uma Regra se revitalizou no encontro com a do Oriente, em 1245. Para tanto, enviou dois religiosos, Pedro
oficialmente aprovada tornou o Prior do Monte emergem, contraditoriamente, no contexto de grande e Reginaldo, incumbidos de pedir ao Papa Inocêncio
Carmelo, de modo natural, em Prior Geral de todos perturbação da política internacional. Com efeito, IV – que se encontrava em Lyon – que “se dignasse
eles. Admite-se que, quando os eremitas se dirigiram o sucesso das primeiras cruzadas entrou em declínio, clarificar e corrigir certas dúvidas e mitigar certas
ao Patriarca Alberto e lhe pediram uma norma de com o ímpeto de reconquista pelo Islão dos territórios severidades” da Regra de S. to Alberto. O papa
vida, não tivessem a intenção de fundar uma ordem. do Reino Latino de Jerusalém, sob a chefia de encarregou o Cardeal Hugo de São Caro e Guilherme,
O certo é que, a partir de 1210, se organizaram 15 Saladino, Sultão do Egipto, Síria e Palestina. Entre Bispo de Antarado (Tortosa), ambos dominicanos,
mosteiros dispersos por vários pontos do Médio os êxitos obtidos sobre a esforçada militância dos de empreenderem a revisão da Regra. No dia 1 de
Oriente, que adoptaram aquele texto normativo, o cruzados, destaca-se a Batalha de Hattin, em Julho Setembro de 1247, o trabalho estava concluído, e
que consente afirmar que, com ele, nos alvores do de 1187, na sequência da qual Jerusalém capitulou, no dia 1 de Outubro do mesmo ano, pela Bula Quae
séc. XIII, nasceu uma nova Ordem. E dado o carácter a 2 de Outubro deste mesmo ano, para jamais ser ad hororem Conditoris, Inocêncio IV publicava a
fundacional da Regra, apesar dos ajustamentos aos recuperada. A derrota cristã, sobretudo a perda da Regra dos Carmelitas com as modificações sugeridas
tempos e às circunstâncias por que irá passar, ela Cidade Santa, que impulsionara o movimento pelos dois prelados: preconizava a recitação
será sempre uma referência em todas as formas de cruzadístico e encerrava a sua máxima expressão comunitária do Ofício Divino, segundo o costume
vida carmelitana posteriores, pelo que S.to Alberto simbólica, abalou profundamente o Ocidente, da Igreja, as refeições em comum e a possibilidade
deve ser considerado o primeiro legislador da Ordem, motivando o apelo do Papa Gregório VIII à terceira de as tomarem fora de casa quando em viagem;
sem que lhe tenha pertencido. cruzada. Mas o domínio cristão na Palestina recuava mitigava a abstinência da carne para os religiosos
Acontecimentos imediatamente posteriores contri- inexoravelmente, tornando-se S. João de Acre o itinerantes e mendicantes; os limites do silêncio da

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noite passaram da hora de Completas até após a A adopção de sistemas teológicos oscilou ao sabor a dos súbditos –, que flutuava ao sabor de alianças
de Prima; e deixava de ser obrigatório que as dos tempos, o que não impediu que, em simultâneo, diplomáticas entre reinos condicionadas pelo evoluir
fundações fossem nos desertos. As alterações se fosse impondo a especialização em Teologia das operações militares da Guerra dos Cem Anos
imprimiram à Ordem mudanças muito significativas: Mística, preparação requerida para a mestria na vida entre a Inglaterra e a França (1337-1475). Para
adquiria carácter cenobítico e era integrada na forma espiritual. A inflexão no rumo, preconizada pela cúmulo, este quadro religioso e político coexistiu
de vida mendicante. Como tal, deviam os seus necessária adaptação à realidade europeia, levantou com a profunda depressão económica por que a
membros desenvolver actividades apostólicas e logo nos primeiros tempos da transição vozes críticas. Europa passou no fim da Idade Média, interligada
pastorais, designadamente a pregação e a assistência Uma das mais veementes foi a de Nicolau, o Gaulês, à devastadora mortandade causada pela peste negra
espiritual e sacramental aos fiéis, não obstante o chamado do Monte Carmelo, onde se mantinha (1348-1350). A conjugação de factores de tanta
seu pendor matricial contemplativo. como eremita, para suceder no priorado geral a gravidade provocou rupturas irreparáveis, confe-
Simão Stock, que morreu em Bordéus quando se rindo à época um tom de sombrio pessimismo.
dirigia para o Capítulo Geral da Ordem, em Toulouse. A desorganização demográfica arrastou inexora-
Ao deparar com as inovações, tentou contrariá-las, velmente consigo a extinção de muitos conventos
tendo escrito, em 1270, um polémico opúsculo e quando, mais tarde, alguns se começaram a
conhecido por Ignea Sagitta (Flecha de Fogo), texto repovoar, faltava aos que os procuravam a plena
de grande veemência em que chama a atenção para identificação com o carisma e com a exigência da
a vida solitária, longe da agitação das cidades. Ordem. Os indicadores de declínio espiritual diziam
É também a expressão amarga de homem desiludido, respeito a pontos essenciais e manifestaram-se no
que nas mudanças via a perda da identidade primitiva reduzido tempo dado à oração, na fácil saída dos
da forma de vida. Inconformado, acabou por se conventos para recreação, contrário ao recolhimento,
demitir do cargo, em 1272, e regressar à solidão do no aceitar de doações patrimoniais e de outros bens,
ermo. contrários à Regra, numa época em que a Igreja
O fervor primitivo e o espírito de recolhimento enfrentava uma fortíssima corrente de oposição à
conheceram acentuado declínio no séc. XIV. Com sua riqueza, com autorizadas opiniões de espirituais
efeito, muitos religiosos começaram a ascender a a exigirem o regresso à prática da pobreza efectiva
cargos de relevo social, como a docência nas grandes das origens.
Santuário do Menino Jesus de Praga, Avessadas (JEF) universidades e o desempenho do múnus episcopal. Neste contexto e contra este estado de coisas, como
O governo da Ordem passou, em muitos casos, para acontece em todas as épocas de crise, levantaram-
as mãos de graduados universitários, que lhe -se vozes proféticas e geraram-se movimentos a
A promulgação pontifícia significava também que a conferiam prestígio intelectual e projecção social, clamar por reforma. No intuito de adaptar a Regra
Ordem passava a estar sob a protecção da Santa constituindo factores de atracção de muitos aos novos tempos, o Capítulo Geral reunido em
Sé, factor de enorme peso na aceitação que passou candidatos ao ingresso nas suas fileiras. Foi uma Nantes no ano de 1430, sendo Geral da Ordem
a usufruir e que se reflectiu na multiplicação dos época de apogeu de vocações em termos numéricos, Bartolomeu Rocalio, dirigiu ao Papa Eugénio IV o
conventos. À semelhança dos Franciscanos e que não teve como contrapartida uma elevação no pedido da sua revisão. Como resposta, o pontífice
Dominicanos, que tinham nascido como resposta fervor espiritual, mas, ao contrário, um esfriamento outorgou a Bula Romani Pontificis, datada de 15 de
evangélica à pujante expansão urbana que a Europa na sua intensidade. Os sinais de decadência tornaram- Fevereiro de 1432, pela qual concedeu a faculdade
conhecia, Simão Stock fundou conventos em -se mais evidentes na segunda metade do século e de comer carne três vezes por semana, suprimiu o
importantes cidades universitárias, como Cambridge ampliaram-se na centúria de Quatrocentos, para o jejum de sete meses e permitiu que, em horas
(1249), Oxford (1253), Paris (1259) e Bolonha (1260), que muito contribuiu a grave crise por que a Igreja convenientes, pudessem os monges sair de suas
escolha reveladora da sua pretensão de também passou. A transferência da sede do Papado de Roma celas para dar um passeio pelos claustros. A bula
abrir a Ordem à Universidade, uma das grandes para Avinhão (1309-1376), seguida do Grande Cisma da mitigação, como ficou conhecida, deixava intacto
criações da Idade Média. Adaptar a vida contem- do Ocidente (1378-1417), durante o qual chegou o restante texto da Regra dada por Inocêncio IV em
plativa da solidão dos ermos ao bulício das cidades a haver três papas a disputar a cadeira de S. Pedro 1247. No entanto, a maior parte dos conventos
foi um desafio, mas não constituiu óbice à – sediados respectivamente em Roma, Avinhão e passou a observar o documento revisto, havendo
proliferação de fundações, como se disse. Reflexo Pisa –, a que se juntou a forte corrente da doutrina muitos que exorbitaram no abrandamento intro-
da moldagem ao estilo mendicante foi a tendência conciliarista, defensora da superioridade dos Concílios duzido, em especial no tocante à permissão das
para uma certa clericalização, por via dos Gerais sobre a autoridade dos pontífices, arrastou saídas. Gerou-se então um clima de descon-
Franciscanos do ramo observante, e a importância consigo dissidências dentro das próprias ordens tentamento entre os que lutavam contra o que
que o estudo passou a ter, sobretudo por influência religiosas. Uma das mais desgastantes foi a deso- consideravam relaxamento, impulsionando alguns
dos Dominicanos, que lhe concediam especial relevo rientação sobre que papa reconhecer, o que, entre gerais diversas iniciativas de retorno a uma forma
para dar resposta sólida aos movimentos heréticos. os Carmelitas, provocou a divisão da Ordem em de vida mais exigente. Não sendo os tempos propícios
De facto, os Religiosos Carmelitas passaram a dedicar- duas “obediências”, cada uma com o seu geral, a uma reforma geral da Ordem, foi concedida licença
-se ao estudo da Teologia, rumo que recebeu conseguindo-se a união no Capítulo Geral celebrado aos conventos que o desejassem de a fazerem por
aprovação no Capítulo Geral reunido em Montpellier, em Bolonha, em 1411. O problema do reconhe- iniciativa própria, podendo os aderentes agregarem-
em 1287. Dez anos depois, o primeiro doutor cimento da legitimidade papal, para além de afectar -se em núcleos, com Superior próprio, mas sempre
carmelita (segundo se admite), Miguel de Bolonha, todo o tecido eclesial, teve enormes repercussões dependentes do Geral. Deste movimento de regresso
laureado por Paris, ao ser eleito Geral, deu grande no campo político, numa época de interligação quase à observância da Regra primitiva surgiram as
impulso a esta tendência, chegando-se depois ao inextricável entre a esfera do poder espiritual e a congregações reformadas de Mântua (Itália), a partir
ponto de decretar que não podia exercer o generalato do temporal. O problema avolumou-se mais ainda do Convento de Le Selve, situado entre Florença e
quem não fosse Mestre por aquela universidade. com a obediência dos monarcas – e por arrastamento Pisa, em 1413; de Albi (França), que começa em

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1499; do monte Olivete (perto de Génova), em 1516. Mas aconteceu também que a comunidade de do escapulário. Todos estes elementos ajudam a
A união caracterizava-se por os seus membros se Florença passou para a jurisdição de um vigário geral compreender o seu uso individual, a constituição de
centrarem mais na vivência interior da espiritualidade especialmente nomeado para elas no Capítulo associações de fiéis à sua volta e ainda uma difusão
do que na observância de práticas exteriores. Estes Provincial de 1452, presidido pelo próprio João que tem atravessado os tempos e que chegou aos
conventos de “observantes”, como passaram a ser Soreth. Não obstante estes aspectos jurisdicionais e nossos dias. Caracterizam-se estas confrarias pelo
chamados (por oposição aos “conventuais”, que as particularidades na organização dos grupos uso da insígnia e pela prática de actos de devoção
não aderiram à renovação), receberam o apoio de emergentes, o seu reconhecimento oficial era o mariana.
determinações de alguns Capítulos Gerais e da acção culminar de um processo evolutivo de comunidades Retornando ainda à notável acção de João Soreth,
pessoal de Priores Gerais, como João Soreth (1395- femininas com raízes profundas, a que este geral que estudou Teologia na Universidade de Paris e
-1471), João Baptista Mantuano (1447-1516), Nicolau prestou especial atenção e impulso, traduzido em nela ensinou, é de mencionar a redacção de um
Audet (1481-1562) e João Baptista Rubeo (1507- fundações de sua iniciativa nos Países Baixos e em comentário à Regra, com o título de Expositio
-1578). França. Neste país, João Soreth contou com a acção paranaetica, e a publicação de Constituições, em
da Beata Francisca de Amboise, considerada, com 1462, que substituíram as de 1324, sendo estas as
ele, fundadora do Carmelo feminino. Pela Bula Cum mais antigas que se conhecem, embora haja notícia
nulla, as monjas passavam a fazer votos solenes, a das primeiras remontarem a 1256. As Constituições
levar vida de clausura em comum e a observar a explicitam a espiritualidade que da Regra emana,
Regra dos religiosos, embora com Constituições estabelecem normas sobre vários aspectos do
próprias. funcionamento da Ordem, como as atribuições do
A João Soreth se ficou também a dever a fundação Geral, Definidores, Provinciais e Priores. A actividade
da Ordem Terceira, na sequência da mesma bula reformadora de Soreth desenvolveu-se sobretudo
que permitia aos leigos de ambos os sexos e de além Pirenéus, sendo praticamente nula a sua
qualquer estado de vida, que desejassem vida de influência, por exemplo, na Itália e nos reinos ibéricos
maior perfeição, poderem agregar-se à Ordem. Esta de então. Antes de se avançar para a realidade
faculdade foi explicitada na Bula Dum attenta, de peninsular, importa destacar que, ao entrar-se no
Sixto IV, que concretizou alguns aspectos da Ordem séc. XVI, em resultado de todo o processo reformador
Terceira. Entretanto, já desde 1455, tinha sido e do esforço de organização exigido pela multi-
elaborada uma Regra para este ramo laical, com plicidade de conventos masculinos e femininos
numerosas prescrições ascéticas e espirituais, em dispersos por toda a Europa, a Ordem apresentava-
que se incluíam votos solenes. Parece que apenas -se estruturada em províncias, à frente das quais se
mulheres seguiram estas prescrições. Mais tarde, em encontrava um Provincial, assistido por Definidores,
1583, a Santa Sé não reconheceu estes votos, que nomeavam os Priores dos conventos ou os seus
obrigando a reformular juridicamente os vínculos à Vigários e que tratavam de novas fundações, para
Ordem, o que aconteceu por Bula de Gregório XIII. além de outras atribuições. O Geral ocupava o topo
Tomando como modelo a Ordem Terceira da desta hierarquia. Desde a primeira aprovação da
Capela do Convento de S.ta Cruz do Buçaco (PCC)
Penitência, característica das outras ordens Regra, celebrava-se Capítulo Geral em cada três
mendicantes, os votos deram lugar a alguns anos, acontecendo por vezes serem mais espaçados,
Foi também neste contexto reformador do séc. XV compromissos explicitados em Regra própria. enquanto os Capítulos Provinciais se reuniam, por
que nasceu o Carmelo feminino. Com efeito, desde Importa esclarecer que as Ordens Terceiras se norma, todos os anos.
o séc. XIII, tinham-se organizado em vários países distinguem das Irmandades ou Confrarias do O traçado deste amplo quadro internacional da
grupos de mulheres que seguiam a espiritualidade Escapulário de N. Sr.a do Carmo, nascidas no séc. Ordem ficaria incompleto sem a referência à sua
carmelitana junto dos conventos masculinos, dos XIII, que têm como acontecimento inspirador a presença em Portugal, que remonta a uma época
quais recebiam apoio, mas sem Regra nem forma aparição da Virgem Maria a S. Simão Stock, a 16 não muito longínqua das origens dos Carmelitas na
canónica. Eram conhecidas por mantelatas, sorores de Julho de 1251. Durante a visão ter-lhe-á sido Europa, embora já depois de terem adquirido o perfil
e beatas e as suas comunidades por beatérios. Foi apresentado o escapulário, como sinal de protecção mendicante. Com efeito, os religiosos entraram em
do de Florença que partiu o pedido do seu aos que o usassem, acompanhado da promessa que Portugal no contexto do seu expansionismo, havendo
reconhecimento ao papa, de que foi portador o Prior tem sido repetida através dos séculos: “Este será o uma tradição, surgida na pena de cronistas dos sécs.
dos Carmelitas da cidade. Como resposta, Nicolau privilégio para ti e para todos os carmelitas: quem XVII e XVIII, que foram trazidos de Malta pelos freires-
V outorgou a Bula Cum nulla, de 7 de Outubro de morrer com ele não padecerá o fogo eterno. Quem -cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém
1452 (ampliada, mais tarde, pela Bula Dum attenta morrer com ele salvar-se-á”. Trata-se de uma tradição (também fugidos da Terra Santa), como seus
de Sixto IV, de 28 de Novembro de 1476), pela qual que adquiriu raízes tanto mais fortes quanto surgiu assistentes espirituais. Instalaram-se na vila alentejana
concedia aprovação à forma de vida destas mulheres. em fase de debate sobre a definição da identidade de Moura, num convento levantado pelos membros
Com este documento de 1452 nascia o ramo da Ordem na Europa, depois da saída forçada da desta Ordem de Cavalaria, que eram também
feminino no Carmelo, que passou a ser considerado Palestina. Em tempos problemáticos, não foi difícil conhecidos por Hospitalários, que o entregaram
como a Ordem Segunda (sendo a Primeira o admiti-la como aprovação divina a antecipar-se à aos filhos espirituais de N. Sr.a do Monte Carmelo.
masculino), a cuja fundação ficou associado o nome papal, incorporando-se como acontecimento sancio- Há sérias dúvidas sobre muitas destas informações,
de João Soreth. Subsistem dúvidas sobre se teria nador do seu segundo momento fundacional. Por sendo contudo indiscutíveis dois aspectos: que o
havido uma intervenção directa, na qualidade de outro lado, a mensagem que a acompanha foi de primeiro convento de Carmelitas foi em Moura e
Geral da Ordem (1451-1471), ou apenas uma con- fácil aceitação pelo homem medieval, para quem a que nele se encontra uma pedra de armas dos
cordância, hipótese fundada no seu envolvimento salvação eterna constituía problema central, para cavaleiros da Ordem de Malta. Até há pouco,
em legalizar a comunidade das Beguinas de Gelders. mais explicitada de modo tangível no símbolo material também 1291 era o ano aceite para a fundação da

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Ordem, por referência desta data num documento chamam Rubeo. Encontrou no Prior do convento
de 1421. A mesma atitude crítica coloca a fundação dos mitigados da cidade, Fr. António Herédia, que
de Moura no primeiro terço do séc. XIV, atribuindo- conhecera em Ávila no exercício de idêntico cargo,
-a a D. Afonso de La Cerda, sendo a primeira o incentivo para o projecto e o desejo de nele
referência documental a este convento datada de também se integrar, o que não a entusiasmou por
1354. É certo, porém, que se manteve como único ser homem já de idade. Um jovem carmelita, Fr.
cenóbio carmelitano até 1386, ano em que D. Nuno Pedro de Orozco, falou-lhe de um condiscípulo seu,
Álvares Pereira, após petições aos Papas Urbano VI Fr. João de São Matias, então com 25 anos, que se
e Bonifácio IX, fundou em Lisboa o convento que tornara notado por especial vida de oração e
veio a ter a designação de N. Sr.a do Vencimento recolhimento. Surgida a oportunidade do primeiro
do Monte do Carmo, cujas obras, começadas em contacto no locutório do recém-fundado convento
1389, estavam concluídas em 1422. Neste convento das Carmelitas da cidade, intuiu de imediato nele
ingressou, simplesmente como donato ou semi-frater, as predisposições espirituais, humanas e culturais
Nuno de Santa Maria, e nele havia de permanecer para o seu novo plano fundacional. E à vontade
até à sua morte, ocorrida a 1 de Abril de 1431, manifestada pelo jovem estudante – a que faltava
Convento N. Sr.ª do Carmo, Porto (DB)
domingo de Páscoa. Os dois conventos começaram o último dos quatro anos do curso teológico (1564-
por pertencer à Província Carmelita de Espanha, da -1568) na Universidade de Salamanca – de ingressar
qual se separaram em 1423 ou 1425 (persistem as da cidade, onde os pais, D. Alonso Sánchez de na Cartuxa, por desejo de uma vida espiritual mais
dúvidas) para constituir a Província de Portugal, Cepeda (natural de Toledo) e D. Beatriz de Ahumada exigente e motivado por uma especial devoção à
autonomia adquirida igualmente pelas demais ordens (natural de Olmedo), possuíam uma casa de campo Virgem Maria, respondeu-lhe com o desafio de
mendicantes, a que não foi estranho o antagonismo e aí passavam períodos de tempo, em nada altera realizar as suas aspirações dentro da Ordem em que
político entre Portugal e Castela, nos primórdios de um dos nomes por que se tornou conhecida. Foi já professara. Recebido o presbiterado em Salamanca
Quatrocentos, com a ascensão da Dinastia de Avis. em Ávila que passou a infância, a juventude e a e regressado a Medina, vestiu o hábito de carmelita,
O processo decorrera da celebração do primeiro idade adulta e onde fez toda a formação religiosa confeccionado pela própria Madre, no ano de 1568.
Capítulo Provincial, no qual foi eleito Provincial Fr. que a levaria a tornar-se monja. Na cidade, Logo a seguir, acompanhou-a na fundação do
Afonso Leitão. A partir de então e até 1834, amadureceu e deu início ao movimento reformador, convento no importante centro universitário de
sucederam-se as fundações em diferentes pontos com a fundação, a 24 de Agosto de 1562, do Valladolid, oportunidade para Teresa o instruir no
do país, com o seguinte ritmo cronológico: Colares Convento de S. José, que será sempre a grande modo de proceder na reforma e de lhe transmitir o
(1450), Vidigueira (1496), Beja (1526), Évora (1531) referência e o foco de irradiação das demais novo espírito e carisma que se vivia nos seus
e Coimbra (1537), que era o colégio universitário, fundações femininas. Foi esta actividade excepcional, Carmelos. Foi como que um tempo de Noviciado
fundado no ano da transferência definitiva da íntima e permanentemente associada a uma vida que durou pouco mais de dois meses. Acompanhá-
universidade para a cidade do Mondego. D. Fr. orante e contemplativa, acompanhada, a partir da -la-á mais tarde noutras fundações, como Alba de
Amador Arrais construirá uma nova igreja e um novo sua “conversão”, da experiência de fenómenos Tormes e Segóvia. Este empenho de Teresa decorria
claustro, cujas obras foram concluídas, respecti- místicos testemunhados nos seus escritos, que a da percepção de que a reforma dos conventos
vamente, nos anos de 1597 e 1600. Seguiram-se guindou aos cumes de uma santidade de alcance femininos exigia como complemento a dos
Lagoa (1550) e Torres Novas (1558). Fundações universal. O caminho percorrido até avançar para a masculinos, para que formassem uma só família.
efémeras foram as de Mértola (c. 1558) e Trancoso “Descalcez” (que na época, e em Espanha, equivale Além disso, considerava que seria o melhor meio
(c. 1559), às quais se seguiram as de Alverca (1600), a reformar ou reformular a Regra, recuperando o de dar às Carmelitas directores de consciência, com
Camarate (1608), Setúbal (1608), Horta, nos Açores espírito das origens), o quadro mental e espiritual formação teológica sólida e impregnados da
(1652), e Lordelo, nos arredores do Porto, em data que a contextualiza e as grandes etapas da sua originalidade do caminho espiritual que a própria
desconhecida. A expansão para o Brasil começou implantação terão mais adiante o desenvolvimento percorrera.
em 1580, na sequência da qual foram criados que se impõe. O projecto gizado tornou-se realidade em breve
conventos em Olinda (1590), Bahia (1592), Santos A outra grande referência é João de Yepes (nascido tempo. Logo nesse ano de 1568, era inaugurado o
(1589) e Rio de Janeiro (1590). Também o ramo em Fontiveros, a 24 de Junho, ou 27 de Dezembro, primeiro cenóbio de freires em Duruelo, aldeia quase
feminino teve as suas fundações, em Beja (1541 de 1542, vindo a morrer em Ubeda, a 14 de desconhecida e paupérrima, com cerca de 20
ou 1542), Lagos (1558) e Tentúgal (1565). Com a Dezembro de 1591), que ao professar no convento- habitantes, em plena montanha, a nove léguas de
reforma da Ordem Carmelita em Espanha, ao findar -noviciado da Ordem do Carmo de Medina del Ávila. A localização só em parte agradava a Teresa.
da década de 60 do séc. XVI, abre-se um novo Campo, em 1564, adoptou o nome de Fr. João de Não tanto pela ruralidade do meio e grande pobreza
capítulo na sua história, que atingirá Portugal a partir São Matias e, na sequência do seu encontro com da casa, mas porque sempre preferiu as cidades ou
de 1581. Teresa de Jesus e adesão ao movimento reformador, aglomerados com alguma relevância populacional
Ao impulso reformador em Espanha estão indele- em 1568, o mudou para João da Cruz. Com efeito, para implantar os conventos. Apesar de fazer a
velmente ligados dois grandes nomes da espiri- ao deslocar-se com um grupo de monjas, no ano apologia da vida eremítica, entendia que era possível
tualidade carmelitana: D. Teresa de Ahumada y de 1567, à cidade das feiras, dos grandes mercadores recriá-la nos terrenos envolventes dos cenóbios das
Cepeda (nascida em Ávila, a 28 de Março de 1515, e banqueiros, mas também a importante centro de cidades. Para a reformadora, nas urbes os Carmelitas
tendo vindo a morrer em Alba de Tormes, entre 4 cultura, alimentado pelos colégios das ordens encontrariam o enquadramento cultural necessário
e 15 de Outubro de 1582), que uma longa e religiosas – entre eles o dos Jesuítas –, levava Teresa ao desenvolvimento de uma vida espiritual de nível
profunda caminhada espiritual tornou conhecida por dois projectos: fundar um novo convento de religiosas elevado, através de directores de consciência de
S.ta Teresa de Jesus ou de Ávila. A hipótese, levantada e alargar o seu programa reformador ao ramo saber teológico consistente, que só as escolas,
por alguns historiadores, de acidentalmente ter masculino da Ordem, para o qual tinha autorização colégios e universidades poderiam fornecer. Era
nascido em Gotarrendura, a cerca de 20 kms a norte do Geral, João Baptista Rossi, que os espanhóis também o retomar da tradição do séc. XIII. Acrescia

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uma forte motivação pragmática: nas cidades apelos a uma vida religiosa centrada na pessoa de
concentravam-se os aristocratas e os burgueses, os Jesus Cristo e na interioridade espiritual, apoiada na
grupos sociais que maiores possibilidades tinham de leitura da Sagrada Escritura, secundarizando os actos
favorecer os conventos com esmolas. A fundação exteriores e formais de culto. Em Espanha, teve
de Duruelo foi inaugurada a 28 de Novembro de especial acolhimento o humanismo de Erasmo de
1568, assumindo o cargo de Prior Fr. António Herédia Roterdão (1469-1536), o pensador de dimensão
(que mudou o nome para Fr. António de Jesus) e o cosmopolita que melhor o expressou nos seus
de Subprior e Mestre de Noviços Fr. João da Cruz, escritos. Contudo, o entusiasmo pela corrente
a que se juntaram mais três religiosos predispostos erasmista em Espanha, que teve o seu auge entre
a fazerem a experiência de nova vida. Na primeira os anos 1527-1532, com apoio oficial de Carlos V,
missa, celebrada pelo Provincial Fr. António González, o imperador vindo da Flandres, e que foi seguida
o prior e o subprior renunciaram à Regra mitigada pela Corte deste, integrada por flamengos mas que
do Carmo e prometeram regressar à Regra não captou intelectuais castelhanos, entrou em lento
mitigada e corrigida por Inocêncio IV. A exiguidade refluxo e depois em desgraça e perseguição, por
dos espaços de Duruelo, com o despontar das suspeita de afinidades com as ideias heréticas de
primeiras vocações, obrigou à procura de instalações Martinho Lutero. Apesar de postergado ao nível do
mais capazes e cómodas. Será para o lugar de poder político, o espírito erasmista, que tocara
Mancera, em casa oferecida por D. Luís de Toledo, profundamente a universidade e as elites intelectuais
que a comunidade se transferirá em 1570, mudança urbanas, continuará a impregnar de modo subterrâ-
que não significou nova fundação. A segunda já Santuário do Menino Jesus de Praga, Avessadas (JEF)
neo o pensamento religioso e influenciará o ideal
tinha, entretanto, ocorrido em Pastrana, no ano de de reforma monástica. S. ta Teresa não terá lido
1569, vila com muito mais categoria geográfica e Erasmo, mas certamente ouviu falar dele e da atitude
histórica, a que estão ligados os nomes do português -se fazer uma incursão, ainda que breve, pela interior que preconizava, pois o erasmismo, mais do
Rui Gomes da Silva, Príncipe de Eboli e Duque de ambiência espiritual, cultural e mental em que se que corpo doutrinal, é uma disposição do espírito.
Pastrana, pelo casamento com a famosa D. Ana de moveram. Com efeito, a reforma que Teresa de Jesus Já quanto a S. João da Cruz, o estudo e magistério
Mendoza y de La Cerda, a que adiante se fará introduziu na Ordem Carmelita e para a qual atraiu nos centros universitários que frequentou levam a
particular referência. Foi nesta vila que se instalou personalidades de grande estatura espiritual, não admitir um conhecimento mais preciso. É uma
definitivamente o Noviciado. A João da Cruz se ficou resultou exclusivamente da irradiação da sua realidade que os escritos de ambos estão impreg-
a dever a transmissão da exemplaridade de vida experiência pessoal de vida contemplativa decorrente nados de profundo humanismo com afinidades a
ascética e espiritual a observar pelos aspirantes à da oração mental, mas também da convergência de esta matriz. Até certo ponto o culto à Humanidade
profissão, a qual estava impregnada do seu perfil uma diversidade de factores que nela incidiram e de Cristo, um dos traços da espiritualidade teresiana,
de grande formador humanista: suavidade, que importa destacar. Um dos mais marcantes foi, constitui um possível elo na cadeia de contactos
moderação e alegria. Por estas qualidades, a que sem dúvida, a pluralidade de movimentos reforma- com a mística vinda do Norte da Europa.
juntava a de ser qualificado homem de letras, foi dores em que o séc. XV se tornou fértil, como atrás Reflexo mais directo, mas por oposição, tiveram os
chamado para Reitor do Colégio dos Descalços, se viu, em que o teresiano, até certo ponto, se insere ventos do Protestantismo que sopraram em Espanha
fundado em Alcalá de Henares, no ano de 1570, e prolonga. As experiências dos conventos con- e que obtiveram a simpatia de personalidades de
colocado sob a invocação de S. Cirilo, que se tornará gregados foram um fermento que transpôs fron- quadrantes influentes, alimentada pela importação
numa destacada referência para a Ordem nascente. teiras e, sem que sejam muito perceptíveis contactos clandestina de livros e de bíblias protestantes que
A Universidade de Alcalá era, a par de Salamanca, directos com a Península Ibérica, impregnaram o a imprensa recém-descoberta rapidamente divulgava.
outro grande centro cultural de Espanha. Os ambiente de aspiração renovadora da época, a que A reforma teresiana começou na altura em que as
estudantes carmelitas assistiam às aulas e eram corresponderam gerais da Ordem de elevada divergências confessionais endureceram. Mas se na
acompanhados pelo exemplar padre reitor, que envergadura. Assim aconteceu com o cipriota Nicolas Europa a reforma protestante acabou por fracturar
também era professor, em cujo magistério revelou Audet, que esteve à frente do generalato entre 1524 definitivamente a Cristandade em dois blocos, após
grande conhecimento da Sagrada Escritura, argúcia e 1562, e com João Baptista Rossi (Rubeo), italiano uma agitada convulsão social e o derramamento de
em questões de Filosofia e Teologia Neotomista, de Ravena, que lhe sucedeu por eleição no Capítulo sangue na violência das guerras de religião – as de
para além de ser um mestre espiritual. A criação Geral celebrado em Roma, em 1564, figura indele- França impressionaram particularmente Teresa – em
deste colégio num meio universitário confirmava a velmente ligada à reforma teresiana. Depois de 1324, Espanha, a sua infiltração foi controlada pela rigidez
intuição e a vontade de Madre Teresa de que os ano em que o Geral João de Alério presidira o da ortodoxia religiosa, com o apoio régio, e de uma
seus frades fundassem casas em cidades de estudos, Capítulo Geral em Barcelona, Rubeo foi o primeiro apertada vigilância da Inquisição. Ao serem desco-
para também nelas recrutarem boas vocações. Em Geral a fazer visita canónica às Províncias de Castela, bertos focos heréticos em Valladolid, realizaram-se
dois anos, com as casas de Duruelo-Mancera, Andaluzia e Portugal. Teve, assim, oportunidade de na cidade dois autos-de-fé no ano de 1558; em
Pastrana e Alcalá, concretizava-se o arranque da conhecer Teresa, de visitar o Convento de S. José Sevilha também se acenderam fogueiras em 1559,
reforma dos religiosos, a que se encontra de Ávila e de verificar o modo como era observada 1560 e 1562. Em 1559, o Inquisidor Geral Fernando
estreitamente ligado o nome daquele que virá a ser a Regra primitiva aprovada por Inocêncio IV, que de Valdés publicava o Índice de Libros Prohibidos,
S. João da Cruz, mas impulsionada por Teresa de então já aí levava cinco anos de prática (1562-1567). no qual incluiu cerca de 700 obras, entre as quais
Jesus, cujas fundações tinham começado cinco anos Influentes também, embora de modo um tanto se contavam parte das que Teresa de Jesus usava (e
antes, na sequência de uma convergência de factores difuso, foram as correntes renovadoras surgidas na que contribuíram para a sua formação intelectual),
de que importa traçar o quadro. viragem para o século de Quinhentos, em especial e proibia a leitura da Bíblia em língua vernácula.
Apresentados os protagonistas de primeiro plano e a do humanismo cristão, vindo do Norte da Europa. À abertura mental dos primeiros decénios da centúria
os primórdios das realizações que os definem, impõe- Este, para além da vertente cultural, integrava fortes seguia-se um tempo de intransigência e dureza

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(“andaban los tiempos recios”, escreverá Teresa), a montagem do Tribunal da Inquisição na cidade,
para garantia da coesão doutrinal, social e política. auto-acusando-se espontaneamente de rituais
Ao longo da sua vida de fundadora e autora de judaicos em privado, conotados como crimes de
obras espirituais, para além de ver o seu Livro da heresia e apostasia, embora, em público, tivesse
Vida apreendido pela Inquisição em circunstâncias prática cristã. A atitude valeu-lhe a indulgência dos
que adiante se explicarão, em Sevilha será interrogada inquisidores, que lhe deram como penitência a
directamente pelos inquisidores e obrigada a justificar- obrigação de visitar igrejas à sexta-feira durante sete
-se. Apesar de lhes ter dissipado as suspeitas, semanas consecutivas, revestido do sambenito. Esta
exigiram-lhe que pusesse por escrito a sua vida e as imagem pública com repercussões infamantes levou-
suas experiências místicas, intimação que está na -o a sair de Toledo, a instalar-se com a toda a família
origem de duas extensas Relaciones (4.ª e 5.ª). em Ávila e a procurar uma progressiva identidade
Ao nível da Igreja Romana, a resposta à problemá- com o estilo de vida hidalga. O exemplo foi seguido
tica levantada pelo Protestantismo, entretanto pelos filhos, entre eles Alonso, pai de Teresa, que
fragmentado em diversas correntes que diferentes escolheu para esposas – casou em primeiras núpcias
reformadores personalizavam, foi dada pelo Concílio com D. Catarina del Peso e Henao e, após a sua
de Trento (1545-1563), através da promulgação de morte, com D. Beatriz de Ahumada – senhoras de
um corpus doutrinal, disciplinar e pastoral, em cuja estrato nobiliárquico médio e investiu os recursos
elaboração tiveram papel relevante teólogos e herdados na compra de terras, com o abandono do
prelados da Península Ibérica. Ao encerrar-se a trato mercantil e de operações financeiras a que a
assembleia ecuménica, abria-se uma nova era na família também se dedicava. Conseguiu “carta
história do Catolicismo, marcada por doutrina executória” de hidalguia, emitida pela Chancelaria
Pormenor do Convento de S.ta Cruz do Buçaco (PCC)
depurada, militância contra a heresia e apertada de Valladolid, em 1523, após arrastado processo
disciplina, sob o controle da hierarquia eclesiástica judicial (1519-1522), que o isentava do pagamento
com autoridade reforçada, em colaboração com a de impostos e, por consequência, lhe reconhecia a concreta do Carmelo espanhol no momento em que
dos soberanos católicos. Iniciava-se a Contra-Reforma condição de hidalgo. A sentença abrangia o pai e Teresa de Ahumada se tornou monja carmelita.
Católica, que assumia as reformas parcelares e os tios de Teresa. É através do depoimento das Existiam ao tempo 11 conventos femininos: 7 na
dispersas anteriores ao concílio, mas dava-lhes testemunhas no pleito que os pormenores sobre as Andaluzia, 3 em Castela e um em Valência. Cada
unidade e alcance universal, agora sistematizado origens judaicas e sobre a luta pela aquisição daquele mosteiro procedia de um grupo diferente de pessoas.
com os cânones tridentinos. estatuto nos são hoje conhecidos. Teresa conhecia Todos tinham começado como beatérios, evoluindo
Ao quadro traçado há que acrescentar algumas bem todo este processo e apenas se lhe refere em mais ou menos rapidamente para a plena estrutura
especificidades da Espanha, indo o destaque para passagem, de carta (1561) para o irmão Lourenço, religiosa. Como se disse atrás, “beata” dizia-se de
o misticismo dos alumbrados, ao que parece que se encontrava em Quito. São aliás eloquentes, uma mulher que, sem ser monja, vestia o hábito da
introduzido por frades franciscanos pelo ano de nos seus escritos, designadamente no Livro da Vida Ordem e vivia certos preceitos da Regra. Alguns
1510 e que se propagou rapidamente entre as (com a primeira redacção concluída em 1562, que tinham chegado inclusive à forma jurídica de
camadas populares. A sua característica mais se perdeu, e a segunda em 1565), alguns silêncios. sanctimonimales, isto é, adoptavam as leis da clausura
inquietante era a extrema subjectividade preconizada Teresa mostrava-se consciente de que a oração de papal, situação que não era comum. Cada instituto
na prática religiosa, que à Igreja levantava suspeitas, união, contemplativa e mental, que descobriu e tinha a sua fisionomia própria, apesar de professarem
o que explica as medidas drásticas tomadas contra preconizou, bem como os fenómenos místicos que a mesma Regra, podendo seguir constituições e
os iluminados, entre os quais se contavam muitas experimentou e descreveu nas suas obras, vindos de costumes diferentes. Teresa ingressou no Convento
mulheres. Ao painel há que juntar a progressiva uma mulher – habilmente diz, com frequência, da Encarnação de Ávila, a 2 de Novembro de 1535,
perseguição inquisitorial aos conversos (designação reconhecer a fraqueza do género feminino –, poderiam depois de ter sido, durante ano e meio, aluna interna
espanhola de cristãos-novos), aos “mouriscos”, com levantar suspeitas à Inquisição, pelo que recorreu no Convento das Agostinhas de S.ta Maria da Graça,
surtos insurreccionais apoiados nos seus correli- continuamente à opinião dos melhores letrados a que o de maior prestígio na cidade, onde era ministrada
gionários do Norte da África, e ainda o avanço dos teve acesso. Na pena da monja, letrados eram os a educação e formação cultural ao tempo exigida
turcos otomanos no Mediterrâneo. A guerra ao infiel teólogos, confessores e pregadores. Sobre eles, repetiu às “donzelas senhoras de bem”. Foi ao longo dessa
foi transversal a quase todo o século. Foi, pois, nesta infindas vezes ser muito amiga, indo a preferência permanência que, guiada por Maria de Briceño,
época de transição cultural, de cruzamento de para os mais qualificados de então, que se directora das noviças e pensionistas, e por sua
doutrinas e espiritualidades, que Teresa de Ahumada encontravam entre os Dominicanos e os Jesuítas. influência, se iniciou na oração e na vida espiritual.
viveu, se tornou religiosa carmelita e levou a cabo Ouviu os pareceres de futuros santos, como do Dá-se então conta da vanidade do mundo e pede
a obra reformadora. E se se procedeu a este elenco observante franciscano Pedro de Alcântara e do jesuíta a Deus que a ilumine sobre a escolha de um modo
temático, embora de conteúdo sucinto, foi porque Francisco de Borja, e ainda dos dominicanos Luís de vida. Não se queria casar, não tanto por medo
nas obras que nos legou é patente o grande cuidado Beltrán e Pedro Ibañez, para dar início à sua primeira ou repulsa, mas pela mediocridade da vida
em apresentar as suas experiências sem ser alvo de fundação. Aferiu, assim, de modo exaustivo, as suas matrimonial que pôde observar no género feminino,
suspeições. convicções de religiosa fundadora e reformadora, com que intuía ser incompatível com aspirações mais
A sua origem familiar era propícia ao receio. Com a doutrina oficial fixada em Trento, cautela que a altas que sentia. Por outro lado, o convento também
efeito, estava tocada pela “mancha” de conversa, acompanhou ao longo da vida, o que lhe consentiu não a atraía. Escreve no Livro da Vida que “sentia
herança que lhe advinha do avô paterno, Juan declarar com serenidade no derradeiro momento da grande repugnância em ser freira”. Pouco a pouco,
Sánchez, rico mercador de tecidos de origem judaica sua existência: “Por fim morro filha da Igreja”. impressionada pelo exemplo de Maria de Briceño,
que se estabelecera em Toledo. No ano de 1485, Evocado o contexto mental em que a reforma as resistências foram cedendo, acabando por se
respondeu ao pregão do édito de graça que precedeu teresiana se inseriu, importa considerar a situação decidir a ser religiosa. Na manhã de 2 de Novembro

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de 1535, foge de casa e, contra a vontade do pai, a um novo estilo de vida, sabendo-se que 30 delas para regressar a Ávila, em Julho de 1562, dá-se uma
transpõe as portas do Convento da Encarnação. passariam, mais tarde, para os mosteiros que iria coincidência inesperada: no mesmo dia da sua
A concordância paterna, que implicava a questão fundar, das quais 22 neles haviam de perseverar. chegada é recebido o breve pontifício, datado de 7
do dote, acabou por ser regularizada. A sua vocação Corria o ano de 1560. Tendo já experimentado de Fevereiro. Vinha dirigido a D. Aldonza de Guzmán
religiosa não era, contudo, muito firme. Teresa prefere êxtases e arroubamentos, ouvido falas místicas e e de sua filha D. Guiomar de Ulloa “senhoras
simplesmente o convento ao casamento. Marcelle percepcionado a visão intelectual de Cristo, eis que ilustres”, viúvas, autorizando-as a fundar um mosteiro
Auclair encontrou as palavras certas acerca deste O vê sob a forma gloriosa de ressuscitado, feminino da Ordem de Nossa Senhora do Carmo,
dilema: ao entrar no Carmelo, é uma espécie de ordenando-lhe a fundação de convento reformado nas condições pedidas. A casa já tinha sido adquirida
casamento de razão a que se resigna; levará 20 anos que devia ficar sob a invocação de S. José. Debate- e da sua adaptação ao novo destino se tinham
a transformá-lo em casamento de amor. A 2 de -se então com um feixe de problemas. Como encarregado, discretamente, a irmã, Joana de
Novembro de 1536, Teresa vestia o hábito de encontrar meios financeiros para o concretizar? Ahumada, e o cunhado Juan de Ovalle. No dia 24
carmelita no mesmo cenóbio. Como obter autorização para a ruptura? Recorre de Agosto de 1562 era finalmente inaugurado o
O Convento da Encarnação de Ávila tinha nascido aos conselhos de Pedro de Alcântara, Francisco de primeiro convento teresiano, com a aprovação do
em 1479, fora das muralhas da cidade, também Borja, dos dominicanos Luís Beltrán e Pedro Ibañez, provincial e com a licença do prelado, que se tornou
como beatério, por iniciativa de Elvira González de do Provincial dos Carmelitas, P.e Angel de Salazar, e num grande amigo de Teresa. Sobre o altar da capela
Medina. Alguns anos mais tarde, em 1512, outra do fidalgo Francisco de Salcedo. De todos recebe foi colocado um quadro de S. José, padroeiro da
“beata”, Beatriz Higuera, teve a ambição de o encorajamento para avançar. Apesar do segredo em fundação. Após o toque do sino, começou o
transformar num verdadeiro convento, junto de um que o plano se mantinha, a nova transpirou e cerimonial, que consistiu na celebração da missa
antigo cemitério judaico, com o dote exigido aos começaram as reacções. As religiosas da Encarnação pelo P.e Gaspar Daza, em representação do bispo, e
pais por via judicial. A 4 de Abril de 1515, data que consideravam-se humilhadas por não serem dignas na colocação do Santíssimo Sacramento, dois actos
coincide com a do baptismo de Teresa (no que depois de a reforma não ser feita no próprio convento. Os que se tornarão nos pilares fundacionais de todos
se viu acontecimento providencial) inaugurou-se a outros 13 mosteiros da cidade inquietaram-se com os conventos. Das mãos do sacerdote, e também
nova casa, ampla e espaçosa. A nova comunidade a concorrência que teriam de enfrentar nas esmolas por delegação de poderes de D. Álvaro de Mendoza,
adoptou a Regra do Carmelo, a mitigada, mas menos que constituíam parte do seu sustento. O município receberam o hábito as quatro primeiras noviças, com
relaxada, como muitas vezes se escreveu. Foi ao foi particularmente sensível ao argumento do suporte a particularidade de virem directamente dos seus
abrigo dos seus princípios e exigências que, a 3 de financeiro de mais uma comunidade religiosa para meios familiares e não de outros institutos. Entre
Novembro de 1537, Teresa de Ahumada fez a uma urbe que contava com uma população de 30 000 elas contava-se Maria de São José Salazar, antiga
profissão solene. Assim se integrava numa habitantes. As objecções evoluem para uma oposi- camareira de D. Luísa de La Cerda, que após a
comunidade de cerca de 180 membros, entre monjas ção veemente, que transborda para a praça pública. profissão acompanhará Teresa em muitos dos seus
idosas, de meia-idade, jovens e crianças, tão crianças O clima de agitação popular fez recuar os apoios já caminhos e que virá a ser a fundadora do Convento
que somente depois de cinco ou dez anos poderiam recebidos do provincial e do confessor. Das escassas de S. to Alberto de Lisboa, o primeiro cenóbio
começar o Noviciado. O tempo e as circunstâncias adesões de pessoas influentes vinham, entretanto, carmelitano feminino em Portugal. As demais
tinham tornado aquele convento um ponto de algumas dádivas para a compra de casa para instalar religiosas vinham do Convento da Encarnação.
atracção para senhoras de segmentos sociais mais o convento: de D. Guiomar Ulloa, da sobrinha de A pedido do núcleo de monjas fundadoras de
ilustres, algumas até nele vivendo acompanhadas Teresa, Maria de Ocampo, e, até inesperadamente, S. José de Ávila, redigirá S.ta Teresa o Caminho da
de servidoras, em celas com duas divisões e cozinha 200 ducados remetidos do Peru por Lourenço de Perfeição, em cujas páginas lhes transmitiu as suas
própria, que funcionavam como autênticos aparta- Cepeda, um dos sete irmãos de Teresa e o único instruções de pedagogia espiritual. As cópias manus-
mentos. Assim era o caso de Teresa. Compartilhava- bem sucedido na vida. Por conselho de Pedro de critas circulavam pelos seus cenóbios e serviam como
-a com a sua irmã Joana e, mais tarde, com duas Alcântara, também se precavera o necessário breve que de catecismo do carisma carmelitano durante
sobrinhas, para além de outras parentes com da Santa Sé para a fundação do cenóbio, requerido as muitas ausências exigidas pelo seu peregrinar
profissão religiosa. Muitas outras monjas havia com em nome do P. e Pedro Ibañez, já notado como fundacional. Virá a ser também a primeira obra
dotes de baixo valor, que as remetia para dormitórios iminente teólogo, e de D. Guiomar de Ulloa, com impressa, embora já depois da morte da autora.
comuns, e às quais, para atenuar as carências a indicação de que iria ficar sob jurisdição do Saiu dos prelos em Évora, no ano de 1583, por
alimentares, era consentida a saída e a permanência Provincial dos Carmelitas. A mudança deste para o iniciativa e a expensas do Arcebispo D. Teotónio de
em casa de familiares ou de quem solicitasse a sua campo dos opositores obrigou a impetrar novo breve, Bragança, gesto que decorria da mútua admiração
presença. A Regra ali seguida não impunha o sob a condição de o convento depender da e amizade que os ligava, como bem testemunha a
princípio da clausura. Também o acesso de visitas autoridade do Bispo de Ávila, D. Álvaro de Mendoza. troca epistolar que mantiveram. O Caminho da
ao locutório era muito facilitado, nem sempre por Em finais de 1561, o provincial ordenou a Teresa Perfeição será seguido pelas Moradas ou Castelo
motivos espirituais, o que o assemelhava a autêntico que deixasse a Encarnação, a que se encontrava Interior, em cujas páginas elabora a sua grande
espaço de sociabilidade para damas e cavalheiros. canonicamente vinculada, e fosse para Toledo, a fim síntese sobre o mistério da íntima relação da alma
Esta abertura à vida mundana provocara uma natural de consolar D. Luísa de La Cerda, filha do Duque com Deus (também redigido em S. José de Ávila,
erosão espiritual. de Medinaceli, que acabara de ficar viúva. no ano de 1577), que, juntamente com o Livro da
Ao fim de 27 anos desta experiência concreta, a par Inicialmente considerado como obstáculo ou Vida, constituirão as obras maiores saídas da pena
de um processo gradual de conversão pessoal, Teresa compasso de espera, foram cerca de seis meses de Teresa de Jesus.
concebeu a ideia de criar um convento mais simples, muito fecundos, pois, para além de concluir a Retome-se a fundação de S. José de Ávila. Divulgada
no qual se pudesse viver o ideal religioso carmelitano primeira redacção do Livro da Vida (que submeteu a notícia do acontecimento, levantou-se uma
de recolhimento e silêncio, só possível com número à aprovação do grande mestre espiritual, o futuro autêntica tempestade. A Prioresa da Encarnação
restrito de religiosas. Era o desejo de retorno à Regra S. João de Ávila), foi ocasião para estabelecer exigiu que Teresa regressasse ao seu convento e se
primitiva. Resultava de conversas com monjas que contacto com personalidades que se haviam de não o fez foi por condescendência do provincial.
frequentavam a sua cela e que aspiravam igualmente revelar úteis em futuras fundações. Ao receber ordem O Conselho Municipal promoveu várias reuniões

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à reforma. De tal modo ficou impressionado com a nasceram os Conventos de Beas de Segura e Sevilha
exemplaridade de vida das monjas, vestidas de burel (1575) e de Caravaca (1576), após os quais, a subida
castanho e, nos pés, alpercatas de linho cânhamo, de tom nas querelas internas na Ordem (Calçados,
adoptadas em 1563 (em vez de sapatos, usados ou Mitigados, contra Descalços) a obrigaram a
pelas religiosas da Regra não mitigada), e com a deter-se durante mais quatro anos. Passada a
personalidade da Fundadora, que acabou por lhe tormenta, em 1580 funda Villanueva de la Jara e
outorgar carta-patente, assinada em Ávila, a 27 de Palência, Sória (1581), Granada e Burgos (1582),
Abril de 1567, em que a autorizava a fundar que foi uma das suas mais duras provações, por se
conventos femininos reformados em Castela (mas encontrar já bastante doente. Aí recebeu ordem do
não na Andaluzia), que deveriam ficar sujeitos à Vigário António de Jesus, por ausência do Provincial
jurisdição do superior geral e sempre com o acordo Fr. Jerónimo Gracián de la Madre de Dios, de partir
do bispo do lugar. Para cada novo convento era-lhe para Alba de Tormes, onde a Duquesa de Alba,
concedida licença de levar duas carmelitas da D. Maria Enríquez, a chamava para ajudar, com as
Convento de S.ta Cruz do Buçaco (PCC) Encarnação, desde que fossem voluntariamente. Por suas orações, nos trabalhos de parto da sua nora.
insistência da madre, veio depois a conceder A viagem foi um autêntico calvário, com paragens
faculdade, por carta enviada de Barcelona e datada em Palência, Valladolid e Medina. A 20 de Setembro,
para debater novamente a falta de rendas para de 10 de Agosto de 1567, para os religiosos poderem chegou a Alba, quase em estado de exaustão.
sustento das religiosas. As noviças são alvo de actos fundar duas casas em Castela, segundo o mesmo Acabou os seus dias no Convento da Anunciação
intimidatórios, para que desistam e voltem a suas estilo de vida dos seus Carmelos, com a diferença de N. Sr.a do Carmo da vila ducal, assistida com
casas. Entre as raras vozes favoráveis, contava-se a de que deveriam dedicar-se também ao ministério todos os sacramentos ministrados pelo P.e Fr. António
do prelado que dera consentimento. Mesmo assim, apostólico. Nunca os freires estiveram sujeitos à de Jesus, proferindo muitas expressões da sua
os magistrados ameaçaram com um processo que clausura. As fundações de Duruelo e Pastrana, a profunda união mística com Deus que as irmãs
devia subir ao Conselho de Estado. No meio desta que se fez referência, decorrem desta autorização. registaram. Entre elas sublinhe-se a que proferiu ao
turbulência, Teresa escreve para Roma a pedir rescrito A partir de então, começa o movimento fundacional receber o viático: “Oh, Senhor, por fim chegou a
que autorizasse o convento a não possuir rendas, da “dama errante”, impressionante aventura para hora de nos vermos face e face”. Ao exalar o último
documento que lhe chegou a 5 de Dezembro. Em uma mulher que vivia numa época em que, na ordem suspiro, as monjas, que a tinham rodeado de carinho
meados do mês, o bispo chega a um entendimento social, o poder, lato sensu, era atributo exclusivo da (não lhe faltando com lençóis de impecável alvura,
com o provincial para pôr fim à querela. Teresa dominação masculina. O género feminino confinava- talvez recordadas dos muitos conselhos ouvidos sobre
obtém, finalmente, autorização para deixar a -se ao âmbito doméstico e, por extensão, ao o asseio nos conventos) irromperam com o canto
Encarnação e para se instalar no convento por ela conventual. Na história deste processo criador do Te Deum. Eram 9 horas da noite de 4 de Outubro
fundado. É nesta ocasião que confirma as suas divisam-se três grandes etapas, situando-se as mais de 1582. No dia seguinte, entrava em vigor a reforma
intenções de reforma: pobreza, jejum, assistência difíceis entre 1567 e 1571: Medina del Campo (1567), gregoriana do calendário, que suprimiu dez dias, de
ao coro e clausura, tal como prescrevia a Regra de Malagon e Valladolid (1568), Toledo e Pastrana modo que a Igreja, ao canonizá-la, em 1622, fixou
Inocêncio IV. As admissões não deveriam ultrapassar (1569), Salamanca (1570) e Alba de Tormes (1571), a sua festa no dia 15 do mesmo mês.
o previsto pela mesma Regra: 13 religiosas. Mais “todos à maneira do de S. José de Ávila, que não Embora se tenha dado particular ênfase à fundação
tarde, consentirá a admissão de 21 religiosas. Também parecem senão um”, escreve Teresa em carta para de Ávila, pela carga simbólica que encerra
posteriormente, quando o Bispo de Ávila foi seu irmão, D. Lourenço de Cepeda, a 17 de Janeiro (concretização de projecto profundamente ama-
transferido para Palência, conseguiu convencer o de 1570. Durante três anos, o Provincial Ângelo durecido e impulso para o levar por diante), torna-
novo prelado a aceitar que as religiosas de S. José Salazar aproveita os conflitos surgidos sobre -se impossível aqui reconstituir as circunstâncias das
passassem para a autoridade da Ordem do Carmelo. admissões de religiosas de famílias poderosas para 16 fundações que se seguiram e que Teresa passou
Uma palavra esclarecedora se impõe no tocante ao proibir novos estabelecimentos. O estratagema a registar no livro das Fundações, a partir de 1573.
problema das rendas. Segundo norma do Concílio consistiu em nomear Teresa, neste ano de 1571, No entanto, afigura-se pertinente apresentar em
de Trento, poderia aceitá-las com a condição de Prioresa do Convento da Encarnação, durante um breve síntese alguns dos traços que são comuns a
nada pertencer individualmente às religiosas. Teresa triénio, o que a obrigou a abandonar o Convento cada nova implantação. A Reformadora encontrou
pretendeu renunciar completamente a esta auto- de S. José. Este facto obrigou-a a ter de enfrentar sempre pela frente a resistência dos poderes públicos
rização, mas teve de ceder. Desde o início das a fúria das antigas irmãs de há nove anos, que não e das autoridades eclesiásticas, na maior parte das
fundações, viu-se obrigada a aceitar patronos, se pouparam a atitudes de repúdio, incentivando vezes sob pretexto da proliferação de muitas outras
donatários e donatárias, sabendo que, em troca das até movimentações hostis no exterior do convento. comunidades religiosas, para além de hospitais e
rendas que ofereciam ou das casas que compravam, Foi graças ao seu bom senso que aos poucos as instituições caritativas que Trento incentivou. Custava-
estes beneméritos reservavam-se no direito de os conseguiu conquistar. E para lhes transmitir o espírito -lhes acreditar que as novas religiosas pretendiam
fazer aceitar religiosas da sua escolha e de impor que a animava, chamou para confessor o P.e João viver de esmolas e do seu trabalho, prescindindo de
outras vontades, como a sepultura nas suas igrejas da Cruz, medida que foi mal vista pelos freires não rendas previamente asseguradas. Daí que, com
porque a vida de coro dava garantias mais sólidas reformados, que consideravam aquele cenóbio como frequência, resolvido o problema de obter casa, fosse
sobre o cumprimento das disposições testamentárias que um feudo seu. Talvez por isto, João da Cruz durante a noite que Teresa e as irmãs se introduzissem
no tocante a missas e Ofícios Divinos. Mas Teresa de virá a ser uma das grandes vítimas do movimento nela, em condições precárias e quase clandes-
Jesus não cedia facilmente aos poderosos do mundo. persecutório que pouco depois se levantou contra tinamente, limitando-se o acto inaugural à celebração
Tinha o dom de saber negociar situações difíceis. os descalços e que veio a culminar na sua prisão, da missa e colocação do Santíssimo Sacramento.
Durante cinco anos não houve qualquer outra questão adiante tratada. Terminado o mandato, Teresa deparou com dificuldades financeiras, tendo
fundação. Foi a visita do P. e João Baptista Rossi pôde Teresa regressar definitivamente a S. José e começado muitas fundações praticamente sem
(Rubeo), a que atrás se aludiu, que deu novo impulso retomar o dinamismo fundador que a animava. Assim dinheiro, que depois, aos poucos, ia surgindo. Teve

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sempre o apoio dos Dominicanos e Jesuítas, duas Numa delas, em 1569, ao deslocar-se de Toledo para de 1581, sob o título Regra Primitiva y Constituciones
ordens religiosas muito prestigiadas, e a generosidade Pastrana por imperativo da rede viária, hospedou- de las Monjas Descalzas de la Orden de Nuestra
das elites sociais, nalguns casos da burguesia -se no Convento de N. Sr.a dos Anjos, fundado por Señora la Virgen Maria del Monte Carmelo.
mercantil, de que Medina del Campo é um bom D. Leonor de Mascarenhas, portuguesa que fora Já se acentuou que a reforma operada entre os
exemplo. Vivendo numa Castela de pujante vida para Castela no séquito da Imperatriz Isabel e depois religiosos, embora começada cinco anos após a das
urbana e que passava por uma época de grande se tornara aia do Príncipe Filipe, futuro rei. Para monjas, decorreu da percepção sentida por Teresa
prosperidade, preferia as cidades às pequenas além da anfitriã, encontrou-se com a Princesa de Jesus de uma necessária complementaridade. Foi
localidades, como se sublinhou. Mas também recebeu D. Joana, mãe do Rei D. Sebastião, que fundara o por seu empenho que freires de grande envergadura
incentivos e colaboração de personalidades da Convento das Descalzas Reales, em 1557. E como foram atraídos para a levar a efeito, alguns dos quais
aristocracia, destoando o sucedido com a fundação a notícia correu célere, acorreram senhoras da Corte já se mencionaram a propósito do envolvimento
de Pastrana, que, pelas consequências, não é que procuravam conhecer a “santa de Ávila”, muitas directo com o dinamismo desencadeado pela
despiciendo destacar. Com efeito, concluída a de delas na expectativa de presenciar algum dos seus Reformadora. A outros se fará oportuna referência,
Toledo, foi Teresa solicitada pela Princesa de Éboli fenómenos místicos, a que Teresa, com perspicácia, pois sem eles o Carmelo Teresiano não seria uma
a fundar casa em Pastrana, que estava bem fora entreteve com conversas tão triviais como a largura realidade. Antes, porém, não é demais insistir que
dos seus intentos. Foi muito contrariada que se das ruas da cidade, então em expansão urbanística. os contributos vieram de muitas personalidades,
dobrou à quase imposição da senhora, que pertencia Foi nesta paragem que teve a oportunidade de como de prelados e de outros qualificados
a uma das grandes famílias de Espanha. Talvez fosse conhecer também, por intermédio de D. Leonor, eclesiásticos, de membros da aristocracia e de
movida por emulação com D. Luísa de La Cerda, dois italianos que viviam como eremitas no deserto burgueses, do próprio rei (com uma intervenção que
que, em termos mais convincentes, pressionou de Tardon e se dirigiam a Roma para obter do papa adiante se destacará) e também do dinâmico apoio
também Teresa a estabelecer convento em Malagon, legitimação para esse estatuto: Ambrósio Mariano das comunidades religiosas femininas, nelas
uma das suas terras; ou por saber que D. Maria de de Azzaro, napolitano, que servira o rei com as emergindo uma galeria de figuras de excepcional
Mendoza, mulher de Francisco de los Cobos, armas, doutor em Direito e estudioso de Matemática grandeza, que aqui não é possível enumerar de
secretário de Carlos V, e irmã do Bispo de Ávila e Geometria, que lhe conferia o título de engenheiro; modo exaustivo. Já se realçou a de Maria de São
(também Mendoza), tinha dado todo o patrocínio e Giovani Narducci, que passara pelo atelier do pintor José Salazar (1548-1603), Prioresa de Sevilha e depois
ao estabelecimento definitivo de Valladolid. As Alonso Sánchez Coelho. A Madre, que tinha o dom de Lisboa, e notável escritora. Torna-se imprescindível
fundações teresianas estavam na moda, no contexto de intuir a “qualidade” das pessoas, persuadiu-os salientar, também, a de Ana Lobera de Torres (1545-
de uma época mental em que, entre o corpo de a permanecer em Espanha e a tornarem-se carmelitas -1621), que, ao professar, mudou o nome para Ana
valores cimeiros, a santidade ocupava especial descalços. Acabaram por ser os primeiros religiosos de Jesus (nome por que se tornou conhecida), e que
relevância. Satisfeito o capricho da Princesa de Éboli, do carmelo masculino de Pastrana. Narducci viria a virá a ser fundadora de carmelos teresianos em
sabendo a extravagante aristocrata da existência do mudar o nome para Fr. João da Miséria e foi autor França (Paris e Dijon), a pedido do Cardeal Pierre
Livro da Vida, exigiu que lhe fosse consentida a do mais antigo e conhecido retrato de S.ta Teresa. Bérulle, e na Flandres (Bruxelas). Foi igualmente
leitura, a que Teresa resistiu por se aperceber tratar- Fr. Ambrósio Mariano de São Bento, nome que notável escritora e a ela S. João da Cruz dedicou o
-se de curiosidade frívola e não de verdadeiro adoptou, será o principal fundador do primeiro Cântico Espiritual. A ambas se ficou a dever a
interesse espiritual. Obtida a garantia da discrição, convento da Ordem em Portugal. Este religioso concretização do desejo de Madre Teresa de expandir
corroborada pelo marido, Rui Gomes da Silva, volvido concretizará, assim, um dos grandes desejos de S.ta o Carmelo Descalço feminino para além das fronteiras
não muito tempo, as visões e outros fenómenos Teresa, também pedido por D. Teotónio de Bragança, espanholas, com a particularidade de terem
místicos nele descritos tornaram-se tema de conversa cuja iniciativa ainda abençoou pouco tempo antes apreendido directamente o novo carisma que
nos ambientes palacianos, rapidamente divulgados de falecer. Mas se não pôde ver a expansão da imprimiu à Ordem, acompanhando-a em muitos
na Corte. Ao falecer o marido, a princesa decide Ordem que fundara, para além das fronteiras de passos do seu itinerário espiritual, a par do exercício
vestir o hábito carmelita no seu convento, cuja Regra Espanha, deixava-a assente em sólidos alicerces, de cargos de Prioresas por sua indicação. Mas no
desdizia com actos discricionários da sua autoridade, tanto em termos espirituais como jurídicos. tocante ao ramo masculino, no qual se pretende
advinda do padroado sobre o cenóbio e do estatuto Com efeito, pelo Breve Pia Consideratione, de 22 agora incidir, para além das pessoas que estiveram
senhorial, como se do seu palácio se tratasse. de Junho de 1580, tinha Gregório XIII concedido na primeira linha, é em torno da rede de fundações
A perturbação que causou na comunidade foi de permissão aos Religiosos Reformados (Descalços) conventuais que se poderá captar a primeira
tal ordem que Teresa se viu obrigada a uma decisão que se erigissem em província autónoma dos configuração do seu rosto. Já se evocaram os marcos
radical: evacuou o convento durante uma noite, Observantes (Calçados). O Capítulo Provincial, de arranque representados pelos cenóbios de
transferindo as religiosas para o Convento de Segóvia. celebrado em Alcalá de Henares, em Março de 1581, Duruelo-Mancera, Pastrana e Alcalá de Henares.
A princesa, num acto de vingança, entregou o livro ratificou a separação. Por eleição canónica, saiu Impõe-se, contudo, assinalar as criações subsequentes
à Inquisição, donde não mais saiu, o que explica a como primeiro Provincial Fr. Jerónimo Gracián de la e atender ao seu percurso cronológico, através do
segunda redacção a que já se fez referência. Filipe II, Madre de Dios, o religioso que Madre Teresa e as qual se capta o ritmo veloz do seu processo de
que teve sempre em grande estima a Reformadora, suas monjas desejavam ver investido no cargo. No irradiação. Assim, depois daquelas casas, abriram-
a uma das queixas da excêntrica princesa respondeu respeitante ao ramo feminino, os padres congregados -se as seguintes: Altomira (1571), La Roda (1572)
que se ocupasse da educação dos filhos. reviram as Constituições que a Fundadora tinha Granada e La Peñuela (1573), Los Remédios de
Mas Teresa de Jesus conheceu atitudes de pendor redigido em S. José de Ávila, em 1567, e que eram Sevilha (1574), El Calvário (a 10 km do convento
diametralmente contrário de figuras da alta seguidas nos seus conventos (com a aprovação do feminino de Beas, na Andaluzia), Almodóvar del
aristocracia, com quem teve oportunidade de Superior Geral da Ordem), aceitando quase todas Campo (1575), Baeza (1579) – o colégio universitário
conviver, para além das já mencionadas. As suas das muitas advertências que foi acrescentando como carmelitano da Andaluzia, fundado por S. João da
viagens obrigaram-na a passar algumas vezes por fruto da experiência quotidiana, e que enviou ao Cruz – Valladolid, e outro colégio universitário em
Madrid, vila elevada a capital do Reino, em 1561, Capítulo. O texto definitivo, precedido da Regra, foi Salamanca (1581). Quando Teresa de Jesus faleceu,
por Filipe II, e, como tal, também sede da Corte. dado à estampa em Salamanca, nesse mesmo ano em 1582, a reforma teresiana masculina encontrava-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

-se estruturada em 13 conventos masculinos, para a libertação e o regresso ao mesmo confessionário, se imiscuísse nos assuntos de Espanha. Pretendia
além dos 17 femininos já mencionados. Até ao final que, por sua vez, interditou aos Mitigados. As que se realizasse sob sua autoridade, sem
do séc. XVI, os freires erguerão outros, como determinações de Piacenza vieram a ser publicitadas dependências dos gerais, cuja eleição, em Itália, não
Guadalcázar (1585), Córdova e Segóvia (1586). em Capítulo da Ordem congregado em Valladolid, conseguia controlar. O pleito entre Calçados e
E neste mesmo ano, tanto os religiosos como as para o qual foram chamados os Descalços. Como Descalços, considerado sob este ângulo, foi uma
monjas fundam casas em Madrid, o centro do poder resposta, estes convocaram um Capítulo próprio das expressões do confronto entre o poder real e o
político, um forte desejo que Teresa teve para as para Almodôvar del Campo, na Andaluzia, em papado. O conflito desta fase só chegou ao fim
suas filhas espirituais, que só se realizou depois da Setembro de 1576, sem que juridicamente o quando Gregório XIII cedeu às pressões régias e
sua morte. pudessem fazer, decisão reveladora de consciência expediu o Breve Pia consideratione, a que atrás já
de personalidade própria e do desejo de autonomia. se fez referência, no qual consentia a separação dos
Um revés contrariou estas iniciativas: a morte do Descalços, com província distinta dos Calçados e
Núncio Ormaneto, a 18 de Junho de 1577. A sua com superiores próprios. Esta autonomia tornou-se
substituição por Filipe Sega, chegado a Espanha a realidade no Capítulo de Alcalá de Henares, aberto
29 de Agosto, partidário dos Calçados, abriu um a 3 Março de 1581, que o soberano ordenou que
tempo de turbulência para a linha reformadora de se celebrasse com toda a solenidade, custeando as
Teresa de Jesus, de que se revelou adversário, ficando despesas e enviando um comissário apostólico, isto
célebre a acusação que sobre ela escreveu de “fémina é, um delegado régio. Era uma Ordem moldada à
inquieta y andariega, desobediente y contumaz”. realidade espanhola. Os 20 Capitulares elegeram
Com a conivência do representante papal, a quatro Definidores ou Conselheiros (entre eles Fr.
animosidade dos Mitigados recaiu com maior João da Cruz) e, para Provincial, o P. e Jerónimo
dureza sobre os seus filhos espirituais. As cabeças Gracián de la Madre de Dios, como se viu, que era
foram presas, como Fr. Jerónimo Gracián, em Pastrana filho do Secretário Real Diego Gracián. Entre as
Pormenor do Convento de S.ta Cruz do Buçaco (PCC)
ou Alcalá, e Fr. João da Cruz, que se tornou na decisões conta-se a de fundar um convento em
principal vítima, por ser o braço direito da reforma, Lisboa (onde Filipe II então se encontrava) e de enviar
A evolução passará, no entanto, por momentos de e que na noite de 3 para 4 de Dezembro de 1577, uma missão para o Congo. Nestes primórdios, a
conflitualidade. Como se viu, o ponto de partida foi detido em Ávila pelos Calçados, com a anuência Ordem abria-se ao dinamismo missionário. E, tal
para a abertura dos estabelecimentos conventuais do núncio e a colaboração do poder secular abulense. como aconteceu para as religiosas, deste primeiro
masculinos decorreu de uma autorização do Geral, Receando um motim popular, levaram-no, a coberto Capítulo com plena validade jurídica saíram os dois
P.e Rúbeo, em 1567, por ocasião da sua visita a da noite, para o Convento de Toledo, tendo-lhe grandes documentos fundacionais dos religiosos,
Espanha, com a restrição de se restringirem a Castela, vedado os olhos ao entrar na cidade, para que nem assinados a 13 de Março de 1581 e publicados em
embora posteriormente fosse mais lato no o próprio soubesse onde se encontrava. Logo na Salamanca, no ano de 1582, sob o seguinte título:
consentimento. Pelo elenco atrás feito, pode verificar- manhã seguinte, Madre Teresa dá o alerta perante Regra Primitiva y Constituciones de la Província de
-se que, a partir de 1573, surgiram fundações na um notário e pediu a intervenção do rei, ficando los Frailes Descalzos de la Orden de Nuestra Señora
Andaluzia, com autorização do Visitador Apostólico, célebre da missiva enviada a seguinte frase: “Preferia la Virgen del Monte Carmelo. Até então, os religiosos
nomeado pelo Núncio Nicolau Ormaneto, e favor sabê-lo entre os mouros; eles teriam, sem dúvida, da reforma ajustavam a sua vida pelas Constituições
do rei, a que o Geral Rúbeo (sediado em Roma) se mais compaixão dele”. Intuía os padecimentos que redigidas por Madre Teresa, em 1567, e transmitidas
opunha. No ano seguinte, o núncio apostólico iria sofrer no calaboiço, como depois se tornaram a Fr. João da Cruz, em 1568. Os trabalhos do Capítulo
indigitou para reformadores do Carmo na Andaluzia conhecidos: cela exígua e sem luz, pão e água por encerraram-se a 16 do dito mês.
os P.es Francisco Vargas, dominicano, e Jerónimo alimento e maus tratos físicos. O motivo do Conseguida a pacificação entre Mitigados e
Gracián, que vestira o hábito carmelitano em encarceramento ficou bem expresso no julgamento Descalços, prosseguiram estes com as determinações
Pastrana, em 1572. Estas nomeações estão na origem a que também foi submetido, sob presidência do preconizadas nos seus Capítulos e sob a autoridade
de uma autêntica tempestade. Com efeito, em 1575 P.e Tostado: que abandonasse a reforma teresiana e do Provincial, Fr. Jerónimo Gracián, que deteve o
(Maio-Junho), reuniu-se em Piacenza (Itália) o Capítulo voltasse a vestir o hábito de Calçado. Tornava-se cargo durante quatro anos. Um novo conflito irá
Geral da Ordem do Carmo, no qual foram dadas claro que todos os procedimentos tinham em vista desencadear-se, entretanto, agora dentro da nova
informações inexactas e tendenciosas acerca dos reabsorver a reforma dentro da Ordem do Carmo e Ordem. Com efeito, com a expansão da reforma, o
Descalços em Espanha, quer dos masculinos quer impedir a ruptura. A recusa valeu-lhe a sentença de governo foi-se tornando mais complexo. Como nota
dos femininos. Decidiram os capitulares enviar um rebelde e contumaz e a prisão mantida em segredo. o P.e Silvério de Santa Teresa, historiador de referência
visitador para Calçados e Descalços, com várias Ao fim de nove meses conseguiu a fuga, que se da reforma teresiana, “desde los tiempos de la Santa,
instruções, entre elas as de suprimir todos os deu durante a oitava da festa mariana da Assunção, se había ejercido el gobierno un poco a la buena
conventos que estes tivessem fundado sem licença em Agosto de 1578, conseguindo refúgio no de Dios, es decir, com escasa organización. […] Era
do geral, proibir outras fundações e colocar Madre Convento das Carmelitas Descalças de Toledo. necesario ir sustituyendo aquel régimen familiar por
Teresa sob reclusão num convento por ela escolhido. O nível da tensão atingido com a perspectiva de outro más legal y ajustado a normas que no
O visitador escolhido foi o P.e Jerónimo Tostado, uma cisão irreversível impunha uma saída, na qual dependieran de la prudencia sola de un superior
português, adversário da reforma. Ainda antes da Filipe II directamente se envolveu, em coerência com que, por grande que fuera, podría fallar en muchos
aplicação oficial das sanções, já as represálias se a sua orientação política no tocante à reforma das casos” (SANTA TERESA, Silvério de, ocd, Historia del
tinham começado a sentir: o Prior dos Calçados de ordens religiosas. O Rei Católico estava sinceramente Carmen Descalzo…, vol. VI, p. 164). No Capítulo
Ávila expulsou Fr. João da Cruz e Fr. Germano de empenhado em levá-la por diante, na linha de uma celebrado em Lisboa, em 1585, foi eleito Provincial
Santa Maria do cargo de confessores da Encarnação tradição que remontava aos Reis Católicos e Carlos V, Fr. Nicolau Dória, da poderosa família dos Dórias de
e enviou-os sob prisão para o cárcere conventual embora de forma mais radical que a moderada Génova, famosos armadores e banqueiros, que veio
de Medina del Campo. Interveio o núncio, que exigiu preconizada por Trento, mas não admitia que Roma para Sevilha em 1570, com 31 anos. Revelou-se tão

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

hábil nos negócios que o arcebispo da cidade o La Peñuela e daí seguiu para Ubeda, onde acabou elevado perfil espiritual, tanto em Espanha como
convidou para sanear o erário do arcebispado, êxito os seus dias, com muito sofrimento, a 14 de em Portugal, de modo particular com D. Teotónio
conhecido por Filipe II que, por sua vez, o chamou Dezembro de 1591. de Bragança, Arcebispo de Évora, que lhe solicitava
para colocar os seus talentos ao serviço das finanças Da actuação do P. e Dória, há ainda a destacar uma fundação no seu arcebispado, predispondo-se
públicas. Acabou por rejeitar o cargo para abraçar medidas indeléveis que imprimiram novo rumo à a custear todas as despesas. Segundo o cronista
a vida religiosa como carmelita descalço, conquistado Ordem. Uma delas consistiu na promulgação de português da Ordem, Fr. Belchior de Santa Ana, essa
pelo exemplo de Ambrósio Mariano, de quem era novas Constituições, em 1592, que espelhavam o estima e intenção fundacional intensificara-se com
amigo desde longa data, renunciando a um bispado rumo rigorista, legalista e ascético que introduzira, a comunicação mística que tivera do desastre de
que o rei lhe ofereceu. Fez o Noviciado no Convento esbatendo-se o rumo humanista e com preocupações Alcácer-Quibir, encontrando-se em Toledo, durante
dos Remédios de Sevilha, onde professou a 25 de de ordem cultural, introduzido por Teresa de Jesus. a qual, ao lamentar-se de terem os inimigos da fé
Março de 1578, mudando o nome para Fr. Nicolau Assim, enquanto que as que Teresa de Jesus deixara saído vitoriosos, Cristo lhe garantiu que todos os
de Jesus Maria. Contava 37 anos, sabendo-se que continham 59 números, as elaboradas sob a cristãos mortos se encontravam “dispostos para a
a sua formação cultural e teológica não foi muito responsabilidade do P.e Dória somavam 461. Outra bem-aventurança”, o que o tranquilizou, porque,
aprofundada. Uma vez à frente da reforma, decidiu medida, decorrente de manifestação expressa no no seu entender, com “as liberdades que traz consigo
mudar o sistema tradicional de governo, revelando Capítulo Geral da Ordem do Carmo, celebrado em as guerras […] costumam ser os soldados estragados
uma personalidade autoritária e um talento Cremona no ano de 1593, foi a declaração de em costumes”(SANTA ANA, Fr. Belchior de, Chronica
organizador. Encontrou a solução numa estrutura autonomia da província carmelitana reformada, de…, p. 66).
colegial, que impedia serem os assuntos da Ordem fundada no número de conventos que possuíam,
decididos só pelos Provinciais, mas conjuntamente 34 de religiosas e 58 de religiosos. O Capítulo acolheu
com um grupo permanente, formado pelo Vigário favoravelmente o pedido de Clemente VII, a 20 de
Geral e outros seis membros iminentes. A este Dezembro do mesmo ano, com o Breve Pastoralis
modelo foi dado o nome de Consulta da Reforma, oficii, e separou definitivamente da jurisdição do Geral
designação que era sinónimo de Governo Geral. Na os Irmãos Descalços da Ordem da Bem-Aventurada
mesma assembleia, dividiu a reforma em quatro Virgem Maria do Monte Carmelo. O Superior deixava
vicariatos regionais, ficando a província dividida nos de se chamar Vigário, para passar a ser o Prepósito
seguintes: Portugal, Andaluzia, Castela a Velha e Geral, de que o P.e Nicolau Dória foi o primeiro, cuja
Castela a Nova. Outros passos foi dando, até que, nomeação deveria, no entanto, ser confirmada em
no Capítulo celebrado em 1588, Dória foi eleito Capítulo Geral, a celebrar em 1594. Quando se Convento de N. Sr.ª dos Remédios, Évora (DB)
Vigário Geral e propôs a eleição de seis conselheiros dirigia para a congregação, adoeceu e veio a falecer
para o assistirem no cargo. Esta Consulta fixou-se em Alcalá de Henares, a 9 de Maio de 1594, embora
em Segóvia. A inovação exasperou os ânimos de nos últimos momentos de vida tivesse designado Com efeito, a decisão dos padres capitulares de
muitos freires e monjas, entre eles do P.e Gracián, para lhe suceder o P.e Elias de São Martinho. Dentro eleger Portugal como primeiro país para projectar a
que se lhe opôs por vários meios, escrevendo cartas deste rumo, a partir de 1600, os Carmelitas Descalços Ordem no exterior aconteceu em conjuntura política
e memoriais a desacreditar este modo de governo. formaram duas congregações independentes: a particularmente delicada, pelo que foi objecto de
O primeiro provincial identificava-se mais com a espanhola, chamada de S. José, que compreendia grande ponderação. Com efeito, Filipe II de Espanha
pessoa e com o pensamento da Fundadora, consi- Espanha, Portugal e as Índias; e a Italiana, chamada acabava de unir, na sua pessoa, a Coroa de Castela
derando-se responsável pela manutenção do seu de S.to Elias, que englobava Itália, França, Flandres, à de Portugal, na sequência de largo debate jurídico
carisma, o mesmo sucedendo com Fr. João da Cruz. Alemanha, Polónia e Pérsia. Também esta passou a sobre o seu direito sucessório e do recurso às armas
Gerou-se, assim, uma tensão entre duas correntes ter Constituições próprias e a eleger o seu Geral. para o fazer valer. Eram bem conhecidas as
quanto à interpretação da reforma: uma dentro da Esta fragmentação, da iniciativa do P.e Nicolau Dória, resistências portuguesas ao que vinha do outro lado
linha humanista de Madre Teresa – suave, discreta, tem sido interpretada como forma de tornar a Ordem da fronteira. Para darem cumprimento ao estabe-
letrada e apostólica –, de que aqueles eram os mais italiana ou mais pontifícia, liberta da protecção lecido, os gremiais constituíram um grupo de oito
herdeiros e a simbolizavam; outra, a do P.e Dória, e do controle do monarca espanhol. Se esta medida religiosos, seleccionando para a chefia o P. e Fr.
de pendor rigorista, penitente, legal e autoritário, se pode considerar de âmbito jurisdicional e Ambrósio Mariano de São Bento, não só por não
que conseguiu impor, através de hábeis processos organizativo, mais profundas foram as marcas de ser castelhano mas italiano de nação (do Reino de
como antecipação de eleições para se manter no ordem espiritual que se afastaram da linha traçada Nápoles) e ainda pelos seus muitos talentos. Ao
cargo. Outro recurso foi a da obtenção de bulas pela reforma teresiana. curriculum da sua formação intelectual, que atrás
papais sancionatórias da sua actuação. A confli- A determinação de implantar o Carmelo Descalço se deixou traçado, deve ainda acrescentar-se que
tualidade culminou com a expulsão do P.e Gracián em Portugal foi tomada, como atrás se disse, no fora Cavaleiro e Comendador da Ordem de São
da Ordem, em 1592, e com o envio de S. João da Capitulo Geral realizado entre 3 e 13 de Março de João de Jerusalém (vulgarmente conhecida por
Cruz para o México. Com efeito, no Capítulo 1581, em Alcalá de Henares, marco histórico no Ordem de Malta), de ter pelejado na Batalha de
celebrado em Madrid, em 1591, em clima de tensão, percurso da reforma teresiana, por nele se ter S. Quintino (1557) ao serviço de Filipe II, na qual se
um dos assuntos tratados foi o envio de 12 religiosos procedido à separação de governo relativamente distinguira como soldado e se tornara conhecido do
para aquela parcela do Novo Mundo, cuja presença aos Observantes, tornando efectivo o que já fora rei, de cuja corte foi frequentador. Teresa tinha-o
começou em 1585, ainda por iniciativa do P. e consentido pelo breve pontifício de 22 de Junho de em grande consideração e ficou particularmente
Gracián. Para os chefiar foi eleito Fr. João da Cruz, 1580. A medida agradou sobremaneira a Madre agradada com a escolha. Antes de deixar Castela,
cargo e missão que aceitou. A escolha foi logo Teresa, que há muito manifestava esse desejo, como Fr. Ambrósio encontrou-se com a Fundadora em
interpretada como um meio de o desterrar, o que deixou patenteado na permuta epistolar com várias Ávila, dela recebendo palavras de incitamento e a
não veio a acontecer por entretanto adoecer. Para personalidades, pelo bom conceito que formara do bênção para o empreendimento. O destino era
restabelecimento, passou algum tempo na casa de reino, colhido no relacionamento com figuras de Lisboa, onde o grupo chegou no primeiro dia de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

Outubro de 1581, demandando para hospedagem da Madre de Deus, Fr. António de Jesus (Herédia), ainda em Lisboa, propusera ao provincial o envio
o Convento do Carmo. O fraterno acolhimento que então Prior de Sevilha, e Fr. João da Cruz, Prior de de religiosos para missionar o Congo, em resposta
receberam dos religiosos marcou o relacionamento Granada e Definidor. Deste ficou a fama da sua à solicitação do rei deste reino. Em 1582, com a
agradável que em Portugal passou a haver entre santidade e a notícia do passeio que efectuou ao Armada da Índia, embarcaram cinco freires que
Descalços e Calçados. A primeira visita foi natural- longo do Tejo, fascinado pela beleza do seu estuário, morreram em naufrágio do navio em que seguiam.
mente ao monarca, que se encontrava na capital rio que conhecera em Toledo depois da dramática O insucesso, em vez de desânimo, suscitou
do seu novo reino, para lhe expor o projecto da fuga da reclusão conventual, no ano de 1578. Deste entusiasmo, saindo nova expedição com igual número
fundação. A audiência decorreu em ambiente Capítulo é de reter a eleição de novo Provincial, que de religiosos no ano seguinte, que também não
amistoso: era o reencontro com o valoroso soldado recaiu na pessoa de Fr. Nicolau de Jesus Maria Dória, chegou ao termo, desta vez por ataque de corsários
de outros tempos que agora militava em terreno que se encontrava em Génova, ocupado numa luteranos, os quais, poupando-lhes a vida, os
particularmente caro ao soberano. D. Filipe I de fundação na sua cidade natal. Ao regressar a abandonaram numa das ilhas de Cabo Verde.
Portugal prontificou-se a assumir o padroado do Espanha, reuniu, logo em Outubro, um Capítulo em Alentados pela perspectiva de martírio, em 1584
convento a fundar, liberalidade que Fr. Ambrósio Pastrana, onde foi confirmado no cargo. largou do Tejo novo grupo que, desembarcado em
Mariano declinou em nome do espírito de pobreza Foi também no Capítulo de Lisboa que a Província, Luanda, ficou particularmente agradado com a boa
que animava a reforma. Aceitou, contudo, a oferta atendendo ao crescente número de conventos receptividade dos nativos, seguindo então para o
de 100 000 réis de renda anual para conseguir masculinos e femininos, decidiu dividir-se em quatro Congo, onde desenvolveu fecundo apostolado até
habitação e acorrer às primeiras necessidades. Obtida vicariatos, a saber: Castela a Velha, Castela a Nova, 1587. Mas a iniciativa não teve continuidade,
a licença do Arcebispo de Lisboa, D. Jorge de Andaluzia e Portugal. À sua frente ficaram outros encontrando-se a explicação no triunfo da corrente
Almeida, que se tornou amigo e protector da Ordem, tantos vigários, eleitos na mesma ocasião, todos contrária às missões, que na Ordem se foi impondo
e do Senado da Câmara, Fr. Ambrósio arrendou umas dependendo do provincial. Mais tarde, no Capítulo pelos defensores da vida eremítica e do seu carácter
casas na Pampulha, fora das muralhas da cidade, de Madrid, reunido em 1588, estes vicariatos darão contemplativo e penitente. O mesmo não sucedeu
com vistas largas sobre o Tejo. No dia 14 de Outubro lugar a cinco províncias, como mais atrás se escreveu, com a missão no México, a qual se consolidou,
de 1581, instalaram-se os religiosos na habitação ficando Portugal a formar com a Baixa Andaluzia, embora não fossem por diante planos mais ambi-
escolhida, mas só no dia seguinte, tangida uma a Província de S. Filipe. ciosos de a estender ao Novo México.
campainha, celebraram missa e colocaram o Outro empreendimento ligado a este evento, embora Regressando ao Convento da Pampulha, importa
Santíssimo Sacramento. Houve uma segunda à sua margem, de que o P.e Jerónimo Graciano foi assinalar outros aspectos relevantes que contribuíram
Eucaristia oficiada pelos Padres da Observância, com a alma, consistiu na celebração de um acordo com para a solidez da Ordem em Portugal. Um deles
canto acompanhado de “excelente música”, no dizer os Jesuítas, designado por Vínculo de hermandad consistiu em o mesmo convento ter sido pensado,
de Fr. Belchior de Santa Ana, informação que se misionera (tem a data de 9 de Abril de 1585), para desde a fundação, para Noviciado, função que
torna mais um registo do alto nível que a música a evangelização dos pagãos da Etiópia (África), reino manteve até ser extinto. O primeiro português a
sacra tinha atingido no Convento do Carmo. Estas da China, Filipinas e outros lugares das Índias receber o hábito de carmelita reformado foi o P.e Fr.
datas e acontecimentos constituem os marcos Orientais e Ocidentais. Tratou-se de uma medida de Francisco dos Santos, natural de Lisboa, a 11 de
fundadores do Carmelo Teresiano em Portugal e fora excepcional alcance, se tivermos em conta o espírito Novembro de 1582. O aumento do número de
da sua pátria de origem. Para titular do convento particularista e competitivo existente entre as ordens candidatos tornou-se incompatível com a exiguidade
foi escolhido S. Filipe, numa evidente homenagem religiosas neste âmbito. As religiosas carmelitas, que de espaço da casa, o que obrigou a pensar na sua
ao soberano. se encontravam em Portugal desde os últimos dias ampliação. Dificuldades levantadas pelos proprietários
Com o exemplo da vida de pobreza e humildade, de 1584 (embora o Convento de S.to Alberto, seu à promessa de venda do edifício levaram o Padre
pregação, confissões e assistência espiritual aos fiéis, primeiro cenóbio, em Lisboa, só tivesse ficado Provincial, Fr. Miguel da Virgem, a adquirir outras
característica da matriz mendicante, rapidamente os concluído em 1585), aliaram-se às dominicanas do instalações na Costa do Castelo, junto da Capela
religiosos conquistaram a simpatia da população, Convento da Anunciada para partilharem orações, de S. Crispim, para onde a comunidade se transferiu
que as esmolas de todos os segmentos sociais sacrifícios e boas obras pelo bom êxito das missões, em Outubro de 1604, colocada sob a invocação da
traduziam, emergindo, contudo, um grupo de projecto que, infelizmente, não veio a efectivar-se. Madre de Deus. A localização do novo cenóbio não
benfeitores entre as elites nobiliárquicas, nas quais Teve, no entanto, concretização outra decisão tomada agradou ao Geral, P.e Fr. Francisco da Madre de
se distinguiu D. Duarte de Castelo Branco, Conde a 13 de Maio de 1585, pelo mesmo P.e Graciano, Deus, durante visita canónica, o que obrigou à
do Sabugal e Meirinho-Mor, e a sua esposa, D. Isabel na qualidade de Primeiro Conselheiro e na ausência procura de terreno para uma edificação de raiz, o
de Castro. Verificar-se-á que, independentemente do P.e Dória, de enviar 12 religiosos para o México, qual foi conseguido junto a Santos-o-Velho, não
das motivações de ordem espiritual, de avaliação que partiram de Sanlúcar de Barrameda, a 11 de muito distante do Convento de S. to Alberto das
sempre subjectiva, os leigos de alta estirpe aderentes Julho de 1586. Ficaram directamente dependentes Religiosas Carmelitas Descalças que, em 1585,
da primeira hora à nova família religiosa advieram da Andaluzia, por se tratar de território das Índias tinham fundado o seu primeiro convento. Colocada
dos apoiantes da Dinastia Filipina. No que respeita Ocidentais, pertença de Espanha. E da pena do a primeira pedra em 1606, o novo convento dos
às demais ordens religiosas, não há notícia de mesmo religioso, foi dado à estampa um pequeno religiosos pôde acolher a transferência da comunidade
conflitualidade em Lisboa, antes de apoios, com tratado com o título Estímulo de la Propagación de em Maio de 1611, embora a igreja, cuja traça se
destaque para os Dominicanos e Jesuítas, para la Fe. Assim crepitava a chama e tomava corpo a atribui ao arquitecto régio espanhol Francisco de
além dos seus irmãos Observantes, como já se frisou. dimensão missionária desejada por Madre Teresa Mora, só ficasse concluída em 1613. No Domingo
A este convento estão ligados nomes e aconte- para a Ordem, sentida e acolhida pelos que com ela de Páscoa deste ano e sob a invocação de N. Sr.a
cimentos relevantes dos primórdios da Ordem em espiritualmente mais se identificavam, mas que não dos Remédios, procedeu-se a uma solene
Portugal dignos de registo. Um deles foi a reunião era partilhada por todos. Contudo, esta iniciativa inauguração. Os Padres Carmelitas tornaram-se
de Capítulo Geral, a 10 de Maio de 1585, que trouxe de 1585 não constituiu a primeira expedição popularmente conhecidos por Marianos, numa
ao reino grandes figuras fundacionais da reforma evangelizadora dos Carmelitas Descalços. A prioridade reconhecida alusão ao primeiro Prior, Fr. Ambrósio
masculina, como o Provincial P.e Fr. Jerónimo Graciano pertence a Portugal. Com efeito, D. Filipe I, estando Mariano. O convento permaneceu como Casa

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS DESCALÇOS

Provincial e Noviciado do Carmelo Teresiano em pedra da igreja, por dificuldades financeiras dos Seguiu-se a fundação de Alter do Chão, no ano de
Portugal até à lei da extraclaustração das ordens sucessores dos condes padroeiros, só foi lançada em 1595, colocado sob a invocação de Divino Espírito
religiosas, de Joaquim António de Aguiar, promulgada 1625 e o templo inaugurado em 1641. Outro Santo, por patrocínio de D. Teodósio, Duque de
a 28 de Maio de 1834. Vendido em hasta pública, obstáculo que se levantou foi a grande proximidade Bragança. A comunidade só se manteve até 1605,
passou por várias mãos, sendo o templo, a partir do cenóbio à estratégica fortaleza (impedia a sua ano em que os seus membros se reuniram aos seus
de 1898, pertença da Igreja Lusitana Católica ampliação ordenada pelo rei), questão que se arrastou irmãos de Évora. Na sequência cronológica e já fora
Apostólica Evangélica (Comunhão Anglicana), por alguns anos, mas que D. Cristóvão de Moura, da Província do Alentejo, regista-se, em 1600, a
enquanto que a parte conventual se encontra Vice-Rei de Portugal no tempo de D. Filipe II (III de fundação do Convento de N. Sr.a do Carmo, em
adaptada a instalações hoteleiras. A fundação do Espanha) conseguiu desembargar. O caso de Cascais Figueiró dos Vinhos, de que foi patrono D. Pedro
Convento dos Remédios e as demais que irão surgir é paradigmático de uma fundação resultante de de Alcáçova de Vasconcelos, Conde titular desta
ficaram integradas na Província de Baixa Andaluzia, patrocínio de doadores, que se repetirá noutros vila, prosseguindo o patronato na família até 1834.
como se disse, colocada sob a invocação do apóstolo locais. Extinto em 1834, teve diferentes proprietários Teve este primeiro convento carmelitano da Diocese
S. Filipe, a partir de 1588. Esta situação alterou-se que lhe deram distintos usos, existindo hoje as de Coimbra a particularidade de ser destinado, a
a 27 de Outubro de 1612, data em que os seis edificações, enquanto que o seu rico espólio artístico partir de 1642, a Colégio das Artes e, depois, ao
conventos portugueses já existentes (entre os quais foi disperso, encontrando-se seis quadros de temática ensino da Filosofia, ciências preparatórias para o
o feminino de S.to Alberto) passaram a constituir carmelitana, da autoria de Josefa de Óbidos, na acesso à universidade, que lhe ficava próxima. Para
província independente da Baixa Andaluzia, ficando- actual Igreja Matriz de N. Sr.a da Assunção. essa complementaridade foi criado, a 18 de Julho
-lhe adjudicada a Estremadura espanhola. Manteve- No mesmo ano de 1594, chegaram os Padres de 1603, na cidade de Coimbra, o Colégio de S.
-se com o título de S. Filipe até à extinção das ordens Carmelitas a Évora, correspondendo ao desejo do José, que começou por se instalar em moradia cedida
em 1834. No Capítulo Geral, reunido em Pastrana, Arcebispo D. Teotónio de Bragança, expresso pelo Conde de Portalegre. Três anos depois, foi
a 13 de Maio de 1628, foi aprovado que a Província directamente a Teresa de Jesus, a qual lhe respondeu doado um terreno por Cristóvão de Sá, onde, em
Portuguesa passasse a ter superior nacional, uma de modo afirmativo por missiva de 16 de Janeiro Outubro de 1606, foi lançada a primeira pedra por
vez que, até então, fora sempre governada por de 1579. O prelado chegou a disponibilizar 5000 D. Afonso de Castelo Branco, o mesmo Prelado que
provinciais de várias regiões de Espanha, recaindo cruzados de renda para um cenóbio feminino, que autorizara o Cenóbio de Figueiró. No último dia de
logo a escolha no P.e Fr. Pedro de Jesus, natural do várias circunstâncias impediram de levar a cabo. Agosto de 1608, transferiram-se os religiosos para
Barreiro. Com ele teve início uma “dinastia” de Entretanto, decidiu-se pela fundação de um convento a nova casa, possibilitando as continuadas esmolas,
provinciais portugueses. Haverá uma alteração da Ordem da Cartuxa. Para acolher os filhos em especial as do Arcediago André de Pinho, a
bastante significativa em 1772. Com efeito, no espirituais de Madre Teresa de Jesus foi escolhido edificação de uma igreja, que foi inaugurada a 19
Capítulo Provincial, com vigor de “Geral”, reunido um albergue junto de uma ermida, que depois se de Março de 1613, festa do padroeiro. Para além
no Convento dos Remédios de Lisboa, a 6 de Junho chamou Capela de N. Sr.a das Brotas, cedida por de convento, a casa destinava-se a residência dos
deste ano, por Carta Apostólica requerida por D. Teotónio. O prelado favoreceu-os de muitos modos, alunos de Teologia, que até então iam estudar a
D. José I, presidindo às sessões D. Fr. Inácio de São mas não assumiu o padroado do convento. Não foi Espanha. Impõe-se referir que, em todos os colégios
Caetano, da Ordem dos Carmelitas Descalços, pacífica a presença da comunidade por despeito de da Ordem, por determinação das Constituições, a
primeiro e único Bispo de Penafiel, foi criada a algumas ordens, receosas da concorrência nas doutrina seguida era obrigatoriamente a de S. Tomás
Congregação da Beatíssima Virgem Maria do Monte esmolas (animosidade que se repetirá noutros locais), de Aquino.
Carmelo do Reino de Portugal, com Prior Geral invocando o pretexto de que não dispunham de O movimento fundador prosseguiu em direcção ao
próprio. Esta separação definitiva relativamente a alvará real, embora tivessem as licenças episcopais Norte, nascendo, em 1613, uma comunidade em
Espanha foi confirmada por Constituição Apostólica e camarárias, indispensáveis para todas as fundações, Aveiro, com licença do Bispo de Coimbra, diocese
de 28 de Abril de 1773, sendo pontífice Clemente para além da autorização do Definitório Geral. a que então pertencia, para além da concedida pelo
XIV. A medida integrava-se na forte corrente de Nenhuma fundação poderia nascer sem o consen- Duque titular da vila, D. Álvaro de Lencastre. Foram
regalismo político então dominante, que preconizava timento prévio desta instância suprema da Ordem. grandes as dificuldades de vária natureza por que
a subordinação da Igreja ao Estado e tendia a criar Um motim popular favorável aos Carmelitas levou a Ordem passou no tocante à instalação, por
uma Igreja nacional. a Câmara e várias personalidades da nobreza a hostilidade de outras ordens já estabelecidas,
A raiz plantada em 1581 na capital desencadeou interceder junto do soberano, que acabou por dar contribuindo muito para as ultrapassar, ao fim de
um surto fundacional de muitos conventos, que se assentimento. A partir de 1602, começou a edificação mais de quatro anos, a cedência de casas por parte
foi alastrando com os anos, alguns deles com história de um novo convento, contíguo e fora das portas de D. Brites de Lara e Meneses, que se encontrava
muito rica, que pode ser encontrada em estudos de Alconchel, que, embora ainda estivesse em obras recolhida no Convento de Jesus, assumindo o
monográficos de largo fôlego, mas que a natureza no ano de 1606, era parcialmente ocupado pelos padroado da fundação. O convento foi colocado
do presente trabalho não pode contemplar. A freires. A igreja só ficou concluída em 1614, sob a invocação de N. Sr.a do Carmo. A Ordem dos
segunda criação masculina foi o Convento de N. Sr.a atribuindo-se a traça ao arquitecto Francisco de Carmelitas Descalços chegou ao Porto em 1617,
da Piedade, em Cascais, no ano de 1594, na Mora, que andava, por esta altura, envolvido na com o apoio do Governador das Armas da cidade,
sequência de propostas do senhor da vila, o Conde construção do Convento da Cartuxa. O novo D. Diogo Lopes de Sousa. Vencidas as dificuldades
de Monsanto, D. António de Castro, e de sua esposa, convento dos Carmelitas foi colocado sob a invocação para levantar casa própria, a primeira pedra do
D. Inês Pimentel. Consistiam na oferta de um terreno, de N. Sr.a dos Remédios. Apesar de acontecimentos edifício conventual foi lançada por D. Rodrigo da
edificação do convento e sustento dos religiosos dolorosos por que passaram os religiosos (Guerras Cunha, em Maio de 1619. As obras foram concluídas,
quando as esmolas se revelassem insuficientes. da Restauração e Invasões Francesas), a igreja com a igreja, em 1628, ficando sob a invocação de
Começaram os religiosos por se instalar numa casa permanece hoje aberta ao culto, enquanto as N. Sr.a do Carmo. Sempre em direcção ao Norte, em
provisória até a nova construção estar concluída. De dependências anexas passaram ao uso de repartições 1618, os freires atingem Viana do Castelo (então
facto, só em 1596 os freires passaram a ocupar do Estado, após 1834, destino que tiveram as dos chamada Viana da Foz do Lima), com a protecção
parte do edifício conventual, enquanto a primeira demais conventos. do mesmo Governador do Porto e do Desembargador

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da mesma cidade. Desta implantação, há a sublinhar origens da Ordem, como acima se viu, e nunca espécies, em resultado de prescrição das mesmas
que o traçado do Convento de N. Sr.a do Carmo deixou de estar presente, embora limitado a pequenas Constituições da Ordem dada aos priores no sentido
que se ergueu, com obras começadas em 1621 e ermidas edificadas nas cercas dos conventos, onde de plantar todos os anos. Entre elas contam-se os
concluídas (com a igreja) em 1647, foi da autoria os religiosos ou as religiosas podiam fazer a cedros, pelos quais tiveram especial preferência
do Ir. Fr. Alberto da Virgem, arquitecto da Ordem. experiência da solidão absoluta durante algum tempo. durante muito tempo. No cimo da serra, com 545
Leva esta referência a esclarecer que S.ta Teresa O retorno a este modo de vida, que podia ser metros de altitude, ergue-se uma cruz alta, que dá
deixou muitas disposições sobre a arquitectura e temporário ou permanente, inseria-se no debate expressão visível à invocação do eremitério e como
decoração dos templos dos conventos da reforma, que se instalou no final do séc. XVI e nas primeiras que o coroa. O conjunto é envolvido por um muro,
insistindo que deveriam ser simples, devendo ter-se décadas do séc. XVII, sobre o monaquismo, e no no qual se rasgam quatro portas. Este paraíso na
presente que, quase sempre, os conventos e respec- clima de intensa espiritualidade que na época se terra, que o Buçaco intencionalmente evoca, onde
tivas igrejas principiavam com instalações provisórias, vivia. Por toda a Europa nasceram eremitérios da a arquitectura, a escultura, a pintura, a floresta e
pelo que não havia um plano definido com rigor. reforma teresiana, acontecendo também nas as cinco fontes se conjugam, foi cantado pela poetisa
Nos primeiros anos do séc. XVII, a questão foi tratada Províncias de Espanha. Na de Castela-a-Velha foi portuense Bernarda Ferreira de Lacerda (1590-1645)
em vários Capítulos, nos quais participaram criado o Deserto de San José de Batuecas, próximo em Soledade de Buçaco (Lisboa, 1634). Depois dela,
arquitectos da Ordem, que tomaram decisões no de Salamanca, no ano de 1599, o qual indubi- o Buçaco tem sido celebrado pela pena de muitos
sentido da simplicidade e austeridade, com indicações tavelmente exerceu influência na decisão portuguesa. autores sob diferentes registos literários.
muito precisas sobre a traça. Nem sempre o plano Para a levar a cabo, após consideração sobre vários Na sequência cronológica, vem em seguida o
arquitectónico preconizado foi rigorosamente locais, entre eles uma parcela da serra de Sintra, Convento de S.ta Teresa de Jesus de Santarém, cujo
observado, encontrando-se por isso variantes ao aproveitaram os carmelitas portugueses a doação projecto, aprovado pelas autoridades carmelitanas
paradigma, mas sem nunca fugir do espírito de da serra do Buçaco pelo Bispo de Coimbra, D. João com as locais, em Novembro de 1640, foi suspenso
despojamento estabelecido. Já no tocante a Manuel, a 11 de Maio de 1628. Para salvaguarda em virtude do movimento da Restauração da
elementos decorativos e iconográficos, com o volver da cedência de terras da jurisdição episcopal, apesar Independência, logo a 1 de Dezembro seguinte.
dos anos, os templos foram-se enriquecendo, de a serra ser pertença da mitra conimbrincense, Dilatou-se o seu estabelecimento até 1646, ano em
designadamente na época barroca, muitas vezes em foi obtido Breve de Urbano VIII, de 8 de Fevereiro que D. Madalena de Lencastre, Condessa de Faro,
resultado da devoção dos patronos e também por de 1629. Mas já em Junho de 1628, tinham partido e D. Juliana Maria Máxima, Duquesa de Caminha,
iniciativa das Ordens Terceiras. Já nos anexos do de Aveiro os três fundadores do Deserto: o Prior, Fr. decidiram tornar-se fundadoras e dotadoras do
complexo conventual se verifica uma maior constância Tomé de São Cirilo, Fr. João Baptista e o arquitecto, planeado convento, num gesto de reconhecimento
na austeridade. Ainda quanto a esta casa vianense, o Ir. Fr. Alberto da Virgem. Todos tinham feito a pelo facto de o Provincial dos Carmelitas de então,
há que referir que nela foi criada uma escola de experiência eremítica em Batuecas. A 7 de Agosto Fr. Tomé de São Cirilo, ter pedido a D. João IV a
Teologia Moral. de 1628, foi lançada a primeira pedra do convento sepultura dos corpos do Marquês de Vila Real e de
e no dia 19 de Março de 1630 teve começo a vida seu filho, o Duque de Coimbra, esposos daquelas
regular da comunidade. senhoras, no Convento dos Remédios da capital,
O cenóbio obedecia aos princípios arquitectónicos após condenação à morte, executada no Rossio, sob
concebidos pelas Constituições da Ordem para este acusação de terem conspirado contra a vida do rei.
género de vida, que, pelo que hoje ainda pode ser Os religiosos ocuparam, na vila scalabitana, várias
visto, consiste apenas num andar térreo, ao qual se instalações até terem convento próprio, começado
acede por uma portaria ou vestíbulo, ocupando a em 1656, concluindo-se a igreja só em 1708. Extintas
igreja o centro da edificação. Com o templo se as ordens, instalaram-se no edifício várias repartições
articulam as galerias do claustro, que à sua volta se públicas, até que a Câmara pediu ao Governo a
desenvolve de modo complexo, e algumas poucas destruição do templo e das suas dependências para
dependências que escaparam à demolição a que foi construir edifícios camarários.
sujeito para dar lugar ao hotel que junto se ergue. No surto de vida conventual em que a centúria de
Como prolongamento da vida cenobítica levada no Seiscentos foi fértil e na qual os Carmelitas se
convento e para a prática do eremitismo, foram inscrevem, regista-se, em seguida, o Convento de
erguidas pela serra 11 ermidas de habitação, N. Sr.a da Encarnação de Olhalvo, junto a Alenquer,
decoradas, tal como quase todo o exterior do con- no ano de 1648, por iniciativa e devoção de D.
vento, com uma combinação de seixos e conchas, Manuel da Cunha, então Bispo de Elvas.
que tomam o nome de “embrechados”, para melhor A insistência do pedido de personalidades de Braga
evocar as celas ou grutas do monte Carmelo, para uma fundação assumiu forma canónica a 1 de
designadamente a do profeta Elias. Pela montanha Fevereiro de 1653 e, como era habitual, das insta-
foram também construídas 20 capelas, nas quais lações provisórias às definitivas decorreu um espaço
estão reconstituídos passos da Via Sacra, obra de tempo. O Convento de N. Sr. a do Carmo,
Convento de S.ta Cruz do Buçaco (PCC)
ordenada pelo Bispo de Coimbra, D. Manuel de construído em terreno doado à Ordem, pôde receber
Saldanha, após 1643 (na altura ficaram assinalados a comunidade a 22 de Outubro de 1655. Implantado
O ritmo fundacional foi enriquecido com a instituição por uma cruz de madeira), embora só fossem na capital do Minho, passou a Colégio de Filosofia,
do Deserto do Buçaco, no ano de 1628, colocado erguidas em 1695, sendo Prelado da diocese D. João em 1739 (continuando activo o de Figueiró dos
sob a invocação da S.ta Cruz. Foi o único que os de Melo. Os grupos escultóricos que dentro delas Vinhos), e de Teologia, em 1781, que, por decisão
Carmelitas Descalços tiveram em Portugal. Tratou- se encontram são obra do escultor Costa Mata capitular de 1790, também era ensinada no Colégio
-se da concretização do ideal eremítico praticado de Sobrinho. O cenário completa-se com um luxuriante de Coimbra. No confisco dos bens das Ordens
modo radical no monte Carmelo, que estivera nas arvoredo, que reúne uma vasta diversidade de subsequente à sua extinção, é de realçar que a igreja

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e alguns anexos passaram para a posse de leigos convento sob a invocação do Corpus Christi, que do Bispo da diocese, D. Fernando Pires e Masca-
filiados na Irmandade de Nossa Senhora do Carmo. doou aos Carmelitas Descalços, de quem era devota renhas, que lhes ofereceu as instalações dos Jesuítas,
Trata-se de uma situação paradigmática do papel (o seu confessor era um sacerdote do Convento dos expulsos do reino por decreto do Marquês de Pombal,
que as irmandades e confrarias tiveram na Remédios), que celebraram a missa inaugural a 12 em 1759. Os Padres Carmelitas ocuparam-na a partir
salvaguarda do património material e espiritual da de Junho de 1661. de 1766, sob a invocação de N. Sr. a do Carmo.
Ordem. O templo chegou aos nossos dias, embora O apreço da Casa Real de Bragança pela reforma Depois da exclaustração das ordens, em 1834, o
com alterações na fachada. teresiana manifestou-se também na fundação do edifício foi destinado a teatro, estando ainda hoje
Convento de S. João da Cruz, em Carnide, pela activo.
Infanta D. Maria (1643-1693), filha ilegítima de No percurso pela actividade fundacional há ainda a
D. João IV, que o rei no fim da vida legitimou. A opção registar uma casa em Vila do Conde, também da
por aquele local, então subúrbio de Lisboa, foi invocação de N. Sr.a do Carmo, que teve início em
decidida depois de abandonadas outras hipóteses. 1755, mas não teve grande expansão, por faltarem
Talvez à escolha definitiva não tenha sido estranho doações prometidas. Importa ainda registar que a
o facto de bem perto se encontrar o convento Ordem começou uma fundação em Montemor-o-
feminino de S. ta Teresa de Jesus, que a infanta -Velho, em 1604, por oferta da câmara da vila, mas
elegeu para nele viver, sem contudo nunca ter encerrou no séc. XVIII; esteve para fundar convento
professado, pois durante vários anos foi garante da em Tomar, com licença régia concedia em 1616,
sucessão régia. O novo convento de padres carmelitas mas a proximidade de Figueiró contribuiu para frustrar
foi instituído em 1681, segundo as escrituras em o intento; no Sítio de S. Luís (Beja), a pedido de um
que a doadora declarou assumir o padroado da fidalgo, em 1617, sem se concretizar; em Lamego,
fundação, embora o levantamento do edifício em 1617, que não foi por diante por indeferimento
começasse mais tarde. De facto, numa inscrição em régio, invocando excesso de conventos, como acima
pedra que se encontra no que resta da construção se referiu; em S. Pedro do Sul foi aberta uma
encontra-se o seguinte: “Maria filia Ioannis IV residência de padres, no ano de 1743, mas que
Lusitaniae regis hoc oedificavit monasterium anno pouco depois encerrava; também foi pensado um
Domini 1685, regnante Petro II, fratre suo convento para Mazagão, a última praça portuguesa
amantissimo et invictissimo”. Ainda em vida da na África marroquina, mas que não chegou a ter
infanta já o convento estava em condições de ser efeito.
habitado pelos religiosos, mas depois da sua morte, Já acima se aludiu ao desejo de S.ta Teresa e dos
Convento de N. Sr.ª do Carmo, Aveiro (DB) em 1693, as obras pararam, por demanda com os religiosos da primeira geração da Reforma em
legatários do testamento da doadora. A igreja só expandi-la pelos territórios de além-mar, quando os
foi inaugurada a 24 de Abril de 1718. Com a extinção impérios ultramarinos de Portugal e Espanha se
Em resposta a uma solicitação da Câmara de Setúbal, das ordens veio a degradação. A igreja desapareceu encontravam no auge. Houve as experiências do
fazendo-se eco do desejo dos habitantes da então e o que resta deste convento pertence hoje a uma Congo e do México, não continuadas pelos superiores
vila, instalou-se no palácio do Duque de Aveiro, instituição do Estado. Existe o muro e o portão de gerais da congregação espanhola, os quais impri-
provisoriamente cedido, a comunidade dos religiosos acesso, que dá para o lado norte do L. de Carnide. miram à Ordem uma atitude austera e eremítica,
no ano de 1660, sob a invocação de S.ta Teresa de A pujança de fundações do séc. XVII não teve contrária ao apostolado externo. O mesmo não
Jesus. As dificuldades financeiras com que se continuidade na centúria de Setecentos, fenómeno aconteceu com a congregação italiana de S.to Elias
confrontaram para erguer um convento próprio comum a todas as ordens religiosas. Importa que se estendeu por todos os países da Europa e
foram, em boa parte, superadas pela generosidade esclarecer que alguns casos de recusa de fundações abriu missões no Líbano, Pérsia e Índia. Para Goa,
do P.e Luís da Silva Costa, que assumiu o padroado por parte de soberanos no séc. XVII, que algumas partiram alguns carmelitas italianos, os quais, com
da fundação, com os bens de um morgadio que ordens apoiavam em benefício próprio (o receio da permissão do vice-rei (e prévia licença régia) e do
para esse fim instituiu. A primeira pedra do convento perda de esmolas), decorria de uma forte corrente arcebispo da cidade, fundaram um convento, em
foi colocada a 13 de Maio de 1703, mas as obras, de opinião, que considerava haver excesso de 1620, sob a invocação de N. Sr.a do Carmo, que se
por escassez financeira do rendimento do vínculo, mosteiros e conventos em época de recessão tornou Noviciado e sede de estudos e para onde
arrastaram-se até 1759, com a conclusão da igreja. demográfica. Mas no séc. XVIII os Carmelitas ainda foram também alguns freires espanhóis e portu-
Lisboa teve o seu segundo convento masculino no foram solicitados para implantar conventos no gueses. Em 1633, abriram residência e construíram
ano de 1661, estando na sua origem a segunda Algarve, começando por Tavira, onde chegou um igreja em Diu. Com a Restauração da Independência,
tentativa de homicídio de D. João IV, em 1647. grupo de religiosos em 1737, que começou a em 1640, D. João IV ordenou a sujeição dos
O protagonista contratado para o acto regicida foi construir um convento em 1745, sob a invocação Carmelitas Descalços à província portuguesa de S.
Domingos Leite Pereira, que se preparava para o de N. Sr.a do Carmo, embora a igreja só ficasse Filipe, tendo para o efeito enviado como Visitador
levar a efeito durante a procissão do Corpo de Deus, pronta em 1792, como consta de inscrição na sua português o P.e Fr. João de Cristo, acompanhado de
na qual os soberanos portugueses sempre se fachada. Com a extinção das ordens, conseguiu a outros padres, mas que uma forte tempestade atirou
incorporavam. Para tanto, arrendou uma casa em Ordem Terceira local, da Fazenda Pública, a concessão para as costas de Moçambique, onde a semente
artéria correspondente à actual R. dos Fanqueiros, do edifício, sendo considerada a mais antiga das ocasional e de passagem lançada deu como fruto
por onde o cortejo religioso deveria passar. A falta Ordens Terceiras ibero-americanas do Carmelo uma fundação que abriu portas em 1642. Ao
de coragem para o concretizar não impediu que Descalço, que nasceu em 1727. No espaço prosseguirem viagem, e uma vez chegados a Goa,
fosse denunciado, sendo depois enforcado. Em acção conventual, os Irmãos Terceiros instalaram um asilo encontraram grande hostilidade, agravada pelo apoio
de graças pela protecção divina ao marido, mandou para a “infância desvalida”. A segunda casa que a que os religiosos italianos recebiam da Propaganda
a Rainha D. Luísa de Gusmão erguer no local um Ordem teve no Algarve foi em Faro, por solicitação da Fé, departamento da Cúria Romana para as

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missões, da qual dependiam. Era claro o conflito de 20 o número de candidatos. Tal como acontecia bases pelas quais se deveria regular a permanência
jurisdições, tornado mais grave pelo facto de a Santa noutros territórios de missão, o povo pedia o envio dos religiosos na sua diocese. Por sua vez, logo no
Sé não reconhecer a Dinastia Brigantina. Com o de “Terésios”, nome por que se tornaram conhecidos dia 14 de Setembro de 1926, o Definitório Geral
agudizar da conflituosidade, os padres italianos os Carmelitas Descalços no Brasil. aprovava o projecto de fundação de casa em Évora.
deixaram Goa e os portugueses regressaram a Lisboa. A primeira residência que abriram foi no mato de Para a executar, o Provincial da Província de S.
A questão, marcada por muitas atitudes de confronto, Massaramdupio, em 1695. Joaquim de Navarra, enviou dois sacerdotes como
com larga história impossível de aqui narrar, arrastou- A segunda fundação conventual foi em Olinda, no observadores e, no fim de Dezembro deste mesmo
-se até ao tempo de D. João V, quando o Definitório Estado de Pernambuco. Chegaram em 1686, ano, em entrevista com o arcebispo, ficou decidido
Geral italiano decidiu voltar à Índia, com aquiescência instalaram-se junto da igreja de N. Sr.a do Desterro, que seria o Alandroal o lugar onde os padres
do soberano, na condição de os missionários deram início às obras do convento que tomou o inicialmente deveriam exercer o ministério. Viriam
estrangeiros lhe prestarem juramento de obediência nome de S.ta Teresa, mas o templo manteve-se sob dois sacerdotes, separadamente e vestidos de padres
e de lealdade. Para tanto, o Papa Clemente XI, por aquela invocação da Virgem. No Rio de Janeiro, os seculares e não com hábito. Concluídas as nego-
Bula de 28 de Agosto de 1710, autorizou os Carmelitas Descalços aparecem pela primeira vez ciações, os religiosos carmelitas começaram por
carmelitas descalços da congregação italiana a abrir em 1714, com planos de fundação, que nunca pregar durante a Quaresma do ano seguinte (1927)
residência em Lisboa, donde partiam para os domí- adquiriu expressão conventual. Estabeleceram e regressaram a Espanha, transmitindo aos seus
nios portugueses do Oriente. residência e desenvolveram fecundo apostolado que superiores as impressões colhidas. No dia 28 de
A África, depois da curta missionação no Congo, irradiou em várias direcções territoriais. A fixação Março de 1928, chegou ao Alandroal o P.e Bonifácio
nos primórdios da reforma teresiana em Portugal, da família real no Brasil, a partir de Janeiro de 1808, da Virgem do Carmo, que ficou encarregado dos
como acima se viu, voltaram os Padres Carmelitas, com a numerosa Corte que a acompanhou (o Rio serviços da paróquia, a quem se juntou, a 5 de Maio
a pedido de D. Luísa de Gusmão, sendo Regente de Janeiro tornou-se capital por decisão de João VI, seguinte, na qualidade de Delegado da Ordem, o
do Reino. A 30 de Maio de 1659, zarpou do Tejo tomada em Março deste ano), contribuiu para P. e Marcial do Santíssimo Sacramento. Embora
a armada em que embarcaram dez carmelitas com reforçar a assistência espiritual requerida aos originários do Norte de Espanha, ambos tinham
destino a Luanda, onde, com o apoio do Governador Carmelitas. Das instalações em cidades de referência, estado no Brasil. Levaram também a sua acção
João Vieira, fundaram um convento, em terrenos que neste vasto território tiveram, há ainda a registar evangelizadora às Freguesias de Terena, S. Brás,
então nos arredores da cidade, que foi inaugurado a abertura de casa no Recife, com capela, em 1742, Juromenha e Rosário. Estes acontecimentos, pessoas
em 1689, sob a invocação de N. Sr.a do Carmo. Daí mas que foi encerrada em 1744. e o ano de 1928 constituem os marcos do recomeço
irradiaram e criaram focos de missionação em vários Após o regresso da família real ao reino e com a da Ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal.
pontos, alguns bem distantes da capital, como proclamação da independência do Brasil, a 7 de Dado o carácter provisório de que se revestia a casa
Bambo-a-Quitamba, Matamba, Ambaca, Dembos, Setembro de 1822, que Portugal reconheceu pelo de Alandroal, com o consenso do arcebispo e
Pango e Cassange. Para além de missionários, a boa Tratado do Rio de Janeiro celebrado a 29 de Agosto correspondendo ao desejo dos filhos espirituais de
reputação que tinham também nas letras mereceu- de 1825, a vida dos religiosos portugueses tornou- S. ta Teresa, neste mesmo ano de 1928, foi-lhes
-lhes a nomeação para mestres das Escolas Régias -se difícil, tendo muitos transposto o Atlântico em entregue a Igreja Matriz do SS.mo Salvador de Elvas,
e professores de Teologia Moral no Seminário sentido contrário. A cisão de governos na Ordem para que se tornasse Casa-Mãe da Ordem em
Diocesano. Carmelita deu-se a 28 de Julho de 1828, que um Portugal. O mesmo P.e Bonifácio foi nomeado pároco,
O Brasil foi outro grande campo de missionação dos Breve da Santa Sé, de 9 de Janeiro de 1830, residindo já na cidade. Seguiram-se sérios entraves
Carmelitas Descalços da província portuguesa de S. sancionou e até impôs. Entretanto, em Portugal, as para levar por diante o processo restaurador e a
Filipe. O primeiro convite adveio-lhes do Vice-Rei Cortes Gerais, a 28 de Abril de 1821, ordenavam o definição do seu estatuto canónico, que chegou a
D. Vasco de Mascarenhas, Conde de Óbidos, instado censo dos religiosos e religiosas dos mosteiros, que colocar em risco a permanência dos sacerdotes,
por vozes representativas da cidade de Salvador da foi referendado por Ofício de 30 de Junho seguinte. obstáculos que só foram ultrapassados em 1931,
Bahia de Todos os Santos. O Definitório Provincial, Era o começo do processo que teve o seu epílogo ano em que ficaram estabelecidas as bases sólidas
reunido em Lisboa, em Janeiro de 1665, acatou com na promulgação da já referida lei do Governo Liberal, da Ordem no país. Puderam então lançar-se na sua
entusiasmo a petição, sancionada por Alvará Régio a 28 de Maio de 1834, da autoria de Joaquim António expansão para além da Arquidiocese de Évora. Assim,
de 6 de Fevereiro seguinte. Uma expedição de oito de Aguiar, pela qual todas as ordens religiosas foram a Ordem erigiu fundações em Aveiro (1930), N. Sr.a
religiosos chegou ao porto da Bahia a 14 de Outubro abolidas. Consentia que permanecessem nos con- do Carmo; Viana do Castelo (1932), N. Sr.a do
deste mesmo ano, hospedando-se no Convento do ventos femininos as religiosas até ao fim dos seus Carmo; Porto – Foz do Douro (1936), N. Sr.a do
Carmo dos Padres Calçados, que já lá se encon- dias, mas proibia novas admissões ou Noviciados. Carmo; Funchal (1946), N. Sr.a do Carmo; Marco de
travam. Merece registo o bom acolhimento e as Com esta legislação, o Carmelo Português desapareceu. Canaveses (1961), Santuário do Menino Jesus de
primeiras instalações dispensadas por portugueses A lenta mas progressiva liberdade que as ordens Praga; Braga (1963), N. Sr.a do Carmo; Fátima (1971),
que a fortuna favorecera. Adquirido terreno e obtidas religiosas foram recuperando na segunda década N. Sr.a do Carmo. No caso específico de Lisboa, a
com facilidade as necessárias licenças, a 14 de do séc. XX levou o Arcebispo de Évora, D. Manuel presença dos Padres Carmelitas teve início em 1946
Outubro de 1686 instalaram-se num convento Mendes da Conceição Santos, na visita Ad Sacra com a leccionação das disciplinas de Religião e
próprio, cuja igreja só viria a ficar concluída em Limina, a expor ao Papa Pio XI a sua preocupação Filosofia no Instituto Espanhol e, a partir de 1958,
1697, sob a invocação de S.ta Teresa. Pela projecção pela falta de clero sentida na sua diocese. O sumo como capelães da Embaixada de Espanha, habitando
que rapidamente atingiram, foi decidido destinar a pontífice aconselhou-o a dirigir-se ao padre geral os sacerdotes em andar próximo. Em 1981, mudaram-
casa a Colégio de Filosofia da Bahia, função que dos Carmelitas Descalços, a quem recomendou que -se para Paço de Arcos, para residência que
aparece a desempenhar em 1693. Em 1787, por atendesse ao pedido do prelado. Estabelecido o funcionava como sede da Província e das Edições
decisão do Capítulo reunido no Convento dos contacto, o geral aquiesceu benevolamente, vendo Carmelo. Actualmente, a sede da Província encon-
Remédios de Lisboa, o Convento do Porto passou também uma oportunidade para restabelecer a tra-se fixada na Domus Carmeli Centro Mariano
também a ser Casa de Noviciado para os que se Ordem no país. A 7 de Setembro de 1926, o prelado, Internacional de N. Sr.a do Carmo, em Fátima, aberto
destinavam aos territórios ultramarinos, fixando em encontrando-se em Marselha, expôs por escrito as em 2007.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES

encontrando-se implantadas actualmente nas 1987-1990; STEGGINK, Otger, La Reforma del Carmelo
seguintes cidades: Aveiro, Coimbra, Fátima, Funchal, Español: La Visita Canónica del General Rúbeo y Su
Lisboa, Paços de Ferreira, Porto, Tavira e Viana do Encontro con Santa Teresa y San Juan de la Crus
Castelo. A Regra primitiva, comum a religiosos e (1566-1567), Roma, 1965; V ECHINA , José Carlos,
religiosas, foi-lhes adaptada pelo Definitório Geral, “Carmelitas Descalços”, in Carlos Moreira Azevedo
sediado em Roma, através de Constituições próprias, (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal,
aprovadas pela Santa Sé em 2003, secundadas pelos vol. A-C, [Lisboa], Círculo dos Leitores/Centro de
Estatutos da Ordem Secular dos Carmelitas Descalços, Estudos de História Religiosa da Universidade Católica
que receberam aprovação em 2006. Tanto os leigos Portuguesa, 2000, pp. 297-300; WERMERS, Manuel
como os religiosos, para além da espiritualidade dos Maria, A Ordem Carmelita e o Carmo em Portugal,
seus fundadores, integram também outras propostas Lisboa-Fátima, União Gráfica-Casa Beato Nuno, 1963;
com que o Carmelo tem vindo a ser enriquecido, ZAMORA, Anselmo Donázar, Principio y Fin de una
designadamente a espiritualidade de S.ta Teresa do Reforma: Una Revolución Religiosa en Tiempos de
Centro de Espiritualidade S.ta Teresa de Jesus,
Menino Jesus e da Santa Face, declarada Doutora Felipe II – La Reforma del Carmen y Sus Hombres,
Marco de Canaveses (I)
da Igreja por João Paulo II em 1997, S. ta Teresa Bugotá, Ediciones Guadalupe, 1968.
Benedita da Cruz (Edith Stein), canonizada em 1998,
A Ordem, ao ser restaurada em Portugal, ficou ligada e Isabel da Trindade, beatificada em 1985, pelo CARLOS MARGAÇA VEIGA
à Província de S. Joaquim de Navarra. Com a mesmo pontífice.
vitalidade que adquiriu, passou a surgir a ideia de
a autonomizar. Com efeito, em Agosto de 1974, BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES
foi criado o Vicariato Regional de Portugal, solicitado [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal A Ordem dos Carmelitas Terceiros Observantes é um
ao Superior Provincial de Navarra, que o Definitório Portuguesa, 2007, pp. 825-826; AQUÉSOLO, Lino, conjunto de associações de fiéis que, participando
Geral reconheceu em 28 de Agosto seguinte, o que Historia de la Orden del Cármen, Vitória, s.n., 1965; no século do espírito de um instituto religioso e sob
constituiu um grande passo na sua consolidação. A UCLAIR , Marcelle, Sainte Thérèse d´Ávila, Paris, a sua orientação, levam uma vida apostólica e tendem
No 1.º Congresso deste vicariato, convocado para Éditions du Seuil, 1950; BAYÓN, Balbino Velasco, à perfeição cristã, recebendo o nome de Ordem
29 de Junho de 1975, em Viana do Castelo, saiu ocarm, História da Ordem do Carmo em Portugal, Terceira (OT), ou outra designação consentânea
eleito primeiro Vigário o P. e Vasco Dias Ribeiro. Lisboa, Paulinas, 2001; JESUS, Crisógono de, ocd, (CDC, cân. 303).
A 19 de Junho de 1978, no 2.º Congresso, realizado Vida y Obras de San Juan de la Cruz, Madrid, Existem duas formas ou métodos terciários, o regular
no Convento de Marco de Canaveses, procedeu-se Biblioteca de Autores Cristianos (B.A.C.), 1950; JESUS, e o secular. Conforme à tradição, as Ordens Terceiras
à eleição de um novo Vigário, que recaiu na pessoa David do Coração de, ocd, A Ordem do Carmelo regulares são institutos de verdadeiros religiosos
do P.e Manuel de Jesus Vaz de Brito. Novo passo Teresiano: 50 Anos em Portugal (1928-1978), Lisboa, que, adoptando a Regra de uma ordem religiosa,
importante foi a separação do vicariato em relação Texto policopiado, 1978; JESUS, David do Coração dela se constituem ordem terceira, se bem que, a
à Província de S. Joaquim de Navarra, que aconteceu de, ocd, A Reforma Teresiana em Portugal, Lisboa, par da Regra, disponham de Constituições próprias
em 1981, ano do nascimento da província portuguesa s.n., 1962; J ESUS , P. e Fr. Joseph de, Chronica de adequadas ao fim apostólico de cada ordem. Por
de N. Sr.a do Carmo. A partir de então, estiveram à Carmelitas Descalços, Particular da Província de S. via de regra, as Ordens Terceiras regulares, em que
frente dos seus destinos os seguintes Provinciais, Filippe do Reyno de Portugal, & Suas Conquistas, t. abundam as femininas de vida activa, não utilizam
cujo cargo é exercido por triénios: P.es Fr. Jeremias III, Lisboa, Officina de Bernardo António de Oliveira, o termo Ordem Terceira no seu nome, preferindo,
Carlos Vechina, 1981-1984 e 1984-1987; Pedro 1753; JESUS, S.ta Teresa de Maria, Obras Completas, de um modo geral, criar um título autónomo e
Lourenço Ferreira, 1987-1990 e 1990-1993; Texto original revisto por Tomás Alvarez, ocd, distinto. Em todo o caso, o título Ordem Terceira
Agostinho Leal, 1993-1996 e 1996-1999; Pedro Tradução de Vasco Dias Ribeiro, ocd, Introdução e tem-se aplicado vulgarmente às ordens terceiras
Lourenço Ferreira, 1999-2001; Alpoim Alves Portugal, notas de Tomás Alvarez, ocd, Paço de Arcos, Edições seculares, que não se constituem em institutos
2002-2005; Pedro Lourenço Ferreira: 2005-2008. Carmelo, 2000; MADRE DIOS, Efrém de la, STEGGINK, religiosos, sendo associações de fiéis que, vivendo
A Ordem segue a Regra primitiva e as Constituições Otger, Tiempo y Vida de Santa Teresa, Madrid, no mundo, no próprio meio social, profissional e
aprovadas em 1986, na sequência da actualização [Editorial Católica], 1968; PÉREZ, Joseph, Thérêse familiar, professam votos de obediência a uma
preconizada pelo Concílio Vaticano II para todas as d’Avila, Paris, Librairie Arthème Fayard, 2007; Regra, fazendo propósitos ou promessas de pobreza,
ordens. SACRAMENTO, P.e Fr. João do, Chronica de Carmelitas obediência e castidade, segundo o Estado, tendendo
O Carmelo da reforma teresiana, desde as origens Descalços, Particular da Província de S. Filippe do à perfeição cristã de acordo com os carismas e a
e continuando a tradição antiga, sempre assistiu os Reyno de Portugal, & Suas Conquistas, t. II, Lisboa espiritualidade do instinto religioso escolhido para
leigos que pretenderam viver a sua espiritualidade Ocidental, Officina Ferreyrenciana, 1721; SANTA ANA, modelo (Carmelitas, Dominicanos, Franciscanos,
inseridos no mundo. Para tanto, no séc. XVIII, em Frei Belchior de, Chronica de Carmelitas Descalços, entre outros). Estas ordens Já eram consideradas
Portugal, organizaram as Ordens Terceiras, a que se Particular do Reyno de Portugal, e Província de Sam no antigo Código de Direito Canónico (cân. 702),
aludiu, às quais foram dados Estatutos próprios. Fellipe (1581-1628), t. I, Lisboa, Officina de Henrique que as define como tertiarii saeculares.
Chegaram aos nossos dias as de Viana do Castelo, de Oliveira, 1657; SANTA TERESA, Silvério de, ocd, Uma Ordem Terceira pode limitar-se a um único
Funchal e Tavira. Actualmente, dentro dos caminhos Historia del Carmen Descalzo en España, Portugal núcleo, ou surgir em diversas associações, podendo
abertos pelo Concílio Vaticano II à espiritualidade e y America, Burgos, t. III, IV, V, VI, s.n., 1935-1937; estas ser chamadas de Irmandades de Terceiros,
ao apostolado laicais, o Carmelo Teresiano tem-se SÃO BENTO, Fr. Manoel de, Chronica de Carmelitas Sodalitas Tertiariuum ou Sodalícios. A Ordem Terceira
empenhado em transmitir a vivência do seu riquíssimo Descalços Particular da Província de Portugal, t. IV, é a mesma e única em vários sodalícios, mas é,
património espiritual a novas fraternidades que estão Braga, s.n., 1990; S MET , Joaquín, ocarm, Los todavia, distinta de outras associações de fiéis, como
a florescer sob a designação oficial de Comunidades Carmelitas: Historia de la Orden del Cármen, 2 vols., as confrarias e as pias uniões, apesar de se rege-
da Ordem Secular dos Carmelitas Descalços (OCDS), Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos (B.A.C.), rem pelas mesmas normas, a par das obrigações

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES

específicas (cânones antigos 702-706), que as ramo, no caso português, parece não ser anterior
distinguem daqueloutras. ao ciclo tridentino, por volta de 1600, apesar da
Uma das diferenças entre Ordem Terceira regular e reivindicação de que a Confraria do Bentinho
Ordem Terceira secular é a de que no modelo regular (Escapulário) de Lisboa, do tempo do Beato Nuno,
os respectivos membros dedicam-se inteiramente à já servia uma comunidade terceira. De facto, o
vida apostólica, enquanto que no modelo secular primeiro sodalício documentado é de 1629, com
os respectivos membros têm cada um a sua vida e capela na Igreja de N. Sr.a do Carmo. Noutras partes
não vivem em comunidade regular. Todos os Terceiros do mundo, os Terceiros apareceram mais cedo, até
gozam, porém, do privilégio de vestir o hábito da na forma regular, mas no caso português houve
ordem a que se agregam, cuja Regra estão dificuldades a vencer, pois as ordens mendicantes
autorizados a seguir. Dependem, por isso, através mais fortes (Agostinhos, Dominicanos e
das Cúrias Generalícias de cada ordem em Roma, Franciscanos) contestaram a legitimidade da Ordem
da Sagrada Congregação para os Institutos e Vida Terceira Carmelita, considerando que o Carmelo é
Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica. essencialmente monástico, pelo que não teria espaço
A origem do nome é cronológica e refere-se à ordem para seculares. Tal situação obrigou os Carmelitas a
fundacional. A primeira ordem a surgir é a dos frades, longas contendas canónico-teológicas, tendo ficado
por isso esta designa-se também como Primeira registada a intervenção de Fr. João da Silveira, no
Ordem. Depois, ao abrigo da Primeira, surgiram as Tractatus de Tertiariis quos possunt habere Carmelitas
professas femininas, ou monjas de clausura, que (1630). Por fim, o Tribunal da Legacia deu sentença
constituem a Segunda Ordem. Por fim, pessoas favorável, que as outras ordens, de princípio,
situadas no mundo secular, desejando viver, segundo contestaram, acabando por desistir da diligência.
o Estado, a Regra da Primeira Ordem, mas não Várias Regras foram redigidas e publicadas no decurso
Casa Beato Nuno, Fátima (JAM)
estando vocacionadas para a Segunda, levaram ao do tempo. A primeira, de 1630, foi escrita por Fr.
aparecimento da Ordem Terceira, por sua vez distinta, Pedro de Melo, à qual outras seguiram, sendo as
conforme o grau de consagração, em regular ou mais populares as de Pedro Juzarte e o Tesouro Sem prejuízo da Ordem Terceira Secular de agregação
secular. Carmelitano (com edições desde 1705 a 1763), de à Ordem dos Carmelitas Descalços, os principais
As confrarias propriamente ditas, como associações Fr. de Jesus Maria, também as de Miguel de Azevedo, sodalícios observantes do país foram fundados em
de fiéis cuja principal finalidade é a promoção de ambas muito seguidas no Brasil, e, mais tarde (1904, Abrantes, Almada, Alverca do Ribatejo, Beja, Angra
um culto, não se inscrevem nos Terceiros, mas deles 1922), a do P.e Santos Farinha. As exigências con- do Heroísmo (Açores), Camarate, Colares, Coimbra,
constituem um prolongamento, qual espécie de ciliares obrigaram as Ordens Terceiras à reformu- Évora, Faro, Funchal (Madeira), Horta (Açores), Lagoa,
Quarta Ordem. Aliás, no trânsito histórico, e quanto lação da Regra, o que demorou muitos anos a se Lisboa, Moura, Penafiel, Pombal, Serpa, Setúbal,
às Ordens Terceiras seculares, bastantes houve que, conseguir, não obstante os Congressos Internacionais Tavira, Tentúgal, Torres Novas, Vidigueira, Vila Franca
por deficiente empenho dos membros, viveram como da Família Carmelita (Aylesford, Inglaterra, 1991, e de Xira e Viseu. A fundação em Abrantes terá sido
simples confrarias, enquanto algumas destas, por Nantes, 1994), com discussões centradas no nome ligeiramente posterior à de Torres Novas, da qual
eficiência e compromisso, se constituíram em Ordens (Ordem Secular ou Terceira?), no grau de compro- recebia a direcção espiritual, conhecendo-se o nome
Terceiras, que, em geral, recebem a dignidade de misso (propósitos ou votos?) e na adequação às leis do P. e Luís Saraiva como confessor dos terceiros
Venerável. civis dos países. Por Decreto de 16 de Julho de 2003, abrantinos. Do Sodalício de Almada, apesar de
No que à Ordem Terceira Carmelita se refere, tanto o P.e Geral Joseph Chalmers promulgou a nova Regra mencionado como existente por Fr. Manuel da
no ramo antigo, ou observante, como no ramo da Ordem Terceira do Carmo, já aprovada, a 11 de Encarnação (Compendio da Regra, 1685), mais nada
reformado, descalço ou teresiano, a origem é a Abril de 2003, pela Santa Sé. se sabe. Quanto ao de Alverca do Ribatejo, existem
mesma, quer dizer, a Primeira Ordem foi a dos Frades No mundo, quanto ao ramo secular, há diversas documentos alusivos a este sodalício, datados dos
ou Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do instituições, sendo a mais conhecida a Família anos de 1739 e 1755, antes do terramoto. Em Beja,
Monte Carmelo, na Palestina. Uma vez expulsos do Missionária Fidei Donum, criada em Paris (1950), a fundação terá acontecido nos princípios do séc.
lugar da fundação e esparsos pela Europa, os que gere a cadeia de restaurantes apostólicos Eau XVII, sendo o documento mais antigo, a conceder
Carmelitas fundaram conventos, junto dos quais se Vive, e se agregou à Ordem do Carmo, em 1987. uns privilégios aos Terceiros, datado de 1690. Na
constituíram grupos de leigos e de seculares, As Ordens Terceiras regulares parecem não ter sido Capela de N. Sr.a da Piedade, da igreja do convento
enquanto que, em diversas partes da Europa, muitas fundadas em Portugal, embora haja algumas carmelita, havia sepulturas de Terceiros. Em 1736,
senhoras mostraram interesse em viver a Regra estrangeiras, de obediência observante e/ou descalça, os Carmelitas e os Terceiros de Beja assinaram um
Carmelita em estrita obediência. No tempo do Geral trabalhando no país. Pelo menos duas, de obediência contrato acerca das obras a fazer na Igreja de S.ta
João Soreth, pela Bula Cum Nulla (1452), o que em observante, abriram casas: as Irmãs Carmelitas do Catarina, que serviria de cemitério aos Irmãos
verdade se funda é a Segunda Ordem (Monjas), Sagrado Coração de Jesus e as Irmãs da Virgem Terceiros, enquanto que os frades se comprometiam
enquanto que só pela Bula Dum Attenta (1476) se Maria do Monte Carmelo, originárias de Espanha. a celebrar ofícios e missas pelos Terceiros. Além
autorizava a existência de grupos que incluíssem A Casa Beato Nuno, em Fátima (inaugurada em disso, a Ordem nomeou um Comissário para os
homens e mulheres casados. Embora já antes se 1957), foi projectada para funcionar como Centro assistir, para o qual foi criado um hospício. Não
notasse a existência destas agregações seculares, só Internacional das Ordens Terceiras do Carmo (CITOC). obstante a Igreja de S.ta Catarina, a Ordem Terceira
depois de 1476 é que elas são oficializadas, pois O mais significativo movimento tem sido o secular, decidiu avançar com a fundação de uma outra, a
até aí eram informais. apesar da falta de assistência carmelita directa aos de N. Sr.a do Carmo, aberta em 1755, um dos mais
O vínculo fundamental dos Terceiros com a Ordem sodalícios, dada a falta de frades na província, pelo belos templos da cidade alentejana. A avaliar por
do Carmo é a profissão pela qual o fiel se consagra que a assistência e, até, a administração, nas sequelas documentação de 1918 e de anos seguintes, esta
segundo o próprio estado. O desenvolvimento deste de 1834 e 1910, foram asseguradas pelo Ordinário. Ordem Terceira ter-se-á transformado em confraria,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES

mas não consta que esteja activa. Existe, no entanto, com o Convento dos Carmelitas, para que os funerais casa para residência do frade carmelita presbítero
um projecto de restauração. dos irmãos fossem acompanhados por um padre que haveria de ser assistente da Ordem Terceira.
A fundação em Angra do Heroísmo (Açores) foi carmelita. As relações entre a Ordem Terceira e a Não obstante alguns atrasos, o templo ficou decente
estabelecida em 1766, na Igreja da Misericórdia, na Primeira Ordem foram excelentes, pelo que esta para o culto, sendo benzido com grande solenidade,
qual, num dos altares laterais, se entronizou a cedeu àquela, em 1761, a Capela do SS. mo a 3 de Abril de 1719. A nova imagem da Senhora
imagem da Padroeira do Carmelo. No ano de 1800, Sacramento, juntamente com nove sepulturas. Na foi transladada da Igreja da Esperança, no dia 15
a Ordem Terceira transitou para a igreja de um Igreja de N. Sr. a do Carmo vê-se um grandioso de Julho de 1719, para a nova igreja dos Terceiros,
colégio, para onde a imagem também foi levada. A retábulo, atribuído a um irmão terceiro, o entalhador pelo que, em conformidade com o costume carmelita,
partir de Angra, foram criados sodalícios noutras Luís João Botelho. Este sodalício teve boa fama, no dia seguinte se celebrou a festa litúrgica de N.
localidades, sobretudo desde 1865. A ordem terceira sendo estimado pelas ordens terceiras dominicana Sr.a do Carmo. No ano de 1720, a rainha determinou
angrense é muito devota e participativa e, todos os e franciscana, também presentes na cidade. Estava que o Senado fosse todos os anos, na festa da
anos, o Comissariado da Ordem do Carmo portuguesa ainda activo na primeira metade do séc. XIX. Senhora, em procissão à igreja e, pouco depois, um
envia um visitador que, entre outras coisas, orienta alvará régio criava a Feira de N. Sr.a do Carmo, a
o tríduo da festa de N. Sr.a do Carmo e confessa os ocorrer no terreiro do templo, entre 16 e 18 de
irmãos. Um grupo, composto por mais de 50 Julho de cada ano, sendo feira franca, cujos
elementos, costuma ser assíduo ao Encontro da rendimentos seriam aplicados nas obras pias dos
Família Carmelita que, na Quaresma, ocorre em Terceiros. Ciosos do seu património, os mesários
Fátima (Casa Beato Nuno). Em Camarate, hoje vila ajustaram notarialmente com o entalhador farense,
do Concelho de Loures, outrora do Concelho dos Gaspar Martins, a feitura de um retábulo para a
Olivais, se fundou, em terras herdadas do património imagem da Padroeira, retábulo esse terminado por
de Nuno Álvares Pereira, no ano de 1602, um volta de 1739 e, além deste, a tribuna e o sacrário.
convento dos Carmelitas Observantes, numa quinta A igreja da ordem terceira de Faro é um modelo de
que, mais tarde, foi arrasada por causa do aeroporto obras-primas em talha, tanto em altares como em
de Lisboa. À sombra conventual surgiu um sodalício imagens, sendo a sacristia considerada uma das mais
de Terceiros, já activo em 1654. Incorporava belas do nosso país. Merecem registo outras obras,
Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Faro (DB)
numerosas senhoras, isto é, Terceiras, várias delas incluindo as pinturas da Virgem do Leite, de Cristobal
pertencentes a nobres famílias, algumas das quais Gomez e a Sagrada Família, de um pintor chamado
deixaram testemunho de caridade, ascese e piedade. A fundação em Faro é uma das principais, tendo Coello e que um irmão terceiro (Dr. Amadeu Ferreira
A ordem terceira de Camarate manteve-se activa, sido criada a instância do Bispo D. António Pereira de Almeida) achou e adquiriu no Chile e ofertou à
mesmo depois da expulsão dos Monges Carmelitas, da Silva, em 1712, e aprovada pelo Vigário Provincial Ordem. No complexo dos Terceiros há também uma
ainda se registando a profissão de uma senhora em Fr. José de Jesus Maria, que se deslocou a Faro, famosa capela dos ossos, construída gratuitamente
1920, pelo que o sodalício venceu as dificuldades onde preparou os candidatos, aos quais pregou sete em 1816 por vários irmãos pedreiros, que
da Lei da Separação de 1911. Não consta que esteja sermões no mês de Abril daquele mesmo ano. Lançou aproveitaram as ossadas de um cemitério adjunto.
activa. À sombra do Convento de Sant’Ana de então o hábito terceiro a inúmeras pessoas de todas Teve uma existência moral e regular até à
Colares, terá existido um sodalício da Ordem Terceira, as condições sociais, incluindo eclesiásticos, não só exclaustração das ordens religiosas, ficando na
cuja actividade terá cessado com a exclaustração da cidade mas de localidades suburbanas. Logo se memória as grandes procissões ou triunfos que, nos
dos monges recolectos ali residentes. Quanto a constituiu a primeira Mesa, tendo sido eleito o sécs. XVIII e XIX, se levavam a efeito em honra de
Coimbra, dada a presença dos Carmelitas mencionado Bispo para Prior Perpétuo, enquanto santos carmelitas. Quanto ao terreiro da Feira, a sua
Observantes nesta cidade (Colégio e Igreja da que o sobrinho, Francisco Pereira da Silva, Coronel propriedade foi confirmada à Ordem, em 1719, dele
Conceição ou do Carmo), alguns autores referem a de Infantaria, foi eleito Superior. Os Estatutos foram podendo dispor segundo os seus interesses, bastando
existência de uma ordem terceira sediada na mesma aprovados a 3 de Junho de 1712, pelo mesmo vigário deixar serventia para passagem do povo, e das
igreja e assistida pelos frades colegiais, mas há falta provincial, envolvendo as funções de Comissário, viaturas. Mantendo obras pias, a ordem terceira
de documentação que ateste a sua existência. Se Prior, Vice-Prior, Secretário, quatro Definidores, um farense conserva um importante arquivo documental,
de facto existisse, e como seria lógico, a seguir à Tesoureiro da Cera e três Zeladores de Culto Divino. relativo à instituição, sempre gerida por irmãos
lei de Joaquim António de Aguiar a igreja seria A jurisdição espiritual cabe ao Padre Comissário esclarecidos e empenhados, que são muitos.
entregue à Ordem Terceira Carmelita, quando, na nomeado pela Ordem dos Carmelitas (Primeira Administra o Centro Social de N. Sr.a do Carmo.
verdade, foi consignada (1835) à Ordem Terceira de Ordem), a jurisdição temporal encontra-se incumbida O Sodalício do Funchal foi fundado em 1652, pelo
São Francisco de Coimbra. à Mesa e aos Irmãos, sendo as decisões tomadas P.e Luís do Rosário, na Igreja de N. Sr.a da Encarnação,
Na cidade de Évora, a par do Convento Carmelita, por votação. Os Estatutos definem também as normas que veio a pertencer ao Convento das Clarissas.
criou-se, em 1691, um sodalício servido pelas pessoas de admissão e os direitos e deveres dos Irmãos. Logo A primeira Mesa (Prior, Tesoureiro, Secretário,
de maior distinção da cidade. Todavia, aquela data se instituiu o costume da procissão solene, que se Procurador, Enfermeiro-Mor, Vigário do Culto Divino,
pode ser a da instituição canónica, porque já antes, realizou pela primeira vez a 26 de Maio de 1712, Mestre de Noviços, Mordomo dos Presos e Andador)
em 1679, aparece documentação relativa às eleições levando a imagem da Senhora do Carmo (pertença tomou posse a 25 de Junho de 1653, sendo evidente,
de juízes e de mordomos. Do compromisso, faziam do bispo), que foi entronizada (Agosto de 1712) na pelos cargos que a compunham, que a Ordem
parte as obrigações relativas aos sermões nas quartas- mesma Igreja da Esperança, onde a Ordem Terceira, Terceira previa dedicar-se ao serviço de apoio a
-feiras de Quaresma e as procissões dos Passos e do para todos os efeitos, tinha a sede provisória. Com doentes e a presos. Três anos depois da fundação,
Triunfo (Domingo de Ramos). O sodalício foi visitado, efeito, logo em 1713, foi lançada a primeira pedra em 1656, iniciou-se a construção de uma igreja
em 1694, pelo P.e Geral Feijó de Villalobos, que o da igreja da ordem terceira de Faro, mesmo sem própria, cujos custos foram, em grande parte,
confirmou e motivou os irmãos para a união. prévia licença régia, apenas com o beneplácito suportados por irmãos de posses. No conjunto,
A ordem terceira eborense assinou um protocolo episcopal, ao mesmo tempo que se construía uma sobressai o altar-mor, o retábulo, os altares laterais

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES

e os tocheiros de prata, além de diversas imagens. tempo de Nuno de Santa Maria. Contudo, Lisboa se deve a iniciativa do processo de beatificação,
Mediante compromissos de devotos, a igreja foi documentação credível afere o início da sua existência em 1918, de Nuno Álvares Pereira e, mais tarde, da
dotada de várias capelanias, tendo alguns dos irmãos ao ano de 1629, sendo a capela sede no ano de sua canonização. Relativamente a Moura, apesar da
fundadores e os mais importantes sido enterrados 1638, no próprio Convento do Carmo. Além disso, sua antiguidade na história do Carmelo Lusitano,
dentro da igreja, em sepulturas próprias identificadas. já antes de 1629 funcionava lá uma irmandade, admite-se que uma ordem terceira local só foi criada
Com vista a atender espiritualmente a Ordem Terceira, cujos irmãos se chamavam Terceiros, ainda que sem por volta do terceiro decénio do séc. XVII, dela tendo
fundou-se o Hospício de N. Sr.a do Carmo. Nascida rigor canónico. Os Estatutos foram redigidos a partir sido associada a Marquesa da Purificação, irmã de
sob o signo dos Carmelitas Observantes, a ordem de 1665, aprovados pelo padre provincial, em 1666, Fr. Estêvão da Purificação, recolecto do Convento
terceira do Funchal decidiu, no ano de 1669, agregar- pelo padre geral, em Roma, em 1667, e, depois, de Colares e director espiritual. Outra senhora,
-se à Ordem dos Padres Carmelitas Descalços, à pelo P.e Jorge Cotrim, em 1668, e pelo P.e Geral nomeada como santa, Catarina das Chagas, também
qual fez doação da igreja e do amplo terreno Feijó de Villalobos, em 1694. Os primeiros 11 foi terceira em Moura. Em memórias escritas daquele
adjacente à mesma. A mudança criou alguns capítulos referem-se à organização e às hierarquias tempo, há notícia de Terceiros e Terceiras, que usavam
problemas de jurisdição, resultantes dos diferentes (Comissário, Prior, Vice-Prior, quatro Definidores, uns vestidos especiais. No Arquivo Paroquial de
pontos de vista dos Observantes e dos Descalços, Secretário, Procurador, Tesoureiros e três Zeladores Moura guarda-se o Compromisso da Venerável
pelo que em diversos períodos a ordem terceira do Culto Divino). Nos capítulos seguintes, dão-se Hordem Terceyra de Nossa Senhora do Monte do
funchalense só dispunha de comissário interino e instruções disciplinares sobre o modo de estar na Carmo, situada no Convento dos Carmelitas, datado
mesmo o projecto de um convento não se igreja, os juramentos, as obrigações, as esmolas, os de 1755. Consta de 37 capítulos, relativos à
concretizou. Foram imponentes as procissões e as sufrágios, etc. No cap. XX, contemplam-se os organização interna, às hierarquias, às eleições para
festas terciárias, pois se privilegiava o culto público. requisitos de admissão, ficando excluídas certas os cargos, às admissões e profissões, aos sufrágios
A partir do Funchal, fundaram-se sodalícios em outras profissões (cortadores de carne, porteiros, vendedores e às festividades, com relevo para as procissões da
localidades (Câmara de Lobos, Calheta, Porto da ambulantes), mas aceitando-se já senhoras, com Semana Santa e para a novena e festa de N. Sr.a do
Cruz, etc.), sendo o número de Terceiros geralmente direito a hábito inteiro. Em outros capítulos, versam- Carmo. Ainda aparece documentação relativa ao
superior ao milhar. Quanto ao convento, em razão -se as festas, com realce para as procissões da último quartel do séc. XVIII, mas acha-se desactivada,
do qual se fundara o hospício, não chegou a Semana Santa e da Padroeira. Ficaram célebres a embora, após o retorno dos Carmelitas, tivessem
concretizar-se. A documentação conservada em procissão anual de N. Sr.a do Carmo e os Triunfos a sido feitos esforços no sentido de restaurar a presença
arquivo permite obter uma ideia da vida e da história propósito de canonizações de carmelitas, como carmelita em Moura, onde dispunham do convento
desta instituição que, desde 1900, depende S. João da Cruz e S.ta Maria Madalena de Pazzi. e da igreja. Ignora-se a data exacta da fundação do
canonicamente da disciplina da Ordem dos Outras disposições contemplam as comunhões gerais, sodalício em Penafiel, apenas se conhecendo a data
Carmelitas Descalços. os sermões e o ofício geral dos defuntos. A Regra em que um grupo de confrades solicitou ao Provincial
Em 1693, aconteceu uma fundação na Horta beneficiou, no decurso dos tempos, de necessários da Ordem do Carmo a erecção canónica, que lhe
(Açores), quando Fr. Constantino de Jesus visitou a ajustamentos canónicos. Quanto ao voto, de um foi concedida a 9 de Dezembro de 1781. Teve sede
ilha do Faial, na qualidade de Comissário Geral e modo geral, considerou-se que os votos de na Capela de S.to António, onde entronizaram a
Visitador da Ordem do Carmo. A visita demorou obediência à Regra constituem mais promessas ou imagem de Nossa Senhora. A Ordem Terceira desejava
ano e meio, o que lhe permitiu implantar a Ordem propósitos do que votos. A Ordem Terceira não se construir uma igreja própria, requerendo à Câmara
Terceira, deitando o hábito a muitas pessoas de limitava ao culto, empenhando-se também na a cedência da capela para, no mesmo lugar, se
ambos os sexos. O sodalício teve uma capela própria, caridade, tendo-se construído um hospital, que foi construir a igreja, para a qual a mesma Câmara
de grandes dimensões, um apreciável retábulo com arrasado, tal como o convento e a igreja, pelo contribuiu, a par de muita gente devota. De facto,
oito nichos laterais e, sobre o altar, a imagem do terramoto de 1755. Em tempo, foi erguido um a igreja veio a ser construída, mantendo-se o
Senhor morto, obra de um escultor da corte joanina. edifício com capela da Ordem Terceira, situado no adro/olival adjacente para terreiro de festas. Os mais
Não obstante a exclaustração, a ordem terceira da L. do Carmo, com interessante museu de arte sacra antigos Estatutos, que seguem o modelo costumeiro,
Horta sobreviveu e ainda sobrevive, tendo tomado carmelita. datam de 1793. Anexa à Ordem Terceira, funcionava
conta da igreja. O arquivo da instituição acha-se à Quanto ao número de membros, consta que, no uma confraria, gerando-se alguma confusão acerca
guarda da Paróquia das Angústias. Sobre a fundação início do séc. XVIII eram mais de 10 000, mas hoje das diferenças entre Terceiros (que emitem voto de
em Lagoa, apenas se sabe que ocorreu no ano de em dia são infinitamente menos, na ordem das obediência à Regra da Ordem Carmelita) e os
1736. poucas centenas. Houve irmãos que se distinguiram confrades que estão isentos desse voto, porque as
Em Lagos, em 1726, teve começo um sodalício de por exemplo de vida (Isabel de Jesus, Luísa Cabral) confrarias são organismos de culto. Quanto aos
Ordem Terceira num mosteiro de Irmãs Carmelitas e por obras de cultura, como os escritores Fernando Estatutos, teriam sido copiados dos da ordem do
Observantes, tendo o compromisso sido aprovado de Sousa, Zuzarte de Mendonça, Francisco J. Velozo, Porto, onde não houve casa dos Observantes, pelo
pelo Padre Provincial, Fr. Estêvão de Santo Ângelo. e outros, a par de muitos sacerdotes, como o P.e que copiaram os Estatutos da Ordem dos Carmelitas
O terramoto de 1 de Novembro de 1755 destruiu Santos Farinha, o Cónego Gonçalves Pedro, bispos Descalços à qual esta Ordem Terceira se agregou,
o mosteiro e a respectiva igreja, cabendo à Ordem e gente da nobreza, a par do predominante sector já na diáspora, em 1840.
Terceira o encargo da sua reconstrução, no tempo popular. Após a exclaustração, os bens da Ordem Em Pombal, foi criado um sodalício por influência
do Provincial José Pereira de Sant’Anna, cronista Terceira ficaram sob subordinação do Ordinário de da ordem terceira de Torres Novas, com igreja própria,
notável da Ordem do Carmo. As obras ficaram Lisboa, que assegurou a assistência espiritual pelos datando a confecção do retábulo de 1840-1842.
concluídas em 1758. Não consta que se encontre Terceiros, tendo esta sido retomada pelos Carmelitas Prevaleceu pelo menos até tardios meados do séc.
activa. só depois de 1960. No ano de 1922, foi levado a XIX, mas, em 1869, já se designa confraria e não
A ordem terceira lisbonense é a mais importante na efeito um congresso para comemorar o VI Centenário ordem terceira, pelas fontes arquivísticas, sendo
história do Carmelo Lusitano. Uma piedosa tradição do Privilégio Sabatino, pretexto para importantes presumível que tenha vindo a ser jurisdição da
refere que ela teria começado por ser uma Confraria contributos de intelectuais católicos para o estudo Ordem dos Carmelitas Descalços. Teve capela e
do Escapulário, ou do Bentinho, criada ainda no da espiritualidade carmelita. À ordem terceira de instalações próprias. Em 1645, já existia uma ordem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARMELITAS TERCEIROS OBSERVANTES

terceira sediada no Santuário de Serpa. Existem capelas da igreja do convento dos Eremitas de São eleições porque, tendo pedido esclarecimentos ao
notícias registadas dos anos de 1749 e 1755, mas, Paulo. Sem clara opção quanto a ramo carmelita, Governo Civil de Lisboa acerca da Lei das Irmandades,
para além disso, nada mais se sabe desta fundação, só em 1737 os mesários solicitaram a agregação à não foi dada resposta. O Sodalício de Viseu teve
sendo de supor que se encontra desactivada. De Ordem dos Carmelitas Descalços, sendo este o origem em 1733, quando alguns dissidentes da
um modo geral, os sodalícios alentejanos recebiam motivo pelo qual a ordem terceira de Tavira é, por Ordem Terceira Franciscana, em colaboração com
apoio a partir do convento da primeira ordem de norma, omissa na história do Carmelo (Observante) outros devotos de N. Sr.a do Carmo, o instituíram.
Moura, cuja expulsão provocou a decadência do Lusitano. Em Tentúgal, junto do mosteiro das Monjas Teve a primeira sede na Ermida de S.ta Cristina (ou
carmelitanismo alentejano. De 1911, ainda resta Carmelitas, fundado em 1559, constituiu-se uma de S.to Amaro), tendo assistido às cerimónias de
documentação institucional, mas presume-se que a ordem terceira, sediada na igreja do mesmo mosteiro, fundação o Comissário Geral da ordem terceira de
Ordem Terceira se transformou em confraria, conforme um livro de profissões e vestições relativo Lisboa e o Provincial Fr. Jaime de São Paio. O número
acabando na inactividade. Quanto ao Sodalício de aos anos desde 1730 a 1823. Não aparece nas de irmãos cresceu tanto que a ermida se tornou
Setúbal, a documentação disponível leva a crer que listagens das ordens terceiras activas de jurisdição pequena para as necessidades, por isso, em 1734,
terá sido fundado em 1674, mas o mais antigo observante. A fundação do Convento de S. Gregório, a Mesa mandou cortar pedra para uma igreja nova,
registo de irmãos é de 1677, com o surpreendente em 1558, no Rossio da então vila de Torres Novas, benzida em 1738, tendo o campanário construído
número de 6009 membros, o que significa haver, foi origem de uma ordem terceira local, que ainda em 1740 e 1741. O retábulo ficou pronto em 1764.
ou uma geral adesão à Ordem, ou pouco rigor na estava activa no séc. XVIII, e até mais tarde. Tinha De modesta frontaria, recebeu melhoramentos
admissão, pois uma Ordem Terceira é algo mais do a sede no referido convento e possuía igreja, de introduzidos pelo Prior Agostinho Nunes de Sousa
que uma confraria popular. No entanto, há cuja conservação, em 1836, assumiu a respon- Valente, que modificaram profundamente a fachada,
testemunhos de fervor carmelita sadino, pois, em sabilidade. Nos meados do séc. XIX, integrou a cujo aspecto é o que ainda podemos ver nesta bonita
1676, com a ajuda financeira da ordem terceira de Irmandade de N. Sr.a do Carmo, sendo opinião de igreja viseense, cujo interior ostenta grande riqueza.
Évora e com os contributos dos irmãos, esculpiram- alguns autores que a Ordem Terceira acabou por se Das festividades, a maior era a Procissão do Triunfo,
-se as imagens para uma vistosa procissão. A ordem resumir a uma simples confraria, faltando indícios a par da de N. Sr.a do Carmo. Quanto ao número
terceira sadina recebeu, para sede, um convento de que ainda esteja activa. As poucas notícias acerca de irmãos, era tão grande que a qualidade vacilava,
construído entre 1600 e 1640, que fora pertença do sodalício na Vidigueira, situado fora da vila, pelo que, em muitas ocasiões, parecia mais uma
das Carmelitas Descalças, constituído por uma constam das Memórias Históricas, de Fr. Manuel de
capela e vários anexos, alguns dos quais ocupados Sá. Nasceu à sombra do Convento das Carmelitas,
na revolução de 1910, o que reduziu a área disponível no ano de 1671, estando ainda activa quando
onde a Ordem Terceira mantém a sede. Aliás, em Manuel de Sá escreveu a notícia, na qual informa
1980, a abóbada da igreja ruiu e a capela ficou que tinha a sede numa capela do claustro do
interdita ao culto durante algum tempo, pois a convento carmelita. Na época, o sodalício contava
reconstrução demorou, devido à modesta capacidade com 745 membros de ambos os sexos. Aqui, a
financeira. Os Estatutos receberam aprovação em Ordem Terceira dispunha de valiosas imagens de
1676 e em 1678, mas só conhecemos os que datam Nosso Senhor Jesus Cristo, para as procissões e
de 1691, dispostos em 32 capítulos, contendo a triunfos da Semana Santa, nas sextas-feiras de
organização, a hierarquia, o funcionamento e as Quaresma, mandando pregar sermão. Nesta N. Sr.ª do Carmo (cedido pelos Carmelitas Descalços)
obrigações de culto e festivas, bem como informações comunidade viveu Sor Inês de Jesus, mulher de
sobre os enterros e sufrágios dos Irmãos. O texto grandes abstinências e virtudes, que jaz no referido
do compromisso é de 5 de Dezembro de 1688 e a convento, onde, segundo Pedro Juzarte (Jardim de confraria cultual. A Ordem continua a existir e a
confirmação do Provincial dos Carmelitas é de 6 de Várias Flores, p. 99), o seu corpo estaria incorrupto. guardar os seus ricos arquivos históricos, tendo
Maio de 1689. A eleição da Mesa fazia-se no dia Quanto a Vila Franca de Xira, a data mais antiga elaborado novos Estatutos em 1907 e em 1912. Até
10 de Agosto, votando a Ordem em 20 irmãos, dez que se conhece acerca deste sodalício é o ano de cerca do ano 2000, a Ordem Terceira apareceu nos
da nobreza e dez oficiais. A admissão à Irmandade 1688, constante de uma provisão que concedia um Encontros da Família Carmelita, mas parece não
estava interdita aos almocreves, cortadores de “altar privilegiado”, concessão essa renovada em dispor actualmente de adequado apoio assistencial.
açougue, esfoladores, porteiros, vendedores de rua, 1696. No ano de 1736, ainda conseguia umas Actualizando o contexto e tomando como referência
infamados, bem como às vendedeiras e às mulheres indulgências especiais para o quarto Domingo da os sodalícios que costumam participar nos Encontros
infamadas. Infere-se que a Ordem privilegiava as Quaresma (tinha a sede na Igreja de S. Julião). da Família Carmelita, em Fátima (o 22.º ocorreu em
classes marinha e piscatória. O mais solene acto Dispunha de Estatutos, tidos como perdidos durante 2006), acham-se de facto operacionais os dos Açores
litúrgico era a Procissão do Triunfo, em Domingo de a Guerra da Restauração. Novos Estatutos foram (Angra), Lisboa, Faro, Setúbal, e Viseu. Quanto às
Ramos. escritos em 1815, recebendo aprovação, em 1817, confrarias, existiam em muitíssimas paróquias de
No séc. XVIII, o número de Terceiros já era muito do Provincial dos Carmelitas e, em 1819, de El-Rei todo o país. Activas e ainda presentes nos Encontros,
inferior, na ordem das duas centenas, e, nos finais D. João VI. O esquema, em 32 capítulos, segue o registamos as confrarias de Capela de Renato Baptista
do séc. XX, eram apenas 130, a maior parte deles costume de outros sodalícios, dispondo de e de Penha de França (Lisboa), que são as mais
já de idade avançada. A Ordem possui um lar de determinações sobre a Procissão do Triunfo, as antigas, de Arruda de Pisões (Rio Maior), de Braga
terceira idade. Em Tavira, o sodalício é proprietário práticas quaresmais, os hábitos e as obrigações dos (Capela de N. Sr.a do Carmo, desde 1995) e de S.to
da monumental e artística Igreja da Sr.a do Carmo, irmãos, etc., além da forma de celebrar a festa da António dos Cavaleiros (Loures, desde 1984), as
de que a Ordem Terceira é muito ciosa, mantendo- N. Sr.a do Carmo, a 16 de Julho. Tinha uma economia mais recentes.
-a, no decurso dos tempos, sob constante atenção saudável, assente em capelanias e em doações (os
e levando a efeito obras de conservação. O sodalício relatórios de contas de 1874 assinalam o rigor com BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Estatutos, ms., Cód. 189,
tavirense foi criado na mesma época que a ordem que os mesários administravam os bens). As últimas BNP. Impressa: BAYÓN, Balbino Velasco, História da
terceira de Faro, tendo a sede provisória em duas notícias datam de 1887, ano em que não se fizeram Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARTUXOS

2001; GOMES, J. Pinharanda, Imagens do Carmelo: S. Bruno faleceu em 1101, a fechar o inicial período
Estudos sobre História e Espiritualidade Carmelitas, experimental, sem ter instituído a Ordem, nem
Lisboa, Paulinas, 2000; G OMES , J. Pinharanda, A redigido um Estatuto ou uma Regra de vida, apesar
Cidade Nova, Lisboa, Fundação Lusíada, 1999; SANTA de, a seguir à Grande Chartreuse, e, passando a
TERESA, Higino de, ocd, Apuntes para la Historia de residir em Itália, ainda fundasse a Cartuxa de S.ta
la Venerable O.T. del Cármen, em España, Portugal Maria della Torre, pelo que, ao falecer, S. Bruno
y América, Vitoria, s.n., 1954; Viver o Carmelo: legava duas comunidades. Depois dele, o Prior
Regra da O.T. do Carmo, Roma, Cúria Geral D. Guigo I, que assumiu funções em 1115, sendo
Carmelitana, 2004; WERMERS, Manuel Maria, A Ordem o quinto Prior da Grande Chartreuse (1109-1136),
Carmelita e o Carmo em Portugal, Lisboa, União criou as condições para a anexação de oito novos
Gráfica, 1963. eremitérios em distintos lugares da Europa e, a
pedido do Bispo de Grenoble, D. Hugo, e de outros
JESUÉ PINHARANDA GOMES eclesiásticos, redigiu uma Regra, aliás intitulada
Grande Chartreuse (I)
Costumes ou Estatutos (Statuta Ord. Cart.), que
finalizou em 1127 e pela qual todas as comunidades
CARTUXOS se passaram a reger. conjunto de costumes do Estatuto de D. Guigo I;
A Ordem Cartusiana, do latim Ordo Cartusiensis (O- Os Statuta reflectem os costumes monásticos dos Basílio, em 1170, decretou uma nova colecção de
-Cart), foi fundada por S. Bruno, em 1084, num finais do séc. XI e começos do séc. XII, formulando leis, completada, em 1223, por Jancelino, e, por
eremitério situado a norte de Grenoble, nos Pré- um modelo um tanto ecléctico. De facto, inspiram- fim, D. Riffier (m. 1267) publicou uma compilação
-Alpes de França, num maciço denominado Grande -se na Regra de S. Bento, para a ordenação do Ofício de todos os costumes anteriores, incluindo os
Chartreuse, de onde o nome toponímico da Ordem Divino, da organização interna do mosteiro e dos primitivos de D. Guigo I, com alguns desen-
(Chartreuse significa casa, casinha, castelinho). Os costumes alimentares, um tanto ao estilo de Cister, volvimentos, sendo esta a compilação geralmente
membros desta Ordem, os Cartuxos, também são ainda que evitassem o costume das mortificações citada como Antiqua Statuta, promulgada em 1271
popularmente conhecidos por Brunos, do nome do dolorosas. Além da herança beneditina, inspira-se e aumentada com dois novos aditamentos, ou
fundador, e por Frades Brancos, por causa do seu na lição recebida da experiência de S. Jerónimo (m. suplementos, em 1368, elaborados por D. Guilherme
hábito. No ambiente de reforma e de renovação da 420) no deserto, junto de Belém, e de S. João de Raynald, e anexados aos antigos em 1509,
vida monástica, patentes no séc. XI, tal como ocorreu Cassiano (m. 345), monge oriental, pelo que, recebendo o conjunto o título geral de Nova Statuta,
com a Ordem de Cister relativamente à sua herança mediante estas referências, o modelo cartuxo veio cuja primeira edição é a de Veneza, de 1510. Os
beneditina, S. Bruno, depois de ter exercido uma a distinguir-se profundamente dos costumes Estatutos de 1582 constituem uma refundição
carreira docente e de ascender a importantes cargos beneditinos, uma vez que o fundamento da Cartuxa integral dos Costumes da Ordem, que se preservam
eclesiásticos, achou preferível procurar um estilo de é o eremitismo, com alguns tópicos cenobíticos, de sem deformação, apesar de inovações como as
vida perfeita, afastado do mundo secular, e, com onde o se considerar a Cartuxa como um semi- derivadas das normas disciplinares conciliares, em
mais seis companheiros, fixou-se na Chartreuse, -eremitismo. Na tópica estatutária, fundamento especial das resultantes em matéria litúrgica do
vivendo uma nova forma de vida. O brasão da Ordem privilegiado é a ideia de deserto, pelo que os Concílio Vaticano II.
ostenta em chefe sete estrelas, significativas dos mosteiros se estabelecem em lugares isolados, quase Quanto à organização comunitária, há um Prior
primeiros sete cartuxos que, em regime eremítico, sempre no fundo dos vales ou nos campos afastados eleito pelos monges que já emitiram voto solene ou
algo experimental, originaram uma Ordem assente das urbes, de modo a resguardar a prática da solidão. de estabilidade. É chamado prior e não abade (pai)
na vida oculta (fuga mundi) e que inseriram no Outros dois tópicos são a tranquilidade (hesychia) e em sinal de humildade, aspecto em que há diferença
quadro das ordens religiosas um novo modelo de a estabilidade (amerimnia), frutos da imersão no quanto aos Beneditinos e analogia quanto aos
Regra de vida, modelo esse de tal forma preciso, ermo do deserto, longe do mundo, em regime de Carmelitas. No entanto, não sendo chamado pai, é
que da Cartuxa se costuma dizer: Cartusia nunquam vida oculta. Em princípio, a entrada de pessoas como se fosse, tendo direito a absoluta obediência
reformata quia nunquam deformata (“A Cartuxa estranhas está interdita e de mulheres é absolu- dos monges que, sendo presbíteros, ou estando em
nunca reformada e nunca deformada”). tamente proibida. Os monges podem receber visitas vias de receberem ordens sacras, vivem no mosteiro
de familiares, para o que existe, normalmente, no propriamente dito, que integra, de um lado, o
pátio principal, uma capela para serviços ao exterior, claustro grande e as celas ou casinhas e, do outro,
e locutório. o edifício da igreja conventual. Os monges distribuem
Em termos de economia, cada mosteiro organizará entre eles as tarefas de utilidade comum, entre elas
os espaços rurais a si adstritos, produzindo os bens as de Procurador, que se encarrega de contactos e
necessários à subsistência. Nenhuma propriedade, de serviços externos (ir ao correio, comprar remédios
seja ela qual for (terra, vinhas, olivais, dízimos, etc.), e manter em dia a correspondência comunitária).
situada fora do mosteiro pode ser admitida, pois o Também saem do ermo os monges que têm o
monge não está vocacionado para sair do deserto, encargo de Visitadores, i. e., de inspectores de outras
muito menos em funções seculares. Os Costumes comunidades. Em Portugal havia reciprocidade: os
Cartusianos contemplam os monges em 41 capítulos de Évora inspeccionavam Laveiras e vice-versa.
e os conversos em 35 capítulos, assumindo estes o Cada monge habita sozinho numa casinha ou cela,
encargo de manutenção da vida económica de cada que abre para o claustro grande. A casinha é
mosteiro. O contexto estatutário, ainda que nunca constituída por uma espécie de sala, com uma lareira
propriamente reformado, recebeu posteriores ou salamandra e com o estúdio de trabalho, e, em
contribuições casuísticas. A mais antiga é a de separado, o catre e a saleta, chamada Ave Maria,
S. Bruno, Cartuxa de Évora (I) Antelmo, Prior (1139-1151) que juntou um breve por aí o monge recitar esta oração. Junto de cada

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARTUXOS

casinha, num pequeno espaço murado, que serve Cada mosteiro dispõe de um “campo santo”, A cogula longa é obrigatória nos actos solenes ou
de horta e de jardim, o monge trabalha no que destinado a cemitério dos monges. Segundo uma litúrgicos e nos actos monásticos de importância.
souber, sem preocupação material, pois não é antiga lenda, cada monge, durante a vida, vai abrindo Nestes actos, os noviços usam a cogula curta e uma
obrigado a ganhar para a subsistência e tudo o que uma cova, onde será sepultado. A sepultura não capa de cor preta, com capuchão. Os donatos usam
produz é para se distrair e/ou estar utilmente terá qualquer identificação nominal, sendo assinalada cogula até aos pés, ou curta, em trabalho ou recreio,
ocupado. A vida solitária é interrompida três vezes por uma simples cruz. Todo o ermo respira com capuchão mas sem bandas, uma vez que não
ao dia, quando a comunidade se junta na igreja: tranquilidade e estabilidade. O mundo muda, mas emitem votos.
cerca da meia-noite, para o ofício de Matinas a Cruz é estável, como diz a sigla cartusiana: Stat Presença oculta no mundo, a espiritualidade
(Laudes), às oito da manhã, para a Eucaristia, e cerca Crux dum volvitur orbis. cartusiana está presente por acção infusa, derivada
das 17 horas, para a recitação do ofício de Vésperas. A par dos monges sacerdotes, os monges conversos, da oração e da entrega à Cruz para salvação do
Após as Matinas e Laudes, recolhem pelas 3 horas também chamados irmãos leigos, vivem em celas mundo. Ela só pode ser conhecida ad extra, do lado
da manhã às celas, saindo depois para a missa, individuais, em regime solitário mitigado, não de fora, pois os monges não se mostram, ou só se
celebrada em rito cartusiano (braços em cruz e dispondo de jardim ou horta. Saem das celas para mostram em derradeira instância. Apesar disso, a
prostração no chão). De um modo geral, as Horas os trabalhos nos campos do mosteiro, tratando das espiritualidade cartusiana foi algo conhecida no
Litúrgicas ocupam várias horas, sempre cantadas culturas, dos gados e da criação. Pronunciam os nosso país, por intermédio dos monges alcobacenses
com nota, mas sem órgão, e dedicando uma parte votos após dois anos de Noviciado. Rezam o Ofício da Ordem de Cister, de cuja livraria constavam os
a Nossa Senhora. O resto do Ofício Divino é rezado Divino e participam nos demais actos comunitários. Sete Tratados Cartusianos, em manuscrito do séc.
a sós, nas celas. A Ordem expandiu-se por toda a Europa, tendo XV. Do mesmo século é a edição do primeiro livro
Às segundas-feiras têm, e já desde antes de 1259, atingido a maior expansão nos fins do séc. XVI, com ilustrado, saído de tipografia portuguesa (1495), por
o costume do passeio pelos campos do mosteiro. 282 mosteiros, além de seis mosteiros de monjas. iniciativa da Rainha D. Leonor, o Vida de Cristo (Vita
Este passeio (spaciamenta) dura cerca de 3 ou 4 Os Estatutos não tinham previsto comunidades Christi) de Ludolfo de Saxónia. Desta Vida de Cristo
horas e, durante ele, os monges têm licença de falar femininas, mas elas vieram a anexar-se. No caso já fora traduzido um trecho por D. Duarte, mas a
uns com os outros. A comunidade também se junta tradução integral foi mandada fazer por D. Isabel,
aos domingos e dias festivos, tanto na igreja como Duquesa de Coimbra, tarefa de que se encarregou
no refeitório, para a refeição do dia. No refeitório, o cisterciense Fr. Bernardo de Alcobaça. Este livro
comem em silêncio, escutando uma leitura espiri- teve grande impacto na nossa vida cristã, pois a
tual. Fora disso, a comida é repartida a cada cela. leitura da Bíblia era pouco acessível aos leigos, que
O regime é de grande frugalidade: abstenção total encontravam no livro de Ludolfo um meio adequado
da carne, jejum a pão e água nas sextas-feiras e para a leitura e a meditação. Por outro lado, ainda
uma só refeição ao dia entre Setembro e a Páscoa no séc. XVI, leram-se autores cartusianos como
(Quaresma Grande). Quanto a práticas de morti- Dionísio Cartusiano e João Lanspérgio, por exemplo.
ficação, apenas se permite o cilício de crinas. Toda Fugidos da perseguição movida em Inglaterra por
a prática de vida se ordena à pura contemplação Henrique VIII, diversos cartuxos passaram por Lisboa,
ou imersão no divino, por isso os Cartuxos não se em viagem para os ermos de Castela, Catalunha e
Escudo da Ordem (I)
dedicam a qualquer actividade apostólica ou pastoral, Itália, mas não deixaram rasto. Há, porém, um
buscando a virgindade espiritual e a simplicidade enigma: na Cartuxa de Laveiras existiram nove
cartusiana. português, nunca houve mosteiro de Cartuxas. retratos de outros tantos cartuxos martirizados
Tornaram-se célebres, além da Cartuxa de Grenoble durante a perseguição anglicana, ignorando-se a
(Grande Chartreuse), e de Pisa, as hispânicas de data da pintura de tais quadros, que foram revelados
Miraflores (Burgos) e a Scala Dei (Tarragona), e as pela primeira vez, a cores, numa monografia e que
inglesas, que sofreram a perseguição de Henrique estão guardados na Igreja de S.ta Cruz do Castelo
VIII e deram inúmeros mártires à Ordem e à Igreja. de Lisboa. Julgamos que eles são muito posteriores
Em relação ao hábito, este consiste numa espécie ao séc. XVI, talvez da escola de Domingos Sequeira,
de túnica, peça maior do conjunto, por cima da qual que professou na Cartuxa de Laveiras (Caxias) e que,
se veste a cogula, sendo a cabeça coberta por um em tempo, a abandonou.
capuz, que a nomenclatura cartusiana prefere chamar Não obstante o conhecimento da Cartuxa por via
capuchão. A cor normal é o branco cremado, ou indirecta, nunca até 1535 se pusera uma fundação
branco-osso. Este hábito canónico não é vestido em portuguesa. Neste ano, face ao contencioso entre
certos trabalhos: tanto os monges sacerdotes como o Trono e a Ordem da Santíssima Trindade, o
os irmãos podem vestir roupa de outra cor mais embaixador em Roma, D. Martinho de Portugal,
escura, castanha (assim foi em Évora, após a sugeriu a D. João III que os Trinitários fossem
restauração), cinzenta azulada (como actualmente), substituídos por Cartuxos, substituição na realidade
ou hábito gris, bata gris, que tem o capuchão cosido, impossível, pois os Trinitários eram mendicantes e
não permitindo o uso de cogula. Em trabalhos apóstolos públicos, enquanto que os Cartuxos eram
extraordinários, podem vestir outras roupas, como monges de ermo. A sugestão não teve seguimento,
fato-macaco. mas, com o tempo, originaram-se duas fundações:
Para os noviços, a cogula, seja no trabalho, ou no a Scala Coeli, de Évora, e a Vallis Misericordiae
recreio, é curta, até aos joelhos. Os professos, com (Laveiras, Oeiras). Anos depois, eleito Arcebispo de
votos temporários ou solenes, usam a longa, com Évora, D. Teotónio de Bragança (muito envolvido
Claustro, Grande Chartreuse (I) duas bandas, que representam a ligação dos votos. nas reformas hispânicas das ordens religiosas,

106
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARTUXOS

O ermo compreende, além da quinta, ou herdade, dirigida pelo Dr. Potes de Campos, mas, em 1852,
o mosteiro propriamente dito, com as principais o projecto da Escola Agrícola foi retomado, uma vez
repartições: o claustro grande, tendo em torno as que a Casa Pia vendeu o mosteiro e a cerca do Dr.
casinhas dos monges, o claustrinho, ou claustro Potes de Campos. A escola abriu em 1853, enquanto
pequeno, para convívio, o refeitório, a livraria, o a igreja sofria uma total degradação. Por Decreto
jardim, o campo santo e, sem dúvida, a igreja, de 1869, o Governo extinguiu a Escola Agrícola e
construída sobre traço original do italiano Giovanni o conjunto veio a ser adquirido por Carlos Maria
Casale, com frontaria e pórtico renascentista, cujo Eugénio de Almeida, nesse tempo tendo instalado
interior foi enriquecido com valioso retábulo, imagens uma fábrica de rolhas. O proprietário seguinte veio
e pinturas, num conjunto de grande beleza. a ser o filho de Carlos Maria, José Maria Eugénio
A vida económica da comunidade ficou garantida de Almeida (primeiro Visconde de Vil’Alva), de que
pelas doações do arcebispo fundador, em dinheiros, foi herdeiro o filho, Conde de Vil’Alva, Vasco Maria
terras e outros bens, bastantes para a honesta Eugénio de Almeida (m. 1975) casado com a
plenitude da frugal vida monástica. Os monges benemérita Sr.ª D. Teresa Belo Eugénio de Almeida.
cultivam os vegetais para a alimentação, na hortinha Engenheiro agrónomo e detentor de grande fortuna,
anexa a cada cela. Apesar dos incómodos causados Vasco Maria era benemérito por natureza, educação
pelas guerras da Restauração e pelas Invasões e apoio da mulher. Fundou e apoiou inúmeras obras
Francesas, a Cartuxa Scala Coeli logrou manter o sociais eborenses e sonhou não só restaurar, mas
clima de vivência professa, merecendo, dos visitadores devolver a Cartuxa à Ordem Cartusiana. Já em 1940,
da Ordem, o elogio de que os monges viviam como ele estabelecera contactos para o efeito. Ele mesmo
gens sancta, gente santa. estudou, consultou fontes documentais e iniciou a
restauração das celas, do claustro, enfim, das partes
Cartuxa de Évora (I)
de habitação e de vida quotidiana. Não se atreveu
a entrar em grandes obras na igreja por não dispor,
incluindo a de Teresa de Ávila, cujo primeiro livro em seu entender, de conhecimentos artísticos e
ele mandou imprimir) achou bem dispor de uma técnicos, mas, em 1948, deu início às obras de
comunidade de Brunos no seu arcebispado, tendo restauração, concluídas no fim do Verão de 1960.
por isso escrito ao Papa Gregório XIII, revelando o Com efeito, no dia 13 de Setembro de 1960,
seu instante desejo em tal sentido. Obteve licença, chegavam a Fátima os monges que, oriundos da
prosseguiu os contactos necessários e, bem certo de Cartuxa de Miraflores (Burgos) e de Aula Dei
uma decisão, em 1587, solicitou ao Prior da Grande (Zaragoza) vinham habitar a Cartuxa eborense, da
Cartuxa (ao tempo, D. Jerónimo Marchant, que fora qual tomaram posse no dia seguinte (14, festa da
seu colega de estudos em Paris) que fundasse um exaltação da S.ta Cruz). Prevendo o futuro e sabedor
ermo em Évora. Jerónimo Marchant acedeu e de como a Cartuxa carece de um apoio económico
encarregou o Prior do Mosteiro Scala Dei (Tarragona, exterior, o Conde de Vil’Alva instituiu, em 1963, a
Catalunha), D. Luís Telmo, de levar o projecto a efeito. Fundação Eugénio de Almeida, para efeitos de
Entretanto, D. Teotónio estabelecera um património beneficência e de cultura e, sobretudo, para suporte
adequado para subsistência da Cartuxa, doando económico da Cartuxa de Évora. A primeira
propriedades, bens fiduciários, cultuais e litúrgicos, comunidade restaurada foi constituída por sete
e também a sua biblioteca, riquíssima, de que só monges, em memória da primitiva comunidade de
pouco se conhece, por ter sido esparsa na tempestade S. Bruno, em Grenoble. Sete ciprestes, na quinta,
de 1834. No dia 7 de Setembro de 1587, Luís Telmo junto ao aqueduto, mandados plantar pelo Conde
e o primeiro grupo de monges tarraconenses
Cartuxa de Évora (SMA)
chegaram a Évora, cujo mosteiro recebeu o nome
de Scala Coeli (“Escada do Céu”), como consta da
alegoria do respectivo emblema, uma escada entre O mosteiro foi suprimido pela Lei de 31 de Maio de
a terra e o céu. As obras de construção do mosteiro, 1834, pelo que os monges entraram em diáspora.
no lugar das Portas de Lagos, junto do Aqueduto Uns refugiaram-se em Itália, outros volveram às suas
da Água de Prata, só se iniciaram em 1593, mas, no famílias de sangue. Entregues os bens de culto ao
interino, a comunidade já contava com 17 monges, arcebispado, dispersa a grande livraria, o conjunto
um deles Pedro Bruno, o primeiro português a rústico/urbano que o Governo previa leiloar veio a
Claustro da Cartuxa de Évora (I)
ingressar no novo instituto e que viria a ser, em 1606, ser ocupado por uma Escola Agrícola, por iniciativa
o primeiro prior de nacionalidade portuguesa. Iniciadas do deputado Joaquim Filipe de Soure. Sol de pouca
as obras, só ficaram concluídas em 1598, ano em dura porque, lendo o testamento de D. Teotónio, de Vil’Alva têm o significado relativo ao número
que os monges passaram da residência provisória se verificou que este determinara que, acabando a brunino. Em 1977, considerava-se que a Cartuxa
(no Paço de S. Francisco) para a nova Cartuxa, ainda Cartuxa, as suas instalações passassem para o Colégio estava completa – 22 monges, dos quais 13
em vida do fundador D. Teotónio (m. 1602). Oito das Donzelas Pobres, de que ele fora o fundador. sacerdotes e 9 irmãos leigos. Em 2005, a comunidade
anos depois, o Cónego Basílio de Faria abandonou Este colégio foi, em 1834, incluído na Casa Pia, a era formada apenas por 10 monges. Existe uma
todas as dignidades que tinha na arquidiocese e qual reivindicou os direitos. Em 1857, a Casa Pia análise do movimento demográfico das Cartuxas
professou na Cartuxa. arrendou o mosteiro e a cerca a uma sociedade portuguesas, relativa a toda a sua histórica duração.

107
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CARTUXOS

A vida económica é gerida pela Fundação Eugénio Almeida, e que, por morte deste, herdara valiosos se dedicavam sobremodo ao estudo, privilegiando
de Almeida, mas os próprios Cartuxos se dedicaram bens, decidiu fazer testamento, pouco antes de o Direito. O inventário da livraria, feito em 1833,
à criação de gado e de galinhas para venda, estando falecer, e, entre numerosas caridades, como a de permite um cômputo na ordem dos três milhares
na memória as vacas charolesas, premiadas por uma prover à vida dos seus escravos, doou as quintas de títulos, mas a incúria dos inventariadores,
instituição francesa, e o aviário da Cartuxa. Além que possuía nos arredores de Lisboa, incluindo a nomeados pelo Governo, omitiu os títulos quase
disso, tem levado a efeito diversas iniciativas de Q.ta de Laveiras, à S.ta Casa da Misericórdia de Lisboa, todos, limitando-se a mencionar maços de tantos e
promoção da Ordem e de divulgação da sua para que nela se estabelecesse uma comunidade de quantos, sem mais nada. Ainda não se conseguiu
espiritualidade, mediante a publicação de livros e a freiras contemplativas, e, não sendo possível, uma tomar conhecimento do destino destes milhares de
realização de congressos, etc. Por colaboração com comunidade masculina de missa e louvor. Os livros.
o Estado, a restauração da Igreja da Cartuxa ficou Arrábidos, um dos quais Fr. Belchior, que era Dos valores da arte e do culto, já transcrevemos que
completa em 2001. confessor de D. Simoa Godinho, tentou que a a Igreja de Laveiras, embora todo o conjunto imite
Do ponto de vista da inclusão no universo cartuxo, Misericórdia facultasse a quinta à sua Ordem, mas o de Évora, é menos monumental. Na frontaria, ao
o ermo português foi considerado como que isolado. D. Luís Telmo, avisado, contestou: de facto, os alto da fachada, encontra-se a imagem de Nossa
Os castelhanos chamam a este isolamento “el Arrábidos dispunham de casas em muitíssimas Senhora com o Menino e, a ladear, dois fachos. Tem
aislamiento de la Província Lusitana”, longe de outras, localidades junto de Lisboa, enquanto que a Ordem uma só nave. Quanto aos bens cultuais, dispomos
por essa Europa fora. Logo na data da fundação Cartusiana procurava um sítio e não o tinha. No de um inventário (na Torre do Tombo), mas hoje em
por D. Teotónio, ficou na obediência directa à Grande final de fortes debates, Luís Telmo, apoiado por dia ignora-se o destino das imagens, que eram várias,
Cartuxa; depois, como os primeiros monges eram D. Jorge de Ataíde, Bispo de Viseu, afilhado do existentes na data da fuga. Quanto às obras de arte,
catalães, passou a integrar a Província da Catalunha; humanista João de Barros, conseguiu que a sobressaíam as pinturas de Domingos Sequeira,
em 1614-1617, integrou-se na Província de Castela, Misericórdia de Lisboa entregasse a quinta à Cartuxa. quatro das quais (Comunhão do Anacoreta S. to
mas tal integração era mal vista, dadas as questões Logo, os primeiros residentes, oriundos de Évora, Onofre, S. Paulo e S.to Antão no Deserto, Conversão
de Portugal com Castela, pelo que passou a Província tomaram posse dela no dia 12, entrando para a de S. Bruno, e a obra-prima S. Bruno em Oração)
autónoma (com dois ermos). Actualmente, integra- clausura a 15 de Dezembro de 1598, ainda as obras se conservam no Museu Nacional de Arte Antiga.
-se na Província Hispânica. do mosteiro mal haviam começado. O novo mosteiro Atrás aludimos a nove quadros, mencionados no
tomou o nome de Sancta Maria Vallis Misericordiae, Inventário, mas não identificados, que vieram a
Santa Maria do Vale da Misericórdia (ou abreviado, achar-se na Igreja de S.ta Cruz do Castelo.
Vallis Misericordiae, erradamente chamado Convento
de S. Bruno), em homenagem à instituição que
facultou o sítio.
As obras demoraram pois os terrenos arenosos não
aguentavam as paredes, que acabavam por ruir.
Basílio de Faria saiu de Évora e tomou lugar em
Laveiras. Era sabedor de arquitectura e de matemática
e iniciou obras de fundo. Começou por construir
umas caves em abóbada e, sobre estas, ergueu o
edifício. A nova igreja, inspirada na de Évora, embora
mais pequena, ficou pronta em 1736, ruindo em
1755 e sendo reconstruída depois sobre desenho
do arquitecto Carlos Mardel. Num sítio na altura
isolado, cada cela tinha três quartos pequenos, com
o horto e, neste, uma fonte de água corrente,
fornecida por uma mina subterrânea aberta na colina.
O cemitério ficava à entrada, estando a igreja e a
casa de hóspedes no extremo poente (para eventuais
visitantes). Igreja da Cartuxa, Laveiras (DB)
No que à parte das celas se refere, a Cartuxa de
Laveiras era pobre e nunca chegou a ter muitas celas
Interior da Cartuxa de Évora (I)
nem muitos residentes. Foram benfeitores que Muito antes da Lei de 1834, que extinguiu as ordens
contribuíram para a construção do claustro, das celas religiosas e nacionalizou os seus bens, decorriam as
O projecto eborense preconizava uma segunda e respectivas capelas, ainda hoje sendo possível lutas entre Liberais e Absolutistas pela conquista do
fundação portuguesa, de preferência perto de Lisboa, identificar, nas lápides, os nomes desses benfeitores. poder. Os monges de Laveiras foram avisados de
mas sem efeito, até que, em 1594, o Prior de Scala A base da economia provinha da cultura da quinta que, a 23 de Julho de 1833, as tropas liberais estavam
Coeli, D. Luís Telmo adoeceu e teve de sair do ermo e dos foros de renda de umas casas e, também, de quase a tomar a capital e que o Tesouro Real iria
para consultas médicas na capital. Ficou a viver numa umas terras no sítio do Salitre (Lisboa), onde se sair de Queluz para Coimbra, onde a Corte estadeava.
casa de Pampulha, perto do sítio onde se construíra previu erguer um hospício, mas sem efeito, segundo Face às notícias, os monges concluíram que, uma
o Convento dos Carmelitas Descalços (Convento julgamos saber, além de outras propriedades que, vez os Liberais no poder, teriam de eleger novo prior.
de S. Filipe), e procurou sítio, mas o de Pampulha por doação, tinham arrendadas no Ribatejo. Quanto No dia seguinte, abandonaram a Cartuxa e juntaram-
não lhe agradou. Sucede que, nesse mesmo ano de a dinheiro, havia pouco, enquanto que os livros -se ao cortejo do Tesouro Real, rumo a Coimbra.
1598, uma senhora de S. Tomé (D. Simoa Godinho), abundavam. A comunidade era constituída por uma Alguns estavam em Évora, em visita canónica, onde
que casara com um fidalgo português, D. Luís de média de 12 monges, quase sempre anciãos, que todos, após longa e arriscada aventura, enfim se

108
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

juntaram. Francisco da Assunção Ferreira de Matos, António de São José de Castro, Bispo do Porto, João plação, Salzburgo, Institut für Anglistik und
considerado canonista, que teve papel preponderante de Santo Tomás (de Laveiras), historiador da Ordem, Amerikanistik, Universität Salzburg, 2007; GOMES, J.
na persuasão dos confrades para a fuga, deixou um e, sem dúvida, o pintor Domingos Sequeira, que Pinharanda, A Ordem da Cartuxa em Portugal (Ensaio
manuscrito em que registou todos os acontecimentos, abandonou, em 1802, a vida eremítica; no séc. XIX, de Monografia Histórica), Salzburgo, Institut für
um verdadeiro livro de aventuras, capital para o Francisco da Assunção Ferreira de Matos, canonista Anglistik und Amerikanistik, Universität Salzburg,
conhecimento da vida cartusiana e portuguesa entre refugiado na Cartuxa de Padola em Itália, onde 2004; GOMES, J. Pinharanda, O Arcebispo de Évora
1822 e 1833, embora ele continuasse a narrativa faleceu, sendo autor da memória relativa à fuga dos D. Teotónio de Bragança (Escritos Pastorais), Braga,
até 1863, ano em que a terminou. Esta narrativa monges de Laveiras, e Victor Felicíssimo Francisco Ed. Pax, 1984; GOUVEIA, D. Maurílio de (trad.), 1084-
(Memórias de 1822 a 1863) pertenceu à Cartuxa (Nabantino), escritor de espiritualidades, último -1984: A Cartuxa – A União com Deus pelo Silêncio
de Calábria, tendo sido publicada em Salzburgo, em professor em Évora, antes de 1834, e que, exilado da Solidão, Évora, Cartuxa Scala Coeli, 1984; HOGG,
2002. Os monges, que em 1834 se encontravam em Itália, veio a ser restaurador da Cartuxa de S.to James (Ed.), As Cartuxas de Portugal, Salzburgo,
refugiados em Évora, acabaram por seguir com os Estêvão da Calábria, fundada por S. Bruno, e que Institut für Anglistik und Amerikanistik, Universität
seus confrades para o exílio em Itália, ou por regressar se achava em ruínas, apesar de nela jazerem os Salzburg, 1984; HOGG, J., et alii (eds.), Analecta
às famílias, pelo que deles se perdeu o rasto. Após restos mortais do Fundador da Ordem Cartusiana. Cartusiana, Salzburgo, Áustria, Institut für Anglistik
a fuga, o Governo tomou conta da Cartuxa, em No séc. XX, identificam-se, pelo menos, os nomes und Amerikanestik, 221 volumes publicados (até
cuja quinta e mosteiro foram instaladas diversas de José Manuel Rodrigues, de Gabriel Manuel Rei 2004); Lettres des Premiers Chartreux (S. Bruno,
instituições oficiais, tendo sido entregues, em 1903, de Oliveira e de Fr. Miguel. Do primeiro, veterinário, Guigues, Anthème), Paris, Le Cerf, 1962; MARTINS,
a uma casa de correcção de menores. Esta casa veio promotor da exploração pecuária na Cartuxa Mário, sj, Estudos de Literatura Medieval, Braga, Liv.
a chamar-se Reformatório Central P.e António de eborense e fotógrafo de grande perícia, conhecemos Cruz, 1956; MATOS, Francisco da Assunção Ferreira
Oliveira, em homenagem ao grande pedagogo que a sua pessoa física e o rosto através de um postal de, Memórias de 1822 a 1863, Salzburgo, Áustria,
a formulou e dirigiu, até com espírito cartusiano. ilustrado, editado por uma firma de Valência, em Institut für Anglistik und Amerikanistik, 2003; SILVA,
Actualmente, denomina-se Instituto de Reinserção que ele aparece sentado num monte a olhar para Emanuel Matos, Solidão, Silêncio e Presença:
Social, mantendo o nome do padroeiro fundador. o mosteiro, situado no fundo do vale. Quanto a Aproximação Teológico-Espiritual à Solidão a partir
Sabemos que a S.ta Casa da Misericórdia de Lisboa Gabriel Manuel Rei de Oliveira, em 1984, viajou para de S. Bruno, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2000;
continua a pagar ao referido Instituto o equivalente o Brasil, com poderes para fundar a primeira Cartuxa Statuta Ordinis Cartusiensis a Domno Guigone Priore
valor da ajuda mensal que, na data da fundação, brasileira, a de N. Sr.a Medianeira, no Rio Grande Cart: Edite (Basileia, 1510), Nova ed. por Dom
determinou para a Cartuxa, a qual não foi restaurada, do Sul. Enfim, o pintor Fr. Miguel (no mundo, Sérgio Laporte, Paris, Le Cerf, 1984; UM CARTUXO, A Cartuxa
ao contrário da eborense. Augusto de Barros Guedes de Sousa, falecido em e a Vida Cartusiana, Évora, Cartuxa, 1985; U M
1985), que foi discípulo do pintor Carlos Reis e cuja CARTUXO, Silêncio com Deus, Tradução portuguesa
obra pictórica, objecto de várias exposições em Lisboa de C. Miranda, Lisboa, Col. Éfeso, 1959; UM CARTUXO
e noutras localidades, se acha em colecções DE SCALA COELI, S. Bruno na Cartuxa de Évora: IX

particulares e na Cartuxa de Évora. Centenário de S. Bruno, Évora, Fundação Eugénio


A Cartuxa, para além da apologética, motivou de Almeida, 2001.
notáveis textos de literatura portuguesa, tanto no
romance (O Deserto, de Manuel Ribeiro), como na JESUÉ PINHARANDA GOMES
poesia (diversos poemas de Mário Beirão).

BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Estatutos ou Regras da CISTERCIENSES


Cartuxa. Trad. port., ms., BNP, Res., Cód. 10653; A imagem que se forma de Cister é a dos seus
Cartuxo vestido de hábito, em contemplação (I)
SANTO-TOMÁS, João de, o-cart, Origine Cartusianorum mosteiros com a sua arquitectura austera, disse-
Lusitaniae, 1737, ANTT, Liv. n.º 608. Impressa: minados em profundos e abrigados vales, por todo
Se as ordens mendicantes apresentam consideráveis AA.VV., Colóquio Internacional “A Cartuxa”, Évora, o continente europeu. Austera, despojada, simpli-
elencos de personalidades ilustres, muito diverso é 2004: Actas, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, ficada, a sua arquitectura está presente por reacção.
o caso da Ordem Cartusiana. É de ordem e rigoroso 2004; AA.VV., “S. Bruno e a Cartuxa – Colóquio: Os edifícios cistercienses são indissociáveis da
costume a Ordem não mostrar os rostos dos que Actas”, in Eborensia, n.º 29, Évora, I.S.T., 2002; exigência moral e do sacrifício espiritual pregados
professam o deserto, por isso só raros nomes chegam AA.VV., “Convento da Cartuxa de Évora”, in por S. Bernardo nos confins do séc. XII. São a imagem
ao conhecimento do público, incluindo o dos Monumentos, n.º 10, Lisboa, Direcção Geral dos nítida do “combate” que foi travado contra a
historiadores, de quem só por contacto directo é Edifícios e Monumentos Nacionais, 1999; Anuário opulência e o fausto da ordem que vieram reformar:
dado saber algo. Quando é necessário publicar textos Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Cluny. Contrariaram os atributos que desviavam os
relativos à espiritualidade, os Cartuxos, em vez de Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, pp. 826- monges das suas verdadeiras funções e que incitavam
porem o nome, usam a expressão “Um Cartuxo”, -827; DOCE, Nacho, MOURA, Paulo, O Segredo da à divagação e perturbação do espírito, quando
criptónimo protector contra a mundanidade. Depois Cartuxa, Colares, Ed. Pedra da Lua, 2007; ESCUDERO, deviam estar empenhados apenas numa missão: a
da restauração de 1960, diversos livros têm sido Juan Mayo, El Aislamiento de la “Província” Lusitana: oração e a submissão constante ao Divino. Estas
editados com esse criptónimo, sendo nosso Socorrido Liberalmente por Dom Le Masson, casas de Cister, muitas em ruínas, outras ainda com
conhecimento de que o P.e Antão López, oriundo Salzburgo, Institut für Anglistik und Amerikanistik, comunidades no seu interior, lembram-nos, quando
de Miraflores, é um dos Cartuxos eborenses que Universität Salzburg, 2003; FARIA, Basílio de, Vida do as visitamos, toda uma vida de luta, de denúncias,
maior número de escritos produziu e que foram Patriarcha San Bruno, Fundador da Cartuxa (pref. de agressões verbais, de conflitos constantes contra
editados como sendo da autoria de “Um Cartuxo”. de Manuel Severim de Faria), Lisboa, M. Domingues os Cluniacenses, contra as escolas-catedrais, contra
Há outros nomes conhecidos: no séc. XVI, Basílio Rosa, 1649; GOMES, J. Pinharanda, ESCUDEIRO, Juan Abelardo, contra as heresias, contra os cavaleiros
de Faria, biógrafo de S. Bruno; no séc. XVIII, D. Mayo, A Cartuxa de Lisboa: Legado de Contem- pouco interessados nos deveres cristãos. S. Bernardo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

e os seus monges lutam sem temor, pregam o enviaram uma delegação ao Papa Urbano II, pedindo- e de faltas e que buscava a perfeição e a pureza.
abandono dos vícios que são o orgulho e o prazer -lhe que obrigasse Robert e os seus irmãos “rebeldes” Após a sua morte, em 1134, a Ordem de Cister,
das riquezas, dos pecados que impedem o caminho a regressarem à sua abadia de origem. O pedido foi agora com 36 anos de existência, contava com perto
para Cristo, retendo o crente no caminho da sua aceite pelo papa, que obrigou Robert a regressar a de 70 mosteiros, 55 dos quais em território francês.
própria satisfação pessoal. Molesme, depois de governar Cister durante um ano. Depois de um período difícil, onde as novas vocações
A partir de algumas das grandes abadias beneditinas não abundavam, por volta de 1112, Bernardo de
e cluniacenses germinaram outras congregações e Claraval entrou na Ordem, num momento em que
ordens monásticas, destinadas a radicar-se de modo Cister atravessava um período difícil, presa entre
ramificado e imbuídas de ideais reformadores: de duas concepções, entre duas correntes de
Chartreuse, perto de Grenoble, derivaram os pensamento. De um lado, estava o peso da Ordem
Cartuxos (1084), de Cîteaux, próximo de Dijon, os de Cluny, a mais importante do sistema monástico
Cistercienses, de Laon, no vale de Prémontré, na europeu, sustentada por reis e senhores feudais,
Picardia, os Premonstratenses (1120). A formação suportada pelo peso da riqueza e da glória divina.
da Ordem de Cister enquadra-se na atmosfera de Do outro, as inúmeras e inesgotáveis seitas heréticas
renovação espiritual e religiosa que, no início do que denunciavam a opulência, a traição aos votos
séc. XI, abraçou todo o mundo cristão. de pobreza e à renúncia das coisas mundanas.
Em 1098, Robert, filho dos nobres Thierry e S. Bernardo marca um rumo: o da elevação do espírito.
Ermengarde de Champagne, Abade da Abadia de Rejeita Cluny, onde o fasto, a opulência, o orgulho,
Molesme, na Borgonha, dependente da Ordem de a intromissão na sociedade laica é condenável, é
Cluny, partiu com alguns companheiros para fundar um insulto aos pobres. Diz ele: “a Igreja resplandece
uma nova abadia em Cistercium (Cîteaux), um lugar dentro das suas muralhas e não dá nada aos pobres;
pantanoso e solitário entre a Borgonha e Bresse, ela forra de ouro as suas pedras, e deixa nuas as
com o objectivo de restabelecer na nova comunidade crianças...”. Mas da mesma maneira que denuncia
a antiga austeridade da Regra Beneditina. Preocupado os padres e os monges orgulhosos e laxistas, também
com o conformismo e o laxismo que, para ele, ataca os heréticos, acusando-os de pôr em causa a
afectavam a Ordem de Cluny, já tinha procurado ordem social.
introduzir algumas reformas nos Mosteiros de Saint- Bernardo, Abade de Claraval, abadia por ele fundada
-Pierre-de-la-Celle, Saint-Michel de Tonerre e, em 1115, talvez não seja a personagem mais
S. Bento e Lectio Divina (cedido pela Ordem de São Bento)
finalmente, no Mosteiro de Molesme. Essas tenta- importante da Ordem de Cister, no entanto é o seu
tivas não causaram grande impacto naqueles maior inspirador e, ainda hoje, o símbolo do
mosteiros, o que levou Robert e seis dos seus irmãos Em Cister, na nova abadia, Alberic, um dos monaquismo cisterciense, talvez por ter lutado e
mais indefectíveis a recorrerem a Hugh, Legado da companheiros originais de Robert, foi eleito Abade. pregado toda a sua vida para impor a sua visão contra
Santa Sé e Arcebispo de Lyon, que os autorizou a A sua primeira acção foi enviar dois dos seus monges Cluny e contra as heresias, num desejo infindável de
abandonarem Molesme e a fundarem uma nova como delegados junto do Papa Pascoal II (sucessor reformar a Igreja e de impor os ideais cistercienses.
casa. Acompanhado por perto de 20 monges, retirou- de Urbano II), com o pedido de que o papa tomasse Oriundo da média nobreza francesa, não cessa de
-se para o espaço ermo de Cîteaux, previamente sob a sua protecção a Abadia de Cister. A resposta apelar a esses cavaleiros para que abandonem o
cedido por Raynaud, Conde de Beaume. Aí, no dia é rápida e, a 18 de Abril de 1100, a partir da sua orgulho e os prazeres fáceis. De acordo com o espírito
de S. Bento, começaram a construção do “Novo vila na Campânia, o papa envia a Alberic de Cister do seu século, insiste na necessidade de se alcançar
Mosteiro”, tal como vem descrito no Exordium Sacri uma carta apostólica, onde afirma que os monges Deus através do abandono do mundo, já que a
Ordinis Cisterciensis. Por ordem do Legado Apostólico, e a abadia estão, a partir do momento, sob a sua verdadeira religião está no interior de cada um.
o Abade Robert recebe das mãos do Bispo da diocese, protecção. Na sequência desta resposta, o segundo Esta ideia de um mundo pecador e corrompido, do
Gauthier, o seu báculo pastoral, reafirmando os votos abade estabelece que Cister seguirá a exacta qual é necessário o afastamento físico para que a
beneditinos, entre eles a afirmação de que cumpriria observância da Regra de S. Bento, substituindo as salvação seja atingida, não data apenas do séc. XII
e faria cumprir a regra da “estabilidade”. vestes negras beneditinas por um novo hábito branco e das pregações de S. Bernardo. Na realidade, o
Este abandono equivalia a uma violação declarada e introduzindo novas regras, como a importância retrato do mundo é um dos temas fundadores do
daquela que era uma das principais regras de do trabalho manual e a adopção de um regime mais monaquismo oriental e os cistercienses não são mais
S. Bento – a da estabilidade – que proibia os monges severo, que procurasse restaurar nas igrejas do que fiéis depositários, continuadores desses ideais
(esta regra era uma das bases da dinâmica monásticas e nas cerimónias religiosas maior gravi- iniciais. Contudo, o séc. XII acolhe bem esse apelo
cluniacense) de abandonarem o mosteiro onde dade e simplicidade, mais próprias da vida monástica. ao afastamento e ao “deserto”, pois parecem ser
professassem, a não ser por indicação expressa da Foi este programa que tornou a Ordem muito as novas preocupações daqueles tempos.
hierarquia. Outro facto relevante e, de certo modo, popular, difundindo-se rapidamente em toda a Na viragem do ano 1000, a Europa atravessava um
desafiador foi o de Robert e os seus seguidores se Europa, chegando, em 1134, a possuir 80 abadias. período de grande crescimento económico, suscitado
fixarem em Cister, próximo da actual Dijon, dispostos Stephen Harding, inglês por nascimento, viria a ser principalmente pelo ressurgimento e progresso da
a fazer aí uma vida monástica de renovada o terceiro Abade da Ordem e, em 1119, promulgou agricultura, afastada dos perigos materiais que a
espiritualidade e de rigorosa ascese. Perturbante, o primeiro Estatuto, a Charta Charitatis, que foi assolaram nos séculos anteriores. Nesta altura, as
sobretudo para a hierarquia cluniacense, seria aprovada pelo Papa Calisto II (1143-1144). Este populações mostram-se mais receptivas àqueles que
também o facto de se estar perante uma cisão documento era uma colecção de regras e de estatutos prometem um despertar espiritual: os heréticos de
dirigida por um dos seus abades. Aliás, conhecida fundamentais para o bom governo da Ordem, Colónia, que condenam o casamento, a procriação,
a confirmação do legado apostólico sobre a nova relacionados com a administração, com a rígida o uso da moeda; os cruzados, que, regressados da
abadia, os monges que tinham ficado em Molesme aplicação da disciplina, imediata correcção de abusos Palestina, se interrogam sobre a existência de Cristo;

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

Abelardo, que assegura que o pecado está na E como a entendem? Como a compreendem? Como da Europa. Este número criava problemas a um dos
intenção e não no acto. Todos participam neste novo a explicam no contexto de uma sociedade que depois elementos mais nucleares de uma casa cisterciense:
modelo de espiritualidade, exigindo da Igreja novas do ano 1000 conheceu uma intensa prosperidade? o equilíbrio. O número de monges não devia pôr
acções. Muitos persuadem-se de que os ritos a que O monaquismo cisterciense coloca a comunidade em causa os rendimentos do mosteiro, por isso Cister
maquinalmente obedecem e as oferendas destinadas como o caminho para a perfeição. Permite combater era tão rigorosa com a quantidade de monges que
a “comprar” as orações dos monges já não são as forças do mal, cabendo aos monges o papel dos podiam ocupar uma determinada abadia. Se este
suficientes para garantir a salvação no Além. Surge, guerreiros de Cristo, e a sua arma é a oração, que número aumentasse e fossem ultrapassadas as
assim, uma nova ideia neste novo séc. XII: o fiel torna o grupo mais coeso, onde a humildade pessoal capacidades de auto-suficiência daquela unidade, o
deve traçar, ele mesmo, o seu caminho, que o levará face ao colectivo é um elemento determinante. mosteiro podia estar em risco. Por isso, quando o
ao reino dos Céus. Apesar de se apropriarem do modelo asceta, o número de monges aumentava, estava previsto que
Todavia, este caminho não é fácil e não pode ser o ascetismo não tem nas comunidades cistercienses a os que estivessem em excesso pudessem ser
crente sozinho a descobri-lo. Muitos são os perigos mesma justificação que nos desertos orientais. Aqui, transferidos para outros mosteiros da Ordem, que
e fáceis e sensuais são as tentações. Vejamos: como o combate fundamental é contra o pecado do estivessem em insuficiência demográfica, ou para
proclamam os Evangelhos, o reino de Deus não é orgulho através do voto de pobreza e da prática da regiões mais longínquas, para casas recém-filiadas,
deste mundo. A história é regida por uma oposição humildade, o verdadeiro caminho para a sabedoria ou mesmo fundadas de raiz. Segundo os Instituta
entre dois princípios: de um lado, o espírito e a luz, e para a elevação pessoal. É, ao mesmo tempo, uma Generali Capituli apud Cistercium, uma abadia atingia
do outro, a matéria e as trevas. Na tradição profunda crítica ao modo de vida dos Cluniacenses, os seus limites quando nela residissem 60 monges
maniqueísta existem dois reinos (o do Bem e o do que não vivem humildemente como verdadeiros professos.
Mal), duas cidades (Jerusalém terrestre e Jerusalém discípulos de Cristo, que acumulam riquezas e vivem As novas abadias seriam implantadas em terras
celeste) e duas histórias (a espiritual, que conhecerá rodeados de cerimónias faustosas, ausentes de um doadas, geralmente por um rei ou por um nobre,
a sua apoteose no Juízo Final, e a história carnal, caminho espiritual. e deviam cumprir um conjunto de condições
que não é mais do que um longo declínio). A Regra era bem clara: autoriza o consumo do vinho fundamentais: isolamento em relação a lugares
O retrato do mundo e, na sua forma incarnada, o e do pão, para matar a fome, e o uso de uma habitados, boas terras de cultivo, recursos hídricos
monaquismo, constituem um meio de se alcançar vestimenta decente, mas mais nada para além disto. e abundância de matérias-primas, em especial a
a história espiritual, através de uma luta interminável Os Cistercienses reforçam-na: vinho sim, mas insípido; madeira, nas redondezas. Apesar destas obrigações,
contra nós mesmos, contra a nossa carne, destinada pão, mas ázimo; vestimentas, mas simples e feitas algumas abadias foram construídas em áreas que
à corrupção, à degradação e ao desaparecimento. de tecidos baratos e ásperos. Querem viver pobres não conseguiam garantir o seu sustento, acabando
Mas não é o fim do combate. Antes de passar para e humildes como Cristo, fazendo da indigência o por entrar em crise e por se extinguirem. Para evitar
o outro lado, o trabalho do monge consiste em seu luxo. este desequilíbrio às regras fundamentais, o Capítulo
reduzir o peso da carne em relação ao mundo Geral da Ordem, em 1190, determinou que qualquer
espiritual, de forma a que, no fim, o passado seja nova fundação só podia ser autorizada depois de
não mais do que um estado ideal, onde a corrupção todas as condições terem sido previamente
e a degradação sejam atenuadas por uma forte inspeccionadas por dois Abades Inquiridores, que
dimensão espiritual. Daqui vem o desejo da reforma deviam observar se o local preenchia os requisitos
purificadora cisterciense, de retornarem ao tempo necessários para a fixação dos 12 monges e do seu
das primeiras comunidades monásticas, e a descon- Abade.
fiança em relação a tudo o que seja novidade. A observação do local era determinante. Além das
O mundo, irremediavelmente mau, deve fazer-nos condições mínimas, já referidas, o local devia possuir
fugir. Mas, ao contrário dos primitivos ascetas italianos, algumas infra-estruturas previamente preparadas:
os Cistercienses não se querem afastar totalmente da um oratório, que substituísse a igreja em construção,
sociedade. Reclusos em vales inacessíveis, em florestas um refeitório e um dormitório, bem como outros
inabitadas, eles têm um papel a desempenhar: rezar edifícios de apoio.
pela salvação do mundo. O ascetismo é a forma mais A dinâmica de implantação sobre o espaço e o êxito
perfeita da existência espiritual, mas não é eficaz. aplicado ao seu domínio e à sustentabilidade da sua
Como preconizava S. Bento, a espiritualidade deve exploração derivam de dois aspectos que, apesar de
ser alcançada em conjunto, pois os perigos são contraditórios, são comuns a todas as abadias: uma
enormes para um homem isolado, que tem de resistir autonomia funcional, mas sujeita a uma centralização
aos demónios e a tentações para as quais não está rigorosa. Todos os mosteiros de Cister estão unidos
preparado. Escreve S. Bernardo: “Infeliz aquele que por uma cadeia que os liga aos mosteiros criadores
estiver só, pois tombará e não terá ninguém para o e destes à abadia-mãe. Os Abades de cada uma
ajudar a levantar”. das casas são obrigados a assistir aos Capítulos
Mas em que consiste a renovação cisterciense? Não Gerais da Ordem, onde os problemas de cada abadia
se trata de inventar uma nova Regra, uma nova podem ser colocados e de onde emanam as
ordem, mas antes de um regresso à pureza original, directrizes para todos os mosteiros. O Capítulo Geral
Cisterciense (Tours)
denunciando os maus hábitos e as concepções reforça a coesão cisterciense e impede os excessos
ausentes na prática da Regra Beneditina. A reforma, autonómicos, bem como as pressões locais externas,
construída em oposição ao modelo cluniacense, é Este modelo de vida e de reforma leva a que muitos por parte de senhorios sempre muito activos. A falta
fundamentalmente uma interpretação, uma adap- homens pretendam ingressar nos mosteiros de Cister de meios e os excessos de autonomia são assim
tação, uma releitura do texto original beneditino, como noviços ou como conversos, o que conduz a prevenidos e impedidos. O Capítulo Geral reúne-se
escrito há cinco séculos e meio. uma rápida expansão da Ordem pelos vários reinos uma vez por ano, o que para alguns mosteiros,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

extremamente afastados de Borgonha, podia ser um desenvolvimento, desde a adopção das melhores
problema. Esta situação permite alguma flexibilidade culturas e dos melhores sistemas de cultivo, indicados
na obrigatoriedade anual da presença destas casas para aqueles terrenos, até às estratégias de
mais afastadas, mas sem recuo na dureza da composição de novas propriedades, por doação, por
disciplina. O mesmo Capítulo Geral obriga, ainda, compra ou por troca, tudo passava por esse modelo
a que o Abade de um mosteiro fundador de outras económico centralizador que era a granja.
casas as visitasse uma vez por ano e que dessa visita Os mosteiros cistercienses dão muito valor à terra
fizesse relatório. e ao seu trabalho: “Se os monges, são obrigados,
As novas fundações cistercienses deviam obedecer a pela necessidade ou pobreza, a trabalhar eles mesmos
um de dois aspectos: a filiação na Ordem de mosteiros a terra, não ficarão tristes pois assim serão
já existentes ou a criação de mosteiros novos, ex nihilo. verdadeiramente monges, pois viverão do trabalho
Mosteiro de Alcobaça (JAM)
Porém, o modelo mais comum será o da conversão/ das suas mãos, como os nossos padres e os
filiação de casas monacais já existentes. O novo modelo apóstolos” (Regra de S. Bento). O trabalho da terra
cisterciense de viver a Regra de S. Bento nos seus faz parte integrante da jornada do monge e é monge da sua missão fundamental, o combate por
preceitos originais e o tipo de monaquismo assim fundamental para a subsistência do grupo. A desva- Cristo e, consequentemente, a aplicação dos
praticado atraem um elevado número de mosteiros lorização que o trabalho conhecia naqueles tempos, tradicionais deveres do monge, de entre eles, em
beneditinos e de outras comunidades de eremitas, a associação ao povo e à pobreza, torna-o primeiro lugar, a “educação” do povo. A ambição
sensíveis a estas novas propostas. Tal como veio a interessante aos olhos dos monges, que dele fazem de S. Bernardo é a de restabelecer os monges no
suceder em Portugal, as modificações cistercienses arma para lutar contra o orgulho e o seu amor- lugar que merecem ocupar na sociedade da época.
espalhavam-se entre essas comunidades e eram bem -próprio, num processo de humildade física que os Mais uma vez, a crítica a Cluny é profunda. O mesmo
conhecidas e, por vezes, praticadas, mesmo antes de levará, naturalmente, à graça divina. Associado a S. Bernardo afirma: “sabemos que o ofício do monge
a abadia solicitar a sua filiação a Cister. este elemento, o trabalho manual, a reforma cister- não é o de ensinar, mas o de chorar”. A abadia não
Mas, para estes mosteiros que se filiavam na Ordem ciense surge também recusando a ideia de senhorio. é uma escola, pois os Cistercienses só aceitam nas
de Cister, o modelo a seguir era um pouco diferente. Os Cistercienses afirmam que na Regra escrita por suas fileiras adultos responsáveis. Também não é o
Em primeiro lugar, as condições mínimas exigidas já S. Bento não se encontram os atributos habituais local de sepultura ou de conservação das relíquias
eram existentes, quer do ponto de vista das infra- do senhorio, ou seja, as taxas de exploração da mão- e, por conseguinte, não é centro de atracção para
-estruturas, quer na própria comunidade de monges. -de-obra campesina. Pelo contrário, a Regra preconiza os peregrinos, não havendo aí o mesmo espectáculo
Os monges que se deslocariam de outras abadias uma comunidade vivendo em autarcia e capaz de teatral que existia noutros mosteiros. Este respeito
eram em número menor ao estipulado pela Regra, suprir as suas necessidades de forma auto-suficiente. à Regra original tem um objectivo, o de fundar uma
mas, destes novos irmãos que chegavam, um era o No mosteiro, a autoridade pertencia ao Abade. Era nova sociedade, em paralelo com o mundo secular,
novo abade do mosteiro que agora se filiava. Este ele que dirigia os destinos espirituais daquela um lugar de combate e de penitência, um lugar
aspecto era fundamental: por um lado, a nova filiação comunidade e que definia os modelos materiais de onde a comunidade, solidária e humilde, procurará
seria dirigida por um cisterciense preparado para o desenvolvimento, tão necessários à sustentabilidade apenas a elevação de cada um.
efeito, quebrando-se assim a anterior relação e ao crescimento da abadia. Os monges dividiam- Toma-se assim consciência da complexidade do
hierárquica e criando uma nova estrutura onde a -se em professos, noviços e conversos. A estes pensamento cisterciense. Cister é descrita como uma
reforma cisterciense se pudesse implantar; por outro últimos, oriundos da Terceira Ordem, do grupo menos Ordem profundamente conservadora, inclinada a
lado, este novo abade fazia parte de um conjunto favorecido da sociedade medieval, cabia o peso da procurar no passado as referências para um modo
de monges conhecedores quer da Regra e da sua exploração directa das diversas granjas, em que se de vida ideal, estabelecendo uma concepção
aplicação, quer do novo modelo de gestão encontrava dividido o couto monástico, e formavam tradicional de uma sociedade monolítica, com um
cisterciense, em especial no que diz respeito ao uma mão-de-obra muito especializada, muito eficaz destino comum, onde a salvação ou a perdição está
modelo de exploração rural e à dinâmica de desen- e não totalmente iletrada ou inculta. nas mãos de uma comunidade restrita de monges.
volvimento integrado e sustentável da nova abadia. Entre homens oriundos do serviço militar, da Contudo, os Cistercienses não pretendem assumir
Cister e as suas abadias filiadas regiam-se através agricultura ou da transformação e comercialização esta brutal responsabilidade. O mosteiro é, na sua
de um modelo regrático, composto por textos e por de produtos, aparecem tabeliães e escribas. Podendo génese, um conjunto de pessoas, cada uma envolvida
decisões saídos das reuniões do Capítulo Geral, viver fora do mosteiro, representavam um papel na luta pela perfeição.
desde a original e fundadora Charta Charitatis, a muito importante na ligação e explicação da O retrato de Cister apresenta-se para nós como uma
Charta prior e a Charta posterior, os Estatutos de austeridade cisterciense com o mundo. No interior imagem dupla: um retrato da comunidade e da sua
1202-1204 até outros textos fundamentais. Contudo, do mosteiro e acompanhando o Abade, formava- dinâmica colectiva, mas também, um retrato intimista
se no que diz respeito à regulamentação monástica -se uma hierarquia com um elevado grau de do monge que a compõe, do seu interior dividido.
as abadias não tinham muita margem de manobra, sofisticação. Para além do Prior, o Abade era auxiliado É neste interior do indivíduo que está a verdadeira
quanto à sua capacidade de gestão económica, as pelo Tesoureiro, pelo Vestiário, pelo Celereiro-Mor, riqueza e o verdadeiro sentido que a reforma
regras eram mais flexíveis. Cada mosteiro possuía pelo Mestre dos Escribas, pelo Mestre das Granjas cisterciense confere à elevação pessoal como modelo
uma capacidade de decisão específica, sobre quais e pelo Mestre dos Conversos. Estes cargos eram redentor. Desta maneira, não é necessário decorar
os melhores processos a empregar para tirar o ocupados sempre por monges professos (monges a igreja e tornar magnífico e esplendoroso o serviço
máximo de rendimento possível das suas herdades. brancos), embora em determinadas regiões a posição litúrgico. Apenas importa a alma e a sua purificação
Mas esta adequação aos diferentes modelos regionais de Mestre dos Conversos venha, já no séc. XIII, a numa constante preparação para o encontro com
pressupõe uma organização económica comum, ou ser ocupada por um dos irmãos conversos. É o caso Deus. Cria-se uma nova concepção sobre a
que pelo menos, pode ser encontrada em todos os do Mosteiro de S.ta Maria de Alcobaça. propiciação do divino: o verdadeiro receptáculo da
mosteiros de obediência cisterciense: as granjas. Recusa do mundo, recusa do conforto, recusa do vinda de Deus não é mais a igreja dos Cluniacenses,
Com efeito, toda a estratégia de produção e de senhorio. Recusa de tudo o que possa distrair o mas a intimidade da alma.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

posto em causa. Ocupa o seu lugar na sociedade, assegurará a sua permanência e continuidade.
mas deve afastar-se dos assuntos do mundo. Cister suscita, no início do séc. XII, uma vaga de
O monaquismo é o lugar de aprendizagem da conversões no seio da sociedade nobiliárquica,
humildade, da obediência, da pobreza, e completa, obrigando a Ordem a desenvolver-se para acolher
com esta abordagem afectiva da via espiritual, a esta massa de “novos combatentes de Cristo”. Mas
formação intelectual do noviço no seio da escola desenvolver implica investir e investir custa muito
catedral. É uma das vias de acesso ao poder: quantos dinheiro.
bispos? Quantos papas não passaram por Cluny, ou Regressando à Regra inicial, ao modelo de S. Bento,
vieram de Cister? Mas a vida monástica não os Cistercienses estão, nos seus primórdios,
representa o poder em si, não é a sua incarnação dependentes das receitas monásticas tradicionais.
– antes é (ou pode ser) uma das suas antecâmaras. Falhos de relíquias, os seus mosteiros não recebem
Cister não discutirá nenhuma das prerrogativas do as esmolas e as doações dos peregrinos. Também
Claustro do Mosteiro do Lorvão (PCC)
episcopado, nem os seus privilégios, nem o seu os rendimentos de um senhorialismo activo, tão
modelo de ensino, nem a exploração das suas importante para Cluny, não estão ao seu dispor.
Construir a casa de Deus é uma obsessão de todos paróquias. Os bispos acolhem bem a implantação O mosteiro não cobre rendas de exploração. Afastado
os instantes. O cântico dos salmos e o trabalho de mosteiros cistercienses nas suas dioceses. do mundo, longe dos centros urbanos, por imposição
manual contribuem em partes iguais, sem distinção. O apoio da Igreja não é suficiente numa sociedade do seu modelo regrático, também não colhe mais
Diz S. Bernardo: “de vez em quando, para a admi- onde o poder dos reis e dos príncipes se vai afirmando valias das actividades de mercadores e comerciantes,
nistração do domínio, esqueçamo-nos de rezar a cada dia que passa. Instaura-se e desenvolve-se o que ganhavam a vida à sombra das paredes exteriores
missa”. modelo de uma sociedade de ordens, enclausurada, das igrejas cluniacenses. Contudo, a necessidade de
O trabalho, sobretudo o rural, é encarado como onde cada grupo assume uma função definida; onde matérias-primas e de mão-de-obra especializada e
uma contribuição para a obra de Deus, contribuindo se estabelece a necessidade da troca de serviços não especializada para a construção das novas
para a elevação da alma do monge, que assim se entre as três ordens, segundo o princípio de que as abadias requeria vastos recursos financeiros. A maioria
transforma num auxiliar do Criador. Muito sub- tarefas e os méritos de cada um são proveitosos dos rendimentos provinha das dotações de famílias
tilmente, os Cistercienses vão fazendo a analogia para os outros. Esta sociedade de ordens, por si só, senhoriais ou das doações para remissão dos pecados
entre o lavrar e cuidar dos campos, bonificando a assegura a pujança do monaquismo, embora seja a de um príncipe ou de um grande senhor.
terra, e o trabalho sobre a alma. figura do cavaleiro a ganhar o destaque no seio da É, sobretudo, à exploração dos seus domínios que
Cister está no âmago da emergência da identidade Cristandade. O conservadorismo cisterciense acomo- as abadias cistercienses deverão a sua futura opu-
do séc. XII. Participa, também, no movimento da-se perfeitamente a esta concepção das relações lência. De novo cumprindo a Regra Beneditina, os
optimista, saído das escolas-catedrais que impõe sociais. Constitui, inclusive, uma das bases da vida Cistercienses privilegiam a valorização directa do
uma nova noção de progresso, interrogando-se sobre monacal. Freires brancos, saídos da aristocracia domínio, numa época em que aquilo que tinha
o papel do Homem na Criação. Esta evolução europeia, e monges conversos, de baixa extracção assegurado o sucesso cluniacense, o rendimento do
espiritual e estes novos tempos estão associados a social, não possuem os mesmos direitos e tão-pouco solo, se deprecia. Cister dispõe de mão-de-obra
um forte crescimento económico, que arranca os desempenham as mesmas tarefas, mas completam gratuita, recorre e utiliza por defeito as mais recentes
campos à miséria e faz crescer as cidades. Cister, a mesma unidade – Cister. técnicas e a melhor tecnologia, factores que
afastada do mundo, deve o seu sucesso à força do A desconfiança que a Terceira Ordem lhes vota não asseguram rendimentos bem superiores ao das
pensamento dos seus monges, em particular a S. é a única referência partilhada com a nobreza. explorações normais. A pouco e pouco, mas de
Bernardo, e à sua adequação às exigências da sua Existem outras. Ao contrário dos Cluniacenses, os forma sustentada e progressiva, Cister ganha a
época e dos seus problemas. monges de Cister só tardiamente é que ingressam importante batalha da produção de excedentes.
Os inícios do séc. XII assistem ao retorno da nos mosteiros, já adultos, depois de terem recebido Responde bem e depressa às necessidades cada vez
preponderância do poder episcopal e do poder uma educação no seio da sua família, do seu grupo, maiores das cidades europeias em grande
senhorial sobre as congregações monásticas. Os onde adquirem consciência plena da Ordem a que crescimento. Os monges frequentam os mercados,
mosteiros cluniacenses, acusados de se intrometerem pertencem. A ideologia cisterciense encontra aqui onde vendem os seus produtos excedentários,
nos assuntos mundanos, são submetidos a uma outras expressões, como a ideia de lealdade, de adquirindo muito pouco, já que, no seu sistema de
hostilidade crescente e acusados de excesso de poder, coragem física, de amor – valores eminentemente exploração, produzem praticamente tudo aquilo de
excesso de influência, excesso de riqueza e excesso cavaleirescos. E, os monges não se cansam de se que necessitam.
de pretensões. A igreja secular almeja o controlo da comparar com os cavaleiros e com as suas proezas,
sociedade, mas para isso é necessário ganhar os na sua luta incessante contra os demónios. Monges
espaços urbanos, as cidades – ali onde mais se cistercienses e cavaleiros partilham o mesmo
questiona a espiritualidade. O espaço monacal não sentimento de iminência do fim do mundo, o mesmo
é o instrumento ideal para esta “senhorialização” sentido escatológico, padrão nuclear da sociedade
da sociedade. O monaquismo casa mal com as de ordens, construída à imagem da cidade de Deus
exigências e as perturbações do espaço laico, em e das suas hierarquias celestes e onde a conquista
especial, o das cidades. Além do mais, os papas dos lugares santos, do túmulo de Jesus Cristo, se
deste período, vêem com maus olhos o resmungar torna indispensável: a primeira cruzada data de 1095,
cluniacense sobre o aumento generalizado dos sob instigação directa do Papa Urbano II.
impostos e os benefícios conferidos ao clero secular, Desta adequação de valores, desta conivência de
especialmente aos bispos, e, em retaliação, rebaixam mentalidades, deriva o destaque de Cister entre as
e humilham os monges de Cluny. elites do seu tempo. Esta Ordem apresenta igual-
Mas Cister não é Cluny. E o monaquismo nunca foi mente um prodigioso sucesso económico, o que Convento de S. Cristóvão, Lafões (JEF)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

Desta crescente produção e escoamento de que deviam ser seguidos na governação das casas autoridade moral sobre toda a Cristandade, intervindo
excedentes resulta um vasto encaixe de dinheiro. de Cister não implicavam uma obediência estrita. sempre onde a Fé esteja ameaçada ou siga numa
E o dinheiro acumula-se, pois o mosteiro cisterciense, Os abades, espalhados por várias regiões europeias, direcção não conforme aos dogmas cistercienses.
longe do mundo, tende a dar pouco. É muito tinham autonomia para poder adaptar o regulamento Após a sua morte, o ensino eclesiástico apropria-se
interessante a observação cisterciense sobre a geral a modelos locais, mais funcionais e produtivos, da sua herança cultural, em especial sobre as matérias
assistência aos indigentes. Se por um lado a praticam, aproveitando os sistemas económicos, políticos e relacionadas com o ascetismo ou com o despo-
por outro a ideia de hospitalidade afecta o isolamento culturais das regiões onde as suas abadias se jamento arquitectónico e artístico e com a elevação
dos monges. Aliás, o seu afastamento espiritual em implantavam. A gestão era deixada ao melhor critério pessoal e espiritual do crente. Abelardo, na sua VIII
relação à sociedade organizada faz com que Cister do Abade e dos monges, que o apoiavam nessas Carta a Heloísa, denuncia, também, os ornamentos
incite os que vivem no mundo, clérigos, príncipes, actividades, como o Grangeiro, o Celeireiro ou o inúteis. Como especificidade da própria Regra
senhores, mercadores, a reduzirem as despesas Tesoureiro. cisterciense, a cultura ocupou um papel muitas vezes
supérfluas, não perdendo contudo o sentido da A influência moral e intelectual exercida por Cister apontado como secundário na vida da Ordem: o
esmola pia. O dinheiro é entendido como testemunho ao longo do séc. XII é explicada, também, pela que não impede que S. Bernardo e os seus discípulos
da sua perfeição, das suas capacidades laborais. Não presença, nos seus mosteiros, da elite do seu tempo tenham criado, se não um pensamento novo, uma
é visto como algo negativo na sociedade e, como – elite social e elite cultural. A Ordem e os seus corrente mística que teve um notável influxo no
Cister representa cada vez mais um modelo de desígnios fascinam os espíritos, criam um modelo pensamento medieval. Cister teve uma vida muito
virtudes irreprováveis, sustentado pelas suas de piedade cristã e fazem emergir novas formas de próspera especialmente nos sécs. XII e XIII (este
capacidades económicas, também elas testemunhas pensamento. Cister não revoluciona apenas o modelo último foi o seu verdadeiro “século de ouro”). No
de uma aprovação divina e garantidas pela quali- conceptual monástico; o pensamento cisterciense séc. XIV, ela contava com mais de 700 mosteiros.
dade da vida espiritual dos seus monges, torna-se encontra eco na sociedade do seu tempo; Cister é A partir do séc. XV, muitas causas concomitantes
o modelo mais influente da Cristandade. omnipresente através dos seus monges, formados contribuíram para a decadência dos Cistercienses,
Os princípios estabelecidos pelos abades fundadores nas suas abadias e ocupantes dos mais importantes que se fraccionaram em congregações menores e,
relacionavam-se com a necessidade de afastamento cargos eclesiásticos na sociedade europeia. embora seja este o período mais evidente na
do mundo, com a obrigação do trabalho manual e Os Monges Brancos defendem a ideia de que toda observação de um declínio cada vez mais acentuado,
da oração, de acordo com os rigorosos princípios a salvação no mundo é impossível senão através do este declínio deve-se, contudo, à conjugação de
da tradição beneditina. A importância representada monaquismo, a forma de vida mais perfeita, onde diversos factores, de resistências na sociedade, algumas
pelo trabalho manual, ao qual deviam ser dedicadas a alma se pode destacar do seu envelope corporal. das quais já visíveis desde os finais do séc. XIII.
determinadas horas, e o pormenor fundamental de, Uma das consequências é a desvalorização do mundo A principal resistência ao predomínio cisterciense é
por causa da necessidade de afastamento e isola- no espírito dos cristãos leigos. Partilham a convicção encarnada acima de tudo pela cavalaria, curiosamente
mento, as abadias surgirem principalmente em de que vivem num mundo marcado pelo pecado, o grupo que S. Bernardo considerava como sendo
lugares pantanosos ou muito florestados, longe de onde muito dificilmente podem salvar a sua alma. a sua audiência privilegiada, aquela que ele mais
comunidades de grandes dimensões, contribuíram O monaquismo representa a Ordem e o verdadeiro gostaria de ver convertida aos ideais cistercienses e
para dar um forte impulso ao desenvolvimento dos combate. São usadas metáforas militares para evocar grupo sobre o qual ele realizava o maior esforço de
benefícios e das doações, especialmente nos países e reforçar a existência monástica e o seu papel sobre conversão, no sentido de trazer para o seio de Cister
da Europa Central e, mais tarde, noutras regiões o incessante combate entre os vícios e as virtudes, os filhos segundos da aristocracia. Mas, se alguns,
europeias. As novas fundações cistercienses mas onde o corpo, a carne, é um obstáculo. “Somos por sentimento de culpa ou por pia devoção, se
contribuíram para um grande desenvolvimento da como guerreiros em busca da conquista do céu inscrevem na Ordem, a esmagadora maioria perma-
agricultura e da silvicultura, ocupando um papel através da violência e a missão do homem sobre a nece insensível às exortações para que retirem do
importante e, em muitos casos, pioneiro no campo terra é a de um soldado, mas sempre que mundo. E porque é que o deveriam fazer, num
da economia rural dos sécs. XI-XIV. perseguirmos esse combate com os nossos corpos, momento em que a expansão agrícola do sistema
Para cumprir as obrigações da oração, os mosteiros nós estamos longe do Senhor e da Luz. Pois Deus senhorial lhes assegura a prosperidade e o reforço
viram-se obrigados, desde os primeiros tempos, a é a Luz” (S. Bernardo, XXVI Sermão sobre o Cântico dos poderes feudais? Porquê juntarem-se a um grupo
admitir leigos, os conversi (conversos), responsáveis dos Cânticos). associado ao vazio das florestas e dos pântanos,
pelos trabalhos manuais e, geralmente, compostos A vida dos cristãos não é mais do que uma incessante agora que a vida e a riqueza pululam nas cidades?
por homens com profundos conhecimentos sobre luta contra as tentações do mundo e do demónio, Cister, além do mais, esforça-se por controlar os
o mundo rural, que eram atraídos na última parte onde o crente mais humilde não pára de se impulsos mais violentos deste grupo armado,
das suas vidas pela mensagem cisterciense. questionar sobre se vale a pena perseguir essa procuram “civilizar” a cavalaria, pondo os valores
As recomendações emanadas dos Capítulos Gerais redenção espiritual. Os Cistercienses, no que ensinam cavaleirescos à frente do dinheiro, da rapina,
referiam que os mosteiros cistercienses deviam zelar nas suas escolas, nomeadamente Abelardo, dizem colocando o desinteresse da caridade à frente do
pelo aproveitamento total dos recursos existentes que a falta, o pecado, não está na acção que o poder e da riqueza. Pretendem controlar os seus
nas áreas onde se implantavam. Era referido que as pratica, mas sim na intenção de o praticar. Peca-se, excessos, a sua violência, procurando instaurar sobre
terras deveriam estar desabitadas (embora em muitos sobretudo, por pensamentos. Com isto, desenvolvem a nobreza europeia um modelo de virtudes e de
dos casos, como o de Alcobaça, houvesse uma forte o tema da culpa e da necessidade do arrependimento espiritualidade. Porém, é impossível conquistá-los,
presença humana na região à altura da sua constante. É neste contexto que Cister e S. Bernardo o que aliás é visível na forma como S. Bernardo
fundação), mas nelas deviam haver vinhas, prados, pregarão, sem descanso, a segunda cruzada, que passa a fazer o elogio das ordens monásticas militares,
bosques, muita água (fundamental para o desen- trará a remissão dos pecados para aqueles que em especial a do Templo. Nelas, a liturgia, a oração,
volvimento de azenhas, para a irrigação de terras morram por Cristo. a humildade e a luta desinteressada pela Fé tomam
de cultivo e para a prática da pesca); os espaços S. Bernardo marca indubitavelmente o seu tempo. o verdadeiro lugar na alma de cavaleiros muito
deviam, ainda, possibilitar a criação de gado pesado Criticado pela sua intransigência e pela violência das especiais que encaram a batalha de uma forma
(cavalar e muar). Apesar de rigorosos, os preceitos suas acusações, exerce, apesar de tudo, uma grande muito particular.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

Um segundo espaço de resistência pode ser Cristo, para denunciarem os caminhos impuros e ordens mendicantes, que progressivamente se
encontrado nas escolas-catedrais que encaram o pecadores de tantos membros dos cleros regular e instalam nos grandes centros urbanos da Europa.
dogmatismo cisterciense como demasiado disci- secular. São eles, com efeito, que se ligam O declínio da Ordem inscreve-se, na generalidade,
plinador das discussões em torno da Fé. S. Bernardo, profundamente aos ensinamentos de Cristo, no desenvolvimento e evolução da sociedade
que denuncia o orgulho, que coloca em causa todos tornando-se os melhores adeptos de uma vida medieval, radicados na cidade, espaço decisivo, onde
os textos para melhor os questionar, opõe-se apostólica, pois não procuram as coisas do mundo, a presença de Cister é, por dogma, uma inexistência.
violentamente ao desenvolvimento intelectual desprezam-nas, não possuem casas, nem campos, A cidade, local privilegiado de evolução e aplicação
inerente às escolas e baseado no princípio da nem bens alguns. Contudo, S. Bernardo trata-os do poder, assume bem esse papel. Nela, poder
dialéctica como via de acesso para a verdade. Este impiedosamente, brutalmente, nos seus discursos político e dinheiro encontram um espaço de evolução
elemento, a dialéctica, torna-se uma exegese inflamados, com os argumentos mais caluniosos, e de comunhão. Em 1200, o mosteiro já não é o
radicalmente oposta aos valores essenciais do monge, pondo em causa a forma como vivem e como se centro do saber e do conhecimento, ao ser
compostos exclusivamente pela obediência e a apresentam perante a sociedade. suplantado pelo espaço da catedral, pela sua
introspecção. Um elemento relevante na sua perda de importância sofisticação e versatilidade, associada ao empreen-
pode estar no elevado número de mosteiros e na dimento de uma burguesia urbana em expansão.
sua disseminação através da Europa. A distância a O que faz Cister vacilar é, também, o facto de ser
que muitas abadias se encontravam punha em causa posta em causa a teoria das três ordens. A emer-
a sua visita regular por parte da Casa-Mãe e muitos gência da consciência individual, a ideia da pessoa
dos seus abades, por essa mesma razão, ou por plenamente responsável no seio da sociedade e
outras, não estavam presentes nas reuniões do capaz, por si só, de encontrar o caminho da salvação,
Capítulo Geral. torna obsoletos os sacrifícios e as renúncias pessoais
Este afastamento pode ter levado ao abrandamento feitas pelas comunidades monásticas – de uns poucos
da disciplina e das regras fundamentais. Muitas que pretendiam salvar todos os outros. O tempo
abadias podem ter passado por períodos de maior deste tipo de monge passou. A sociedade procura
relaxamento na aplicação da Regra e alguns dos novos tipos de piedade e de propiciação do divino,
seus abades interpretavam os dogmas da Ordem à que encontra nas ordens mendicantes. O mona-
sua maneira, criando modelos controversos de quismo perde o seu lugar dominante e não mais o
observância, que no limite levavam a dissensões e encontrará.
querelas internas, extremamente desgastantes, entre Até agora, os Cistercienses têm sido apenas
abadias. Deste conjunto de razões resultaram considerados num único género: o masculino. As
divergências extremas que levaram ao aparecimento casas femininas da Ordem Cisterciense começam a
de tentativas reformadoras dentro da Ordem de surgir na Europa apenas no séc. XII e conhecem
Cister, com a consequente fundação de novas uma apreciável expansão nos dois séculos seguintes.
congregações. Das que se destacaram do velho Desde 1210 que o Capítulo Geral permitia a entrada
tronco de Cister podemos referir, por exemplo: a de elementos femininos, sujeitos, no entanto, a uma
Congregação da Observância de São Bernardo de forte obediência à clausura e estando sempre
S. Bernardo do Claraval, Santuário do Sameiro (FF) Espanha, fundada por D. Martim de Vargas, em dependentes da “fiscalização” de um mosteiro
1425, no Monte Sião, próximo de Toledo; a masculino, que lhes assegurasse assistência espiritual.
Congregação de São Bernardo da Toscânia e Esta possibilidade mantém-se até ao ano de 1220,
Bernardo de Claraval, não condena a escola. Julga- Lombardia, aprovada pelo Papa Alexandre VI, em momento em que a assembleia reunida em Capítulo
-a necessária para ensinar os adolescentes, muitos 1497; a Congregação de Aragão, aprovada em 1616, determina que cessem as fundações de casas
dos quais poderão vir a tomar ordens em mosteiros por uma Bula de Paulo V; a Congregação de Roma, femininas. Mosteiros femininos tardios, como de S.ta
cistercienses no futuro. Mas o espaço urbano e a criada por um Decreto de Gregório IX, em 1623; a Maria de Almoster, fundado nos inícios do séc. XIV,
demografia estão contra este padre cisterciense. As Congregação da Calábria e da Lucânia, estabelecida entre outros, surgem, assim, como fundações
escolas situam-se em grandes centros urbanos, junto por Urbano VIII, em 1633. aprovadas pelo Capítulo Geral, ultrapassando a
a catedrais abertas ao comércio e ao desenvol- Mais resistências ao modelo cisterciense podem ser proibição estabelecida, num período em que o ritmo
vimento; a demografia é atraída pela cintilação das encontradas na literatura laica dos finais do séc. XII. de novos estabelecimentos cistercienses parece ter
cidades e não pelo vazio e abandono dos campos. Com efeito, nos núcleos nobiliárquicos europeus abrandado bastante. Mantêm-se, contudo, as
As gentes preferem a opulência sustentada das urbes desenvolve-se uma literatura eminentemente crítica prescrições ligadas à clausura e à necessária tutela
e as cerimónias litúrgicas das catedrais e, aqui, a da Ordem de Cister, onde se destaca o desprezo efectuada por uma casa masculina.
concepção cisterciense da Fé cristã não é muito bem- dos Monges Brancos pelos pobres e pelos campo- As disposições saídas da reunião do Capítulo Geral
-vinda. neses, a sua pouca inclinação pela caridade, o seu da Ordem, onde a fundação de Almoster foi
Outro espaço de conflito e de perturbação no status gosto exagerado pela propriedade e pelo dinheiro, autorizada, contemplam aquelas regras fundamentais.
cisterciense é a presença de numerosas heresias ao a progressiva adopção de um estatuto senhorial, o O espaço físico por onde as monjas se podem
longo de todo o séc. XII. Dentro destes movimentos aparecimento de ornamentos e de detalhes arqui- movimentar e o contacto com o profano vêm
heréticos, o mais conhecido, hoje, é o dos cátaros, tectónicos complicados nas suas igrejas e abadias. também minuciosamente definidos. Apenas os
que no entanto não pode ser acusado de ofender Cister tem dificuldade em entrar nestes tecidos Confessores, os Capelães, os Procuradores, o Abade
os princípios fundamentais do Cristianismo. Os sociais, não suscita novas conversões em grande Visitador ou os seus representantes podiam quebrar
cátaros referem-se constantemente ao Evangelho escala, o seu prestígio esbarra com novas formas aquelas prescrições. E, tal como os seus congéneres
para justificarem as suas práticas e as suas crenças, de evangelização, onde a piedade e a caridade são masculinos, também estas abadias só de mulheres
invocando sistematicamente o exemplo de Jesus os instrumentos decisivos, caracterizadas por novas podem filiar outras, também as Abadessas das casas-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

-mães podem, e devem, visitar outras, ou, em vez em que a máquina de guerra portuguesa se aventura
delas, os seus Procuradores. sobre os campos e colinas estremenhas, em direcção
O modelo interno de organização de um mosteiro aos limites do Tejo, num momento onde os
cisterciense feminino parece ser claramente documentos se referem a D. Afonso Henriques como
influenciado por estruturas familiares, que dotam Rei dos portugueses, era vital o apoio internacional
este tipo de mosteiros. A união entre o patronato que aquela Ordem podia fornecer. Num tempo em
e o cargo de Abadessa é evidente, surgindo a que a Europa se esforçava para enviar contingentes
superiora do mosteiro da família patrocinadora, armados para a Palestina, em que todos os recursos
integrada no grupo social mais elevado da região para lá se destinavam, um bispo “português”, D.
onde a abadia se insere. A Abadessa é para a João Peculiar consegue recrutar, em vários pontos
comunidade das monjas como uma mãe. Ela socorre, da Europa, militares e navios, cujo destino seria a
ampara, alimenta e vigia. É a primeira em tudo e longínqua Jerusalém e o sepulcro de Jesus Cristo,
figura sempre como a representante e a responsável mas que afinal acabaram por desembarcar nas praias
por aquela comunidade espiritual. Governa o cenóbio de Lisboa, cidade que viriam a conquistar em nome
sem quaisquer limitações (internas) ao seu poder, do rei português. A cruzada, composta por forças
carregando nos seus ombros a missão de defender do Norte da Europa, foi levantada por monges
o mosteiro nos pleitos externos, típicos do mundo cistercienses. O seu destino envolvia a tomada da
civil e, mater extremosa, vê crescer as suas “filhas”, mais importante cidade muçulmana a Ocidente e a
amparando-as sempre que o espírito fraqueja. colonização/consolidação da costa e do interland
Desempenhando o papel de um verdadeiro prior, estremenho.
no seu limitado espaço, ela é o pilar da instituição Um ano depois da conquista de Lisboa, surgem as
Convento de S. João de Tarouca (DB)
e as suas acções reflectem-se na vida e no prestígio primeiras referências à doação do couto de Alcobaça
da mesma. Ao mostrar fortaleza, o mosteiro cresce; aos Monges de Cister, embora o documento régio
ao fraquejar na vida do século e na subtileza do Parecendo apenas um episódio de incapacidade a situe somente em 1153. Poderá não haver
espírito, o cenóbio fenece. logística por parte da Ordem, este acto irá, no séc. contradição, já que a primeira data pode corres-
Vinda do frenesim do mundo profano, a nova monja XIX, assumir uma extrema importância na expulsão ponder à intenção da doação e a segunda à efectiva
adapta-se a uma realidade claramente diferente, dos Cistercienses do território português. A questão tomada de posse. O certo é que uma parte
onde as suas aspirações normais de casar e de ser relaciona-se com o conteúdo formal da doação régia considerável da actual Estremadura portuguesa, rica
mãe são suprimidas e substituídas por outros valores. do couto de Alcobaça aos Monges Bernardinos. Uma em recursos hídricos, minerais, agrícolas e com uma
A freira volta-se para um mundo de introspecção e das cláusulas estabelece, com carácter definitivo, extensa linha de costa, ia parar às mãos da Ordem
calma, pavimentado e ordenado por regras inflexíveis, que os monges nunca poderiam abandonar o couto mais influente no seu tempo.
que a colocam num espaço intocável, onde o tempo que lhes tinha sido outorgado, pois se o fizessem
dos homens faz agora menos sentido. Impõe-se a perderiam qualquer direito sobre essas terras e
clausura devido à sua condição feminina, paradigma quaisquer bens que nelas existissem. Quando, por
do Mal na mentalidade medieva, como a única forma volta de 1833, os monges alcobacenses, com receio
de alcançar a purificação junto da divindade. Todavia, das revoltas populares, abandonam Alcobaça para
os mosteiros femininos têm também uma função se refugiarem em Lisboa, dão razão ao regime
ecológica não menos importante. O surto de casas vigente, que tudo fará para lhes retirar definiti-
monacais destinadas a albergar mulheres acompanha vamente a posse do couto e os seus privilégios.
o crescimento demográfico, relativamente desequi- O que de facto veio a acontecer em 1834, quando
librado, que a Europa conhece a partir dos finais do todas as ordens monásticas são extintas no nosso
séc. XII. O acrescido aumento de mulheres traz país.
problemas demográficos e económicos, sobretudo Das fundações iniciais, só Alcobaça e S. João de
às casas nobiliárquicas, que encontram nos mosteiros Tarouca irão filiar ou fundar novos mosteiros. Santiago
o local adequado para “depositarem” os seus do Sever é filiado em 1144, por Tarouca, assim como
“excedentes” femininos. S.ta Maria de Aguiar (1170/1176), S. Pedro das Águias
A Ordem de Cister atrai, em Portugal, pela primeira (1170), S.ta Maria de Fiães (1173/1179) e S.ta Maria
vez para a sua rede o Mosteiro de S. Cristóvão de de Ermelo. Alcobaça filia S.ta Maria de Tamarães
Lafões (1138), a que se sucedem alguns anos depois (1172), S.ta Maria do Bouro (1174), S.ta Maria de
as fundações de S. João de Tarouca (1140/1143), Seiça (1195), S.ta Maria de Maceira-Dão (c. 1200),
S. ta Maria de Alcobaça (1153) e o Mosteiro de S.ta Maria de Estrela (1220) e S. Paulo de Almaziva
Salzedas (1156). Todas estas abadias estavam filiadas (1221). Este é o período das fundações de casas
na Casa-Mãe de Claraval, sendo o Mosteiro de masculinas, das quais algumas não vingam, como
Alcobaça o único a ser fundado de raiz. Em 1148, as de Ermelo, Tamarães e Estrela. Mosteiro do Lorvão (PCC)
D. Afonso Henriques terá concedido a doação do Fundação mais importante em território português,
couto de S. Pedro de Mouraz. Porém, tal fundação, S.ta Maria de Alcobaça é apontada por muitos como
que seria também de raiz, não passa de uma mera determinante no espinhoso processo da construção A influência cisterciense era decisiva nos meandros
intenção, já que os monges que viriam da Borgonha da independência do reino de Portugal. O apoio de políticos e a rebelião portuguesa bem precisava dela.
para este espaço nunca chegaram ao reino de S. Bernardo de Claraval e da Ordem de Cister era Depois da conquista de Lisboa, o Rei de Portugal
Portugal, por razões que ainda hoje são desconhecidas. fundamental naquele processo de cisão. Numa altura deixava de ser visto pela autoridade leonesa como

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um mero chefe militar com alguns excessos tardia, do séc. XVI, referindo que, antes disso, apenas
temperamentais. Agora, era um adversário com que existiria um grupo de mulheres piedosas que
se tinha de contar. Depois de 1147, o pequeno rei habitariam, em Cós, algumas casas pertencentes ao
“rebelde” tinha provado as suas capacidades militares mosteiro. Contudo, variada documentação dos
e astúcia política. Os portugueses conquistavam a primeiros anos da década de 40 do séc. XIII refere,
bacia do Tejo, impedindo os leoneses de o fazer, e amiúde, a presença das “Donas de Cós”. Ainda
penetravam agora num território que Leão durante o período medieval, são fundadas, quase
considerava como naturalmente seu. A doação do sempre com o patrocínio da coroa, mais mosteiros
domínio de Alcobaça atrai Cister para o lado cistercienses femininos: S. Salvador de Bouças (1249),
português, influencia a Santa Sé e limita as acções S. Bento de Castris (c. 1278), S.ta Maria de Almoster
leonesas. A prazo, o Mosteiro de Alcobaça será (1287) e S. Dinis de Odivelas (1295).
Mosteiro de Arouca (JAM)
responsável pelo desenvolvimento económico de A partir do séc. XV, a decadência da reforma
uma vasta região, nuclear na sua produção de cisterciense em Portugal nota-se cada vez mais.
excedentes para a construção e consolidação de um O compasso desagregador é o mesmo das restantes Este novo fôlego traz novas fundações. Em 1648,
sistema militar de grande eficácia. A causa portuguesa casas cistercienses espalhadas pela Europa e as é fundado o Colégio da Conceição, em Alcobaça.
muito ficou a dever à Ordem de Cister, que construiu, causas, muito similares. A grande diminuição das A cidade de Lisboa assiste à fundação das casas
em Alcobaça, uma das suas mais prestigiadas abadias, vocações entre a nobreza e, sobretudo, o cada vez monacais femininas do Mocambo (1653) e de Tabosa
sempre presente no desenvolvimento de Portugal e mais escasso número de conversos obrigam a que (1692). No séc. XVIII, existem mais duas fundações:
dos portugueses e no suporte da monarquia nacional. o património de Cister seja cada vez menos rentável. uma em Setúbal (1756) e outra em Lisboa, no
De carácter mais tardio foram as fundações femininas. Os mosteiros entram em decadência, as terras deixam Desterro (1763).
A estrutura feminina da Ordem de Cister surge em de ser trabalhadas de forma directa e o modelo das A presença cisterciense em Portugal reveste-se de
Portugal graças à acção das princesas Mafalda, granjas entra em falência. O trabalho sobre os uma importância extraordinária no que diz respeito
Sancha e Teresa, filhas de D. Sancho I, com a terrenos cistercienses é entregue à exploração ao desenvolvimento da economia. A influência da
colocação, no ano de 1196 (alguns autores defendem indirecta, afectando directamente os rendimentos, Ordem na construção da independência portuguesa
o ano de 1206), de freiras cistercienses no Mosteiro que diminuem drasticamente de ano para ano. Por acabou por dotá-la de magníficos espaços fundiários,
de Lorvão, substituindo os monges beneditinos que outro lado, os mesmos fenómenos de autonomia implantados nas melhores terras de lavoura do reino
ali existiam. Esta implantação é acompanhada pela regional/nacional, que varriam outros reinos da em construção, nas proximidades dos principais
reforma efectuada no Mosteiro de Arouca, onde D. Europa, também são visíveis em terras portuguesas. cursos de água e nas cercanias das cidades mais
Mafalda, em 1224, estabelece uma ala de monjas Os cistercienses portugueses tentam separar-se e importantes, factores que contribuíram decisivamente
bernardas. A primeira fundação de raiz ocorre com procuram criar uma congregação nacional, à qual para transformar as várias abadias cistercienses em
o estabelecimento da Casa de S.ta Maria de Celas não é alheia a Coroa portuguesa e a presença de território português em espaços bastante ricos, bem
(1214), patrocinado por D. Sancha e localizado nas um novo tipo de abade – o Abade Comendatário. geridos e possuidores de enorme influência política
proximidades de Coimbra. O ano de 1241 parece Os problemas, cada vez mais graves, sucedem-se, e social. Os mosteiros cistercienses eram, pela sua
ser o mais consensual para situar a fundação do afectando irremediavelmente o prestígio e a própria disciplina, incentivados a aumentar a riqueza
Mosteiro de S.ta Maria de Cós, situado a poucos capacidade de influência dos cistercienses portu- e, com isso, promoviam o desbravamento de novas
quilómetros de Alcobaça. Outros autores, como Maur gueses. Episódio dos mais graves ocorre ainda na terras, por toda a Europa.
Cocheril, afirmam que este mosteiro é de constituição centúria de Quatrocentos, quando o Abade eleito, Portugal, território de fronteira, não é excepção.
D. Nicolau Vieira, cede, a troco de uma pensão de Terra de novas oportunidades, integrada na dinâmica
150 000 reais, a sua cadeira abacial ao então Bispo da Cruzada europeia, não se subtraiu à influência
de Lisboa, D. Jorge da Costa. Ao longo do séc. XVI transformadora dos irmãos cistercienses. Casos como
existem, por parte do Capítulo Geral, várias tentativas os das granjas alcobacenses, dirigidas pelos seus
de repor a ordem e de evitar que os cistercienses conversos, são exemplo firme da dinâmica
portugueses quebrem o vínculo com as casas arroteadora e colonizadora de territórios que, até à
francesas. É para reforçar esses laços que, entre 1531 sua chegada, pouco ou nada representavam na
e 1533, o Abade de Saulieu visita várias casas economia deste espaço cristão.
portuguesas, mas sem sucesso. Em 1567, com Alcobaça, como exemplo português, congrega em
Alcobaça à cabeça, o papa, através de uma bula, si a existência de uma mão-de-obra muito disci-
reconhece a constituição da congregação portuguesa. plinada, com conhecimentos técnicos e científicos
Este acto solene da Santa Sé parece dar um novo aspectos capazes de aplicar no terreno um conjunto
fôlego aos cistercienses nacionais. Alcobaça dirige um de novas técnicas de exploração dos recursos naturais.
intenso esforço de reorganização: mudam-se Técnicas de cultivo, de afolhamento dos cereais, de
procedimentos, reforma-se a liturgia, recuperam-se produção de vinho, de utilização da água como
mosteiros e igrejas, procura-se recuperar o modelo força transformadora de cereais em pão ou de
directo de exploração. Contudo, este último aspecto esmagamento de minérios são empregues nos coutos
não foi bem sucedido, pois há quase um século que cistercienses, fazendo com que toda a estrutura
a maioria das terras dos vários coutos de Cister estavam produtiva envolvente, mais tarde ou mais cedo,
entregues a particulares, que os exploravam a troco seguisse esses novos modelos de produção, onde o
de uma renda, a qual, por não ter sido constantemente alvo principal é a cidade, como espaço sugador dos
negociada e actualizada, era agora obsoleta e pouco excedentes de um imenso espaço rural. Cister está,
Mosteiro de Cós (SMA) rentável. assim, na base da viabilidade económica de um reino

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CISTERCIENSES

expressão que os une aos cavaleiros da Ordem do


Templo. Este ideal está presente em todas as suas
casas e a sua ligação à pequena e média aristocracia
é bem evidente, até pelo conjunto de textos que
nos chegaram, debruçando-se, maioritariamente,
sobre histórias de cavalaria e aventuras de cavaleiros.
Esta ligação ao ideal de cavalaria é bem patente
numa outra dimensão da cultura cisterciense: o
ensino. Alcobaça, como muitas outras abadias,
privilegiou a tradução de textos latinos para as línguas
comuns, demonstrando que havia no seu seio uma
comunidade crescente de leitores em formação e
onde muitos, provavelmente, eram irmãos conversos.
Tal exemplo contrastava com a rudeza de uma
espiritualidade mística, não letrada, que tradi-
cionalmente dominava nos meios rurais europeus.
Em Alcobaça procederam-se a traduções de obras
clássicas do pensamento e cultura medievas: a Visão
de Túndalo, as Meditações, os Solilóquios, a Demanda
do Graal. Ali se construíram obras como o Horto
do Esposo e o Castelo Perigoso.
Mas o seu scriptorium não fazia apenas traduções
de obras pias ou de aventuras edificantes, ali sob a
Mosteiro de Alcobaça (JAM) luz do meridião, monges copiavam e iluminavam Interior do Mosteiro de Alcobaça (PCC)
essas e outras obras. Das suas mãos saíam
“luminosos” e “coloridos” códices que viajavam por
que, à força, se separa da tutela leonesa. toda a Europa e que deviam a sua existência a uma pela historiografia portuguesa do séc. XIX. Fr. António
Também na cultura, os cistercienses portugueses gestão rigorosa dos recursos agrários de Alcobaça. Brandão, Fr. Francisco Brandão e Fr. Manuel dos
brilharam. S. ta Maria de Alcobaça ombreia, na Com efeito, existem referências documentadas a Santos continuaram a Monarquia Lusitana e, este
dimensão cultural, com as melhores unidades doações de terras e outros bens, específicas para a último, continua a narrativa da Ordem de Cister, na
cistercienses europeias medievais. É de Alcobaça que feitura de tais obras, bem como percentagens de sua Alcobaça Ilustrada. Outros monges cistercienses
recebemos um dos maiores espólios de manuscritos produção de algumas granjas, que também se se destacaram, como Fr. Manuel da Rocha, Fr. Manuel
medievais, bem como de livros impressos, como nos destinavam à elaboração de códices. Esta produção de Figueiredo e Fr. Fortunato de São Boaventura até
revelam vários inventários, e. g. o do Monge assume contornos de grande importância em que, em 1833, os Monges Cistercienses abando-
Fortunato de São Boaventura, que, escrito no séc. comunidades como a de Alcobaça. Ali, desde pelo naram o território português, antecedendo a
XIX, nos mostra a riqueza e a imensidão cultural menos o séc. XII que encontramos referências à disposição legal que um ano depois extingue todas
daquela abadia. Alcobaça não é um simples repre- existência de um mestre dos escribas, o que evidencia as ordens religiosas no reino de Portugal.
sentante da cultura monástica peninsular, aliás, nunca este outro tipo de trabalho do monge de Cister. Os novos tempos caíram sobre a abadia e sobre as
o poderia ser, já que estes frades assumiam no A expressão “cultura” encontra, aqui, a sua suas terras, a sua biblioteca e seu arquivo, pilhando,
espaço português a introdução dos novos sistemas valorização mais profunda, a qual os monges de queimando, desdenhando, apagando. Não fora a
de pensamento. Cister (os “brancos” e os conversos) associam, no imponência das várias abadias ainda de pé, embora
Alcobaça, como unidade cisterciense, é responsável seu trabalho digno, abençoado e salvador, as suas esqueletos nostálgicos de um grande passado, e dos
pela divulgação da Reforma Gregoriana e, por isso, duas interpretações: a cultura dos campos e a cultura inúmeros documentos preservados nos arquivos
os seus hábitos culturais revelam uma forte presença do espírito – a terra trabalhada; os livros escritos e nacionais, e a presença de Cister poderia ser uma
franca, congregando várias tradições, onde a presença iluminados. ténue lembrança, quase uma velha história de
das filiais portuguesas e dos velhos modelos se faz, Pela segunda metade do séc. XIII, Alcobaça possui cavalaria.
sentir. No mosteiro de Alcobaça estariam obras gerais uma escola formadora de monges e de noviços,
e comuns à formação monástica de todo o Ocidente porém não aberta aos leigos, com professores BIBLIOGRAFIA: ABREU, Paulo, “Bernardo de Claraval:
cristão, por isso na sua biblioteca residiam obras mandados vir do estrangeiro e pagos por orçamento a época e o pensamento”, in X Centenário do
únicas em Portugal, mas semelhantes a outras cópias próprio, extraído dos rendimentos das terras que a Nascimento de S. Bernardo: Actas dos Encontros de
divulgadas por toda a Cristandade. abadia possui em Óbidos e seu termo. Quando D. Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Braga, Universidade
Cultural e ideologicamente, Cister defende valores Dinis institui os Estudos Gerais em Portugal, os Católica Portuguesa/Câmara Municipal de Alcobaça,
que expressam o “ideal da cavalaria”. S. Bernardo monges de Alcobaça estão na primeira linha no 1991, pp. 13-26; BARBOSA, Pedro Gomes, Povoamento
e os seus monges são como “cavaleiros espirituais”. apoio àquela nova instituição. e Estrutura Agrícola na Estremadura Central: Séc.
Desta forma, na sua constante contra o mal, são Da segunda metade do séc. XVI em diante, saem XII-1325, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação
próximos das Ordens Militares, sobretudo da dos do interior daquele mosteiro grandes vultos da nossa Científica, 1992; BARBOSA, Pedro Gomes, “S. Bernardo
Cavaleiros Templários. Aliás, em Portugal, o abade cultura, da nossa literatura e da nossa história. Fr. e a independência de Portugal”, in X Centenário do
alcobacense é o visitador dos primeiros templos Bernardo de Brito é um deles, tendo sido o autor Nascimento de S. Bernardo: Actas dos Encontros de
daquela ordem de cavalaria. Os Monges Bernardos da primeira parte da História de Cister e o primeiro Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Braga, Universidade
eram vistos como “pobres cavaleiros de Cristo”, escritor da Monarquia Lusitana, obra muito criticada Católica Portuguesa/Câmara Municipal de Alcobaça,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

1991, pp. 337-349; BERLIOZ, Jacques, et alii, Moines S. Paulo de Almaziva – Séculos XIII-XVI, Lisboa, começa a emergir um proletariado de tendência
et Réligieux aux Moyen Age, Paris, Éditions du Seuil, Edições Colibri, 1998; VARANDAS, José, “As Abadessas anticlerical. A oração torna-se menos fervorosa,
1994; BOUTON, Jean de la Croix, MOURET, Dominique, de Santa Maria de Almoster e os conflitos com embora nunca abandone a Eucaristia dominical e o
“Convers et converses des moniales cisterciennes Santarém e Alenquer durante o século XIV”, in terço. Pouco a pouco, vai esquecendo o desejo
au XII e et XIV e Siècles”, in Les Cisterciens du Cistercium, n.º 217, Ano LI, Outubro-Dezembro infantil de ser sacerdote. Mas alguns duros
Languedoc (XIIe-XIVe), Toulouse, Privat, 1986, pp. 1999, pp. 1007-1029; VARANDAS, José, Monacato desenganos e sobretudo a palavra do Evangelho,
283-310; C OCHERIL , Maur, Routier des Abbayes Feminino e Domínio Rural: O Património do Mosteiro “de que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro
Cisterciennes du Portugal, Paris, F.C.G., 1978; de Almoster no Século XIV, Provas de capacidade se perde a sua vida?” (Mt 16, 16), sacodem a sua
C OCHERIL , Maur, “L’Implantation de les abbayes científica e aptidão pedagógica apresentadas à consciência. Apesar de instigado para montar a sua
cisterciennes dans la Péninsule Ibérique”, in Anuario Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, própria fábrica, nega-se a satisfazer esse desejo de
de Estudios Medievales, I, [1964], pp. 217-281; Lisboa, Ed. policopiada, 1994; VARANDAS, José, et seu pai e decide ser monge cartuxo.
COCHERIL, Maur, “Abadias cistercienses portuguesas”, alii, “Propriedades das Ordens Militares na Com quase 22 anos, ingressa no Seminário de Vic,
in Lusitania Sacra, 4, [1959], pp. 61-92; COCHERIL, Estremadura Central (séculos XII e XIII)”, in As Ordens sem perder de vista a intenção de entrar na Cartuxa.
Maur, “L’Ordre de Citeaux au Portugal: le probléme Militares em Portugal: Actas do I Encontro sobre No ano seguinte, quando se dirige para lá, uma
historique”, in A Cidade de Évora, 39-45, [1957- Ordens Militares, Palmela, 1991, pp. 91-99. forte tempestade obriga-o a retroceder, e o sonho
-1958], pp. 139-159; COELHO, Maria Helena da Cruz, de uma vida contemplativa começa a desvanecer-
O Mosteiro de Arouca: Do Século X ao Século XIII, JOSÉ VARANDAS -se. Continua os estudos e é ordenado sacerdote a
Arouca, Câmara Municipal de Arouca, 1988; DUBY, 13 de Junho de 1835. Exerce as funções de coadjutor
Georges, Le Moyen Age: 987-1460, Paris, Pluriel, e depois de pároco na sua paróquia natal. Atende
1987; DUBY, Georges, Saint Bernard et l’Art Cistercien, CLARETIANOS muitos campos: catequese de crianças e de adultos,
Paris, Champs Flammarion, 1979; GONÇALVES, Iria, O Este instituto religioso masculino é chamado pregação, visita aos doentes e assistência aos pobres;
Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos oficialmente Missionários Filhos do Imaculado mas sente que Deus o chama a evangelizar em
XIV e XV, Lisboa, UNL/FCSH, 1989; JORGE, Virgolino Coração de Maria ou Missionários Claretianos. espaços e horizontes mais alargados. Contudo a
Ferreira, “Mosteiros cistercienses femininos em A sua sigla é CMF (Cordis Mariæ Filius). A Cúria situação política na Catalunha, dividida pela guerra
Portugal: Notas sobre a tipologia dos sítios e das Geral está sediada em Roma. civil, e a da Igreja, submetida à desconfiança dos
igrejas”, in Cistercium, n.º 217, Ano LI, Outubro- António Adjutório João Claret e Clará nasce em governantes, não lhe dão muitas possibilidades.
-Dezembro 1999, pp. 853-864; M AGNANI , Marta Sallent, Barcelona, no dia 23 de Dezembro de 1807, Por isso, em Setembro de 1839, deixa a sua pátria
Bonaudo de, “El Monasterio de San Salvador de no seio de uma família dedicada ao fabrico de têxteis, e vai a Roma, oferecer-se à Congregação De
Oña: economia agraria y sociedad rural (1011-1399)”, e é baptizado no dia de Natal desse ano. Mais tarde, Propaganda Fide, encarregada, então, da actividade
in Cuadernos de Historia de España, vols. LI-LII, na sua ordenação episcopal em 1850, acrescenta o missionária Ad Gentes. Aí faz os Exercícios Espirituais
Buenos Aires, 1970, pp. 42-118; MARQUES, José, “Os nome Maria. As guerras napoleónicas, a influência com os Jesuítas e solicita o ingresso na Companhia
mosteiros cistercienses nos finais do século XVIII”, das ideias da revolução francesa e as lutas e tensões para se dedicar à vida missionária. Durante o
in X Centenário do Nascimento de S. Bernardo: Actas da política interna espanhola, marcam a sua vida. Noviciado intensifica a sua vontade de se entregar
dos Encontros de Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Na sua dimensão religiosa, influi o sentido da ao serviço apostólico. No início de 1840, na sequência
Braga, Universidade Católica Portuguesa/Câmara providência de Deus e da eternidade. A sua piedade de uma dor na perna direita, que o impede de
Municipal de Alcobaça, 1991, pp. 351-380; MARQUES, tem colorido mariano e eucarístico. caminhar, deixa o Noviciado iniciado há quatro meses.
Maria Alegria, “Entre o Céu e a Terra: os mosteiros Segundo o discernimento do prepósito geral, “deve
cistercienses da Beira no séc. XVI”, in Tarouca e regressar a Espanha; é essa a vontade de Deus”.
Cister: Espaço, Espírito e Poder – Actas, Tarouca, Novamente na Catalunha, é-lhe confiada a Paróquia
Câmara Municipal de Tarouca, 2004, pp. 225-252; de Viladrau. Nela organiza a primeira missão popular
MARQUES, Maria Alegria, Estudos sobre a Ordem de que depois estende a outras vizinhas. O seu bispo,
Cister em Portugal, Lisboa, Edições Colibri/Faculdade ao ver a sua vocação de evangelizador e os frutos
de Letras da Universidade de Coimbra, 1998; do seu trabalho, liberta-o, a seu pedido, a 23 de
MARQUES, Maria Alegria, “A introdução da Ordem Janeiro de 1841, do encargo paroquial, a fim de
de Cister em Portugal”, in La Introducción del Cister poder pregar de terra em terra, e instala-se em Vic.
en España y Portugal, Burgos, La Olmeda, 1991, pp. Claret sabe-se e sente-se colaborador nato do seu
163-193; M ATTOSO , José, “Cluny, Crúzios e bispo, e quer que seja ele a enviá-lo, não apenas
Cistercienses na formação de Portugal”, in Portugal para se libertar dos compromissos em que os párocos
Medieval: Novas Interpretações, Lisboa, INCM, 1985, o poderiam envolver, mas também pela consciência
pp. 101-121; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa, que tem de que o missionário é, essencialmente,
“O mosteiro de Celas em tempos medievais”, in um enviado. Pelo desejo de comunhão com a
António Maria Claret (I)
Cistercium, n.º 217, Ano LI, Outubro-Dezembro hierarquia e pelas faculdades que comportava, solicita
1999, pp. 1083-1104; PACAUT, Marcel, Les Moines à Propaganda Fide, e é-lhe concedido, a 9 de Julho
Blancs, Paris, Fayard, 1992; PRÉSSOUYRE, Léon, Le Rêve Por volta dos 12 anos, começa a trabalhar na de 1841, o título de “Missionário Apostólico”, título
Cistercien, Paris, Découvertes Gallimard, 1990; RÊPAS, pequena empresa familiar. Reconhecendo os seus que ele enche de conteúdo espiritual e apostólico.
Luís Miguel, Quando a Nobreza Trajava de Branco: dotes, aos 18 anos, o pai enviou-o para Barcelona No anúncio do Evangelho, o P.e Claret encontra a
A Comunidade Cisterciense de Arouca durante o a fim de se aperfeiçoar na indústria têxtil. Dedica- forma concreta de realizar a sua vocação. Admira
Abadessado de D. Luca Rodrigues (1286-1299), -se com verdadeira paixão ao trabalho. Vive em o ardor evangelizador de S. Paulo, o Apóstolo por
Leiria, Edições Magno, 2003; SANTOS, Maria José primeira pessoa os valores e os riscos do processo excelência. Como ele, quer anunciar a Boa Nova,
Azevedo, Vida e Morte de um Mosteiro Cisterciense: de industrialização na cidade de Barcelona, onde formar novas comunidades cristãs através da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

pregação itinerante. Vibra especialmente com as Por ser impossível continuar a pregar na Catalunha a libertação dos escravos; funda a Fraternidade da
palavras do profeta Isaías, que Jesus fez suas: “O natal devido à insegurança social e política, o bispo Doutrina Cristã, aberta a sacerdotes, seminaristas e
Espírito do Senhor está sobre mim, e enviou-me a envia-o às ilhas Canárias. Percorre-as entre Março leigos, com o objectivo de educar na Fé crianças,
anunciar a Boa Nova aos pobres” (Is 61, 1; Lc 4, de 1848 e Maio de 1849, com grande adesão jovens e adultos; difunde folhas volantes de conteúdo
18). Confessa: “Deus fez-me compreender estas popular e notáveis frutos apostólicos. Após o religioso; escreve opúsculos sobre os mais variados
palavras de um modo particular”. Seus modelos, regresso, funda, no dia 16 de Julho de 1849, com assuntos e cinco cartas pastorais; organiza com
depois de Jesus e de S. Paulo, são os profetas e os mais cinco sacerdotes, a Congregação dos grupos de sacerdotes ciclos de missões populares;
grandes missionários. Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. faz três visitas pastorais percorrendo de uma ponta
Entre 1843 e 1847, percorre praticamente toda a Poucos dias depois, a 11 de Agosto, comunicam- à outra, a arquidiocese de 55 000 quilómetros
Catalunha, pregando a Palavra de Deus, em estilo -lhe a sua nomeação para Arcebispo de Santiago, quadrados. Estas iniciativas e actividades levadas a
missionário, sempre a pé, sem aceitar dinheiro ou em Cuba, então colónia espanhola. Apesar da sua cabo, sempre impelido pela caridade cristã, revelam
ofertas em paga do seu ministério. O que o move resistência em aceitar distinções eclesiásticas, e de o zelo pastoral, uma grande capacidade de organi-
unicamente é a imitação de Jesus Cristo. Tem a objecções várias (a Livraria Religiosa e Congregação zação e forte sentido prático. Com a Ir. Antónia
percepção aguda dos problemas que começam a de Missionários nascente), acaba por aceitar a eleição Paris, funda as Religiosas de Maria Imaculada, a
surgir contra a Fé do povo crente, a partir de em espírito de obediência. Escolhe para lema a frase 25 de Agosto de 1855.
correntes culturais, políticas e sociais inspiradas no paulina Caritas Christi urget nos, “a caridade de Uma acção tão grande, tão diversificada e tão
agnosticismo. A sua pregação orienta-se ao chama- Cristo impele-nos” (2 Cor 5, 14). É ordenado no dia interventiva, suscita-lhe viva oposição, calúnias,
mento dos afastados, à conversão das pessoas e ao 6 Outubro de 1850. Chega a Santiago de Cuba no perseguições, ameaças de vingança e de morte.
restabelecimento da vida cristã nas pessoas, famílias dia 16 de Fevereiro de 1851, acompanhado de alguns O atentado de que é alvo a 1 de Fevereiro de 1856,
e instituições. Como meio eficaz de perseverança e missionários. em Holguín, durante a quarta visita pastoral, quase
progresso na vida cristã, funda e potencia confrarias, lhe custa a vida; deixa-lhe para sempre uma grande
de modo a que os leigos descubram a sua vocação cicatriz na face. Em consequência, a 23 de Fevereiro
à santidade e se tornem apóstolos no mundo. Ensina- escreve ao papa pondo o seu lugar à disposição.
-os a ler a Sagrada Escritura. Pio IX sugere-lhe a conveniência em continuar.
Além de pregador incansável de missões ao povo e Em 1857, a Rainha Isabel II escolhe-o para seu
de retiros a sacerdotes e a religiosas, descobre outros confessor e conselheiro. Custa-lhe aceitar. Nada mais
meios de apostolado que julga tanto ou mais eficazes. estranho para um missionário itinerante, ainda que
Assim, apercebendo-se do interesse pela leitura, do bispo, e dedicado a tantas causas, que um cargo
efeito que causava a propaganda anticatólica, e de na Corte. Regressa a Espanha, a Madrid. Recebe a
que a palavra escrita permanece e chega a mais nomeação oficial a 5 de Junho. Apesar de residir
gente do que a palavra oral, publica folhas soltas, no palácio real, vive austera e pobremente. Devido
pequenos opúsculos, devocionários, dirigidos a à sua influência espiritual e firmeza, vai mudando,
sacerdotes, religiosas, crianças, jovens, mulheres pouco a pouco, a situação religiosa e moral da corte.
casadas, pais de família, etc. Em 1847, funda a Mas os ministérios de que é incumbido não enchem
Livraria Religiosa, com o objectivo de publicar e nem o tempo nem o espírito apostólico de Claret.
Escudo dos Missionários Claretianos (I)
difundir todo o género de textos. Ele mesmo é um Dedica-se, então, a uma intensa actividade: prega,
escritor incansável. Escreve mais de uma centena de confessa, atende toda a espécie de pessoas, escreve
livros e opúsculos, entre os quais sobressai El Camino A situação em Cuba era deplorável: grandes livros, visita cadeias e hospitais.
Recto y Seguro para Llegar al Cielo. Publicado em desigualdades sociais, exploração, escravatura,
1844 e sucessivamente ampliado, em 1866 está já imoralidade pública, falta de estabilidade familiar,
distribuído meio milhão de cópias. Na vida do autor, desafeição pela Igreja e descristianização progressiva.
tem 54 edições e é um dos best-seller da literatura A arquidiocese não tem pastor há 14 anos. O novo
religiosa até meados do séc. XX. Durante a missão arcebispo compreende que o mais necessário é
da Catalunha, compõe três catecismos: o Catecismo renovar a vida cristã, e promove uma série de
Menor, para as crianças, o Catecismo Médio que campanhas missionárias, nas quais participa activa-
reproduz uma síntese da doutrina cristã para jovens mente, a fim de levar a Palavra de Deus a todos os
e adultos, e, finalmente, o Catecismo Explicado, com lugares. Reveste o seu ministério episcopal da
ilustrações e explicações. É uma referência importante dimensão missionária que sempre o norteia.
Logótipo da Congregação (I)
na catequese no séc. XIX. Preocupa-se com a renovação cultural, espiritual e
No seu génio pedagógico e prático, António Claret pastoral do clero, procura a sua decorosa susten-
afirma: “há uma urgente necessidade de fazer circular tação, admoesta e disciplina sacerdotes pouco Promove, em 1858, a Academia de San Miguel, um
bons livros. Mas estes devem ser pequenos, simples exemplares, reabilita o seminário, traz para a diocese vasto projecto com o qual pretende associar
e amenos, porque as pessoas andam muito depressa congregações religiosas. intelectuais e artistas no fomento das ciências e das
e são solicitadas por todos os lados e modos […]. Luta pelos direitos dos negros e mestiços, e contra artes, pondo em destaque o aspecto religioso, e
Além disso têm que viajar, de modo que os livros os fazendeiros que exploram os escravos, cria uma conjugar esforços na promoção da verdade e no
volumosos não são lidos, apenas servem para encher quinta-escola para crianças abandonadas; institui combate aos erros. A rainha nomeou-o protector
estantes e bibliotecas”. Por outro lado, preocupa- uma caixa de aforro com acentuado carácter social, da Igreja e do Hospital de Montserrat de Madrid,
-se com a edição da Bíblia, e ele próprio adapta um e bibliotecas populares; denuncia a imoralidade e, em 1859, Presidente de El Escorial, onde leva a
manual de Teologia Moral para formação de pública e privada; exorta à pacificação e à concórdia; cabo uma gestão ampla e eficaz, em termos
confessores. apela a razões político-sociais e religioso-morais para espirituais, culturais e materiais. Reorganiza o

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

seminário com um plano de estudos actualizado, e de alguns dos seus missionários, falece a 24 de
publica El Colegial Instruído, em dois volumes, com Outubro de 1870. Os restos mortais são transladados
normas e sugestões adaptadas à formação dos para Vic em 1897. É beatificado pelo Papa Pio XI,
futuros sacerdotes. Outra das suas maiores a 25 de Fevereiro de 1934, que lhe chama “apóstolo
preocupações é dotar Espanha de bispos zelosos e e missionário genialmente popular”, e é canonizado
proteger e promover a vida consagrada. Acompanha pelo Papa Pio XII, a 7 de Maio de 1950.
a corte nas viagens que realiza por toda a Espanha António Maria Claret nasce quando em Espanha se
e aproveita essa circunstância para desenvolver a implementa o Liberalismo (Constituição de Cádiz em
sua actividade missionária. 1812), e morre quando o Antigo Regime praticamente
Conserva ciosamente a independência e neutralidade desaparece com a Revolução de 1868. O séc. XIX
políticas. Mas a proximidade com a rainha e a defesa é fascinante para quem, como ele, teve a coragem
dos interesses da Igreja granjeiam-lhe não poucos de enfrentar problemas inéditos. Um amplo campo
inimigos, que urdem contra ele um sem número de pastoral oferece-se aos olhos de quem se sente
calúnias, difamações, insídias e atentados. As relações chamado por Deus a ser anunciador da Palavra. Pelo
de Claret com Isabel II são perturbadas, quando a tempo em que decorre a sua vida, pelos ministérios
15 de Julho de 1865, o governo a pressiona a assinar que exercita e pelos cargos que ocupa, torna-se uma
o reconhecimento do reino de Itália, que tinha testemunha qualificada da sua época. Estuda, analisa
escolhido Roma como capital, sem respeitar os e situa os acontecimentos e procura remédios para
plurisseculares direitos do papado sobre a cidade. os males.
A incondicional fidelidade a Pio IX leva-o a pedir a De entre os desafios, “os males”, que detecta e
demissão do cargo na Corte. Dirige-se a Roma e é com que se defronta, destacam-se: o materialismo
recebido duas vezes pelo papa. Exortado a continuar, positivista, o racionalismo, o laicismo liberal, o Mãe do Divino Amor (I)
obedece. indiferentismo religioso, a apostasia prática, leis
Confessa: “não obstante ter caminhado sempre com contrárias à Igreja: expropriação de bens, supressão
precaução neste terreno [refere-se aos favoritismos de ordens religiosas, exílio dos bispos, corte de pregador popular, de missionário itinerante, de
e compadrios] não escapei às más línguas. Uns por relações com a Santa Sé. Dota-o Deus de uma arcebispo residencial, de confessor e conselheiro da
despeito, porque não quis ser instrumento das suas sensibilidade particular na percepção e discernimento rainha e de escritor. É um documento de alto valor
injustas pretensões, e outros por inveja; estes por da escolha dos meios e das formas mais adaptadas espiritual. É o seu testamento espiritual. A definição
medo de perderem o que tinham, aqueles por malícia, para a evangelização. Considera que o grande de missionário acentua os traços do seu perfil: “Um
e muitos por ignorância, disseram de mim todas as problema é a descristianização, a perda da fé em Filho do Imaculado Coração de Maria é um homem
maldades imagináveis e levantaram-me as calúnias Cristo. Daí o seu empenho e ardor na evangelização, que arde em caridade e abrasa por onde passa.
mais repugnantes […] Eu calei-me, sofri e alegrei- ou seja, no anúncio da presença salvadora de Cristo Deseja eficazmente e procura, por todos os meios,
-me no Senhor porque me deu a beber um pouco no mundo. Consequentemente, elabora uma série inflamar todos os homens no fogo do amor divino.
do cálice da sua Paixão; encomendei a Deus os de estratégias apostólicas decorrentes do seu carisma Nada o detém: alegra-se nas privações, enfrenta o
caluniadores, depois de os ter amado e perdoado pessoal e que resume em: “o mais urgente, oportuno trabalho, abraça os sacrifícios, compraz-se nas
de todo o coração”. A sua união com Cristo alcança e eficaz”. Isto é, procura responder às necessidades calúnias, regozija-se nos tormentos e gloria-se na
o ponto culminante na graça da conservação das mais urgentes, com os conteúdos evangélicos mais cruz de Cristo. A sua única preocupação é seguir e
espécies sacramentais, outorgada a 26 de Agosto oportunos e os meios mais eficazes. Uma das imitar Jesus Cristo, na oração, no trabalho, no
de 1861. A dimensão eucarística constitui um ponto- estratégias é a busca de continuadores, por isso sofrimento e na procura constante da maior glória
-chave da espiritualidade claretiana. funda a Congregação. de Deus e de salvação dos homens”.
Na sequência da Revolução de Setembro de 1868, A linha mestra da vida de Claret é a caridade. Aliás, Com as palavras “hoje começa uma grande obra”,
parte com a rainha destronada para o exílio em o seu lema episcopal indica a sua espiritualidade pronunciadas pelo P.e António Claret perante cinco
Paris. Aí continua a exercer o seu ministério junto apostólica. Cristo pobre e manso, consagrado e jovens sacerdotes, no dia 16 de Julho de 1849,
do casal real, funda as Conferências da Sagrada enviado pelo Pai a evangelizar os pobres, é o modelo arranca, numa cela do Seminário de Vic, Catalunha,
Família para emigrantes e exilados de língua do seu apostolado. Concebe a sua vocação e missão Espanha, para a vida, a Congregação dos Missionários
espanhola, e desdobra-se em múltiplas actividades como actualização da missão universal da salvação Filhos do Imaculado Coração de Maria, também
apostólicas. Vai a Roma para a celebração das bodas de Cristo. Isso impele-o a entregar-se totalmente ao conhecidos por Missionários Claretianos. O título,
de ouro sacerdotais do Papa Pio IX que o recebe a serviço da Igreja, ao seu renovamento espiritual e à sugerido pela arquiconfraria parisiense de N. Sr.a das
24 de Abril de 1869, e participa na preparação e reforma das suas instituições. Tem uma devoção filial Vitórias, de que ele tinha sido, em 1847, um zeloso
celebração do Concílio Vaticano I. Nele defende a ao Imaculado Coração de Maria, a quem confia a promotor, tem a vantagem de unir devoção mariana
infalibilidade pontifícia. sua vida e as suas obras. É um grande místico e, ao e apostolado, já que à devoção ao Coração de Maria
Ao concluir as sessões, com a saúde já muito abalada, mesmo tempo, um incansável homem de acção. era atribuída uma grande fecundidade apostólica.
e pressentindo a morte próxima, retira-se para a A sua vida contemplativa, enriquecida por graças Claret tem consciência que a fundação não é ideia
comunidade que os seus Missionários têm em Prades, extraordinárias, é acompanhada por uma inesgotável sua, mas inspiração divina, por intervenção da Virgem
no Sul de França. Os seus perseguidores chegam actividade evangelizadora e apostólica. Maria. Sente a Mãe de Jesus como sua mãe e mestra,
mesmo aí, considerando-o um inimigo da revolução. Na sua Autobiografia, escrita entre 1861 e 1862 a sua companheira na obra da evangelização. Sente
Querem prendê-lo e levá-lo para Espanha, a fim de pedido do Superior Geral da Congregação para o seu Coração de mãe fiel a Deus, preparado para
o julgarem e condenarem. Refugia-se, então, no estímulo espiritual e apostólico dos seus membros, acolher a todos.
mosteiro cisterciense de Frontfroide, onde, aos 63 deixa expresso o vigor e o ardor da sua vocação de A iniciativa, contudo, não é improvisada. Há muito
anos de vida, rodeado pelo afecto dos monges e missionário. Relata o que é vida de pároco, de tempo que pensa na conveniência, em primeiro

121
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

neles leccionar”. Ainda pode ver a fundação de respectivamente as revistas Claretianum, Vida
comunidades em diferentes regiões de Espanha, e Religiosa, Religious Life Asia, e em Bangalore na
a expansão para fora, na Argélia e no Chile. Índia, desde 2000. Salienta-se também, desde 1940,
Nos finais do séc. XIX e ao longo do séc. XX, a a actividade do Institutum Iuridicum Claretianum,
Congregação torna-se presente em vários países de em Roma, na investigação, docência e assessoria
todos os continentes, sobretudo na Europa e na aos dicastérios da Cúria Romana, às dioceses e aos
América, mas também na África e na Ásia. institutos religiosos; edita a revista Commentarium
Desenvolve o ministério da pregação do Evangelho, pro Religiosis et Missionariis.
em missões populares e retiros, em paróquias, na Em Janeiro de 2008, os Missionários Claretianos são
educação da juventude, na assistência social, na 3060: 19 bispos, 2083 sacerdotes, 3 diáconos
promoção e divulgações de publicações, etc. Não permanentes, 194 irmãos, 651 estudantes e 110
faltam também tempos e lugares de provação e de noviços, e estão presentes em 62 países de todos
sofrimento: a revolução mexicana, em 1927, em os continentes. A Congregação tem como órgão
que é martirizado; a beatificação do P.e André Solá, oficial os Annales Congregationis, desde 1885, e
a 20 de Novembro de 2005; a expulsão da China, um boletim informativo mensal, NUNC (Nuntii de
em 1949; e, sobretudo, a guerra civil espanhola Universa Nostra Congregatione), desde 1968, em
(1936-1939), na qual são mortos 271 missionários várias línguas. A revista Studia Claretiana edita, desde
claretianos, padres, irmãos e estudantes, 51 dos 1962, estudos sobre a história e carisma claretianos.
quais em Barbastro, beatificados pelo Papa João Vários membros da Congregação se destacam nas
Paulo II, a 24 de Outubro de 1992. mais variadas actividades. De entre os bispos,
salientam-se os Cardeais Arcádio Larraona (1887-
-1973) e Arturo Tabera (1903-1975) e Saraiva Martins
(n. 1932), sobretudo enquanto membros da Cúria
S.to António Maria Claret num mosaico por Virgilio Cassio,
Romana, e o Bispo Pedro Casaldáliga (n. 1928) no
Basílica de S. Pedro, Roma, (I)
âmbito da teologia da libertação.
As Constituições do Instituto, elaboradas segundo
lugar, em preparar sacerdotes para a pregação do o espírito conciliar, indicam as linhas-força do carisma
Evangelho, e, depois, em reunir-se com os que se e da espiritualidade claretiana: “O objectivo da
sentissem animados do “mesmo espírito”, para Congregação é buscar em tudo a glória de Deus, a
fazerem em conjunto o que não podia fazer sozinho. santificação dos seus membros e a salvação de todos
A sua experiência como missionário itinerante leva- os homens, segundo o nosso carisma missionário
-o à convicção de que o povo necessita de ser no seio da Igreja”. A pregação do Evangelho é o
evangelizado, e de que não há em número suficiente centro do ser e do agir: “Nós, Filhos do Imaculado
sacerdotes zelosos e preparados para tal missão. Em Coração de Maria, chamados à semelhança dos
1844, o P.e Claret já lidera um grupo de sacerdotes; Apóstolos, recebemos o dom de seguir a Cristo, em
em 1846, dá-lhes, num primeiro esboço de comunhão de vida, e de proclamar a Boa Nova a
organização, o nome de Fraternidade Apostólica, e toda a criatura, percorrendo o mundo inteiro. Deste
em 1848 retoca-o: Fraternidade de Jesus e Maria, modo o seguimento de Cristo, tal como se propõe
e indica o objectivo: “andar nas missões e dar em no Evangelho, constitui para nós a regra suprema.
casa exercícios espirituais”. A Congregação surge Por isso, escutamos com docilidade a Palavra do
P.e Filipe de Jesus Munárriz e companheiros mártires, Barbastro (I)
como irradiação da sua vocação apostólica, um corpo Senhor, quando chama os discípulos a ser perfeitos
de missionários consagrados à evangelização. A como o Pai e promulga o mandamento do amor
fundação verifica-se num contexto em que as fraterno e, ainda, quando recomenda a oração,
necessidades apostólicas, sobretudo a pregação da A renovação desencadeada pelo Concílio Vaticano apresenta as regras de vida apostólica e proclama
Palavra de Deus, eram muitas, resultantes, em grande II leva a um aprofundamento da identidade claretiana participantes da Sua bem-aventurança os pobres em
parte, da expulsão dos religiosos, em 1835. e a um novo impulso missionário. O processo de espírito, os que choram, os mansos, os que têm
Apesar das dificuldades do início – ausência do renovação é continuado e reafirmado nos anos fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros
Fundador e situação política adversa –, a seguintes. Abrem-se posições em novos países, de coração, os obreiros da paz, os que sofrem
Congregação consolida-se na sua autoconsciência sobretudo na África, na Ásia e na Europa de Leste, perseguição pela justiça e, por causa d’Ele, são
carismática. O Fundador redige as primeiras e novas frentes e actividades pastorais que se juntam injuriados.
Constituições, aprovadas depois pelo Papa Pio IX. às anteriores: centros bíblicos e teológicos, missões Correspondendo a esta divina vocação, fazemos
Num número particularmente significativo, escreve: populares em novos moldes, compromissos concretos nosso o teor de vida de Jesus, também abraçado
“Na procura da salvação das almas, usem todos os pela justiça e a paz, presença entre pobres, margi- na fé pela Virgem Maria. Desta maneira, propomo-
meios que sejam possíveis, sobretudo os seguintes: nalizados e migrantes, promoção de meios de -nos tornar de novo presente na Igreja a virgindade,
primeiro, catequizar as crianças, os pobres e os comunicação social, do diálogo inter-religioso, etc. a pobreza e a obediência de Cristo, como arautos
ignorantes, conforme as suas necessidades. Segundo, Menção particular deve ser dada ao serviço à vida do Evangelho. Pela profissão dos conselhos
pregar a Palavra de Deus, fazer missões e dar retiros consagrada. A Congregação orienta institutos evangélicos, através de votos públicos, entregamo-
a todo o género de pessoas, sobretudo a sacerdotes, especializados neste sector da teologia e da vida -nos a Deus e somos por Ele consagrados, constituindo
seminaristas e religiosas; e ouvir em confissão toda eclesial, desde 1971, em Roma e em Madrid, desde na Igreja um Instituto verdadeira e plenamente
as classes de fiéis. Terceiro, orientar Seminários e 1997, em Manila nas Filipinas, que editam apostólico. Devemos ser na Igreja auxiliares activos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

homem baixo, de cor trigueira esverdeada e com e editados em Lisboa, na Typographia de G. M.


uma bem saliente cicatriz que, das proximidades de Martins, os opúsculos: Avisos muito uteis para as
uma sobrancelha lhe descia, um pouco donzellas, 1863; Avisos muito uteis para os paes de
transversalmente, até ao lábio superior, dando-lhe família, 1864; Avisos muito uteis para as pessoas
uma estranha expressão à fisionomia, na qual casadas, 1865 e Avisos muito uteis para os meninos,
reluziam dois olhos pequenos, negros e muito vivos”. 1865. Todos reeditados no Porto, na Livraria Catholica
O arcebispo oficia em terra os funerais de dois Portuense, em 1916. E depois da presença dos
marinheiros que tinham morrido na sequência de Missionários, foram publicados o Catecismo da
um acidente, quando foram disparados os tiros da doutrina christã, em Viseu, na Typographia da Revista
praxe de saudação à bandeira portuguesa. Em Catholica, 1903, Aos paes de família: Utilíssimos
seguida visita igrejas e centros de caridade. A Câmara Avisos, em Lisboa, Typographia do Bem Público,
Municipal da Horta apresenta-lhe um ofício 1908.
congratulatório pela sua presença. Os Missionários Filhos do Imaculado Coração de
Na Autobiografia refere-se, com algumas imprecisões, Maria entram em Portugal, vindos de Espanha, em
a este evento do seguinte modo: “tocámos nas Ilhas 1898, e mantêm-se no país até à expulsão em 1910.
chamadas Terceiras, que são portuguesas; trataram- As primeiras comunidades situam-se na zona interior:
-nos muito bem. Mas tivemos o desgosto de, ao Aldeia da Ponte, Sabugal, Diocese da Guarda, a 12
responder à saudação que a cidade do Faial nos fez, de Maio de 1898; Fraga, Ferreira de Aves, Diocese
dois artilheiros morrerem. Fizemos as exéquias; para de Viseu, em 1903; Lisboa, em 1905; Izeda, Diocese
isso todos saímos para terra”. de Bragança; Porto, em 1908; e Campo Maior,
De 11 a 14 de Dezembro de 1866, visita Lisboa Diocese de Évora, em 1908. A comunidade de Lisboa
integrado na comitiva da viagem oficial da Rainha acaba por dar importante apoio aos missionários
Imaculado Coração de Maria (I) Isabel II, em retribuição pela visita que os monarcas que, provenientes de Espanha, seguem a caminho
portugueses lhe haviam feito anteriormente. Nessa da América Latina.
viagem, inaugura-se a ligação ferroviária integral
dos Pastores no ministério da Palavra, utilizando entre Madrid e Lisboa. Durante a estada na capital
todos os meios ao nosso alcance para estender a portuguesa, o arcebispo participa nas cerimónias
Boa Nova do Reino”. oficiais. O cronista da viagem relata que, tal como
A espiritualidade mariana é um elemento substancial: era seu hábito quando tinha de acompanhar as
“Porque nos chamamos e somos Filhos do Coração digressões da família real, aproveitava o ensejo para
da Virgem Maria, veneramo-la com amor e confiança. anunciar a Palavra de Deus em diversos templos da
A Ela nos entregamos, para que nos conforme com capital portuguesa; um deles foi o Convento do
o mistério de Cristo e nos torne colaboradores do Bom Sucesso das Irmãs Dominicanas Irlandesas.
Seu múnus maternal, na actividade apostólica”. Uma lápide colocada a 12 de Dezembro de 1966
O espírito da Congregação claretiana tem como atesta e comemora, na fachada da igreja, o
ponto focal a vocação missionária e a pregação da centenário da presença do santo.
Seminário do Coração de Maria, Fátima (JAM)
Palavra: apostólico por vocação, o espírito do Instituto O Rei D. Luís concede várias condecorações aos
é também, na sequência do Fundador, cristocêntrico, membros da comitiva espanhola. Ao arcebispo atribui
eucarístico e mariano. a de N. Sr. a da Conceição. O teor do texto é o Dedicam-se, sobretudo, à pregação popular, e
Antes de os Missionários Claretianos terem vindo seguinte: “Reverendo Arcebispo D. António Maria fundam um colégio em Aldeia da Ponte e um
para Portugal, já o seu Fundador tinha estado, por Claret. Eu, El-Rei de Portugal e dos Algarves, […] seminário em Fraga, e dirigem a Real Oficina de S.
duas vezes, em território luso. Fá-lo de passagem e vos envio muito saudar. Atendendo aos vossos José, no Porto. As maiores dificuldades advêm da
guarda grata memória de tais momentos. No regresso merecimentos e virtudes, e querendo conferir-vos escassez de recursos económicos, da notória
a Espanha proveniente de Cuba, passa pela ilha do um público testemunho da minha consideração, hei dificuldade em lidar com a língua portuguesa e das
Faial, no Açores, nos dias 10 e 11 de Maio de 1857. por bem elevar-vos à dignidade de grão-mestre da leis anti-religiosas que vigoram no país.
O evento é relatado com bastante desenvolvimento real ordem militar portuguesa de Nossa Senhora da O regresso dá-se a partir de 1920: Freineda, Almeida,
no periódico local e está inserido em Notas Açorianas, Conceição de Vila Viçosa. O que me pareceu 1920-1923; Tortosendo, Covilhã, 1921-1934, ambas
capítulo XVIII, “Alguns visitantes ilustres da Ilha do participar-vos para vossa inteligência e satisfação, e na Diocese da Guarda; Setúbal, Patriarcado de Lisboa,
Faial”, volume VIII do Arquivo dos Açores, 1886, para que possais desde já usar das respectivas em 1926, onde com o andar dos anos regem várias
Ponta Delgada, publicado em 1982. É apresentado insígnias vos mando esta carta, escrita no Paço da paróquias; Coimbra, 1932-1938; Lisboa, em 1934;
como “arcebispo de Cuba e vulto muito importante Ajuda, em 31 de Dezembro de 1866. El-Rei.” Alpendorada, Marco de Canaveses, 1939-1947,
na política que então dominava Espanha” e A hostilidade de que é alvo chega inclusivamente a Diocese do Porto; Porto, em 1945. Entretanto fazem
“eclesiástico de elevada categoria”. É recebido pelas Portugal. Guerra Junqueiro, no livro anti-religioso e a profissão e são ordenados alguns missionários
“principais autoridades faialenses”; tem direito a anticlerical, A Velhice do Padre Eterno, publicado portugueses que, na altura da expulsão, já vivem
guarda de honra, de que prescinde. “O clero da em 1885, no poema “Resposta ao ‘Silabus’”, nas comunidades ou frequentam o seminário de
Horta e muito povo afluíram ao cais”. escreve: “[…] Sacristas, / ajuntai, reuni os balandaraus Fraga. Outros são enviados para centros de formação
É retratado do seguinte modo: “O Padre Claret, para papistas, / as fardas sepulcrais do exército da fé, / na Espanha.
sermos justos e dizer a verdade, não primava muito a capa de Tartufo, a loba de Claret, / a cogula do Em 1927, opta-se por abrir uma missão em S. Tomé
pela beleza física, que da moral, essa então não monge, enfim, tudo o que seja / cor da noite […]”. e Príncipe, para onde partem dois dos dez sacerdotes
mencionamos aqui, por desnecessário […]. Era um Ainda na sua vida, são traduzidos para português que então havia. Esta decisão tem consequências

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLARETIANOS

importantes. Por Despacho de 26 de Fevereiro de mais tarde Noviciado. O imóvel na R. de Fez, Porto,
1927, a Direcção Geral dos Serviços Centrais do 1952-1966, e a Q.ta da Barroca, em Agualva-Cacém,
Ministério das Colónias, através da Secção Autónoma Lisboa, em 1956, servem para a instalação do
de Justiça e Cultos, admite, a 9 de Março de 1927, seminário maior. Entretanto, e sempre em
a Associação dos Missionários de Maria. As crescimento, o organismo atinge a autonomia, e
dificuldades resultantes da guerra civil espanhola adquire o estatuto de Província, a 16 de Maio de
(1936-1939), provocam um passo em frente: a 1956. As actividades apostólicas são a pregação
necessidade de localizar em Portugal os centros de popular, retiros, serviço paroquial e missões
formação, até então sediados em Espanha. A escolha ultramarinas.
recai, em 1936, em Serém, Macinhata do Vouga, Investe-se também na educação da juventude:
Águeda, Diocese de Aveiro. fundação do Colégio Universitário Pio XII, em Lisboa,
A 13 de Novembro de 1938, o Governo Geral decide em 1957; orientação do Lar Ultramarino, em Lisboa,
separar as casas e residências de Portugal e de S. 1963-1971; direcção da Colónia Agrícola Ferreira
Tomé da Província de Castela, a que pertenciam, Lapa, 1955-1961, e Lar Juvenil, em 1986, nos
criando a Visitadoria de Portugal, que, nos termos Carvalhos. A docência a nível secundário e univer-
do Direito, passa a gozar de alguma autonomia. Por sitário é também uma das opções. Através da missão Estátua de S.to António Maria Claret, Basílica de Fátima (I)

Despacho de 22 de Janeiro de 1944, publicado a católica em Paris, 1958-1977, atendem-se os


25 do mesmo mês, o Ministério das Colónias, emigrantes portugueses em França. Em Angola,
Repartição de Justiça, Instrução e Missões, “reconhece fundam-se comunidades no Luso, 1969-1976, em Muitos claretianos portugueses se têm destacado
como corporação missionária a Província Portuguesa Tchamutete, 1972-1976, e em Luanda, 1978-1980. pelo seu zeloso serviço na Igreja e na sociedade em
da Congregação dos Missionários do Coração de As etapas de formação no Noviciado e seminário Portugal e fora dele. A nível da hierarquia destacam-
Maria”. A casa de formação, que começara em maior vão-se alternando entre Portugal e Espanha, -se Mons. João de Freitas Alves (1930-1984),
Serém, transfere-se para Alpendorada, Marco de conforme as circunstâncias, atendendo sobretudo Administrador Apostólico da Diocese de S. Tomé e
Canaveses, em 1940; depois para Termas de S. ao número dos formandos. Em Portugal os Príncipe, prematuramente desaparecido em acidente
Vicente, Penafiel, em 1943, e, finalmente, para os seminaristas maiores estudam normalmente no de viação em Luanda; o já referido Cardeal José
Carvalhos, Vila Nova de Gaia, em 1947, sempre na Instituto Superior de Estudos Teológicos, 1967-1973, Saraiva Martins, antigo Prefeito da Congregação da
Diocese do Porto. e na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Causa dos Santos; e D. Manuel António Mendes
Portuguesa, ambos em Lisboa. dos Santos (n. 1960), Bispo de S. Tomé e Príncipe.
A independência dos territórios ultramarinos afecta O carisma de S.to António Maria Claret é vivido por
as posições missionárias aí existentes. Em S. Tomé um grupo de congregações e instituições que o têm
e Príncipe, há sempre continuidade, embora com como Fundador ou partilham do seu espírito na
alguns ajustamentos. Em Angola, retoma-se a Igreja. Além dos Missionários Claretianos, destacam-
presença: Luanda, em 1992, e Lubango, em 1997. -se as Religiosas de Maria Imaculada, já referidas,
Os jovens africanos que pretendem seguir a vocação o Instituto Secular Filiação Cordimariana, inspirado
claretiana formam-se nos centros que a Congregação nos escritos do santo e organizado em 1943, e que
tem em Angola, na República dos Camarões e na está presente em Portugal, o Movimento de Leigos
República Democrática do Congo, frequentando os Claretianos, aprovado pelo Pontifício Conselho para
Institutos e Faculdades de Filosofia e Teologia, aí os Leigos, em 1988, e outros institutos femininos
sediados. Em 2007, constitui-se a Delegação fundados por claretianos, entre os quais sobressai
Dependente de Angola e S. Tomé. o das Missionárias de Santo António Maria Claret;
Secundando o desejo da Diocese de Leiria de instalar também presente em Portugal. É a Família Claretiana.
no Santuário de Fátima estátuas de santos que se
distinguem pela vivência da espiritualidade mariana, BIBLIOGRAFIA: ALAIZ, A., Vida de San Antonio María
a de S.to António Maria Claret é colocada, a 18 de Claret, Madrid, Paulinas, 1995; Anuário Católico de
Julho de 1954, no interior da basílica, no nicho Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da
direito. Ostenta a cruz de arcebispo e uma hóstia Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 827-
sobre o peito, e tem a mão esquerda pousada sobre -828; ARAMENDIA, J., Santo António Maria Claret:
o escudo da Congregação, o terço e dois livros. Arcebispo e Fundador – A Sua Grandeza Moral,
Em Janeiro de 2008, a Província Portuguesa conta Porto, Empresa de Publicidade do Norte, 1950;
com 85 membros, incluídos os da Delegação BERMEJO, J. (ed.), Epistolario Pasivo de San Antonio
Dependente, e está presente nas Dioceses do Porto María Claret, 3 vols., Madrid, Publicaciones
(com três comunidades, em que se destaca o Colégio Claretianas, 1993-1995; CLARET, S.to Antonio M.,
Santuário do Coração de Maria, Carvalhos (JAM)
Internato dos Carvalhos), Viseu, Leiria-Fátima, Lisboa Autobiografía y Escritos Complementarios: Edición
(com três comunidades, com relevância para o Bicentenária, Buenos Aires, Editorial Claretiana, 2008;
A visitadoria é promovida a vice-província, a 31 de Colégio Universitário Pio XII), Setúbal, Algarve, S. Tomé CLARET, S.to Antonio M., Escritos Pastorales, Madrid,
Maio de 1950. O desenvolvimento, em obras e e Príncipe, Luanda e Lubango, estas em Angola. BAC, 1997; CLARET, S.to Antonio M., Cartas Selectas,
pessoas, acentua-se. Adquire-se o Colégio Internato Publica o boletim Communio, órgão oficial interno, Madrid, BAC, 1996; CLARET, S.to Antonio M., Escritos
dos Carvalhos, em 1950, abrindo assim novo campo e edita Onda Claretiana, publicação bimestral para Espirituales, Madrid, BAC, 1985; CLARET, S.to Antonio
de apostolado, a educação da juventude. Compra- difusão de actividades, notícias e espírito congre- M., Escritos Autobiográficos, Madrid, BAC, 1981;
-se a casa de Fátima e os terrenos anexos, em 1953, gacional. A tiragem é de 2000 exemplares. CLOTET, J., Vida Edificante del Padre Claret: Misionero

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLUNIACENSES

y Fundador, Madrid, Publicaciones Claretianas, 2000; favorecidos por circunstâncias políticas e culturais carolíngio. Porém, tal fenómeno não pode ser
ECHEVERRÍA, J., Santo Antonio María Claret: Arzobispo extraordinárias, alguns membros da Cúria papal considerado como uma reacção ao feudalismo. Cluny,
e Fundador, São Paulo, Avé Maria, 1962; FERNANDEZ, dirigiram uma enorme campanha de reformas afinal, serviu-se dos mesmos instrumentos institu-
C., Compendio Histórico de la Congregación de los eclesiásticas que visava o estabelecimento de um cionais que a sociedade do séc. X proporcionava,
Hijos del Inmaculado Corazón de María, vols. I e II, efectivo primado universal, tanto moral como político, incluindo o da constituição de igrejas privadas. Este
Madrid, Coculsa, 1967; FERNANDEZ, C., La Congre- sob os auspícios do papado. Para alcançar este modelo, eminentemente feudal, vê surgir e estimula
gación de los Misioneros Hijos del Inmaculado desígnio era necessário um modelo que permitisse novos factores de coesão, sobretudo no plano
Corazón de María, Coculsa, Madrid, 1967; GIL, J. a coordenação com as sedes episcopais europeias. espiritual e das mentalidades, que se exprimem num
M. (ed.), Epistolario de San Antonio María Claret, 3 Roma não possuía essa capacidade, mas os monges processo cultural original caracterizado nas suas
vols., Madrid, Publicaciones Claretianas, 1970-1987; beneditinos de Cluny sim. Estes, ao obterem nos realizações, sobretudo no florescimento da arte e
LEBROC, R., San Antonio María Claret: Arzobispo inícios do séc. X o benefício extraordinário de uma da cultura românicas e cujo desenvolvimento se ficou
Misionero de Cuba, Madrid, Publicaciones Claretianas, total autonomia política, puderam, discreta e a dever, em muito, à expansão do sistema monástico
1992; LOZANO, J., Una Vida al Servicio del Evangelio: silenciosamente, estruturar e desenvolver um e à reforma gregoriana.
Antonio María Claret, Barcelona, Editorial Claret, programa de reforma que os transformou numa Por toda a Alta Idade Média o desejo de atingir a
1985; L OZANO , J., Un Místico de la Acción: San congregação, ou seja uma organização monástica salvação eterna passava, cada vez mais, pelo
Antonio María Claret, Barcelona, Ed. Claret, 1983; – uma família – composta por mosteiros espalhados afastamento do mundo profano, cheio de distracções,
LOZANO, J. (ed.), Constituciones y Textos sobre la por quase toda a Europa. de tentações e de perigos para a alma. A redenção,
Congregación de Misioneros, Barcelona, Ed. Claret, a necessidade da penitência, a intensidade da oração,
1972; NIBBI, G., Da Fábrica ao Palácio Real e à ‘Glória’ a renúncia sobre os bens materiais, a piedade
de Bernini, Porto, Santo António Maria Claret, 1952; praticada e a pobreza assumida constituíam desígnios
OLIVEIRA, J. C., Missionários Claretianos em Portugal, muito fortes que levavam muitos a sentirem-se
(1898-2004), Lisboa, Província Portuguesa da atraídos para a vida monástica, que conhece neste
Congregação dos Missionários do Coração de Maria, período um enorme desenvolvimento. Desde o séc.
2005; ORTEGA, A. Andrés, Espíritu y Misión del Padre VIII que os mosteiros adoptavam a Regra Beneditina
Claret, Madrid, Publicaciones Claretianas, 1981; ou regulamentos próprios inspirados nela, mas a
PAPASOGLI, G., STANO, F., Antonio Claret: l’Uomo che intromissão que o modelo carolíngio produzia num
Sfidò l’Impossibile, Città del Vaticano, Libreria Editrice sistema que devia ser espiritualmente puro levou a
Vaticana, 1983; Santo António Maria Claret: Nascido que, durante este século e no seguinte, a degradação
para Evangelizar, Prior Velho, Paulinas, 2007; SERRANO, monástica fosse uma evidência. Degradação que
F., Santo António Maria Claret: Precursor de Fátima, ainda se acentua mais com os efeitos provocados
Carvalhos, Centro do Apostolado do Coração de pela constante pressão militar de viquingues e de
Maria, 1954. sarracenos, que viam nas abadias alvos fáceis e ricos.
Contudo, nos últimos anos do séc. IX algumas
JERÓNIMO TRIGO
S. Bento de Núrsia (cedido pela Ordem de São Bento)
tentativas reformadoras foram empreendidas em
diversos conventos, procurando restaurar a
observância primitiva: o enclausuramento, que surgia
CLUNIACENSES Assim, por volta do ano 1000 da nossa era, a como uma forma de evitar contactos com a sociedade
Os membros da Ordem de Cluny são também sociedade europeia assiste à constituição de uma laica; a impossibilidade de o monge poder abandonar
denominados Cluniacenses ou Monges Beneditinos “nova” ordem institucional-eclesiástica extremamente o mosteiro, regra que procurava a estabilidade
do Mosteiro de Cluny. Para melhor conhecer o singular – o monaquismo cluniacense. Formado por institucional; a obediência total ao Abade eleito pela
surgimento desta Ordem, importa contextualizá-la uma robusta estrutura cupular, tem Roma como comunidade de monges; a uniformidade da oração
historicamente. Assim, ao cumprir-se o primeiro terço única referência, sendo constituído por uma crescente litúrgica, dos cânticos, etc.
do séc. XI, superados os efeitos da experiência do rede de dependências em França e, posteriormente, Estas reformas recuperavam-se e instituíam-se como
ano 1000, Roma e algumas sedes episcopais do noutras partes da Europa, como em Itália e na estrutura modelar e a sua aplicação rapidamente se
Sacro Império iniciaram um vasto e complexo Península Ibérica. É impulsionado por firmes pressões espalha a dezenas de comunidades monásticas, como
processo de recuperação dos níveis culturais e de com vista a uma reforma da Igreja, ideia de que os as de Brogne (região de Namur), Gorze (na Lorena),
civilização anteriores ao Século de Ferro, onde a Beneditinos de Cluny serão os principais paladinos Fleury-sur-Loire (em Orleães), e destas espalharam-
Igreja estava reduzida a uma débil expressão política, e que tem nos imperadores saxões e nos seus -se, com alguma rapidez, para muitas outras regiões
muito desarticulada e constantemente submetida às sucessores, os francos, os seus primeiros partidários europeias. Mas a dureza destas reformas e a
intervenções das realezas e poderes senhoriais locais, efectivos, convencidos da necessidade de uma intransigência da sua aplicação tiveram o seu
bem como à autoridade dos imperadores germânicos. renovação moral do clero e, ao mesmo tempo, momento mais notável numa pequena abadia do
Sacro Império Romano Germânico, já o nome indica decididos a arrebatar a Igreja à influência das Sul da Borgonha: a de Cluny. Desta região francesa
quais as pretensões da realeza germânica: a aplicação aristocracias laicas, a fim de impedir o proliferar de propagou-se ao longo do séc. XI um vento forte de
da antiga tradição romano-bizantina, segundo a centros de poder incontroláveis por parte da Coroa. mudança, que varreu a Europa cristã de uma ponta
qual a investidura das autoridades religiosas pertencia, O “aparecimento” da reforma cluniacense explica- à outra, semeando por onde passava mosteiros,
de direito, aos reis e aos imperadores. Face a este -se, entre outros aspectos, pela necessidade de novas abadias que consigo traziam a matriz de um
programa, a Igreja, dirigida pelo papa, desenvolveu “reconstituir” um organismo centralizado e superior mundo diferente.
uma das mais brilhantes façanhas da história a cada igreja ou mosteiro, e a cada reitor ou abade, Foi em Novembro, no dia 11 do ano de 909/910,
medieval: a Reforma Gregoriana. Inspirados nos e pela vontade de reformar modelos espirituais que Guilherme III, o Pio, Duque da Aquitânia e Conde
ensinamentos de Gelásio e de Gregório Magno, e “estagnados” e paralisados pela pressão do laicismo de Mâcon, doou a Bernon, antigo Abade de Guigny

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLUNIACENSES

e de Baume-les-Messieurs, uma vila, com seus termos regulamentos sobre o vestuário ou sobre a
e direitos, perto de Mâcon, em Cluny, para que ali alimentação. A Regra ligava os monges de todos os
se fundasse um mosteiro, consagrado a S. Pedro e mosteiros, obrigando cada um deles ao mesmo
S. Paulo, que obedecesse às regras beneditinas e modelo de organização que repetia o modelo original
onde fosse livre a eleição do Abade. beneditino adoptado no cenóbio original de monte
Renunciava o duque, no mesmo instrumento, ao Cassino: o monge (noviço ou professo) deve respeitar
padroado sobre a nova casa monástica, garantindo a observância da humildade e da obediência absoluta,
que todas as terras e demais bens doados ao mosteiro deve procurar a salvação da sua alma (e da
seriam propriedade do papado, de modo a ficarem Cristandade) através de uma aprendizagem efectuada
com mais firmeza livres de abusos, violências e no seio da sua comunidade e dirigida pelo “pai
espoliações, já que a condenação pela Santa Sé era espiritual”, o Abade. Além destes deveres funda-
mais temida do que qualquer outra. Esta última mentais, a Regra conduz o monge à observação de
disposição originava um novo conceito, um novo outros princípios, como o recolhimento interior
modelo, na forma de organização monástica. associado aos cerimoniais litúrgicos; a oração, que
A dependência directa da Santa Sé permitia-lhe, em faz do cluniacense um orante e não um penitente;
especial no quadro regional em que se inseria, ser a preocupação de salvar a alma dos outros através
autónoma e independente no temporal e no da oração; a participação na sociedade laica através
espiritual. Na mesma carta de fundação, ficava da instituição de escolas onde se possam ensinar
também determinado que ninguém – nem mesmo alunos que não vão seguir a vida monástica; ou a
o papa ou o rei – poderia contrariar as disposições sua participação como sacerdotes em paróquias,
ali expressas e que, desde esse momento, se sobretudo rurais, onde a gestão está a cargo de um
constituíram no modelo a seguir no Ocidente entre cluniacense.
a sociedade laica e o universo monástico. É no Cluny apresenta-se como uma comunidade vasta de
S. Bento, ícone em Madrid (cedido pela Ordem de São Bento)
Abaciado de Bernon (910-927) que se constroem monges, repartidos por inúmeros conventos, e à
os edifícios do mosteiro e da primeira Igreja de Cluny. frente da qual está um único líder – o Abade de
A expansão cluniacense deve-se ao Abade Eudes, locais através de instrumentos muito semelhantes Cluny, o chefe da abadia-mãe e que é eleito
que governa os destinos de Cluny entre 927 e 942 ao que Guilherme III tinha entregue a Bernon. exclusivamente pelos monges daquele mosteiro
e que se empenhou em difundir a “nova regra” por Por toda a Europa se assiste a uma imparável original. A maioria dos mosteiros espalhados pela
outros mosteiros, quer por sua iniciativa, quer por expansão. O Abade Hugues vê a sua Ordem instalar- Europa não são verdadeiras abadias, antes são
solicitação dos monges dessas comunidades. É este -se solidamente por todo o espaço franco, alicerçada designados como priorados, para cuja direcção o
abade que obtém do Papa João XI, em 931, o por doações da nobreza e dos reis franceses. Penetra Abade de Cluny nomeia Priores. Poucos são os que,
privilégio de poder assumir o encargo de qualquer na periferia alemã (durante muito tempo os territórios graças à sua importância original, no momento da
mosteiro a pedido de um abade leigo e também de alemães serão reticentes ao avanço dos Irmãos conversão à reforma cluniacense, mantêm as suas
receber os monges de qualquer mosteiro que Cluniacenses) e pressiona nos territórios italianos. prerrogativas de abadia e o estatuto abacial. Estes
recusasse a reforma. Estava, assim, lançado o Em 1077, funda a sua primeira casa monacal em são os denominados “mosteiros de obediência”.
movimento da reforma beneditina, que Cluny havia Inglaterra (Mosteiro de Lewes) e por essa mesma Nestes, o Abade é eleito pelos monges da respectiva
de corporizar e espalhar pela Europa. altura os Monges de Cluny estabelecem-se na abadia, mas é obrigado a prestar um juramento de
Os Abades sucessores, Aymard (942-954), Mayeuil Polónia, na Terra Santa e na Península Ibérica, fidelidade ao Superior Geral da Ordem. Existem
(954-994) e Odilon (994-1049), levaram Cluny a ser acompanhando aí o processo de recuperação de ainda, geograficamente mais distantes, outras abadias
o centro irradiador para um crescente número de terras às populações do Leste Europeu, aos com um curioso grau de autonomia e que, embora
comunidades reformadas, ou criadas de raiz, muçulmanos da Palestina e aos sarracenos da Ibéria. mantendo íntimas relações com a de Cluny, não
espalhadas por toda a França, Itália e Suíça. No séc. Por todo o lado, multiplicam-se os mosteiros estão sujeitas a um enquadramento institucional,
XI, a reforma cluniacense, agora com novos privilégios reformadores e muitas dessas casas são femininas. não ficando por isso submetidas ao normal regime
papais dados pelos Papas Gregório V, 998, e João Contudo, com a morte de Hugues de Semour, surge de obrigações e não dependendo da abadia-mãe
XIX, 1024, expande-se ainda mais, em particular um forte abrandamento no processo de expansão. sob qualquer forma. Pertencem à família, expressão
devido à acção de Odilon, que concentra sob o seu Surgem dissidências, dificuldades variadas, coeva usada para as definir enquanto parentes
báculo e sob as relíquias de S. Pedro e S. Paulo perturbações internas que só terminam quando espirituais do modelo cluniacense.
(entre outras) um cada vez maior número de Pedro, o Venerável, é eleito Abade Geral da Ordem O Abade Geral dirige a Ordem quase como se fosse
comunidades, garantindo o controlo de regiões (1122-1157). Na sua época, ou seja, nos começos um monarca absoluto. É de direito, e de facto, o
inteiras como a Borgonha, a Dordonha, a Aquitânia, do séc. XII a Ordem de Cluny era composta por chefe-supremo de todos os priorados e o abade
a Provença e o vale do Jura, onde os Monges de cerca de 1100 mosteiros. superior de todas as abadias de obediência. Vigia o
Cluny influenciam indirectamente as antigas casas Cluny representava, na sua essência, uma comu- cumprimento da Regra, é árbitro nos conflitos e o
beneditinas. Por volta de 1049, quando Hugues de nidade espiritual que encontrava a sua solidez e responsável pela criação de regulamentos internos,
Semour assume o Abaciado de Cluny, que durará coerência na Regra de S. Bento, seguida por todos extraordinários, sempre que o entenda necessário,
60 anos, a reforma estendia-se já ao Languedoque, os mosteiros e por todos os monges, na generalidade, ou para um mosteiro, ou para a generalidade das
à Lombardia, à Gasconha e começava a afirmar-se embora com algumas especificidades, como por casas monacais. Tem como uma das suas principais
em Leão, em Aragão e em Castela. No séc. XI, a exemplo, o de permitir, nalgumas comunidades, que funções a visita e a inspecção dos priorados, situação
Ordem de Cluny transforma-se numa instituição de o monge pudesse ter uma cela privativa, em vez que durante o séc. XI é assumida em pleno pelos
grande poderio, reforçando-se constantemente com de ter de pernoitar no dormitório comum, ou algu- abades em exercício. Contudo, esta missão desgas-
novas “casas”, todas elas garantidas pelas nobrezas ma condescendência no que dizia respeito aos tante vê nos alvores do séc. XII, sob a direcção do

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLUNIACENSES

Abade Hugues, a criação do cargo de Grande Prior ficariam assim ao seu dispor. Este será o modelo e os senhores que lhe devem vassalagem, serão
de Cluny, que ficaria com a direcção da Casa-Mãe adoptado para outras ordens religiosas futuras, como responsáveis, entre muitos outros elementos das
durante a ausência do Abade. Esta tarefa constante as ordens militares, os Cistercienses ou os Irmãos nobrezas europeias, pela generosa contribuição
revela-se demasiado pesada para um só homem e Franciscanos. financeira responsável pela construção do maior
para um só mosteiro, o que faz com que os Para Cluny, esta dependência é, no mínimo, templo que a Cristandade conheceu entre a Igreja
conventos da Ordem sejam repartidos por dez interessante, já que a independência face a de S.ta Sofia, em Constantinopla, e a Catedral de
Províncias: Auvergne, França, Gasconha, Lyon (ou instituições semelhantes está assegurada e Roma S. Pedro, em Roma. Este templo era a Abadia de
Cluny), Poitou, Provença, Alemanha, Inglaterra, está muito longe, o que impede a Santa Sé de realizar Cluny.
Hispânia e Lombardia. Mas, o instrumento mais uma política constante de intromissão e de
eficaz na governação do “império” em que a Ordem fiscalização. A isenção transforma esta comunidade
de Cluny se transformou, o elemento reforçador do monacal numa das forças mais influentes do seu
princípio de unidade e de coesão, foi criado pelo tempo, seja no plano espiritual e das mentalidades,
Abade Pedro, o Venerável, que institui o Capítulo seja na esfera de influência directa e indirecta sobre
Geral, ou seja, uma assembleia constituída pelos as estruturas civis de poder, em especial junto dos
priores de todas as casas cluniacenses e apenas “novos” reis que vão surgindo nas extremidades de
convocada pelo Abade Geral e que permitia um uma Europa em constante crescimento. Esta
governo mais eficaz, baseado numa ampla recolha “isenção” confere a Cluny uma substancial distinção
de informações sobre os principais problemas e no contexto do monaquismo medieval, criando uma
necessidades das casas de Cluny nas várias regiões Ordo Cluniacensis, onde todos os mosteiros aderentes
onde se encontravam. As reuniões do Capítulo Geral à Ordem se revêem. Como diversos autores referem,
da Ordem constituíam, também, um privilegiado daqui terá derivado o “costumeiro cluniacense”
espaço de observação da sociedade medieval (consuetudines antiquiores), garantido pela “doação”
europeia, já que dos quatro cantos deste continente do Papa cluniacense Urbano II (1088-1089), e
chegavam as mais variadas informações acerca das responsável pela constituição de um modelo
dinâmicas sociais e dos equilíbrios políticos e monástico uniforme, definidor de um “senhorio”
institucionais da sociedade civil, material fundamental cluniacense com direitos espirituais e temporais.
para estabelecer, também, linhas de acção específicas Cluny redefine a Europa. Papas visitam a Abadia-
naqueles espaços. -Mãe. Reis e poderosos faziam largas doações por
Igreja de S.ta Justa, Coimbra (DB)
A autoridade do Abade não se restringia apenas a toda a parte, contribuindo para o estabelecimento
este governo absoluto da sua Ordem. Era extraor- de mosteiros cluniacenses nos seus territórios. Cediam
dinariamente reforçada através do princípio da terras, cediam direitos, cediam padroados, eram O resultado da chegada dos Cluniacenses era,
isenção, privilégio concedido e garantido pela Santa atraídos inexoravelmente para a luz brilhante da também, a introdução da Reforma Gregoriana,
Sé, o que permitia ao Abade furtar-se às intervenções reforma cluniacense. Os mosteiros implantavam-se, aspecto determinante na acção política do papado.
do poder civil e mesmo ao de outras autoridades as igrejas eram construídas, a Europa assistia a uma Esta reforma permitia que Roma, sede apostólica,
eclesiásticas, nomeadamente, a jurisdição do enorme reconstrução do tecido monástico. Em se ligasse a todas as outras sedes episcopais, de
Ordinário, que competia ao Bispo. Não podia, Inglaterra, após derrotar os saxões nos campos de modo que este conjunto (papa e dioceses) fosse
contudo, o Abade de Cluny proceder à nomeação Hastings, em 1066, Guilherme, o Conquistador, capaz de funcionar de forma coordenada, à
de sacerdotes para as paróquias. O mosteiro limitava- impulsiona a fixação de casas cistercienses e, nas semelhança do que acontecia com os Mosteiros de
-se a propor um dos seus monges à decisão episcopal. meridionais terras da Hispânia, aguerridos monarcas Cluny. Os mosteiros que se implantam na Península
Os Bispos não podiam, por causa da isenção, como Sancho III de Navarra ou Afonso VI de Leão Ibérica aplicam as novas regras reformistas, ajudando
intrometer-se na vida das casas cluniacenses, nem enfileiram, ao lado das suas lanças, abadias a cumprir, nestes territórios, o esforço de centralização
mesmo para abençoar as edificações, consagrar os cistercienses, que serão responsáveis pela introdução coordenada, tão importante para o papado.
altares ou ordenar os padres. Nem tão-pouco podia da liturgia romana e da reforma gregoriana, sistemas Sob os desígnios do Abade dos Abades, os Monges
o Bispo excomungar ou interditar os Monges de destrutivos dos modelos e dos ritos litúrgicos locais de Cluny adquirem uma grande preponderância no
Cluny. Esta liberdade monástica (que nunca esteve (moçárabe ou hispânico). Contra os mouros, papado e sobre o episcopado europeu. A importância
contida na carta de fundação) foi confirmada evangelizando os moçárabes, convertendo os saxões dada ao Abade de Cluny permitiu, de forma
sucessivamente por uma série de bulas pontifícias. e os lombardos, os Monges de Cluny assumem um sistemática, suprimir os abaciados locais não
Sabemos que só a partir de 1205 é que a Abadia dinâmico papel na construção de uma Europa cada integrados na reforma cluniacense, estabelecendo
de Cluny fica efectivamente isenta da jurisdição vez mais unificada em torno de um rito litúrgico no monaquismo europeu um modelo centralizador,
episcopal, mas para os outros priorados a evolução comum, em torno de uma nova mentalidade confirmado por sucessivos papas e que, em verdade,
é muito mais lenta. É preciso esperar pela segunda dominante. só terminará nos inícios do séc. XV com a criação
metade do séc. XI para se perceber que a isenção Para Afonso VI e para a dinâmica da Reconquista, das congregações monásticas. Nas novas casas
é agora apanágio dos priorados e até das abadias que no seu tempo dirigia a partir dos castelos e reformadas, os monges, procurando cumprir os
de obediência. Mas que relevância tem esta liberdade cidades leonesas, a vinda dos Cluniacenses e a ensinamentos de S. Bento, dedicavam-se à celebração
cluniacense para o papa? Porquê a concessão e introdução da Regra de S. Bento na Península Ibérica litúrgica, ao esforço intelectual e espiritual (em
confirmação constante desta isenção ao poder das é determinante, como fica demonstrado no Concílio detrimento do trabalho manual), copiando
dioceses? Uma das respostas pode residir no facto de Coyanza (1050-1055?), onde aquela Regra é manuscritos nos scriptoria e organizando excelentes
de o papa, pelo menos teoricamente, se constituir posta a par, se não mesmo suplantando, das Regras bibliotecas, a partir das quais procediam ao ensino
como árbitro exclusivo, o verdadeiro “senhor” de locais do monaquismo visigótico (S. to Isidoro de escolar dos jovens oblatos e de outros jovens não
todos os conventos e monges daquela Ordem, que Sevilha e S. Frutuoso de Braga). Este Rei de Leão, destinados à vida monástica.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CLUNIACENSES

Acção determinante e que os tornará sempre muito dos Pirenéus. Por volta de 1085-1115, num contexto Bulas do Papa Inocêncio III (20 de Janeiro de 1205
requisitados nos conflitos no interior da aristocracia de franca abertura peninsular a tudo o que vem das e 9 de Junho de 1209) que ameaçam de excomunhão
laica, foi a maneira como impuseram sobre uma terras francas, este monaquismo reformador o Prior e os monges de S. Pedro de Rates ou, como
sociedade conflituosa e irrequieta a “Paz de Deus”, estabelece-se na Península Ibérica e em território vem na Bula de Clemente VI (de 22 de Maio de
como propagaram e desenvolveram o culto das “português”, não apenas como um processo de vida 1268), a ratificação da interdição promulgada pelo
relíquias e como desenvolveram o espírito da espiritual, mas sim como uma instituição de facto Arcebispo de Braga contra a desobediência e o
peregrinação a longa distância dentro da sociedade e de direito. desprezo que aquela comunidade monástica teria
medieval ao abrirem os caminhos para Santiago de É da tradição historiográfica portuguesa e peninsular pela autoridade eclesiástica. Este interdito e a
Compostela, fenómeno fundamental na abertura fazer a distinção entre mosteiros beneditinos e consequente bula vêm lançar alguma sombra sobre
do comércio e da deslocação de mercadorias, pessoas cluniacenses. O mais certo é que os monges a confirmação do couto de Rates assinada em 1258
e ideias por todo o continente Europeu. beneditinos não tenham chegado a estas paragens pelo Rei D. Afonso III. Uma inquirição de 20 de
Falar da presença de Cluny em território português antes de 1050/1055, por alturas do célebre Concílio Agosto de 1315, em pleno reinado de D. Dinis, vem
é falar também da sua ligação ao processo da nossa de Coyanza e que a beneditinização da Hispânia informar que S. Pedro de Rates era visitada pelo
independência. É com Afonso VI, Rei de Leão, que tenha sido, de facto, efectuada por monges saídos arcebispo, a quem devia o pagamento de dízimos
tudo começa. Em 1080, o espaço dominado por da reforma cluniacense. sobre a colheita e outros direitos. E as disputas com
este rei adopta, definitivamente, o rito romano, as autoridades eclesiásticas continuam em clima de
abrindo-se a Hispânia cristã à entrada de estrangeiros calúnias e de disputas sobre os bens e os direitos
e, em especial, aos Monges de Cluny. O ano de espirituais até que, a 29 de Abril de 1515, a Bula
1081 estabelece o início daquela influência romana Redemptor noster de Leão X extingue definitivamente
sem resistências evidentes por parte das estruturas aquela comunidade.
locais. A primeira comunidade obediente à Regra Embora a influência de Cluny sobre a sociedade do
de S. Bento em território português é referenciada seu tempo fosse imensa, já que se ligava
no ano de 1086, como fica atestado num intrinsecamente à sociedade feudal nos seus múltiplos
instrumento de doação a Vilela, da autoria da Monja aspectos, não consegue resistir ao desgaste do séc.
Toda, que habita com outras religiosas “secundum XII. A constante intervenção nos assuntos da
Igreja de S. Pedro de Rates (DB)
ordinem beati Benedicti”. Embora não existam provas Cristandade levam a Ordem a perder de vista o seu
directas e insofismáveis sobre a intervenção de Cluny ideal original: o afastamento do Mundo. Uma intensa
no desabrochar do movimento independentista Quanto aos integrados na Ordem de Cluny, necessidade dos Cluniacenses aparecerem à frente
português, existe, contudo, um conjunto de identificam-se nas futuras terras do rei dos de todas as reformas do monaquismo ocidental faz
intervenções por parte de monges cluniacenses portugueses as casas monásticas de S. Pedro de com que as abadias percam, gradualmente, a ligação
elevados a funções episcopais, fruto dos cargos Rates, de S. ta Maria do Vimeiro e S. ta Justa de com a Casa-Mãe, afrouxando assim o cumprimento
ocupados e da ligação às reivindicações das Coimbra. De todas é a de S. Pedro de Rates a mais e a fiscalização de regras fundamentais. Alteram-se
comunidades locais com quem se identificam, que famosa. Na sua base estaria provavelmente um comportamentos, novas buscas espirituais desenvol-
parecem indicar oposição veemente aos sistemas cenóbio autóctone de tradição ibérica, pré-carolíngia vem-se fora do controlo da Congregação. O desleixo,
centrais/episcopais, como são, por exemplo, os casos e, naturalmente, pré-beneditino. A doação de Rates a opulência e a soberba são alvo de profundas críticas
dos bispos cluniacenses de Braga, Compostela e à Ordem de Cluny é muito curiosa. Em 1100, por parte de novos movimentos que surgem um
Toledo. D. Henrique e D. Teresa doam a um Mosteiro da pouco por toda a Europa – mesmo no interior da
A influência de Cluny é, pelo menos, suficiente para Borgonha, La-Charité-sur-Loire, na Diocese de Ordem de Cluny.
que um Legado Papal e Abade Geral da Ordem, Auxerre, provável local de nascimento do conde
Hugo de Cluny, tenha mediado o “pacto sucessório” português, o couto do “abandonado” Mosteiro de BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da
entre os borgonheses Raimundo e Henrique, Rates a que acrescentam os dízimos de pão, vinho Igreja em Portugal, Nova ed. preparada e dirigida
respectivamente Condes da Galiza e de Portugal. e linho de diversos reguengos entre os rios Douro por Damião Peres, vol. 1, Porto-Lisboa, Portucalense
Sem dúvida que a presença desta figura tão e Mondego. Embora não subsista documentação da Editora, 1967-1971; BISHKO, Charles Julian, Spanish
importante na hierarquia eclesiástica europeia se Abadia de Rates encontram-se nas actas dos and Portuguese Monastic: 600-1300, London,
deve às acções dos Bispos de Braga D. Geraldo e Capítulos Gerais de Cluny várias referências a Variorum Reprints, 1984; B ISHKO , Charles Julian,
D. Maurício Burdino e do Bispo de Coimbra, visitações, umas recusadas frontalmente pelo abade “Count Henrique of Portugal, Cluny and the
D. Bernardo. A presença do abade geral no apoio do mosteiro português, outras de facto efectuadas antecedents of the Pacto Sucessório”, in Revista
aos dois condes de D. Afonso VI indica, também, a e cujo teor não é muito abonatório para o estado Portuguesa de História, 13, Coimbra, 1971, pp. 155-
importância que o “partido francófilo” adquiria no em que a Casa de Rates se encontrava. São -158; BISHKO, Charles Julian, “The Cluniac Priories
Ocidente da Península Ibérica, preparando-se para conhecidas as visitações de 1301, 1303, 1336, 1359, of Galicia and Portugal: Their acquisition and
assumir um lugar determinante na disputa pela 1368 e 1377. Algumas referem a indisciplina administration”, in Studia Monastica, 7, 1965;
sucessão ao trono de Leão contra o “partido monástica dos monges, da dependência face à Coroa B REDERO , Adriain, Cluny et Citeaux, Lille, Presses
moçárabe” ou hispânico. e das questões jurisdicionais com o Arcebispo de Universitaires de Lille, 1985; BRUEL, A., Recueil des
Os ritos tradicionais da Hispânia visigótica sofrem Braga. Com efeito, estas disputas têm muitas vezes Chartes de l’Abbaye de Cluny, Paris, s.n., 1876;
alterações com a chegada dos Cluniacenses, como como base um profundo desconhecimento por parte CHAGNY, Andre, Cluny et Son Empire, 2.ª ed., Lyon,
por exemplo a mudança da intitulação do abade. dos bispos portugueses da validade da isenção Librairie Emmanuel Vitte-Éditeur, 1938; CHARVIN, D.
A liturgia passa a utilizar as mesmas formas e o canónica em que os mosteiros cluniacenses G., “Status”, Chapitres Généraux et Visites de l’Ordre
mesmo calendário dos monges da Borgonha e os portugueses se apoiavam. Curioso é o pormenor de de Cluny, 10 vols., Paris, s.n., 1965-1978; COLOMBÁS,
monges passam a ocupar cargos cuja intitulação é a própria Santa Sé não reconhecer essa isenção que Garcia, La Tradictión Benedictina: Ensayo Histórico,
semelhante à dos seus congéneres do outro lado data do séc. X, como fica demonstrado em duas Zamora, Ediciones Monte Casino, 1991; CONAN, K.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS COMBONIANOS

J., Cluny: Les Églises et la Maison du Chef d’Ordre, a trabalhar em condições sub-humanas antes de missionários combonianos portugueses. Os P.es José
Mâcon, s.n., 1968; CONDE, Antonio Linage, Alfonso serem embarcados rumo a um monstruoso destino Augusto do Vale, Manuel Pinho e o Ir. Joaquim
VI: El Rey Hispano y Europeu – 1065-1109, Burgos, de escravidão, impressiona profundamente o Gaspar, entre outros, estavam tão marcados pelo
Editorial La Olmeda, 1994; CONDE, Antonio Linage, adolescente de 15 anos, Daniel Comboni. Este, espírito comboniano, que o inesperado passamento
Las Origenes de Monacato Benedictino en la nascido a 15 de Março de 1831 no Norte de Itália, a todos tocou. Mas, para além de valorosos
Península Ibérica, 3 vols., León, s.n., 1983; COSTA, cedo manifestara a vontade de seguir o sacerdócio, missionários que, pelos caminhos do autêntico
Avelino de Jesus da, “O bispo D. Pedro e a atraído pela ideia de ajudar os mais desfavorecidos martírio, aquando da insurreição mahdista no Sudão,
organização da diocese de Braga”, in Convegni del pela sorte, de tal modo que, com quase 18 anos, sofreram profundas humilhações, angústias, medos,
Centro di Studi sulla Spiritualità Medievale, Todi, decide consagrar a sua vida à libertação e promoção maus-tratos e violências, outros nomes merecem
Accademia Turdertina, 1960; COSTA, Avelino de Jesus do povo africano. Cada vez mais sentindo o figurar no Grande Livro do Sacrifício. Alvo de
da, “A Ordem de Cluny em Portugal”, in Cenáculo, perseguições, horrores e todo o género de
2, 1948, pp. 185-220; DAVID, Pierre, “Grégoire VII, sofrimento, acabaram por pagar com a vida a
Cluny et Alphonse VI”, in Études Historiques sur la fidelidade à missão os P.es Ezechiele Ramin, Raffaele
Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle, Lisboa/Paris, Di Bari e William Nyadru e o Ir. Alfredo Fiorini,
Livraria Portugália Editora/Société d’Édition “Les assassinados, o primeiro no Brasil, o segundo e o
Belles Lettres”, 1947, pp. 341-439; DIAS, Geraldo terceiro no Uganda e o último em Moçambique,
Coelho, “O mosteiro de Rates e os beneditinos”, Logótipo da Congregação (I) levantando, assim, bem alto a bandeira da coragem
in Boletim Cultural, Póvoa do Varzim, 1999; DIAS, e da Fé inabalável erguida pelo Fundador do Instituto.
Geraldo Coelho, “Cluniacenses”, in Dicionário de No que respeita à sua entrada em território
História Religiosa de Portugal, [Lisboa], Circulo de chamamento divino para aquela que seria a razão português, importa apontar a figura do Cardeal de
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da de ser da sua vida, em 1849 estabelece-se nele a Lourenço Marques. Este, impressionado com a acção
Universidade Católica, 2000, pp. 381-385; HENDERSON, decisão de se dedicar completamente às missões na levada a cabo pelos Combonianos entre os
F., Select Historical Documents of the Middle Ages, África Central. Ordenado sacerdote em 1854, inicia, muçulmanos no Sudão, pensou neles para a
London, George Bell and Sons, 1910; IOGNA-PRAT, dois anos depois, a sua primeira viagem ao continente missionação em Moçambique, formalizando o pedido
D., “Les coutumiers et les Status de Cluny comme africano. A chama da vocação missionária que há à Santa Sé. Para tal, seria obrigatório o estabe-
sources historiques (940-1200)”, in Revue Mabillon, muito lhe acalentava o coração mais se aviva pela lecimento de casa em Portugal, não apenas por
3, 1992, pp. 23-48; KNOWLES, M. D., “Cistercians infeliz Nigrícia. Frases lapidares como “acabar com questões de língua e de formação, como também
and Cluniacs: the controversy between St. Bernard a escravatura é a missão verdadeira de Cristo Jesus por cumprimento do acordo entre o nosso país e a
and Peter the Venerable: Le government d’Hugues que veio ao mundo para libertar os escravos…”, Santa Sé. Para lançar os alicerces da obra de Comboni
de Semour à Cluny”, in Colloque Scientifique “nunca ardeu no meu coração outra paixão senão em terras lusas, desloca-se a Portugal o P.e João
Internationale: Actes, Cluny, 1968; MARQUES, José, a África”, “a África e os pobre negros conquistaram Cotta, que, a 23 de Abril de 1947, escolheu Viseu
A Arquidiocese de Braga no Século XV, Lisboa, o meu coração que vive unicamente para eles” e o para a construção do Seminário das Missões, ainda
INCM, 1988; MARQUES, José, “O estado dos mosteiros seu lema “África ou morte” revelam o amor à causa hoje Casa-Mãe. Coadjuvado por outros missionários
beneditinos da arquidiocese de Braga no século por que lutou com todas as suas forças, que o levou
XV”, in Bracara Augusta, 25, 79/92, 1981, pp. 18- a idealizar um grande plano de apostolado, que
-19; MATTOSO, José, O Monaquismo Ibérico e Cluny, resume na ideia “Salvar a África com a África”,
Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2002; MATTOSO, através da criação de institutos de educação e de
José, “A introdução da Regra de S. Bento na formação in loco, que tornassem possível a vida e
Península Ibérica”, in A Religião e Cultura na Idade a actividade do europeu e do africano. Um plano
Média Portuguesa, Lisboa, INCM, 1982; PACAUT , de onde, quase um século mais tarde, beberiam as
Marcel, L’Ordre de Cluny, Paris, Éditions Fayard, esperanças do Concílio Vaticano II: “As jovens igrejas Casa-Mãe, Viseu (I) Sede dos Combonianos
1991; PACINET, Ph., Les maisons de l’Ordre de Cluny recebem dos costumes e das tradições dos seus em Lisboa (I)
au Moyen-Âge, Louvain/Bruxelles, s.n., 1990; REILLY, povos, da sabedoria e da doutrina, das artes e das
B. F., The Kingdom of León-Castilla under Queen disciplinas, tudo aquilo que pode contribuir para
Urraca: 1109-1126, Princeton, Princeton University confessar a glória do Criador…” Morre em Cartum, e irmãos que entretanto iam chegando, trabalha
Press, 1982. a 10 de Outubro de 1881. A 17 de Março de 1996, exaustivamente, ao mesmo tempo que lança as
o Papa João Paulo II concede-lhe o título de Beato, sementes do ideal de Comboni entre os jovens
JOSÉ VARANDAS canonizando-o depois, a 5 de Outubro de 2003, portugueses. Depois de compreensíveis dificuldades
por dois milagres operados por sua intercessão, em de vária ordem, foi esse viveiro de missionários
Maria da Paixão, jovem brasileira, e Lubna Abdel combonianos portugueses inaugurado a 11 de
COMBONIANOS Aziz, muçulmana do Sudão. Dezembro de 1955, quando já albergava seminaristas
Missionários Combonianos do Coração de Jesus é Bem pode ser considerada figura de relevo o P.e (o primeiro grupo entrara em Setembro de 1949).
a designação oficial desta congregação, embora seja Ernesto Calderola, representante do Superior Geral Viseu funcionaria também como primeiro centro de
mais conhecida, simplesmente, por Missionários do Instituto em Portugal, que ao longo dos anos formação dos Irmãos Missionários Combonianos.
Combonianos, sendo MCCJ a sigla correspondente. acompanhou com eficácia a implantação dos Injusto seria não referir o apoio desde o início à
A 1 de Junho de 1867, foi fundado o Instituto para Combonianos no nosso país. Referência merecerão causa comboniana do Bispo de Viseu de então,
as Missões da África, hoje Missionários Combonianos, também, pelo menos porque dentro do contexto da D. José da Cruz Moreira Pinto.
em Verona (Itália). O comércio esclavagista que história portuguesa da Congregação, o P.e Rogério A programação de um centro de formação superior
inundou aquele continente em meados do séc. XIX, Artur de Sousa, vindo do Seminário Maior de Viseu para os alunos que atingiam os 5.º e 6.º anos obrigou
arrancando das suas aldeias os indígenas, obrigados (secular), e o Ir. António Martins, como primeiros à procura de instalações próprias. O local escolhido

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS COMBONIANOS

foi Vila Nova de Famalicão, onde o Noviciado passou Provincial e centro de animação missionária; em o mandamento geral estipulado pelo Direito
a funcionar, embora a construção do edifício só Santarém, onde esteve o Noviciado Ibérico, sendo Canónico, e foi elaborada pelo Capítulo Geral Especial
pudesse avançar a bom ritmo mercê de ofertas, ainda centro de animação vocacional, encontros e (Roma) e ratificada pelo respectivo departamento
sorteios, empréstimos de bancos, tendo sido retiros espirituais e núcleo de apoio à comunidade do Vaticano, traduz-se no Directório criado pelo
inaugurado a 30 de Agosto de 1959. Três anos paroquial; na Maia, onde se encontra o Postulan- Conselho Provincial, mas sempre aprovado pelo
depois passará a seminário menor, como a Casa de tado e seminário em família, centro de animação Conselho Geral. Ao contexto de cada comunidade
Viseu. vocacional e encontros e retiros para jovens; em é adaptada a doutrina destes dois documentos
Os estudos filosóficos dos candidatos a missionários Coimbra, onde está o seminário em família e centro através da Carta da Comunidade produzida pelo
determinaram a criação do Seminário da Maia, de animação missionária e de encontros e retiros Conselho Local (e revista cada ano). As mais altas
inaugurado a 5 de Outubro de 1958, que, em 1965, espirituais para adultos e jovens; em Viseu, onde se e importantes deliberações defluem do Capítulo
passou a seminário médio e, posteriormente, a centro encontra a Casa-Mãe, seminário em família e Geral (qual Assembleia Magna) que tem lugar em
de formação profissional e espiritual dos Irmãos seminário interno polivalente e centro de animação Roma de 6 em 6 anos. Nele participam membros
Combonianos. missionária e vocacional e de encontros e retiros de direito próprio (Conselho Geral e Superiores de
A mudança da revista Além-Mar para a capital para jovens e adolescentes; em Famalicão, onde está Província ou Delegação), eleitos (conforme a
implicou a busca de edifício apropriado, encontrado o seminário em família e centro de animação dimensão em cada país – Portugal elege um) e
na Freguesia de S. Mamede, inaugurado a 15 de missionária e vocacional e de encontros e retiros convidados, estes sem direito a voto.
Julho de 1966, que viria a tornar-se a residência do para jovens. Das mais representativas em Portugal, a obra
superior provincial e sede dos Serviços Administrativos O número de Combonianos portugueses em 2008 comboniana faz perfeitamente jus ao atributo de
e do Economato. cifrava-se em 96 membros (73 padres, 22 irmãos e “notável”, pelo trabalho desenvolvido com
A expansão da obra comboniana levou à necessidade um estudante de Teologia), dos quais 29 (padres e humildade, dedicação e espírito de sacrifício nos
de criação de outras estruturas formativas cuja falta irmãos) estão em Portugal, encontrando-se os campos da educação e da formação humana e
se fazia sentir. Num percurso mais para o sul, Coimbra restantes espalhados pela Ásia, África, América Latina espiritual. “Hábeis e santos” era como Daniel
era o alvo das atenções, surgindo a oportunidade e Roma. A Província Portuguesa conta ainda com Comboni queria os seus filhos. E era esta a ideia
da compra aos Salesianos de um terreno e pinhal dois padres italianos. que estes davam às populações que os viam de
no cimo do Areeiro. Sem água e sem condições, os O P.e Alberto de Oliveira Silva é o Superior Provincial, batina a trabalhar nos andaimes, ou a deslocar-se
primeiros tempos foram difíceis, sobretudo para o eleito em Janeiro de 2008, por um mandato de 3 de bicicleta. O relacionamento da Comunidade a
grande dinamizador e obreiro P.e António Ino. Aberto anos. Com ele formam o Conselho Provincial mais nível civil, secular e populacional pauta-se por um
a 20 de Maio de 1970, o novo Seminário do Areeiro três padres e um irmão. O processo de eleição conta elevado grau de solidez, prova da meritória acção
teve a inauguração a 6 de Janeiro de 1973, com com os votos (secretos) de todos os membros social desenvolvida por estes religiosos. Existe
seminaristas dos 3.º, 4.º e 5.º anos do liceu. residentes na Província Portuguesa (portugueses e inclusivamente unanimidade junto de ex-seminaristas
Fase importante da iniciação dos religiosos, o estrangeiros) e dos estudantes portugueses professos na apreciação do sistema educativo de que
Noviciado requeria novas instalações para onde (em Portugal ou no estrangeiro), culminando na usufruíram, que lhes abriu as portas do conhecimento
pudessem ser enviados os seminaristas de Coimbra. validação pelo Conselho Geral – em Roma. Cada e tão bem os preparou para a vida.
A escolha recaiu nos arredores de Santarém, onde, casa conta com um Superior escolhido pela As comunidades combonianas sempre conseguiram
com a ajuda de benfeitores, como de costume, foi comunidade e confirmado pelo Conselho Provincial. e conseguem ainda ser alvo de simpatia, respeito e
adquirida uma propriedade na zona do Jardim de É carisma da Congregação praticar a caridade de admiração por parte dos cidadãos circundantes, –
Cima, onde a casa foi inaugurada a 18 de Outubro Cristo, a Sua misericórdia e comunhão com todos, sentimentos que são recíprocos –, alguns dos quais
de 1972, passando, a partir de 1994, a contar acudir com solidariedade e amor aos gritos dos se tornaram amigos e benfeitores que os acom-
também com a presença dos noviços espanhóis. escravos do nosso tempo. Herdeiros da obra do panharam ao longo do desenvolvimento da sua
Os ventos de Abril haveriam também de trazer Fundador, os Combonianos continuam a lutar a favor obra.
mudanças ao sistema organizativo e educacional da da evangelização dos povos e da liberdade dos
Congregação, com vista a uma adaptação aos tempos oprimidos. É na espiritualidade e no amor ao Coração
de modernidade, em que os seminaristas se de Jesus que encontram coragem para a missão a
pudessem assumir mais responsáveis num ambiente que se entregaram, a par com uma profunda devoção
de abertura à sociedade – frequência de escolas a S. José e a S. Francisco Xavier, escolhido como
públicas, mais tempo em família, polivalência de patrono pelo Fundador. Os valores da tradição
seminários que albergavam candidatos a sacerdotes comboniana traduzem-se ainda em espírito de família,
e candidatos a irmãos. espírito de sacrifício, dedicação ao trabalho, alegria
A criação de um centro juvenil, um sonho sempre no exercício da vocação missionária e iniciativa
acalentado de presença entre os jovens para os tocar apostólica.
com o espírito missionário, foi concretizado em 1978, Cumprindo a doutrina do seu Fundador – “O espírito
Retiro para jovens, Coimbra (I) Revista Audácia (I)
em Coimbra. do Instituto é um espírito de humildade, obediência,
A acção dos Combonianos fez-se sentir ainda em abnegação, trabalho, caridade, fé em Deus e
Paço de Arcos, Faleiro (Arcozelo das Maias) e Aveiro, esperança no sinal da cruz” –, concentram toda a
onde marcaram presença, deixando um rasto de atenção, todas as forças e todas as acções no seu Alguns acontecimentos merecem ser recordados:
amizade, simpatia e calor humano. ideário, ad pauperes, ad extra, ad vitam: a favor dos a 15 de Setembro de 1864, junto ao túmulo de
Hoje, em suma, são seis as Comunidades dos mais pobres e abandonados na Fé e na sociedade, S. Pedro, em Roma, Comboni recebe a inspiração
Missionários Combonianos em Portugal: em Lisboa, ultrapassando fronteiras pessoais e geográficas, do “plano para a regeneração da África”, que, a
onde se encontra a residência provincial, Editorial consagrando a vida toda a Deus na Missão. 18 do mesmo mês, apresenta ao Papa Pio IX e ao
Além-Mar, Procuradoria das Missões, Economato A Regra de Vida da Congregação, que acompanha Cardeal Director da Congregação para a Propagação

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CONSOLATINOS

de Fé; a 1 de Junho de 1867, funda o Instituto a quem pretende passar a palavra.


Missionário de Verona para a Evangelização da África Pondo em prática a máxima do seu Fundador “tenho
Central; a 15 de Março de 1869, no Concílio Vaticano língua para falar e pena para escrever”, os
I, o Fundador da Congregação escreve o “Postulado” Combonianos criam a revista Além-Mar, cujo primeiro
a favor dos negros da África central, que obtém a número saiu em Janeiro de 1956, com redacção
assinatura de mais de 200 bispos, e que Pio IX inicialmente no Seminário de Viseu. Hoje está a
aprova; a 1 de Janeiro de 1872, funda as Pias Madres cargo da editorial do mesmo nome, sediada na Casa
da Nigrícia, instituto feminino; a 11 de Junho de de Lisboa, sob orientação do P.e Manuel Augusto L.
1877, Comboni é eleito Bispo da África Central; o Ferreira. Abordando temas de carácter cultural,
Concílio Vaticano II recria, por outras palavras, o político, social e económico dos países mais pobres
espírito do “plano para a regeneração da África” – onde maioritariamente os Combonianos
de Comboni; em Dezembro de 1954, é dado o desenvolvem a missão –, tem, desde Novembro de
Santuário de N. Sr.ª da Consolata, restaurado pelo Fundador
estatuto de Delegação à obra comboniana em 1966, a companhia mensal da revista Audácia, um
dos Missionários da Consolata (I)
Portugal; em Agosto de 1964, é decretada a objectivo declarado para atingir os mais novos, com
unificação da Delegação Portuguesa com a Província banda desenhada, passatempos, relatos de aventuras,
de Espanha; a 6 de Outubro de 1969, o Instituto histórias dos povos, etc. A complementar a Napoleão em 1798. Nesta altura, estava fortemente
em Portugal é considerado província autónoma; a informação missionária são editados o jornal Família empenhada na evangelização das terras de missão,
6 de Abril de 1995, João Paulo II reconhece Comboniana (com tiragem de 40 000 exemplares através do trabalho das ordens religiosas e dos
oficialmente o milagre a Maria José Oliveira Paixão para amigos e benfeitores) e livros vários de formação recentes institutos missionários europeus, especial-
atribuído à mediação de Daniel Comboni, que e orientação vocacional, alguns dedicados ao mente italianos. O interesse do episcopado das
beatifica a 17 de Março de 1996; em 1997, celebram- fundador e à sua obra. dioceses da região do Piemonte pelo movimento
-se os 50 anos da presença do Instituto em Portugal; missionário foi notado pela Obra da Propagação da
a 11 de Abril de 2002, a Junta Médica do Dicastério BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Fé em Roma, obra que fora fundada em França no
da Causa dos Santos reconhece que a cura de Lubna Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da séc. XVIII. Foi notada nomeadamente por um dos
Abdel Aziz, atribuída a Comboni, é cientificamente Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 828- seus directores, o Cónego José Ortalda (1814-1880).
inexplicável; a 5 de Outubro de 2003, o papa -829; P EREIRA , Isaías da Rocha, F ERREIRA , Manuel É neste contexto cultural e religioso que surge a
canoniza o Beato Daniel Comboni; nessa mesma Augusto Lopes, Andarilhos da Missão: Missionários figura de José Allamano, nascido em Castelnuovo
data foi o deputado brasileiro Emiliano José o autor Combonianos em Portugal, Lisboa, Editorial Além- de Asti, hoje Castelnuovo de D. Bosco, a 21 de
de uma Moção de Aplauso aos Missionários e -Mar, 1997; S ANTÂNGELO , Enzo, Daniel Comboni: Janeiro de 1851. Castelnuovo era uma pequena aldeia
Missionárias Combonianas “que dedicam a sua Missionário e Libertador, Lisboa, Editorial Além-Mar, a 30 quilómetros de Turim, um verdadeiro mistério
vida a seguir os ensinamentos de S. Daniel Comboni, 2000. Digital: www.comboni.org; www.emilianojo de sabedoria e santidade. Ali nasceram D. Bertagna,
que trabalham junto às comunidades extremamente se.com.br/texto_mocoes.php?ID=13. ilustre professor de Teologia Moral; o Cardeal João
empobrecidas…”. Cagliero, pioneiro das missões da Patagónia, no Sul
Poder-se-ia afirmar que o desejo expressado por LAURO PORTUGAL da Argentina; S. José Cafasso, cognominado “a
Comboni de “ter mil vidas para consagrar à salvação pérola do clero italiano” e tio do Beato José
da África” encontra hoje eco e é bem Allamano; e por fim o mais conhecido filho desta
consubstanciado nos cerca de 1800 corações de CONSOLATINOS terra, S. João Bosco, fundador dos Salesianos. Se
seus Missionários que batem anunciando o Evangelho O Instituto Missionário da Consolata (IMC) nasceu a vocação missionária de Allamano está intimamente
pelos quatro cantos do Mundo, entre bispos, padres, em Itália, a 29 de Janeiro de 1901, sob a designação ligada à realidade cultural e religiosa da época, a
irmãos e estudantes de teologia. “Eu morro, mas a oficial de Istituto della Consolata per le Missioni vocação para a santidade tem com certeza as suas
minha obra não morrerá.”. Dando sentido a esta Estere. Foi seu Fundador o Beato José Allamano, raízes neste ambiente espiritual da sua própria terra.
afirmação-testamento do Fundador, a Congregação sacerdote da Diocese de Turim, Reitor do Santuário Com dois anos morre-lhe o pai e Mariana Cafasso,
exerce o apostolado na Europa, na América, na de N. Sr.a da Consolata. O decreto da fundação foi a mãe, fica viúva com cinco filhos pequenos para
África e na Ásia, em países como Alemanha, Áustria, assinado pelo Cardeal Agostinho Richelmy, depois criar. Com ela, Allamano cria uma estreita relação
Escócia, Espanha, França, Inglaterra, Irlanda, Itália, de o projecto ter sido analisado e aprovado pelo de afecto. A par da mãe e dos irmãos, a sua
Polónia, Portugal, Canadá, Estados Unidos da episcopado do Piemonte, conforme a orientação da professora Benedita Sávio terá sobre ele uma grande
América, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Congregação Romana De Propaganda Fide (hoje influência. Mas seria S. José Cafasso, seu tio materno,
El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Peru, denominada “Para a Evangelização Dos Povos”). a personalidade determinante na sua identidade
África do Sul, Benim, Chade, Egipto, Eritreia, Etiópia, O contexto cultural da segunda metade do séc. XIX espiritual. José Cafasso gostava que o sobrinho fosse
Gana, Malawi, Moçambique, República Centro na Europa, e particularmente em Itália, é profunda- para o seminário diocesano de Turim, mas a mãe
Africana, República do Congo, Sudão, Togo, Uganda, mente marcado pelas transformações sociais, políticas não estava de acordo, pois os outros filhos tinham
Zâmbia, Filipinas, Macau, Taiwan. e religiosas provocadas pelo avanço do liberalismo frequentado o colégio salesiano de D. Bosco, em
Quanto ao vestuário, inicialmente era utilizada a e do processo de secularização, por um lado, e, por Valdocco. Em 1862, Allamano entra efectivamente
batina preta (ou branca, nos países mais quentes, outro, pelo movimento romântico, gérmen do no colégio salesiano, tendo como director espiritual
onde actualmente a força das tradições a mantém, nacionalismo e expansionismo europeu, que teria o o próprio D. Bosco. Aí, faz os estudos secundários
como no Gana, Benim ou Togo), com faixa preta à seu momento decisivo na Conferência de Berlim, e tem os seus primeiros contactos com o mundo
cintura e um crucifixo introduzido na mesma. Hoje, onde a África é repartida pelas potências coloniais. das missões, aquando da visita do Cardeal Guilherme
o missionário usa roupas comuns (embora de tons A par deste movimento, ressurge a Congregação Massaia, missionário e Vigário Apostólico entre o
discretos), numa adaptação à mudança dos tempos De Propaganda Fide que tinha sido restaurada por povo Galla, na Etiópia. Em 1866, Allamano deixa o
e numa aproximação e maior contacto com as gentes Pio VII em 1817, depois de ter sido extinta por Colégio de D. Bosco e entra no seminário diocesano.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CONSOLATINOS

“para chegar a ser apóstolo, há que vibrar de Estatutos em 1909. Neste mesmo ano, foi criado o
entusiasmo. Se formos indiferentes, mornos, não Vicariato Apostólico do Quénia e nomeado seu
conseguiremos fazer nada. Nós, missionários somos primeiro Bispo D. Filipe Perlo.
chamados a dar a vida. Deveríamos ficar contentes Os missionários foram acompanhados inicialmente
por gastar a vida em situações de risco.” pela Irmãs Vicentinas, que desenvolveram um
José Allamano, padre da Diocese de Turim, Director apostolado muito importante na linha daquilo que
do Instituto de Pastoral, professor de Teologia Moral, Allamano tinha pensado para a catequese, as escolas,
Reitor do Santuário da Consolata, é um homem a assistência a doentes, mulheres e crianças. Allamano
atento ao movimento missionário do seu tempo e pensa em fundar o ramo feminino do Instituto da
à ideia subjacente da criação de um instituto Consolata, mas, diante do próprio Papa Pio X,
missionário regional no Piemonte. Allamano considerou não ter vocação para tal, ao que o papa
acreditava no carácter missionário da igreja local e respondeu “se não a tens, dou-ta eu”. E assim
não se revia, nem queria alinhar, numa certa acção nasceu, a 29 de Janeiro de 1910, o Instituto das
missionária entendida do ponto de vista político Irmãs Missionárias da Consolata. Três anos depois,
como forma de colonização e motivo de orgulho obtém a aprovação diocesana e, nesse mesmo ano,
da pátria. A razão profunda da acção missionária partem as primeiras 15 missionárias para o Quénia.
advém, pois, e tão só, da natureza missionária da Numa carta de 29 de Agosto de 1912, José Allamano
Igreja, onde radica o carisma dos Missionários da dirigiu-se aos cinco superiores gerais dos Institutos
Consolata: a missão Ad Gentes. Missionários da Itália para que em conjunto pedissem
A abundância de vocações na sua igreja local foi para que o papa, em acto público, apelasse ao
outro dos factores que contribuiu decisivamente apostolado missionário. Os superiores acolheram a
Casa-Mãe dos Missionários da Consolata em Turim, Itália (I) para o nascimento de um novo Instituto Missionário. ideia e escreveram a Pio X para que instituísse o Dia
A ideia original previa que o clero diocesano pudesse Missionário Mundial. O papa, já em estado de saúde
dar alguns anos do seu sacerdócio às missões e debilitado, respondeu dirigindo-se aos signatários
O tempo do seminário revela a sua débil saúde, o depois regressar à diocese de origem. O projecto, da carta e não aos bispos, como aqueles pretendiam.
que não o impede de prosseguir os estudos. até 1891, não foi objecto de qualquer diligência por A proposta foi retomada mais tarde por Pio XI que,
José Allamano é ordenado Sacerdote em 1873 e parte de Allamano. A partir de então, tenta o em 1927, instituiu o Dia Mundial das Missões. Cabe
nomeado Prefeito do seminário teológico. Entretanto, Fundador, levar por diante o seu sonho, que acabou ao Fundador dos Missionários da Consolata o mérito
forma-se em Teologia. Em 1875, recebe a nomeação sempre por não ter o melhor acolhimento por parte da iniciativa.
para Director Espiritual do seminário maior. Tal como do prelado diocesano. Ao lado de José Allamano esteve, durante 42 anos,
seu tio, Allamano virá a desenvolver a sua grande Leão XIII, em 1899, nomeou D. Agostinho Richelmy o P.e Tiago Camisassa, seu verdadeiro braço direito.
vocação de formador e director espiritual. À sua (colega de curso e amigo de Allamano) Cardeal- Era o homem que no silêncio planeava, orientava e
função de formador aliava “um relacionamento -Arcebispo de Turim. Em Abril de 1900, recuperando geria as obras, tanto as do Santuário da Consolata
paternal e amigo, a delicadeza de carácter, a nobreza milagrosamente de uma doença grave, escreve uma como as do Instituto. Todo o apoio logístico e técnico
de sentimentos, a fineza do trato e a disponibilidade carta ao seu novo bispo, expondo-lhe as razões para às missões era garantido por ele. Chegou mesmo a
para ouvir”. a fundação do Instituto. Numa assembleia do inventar máquinas que se adaptavam às necessidades
Em 1880, com apenas 29 anos de idade, é chamado episcopado do Piemonte, D. Richelmy defende o de África. Quando foi preciso visitar as missões, foi
a assumir o cargo de Reitor do Santuário de N. Sr.a projecto missionário de Allamano e, a 29 de Janeiro ele que, no lugar de Allamano, se deslocou a África
da Consolata, situado no centro da cidade de Turim, de 1901, aprova por decreto diocesano a criação com todos os poderes de superior e com o
onde permaneceria 46 anos. Em 1883, é nomeado do novo Instituto Missionário. beneplácito da Congregação para a Evangelização
Cónego honorário da Sé de Turim. A 8 de Maio de 1902, partiram para o Quénia os dos Povos. Os dois sacerdotes – Allamano e
Estão reunidos os elementos fundamentais da primeiros quatro missionários, para o território da Camisassa – partilharam sempre todos os projectos,
espiritualidade de Allamano que o IMC tem como tribo dos Kikuyu, onde nenhuma outra congregação dificuldades e sucessos de forma simples e humilde.
herança sua: amor e obediência à Igreja; devoção tinha ainda trabalhado. Foram eles os P.es Tomás Ambos pensavam em convocar um Capítulo Geral
eucarística e devoção mariana. É em comunhão com Gays e Filipe Perlo e os Irs. Luís Falda e Celestino para elegerem uma nova direcção para o Instituto,
a Igreja e no seio da sua igreja local que Allamano Lusso. Aí, teve início um novo método de missionação enquanto eles regressariam aos seus cargos de
desenvolve todo o seu projecto missionário. A sua que faz parte do património do Instituto: na ordem sacerdotes diocesanos. Mas antes que tal acontecesse,
espiritualidade foi forjada na história pessoal e ecle- pastoral, a evangelização; e na ordem do desenvol- morreu a 18 de Agosto de 1922 o Cónego
sial e nessa grande referência da sua vida que foi vimento, a promoção humana. Nesta perspectiva, é Camisassa.
S. José Cafasso. O Fundador indicou aos seus construída uma serração e carpintaria movidas a Assim, o primeiro Capítulo Geral teve lugar de 22
missionários o caminho: “quero que sejais primeiro água, são implantados novos meios mecânicos para a 24 de Novembro desse mesmo ano. Dos elementos
santos, depois missionários”; “A santidade torna a cultivação e moagem do café e é montada uma presentes, 11 votaram no Fundador para Superior.
extraordinárias mesmo as coisas ordinárias”; “fazei tipografia que levou à publicação do primeiro jornal D. Filipe Perlo foi eleito Primeiro Conselheiro por
o bem bem feito”; “o Instituto não é um colégio mensal do Quénia o Wathiomo Mokinyu (“O unanimidade e, sob proposta de Allamano, assumiria
nem um seminário qualquer, é uma família e vós Verdadeiro Amigo”). Em 1905, foi criada pela as funções de Vice-Superior. As relações entre o
sois todos irmãos; deveis viver juntos, formar-vos Congregação Romana para a Evangelização dos Fundador e D. Perlo tornam-se difíceis, e o desenvol-
juntos e trabalhar juntos durante toda a vida. Aqui Povos a Missão Independente do Quénia e o P.e Filipe vimento do projecto missionário ganhou contornos
dentro não somos como estátuas num museu que Perlo nomeado seu primeiro Superior. Graças ao bem diferentes, em virtude da personalidade e da
nem sequer tocam umas nas outras”. Então, sereis bom desempenho dos misssionários, o Instituto visão pastoral destes dois homens.
missionários, capazes de uma entrega total, porque recebeu da Santa Sé a aprovação definitiva dos seus Allamano teve uma última alegria que foi a bea-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS CONSOLATINOS

com as autoridades religiosas e civis portuguesas. que levaram à destituição do pároco de Tete, que
Com o objectivo de resolver estes e outros problemas, já nessa altura era um missionário da consolata. Em
a 2 de Janeiro de 1928, a Congregação Romana 1927, chegaram as primeiras irmãs da consolata, o
para a Propagação da Fé decretou a realização de que tornou a situação ainda mais crítica.
uma Visita Apostólica ao Instituto. “Num espaço de A normalização das relações do Instituto com as
quatro anos e cinco meses – tempo que durou a autoridades civis e religiosas portuguesas só teve
sua visita – D. Lucas Pasetto, o Visitador, destituiu lugar após a Concordata estabelecida entre Portugal
a direcção geral e todos os bispos do Instituto; retirou e a Santa Sé, à qual estava anexado o Acordo
os Missionários da Consolata da Somália; suspendeu Missionário. Por ocasião dos oito séculos da fundação
as matrículas e as admissões às ordens sacras; forçou da nacionalidade portuguesa, o Papa Pio XII dirige
o encerramento dos centros vocacionais que não um apelo ao episcopado português através da
mostrassem garantias suficientes de bom Encíclica Saeculo Exeunte Octavo, no sentido da
funcionamento; e expulsou do Instituto muitos dinamização da Igreja em Portugal para a
missionários e missionárias” (TEBALDI, Giovanni, A evangelização em África. É neste contexto histórico
Missão…, p. 52). O fim da Visita foi decretado a 28 que chega a Lisboa, a 10 de Junho de 1943, o P.e
de Junho de 1933. A nova Direcção Geral foi João De Marchi, o primeiro missionário da conso-
nomeada e não eleita, ficando Superior Geral o P.e lata em terras lusas. Dirigiu-se para Aveiro, onde o
Gaudêncio Barlassina. Quanto às Irmãs da Bispo local, D. João Evangelista de Lima Vidal, após
Consolata, as suas Constituições foram aprovadas contacto prévio do Vaticano, o acolheu e lhe
a 16 de Maio de 1930 e o seu Instituto passou a recomendou que se aconselhasse com o P. e
ser de Direito Pontifício, completamente autónomo Humberto Pasquale, Superior dos Salesianos. Este
P.e João De Marchi, fundador dos Missionários da Consolata e independente.
em Portugal (I)
Retomada a normalidade da vida do Instituto, depois
das primeiras missões do Quénia, Etiópia, Somália,
tificação do seu tio José Cafasso, a 3 de Maio de Tanzânia e Moçambique, os Missionários da
1925. A 16 de Fevereiro de 1926, morre José Consolata chegaram a Portugal em 1943 e, entre
Allamano e é sepultado no cemitério de Turim. Em 1944 e 1948, chegaram à África do Sul, Argentina,
1938, os seus restos mortais foram trasladados para Brasil, Colômbia, Estados Unidos e Canadá. Nas
a Casa-Mãe do Instituto. Em 1944, teve início o décadas de 50 e 60, estabeleceram-se em Espanha,
processo de canonização. Foi beatificado em Roma Inglaterra e Irlanda. São fundadas novas missões no
pelo Papa João Paulo II, a 7 de Outubro de 1990. Congo em 1972, na Coreia do Sul em 1988, na
Também D. Filipe Perlo é uma figura incontornável Costa do Marfim em 1996, na Mongólia em 2000
na história das origens do Instituto. Homem dinâmico, e, ultimamente, em Djibuti.
Seminário dos Missionários da Consolata, Fátima (I)
empreendedor, decidido, exigente e autoritário,
valorizava até ao limite o trabalho manual e a
preparação técnica. Quando assume as funções de
Vice-Superior Geral, coloca praticamente o Fundador sugeriu-lhe que abrisse o seu seminário em Fátima,
à margem das grandes decisões e leva à prática uma onde os Salesianos tinham uma casa devoluta.
estratégia de animação missionária, que consistia Após uma visita ao Bispo de Leiria, D. José Alves
em abrir centros vocacionais por toda a Itália, a Correia da Silva, o P.e De Marchi foi autorizado a
partir dos quais se deveria fazer a animação hospedar-se no Santuário. Em Fátima, o P.e De Marchi
missionária e a promoção vocacional. Por outro lado, conheceu duas senhoras, D. Maria da Soledade e
a sua estratégia previa uma divulgação das actividades D. Rosinha Freitas, que eram irmãs, e com as quais
missionárias em África e, com este objectivo, aprendeu a língua portuguesa. Foi durante este
conseguiu que o Instituto estivesse presente na tempo que o missionário escreveu vários livros, entre
Diamantino Antunes, missionário da Consolata, com catequistas
Exposição Missionária Internacional de Roma. os quais aquele que viria a contribuir imenso para
de uma aldeia da missão de Mecanhelas, na Província
A expansão era de tal ordem que, em 1928, o Instituto a internacionalização das Aparições de Fátima e que
do Niassa, Moçambique (I)
já tinha em África 177 missionários e 164 missionárias; se intitulava Era uma Senhora Mais Brilhante que o
na Itália, 220 missionários e 320 missionárias, e ainda Sol, encontrando-se traduzido para uma dúzia de
510 aspirantes. Entretanto, as missões da Consolata A chegada dos Missionários da Consolata a línguas. Escreveu ainda Foi aos Pastorinhos que a
já se tinham estendido à Somália, Etiópia, Tanzânia Moçambique deu-se em 1925. Depois de firmado Virgem Falou com traduções em várias línguas. Este
e Moçambique. O acelerado ritmo de crescimento um acordo com o Bispo de Lourenço Marques, fenómeno viria a ligar o P.e De Marchi a Fátima de
trouxe problemas vários, tais como a qualidade da D. Rafael Maria da Assunção, os oito primeiros tal maneira que ele optou por fundar aqui o
formação intelectual e espiritual tão cara a Allamano. missionários chegaram e ocuparam territórios que Seminário das Missões. Os Missionários da Consolata
Acresceu a dependência total das Missionárias da não estavam previstos no acordo, nomeadamente foram, assim, os primeiros a estabelecer-se em Fátima.
Consolata em relação ao Superior Geral, contrariando o de Niassa. Gerou-se uma situação delicada que O dia 3 de Outubro de 1944 ficou na história do
a vontade do Fundador, no sentido de estas se levou o bispo a falar com os superiores do Instituto Instituto como a data da abertura do seminário.
tornarem cada vez mais autónomas. A própria em Turim. No regresso, deu ordens para que os dois Começou a funcionar com 11 alunos na casa cedida
expansão em África, nomeadamente em missionários do Niassa abandonassem a missão, o pelos Salesianos. Foram seus primeiros professores
Moçambique, estava a ser feita no meio de conflitos que não aconteceu. Tal atitude provocou reacções a Sr.a D. Maria da Soledade Freitas, considerada

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DEHONIANOS

como a mãe do Instituto em Portugal, e o Diácono os Estados Unidos e foi substituído pelo P.e José Gallea.
João Carlos Miranda, da Diocese de Aveiro. Em 1958, foi erigida canonicamente a Delegação
A construção do novo edifício do seminário, como Portuguesa do Instituto que, em 1960, passou a
se encontra hoje, teve início em 1946, tendo a província. O Instituto foi reconhecido pelo Estado
primeira parte sido inaugurada em 1950. Em Outubro como Corporação Missionária a 5 de Janeiro de 1961.
desse ano, já contava 50 alunos e um bom grupo Em Janeiro de 1955, foi fundada a revista Fátima
de missionários italianos que se dedicava à formação Missionária destinada sobretudo à animação
dos seminaristas e também à animação missionária missionária e vocacional e ao contacto com os
que, desde sempre, constituiu um dos objectivos benfeitores. Em 2006, tinha uma tiragem mensal
prioritários do estabelecimento do Instituto em de 33 000 exemplares e era enviada para 20 países.
Portugal. Neste sentido, abriu-se no Porto uma casa Desde 1991 que o Instituto possui em Fátima o
dedicada à animação missionária. Segue-se a abertura Centro Missionário Allamano, que, além de permitir O consolatino Mário Campos em diálogo com um tuxaua, chefe
indígena, na missão de Maturuca, Brasil (I)
de vários seminários menores: Carregado, 1947; a realização de várias actividades no âmbito da
Águas Santas, 1959; Vila Nova de Poiares, 1960; animação missionária, oferece informação sobre as
Cacém, 1964; Abrantes, 1975; Figueira da Foz, 1977. missões através do Museu de Arte Sacra e Etnologia,
O Instituto interessou-se também desde o princípio que transporta o visitante para outras culturas e BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
pela formação de Irmãos Missionários, tendo para para o trabalho de evangelização aí desenvolvido. [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
isso adaptado as casas do Carregado e da Q. ta Actualmente, os Missionários da Consolata têm em Portuguesa, 2007, pp. 829-830; M ISSIONÁRIOS DA
Castelinhos, em Ourém. Portugal quatro Centros Missionários, a saber: Fátima, CONSOLATA, José Allamano, Fundador dos Missionários
Na sua actividade pastoral, o Instituto colaborou Águas Santas, Cacém e Figueira da Foz. O Instituto da Consolata, Fátima, Associação A.M.C., 1991;
sempre com as várias dioceses e paróquias onde se da Consolata agrega a si um leque variado de TEBALDI, Giovanni, A Missão Tem Muito que Contar,
encontrava. No Patriarcado de Lisboa, assumiu entidades que dão pelo nome de Família Missionária Fátima, Edições Missões da Consolata, 2001; SANTOS,
mesmo a responsabilidade das Paróquias de da Consolata. Desta grande família fazem parte os Januário dos, A África no Coração: Vida e Obra de
Campolide, do B.º da Serafina, entre outras. Desde Leigos Missionários da Consolata (LMC); os Amigos José Allamano, Fátima, Edições Missões da Consolata,
a chegada do P.e João De Marchi a Portugal que Missionários da Consolata (AMC); os Jovens 1994.
houve sempre uma relação muito estreita com o Missionários da Consolata (JMC); as Mulheres
Santuário de Fátima e uma colaboração que se Missionárias da Consolata (MMC); os Leigos Peregrinos PAULO SANTOS
mantém ainda hoje. da Missão (LPM) e os Casais Missionários da Consolata
(CMC). Em função dos objectivos de cada grupo é
facultada aos seus membros a possibilidade de viverem DEHONIANOS
a espiritualidade e o carisma do Beato José Allamano; A Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus
aprofundarem a formação cristã e a sensibilidade (Dehonianos) nasceu a 28 de Junho de 1878, quando
missionária; discernirem uma opção vocacional, e o seu Fundador, P.e João Leão Dehon (1843-1925)
ainda participarem directamente no trabalho de emitiu os votos religiosos no Colégio S. João, em
evangelização em terras de missão. Para dinamizar Saint-Quentin, França. No início, tinha o nome de
os membros da Família Missionária e os benfeitores Oblatos do Coração de Jesus. Após algumas
com quem desde o início o Instituto contou, os vicissitudes, em que o Instituto foi temporariamente
Missionários levam a efeito um vasto programa anual encerrado, o P.e Dehon reabriu a Congregação com
de que fazem parte a peregrinação a Fátima, a festa o título oficial de Sacerdotes do Coração de Jesus.
Casa Provincial, Lisboa (I) da Consolata, o projecto missionário anual, os retiros São geralmente conhecidos por Dehonianos, em
nos tempos fortes da liturgia, e outros. referência ao nome do Fundador. Tem como sigla
Em 1949, partiram os três primeiros seminaristas As fontes de receita que inicialmente sustentavam SCJ, iniciais do nome oficial da Congregação.
para Turim, para fazerem o Noviciado e prosseguirem o Instituto em Portugal eram as ofertas dos A Congregação tem 2300 membros e está presente
os estudos filosóficos e teológicos. Foram estes os benfeitores, o trabalho pastoral dos missionários e em 40 países. Juridicamente, está organizada em
primeiros jovens estrangeiros a entrar no Instituto a angariação de fundos, nomeadamente junto das Províncias, Regiões e Distritos. É governada pelo
da Consolata em Turim. Entre 1951 e 1956, comunidades portuguesas emigradas nos Estados Superior Geral e seu Conselho. A Sede Geral da
funcionou também em Fátima um Noviciado Unidos. Actualmente, uma parte do Seminário de Congregação situa-se em Roma.
internacional por onde passaram 15 alunos oriundos Fátima está adaptada para acolher peregrinos, assim Partindo da visão evangélica do P. e Dehon, os
de Inglaterra, Irlanda, Escócia e Estados Unidos. como o Hotel Pax, que foi construído já com esse Dehonianos procuram descobrir e experimentar, na
Desde sempre os estudos teológicos foram feitos fim, a venda de artigos religiosos, e as actividades contemplação do Lado Aberto e do Coração de
em seminários internacionais: Turim, Roma, Madrid, pastorais dos missionários não só garantem a Cristo, o amor único e totalmente gratuito de Deus
Londres, Nairobi, Washington, etc. O primeiro sustentabilidade financeira do Instituto em Portugal, que salva. Querem corresponder a esse amor,
sacerdote português da consolata foi o P.e Manuel como ainda contribuem abundantemente para o seguindo a vida de Jesus na profissão dos conselhos
Carreira Júnior, ordenado em 1954. Os primeiros trabalho de evangelização nas missões. evangélicos (castidade, pobreza e obediência) e
missionários da consolata que, em 1956, partiram Em 2006, os missionários da consolata portugueses unindo-se na sua perfeita oblação ao Pai e aos irmãos
para as missões, concretamente para Moçambique, eram 60, dos quais 54 sacerdotes e 6 irmãos. até à doação total de si mesmo na cruz. Procurando
foram os Irs. Albino Henriques Rosa, António dos Encontram-se em Portugal 20 e os restantes imitar Maria, na sua plena disponibilidade ao projecto
Reis Gonçalves e Francisco Neves da Silva. trabalham espalhados pela África do Sul, Brasil, de Deus, querem oferecer tudo o que fazem,
Em 1952, ano em que ficou concluída a obra do Colômbia, Coreia do Sul, Estados Unidos, Itália, sobretudo as suas pessoas e as suas vidas, para o
Seminário de Fátima, o P.e João De Marchi partiu para Moçambique, Quénia e Tanzânia. serviço do reino. Prestam, assim, humilde colaboração

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DEHONIANOS

na obra reparadora de Cristo, servindo a missão da apostolado e promoção social entre os pobres, quatro dehonianos vão para o Canadá, iniciando a
Igreja do Senhor em constante atenção aos homens, operários e marginalizados. Consagram ao Senhor obra da Congregação na América Setentrional. Em
levando o amor e a reconciliação de Deus a sua vida e as suas energias para proclamar o 1920, a Congregação está presente nos Estados
principalmente aos mais carenciados de amor. Evangelho do amor e para servir os irmãos, sobretudo Unidos, abrindo, em 1923, uma missão entre os
Esforçam-se por viver em comunidades fraternas nas situações mais difíceis e necessitadas. Estão peles-vermelhas de Lower Brule, no Dakota do Sul.
como realização da nova fraternidade possível em dispostos a doar-se, para que a Civilização do Amor Em 1938, um primeiro grupo de dehonianos
Cristo, unindo as suas forças e fazendo das suas se espalhe entre a humanidade e surja o Reino do holandeses, italianos e espanhóis chega à Argentina.
pessoas um dom recíproco. Nutrem e fortalecem a Coração de Jesus. Em 1940, assume-se a nova paróquia El Salvador,
sua vocação de amor e de reparação na Eucaristia, A vocação dehoniana, centrada no mistério do na cidade de Montevideu, no Uruguai. Em 1950,
celebrando a adoração a Cristo na sua doação Coração de Cristo, fonte da Igreja, situa os os Dehonianos estabelecem-se definitivamente no
suprema pela salvação dos homens e para glória da Dehonianos no coração da própria Igreja como Chile, onde, desde 1948, alguns tinham já exercido
Santíssima Trindade. “profetas do amor e servidores da reconciliação”. o seu ministério. Em 1953, dois missionários
O Instituto é, por natureza, um instituto apostólico. espanhóis começam a actividade missionária na
Nesse sentido, os seus membros colocam-se ao Venezuela. Recentemente, iniciou-se uma nova
serviço da Igreja nas mais diversas tarefas pastorais. presença pastoral no México e no Equador.
O seu autêntico serviço à Igreja baseia-se na vida Em 1897, o P.e Dehon aceita a missão do Congo e,
de oração e na oblação e expressa-se particularmente a 25 de Dezembro daquele ano, o P.e Grison celebrava
nas actividades missionárias, na formação do clero a missa de Natal, inaugurando assim a missão de
e dos religiosos, no ministério junto dos mais S. Gabriel, perto de Stanleyville (actual Kisangani).
pequenos e humildes, no compromisso para instaurar Em 1898, os Dehonianos chegam à Tunísia, onde
o reino de justiça e de caridade cristã nas almas e permanecem dois anos. Em 1910, inicia-se a missão
na sociedade, na dedicação constante para que a dos Camarões. Em 1923, a prefeitura apostólica de
comunidade humana, santificada pelo Espírito Santo, Gariep, na África do Sul, é confiada aos dehonianos
se torne Povo de Deus e oblação agradável ao Senhor. alemães. Em 1947, os primeiros dehonianos italia-
Quanto à presença dos Dehonianos no mundo, em nos chegam a Moçambique. Em 1974, vão para
1878 inicia-se a obra dehoniana em Saint-Quentin, Madagáscar os dehonianos da Itália, aos quais se
na França. Em 1883, abre-se, em Sittard, na Holanda, juntam, em 1982, os dehonianos portugueses. Em
um primeiro seminário menor para os que querem 2004, deu-se início à presença em Angola, com
ir para as missões. Em 1889, em Clairefontaine, na missionários provenientes de Portugal, da Itália e de
Bélgica, é aberto um outro seminário menor. Em Moçambique.
1891, abre-se a primeira residência em Roma, Os três primeiros dehonianos chegaram ao sul de
destinada ao Governo Geral e a estudantes clérigos; Sumatra (Indonésia) em 1924. Posteriormente, foi
em 1895, a primeira casa no Luxemburgo e em criada a missão nas Filipinas, com a participação de
1903, na Dinamarca, presença esta que termina em religiosos de várias províncias. Uma nova experiência
1951. Em 1904, a Congregação estabelece-se na de trabalho internacional surge actualmente na Índia
Boémia, que a partir de 1919 faz parte da com dehonianos vindos de diversos países, entre os
Instituto Missionário, Coimbra (ZP) Checoslováquia, e donde se retira em 1948. quais dois portugueses. Actualmente, está a iniciar-
Progressivamente, inicia a sua presença, em 1907, -se a presença no Vietname e perspectiva-se nova
na Finlândia; em 1907, na Itália; em 1909, na Áustria; missão na China.
Face à experiência de um mundo marcado também em 1911, na Suécia; em 1912, na Alemanha; em Em 1946, chegaram a Portugal os primeiros
pelo mal, os Dehonianos procuram realizar as suas 1916, na Espanha; em 1923, na Suíça; em 1928, dehonianos da Província Italiana, com o objectivo
mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o na Polónia; em 1936, na Inglaterra. Em 1947, de implantar a Congregação no nosso país. Várias
amor e a liberdade. A actualidade da sua vocação acontece a primeira presença em Portugal, na ilha circunstâncias se conjugaram para o início e o rápido
percebe-se no facto de a sociedade de hoje sentir da Madeira. Em 1970, a Congregação inicia a sua desenvolvimento da Obra. Enquanto a Província
a necessidade de se encontrar com o Coração de presença na Escócia e, em 1978, na Irlanda. Em Italiana pedia à Santa Sé um território missionário,
Cristo para d’Ele receber paz, serenidade, conforto 1985, vai para a Jugoslávia. Com a recente o Cardeal Arcebispo de Lourenço Marques (hoje
e perdão. Na sua vocação, querem encarnar e configuração do mapa europeu, a Congregação Maputo), D. Teodósio Clemente de Gouveia,
testemunhar o primado do amor no mundo e marca presença nos países recém-criados: Ucrânia, procurava, em Itália, missionários para Moçambique
empenhar-se sem reservas por uma humanidade Bielorrússia, Eslováquia, Croácia, Moldávia. e sonhava com a fundação de um seminário missio-
nova no Coração de Cristo. Seguidores de Jesus É na América Latina que se realiza a primeira nário na ilha da Madeira, sua terra natal. A vasta
Cristo segundo o carisma do P.e Dehon, verdadeiro actividade missionária Ad Gentes da Congregação. região da Zambézia, em Moçambique, foi destinada
apóstolo do amor e da reparação, procuram viver Já em 1888, dez anos depois da fundação do aos nossos missionários italianos. O governo
e vivificar o carisma e a espiritualidade do Fundador Instituto, o P.e Dehon envia dois religiosos a Quito, português exigia, como condição, a abertura de
na Igreja e no mundo. no Equador. Ali permanecem até 1896, altura em casas de formação em Portugal, para que pessoal
A Congregação difundiu-se com vitalidade crescente, que são expulsos pelo governo hostil à Igreja. Foi português pudesse, mais tarde, substituir os
procurando sempre responder às expectativas sociais assim que começou a presença dehoniana no missionários estrangeiros. Foi assim que chegaram
e religiosas do povo. Assim, os Dehonianos procuram continente americano. Em 1893, os padres a Lisboa, em finais de 1946, desprovidos de meios
ser uma presença actuante e eficaz em vários dehonianos iniciam o apostolado social no Nordeste e sem planos definidos, os primeiros padres
sectores: missões, paróquias, movimentos eclesiais, do Brasil. Em 1903, a presença dehoniana estendeu- encarregados dessa missão: os P.es Ângelo Colombo
ensino, formação dos jovens, comunicação social, -se também à região meridional do Brasil. Em 1910, e Gastão Canova. O destino era a ilha da Madeira,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DEHONIANOS

padres (Luís Gasperetti, em 1947, e Miguel Corradini, transferiu o colégio, iniciando-se as aulas em 1958.
em 1948), que se fixaram em Lisboa, no B.º da Nesse mesmo ano, o seminário menor do território
Serafina, onde trabalharam em condições de extrema continental foi transferido de Aveiro para o Porto,
pobreza. Dois anos mais tarde, o P.e Ângelo Favero na Boavista. Aí funcionou durante alguns anos o
foi para o Linhó, como capelão das Irmãs Doroteias, Seminário Missionário P.e Dehon. Em 1963, alugava-
obtendo, em compensação, alojamento para os -se, em Ermesinde, um edifício para onde foram
missionários de passagem para Moçambique. Em transferidos os alunos do Colégio S. João e, dois
1951, foi confiada à Congregação a igreja italiana anos mais tarde, também os da Casa S.ta Maria (Q.ta
de N. Sr.a do Loreto, de que se tomou posse dois da Abelheira – Vale de Loures). Assim tinha início o
anos mais tarde, em 1953. Seminário N. Sr.a de Fátima, destinado exclusivamente
Em 1951, chegaram a Coimbra os primeiros dois aos alunos do primeiro ciclo liceal (actual 5.º e 6.º
dehonianos (P.es Mário Malagoli e Ângelo Caminati), anos) e que funcionaria apenas durante alguns anos.
P.e Zeferino Policarpo, P.e Manuel Barbosa e P.e Agostinho Sousa (I) colaborando o primeiro na direcção espiritual do No Porto, inicia-se a construção do novo e grande
seminário maior e na Paróquia de S. ta Cruz e o edifício do Seminário Missionário P.e Dehon, sito em
onde desembarcaram a 17 de Janeiro de 1947. segundo na de S.to António dos Olivais. Em 1952, Fânzeres (Gondomar), inaugurado em 1958. Em
Por indicação do Bispo do Funchal, D. António chegava também o P.e Gastão Canova, proveniente 1971, a casa da Boavista fica destinada apenas a
Manuel Pereira Ribeiro, foram instalar-se na Escola do Funchal, encarregado de preparar instalações centro vocacional e sede da Paróquia de N. Sr.a da
de Artes e Ofícios, fundada pelo cooperador salesiano para a nova comunidade e para o primeiro grupo Boavista.
P.e Laurindo Leal Pestana. Aí prestariam assistência, de alunos do colégio missionário, que chegaram a
aprenderiam a língua e aguardariam que, com o Coimbra nesse mesmo ano, instalando-se provi-
tempo, se definissem melhor os objectivos da sua soriamente no rés-do-chão de uma dependência do
missão. Em poucas semanas, tornou-se conhecida seminário maior. Começava assim, também em
a sua presença na ilha, constando também que pobreza e provações, o Instituto Missionário do
pretendiam abrir um seminário. Passados poucos Sagrado Coração em Coimbra. Em 1954, a
meses, apresentaram-se espontaneamente alguns Congregação assumia, ainda em Coimbra, um novo
candidatos, facto considerado como uma clara campo de trabalho, o Colégio Luís de Camões, onde
indicação da Providência. Deram-se os primeiros os Dehonianos trabalharam durante nove anos na
passos em ordem à abertura de um seminário, o educação da juventude. Entretanto, o Instituto
que veio efectivamente a acontecer em Outubro Missionário de Coimbra mudava, mais uma vez, de
seguinte, quando, precisamente no dia 17, no tempo instalações, vindo a ocupar duas pequenas casas
Centro Dehoniano, Porto (ZP)
da festa litúrgica de S. ta Margarida Maria, se perto do colégio, onde se manteve até 1956. Dado
inaugurou, com dez alunos e na maior simplicidade o aumento do número de alunos, a comunidade
e pobreza, o Colégio Missionário do Sagrado teve de ser desmembrada: alguns padres continuaram A 27 de Dezembro de 1966, 20 anos após a chegada
Coração, numa quinta situada no Caminho do no colégio, outros instalaram-se, com os seminaristas, dos dois primeiros dehonianos a Portugal e dispondo
Monte. Estava, assim, implantada a Congregação na Vivenda Cepas, até que, em 1959, deram entrada já a região de casas de formação e de pessoas
dos Sacerdotes do Coração de Jesus em terra na sede definitiva do Instituto Missionário, em Montes suficientes para garantir de modo autónomo a sua
portuguesa. Rodeado, desde o princípio, de Claros. Em 1962, deixou-se o Colégio Luís de Camões continuidade e desenvolvimento, é constituída em
extraordinária simpatia popular e gozando do e abriu-se outra obra congénere nos arredores de Província da Congregação. Dois meses mais tarde,
precioso apoio do bispo da diocese, o colégio Coimbra. Foi o Colégio S. João, que funcionou reunia-se o primeiro Capítulo Provincial da Província
missionário cresceu e desenvolveu-se num clima de apenas durante um ano. Entretanto, em 1953, abriu- Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus.
simplicidade, entusiasmo e espírito de sacrifício. -se também, em Aveiro, a Casa Sagrado Coração Em 1967, tornou-se possível constituir, em Lisboa,
A disponibilidade e o espírito de serviço dos primeiros de Jesus, que funcionou durante meia dúzia de anos com outros institutos religiosos, um centro de estudos
padres tornaram-se notórios na diocese e marcaram como seminário menor (os primeiros estudantes de Filosofia e Teologia (ISEE – Instituto Superior de
um estilo que veio a reflectir-se nas obras que se faziam o Noviciado e os estudos filosófico-teológicos Estudos Eclesiásticos), que os estudantes passaram
seguiram. em Itália). Em 1959, iniciou-se o primeiro curso de a frequentar, instalados provisoriamente numa casa
Logo a seguir à Madeira, a Congregação estabeleceu- Noviciado, em Aveiro, na Casa Sagrado Coração de emprestada, em Prior-o-Velho (Sacavém). Entretanto,
-se em Portugal continental, com a chegada de dois Jesus. decidia-se a construção de uma sede definitiva para
Não eram ainda passados sete anos desde o início o seminário maior. Em 1969, os estudantes de
da Obra em Portugal, e já os superiores maiores, Filosofia e Teologia puderam instalar-se no novo
tendo em atenção o seu desenvolvimento, a erigiam edifício do Seminário N. Sr.a de Fátima, em Alfragide.
em Região, a 12 de Outubro de 1954. Região é um Uma das condições postas pelo Cardeal Patriarca de
conjunto de comunidades de um território Lisboa para se abrir este seminário era a de se assumir
determinado que ainda não possui estruturas e a futura Paróquia de Alfragide. Assim, ao entrar no
número de membros suficientes de modo a poder novo seminário, o Instituto ficou com a responsa-
evoluir de forma autónoma. Em 1957, deu-se início, bilidade pastoral da área geográfica circundante.
no Funchal, ao Colégio Infante D. Henrique, como Estabilizada a situação das casas destinadas à
residência para estudantes, numa quinta alugada formação, foi a vez de solucionar o problema da
(Q. ta Favilla), sita à Av. do Infante. Tendo-se en- sede definitiva da casa provincial que funcionava,
contrado instalações satisfatórias no antigo Hotel entretanto, no Seminário de Alfragide. Com a compra
Colégio Missionário, Madeira (ZP) Belmonte, na Freguesia do Monte, para lá se de uma moradia em Olivais Sul (Lisboa), para ali se

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DEHONIANOS

Março de 2004, partiram os primeiros missionários tendo em conta a formação integral da pessoa na
para Angola, onde a Congregação assumiu duas sua dimensão humana, intelectual, espiritual,
zonas missionárias: uma na Diocese de Luanda dehoniana e pastoral. A formação é um processo
(Paróquia de N. Sr.a do Rosário, km 9) e outra na permanente que se traduz também nas especia-
Diocese de Luena (missão do Lwau). lizações de vários membros da província.
Além do seu documento fundamental, o Directório Nos Centros de Pastoral Juvenil do Porto, Lisboa,
Provincial, a Província Portuguesa dos Sacerdotes do Madeira e Açores, desenvolvem-se diversas acti-
Coração de Jesus rege-se pelo Projecto Apostólico, vidades com os jovens, cujo objectivo é partilhar a
aprovado pelo X Capítulo Provincial de 2002, que experiência de fé herdada do P.e Dehon, fazendo
contém as linhas orientadoras da acção pastoral dos com que Cristo seja cada vez mais o Coração do
Dehonianos em Portugal e define os campos mundo. A revista A Folha dos Valentes constitui um
Seminário de Alfragide, Lisboa (JAM)
prioritários e o estilo da actuação da província. Este meio de formação e informação neste sector de
documento apresenta o espírito de fundação da actividade.
faria, em 1975, a transferência da sede e dos serviços província, o contexto socioeclesial em que se inserem Desde os inícios, a província tem vivido intensamente
da casa provincial. Em 1982, dá-se início à presença os Dehonianos em relação à sociedade, à Igreja e o ideal missionário. A presença dehoniana em
de dehonianos portugueses na missão de ao mundo, e a vida consagrada dehoniana baseada Portugal está estritamente ligada à missão em
Madagáscar. O P. e Ivo Tonelli havia iniciado, em nos três pilares fundamentais: espiritualidade, vida Moçambique. Posteriormente, a província disponi-
Ermesinde, a Obra ABC (Amigos do Bom Conselho), comunitária e missão. A província tem como bilizou pessoas e meios para fazer desenvolver a
destinada à assistência a crianças desfavorecidas. prioridades da sua acção a pastoral vocacional, a missão de Madagáscar e contribuiu com religiosos
Com a sua morte, em 1982, e aceitando o pedido formação, a pastoral juvenil, as missões e a pastoral para a missão internacional da Índia. Na linha da
por ele mesmo formulado, a província assumiu a social. Está igualmente presente noutros campos de tradição missionária da Congregação e da província,
direcção desta obra, procurando dotá-la dos meios acção: pastoral paroquial, pastoral de educação, assumiu a liderança da missão em Angola em
necessários ao seu funcionamento, com a consciência pastoral escolar e universitária, pastoral da conjunto com a Província de Moçambique e da Itália
de que, deste modo, realizava uma das prioridades comunicação social, casas de espiritualidade e do Norte. O apoio de retaguarda é também garantido
tão caras ao Fundador: o serviço dos pequeninos, animação e formação espiritual, magistério teológico, com a colaboração dos grupos missionários. De
dos humildes e dos pobres. Em 1983, a província missões e colaboração internacional. destacar ainda o facto de os leigos estarem associados
aceita um conjunto de paróquias que formam a Por exigência de conservação e expansão, a província à missão dos Dehonianos, através da Associação dos
zona paroquial da Ribeira Brava e constitui aí uma dá particular atenção à Pastoral Vocacional. Todas Leigos Voluntários Dehonianos.
comunidade religiosa. Dois anos mais tarde, depois as comunidades dehonianas estão envolvidas na O P.e Dehon deu particular importância à pastoral
de ponderados os pedidos de vários bispos, que dinamização vocacional, mas é sobretudo nos centros social, que então constituía um novo e urgente
solicitavam a colaboração dos Dehonianos nas suas do Porto e da Madeira que ela é exercida de modo campo da pastoral da Igreja. Na província, a pastoral
dioceses, foi fundada, em 1990, uma comunidade sistemático. social está presente em todas as obras e tem especial
na ilha de S. Miguel – Açores –, com o objectivo de A formação para a vida religiosa está estreitamente expressão nos centros sociais paroquiais e na obra
aí constituir um centro de espiritualidade (Centro ligada aos inícios da província. Nos seminários ABC.
Missionário Coração de Jesus), destinado a retiros, menores (Colégio Missionário Sagrado Coração, no
encontros, cursos de formação, como apoio à pastoral Funchal, e Seminário Missionário P. e Dehon, no
de diocese e como lar para eventuais candidatos à Porto) e médio (Instituto Missionário Sagrado
Congregação. Coração, em Coimbra), os candidatos dão os
Em 1995, correspondendo a um apelo do Bispo do primeiros passos em ordem à sua consagração a
Algarve, D. Manuel Madureira Dias, a província Deus. A Casa de Acolhimento Vocacional (Centro
assumiu o compromisso pastoral em Vila Real de Dehoniano), no Porto, destina-se à formação dos
S. to António e paróquias limítrofes. O empenho candidatos à vida religiosa, que não passam pelos
missionário da província não se reduz a Moçambique seminários menores e médios. O Noviciado funciona
e a Madagáscar. Em 2001, foram enviados para a na Casa do Sagrado Coração, em Aveiro. No
missão da Índia dois dehonianos portugueses, com Seminário N. Sr.a de Fátima, em Alfragide, desen-
o objectivo de colaborarem na formação de futuros volve-se o processo formativo dos jovens religiosos,
Centro de Espiritualidade, Açores (ZP)
religiosos. Sendo a animação missionária uma das
dimensões importantes do trabalho pastoral da
província e dada a necessidade de acompanhar os Quanto à pastoral paroquial, esta envolve um número
diversos grupos missionários da zona do Porto, a significativo de dehonianos e é expressão da
província construiu uma nova obra na diocese: Centro sensibilidade da província para com a Igreja em
de Espiritualidade Betânia. Em 2002, foi aí oficial- Portugal, respondendo às necessidades das igrejas
mente constituída a comunidade religiosa, que tem locais particularmente carentes de clero. Os
a seu cargo a animação dos grupos missionários e Dehonianos assumem o cuidado pastoral de paró-
o cuidado pastoral das paróquias de Duas Igrejas e quias nas dioceses onde estão presentes: Algarve,
Cristelo, cuja responsabilidade fora assumida em Angra do Heroísmo (Açores), Aveiro, Coimbra,
2000. O Centro de Espiritualidade Betânia situa-se Funchal (Madeira), Lisboa e Porto.
em Duas Igrejas, foi inaugurado em 2003 e está A província está presente em vários campos de
vocacionado para funcionar como casa de retiros e ensino: Colégio Infante D. Henrique, Escola da APEL
encontros de reflexão para grupos eclesiais. A 5 de Casa de Noviciado, Aveiro (ZP) (Associação Promotora do Ensino Livre) e no empenho

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

de alguns religiosos na leccionação nas universidades, vai desde o nascimento do P.e Dehon, em 1843, até pela Bula Religiosam vitam eligentibus, dada por
na formação de leigos, nas escolas públicas e noutras 1888; Notes Quotidiennes, em cinco volumes, que Honório III, a 22 de Dezembro de 1216. Esta primeira
instituições. abrange o período desde o Seminário de Roma até aprovação canónica reconhecia-a como uma
Os centros de espiritualidade proporcionam uma à sua morte. Como obras espirituais existem as corporação de cónegos regrantes, sem acentuar o
oferta de estruturas apropriadas de acolhimento, Œuvres Spiritueles, em sete volumes. Inseridas nas seu pendor apostólico, mas uma segunda Bula –
destinadas à reflexão, oração, formação e direcção obras sociais, encontramos as Œuvres Sociales, em Gratiarum omnium – concedida a 21 de Janeiro de
espiritual dos leigos e movimentos eclesiais. Neles sete volumes. Destaca-se ainda a edição portuguesa 1217, ao referir claramente a sua especificidade
desenvolvem-se também actividades que promovem de alguns destes escritos do P.e Dehon: Directório (praedicatoribus in partibus tolosanis), compreendia
uma espiritualidade evangélica com sensibilidade Espiritual; Coroas de Amor: Incarnação, Paixão, a novidade de uma ordem marcada, desde a origem,
dehoniana. Eucaristia (Lisboa, Província Portuguesa SCJ, 2007); pelo enorme esforço de conversão dos hereges
O P.e Dehon utilizou a imprensa como meio pri- A Renovação Social Cristã, Conferências Romanas através do exemplo e da pregação universal do
vilegiado para fazer chegar a Boa Nova do Reino ao 1897-1900 (Roma, Centro Generale Studi SCJ, 2001). Evangelho.
coração e à vida dos homens do seu tempo. As
revistas para os benfeitores, os boletins paroquiais, BIBLIOGRAFIA: Impressa: AA. VV., Construir a 1. O carisma. No momento histórico da sua
os boletins do ECCE e dos Grupos Missionários, a Civilização do Amor: Espiritualidade Dehoniana para fundação, a OP era uma ordem de um género
revista A Folha dos Valentes e a Internet são meios os Tempos Actuais, Lisboa, Província Portuguesa SCJ, inteiramente novo. Pela primeira vez se incluía, como
da acção pastoral da província na área da comu- 2007; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], parte integrante da vida religiosa, um ministério que
nicação. Secretariado Geral da Conferência Episcopal partilhava o dever fundamental do bispo em divulgar
A Família Dehoniana é entendida como um conjunto Portuguesa, 2007, pp. 831-833; CORBELLI, Primo, Por a palavra de Deus e se quebrava o divórcio entre o
dos diversos componentes (religiosos dehonianos, uma Civilização do Amor: Perfil e Imagem de um monge contemplativo e o freire guerreiro, suprimindo
outros consagrados, leigos), que se inspiram no Profeta – História do Padre Leão Dehon SCJ, S. Paulo, a violência e ampliando a acção contemplativa para
projecto espiritual do P.e Dehon, como resposta à Ed. Loyla, 1990; DEHON, P.e João Leão, Coroas de uma projecção da actividade de persuasão. O ideal
vocação pessoal e missão. As suas iniciativas regem- Amor: Incarnação, Paixão, Eucaristia, Lisboa, Província da nova ordem ficou bem expresso nas palavras de
-se pela Carta Constitutiva da Família Dehoniana Portuguesa SCJ, 2007; D EHON , P. e João Leão, A Honório III: “Aquele que continuamente fecunda a
em Portugal. Renovação Social Cristã: Conferências Romanas Igreja com novos filhos, querendo conformar os
Compete ao Superior Provincial, e a todos os que 1897-1900, Roma, Centro Generale Studi SCJ, 2001; tempos actuais com os primitivos e propagar a fé
de um modo mais directo colaboram com ele DEHON, P.e João Leão, Notes Quotidiennes, 5 vols., católica, inspirou-vos o piedoso desejo de abraçar a
(Conselho Provincial), promover, governar e animar Roma, Edizioni Dehoniani, 1988-1998; DEHON, P.e pobreza e professar a vida regular para vos consa-
a vida da província em todas as suas dimensões e João Leão, Œuvres Spiritueles, 7 vols., Roma, Edizioni grardes à pregação da palavra de Deus, propagando
na diversidade das opções pastorais. Várias comissões Dehoniani, 1982-1985; DEHON, P.e João Leão, Œuvres pelo mundo inteiro o nome de Nosso Senhor Jesus
apoiam o serviço de governo nas várias áreas de Sociales, 7 vols., Napoli, Edizioni Dehoniani, 1978- Cristo” (Carta de 18 de Janeiro de 1221, Livros das
actividade. A província conta com uma centena de -1979; DEHON, P.e João Leão, Notes sur l’Histoire de Constituições, OP, 2005). Efectivamente, o espírito
membros que vivem fraternamente em 15 comu- Ma Vie, 8 vols., Roma, Edizioni Dehoniani, 1975- missionário de S. Domingos embrenhou-se numa
nidades dehonianas. -1983; FRANCO, José Eduardo, História da Província instituição dedicada à conversão dos heréticos
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus, europeus, obra para a qual não bastava a pregação
Porto, Edições Dehonianas, 2000; LEDURE, Yves, Orar do exemplo, nem se compadecia com um discurso
Quinze Dias com Léon Dehon: Fundador dos simplista. Eram necessários pregadores doutos, pois
Sacerdotes do Coração de Jesus, Apelação, Paulus, a palavra era um dos principais instrumentos da
2005; LEDURE, Yves, A Vida do Padre Dehon, S. Paulo, Ordem, também designada pela tradição eclesiástica
Província Brasileira Meridional, 1997; M ANZONI , como Ordo Doctorum.
Giuseppe, Leão Dehon: Apóstolo do Coração de Segundo as Constituições da Ordem, a vida inteira
Jesus, S. Paulo, Província Brasileira Meridional, 1984; do religioso devia ser consagrada à salvação das
OLIVEIRA, José Fernandes de (Padre Zezinho), Por Causa almas: orações, penitências, estudos, pregações,
de um Certo Reino: História de Leão João Dehon e trabalhos, privações, tudo convergindo para o mesmo
de Sua Incrível Paz Inquieta, S. Paulo, Paulinas, 1978; fim. Assim, no interior da Igreja católica, os
PERROUX, André, Père Dehon, Qui tes-Vous? Une Vie Dominicanos receberam como missão o exercício da
Consacrée à l’Amour du Christ: Un Message pour pregação na sua dimensão profética, em colaboração
Nous Aujourd’hui, Roma, Centro Generale Studi SCJ, com o ministério episcopal. Deviam-no fazer de
2005; RIBEIRO, Fernando, Padre Leão Dehon, Porto, modo colegial e comunitário, apoiados num profundo
Revista A Folha dos Valentes, Dehonianos (I) Seminário Missionário Padre Dehon, 1993. Digital: trabalho teológico, no sentido de procurar
www.dehon.it; www.dehonianos.org. compreender e explicar a palavra de Deus e a
experiência humana. Por um lado, a crise detectada
No que diz respeito ao legado escrito do P.e Dehon, MANUEL JOAQUIM GOMES BARBOSA por S. Domingos no seio da Igreja tinha-o levado a
importa dizer que nos deixou uma importante e lutar contra uma instituição mundanizada e poderosa
diversificada obra literária, ainda não totalmente através do testemunho de humildade, pobreza e
editada. Para além da extensa correspondência, a DOMINICANOS abnegação. Ao instituir a mendicidade conventual,
sua obra pode classificar-se em obra autobiográfica, A Ordem dos Pregadores – Ordo Praedicatorum (OP) o Santo conjugava o ideal de uma sociedade
obras sociais e obras espirituais. Como obras – designação que se aplica aos frades dominicanos, permanente com a humildade e pobreza do pregador
autobiográficas temos: Notes sur l’Histoire de Ma foi fundada, em 1215, por S. Domingos de Gusmão, itinerante, em que o abandono evangélico à
Vie, em oito volumes, que abrange o período que admitida por Inocêncio III e confirmada solenemente Providência Divina, na imitação dos apóstolos (Act

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

2, 44; 4, 32) fora a pedra angular de uma das almas” pela palavra de Cristo, através da biógrafos, sobretudo por iniciativa dos bolandistas
comunidade fraterna, em que todos tinham tudo pregação e proclamação do Evangelho, tarefa que (herdeiros do jesuíta Joan van Bolland, 1596-1665),
em comum. Por outro lado, face aos cátaros, sentiu impõe a obrigação de escutar a voz e o coração dos trabalho sério de erudição, apenas brevemente
necessidade de valorizar a organização visível de mais pobres e seguir o exemplo de S. Domingos, interrompido no período da Revolução Francesa.
uma Igreja fundada sobre os apóstolos e continuada ao considerar que uma das chaves do sucesso do Através deles, conhecemos os primeiros textos
pelo papa e bispos. Assim, desde o séc. XIII, que a pregador residia no seu modo de vida, na medida dominicanos, nomeadamente os de Beato Jordão,
actividade intelectual dos pregadores, orientando- em que os crentes são mais atraídos para Jesus Cristo companheiro e sucessor do Santo no cargo de Mestre.
-se para o bem das almas, não perde de vista a pelo exemplo, por aquilo que efectivamente se faz A obra, anterior a 1233, relata os começos da Ordem,
realidade quotidiana, com os pés bem assentes na e não tanto pelo que se diz. Por isso, os Dominicanos informações completadas pelas Actas de Bolonha e
terra e os olhos postos no céu. A teologia deste desejaram pregar na pobreza itinerante, segundo o de Toulouse relativas ao processo de canonização
carisma de equilíbrio entre o humano e o divino, a modelo evangélico, o que não implica uma actividade de S. Domingos, que apresentam o testemunho de
acção e a contemplação, foi formulada por S. Tomás pastoral local. Aliás, a ausência de bens terrenos alguns discípulos e outras pessoas, tanto leigas como
de Aquino como síntese e realização superior da tornava-os mais livres, possibilitando uma imensa eclesiásticas, sobre as suas virtudes e milagres durante
perfeição desse binómio de factores essencial à vida mobilidade apostólica. a estadia de 12 anos no Languedoc. Entre 1242 e
da Igreja. Logo desde a sua origem, o carisma de S. Domingos 1247, Constantino Médicis, Bispo de Orvieto,
foi realizado em diferentes grupos. O primeiro foi escreveu uma segunda hagiografia com o objectivo
o das monjas, ainda o projecto de fundação da de completar a de Jordão de Saxe. Em 1254, o texto
ordem não tinha amadurecido. Em Prouille, pequena de Humberto de Romans, escrito antes da sua eleição
povoação no Sul de França, o Santo reuniu, em como Mestre da Ordem, constitui a terceira lenda,
1206, um grupo de mulheres convertidas da heresia bem mais completa que as duas anteriores, seguin-
albigense que tinham aceitado viver em clausura. do-se uma pequena crónica, também do mesmo
Pelo exemplo de uma vida contemplativa inteiramente autor, sobre os acontecimentos de 1202 a 1253.
consagrada a Cristo, através dos votos de pobreza, Bartolomeu de Trento também deixou um pequeno
castidade e obediência, essa comunidade anunciava texto, datado entre 1234 e 1251. Sobre a intimidade
a palavra de Deus e daí S. Domingos as ter apelidado da vida do Santo, nos tempos em que morava em
de “Santa Pregação”. Entre 1257 e 1267, os papas Roma, temos o testemunho da Ir. Cecília (uma das
obrigaram a Ordem a incorporar definitivamente religiosas transferidas para o Convento de S. Sixto)
numerosos conventos de monjas, para os quais se através das memórias que confiou à Ir. Angélica,
redigiu uma Regra geral, em 1259. Nascia, então, cerca de 1240. Com o objectivo de salvar do
como que uma Segunda Ordem, embora o termo esquecimento factos sobre os primeiros tempos e
não fosse empregue. Depois, temos um segundo que ainda os mais velhos recordavam, o Capítulo
grupo, constituído pelos frades pregadores Geral, reunido em Paris (1256), decidiu incumbir
(sacerdotes) e irmãos cooperadores, que formaram Gérard de Frachet de escrever sobre a vida dos Frades
o primeiro ramo da família dominicana, com uma Pregadores. Além destes, temos as seguintes obras:
Constituição redigida em 1220. Também, desde uma crónica vaticana, anónima, com relatos até
muito cedo, diversos tipos de penitentes leigos se 1263; os textos de Étienne de Bourbon (entre 1219-
associaram à Ordem, em fraternidades com a sua -1261), de Vincent de Beauvais (cerca de 1260), de
Regra própria, vindo a designar-se, mais tarde, por Thomas de Cantimpré (1261), de Rodrigue de Cerrato
Ordem Terceira da Penitência de São Domingos ou (posterior a 1266), de Thierry d’Apolda, escrito por
Laicado Dominicano, assim como apareceram ordem do Mestre Munio de Zamora (cerca de 1288),
fraternidades de sacerdotes que desejavam integrar- trabalho mais amplo que os anteriores pois inclui a
Dominicano (Tours) -se na vida e carisma de S. Domingos. No séc. XIX, relação da Ir. Cecília e constitui a maior e última
formaram-se várias comunidades de irmãs, lenda de S. Domingos, publicada pelos bolandistas;
congregações independentes, mas comungando no uma crónica escrita por Galvagno della Fiamma
Não pretendendo, de modo algum, cultivar o estudo mesmo carisma de pregação. No séc. XX, foi a vez (depois de 1298) que se conservou manuscrita na
pelo estudo, os Dominicanos acabaram por constituir dos institutos seculares, grupos com estruturas mais biblioteca do Convento de Minerva, em Roma; um
uma verdadeira irmandade intelectual. Efectivamente, flexíveis, todos unidos pelo mesmo amor ao pequeno tratado, elaborado por Étienne de Salagnac
na Expositio in Constitutiones Fratrum Praedicatorum, proselitismo. Os vários ramos da comunidade (1278), que também permaneceu manuscrito na
Humberto de Romans (Mestre de 1254 a 1263) dominicana – “irmãos clérigos e irmãos cooperadores, mesma biblioteca; uma vida de S. Domingos, de
considerava que era pela filosofia que muitos monjas, irmãs, membros de institutos seculares e de Pierre Calo (1324), escrita mais de um século após
atacavam ou viriam a atacar a Fé católica e assim, fraternidades de presbíteros e leigos” (Constituição a morte do Santo, sem ordem e com bastantes
para melhor defesa da Fé, era conveniente conhecer Fundamental, IX) – descobrem cada vez mais a exageros. Aliás, os sécs. XIV e XV conheceram os
as opiniões dos filósofos até porque os seus erros importância da sua dimensão como família em que tipos mais característicos de adulteração da
poderiam ser, frequentemente, refutados com certas homens e mulheres, leigos e clérigos, unidos na Fé, historiografia dominicana com, por exemplo, Tomás
verdades professadas por eles mesmos. “O maior colaboraram na mesma missão evangélica. de Sena, Alain de la Roche e Bzovius. Nos séculos
bem que se pode fazer a uma pessoa” – escreveu seguintes, o gosto pelas historiografias oficiais bem
S. Tomás de Aquino – “consiste em levá-la do erro 2. A construção da memória. De S. Domingos como a crescente dificuldade na interpretação dos
à verdade”. Hoje, tal como no princípio da aventura apenas nos resta uma carta, mas a sua figura documentos medievais contribuíram para um
missionária, iniciada há quase oito séculos, a vocação encontra-se bastante documentada graças à aumento considerável de erros e confusões que
da OP continua a ser o trabalho para a “salvação publicação dos textos dos seus hagiógrafos e contaminaram a história barroca de S. Domingos.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

Em Portugal, o primeiro cronista da Ordem foi Fr. a linha das mais recentes investigações sobre as
Luís de Sousa (1555-1632), com uma História de S. origens e a evolução da Ordem dos Pregadores. Em
Domingos de que só a primeira parte foi publicada Portugal, destacam-se os trabalhos de Fr. António
em vida. Constitui um vasto repositório de notícias, do Rosário de Sousa Carvalho (1919-2004) e de Fr.
lendas, celebrações, referências, com a expressa Raúl de Almeida Rolo (1922-2004), ambos membros
vontade de conservar uma tradição que tinha da Academia Portuguesa da História. O primeiro
chegado à memória presente e cujo registo não publicou vários estudos sobre a OP, bem como foi
podia perder-se. Já na Vida do Arcebispo, D. Frei o organizador dos encontros sobre História
Bartolomeu dos Mártires a intenção foi outra, a de Dominicana, cujas actas estão publicadas (1977,
uma história biográfica decidida a enfrentar as 1982, 1985). O segundo foi um grande estudioso
exigências da cronologia e da particularização dos da figura de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires.
dados na sua dimensão concreta. Em apêndice à
quarta parte da crónica, encontra-se uma “Notícia 3. A fundação. S. Domingos de Gusmão nasceu
breve” sobre os escritores da Ordem de São cerca de 1170, em Caleruega, baluarte na luta contra
Domingos em Portugal, apresentando uma longa os mouros durante a reconquista cristã. A pequena
lista de 135 nomes, entre os quais encontramos aldeia situa-se no Sudoeste dos Montes Ibéricos,
quatro dominicanas: Soror Catarina Pinheira, do Província de Burgos, Diocese de Osma, em Espanha.
Convento de Jesus de Aveiro, autora da Vida de Segundo a tradição, teria sido fundada por Garcia
Dominicano dedicado ao estudo (JMF)
Santa Joana Princesa; Soror Francisca Josefa de Fernandez, bisavô materno do Santo. De acordo
Nazaré e Soror Violante do Céu, ambas do Convento com Jordão da Saxónia, era seu pai o rico-homem
de N. Sr.a do Rosário; e Soror Maria de Noronha, No século seguinte, considerando que, apesar de Félix de Gusmão, tido como “varão prudente e
religiosa da Anunciada, filha do Conde de Linhares. uma série de monografias entretanto publicadas justo”. A mãe, Joana de Aza, distinguiu-se na prática
No séc. XVIII, a Academia Real da História contou (MANDONNET, P., Saint Dominique…; JARRETT, Bede, da caridade e foi beatificada pelo Papa Leão XII, a
com a participação dos Dominicanos no período da Life of St. Dominic), faltava ainda uma visão de 1 de Outubro de 1828. Segundo a hagiografia, teria
sua fundação, principalmente Fr. Lucas de Santa conjunto sobre S. Domingos e a sua obra, o padre tido um sonho premonitório, vendo-se grávida de
Catarina, Fr. Pedro Monteiro e Fr. Fernando de Abreu. dominicano Marie-Humbert Vicaire, professor de um cãozinho que nascia dela com uma tocha em
Fr. Lucas de Santa Catarina (1660-1740) empreendeu História da Igreja na Universidade de Friburgo depois chamas, como que a incendiar ou iluminar o universo.
a difícil tarefa de continuar a História de S. Domingos, da morte do P.e Mandonnet, em 1937, escreveu uma Era a imagem do grande pregador que iria acordar
cuja quarta parte publicou, em 1733. O trabalho é Histoire de Saint Dominique (2 vols., Paris, 1957), as almas adormecidas e espalhar a Fé por toda a
geralmente considerado escrupuloso e abundante mergulhando no quadro geopolítico da Europa terra (VICAIRE, Marie-Humbert, Histoire…, vol. I, p.
em notícias. Já o mesmo não se pode dizer de Fr. medieval que a viu nascer e desenvolver-se, desde 59). Efectivamente, um pequeno cão levando na
Pedro Monteiro (1662-1735) que publicou uma a conjuntura castelhana, albigense ou lombarda. boca o archote da verdade faz parte do património
volumosa obra intitulada Claustro Dominicano e uma A perspectiva histórica em que a obra se situa permite iconográfico dos Dominicanos (Domini canes, à letra,
História da Santa Inquisição do Reino de Portugal e melhor compreender o tipo de homem criado pelo “os cães do Senhor”), embora deles não seja
Suas Conquistas, tarefa ingrata pois da Inquisição, Santo depois de o ter encarnado em si próprio (vir exclusivo pois, pelo menos, encontramos símbolo
na época, pouco mais se sabia para além de algumas evangelicus) no seio de uma Igreja hierarquizada, semelhante em S. Bernardo e S. Julião de Cuenca.
notícias avulsas e da certeza de que existia e passando pelo proselitismo dos irmãos até à Aparece representado no brasão da Ordem – um
funcionava. Recorrendo a fontes manuscritas e canonização. A publicação de uma colectânea de escudo prateado com um crucifixo ao centro,
numerosos livros impressos, esta obra, que ficou artigos do mesmo autor (1977) – escritos de 1967 ocupando toda a superfície –, tal como se encontra
incompleta, seguiu escrupulosamente as compilações a 1971 e publicados nos Cahiers de Fanjeaux ou no frontispício de um Processional editado em
medievais, tal como fez Fr. Luís de Sousa, unificando nos Annales du Midi –, baseados em fontes Veneza, em 1494. Aliás, não possuímos dados
história sagrada e história profana segundo a meridionais e métodos quantitativos, dá-nos uma anteriores ao séc. XV, nem mesmo nas obras de Fra
composição litúrgica da lenda e da tradição, do visão renovada dos primeiros tempos da Ordem Angélico.
testemunho e da prova factual. Dominicana, tarefa essa continuada numa edição Apesar de formas posteriores, mais trabalhadas e
No séc. XIX, apareceram novos trabalhos entre os mais recente (1998). Também o P. e William A. ricas, foi a sobriedade das armas, que encontramos
quais se destacou a Vida de S. Domingos, de Henri- Hinnebush, professor de História da Igreja no Colégio nalgumas gravuras quinhentistas, que acabou por se
-Dominique Lacordaire (1841). Em Paris, a obra foi Dominicano de Washington D. C. e autor de vários impor: uma cruz partida em branco e negro, termi-
acolhida com entusiasmo. Chateaubriand elogiou o estudos sobre os Dominicanos, publicou uma obra nando em flor-de-lis (a cruz da Inquisição romana),
estilo de um texto que realizou uma verdadeira intitulada The History of the Dominican Order (1965), colocada num campo gironado de prata e negro.
revolução hagiográfica, embora nem sempre tenha aproveitando a imensa riqueza dos arquivos romanos, Não possuímos muitos dados acerca da infância de
sabido fazer a triagem entre a história e a lenda. projecto desenhado para o estudo das diversas Domingos, mas sabemos que dois dos seus irmãos
Deixou também uma Mémoire pour le Rétablissement actividades dos frades pregadores, desde a fundação também abraçaram o estado eclesiástico. O primo-
en France de l’Ordre des Frères Prêcheurs. Diversas até ao séc. XVI. O autor atribui especial importância génito, António, dedicou-se inteiramente aos doentes
colecções de textos (Analecta, Monumenta, Cartulaire ao contributo das irmãs dominicanas para glória da e romeiros, transformando o Castelo de Caleruega
de Saint Dominique, Cartulaire de Prouille) passaram Ordem e benefício da sociedade. Duas biografias de em hospital dos peregrinos a caminho de S. Tiago
a fornecer aos historiadores mais documentos de S. Domingos, uma da autoria de V. D. Carro (Madrid, de Compostela. Depois do mais velho ter abraçado
arquivo, muitos dos quais inéditos e, desde 1931, 1977), a outra de Vladimir Koudelka (Londres, 1997); o sacerdócio, o segundo, Manés, parecia destinado
que a Ordem Dominicana publica regularmente, no uma história da Ordem (Delfin Catañon, 1995); a continuar a família, não fosse a influência das
seu Archivum, fontes e estudos que constituem juntamente com os numerosos artigos escritos pelos notícias que chegavam do Sul da França, onde o mais
excelentes instrumentos de trabalho. P.es Beltrand de Heredia e Simon Tugwell, continuam novo dos irmãos desenvolvia intenso apostolado.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

excomungado enquanto uma sangrenta cruzada, espírito de pobreza, conceito que os levava a rejeitar,
chefiada por Simão de Monfort, marcou a ferro e até, a posse de propriedade comum, dependendo
fogo este período. Em total desacordo com os apenas, na sua origem, da caridade diária dos
métodos empregados, Domingos continuou o seu vizinhos.
apostolado no centro da heresia, como era a cidade Com a morte de Inocêncio III, ocorrida em Julho de
de Carcassone, onde os pregadores corriam sérios 1216, a confirmação solene da OP teve de esperar
riscos. Ia sempre com um companheiro, tal como pela eleição de Honório III que, depois de algumas
Cristo que enviava os seus apóstolos dois a dois. hesitações e muitas consultas, finalmente a aprovou
Viajavam descalços, sem bolsa nem saco, apenas com dando-lhe especiais privilégios, tais como a faculdade
um cajado e vestidos com uma pobre túnica remen- concedida aos seus membros de pregarem em toda
dada na qual havia uma espécie de prega sobre o a parte, confessarem e ministrarem os sacramentos
cinto para levar os poucos objectos que transportavam. sem necessidade de autorização local. De acordo
com as determinações do Concílio, que procurava
conter o exagerado número de novas fundações
religiosas, admitindo apenas aquelas que adoptassem
uma das Regras já existentes, os Dominicanos
escolheram, de início, a Regra de S.to Agostinho. No
entanto, no primeiro Capítulo Geral, reunido em
Fr. José Manuel Fernandes de hábito dominicano completo (JMF)
Bolonha (1220), optaram pela adopção da pobreza
perfeita como meio de pregação, o que justifica a
Decidiu juntar-se-lhe e foi um dos 16 companheiros designação de ordem mendicante.
de Domingos na fundação da OP; Gregório XVI De volta a França, Domingos de Gusmão decidiu
beatificou-o a 2 de Junho de 1834. enviar os seus discípulos pelo mundo. Sete, entre
S. Domingos – designado pelos seus hagiógrafos os quais o irmão Manés, dirigiram-se a Paris, sendo
como Varão Apostólico, Pai dos Frades Pregadores, Superior o único doutor que então tinham, Fr. Mateus
Martelo dos Hereges, Luz da Igreja, Doutor da de França. Para Espanha foram 4, 3 ficaram em
Verdade, Rosa de Constância, Marfim de Pureza e Toulouse e 2 em Prouille. Pouco depois, alguns
Clarim do Evangelho – nasceu sob a protecção de religiosos foram enviados à Universidade de Bolonha
S. Domingos de Silos. Aos sete anos, a sua educação e também à de Paris, na altura a única que concedia
foi confiada a um tio, sacerdote e arcipreste, que Cruz partida em branco e preto, terminando em flor-de-lis, graus em Teologia. Em 1219, a comunidade domi-
espiritualmente o orientou na leitura da vida dos adoptada pela Ordem dos Dominicanos (JEF) nicana nessa cidade já tinha mais de 30 membros,
santos e na prática da piedade cristã. Com apenas vários com o título de doutor, podendo ensinar no
14 ou 15 anos, começou a frequentar o Estudo seu próprio convento, dedicado a S. Tiago (em
Geral de Palência, onde se especializou no conhe- O amor de Domingos ao sofrimento e ao sacrifício francês, Saint-Jacques, donde derivou o nome de
cimento da Sagrada Escritura, disciplina da qual, valeu-lhe a admiração dos contemporâneos e o jacobinos). Em Bolonha, também as casas domi-
segundo alguns autores, chegou a ser lente. Aos 22 convite para as Dioceses de Béziers, Comminges e nicanas se transformaram numa espécie de colégios
anos, uma vez concluídos os estudos, foi eleito Sub- outros bispados, mas recusou sempre, preferindo superiores, como que uma secção da Universidade,
prior no Cabido regrante de S.to Agostinho da Sé continuar a pregação. Em Abril de 1214, alguns dos tal era a mútua ligação entre as instituições.
Catedral de Osma. Em 1203, foi escolhido pelo seus companheiros ofereceram-se para o seguir com Em 1220, o papa confiou a S. Domingos a chefia
Bispo, D. Diogo de Azevedo, como companheiro de voto de fidelidade e obediência e em comunidade de uma acção missionária de conversão dos cátaros
viagem e conselheiro numa importante negociação de vida. Um deles, Pedro Seila, tinha herdado três que se tinham abundantemente difundido no Norte
diplomática: conseguir o casamento do herdeiro do casas, em Toulouse, que ficaram cheias em menos de Itália. A missão esgotou todas as suas forças. Em
trono de Castela com a filha dos Reis da Dinamarca. de um ano e donde saiu a primeira fundação de Julho do ano seguinte, chegou ao Convento de
A travessia do Languedoc permitiu que ambos dominicanos, declarados pelo bispo como seus Bolonha ardendo em febre, quase moribundo,
testemunhassem os progressos da doutrina dualista “vigários em ordem à pregação”, de forma perma- acabando por falecer no dia 6 de Agosto de 1221.
dos cátaros ou albigenses que os Cistercienses nente e sem nomeação especial. Eram todos clérigos, Pediu para ser sepultado em campa rasa, na igreja
combatiam, aliás sem grandes resultados. vestiam uma túnica branca como Cónegos de Santo dominicana de S. Nicolau. Passados 12 anos, os
Cumprida a missão e depois de uma curta estada Agostinho e começaram de imediato aulas diárias irmãos transferiram os seus restos mortais para uma
em Roma, reuniram alguns companheiros e juntaram- com um doutor em Teologia. O objectivo era capela própria, sob um simples monumento em
-se aos legados de Inocêncio III na luta contra a prepararem-se doutrinalmente para contrariar, pela mármore. A fama dos milagres que acompanharam
heresia. Com a clara noção de que para esse combate pregação, as tendências heterodoxas que se notavam a trasladação do corpo levou Gregório IX a acelerar
era necessário voltar ao modo de viver e de pregar na sociedade do tempo. Tal resolução não tinha o processo de canonização. Domingos, “atleta
dos primeiros apóstolos, praticando a pobreza precedentes na história da Igreja e deu origem à corajoso”, foi declarado Santo pela Bula de 3 de
evangélica, o próprio bispo pôs de lado o aparato OP. Julho de 1234. O seu culto não tardou em espalhar-
episcopal e todos adoptaram uma vida profun- Em 1215, Domingos foi com o Bispo de Toulouse -se por toda a Europa. Em 1267, teve lugar uma
damente apostólica, vivendo de esmolas e renunciado ao IV Concílio de Latrão tendo solicitado ao papa segunda trasladação para um túmulo mais rico, que
a toda a comodidade. A morte de D. Diogo, em a aprovação da Ordem. Conheceu, então, S. Francisco veio a ser ornado com esculturas de Nicolas de Bari,
1207, e o assassinato do principal Legado do papa, de Assis. Criaram-se laços de amizade entre os dois em 1473, bem ao gosto renascentista. Depois da
Pedro de Castelnau, desmobilizou o grupo. O Conde fundadores, cujas propostas se distinguiam das reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, a festa de
de Toulouse, acusado de mentor do crime, foi anteriores ao sublinharem mais intensamente o S. Domingos passou a celebrar-se no dia 8 de Agosto.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

4. Princípios constitucionais e organização. O anunciado com tempo, sobre o que diz respeito aos
primeiro Capítulo (ou Assembleia) Geral, reunido ofícios e deveres da comunidade” (Livro das
em Bolonha, no domingo de Pentecostes de 17 de Constituições e Ordenações, 2005). A Ordem está
Maio de 1220, aprovou uma Constituição que tinha organizada em 42 províncias, 3 vice-províncias, 9
como base a Regra de S.to Agostinho, mas também vicariatos gerais e 13 vicariatos regionais. Tem 4
se inspirava na Ordem Premonstratense (fundada missões, perto de 1000 conventos ou casas de frades
em 1120 por S. Norberto). Com uma constituição espalhados por quase uma centena de países, cerca
anualmente actualizada, incorporando os princípios de 250 conventos, mais de centena e meia de casas
de colegialidade, subsidariedade e responsabilidade, das congregações de irmãs da família dominicana,
a comunidade ganhou uma organização original. diversas uniões de oração, instituições seculares e
Aliás, S. Domingos introduzira uma inovação na instâncias de cooperação, promotores para a justiça
prática da vida religiosa ao declarar que as leis da e a paz em todos os continentes (Catálogo da
Ordem esperavam dos frades uma acção responsável Província…).
e não tomada como uma obrigação sob temor do
pecado, declaração assente por escrito no Capítulo 5. Crescimento e reforma. O séc. XIII foi o grande
de 1235. No prólogo das Constituições primitivas, século dos Dominicanos. Os seus ideais e métodos
texto que é considerado directamente inspirado pelo estavam em harmonia com os tempos, a sua força
Santo, esclarecia-se que o cumprimento da lei, a interior era constantemente intensificada por novos
Ritual da cerimónia de tomada de hábito
vida litúrgica, o estudo, a pobreza e tudo o mais membros que possibilitavam a penetração em novas
de um dominicano (JMF)
devia ser posto ao serviço da pregação e salvação áreas de ministério apostólico. A importância dada
das almas. De facto, segundo as palavras de Beato à palavra, como instrumento privilegiado de
Jordão, “resolveram e preceituaram não ter pro- acordo com as informações dos Priores e Delegados encaminhamento do fiel cristão ou de conversão do
priedades para que os cuidados dos bens terrenos eleitos, um por cada convento, que enviavam herege, implicava a existência de público e daí a
não lhes impedissem a solicitude no ministério da também o seu Pregador mais destacado, com o ligação dos Dominicanos às cidades, onde procuraram
pregação”. Efectivamente, um outro factor de objectivo de contribuir nas deliberações com o seu instalar os seus conventos. Foi sobre as comunidades
distinção veio a residir na faculdade conferida ao saber e experiência. Depois de 1407, juntaram-se- urbanas que tentaram agir, desenvolvendo uma
Prior no sentido da “dispensa”, isto é, a possibilidade -lhes os Mestres de Teologia, teoricamente de número notável acção, principalmente nas missões e no ensino
de escusar cada um dos frades do cumprimento do ilimitado, o que enfraqueceu o carácter democrático escolástico, e difundindo um novo modelo de vivência
Ofício Divino sempre que estivesse em causa a do Capítulo. religiosa situado entre a existência monacal e a opção
salvação das almas, justificação mais do que suficiente À medida que o seu tamanho ia aumentando, as secular. Os frades viviam na sociedade, em próximo
para o prosseguimento das tarefas de estudo, províncias iam sendo subdivididas em vicariatos que contacto com os homens, num apostolado constante
pregação e orientação espiritual. Na segunda incluíam, também, certas escolas. Visitadores de obras de piedade que os tornava venerados,
Assembleia, reunida em 1221, ficou estabelecido nomeados pelo Provincial inspeccionavam estas tanto mais que a austeridade dos seus costumes, a
que o Mestre (Magister Ordinis) exerceria o seu cargo subdivisões, avaliando a sua actuação e fazendo vida activa, a pobreza e humildade que praticavam
com oito Ministros Provinciais, submetido também recomendações ao Capítulo Provincial. O convento formava um grande contraste com os abusos que
ao Capítulo Geral, ao qual presidia apenas como era a mais pequena e a mais importante divisão se haviam introduzido noutras ordens, a ponto de
primeiro entre os iguais. Efectivamente, durante o administrativa e territorial, nos tempos da fundação. o Concílio Geral de Lião (1274) ter adoptado novas
período em que estão reunidos, cada um dos seus Embora sob a jurisdição provincial, governava-se a providências restritivas, das quais exceptuou os
membros partilha da autoridade geral e tem um si próprio, dirigido por um Prior eleito pela mendicantes.
voto de igual peso. Fonte de inspiração democrática, comunidade, mas cada frade estabelecia a sua ligação Quando abriu a primeira casa, em Toulouse, o
esta Assembleia é, assim, a suprema autoridade pessoal com a Ordem e não com o convento onde número de irmãos elevava-se a 16 e daí partiram,
executiva, legislativa e judiciária. A partir de 1273, temporariamente residisse, na medida em que a corria o Verão de 1217, a difundir o movimento.
o seu Mestre passou a residir em Roma, no Convento mobilidade era quase tão obrigatória como o era a O Papa Honório III concedera-lhes cartas de reco-
de S.ta Maria Sopra Minerva. O esforço por uma mendicidade enquanto forma de sobrevivência. mendação para todos os prelados da Europa, os reis
liturgia unificada cedo resultou na formação de um Assim, quando o espírito dos conventos atingia um favoreciam-nos com generosidade e a Ordem foi
missal e breviário próprios, elaborados por Humberto alto nível, a província e a Ordem funcionavam bem, crescendo em prestígio e haveres. Penetraram em
de Romans, confirmados pelo Capítulo de 1256 e equilibrando os elementos hierárquicos de adminis- França, Itália, Península Ibérica, Alemanha e
aprovados por Clemente IV, em 1267. Forjaram a tração e os elementos democráticos de controlo da Escandinávia; foram também enviados missionários
unidade familiar da Ordem e duraram até ao Concílio comunidade. Mas o inverso também era verdadeiro, à Hungria, Polónia e Inglaterra. À data da morte do
Vaticano II. o que explica algumas fases de lassidão de costumes Santo havia já cerca de 300 irmãos, agrupados em
A Europa foi dividida em oito províncias, como forma e quebra de disciplina. 20 conventos. O crescimento, nos anos seguintes,
intermediária de governo e ministério, constituindo Actualmente, considera-se que “este governo foi imenso. De 1222 a 1283, os sucessores de S.
uma subdivisão da Ordem e congregando grupos comunitário é apropriado ao desenvolvimento e Domingos – Jordão de Saxónia (1222-1237,
de conventos numa unidade administrativa. Gover- frequente revisão da Ordem” que deve renovar-se beatificado); Raimundo de Penhaforte (1238-1240,
nadas pelo respectivo Provincial e por um Capítulo a si própria e adaptar-se sempre que se verifiquem canonizado); João de Wildeshausen (1241-1252);
Provincial, superintendiam à conduta de todos os situações de maior mudança e evolução. Para Humberto de Romans (1254-1263); João de Vercelli
frades e embora não pudessem elaborar consti- fomentar a vida regular, as constituições obrigam (1264-1283, beatificado) – empenharam-se no
tuições, podiam enviar petições ao Capítulo Geral a, pelo menos, uma reunião mensal para que todos desenvolvimento e organização da Ordem, que
e emitir ordenações e exortações respeitantes à vida os irmãos “possam expor a sua opinião acerca de expandiu o seu sistema académico e os seus minis-
religiosa, ao apostolado, ao estudo e ao ensino, de um assunto previamente determinado e a todos térios de pregação, missões em terras estrangeiras,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

serviço da Igreja e do povo. Até finais do séc. XIII, claras face à rebelião protestante. Pelo Concílio a outros e foi preciso esperar pela extinção do
o número de províncias passou de 12 para 18, os passaram, ao longo das suas três fases, nada mais, Tribunal, no séc. XIX, para que os Dominicanos
conventos masculinos cresceram de 404 (1277) para nada menos do que 2 mestres da Ordem, 7 tenham tentado repor a verdade histórica pela pena
509 (1303) e contavam-se cerca de 10 000 padres arcebispos, 24 bispos, 7 procuradores dos prelados do P.e Lacordaire (1802-1861).
e 3000 noviços, estudantes e irmãos cooperadores. e 84 teólogos, entre os quais Fr. Pedro de Soto e Efectivamente, embora o combate às heresias fosse
A peste negra (1348-1349) causou numerosas baixas Fr. Bartolomeu dos Mártires. Aliás, o último dos o grande objectivo da obra de S. Domingos, só cinco
a todo o clero, especialmente o regular, mas os papas conciliares, S. Pio V, era dominicano. A anos depois da sua morte o Concílio de Paris
conventos dominicanos, mesmo assim, aumentaram intervenção da OP também foi significativa no condenou os albigenses e foi com a eleição de
para 630. No mesmo período, os conventos femininos Concílio Vaticano II (1962-1965), nomeadamente Gregório IX (1227) que a Inquisição medieval tomou
conheceram um desenvolvimento ainda maior em com a colaboração dos P.es Congar e Chenu. a sua forma definitiva, sendo introduzida na
termos proporcionais, se pensarmos que dos quatro Lombardia e no Languedoc (1231 e 1234). Até essa
iniciais (Prouille, S. Sixto de Roma, S. Domingos el época, o crime de heresia dependia, espiritualmente,
Real de Madrid e S.to Estêvão de Gormaz) se passou dos tribunais episcopais visto caber aos bispos o zelo
para 58 (1277) e depois mais do que duplicaram, pela fé dos seus diocesanos. No princípio do séc.
sendo já 141 na passagem do século e 157 após a XIII, o Papa Inocêncio III, empenhado na unificação
epidemia. Antes do final da Idade Média, contavam- da Cristandade, desenvolveu numerosas acções que
-se cerca de 20 dominicanos escolhidos para cardeais, visavam apoiar essa missão, cimentar a Fé dos
inúmeros bispos e dois Papas: Pedro de Tarentaise católicos e converter os heréticos. Foi uma dessas
(Beato Inocêncio V) e Nicolau Boccasino (Beato Bento campanhas de pregação, a do Sul de França, que
XI). contou com a participação de S. Domingos (1206-
A dispensa dos rigores primitivos da Regra atingiu -1209). A ineficácia dos vários tribunais episcopais
os Frades Pregadores, do mesmo modo que afectara levou à proposta do Imperador Frederico II, aceite
os Franciscanos, talvez fruto do abatimento que pelo Papa Gregório IX, no sentido de se criar um
Irmã dominicana e frade dominicano (JMF)
lançou nos espíritos a peste de 1348. Conventos tribunal de excepção, com juízes eclesiásticos, mas
houve em que não ficou um só frade com vida, mas com um apoio temporal inequívoco, já que o poder
talvez seja mera desculpa, pois já antes de 1348 a secular fornecia as condições materiais ao desen-
lassidão disciplinar invadira as comunidades de 6. O combate às heresias e a Inquisição. Desde volvimento processual. A partir de 1252, a Inquisição
dominicanos que, segundo Fr. Luís de Sousa, trocaram a iconografia e as crónicas quinhentistas à histo- passou a poder aplicar a tortura tal como acontecia,
o antigo rigor por “vida descansada, solta e livre”. riografia do séc. XIX, que a figura de S. Domingos na época, em termos de direito comum. O receio
Nos finais do séc. XIV, talvez por influência da mística foi intimamente associada à fundação do Tribunal de que os juízes da fé fossem demasiado
renana (Eckhart, Suso e Tauler), Conrado da Prússia, do Santo Ofício. Basta lembrar o conhecido Auto- dependentes dos príncipes temporais, como era,
com mais 30 companheiros, dirigiu um movimento -da-fé, de Pedro Berruguete, encomendado pelo frequentemente, o caso dos bispos, levou o papa a
de reacção, propondo restaurar no seu país a dominicano Torquemada, primeiro inquisidor-geral apoiar-se, sobretudo, nas ordens mendicantes recém-
observância antiga. A iniciativa mereceu o apoio do de Espanha (1483), para o Convento de Ávila. -criadas, que podiam consagrar-se às questões da
Mestre, Beato Raimundo de Cápua, que logo O quadro destinava-se, obviamente, a glorificar o Fé de forma sistemática, ao contrário dos padres
recomendou a todos os provinciais que adoptassem santo que preside à cena, rodeado pelos seus seculares ou dos monges, solicitados por inúmeras
igual propósito, devendo haver, se mais não fosse assessores, enquanto dois heréticos estão amarrados tarefas. Em França, os inquisidores do Languedoc
possível, um convento reformado em cada província ao cadafalso e se prepara a lenha para a fogueira. serão, maioritariamente, dominicanos, mas na
com, pelo menos, 12 frades. Todavia, como em 1425 Também, por exemplo, no livro primeiro de Vária Provença a função estava a cargo dos franciscanos.
a licença da posse de propriedades foi dada a História de Cousas Notáveis do Oriente, Fr. João dos Esclarecida a questão da autoria, nem por isso os
algumas casas e depois estendida a toda a instituição Santos enaltecia os merecimentos do Santo Ofício Dominicanos estiveram menos envolvidos na luta
(1477), a Ordem deixou de ser exclusivamente e dos religiosos dominicanos na dilatação da Fé, empreendida pelo Tribunal. Incansáveis combatentes
mendicante, o que lhe deu a possibilidade de se considerando-os herdeiros de S. Domingos, “primeiro pela ortodoxia, tiveram grande interferência na sua
aplicar também ao desenvolvimento da arte com inquisidor-geral que houve na Cristandade”. Jules direcção enquanto instituição eclesiástica, assim
escolas notáveis nos Conventos de S.ta Maria Novella Michelet considerou a OP como “principal auxiliar como vieram a desempenhar, na Cúria romana, os
e S. Marcos (Florença) ou de S.ta Catarina (Pisa) e dos papas até à fundação dos jesuítas” e atribuiu- importantes cargos de Mestre do Sacro Palácio
artistas como Giovanni da Fiésole, mais conhecido -lhe a missão de “regulamentar e de reprimir”, tendo (teólogo do papa), Secretário da Congregação do
como Fra Angélico (autor daquele que é considerado como instrumentos a Inquisição e o ensino da Índex e Comissário Geral da Inquisição romana. Em
o melhor retrato de S. Domingos) ou Benedetto da Teologia (M ICHELET , Jules, Histoire de France (au Portugal, o Santo Ofício foi introduzido em 1536 e
Ungello e Bartolomeu della Porta. Moyen Age), t. II, pp. 427-428). Alexandre Herculano, o Índex em 1540, ano da aprovação da Companhia
Durante a profunda crise que conduziu a Igreja ao embora reconheça o ano de 1229 como a verdadeira de Jesus. Não é, portanto, de estranhar que de
Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), os data do estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício, início se encontrem muitos dominicanos entre os
Dominicanos estiveram na primeira linha de defesa atribui a S. Domingos a fundação “moral” de uma inquisidores. Depois, esse número abrandou, embora
do papa romano e da unidade da Igreja, com S.ta instituição “inventada para satisfazer os ímpetos do as funções de censura dos livros lhes fossem
Catarina de Sena, o Beato Raimundo de Cápua e fanatismo” (H ERCULANO , Alexandre, História da frequentemente entregues devido à fama da sua
Fr. João Dominici, grande obreiro do regresso à Origem…, Liv. I, pp. 27-40) e aos Dominicanos um preparação teológica. De resto, foi o Prior e o Sub-
unidade no Concílio de Constança. Incansáveis “espírito de violenta intolerância” (H ERCULANO , prior de S. Domingos de Lisboa que o Inquisidor-
defensores da ortodoxia, os Dominicanos marcaram Alexandre, História de Portugal, Liv. IV, p. 305). -Geral, Infante D. Henrique, encarregou de “exami-
também forte presença no Concílio de Trento (1545- A reivindicação da figura do santo interessava, narem todos os livros que houver nas livrarias da
-1563), pelo qual a Igreja Católica definiu posições obviamente por motivos opostos, tanto a uns como cidade de Lisboa” (2 de Novembro de 1540). Note-

143
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

-se que entre os pregadores escolhidos para o infantas, que vivia perto de Coimbra, oferecer a
importante sermão a proferir no auto-de-fé, os edificação de um novo convento que se levantou
Dominicanos ocupavam o segundo lugar entre as junto ao rio Mondego, num local conhecido com o
diversas ordens religiosas sendo, no entanto, nome de Figueiral, devido à existência de muitos
largamente ultrapassados pelos Jesuítas. Contudo, pomares. Foi escolhido o sítio denominado Figueira
a maioria dos seleccionados encontra-se entre o Velha e consta que, em 1227, já ali se fazia vida
clero secular, bispos ou outros. Embora em muito religiosa. D. Pedro, Bispo de Coimbra, concedeu-
menor escala, encontramos também Eremitas e -lhes licença para pregarem no bispado e autoridade
Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, para corrigirem todos os excessos que encontrassem;
Carmelitas Descalços, Franciscanos, Arrábidos, facultou também indulgências a todos quantos
Oratorianos e Lóios. acudissem às pregações – onde se destacavam os
Jesuítas e Dominicanos envolveram-se, por vezes, sermões de Fr. Paio – e obedecessem às admoes-
em intensas polémicas teológicas. A rivalidade de tações dos religiosos. Semelhantes privilégios,
duas congregações religiosas, uma mais antiga, outra porventura desmedidos, não foram seguidos em
recente, ambas empenhadas no combate pela Fé mais nenhuma diocese, mas, em Coimbra, Fr. Soeiro
através da pregação, da missionação e do ensino chegou a fazer decretos em matéria civil,
evidenciou-se em disputas pós-tridentinas que ficaram promulgando leis penais, cujo número, disposições
célebres, como a ocorrida durante o pontificado de e aplicação quase por completo se ignoram. Por
Clemente VIII, sobre a concórdia da graça divina uma provisão de D. Afonso II, sabemos que Fr. Soeiro
com o livre arbítrio, tema central da importante impunha multas pecuniárias ou penas de confisco
controvérsia vulgarmente conhecida por De Auxiliis e também castigos corporais. Fortunato de Almeida Igreja de S. Domingos, Lisboa (JAM)

(1595-1605). O jesuíta espanhol Luís de Molina levantou a hipótese de tais decretos seguirem as
(1535-1600), professor de Filosofia em Coimbra e disposições do Imperador Frederico II a favor das Gregório IX para se restabelecer a paz e, na garantia
de Teologia em Évora, defendeu na obra De liberdades eclesiásticas, quando recebeu a Coroa dela, quis colaborar D. Sancho II declarando-se autor,
Concordia Liberi Arbitrii cum Gratiae Donis (Lisboa, imperial em Roma (1220), disposições essas fundador e padroeiro do Convento do Porto (1239).
1588), uma tese que procurava resolver a contradição corroboradas por Honório III. Não o podemos afirmar. A iniciativa da fundação do Convento de S. Domingos,
entre a doutrina de S.to Agostinho, que insistia no Todavia, de acordo com Alexandre Herculano, em Lisboa, também pertenceu a D. Sancho II (1242),
poder da graça divina, e o humanismo do Renas- D. Afonso II protestou contra os procedimentos de mas foi já D. Afonso III quem começou a construção
cimento, que valorizava o livre-arbítrio, considerando Soeiro Gomes e promulgou penas contra aqueles da igreja do mesmo convento, concluída em 1259.
que a participação do homem na sua salvação é que aceitassem os referidos decretos. Depois foi a vez de Elvas, onde se fundou o quinto
movida pela graça de Deus, mas não é predeter- Entre 1219 e 1229, fundou-se em Chelas, junto a convento no ano em que se levantaram novas
minada por ela. No entender dos tomistas, tal opinião Lisboa, a primeira comunidade de freiras dominicanas, tribulações para a Ordem, semelhantes às ocorridas
contrariava a ortodoxia e, consequentemente, punha que mais tarde passou para a Ordem de Cister. no Porto. Foi necessário recorrer novamente ao Papa,
em perigo a unidade católica pois, ao abolir Entretanto, temos notícia de que Fr. Soeiro mudou agora Clemente IV.
praticamente a graça, a tradição da Igreja ficava em o convento para Monteirás ou Montijrás, em A paz restabeleceu-se pela Bula Ab omnibus Christi
causa e, nesta perspectiva, a utilidade da própria Santarém, cerca de 1221. Por ocasião da reunião fidelibus de 23 de Fevereiro de 1266. Alguns anos
Encarnação. Quando tudo estava pronto para a do Capítulo Provincial, em Burgos (1237), o Bispo depois, fundava-se o Vicariato de Portugal da
condenação da obra, o recém-eleito Paulo V (1605- do Porto, D. Pedro Salvador, que movia guerra sem Província Ibérica (1275).
-1621) renunciou à publicação da respectiva bula e tréguas aos Frades Menores (Franciscanos), enviou Com comunidades bastante humildes, os men-
acabou por encerrar o assunto, proclamando que aos Dominicanos uma carta pedindo que fundassem dicantes obtiveram, de início, inequívoco apoio
ambas as opiniões eram legítimas (1611). Evitava, um convento na sua cidade a fim de auxiliarem a papal, e também régio, no conflito que travaram
assim, infligir um desmentido à Companhia de remediar as desordens de toda a espécie que com o clero urbano. Aliás, a defesa da pobreza, da
Jesus, tolerando, mas circunscrevendo, o modernismo lavravam nela e nas terras vizinhas. Segundo Fr. Luís humildade e da esmola como forma de sobrevivência
moliniano. Foi nesta perspectiva de “fronteira de de Sousa, os frades foram recebidos com entusiasmo. parecia ter encontrado um especial acolhimento nos
catolicidade” que Jansénio escreveu o seu Augustinus A decisão tem uma explicação política: enquadra- grupos sociais, cuja riqueza os afastava, à partida,
ou Doutrina de Santo Agostinho sobre a Graça, -se na luta do clero contra D. Sancho II e o convite destes preceitos, protecção que ia até à entrada de
publicado postumamente em Lovaina (1640), encon- feito aos Dominicanos podia muito bem ser um membros da nobreza nos próprios conventos, onde
trando na abadia cisterciense feminina de Port-Royal pretexto para descrever, com cores sombrias, o estado também se recrutavam os confessores dos monarcas,
o seu mais célebre baluarte. de desordem em que se encontrava o reino e, assim, das rainhas e dos infantes. No entanto, os conflitos
fazer uma série de acusações que, em Espanha, entre o clero regular e o clero secular, resultantes
7. A Ordem de São Domingos em Portugal. haviam de causar espanto e poderiam desacreditar das incursões que uns e outros faziam na esfera da
A OP terá chegado a Portugal dois ou três anos o rei perante o papa. Reforça esta conjectura o facto acção alheia, acentuaram-se nos sécs. XIV e XV, bem
depois dos Franciscanos, nos finais de 1217, de, pouco depois, o bispo lhes ter retirado apoio, como as rivalidades atingiam, também, as diversas
introduzida por Fr. Soeiro Gomes, um dos 16 provavelmente porque o clero se sentia prejudicado ordens que constantemente disputavam, umas às
religiosos enviados por S. Domingos na primeira pela preferência que os fiéis davam aos religiosos. outras, influências e prerrogativas. O Cisma do
dispersão e depois eleito Provincial de toda a Espanha. O Provincial, que ao tempo era S. Fr. Gil (beatificado Ocidente contribuiu para evidenciar este estado de
Embora não haja provas, a tradição situa o primeiro em 1748), solicitou a intervenção de D. Mafalda, coisas, mas possibilitou também a autonomia
convento na serra de Montejunto, perto de Alenquer, tia de D. Sancho II, e o mesmo pediu a D. Silvestre, orgânica dos dominicanos portugueses. Efectiva-
fundado sob os auspícios de D. Sancha, filha de D. Arcebispo de Braga, mas todas as diligências foram mente, uma vez que as comunidades de toda a
Sancho I. Pouco depois, foi a vez de outra das inúteis. Foi necessário solicitar a intervenção do Papa Península constituíam uma só província, cujo chefe

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

residia em Castela, seguindo o Antipapa Clemente, das precedências, em que os frades dominicanos Évora S.ta Catarina de Sena 1547
os frades portugueses elegeram entre si um chefe acabavam, geralmente, por obter o melhor lugar Moura N. Sr.a da Assunção 1562
com o título de Vigário-Geral, imediato ao Mestre “em todos os autos e ajuntamentos públicos e Lisboa SS.mo Sacramento 1612
da Ordem, que acompanhava o papa legítimo. particulares, concílios gerais, sinodiais e procissões” Junto
A ideia foi bem acolhida por D. João I, que via (S. Domingos de Santarém, Ms. 16, ANTT, Cx. 1, a Lisboa N. Sr.a do Bom Sucesso 1639
inconvenientes de vária espécie na sujeição de Doc. 33). Os seus pregadores eram de tal forma 3 léguas
religiosos portugueses a superiores castelhanos, apreciados que o Cabido de Lisboa teve a concessão, N. de Viseu Sr.a da Oliva 1640
sobretudo tendo em conta a guerra entre os dois em 1467, de poder escolher em qualquer convento Guimarães S.ta Rosa 1680
reinos. Em 1418, depois de desfeitos os atritos do e província, um padre para pregador da Sé. Depressa
Cisma, a Bula Sacrae Religionis, de Martinho V, as suas casas cresceram em número e riqueza. Tabelas segundo João Baptista de Castro,
aprovava a constituição da Província de Portugal que Mappa de Portugal, II, 1763
até 1513 funcionou com dois governos separados:
os “claustrais”, directamente subordinados ao CONVENTOS DE RELIGIOSOS
Provincial, e os “observantes”, obedecendo a um Localização Invocação Fundação De acordo com o P.e João Baptista de Castro (1763),
Vigário que, por sua vez, dependia do Provincial. Montejunto N. Sr.a das Neves 1218 os Dominicanos conheceram duas épocas áureas –
Foi a pedido de D. Manuel e com poderes dados Santarém N. Sr.a da Oliveira 1225 o século da fundação e o séc. XVI, com a expansão
pelo mestre da Ordem e confirmados pelo papa, Coimbra S. Domingos 1227 da reforma – e duas épocas de crise, correspondendo
que claustrais e observantes se uniram, elegendo Porto N. Sr.a dos Fiéis de Deus 1239 à primeira metade do séc. XIV e ao domínio filipino,
um Provincial a quem todos os conventos obedeciam. Lisboa S. Domingos 1242 na primeira metade do séc. XVII.
Fr. Vicente de Lisboa, confessor de D. João I, Elvas N. Sr.a dos Mártires 1267
empenhou-se na reorganização e reforma da OP em Guimarães N. Sr.a das Neves 1271 8. A divulgação da “palavra”: pregação, ensino
Portugal, o que passava pela criação das observâncias. Évora S. Domingos 1286 e missionação. O séc. XVI foi uma época
Primeiro, conseguiu que as freiras do Convento do Batalha N. Sr.a da Vitória 1388 particularmente brilhante para os Dominicanos em
Salvador, que em 1390 se fundou em Lisboa, Benfica S. Domingos 1399 Portugal. Fr. António do Rosário dá conta de 2689
aceitassem, sem dispensa alguma, a Regra de Aveiro N. Sr.a da Misericórdia 1423 frades nos seus vários conventos, espalhados por
S. Domingos. Depois, com o valimento do doutor Vila Real S. Domingos 1424 todo o reino, onde a pregação e a escrita eram
João das Regras, obteve para convento uma quinta Azeitão N. Sr.a da Piedade 1435 tarefas intrinsecamente unidas. Efectivamente,
de recreio que D. João I tinha junto de Benfica, sítio Pedrógão enquanto estuda, o frade prepara-se para a pregação
afastado da cidade e, por isso mesmo, mais adequado Grande N. Sr.a da Luz 1476 que fará, de viva voz e perante os mais diversos
para dar início à comunidade observante (1399). Almeirim N. Sr.a da Serra 1500 auditórios, ou pela escrita, registando o fruto do
Também o Mosteiro da Batalha foi entregue aos Abrantes N. Sr.a da Consolação 1509 seu trabalho, para melhor garantia de que se
Dominicanos (1388), pela sua especial devoção a Alcáçovas N. Sr.a da Esperança 1541 conservará e transmitirá, ao serviço da Verdade.
“Nossa Senhora Santa Maria”. Em 1423, D. Pedro Amarante S. Gonçalo 1543 Aliás, a biblioteca dos Dominicanos constantemente
Viana se foi acrescentando com os quaterni elaborados
do Castelo S.ta Cruz 1559 pelos frades/estudantes e pelos frades/leitores, cader-
Ansede S.to André 1559 nos que valorizaram o primeiro núcleo bibliotecário
Almada S. Paulo 1561 e arquivístico conventual. Ligados entre si, os conventos
Setúbal S. Sebastião 1562 apresentavam-se como girando em fortes eixos da
Montemor- escola teológico-ascética-pastoral: Lisboa, Benfica,
-o-Novo S.to António 1564 Batalha e Coimbra com interligações aos Conventos
Coimbra S. Tomás (Colégio) 1566 de Évora, Porto, Vila Real, Aveiro, Azeitão, Elvas, Viana
Lisboa S. Domingos 1659 do Castelo. Apelavam, sobretudo, para as doutrinas
Lisboa S.ta Joana 1699 filosófico-teológicas da escola de S. Tomás.
Muitos frades distinguiram-se como qualificadores
do Santo Ofício. Deviam ser bons sabedores da
CONVENTOS DE RELIGIOSAS doutrina da Fé. A crítica doutrinal que aparece nos
Localização Invocação Fundação livros com o nome de censura, licença, despacho,
Santarém S. Domingos das Donas 1246 traduz a intensa actividade intelectual desenvolvida
Convento de N. Sr.ª da Misericórdia, Aveiro (DB)
Porto Corpus Christi 1345 nos conventos dominicanos. Fr. António do Rosário
Lisboa Salvador 1392 recenseou, para o séc. XVII, mais de uma centena
fundou, em Aveiro, o Convento de N. Sr. a da Aveiro Jesus 1461 de autores dessas obras menores, menores, apenas,
Misericórdia, também de regular observância. Aliás, Leiria S.ta Ana 1498 pela brevidade do texto, inventariando também as
a aproximação do infante à Ordem evidenciou-se Montemor- respectivas obras de censura ou juízos críticos
pela cooperação de Fr. João Verba na concepção e -o-Novo N. Sr.a da Saudação 1506 doutrinais. Estes “revedores” de livros estavam
redacção da Virtuosa Benfeitoria. Em 1435, o Évora N. Sr.a do Paraíso 1516 investidos na autoridade de juiz da produção e
Convento de Azeitão foi o quarto de Dominicanos Lisboa N. Sr.a da Rosa 1519 comércio do livro, nos mais variados campos do
Observantes. Elvas N. Sr.a da Consolação 1528 saber. De salientar o conjunto de obras que se
Uma certa situação de privilégio que a Ordem gozou Setúbal S. João Baptista 1529 ocuparam da Restauração, inserindo-se na corrente
em Portugal evidencia-se no confronto com outras Lisboa Anunciada 1539 da sermonária como meio de comunicação social e
congregações religiosas, nomeadamente na questão Abrantes N. Sr.a da Graça 1541 divulgação popular da cultura, que acolhia com toda

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

a naturalidade o nascente jornalismo das gazetas Toulouse e vários outros dominicanos para Valladolid, de S. Domingos fizeram às terras da Guiné, Congo
(MARQUES, João Francisco, A Parenética Portuguesa…). onde já se encontravam João de Santarém e Gil de e Angola, sendo os primeiros a levar a Fé católica
Dado que o principal objectivo era o combate à Lisboa; os estudantes de Lovaina conheceram a essas paragens; de como chegaram à Índia, ilhas
heresia através da conversão pela palavra – a ideia professores portugueses, como António de Sena, de Solor, reino de Cambodja, Malaca, Sião, Pegú,
fundamental é a de que o erro não se combate nem eleito Reitor dos Estudos Gerais e Luís de Soto Mayor, Bengala, ilha de Moçambique, terras da Etiópia
se vence à ponta da espada, mas sim com a arma que regeu também cátedras em Cambridge e Alcalá; Oriental e Monomotapa; da obra de conversão na
da verdade, a única suficientemente poderosa e Gaspar dos Reis e Jorge de Santiago foram lentes ilha de Timor.
eficaz –, não é de estranhar que o ensino tenha em Paris. Aliás, quase todos os teólogos portugueses Logo na primeira geração dominicana, alguns
sido uma das grandes apostas dos Dominicanos. Em enviados ao Concílio de Trento eram da família religiosos tinham passado as terras dos mouros,
meados do séc. XIII, tinham centros de estudo nos dominicana: Henrique de Távora; Jerónimo de abrindo uma escola de árabe em Tunes (1250).
conventos de Lisboa, Coimbra e Santarém. Meio Azambuja (1520-1563), também conhecido com o Depois, encontraram-se presentes na conquista de
século mais tarde, funcionavam também em Évora, nome de Oleastro, um dos maiores teólogos do seu Ceuta, onde se fixaram no Convento de S. Jorge.
Elvas e Guimarães. No Porto, um dominicano ia tempo; D. Fr. Gaspar dos Reis, primeiro “revedor” Em 1460, fundaram, na Igreja de S. Domingos de
todos os dias à Sé leccionar casos de consciência de livros em Portugal, falecido em 1577; D. Fr. Jorge Lisboa, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
aos clérigos. No séc. XIV, os estudos de S. Domingos de Santiago, que pouco antes de morrer (1561) aí dos Homens Pretos, para evangelização daqueles
afirmou a sua grande erudição; Luís de Soto Mayor que se encontravam em Portugal (D. Afonso Preto,
(1526-1610), cujos comentários bíblicos se tornaram sobrinho do Rei do Congo, aí foi baptizado). No
tão afamados que Clemente VII o incitou a dá-los reinado de D. Sebastião, o proselitismo missionário
a lume; Fr. Francisco Foreiro (1522-1581), que levou 19 frades pregadores à “infelice jornada de
integrou a comissão encarregada de corrigir o missal África”.
e o breviário romano, de organizar o índice de livros A evangelização do Oriente foi obra de várias con-
proibidos e o catecismo do Concílio para uso dos gregações religiosas, entre as quais os Dominicanos.
párocos; não esquecendo D. Fr. Bartolomeu dos Entre os bispos que na Índia exerceram a função de
Mártires que, seguindo de perto as recomendações comissários apostólicos tem-se por mais antigo
aí estabelecidas, logo no regresso à sua diocese D. Fr. Duarte Nunes, dominicano do Convento de
(1564), fundou um seminário que iniciou os seus N. Sr.a da Misericórdia de Aveiro e Bispo titular de
cursos com 35 colegiais. Laodiceia, nomeado por Alexandre VI a instâncias
Mosteiro da Batalha (JAM)
Também D. Catarina instituiu, no Convento de de D. Manuel. Teria chegado a Goa cerca de 1515,
S. Domingos de Lisboa, um curso para formação de mas não encontrando condições para o exercício da
de Lisboa e do Mosteiro da Batalha subiram à 30 clérigos, 10 da capital e 20 de outras terras do autoridade episcopal acabou por regressar ao reino
categoria de Gerais. No séc. XVI, será também a vez reino (1572). Diga-se de passagem que Os Lusíadas, passado pouco tempo. No entanto, já em 1503, os
de S. Domingos de Évora e S. Tomás de Pangim aprovados pelo censor Fr. Bartolomeu Ferreira, foram Dominicanos se encontravam em Cochim. Partiam
(Goa). D. Fr. Bartolomeu dos Mártires abriu no seu lidos por Camões nos claustros deste convento. No como voluntários, com dispensa dos superiores e
paço, em Braga, duas lições de casos para instrução entanto, a partir de 1580, a atitude anticastelhana do papa, para irem a título individual e integrados
de clérigos e instituiu subsídios para estudantes adoptada pela Ordem trouxe-lhe uma significativa nas levas dos expedicionários, não se sabendo ao
pobres. Em Coimbra, o Colégio de S. Tomás foi, perda de influência. Filipe II excluiu muitos certo quantos grupos nem o número dos que
cronológica e intelectualmente, o primeiro dos dominicanos da sua carta del gran perdon. Os frades partiam. Conhecem-se apenas aqueles que se
colégios universitários, com Mestres como Martinho Luís de Soto Mayor, Estêvão Leitão, António de Sena, destacaram e ficaram ligados, por razões especiais,
de Ledesma, António de São Domingos e Luís de João da Cruz e Francisco Foreiro foram especialmente à história do Oriente. Afonso de Albuquerque
Soto Mayor. Aliás, na Universidade portuguesa é mencionados como dañados. encomendou-lhes a Igreja de Coulão, construída por
conhecida a acção de ilustres dominicanos na cátedra Naturalmente, houve um grande envolvimento dos Fr. Rodrigo Homem. Fundaram também conventos
de Teologia (André de São Tomás, António de São Dominicanos na evangelização das terras descobertas, em Cochim, Chaúl e Malaca.
Domingos, António da Fonseca, António da tanto na América, como em África e no Oriente, Este regime de iniciativa privada durou mais de 40
Ressurreição, Diogo Artur, Vicente Pereira, José Ferrer, acompanhando a expansão portuguesa e esten- anos. Tudo se passava com autonomia quase absoluta
Diogo de Morais, Pedro Mártir, Valério de Moura, dendo a sua acção missionária a todo o império. – recrutamento, disciplina e formação intelectual,
João Pinheiro) e na Ciência Divina da Sagrada O sistema participativo e representativo da estrutura fundação de comunidades, eleição de superiores,
Escritura (João Pedraça, João Aranha, Jorge Pinheiro jurídica do governo da Ordem, com o seu pluralismo distribuição dos religiosos, projectos apostólicos, etc.
e Luís de Soto Mayor). Acresce que o mecenato de assembleias legislativas, facilitou a tarefa de –, embora, graças à flexibilidade jurídica da Ordem,
régio levou à concessão de bolsas para o estudo de descentralização do poder e da coordenação e tenha sido possível manter sempre unidas a
Teologia, em Paris: D. Manuel concedeu 15 cruzados adaptação de estruturas às exigências da evange- Congregação de Santa Cruz das Índias, cabeça e
anuais a Fr. Manuel Estaço, Fr. Gonçalo e Fr. Ascenso lização, não só do ponto de vista geográfico, como tronco da organização dominicana no Oriente
para, durante sete anos, custear os respectivos obrigavam as distâncias, mas também jurisdicional, (fundada em 1548 com vários Noviciados) e a
estudos (Alvará de 1 de Março de 1512). Nos anos como convinha a uma maior responsabilização das Província de Portugal, através da designação do
seguintes, Fr. Diogo Nogueira, Fr. Domingos de pessoas e à eficácia do apostolado. Vigário Geral da Congregação, de extraordinária
Lisboa, Fr. Afonso e Fr. Pedro de Eça receberam A obra evangelizadora de conversão, nas condições importância pela solidariedade da Ordem na obra
idêntica mercê. concretas do séc. XVI e seguintes, defrontou-se com missionária. Com os seus sete centros de recru-
Os dominicanos portugueses ensinaram também nos graves problemas de aculturação, de língua e tamento e formação missionária – S. Domingos de
grandes centros universitários europeus. Vicente de dialectos locais, fortemente condicionada pelo clima Goa, S. Tomás de Pangim, S. Domingos de Cochim,
Lisboa (1376) e Lourenço do Algarve (1431) estiveram de regiões inóspitas. O cronista da Ordem em N. Sr. a de Guadalupe em Chaúl, Moçambique e
em Oxford; em 1426, Pedro das Areias foi para Portugal dá conta das várias jornadas que os religiosos Macau –, a Congregação pode desenvolver uma

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

rápida e eficaz acção evangelizadora numa imensa por obter liberdade para pregarem. foram os Dominicanos que deram exemplo de revolta
extensão territorial, do sul da África à China. Entre outras, destacam-se as viagens realizadas por contra as decisões do papa e dos seus superiores
A partir de 1542 chegaram também os Jesuítas, Fr. Francisco da Anunciação ao Sião, Sirião e Pegú, locais. O convento da rua Saint-Jacques, em Paris,
mas D. João III não dispensou a colaboração dos na Baixa Birmânia (onde se deu conta do desastrado o primeiro da Ordem em França, desde 1718 que
Dominicanos. Seis anos mais tarde, a pedido do rei, fim do capitão Filipe de Brito, empalado vivo às dava mostras de resistência. O exemplo alastrou a
o Provincial Fr. Francisco de Bobadilha enviou 12 ordens do imperador de Ava) e de Fr. Gaspar da Montpellier, Poitiers, Nîmes, onde conventos inteiros
religiosos para fundarem uma comunidade em Goa, Assunção a Bengala, onde edificou igreja e casa foram suspensos do ministério eclesiástico até que,
centro de toda a acção missionária no Oriente. Eram que, depois de destruídas, voltou de novo a erguer. a 13 de Fevereiro de 1790, a Assembleia Nacional
eles: Diogo Bermudes (Superior do Convento de S. Foi preciso os holandeses tomarem Malaca, em 1641, suprimiu as ordens religiosas e aboliu os votos
Domingos de Lisboa), Francisco de Macedo (lente sujeitando os missionários das ilhas a irem fazer monásticos.
de Teologia), Inácio da Purificação (Mestre de escala em Macau, o que obrigava a mais cinco meses Em Portugal, a expansão dominicana terminou com
Noviços), Luís de Abreu, Diogo de Ornelas, Gaspar de viagem, para se avaliar a importância daquela a fundação do Convento de S. Martinho de Manselos,
da Cruz, Sebastião da Cruz, Vicente de Santa Maria localização. Fr. Gaspar da Cruz foi o primeiro a entrar em 1721. Então tinha, ao todo, 26 conventos, mas
e Reginaldo de São Domingos, um padre de cujo na China, deixando-nos uma narrativa do Extremo a intervenção do poder secular era constante, mesmo
nome não há registos e dois irmãos (Luís do Rosário Oriente, intitulada Tratado das coisas da China e de nos actos que mais interessavam à vida íntima das
e Pedro da Madalena). Logo na primitiva igreja, ainda Ormuz, tal como Fr. João dos Santos fez na sua comunidades. Da expulsão dos Jesuítas à afirmação
construída em taipa, abriram um curso de Teologia, Etiópia Oriental, onde a Ordem também desenvolveu clara do regalismo pombalino, apoiado na obra do
elevado a Estudo Geral em 1580, origem da notável acção. Em 1607, a conversão dos príncipes oratoriano P.e António Pereira de Figueiredo, o poder
Universidade de S. Tomás de Pangim. O número de do Império de Monomotapa foi celebrada com júbilo civil encontrava sempre meios para justificar a sua
alunos ultrapassava, habitualmente, os 500. Os em Lisboa e Roma. O Príncipe D. Miguel fez-se frade intervenção. Nesta conjuntura, o Marquês de Pombal
dominicano, chegando a obter o título de mestre impediu o Capítulo de eleger um Provincial e impôs
em Teologia. Criaram-se centros de irradiação em Fr. João de Mansilha como Superior Maior e único.
Sofala, Tete, Sena e Manica, donde partiam os A colaboração deste contra os Jesuítas granjeou,
missionários, cuja mobilidade era comandada pelo posteriormente, a ira de D. Maria que o excluiu in
Vicariato de Sena, o qual exercia, no interior do perpetuum do serviço do Santo Ofício (Decreto de
continente africano, as mesmas funções do de 10 de Setembro de 1778) e o desterrou ad vitam
Malaca, no Sul do Índico ocidental. Mas em virtude para o Convento de Pedrógão. Em carta régia dirigida
dessas migrações o missionário ficava sem campo ao provincial dos Dominicanos, a rainha atribuía a
de acção apostólica, exposto ao perigo das feras e decadência das ordens regulares à “pouca residência
dos selvagens, pelo que muitos dos postos registados que muitos religiosos têm nos seus respectivos
foram de pouca duração. Contudo, é de salientar conventos”, mandando que aí se recolhessem sob
que dos 17 governadores que a prelazia de pena de não serem admitidos novos membros
Moçambique conheceu, desde a regência de D. enquanto tal não se verificasse (Vila Viçosa, 30 de
Pormenor da porta de entrada da Igreja de N. Sr.ª do Rosário (JC)
Pedro II (1668-1683) aos finais do séc. XVIII, oito Outubro de 1777). Os centros de estudos – Coimbra,
pertenceram à Ordem Dominicana.
padres ensinavam também numerosas crianças, não As missões acabaram por ressentir-se da crise religiosa
só na doutrina cristã, mas também a ler e escrever. da Província de Portugal e da perseguição dos
Os companheiros dominicanos não tardaram a corsários holandeses no Oriente. No entanto, foi a
repartir-se e estender-se por mais lugares. Nas ilhas separação da Congregação de Santa Cruz das Índias,
de Ende e Solor, onde chegaram chefiados por Fr. com vigário próprio e directamente dependente do
António da Cruz, realizaram grande obra de mestre da Ordem, em 1814, que deu um golpe
evangelização. Muitos foram martirizados, nomea- mortal na actividade missionária, sem noviços
damente Fr. Agostinho da Madalena, Fr. João indígenas e sem auxílio financeiro da metrópole.
Baptista, Fr. Simão da Madre de Deus e alguns dos
meninos do seminário que não quiseram renegar a 9. Do declínio à “restauração”. No séc. XVIII, a
sua fé. A ilha de Timor destacou-se pela conversão OP possuía cerca de 1000 casas espalhadas por todo
geral que aí houve. O primeiro apóstolo a chegar o mundo, mas as perturbações do final do século
Convento de N. Sr.ª da Esperança, Évora (NM)
foi Fr. António Taveiro, cerca de 1561. Depois da diminuíram, em muito, esse número, acentuado a
perda da independência, em 1580, e perante as decadência das ordens religiosas, necessitadas de
constantes investidas dos holandeses, a continuidade uma reforma enérgica e profunda que pudesse pôr Batalha, Lisboa e Évora – foram suspensos, em 1778,
da presença portuguesa ficou a dever-se, sem dúvida, cobro a alguns abusos e reacendesse o espírito de por falta de estudantes. Significativo da decadência
à resistência dos Dominicanos e à fidelidade da disciplina e previdência. Os Estados Unidos da dos estudos da OP é o facto de nenhum dos seus
maioria dos indígenas. Fr. Silvestre acabou por América constituem, bem entendido, uma excepção. membros se encontrar entre os fundadores da
conseguir licença das autoridades locais para pregar Os Dominicanos, introduzidos no novo país em 1805, Academia Real das Ciências (1779).
o Evangelho em Malaca, donde partiram para outros tinham ali, um século depois, 20 casas para homens D. Maria acabou por nomear a Junta do Exame do
reinos ao serviço do Estado da Índia. Aproveitando, e 24 casas-mães para mulheres, cada uma com várias Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens
habilmente, os conflitos políticos locais, os sucursais Regulares com o objectivo de examinar a situação
Dominicanos obtiveram do Rei do Sião licença para A dissolução de costumes iniciou-se, em França, com dos mosteiros e conventos e dar o seu parecer sobre
“fazer cristandade”. Foi o caso de Fr. Jorge da Mata a regência de Filipe d’Orléans, na menoridade de as medidas a tomar. Daí resultou a proibição,
e Fr. Luís da Fonseca que, depois de cativos, acabaram Luís XV. Segundo Hélyot (HÉLYOT, Dictionnaire…) decretada a 29 de Setembro de 1791, de se aceitarem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

noviços até ulteriores resoluções. Fortunato de extinção das casas em que houvesse menos de 12 Rétablissement en France de l’Ordre des Frères
Almeida atribui a esta junta a ruína económica e indivíduos (5 e 9 de Agosto de 1833). Na época, Prêcheurs. Assim, a partir de meados do séc. XIX,
moral das ordens monásticas, na medida em que dos 26 conventos que os Dominicanos tinham no passada a sanha anticlerical do liberalismo, algumas
se absteve de praticar qualquer acto de utilidade e Continente, sete deles estavam reduzidos a simples ordens foram sendo restabelecidas. Em Portugal, o
benemerência, lançando a desordem nas comu- vigarias de dois ou três religiosos (Manselos, Ancede, regresso fez-se lentamente: primeiro os Jesuítas
nidades, ao usurpar, em nome do poder civil, Montemor, Almeirim, Santarém, Azeitão e Pedrógão (1848), depois os Franciscanos (1861), as Doroteias
atribuições meramente eclesiásticas e arrogando-se Grande). Como dos conventos se tinham retirado e a Congregação dos Padres do Espírito Santo
até autoridade superior à do Núncio, resultado da muitos irmãos, fugindo às contingências do tempo, (1866), as Irmãs de São José de Cluny (1881), as
tradição regalista e dos princípios do liberalismo. primeiro as invasões francesas, depois a guerra civil, Irmãzinhas dos Pobres (1884), os Irmãos de São
Com efeito, ao dar licenças e conferir isenções e aqueles dois decretos envolveram numerosas casas João de Deus (1890) e, finalmente, os Dominicanos
privilégios, debilitava a disciplina, o que levou frades e, assim, ao determinar-se a extinção dos conven- (1897). Vieram pela mão de Fr. Domingos Frutuoso,
e freiras, sobretudo depois da Revolução de 1820, tos, muitos estavam já, de facto, despovoados e jovem sacerdote diocesano chamado Manuel Rosa
a invocar sob qualquer pretexto a autoridade civil encerrados. Frutuoso, que recebera o hábito de S. Domingos no
contra os seus superiores espirituais. Então, a Ordem A Lei de Joaquim António de Aguiar (30 de Maio Convento de S.ta Maria Madalena (Saint Maximin-
Dominicana era já uma pálida sombra dos seus de 1834) foi apenas o fecho da obra, dissolvendo -Var, França), em 1893, por influência de Fr. Hickey,
tempos de apogeu: tinha apenas 340 religiosos e todas as casas de religiosos das ordens regulares religioso do Corpo Santo, que o convidou a restaurar
ainda perdeu cerca de 100 nos anos seguintes. (art. 1.º) e incorporando os bens dos conventos nos a Ordem em Portugal.
O debate sobre a relação dos institutos monásticos próprios da Fazenda Nacional (art. 2.º). Os frades
com o Estado português, iniciado pelas Cortes tiveram de abandonar definitivamente o seu
Constituintes, culminou no Decreto de 18 de Outubro recolhimento e o Estado apropriou-se do seu
de 1822, que suprimia algumas casas de diversos património e dos bens onerados com encargos pios.
institutos – a pretexto de não terem número suficiente Os móveis, alfaias, objectos preciosos, roupas e livros,
de religiosos – e reduzia consideravelmente o número quase tudo desapareceu. Com a extinção das ordens
de casas dos restantes. Os Pregadores viram, assim, religiosas, também a Congregação de Santa Cruz
o número dos seus conventos reduzido para dez, das Índias foi suprimida.
quantitativo também autorizado para a Ordem de Desde então, os Dominicanos passaram a estar
São Bento e apenas ultrapassado pelos 13 mosteiros representados, unicamente, pela comunidade dos
da Ordem dos Carmelitas Descalços. Já anterior- religiosos irlandeses do Corpo Santo, em Lisboa.
Livraria Verdade e Vida, Fátima (JAM)
mente tinham sido tomadas medidas que iam da Tinham chegado a Portugal, em 1600, fugindo às
suspensão de admissões de noviços (nas ordens perseguições de que eram alvo por parte de Isabel
monásticas e militares) e de noviças, impedindo de I de Inglaterra. Foi o Convento de S. Domingos de Os primeiros anos foram muito difíceis. Fr. Domingos
professar aquelas que tivessem entrado depois da Benfica que lhes deu um terreno, em Loures, para estava completamente só pois Fr. Hickey, que a
primeira proibição (ordens de 23 de Março de 1821 abrirem a sua primeira residência. Em 1639, Fr. Rainha D. Amélia escolhera para Mestre dos Príncipes,
e de 21 de Agosto de 1822, respectivamente), à Domingos do Rosário (Daniel O’Daly) fundou a tinha morrido. Fr. Domingos substituiu-o, sendo
concessão de vantagens e regalias a todos os comunidade de religiosas Dominicanas Irlandesas exilado com a proclamação da República. Pôde
religiosos e religiosas que pretendessem secularizar- de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Durante os regressar em 1913. Os dois sacerdotes diocesanos
-se, autorizando os prelados diocesanos a recebê- primeiros 300 anos, a comunidade era formada por que tinham também tomado o hábito para a
-los (ordem de 19 de Janeiro de 1822). religiosas de clausura, ou contemplativas, pois ainda restauração da Província de Portugal, Fr. Bernardo
O referido decreto foi revogado pela Contra-Revolução não tinham aparecido as congregações de vida mista. Lopes (1909) e Fr. José Lourenço (1911), regressaram
de 1823, tendo D. João VI ordenado a restituição Em 1801, abriram, no convento, o Colégio do Bom em 1915 e 1916 para se dedicarem à formação de
da posse e fruição dos bens eclesiásticos às Sucesso, dedicado especialmente à educação de novas vocações. Esses primeiros dominicanos da
comunidades religiosas dos mosteiros, conventos, meninas. O facto de se tratar de súbditos britânicos “restauração” nada tinham e consta que chegaram
colégios e hospitais suprimidos; mas, com o estabele- permitiu que nunca tivessem deixado de funcionar, a passar fome pois, em 1834, as propriedades
cimento da regência, na Terceira, renovou-se a mesmo durante o período agitado e controverso conventuais tinham sido confiscadas e os 26
investida contra as ordens religiosas, atingindo que se seguiu à implantação da República, em 1910. conventos extintos, ou estavam em ruínas ou tinham
também todo o Império. Em 1831, ainda o último Depois da extinção das ordens religiosas portugue- sido aplicados a funções públicas. Os estudantes
Capítulo da Congregação de Santa Cruz das Índias sas, em 1834, foi também a comunidade irlandesa eram obrigados a seguir os seus estudos no
nomeou vigários para os três Conventos de Goa que manteve as fraternidades dominicanas da Ordem estrangeiro tornando impossível a vida comunitária,
(S. Domingos, S. Tomás de Pangim e S.ta Bárbara) e Terceira e as confrarias, a par de uma grande tanto mais que Fr. Domingos fora sagrado Bispo de
para os de Diu, Meliapor e Malaca, assim como actividade apostólica, principalmente através da Portalegre. Perante a intenção do mestre da Ordem
designou um para as missões existentes em Samatra, imprensa. em anexar os dois únicos religiosos e os estudantes
Java, Borneo, Flores e outro para Moçambique. Mas, Em França, a Ordem retomou novo vigor pelos portugueses à Província de Toulouse, Fr. Domingos
depois do desembarque no Mindelo, foi criada uma esforços do célebre pregador Jean-Baptiste Henri- Frutuoso abriu-lhes os seminários da sua diocese.
comissão de reforma geral eclesiástica (31 de Julho -Dominique Lacordaire (1802-1861), que ocupou a Em 1927, começou a funcionar um centro de
de 1833). Proibiram-se as admissões a ordens sacras cadeira de Alexis de Tocqueville na Academia formação dominicana no Luso com os religiosos
e Noviciados e despediram-se todos aqueles que o Francesa. Tomou, em Roma, o hábito dos irmãos portugueses e alguns da Província de Toulouse,
estavam a fazer. Muitos religiosos, assustados, pregadores, decidido que estava a desempenhar a enviados pelo mestre da Ordem. Em 1932, o semi-
fugiram dos seus conventos, o que lhes valeu a difícil missão que era restabelecer a Ordem de São nário passou para Mogofores, onde se manteve até
acusação de adesão a D. Miguel, perdendo o direito Domingos, 50 anos após a extinção das ordens ser suspenso, em 1938, com a ida dos religiosos
aos seus lugares e declarando-se, em seguida, a religiosas, o que justificou na Mémoire pour le para o Porto. Reabriu em 1943, em Aldeia Nova

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(Olival). Em 1947, foi a vez do Colégio Clenardo, canonização do Santo (1234) para sua veneração e
em Lisboa, para a formação dos jovens, encerrado salvação das almas, fórmula geral entendida não só
em 1968. A partir de 1948, começaram a chegar como uma busca pessoal, mas também para salvação
auxílios generosos e foi possível abrir o Noviciado do próximo; a Milícia de Jesus Cristo de Parma (1235)
em Sintra (1949) depois trasladado para Fátima, os com intenção de aplicar a nobreza cristã à defesa
estudos filosóficos (1952) e o curso teológico (1958), da liberdade da Igreja e da ortodoxia devendo o
ambos encerrados em 1967. No final da década, é cavaleiro distinguir-se pela “pureza integral da sua
fé” e pela “sua obediência e devoção ao papa e
bispos”, comprometendo-se “na defesa da fé católica
Convento de S. Domingos, Lisboa (JAM)
contra as seitas heréticas que atacará virilmente”;
as Sociedades da Virgem (entre 1232 e 1263) com
o objectivo de agrupar os católicos autênticos em
e alguns dos dominicanos da “restauração”. torno do culto mariano. São, essencialmente,
Instalaram-se, de início, em Vila do Conde, depois sociedades de caridade, mas a sua orientação
em Azurara, na outra margem do rio Ave e, final- destinava-se à “confirmação e exaltação da santa
mente, em 1952, na Q.ta dos Cisnes, nos arredores fé católica, confusão e aniquilamento dos heréticos
do Porto (Convento de N. Sr.a da Eucaristia), depois e de toda a perversão herética” (VICAIRE , Marie-
transferido para Lamego. A 16 de Junho de 1954, -Humbert, Dominique…).
por iniciativa de duas irmãs vindas de Roma, foi Ao mesmo tempo que anunciavam o Evangelho, os
Convento dos Dominicanos, Porto (JAM)
inaugurado solenemente o Convento Pio XII do dominicanos por toda a parte estabeleceram
Rosário Perpétuo. confrarias do Rosário. Efectivamente, os hagiógrafos
restaurado o Convento do Porto e fundada a Casa Em 1972, a actividade missionária foi retomada em de S. Domingos atribuem-lhe a fundação dessa
de S. Tomás de Aquino, em Queluz, elevada a Moçambique (Casa de S. ta Maria, em Nampula, devoção, inspirado por Nossa Senhora, como
convento no ano em que canonicamente foi fechada após o 25 de Abril de 1974) e, em 1982, meditação e pregação dos Mistérios da Salvação em
restaurada a Província Portuguesa (11 de Março de chegou a vez da comunidade dominicana de Wako torno da oração dominical (Pai Nosso) e da saudação
1962), sendo Mestre Geral da Ordem Fr. Miguel Kungo, em Angola (Kuanza-Sul). No ano 2000, África à Virgem (Ave Maria). A primeira confraria teria sido
Brown (1955-1962). contava com 6 conventos e 24 casas dominicanas estabelecida em Estrasburgo, por Alain da La Roche,
Fr. Louis Marie Sylvain, entretanto nomeado Prior enquanto, nos outros continentes, o número era cerca de 1475, alcançando logo enorme divulgação.
Provincial, foi substituído por Fr. Raúl de Almeida bastante superior, respectivamente, 38 e 41 na Os fundamentos do Rosário Perpétuo surgem em
Rolo, em 1966, eleito no primeiro Capítulo Provincial América do Norte, 45 e 112 na América Latina, 23 1634, em Itália, com a ideia de tornar ininterrupto
após a restauração da província, reunido em Fátima, e 44 na Ásia e, finalmente, 174 e 110 na Europa, o culto à Virgem, envolvendo cada associado do
750 anos depois da confirmação solene da Ordem ou seja, os conventos europeus excediam em 62 a Rosário numa guarda de honra a Nossa Senhora,
por Honório III. Nessa altura, contavam-se 103 soma de todos os outros. Quanto ao número de primeiro uma vez por ano e depois uma vez por
dominicanos em Portugal, 90 portugueses e 13 de dominicanos, registe-se que nessa data se contavam mês, com obrigação de rezarem e meditarem nos
outras nacionalidades. Três anos depois, o segundo 5171 irmãos e 4672 padres a nível mundial, sendo seus 15 mistérios. Em 1880, em Calais (França), são
Capítulo Provincial elegia Fr. Miguel Martins dos que na Europa se encontravam 2718 e 2463, lançados os alicerces da obra das Irmãs Dominicanas
Santos, reeleito passados quatro anos, no terceiro respectivamente, isto é, mais de metade do total. do Rosário Perpétuo, cujas Constituições, baseadas
Capítulo (1973). O ritmo quadrienal das reuniões na Regra de S.to Agostinho e no espírito da Ordem
manteve-se (1977, 1981, 1985, 1989, 1993, 1997, 10. Movimentos laicais e devoções. A orientação de São Domingos, seriam elaboradas de maneira
2001 e 2005), bem como a constância na escolha urbana da Ordem de São Domingos proporcionava que a todas as horas, quer do dia, quer da noite,
dos frades já que nesse lapso de tempo foram eleitos uma estreita relação com os leigos, destinatários do a oração do Rosário fosse a ocupação principal.
para o cargo de Prior Geral apenas Fr. Mateus seu apostolado. Entre eles, não tardaram a surgir A expulsão dos religiosos de França levou-as a
Cardoso Peres (1977, 1981 e 1993), Fr. Juan José instituições, confrarias, milícias, enfim, toda a espécie Lovaina. Passado um século, já havia mais de 25
Gallego Salvadores, da Província de Aragão (1985 de agrupamentos e associações que se asse- desses conventos espalhados pelo mundo, sendo
e 1989), para além do próprio Fr. Miguel que voltou melhavam, como é natural, a todas quanto se mais numerosos na Bélgica, América e Japão. Estes
a ser eleito e reeleito no nono e décimo Capítulo multiplicavam um pouco por toda a parte, na época movimentos não devem confundir-se com a
Provincial (1997 e 2001). Actualmente, encontramos da fundação. De resto, em meados do séc. XIII, num instituição da Ordem Terceira, pois são associações
conventos ou casas dominicanas em Lisboa (Convento clima geral de imbricação entre o sagrado e o de circunstância, com referência a campanhas precisas
de S. Domingos de Lisboa, Paróquia de S. Domingos profano, em que as questões religiosas se imiscuíam e provisórias, com a marca das lutas que o ministério
de Benfica e Casa de N. Sr.a do Rosário, Corpo Santo), na política comunal, régia, imperial e pontifical, a dos pregadores enfrentou em Itália, em meados do
em S. Pedro do Estoril (Convento dos Padres acção dos Frades Pregadores para defesa da verdade séc. XIII.
Dominicanos Irlandeses), em Fátima (Convento de N. da Fé e restabelecimento da Paz não se compreendia
Sr.a do Rosário), no Porto (Convento de Cristo Rei). sem a colaboração dos leigos que podiam, nos 11. A Ordem Terceira. Sobre a Ordem Terceira, os
O ramo das religiosas de clausura foi restaurado em conselhos urbanos, apresentar um contrapeso à historiadores não são unânimes nem quanto à data
1932, com a vinda de quatro irmãs que tinham acção dos heterodoxos. Visando, fundamentalmente, da fundação, nem mesmo quanto à sua origem.
passado dois anos de formação no Convento de a transformação religiosa e moral dos participantes, Lacordaire filia-a na Milícia de Jesus Cristo, organizada
Prouille, depois de terem professado na Congregação têm, contudo, um carácter activo evidenciando, por S. Domingos, cerca de 1220, para fornecer à
de Santa Catarina de Sena, fundada por D. Teresa tanto de uma forma como de outra, características Igreja um acrescido número de defensores leigos
de Saldanha, em 1869. Mantinham contacto epistolar profundamente dominicanas. Temos, por exemplo: contra as heresias. Quando desapareceram as causas
com um grupo de terceiras seculares dominicanas a Confraria de São Domingos, fundada na data da públicas desse combate, desapareceu também o que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

havia de militante na designação, mantendo-se a -se sob formas muito diversificadas, dando origem Inocêncio IV, logo no ano da sua morte; S.ta Catarina
consagração aos progressos da vida interior sob o a diversos ramos da Ordem Dominicana no período de Sena (1347-1380) que desempenhou um notável
nome de Irmãos e Irmãs da Penitência de São moderno da Igreja, fecundidade que está longe de papel político e foi canonizada por Pio II, em 1461;
Domingos, confirmados por Munio de Zamora, se esgotar: leigos dos dois sexos, casais, padres, S. Vicente Ferrer (1350-1419), incansável pregador
sétimo Mestre, que modificou também o seu conventos isolados e congregações de religiosos e da unidade da Igreja, canonizado em 1455; o pintor
regulamento. Mais recentemente, Vicaire (1977) religiosas das mais diversas espécies e diferenciados Fra Angélico (1387-1455), beatificado por João Paulo
acentuou as suas origens, tão tardias quanto ministérios. II com o nome de João de Fiésole e muitos outros.
paradoxais, visto que só em 1285 Munio de Zamora Directamente ligados à história portuguesa e
tomou a iniciativa de publicar a Regra da Ordo peninsular temos: S. Fr. Gil de Santarém (1185/1190-
Paenitentia Sancti Dominici, destinando-a a penitentes -1265), Provincial da Ordem em Espanha, cuja
leigos ligados aos Frades Pregadores, tais como os sepultura se tornou um local de peregrinação, culto
penitentes do “manto negro” de Florença, em esse nunca interrompido e confirmado por Bento
contacto estreito com a Ordem Dominicana, desde XIV, em 1748; S. Gonçalo de Amarante, falecido em
1219. Era uma fraternidade local de penitentes 1262 com fama de milagreiro, cujo culto foi
voluntários que se dedicavam à devoção e à caridade reconhecido por Clemente X, em 1671; S.ta Joana,
pública. Aliás, as raízes deste tipo de fraternidades Princesa de Portugal (1452-1490), que viu confirmado
(que conhecemos pela história da Ordem Terceira o seu culto por Inocêncio XII, em 1692; Fr. Jerónimo
de São Francisco, de manto ou insígnias em cinzento) Savonarola, queimado em Florença, em 1498; Fr.
remontam aos finais do séc. XII e o primeiro esforço Bartolomeu de Las Casas (1474-1566), autor da
de reunião encontra-se no Memoriale de 1221-1228, Breve Relacion de la Destrucción de las Indias, terrível
que fixava a vida das fraternidades e determinava Convento de S. Domingos em Lisboa, actualmente está ocupado libelo contra os processos dos encomenderos e
um visitador comum. pelas Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena (JC) inspirador das Novas Leis de Índias que proibiram a
O espírito associativo característico dos tempos escravização dos índios; Fr. Francisco de Vitoria (1483-
medievais favoreceu o movimento. Embora alguns -1546), professor da Universidade de Salamanca e
residissem no claustro, a maioria vivia no mundo Depois da expulsão das ordens religiosas de Portugal, renovador da segunda escolástica, lançou (juntamente
uma vida de piedade, participando o máximo possível o espírito das Ordens Terceiras Seculares manteve- com o jesuíta Francisco Suárez) as bases do moderno
na vida religiosa, embora sem obrigação dos três -se em pessoas que, com a aprovação da Igreja, se direito internacional, passando da noção medieval
votos de pobreza, castidade e obediência. propunham viver em comum, com votos simples e de Cristandade para a concepção de comunidade
Observavam os preceitos de abstinência, jejum, vigílias dedicadas a obras de vida activa e de caridade para internacional em que a disparidade de religião não
e em vez de rezarem missa, substituíam-na pela com o próximo. Apareceram, assim, as congregações poderia mais fundamentar uma guerra justa; André
oração do Rosário. O seu hábito mantinha a forma religiosas femininas modernas. Foi pouco depois de de Resende (c. 1495-1573), humanista e antiquário,
do vestuário secular, mas distinguia-se pelas cores terem sido expulsas de Portugal as Irmãs Francesas muito apreciado na corte de D. João III, sendo
dominicanas: o branco, símbolo da inocência, e o de Caridade, que D. Teresa de Saldanha Oliveira e dispensado ao fim de 30 anos de permanência na
preto, símbolo da penitência. Os casados não podiam Sousa (1837-1916), filha dos terceiros Condes de Ordem, passando para o estado clerical; Fr. Luís de
fazer parte da Ordem sem o consentimento das Rio Maior, decidiu fundar de novo a Ordem das Granada (1504-1588), confessor e pregador da Corte
respectivas mulheres, que se comprometiam a rezar Terceiras Dominicanas, quase sem meios, pois nos reinados de D. Sebastião e do cardeal-rei, director
pelo êxito da sua missão. A vida religiosa introduzia- dispunha apenas de uma mesada de 15$000 réis. espiritual de Soror Maria da Visitação, protagonista
-se, assim, na vida doméstica. Sob a autoridade da Com ela colaborou a sua cunhada, Condessa e do escândalo que ficou conhecido pelo “caso da
Ordem, escolhiam um prior e reuniam-se em deter- depois Marquesa de Rio Maior, Maria Isabel Roxas monja de Portugal”; os já mencionados Bartolomeu
minados dias numa igreja dos irmãos pregadores Carvalho e Meneses de Saint Léger, filha dos dos Mártires, Jerónimo de Azambuja, Gaspar dos
para ouvir a missa e o sermão. Marqueses da Bemposta e Subserra. Através das Reis, Jorge de Santiago, Francisco Foreiro, Luís de
Contudo, mais do que o carácter relativamente tardio suas memórias, podemos considerá-la uma verdadeira Soto Mayor enviados ao Concílio de Trento; Fr.
da instituição, o que surpreende é a instituição cronista da Ordem Terceira em Portugal. António de Sousa, falecido em 1597, Mestre teólogo
propriamente dita que, de resto, levou bastante e Provincial da Ordem; D. Fr. João de Portugal,
tempo a difundir-se. Vicaire chamou a atenção para 12. Santos e figuras históricas. São inúmeras as falecido em 1629, autor de um catecismo e
a abundância de manuscritos da Regra a partir do personalidades da Ordem Dominicana que se conhecido pela sua imensa dedicação aos pobres e
séc. XV, contrastando com a sua inexistência no destacaram nas diversas áreas de acção evangélica, espírito de penitência; Fr. Pedro de Magalhães e Fr.
século anterior, apesar da frequente utilização da grandes figuras carismáticas como: S. to Alberto Domingos de São Tomás, ambos falecidos em 1675,
figura de S.ta Catarina de Sena para ilustrar esta Magno (1193 ou 1206-1280), conhecido como e considerados os mais doutos teólogos portugueses
forma de vida. De resto, a sua difusão deve-se ao Magister Albertus, Doctor Universalis e a quem do séc. XVII, nomeadamente na questão do livre
director espiritual da Santa, o Beato Raimundo de chamaram também “Aristóteles da Idade Média”, arbítrio; Fr. Luís de Sousa (1555-1632), cronista da
Cápua, e a Tomás de Sena. Na mesma época, foi beatificado em 1651 e canonizado em 1931, por Ordem, Manuel de Sousa Coutinho de seu nome
Tomás Caffarini, dominicano também de Sena, quem Pio XI; S. Tomás de Aquino (1226-1274), aluno de no século, casado com D. Madalena de Vilhena,
mais se empenhou em construir uma história para Alberto Magno, autor do sistema filosófico e viúva de D. João de Portugal, supostamente morto
a Ordo Paenitentiae, nada autêntica, mas suficien- teológico que predominou nas universidades até aos na batalha de Álcacer-Quibir, cuja história pessoal
temente eficaz para que a Regra fosse aprovada por sécs. XVII e XVIII, canonizado em 1323, proclamado (de comum acordo, ele e a mulher tinham decido
Inocêncio VII, a 26 de Junho de 1405 (120 anos Doutor da Igreja em 1567 e declarado padroeiro separar-se entrando, respectivamente, para o
depois da sua publicação) e promulgada por Eugénio universal das escolas católicas, por Leão XIII, em Convento de S. Domingos de Benfica e do
IV, em 1439. Só nessa altura é que apareceu a 1880; o grande pregador S. Pedro Mártir, também Sacramento, em Lisboa, em 1613) foi referida por
designação de Ordem Terceira que passou a difundir- chamado de Verona (1206-1253), canonizado por Fr. António da Encarnação, no prólogo da segunda

150
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS DOMINICANOS

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Luis de Granada y la literatura de espiritualidad en reforma tridentina, na já anterior ordem, de origem desde 1371 e vale de Infante no ano seguinte) e
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de Salamanca/Fundación Universitaria Española, sigla é OSPPE, remetendo para a sua designação em 1378, uma visitação ordenada por Gregório XI traça
1988; ROLO, Raúl de Almeida, op, D. Frei Bartolomeu latim: Ordo Sancti Pauli Primi Eremitae. a já significativa expansão de eremitérios que então
dos Mártires: Estudos, Braga, s.n., 1990; ROLO, Raúl A forma de integração nesta ordem garantia a total se estendiam por toda a serra de Ossa e pelas
de Almeida, op, Dominicanos Portugueses nas independência das comunidades portuguesas face imediações de Montemor-o-Novo, Cabeça de Vide,
Missões de Oriente, Braga, s.n., 1984; ROLO, Raúl aos ditames do governo central dos Paulistas, dado Arraiolos, S. Domingos de Brunhete e Serpa. Ditos
de Almeida, op, Formação e Vida Intelectual de que estas permaneciam unidas numa congregação como “homens da pobre vida”, sediados nas
D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Porto, Movimento autónoma, sujeitas a uma estrutura própria de imediações de vilas e cidades, em locais ermos
Bartolomeano, 1977; ROLO, Raúl de Almeida, op, O governo, na observância da Regra de S.to Agostinho apelidados na documentação de “provenças”,
Bispo e a Sua Função Pastoral Segundo D. Frei e de Constituições próprias, com a profissão dos vivendo da exploração das terras que recebem em
Bartolomeu dos Mártires, Porto, s.n., 1964; ROSÁRIO, três votos canónicos e com uma vida litúrgica doação e dos recursos dos baldios, estes eremitas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS EREMITAS DE SÃO PAULO

conseguirão uma impressionante expansão entre os das casas dela dependentes. Em 1452, o Rei D. Afonso 1476. A eficácia da ofensiva destas ordens rigoristas
finais do séc. XIV e a primeira metade da centúria V outorga um “regimento” aos referidos pobres, sobre comunidades pouco institucionalizadas e sem
seguinte, estendendo-se por todo o Alto Alentejo, nomeando três juizes (Gonçalo Vasques, clérigo da norma de vida estabelecida justifica certamente a
chegando ainda à península de Setúbal (fundações serra de Ossa, Francisco, Regedor do vale de Infante, aceitação por parte dos Eremitas da imposição do
de Alferrara, Mendoliva, Caparica), à Estremadura e Fernando Afonso Cicioso, cavaleiro de Évora) para voto de castidade feita pelo Papa Sisto IV em 1477,
(fundações em Óbidos e Alenquer) e mesmo a Tavira. julgarem as suas causas, dando-lhes poder para pela Bula In suprema militantis ecclesiae, na qual
Tal sucesso deriva, em larga medida, da protecção castigarem os refractários à disciplina da pobre vida também lhes confirmava todos os anteriores
régia garantida aos Eremitas pela Dinastia de Avis, ou expulsá-los das comunidades, e legislando no privilégios apostólicos e proibia às outras ordens que
com a outorga de importantes privilégios, secundados sentido de evitar a espoliação dos bens das casas lhes tomassem os eremitérios ou os respectivos bens.
pelo acolhimento facultado dos Mestres de Santiago pelos respectivos regedores ou restantes pobres. Em 1482, é o próprio Rei D. João II que ordena a
e Avis e pelo apoio dos concelhos do Sul, que Obriga ainda a que todas as futuras fundações não convocação de um Capítulo na serra de Ossa para
frequentemente lhes cedem terras do seu termo em se façam sem licença régia, o que, de facto, parece eleição de um Provincial, ao qual envia, em sua
sesmaria. A presença entre estes Eremitas de diversos ter sido cumprido para as duas fundações mais representação, os P.es Diogo Gonçalves, confessor
personagens ligados à Corte régia, como João tardias de Asseiceira (1471, integrada na casa de da rainha, e Fr. Paulo, Reitor do Convento de S.to
Fernandes, regedor da serra de Ossa entre 1376 e Valbom, termo de Vila Viçosa, em 1502) e N. Sr.a Elói de Lisboa. Ao Provincial era dado um mandato
1434, de João Rodrigues, criado do Rei D. João I, de da Consolação de Serpa (1494). O mesmo regimento de três anos, com a responsabilidade de visitação
Mem Seabra (m. 1442) ou ainda de Gonçalo Vasques, seria renovado em 1475, sem qualquer alteração, à anual das casas e de manter a disciplina e a correcta
Capelão do Infante D. Fernando, garantirá não só excepção do nome dos juízes responsáveis pelas gestão do respectivo património. O enquadramento
a protecção régia e os privilégios dela decorrentes, causas dos pobres. Nesta data, contudo, a própria institucional dos eremitas manter-se-ia inalterado
como a expansão das fundações e uma certa acção relação entre as diversas comunidades eremíticas até 1536, ano em que, pelas Bulas Pastoralis officii
reformadora que procurará renovar os eremitérios alterara-se consideravelmente, dado que, em 1466, cura e Meritis piae vitae, o Papa Paulo III os submete
mais despovoados e, desde cedo, associar à serra os mesmos pobres, reunidos na serra de Ossa, haviam à Regra de S.to Agostinho, confirma-lhes os privilégios
de Ossa muitos dos agrupamentos de pobres já concordado estabelecer-se em “congregação”, anteriormente outorgados e aprova os seus costumes,
existentes e outros entretanto fundados. Nem sempre anexando à serra de Ossa todas as restantes casas negando a acusação de beguinagem que sobre eles
com sucesso, como se denota no caso da comuni- e elegendo três eremitas encarregues de reger os pendia.
dade de Rio Mourinho, no termo de Montemor-o- feitos de todos os pobres. O Regedor da serra de As pressões reformistas decorrentes do Concílio de
-Novo, fundada pelo próprio Mem Seabra em 1410, Trento conduzirão rapidamente à normalização
que reivindica do Rei D. Duarte, em 1437, o direito definitiva da Congregação, cada vez mais clericalizada
de manter a sua independência face à serra de Ossa. e reduzida à obrigatoriedade de profissão de um
O papel da realeza revela-se igualmente decisivo na único voto, o de castidade. Assim, em 1578, e a
obtenção de importantes privilégios pontifícios, como instâncias do Cardeal D. Henrique, o Papa Gregório
sejam a isenção do pagamento de dízimos XIII aprova definitivamente a Congregação como
eclesiásticos ou as repetidas licenças relativas à posse Ordem, com o título de Eremitas de São Paulo (Bula
de altar portátil e à celebração dos sacramentos. Creditum nobis). Pelo mesmo diploma são-lhes
Em 1407, o Papa Gregório XII submete os pobres outorgados os privilégios das ordens mendicantes,
à jurisdição e protecção do Bispo de Évora (Bula Ad definida a forma do hábito e imposta a configuração
dominici gregis curam) e permite-lhes viver em de congregação clerical de votos perpétuos. A bula
comunidades de 12 eremitas (Bula Decem Romanum Convento de S. Paulo da Serra d'Ossa (DB) será aceite em Capítulo da Ordem celebrado em
Pontificem), privilégio estendido para 20 eremitas 1579 na Casa de Vale de Infante e concretizada nas
por Eugénio IV em 1433 (Bula Circa singulorum). Ossa deveria ser eleito conjuntamente pelos regedores Constituições aprovadas em 1584. No seu texto,
Internamente, a estrutura das comunidades per- das outras casas e pelos pobres aí residentes, espelham-se bem as transformações operadas sobre
manece bastante simples, com uma composição definindo-se também a obrigatoriedade do reconhe- as comunidades ligadas à serra de Ossa, no esforço
maioritariamente laical e um Regedor que preside cimento conjunto da serra de Ossa e das restantes de conformização aos ditames tridentinos e à
aos seus destinos, em regra o próprio fundador do casas sobre todos os assuntos relevantes à vida das estratégia de normalização da vida religiosa conduzida
eremitério ou alguém por ele nomeado ou escolhido comunidades, nomeadamente no que dizia respeito pela Santa Sé. Com efeito, além da obrigatoriedade
pela comunidade. Contudo, os abusos que esta à alienação de património. Este aspecto revelava-se de profissão dos três votos canónicos (castidade,
situação veicula, aliados à atracção exercida sobre fundamental face às tentativas perpetradas por pobreza e obediência), marcava-se definitivamente
muitos eremitas pelas novas ordens de cariz rigorista, alguns pobres de anexação das respectivas casas aos a clivagem, no seu interior, entre clérigos e leigos,
entretanto surgidas, depressa obrigam a um esforço Jerónimos e aos Lóios. O fenómeno, com antece- associada a profundas alterações no seu modo de
de definição e regulamentação, exercido tanto pelos dentes já durante o reinado de D. Duarte (o oratório vida, com o reforço da componente coral e litúrgica
monarcas como pelos próprios eremitas. do Alentejo, em Óbidos, fora anexado à casa de – a obrigação de recitação diária do Ofício Divino
Com efeito, os abusos de autoridade no interior da Vilar de Frades em 1440 e a provença de Vale de e a celebração da Eucaristia, ambos segundo o rito
comunidade, aliados a casos de eremitas refractários Flores, no termo de Portalegre, estivera entregue romano, em detrimento dos anteriores hábitos de
aos respectivos regedores ou ainda os conflitos sobre aos Jerónimos entre 1436 e 1467), renovar-se-ia piedade, mais simples e próximos do universo dos
a posse dos bens adquiridos pelas provenças levam sobretudo após a fundação da comunidade jerónima leigos (recitação de um certo número de orações –
os monarcas a favorecer a gradual subordinação das do Espinheiro de Évora, estando documentadas as Pai Nosso, Ave-Maria, Credo – e de ofícios votivos,
diversas casas à serra de Ossa, estendendo-lhes os suas tentativas de apropriação dos Eremitérios de como as horas de Nossa Senhora), a redução do
respectivos privilégios e reconhecendo à primeira a S.ta Margarida do Aivado (Évora) e de Rio Mourinho tempo de trabalho manual, sobretudo para os
indispensável autoridade no que respeita à guarda (1478), bem como o estabelecimento de um grupo clérigos, o reforço e fixação dos ritmos e rituais
do seu modo de viver e à preservação do património de frades jerónimos na própria serra de Ossa em comunitários, a par de uma definição da estrutura

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS EREMITAS DE SÃO PAULO

de governo da Congregação e de cada uma das Paulistas. Algumas das antigas casas são mesmo reduzindo, em 1822, o número de casas dos Paulistas
casas, bem como das condições de admissão dos extintas em favor dos novos conventos, em nome de 18 para 6, levariam ao encerramento de diversos
novos candidatos e da sua formação. Todas estas da falta de proventos que sustentem as suas conventos da Ordem. Mesmo se este último decreto
transformações abriam, assim, caminho, no interior comunidades ou de se localizarem em locais acabou por ser revogado em 1824, os dados de que
da Ordem, à valorização de novas dimensões, como insalubres ou de condições adversas à presença dos dispomos atestam um conjunto significativo de casas
a do ensino e da formação letrada dos seus membros religiosos. Encontramos neste caso os antigos da Ordem extintas entre 1797 e 1823, cujas rendas
ou da própria assistência religiosa às populações Ermitérios de Mendoliva, no termo de Setúbal, foram, em regra, anexadas ou ao Colégio de
que vizinhavam as suas casas. abandonado em 1531 e anexado à Casa de Alferrara; Coimbra (S.ta Margarida do Aivado de Évora, 1797;
Embora nos faltem estudos sobre a história da Ordem de Fonte Arcada, no termo de Avis, afectado, em S. Gião de Alenquer e Rio Mourinho, 1823), ou ao
no período moderno, parecem-nos claras as profundas 1566, por um violento incêndio, que consumiria Convento do SS.mo Sacramento de Lisboa (Alferrara
implicações que a adaptação aos modelos tridentinos inclusive todo o cartório conventual, e que acabaria e N. Sr.a da Rosa da Caparica, c. 1813). Mas, em
provocou no seu interior. Não deixa, com efeito, de por ser extinto em 1616 e as respectivas rendas 1834, o decreto de extinção das ordens religiosas
ser sintomático que date precisamente de 1578, ano anexadas à nova casa fundada pela Ordem em Sousel masculinas viria pôr fim aos conventos paulistas
da bula de aprovação da Ordem por Gregório XIII, dois anos antes; o Ermitério da Espadaneira, no que ainda sobreviviam, colocando um ponto final
a fundação do primeiro colégio da Ordem, dedicado termo de Estremoz, extinto possivelmente em finais a uma presença que, ao contrário do que aconteceu
a S. Paulo e sediado em Évora. Fortemente apoiado do séc. XVI em favor do Convento de S. Paulo de com outras Ordens, não voltaria a ser entre nós
pelo Cardeal D. Henrique, o novo colégio teria Elvas; e ainda o Ermitério da Junqueira, no termo retomada.
capacidade, segundo as Constituições da Ordem de Sines, cujos bens seriam anexados em 1645 ao
aprovadas em 1584, para acolher cerca de oito Convento de Alferrara. BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da
colegiais, e, para o suportar, seria inclusive extinta É certo que o espírito eremítico não desaparecera Igreja em Portugal, Nova ed. dir. por Damião Peres,
a comunidade que os Paulistas detinham no termo totalmente do horizonte da Ordem. Ele permanecia, Porto, Portucalense Editora, 1967, vol. I, pp. 330-
dessa cidade, em Montemuro, anexando-se as desde logo, como factor prestigiante ligado às suas -331/vol. II, p. 143/vol. III, pp. 138-139; ARRUDA, Luísa,
respectivas rendas ao novo colégio. Outras notícias origens, justificando as demoras dos seus cronistas COELHO, Teresa Campos, Convento de S. Paulo da
permitem-nos verificar a crescente importância da modernos em acentuar a virtude e espírito de oração Serra de Ossa, Lisboa, Ed. Inapa, [2004]; BALINHA,
dimensão letrada no interior da Ordem, não apenas e penitência dos seus fundadores e em os ligar, Hélio, “Convento de Nossa Senhora da Rosa:
ligada às casas da serra de Ossa e de vale de Infante, numa clara atitude apologética – e sem fundamento anotações históricas”, in Anais de Almada, n.º 4,
destinadas pelas Constituições à formação dos histórico – às figuras ancestrais da história bíblica e 2001, pp. 25-62; B EIRANTE , Maria Ângela,
noviços, como em outros conventos, onde inclusive cristã. Tal aparece de forma bastante clara nas “Eremitismo”, C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de
se testemunha a existência de escolas, de cariz mais crónicas impressas que chegaram até nós, fruto do História Religiosa de Portugal, vol. C-I, [Lisboa],
elementar, muitas vezes abertas ao ensino de pessoas labor de dois autores setecentistas: Fr. Henrique de Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História
exteriores à Ordem, como acontecia, por exemplo, Santo António (Chronica dos Eremitas…) e de Fr. Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000,
no Colégio de N. Sr. a da Soledade, fundado em Manuel de São Caetano Damásio (Thebaida pp. 149-154; BEIRANTE, Maria Ângela, “Eremitérios
Borba em 1704. No mesmo sentido, se percebe a Portuguesa…). Contudo, o mesmo séc. XVIII da pobre vida no Alentejo dos séculos XIV-XV”, in
fundação pela Ordem, em Coimbra, do Colégio de testemunha, efectivamente, algumas tentativas de 1383-1385 e a Crise Geral dos Séculos XIV-XV:
S. Paulo, ainda na primeira metade do séc. XVIII regresso a uma vivência eremítica, apoiadas pela Jornadas de História Medieval – Actas, Lisboa, História
(1745). própria Ordem dos Paulistas, como o atestam o & Crítica, 1985, pp. 257-266; BRANDÃO, Fr. António,
Por outro lado, a clericalização da Ordem, com o movimento associado a Baltasar da Encarnação (m. Monarquia Lusitana, parte III, Lisboa, INCM, 1973
reforço da sua vivência litúrgica e pastoral, e a perda, 1760), que fundaria, em 1716 ou 1717, um ermitério (ed. facsimilada da ed. de Lisboa, por Pedro
em larga medida, da sua anterior dimensão eremítica, nas Covas de Monfurado (termo de Montemor-o- Craesbeck, 1632), cap. XXXII, fls. 61-63; CASTRO,
conduz a um gradual abandono, bem notório -Novo) e um outro em Arronches, em 1718. Em 1722, João Baptista de, Mappa de Portugal Antigo e
sobretudo a partir de finais do séc. XVI e dos inícios obteria do Capítulo Geral dos Paulistas a necessária Moderno […], t. II, 2.a ed. revista e aumentada,
da centúria seguinte, de quase todos os antigos autorização para usar o hábito da Ordem sem, Lisboa, na Officina de Francisco Luiz Ameno, 1763;
eremitérios medievais em favor de novas instalações, contudo, perder a sua independência. Este grupo, CIDADE, Hernâni, A Serra d’Ossa e o Seu Convento,
mais próximas ou mesmo no interior dos povoados. dito dos “Paulistas Descalços”, fundaria ainda uma Sept. Boletim da Junta de Província do Alto Alentejo,
Tal acontecerá, muitas vezes, sob o patrocínio de outra casa em Pedrógão (Serpa) em 1723, mas Évora, [1959]; CORREIRA, Virgílio, GONÇALVES, Nogueira,
importantes casas da nobreza do reino ou da própria acabaria por a abandonar no ano seguinte, bem Inventário Artístico de Portugal, vol. II – Cidade de
realeza, sendo particularmente notório o apoio às como a de Arronches e uma outra, cujo ano de Coimbra, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes,
novas fundações facultado pela Casa de Bragança, fundação se desconhece, dedicada a Nosso Senhor 1947; DAMÁSIO, Fr. Manuel de São Caetano, Thebaida
em cujos domínios a maioria das antigas comuni- Rei Salvador. A par da casa de Monfurado, uma Portuguesa: Compendio Historico da Congregação
dades eremíticas se encontrava implantada. As novas outra fundação, mas independente desta, sediada dos Monges Pobres de Jesu Christo da Serra de Ossa
construções conventuais denotarão o seu claro em Lisboa e dedicada ao Senhor Jesus da Boa Morte, Chamada Depois de S. Paulo I Eremita, em Portugal,
patrocínio, inclusive ao nível artístico, nas recorrentes obteria inclusive estatutos próprios aprovados pelo 2 t., Lisboa, na Officina de Simão Thaddeo Ferreira,
campanhas que afectarão a maioria das casas da prelado olisiponense em 1743. 1793; E SPANCA , Túlio, “Estudos Alentejanos –
Ordem entre os finais do séc. XVI e as últimas décadas Entretanto, as profundas alterações políticas operadas Convento de Nossa Senhora do Socorro da Vila de
da centúria seguinte. É sintomático, aliás, que seja em finais do séc. XVIII, com o crescente interven- Portel”, in A Cidade de Évora, n.º 59, Jan.-Dez.
precisamente neste período que a Ordem institu- cionismo estatal na vida eclesiástica e das ordens 1976, pp. 243-255; ESPANCA, Túlio, “Convento de
cionalize a sua presença em Lisboa, por meio do religiosas, viria afectar profundamente a Ordem. S. Paulo da Serra de Ossa”, in A Cidade de Évora,
Convento do SS.mo Sacramento, fundado em 1647, Com efeito, as determinações emanadas pela Junta n.º 55, Jan.-Dez. 1972, pp. 149-171; ESPANCA, Túlio,
cuja monumentalidade e riqueza artísticas de Exame das Ordens Regulares determinando, em “Subsídios para a história do antigo Colégio de S.
testemunham bem o novo espírito vivido pelos 1791, o encerramento de todos os Noviciados e Paulo”, in A Cidade de Évora, n.º 31-32, 1953, pp.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ESPIRITANOS

183-186; E SPANCA , Túlio, Inventário Artístico de ESPIRITANOS hoje desaparecida, de S.to Estêvão des Grès, aos pés
Portugal, vol. VII, t. I-II/vol. III, t. I/vol. IX t. I, Lisboa, Os Espiritanos, cujo nome oficial é Congregação do da imagem de N. Sr.a do Livramento, a Virgem Negra
Academia Nacional de Belas-Artes, 1966-1978; Espirito Santo, sob a protecção do Imaculado Coração de Paris, tão querida dos estudantes, fazerem a
F ONTES , João Luís Inglês, “Cavaleiros de Cristo, de Maria (CSSp), foram primeiramente fundados por consagração ao Espírito Santo, após um retiro de
monges, frades e eremitas: um percurso pelas formas Cláudio Poullart des Places, que nasceu em Rennes, uma semana, pregado pelo próprio Poullart des
de vida religiosa em Évora durante a Idade Média na França, a 26 de Fevereiro de 1679. Oriundo de Places. A originalidade de Poullart des Places consistia
(sécs. XII a XV)”, in Lusitania Sacra, 2.a série, t. XVII, uma família de tradição nobre e filho de um pai rico no facto de ter agrupado à sua volta, sendo ele
2005, pp. 39-61; FONTES, João Luís Inglês, “Ordem comerciante da cidade e advogado de prestígio no apenas simples tonsurado, alguns estudantes pobres
de São Paulo Primeiro Eremita”, in Bernardo Parlamento da Bretanha, Cláudio recebeu uma para partilhar a sua vida com eles, ajudando-os com
Vasconcelos e Sousa (dir.), Ordens Religiosas em educação esmerada no Colégio dos Jesuítas de os seus próprios recursos e recolhendo esmolas para
Portugal: Das Origens a Trento – Guia Histórico, Rennes, sendo desde logo destinado a seguir, como eles. A nova sociedade foi consagrada ao Espírito
Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 129-148; KEIL, o pai, a carreira da magistratura. Aluno brilhante, Santo sob a invocação da Imaculada Conceição. Os
Luís, Inventário Artístico de Portugal, vol. I – Distrito excepcionalmente dotado tanto intelectual como Regulamentos Gerais e Particulares que Cláudio
de Portalegre, Lisboa, Academia Nacional de Belas- fisicamente, de fácil relação social, o seu futuro compôs em 1705 dão-nos o espírito e os objectivos
-Artes, 1943; Livro da Regra de Sancto Agostinho anunciava-se brilhante e invejável. Licenciado em desta fundação. Segundo esses Regulamentos, o
e das Constituições perpetuas dos religiosos pobres Direito pela Universidade de Nantes, a alta sociedade seminário destinava-se à formação séria dos
hermitãos da serra Dossa da Ordem de Sam Paulo que frequentava acariciava-lhe as pretenções. Apesar estudantes pobres para a vida eclesiástica. A origem
primeiro hermitam, Lisboa, por Pedro Craesbeeck, disso, uma certa insatisfação interior que desde a social destes estudantes e a interdição que os
1617; Livro da Regra de Sancto Agostinho e das juventude o não largava, começava agora a tomar Regulamentos impunham de frequentarem graus
Constituições perpetuas dos Religiosos pobres corpo na ideia do sacerdócio. De facto, nos princípios académicos predestinava-os para as funções humildes
hermitãos da Serra Dossa, da ordem de S. Paulo de Outubro de 1701, vemo-lo em Paris, no colégio do estado eclesiástico, segundo a mentalidade do
primeiro hermitão […], s.l., Por Manoel de Lyra, de Luís, o Grande, a frequentar o curso de Teologia, Antigo Regime. É o que confirmam as cartas patentes
1594; MATTOSO, José, “Mendo Gomes de Seabra”, ministrado pelos Jesuítas. que reconhecem legalmente o Instituto a 2 de Maio
in Guerrino Pelliccia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario Os numerosos grupos de crianças que desciam as de 1726: “Poullart des Places quis com esta obra
degli Istituti di Perfezione, vol. V, Roma, Edizioni montanhas da Sabóia para Paris, à procura de alguma educar numa vida dura e laboriosa e num perfeito
Paoline, 1978, cols. 1212-1213; M ATTOSO , José, coisa com que pudessem matar a fome e ajudar a desprendimento, vigários, missionários e eclesiásticos
“Eremiti Paolini Portoghesi”, in Guerrino Pelliccia, família a matá-la e cuja principal ocupação era ser para servir nos hospitais, nas paróquias e nos outros
Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di “limpa-chaminés”, foram os primeiros a despertar postos abandonados para os quais os bispos não
Perfezione, vol. III, Roma, Edizioni Paoline, 1976, a atenção de Poullart des Places. Depois, dá-se conta encontram quase ninguém”
cols. 1195-1199; MARTINS, Mário, “De como eram de que entre os estudantes em dificuldade, que Foi durante o governo de Luis Bouic, segundo
os Eremitas da Serra de Ossa”, in Brotéria, vol. povoavam a Sorbona, se encontravam muitos sucessor de Poullart des Places e Superior Geral
CXXIX, 1989, pp. 403-410; NATIVIDADE, Fr. Francisco aspirantes ao sacerdócio. Uma boa parte destes durante 53 anos (1710-1763), que o Seminário do
da, Ordinario e Ceremonial, Segundo o Uzo Romano: estudantes era de origem modesta e via-se na Espírito Santo deu passos decisivos: a Congregação
Das Missas, & Officios Divinos, & de Outras Cousas necessidade de trabalhar para garantir o alojamento foi legalmente reconhecida por Cartas Patentes de
Necessarias da Ordem de Nosso Padre Sam Paulo e o sustento: fazer trabalhos manuais, dar explicações, Luís XV a 2 de Maio de 1726; a primeira Regra é
Primeiro Ermitão, Lisboa, na Officina de Pedro copiar cursos para colegas, assistir aos enterros, velar elaborada e oficialmente aprovada; a Sociedade
Craesbeeck, 1615; NUNES, Manuel de Castro, BORGES, os mortos, etc. Neste ambiente não só os estudos recebe uma orientação nitidamente missionária e é
José, As Covas de Montemuro: Noticia Princeps, eram prejudicados, mas a própria formação moral inaugurada a Casa-Mãe do Instituto, num grande
Évora, Ed. dos autores, 1993; PAGARÁ, Ana Fátima, e espiritual se ressentia desta situação. Cláudio imóvel da R. des Postes, hoje L’homond. O Instituto
“O Convento da Ordem de São Paulo, em Portel”, começou por partilhar com alguns destes estudantes é definido como uma sociedade de vida comum,
in Virgínia Fróis (coord.), Conversas à Volta dos a pensão que recebia do pai, comendo ele o que sem votos, para formar clérigos pobres, que se
Conventos, Évora, Casa do Sul Editora, [2002], pp. sobejava da mesa onde estava alojado. Outros distinguem por uma disponibilidade total nas mãos
207-227; Plano dos Estudos para a Congregação estudantes por ele socorridos vieram juntar-se ao dos prelados. Esta disponibilidade deve torná-los
dos Religiosos de S. Paulo Primeiro Eremita dos pequeno grupo, constituindo assim o primeiro núcleo aptos não só para aceitar, mas também para amar
Reinos de Portugal, e Algarves Ordenados Segundo da Comunidade do Espírito Santo. de todo o coração e preferir a todas as outras as
o Methodo dos Novissimos Estatutos da Universidade funções eclesiásticas mais humildes e mais penosas,
de Coimbra, Lisboa, na Regia Officina Typografica, para as quais dificilmente se encontram obreiros.
1775; SANTO ANTÓNIO, Fr. Henrique de, Chronica dos O texto precisa estas funções: serviço nos hospitais
Eremitas da Serra de Ossa […], 2 vols., Lisboa, na e anúncio do Evangelho aos pobres e até aos infiéis.
Officina de Francisco da Sylva, 1745-1752; SANTOS, O anúncio do Evangelho aos infiéis aparece assim
Mariana A. Machado (ed.), “Catálogo de Mestres como novo objectivo desta Sociedade. Efectivamente,
de Filosofia e Teologia da Congregação dos Paulistas em 1723, o Bispo de Québec tinha pedido ao
da Serra de Ossa”, in Biblos, vol. XXIX, 1953, pp. seminário padres para a sua diocese e, a partir deste
389-426; VASCONCELOS, António de, “Os Colégios pedido, vários padres do seminário foram enviados
universitários de Coimbra”, in Escritos Vários relativos Brasão dos Espiritanos (I) tanto para o Canadá como para o Extremo Oriente.
à Universidade de Coimbra, reedição, vol. I, Coimbra, Mais tarde, em 1765, o seminário é encarregado da
Arquivo da Universidade de Coimbra, 1987, pp. 155- Quando o número destes estudantes chegou a 12, evangelização da Prefeitura Apostólica de S. Pedro e
-295. foram eles próprios que exprimiram o desejo de se Miquelon, também no Canadá; em 1775, era convida-
constituírem em comunidade. Escolheram o dia do do para a educação da juventude de Cayenne, na
JOÃO LUÍS INGLÊS FONTES Pentecostes de 1703, 27 de Maio, para na igreja, Guiana Francesa, e mais tarde para a Prefeitura de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ESPIRITANOS

S. Luís do Senegal. Depois da crise por que passou fusão das duas numa só – uma, a do Espírito Santo,
a Congregação durante a Revolução Francesa, Luís receberia um sopro novo de vida, e a outra, a do
XVIII, a 2 de Março de 1815, encarregou a Congregação Sagrado Coração de Maria, um apoio legal de que
do Espírito Santo – é este o nome com que aparece tinha necessidade –, depois de várias diligências de
agora o seminário – de fornecer os padres necessários aproximação de ambas as partes, no dia do
para o serviço paroquial das colónias. Todas as colónias Pentecostes de 1848, em assembleia conjunta, era
francesas são assim confiadas ao Seminário do Espírito decidida a união das duas numa só. A Santa Sé, a
Santo. Nas Regras posteriores, os objectivos do Instituto 4 de Setembro de 1848, sancionava esta união. A
definir-se-ão cada vez mais a partir da missão entre nova Congregação unificada chamar-se-ia Congre-
os infiéis, até porque cada uma das dioceses começou gação do Espírito Santo, sob a invocação do
a ocupar-se gradualmente dos seus seminaristas pobres. Imaculado Coração de Maria, ficando Libermann
O âmbito geográfico também se alargou. Foi-se como seu Superior Geral. O fim específico e prioritário
passando das colónias francesas para a “evange- da Congregação continua a ser as missões longínquas
lização dos pobres e infiéis em qualquer parte do entre os mais abandonados, com a abertura a obras,
mundo”. Como este espaço era vasto demais para que embora não entrem directamente no fim
uma congregação bastante debilitada pela Revolução, prioritário, podem orientar-se para ele.
a Congregação entrou em crise. Vai ser o apare- Em 1848, a “nova” Congregação do Espírito Santo
cimento de uma outra sociedade missionária – a contava 43 membros, 34 dos quais provinham da
Sociedade do Sagrado Coração de Maria, acabada Sociedade do Coração de Maria. Os seus missionários
de fundar por Francisco Libermann – que lhe vai distribuíam-se já nessa altura por S. Pedro e Miquelon,
insuflar um espírito novo. Martinica, Guadalupe, Guiana, Senegal, Reunião,
Jacob Libermann – tal era o nome de Francisco Maria Índia, Madagáscar, Maurícia, Líbéria, Serra Leoa,
Paulo Libermann antes de se converter ao catolicismo D. Moisés Alves de Pinho (I) Austrália e Gabão. Mas Libermann, antes de morrer,
– nasceu em Saverne, na Alsácia, a 11 de Abril de pensava já estender a Congregação à Alemanha,
1802. Filho do rabino da cidade, Lázaro Libermann, com a situação degradante em que viviam tanto os Bélgica, Irlanda, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália,
Jacob desde muito jovem foi iniciado nas Escrituras escravos de Bourbon, como os negros do Haiti, Brasil, Estados Unidos, Tunísia e África do Sul. Depois
hebraicas. Inteligente e aplicado como era, depressa recentemente libertados. O projecto era formar uma da sua morte, a expansão vai efectivamente
adquiriu um conhecimento profundo da tradição comunidade de padres para evangelizar e ajudar processar-se em grande ritmo, sobretudo na África.
judaica e parecia corresponder ao sonho de seu pai, estes negros a conquistar o seu espaço de liberdade. As Províncias da Europa e da América serão fundadas,
que queria fazer dele rabino e seu sucessor. Mas Para orientar este projecto tinham escolhido regra geral, em ordem ao fornecimento de
Jacob, aproveitando a licença do pai para prosseguir Libermann. Este, depois de não poucas hesitações, missionários para as colónias dos respectivos países.
os seus estudos em Metz, entrou em contacto com acabou por aceder, partindo para Roma a pedir a Em 1895, na véspera da eleição do Superior Geral
a cultura profana, estudou francês, alemão, latim e necessária autorização da Santa Sé. Em Roma, Mons. Alexandre Le Roy, estavam já confiados à
um pouco de grego. O entusiasmo com que se enquanto esperava pela decisão da Santa Sé, escreveu Congregação dez vicariatos ou prefeituras apostólicas:
entregou à leitura dos clássicos, nomeadamente a Regra Provisória desta futura sociedade, onde Senegal, Gâmbia, Serra Leoa, Guiné, Nigéria, Gabão,
Rousseau, de que apreciou sobretudo o Emílio, exprimia os fundamentos, o espírito e os objectivos Congo Francês, Oubangui, Angola e certas regiões
acabou por pôr em crise a sua fé judaica. Nas da nova fundação. Tratava-se de uma obra a favor do Quénia e do Tanganica. Durante o governo de
vésperas do Natal de 1826, acabou por se converter dos mais abandonados e mais carenciados de Mons. Le Roy (1896-1926), este número foi acrescido
ao Cristianismo, sendo baptizado e recebendo o assistência pastoral, onde a vida de comunidade dos pelos Camarões, Catanga e África do Sul, além de
nome de Francisco Maria Paulo. Desejando fazer-se seus membros, a prática da pobreza e a obediência seis novas províncias na Europa: Bélgica, Holanda,
padre, foi admitido no Colégio Stanislas de Paris em a uma Regra e a um superior, escolhido pelos seus Inglaterra, Suíça e Polónia, e do Canadá na América.
1827, passando depois para o Seminário de membros e em dependência da Santa Sé, eram Fora do continente africano, a Congregação tinha
S. Sulpício. Pouco antes de ser admitido ao sub- exigidos. O projecto foi aprovado, sendo Libermann a responsabilidade de mais 11 territórios de missão.
diaconado, foi atingido pela epilepsia, doença que ordenado Sacerdote a 25 de Setembro de 1841. De 1926 a 1962, o número dos membros da
o impedia de avançar às ordens sacras. Devido, O Noviciado da nova Congregação abriu em La Congregação passou de 2100 para 5000 e o número
porém, à influência positiva que exercia sobre os Neuville-les-Amiens a 27 de Setembro de 1841. Em dos aspirantes de 2000 para 3000. A Congregação
seminaristas, foi autorizado a permanecer no 1843, seguia para a Guiné a primeira leva de atingiu o máximo dos seus efectivos em 1964, com
seminário sulpiciano de Issy. Em 1837, foi convidado missionários formados em La Neuville, sete padres 5141 membros (3500 padres, 800 irmãos e 850
para assistente do mestre de noviços dos Eudistas que Libermann pusera à disposição de Mons. Barron, escolásticos professos). A partir daí, o seu número
em Rennes, congregação então em vias de Vigário Apostólico das Duas Guinés. Destes sete começou a diminuir. Após o Concílio Vaticano II,
reestruturação. Aí permaneceu com bastantes dificul- padres, todos menos o P.e Bessieux morreriam em com o desenvolvimento das igrejas africanas e a
dades neste cargo, até que, em 1839, dois dos seus breve espaço de tempo, vítimas das inclemências emergência de novas igrejas no hemisfério sul, a
antigos condiscípulos e amigos de S. Sulpício o do clima, o que fez com que Mons. Barron, desa- Congregação abriu-se à criação de novas fundações
convidaram para colaborar e orientar um projecto nimado, regressasse à América. Devido a isso, a espiritanas nessas igrejas, as quais, à medida que
com que sonhavam: a “Obra dos Negros” para a Santa Sé, em 1846, confiou o Vicariato directamente se vão desenvolvendo, se transformam em províncias,
evangelização dos escravos negros das colónias à Congregação de Libermann, tendo sido nomeado como aconteceu já com a Nigéria, Angola, Brasil e
francesas. seu Prefeito Apostólico, Mons. Truffet. Tanzânia. Em vias de transformação em província
O projecto era de dois jovens, Frederico Le Vavasseur, Tendo em conta que os objectivos e o espírito das há várias uniões de circunscrições: Oceano Índico
natural da ilha de Bourbon, e Eugénio Tisserant, duas sociedades eram praticamente os mesmos e (Filipinas, Taiwan e Vietnam), África do Oeste
originário do Haiti. Ambos estavam preocupados que ambas as sociedades poderiam beneficiar da (Madagáscar, Maurícias, Reunião e Seicheles) e

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FILHOS DA CARIDADE

África de Leste (Etiópia, Quénia e Uganda). Estas Com a proclamação da República, todas estas obras BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Archives Générales de
novas fundações, por via de regra, agrupam foram confiscadas, excepção feita à Procuradoria la Congrégation du Saint Esprit, Chevilly-la-Rue,
candidatos de vários países. É assim que está das Missões. A restauração da Província foi iniciada Paris. Impressa: Arquivo Provincial da Província
crescendo cada vez mais o número de membros do por D. Moisés Alves de Pinho, nomeado Provincial Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, Lisboa;
hemisfério sul dentro da Congregação. Em 2007, a em 1919 com essa específica incumbência. Pouco Bulletin Général de la Congrégation du Saint Esprit,
Congregação contava com 2914 membros, dos quais a pouco, foram-se abrindo novas casas de formação: Paris; COULON, Paul Libermann, Une pensée et Une
28 são bispos, 2118 padres, 172 irmãos e 524 Braga (1919), Godim-Régua (1921), Viana do Castelo Mystique Missionnaires, Paris, Editions du Cerf, 1988;
estudantes professos. Estes membros, oriundos de (1922), Fraião-Braga (1927), Silva-Barcelos (1937) e KOREN, Henri, Les Spiritains: Trois Siècles d´ Histoire
56 países, estão espalhados por 59 circunscrições Torre da Aguilha (S. Domingos de Rana, 1952), além Religieuse et Missinnaire, Paris, Beauchesne, 1982;
ou agrupamentos, assim distribuídos: 1215 na África, de várias outras obras de apoio à animação MICHEL, Joseph, Claude François Poullart des Places:
169 na América do Norte, 37 na América Latina, missionária e ao apostolado dos seus membros. A Fondateur de la Congrégation du Saint Esprit, Paris,
11 na Ásia, 64 nas Caraíbas, 1389 na Europa e 29 Província Portuguesa contava, em 2004, 183 Éditions Saint-Paul, 1962; N EIVA , Adélio Torres,
na Oceânia. Os objectivos da Congregação mantêm- membros dos quais 2 eram bispos, 143 padres, 32 Congregação do Espírito Santo e do Imaculado
-se sempre os mesmos, com as ratificações que a irmãos e 14 aspirantes professos, distribuídos por Coração de Maria: A História da Província Portuguesa,
evolução da teologia da missão e os novos apelos 12 comunidades em Portugal, 56 nas missões Ad 1867-2004, Lisboa, Congregação do Espírito Santo
do nosso tempo reclamam: a evangelização pre- Gentes e 12 noutros países. As actividades da e do Imaculado Coração de Maria, 2005.
ferencial dos que ainda não ouviram a mensagem Província estão distribuídas pela formação de novos
do Evangelho ou mal a ouviram; os oprimidos e missionários, animação missionária do povo de Deus, ADÉLIO TORRES NEIVA
mais desfavorecidos individual e colectivamente; as promoção vocacional, apostolado paroquial e
tarefas para as quais a Igreja dificilmente encontra assistência aos emigrantes de expressão portuguesa.
obreiros. Na animação missionária merecem relevo a Liga FILHOS DA CARIDADE
A Congregação está consagrada ao Espírito Santo, Intensificadora da Acção Missionária (LIAM) fundada O Instituto Religioso Filhos da Caridade, conhecido,
sob a protecção do Imaculado Coração de Maria, em 1937, com Estatutos aprovados pela Conferência em Portugal, simplesmente por Filhos da Caridade
sendo estas as principais devoções da Congregação. Episcopal Portuguesa, o Movimento Missionário de (FC), é por vezes identificado com o movimento dos
De oito em oito anos reúne-se o Capítulo Geral da Professores (MOMIP), com estatutos aprovados pela Padres Operários, uma vez que, na década de 70,
Congregação, em que são eleitos o Superior Geral Conferência Episcopal Portuguesa, e os Jovens Sem altura em que se implantou em Portugal, grande
e o seu Conselho e em que se fazem a avaliação e Fronteiras (JSF), também com Estatutos aprovados parte dos membros desta Congregação vivia, de
os ajustamentos da Regra de Vida Espiritana, que pela Conferência Episcopal Portuguesa. Na assistência forma empenhada, esse ministério sacerdotal
é a norma de base de todo o Instituto. A sede do aos emigrantes, merece destaque o “Centro Padre recentemente reabilitado pelo Concílio Vaticano II.
governo central da Congregação é em Roma, em Alves Correia”, com sede em Lisboa. A Província O Instituto foi fundado em Clichy (Paris), França,
Clivo di Cinna, 193. promove ainda as “Fraternidades Espiritanas”para em 1918, pelo P.e Emile Anizan, nascido a 6 de
A Província Portuguesa foi criada em 1867 pela a vivência da espiritualidade da Congregação e apoia Janeiro de 1853, em Artenay. Filho de um médico,
Casa-Mãe, sendo seu protagonista o P. e Carlos a Associação dos Antigos Alunos (ASES). estudou no Seminário de Issy, tendo sido ordenado
Duparquet, com o objectivo de formar missionários sacerdote a 22 de Dezembro de 1877. Apesar de
para a evangelização de Angola e outras colónias ter, logo aquando da primeira ordenação, expressado
portuguesas. Na sua história, podemos distinguir
duas fases distintas: antes da proclamação da
República em 1910 e depois da República. Antes,
a província lançou os seus alicerces em Santarém,
com a fundação do Seminário do Congo, e foi-se
solidificando pouco a pouco, a ponto de, em 1910,
contar já com todas as obras de formação para
padres e irmãos: uma Procuradoria das Missões em
Lisboa (1892), o Colégio do Espírito Santo em Braga
(1872), o Colégio de S.ta Maria no Porto (1886), a Casa da Estrela, actual Casa Provincial (I)

Escola Agrícola Colonial de Sintra (1887), o Seminário


Apostólico da Formiga, em Ermesinde (1894), e o Como publicações, a Província edita periodicamente
Seminário de Teologia em Carnide, Lisboa (1908). o Boletim da Província Portuguesa da Congregação
P.e Emile Anizan em cartaz numa peregrinação a Lourdes (I)
do Espírito Santo, as revistas Missão Espiritana (uma
revista de estudo dos espiritanos lusófonos) e
Encontro (revista missionária), o jornal Acção o desejo de se consagrar à causa dos operários, teria
Missionária (jornal de divulgação missionária) e as de esperar nove anos para realizar o seu sonho. Foi
publicações anuais Almanaque das Missões, Agenda vigário em Olivet e integrou, em 1886, a
da LIAM e Calendário da Acção Missionária. Congregação dos Irmãos de São Vicente de Paulo,
A direcção central da Província está sediada em em que foi eleito, primeiro, Assistente e, depois,
Lisboa, na R. de S.to Amaro, à Estrela, n.º 51; aqui Superior Geral (em 1907). Esta Congregação nascente
funcionam o Provincialato, a Procuradoria das procurava responder ao desafio da evangelização
Missões, o Arquivo Provincial, o Centro Padre Alves do operariado e nela Anizan cumpriria intensamente
Correia, o Economato Provincial e a Direcção da esse ministério, confrontando, para tal, as vivências
Seminário da Torre d'Aguilha em S. Domingos de Rana (I) Animação Missionária. dos bairros mais duros de Paris.

157
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

Profundamente impressionado pela situação dos que dedicam aos trabalhadores (caridade pastoral),
operários no despontar da Revolução Industrial e eles desempenham nas paróquias que servem as
pelos acontecimentos da Comuna de Paris, mais variadas funções – são, para além de párocos
desempenhou ainda um papel significativo no e coadjutores, padres operários, assistentes de
nascimento do primeiro sindicato de operários movimentos, capelães hospitalares e de prisão e
católicos. formadores.
Acusado, porém, de modernismo social por um dos Apesar de estas equipas serem, na sua maioria,
seus religiosos, foi demitido do cargo de Superior constituídas por padres, há também alguns irmãos
Geral por Pio X, em 1914. Tendo participado na leigos, motivados pela ânsia de resposta a uma
guerra enquanto capelão militar, em 1916 recebeu vocação, princípio que esteve muito presente no
do Cardeal Amette a Paróquia de Clichy. Estava dealbar do Instituto e que está actualmente a ser
preludiado o seu regresso. Reunido, entretanto, um relançado com alguma dificuldade.
grupo de sacerdotes que ansiavam por ajudar a Quando não vivem do trabalho assalariado, os Filhos
Capela Anizan, Issy les Moulineaux, Paris, França (I)
classe operária, Anizan fundou, a 25 de Dezembro da Caridade tiram o seu sustento das ofertas dos
de 1918, ao que parece encorajado por Bento XV, fiéis, como qualquer padre diocesano, mas, vivendo
uma nova congregação, para a qual o próprio papa em comunidade, partilham os seus proventos, publicada em Francês. Actualmente, a nível inter-
sugeriu o nome de Filhos da Caridade. destinando o que sobra da vida frugal que seguem nacional, o Instituto publica a revista Chantiers,
Faleceu a 1 de Maio de 1928, em Paris, tendo dei- à caridade e formação. trimestralmente em francês e, uma vez por ano,
xado muitos escritos, dentre os quais avultam o No seu vestuário, em nada se distinguem do clero também em inglês, espanhol e português. O ramo
Triplo Ideal e o Comentário das Constituições, e diocesano, a não ser na procura de simplicidade, português publica bimensalmente um boletim
depois de ter fundado, em 1926, nova Congregação, não tendo, como tal, qualquer hábito próprio. intitulado A Partilha.
os “Ausiliatrici” da Caridade, movido, naturalmente, Actualmente, os Filhos da Caridade estão presentes
pelo mesmo espírito de acção social que sempre em quatro continentes – Europa, África, América e
dera sentido à sua missão. Ásia – e 12 países – França, Espanha, Portugal,
No seguimento do Fundador, adquiriram notoriedade República Democrática do Congo, Congo, Costa do
em França, entre outros, os membros do Instituto Marfim, Canadá, México, Cuba, Colômbia, Brasil e
Gaston Courtois (formação da juventude), Georges Filipinas. Por alturas do último Capítulo, em Junho
Michonneau (renovação da paróquia), Pierre Thivollier de 2006, eram 188. Na maior parte (104), eram
(apostolado de rua) e David Julien (renovação do franceses, mas é fora de França que a Congregação
Filhos da Caridade em Portugal (I)
canto litúrgico). No Brasil, tornou-se bastante mostra um notório crescimento, ainda que os seus
conhecido Fredy Kunz, que se dedicou às vítimas superiores procurem concentrar parte da formação
da seca no Nordeste e aos favelados da região de (pelo menos o Noviciado) a nível continental. Ultimamente têm surgido, sobretudo em Portugal
S. Paulo. Em Portugal, a Congregação conta com O Instituto é governado, de maneira extraordinária, e França, grupos de leigos que querem viver a
sete membros e tem o nome ligado à evangelização pelo Capítulo Geral, que reúne, por norma, de 6 espiritualidade do P.e Anizan e participar na acção
dos trabalhadores. A sua área de actuação centra- em 6 anos, e, ordinariamente, pelo Superior Geral evangelizadora dos Filhos da Caridade. Em Portugal,
-se, sobretudo, na zona do Barreiro, Diocese de e seu Conselho, eleitos em Capítulo Geral, e pelos esses grupos tomam o nome de Fraternidades Anizan.
Setúbal. Nos anos 70, houve alguns padres operários Superiores Locais que existem nas Regiões, Ramos
que alcançaram considerável destaque em movi- e equipas locais. Os Estatutos encontram-se definidos BIBLIOGRAFIA: R OCCA , Giancarlo, “Anizan, Jean-
mentações sindicais e políticas. nas Constituições e determinações dos Capítulos -Emile”, in Guerrino Pelliccia, Giancarlo Rocca (dirs.),
Os elementos do Instituto encontram-se disseminados Gerais. As Constituições em vigor resultam do Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 1, Roma,
pelos arrabaldes populares das grandes cidades, Capítulo Geral de 1983 e foram aprovadas pela Edizioni Paoline, 1974; ROCCA, Giancarlo, “Figli della
onde vivem em pequenas comunidades a que Santa Sé em 1984. Foram ligeiramente modificadas Carità”, in Guerrino Pelliccia, Giancarlo Rocca (dirs.),
chamam equipas, procurando encontrar meios para em 1989. Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 2, Roma,
evangelizar os trabalhadores – é este o seu carisma O lugar que se revela actualmente mais importante Edizioni Paoline, 1974.
específico. Aliando ao espírito de missão o amor na conservação da memória do Instituto é a Capela
Anizan e as duas casas de acolhimento nas quais RICARDO DUARTE GONÇALVES
se insere. Fica situada em Issy les Moulineaux, junto
de Paris, na cidade onde o jovem Emile Anizan,
então seminarista no vizinho Seminário de S. Sulpice, FRANCISCANOS
estabeleceu, a partir de 1872, contactos, que muito 1. A forma de vida. Os Franciscanos são também
o impressionariam, com a vida dos operários. Nesta conhecidos como Ordem dos Frades Menores, Ordo
capela repousam os seus restos mortais. Ao lado, Fratrum Minorum (OFM), Menores, Menoritas, Ordem
estão arquivados os seus escritos, bem como os da Seráfica, Capuchos, Recoletos, Conventuais,
história do Instituto. Aí se realizam, normalmente, Capuchinhos.
as reuniões mais importantes e a formação per- Os Franciscanos constituem uma ordem religiosa
manente dos membros franceses. É também o local que, pela sua vocação e prática pastoral, se enquadra
de residência dos filhos da caridade mais velhos. na forma de vida mendicante. Esta assenta na vivência
Relativamente a publicações do Instituto, nos anos da pobreza evangélica, não apenas a nível individual,
60 teve alguma projecção uma revista de reflexão mas também como expressão comunitária. Assim,
D. Godefroy nas Filipinas (I) teológico-pastoral intitulada Recherches et Échanges, os irmãos (fratres) não possuem nada próprio, vivendo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

apenas da remuneração do seu trabalho quotidiano. franciscana junto das várias camadas sociais. No
O ideal cumpre-se na imitação de Cristo e no entanto, por pressão da Santa Sé, os Menores
discipulado (sequela Christi) que os torna “pobres acabam por clericalizar-se, até para cumprirem de
entre os pobres”, pregando o Evangelho para a forma mais cabal a sua missão pastoral, uma vez
salvação de todos, fiéis e infiéis, ajudando o clero que era proibido aos leigos pregarem nas igrejas.
e em estreita obediência à Igreja de Roma. Muitos dos conventos instalam-se, então, nas
A actividade apostólica assenta no cuidado dos proximidades das grandes urbes, para que os seus
pobres e marginalizados da sociedade, bem como membros possam estudar.
no trabalho manual e nos estudos teológicos que Esta transformação de uma fraternidade de homens
estava na base de um dos principais encargos dos penitentes em comunidades instaladas em conventos
Pormenor do frontal do altar com a insígnia da Ordem
Franciscanos, a pregação. conduz a um modelo que Francisco, o Fundador,
Franciscana, na Capela de S. Paulo, Funchal (DRAC)
Vivendo em comunidades, de início muito reduzidas, muitas vezes contesta, mas que os frades acabam
estes grupos revelam tendências eremíticas, por acatar, com o objectivo de poder, desta forma,
praticando a ascese e o encontro com o Cristo melhor servir a Igreja, no múnus pastoral, quer como e profético, não os deixa acomodarem-se aos tempos
sofredor. Para isso encarnam em si a dor dos pregadores, missionários, ou em mais altas esferas e modas político-sociais da época, tornando-os
penitentes (Viri paenitentiales de Assisio) que buscam no ensino universitário, no episcopado e mesmo em denunciadores das injustiças e dos pecados das
na conversão uma aproximação a Cristo Redentor missões diplomáticas. comunidades. O seu testemunho não está, apesar
dos Homens. Encarnação e Redenção tornam-se, A Ordem era composta por sacerdotes e irmãos disso, imune a críticas internas e externas e,
pois, o binómio em torno do qual gira toda a leigos, com direitos e deveres semelhantes na vida sobretudo, a pressões e polémicas. Das várias que
contemplação do mistério de Cristo. Constituem religiosa e iguais possibilidades de acesso ao governo, atravessam a vida da Ordem, sobre a construção
fraternidades de pobres penitentes, deslocando-se pelo menos nos primeiros tempos. Modernamente, dos conventos e os estudos, entre outras, o eixo,
de cidade em cidade, mendigando e pregando a está a voltar-se a essa prática. em torno do qual giram, é sempre a questão da
Boa Nova a todos os homens. Centrada a sua acção Mas a pluralidade de tarefas que resulta da resposta pobreza. Esta busca de um rigor extremo na vivência
na itinerância, os Franciscanos não abandonam, no aos apelos dos habitantes das urbes só era possível do ideal de pobreza, imitando o Senhor, que afirma
entanto, o seu cuidado pelos pobres e os com uma estrutura organizativa. Apesar de os “Não vos preocupeis com a vida, com o que comer;
marginalizados da sociedade, mantendo para isso Franciscanos terem sempre presente o carisma de nem com o corpo, com o que vestir, pois a vida vale
muitos hospitais, enfermarias e recolhimentos. serviço aos mais pobres e humildes, as comunidades mais do que a comida, e o corpo mais do que o
Outra das suas características prende-se com a começam a organizar-se de forma piramidal. Assim, vestuário” (Lc 12, 22b-23), provoca vários
predominância dos leigos, especialmente no início toda a vida institucional é centralizada. A cada movimentos internos e tensões entre confrades:
do seu apostolado: Fr. Elias, que foi Geral da Ordem, comunidade de irmãos (com iguais direitos e deveres) Espirituais e Fraticelli, Conventuais e Observantes.
era leigo e S. Francisco permanece leigo até muito preside um Guardião (eleito pelo Ministro Provincial A inquietação é, basicamente, a mesma: o anseio
tarde, acabando por ser ordenado Diácono. Esta e o seu Conselho de Definidores, o Definitório), que por uma vida autêntica de observância mais fiel e
matriz laical do movimento menorita, concretiza-se responde perante o Provincial. Para se formar uma rigorosa ao Evangelho, segundo o modus vivendi
no papel desempenhado pelos Terceiros Franciscanos província tem de existir um conjunto mínimo de dos Menores. Termos como espirituais, observantes,
que, constituídos como ordem regular ou mantendo fraternidades ou conventos, cujos Guardiães se reú- recoletos, capuchos, capuchinhos, reformados, em
o carácter secular, difundem a espiritualidade nem periodicamente, em Capítulo. Posteriormente, oposição a claustra, claustrais, conventuais, calçados
as províncias dividem-se em custódias (cada uma são bem reveladores das tensões que percorrem a
com o seu Custódio), formadas por vários conventos Ordem, nos vários momentos da sua história.
com os seus Guardiães. As várias províncias estavam Esta “forma de vida” acolhe também um ramo femi-
subordinadas ao Ministro Geral da Ordem que se nino, as Clarissas, que, seguindo uma Regra própria
encontra, habitualmente, em Roma, imediatamente (inspirada pela sua fundadora, Clara de Assis), vivem,
sujeito ao Papa. em mosteiros, uma vida de clausura e de serviço.
O poder legislativo e electivo é confiado aos Capítulos
Gerais e Provinciais, hoje de 6 em 6 anos, contando
com a participação dos Superiores e dos Delegados
dos irmãos. Desta organização está ausente a sujeição
jurídica à autoridade diocesana (Ordinário do Lugar),
de que os Franciscanos estão isentos, por privilégio
papal. Esta situação dá uma maior liberdade à acção
pastoral, missionária e apostólica da Ordem, mas
cria-lhe, especialmente nos primórdios, graves
problemas com as autoridades diocesanas e até com
as ordens monásticas, presas a um exercício do
múnus sacerdotal mais rígido e dependente das
esmolas dos fiéis de determinada região. Os Menores,
que arrastavam multidões, retiravam a estes membros
do clero, enraízados no sistema feudal, parte dos
seus rendimentos e contribuíam, pois, para um
S.to António e S. Francisco na Igreja de S. Sebastião, empobrecimento e perda de prestígio dos mesmos.
Câmara de Lobos (DRAC) A espiritualidade franciscana, de cunho evangélico Frade franciscano, ofm (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

A espiritualidade franciscana estende-se ainda às assumindo os companheiros a designação de Irmãos


Ordens Terceiras (regulares e seculares), que Menores (1209), nome de inspiração evangélica,
testemunham o seu dinamismo, no interior da cidade mas provavelmente também de contornos sociais,
dos homens. Podendo ser solteiros, casados ou em contraste com os “Maiores”. Esta era um
viúvos, de acordo com os votos realizados, após um conjunto de citações do Evangelho, acompanhadas
ano de Noviciado, estão preparados para tomar um de algumas normas de vida comunitária, mas ainda
papel activo no apostolado, com o objectivo de sem um esquema de organização interna, nem
cristianizar os comportamentos e as vivências da enquadramento jurídico.
sociedade em que se inserem. Benfeitores dos A Formula Vitae seria aprovada, oralmente, em 1209,
conventos franciscanos, estes leigos desempenham por Inocêncio III. Tal aprovação, bem como a
ainda um importante papel na sua conservação e respectiva profissão de obediência ao papa, marcam
dinamização, bem como na difusão do ideal de vida a fundação canónica da Ordem (1209). Mas, só após
de Francisco de Assis. o Capítulo Geral de 1217, com a expansão para
além das fronteiras de Itália, se sente a necessidade Estatutos Particulares (I)
2. A história: fundação e textos normativos. de uma Regra mais pormenorizada e de uma
A Ordem dos Menores é fundada por Francisco de organização bem estruturada, que permita um apoio homens à conversão. No entanto, esta atitude de
Assis, filho de Pedro Bernardone, rico comerciante efectivo à evangelização na Europa. leigos “sem ordens” não era muito bem vista pelo
de panos, pertencente ao popolo grasso, a burguesia clero secular. Embora Francisco tivesse sabido
ascendente de Assis, aparentada, pelas suas ligações conquistar as boas graças do papado, convencendo-
económicas e estilo de vida, com a nobreza da época. -o da sua ortodoxia e submissão, os tempos mudavam
Desde muito cedo marcado pelo ideal cortês, e devido, essencialmente, às exigências do ministério
veiculado pelas canções de gesta e poemas de amor, de apostolado ao serviço da Santa Sé e à progressiva
deseja seguir a carreira das armas, influenciado pelo influência da organização escolástica e do exemplo
ambiente violento da cidade italiana, palco da luta dominicano, a Ordem necessitava de clérigos. Esse
entre facções e partidos rivais. Esta inclinação leva- será o passo seguinte: a clericalização.
-lo-á, após um período de busca e desilusões, a Porém, as dificuldades para os Menores continuavam,
Os três ramos da Primeira Ordem Franciscana encontram-se
encontrar a sua vocação de serviço a Cristo, vivendo principalmente no que respeitava à observância da
nas celebrações do VIII centenário do Nascimento
ao lado dos desafortunados do mundo. Pobre com pobreza absoluta e às relações com o clero diocesano.
de S.to António (I)
os pobres, Francisco renuncia aos privilégios O papado intervém, libertando a Ordem destes
mundanos para servir a sua dama, “A Pobreza”. constrangimentos e rigores de pobreza e conce-
Com os marginalizados que acorrem às cidades, diz Destes primeiros anos fica a imagem de um grupo dendo-lhe a isenção face ao poder do clero local e
ter encontrado o caminho e propõe a busca de uma em expansão que vive, por isso mesmo, uma época a liberdade de exercer o sacerdócio.
conformidade com Cristo hic et nunc, no seu corpo de grande turbulência. As divergências que surgem No entanto, no decurso do processo evolutivo da
e na sua alma. É admirável o seu impacto junto dos no seu interior e as necessidades de estruturação comunidade menorita, alguns dos seus membros,
leigos, particularmente nas mulheres, a crer nos interna levam Francisco à redacção de um texto que imbuídos do espírito de um franciscanismo mais
textos e nas suspeitas que o clero lhe lança, e nas é apresentado no Capítulo Geral de 1221 e, poste- rigoroso, promovem movimentos de reforma e
acusações de aliciamento que sobre ele impendem. riormente, profundamente reformulado, e aprovado, renovação, no interior da Ordem; são disso exemplo
À época, papas reformadores, como Gregório VII a 29 de Novembro de 1223, pelo Papa Honório III, os Observantes, no séc. XIV, e os frades da “estrita
ou Urbano II, e pregadores populares, como Robert na Bula Solet annuere. O texto tem 12 capítulos e observância”, no século seguinte.
d’Arbrissel, ou eremitas, como Estêvão de Muret, é escrito por Francisco com a colaboração do Cardeal Seguindo a espiritualidade franciscana, forma-se a
tinham difundido na Cristandade o ideal da vida Hugolino, protector concedido pela Santa Sé aos Ordem Terceira que tem origem na subdivisão dos
apostólica. Movimentos evangélicos, entre eles os Menores. fiéis em três estados ou ordens, sendo a terceira a
Valdenses, pregavam um retorno às origens, o Da normativa fariam ainda parte um corpo de dos leigos. No que respeita aos Franciscanos é, pela
abandono do poder temporal e a pobreza, numa Constituições, aprovadas no Capítulo Geral de 1239, primeira vez, referida como uma especificação da
Igreja onde o sacerdócio universal estivesse na base reordenadas e completadas por S. Boaventura em Ordem dos Penitentes. Formada por leigos seculares
de uma igualdade e fraternidade novas. Alguns 1260, a que se juntam costumes, Estatutos e actas que, não tendo um lugar na estrutura da Igreja,
destes movimentos, contaminados pelas teses capitulares, assinalando as várias etapas de desen- desejavam viver, de forma mais exigente, a sua
dualistas, tendem a constituir seitas, caindo na volvimento da Ordem. Esta continua a crescer e já vocação cristã e, por isso, se diferenciavam do comum
heresia. não se confina à Itália, mas estende a sua acção dos fiéis, torna-se uma instituição cada vez mais
Integrado neste movimento de reforma interna, além fronteiras, recebendo muitos que têm uma próxima da ordo continentium ou vida religiosa, em
Francisco renuncia aos privilégios do mundo e, na nova percepção da realidade. Com a morte de sentido estrito, dividindo-se ainda em secular e
companhia de 11 jovens (1208) que desejam viver Francisco, em 1226, e a sua canonização, em 1228, regular.
o mesmo ideal, retira-se para junto de uma capela, está aberto o caminho à espiritualidade franciscana, O reconhecimento canónico da Ordem Terceira
dedicada a N. Sr.a dos Anjos, na Porciúncula, nos proposta de radicalidade que atrai muitos jovens Secular dá-se a 18 de Agosto de 1289, por uma
arredores de Assis. Com a autorização do Bispo que aspiram a uma total consagração ao serviço do Bula do Papa Nicolau IV, que lhe concede também
diocesano, Guido II, iniciam nas imediações a primeira próximo. uma Regra. A ter existido uma normativa anterior,
pregação, mediante a exortação à penitência. A Fraternidade iniciada por Francisco nunca esta perdeu-se, pelo que a sua substância se
Após um ano, durante o qual os membros do grupo pretendera ser uma ordem religiosa, mas apenas encontrava na chamada Carta aos fiéis, do Poverello
se apresentavam com o nome de Viri paenitentiales uma comunidade, que, através do seu exemplo de de Assis, de 1214. Quanto à Terceira Ordem Regular,
de Assisio, S. Francisco escreve uma Formula Vitae, vida e da pregação do Evangelho, conduzisse os unificada, em 1447, sob o governo de um visitador

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

geral próprio, continua, no entanto, a ser atravessada embora, por toda a parte, mas especialmente em de 1418 ou no de 1421, sendo Fr. Gil Lobo de Tavira
por variadas tensões e dificuldades. Em 1521, o Braga, Porto, Leiria e Estremoz, sejam muitas as escolhido como primeiro Ministro Provincial. Devemos
Papa Leão X concede-lhe Regra própria. dificuldades defrontadas. ainda realçar o papel desempenhado por Fr. Gomes
As comunidades regulares masculinas e femininas Em Braga e no Porto é a hostilidade dos respectivos de Lisboa, filósofo e teólogo de grandes méritos,
tendem, a partir dos finais do séc. XIV, a formar bispos, senhores da urbe, que os expulsa e impede que, entre 1511 e 1513, desempenha as funções
congregações. Este movimento de centralização de pregar. Na primeira, torna-se mesmo impossível de Vigário Geral da Ordem, por morte do Mestre
inicia-se em Itália, com a tentativa de Afonso de construir um convento e só é permitido um hospício, Fr. Filipe Porcacci.
Pecha, mas sem grandes resultados. No Norte da em 1273. Em Leiria, são outros os adversários: os Entretanto, desde meados do séc. XIV, defrontavam-
Europa, forma-se a primeira congregação franciscana, Crúzios de Coimbra, que detêm a jurisdição -se duas tendências na Ordem: o Conventualismo
aprovada em 1401, em Utreque, na Holanda, a que espiritual da vila (o priorado). Em Estremoz é a ou a Claustra e a Observância. Esta última surge na
se seguem outras na Bélgica (1413), em Colónia Ordem de Avis que obvia e dificulta a actividade Itália e estende-se, pouco depois, à França e à
(1427) e depois em Espanha (1442). Quase todas aos Mendicantes. Espanha, postulando uma observância integral da
acabam por fundir-se com a Terceira Ordem Regular A nível organizacional, entre 1232 e 1239, a província Regra pela prática da austeridade e da pobreza, no
de São Francisco (Itália) ou por desaparecer. unificada da Espanha desdobra-se em três: Aragão, viver quotidiano. Privilegiava a oração mental e a
Castela e Santiago. Esta última abrange o território pregação popular, escolhendo os sítios ermos e as
3. A presença em Portugal: a “instalação” e as português e, por isso, também aparece muitas vezes zonas rurais para estabelecer as suas casas.
primeiras reformas. Os Franciscanos estabelecem- referida (logo desde 1233) sob a designação de O movimento observante constitui uma das mais
-se em Portugal, entre 1216 e 1217, no contexto da Província de Portugal. Os conventos portugueses importantes manifestações do programa de reforma
expansão da Ordem, sancionada pelo Capítulo Geral constituíam a Custódia de Portugal ou de Lisboa, da Igreja in capite et in membris, reclamada no
que envia grupos de frades para fora de Itália, cujo primeiro testemunho documental é de 1248. Concílio de Viena de 1311-1312. Já no início do
colocados sob a obediência de um Ministro Provincial. O Capítulo Provincial de 1272 desmembra a Custódia séc. XV, e sob o impulso de S. Bernardino de Sena,
Em Portugal, os franciscanos Fr. Zacarias e Fr. Gualter Portuguesa em duas: uma com sede em Lisboa e o movimento retoma o interesse pelos estudos e
chegam em 1216 (embora alguns afirmem a presença outra em Coimbra. Existiam, então, 14 conventos inicia um retorno aos centros urbanos, sem, no
de Francisco no nosso território em 1214, ligada à no país, todos situados em cidades populosas ou entanto, abandonar o meio rural.
criação do Convento de S. Francisco de Bragança), pequenos aglomerados urbanos. Na Custódia Em 1392, entra a Observância em Portugal, com
sendo os primeiros eremitérios fundados em Lisbonense ficam sete comunidades: Alenquer, alguns frades provenientes da Província de Santiago,
Guimarães, onde vive Fr. Gualter, em Alenquer, por Estremoz, Évora, Leiria, Lisboa, Portalegre e Santarém. entre eles, Fr. Diogo Árias e Fr. Gonçalo Mariño.
iniciativa de Fr. Zacarias, que também aí habita, e Estabelecem-se primeiro no Norte do país (na Ínsua
em Lisboa. Entre 1217 e 1218, os Franciscanos de Caminha) e, no séc. XV, fundam ou reformam
instalam-se em Coimbra, num convento que mudará mais de uma dezena de conventos, entre eles, o
várias vezes de localização e onde, em 1220, faz o do Varatojo. Fundado em 1470, por iniciativa de
Noviciado António de Lisboa. Em Leiria, estabelece- D. Afonso V, quatro anos depois dele toma posse
Fr. João da Póvoa (grande dinamizador dos estudos
e confessor do Rei D. João II), que o povoa com
religiosos observantes da Província de Portugal, vindos
de Alenquer, passando a ser casa de Noviciado a
partir de 1503.

Convento de S. Francisco, Santarém (SMA)

A outra forma-se com os Conventos de Coimbra,


Imagem de S.to António na Av. da Igreja, Lisboa (JEF)
Covilhã, Guarda, Guimarães, Lamego e Porto. O de
Bragança fica na Custódia de Ourense. A terceira
-se uma comunidade de Menores, em 1232, apesar Custódia Portuguesa, com sede em Évora, forma-
da hostilidade das autoridades eclesiásticas, o mesmo -se em 1330, por deliberação do Capítulo Provincial,
acontecendo no Porto, onde, contando com o forte realizado em Coimbra. A nova entidade organiza-
apoio popular e papal, conseguem abrir um -se com os seis cenóbios existentes a sul do Tejo:
Convento do Varatojo, Torres Vedras (DB)
convento, em 1233. Mais fácil é a instalação dos Beja, Estremoz, Évora, Loulé, Portalegre e Tavira.
Franciscanos na Covilhã, na Guarda e em Évora. Os A partir de 1382, a Província de Santiago/Portugal
frades estabelecem ainda, neste século, comunidades divide-se na obediência ao papado: as custódias À semelhança do que acontece no resto da Europa,
em Santarém, Estremoz, Portalegre, Bragança e espanholas seguem o Papa de Avinhão (tal como os observantes portugueses organizam-se em
Lamego. as suas congéneres de Leão, Castela e Galiza) e Vigararia autónoma, no interior da única Província
A cronologia das fundações revela, claramente, os obedeciam a um Ministro, enquanto as custódias franciscana existente, seguramente desde 1447 e
objectivos dos Franciscanos que, iniciando o seu portuguesas se mantêm fiéis ao Papa de Roma e porventura já desde a década de 1420. Pela Bula
apostolado em pequenos eremitérios, a curto prazo, ficam ligadas a um Provincial próprio. Agravada a Ut Sacra Ordinis Minorum Religio, de 1446, as
com o apoio da realeza, penetram nos centros mais cisão com as guerras entre Portugal e Castela, entre vigararias provinciais observantes ficavam depen-
populosos do reino, atraindo um grande número de 1384-1385, a legalização canónica da nova Província dentes da respectiva Vigararia Geral observante
fiéis pelo dinamismo pastoral da sua presença, de Portugal ter-se-á formalizado no Capítulo Geral (a cismontana na Itália e a ultramontana fora) e

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

celebravam Capítulo próprio para eleição do Vigário, D. Henrique, em 1567, pelas letras apostólicas In Martinho de Santa Maria, da província espanhola
que devia ser confirmada pelo Ministro Provincial. Eminenti Dignitatis, de 30 de Outubro, executadas de Cartagena, em 1539, com a ocupação de uma
O dinamismo franciscano leva os frades a partici- no ano seguinte, Pio V manda reformar na Ermida de Nossa Senhora, na Serra da Arrábida,
parem na evangelização levada a cabo durante os Observância todos os conventos que ainda se oferecida à Ordem pelo Duque de Aveiro. Em 1542,
Descobrimentos portugueses. Assim, à semelhança mantinham na província claustral de Portugal. Fr. João Calvo estabelece o primeiro Convento da
de outras ordens religiosas e na esteira da actividade A perturbação daí resultante prolonga-se até 1584, Arrábida. A Província de S.to António resulta do agru-
desenvolvida por Francisco, junto do Sultão do Egipto, data em que o ramo claustral termina de facto. pamento de casas da recolecção da Província da
e pelos Mártires de Marrocos, cuja presença entre Os Franciscanos Observantes dividem-se em dois Regular Observância de Portugal. Finalmente, a da
nós marca, de forma indelével, tantos frades, pelo grupos. Um desses grupos é o da Regular Observância Soledade e a da Conceição resultam do desdo-
seu exemplo de evangelização junto dos infiéis, os (descendente directo do movimento observante do bramento das Províncias da Piedade e de S.to António,
Menores partem nas caravelas portuguesas. Sinal séc. XIV), que fica assim organizado: a Província de respectivamente, ficando a da Soledade com os
deste impulso evangelizador é o número de Portugal (1517), cuja sede permanece no Convento conventos a norte do Tejo e a da Conceição com
conventos, cinco, fundados no séc. XV: um em Ceuta, de S. Francisco da Cidade de Lisboa, e a Província as comunidades situadas a norte do Mondego
2 na Madeira e 2 nos Açores. Nos restantes territórios dos Algarves, constituída a pedido de D. João III, (excepto a de Cantanhede). Este grupo, os
do império português em expansão, os Franciscanos aceite no Capítulo Geral de 1532 e sancionada pelo Capuchos, estava associado, hierarquicamente, ao
vão assegurando a sua presença. Assim, no Brasil, Ministro Geral da Ordem, a 29 de Maio de 1533, tronco principal da observância sob a dependência
Fr. Henrique de Coimbra, integrado com sete com sede no Convento de S. Francisco de Xabregas, do mesmo Ministro Geral. Mas beneficiava de larga
companheiros na frota de Cabral, celebra a primeira em Lisboa, incluindo as casas sediadas a sul do Tejo autonomia e obtem Constituições próprias, em 1642,
missa a 26 de Abril de 1500. Os frades vão-se e mais quatro na Estremadura. O outro grupo, o da e Procurador Geral privativo, em Roma, em 1703.
fixando, paulatinamente, no território, e ainda antes Estrita Observância (ou da “mais estreita e regular Nos finais do séc. XVI, existem, no território
dos Jesuítas, que entram cerca de 1549, há notícia observância”), que cultiva um estilo de vida mais português, um total de 106 conventos e 2 colégios.
de 15 franciscanos a viver em terras de Vera Cruz. austero, fica com cinco províncias: Piedade (criada Pertencem à Província de Portugal 33 conventos e
A 22 de Agosto de 1500, Fr. Henrique e os seus a 7 de Julho de 1517, pelo Breve Exponi nobis nuper 2 colégios; a Província dos Algarves agrupa 30
confrades da vigararia observante aportam à Índia, e implantada em 1518), Arrábida (criada primeiro conventos; a Província da Piedade, 22; a Província
abrindo assim caminho a uma importante presença como Custódia, pelo ministro geral, pela Carta Exponi da Arrábida, 10; a Província de S.to António, 6, e a
dos Menores em terras do Índico. bonis de 4 de Outubro de 1552, e elevada a Província Província da Ordem Terceira Regular, 5.
a 10 de Maio de 1560, pelo Breve Sicut Aliquando Neste cômputo é de realçar a importância dos
4. A reorganização e expansão em Portugal. Exposuit), S. to António (erigida, em 1565, como colégios, cujas fundações se concentram em Coimbra,
Na sequência do crescimento do movimento Custódia, torna-se província independente a 8 de onde, desde 1537, quatro províncias (Portugal,
observante, o Papa Leão X, em 1517, separa os Agosto de 1568, pelas Letras Apostólicas Sacrae Algarves, S. to António e Conceição) fundam
Franciscanos em dois ramos independentes: Frades Religionis Sinceritas), Soledade (aprovada pelo instituições que vão sendo incorporados na
Menores da Regular Observância, com o selo da ministro geral da Ordem e pela Santa Sé, pela Bula universidade. A Província da Arrábida inicia, em
Ordem e Ministro Geral, e Frades Menores Ex iniuncto nobis, de 21 de Julho de 1673) e 1619, no Convento de S. José de Ribamar, em Algés,
Conventuais, com um Mestre Geral. Conceição (formada pela Bula Nuper pro parte de os estudos de Filosofia e Teologia, para os seus
Devido a esta decisão, também em Portugal, e nesse 24 de Abril de 1705, executada em 1706). Os frades frades.
mesmo ano, surgem duas províncias: a Província de da Estrita Observância tomam em Portugal o nome Importa ainda referir a existência dos seminários
Portugal da Regular Observância (com 27 casas e de Capuchos ou membros do Instituto Capucho. apostólicos, como centros de pregação e missões
sede no Convento de S. Francisco da cidade de Lisboa) As várias províncias provêm de diferentes origens e populares, dinamizadores de vocações ao serviço da
e a Província de Portugal dos Conventuais ou trilham caminhos diversos. Assim, a da Piedade Ordem. Assim, o Varatojo, que, em 1532-1533,
Claustrais (com 22 casas e sede no Convento de inseria-se na “estritíssima observância” do padre passara para a obediência da Província dos Algarves,
S. Francisco do Porto). As 3 casas da Madeira espanhol Fr. João de Guadalupe, que funda o é entregue a Fr. António das Chagas, para aí ser
ficam para os Observantes e as 5 dos Açores para os primeiro convento da província em Portugal, junto instalado um seminário de missões (apostólico),
Conventuais. dependente do Ministro Geral da Ordem, por
mandado do Breve Pontifício Ex iniuncto nobis
divinitus, de Inocêncio XI, datado de 1679 (executado
no ano seguinte), que permite a separação do
Seminário do Varatojo da Província dos Algarves.
Deste convento acabam por sair os fundadores de
outras quatro casas de formação: Brancanes, em
Setúbal, aberta em 1682 (dependente do Varatojo)
por Fr. António das Chagas, é elevada a seminário
autónomo, por Breve Papal de 1708, executado em
1711; Vinhais, em 1735; Mesão Frio, em 1790; e
Falperra, próximo de Braga, mediante provisão do
Rei D. João VI, de 1825, confirmada pelo Papa Leão
Fachada principal do Convento de S. Bernardino, Madeira (DRAC) Ermida de N. Sr.ª da Piedade, Vila Viçosa (NM) XII, em 1828. Todos estes seminários encontravam-
-se directamente dependentes do Geral da Ordem,
sem laços jurídicos entre eles, mas todos unidos nos
Sob o impulso reformador (do concílio tridentino e à Ermida da N. Sr.ª da Piedade em Vila Viçosa, em objectivos e na austeridade da disciplina conventual.
do movimento observante) e a pedido do Cardeal 1500. A reforma autónoma da Arrábida inicia-a Fr. A actividade missionária é também de grande

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

intensidade ao longo deste período, acompanhando 901 religiosos” (M OREIRA , António Montes, sentem a necessidade de iniciar a escrita da memória
o périplo e o ritmo de ocupação dos colonizadores “Franciscanos”…, p. 276). da sua presença evangelizadora. Fr. Marcos de Lisboa
portugueses. Por vezes, adiantando-se mesmo nos Os núcleos geográficos de maior implantação (1510-1591) e Fr. Manuel da Esperança (1586-1670)
contactos com as populações autóctones, preocupada durante este período, em Portugal, foram Lisboa, iniciam, com as suas crónicas, um movimento, no
com a mensagem evangelizadora a difundir. Coimbra, Évora e Vila Viçosa. Na capital, todas as interior da Ordem, de tomada de consciência da
Em África, depois da fundação de Ceuta, já referida, acção pastoral e do verdadeiro contributo para a
anterior a 1420, os Franciscanos percorrem a costa construção da história portuguesa.
e instalam-se em Cabo Verde, na Guiné e no Congo.
Mas só em 1656, os capuchos da Província da 5. As crises e a “solução”. Desde finais do séc.
Piedade criam a missão de Cabo Verde e Guiné, que XVII e ao longo do séc. XVIII, os institutos religiosos
rapidamente se estrutura e, em 1739, tem 30 estão em crise. O recrutamento vocacional é cada
religiosos, dispondo de uma casa de estudos de vez mais deficiente e a ociosidade, aliada à quebra
Filosofia e Teologia, na ilha de Santiago. Na segunda constante da disciplina, conduzem a uma vida
metade do séc. XVIII esta missão entra em comunitária estagnada, sem criatividade. Também
decadência, acompanhando o desinteresse geral dos as missões se ressentem desta situação. Apesar de
portugueses pela colonização da região, até à serem muitos os frades (e as freiras), bem como os
extinção, em 1834. rendimentos dos bens de mão-morta, a administração
Na Índia, em 1518, os religiosos são cerca de 20, é incompetente e acumulam-se os peditórios e as
e estão agrupados num comissariado sujeito à dívidas, sem solução à vista. O espírito mundano e
Província de Portugal da Regular Observância. capitalista penetra nos conventos, onde a mendi-
O desenvolvimento da acção evangelizadora nestas cidade e a pobreza eram a regra de vida, desvirtuando
paragens atrai missionários de outras congregações, assim a vocação franciscana. Os conflitos entre
nomeadamente os Jesuítas. O “Apóstolo das conventos e províncias tornam-se um acontecimento
Índias”, Francisco Xavier, com os primeiros padres normal e os abusos conduzem mesmo a queixas
da Companhia, em 1542, inicia o seu apostolado, junto do rei e do Governo contra os desmandos dos
mas, simultaneamente, cresce a actividade franciscana, frades.
transformando-se, na mesma data, o Comissariado Há, no entanto, figuras relevantes neste século,
Convento de S. Francisco, Évora (PB)
em Custódia. como Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-
A presença portuguesa animada pela colonização, -1814), insigne figura da cultura nacional, historiador
continua a frutificar, e assim são criadas (juridi- províncias possuíam, pelo menos, uma casa e a e pedagogo, reformador dos estudos dos Terceiros
camente) duas províncias, ambas sediadas em Goa: proliferação de casas no Alto Alentejo deve-se, em Portugal, criador de várias bibliotecas e academias
a de S. Tomé (1583) e a de Madre de Deus (1622). essencialmente, à protecção dada à Província da culturais, tendo sido Arcebispo de Évora de 1802 a
A primeira apenas implementada, efectivamente, Piedade pela Casa de Bragança. O número de 1814. Também os cronistas Fernando da Soledade
em 1619 e a segunda em 1629. O número mais conventos rondava os 200, o que revelava bem a (1673-1737), Jerónimo de Belém (1692-c. 1760),
elevado de religiosos de que há notícia verifica-se vitalidade e o empenhamento dos Menores na Apolinário da Conceição (1692-1755) e Pedro de
em 1635, com 600 frades, no conjunto das duas difusão do ideal do seu Fundador, bem como um Jesus Maria José (1705-1748), entre outros, ao
províncias. recrutamento cada vez maior de frades. Pois, segundo mostrarem as “glórias” do passado, contribuem para
O raio de acção destes frades estende-se a todo o Apolinário da Conceição, no seu Claustro Franciscano, consolidar o trabalho existente, ao mesmo tempo
Índico, criando missões em Moçambique, no Ceilão, publicado em 1740, o número de religiosos, no ano que revelam a necessidade de propor os modelos a
em Macau, em Malaca e em territórios hoje anterior, seria de 4499, sendo a distribuição pelas imitar pelas novas gerações.
pertencentes à Birmânia, à Tailândia e à Indonésia. províncias, a seguinte: Portugal, 868; Algarve, 922;
O estabelecimento definitivo no Brasil ocorre apenas Arrábida, 613; Soledade, 435; S.to António, 378;
em 1585, sob os auspícios da Província de S. to Conceição, 343; S. João Evangelista, 309; Piedade,
António, com a fundação, por oito dos seus frades, 285; Conceição (custódia), 173; S. Tiago Menor,
da Custódia de S.to António. No século seguinte, o 100; Varatojo, 41; Brancanes, 32.
crescimento torna-se notório, ao ponto de se assistir Durante este período, dois portugueses, Fr. André
à fundação de duas províncias: S.to António, em Álvares ou da Ínsua, da Província dos Algarves, de
Olinda e depois na Bahia, em 1657, e Imaculada 1547 a 1553, e Fr. Bernardino de Sena, da Província
Conceição do Rio de Janeiro, em 1675, por des- de Portugal, de 1625 a 1631, são escolhidos para
membramento da anterior (os breves pontifícios de Ministros Gerais da Ordem.
criação foram executados, em ambos os casos, dois Podemos dizer que a Ordem Franciscana, em geral,
anos mais tarde: 1659 e em 1677, respectivamente). até finais do séc. XVII, se encontrava florescente,
Entretanto, em 1614, são também enviados aumentava o número de vocações e, consequen-
Igreja de S. Francisco, Porto (SMA)
missionários para o Maranhão e Grão-Pará. temente, de conventos. Organizados de molde a
Os Franciscanos no Brasil alargam a sua presença e serem capazes de cultivar uma espiritualidade e a
acção evangelizadora e organizam-se, a nível difundirem, por todo o mundo, com os seus As dificuldades internas que a Ordem vive são
institucional, a partir de 1706, em Comissariados seminários, escolas e missões (populares e Ad Gentes), fortemente influenciadas pelo contexto nacional e
dependentes das províncias capuchas portuguesas os Menores constituem uma das Ordens mais europeu. A juntar às doutrinas iluministas, a política
de S.to António, da Conceição e da Piedade. “Em relevantes no conspecto do Portugal religioso do dos nossos soberanos de Setecentos, que não
1739, estas cinco entidades contavam 77 casas e Antigo Regime. É também durante este período que apreciam a dimensão contemplativa e o poder

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

económico das ordens, agudiza e hipervaloriza a sentido de suprimir todos os conventos com menos no ensino ou na assistência, uma subsistência digna
decadência em que vivem alguns conventos. A directa de 12 religiosos (como acontece com o Varatojo, a da sua vocação, outros emigram para ingressar em
dependência de Roma, que afastava as ordens do 10 de Março de 1834, entre outros), extinguir o conventos estrangeiros.
controlo do Estado, era um outro elemento que cargo de Superior Maior de todas as corporações Entre 1834 e 1861, a vida conventual franciscana,
contrariava a política régia de cariz regalista. As regulares e promover a eleição do Superior Local em Portugal, desaparece. Não era fácil restaurar a
Invasões Francesas (1807-1811) tornam as relações pela própria comunidade e a subordinação das casas vida religiosa devido à proibição da lei civil e à
entre o Governo e as ordens ainda mais frias. Com religiosas aos bispos diocesanos. hostilidade do ambiente político e social. Muitos
todo o ónus de uma situação de ocupação militar egressos também se tinham acomodado às novas
do país que permitia o aquartelamento, em condições do seu apostolado e pensavam que era
numerosos conventos, de tropas nacionais e melhor continuar assim do que regressar à disciplina
estrangeiras, não poucos religiosos participam nas do convento. A diversidade de costumes internos
operações militares e de guerrilha contra as forças das províncias e, sobretudo, dos seminários apos-
napoleónicas. tólicos dificultava o reagrupamento de religiosos
Na esteira destes novos “ventos liberais”, a revolução formados segundo modelos concretos diferentes.
portuguesa de 1820 e as lutas políticas entre liberais
e absolutistas, sobretudo a Guerra Civil de 1832- 6. A restauração e os “novos tempos”. Um
-1834, introduzem mais um elemento de desassos- pequeno grupo originário do Seminário de Varatojo,
sego na vida normal das comunidades religiosas. onde a disciplina regular e o dinamismo apostólico
Todo este cenário contribui para agravar o estado se mantiveram sempre em bom nível, consegue
de decadência das ordens, em geral, por isso também reabrir este convento. O egresso P.e Fr. Joaquim do
dos Franciscanos. Espírito Santo, que, em 1834, pertencia à comu-
O novo espírito liberal não entende, pois, os votos nidade do Varatojo, compra, em 1860, ao segundo
religiosos senão como uma falta de liberdade imposta Barão de Moncorvo, a igreja, o convento e a cerca
a homens e mulheres que revelam um procedimento, (depois das várias vicissitudes por que passou a
as mais das vezes, bastante libertino, com a agravante propriedade). Mas a vida regular só recomeça em
de viverem à custa de foros e outros direitos que Janeiro de 1861, quando se juntam vários confrades,
pertencem a uma estrutura ultrapassada de Antigo mesmo à margem das leis civis.
Regime. Era contra esta situação que os liberais O projecto dos varatojanos regressados visava apenas
afirmavam os seus princípios, lutando para libertar a continuação do seu próprio seminário apostólico
as populações da opressão a que estavam, autónomo. No entanto, a reabertura do Varatojo
indevidamente, sujeitas. O mote era liberalizar, e o Igreja de S.to António, Lisboa (JAM)
acaba mesmo por impor-se como facto consumado
ideal de liberdade e cidadania não permitia manter junto do próprio Governo, que escolhe um dos seus
este estado de coisas. frades, Fr. José Sebastião Neto, para Bispo de Angola
Vai, pois, grassando esta mentalidade, que se Por fim, um Decreto de D. Pedro IV, publicado a 30 e a seguir Patriarca de Lisboa (1883-1907).
alimenta no confronto com uma população pouco de Maio de 1834 (com data de 28), determina que A visita canónica ao Varatojo do Ministro Geral, Fr.
mais que miserável e um clero regular protegido todas as casas religiosas masculinas, no reino e no Bernardino de Portogruaro (11 a 23 de Maio de
pelas leis, rico e dissipador das suas riquezas. À ani- Ultramar, sejam imediatamente extintas, sendo os 1883), abre perspectivas para a formação de uma
mosidade anticongreganista de alguns sectores da seus bens incorporados na Fazenda Nacional, excepto província. Erigem-se mais três casas: S. Bernardino
população, inclusive do clero secular, alia-se a paramentos, livros e vasos sagrados (elementos (Peniche), em 1884, Montariol (Braga) e Torre de
orientação anticlerical e anticongreganista da usados no culto), que seriam entregues aos bispos Giesteira (Évora), em 1890. O número de religiosos
maçonaria, bem como as necessidades do Erário diocesanos. Quanto aos religiosos, o decreto (noviços e professos) também ia subindo: de 8 no
Público, que se tornariam mais prementes em 1834, estipulava uma pensão anual para os que não viessem fim de 1861, passa a 23, em 1883, e a 56, em 1891.
devido aos empréstimos contraídos para financiar a a obter rendimentos de benefícios eclesiásticos ou
guerra civil contra o regime absolutista. Assim, um de cargos públicos, igual ou superior ao montante
Decreto de 17 de Maio de 1832 extingue numerosos daquela, excluindo expressamente os partidários do
mosteiros e conventos nos Açores e incorpora os regime absolutista que como tal se tivessem manifes-
edifícios no património do Estado. Os restantes ficam tado. Esta lei foi o mais rude golpe que os organismos
proibidos de aceitar noviços. Dos 17 conventos religiosos alguma vez tinham recebido em Portugal
franciscanos nas ilhas atlânticas, apenas três são e, se por um lado, resolvia alguns dos problemas
tolerados (Angra, Horta e Ponta Delgada). Tomava económicos e financeiros da Coroa, correspondia,
corpo um projecto anticongreganista que iria conduzir sobretudo, aos anseios de uma burguesia ávida de
à extinção das ordens religiosas em Portugal e bens e do poder que eles conferiam. Por outro, cria
influenciar toda a posterior política religiosa, durante um grave problema para milhares de homens que
Colégio de Montariol, Braga (JAM)
o séc. XIX e parte do séc. XX. se viam privados da sua “família” e do seu sustento.
A 5 de Agosto de 1833, decreta-se a supressão de Assim, abandonados os conventos, entregues ao
todos os mosteiros e conventos abandonados ou Estado ou vendidos a particulares, os frades Apesar das dificuldades e obstáculos da sociedade
que tivessem recebido eclesiásticos hostis ao governo “egressos” procuram no mundo uma vida de apos- civil, a partir do Varatojo irradia uma renovada vida
liberal, com a proibição de aceitação de noviços e tolado que lhes permitisse viver dignamente, através espiritual franciscana. Das actividades pastorais do
de emissão de votos religiosos. Quatro dias depois do ministério pastoral em paróquias ou capelanias. convento destacam-se as missões populares, atra-
(Decretos de 9 de Agosto de 1833), legisla-se no Uns, recolhendo-se a casas de familiares, buscam, vés da pregação, e o apoio a novas congregações

164
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

femininas, tal como a das Franciscanas Hospitaleiras cumprimentos aos Decretos de 1833 e 1834. Ordem tinha, em Portugal, 398 membros. As missões
portuguesas, as Clarissas de Sanguedo, do Louriçal No entanto, e tendo em conta o papel fulcral dos em Moçambique colhiam cada vez mais frutos,
e do Desagravo, e a Ordem Franciscana Secular. estabelecimentos de ensino, beneficência ou caridade, culminando com a ordenação do primeiro sacerdote
No mundo e para a sociedade fundam escolas dirigidos ou administrados por comunidades ou negro, o franciscano Fr. Alexandre José Maria dos
primárias no Varatojo (uma para rapazes e outra congregações religiosas, o Estado abre uma porta Santos. A missão Ad Gentes exprime-se ainda noutro
para raparigas), as duas primeiras escolas rurais do para a sua “legalização”, pela apresentação, junto território colonizado pelos portugueses, a Guiné,
Concelho de Torres Vedras, e uma escola secundária, dos governadores civis, dos seus Estatutos e onde a Província de Portugal, em 1932, inicia a nova
na mesma vila. regulamentos. Neste contexto, publica um novo experiência missionária com quatro religiosos e um
Toda esta acção, geradora de intensa actividade decreto a 18 de Abril do mesmo ano, permitindo a missionário leigo. Este pessoal atinge o número
apostólica, estará também na base de um decreto instalação das ordens e congregações religiosas, máximo de 18 missionários, nos anos de 1970-1972.
de submissão dos egressos da Falperra ao Guardião desde que sejam destinadas a “actos de beneficência No contexto de renovação do Concílio Vaticano II,
do Varatojo, de 12 de Maio de 1874, que, no ou caridade, a educação e ensino, ou à propaganda foram aprovadas as Constituições Gerais da Ordem,
entanto, não resulta. Mais profícua e fundamental da fé e civilização no ultramar” (alínea b do parágrafo em 1967, e os Estatutos da Província de Portugal,
era a compra, pelos varatojanos, do antigo Convento 1.º, do art. 1.º). em 1969. Quanto às missões, afectadas pela
de S. Bernardino, em Peniche, com o objectivo de Este conjunto legislativo originava nova dispersão e descolonização, a partir de 1974 contam com uma
nele se efectivar o projecto de uma casa de estudos fecho de comunidades, como a do Varatojo, Torre elevada redução do número de missionários,
para os aspirantes à vida sacerdotal franciscana, de Giesteira, S. Bernardino. Os sacerdotes e irmãos principalmente depois das independências da Guiné-
antes e depois do Noviciado. leigos refugiam-se em casa de familiares e amigos, -Bissau e de Moçambique. Nos finais da década de
Com todas estas actividades, o Varatojo torna-se a os noviços e estudantes professos vão, na sua maioria, 80 do séc. XX, vivem 13 missionários na Guiné e
pedra basilar para a restauração da Província para o estrangeiro: S.to António em Roma, Fuente 30 em Moçambique, dos quais 11 são autóctones.
Portuguesa, que acaba por se efectivar, de forma del Maestro (perto de Badajoz) e Loreto (Sevilha), Mas outras questões despontam nestes anos
plena, em 1891 (anunciada, oficialmente, a 18 de na província franciscana da Bética. conturbados, como a diminuição do número de
Outubro e executado o decreto a 18 de Novembro), Já a coberto da recém-criada Associação Missionária vocações e de frades (em 1989 são 256), com o
sendo Ministro Geral Fr. Luís de Parma. O seu primeiro Portuguesa, a Ordem vê aprovados os seus Estatutos consequente envelhecimento das fraternidades e o
Ministro Provincial é Fr. Domingos Sanches. a 18 de Outubro de 1901, que, embora longe da fim dos estudos eclesiásticos internos da província,
formulação franciscana, permitem a permanência em 1967, passando os estudantes, a partir de 1969,
da Ordem em Portugal, com uma organização a frequentar a Faculdade de Teologia da Universidade
eclesiástica (internamente) e outra civil, que os Católica Portuguesa. Na actividade docente e de
reconhece como associação religiosa, destinada à investigação distinguem-se eméritos estudiosos como
actividade missionária e ao ensino. António de Sousa Costa, Henrique Pinto Rema,
Em 1910, novo “vento” anticongreganista repõe os António Sousa Araújo, e António Montes Moreira
Decretos de 1833-1834, precedidos da polémica em (actualmente Bispo de Bragança-Miranda).
torno da revista Voz de Santo António, que leva os A acompanhar todo este movimento há também
Franciscanos que nela colaboravam a serem apeli- uma dinamização pastoral, que passa pelo trabalho
dados de “modernistas, republicanos e desorien- em paróquias, na cura das almas, pelo impulso da
tadores”, sendo aquela suspensa e, na sequência, renovação litúrgica e da pastoral vocacional,
a província reduzida a comissariado geral. Apesar essencialmente a partir de 1984, com o acom-
de tudo, os Franciscanos subsistem, vivendo (como panhamento de grupos de adolescentes e jovens
era possível) em pequenos grupos, em residências (estilo pré-seminário). O apoio continuado à instalação
Cinco Mártires de Marrocos (I)
(Braga, Lisboa, Varatojo, Barcelos, entre outras) e das Irmãs Clarissas e à renovação da Ordem
enviando os seus estudantes para o estrangeiro Franciscana Secular, a partir essencialmente dos anos
Esta província tem como padroeiros os Mártires de (Friburgo, Saxónia, Tui). Continua-se a actividade 70, com a criação da Família Franciscana Portuguesa,
Marrocos e desenvolve-se consideravelmente no literária, com a manutenção de várias revistas em 1978 (associação com personalidade jurídica,
último decénio do séc. XIX, com quatro conventos (Almanaque de Santo António, Boletim da Ordem canónica e civil), são outras tantas realizações que
(Varatojo, S. Bernardino, Torre da Giesteira e Terceira e Missões Franciscanas Portuguesas). Também tornam efectiva e actuante a presença menorita no
Montariol) e duas residências (Brancanes e Lisboa), o trabalho missionário constitui uma das peças Portugal de hoje.
“num total de 33 sacerdotes, 47 estudantes fundamentais da obra da pregação e evangelização
professos, 31 irmãos leigos, 2 noviços, 44 donatos, franciscana, essencialmente em Moçambique. Outro
e 69 alunos dos seminários menores” (M OREIRA , aspecto importante prende-se com a introdução em
António Montes, “A Restauração…”, pp. 39, 224). Portugal, em 1923, da União Missionária Franciscana,
Outra das importantes iniciativas da nova província com intenso e importante papel na activação do
é a reabertura das missões em Moçambique, com trabalho missionário. Fruto de todo este labor
uma fundação na Beira, em 1898. plurifacetado, os Franciscanos portugueses têm de
Mas as perseguições não tinham acabado por parte novo reconhecido o estatuto canónico de província,
do Governo e das forças anticongreganistas. a 14 de Setembro de 1915.
O Decreto de 10 de Março de 1901 de Hintze Ribeiro A partir de 1928, com uma situação menos adversa,
ordena aos governadores civis que averigúem, nos a que se alia, em 1926-1927, a celebração do VII
seus distritos, da existência de instituições religiosas centenário da morte de S. Francisco, as casas de
de ordens regulares que se destinem à vida formação regressam ao país. O número de religiosos
monástica, para serem suprimidas, dando-se cabal cresce continuamente e, em Agosto de 1963, a Convento da Luz, Lisboa (JAM)

165
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

Em 2008, os Franciscanos encontram-se em Portugal Miguel de Gaeiras, N. Sr.ª dos Anjos do Barro, S.
como Ordem dos Frades Menores Conventuais Pedro de Alcântara de Lisboa, N. Sr.ª e S.to António
(OFMConv), Ordem dos Frades Menores (OFM) e de Mafra, S.to António da Convalescença de Lisboa,
Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap). S. José de Cernache do Bonjardim, N. Sr.ª da Ínsua
Os primeiros são da província suprimida em 1567, de Caminha, S. Francisco de Vila Real, S.to António
que regressa a Portugal em 1978. Os Conventuais de Viana do Castelo, S.to António de Pinhel, S.to
contam com 14 frades, a residir nas Dioceses de António do Porto, S. Francisco de S. João da
Viseu, Coimbra e Lisboa, tendo como Delegado Pesqueira, N. Sr.ª do Vale da Erra, S. Francisco de
Provincial Fr. Fabrizio Bordin. A segunda constitui a Mogadouro, N. Sr.ª de Jesus de Santarém, N. Sr.ª
província restaurada em 1891 e tem 150 membros das Flores de Sesulfe).
a residir em Portugal, nas Dioceses do Algarve, Angra,
Braga, Coimbra, Funchal, Lamego, Leiria-Fátima,
Lisboa, Porto, Setúbal e Vila Real. Com a Cúria
Provincial em Lisboa, está, actualmente, o Provincial,
Fr. Vítor José Melícias Lopes. Quanto aos
Capuchinhos, estes adquirem a 17 de Setembro
de 1957, em Portugal, o estatuto jurídico de Comis-
Eremitério de S.to Antão dos Olivais, Coimbra (DB)
sariado e, a 29 de Junho de 1969, o de Província
portuguesa. Em 2004, a Província Portuguesa dos
Capuchinhos contava com cerca de 57 membros Dentro do espírito da Ordem Terceira, existiam ainda
(entre bispos, sacerdotes, frades e noviços) a viverem comunidades, masculinas e femininas, que se
em Portugal, Angola e Timor-Leste. consideravam “terceiras”, sem votos religiosos.
Convento de N. Sr.ª da Estrela, Marvão (AH)
O carisma e a missão destes franciscanos mantêm- Estas comunidades eram chamadas “recolectas” se
-se na fidelidade a S. Francisco de Assis, vivendo, eram masculinas, e “recolhimentos” se agrupavam
em comunidade, uma vida simples e fraterna, mulheres. Estes fundos estão descritos em: Inventário. Ordens
testemunhando o Evangelho, abertos a novos e Monástico/Conventuais. Ordem de São Bento. Ordem
constantes desafios na missão e na vocação 8. Fontes manuscritas. Em relação a estas fontes, do Carmo. Ordem dos Carmelitas Descalços. Ordem
franciscana de servir a comunidade e os mais pobres, como se depreende do âmbito do trabalho, não dos Frades Menores. Ordem da Conceição de Maria,
dentro dela. pode ser apresentada uma enumeração exaustiva. Coordenado por José Mattoso e Maria do Carmo
A difusão da mensagem é fundamental, utilizando Opta-se, pois, por indicar os principais arquivos Jasmins Dias Farinha, Lisboa, Instituto dos Arquivos
os vários meios de comunicação, nomeadamente as portugueses onde se encontra documentação dos Nacionais/Torre do Tombo, 2002, pp. 183-415.
revistas e periódicos, de que existe alguma “tradição” Franciscanos e, na medida do possível, os fundos Este Arquivo possui ainda documentação dos
entre as ordens religiosas. Os Franciscanos que guardam. Franciscanos pertencente a outros fundos:
Conventuais têm uma revista: Mensageiro de Santo a) Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Possui um Manuscritos da Livraria e Colecção Costa Bastos
António; a Ordem dos Frades Menores, três: conjunto de fundos dos Menores (Província de (convento de S. Francisco do Porto).
Itinerarium (quadrimensal); Almanaque de Santo Portugal, Província dos Algarves, Província da b) Biblioteca Nacional de Portugal – Possui vários
António (anual) e Missões Franciscanas (mensal) e Soledade, Província de S.to António, Congregação manuscritos, na secção de Reservados.
os Capuchinhos, uma: Bíblica. de N. Sr.a da Conceição de Oliveira do Douro e os c) Arquivo Distrital do Porto – Possui um conjunto
seguintes conventos: S. Francisco de Alenquer, S. de fundos dos Franciscanos (Congregação de Nossa
7. Os terceiros portugueses. Em Portugal, a Francisco de Lisboa, S. Francisco do Porto, S. Francisco Senhora da Conceição de Oliveira do Douro e os
Província da Ordem Terceira Regular (com religiosos de Bragança, Espírito Santo de Gouveia, N. Sr.ª da seguintes conventos: N. Sr. a da Conceição de
sujeitos a votos) já existia em 1439, e foi colocada, Conceição de Matosinhos, S. Bernardino de Câmara Matosinhos, N. Sr.a da Encarnação de Vila do Conde,
desde 1568, na dependência directa do Provincial de Lobos, S. Francisco do Funchal, N. Sr.ª da Piedade N. Sr.a dos Anjos de Azurara, S.to António do Porto,
da Província de Portugal da Regular Observância. de S.ta Cruz, N. Sr.ª da Encarnação de Vila do Conde, S.to António de Vale da Piedade, S. Francisco do
Cerca de 1586, passa à obediência imediata do Espírito Santo do Cartaxo, S. Sebastião da Calheta, Porto, S. Francisco de Vila do Conde).
Ministro Geral Observante. Torna-se Congregação N. Sr.ª da Porciúncula da Ribeira Brava, S. Francisco Estes fundos estão descritos em: Guia do Arquivo
autónoma, em 1780, por Bula de Pio VI, de 29 de de Estremoz, S. Francisco de Beja, S. Francisco de Distrital do Porto: Uma experiência de Tratamento
Fevereiro. Constituem então a Congregação Setúbal, N. Sr.ª da Estrela de Marvão, S. Bernardino Documental – 1990-92, Porto, Arquivo Distrital do
Portuguesa dos Irmãos da Terceira Ordem da de Atouguia da Baleia, Bom Jesus de Peniche, S.ta Porto, 1993, pp. 71-81; Fundos Monáticos:
Penitência, com Constituições próprias e faculdade Maria de Jesus de Xabregas, S.to António de Campo Inventários, Porto, Arquivo Distrital do Porto, 1993,
de eleger o Geral, sendo a Casa Provincial o Convento Maior, S.to António de Cascais, S.to António de Faro, pp. 21-27.
de N. Sr.a de Jesus dos Cardais, em Lisboa. Eram N. Sr.ª da Visitação de Vila Verde dos Francos, S. d) Arquivo Distrital de Braga – Neste Arquivo existe
também popularmente designados por “Frades Francisco de Moura, S.to António da Lourinhã, S.to documentação das seguintes províncias: Portugal,
Borras”, por causa da cor do hábito. António do Crato, S.to António de Portalegre, S.to Conceição, Soledade, Ordem Terceira da Penitência;
Em 1739, tinham 17 conventos (um deles era um António de Fronteira, N. Sr.ª dos Anjos de Azurara, e dos seguintes conventos: S. Bento de Arcos de
colégio universitário, em Coimbra) e 478 religiosos S.to António de Abrantes, N. Sr.ª do Seixo do Fundão, Valdevez, S.to António de Caminha, S.ta Maria ou N.
em Portugal continental e um convento, com dez S.to António do Vale da Piedade, N. Sr.ª da Caridade Sr.ª da Ínsua de Caminha, S.ta Maria de Mosteiró,
frades, em Luanda. Depois da supressão em 1834, do Sardoal, S.to António de Ourém, S.ta Catarina de S.to António de Ponte de Lima, S.to António de Viana
a Ordem Terceira Regular não foi restaurada em Ribamar, S.ta Maria de Jesus do Vale de Figueira, S. do Castelo, S. Francisco do Monte de Viana do
Portugal. José de Ribamar, S.to António de Torres Novas, S. Castelo, S.to António de Guimarães, Bom Jesus do

166
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

Monte da Franqueira, S.to António da Covilhã, S.to Penitência, do Convento de S. Sebastião da Calheta Portuguesa da Ordem Franciscana, sediado em
António dos Olivais de Coimbra, S. Francisco de e do Convento e Seminário Apostólico do Varatojo. Lisboa.
Chaves, S.to António de Castelo Branco, S. Francisco g) Arquivo Distrital de Beja – Neste Arquivo existe
de Barcelos, S. Paio do Monte ou dos Milagres de documentação dos seguintes conventos: S. Francisco BIBLIOGRAFIA: “Acta et constitutiones capituli
Vila Nova de Cerveira, Anunciada de Tomar, S.to de Beja, S.to António de Beja, S.to António de Moura, generalis assisiensis, 1340”, in F. M. Delorme (ed.),
António de Beja, S.to António de Penafiel, S. Francisco S.to António de Serpa, S. Francisco de Messejana, S. Archivum Franciscanum Historicum, n.º 6, 1913,
de S. Frutuoso de Real, S. to António do Vale da Francisco do Torrão e S. to António de Odemira. Firenze, CSB, pp. 251-256; AMOR DE DEUS, Martinho
Piedade de Vila Nova de Gaia, N. Sr.ª Jesus de Lisboa; do, Chronica da Santa Provincia de S. Antonio da
dos Seminários Apostólicos de S. to António do regular e estreita observancia da Ordem do serafico
Varatojo e de N. Sr.a da Conceição do Monte da patriarcha S. Francisco, Escola de penitencia, caminho
Falperra; do Hospício de N. Sr.a da Glória e S. Bento de perfeição, estrada segura para a vida eterna:
de Monção; e da Recolecta de S. José da Portela de chronica da Santa Provincia de S. António da regular,
Tamel. e estreita observancia da ordem do seráfico patriarca
S. Francisco, no Instituto capucho neste Reino de
Portugal, Lisboa, Na Officina dos Herdeiros de
António Pedrozo Galram, 1740; A MORIM , Maria
Adelina, Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará:
Missão e Cultura na 1.ª Metade de Seiscentos, Lisboa,
Centro de Estudos de História Religiosa da
Universidade Católica Portuguesa, 2005; Anuário
Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado
Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007,
pp. 838-840; ARAÚJO, António de Sousa, “Presenças
franciscanas no vale do Cávado”, in Itinerarium, n.º
26, Braga, Editorial Franciscana, 1976, pp. 355-375;
Centro Cultural Franciscano, Lisboa (JAM)
B ELÉM , Jerónimo de, Chronica Serafica da Santa
Provincia dos Algarves, Chronica serafica da Santa
Estes fundos estão descritos em: ARAÚJO, António de Provincia dos Algarves da regular observancia do
Sousa, SILVA, Armando B. Malheiro da, Inventário do nosso serafico padre S. Francisco, em que se trata
Convento de S. Francisco, Torrão (LA)
Fundo Monástico-Conventual, Braga, 1985, pp. 173- da sua origem, progressos, e fundações de seus
-193. conventos […], 4 vols., Lisboa, Na Officina de Ignacio
e) Biblioteca Pública de Évora – Neste Arquivo existe h) Arquivo da Universidade de Coimbra – Neste Rodrigues, 1750-1758; Bullarium Franciscanum: Nova
documentação, na colecção de Pergaminhos, dos Arquivo existe documentação dos seguintes Series, 3 vols., Firenze, Ex Typographia Collegii S.
seguintes conventos: S. Francisco de Évora (Pasta conventos: S. Francisco da Ponte e S.to António dos Bonaventurae, 1929-1949; C AEIRO , Francisco da
de Pergaminhos, n. os 2, 6, 11, 14, 15 e 17), S. Olivais de Coimbra. Gama, “Franciscanos”, in Giulia Lanciani, Giuseppe
Francisco de Estremoz (Pasta de Pergaminhos, n.º i) Arquivo Distrital de Faro – Neste Arquivo existe Tavani (coords.), Dicionário da Literatura Medieval
14); e outra no Fundo Geral, na Colecção Rivara e documentação, no fundo da Direcção de Finanças do Galega e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, pp.
na Colecção Manizola, respeitante aos fundos das Distrito de Faro, dos seguintes conventos: S. Francisco 281-283; CARVALHO, José Adriano de Freitas, “As
seguintes províncias: Portugal, Algarves, Piedade, de Tavira, S. Vicente do Cabo, N. Sr.a do Loreto de Crónicas da Ordem dos Frades Menores de Fr. Marcos
Soledade, S.to António, Arrábida, Conceição, Terceira Lagos, N. Sr.ª da Esperança de Vila Nova de Portimão. de Lisboa ou a história de um triunfo anunciado”,
Ordem da Penitência, S.to António do Brasil, S. Tomé j) Arquivo Distrital de Portalegre – Neste Arquivo in Quando os Frades Faziam História: De Marcos de
na Índia Oriental, Madre de Deus da Índia Oriental existe documentação no Grupo de Fundos Lisboa a Simão de Vasconcelos, Porto, Centro
e dos seguintes conventos: S.ta Zita da Asseiceira de denominado Conventos, dos seguintes conventos: Interuniversitário de História da Espiritualidade, 2001,
Tomar, S. Francisco de Beja, S. Francisco de Évora, S. Francisco de Elvas, S.to António do Crato, S. to pp. 9-81; CARVALHO, José Adriano de Freitas, “Nobres
S. Francisco de Estremoz, S. Francisco de Montemor- António de Campo Maior, S.to António de Fronteira, leteras... Fermosos Volumes...”, in Inventários de
-o-Novo, S. Francisco de Portalegre, N. Sr.ª da Visitação S.to António de Portalegre, S. Francisco de Portalegre, Bibliotecas dos Franciscanos Observantes em
de Vila Verde dos Francos, S.to António de Beja, N. S.to António de Sousel. Na colecção de Pergaminhos Portugal no Século XV: Os Traços de União das
Sr.ª da Consolação do Bosque de Borba, S.to António existe documentação dos Conventos de S.to António Reformas Peninsulares, Porto, Centro Interuniversitário
de Estremoz, S.to António de Évora, Bom Jesus de de Campo Maior e de S. to António de Sousel. de História da Espiritualidade, 1995; CARVALHO, José
Valverde, S. to António de Redondo, N. Sr.ª e S. to l) Arquivo Distrital de Santarém – Neste Arquivo Adriano de Freitas, “Livros e leituras de espiritualidade
António de Mafra, S.ta Maria de Jesus do Vale de existe documentação do Convento de S. Francisco franciscanos na segunda metade do século XV em
Figueira, S. Francisco de Arraiolos, Espírito Santo de de Santarém. Portugal e Espanha: os traços de união das reformas
Évora, S.ta Maria de Jesus de Lisboa, Convento e m) Arquivo Distrital de Vila Real – Neste Arquivo peninsulares”, in Carthaginensia, n.º 7, Múrcia, ITM,
Seminário Apostólico de Varatojo, S.ta Catarina de existe documentação dos Conventos de S. Francisco 1991, pp. 127-228; “Chronica XXIV Generalium
Vale Mourol de Santarém, S. Francisco de Viana do de Chaves e de S. Francisco de Vila Real. Ordinis Minorum”, in Analecta Franciscana, n.º 3,
Alentejo, S. Francisco do Vimieiro, Madre de Deus n) Arquivo Distrital de Viseu – Neste Arquivo existe Quaracchi, Ex typographia Colegii S. Bonaventurae,
de Goa, N. Sr.ª dos Anjos de Diu e do Hospício da documentação dos Conventos de S. Francisco de 1897, pp. 1-575; CONCEIÇÃO, Apolinário da, Pequenos
Porciúncula ou de N. Sr.ª dos Anjos de Rachel. Orgens e de S. Francisco de S. João da Pesqueira. na terra, grandes no ceo: memorias historicas dos
f) Arquivo Distrital de Aveiro – Neste Arquivo existe o) Existe ainda documentação respeitante a vários religiosos da ordem serafica que do humilde estado
documentação da Província da Terceira Ordem da conventos franciscanos no Arquivo da Província de leigos […], 5 vols., Lisboa, Na Officina da Musica,

167
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS

1732-1754; C ONCEIÇÃO , Apolinário da, Claustro Lisboa a Simão de Vasconcelos, Porto, Centro em História de Arte apresentada à Faculdade de
Franciscano Erecto no Dominio da Coroa Portuguesa, Interuniversitário de História da Espiritualidade, 1998, Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
Lisboa, Na Off. de Antonio Isidoro da Fonseca, 1740; pp. 83-92; I-II Seminário: O Franciscanismo em de Lisboa, Lisboa, texto policopiado, 1994; MONFORTE,
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Canonico Regolare: Di S. Agostino e la Vocazione Francisci, Lisboa, s.n., 1530; IRIARTE, Lázaro, Histoire officina de Miguel Manescal da Costa, 1751; MONTE
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168
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS CONVENTUAIS

Braga, Editorial Franciscana, 1996, pp. 281-329, Bragança-Miranda: Actas, Bragança, Comissão de a uma nova corrente de pensamento religioso que
509-539; R EMA , Henrique Pinto, “A Ordem Arte Sacra de Bragança-Miranda, 1997, pp. 671- vinha sendo difundida e que defendia o ideal de
franciscana no Alentejo”, in Congresso de História -683; VALENÇA , Manuel, A Arte Musical e os vida evangélica e de um regresso às origens. Em
no IV Centenário do Seminário de Évora: Actas, vol. Franciscanos no Espaço Português (1463-1910), 1209, S. Francisco escreveu uma Formula Vitae, na
1, Évora, IST-SM, 1994, pp. 361-388; REMA, Henrique Braga, Editorial Franciscana, 1997; VALENÇA, Manuel, qual expunha algumas normas de uma vida
Pinto, “Santo António de Lisboa cónego regrante “Presença franciscana em Faro, séc. XVI-XX”, Anais comunitária, “com poucas e simples palavras”, que
de Santo Agostinho e a sua vocação franciscana”, do Município de Faro, n. os 27-28, Faro, Câmara seria aprovada, no mesmo ano, pelo Papa Inocêncio
in Itinerarium, n.º 29, Braga, Editorial Franciscana, Municipal de Faro, 1997-1998, pp. 35-114; VAUCHEZ, III. O objectivo fundamental da Regra ou Formula
1983, pp. 307-313; REMA, Henrique Pinto, “Presença André, A Espiritualidade da Idade Média Ocidental: Vitae é o de “observar o Santo Evangelho de Nosso
de São Francisco em Portugal e no mundo”, in Séc. VIII-XIII, Lisboa, Estampa, 1995; WEBSTER, Jill R., Senhor Jesus Cristo”. Este acontecimento marca a
Itinerarium, n.º 28, Braga, Editorial Franciscana, “Bibliografia e fontes para a história franciscana fundação canónica da Ordem. O ponto de partida
1982, pp. 465-476; RIBEIRO, Bartolomeu, Os Terceiros portuguesa na Idade Média”, in Itinerarium, n.º 28, era a pobreza evangélica e o apostolado itinerante,
Franciscanos Portugueses: Sete Séculos da Sua Braga, Editorial Franciscana, 1981, pp. 58-72. mais pelo exemplo do que pela palavra.
História, Braga, Leixões, Edição do comissariado Desde o seu aparecimento, a Ordem dos Frades
nacional da OF, 1952; RIBEIRO, Bartolomeu, Guia de MARIA FILOMENA ANDRADE Menores foi considerada uma verdadeira ordem
Portugal Franciscano, Leixões, 1946; R IBEIRO , religiosa, embora caracterizada por diversos
Bartolomeu, “São Francisco de Assis em Portugal. elementos de grande novidade em relação ao estilo
Tentativas de reconstituição do seu itinerário pela FRANCISCANOS CONVENTUAIS de vida dos religiosos da época, os monges. Os seus
nossa terra”, in Boletim Mensal da Missões Ordem dos Frades Menores Conventuais é a forma membros eram oriundos de todas as camadas da
Franciscanas e Ordem Terceira, n.º 36, Braga, 1943, canónica por que são conhecidos os Conventuais, sociedade, tornando-se irmãos em torno do princípio
pp. 344-349; RIBEIRO, Bartolomeu, “São Francisco de correspondendo a sigla OFMConv às iniciais do nome evangélico da fraternidade e, ao contrário daqueles,
Assis nas dioceses da Guarda e de Viseu”, in Boletim desta Ordem. não viviam em mosteiros, mas eram itinerantes,
Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, parando por vezes em eremitérios, mas sempre por
n.º 35, Braga, 1942, pp. 178-181; RIBEIRO, Ilídio de breves períodos. O espírito franciscano era assegurado
Sousa, “Autores franciscanos portugueses (filósofo- pela obediência à Regra de Vida, redigida pelo próprio
-teólogos) do século XV”, in Itinerarium, n.º 6, Braga, S. Francisco, e por uma característica exterior: o
Editorial Franciscana, 1960, pp. 221-226; RIBEIRO, hábito franciscano, de cor cinzenta.
Ilídio de Sousa, “Autores franciscanos portugueses O ineditismo desta forma de vida religiosa teve um
do século XVI”, in Itinerarium, n.º 5, Braga, Editorial crescimento rápido, ao ponto de os “penitentes de
Franciscana, 1959, pp. 276-282; RODRIGUES, Manuel Assis”, como eram conhecidos, se reunirem em
Augusto, “Presença franciscana em Coimbra”, in Capítulo Geral, pelo Pentecostes de 1217, para serem
Itinerarium, n.º 39, Braga, Editorial Franciscana, distribuídos por províncias, fora das fronteiras de
1993, pp. 351-370; SALGADO, Vicente, Compêndio Itália. Para tal efeito, seria necessário, contudo,
Histórico da Congregação da Terceira Ordem de estabelecer uma regra mais precisa e estruturar a
Portugal, Lisboa, Na Of. de Simão Thaddeo Ferreira, Ordem hierarquicamente: os frades passariam a estar
1793; SANTIAGO, Francisco de, Crónica da Província sob a obediência de um Superior, a que chamariam
da Soledade, Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal “Ministro”. No Capítulo Geral de 1219, reforçar-se-
da Costa, 1762; SÃO FRANCISCO, Luís de, Livro em -ia a organização formal das províncias que então
que se contem tudo o que toca à origem, regra, foram criadas. A Península Hispânica terá tido, então,
estatutos, ceremonias, privilegios e progressos da o seu primeiro Ministro Provincial, um dos primeiros
sagrada Ordem Terceira da Penitência de N. Seráfico companheiros de S. Francisco, o Fr. Elias (1221-
P. S. Francisco, s.l., s.n., 1684; SOLEDADE, Fernando -1227), substituído depois pelo Fr. João Parente
da, História seráfica cronológica da Ordem dos frades (1227-1232).
menores de S. Francisco na Província de Portugal, No Capítulo Geral de 1221, o célebre Capítulo das
vols. III-V, Lisboa, Na Officina de Manoel & Joseph Esteiras, em que participou também o nosso S.to
Lopes Ferreyra, 1705, 1709, 1721; TAVEIRA, Manuel, S. Francisco recebe os estigmas no monte Alverne (I) António de Lisboa, foi apresentada uma Regra
“Bulas referentes à Ordem franciscana em Portugal bastante extensa, escrita por Francisco com a
no Bulário franciscano”, in Itinerarium, n.º 6, Braga, colaboração dos ministros franciscanos, tendo sido
Editorial Franciscana, 1960, pp. 265-307; TEIXEIRA, S. Francisco de Assis (c. 1181-03.10.1226) lançou aprovada e promulgada por Honório III, a 29 de
Vítor Gomes, O Movimento da Observância os primeiros fundamentos da Ordem dos Frades Novembro de 1223. Esta Regra, a chamada Regra
Franciscana em Portugal (1392-1517): História, Menores (Ordo Fratrum Minorum) pelos 25 anos, II (Regra bulada), procurava responder às necessidades
Património e Cultura de Uma Experiência de Reforma quando, em 1208, renunciou aos privilégios de estruturação da própria Ordem, pondo fim a
Religiosa, 3 vols., Dissertação de Doutoramento em mundanos e decidiu retirar-se para os arredores de algumas divergências que se faziam sentir no interior
História apresentada à Faculdade de Letras da Assis, localidade de Rivotorto, com alguns jovens desta. Nesta Regra ecoa a voz de Francisco em
Universidade do Porto, Porto, texto policopiado, que acreditavam no mesmo ideal de pobreza primeira pessoa. É a presença de Francisco na
2003; TEIXEIRA, Vítor Gomes, O Maravilhoso no Mundo evangélica. Filho de um comerciante abastado, espiritualidade franciscana: uma presença muito
Franciscano Português da Baixa Idade Média, Porto, Francisco de Assis desde muito novo sentiu forte, “pessoal”. Todo o debate do primeiro século
Granito, 1999; T EIXEIRA , Vítor Gomes, “Presença necessidade de encontrar a sua vocação. Encontrou- da Ordem desenvolve-se acerca da verdadeira
franciscana na região de Bragança-Miranda até ao -a na experiência de uma vida pobre, ao lado dos imagem de Francisco. De facto, voltar a apresentar
século XV”, in Páginas de História da Diocese de marginalizados, ao serviço de Cristo, adaptando-se aquela imagem significava apresentar um modelo

169
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS CONVENTUAIS

de Setembro de 1230, porventura na sequência


do conselho de S. to António de Lisboa, que o
acompanhara de Junho a Setembro desse ano,
mandou seguir a Regra, e não o testamento de
S. Francisco, cuja observância não era obrigatória.
O Pontífice Romano via na Ordem dos Frades
Menores e nos homens cultos que já então a
ornavam, incluindo Fr. António de Lisboa, um grande
futuro dentro da Igreja. S.to António defendia uma
linha média, aceitando a evolução da Ordem. Este,
no Capítulo de 1239, aprovou umas Constituições,
cujo texto não se conhece, mas que se pode
conjecturar a partir das de Narbona, de 1260, do
tempo de S. Boaventura. Estas Constituições
oferecem uma interpretação mais fixa da Regra e Logótipo franciscano conventual (I)
também mais adaptada aos tempos.
Os Frades Menores começaram por habitar em Estremoz, Portalegre, Bragança e Lamego. Ainda em
eremitérios, vivendo em choupanas construídas com vida do Fundador, e como já foi referido, os frades
materiais frágeis. Porém, já no governo de Fr. Elias menores de Portugal estiveram ligados à Província
de Cortona (1232-1239) tais choupanas passam a de Espanha, a qual, entre 1232 e 1239, dividiu-se
conventos, com maior estabilidade e futuro. A palavra em três províncias: Aragão, Castela e Santiago de
Ícone moderno de S.to António (I) “convento” vem do latim “conventus”, ou seja, Compostela. Esta última, como compreendia o
“convenire in unum”. A palavra encerra o projecto território português, era igualmente denominada
concreto de vida. Francisco era percebido pelos de vida: de muitos serem um só, fruto do amor Província de Portugal, que obteve alguma indepen-
irmãos da primeira geração como forma minorum. recíproco – “Amai-vos uns aos outros como Eu vos dência mediante a criação das Custódias de Lisboa,
Os discípulos do “Pobrezinho” de Assis espalharam- amei”. Aqui se encontra o fundamento de uma de Coimbra, ambas criadas em 1272, e de Évora,
-se rapidamente por toda a Europa, por determinação “fraternidade” que pretende alicerçar-se sobre o criada em 1330. A Custódia de Lisboa era constituída
do Capítulo Geral daquele ano, que decretou a amor recíproco. Repare-se que foi ele o construtor pelas comunidades de Alenquer, Estremoz, Évora,
expansão da Ordem para o exterior das fronteiras do Sacro Convento de Assis, cujas estruturas Leiria, Lisboa, Portalegre e Santarém. À de Coimbra
italianas, e chegaram a Portugal por volta de 1217, fundamentais se conservaram ao longo dos séculos, pertenciam as comunidades de Coimbra, Covilhã,
apesar da tradição de que S. Francisco teria estado até hoje. O conventualismo, ou a claustra, como se Guarda, Guimarães, Lamego e Porto. Da terceira
no nosso país em 1214, aquando de uma visita a dizia em Portugal (os frades eram assim chamados Custódia, a de Évora, faziam parte as comunidades
Compostela. Os dois franciscanos mais conhecidos, de “claustrais”), iniciava, assim, uma mudança de de Beja, Estremoz, Évora, Loulé, Portalegre e Tavira.
nos primórdios da presença franciscana em território mentalidade, apesar do protesto de alguns dos O Convento de Bragança ficou na Custódia galega
português, foram os italianos Fr. Zacarias, que se companheiros de S. Francisco. Aliás, S. Boaventura, de Ourense, pela sua proximidade geográfica.
estabeleceu em Alenquer, e Fr. Gualter, em Ministro Geral durante 17 anos (1257-1274), foi Com o Cisma do Ocidente (1378-1417), a Província
Guimarães, onde ainda hoje se celebram as Festas partidário dos grandes conventos. Os discípulos mais de Santiago, a que pertenciam as custódias
Gualterianas. A sua alegria de viver, fundada numa agarrados ao idealismo de pobreza do Fundador, os portuguesas, divide-se. Assim, enquanto as custódias
simpática pobreza e transparente amor a Deus e ao Fratricelli e Espirituais, foram aguerridos oponentes espanholas obedeciam ao Papa de Avinhão, sendo
próximo, em breve atraiu as atenções dos povos e dos que tinham pedido e obtido privilégios, o que dirigidas por Ministros, as de Portugal seguiam o de
as vocações multiplicaram-se. Entre todas, sobressai lhes mereceu a condenação da Igreja. Sobretudo Roma e passaram a ser administradas por um
a de D. Fernando Martins de Bulhões, nascido em nos sécs. XII e XIII, era grave pecado querer ser pobre Provincial. A Batalha de Aljubarrota (1385) acentuou
Lisboa e formado no famoso Mosteiro de S.ta Cruz à margem da Igreja institucional. O Papa Clemente esta divisão e, no Capítulo Geral de 1418 (ou de
de Coimbra, que, em meados de 1220, trocou a V, pela Bula Exivi de Paradiso, de 6 de Maio de 1312, 1421), a Província de Portugal é legalizada
cogula dos Agostinhos pela estamenha de frade sanciona os documentos anteriores acerca da pobreza canonicamente, tendo sido Fr. Gil Lobo o primeiro
menor e entrou no Eremitério dos Olivais de Coimbra, e outros pontos, distinguindo na Regra o que eram Ministro na nova província.
assumindo o nome que o iria imortalizar: Fr. António. preceitos graves (27), exortações (12), conselhos (6)
Os primeiros conventos fundados em Portugal, que e condições para admitir noviços (12). Finalmente,
não eram mais do que simples eremitérios, foram João XXII, em 1322, na Bula Ad Conditorem, de 8
os de Alenquer, Guimarães, Lisboa e Coimbra. Foi de Dezembro, entrega aos Frades Menores os bens
neste último, no Eremitério de S.to Antão dos Olivais, que afirmavam serem da Santa Sé, afirmando que
que S.to António fez o Noviciado. Estes conventos a pobreza franciscana não era conforme ao
pertenciam à Província de Espanha, que na altura Evangelho, pois Cristo e os Apóstolos tinham
encerrava os cinco reinos cristãos da Península Ibérica. possuído em comum.
Entretanto, enquanto a Ordem continuava a crescer, Em Portugal, a Ordem dos Frades Menores crescia.
foram surgindo algumas diversidades relativamente Em 1232, uma comunidade de franciscanos
à interpretação da Regra de S. Francisco. Esta, mais estabeleceu-se em Leiria e, em 1233, conseguiram
inspiratória do que normativa, começou cedo a ter abrir um convento no Porto. Também estiveram
outras leituras, dando origens a diversos ramos da presentes na Covilhã, Guarda e Évora. Mais tarde,
Ordem. Gregório IX, pela Bula Quo elongati, de 28 mas ainda no séc. XIII, instalaram-se em Santarém, Pádua, coração dos Frades Menores Conventuais (I)

170
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS CONVENTUAIS

No séc. XIII assiste-se, ainda, à fundação de escolas Ordem, o Papa Pio V, a pedido do Cardeal D. que aconteceu em Novembro de 1974, e pelo
nalguns conventos então existentes, onde se ensinava Henrique e motivado pelo movimento reformador fortalecimento da Comunidade: em 1975, Fr.
Gramática, Filosofia e Teologia. Destas escolas, a de do Concílio de Trento (1545-1563), em 1567, Emanuel Brídio deixou definitivamente Coimbra e
Teologia, em Lisboa, foi a que teve maior importância, decretou que todos os conventos pertencentes à entregou a Paróquia de S.to António dos Olivais ao
tendo sido integrada na Universidade de Lisboa pelo Província dos Conventuais seguissem a Observância. Fr. Lucas Brídio, que tinha chegado de Itália; no
Papa Nicolau V, em 1453. Em 1568, face a esta situação, a Ordem dos Frades mesmo ano, chegou Fr. Paulo Beretta; em 1976
Os Franciscanos, a par de outras Ordens, Menores Conventuais foi extinguida, para voltar a chegou a Portugal Fr. Severino Centomo; no final
participaram no movimento missionário levado a surgir quatro séculos mais tarde, em 1978. Assim, do ano seguinte, Fr. Lucas Brídio, um enérgico
cabo durante os Descobrimentos. A sua actuação a primeira comunidade dos Frades Menores impulsionador da paróquia, deixou Coimbra e, ao
foi meritória, a ponto de ser colocado um franciscano Conventuais em Portugal, após a sua ausência da mesmo tempo, chegou Fr. Eliseu Moroni. Em 1978,
entre as figuras do Monumento dos Descobrimentos, história eclesiástica, foi erigida canonicamente em estava constituída a primeira comunidade de
em Belém, a exprimir a importância desta Ordem. 20 de Março de 1978, na Paróquia de S.to António Conventuais, fundada canonicamente no dia 20 de
De facto, antes de 1460, havia já cinco conventos: dos Olivais. Março do mesmo ano, com os seguintes membros:
um em Ceuta, 2 na ilha da Madeira (no Funchal e Paulo Beretta, Severino Centomo e Eliseu Moroni.
em Câmara de Lobos) e 2 nas ilhas dos Açores (na O primeiro Guardião (ou Superior), nomeado a 17
ilha de S.ta Maria e em Angra do Heroísmo, na ilha de Abril de 1978, foi Fr. Paulo Beretta. A partir desta
Terceira). Até ao séc. XVI, o número de casas nestas altura, começou-se a desenvolver as actividades que
ilhas duplicou: na Madeira existiam 3 casas tinham sido planeadas para a comunidade. Esta
franciscanas e nos Açores 5. Neste período distinguiu- iniciou uma profunda inserção na igreja local e no
-se o filósofo e teólogo Fr. Gomes de Lisboa, um testemunho dos ideais franciscanos, dando também
franciscano de tendência claustral, que foi nomeado importância ao aspecto vocacional. A sua actuação
Vigário Geral da Ordem. foi mais intensa aquando da chegada do Fr. João
Entretanto, ainda no séc. XIV, a Ordem começa a Valbusa, em Julho de 1981, dado que, nessa altura,
manifestar duas direcções que se defrontavam: o sentiu-se a necessidade de fundar uma nova
Conventualismo (ou Claustra) e a Observância. De comunidade que permitisse uma actuação dinâmica
facto, uma vez silenciados os Espirituais, dos seus da Ordem e que tornasse mais ampla a inclusão
ideais, porém, havia de nascer a “reforma”, mas desta na Igreja em Portugal. No entanto, os frades
com uma alma nova, de obediência aos legítimos não alcançaram de imediato tais objectivos, apenas
superiores da Igreja e da Ordem. Os Observantes conseguindo-o com a fundação do Convento de
que foram surgindo em diferentes locais com o aval Lisboa.
da Igreja institucional, só em 1517, mediante a
chamada Bula da União, é que obtiveram o Selo da Igreja de S.to António dos Olivais, Coimbra (I)
Ordem e os cargos de Ministro Geral e de Ministros
Provinciais. Assim, de uma só Ordem, nasceram a
Ordem dos Frades Menores da Regular Observância O regresso dos Franciscanos Conventuais a Portugal
(ou, simplesmente, Ordem dos Frades Menores) e começou com a chegada de Fr. Emanuel Brídio a
a Ordem dos Frades Menores Conventuais, cada Coimbra. Como Delegado Provincial da província
uma com a sua sede provincial: a da Regular religiosa com sede em Pádua, o Fr. Emanuel começou
Observância no Convento de S. Francisco da Cidade, a definir, com o Bispo de Coimbra, as modalidades
em Lisboa (com 27 casas), e a dos Conventuais no da inserção da Ordem na cidade, de acordo com as
Convento de S. Francisco, no Porto (com 22 casas). motivações apresentadas no Capítulo Provincial de
Relativamente às ilhas, os Observantes ficaram com 1967, em Pádua. Os anos que se seguiram a este
os três conventos da Madeira e os Conventuais Capítulo Provincial foram caracterizados pelo acordo
ficaram com os cinco nas ilhas dos Açores. entre a Província de Pádua e a Diocese de Coimbra Distribuição do pão de S.to António em Coimbra (I)
Os conventos da Claustra possuíam uma fisionomia de construir uma nova paróquia, a de N. Sr.a de
mais ampla e os seus frades tinham preferência pela Lourdes, que representaria o primeiro passo para
disciplina regular da vida em comunidade, praticando aceder à Igreja de S. to António dos Olivais, tão Entretanto, a Paróquia de S.to António dos Olivais
a Regra sem estarem sujeitos a uma autoridade desejada pelos Franciscanos Conventuais, pelo facto começou a ganhar uma maior importância: os frades
máxima, no que à matéria de pobreza diz respeito. de aí ter ocorrido o Noviciado de S.to António na aceitaram a responsabilidade de uma reitoria vizinha
Os conventos encontravam-se, normalmente, Ordem dos Frades Menores. Ao mesmo tempo, a e lançaram-se num plano de evangelização e de
localizados em centros urbanos e em muitos deles província desejava aí divulgar a revista Mensageiro animação pastoral, que granjeou a simpatia do povo
funcionavam escolas públicas. Nestes conventos, a de Santo António em língua portuguesa, dado que e a estima e o carinho do presbitério da Diocese de
vida quotidiana era caracterizada pela regularidade havia já a revista em língua portuguesa do Brasil, Coimbra. Na década de 90, o edifício da igreja foi
dos ofícios litúrgicos e das lições escolares e pela oferecendo assim à Ordem a alegria de regressar a restaurado, o que o tornou num dos mais belos e
dedicação às actividades culturais e apostólicas, um país de onde tinha sido expulsa. Efectivamente, importantes locais da cidade. Finalmente, em 2002,
apresentado um carácter quase monástico, bastante no dia 29 de Setembro de 1968, foi criada a Paróquia a paróquia pôde tornar a usufruir das instalações
diferente da vida itinerante, eremítica e rigorosa dos de N. Sr.a de Lourdes e, em 1971, foi benzida a do antigo Tribunal de Menores, anexo ao edificio
primeiros franciscanos, a qual os Observantes igreja-salão. Os anos que se seguiram, de 1974 a da igreja e que antes lhe pertencera.
pretendiam seguir. 1978, foram marcados pela passagem dos frades Por outro lado, a 13 de Junho de 1982, surgiu a
Pouco tempo depois de ter ocorrido a cisão na desta paróquia para a de S.to António dos Olivais, possibilidade de fundar uma nova paróquia, em

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS FRANCISCANOS CONVENTUAIS

Lisboa, quando o Cardeal Patriarca de Lisboa popular e pobre, onde as estruturas eclesiais e sociais que lançou as bases para um futuro promissor,
convidou o ministro provincial para as celebrações eram praticamente inexistentes. Os frades começaram coadjuvado por um leigo, actualmente chefe de
antonianas, que iriam decorrer na capital portuguesa, a dar vida a uma obra de grande valor humano, redacção, o Dr. Mário Martins.
aproveitando esse facto para um encontro pessoal, social, organizativo e espiritual. De facto, em 20
durante o qual lhe apresentaria essa proposta de anos de presença, foram construídas duas igrejas,
fundação. O Secretário Provincial, Fr. Cristóforo a de S. Maximiliano Kolbe e a de S.ta Clara, com os
Zambelli, que nessa altura substituía o provincial, respectivos centros paroquiais, um centro social
que não poderia estar presente, encontrou-se paroquial e um novo convento. Todavia, a obra mais
sucessivamente com o Cardeal Patriarca, juntamente importante dos frades foi a construção de um ponto
com o Fr. Paulo Beretta. O Cardeal Patriarca, D. António de referência e de encontro para as pessoas.
Ribeiro, que manifestou uma grande admiração pelos A presença e a acção de todos os frades que
frades, com base nas boas referências vindas do passaram pela paróquia serviram para dar um rosto
Bispo de Coimbra, pede insistentemente a sua à zona de Chelas e para criar um sentido de pertença
presença numa nova paróquia na cidade de Lisboa. ao próprio bairro. Com a abertura do convento em
Perante este pedido, e considerando a importância Lisboa, podemos dizer que a presença dos
de uma segunda casa, os frades da comunidade de Conventuais nesta cidade desenvolveu e continuou
Coimbra enviaram ao Capítulo Provincial de 1982 a desenvolver a marca franciscana (enquanto em
uma carta, na qual manifestam a sua vontade de Coimbra teve um cariz antoniano), estando os frades
anuir ao pedido do Patriarca de Lisboa, invocando, mais próximos dos pobres. Pode ser entendida esta
como motivos para tal assentimento, a conveniência escolha como uma opção pela vivência mais radical
de ter um convento em Lisboa (a capital portuguesa), da chamada “Madonne Pobreza”.
o facto de a paróquia se localizar precisamente no Apesar da abertura do novo convento em Lisboa,
centro de Lisboa, a carência de clero diocesano ao continuou a sentir-se a falta de uma casa unicamente
serviço da Igreja e o desenvolvimento vocacional dedicada à pastoral juvenil e vocacional. Para tal
que esta fundação permitiria à Ordem. O Capítulo efeito, foi fundada uma casa, filiada à comunidade
Provincial de 1982 aceitou o pedido do Cardeal de Coimbra, em Marco dos Pereiros, à qual se deu Imagem popular de S.to António (I)

Patriarca e, no final do mesmo ano, enviou dois o nome de Casa de S. Francisco. Esta fundação
frades, Fr. Eliseu Moroni e Fr. Alberto Bissoli, para resultou da aquisição de uma casa particular, Em 1996, aquando da peregrinação das relíquias de
a nova comunidade na Zona J de Chelas, que viria reestruturada para poder acolher uma pequena S. to António pelo território nacional, os frades
a ser canonicamente fundada no dia 23 de Janeiro comunidade de frades e para ter a possibilidade de entraram em contacto com a Fraternidade
de 1983. O novo convento e paróquia, dedicados acolher grupos para encontros e retiros. A mesma Franciscana Secular da Igreja dos Terceiros em Viseu.
a S. Maximiliano Kolbe, encontram-se numa zona casa tornou-se sede da revista O Mensageiro de Esta Fraternidade andava há muito tempo acalen-
Santo António. A Casa de S. Francisco foi inaugurada tando a esperaça de vir a ter a presença dos irmãos
no final de Outubro/princípio de Novembro de 1989, da primeira Ordem a animar e a orientar a vida
para o que contou com a presença do Ministro Geral, espiritual da belíssima Igreja de S. Francisco,
Fr. Lanfranco Serrini, e do Bispo de Coimbra, D. João pertencente à Ordem Terceira e situada no coração
Alves. A comunidade ficou constituída por três frades: da cidade. O Fr. Eliseu Moroni, então Delegado
Fr. Paulo Beretta, Fr. Eliseu Moroni e Fr. Leandro Provincial, desenvolveu um papel importante nas
Benvegnù. Actualmente, funciona ainda como sede negociações entre a província, a Fraternidade OFS
do Mensageiro de Santo António e como local para e o Bispo de Viseu, que se concretizaram na
encontros e retiros, dependendo do Convento de assinatura de uma convenção que levou a província
S.to António dos Olivais, sem que nela resida nenhum a abrir uma terceira comunidade a 13 de Junho de
frade de forma permanente. 1998. O novo convento, um edifício anexo à Igreja
Como foi acima mencionado, uma das razões que de S. Francisco, acolheu, no dia da inauguração, a
motivaram o regresso dos Franciscanos Conventuais nova comunidade, constituída por Fr. Severino
a Portugal foi a edição da revista O Mensageiro de Centomo, Fr. João Sartori e Fr. Fabrizio Bordin. Em
Santo António, que, na altura, tinha uma redacção pouco tempo, a igreja tornou-se muito mais
brasileira e era impresso em Pádua. Em 1984, a frequentada e procurada, sobretudo pelo sacramento
redacção da revista passou para Portugal e a sua da reconciliação. Não sendo paróquia, a igreja
equipa ficou constituída, na sua maioria, por proporcionou aos frades o desenvolvimento de outras
portugueses, enquanto a impressão continuava vertentes do seu carisma, nomeadamente a liturgia,
acontecer em Itália. Em 1989, contudo, deu-se um a oração, a pregação, a formação e a direcção
grande passo: a redacção, a administração e a espiritual. O convento tornou-se, também, o novo
impressão da revista passaram a ser realizadas ponto de referência vocacional da delegação,
completamente em Portugal. Isso comportou um funcionando como Postulantado e como local de
notável esforço, quer financeiro quer de trabalho, encontros vocacionais.
mas os resultados foram bastante positivos. A revista Utilizando as palavras do próprio ministro provincial,
esteve sempre em franco crescimento e, actualmente, se a Igreja, no limiar do terceiro milénio, foi
o número de assinantes excede os 5000. O Fr. Eliseu estimulada pelo Santo Padre a “não ter medo” do
S. Maximiliano Kolbe, mártir de Auschwitz (I) Moroni foi o primeiro director da revista e aquele futuro, a “fazer-se ao largo e a lançar as redes”,

172
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

certamente também a Ordem dos Frades Menores Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na com especial atenção aos países do terceiro mundo,
Conventuais, que perfaz uma pequena etapa após Província de Portugal, 2 vols., Lisboa, Na officina e a novas doenças e carências da sociedade actual,
o seu regresso, deve olhar para frente com coragem Craesbeeck, 1656-1666; FARIA, Francisco Leite de, com incidência nos excluídos sociais e situações de
e esperança. Apesar de o número reduzido dos “Presença franciscana em Guimarães”, in Revista de indigência. A presença da Ordem Hospitaleira em
frades e a sua idade que avança, a parcimónia de Guimarães, n.º 95, Guimarães, 1985, pp. 147-150;
vocações e o aumento de tarefas serem motivos de FARIA, Francisco Leite de, “Os primeiros franciscanos
precupação, os frades desta Ordem continuam em Portugal”, in Colóquio Antoniano: Actas, Lisboa,
confiantes na obra do Senhor e na certeza de que s.n., 1982, pp. 49-60; FARIA, Francisco Leite de, “São
Ele os conduzirá a um bom fim, conquanto lhe forem Francisco em Portugal: síntese histórico-bibliográfica”,
fiéis. E, para estes frades, um sinal da bondade do Archivo Ibero-Americano, n.º 42, Madrid, 1982, pp.
453-479; GOBRY, Ivan, São Francisco de Assis, Mem
Martins, Publicações Europa-América, 2004; LISBOA,
Marcos de, Crónicas da Ordem dos Frades Menores,
3 vols., Organização, introdução e índices do Centro
Interuniversitário de História da Espiritualidade da
Universidade do Porto, Porto, Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, 2001; L OPES , Adelino
Pereira, Os Primeiros Frades Menores: Apontamentos
de História Franciscana, Fátima, Cidade do Imaculado
Coração de Maria, 1998; L OPES , Fernando Félix,
Brasão da Ordem Hospitaleira, séc. XVIII (AMB)
“Franciscanos”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de
História de Portugal, vol. 3, Porto, Figueirinhas, 1992
(1.a ed. 1984), pp. 71-73; LOPES, Fernando Félix, Portugal data de 1606, ano da vinda de dois irmãos
“Frades menores”, in Verbo: Enciclopédia Luso- de Espanha para a construção de um oratório em
-Brasileira de Cultura, vol. 8, Lisboa, Editorial Montemor-o-Novo, no local onde nasceu o Fundador.
Verbo, 1969, col. 1401; L OPES , Fernando Félix, Em Portugal tem-se distinguido na assistência a
“Franciscanos”, in Verbo: Enciclopédia Luso-Brasileira doentes e pobres, nos serviços de saúde militar, na
de Cultura, vol. 8, Lisboa, Editorial Verbo, 1969, assistência e tratamento aos doentes com patologias
cols. 1546-1555; MARQUES, José, “Os franciscanos gerais e mentais e na assistência psiquiátrica, social
no Norte de Portugal nos finais da Idade Média”, e pediátrica.
in Boletim do Arquivo Distrital do Porto, n.º 1, Porto, Estes Irmãos são também conhecidos com outras
s.n., 1982, pp. 149-189; MOREIRA, António Montes, designações: FATEBENEFRATELLI (“Irmãos, fazei bem
“Franciscanos”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário a vós mesmos”, forma de apregoar que levou a que,
Frades Menores Conventuais de Portugal (I)
de História Religiosa de Portugal, vol. C-I, [Lisboa], mais tarde, os Irmãos fossem assim conhecidos e
Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História designados, sobretudo em Itália – Fate bene, fratelli,
Senhor para com eles é a possibilidade de acolherem Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, per l`amore di Dio!). Nos países de língua alemã
novos irmãos. Em 1982, por exemplo, foi recebido pp. 273-280; NUNES, José Joaquim (ed.), Crónica da eram os Barmherzige Brüder (“Irmãos da
na Ordem o primeiro jovem português, José Augusto, Ordem dos Frades Menores, 1209-1285: Manuscrito Misericórdia”); na Hungria, Irgalmasrend; na Boémia
como postulante na comunidade de Coimbra. Depois do Século XV, 2 vols., Coimbra, Imprensa da e Morávia, Milosrdni Bratri; na Polónia, OO.
dele, outros ingressaram na Ordem e receberam o Universidade, 1918. Bonifratrzy; na Roménia, Misericordian Infirmieri; na
ministério sacerdotal, embora, como acontece de República Checa, Milosrdni; na Croácia, Milosrdna
forma generalizada nas igrejas ocidentais, em número CRISTIANA LUCAS SILVA Braca; e na Eslovénia, Usmiljeni Bratje. Em França,
reduzido, facto que obriga os frades a uma reflexão nos primeiros dois séculos, foram conhecidos pelo
mais profunda e que os estimula a serem cada vez nome de Charitains.
mais fiéis ao seu carisma: viver e testemunhar o HOSPITALEIROS
Evangelho segundo o espírito de S. Francisco, seguindo Os Irmãos de São João de Deus, também conhecidos 1. Contexto histórico da fundação. Em finais do
a Cristo pobre e humilde, numa vida comunitária e como Hospitaleiros ou Ordem Hospitaleira de São séc. XV e inícios do séc. XVI, a situação da assistência
fraterna, simples e aberta a qualquer missão. João de Deus (OH), são uma ordem religiosa regular aos pobres e doentes sofreu profundas mudanças
masculina, de natureza laical, mendicante, canónica em toda a Europa. Vivia-se então a época do
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, e de Direito Pontifício (Santa Sé, 1 de Janeiro de Renascimento, da arte e das literaturas clássicas; de
Secretariado Geral da Conferência Episcopal, [Lisboa], 1572) que surgiu da continuação da obra iniciada renovação, das aventuras e descobertas de novos
2007, pp. 837-838; C AEIRO , Francisco da Gama, em Granada, Espanha, em 1539, por S. João de mundos e de novas riquezas trazidas pelos
“Franciscanos”, in Giulia Lanciani, Giuseppe Tavani Deus. Os Irmãos de São João de Deus manifestam navegadores portugueses, espanhóis, ingleses e
(coords.), Dicionário da Literatura Medieval Galega a sua consagração especial a Deus através dos três holandeses. Ao contrário das artes, literatura e
e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, pp. 281-283; votos comuns – castidade, pobreza e obediência –, descobertas, o campo da saúde reduzia-se de forma
DUARTE, Teresinha Maria, Arautos da Paz e Bem: Os aos quais acrescentam o voto de hospitalidade que predominante ao assistencial e à compaixão. As
Franciscanos em Portugal (1214-1336), Dissertação os vincula ao serviço dos doentes e outros neces- condições de higiene e assistência hospitalar eram
de Doutoramento em História apresentada à sitados. A sua acção estende-se hoje à assistência precárias; os médicos tinham reduzidos conhecimen-
Universidade de Brasília, Brasília, Texto policopiado, e ao ensino técnico-científico nas áreas da humani- tos das causas das doenças e da estrutura do corpo
2004; ESPERANÇA, Manuel da, História Seráfica da zação, saúde, enfermagem, ortopedia e psiquiatria, humano para proceder a estudos de investigação

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

clínica ou experimental. Em geral, os loucos eram honrada, André Cidade e Teresa Duarte. Aos oito as obras na muralha, resolveu regressar a Espanha,
tratados como criminosos ou possessos do demónio anos de idade, talvez em 1503, foi levado para por 1537, aconselhado por um frade franciscano.
e recolhidos em prisões sem qualquer humanidade. Espanha na companhia de um clérigo, deixando para Em Gibraltar, deu-se à oração, foi jornaleiro e
Os hospitais recebiam então todo o género de trás a sua família destroçada com o seu desapare- mercador ambulante, vendendo livros, imagens de
pessoas (enfermos, paralíticos, cegos, indigentes, cimento: a mãe morreu poucos dias depois e o pai papel e cartilhas. Nos arredores desta cidade, decidiu
órfãos e prostitutas, entre outros), não havendo uma ingressou na Ordem de São Francisco, no Convento dirigir-se a Granada com o fim de encontrar a cruz
separação entre elas, o que confundia as funções de Xabregas, em Lisboa, onde viria a falecer a 11 da sua vocação, segundo se conta: “enquanto vendia
dos hospitais com as dos hospícios ou albergarias. livros pela rua, num dia de calor escaldante,
Se, por um lado, as instituições existentes contavam encontrou o Menino Jesus na forma de um menino
com os municípios, os reis, os príncipes e os senhores pobre e descalço. Compadecido ofereceu-lhe as suas
feudais – que foram organizando nas cidades alpercatas, apesar de estas serem muito grandes
principais um grande hospital, a partir da fusão dos para os seus pés. Carregou-o então aos ombros.
pré-existentes mais pequenos –, por outro lado, Durante o caminho, e já cansado, parou numa fonte
algumas confrarias de caridade e ordens hospitaleiras para beber um pouco de água, colocou o Menino
pré-tridentinas tinham como missão exclusiva a à sombra de uma árvore e matou a sua sede. Nesse
assistência aos doentes pobres e aos enfermos com instante ouviu chamarem o seu nome e, quando
doenças incuráveis. Com a edificação destes novos voltou a cabeça, reparou que o Menino estava trans-
hospitais maiores, destinados aos doentes com figurado, irradiava luz e numa das mãos ostentava
doenças curáveis, começou a desenvolver-se uma romã entreaberta (granada em espanhol) onde
lentamente a doutrina da “caridade paternalista” resplandecia uma cruz luminosa. Com a voz meiga,
como direito do súbdito. Embora o facto de os o Menino disse-lhe então: ‘João, Granada será a tua
enfermos se deslocarem aos hospitais públicos Cruz’ – e a visão desvaneceu-se”.
constituir um passo positivo, surgiram novas
problemáticas: os pobres e os doentes que pediam
ajuda aumentaram, os que desejavam mais fontes
de rendimento procuravam o lucro com a assistência,
a caridade evangélica gratuita decresceu e houve
uma redução da presença de benfeitores e de
voluntários e do contacto com os pobres e com os
enfermos. Mais tarde, com os decretos de reforma
do Concílio de Trento (1545-1563), iniciaram-se novas
etapas como o facto de o Bispo passar a ser o
responsável e pai dos pobres e dos atribulados, tendo S. João de Deus com crianças (AMB)
como dever a promoção das iniciativas de caridade.
A acção de alguns institutos religiosos também foi
limitada com a proibição de sair da clausura para a de Março de 1520. João Cidade permaneceu até
assistência domiciliária, mesmo que fosse para o aos 28 anos como pastor ao serviço de um lavrador
exercício da caridade. Apesar de todas estas abastado, Francisco-o-Maioral, na Província de Toledo
mudanças, o problema mantinha-se e as necessidades (vila de Oropesa). Foi militar, em 1523, combatendo
de muitos pobres e doentes continuavam sem no exército de Carlos V na reconquista aos franceses
resposta. Foi então que inúmeros bispos, grupos de de Fuenterrabia (Pirenéus) e, em 1532, após novo
leigos (confrarias) e ordens religiosas se aventuraram período de pastor em Oropesa, esteve na defesa de
pela prática da hospitalidade evangélica, especial- Viena de Áustria da ameaça turca. Regressou a
mente junto dos pobres e dos doentes mais Espanha nesse ano, após o fim do cerco, desem-
desamparados. De facto, já antes mas mais ao longo barcando em La Corunha. Depois de uma provável
do séc. XVI, a assistência aos pobres e enfermos passagem por Santiago de Compostela, visitou a
deveu-se em grande parte à iniciativa de irmandades sua terra natal, detendo-se em Montemor-o-Novo
de leigos que, em muitos casos, evoluíram para à procura dos seus pais. Dali saiu com o coração
S. João de Deus livreiro, Igreja da Madalena, Olivença (AMB)
ordens religiosas, como é o caso da Ordem Hospita- destroçado, ao sentir-se responsável pelo infortúnio
leira de São João de Deus. Foi neste tempo de dos seus progenitores e com o espírito irrequieto
transformações que nasceu em Portugal João Cidade, para encontrar um rumo de vida. Continuou caminho Em Granada abriu um pequeno comércio de livros
o responsável pela profunda modificação de atitudes por terras algarvias e entrou na Andaluzia por e estampas, junto da Porta de Elvira. Em 20 de
para com os doentes mais pobres, que considerava Ayamonte e, após breve estadia como pastor em Janeiro de 1538 (data mais provável), na festa de
seus irmãos e pessoas em sofrimento, dignas de Sevilha, seguiu para Ceuta, em 1536, onde se alistou S. Sebastião, ouviu o sermão do Mestre João de
todo o respeito e atenção. como trabalhador nas obras da fortaleza. Aí, Ávila (1500-1569) – conselheiro de bispos e nobres,
conheceu e ajudou uma família fidalga portuguesa, pregador, director de almas, um dos paladinos da
2. Fundador. S. João de Deus (João Cidade, c. 1495- de apelido Almeida, que caíra em desgraça e que Contra-Reforma católica no séc. XVI e pai espiritual
-1550) nasceu, segundo se afirma, no dia 8 de para ali foi desterrada pelo rei. Tentado pela liberdade de grande número de santos em Espanha. O sermão
Março de 1495 em Montemor-o-Novo (Évora, de vida dos mouros, exteriorizada por Gonçalo Dias, afectou-o de tal forma que o seu comportamento
Alentejo), na R. Verde, no seio de uma família um amigo natural de Évora que conheceu durante levou a que o tomassem por louco e o internassem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

no Hospital Real. Aí, foi-lhe aplicado o tratamento e mais tarde para a Basílica de S. João de Deus, em o Hospital da Ordem, com estatuto fundacional em
por açoites, vulgar neste período para esse tipo de Granada, onde se encontra a maior parte dos seus Sevilha. Dentre outros centros de documentação,
casos, e maturou o desejo de tratar com humanidade restos mortais. Foi beatificado pelo Papa Urbano em vários países, destaca-se o Arquivo Geral da
estes doentes como seus irmãos. Considerado curado, VIII, a 21 de Setembro de 1630, e canonizado pelo Ordem Hospitaleira em Roma, o Arquivo Inter-
dirigiu-se a Montilla para se encontrar com o Mestre Papa Alexandre VIII, a 16 de Outubro de 1690. Foi provincial de Granada. Em Portugal, existe o Arquivo
João de Ávila. Depois seguiu em peregrinação para proclamado, com S. Camilo de Lélis, “Patrono dos Provincial do Telhal (agora em Lisboa) e o do Hospital
o Santuário de N. Sr.a de Guadalupe e regressou a enfermos e dos hospitais”, a 27 de Maio de 1886, de S. João de Deus em Montemor-o-Novo. Em relação
Granada onde trabalhou como lenhador para subsistir pelo Papa Leão XIII; e, também com S. Camilo de à documentação e publicações concernentes à Ordem
e ajudar pobres e doentes da rua. Em 1539, após Lélis, “Patrono dos enfermeiros católicos e suas Hospitaleira, existem em todo o mundo grande
a abertura sucessiva de duas casas-abrigo e insa- associações”, a 28 de Agosto de 1930, pelo Papa acervo de documentos, livros, revistas, monografias
tisfeito com a forma como os doentes eram tratados, Pio XI; “Co-Patrono da cidade de Granada”, a 6 de e memórias específicas do Fundador, da história da
fundou em Granada um hospital para pobres Maio de 1940, pelo Papa Pio XII; “Patrono dos Ordem, do carisma hospitaleiro, dos irmãos, das
enfermos e desamparados que morriam ao abandono bombeiros”, em Espanha em 1957; “Patrono de províncias, das casas fundadas e dos cuidados aos
nas ruas da cidade. Dois anos depois, abriu um outro Montemor-o-Novo”, a 15 de Março de 1963; doentes, da medicina e da psiquiatria. As fontes
hospital, que lhe compraram e ampliaram mas desde “Patrono da Escola do Serviço de Saúde Militar”, históricas fundamentais mais antigas sobre a vida
logo o achou pequeno, o qual antes da sua morte em 1984; “Patrono da Direcção de Serviço de Saúde de S. João de Deus encontram-se nas suas 6 Cartas
confiou a Antão Martim (1500-1553), o discípulo Militar e dos Hospitais Militares” em 1986; e, com com as suas palavras e pensamentos – uma ao jovem
que lhe inspirava maior confiança, de entre os irmãos S. Marçal, “Co-Patrono dos bombeiros portugueses”, Luís Baptista, 2 a Guterres Lasso (conselheiro da
de hábito que se lhe foram agregando desde cerca em Setembro de 1990, para além de outros cidade de Málaga) e 3 à Duquesa de Sesa, D. Maria
de 1539-1540. Por volta desta data, ou segundo patronatos e co-patronatos, como dos livreiros, em de los Cobos Mendoza; nas 3 cartas de S. João de
outros mais tarde, o Presidente da Chancelaria de Espanha. No fim da sua vida, S. João de Deus teria Ávila dirigidas a S. João de Deus; nas declarações
Granada e Bispo de Tuy, D. Sebastião Ramirez de cerca de dez discípulos, com quem vivia em comu- dos testemunhos do Documento Pleito (1572-1573),
Fuenleal, impressionado com a obra desenvolvida, nidade de leigos ainda sem votos, sem estatuto que vem corrigir ou acrescentar os dados referidos
propôs-lhe que assumisse o nome de João de Deus eclesial definido e sem Regra a seguir, mas com pelo primeiro biógrafo (Francisco de Castro) –
e presenteou-o com um hábito que o Santo envergou hábito, a quem deixou o seu exemplo de pobreza encontradas ocasionalmente em 1994, no Archivo
até à sua morte. Em 1542, animado por benfeitores, e hospitalidade. Passados 80 anos sobre a data da de la Diputación Provincial de Granada (ADPG),
começou a construção de um novo hospital, maior sua morte, na altura da beatificação (1630), estavam Documentación procedente del Archivo de la
que o anterior. Percorria o reino a pedir esmola por já fundados cerca de 200 hospitais e, ao tempo da Diputación Provincial de Granada, que formó parte
Andaluzia, Toledo, Salamanca e, em 1548, visitou canonização (1690), 140 anos depois da sua morte, del pleito entre los Hermanos del “Ospital de Juan
a Corte em Valladolid. Entre os seus primeiros a Ordem Hospitaleira estava presente em 225 de Dios” y “los Frayles e convento del monasterio
discípulos, contam-se Antão Martim e Pedro Velasco hospitais, com 15 províncias religiosas em vários de San gerónimo” [...], constituído por 161 fólios,
(1512-c. 1573) e mais tarde outros companheiros: continentes. Tem memória litúrgica a 8 de Março. onde das 17 testemunhas que responderam a 26
Simão de Ávila (1506-1558), Domingos Piola (1492- É uma figura ímpar da humanização e hospitalidade perguntas, 10 conheciam o Santo; na primeira e
-c. 1573), João Garcia (1499-1569) e, já depois da universal que integra a identidade portuguesa. mais importante biografia de Francisco de Castro
sua morte, S. João Grande (1546-1600), que se fez (1583), História dela vida y sanctas obras de Juã de
irmão na Ordem Hospitaleira de São João de Deus. 3. Memória histórica. Ao longo dos sécs. XVI-XXI Dios, y de la instituciõ de su orde~, y principio de su
Pouco antes de morrer, no dia 3 de Julho de 1549, foram várias as iniciativas, documentação e hospital [...] – à qual se seguiram, Miraculosa vida
arriscou a sua vida, salvando os doentes de um publicações de grande importância que permitem a y sanctas obras del Beato Patriarca Iuan de Dios
violento incêndio no Hospital Real de Granada. reconstrução de uma memória histórica ligada à Lusitano, fundador de la Sagrada Religión que cura
Conservam-se como sua única obra escrita seis Cartas, Ordem Hospitaleira. Destaca-se a iniciativa do Ir. enfermos [...], de Dionísio Celi (escrita em 1617 e
dirigidas aos seus benfeitores e candidatos a irmãos. José Bueno y Villagrán (m. 1850), último Superior publicada em 1621) e Vida y Mverte del Bendito P
O Santo era possuidor de uma caridade inesgotável Geral da Congregação Espanhola que, perante a Ivan de Dios, fundador de la orde~ de la hospitalidad
que não se confinava às tarefas ligadas ao hospital, extinção da Ordem em Espanha, enviou parte da de los pobres e~fermos [...], de António Gouveia
sentindo-se impelido a socorrer todas as misérias documentação do Arquivo Geral em Espanha para (1624); e em alguns testemunhos do seu processo
que encontrava – bebés, crianças abandonadas, de beatificação (1622-1623 e 1625), com depoi-
raparigas pobres, órfãos, viúvas, loucos, idosos, mentos de cerca de 500 testemunhas. A esta docu-
prostitutas e presos – e que agora pertenciam à sua mentação podemos acrescentar outras importantes
família. Eram-lhe reconhecidas altas virtudes, espírito pela sua datação: a assinatura do Santo “Yfo”, que
de sacrifício, inteligência perspicaz, coerência de surge em quatro das suas Cartas e num recibo
vida e extraordinária força de vontade. S. João de assinado em Granada, a 6 de Dezembro de 1548, e
Deus foi o grande inspirador de todas as obras que já mereceu diversas interpretações conjecturais
humanitárias relacionadas com a enfermagem, um – “Yo Fray 0” (zero), “Fé, Caridade, Esperança”,
dos percursores da assistência social moderna e um “Yoannes Fecit Opus” (João fez isto), “XPO”
dos maiores reformadores dos hospitais pela sua (monograma grego de Cristo), “Yo del Foro Odioso”,
prática de cuidados integrais aos doentes. Faleceu “Isabel e Fernando” (“Y” e “o” a última letra de
de joelhos aos 55 anos, com o crucifixo nas mãos, Fernando) e “E [x] C [aelis] O [blatus]” (oferecido
na madrugada de sábado, 8 de Março de 1550, na pelo Céu), sendo a última de Jorge Fonseca Jfo =
Casa dos Pisas, em Granada. Foi sepultado na Capela J(oa)o com a cruz no centro; a escritura notarial de
dos Cavaleiros Pisas no Convento de la Victoria. Foi doação de uma vinha a João de Deus, assinada
posteriormente trasladado para o seu novo hospital Azulejo no Hospital S. João de Deus, Montemor-o-Novo (AMB) aparentemente pelo Santo “Juº de Dios”, datada

175
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

de 5 de Agosto de 1542 e descoberta durante o e Colaboradores Unidos para Servir e Promover a (1978 e 1981); do P.e Henrique de Almeida, Casa
ano de 1996 no Archivo Histórico de Protocolos Vida (1992); A Nova Evangelização e a Nova de Saúde S. Rafael: Desde as Suas Bodas de Prata
Notariales de Granada; de Blasio Ortizio, o Hospitalidade (1994); de Pascual Piles, A Força da (1983); do P.e Aires Gameiro, A Ordem Hospitaleira
documento Summi Templi Toledani perque graphica Caridade (1995), João de Deus: Chamada para a de S. João de Deus nos Açores (1985) e Casa de
descriptio (1549); o Testamento de Antão Martín de Nova Hospitalidade (1996) e Deixai-vos Guiar pelo Saúde do Telhal: 1.º Centenário, 1893-1993 (1993);
Dios (1553); e o Documento do Irmão Rodrigo de Espírito (1996); e a Dimensão Missionária da Ordem de Almeida e Sá, História do Hospital Infantil de S.
Sigüenza, e memórias do Rei e do Arcebispo de Hospitaleira: Profetas no Mundo da Saúde (1997), João de Deus em Montemor-o-Novo (1990).
Granada a pedir a aprovação do instituto João de Carta de Identidade da Ordem Hospitaleira de S. João
Deus (anterior a 1571), que é a primeira descrição de Deus (08.03.2000), Caminho de Hospitalidade 4. Historial e fundação da Ordem. A origem desta
cronológica das actividades hospitaleiras dos vários Segundo o Estilo de S. João de Deus – Espiritualidade Ordem remonta a Granada, Espanha, ao ano de
hospitais, com o número de doentes, esmolas e da Ordem (2004). A destacar ainda o grande 1538-1539, quando João de Deus abriu num prédio
missão, organização dos hospitais, entre outros. historiador da Ordem, o P.e Gabriel Russotto, com da R. Lucena, junto da Porta Biba Almaçan, o primeiro
um acervo historiográfico notável, no qual se hospital, com cerca de 40 camas, dedicado à
distingue a obra fundamental San Giovanni di Dio assistência dos mais carenciados e abandonados
e il suo Ordine Ospedaliero; o irmão médico José (sabe-se ainda da existência de duas casas-abrigo
Magliozzi, outro historiador que continua a produzir que antecederam este hospital, uma situada no átrio
numerosos contributos sobre a vida e a obra de S. da casa da família Venegas (Casa de los Tiros) e
João de Deus e dos Irmãos Hospitaleiros; o Ir. Sánchez outra pertencente à mesma família, situada na
Martínez, outro grande investigador; e o Ir. Aires Pescadería). Rapidamente, a afluência de enfermos
Gameiro com vários trabalhos. aumentou e em breve o hospital deixou de ter
Em Portugal, salientam-se diversas publicações de capacidade de acolhimento pois, ao contrário do
livros, grande parte através da Editorial Hospitalidade, que era praticado nos restantes hospitais de Granada,
e a Revista Hospitalidade, uma referência nos João de Deus separava os doentes por doenças,
domínios de intervenção da Província Portuguesa, colocava um só enfermo em cada cama e não tinha
com especial evidência na psiquiatria e saúde mental. numerus clausus. O hospital foi transferido, em 1541,
A Editorial Hospitalidade tem publicado obras para uma casa comprada pela benfeitora Francisca
distribuídas em seis áreas: S. João de Deus; Ordem de Cáceres, com 200 camas e maiores comodidades,
Hospitaleira de São João de Deus; Humanização situada num antigo mosteiro de freiras de N. Sr.a
Hospitalar e Pastoral dos Doentes; Psiquiatria, Saúde dos Anjos, na Cuesta de Los Gomeles (ou Los
Mental e Enfermagem; Crescimento, Psicologia e Gomérez), na rua para a Alhambra. Francisca de
Problemas Sociais; Toxicodependência e Alcool- Cáceres tentou ainda uma ampliação com a
dependência. Destacam-se as primeiras biografias construção de uma nova ala que acabou por desabar
de S. João de Deus, uma escrita em português por em fins de 1541. João de Deus apercebeu-se que
Fr. Joseph Correia (1731), S. João de Deus Pai dos este hospital, apesar de assistir 200 doentes e
Pobres, publicada por Abílio Salgado e Anastásia necessitados, era muito pequeno e, em 1543, deu
Mestrinho Salgado em 1997; outra da Condessa de início à construção de um novo hospital, em terreno
Nova Goa, Raquel Jardim de Castro, S. João de Deus: parcialmente cedido pelos Frades Jerónimos, junto
Um Herói Português do Século XVI (1924); do P.e do seu mosteiro, o qual, edificado com as esmolas
Vitral com imagem de S. João de Deus a abençoar, Igreja-
João Gameiro, OH: Os Irmãos Hospitaleiros de S. dadas a João de Deus motivadas pela pregação de
-Hospital S. João de Deus, Montemor-o-Novo (AMB)
João de Deus em Portugal – 1606-1834 / 1893- João de Ávila, foi inaugurado a 14 de Agosto de
-1943 (1943); de Costa Brochado, S. João de Deus: 1553 com o nome de Hospital João de Deus. Ficou
A bula da primeira aprovação, de 1 de Janeiro de Homenagem de Portugal ao Seu Glorioso Filho 1550- na posse da Ordem até 1835, sendo devolvido à
1572 por S. Pio V, é outra fonte dos inícios da Ordem. -1950 (1950); do P.e Nuno Filipe, Irmãos de S. João mesma a 16 de Abril de 2007. Após a sua morte,
Nas fontes históricas fundamentais para o de Deus: 50.º Aniversário da Restauração da Província este hospital, ainda por concluir, chegou a acolher,
conhecimento do carisma hospitaleiro da Ordem, Portuguesa da Ordem Hospitaleira, 1928-1978, entre 1569-1571, mais de três centenas de doentes,
incluem-se as anteriormente referidas e outros breves (1980), e do mesmo autor, Irmãos de S. João de incluindo os soldados da Guerra das Alpujarras.
e bulas pontifícias, tais como as de beatificação e Deus: 50 Anos de Presença em Moçambique (1994); Os primeiros hospitais fora de Granada foram Madrid
canonização e as diversas Constituições. Da documen- do P.e Joaquim Chorão Lavajo, Ordem Hospitaleira (1552), Lucena (1565), Utrera (1567), Jerez de la
tação recente, publicada depois do Capítulo Geral de S. João de Deus em Portugal: 1892-2002 (2003); Frontera (1568), Córdova e Sevilha (1570).
em 1976, destacamos: de Pierluigi Marchesi, As do P. e José Nunes Dorguete, Estado Actual da Sucessivamente, os Irmãos promovem novas
Bases de uma Renovação (1982), A Humanização Província Portuguesa de S. João de Deus (para uso fundações em Espanha, na América Latina e em
na Assistência ao Doente (1981) e A Hospitalidade interno da Ordem); do P.e Nuno Filipe, Memória diversos países europeus.
dos Irmãos de S. João de Deus Rumo ao Ano 2000 Histórica: Casa de Saúde S. João de Deus, Funchal O início da Ordem Hospitaleira de São João de Deus
(1986), marco notável a servir de guia e estudo para – Madeira (1924-1999); do P.e José Torres, Casa de caracterizou-se por uma humildade e simplicidade
a prática do carisma da Ordem Hospitaleira; A Saúde S. João de Deus, Barcelos (1928-2003); do providenciais, aliadas ao espírito empreendedor e
Dimensão Apostólica da Ordem de S. João de Deus P.e Caetano Tomás, S. Rafael: Um Coração que Bate; incansável deixado por João de Deus. Até 1572 o
(1982); Constituições da Ordem Hospitaleira de S. de Joaquim Bartolomeu Flores, A Favor da Casa de suporte canónico-institucional era inexistente pois
João de Deus (1982); Declarações do LXII Capítulo Saúde de S. Rafael (1953); de Eduardo Rosado Pinto, tratava-se de uma obra carismática sem estruturas
Geral (1988); de Brian O’ Donnell, Servo e Profeta entre outros, 30 Anos do Hospital Infantil de S. João jurídicas e sem regulamento. Apoiado, contudo, na
(1990); João de Deus Continua Vivo (1991); Irmãos de Deus: Ao Serviço da Criança Diminuída Física memória de João de Deus, recebia o apoio material

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

Calibita, durante o qual o Ir. Pedro Soriano foi eleito nas Filipinas, Peru, México, Chile, África e Ásia. Em
o primeiro Superior Geral da Ordem Hospitaleira e 1602, com a criação do famoso Hospital La Charité,
foram aprovadas as primeiras Constituições para em Paris, cuja construção se deveu ao P.e Bonelli, a
toda a Ordem. A Ordem Hospitaleira tornou-se então Ordem começou a expandir-se em França, abrindo
a única ordem religiosa de irmãos leigos com os até finais do séc. XVII cerca de 40 casas nas mãos
privilégios pontifícios das ordens clericais a ser de 350 irmãos (o uso de “Padre” raramente equivale
aprovada no séc. XVI entre dezenas de outras, o a sacerdote). Na Áustria e na Alemanha, a difusão
que suscitou desde aquele momento inúmeras da hospitalidade deveu-se ao P.e Gabriel Ferrara. Em
resistências eclesiais. As primeiras pressões junto do 1605, com um hospital em Valtice, hoje República
Papa Clemente VIII aconteceram por parte de vários Checa, começou a Ordem a norte dos Alpes, dando
bispos e de Filipe II, que acabaram por levar ao progressivamente origem a casas (e mais tarde
retrocesso da Ordem a Congregação, quando no províncias) da Europa Central e Setentrional: Cracóvia
dia 13 de Fevereiro de 1592, com o Breve Ex (1609), Viena (1614), Graz (1615), Praga (1620),
omnibus, a Ordem ficou reduzida a associação pia Neuburg (1622), Bratislava (1669) e, sucessivamente,
e aos Irmãos foi negada a emissão dos tradicionais até à Hungria (1650), Silésia (1710) e Roménia (1737).
votos religiosos e permitido apenas o compromisso Por iniciativa do irmão cirurgião P.e Ferrara, a Ordem
de hospitalidade para a prestação de serviço nos fundou 22 hospitais em territórios de dez países
hospitais, sob a obediência dos ordinários do lugar. actuais e estabeleceu-se na Polónia e na Lituânia,
Os irmãos de Itália ficaram juridicamente separados nascendo em 1645 a Província Polaco-Lituana. Em
dos de Espanha, cada um com as suas Constituições 1781, os hospitais da Baviera, Prússia e Baden
e Superior Geral próprios. Esta decisão acabou por separaram-se da Província Austríaca. Durante o séc.
ser corrigida pelo mesmo papa, primeiro em Itália, XVII, a Ordem registou um grande desenvolvimento
com o Breve Romani Pontificis de 9 de Setembro de na América Latina com 52 hospitais nas Américas
1596, que devolveu à Ordem o que lhe havia sido Central e Meridional e 2 nas Filipinas, fundados
S. João de Deus com sacola, Igreja da Misericórdia, Braga (AMB) retirado. Em Espanha, a reintegração no estatuto de pelos irmãos da Província do México. Surgiram então
Ordem iniciou-se apenas a 12 de Abril de 1608, com três províncias – Espírito Santo (México), S. Bernardo
e moral do Arcebispo de Granada, D. Pedro Guerreiro, o Breve Piorum virorum de Paulo V, e consumou-se (Colômbia e Panamá) e S. Rafael (Peru e Chile). Os
de João de Ávila e de muitos benfeitores que em 1619. A 20 de Outubro de 1608, Pedro Egipcíaco Irmãos foram afastados, sucessivamente, da maioria
socorriam os pobres doentes e defendiam a (1569-1630) foi eleito primeiro Superior Geral da das obras da Ordem Hospitaleira de fins do séc. XVIII
originalidade do hospital. Passados 20 anos sobre Congregação Espanhola. A 11 de Junho de 1611, o a fins do séc. XIX, devido às leis que atingiram todas
a data da morte de João de Deus, em 1570, dois Papa Paulo V aprovou as novas Constituições e as ordens religiosas.
dos seus seguidores, os Irs. Sebastião Árias (m. 1581) confirmou o Instituto e, a 16 de Março de 1619,
e Pedro Soriano (1515-1588), empreenderam uma com o Breve Romanus Pontifex, devolveu à Ordem 5. Em Portugal. Embora a presença dos Irmãos de
viagem a Roma com o objectivo de solicitarem a a isenção plena dos bispos. A 9 de Fevereiro de 1738, São João de Deus em Portugal seja conhecida desde
aprovação pontifícia do seu modo de vida. A 1 de foi eleito Superior Geral o Ir. Alonso de Jesus y Ortega, 1580, quando exerceram no Castelo de S. Jorge,
Janeiro de 1572, após terem cuidado dos feridos na O Magno (1696-1771), com o qual a Ordem em em Lisboa, funções assistenciais aos feridos de guerra
batalha do Lepanto (1571), obtiveram do Papa S. Espanha alcançou o seu auge. Na altura da sua morte, espanhóis, considera-se 1606 o ano de fixação dos
Pio V a Bula Licet ex debito, pela qual se erigia o a Congregação Espanhola compreendia 1261 Irmãos Hospitaleiros em território nacional,
grupo de Irmãos de João de Deus em Instituto religiosos em 7 províncias: 3 em Espanha, 3 na especificamente em Montemor-o-Novo. Os Irmãos
Religioso, completando o hábito com o escapulário. América e uma em Portugal. A partir desse momento, tinham como objectivo adquirir a casa onde nasceu
Diz-se que o Papa S. Pio V, ao emitir a sua aprovação, iniciou-se a decadência da Congregação Espanhola o Fundador, desejo que ainda não tinha podido ser
exclamou: “Eis a flor que faltava no jardim da Igreja!” até à sua extinção total em 1835. concretizado até esse ano, quando os Irs. Jacinto
A 15 de Outubro de 1573, após um volumoso pro- Durante o período de 1539 a 1747, a Ordem Pérez e João López Pinheiro se transferiram para
cesso sobre a posse e os direitos ao Hospital de João Hospitaleira abriu em Espanha cerca de 50 casas. Portugal com o propósito de identificarem a casa
de Deus e sua nova designação, foi dada a sentença Em Itália, o desenvolvimento da Ordem foi rápido. onde havia nascido João de Deus, a comprarem,
do pleito entre os Irmãos Hospitaleiros e os Frades Decorridos 80 anos após a primeira fundação pelo promoverem o seu culto e edificarem uma igreja à
Jerónimos a favor dos primeiros: os Jerónimos Ir. Pedro Soriano, o Hospital de N. S.a da Vitória qual se juntaria, mais tarde, o convento-hospital
pretendiam direitos de patronato e de administração (Nápoles, 1576), os Hospitaleiros tinham já seis
sobre o hospital por este ter sido construído, em províncias em franco crescimento: Roma (com o
parte, sobre terreno doado pelos mesmos, apesar Hospital Geral, também fundado pelo Ir. Pedro
da doação ter sido feita sem condições e da Soriano, até há poucos anos a sede do governo
construção ter sido conseguida com as esmolas central da Ordem), Nápoles, Lombardia, Bari, Sicília
dadas a João de Deus e aos Irmãos. Anos mais tarde, e Sardenha, com 66 hospitais, 1800 camas, 27 469
a 1 de Outubro de 1586, o Papa Sisto V elevou o doentes-pobres assistidos e 559 irmãos. A partir de
Instituto a Ordem Regular, com a Bula Etsi pro debito, 1570, os Irmãos associaram-se ao exército espanhol
sob a Regra de S.to Agostinho, que permitiu aos com a missão de cuidar dos soldados feridos e dos
Irmãos a celebração do Capítulo Geral, a aprovação doentes e chegaram também a Cuba e ao México.
das Constituições e a eleição do Superior Geral. Em 1594, edificou-se o primeiro estabelecimento da
Meses mais tarde, entre 20 a 24 de Junho de 1587, Ordem na América Latina, em Cartagena (Colômbia).
realizou-se o Capítulo Geral no Hospital S. João No início do séc. XVII, os Irmãos estavam presentes Convento-Hospital S. João de Deus, Montemor-o-Novo (AMB)

177
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

com o mesmo nome. Estes factos coincidiram com André e N. Sr.a da Glória. Portugal foi uma província os irmãos franceses a Ordem no Reino Unido e na
a compra, em 1607, da casa onde nascera João de da Congregação Espanhola até 1790. Neste período, Irlanda, em 1880 e 1882, respectivamente. Em
Deus por João Gomes de Vasconcelos, clérigo a Santa Sé aprovou a sua separação definitiva e Espanha, em 1867, após a extinção da Ordem em
eborense de ordens menores, que posteriormente nomeou um Vigário Geral com o seu próprio 1835, começou a restauração naquele país. A
a entregou à câmara para que iniciassem a construção Definitório. O modelo hospitalar utilizado pelos Congregação Espanhola da Ordem Hospitaleira de
de um oratório e de um altar, onde se colocaria o São João de Deus vinha decaindo devido a factores
retrato do Santo, ainda não beatificado. Este lugar políticos, sociais e económicos, agravados pela
de culto, o primeiro da Ordem, localizado em invasão francesa e guerra subsequente e à secu-
Montemor-o-Novo, foi iniciado em 1623. Em 1629, larização das ordens religiosas. A Ordem Hospitaleira
foi entregue aos Irmãos a gestão de um hospital em na Península Ibérica tinha então 3 províncias em
Lisboa destinado a sacerdotes, oficiais do Exército Espanha, uma em Portugal, com hospitais em África
e nobres, situado num edifício cedido por D. Manuel e na Índia, 3 na América Latina e uma nas Filipinas.
do Campo e Távora, Conde de Óbidos, e sua mulher, A supressão começou com os reais Decretos de Julho
D. Maria Ribeira, a D. António Mascarenhas, Deão de 1835 e de 9 de Março de 1836, que limitaram
da Sé de Lisboa, e que ficou conhecido como Hospital a actividade dos institutos religiosos: a Ordem não
da Pampulha, sito na R. das Janelas Verdes, actual pôde aceitar mais postulantes, teve de recusar os
R. Presidente Arriaga. Este edifício tornou-se um recém-chegados e ficou apenas com os Hospitais
grande hospital e sede da Província Portuguesa. Em de Sevilha e de Madrid. Apesar da extinção decretada,
1638, os Irmãos Hospitaleiros integraram a armada o Ir. José Bueno y Villagrán, último Superior Geral,
luso-espanhola para o Oriente, onde estabeleceram lançou mãos à obra e, antes de morrer, tomou um
novos hospitais. Durante as Guerras da Restauração conjunto de medidas muito importantes para a
(1640-1668), os irmãos portugueses separaram-se posterior restauração: o envio de parte da
da Congregação Espanhola e conseguiram, através documentação do Arquivo Geral para o Hospital de
de um Breve expedido pelo Papa Urbano VIII, eleger Sevilha (o único que resistiu até hoje por ter estatuto
o Ir. Bento Pais como Vigário com as faculdades de especial); a recomendação por carta ao Geral da
um Geral. Por Alvará de 4 de Maio de 1645, D. João Congregação Italiana, Ir. Bento Vernò, de não
Convento-Hospital S. João de Deus, Lisboa (AMB)
IV confiou à Ordem Hospitaleira de São João de esquecer as causas de beatificação de Francisco
Deus a administração dos Reais Hospitais Militares Camacho e de João Grande e de proceder à
de fronteira, alguns já existentes, que prestavam Irmãos (com instalações de reduzidas dimensões e restauração da Congregação Espanhola quando as
apoio aos militares portugueses: Elvas (1641), Valença taxas de êxito na cura de doenças muito superiores condições o permitissem. Este último pedido foi
do Minho (1643), Olivença (1644) para além de aos outros) era visto como um exemplo para as satisfeito pelo P.e João Maria Alfieri (1807-1888),
outros. A Ordem difundiu-se pela metrópole e restantes Cortes europeias que, comparativamente, eleito Superior Geral a 19 de Maio de 1862, que
estendeu-se primeiro ao Brasil, onde os Irmãos apresentavam taxas de cura bastante mais baixas, enviou a Espanha o Ir. Bento Menni, sacerdote, que
chegaram em 1624, com a fundação do Hospital tal como nos é referido por António Ribeiro Sanches, em Dezembro de 1869 fundou no centro de
da Bahia, aos quais se seguiram os de Paraíba (1632- em 1756. Importa ainda acrescentar que, durante Barcelona o Asilo S. João de Deus, na R. Muntaner,
-1634) e de Pernambuco (1633). Depois da Batalha este período, a formação dos Irmãos era com apenas 12 camas para crianças fisicamente
de Montes Claros (1665), foram reatadas as relações pluridisciplinar, realizava-se no Convento-Hospital deficientes. A 27 de Outubro de 1876, o governo
com a Congregação Espanhola. Esta, em 1671, no de Elvas e que entre os manuais utilizados se desta- reconheceu a Associação de Enfermeiros Irmãos da
seu Capítulo Geral da Congregação de Espanha, cam a obra impressa Postilla Religiosa e Arte de Caridade, com autorização para abrir hospícios e
erigiu a Província Portuguesa com o conjunto das Enfermeiros (1741) do Ir. Fr. Diogo de Sant’Iago – hospitais em todo o território espanhol. Em Fevereiro
Casas da Ordem e comunidades existentes em o primeiro tratado de enfermagem para os Hospitais de 1877, iniciou-se em Ciempozuelos, Madrid, a
Portugal e no ultramar português – na África, no Militares e de pastoral da saúde de que há notícia construção de um grande hospital psiquiátrico
Brasil e na Índia –, dando-lhe o Beato João de Deus em Portugal – e o Suplemento de Hospitalidade masculino, equipado para as terapêuticas mais
por patrono e o Ir. Estêvão da Silva como primeiro (1801). Em 1813, poucos anos antes da extinção actualizadas, que se tornou a Casa-Mãe de toda a
Provincial. Mais tarde, a Ordem continuou a sua das ordens religiosas, os Irmãos tinham a seu cargo Ordem na Península Ibérica. A 21 de Junho de 1884,
expansão no Brasil – Recife (1689) e Cachoeira, Bahia os Reais Hospitais Militares de Almeida, Bragança, foi aprovada a erecção canónica da Província de S.
(1731) – e acabou por alcançar Moçambique e a Campo Maior, Castelo de Vide, Chaves, Elvas, João de Deus na Espanha, que contava com 120
Índia: em 1681, fixou-se na ilha de Moçambique Estremoz, Lagos, Miranda do Douro, Moura e Valença irmãos e 5 casas. Em 1890, Bento Menni restaurou
com a gestão do Hospital da Fortaleza; em 1685, do Minho. Desde a fundação da Ordem até à sua a Ordem em Portugal e, em 1905, no México. Em
na Índia com a fundação do Hospital de Goa, extinção, o incremento da assistência e cuidados 1920, a Ordem, a partir de Espanha, regressou à
seguindo-se o de Baçaim (1686), o de Diu (1687) e hospitalares fornecidos pelos Irmãos esteve Colômbia e estendeu-se a outros países latino-
o de Damão (1695). Em 1745, existiam mais de 130 fortemente ligado às campanhas militares. A 28 de -americanos. Em relação à Ordem na Itália, a 7 de
irmãos portugueses e 11 hospitais em Portugal, dos Maio de 1834, o decreto de extinção originou a Julho de 1866, com a unificação italiana, foi
quais nove eram militares. Em 1763, o P. e João apropriação dos bens pelo Estado e a consequente declarada extinta e os seus bens nacionalizados pelo
Bautista de Castro, no Mapa de Portugal Antigo e delapidação de muitos deles. governo. Os Irmãos continuaram nos seus hospitais,
Moderno, referindo-se à relação dos Reais Hospitais como enfermeiros ou como administradores, sob a
Militares que existiam no reino sob a administração 6. Restaurações da Ordem. Em França, a Ordem, denominação de Associação Hospitaleira Laical.
dos Irmãos Hospitaleiros, registou a existência de suprimida pela Revolução Francesa em 1789, foi A Ordem compreendia um total de 50 hospitais e
20 hospitais que invocavam S. João de Deus e de restaurada, logo em 1824, pelo P.e Paul de Magallon de 352 religiosos. A Ordem ficou unificada em 14
3 com a invocação de N. Sr.a da Conceição, St.º (1784-1859), antigo oficial de Napoleão, fundando de Setembro de 1888 com a integração da nova

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

de Deus: Irmãs de São João de Deus; Hospitaleiras


do Sagrado Coração de Jesus; Irmãs de São Rafael
que trabalham nalgumas casas da Ordem na Baviera,
Alemanha; Irmãozinhos do Bom Pastor, fundados
nos Estados Unidos da América, em 1961, pelo ex-
-irmão de S. João de Deus, Matias Barret, presentes
também em vários centros em Inglaterra, Irlanda e
Canadá; Irmãzinhas dos Pobres, França; Irmãs da
Caridade de São João de Deus, fundadas na Índia
pelo Ir. Fortunato, natural da Silésia, Polónia; e Irmãs
Missionárias de São João de Deus, Belém (Brasil).

7. A extinção e restauração da Ordem em


Real Hospital Militar, Ponte de Lima (AMB) Portugal. Os tumultos sociopolíticos e culturais que
assombraram a Europa também se fizeram sentir
Província de Espanha à Congregação Italiana, dei- em Portugal, principalmente a partir do despotismo
xando de existir congregações. Na Hungria, após a iluminado do Marquês de Pombal, do terramoto de
libertação do domínio turco, iniciaram-se novas 1755, das Invasões Francesas (1807-1810), com o
fundações em Vác (1777), Pécs (1796) e Budapeste advento do Liberalismo (1820) e da Guerra Civil
(1806). A Província da Baviera retomou igualmente (1832-1834). Em 28 de Maio de 1834, o decreto
vigor com a restauração a partir da Casa de Neuburg de exclaustração do Ministro Joaquim António de Azulejo na Casa de Saúde do Telhal (AMB)
an der Donau pelo Ir. Eberhart Hack, que recebeu Aguiar declarava a supressão, em Portugal e nas
do Rei Ludovico I autorização para o restabelecimento suas colónias, de todas as ordens e congregações
da Ordem 28 anos após a sua supressão (1831). religiosas, sem excepção, originando a extinção total sede no Telhal, com a finalidade de prestar assistência
Durante a I Guerra Mundial, a Ordem, nos países a da Ordem Hospitaleira em Portugal. A restauração aos homens alienados. Após a morte de Bento Menni,
norte dos Alpes, passou por inúmeras dificuldades, da Ordem em Portugal ficou a cargo do P.e Bento a Ordem continuou a praticar a mesma estratégia,
retomando o normal funcionamento após essa guerra Menni, que possuía já a experiência em Espanha e fundando em 1922 a Sociedade La Salud, em 1930
até à II Guerra Mundial. Na Polónia, na República em Itália. A restauração iniciou-se a 1 de Julho de La Renascente e, em data incerta, El Iris. Na revolução
Checa e na República Eslovaca, a Ordem perdeu a 1890, quando Bento Menni enviou de Espanha a de 1910, os irmãos vestidos de seculares, receando
liberdade de acção sob os regimes comunistas que Portugal, por solicitação do Cardeal Patriarca de uma expulsão, puseram a salvo os vasos sagrados,
nos dois últimos países dispersaram muitos irmãos Lisboa, D. José Neto, quatro irmãos hospitaleiros os ornamentos e os hábitos e aguardaram nos seus
e impediram a formação doutros. Só em 1989, após que se instalaram no antigo Convento de S.ta Marta, postos. Os irmãos da Casa de Saúde do Telhal
a queda do Muro de Berlim e o fim dos estados na altura hospício para sacerdotes idosos, onde se estiveram fortemente ameaçados e, só quando Bento
comunistas, os poucos irmãos sobreviventes puderam mantiveram até 31 de Dezembro de 1892. Neste Menni fez valer a sua origem italiana, com o hastear
dedicar-se com alguma liberdade às suas actividades ano, fundou, no Concelho do Sabugal, um asilo da bandeira italiana no edifício e com a mudança
e apenas em alguns dos seus antigos hospitais. Na infantil, denominado Colégio de Aldeia da Ponte, para um nome italianizante Villa de S. João de Deus,
Roménia e na Jugoslávia, a Ordem, que desapareceu onde os Irmãos estiveram até 1897. Em 1893, a a situação ficou parcialmente resolvida. Ficaram
durante o regime comunista, ainda não está Casa de Saúde do Telhal, em Rio de Mouro (Sintra), proibidos de ter Noviciado e só a partir de 1921 a
reactivada por falta de irmãos. Por outro lado, já a foi a primeira fundação estável para doentes mentais, Ordem pôde novamente dedicar-se à formação dos
partir dos anos 40 do séc. XX, a Ordem registou que se tornou o berço da Ordem em Portugal e a irmãos, com a reintrodução do Noviciado em
grande desenvolvimento em países de missão: na Casa-Mãe da futura Província Portuguesa, onde Portugal, usando o hábito apenas na missa. A Casa
África, na Ásia e na Oceânia. E a partir da década funcionou a sua sede até 1997, altura em que foi de Saúde do Telhal foi o ponto de partida para a
de 70, sob o impulso do Superior Geral Pierluigi transferida para Lisboa, R. S. Tomás de Aquino, n.º expansão da Ordem Hospitaleira pelo território
Marchesi, promoveu-se a renovação e humanização, 20. O Noviciado foi estabelecido no Telhal, em 1898, português. Surgiram novas fundações: em 1922, a
com reflexão aprofundada e atenção especial às interrompido em 1910 por Afonso Costa e refundado Casa de Saúde S. João de Deus, no Trapiche
novas necessidades e às consequências da evolução em 1921. Teve um bloco cirúrgico (1935) e mais (Madeira), em 1927, a Casa de Saúde S. Rafael, em
da sociedade. Criaram-se fundações na Espanha tarde uma clínica cirúrgica com 20 camas (1953- Angra do Heroísmo (Terceira – Açores) e a Casa de
(Fundação João Cidade) e em Itália (AFMAL), e outras -1954) e uma Escola de Enfermagem, oficializada em Saúde S. João de Deus, em Barcelos. Em 1927, foi
organizações semelhantes na Áustria, na Alemanha 1936, para irmãos e colaboradores. Em consequência erecta canonicamente a Delegação Geral de Portugal.
e na Irlanda, para, mediante a recolha de fundos, do Decreto de 18 de Abril de 1901, que permitia A 1 de Maio de 1928, o Capítulo Geral realizado
promover a investigação, a formação, a assistência apenas a existência das ordens religiosas sob a forma em Roma declarou a erecção canónica da Província
e a cooperação técnica nos campos sanitário e social de Associações, os irmãos hospitaleiros da Casa de Portuguesa de S. João de Deus. De 11 a 14 de Junho
com países de missão. Foi implementado o desenvol- Saúde do Telhal inscreveram-se como membros da de 1928 foi celebrado o primeiro Capítulo Provincial
vimento humano, a qualidade de vida, a prevenção, Associação dos Irmãos Hospitaleiros de São João de da Província Portuguesa restaurada, sendo eleito
o tratamento e a reabilitação dos que sofrem de Deus, uma associação de carácter religioso e de como primeiro Provincial o Ir. Júlio (José) dos Santos.
doenças, de alcoolismo, de droga ou de qualquer beneficência, com Estatutos integrados em 18 artigos No mesmo ano, foi fundada a Casa de Saúde S.
outro tipo de marginalização e pobreza. A partir do publicados no Diário do Governo de 1901, a partir Miguel, em Ponta Delgada (Açores). Em razão da
séc. XIX, por influência e contactos dos irmãos, do n.º 237 de 21 de Outubro. Bento Menni fundou Concordata entre a Santa Sé e o Governo Português,
surgiram do tronco Joandeíno institutos religiosos em 1909 – à semelhança das implementadas em de 7 de Maio de 1940, a 22 de Janeiro de 1944 a
inspirados no carisma da hospitalidade de S. João Espanha – a Sociedade Anónima La Philorate, com província alcançou o reconhecimento civil como

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

Pessoa Colectiva Religiosa Missionária pelo despacho cirurgia e ortopedia, medicina física e de reabilitação, tados, serviram de base para serem relançados e
da Direcção Geral de Administração Política e Civil, e prestação de cuidados em geriatria e aos sem- aprovados em 2006 com o nome de Fundação São
nos termos do art. 38 Decreto-Lei 31.207 de 5 de -abrigo” (Estatutos, art. 2.º). João de Deus, uma ONGD. Em 2002, foi criada a
Abril de 1941. Nos anos 40, a Ordem estabeleceu- Durante a década de 60, a expansão da Ordem Hospitalagro – Produção e Comercialização de
-se em Moçambique com o Hospital Psiquiátrico Vila continuou com o Hospital de S. João de Deus, em Produtos Agrícolas e Pecuários – com o objectivo
Luísa, Marracuene (1943), a Missão Gafaria do Alto Divinópolis, Minas Gerais – Brasil (1966); em 1967, de explorar as propriedades e quintas das Casas de
Molocué (1944), e a Leprosaria Missão de Naueia, em Angola, na gerência da secção de Psiquiatria do Saúde do Telhal (Sintra) e de S. José (Areias de Vilar).
em Angoche (1945), e, no Brasil, em 1947, para Hospital Central Maria Pia, em Luanda (de onde Em 2003, abriu o Centro de Acolhimento Temporário
gerir um lar de sacerdotes, a Casa do Padre. saíram em 1972, e de Angola em 1975, altura da S. João de Deus, em Sintra, com protocolo de dois
O período iniciado em 1950, com as comemorações Independência da ex-colónia portuguesa); em anos, que foi extinto em 2005; e, em 2004, os
do IV centenário da morte de S. João de Deus e Moçambique abriram a Clínica Psiquiátrica S. Rafael, Irmãos chegaram a Timor-Leste, dando resposta a
inauguração do Hospital Infantil S. João de Deus em Nampula (1968) e no Brasil, o Lar S. João de um pedido da igreja timorense para uma
(desde 2004 sem a denominação “Infantil”) em Deus, em Itapaiva – Petrópolis (1969). Em 1982, foi presença/intervenção na área da saúde mental com
Montemor-o-Novo, período que se prolongou até fundada em Portugal a Residência S. João de Deus, a fundação da missão Irmãos S. João de Deus, em
1979, foi marcado por uma forte actualização em Fátima. Nos anos 90, foi ainda fundada, no Laclubar.
assistencial e de prestígio, iniciando a publicação de Brasil, a Casa de Saúde S. João de Deus, em Pirituba, Importa frisar, então, que S. Bento Menni (Ângelo
O Irresponsável em Angra, e O Arauto Ergoterápico S. Paulo (1990); e benzida a primeira pedra do Centro Hércules, Milão, 11 de Março de 1841 – Dinan, 24
no Telhal. Houve ampliações em Angra do Heroísmo, Cultural e Social S. João de Deus, em Lisboa (1990), de Abril de 1914), foi irmão sacerdote da Ordem
Barcelos, Funchal, e Telhal; introdução de novos para sede da província (1967), onde, numa ala para Hospitaleira de São João de Deus, restaurador da
tratamentos em psiquiatria; conquista de renome idosos, abriu a Residência S. João de Ávila (1998). Ordem reformada, segundo a Encíclica Ubi primum
internacional da Casa de Saúde do Telhal; actividades de Beato Pio IX de 17 Junho de 1847, em Espanha,
literárias, artísticas e sociais do centro sociocultural, Portugal e México, e fundador da Congregação
antecessor do Grupo Esperança (surgido nos anos das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus.
70 e reanimado nos anos 80) e a publicação da
Folha do Grupo Esperança. Houve também novas 8. Constituições. Podemos distinguir dois grandes
fundações: no Brasil, a Clínica Cirúrgica S. João de períodos: desde as origens até 1850 e desde o P.e
Deus, Rio de Janeiro (1952); em Moçambique, a Alfieri até aos nossos dias. Durante o primeiro
Leprosaria Missão de Namaíta (1955); em Portugal, período, destaca-se: em 1583, tentativa de formular
a Casa de Saúde S. José, em Areias de Vilar (1957); as Constituições; em 1585, Constituições para o
e em Moçambique, o Hospital Psiquiátrico de Infulene Hospital de Granada; em 1587, Constituições para
(1958), substituindo, para os homens, o de Vila Toda a Ordem; em 1589, Constituições do Segundo
Luísa, Marracuene. Os anos 60 e 70 ficaram marcados Capítulo Geral; em 1596, Primeiras Constituições da
por algumas mudanças marcantes – Concílio do Congregação Italiana; em 1611, Constituições para
Vaticano II (1962-1965), Maio de 1968 em França, a Congregação Espanhola em vigor até à extinção
a Guerra Colonial (1961-1974), a emigração, a baixa da Ordem em Espanha, com algumas novas edições
de natalidade, o 25 de Abril de 1974, a lei italiana e variantes em 1640 e 1741; e, em 1616, Novas
de saúde mental 180/78, o movimento da antipsi- Constituições da Congregação Italiana em vigor até
quiatria e da desinstitucionalização – que tiveram à reunificação da Ordem, com algumas correcções
fortes consequências na diminuição de candidatos da tradução do latim, em 1718. Durante o segundo
e na saída precipitada de dezenas de irmãos entre período, destaca-se: em 1885, Constituições para
1968-1975. Em contrapartida, os Campos de Férias Toda a Ordem; em 1926, Constituições Novas,
S. João de Deus, com jovens vocacionáveis, come- reimpressas em 1950; em 1971, Constituições “ad
çaram em 1979, vindo a dar origem ao Movimento experimentum”, com as novas directrizes do Concílio
da Juventude Hospitaleira em 1988. O Instituto São do Vaticano II; e, em 1984, as Constituições hoje
João de Deus foi criado pela Província Portuguesa S. João de Deus com doente às costas, Montemor-o-Novo (AMB) utilizadas por toda a Ordem.
da Ordem Hospitaleira de São João de Deus
(11.11.1977) e os seus Estatutos aprovados por 9. Outros santos da Ordem e figuras históricas
despacho do ministro dos assuntos sociais, publicado De 1980 a 2006, pode falar-se de um período de mais relevantes. S. João Grande (Sevilha, 6 de
no Diário da República, n.º 288, II Série, p. 11410, inovações na organização, humanização, pastoral Março de 1546 – 3 de Junho de 1600) foi o pioneiro
com as características de Pessoa Colectiva de Utilidade da saúde e reabilitação psicossocial, marcado pela da humanização na aproximação da morte, segundo
Pública Administrativa, a 9 de Dezembro de 1977. fundação de algumas novas casas e projectos e pela o estilo do seu pai espiritual, S. João de Deus. Fundou
Posteriormente, foi enquadrado na legislação que publicação de dezenas de títulos da Editorial o Hospital da Candelária, em Jerez de la Frontera,
rege as Instituições Particulares de Solidariedade Hospitalidade (histórias das Casas, actas de ao qual se juntariam os hospitais de Medina Sidonia,
Social (Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro congressos de psiquiatria e de encontros, entre ou- Sanlúcar de Barrameda, Arcos de la Frontera, Puerto
de 1983). É um Instituto de gestão dos oito estabele- tros). Chegaram a ser elaborados os Estatutos da de S.ta Maria e Villamartín. Foi beatificado a 13 de
cimentos hospitalares e assistenciais da província, Fundação Cidade Aberta, a criar pela Província Novembro de 1853, e canonizado a 2 de Junho de
em Portugal, “prosseguindo fins de saúde, de Portuguesa como “uma instituição de solidariedade 1996 pelo Papa João Paulo II. S. Ricardo Pampuri
assistência, de reabilitação e de reinserção social, social [...] com objectivos nas áreas da saúde e da nasceu em Trivolzio (Pavia), a 2 de Agosto de 1897,
nomeadamente, nas seguintes valências: psiquiatria solidariedade social”, no âmbito do ideário da e faleceu em Milão, a 1 de Maio de 1930. Em 1949
e saúde mental, alcoologia, toxicodependência, Província Portuguesa, que, não tendo sido implemen- foi aberto o processo de canonização, no dia 4 de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

Outubro de 1981 foi declarado beato e, a 1 de o P.e Gabriel Russotto, no seu livro San Giovanni di de Deus, capelão, autor de diversos livros, tradutor
Novembro de 1989, foi inscrito no catálogo dos Dio e il Suo Ordine Ospedaliero (1963), destaca entre das Cartas de João de Deus e da biografia de S.
santos. S. Bento Menni foi solenemente beatificado irmãos médicos e cirurgiões: Gabriel Ferrara (Itália), João de Deus de Francisco de Castro; Ir. Cândido
a 23 de Junho de 1985 pelo Papa João Paulo II e Alonso Pabón (Espanha), Bernardo Fyrtram (Áustria), (Aires) da Costa (1913-2005), que esteve à frente
canonizado pelo mesmo papa a 21 de Novembro José Lopez de la Madera (Espanha), Constantino da Escola de Enfermagem e da Clínica Cirúrgica do
de 1999. Scholz (Silésia), Ambrósio Guivebille (Áustria), Lázaro Telhal; P.e Manuel Nogueira (1927-2003), enfermeiro,
Nobel (Alemanha), Matias del Carmen Verdugo Mestre de Noviços, Mestre de Escolásticos, capelão
(Chile), Miguel Isla (Colômbia), Probo Martini e professor de Escolas de Enfermagem da Ordem e
(Alemanha, República Checa, Silésia), Bertrando de Lisboa, que escreveu livros sobre enfermagem e
Schroeder (Áustria), Norberto Boccius (Hungria, educação e que, desde 1974 e durante 31 anos,
República Checa), Manuel Chaparro (Chile), Ludovico exerceu missão hospitaleira e missionária em
Perzima (Polónia), Eliseu Talochon (França), Odilone Moçambique, onde foi Mestre de Noviços (em
Wolf (República Checa), Justo Sarmiento (América), Nampula) e onde esteve preso por duas vezes nas
Fausto Gradischeg (Áustria), Juan Luís Portalupi prisões da FRELIMO.
(Itália), Benedetto Nappi (Itália), Celestino Opitz
(República Checa), Prosdocimo Salerio (Itália), Celso 10. Reconhecimentos honoríficos, condecorações
Broglio (Itália), João de Deus Sobel (Silésia), Francisco e louvores. Em muitos países, a Ordem Hospitaleira
de Sales Whitaker (Irlanda e Inglaterra); entre tem recebido inúmeros reconhecimentos públicos e
farmacêuticos e botânicos: Agustin Stromayer
(República Checa), Inocêncio Monguzzi (Itália), Ottavio
Ferrario (Itália), Gallicanio Bertazzi (Itália), Anastácio
Peliccia (Itália), António Matias dell’Orto (Itália); e
entre dentistas: João de Deus Pelizzoni (Itália) e
Giovani Battista Orsenigo (Itália).
Entre os irmãos anteriormente referidos destacamos
ainda: na Colômbia, no séc. XVIII, Miguel de Isla,
médico catedrático de Medicina que foi o restaurador
da Faculdade de Medicina da Universidade do
Rosário; no Chile, Manuel Chaparro, que introduziu
o método de inoculação (vacina) para controlar uma
devastadora epidemia de varíola entre 1765 e 1772;
Vitral com imagem de S. João de Deus a abençoar,
e Ottavio Ferrario que, em 1821, descobriu o
Cripta S. João de Deus, Montemor-o-Novo (AMB) iodofórmio, apesar de a descoberta ser atribuída a
um francês, e foi ele, em 1822, a primeira pessoa
em Itália a extrair a quinina. Sobre a história recente
Merecem referência também os Beatos Mártires da da Ordem, contribuíram de modo significativo os
Hospitalidade. Durante os anos 1936-1939, ocorreu Superiores Gerais Ephrem Blandeau (França), Moisés
em Espanha uma sangrenta perseguição religiosa Bonardi (Itália), Igínio Aparício (Espanha), Maria
provocada pela grande revolta das forças ateístas e Alfonso Gauthier (França), Pierluigi Marchesi (Itália),
dos milicianos. Neste confronto a Igreja já reconheceu Brian O`Donnell (Austrália) e Pascual Piles (Espanha).
S. João de Deus com romã, colunata em Fátima (AMB)
71 mártires da Ordem Hospitaleira (64 espanhóis e No que se refere a Portugal, durante a província
7 colombianos) dos 98 que deram a vida em defesa moderna, destacam-se: P.e Augusto Carreto de Barros
da Fé, dos pobres, dos doentes e dos necessitados. (1876-1963), primeiro Mestre de Noviços em privados, e Portugal não é excepção. Um dos
De entre os irmãos hospitaleiros que se notabilizaram Portugal, primeiro Conselheiro Geral e Procurador primeiros reconhecimentos públicos notáveis terá
nos valores da hospitalidade destacam-se, além dos Geral da Ordem em Roma (1940-1946); Ir. Elias de sido, provavelmente, os Alvarás de D. João IV, de 4
já referidos, os veneráveis: os que têm as suas causas Almeida (1885-1966), um dos pioneiros da restau- de Maio de 1645 e de 1646, pelos quais foram
de beatificação já iniciadas como Francisco Camacho ração da Ordem em Portugal, segundo Conselheiro, entregues aos Irmãos Hospitaleiros, para adminis-
(Peru), Antão Martín (Espanha), José Olallo Valdés Delegado Geral, primeiro Conselheiro Provincial e tração, cerca de duas dezenas dos Reais Hospitais
(Cuba), Eustáquio Kugler (Alemanha) e um outro Superior do Telhal; Ir. Júlio (José) dos Santos (1888- Militares no Reino. A 4 de Outubro de 1950, a
grupo de mártires (23 espanhóis e um cubano). -1982), fundador da Revista Hospitalidade (1936), Ordem recebeu a Grã-Cruz da Ordem de
Alguns irmãos distinguiram-se pela sua virtude e Superior do Telhal (1920-1928, 1940-1946), Benemerência como reconhecimento honorífico a
santidade, como Pedro Pecador (Espanha), Pedro Conselheiro do Delegado Geral (1926-1928) e sete toda a Província Portuguesa pelos relevantes serviços
Soriano (Itália), Rodrigo de Sigüenza (Espanha), Pedro vezes Superior Provincial (1928-1956 com interrupção prestados. O P. e Augusto Carreto de Barros foi
Egipcíaco (Espanha), Óscar Jaime Valdés (Cuba), entre 1940-1946); Ir. Sinforiano (João) Lucas Feijão agraciado com a Comenda da Ordem de
William Gagnon (Canadá-Vietnam), e ainda o irmão (1890-1949), mártir da hospitalidade; Ir. António Benemerência, por ocasião dos seus 50 anos de
restaurador Paul de Magallon (França). (Francisco de Jesus) de Lisboa (c. 1900-1935), mártir profissão religiosa (28 de Maio de 1945); o Ir. Júlio
Quanto aos irmãos (segundo o uso tratados por da hospitalidade; P.e João Gameiro (Alexandre) (1910- (José) dos Santos, com a Comenda de Benemerência
padres) que se distinguiram pelo contributo dado -1987), director e professor da Escola Apostólica, (11 de Março de 1950) e a Medalha da Câmara
às ciências médicas nos sectores da Medicina, Mestre de Noviços em Barcelos e Nampula, Presidente Municipal da Guarda a título póstumo (2003); e o
Cirurgia, Farmacologia, Botânica e Estomatologia, da Comissão do IV Centenário da Morte de S. João Ir. Manuel Fernandes Pimenta, com a Comenda de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

Mérito no Funchal pelo Presidente da República (10 dos enfermos: enfermos, deficientes, pobres,
de Junho de 1985). meninos, mortos, camas e salas de hospital; como
patrono dos enfermeiros: qualquer uma das
11. Padroeiros, devoções, missão e objectivos, anteriores, carregada sobre os seus ombros ou braços;
carisma, simbologia e iconografia, quotidianos, instrumentos de sofrimento: coroa de espinhos,
formação, meios de sustentação, processos de disciplina, coração, hábito, crucifixo, porco e demónio;
eleição e nomeação, organização hierárquica, 4) com relação simbólica com alguma frase ou
enquadramento institucional e estrutura atitude: romã, coroa de espinhos, cruz e coração.
organizativa. A Ordem Hospitaleira tem como Em relação aos atributos, Larios dá alguns exemplos
padroeiros a Virgem Maria, S.to Agostinho e S. Rafael que divide em duas tipologias: atributos derivados
Arcanjo. Como missão apostólica, dedica-se ao ser- da própria biografia de santo hospitaleiro, como
viço da Igreja na assistência aos doentes e aos crucifixo, coroa de espinhos, romã, porco, chamas
necessitados, com preferência pelos mais pobres e de fogo, etc., e atributos derivados do desenvolvi-
à sua evangelização através da promoção de obras mento da Ordem e da devoção ao santo, como
e organizações de saúde e/ou sociais, que prestem escudo da Ordem, hábito hospitaleiro, bandeja,
uma assistência integral à pessoa humana. Tem como maqueta de igreja, livro, etc.
principal objectivo viver e manifestar o carisma do As imagens e símbolos mais associados a S. João
amor misericordioso e da hospitalidade em todo o de Deus são: S. João de Deus de cajado ajoelhado
mundo, sem discriminação de nação, raça, religião perante o crucifixo (a primeira); a romã semi-aberta
ou classe social, segundo o exemplo de S. João de encimada por cruz e estrela inserida em escudo com
Deus, cooperando na edificação da Igreja, servindo coroa; S. João de Deus com cruz dupla ou tripla,
a Deus e ao homem que sofre. Outros objectivos com doentes, com coroa de espinhos ou com o lava-
S. João de Deus com um louco,
são a santificação dos seus membros pela observância -pés ao doente; Nossa Senhora a entregar o Menino
Misericórdia de Castelo Branco (AMB)
dos três votos essenciais de castidade, pobreza e Jesus a S. João de Deus; S. Rafael; o cajado e a
obediência, aos quais se adiciona o voto especial de alcofa de S. João de Deus; e as siglas Yfo (assinatura
hospitalidade, e pela observância da Regra de S.to ou logo do Santo) e OH (Ordem Hospitaleira). fidelidade ao carisma e à missão da Ordem e
Agostinho e das Constituições da Ordem. Os Irmãos têm como actos quotidianos a celebração secundar a acção do Espírito Santo (o agente principal
O seu carisma reflecte-se no dom do Espírito que diária da Eucaristia em comum com a Liturgia de da formação) nos candidatos. O tempo de formação
os leva a configurar-se com o Cristo compassivo e Laudes e de Vésperas, a dedicação de, pelo menos, está dividido em duas grandes fases: a formação
misericordioso do Evangelho, que passou por este uma hora por dia à meditação e à leitura espiritual, inicial e a formação permanente. A formação inicial
mundo fazendo o bem a todos “e curando toda a a oração comunitária e pessoal e a leitura e meditação é composta pelo: pré-Postulantado (período de
espécie de doenças e enfermidades”, sendo que em das Sagradas Escritura, das Constituições e demais preparação para o Postulantado, mediante o
virtude deste dom ficam consagrados pela acção do escritos da Ordem. Desde o seu início, a Ordem tem conhecimento mais directo da Ordem e a ajuda no
Espírito Santo, para uma missão eclesial em favor mantido um constante interesse pela formação discernimento vocacional); Postulantado ou pré-
dos pobres e dos necessitados. daqueles que decidem viver segundo o estilo e o -Noviciado (período de preparação imediata para o
Os sinais da identidade dos Irmãos Hospitaleiros são espírito do Fundador. Qualquer etapa da formação Noviciado, que deverá ter a duração de pelo menos
a Romã, a Estrela e a Cruz. Iconograficamente, S. do irmão de S. João de Deus tem a abrangência seis meses, em que o candidato aprofunda o
João de Deus tem vindo a ser representado com que as Constituições e os Estatutos Gerais prescrevem discernimento da sua própria vocação); Noviciado
diferentes objectos e atributos, analisados por Juan para toda a Ordem Hospitaleira, tendo em conta as (tempo de experiência profunda do encontro pessoal
Miguel Larios Larios no seu último livro, San Juan condições de cada tempo e lugar e a fidelidade à com Deus, com a comunidade e com o homem que
de Dios: La Imagen del Santo de Granada (2006). Igreja e às suas normas. A formação deve ser sofre, com a duração de dois anos; a admissão é
Larios identifica quatro tipos de objectos: 1) relacio- realizada num centro criado para o efeito e deve feita pelo Provincial, com o consentimento do seu
nados com a profissão ou condição social: como favorecer, promover e desenvolver nos futuros irmãos Conselho, e só é válida se o primeiro ano for com-
Fundador de uma Ordem Religiosa – cruz patriarcal, os valores humanos, cristãos e religiosos de acordo pletado numa casa legitimamente designada para
livro e tinteiro, maqueta de igreja e galhardete; como com a identidade hospitaleira. Os candidatos deverão esse fim – acabado este período, e depois de
santo – nimbo, auréola e diadema; como religioso ter uma formação integral, sólida e permanente e averiguada a vocação, o noviço liga-se à Ordem
– hábito, disciplina, inimigos da alma, virtudes (fé, obedecer a determinados critérios: boa saúde física pelos votos temporários e, no acto da profissão,
esperança e caridade), relógio de areia, rosário, e psíquica; idoneidade intelectual, moral e espiritual; recebe o hábito); e o Escolasticado (período de
crucifixo, caveira; como hospitaleiro – todo o género aptidão para viver em comunidade; atitude de formação entre a primeira profissão e a profissão
de seres desvalidos, “capacha” (alcofa ou “ceira”, abertura e de serviço perante a dor e as necessidades solene, que ajuda à progressão na perfeição e na
feita normalmente de esparto com uma trança do do próximo; capacidade de tomar decisões coerentes; caridade e a atingir um grau de maturidade humana
mesmo material, usada para trazer ao ombro ou a e nível adequado de educação na Fé e de abertura e espiritual que lhes permita compreender e viver a
tiracolo com o objectivo de recolher e transportar à acção de Deus na sua vida. São responsáveis pela sua consagração na Ordem). Terminado este período,
bens), cajado e escova, hospital e salas de hospital, formação os irmãos nomeados pelo Superior Maior, os irmãos podem pedir a consagração a Deus pela
coração sangrante, alimentos, pão e moedas (esmola); que tenham uma boa experiência no apostolado profissão solene (após um período de preparação),
2) relacionados com milagres ou feitos impossíveis: hospitaleiro, que sejam professos de votos solenes pela qual os irmãos se consagram definitivamente
coroa de espinhos, Menino Jesus, Virgem Maria e e que sigam determinados parâmetros como: possuir à Ordem, no serviço dos doentes e dos necessitados.
S. João Evangelista, S. Rafael e S. Gabriel, anjos, equilíbrio pessoal e a preparação humanística e A formação permanente dura toda a vida. A admissão
chamas de fogo, romã, crucifixo e porco; 3) teológica suficiente; manter-se abertos à acção de à profissão solene é feita pelo Provincial, com o
relacionados com o patronato exercido como patrono Deus na sua própria vida; estimular o amor e a consentimento do seu Conselho e a licença do Geral.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

Os meios de sustentação da Ordem dependem convocado pelo Geral ou pelo Vigário Geral e celebra- Irmãos de São João de Deus exerceu-se no domínio
fundamentalmente do trabalho dos irmãos, das -se em cada seis anos ou no final do triénio, se houver da assistência em geral e, mais especificamente, na
esmolas de fiéis, de heranças, de legados e de necessidade de eleger o Geral. O Capítulo Provincial assistência aos feridos de guerra. A saúde mental
donativos. O sustento das obras assistenciais é celebra-se em cada triénio e é convocado pelo Geral. assim como a ortopedia pediátrica, por sua vez,
garantido, quando possível, através da integração Em 2006, estavam constituídas em Portugal as adquiriram grande relevância apenas nos sécs. XIX
na rede local dos serviços de saúde públicos de cada seguintes comunidades: Angra do Heroísmo, Barcelos, e XX, após a restauração da Ordem. Nos sécs. XV-
país e, quando isto não é possível, através do apoio Fátima, Funchal, Lisboa, Montemor-o-Novo, S. -XVI, em Portugal, a evolução no campo da saúde
financeiro dos benfeitores, com a promoção de Miguel, Telhal e Vilar de Frades. já apresentava avanços significativos através de
campanhas, recolha de fundos e pela constituição algumas medidas pioneiras: a obra reformadora das
de ONGD. Os meios que a Ordem destinou 12. Medicina e Hospitalidade, Psiquiatria, Misericórdias (1498), idealizada pela Rainha D. Leonor,
expressamente ao apoio da sua acção nos países Enfermagem e Cuidados de Saúde em Portugal. que colocara o país alguns séculos à frente do resto
em vias de desenvolvimento são: organismos da Em finais do séc. XIX, S. João de Deus foi escolhido da Europa (por exemplo, o modelo do Hospital Real
Cúria Geral ao serviço das missões (Secretariado das para Patrono dos hospitais e dos enfermos devido de Todos-os-Santos, em Lisboa, terá servido de base
Missões, Ufficio Missioni e Escola de Espiritualidade à acção continuada em favor dos mais necessitados ao Hospital de Los Gomeles); a assistência aos feridos
e Missiologia de Roma); e organismos interprovinciais e ao espírito caritativo que demonstrou ao herdar, em guerra e a constituição de uma rede para
ou provinciais (CIAL OH (Comissão Interprovincial inovar e praticar o carisma da hospitalidade assistência e apoio aos exércitos, no seguimento
de Animação Latino-Americana), CIPAP (Comissão (anteriormente verificado com a Ordem do Espírito dos célebres hospitais das legiões romanas
Interprovincial da Ásia-Pacífico), Fundação Juan Santo e a Ordem Militar de São João de Jerusalém, (Valetudinarium); e a medicina militar entregue aos
Ciudad (ONGD), Associação com os Irmãos de São actual Ordem de Malta), tornando-a num forte Irmãos de São João de Deus, por decisão de D. João
João de Deus para os Doentes Distantes (Associazione modelo a seguir pelas gerações vindouras. De facto, IV e por proposta do Conselho de Guerra (1645).
con i Fatebenefratelli per i Malati Lontani – AFMAL S. João de Deus foi pioneiro em diversos domínios A partir do séc. XIX (1867), todos os hospitais
– uma ONG), AFaR (Associazione dei Fatebenefratelli da sociedade: na organização hospitalar, com a fundados na Ordem demonstravam já um carácter
per la Ricerca, Associação dos Irmãos de São João separação dos doentes segundo as suas diferentes especializado particularmente em dois ramos, a
de Deus para a Investigação), Sociedade para o patologias – doentes infecciosos, cirúrgicos e mentais; psiquiatria e a ortopedia infantil: o Pavilhão S. José
Desenvolvimento São João de Deus na Irlanda, o na criação de um novo modelo de assistência (1918-1920), situado na Casa de Saúde do Telhal, foi
Departamento para o Desenvolvimento São João de hospitalar, a raiz dos modernos hospitais; nas noções considerado o melhor serviço da Europa para pessoas
Deus na Coreia, a Fundação S. João de Deus em de contágio e de infecção, ao colocar um doente com doença mental. Esta casa aperfeiçoou métodos
Portugal, entre outros). em cada cama; nos cuidados de higiene através do reconhecidamente eficazes e vanguardistas para a
Quanto ao processo electivo, requer-se que estejam asseio dos doentes; no tratamento privilegiado aos época: ergoterapia sistemática, terapêuticas
presentes pelo menos dois terços daqueles que doentes mentais; na aproximação dos extremos da convulsivantes e leucotomias, sob a orientação do
devem ser convocados, que as votações sejam sociedade (os ricos e os pobres); na psiquiatria; na Professor Egas Moniz, uso de psicofármacos,
secretas, e que se considere eleito aquele que tiver enfermagem; na ortopedia infantil e na cirurgia psicoterapia e reabilitação psicossocial; e em
obtido a maioria absoluta dos votos daqueles que ortopédica. Em Portugal, no passado, a acção dos Montemor-o-Novo, nos anos 60-70 do séc. XX, foi
estão presentes. A estrutura orgânica é a de um só inaugurado o Serviço de Hidroterapia, uma área em
instituto religioso, dividido em Províncias, Vice- que o hospital tem a sua referência a nível nacional
-Províncias, Delegações Gerais e/ou Delegações por possuir ginásio, electroterapia, hidroterapia,
Provinciais e Comunidades Locais, cada uma com a piscinas, oficinas ortopédicas, sapataria de calçado
devida autonomia para a realização de tarefas ortopédico, serralharia para ortóteses e próteses
relacionadas com a formação dos candidatos, do para amputados, sendo o único hospital em Portugal
governo das obras apostólicas e da prática da com todas estas valências.
hospitalidade joandeína. As Constituições e os
Estatutos Gerais prevêem três níveis de governo e 13. Hábito. João de Deus envergava habitualmente
organizações institucionais: o Governo Geral, o vestes muito humildes, pois trocava-as constan-
Governo Provincial e o Governo Local. O governo temente com os pobres que encontrava, e andava
de toda a Ordem faz-se pelo Capítulo Geral, quando de cabeça descoberta. A tradição refere que um dia
é convocado pelo Superior Geral com os Definido- a sua aparência mudou após uma audiência com o
res/Conselheiros Gerais que colaboram com o Superior Bispo de Tuy, D. Sebastião Ramirez de Fuenleal. Este
Geral, formando juntamente com ele o Definitório ofereceu-lhe uma vestimenta que o mesmo aceitou
Geral. O governo de cada província é constituído e envergou até à sua morte. Os autores não são
pelo Superior Provincial, como Superior Maior, unânimes quanto à constituição e cores deste trajo
assistido por quatro Definidores/Conselheiros. Cada que constava de uma jorga de fazenda de lã (túnica
comunidade de irmãos tem um Superior e, à frente pouco talhada e apertada por uma correia) branca
de cada obra apostólica, um Director Local. O poder e parda ou, como Fr. Nicolau de Santa Maria referiu
é exercido de modo extraordinário pelo Capítulo na Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes de
Geral sobre toda a Ordem, pelo Capítulo Provincial St.º Agostinho, era constituído por uma jorga toda
sobre cada província e pelo Capítulo Local sobre cada parda, túnica, bentinho e capelo. Foi só após a morte
comunidade; de modo ordinário pelo Geral, pelo do Santo que o fidalgo Rodrigo de Sigüenza, então
Provincial ou pelo Superior Local, cada um dentro Superior dos irmãos de Granada, mandou a Roma
dos limites da sua própria competência, coadjuvados S. João de Deus com um doente ao colo, o Ir. Sebastião Árias solicitar ao Papa Pio V uma
pelos respectivos Conselhos. O Capítulo Geral é Cuz Vermelha, Lisboa (AMB) licença para que os seus religiosos usassem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

escapulário e assim se distinguissem dos outros que Vietname/N. Sr.a do Espírito Santo (Vietname), 2 com oito casas em Portugal Continental: Casa de
imitavam o seu modo de trajar para esmolar. Esta comunidades; Província Africana/N. Sr.a da Mise- Saúde do Telhal, em Algueirão/Mem Martins
licença foi concedida, segundo consta, na Bula do ricórdia (Camarões, Gana, Serra Leoa, Zâmbia, (instituição psiquiátrica fundada, erecta e inaugurada
dia 1 de Janeiro de 1572. Desde essa data até aos Quénia e Libéria), 9 comunidades; Delegação Geral por S. Bento Menni, a 29 de Junho de 1893, cuja
dias de hoje, o hábito dos irmãos tem-se mantido de S. Ricardo Pampuri (Togo e Benim), 4 comu- finalidade é psiquiatria, alcoologia, toxicodependência
quase inalterável: túnica talar, cingida por uma correia nidades; Província da Índia/S. Tomé Apóstolo e reabilitação); Casa de Saúde S. João de Deus, em
e escapulário, a que está unido um capuz de forma (Índia), 4 comunidades; Província Coreana/S. Dae Barcelos (adquirida a 2 de Setembro de 1927 e
mais arredondada que alongada, tudo de cor preta. Gun Kim (Coreia e China), 4 comunidades; e fundada pelo Ir. Elias Pereira de Almeida, com erecção
Delegação Geral S. Bento Menni (Senegal e canónica a 4 de Janeiro de 1928 e inauguração a
14. Casas e membros da Ordem (1572-2007). Os Moçambique), 4 comunidades. Em 2007, a Ordem 10 de Março de 1928, e cuja finalidade é psiquiatria,
Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus, a 1 de Hospitaleira encontrava-se nos seguintes países (entre alcoologia, psicogeriatria e reabilitação); Hospital S.
Junho de 2007, eram cerca de 1300 nos 50 países parênteses indicar-se-á, sempre que possível, para João de Deus, em Montemor-o-Novo (terreno
de 5 continentes, 220 comunidades de irmãos, em cada país a data da casa mais antiga em fun- adquirido pelo Ir. Cassiano Maria Natal a 22 de
23 províncias religiosas, 5 delegações gerais, 6 cionamento e o número de casas existentes em Dezembro 1943, com erecção canónica a 30 de
delegações provinciais. Têm a gestão de 292 obras 2007): na Europa – Alemanha (1622, 16 casas), Agosto de 1947 e inauguração a 3 de Outubro de
apostólicas, com uma acção que se complementa Áustria (1614, 14 casas), Espanha (1574, 46 casas), 1950 (finalidade: ortopedia, pediatria cirúrgica,
com mais de 40 000 colaboradores, cerca de 5000 França (1836, 6 casas), Hungria (1778, uma casa), cirurgia da coluna, cirurgia geral, cirurgia plástica e
voluntários e mais de 300 000 benfeitores- Inglaterra (1880, 31 casas), Irlanda (1882, 18 casas), reconstrutiva, cirurgia vascular, oftalmologia,
-colaboradores. No mesmo ano, a Ordem Hospitaleira Itália (1584, 21 casas), Polónia (1611, 27 casas), otorrinolaringologia, medicina física e de reabilitação;
de São João de Deus estava articulada da seguinte Portugal (1893, 9 casas), República Checa (1605, 4 e oficinas ortopédicas); Casa de Saúde S. José, em
forma: Cúria Geral (2 comunidades em Roma e uma casas), República Eslovaca (1669, 2 casas), Ucrânia Barcelos – o Ir. José Joaquim Fernandes comprou a
na Cidade do Vaticano); Província Lombardo- (1997, uma casa) e Cidade do Vaticano (1874, uma Quinta do Convento de Vilar de Frades a 28 de
-Veneta/S.to Ambrósio (Itália Setentrional e Israel), casa); na América – Argentina (1941, 3 casas), Bolívia Janeiro de 1957 para uma Casa de Saúde com
14 comunidades; Província Romana/S. Pedro Apóstolo (1884, 8 casas), Brasil (1962, 3 casas), Canadá, ergoterapia (inauguração a 4 de Abril de 1957 e
(Itália Centro-Meridional e Filipinas), 8 comunidades; Colômbia (1929, 9 casas), Cuba (1942, 4 casas), erecção canónica a 21 de Outubro de 1957;
Província Francesa/S. João Baptista (França e Ilhas Chile (1929, 2 casas), Equador (1967, 2 casas), finalidade: psiquiatria e psicogeriatria com ocupação
Maurícias), 7 comunidades; Província Austríaca/S. Estados Unidos (1945, 7 casas), Honduras, México ergoterápica); a Sede da Província Portuguesa da
Miguel Arcanjo (Áustria, Hungria e Eslováquia), 16 (1905, 4 casas), Peru (1952, 8 casas) e Venezuela Ordem Hospitaleira e do Instituto São João de Deus,
comunidades; Província da Baviera/S. Carlos Borromeu (1942, 3 casas); em África – Benim (1970, 2 casas), em Lisboa, que tem anexa a Residência S. João de
(Alemanha e Japão), 10 comunidades; Delegação Camarões (1970, 2 casas), Gana (1956, 2 casas), Ávila (transferência canónica a 27 de Março de 1997
Geral da Silésia/S. Carlos Borromeu e S.ta Edviges Quénia (2003, uma casa), Libéria (1963, 2 casas), e inauguração da Residência S. João de Ávila a 1
(parte da Polónia), 6 comunidades; Província Malawi (1994, uma casa), ilhas Maurícias (1976, de Junho de 1998; finalidade: geriatria e unidade
Andaluza/N. Sr.ª da Paz (Espanha), 15 comunidades; uma casa), Moçambique (1943, uma casa), Senegal de apoio integrado); Centro de Acolhimento
Província Boémia-Morávia/S. Rafael Arcanjo (República (1995, uma casa), Serra Leoa (1967, 2 casas), Togo Temporário S. João de Deus, Colares (inaugurado a
Checa), 4 comunidades; Província Polaca/N. Sr.a da (1964, uma casa), Zâmbia (1986, uma casa); na Ásia 30 de Junho de 2003 e fechado em 2005; foi uma
Anunciação (Polónia e Ucrânia), 13 comunidades; – China (2005, uma casa), Israel (1882, uma casa), iniciativa dos Irmãos de S. João de Deus, em parceria
Província Portuguesa/S. João de Deus (Portugal, Brasil Japão (1962, 3 casas), Vietname (1993, 2 casas), com várias entidades, particularmente o ACIME –
e Timor-Leste), 12 comunidades; Província Coreia do Sul (1960), Índia (1969, 6 casas), Filipinas Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
Aragonesa/S. Rafael Arcanjo (Espanha), 12 comu- (1988, 3 casas) e Timor Leste (2004); na Oceânia – – para albergar 50 utentes, entre imigrantes e
nidades; Província Castelhana/S. João de Deus Austrália (1952, 3 casas), Nova Zelândia (1968, 4 cidadãos nacionais em situação de emergência
(Espanha), 15 comunidades; Província Irlandesa/N. casas) e Papua-Nova-Guiné (1993, uma casa). humanitária, durante um período médio de 30 dias,
Sr.a da Conceição Imaculada (Irlanda, Estados Unidos A Província Portuguesa de S. João de Deus, da qual podendo chegar até aos três meses de permanência).
da América e Malawi), 7 comunidades; Delegação fazem parte a Delegação Provincial do Brasil e a Nas regiões autónomas, a Ordem conta com uma
Geral do Canadá/N. Sr.a das Mercês (Canadá), 3 Obra Apostólica de Timor-Leste, celebrou, em 2006, casa na Madeira: Casa de Saúde S. João de Deus,
comunidades; Província Colombiana/N. Sr.a do Bom os 400 anos de presença dos irmãos em Portugal e no Funchal (fundada pelo Ir. Manuel Maria Gonçalves
Conselho (Colômbia), 7 comunidades, Província da sua hospitalidade joandeína. Actualmente conta a 1 de Janeiro de 1922; erecção canónica a 10 de
Inglesa/S. ta Beda Venerável (Inglaterra), 2 Outubro de 1922 e inauguração a 10 de Agosto de
comunidades; Província da Ásia Austral/Sagrada 1924; finalidade: psiquiatria, alcoologia, psicogeriatria
Família (Austrália, Nova Zelândia e Papua-Nova e reabilitação); 2 nos Açores – Casa de Saúde S.
Guiné), 5 comunidades; Província dos Estados Rafael, em Angra do Heroísmo (instituição psiquiátrica
Unidos/N. Sr.a Rainha dos Anjos (Estados Unidos da fundada em 1927 por diligências da União Familiar
América), 3 comunidades; Delegação Geral – Associação de leigos e Irmãos –, e pelo principal
Renana/Sagrada Família (Alemanha), 3 comunidades; impulsionador, o Dr. Joaquim Bartolomeu Flores, o
Província da América Latina Setentrional/Patrocínio clínico “pioneiro da psiquiatria local”; erecção
de N. Sr.a e do Venerável P.e Francisco Camacho canónica a 30 de Novembro de 1926 e inauguração
(Equador, Peru, Venezuela), 9 comunidades; Província a 28 de Outubro de 1927; finalidade: psiquiatria,
do México-América Central/N. Sr.a de Guadalupe alcoologia, toxicodependência e reabilitação); Casa
(México, Cuba e Honduras), 6 comunidades; Província de Saúde S. Miguel (foi cedida condicionadamente
América Latina Meridional/S. João de Ávila (Argentina, à Ordem Hospitaleira a 22 de Maio de 1983;
Bolívia e Chile), 8 comunidades; Província do Igreja dedicada a S. João de Deus, Lisboa (NM) finalidade: psiquiatria, psicogeriatria, alcoologia,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS HOSPITALEIROS

toxicodependência e reabilitação). Quanto ao Brasil, Fixe (1934-1949); Ecos do Telhal (1934, número in Revista Cidade Solidária, n.º 16, Lisboa, SCM,
a ordem conta com ;3 ) Casas: em Divinópolis (MG), o único); A Luz do Telhal (1934, número único); Revista 2006, pp. 68-73; BORGES, Augusto Moutinho, “Irmãos
Hospital S. João de Deus, criado pela Ordem Romã (Angra do Heroísmo); Boletim Familiar e de São João de Deus. 229 Anos de Hospitalidade
Hospitaleira e pela Fundação Geraldo Corrêa a 11 de Hospitalar e, mais tarde, Boletim Informativo exclusivo no Império Português 1606-1835”, in Revista
Outubro de 1962 (iniciou a sua actividade a 3 de aos Irmãos (1951-1998); O Arauto (1955), mais tarde Hospitalidade, (número especial), Lisboa, OHSJD,
Novembro de 1966), e a comunidade anexa ao O Arauto Ergoterápico e a seguir O Arauto de S. Fev. 2006, pp. 11-15; BORGES, Augusto Moutinho,
Hospital S. João de Deus (erecção canónica a 27 de João de Deus; Recomeçar jornal local (Casa de Saúde, “Reais Hospitais Militares de S. João de Deus e a
Julho de 1963; finalidade: hospital geral); em Itaipava S. João de Deus – Barcelos). Actualmente, existem Defesa do Alentejo”, in Revista Almansor: Colóquio
(Petrópolis-RJ), o Lar S. João de Deus (erecção canónica as seguintes revistas: Hospitalidade, revista trimestral O Tempo de São João de Deus – História e Cultura,
a 5 de Março de 1969; começou a funcionar a 8 de (desde Março de 1936); A Postilla, jornal local; O n.º 5, 2.a Série, Câmara Municipal de Montemor-o-
Março de 1970; finalidade: geriatria); e em S. Paulo, Irresponsável (desde 1955 – na Casa de Saúde de -Novo, 2006, pp. 73-86; BORGES, Augusto Moutinho,
Pirituba, a Casa de Saúde S. João de Deus (erecção S. Rafael); O Hospitaleiro, jornal local, na Casa de “Relíquias de S. João de Deus em Portugal: A imagem
canónica da comunidade: 6 de Junho de 1987; iniciou Saúde de S. Miguel (desde 1998); O Joandeíno, relicário da Santa Casa da Misericórdia de Braga”,
a sua actividade a 8 de Março de 1990; finalidade: jornal local, na Casa de Saúde de S. João de Deus, in Revista Misericórdia de Braga, n.º 2, 2006, pp.
psiquiatria). Em Timor-Leste, a ordem conta com a Funchal (desde 2001). 205-228; CAPÍTULO GERAL E GOVERNO GERAL DA ORDEM
Missão Timor-Leste (8 de Março de 2004). HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS, Nova Hospitalidade
16. Datas contemporâneas importantes. no 63.º Capítulo Geral, Lisboa, Ed. Hospitalidade,
15. Publicações periódicas. As publicações periódicas Distinguem-se as seguintes datas: IV Centenário da 1995; CARVALHO, Augusto da Silva, “S. João de Deus:
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cias; Província Castelhana – Hermanos Hospitalarios; -2003); 70 Anos da revista Hospitalidade (1936- -o-Novo, 1982; CASTRO, Raquel Jardim de, S. João
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Revista Hospitalidade, (número especial), Lisboa, Fev. Centenário”, in Revista Hospitalidade, n.º 196, M ARTÍNEZ , José Sánchez, oh, “En torno a la
2006, pp. 16-20; GAMEIRO, Aires, oh, “João Cidade: Lisboa, OHSJD, 1986; GAMEIRO, Aires, oh, “Instável Construcción del Hospital San Juan de Dios de
A Identidade Portuguesa e a Dimensão Universal de e Santo: Tentativa de análise psicológica”, in Revista Granada”, Sep. Monjes y Monasterios Españoles –
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186
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS IRMÃOS DE JESUS

1985; PINTO, Eduardo Rosado, “Hospitais Ortopédicos IRMÃOS DE JESUS para além das competências militares e de geógrafo
e Progressos Devidos à Ordem de São João de Deus”, Os Irmãos de Jesus são uma Congregação de Direito descobridor. O seu reencontro com a Fé foi-se dando
in S. João de Deus: Homenagem de Portugal ao Seu Pontifício, de nome oficial Petits Frères de Jésus (PFJ). devido ao contacto com a Fé dos muçulmanos,
Glorioso Filho 1550-1950, Lisboa, Bertrand, 1950, Conhecidos em Portugal também por Irmãos de mantido no continente africano, mais propriamente
pp. 205-219; POLÓNIO, Pedro, “A Ordem de S. João Jesus do Padre Foucauld (IJ), fazem parte da grande na Argélia. Aí começou a interrogar-se sobre a pos-
de Deus na Assistência Psiquiátrica”, Sep. Revista família espiritual reunida em torno da memória de sível existência de Deus, ao ver este povo virado
Acção Médica, n.os 58-59, Lisboa, Out. 1950-Mar. Charles de Foucauld. Esta família conta actualmente todos os dias, várias vezes por dia, para Meca, em
1951; PORTO, João, “S. João de Deus e a Ordem com 11 congregações religiosas (Petites Sœurs de oração. Também a grande amizade que tinha pela
Hospitaleira na História da Medicina”, Sep. Estudos, Jésus, Petites Sœurs de l’Évangile, Petites Sœurs de sua prima, a Sr.ª Bondy, mulher inteligente, discreta,
n.º 317, Coimbra, 1953; POSTULAÇÃO GERAL DA OHSJD, Nazareth, Petites Sœurs du Cœur de Jésus, Petites muito culta e profundamente cristã, ajudou em muito
Irmãos de S. João de Deus: Hospitalidade e Santidade, Sœurs du Sacré-Coeur, Petits Frères de Jésus Caritas, o seu reencontro com a Fé católica.
Lisboa, Ed. Hospitalidade, 2002; PROVÍNCIA PORTUGUESA Petits Frères de Jésus, Petits Frères de l’Évangile, Corria o ano de 1886 quando Foucauld se confessa
DA ORDEM HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS, Declarações Petits Frères de l’Incarnation, Petits Frères de la Croix, e comunga na igreja parisiense de S.to Agostinho,
do LXV Capítulo Geral: Documentação, Lisboa, Ed. Petits Sœurs de l’Incarnation) e com 8 associações na sequência do seu simples pedido ao P.e Huvelin
Hospitalidade, 2001; R EDRADO , José L. (coord.), de vida espiritual (Comunitat de Jésus, Fraternité para ser instruído na temática das religiões. Após a
Dimensão Apostólica da Vida e Obra de S. João de Charles de Foucauld, Fraternité Jésus Caritas, conversão, vem preparando a sua vida religiosa.
Deus: Secretariado Internacional de Pastoral da Saúde Fraternité Sacerdotale Jésus Caritas, Fraternité Entre Dezembro de 1888 e Janeiro de 1889, viaja
– Cúria Geral, Mem Martins, Ed. Revista Hospitalidade, Séculière Charles de Foucauld, Groupe Charles de até à Terra Santa e, em Nazaré, sente-se profun-
1984; REIS, Carlos Vieira, “Hospital da Estrela ou Foucauld, Institut des Frères Serviteurs, Union-Sodalité damente ligado à vida do humilde trabalhador que
Estrelinha”, in História da Medicina Militar Portuguesa, Charles de Foucauld). era Jesus. Após um período junto dos monges
vol. I, Estado-Maior do Exército, 2004, pp. 573-598; Ainda quando frequentava o seminário em Paris, trapistas em França e na Síria, retirou-se para junto
REIS, Carlos Vieira, “Hospital de São João de Deus”, René Voillaume (n. 1905) sentiu-se inspirado pela das Clarissas, novamente em Nazaré, e aí perma-
in História da Medicina Militar Portuguesa, vol. I, vida e pelos escritos de Charles de Foucauld. Em neceu durante cerca de três anos como moço de
Estado-Maior do Exército, 2004, pp. 555-568; conjunto com um grupo de sete seminaristas e recados destas irmãs. Ainda que tenha abraçado o
RUSSOTTO, Gabriele, oh, Origine ed Evoluzione del imbuído das ideias transmitidas no livro de René sacerdócio após este período (no dia 9 de Maio de
Voto di Ospitalità dei Fatebenefratelli, Roma, Ufficio Basin, intitulado Charles de Foucauld: Explorateur 1901, em Viviers – França), acaba por regressar à
formazione e studi dei Fatebenefratelli, 1978; du Marroque, Ermite au Sahara, o P. e Voillaume Argélia. A criação de uma Fraternidade começava
RUSSOTTO, Gabriele, oh, San Giovani di Dio e il suo esteve na base da fundação dos Irmãos de Jesus. a tomar forma em território argelino. Charles reunira
Ordine Ospedaliero, 2 vols., Roma, Edizioni dell Ufficio O dia 8 de Setembro de 1933 viu nascer esta nova uma comunidade monástica em Beni-Abbès, a qual
Formazione e Studi dei Fatebenefratelli, Roma, 1969; Congregação Diocesana em Paris e em El Abiodh, denominou de Pequenos Irmãos do Sagrado Coração
SÁ, Almeida e, História do Hospital Infantil S. João na Argélia. de Jesus. Esta foi, sem dúvida, a semente da Obra
de Deus em Montemor-o-Novo: Nossa Contribuição, Para a espiritualidade dos Irmãos de Jesus muito que germina hoje em torno da sua memória. A sua
Mem Martins, Ed. Hospital, 1990; SANCHES, António contribuiu também Jacques Maritain no início da acção junto dos Tuaregues foi notável. Ao estabelecer-
Ribeiro, Tratado da Saúde dos Povos, Lisboa, s.n., década de 70. Maritain, filósofo convertido ao -se definitivamente em Tamanrasset, a partir de
1756; SANTOS, Juan, oh, Chronología Hospitalaria y Cristianismo no início do século XX, casado com 1905, o P.e Foucauld fez-se companheiro deste povo,
Resumen Historial de la Sagrada Religión del Glorioso Raïssa Maritain, foi um pilar fundamental da aprendeu a sua poesia, os seus cantares e os seus
Patriarca San Juan de Dios, 2.a ed., vols. I/II, Madrid, Fraternidade na dimensão intelectual, filosófica e costumes e evangelizou, ao traduzir a Palavra de
1977 (1.a ed. 1715-1716); SÃO JOSÉ, Bernardino de, teológica. Inspirados naqueles que estiveram na base Deus para a língua tuaregue. A sua dedicação a esta
oh, “Fundação e Desenvolvimento da Ordem da sua fundação e estruturação, os Irmãos de Jesus comunidade e à causa da sua cultura desenvolveu
Hospitaleira de São João de Deus”, in S. João de pretendem seguir os passos de Jesus em Nazaré, estreitos laços fraternos entre ele e este povo. Quando
Deus: Homenagem de Portugal ao seu Glorioso Filho sempre à semelhança da conduta de vida de Charles a guerra estalou na Europa, em 1914, e a situação
1550-1950, Lisboa, Bertrand, 1950, pp. 111-142; de Foucauld. de guerrilha no Saara se agravou, Foucauld esteve
SECRETARIADO PERMANENTE DA CNIR, Ordens Religiosas Charles de Foucauld nasceu a 15 de Setembro de sempre atento às fraquezas da comunidade em
Masculinas em Portugal, Lisboa, Gráfica de Coimbra, 1858, em Estrasburgo. A sua infância ficou marcada que estava inserido, tendo até construído um
1964; SILVA, Manuel Ferreira da, et alii, Hospitalidade pela morte dos seus pais em 1864, tendo então pequeno forte em Tamanrasset, onde acolhia todos
com S. João de Deus no Coração da História, Jornadas ficado à guarda do seu avô materno, juntamente os necessitados. Era o dia 1 de Dezembro de 1916,
de História: Comunicações – Informações, Lisboa, com a sua irmã. A sua formação na juventude passou quando acabou por morrer às mãos de um grupo
Rei dos Livros, 1994; SILVA, Manuel Ferreira da (coord.), pelo ensino liceal em Nancy e pela Escola dos Jesuítas de guerrilheiros do próprio povo ao qual tanto se
“No Mundo de S. João de Deus: S. João de Deus de Paris. Prosseguiu os seus estudos integrado na dedicou. Foi beatificado, em Roma, a 13 de Novem-
no Mundo – Uma Vida, Uma Obra, Uma Missão”, Escola Militar de Saint Cyre, para onde entra em bro de 2005.
in Jornadas de História no Quíntuplo Jubileu das 1876. A carreira bélica foi vivida em excessos e em Tal como as restantes congregações e instituições
Ordens Hospitaleiras 1990-1995, Lisboa, Rei dos indisciplina, acompanhada pela perda total da Fé. da família espiritual que integram, os Irmãos de
Livros, 1992; VIEITES, José Ignacio Fernández de Viana Contudo, Charles não deixou de ser um militar Jesus, vivem intensamente a memória de Charles de
y, et alii, Cartas de San Juan de Dios, Madrid, valoroso, ao serviço dos regimentos por que passou Foucauld. O seu carisma centra-se, fundamen-
OHSJD/Fundación Juan Ciudad, s.d. até 1882 (Saint Cyre e escola de cavalaria de Saumur) talmente, na forte ligação a Deus e na experiência
e nos lugares para onde foi destacado (Pont-à- de uma vida dedicada a Ele e aos homens. Integrados
AIRES GAMEIRO -Mousson e Argélia). Foi, então, neste ano que no seio da sociedade, têm uma vocação puramente
AUGUSTO MOUTINHO BORGES decidiu abandonar o serviço militar e fazer-se contemplativa, à maneira de Jesus em Nazaré, e não
JOSÉ NUNES DORGUETE explorador do Norte de África. Passou por Marrocos, têm qualquer tipo de actividade apostólica. Cada
SARA MORAIS SARAIVA DE ANDRADE pela Argélia e pela Tunísia, mas algo mais o movia, irmão é apenas uma presença no mundo, vivida

187
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS IRMÃOS DO CAMPO

Regiões e em cada Região existe um Regional. Michel Épagneul nasceu no dia 21 de Julho de 1904
Em Portugal, os Irmãos de Jesus entraram em Puy-Notre-Dame. Filho de pequenos comerciantes,
oficialmente a 28 de Fevereiro de 1974. Contudo, desde cedo que depara com a descrença do pai na
já entre 1967 e 1969, três irmãos, vindos de França, religião, ao contrário da mãe, que era uma profunda
acorriam periodicamente a Setúbal. Estudavam em devota. Apesar disso, conseguiu realizar a sua vontade
Toulouse e nas férias de Verão vinham trabalhar para de seguir uma vida consagrada e entrou para o
o porto de Setúbal e para o B.º Casal das Figueiras. seminário em Issy-les-Moulineaux, no ano de 1925,
A escolha desta cidade foi propositada, pois, à data, permanecendo lá até 1930. É ordenado Padre aos
esta era uma cidade industrial, fortemente operária, 26 anos e aos 31 entra na congregação dos
onde a Igreja não estava muito implantada. Setúbal Dominicanos. Foi destacado, pelo Prior de Saulchoir,
ainda não era diocese e dependia da administração para substituir o assistente eclesial da Juventude
episcopal de Lisboa. Hoje, continuam a prestar serviço Agrária Cristã (conhecida pela sigla JAC), que fora
à comunidade sadina dois irmãos de Jesus, o Ir. Henri tomado como prisioneiro pelos nazis. Neste grupo,
Marcel Boulard e o Ir. Luís Sousa Coutinho. Da família entrou em contacto com Robert Naret (que seria,
espiritual de Charles de Foucauld estão igualmente posteriormente, um dos primeiros Irmãos Missionários
presentes em Portugal as Irmãzinhas de Jesus. do Campo) e conheceu, na JAC feminina, Ghislaine
A fraternidade portuguesa esteve durante cerca de Aubé, que viria a ser a fundadora da congregação
25 anos ligada a Espanha, por isso integrava a cha- feminina, as Irmãs do Campo.
mada Região de Portugal-Espanha. Mais tarde, em Em Janeiro de 1943, Michel-Dominique, já com 39
Carlos de Jesus (I) 1995, passa a estar directamente ligada à Fraternidade anos, estando em Côte d’Or, junto das Irmãs
Geral, integrando posteriormente a Região de França, Dominicanas, foi inspirado a criar uma congregação
à qual agora pertence, e ao seu Regional. masculina que servisse as aldeias do seu país. Uma
entre o trabalho manual no meio dos homens e Quanto a edições periódicas, os Irmãos de Jesus vez que o mundo rural francês não estava
mulheres e a vida de oração junto a Deus, na publicam um boletim informativo semestral, Les Petits evangelizado, o seu objectivo era, ao criar um
Eucaristia. Vivem em pequenas comunidades de 2, Fréres de Jésus: Nouvelles Périodiques pour les Amis instituto independente dos outros, vivendo uma
3 ou 4 irmãos. São contemplativos, mas fora do des Fraternités, conhecido entre os Irmãos por Diários. Regra própria, evangelizar as pessoas e os grupos
convento. Identificam a sua clausura com o trabalho desses lugares. No dia 5 de Março, tendo concluído
simples e manual. Não usam hábito por sentirem BIBLIOGRAFIA: Impressa: A ÏSSA , Milad, Em que o seu projecto, entregou-o ao Bispo de Meaux.
que junto das comunidades leigas onde actuam o Acreditava Carlos de Foucauld, Lisboa, Edições A 10 de Julho, consegue reunir quatro companheiros
hábito deverá estar sempre no seu coração. Paulistas, 1985; Anuário Católico de Portugal 2007, e a Congregação só é oficialmente aprovada seis
Para se integrar na Fraternidade, cada jovem terá [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal anos depois, no dia 2 de Outubro de 1949, na
de, obrigatoriamente, experimentar algumas etapas Portuguesa, 2007, p. 843; BAZIN, René, Charles de Catedral de Meaux. Épagneul ascende a cargo de
de formação. A primeira delas passa por um primeiro Foucauld: Explorateur du Maroc, Ermite au Sahara, Prior Geral até Março de 1961.
e breve contacto com a vivência da Congregação. Préface du Cardinal Paul Poupard, Bruyères-le-Chatel, Considerando que estes Irmãos deveriam adequar-se
Terá de ser um homem já maduro, preferencialmente Nouvelle Cité, 2003 [reedição da 1.ª ed. de 1922]; às condições de vida das pessoas com as quais
com o serviço militar cumprido e sempre com mais E SCUDIER , Richard, Carlos de Foucauld: O Irmão contactassem, assumindo uma proposta comunitária
de 20 anos. Segue-se o Postulantado, no qual, durante Universal, Apelação, Paulus Editora, 2006; FOUCAULD, e apoiando-se na sua religiosidade, Épagneul sintetiza
ano e meio, o postulante se deverá integrar na Charles de, Gritar o Evangelho, Braga, Editorial num texto, datado de 1959, aquilo que deveria ser
sociedade local. Já durante o Noviciado, cada jovem Franciscana, 2004; GOMES, Manuel Saturino da Costa, o carisma destes religiosos: participar na vida comuni-
é acompanhado pelo mestre de noviços e é instruído, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 130; tária, através da sua vida, do seu exemplo (no trabalho
mais profundamente, no conhecimento de Jesus, JESUS, Irmãzinha Annie de, Carlos de Foucauld: Na diário), evangelizando o mundo rural, com maior
para que consiga, no final deste tempo, “fazer Senda de Jesus de Nazaré, Lisboa, Editora Rei dos incidência nos que estão mais afastados da Fé cristã
verdade de si próprio”. Esta fase compreende também Livros, 2002; LAFON, Michel, Orar 15 Dias com Carlos ou menos evangelizados, nos que são mais pobres.
cerca de um ano e meio, após o qual se fazem os de Foucauld, Apelação, Paulus Editora, 2005; SERPETTE, Durante os primeiros anos, num determinado período
votos temporários. Entre os votos temporários e os Maurice, Foucauld no Deserto, Prefácio de José de tempo, estes Irmãos fazem o Noviciado e depois
votos perpétuos, cada irmão passa por um tempo Manuel Pereira de Almeida, [Lisboa], Fundação Ajuda têm um período de formação, humana e religiosa
de provação, que poderá compreender um período à Igreja que Sofre, 2002. Digital: www.charlesdefou (formação bíblica, teológica e, em alguns casos,
de quase dois anos, durante os quais se procura uma cauld.org/fr/pfjesus_fr.htm. profissional). Vivem em comunidades com o intuito
vivência enquadrada na sociedade. No final deste de verificar as suas aptidões, seguindo o carisma
percurso, cada irmão está preparado para professar SUSANA MOURATO ALVES dos Irmãos Missionários do Campo. Este tempo de
os votos de castidade, pobreza e obediência e para descoberta não está direccionado para uma
integrar, de modo definitivo, a Congregação. antecipação da vida religiosa consagrada, mas é
Quanto ao funcionamento interno da Instituição, de IRMÃOS DO CAMPO considerado um tempo de vida em plenitude. A sua
6 em 6 anos é eleito um Corpo Directivo constituído O nome oficial desta Congregação de Direito formação compreende ainda cursos de trabalho, de
por um Padre Prior e por três Assistentes. Esta eleição Diocesano, e de votos simples, é Irmãos Missionários língua, entre outros.
é sempre assumida em Capítulo Geral. Em Outubro do Campo, cuja sigla é IMC. Conhecidos por Irmãos Épagneul morre em 1997, no dia 8 de Outubro, no
de 2008 realizou-se o Capítulo Geral da Congregação. do Campo, foram fundados em França, La Houssaye- mesmo mês em que foi fundada a sua Congregação.
Actualmente, a Fraternidade Geral dos Irmãos de -en-Brie, no dia 3 de Outubro de 1943, pelo P.e Michel- Houve outros irmãos que se destacaram, nomeada-
Jesus encontra-se estabelecida em Bruxelas. Em todo -Dominique Épagneul, que consagrou a Instituição mente: Ir. Louis Burseau, primeiro diácono permanente
o mundo, os Irmãos de Jesus estão divididos em à S.ta Virgem Maria, no seu mistério de Anunciação. nos IMC, e Ir. Léon Taverdet, que foi nomeado Bispo.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS IRMÃOZINHOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS

campo: Pedro foi o primeiro a fixar residência em Em parceria com os Amigos, os Irmãos e Irmãs do
Portugal, em 1974. Seguiram-se-lhe Eugénio, em Campo publicaram no país A Semente (boletim que
1976; Julião, em 1981; Miguel, em 1988; Renato e descreve as festividades e encontros com os Irmãos,
Vítor (estes dois últimos estiveram em Portugal durante os seus testemunhos e preocupações, as actividades
um breve período de tempo). No entanto, nos últimos pastorais) e Ao Serviço do Mundo Rural (contém
anos o número de elementos foi-se reduzindo, citações bíblicas e comentários das mesmas; é um
especialmente nos últimos três/quatro anos, em que espaço para explicar o carisma destes dois institutos).
a paróquia de Lagameças contava com dois membros. Em França, são publicadas duas revistas, Chronique
Em 2000, contava-se com 24 comunidades de irmãos: e Amis en Communion, nas quais se fala da vida e
18 em França, 4 em África (Togo, Burkina Faso e das actividades dos Irmãos, Irmãs do Campo e dos
Benin), uma em Portugal e uma no Brasil. Os Irmãos Amigos em Comunhão.
do Campo acabaram por abandonar o país em
Outubro de 2002, mas ainda hoje visitam (pelo BIBLIOGRAFIA: “Comunidade muito especial em
menos uma vez por ano) as populações com as quais Águas de Moura, Irmãs e Irmãos do Campo de mãos
trabalharam e deixaram o seu ideal de fraternidade. dadas com a população”, in Jornal do Concelho de
Os Amigos, que com eles cooperaram, esforçam-se Palmela, Semanário Regional de Informação, n.º
por continuar a obra deles. 350, 13 de Fevereiro de 1998; G OMES , Manuel
Estes irmãos viviam do seu próprio trabalho (por Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa,
Capa do livro Frères Missionnaires et Soeurs des Campagnes, exemplo, o Ir. Pedro trabalhou durante um período Edições Paulinas, 1994; “Irmãos do Campo deixam
la Fraternité au Quotidien, de Denis Lefèvre (I)
de tempo num armazém, mais tarde no campo; o Diocese” in Notícias de Setúbal, n.º 30, 14 de Junho
Ir. Renato, antes de passar a ser motorista de viaturas de 2002, pp. 7-8; “Missionários do Campo”, in
Os Irmãos Missionários do Campo vivem de modo pesadas, trabalhou nas vindimas; o Ir. Eugénio era Sociedade, Semmais Jornal, 24 de Agosto de 2000,
simples, querendo estar mais próximos das comunida- electricista) e o ordenado de cada um ia para um p. 7; “Na hora da despedida Irmãs do Campo estão
des rurais e viver a fraternidade tal como fizeram os fundo comum. No entanto, tinham a preocupação de abalada”, in Jornal do Concelho de Palmela,
primeiros cristãos (tentando levar a sua vida à imagem de ter tempo e disponibilidade para responder aos Semanário Regional de Informação, n.º 538, 21 de
de Cristo humilde). A própria escolha do apelido apelos das populações com as quais mantinham Setembro de 2001; PIERRERD, Pierre, et alii, Les frères
“Irmãos” está relacionada com o desejo de focar os contacto – a ponto de surgirem homens e mulheres Missionnaires des Campagnes, 1943-1993: L’Évangile
laços fraternos que os unem, não dando importância com o desejo de serem baptizados. Tinham, tal como en Monde Rural, Paris, Desclée de Brouwer, 1993;
à função que cada um representa na comunidade. as Irmãs, um trabalho catequético e de preparação ROCCA, G., “Fratelli Missionari delle Campagne”, in
Esta é composta por um número reduzido de irmãos, para o baptismo dos adultos que quiseram entrar G. Pellicia e G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti
4/5 membros – geralmente, um número mais ou em comunhão com Cristo. di Perfezione, vol. IV, Roma, Edizioni Paoline, 1977,
menos igual de irmãos sacerdotes e irmãos leigos Não usavam hábito, ao contrário dos primeiros irmãos col. 670.
(alguns ordenados a um serviço específico) – que (usavam um hábito cinzento e uma coroa monástica,
vivem numa mesma casa (normalmente, assemelha- representando a sua congregação), mas faziam-se ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA
-se com as demais casas da aldeia onde residem) e acompanhar de uma cruz da Congregação para se
partilham as despesas entre si de modo equitativo, distinguirem em ocasiões como: baptismos,
fazendo votos de pobreza, castidade e obediência. casamentos e funerais. Andavam geralmente vestidos IRMÃOZINHOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Não deixam, contudo, de reservar uma parte do seu como os demais habitantes, excepto nas orações A Fraternidade dos Irmãozinhos de São Francisco
tempo para celebrar a Eucaristia e a Liturgia, rezando, dominicais. de Assis (FISFA) foi fundada a 16 de Setembro de
interpretando a palavra bíblica e reflectindo sobre 1987, em Alvalade-Sado, Concelho de Santiago do
as escolhas missionárias em conjunto com as Irmãs Cacém, Diocese de Beja. A 4 de Outubro de 1993,
do Campo.
Mais tarde, com o contacto com as povoações locais
e com a sua partilha de vida e espiritualidade,
começou a surgir um grupo de amigos leigos. Este
grupo, Amigos em Comunhão, tinha como objectivo
trabalhar em conjunto e em complementaridade
com os irmãos e as irmãs, numa ambiência familiar.
No que diz respeito à presença deste Instituto em
Portugal, esta resulta do contacto que os Irmãos Logótipo da FISFA (I)
mantiveram com os nossos emigrantes, sobretudo
em Aisne. Alguns membros dos Irmãos do Campo
começaram por passar as suas férias no país. E é foi erecta canonicamente como Associação Pública
no período de pós-revolução, em 1974, que eles se de Fiéis, pelo Bispo de Beja, D. Manuel Franco da
instalam, numa zona próxima das Irmãs do Campo, Costa de Oliveira Falcão, que reconhece como
em Lagameças. Aqui, são confrontados com proble- Superior Geral o Ir. José Domingos dos Santos Gomes,
mas específicos: população pobre, com dificuldades até à eleição do Governo Geral da Fraternidade,
em arranjar emprego, poucas e recentes escolas conforme disposições estatutárias. Esta Fraternidade
(sendo a taxa de analfabetização de 50%). foi fundada por dois jovens, José Domingos dos
Ao todo, permaneceram no país seis irmãos do Revista trimestral dos Irmãos e Irmãs do Campo (I) Santos Gomes (n. 10.02.1966) e Domingos Manuel

189
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JERÓNIMOS

Madeira Bragadesco (n. 20.02.1966), que, impelidos presidir e dar seguimento aos trabalhos e/ou Das suas inúmeras actividades pastorais, salientam-
pela mensagem evangélica de S. Francisco de Assis, deliberações da Assembleia Geral, gerir os bens da -se duas que, pela sua visibilidade, vêm alcançando
se propõem levar a Boa Nova aos pobres, viver Instituição no espírito de pobreza que professa e eco entre as comunidades cristãs e constituem-se
preferencialmente em meios pobres e rurais junto empenhar-se na execução das deliberações do como tempos fortes para caminhar com Deus: a
do povo, testemunhar a sua fé em Jesus Cristo Governo Geral, segundo o previsto nos Estatutos e oração mensal de adoração ao Santíssimo Sacramento
Ressuscitado e realçar a importância dos párocos na na Regra. e a organização das Jornadas Franciscanas na Diocese
estrutura pastoral das dioceses. A 29 de Junho de Actualmente, os Irmãozinhos dispõem de duas casas de Beja.
1996, ambos foram ordenados Diáconos permanentes, (Beja e Montijo) e a sua acção reparte-se quer em
na Sé de Beja, pelo Bispo D. Manuel Franco Falcão. actividades de missionação nas aldeias, quer no BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
A 18 de Janeiro de 1997, a Fraternidade começa a desenvolvimento de uma actividade profissional [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
fazer parte da CIRP (Conferência dos Institutos inserida no mundo, quer no acompanhamento Portuguesa, 2007, p. 845; Estatutos da Fraternidade
Religiosos de Portugal) e, a 30 de Janeiro de 1999, pastoral e espiritual dos membros leigos pertencentes dos Irmãozinhos de São Francisco de Assis, Beja,
foi admitida na Família Franciscana Portuguesa. aos dois movimentos a si congregados – os 1993; Regra da Fraternidade dos Irmãozinhos de
Os Irmãozinhos de São Francisco de Assis têm como Companheiros do Santíssimo Sacramento e a São Francisco de Assis, Beja, 1994.
carisma específico: servir e testemunhar a importância Fraternidade de Jovens Shemá.
dos sacerdotes no mundo; conquistar corações para O movimento dos Companheiros do Santíssimo JACINTO SALVADOR GUERREIRO
os sacrários abandonados; viver em meios simples e Sacramento nasceu a 15 de Outubro de 1997.
dar testemunho da fé em Cristo Ressuscitado, através É orientado espiritualmente pelos Irmãozinhos e
do seu trabalho diário; formar cristãos leigos, compro- cada companheiro compromete-se a viver diaria- JERÓNIMOS
metendo-os com a vida das suas paróquias; colaborar mente, no mundo, a missão de Jesus Cristo, através 1. A forma de vida. Os Jerónimos (Ordo Sancti
com os párocos, de modo a estabelecer dinâmicas da adoração, do louvor e da Sua glorificação no Hieronymi – OSH) constituem uma ordem monástica
interactivas de anúncio evangélico no seio das paró- Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Nesse mesmo fundada em Espanha, em 1373, sob inspiração de
quias. Vestem hábito castanho, com um capelo de ano, em Dezembro, surgiram os Jovens Shemá, os um movimento eremítico, iniciado em Itália, pelo
cor creme, calçam sandálias e cingem o hábito na quais se reúnem em pequenas fraternidades de vida terceiro franciscano Tommasucio da Foligno, cerca
cintura com uma corda com os três nós, que simbo- cristã e, nas comunidades paroquiais onde residem, de 1350.
lizam os três votos de pobreza, castidade e obediência. procuram viver e comungar do espírito e do caris- À semelhança de outras congregações, a organização
ma dos Irmãozinhos de São Francisco de Assis, que da Ordem de São Jerónimo resulta da evolução de
os assistem, formam e orientam espiritualmente. experiências eremíticas, que se colocam sob o
Os Irmãozinhos editam regularmente um “boletim patrocínio de S. Jerónimo e aceitam a institu-
interno”, de ligação entre todos os membros cionalização sob o modelo de vida do santo. Imbuídos
congregados, no sentido de estreitar laços de de um espírito reformista e observante, alguns destes
comunhão entre si, através da pequena notícia e movimentos eremíticos dão origem a várias congre-
dos temas de formação e orientação aí explanados. gações religiosas, como a dos Jesuatos, fundada por
João Colombini, em 1355, ou a dos Eremitas de São
Jerónimo, iniciada em 1360, por Carlos de
Montegrandi, entre outras. A estas congregações
juntam-se, progressivamente, eremitérios e pequenos
grupos, aderindo à institucionalização proposta pelo
papado e ganhando uma expressão mais organizada
face ao mundo que os rodeia.
A vida da comunidade gira em torno do ofício divino
e da celebração da eucaristia, tendo como base a
leitura e o estudo da Sagrada Escritura. Ordem
contemplativa, os monges vivem de forma ascética
a sua vocação e procuram nos claustros a santificação
Irs. José Domingos dos Santos Gomes e Domingos Manuel da comunidade e de cada um, pela oração
Madeira Bragadesto, Fundadores a escrever a Regra de Vida (I) comunitária e individual. Os estudos são também
muito importantes, pois assim se cultiva um ideal e
O governo da Fraternidade é composto pela uma forma de vida mais próximos do Evangelho,
Assembleia Geral, pelo Governo Geral e pelos em espírito de reforma permanente.
Superiores Locais. À Assembleia Geral compete eleger
o Conselho Geral, introduzir alterações nos Estatutos 2. As origens da Ordem, em Espanha. Alguns
e na Regra (com aprovação prévia do Bispo de Beja) eremitas, discípulos de Tommasucio da Foligno,
e apreciar e deliberar sobre a vida da Fraternidade; chegados de Itália, entram em contacto com núcleos
o Governo Geral é constituído pelo Superior Geral de eremitas já existentes, em várias regiões de
e por dois Conselheiros Gerais, com mandato de Espanha, e após alguns anos, cerca de 1370, reúnem-
três anos; é ao Superior Geral que compete -se em Lupiana (Guadalajara), onde fundam o seu
representar a Fraternidade e assegurar a sua vida Os Irmãozinhos de São Francisco de Assis vestem hábito primeiro mosteiro sob a invocação de S. Bartolomeu.
nos diferentes aspectos, determinar qual o Conse- castanho, capelo creme; usam uma corda à cintura com Querendo institucionalizar a sua situação canónica,
lheiro que o substitui nos impedimentos, convocar, os três nós que simbolizam os três votos (I) solicitam ao Papa Gregório XI o reconhecimento

190
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JERÓNIMOS

deste mosteiro. Através da Bula Salvatoris Humani Com o segundo Prior Geral, Lope de Olmedo, eleito Ordem. As Monjas de São Jerónimo viviam em
Generis, datada de 15 de Outubro de 1373, o sumo em 1418, a Ordem atravessa um período algo clausura, emitiam votos solenes, segundo a Regra
pontífice funda a Ordem de São Jerónimo, na conturbado, pois este era defensor de um regime de S.to Agostinho, e possuíam Constituições próprias.
Península Ibérica (Castela, Aragão e Portugal), de vida mais austero, de acordo com o qual pretende A sua relação com o ramo masculino reduzia-se,
nomeando Fernández Pecha Prior de Lupiana, eri- reformar os Jerónimos. Perante a oposição de grande praticamente, à assistência espiritual dos confessores.
gindo assim, oficialmente, o primeiro mosteiro dos parte dos religiosos, Olmedo solicita a Martinho V
Jerónimos. O Sumo Pontífice autoriza ainda a a autorização para fundar uma nova ordem, o que 3. A presença dos Jerónimos em Portugal. O iní-
fundação de mais quatro mosteiros de Frades ou realmente acontece em 1424, tomando esta o nome cio dos Jerónimos em Portugal tem sido associado
Eremitas de São Jerónimo que deveriam viver sob a de Congregação de São Jerónimo da Observância, à figura do eremita Vasco Martins, um dos discípulos
Regra de S.to Agostinho. A esta, adiciona, mais tarde, com sede no Mosteiro de S.to Isidoro do Campo, de Tommasucio da Foligno que, após uma experiência
Gregório XI as “constituições florentinas” do Mosteiro perto de Sevilha. A nova congregação, pela Bula em Toledo, regressa a Portugal em finais do séc. XIV
de S.ta Maria do S.to Sepulcro, em Campora (Florença), Pia Nos Excitat de 13 de Março de 1429, passa a (data de 1390 a primeira referência ao seu nome,
com o objectivo de regulamentar a vida dos monges. observar uma Regra composta por Lope de Olmedo na escritura de compra da Q.ta de Penha Longa) e,
No final do séc. XV, a Ordem tinha já 25 mosteiros, com base nos escritos de S. Jerónimo. Mas, em com alguns companheiros, fixa-se em Penha Longa,
dispersos por toda a Espanha. Entre as fundações 1433, após a morte do seu Fundador, os Frades na Serra de Sintra, onde veio a ser erguido o primeiro
do séc. XVI, destacava-se o Mosteiro de S. Lourenço Jerónimos da Observância, também conhecidos por mosteiro da Ordem.
do Escorial, cuja história esteve sempre ligada à da Isidros, renunciam ao rigor primitivo e retomam a A 1 de Abril de 1400, pela Bula Piis Votis Fidelium,
realeza espanhola. Regra de S.to Agostinho, com o intuito de facilitar outorgada a pedido de D. João I e do Presbítero
Do ponto de vista jurisdicional, as primeiras fundações uma eventual reunião dos dois ramos. A fusão destes Fernando João, Bonifácio IX autoriza a construção
eram independentes entre si, sendo cada mosteiro apenas se veio a realizar, por ordem de Filipe II, em dos Mosteiros da Penha Longa e de S. Jerónimo do
governado por um Prior, e estavam sob jurisdição 1567. Mato, acto que marca, em Portugal, a passagem do
episcopal, embora reconheçam, desde o início, uma Depois do Generalato de Lope de Olmedo, a Ordem género de vida eremítica de Vasco Martins e seus
certa primazia ao Mosteiro de Lupiana. Esta situação de São Jerónimo vive, novamente, momentos difíceis, companheiros à integração na Ordem dos Jerónimos.
de dependência do Ordinário é ultrapassada, em a nível europeu e mesmo peninsular. Assim, em Aceite a Regra de S.to Agostinho como norma de
1414, pelo reconhecimento pontifício através da 1452, o Papa Nicolau V pretende unir todos os vida, a ela são apensas, numa primeira fase, as
Bula de Bento XIII, Licet Exigent. Esta bula prescrevia institutos religiosos então existentes que se Constituições Florentinas (do Mosteiro de S.ta Maria
a reunião de um Capítulo Geral com o objectivo de reclamavam de S. Jerónimo (Ordem de São Jerónimo, do S.to Sepulcro, em Campora, Florença) pelo Papa
eleger o primeiro Geral da nova Ordem, escolher a Jesuatas, Ordem dos Frades Eremitas de São Jerónimo Gregório XI. Neste primeiro momento, do ponto de
casa em que este viria a residir e redigir as suas e a Congregação dos Eremitas de São Jerónimo de vista jurisdicional, cada mosteiro era independente
Constituições. Um ano depois, no Capítulo celebrado, Fiesole). Fr. Diégo Floristán, porta-voz da Ordem, e dependia do bispo diocesano.
Diégo de Alarcón é eleito como primeiro Geral e os consegue, no entanto, demover o papa dos seus A partir de 1446, com a adopção de novos Estatutos,
mosteiros jerónimos passam a viver sob a sua intentos, pois entre várias razões, uma pesava elaborados pelo Bispo de Silves, D. Álvaro, e
autoridade. grandemente e prendia-se com o facto de muitas confirmados pela Bula Pastoralis Officii, de Paulo II
das congregações jeronimitas, apesar de adoptarem a que se junta a Bula de Nicolau V, de 1448, os
a Regra de S.to Agostinho, terem características que mosteiros jerónimos portugueses tomam um rumo
as aproximavam das ordens mendicantes, dedicando- diferente. Eximem-se da jurisdição do Ordinário e
-se à pregação e à manutenção de hospitais, passam a depender directamente da Santa Sé, tendo
enquanto os jerónimos espanhóis eram monges um Provincial próprio, português, eleito por três
contemplativos. Assim, a união de todos implicaria, anos, que não sendo obrigatoriamente o Prior de
para uns ou para outros, a perda do carisma próprio Penha Longa, poderia ser de qualquer um dos
e da identidade religiosa. mosteiros da Ordem. A partir de 1471, está plena-
A nível peninsular e durante a União Ibérica, a mente documentada a existência de um Provincial
tentativa de reunir os jerónimos espanhóis e os português, Fr. João de Coruche, Prior de Penha
portugueses, situação que nunca foi aceite pelos Longa.
últimos, é sancionada pelo Breve de Clemente VIII Estes primeiros Estatutos, que mais não são do que
de 9 de Maio de 1595, que une e incorpora os uma tradução dos castelhanos, redigidos defini-
mosteiros jerónimos portugueses aos de Castela. tivamente em 1437, são substituídos, em 1517,
Embora sempre refutada, manteve-se a anexação pelos “Estatutos Novos” e considerados então os
até ao fim das guerras com Castela, em 1668. “Estatutos Antigos”.
De acordo com o cronista José de Siguenza, o ramo Com a adopção dos novos Estatutos, estabelece-se
feminino da Ordem deve as suas origens a comu- que o Prior de Belém deveria ser também o Provincial
nidades de mulheres piedosas que se reclamavam da Ordem, eleito apenas por dois anos. Esta
de S. Jerónimo. Nomeadamente, em Toledo, um acumulação de funções revela-se inoperante, porque
grupo delas, entre as quais se distingue Maria García, sendo o Provincial simultaneamente Prior de um
depois de ter fundado um beatério, coloca-se sob mosteiro tão importante como o de S.ta Maria de
a direcção espiritual do Geral Fernández Pecha e Belém, não tinha disponibilidade para visitar, como
adopta o nome de Beatas de São Jerónimo. lhe competia, as demais casas da Ordem, tendo-se
Fundado, em 1375, o primeiro mosteiro feminino disso ressentido a disciplina interna.
de S. Paulo de Toledo, só por ocasião do Capítulo Esta e outras dificuldades levam a que o Cardeal D.
Jerónimos espanhóis (Tours) Geral de 1510 é, juridicamente, incorporado na Henrique, com autorização pontifícia e mediante

191
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JERÓNIMOS

Em Portugal, os Jerónimos têm várias casas jerónimo de N. Sr.a da Piedade de Santar. A 20 de


masculinas e apenas uma feminina. As duas primeiras Outubro de 1470, Diogo Soares de Albergaria e D.
fundações, autorizadas pela Bula papal Piis votis Beatriz, os fundadores, obtêm Bula pontifícia de
fidelium, de 1400, S. Jerónimo do Mato e Penha Paulo II, autorizando a erecção de um mosteiro, em
Longa, aparecem ligadas à figura de Fr. Vasco de Santar, e outorgando-lhe todos os privilégios da
Portugal e têm origem em eremitérios já pré- Ordem dos Jerónimos. Após esta licença, a 21 de
-existentes. S. Jerónimo do Mato tem a protecção Dezembro de 1471, o Bispo de Viseu, D. João Abreu,
do Monarca D. João I. Sendo, por diversas vezes, aprova também a fundação, à qual anexa a Igreja
arruinado por tremores de terra, é sucessivamente de S. Pedro de Santar. Começaram as obras e de S.
reconstruído por D. Afonso V e D. Manuel. Penha Marcos vieram os monges que iriam dar início à
Longa, em Sintra, embora ligado a Fr. Vasco, na nova comunidade. Após o falecimento dos
bula da sua fundação o papa atribui-lhe como Prior fundadores do mosteiro, em 1473, o testamento dá
o Presbítero Fernando João. A partir de 1448, a origem a numerosos litígios que terminam com a
pedido de D. Afonso V e do Infante D. Pedro, Nicolau resolução régia de 20 de Julho de 1476, deter-
V outorga-lhe uma bula, segundo a qual este passava minando que todos os bens deixados pelos funda-
a depender directamente da Santa Sé, assumindo dores à Casa de Santar fossem anexados ao Mosteiro
funções de cabeça da Ordem de São Jerónimo em de S. Marcos.
Portugal. Nesta mesma bula, Nicolau V concedia aos N. Sr.a do Espinheiro é um mosteiro fundado pela
mosteiros jerónimos portugueses todos os privilégios, Bula Pia Deo de Calisto III, a 25 de Novembro de
isenções, graças e indultos de que usufruíam as casas 1457, e edificado nas proximidades de Évora, num
N. Sr.ª de Belém na porta sul do Mosteiro dos Jerónimos (PCC) de Castela. Em 1456, Calisto III ratifica as deter- local onde, em 1412, já existia uma capela dedicada
minações de Nicolau V e o Mosteiro da Penha Longa a N. Sr.a do Espinheiro. Esta fundação, levada a cabo
uma Bula de 15 de Dezembro de 1573, decida alterar manteve-se Casa-Mãe da Ordem até 1517, ano em pelo Bispo de Évora D. Vasco Perdigão, corresponde
alguns Estatutos e Constituições. Com a colaboração que o Prior de S.ta Maria de Belém, por Bula de Leão à concretização de um projecto antigo do, também,
de Fr. Jerónimo de Lisboa e Fr. Manuel de Évora, D. X, assume o cargo de Provincial. No mosteiro fun- Bispo de Évora D. Pedro de Noronha que, já em 1420,
Henrique redige um conjunto de determinações, cionava ainda o Noviciado da Ordem, em Portugal. chegara a obter Bula fundacional de Martinho V
então promulgadas a 12 de Setembro de 1574, no (Exigentibus tue) para a edificação de um mosteiro
Mosteiro de S. Bento de Xabregas, e que passam a jerónimo, no lugar da Capela de N. Sr.a do Espinheiro.
ser conhecidas por “Bula do Cardeal”. Partindo da A 2 de Setembro de 1458, os primeiros monges
separação dos ofícios de Provincial e de Prior do tomam posse do mosteiro e dão início à vida conven-
Mosteiro de Belém e passando, entre outras, pelo tual, sob a direcção do Prior Fr. Fernando de Évora,
alargamento dos poderes do Capítulo Provincial, as monge professo de Penha Longa. Frequentado e
novas regras dão origem a profundas perturbações protegido pela realeza, nele estiveram D. Afonso V,
no seio da Ordem, agravadas com a nomeação, em D. João II e D. Manuel, sendo ainda panteão da
1592, de um Provincial espanhol, Fr. Juan de fidalguia e da principal nobreza local. Já na segunda
Quemada, para os mosteiros portugueses. As metade do séc. XVI, encontrando-se o edifício degra-
consequências da “Bula do Cardeal”, ligadas à acção dado, são empreendidas obras de reconstrução e com
dos espanhóis (já anteriormente referida) para anexar Mosteiro de N. Sr.ª do Espinheiro, Évora (DB) o produto das esmolas dos fiéis e o apoio do Rei
a Província Portuguesa, levam à formação de D. Manuel, em 1566, é construída uma nova igreja.
diferentes facções entre os religiosos da Ordem e à Deste período há ainda uma outra fundação, atribuída
abertura de um controverso capítulo da história dos Já na segunda metade do séc. XV, surgem dois novos a D. Fernando Coutinho, Bispo de Silves, junto a
Jerónimos que só em meados do séc. XVII se veio mosteiros: S. Marcos, em Coimbra, e N. Sr.a do uma ermida dedicada a S. Vicente, doada pelo mesmo
a resolver, com a reconstituição da autonomia da Espinheiro, em Évora. O primeiro, fundado em 1451 aos monges jerónimos. Não se conhece ao certo a
Província Portuguesa da Ordem de São Jerónimo, a no lugar da Ermida de S. Marcos, teve na sua origem data da fundação de S. Vicente do Cabo, mas sabe-
par da restauração da independência política do uma capela instituída por testamento de João Gomes -se que já em Março de 1476, Sisto IV concedera
reino. da Silva, em 1441. Esta capela, sob a administração licença ao Deão de Silves, João Mendes, para edificar,
No que respeita ao governo da Ordem em Portugal, de Aires Gomes da Silva, filho do instituidor e partidário na sua diocese, um cenóbio jeronimita, com religiosos
no topo da hierarquia estava o Provincial, apoiado do Infante D. Pedro, veio a ser confiscada pela Coroa, da Província de Portugal. Em 1514, o mosteiro já era
no desempenho das suas funções pelo Capítulo tendo mais tarde sido restituída à família (28.07.1451), habitado por uma comunidade que acaba por
Provincial (que reunia os Priores de todos os mosteiros por intervenção de D. Beatriz de Meneses (viúva de abandoná-lo definitivamente, em 1516, e o mosteiro
e um Procurador de cada casa), pelo Definitório Aires Gomes e camareira-mor da Rainha D. Isabel) é, então, entregue, a instâncias do fundador, aos
(órgão que a partir dos Estatutos de 1517 perdeu que doa a administração da capela à Ordem de São frades capuchos da Província da Piedade.
importância) e pelos Visitadores que deviam zelar Jerónimo, então representada por Fr. João Velho, Prior É ainda durante este período e sob o impulso mais
pela ordem dos mosteiros que tinham obrigação de do Mato (e primeiro Prior de São Marcos), e Fr. directo de D. Manuel I que a Ordem conhece um
visitar uma vez, durante o período que decorria entre Bernardo de Braga. Esta doação é confirmada por período de grande notoriedade. Constroem-se os
os Capítulos da província. À frente de cada D. Afonso, a 3 de Agosto de 1451. Fundado o mosteiro, Mosteiros de S.ta Maria de Belém e N. Sr.a da Pena.
comunidade, composta por religiosos clérigos e a protecção dos Silvas à Instituição manteve-se e a É ainda planeada uma fundação que nunca foi
leigos, os Priores eram apoiados por um pequeno família instala no mosteiro o seu panteão. executada na Golegã, mas que chega a ser autorizada
grupo de Conselheiros (três no mínimo) e pelo Em finais do séc. XV, por iniciativa de D. Afonso V, por carta do Rei D. Manuel, datada de 15 de Maio
Capítulo. foi unido a S. Marcos o recém-fundado mosteiro de 1501.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JERÓNIMOS

da serra de Sintra e dedicada a Nossa Senhora. Refojos de Basto, suplica ao Papa Paulo III a extinção
As obras de construção têm início em 1503 e oito do Mosteiro de Refojos e a aplicação das suas rendas
anos depois estavam concluídas. Em 1513, a comu- à fundação de dois colégios: um de S. Jerónimo e
nidade era composta por 18 frades. outro de S. Bento; o que restasse, pagas as despesas
Por iniciativa de D. Maria, esposa de D. Manuel e com mestres e colegiais, seria atribuído a estudantes
filha dos Reis Católicos, grande devota dos Jerónimos, pobres da universidade. O pedido de Fr. Diogo de
é fundado o Mosteiro de N. Sr.a da Conceição de Murça é autorizado pela Bula In eminenti Apostolicae
Vale Benfeito. Autorizado pelo Papa Leão X, a 12 Sedis, de 28 de Março de 1549, e assim é desen-
de Julho de 1513, é edificado nas Berlengas, sob a cadeado o processo de fundação do Colégio de S.
invocação de N. Sr.a da Misericórdia. O mosteiro tem Jerónimo de Coimbra, que viria a ser entregue à
como primeiro Prior Fr. Gabriel, então confessor da administração do superior jeronimita. A 19 de
rainha. Dadas as condições de insalubridade do local Dezembro de 1553, por iniciativa de Fr. Diogo de
e os repetidos assaltos de piratas, a comunidade Murça, ainda sem instalações próprias, o Colégio
procura o apoio de D. Catarina, mulher de D. João III, de S. Jerónimo, juntamente com o beneditino, foi
que solicita ao Papa Paulo III autorização para incorporado na Universidade. Só em 1565, com a
construir um novo mosteiro. As obras têm início, protecção do Cardeal Regente D. Henrique, os
em 1535, junto à ribeira de Vale Benfeito, nos arre- Jerónimos conseguem, finalmente, adquirir as terras
dores de Óbidos e, em 1547, por Bula de Paulo III, de que ainda necessitavam junto ao castelo e
é autorizada a transferência da comunidade para as começam as obras de construção do seu colégio.
novas instalações. Entre as figuras de destaque, lecciona neste colégio
Ainda no séc. XVI, os Jeronimitas recebem um Fr. Diogo de Murça, que lhe chega a redigir Estatutos,
mosteiro em Guimarães que pertencia aos Cónegos hoje desconhecidos.
Regrantes de Santo Agostinho, fundam um colégio
universitário em Coimbra e o Mosteiro de Jesus de
Viana do Alentejo, a única casa do ramo feminino
existente em Portugal.
O mosteiro de S.ta Marinha da Costa, cuja fundação
remonta ao séc. XI, pertencia aos Cónegos
Regrantes de Santo Agostinho, pelo menos desde
o segundo quartel do séc. XII. Em 1448, D. Afonso V
manifesta a intenção de entregar a sua tutela à
Ordem de São Jerónimo e, em 1516, D. Manuel
Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa (PCC)
reitera o mesmo intuito, sem contudo alcançar o
que deseja, mantendo-se os Agostinhos na sua posse
Mosteiro de Jesus de Viana do Alentejo (DB)
O Mosteiro de Belém é fundado a 23 de Junho de efectiva. Em 1525, sendo padroeiro do Mosteiro da
1496, pela Bula Eximiae devotionis de Alexandre VI, Costa D. Jaime, Duque de Bragança e senhor de
que, a pedido do Rei D. Manuel, autorizava a Guimarães, é apresentado um pedido ao Papa Por último, a única comunidade de jerónimas, em
transformação do Eremitério de S.ta Maria de Belém, Clemente VII para que extinguisse o convento Portugal, o Mosteiro de Jesus de Viana do Alentejo,
pertencente à Ordem de Cristo, em Mosteiro da agostinho, para em seu lugar nascer uma fundado entre 1548 e 1553, tem a sua origem num
Ordem de São Jerónimo. Dois anos depois, D. Manuel comunidade jeronimita. O Sumo Pontífice expede oratório fundado pela Beata D. Brites Dias Rodovalha,
doa aos frades o lugar de S.ta Maria de Belém, para então a Bula Ad Hoc Nos Divina Miseratio, de 2 de junto à R. do Poço Novo, em 1548. Autorizado por
construção do mosteiro que deveria ter capacidade Março de 1526 e, em Novembro de 1527, é emitida licença do Arcebispo de Évora, o Cardeal Infante
para albergar 100 religiosos, dando continuidade a respectiva sentença executória. Em Janeiro de D. Henrique, a 1 de Fevereiro de 1550, três anos de-
aos serviços públicos anteriormente prestados aos 1528, tem lugar a entrega do mosteiro a Fr. António pois, obtém licença do prelado do mosteiro de Belém
navegantes pela Ordem de Cristo. Tomada a posse de Lisboa, Provincial dos Jerónimos. para integrar a Ordem Jeronimita. D. Brites solicita,
do lugar, do ponto de vista material a 17 de Janeiro Entre 1537 e 1553, funciona no mosteiro o Colégio então, a Roma o beneplácito para a nova fundação
de 1499 e canónico a 21 de Abril de 1500, as obras de Estudos da Ordem, frequentado por religiosos e e as monjas ficam sujeitas à Mitra de Évora.
tiveram início em 1502, sob a administração dos leigos e considerado uma pequena universidade ou Além destas fundações, são ainda realizadas dili-
monges e de um vedor, passando mais tarde (1505) estudo geral. A partir de 1540, por licença apostólica gências pelo Cardeal D. Jaime (filho do Infante
a ser geridas pela “Mesa dos Contos”. Desde 1517, de Paulo III, o colégio passa a ter a faculdade de D. Pedro) junto do Papa Nicolau V, para obter licença
por determinação de Leão X, o mosteiro torna-se conceder graus de bacharel, licenciado, mestre e de instituição de um mosteiro jerónimo numa das
cabeça da Ordem, sendo o seu Prior o Provincial, doutor e os seus graduados a gozar dos mesmos ilhas adjacentes, de preferência na Madeira.
situação só alterada pela “Bula do Cardeal”. De privilégios e isenções determinados pela Universidade Retomadas as negociações, após a morte de
acordo com vontade expressa de D. Manuel, após de Coimbra para os graduados equivalentes. D. Jaime, Pio II veio a deferir o pedido de construção
a sua morte, em 1521, o monarca veio a ser Paralelamente e com um objectivo semelhante, do mosteiro, mas o projecto nunca chega a ser
sepultado na igreja do mosteiro que se torna panteão institui D. João III o colégio da Ordem de São concretizado.
da família real. Jerónimo, em Coimbra, para onde passam, em Na história dos jerónimos portugueses deve ainda
De menor envergadura, fundou o mesmo monarca, meados do séc. XV, os estudos da Ordem. É assim destacar-se o papel que esta Ordem desempenha
em Sintra, o Mosteiro de N. Sr.a da Pena, instalado que, na continuidade de esforços anteriores, Fr. Diogo na reforma dos mosteiros de outras ordens religiosas,
no local de uma capela ou ermida edificada no alto de Murça, Abade Comendatário de S. Miguel de durante a época de D. João III, sobretudo através

193
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JERÓNIMOS

de figuras como Fr. António de Lisboa, Fr. Brás de Monumento manuelino julgado desaparecido”, in Hieronymi (OSH), Orden de San Jerónimo”, in G.
Barros e Fr. Eusébio de Évora. A aliar a esta acção, Revista do Auto-Clube Médico Português, 115, Nov. Pellicia e G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di
exegetas como Fr. Heitor Pinto, pensadores como 1989, pp. 14-21; B RAGA , Isabel M. R. Mendes Perfezione, vol. IV, Roma, Edizioni Paoline, 1977,
Fr. Miguel Soares, ou oradores como Fr. Damião Drumond, O Mosteiro de Guadalupe e Portugal: cols. 1100-1105; M ADRID , Ignacio de, “La bula
marcam a sua época e dão aos Jerónimos um Contribuição para o Estudo da Religiosidade fundacional de la Orden de San Jerónimo”, in Studia
inegável prestígio no Portugal Moderno. Peninsular dos Séculos XIV a XVIII, Lisboa, Hieronymiana, vol. 1, Madrid, s.n., 1973, pp. 57-
Porém, a Ordem, tal como outras, não escapa à crise JNICT/Centro de História da Universidade de Lisboa, -74; MADRID, Ignacio de, “La Orden de San Jeronimo,
que as instituições monásticas e conventuais sofrem 1994; BRÁSIO, António, “Vida e obras dos mestres primeros pasos para una historia critica”, in Studia
ao longo do séc. XVIII. Assim, a extinção, em 1834, da Universidade da Costa”, in Revista de Guimarães, Monastica, vol. 3, Barcelona, Abadia de Montserrat,
põe termo a uma vida que na maioria dos casos já n.º 93, Guimarães, 1983, pp. 306-315; B RÁSIO , 1961, pp. 409-427; “Memorias dos estudos em que
se encontrava moribunda. António, “O Colégio da Costa e seus estudos se criarão os monges de S. Jeronymo, e suas
universitários”, in Congresso Histórico de Guimarães mudanças desde o tempo da sua fundação em
4. Arquivos e documentação. No que diz respeito e Sua Colegiada: Actas, vol. 2, Guimarães, s.n., Portugal, athe o feliz reynado do fidelissimo senhor
às fontes disponíveis sobre esta ordem, não pode 1981, pp. 556-565; CARVALHO, José Adriano de Freitas, rey D. José o primeyro que Deos guarde. Escritas
ser apresentada, na economia desta entrada “Nas origens dos jerónimos na Península Ibérica: do em o anno de 1772, e em 17 de Janeyro forão
dicionarial, uma enumeração exaustiva. Opta-se, franciscanismo à Ordem de S. Jerónimo: o itinerário entregues ao Illustrissimo, e Ex.mo Senhor Bispo de
todavia, por indicar os principais arquivos de Fr. Vasco de Portugal”, in Revista da Faculdade Beja, que as mandou escrever por ordem de S.
portugueses, onde se encontra documentação dos de Letras: Línguas e Literaturas, Porto, n.º 1, 2.a Magestade”, in Boletim da Biblioteca da Universidade
Jerónimos e, na medida do possível, os fundos que série, 1984, pp. 1-131; C ONDE , António Linage, de Coimbra, Coimbra, 6, 1919-1921, pp. 202-276;
guardam: a) Torre do Tombo – Possui um conjunto “Hiéronymites, Ordo Sancti Hieronymi (OSH)”, in MENDES, Isabel Maria Ribeiro, “A fundação da Ordem
de fundos dos seguintes conventos: S. Jerónimo do Alfred Baudrillart (dir.), Dictionnaire d’Histoire et de de S. Jerónimo, lenda e realidade”, in Eborensia,
Mato, S. Jerónimo de Penha Longa, S. Marcos de Géographie Ecclesiastiques, vol. 24, Paris, 1993, cols. 3, 5-6, Évora, Instituto Superior de Teologia de
Coimbra, N. Sr.a do Espinheiro de Évora, N. Sr.a de 401-420; C OSTA , António Domingues de Sousa, Évora, 1990, pp. 125-135; OLIVEIRA, Mário Rui F. L.
Belém de Lisboa, N. Sr.a da Pena de Sintra, N. Sr.a “Jerónimos”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de de, “Jerónimos”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário
da Conceição de Vale Benfeito, S. Jerónimo de História de Portugal, vol. 3, Porto, Livraria Figueirinhas, de História Religiosa de Portugal, vol. J-P, [Lisboa],
Coimbra, Jesus de Viana do Alentejo. b) Arquivo 1992, pp. 362-363; COUSSEMACKER, Sophie, L’Ordre Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História
Distrital do Porto – Possui um fundo com de Saint Jerome en Espagne: 1373-1516, Tese de Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2001,
documentação de N. Sr.a de Belém de Lisboa. c) doutoramento em História medieval orientada por pp. 16-21; REAL, Manuel Luís, “O convento da Costa
Arquivo Distrital de Braga – Neste arquivo existe A. Vauchez e apresentada à Universidade de Paris (Guimarães): notícia e interpretação de alguns
documentação dos seguintes mosteiros: S. Marcos X-Nanterre, 4 t., Paris, Texto policopiado, 1994; elementos arquitectónicos recentemente aparecidos”,
de Coimbra e S.ta Marinha da Costa. d) Arquivo da COUSSEMACKER, Sophie, “Relations entre religieux et in Congresso Histórico de Guimarães e Sua
Universidade de Coimbra – Neste arquivo existe religieuses de l’Ordre des Hiéronymites dans la Colegiada: Actas, vol. 4, Guimarães, s.n., 1981, pp.
documentação do Mosteiro de S. Marcos de Coimbra Péninsule Ibérique (XIV e-XVI e siècles)”, in Les 461-475; RODRIGUES, Manuel Augusto, “Teologia e
e do Colégio de S. Jerónimo de Coimbra. e) Arquivo Religieuses dans le Cloître et dans le Monde: Des Humanismo no Colégio da Costa de Guimarães”,
Distrital de Leiria – Neste arquivo existe Origines à Nos Jours – Actes du Deuxième Colloque in Congresso Histórico de Guimarães e Sua
documentação do Mosteiro de N. Sr.a da Conceição International du C.E.R.C.O.R. (Poitiers, 29 Septembre- Colegiada: Actas, vol. 4, Guimarães, s.n., 1981, pp.
de Vale Benfeito. f) Biblioteca Pública de Évora – -2 Octobre 1988), Saint-Étienne, Université Jean 583-600; SÁ, Artur Moreira de, “A universidade
Neste arquivo existe documentação na Colecção Monnet, 1994, pp. 435-453; F REIRE , Anselmo vimaranense do século XVI (1537-1550)”, in
Manizola, dos seguintes mosteiros: S. Marcos de Braamcamp, “São Marcos a par de Coimbra”, in Congresso Histórico de Guimarães e Sua Colegiada:
Coimbra, N. Sr.a do Espinheiro de Évora. Deste último Crítica e História: Estudos, vol. 2, Lisboa, Fundação Actas, vol. 3, Guimarães, s.n., 1981, pp. 567-581;
mosteiro há ainda documentação em maços, nos Calouste Gulbenkian, 1996, pp. 83-128; F REIRE , S ANTOS , Cândido A. Dias dos, Os Monges de S.
pergaminhos avulsos, no Fundo Geral e na Colecção Anselmo Braamcamp, As Sepulturas do Espinheiro, Jerónimo em Portugal na Época do Renascimento,
Rivara. Há também documentação do Mosteiro de Lisboa, Imprensa Nacional, 1901; GALUZZI, A. M., Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa,
Jesus de Viana do Alentejo em maços e no Fundo “Eremiti di San Gerolamo dell’Osservanza” in G. 1984; SANTOS, Cândido A. Dias dos, Os Jerónimos
Geral. g) Arquivo Municipal de Sintra – Neste arquivo Pellicia e G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di em Portugal: Das Origens aos Fins do Século XVII,
existe documentação dos Mosteiros de S. Jerónimo Perfezione, vol. III, Roma, Edizioni Paoline, 1976, Porto, INIC/Centro de História da Universidade do
de Penha Longa e N. Sr. a da Pena de Sintra. h) col. 1207; GONÇALVES, António Nogueira, O Paço e Porto, 1980; SANTOS, Fr. Francisco de los, Historia
Arquivo Municipal Alfredo Pimenta – Neste arquivo a Igreja de S. Marcos, Coimbra, Epartur, 1980; de la Orden de San Geronimo, parte IV, Madrid,
existe documentação dos Mosteiros de N. Sr.a de HIGHFIELD, J. R. L., “The Jeronimites in Spain, their 1680; SÃO MIGUEL, Jacinto de, Tratado Histórico das
Belém de Lisboa e de S. ta Marinha da Costa. i) Patrons and Sucess, 1373-1516”, in Journal of Ordens Monásticas de S. Jerónimo e S. Bento, partes
Existem ainda alguns códices do Mosteiro de N. Sr.a Ecclesiastical History, vol. 34, 4, Out. 1983, pp. 513- I-III, Lisboa, 1739-1761; SIGUENZA, José de, Historia
de Belém de Lisboa, na Biblioteca Nacional de -533; LOPES, Maria Hortense N. Vieira, “O convento de la Orden de San Geronimo, 2 vols., Madrid, Impr.
Portugal. de Nossa Senhora do Espinheiro em Évora: ensaio Real, 1600-1605; SOUSA, Tude Martins de, Mosteiro
de interpretação histórica e artística”, in Boletim e Quinta da Penha Longa na Serra de Sintra, Sintra,
BIBLIOGRAFIA: ALLERIT, Odette d’, “Hiéronymites”, in Anual de Cultura, n.º 6, Évora, Junta Distrital de Sintra Gráfica, 1947; VEGA, Pedro de la, Cronica de
Marcel Viller, F. Cavalleira, J. de Guibert (dirs.) Évora, 1965, pp. 83-157; M ADRID , Ignacio de, la Orden de Sant Hieronymo, Alcalá de Henares,
Dictionnaire de Spiritualité Ascétique et Mystique: “Gerolamine, monache”, in G. Pellicia e G. Rocca 1539.
Doctrine et Histoire, vol. 7, 1, Paris, Beauchesne, 1969, (dirs.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. IV,
cols. 451-462; BATORÉO, Manuel, “O Mosteiro de Roma, Edizioni Paoline, 1977, cols. 1098-1100; JOÃO LUÍS INGLÊS FONTES
S. Jerónimo do Mato nos arredores de Alenquer. M ADRID , Ignacio de, “Gerolamini, Ordo Sancti MARIA FILOMENA ANDRADE

194
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

JESUÍTAS Rapidamente, os franceses ocupam Pamplona e Fabro, saboiano; Francisco Xavier, Diogo Laines,
tentam o assalto ao castelo, onde se haviam Afonso Sameirão e Nicolau de Bobadilha, espanhóis;
I – Configuração internacional entrincheirado Iñigo e os restantes soldados, que e Simão Rodrigues de Azevedo, português. Estes
decidem resistir até ao último homem. Em plena sete companheiros, uma vez todos formados, juntam-
1. O Fundador. Em 1521, o gentil-homem do Vice- refrega, uma bala de colubrina estilhaça uma das -se, a 15 de Agosto de 1534, na cripta de S. Dionísio
-Rei de Navarra, Iñigo López de Loyola (n. 1491, no pernas de Iñigo e fere-lhe gravemente a outra; de (nas faldas de Montmartre), e, além de votos de
Castelo de Loyola, na província basca da Guipúscoa), imediato, dá-se a rendição da cidade. Iñigo, a quem castidade e de pobreza, fazem o seguinte voto: “de
ao serviço de Carlos V, participa numa empresa daqui em diante chamaremos Inácio (Iñigo é um irem a Jerusalém e de lá gastarem as suas vidas em
militar que vai marcar definitivamente o rumo da nome pré-romano, que em latim tomou a forma de favor dos muçulmanos e, se não conseguissem
sua vida: a defesa de Pamplona. Acontece que, Enneco e em basco moderno se escreveria Eneko; permissão de ficar em Jerusalém, de voltar a Roma
aproveitando a ausência de Carlos V, o Rei de França, posteriormente, “tomou o nome de Inácio, por ser e de se porem às ordens do Papa”. O início da
Francisco I, decide favorecer as pretensões de Henri mais universal e mais comum a outras nações”), guerra com os turcos impossibilitaria a partida para
d’Albret ao trono de Navarra. A incorporação de recebe os primeiros socorros da parte dos franceses, a Terra Santa desde Veneza, onde tinham esperado,
Navarra a Castela dera-se já 10 anos antes, mas o sendo depois levado em maca para o seu solar de em vão. Depois do voto de Montmarte, agregam-
povo navarro não se conformava com a nova situação Loyola. A primeira operação foi tão desastrada que -se mais três companheiros, sendo já dez, todos
que o tornava dependente de Castela. Assim, a 12 os médicos e cirurgiões, vindos de muitas partes, ordenados sacerdotes quando se reuniram em Roma
de Maio de 1521, um exército francês de 12 000 tiveram de desarticular novamente a perna para em 1538. Em Março de 1535, Inácio deixa Paris e
repor os ossos no seu lugar. Mas os resultados ainda regressa a Espanha, onde começa a pregar. Dirige-
foram piores: os ossos, ao soldarem-se, um -se depois a Itália e encontra-se com alguns com-
encavalado no outro, formaram uma enorme panheiros em Veneza, onde recebe a ordenação
protuberância que tornava a perna mais curta do sacerdotal a 24 de Junho de 1537. No final desse
que a outra. Logo o nosso soldado basco exigiu dos ano, chega a Roma e vai passar 40 dias a Monte
médicos que lhe cortassem essa parte óssea que ali Cassino, o que acontecerá em Novembro de 1538.
sobrava. No longo período de convalescença, pediu, A 3 de Setembro de 1539, Paulo III aprova vivae
para afastar o tédio, que lhe enviassem romances vocis oraculo o esboço da Fórmula do Instituto da
de cavalaria, a que antes se afeiçoara. Nada Companhia de Jesus, que Inácio e os seus
encontraram, a não ser os quatro volumes da Vida companheiros pretendem fundar, a que se seguiu a
de Cristo de Ludolfo da Saxónia e a Vida dos Santos confirmação com a Bula Regimini militantis Ecclesiae,
de Jacob de Varazze. É durante este longo período, de 27 de Setembro de 1540. São imediatamente
de Junho de 1521 a princípios de 1522, que começa enviados em diversas missões, pelo próprio papa, a
a operar-se, no mais íntimo de si mesmo, uma várias regiões da Europa. Inácio é eleito primeiro
profunda transformação religiosa e cultural: a Superior Geral a 14 de Abril de 1541 e, juntamente
descoberta da Fé cristã vai arrancá-lo do mais fundo com os que se encontravam em Roma, pronuncia
da mentalidade medieval e elevá-lo lentamente ao os seus votos a 22 do mesmo mês, na Basílica de
mais puro da cultura humanista. Aquele que na sua S. Paulo extra muros. As Constituições definitivas
autobiografia se há-de chamar, na terceira pessoa, foram aprovadas por Júlio III em 1550 e completadas
o “peregrino”, começa uma “peregrinação interior” posteriormente, em 1558, na primeira reunião de
que posteriormente se irá exprimir numa longa uma Congregação Geral, o órgão legislativo supremo.
“peregrinação exterior”. Entretanto, Inácio de Loyola morrera a 31 de Julho
Em fins de Fevereiro de 1522, sai do solar de Loyola de 1556.
a caminho de Monserrate, fixando-se em Manresa,
S.to Inácio de Loyola no altar da capela-mor,
onde permanece quase um ano, começando por 2. Carisma. Ordem de clérigos católicos, sem tarefa
Igreja do Colégio, Funchal (DRAC)
levar uma vida de rigorosa penitência, como um específica, mas unicamente a de acudir às situações
eremita do deserto, para, pouco depois, renunciar de maior urgência e necessidade. Estão às ordens
homens, 800 lanceiros e artilheiros com 29 peças radicalmente a este modo de vida, abrindo-se ao do papa, porque é aquele que está em situação de
transpõe a fronteira. A 16 de Maio, acampa a meia convívio com os demais. Em Fevereiro do ano melhor julgar essa urgência; por isso, os professos
légua de Pamplona. O vice-rei envia imediatamente seguinte, chega a Barcelona e, sem dinheiro algum, fazem, além dos três votos comuns às congregações
um corpo de 1000 homens em defesa da cidade, consegue alcançar Jerusalém. Um ano depois, está religiosas, um voto especial de obediência ao papa.
sob o comando de Beamonte, ordenando ao gentil- de novo em Barcelona, onde começa a estudar, no Os Jesuítas abandonam a tradicional vida conventual
-homem Iñigo que se coloque às ordens deste chefe. meio das crianças, com 34 anos de idade. Em Março para melhor se dedicarem à evangelização em
A 18, chega Martin Garcia de Oñaz com o seu irmão, de 1526, encontramo-lo na Universidade de Alcalá. qualquer parte do mundo, na maior mobilidade para
Iñigo López de Loyola. Ao verificar a gravidade da Incomodado diversas vezes pela Inquisição, passa à encontrar o que Deus quer na transformação do
situação, Martin decide voltar para trás, enquanto Universidade de Salamanca em Julho de 1527 e, mundo, ao ritmo do Mistério da Encarnação.
o irmão, contrariando-o, avança com alguns homens pelo mesmo motivo, põe-se a caminho da
e entra em Pamplona. Uma vez no interior da cidade, Universidade de Paris, onde chega em Fevereiro de 3. Vestuário. Não têm qualquer hábito específico,
encontra Beamonte também prestes a fugir, por lhe 1528. É recebido em casa de conhecidos, estuda no mas apenas, nos países tradicionalmente católicos,
parecer impossível resistir às forças francesas e por Colégio de S. ta Bárbara, desloca-se a Bruges, a devem comportar-se neste aspecto em conformidade
suspeitar dos próprios moradores. De novo, Iñigo Antuérpia e a Londres (1530) e, em Abril de 1534, com o modo dos clérigos honestos. Em terras de
se opõe, tomando a dianteira dos poucos que obtém o grau de “mestre em artes”. Ao longo destes missão, em conformidade com o modo que mais
restavam, dispostos a defender a cidade. anos, reunira um grupo de amigos íntimos: Pedro convier aos costumes do povo e da sua cultura.

195
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

4. Evolução histórica a nível mundial. É possível II – Configuração na Província


destacar três grandes fases na evolução da Portuguesa
Companhia de Jesus, a nível mundial: desde 1540
a 1773, ou seja, desde a fundação até à supressão 1. Primórdios. Um dos 50 bolseiros enviados por
universal pelo Papa Clemente XIV; durante o período D. João III à Universidade de Paris, Diogo Gouveia,
de supressão pelo papa, sobrevivem na Rússia de que fora já Reitor da própria Universidade e Principal
Catarina II e na Prússia de Frederico II; desde 1814 do Colégio de S.ta Bárbara, em Paris, informado dos
(restauração por Pio VII) até aos nossos dias, com projectos do grupo de estudantes acabados de se
diversas vicissitudes em muitos países: expulsões ou formar, comunica em 1538 a D. João III que seria
por desterro ou por eliminação jurídica e consequente útil convidar estes clérigos “de muito exemplo e
restauração, conforme as várias situações políticas. letrados” a evangelizar as terras ultramarinas.
Assegurava que não se poderiam achar “homens
5. Superiores Gerais e Congregações (ou Capí- mais aptos para converter toda a Índia”. D. Pedro
tulos) Gerais. Desde 1540 aos nossos dias, existiram Mascarenhas, embaixador português em Roma,
30 superiores gerais, a que acrescem 3 vigários consegue do papa e do chefe do grupo, Inácio, que
gerais e um geral durante o período de supressão dois deles sejam enviados a Portugal. Tratava-se do
pelo papa. Mestre Simão Rodrigues, natural de Vouzela, e do
navarro Mestre Francisco Xavier. Simão Rodrigues
parte por mar e entra em Lisboa a 17 de Abril de
Igreja dos Jesuítas, Roma (JAM) 1540, hospedando-se no Hospital de Todos-os-Santos,
para se curar de febres quartãs. Francisco Xavier,
juntamente com o embaixador, parte por terra, a
nos princípios de 1940, existiam 26 293 membros 15 de Março de 1540, para chegar a Lisboa em fins
(dos quais 12 146 eram sacerdotes, 8933 estudantes de Junho. São recebidos por D. João III no Palácio
jesuítas e 5214 coadjutores); em 2000, registavam- dos Estaus (onde hoje se situa o Teatro D. Maria) e,
-se 21 741 membros (dos quais 16 778 eram nos primeiros meses, morarão numa hospedaria real
sacerdotes), em 127 países; em 2007, contavam-se situada entre o Palácio e o Hospital de Todos-os-
19 580 (dos quais 13 491 eram sacerdotes), em 124 -Santos. Nessa altura, ainda o Instituto não está
países. aprovado oficialmente pela Santa Sé. Só a 27 de
No que se refere aos santos e mártires da Setembro de 1540 é que o projecto do grupo, então
Congregação, pode-se referir que, no ano de 2000, formado por dez membros, é aprovado por Paulo
a Companhia contava em toda a sua história com III, tomando o nome de Companhia de Jesus. Lisboa
152 mártires e 44 santos. vai ser, assim, o grande ponto de partida daquele
pequeno grupo.
7. Fontes. Como fontes, salientam-se os Exercícios
Espirituais, redigidos pelo próprio Fundador; as
Constituições, o Institutum Societatis Jesu (com todas
as bulas e documentos pontifícios relativos à
Companhia); os decretos das Congregações Gerais
e as Cartas do próprio Geral enviadas a toda a
Ordem. Actualmente, há ainda a mencionar as
Normas Complementares (com o fim de adaptar o
S. Francisco de Borja no altar da capela-mor,
Igreja do Colégio, Funchal (DRAC) direito tradicional da Ordem ao Concílio Vaticano II
e ao Novo Código do Direito Canónico).

Desde 1540 aos nossos dias, existiriam 35 Congre- 8. Actividades prioritárias a nível mundial.
gações, a que acrescem 4, durante o período de Relativamente às actividades principais, destacam-
supressão. -se o Serviço Jesuíta de Ajuda aos Refugiados (JRS);
o trabalho em comum com os leigos na obras
6. Expansão mundial. A estatística, dividida por tradicionais (colégios, universidades e leigos para o
etapas, ilustra bem o movimento de expansão desenvolvimento, em regiões mais necessitadas);
mundial da Companhia: em 1556, na altura da morte centros universitários e actividades com a juventude; Igreja de S. Roque, Lisboa (DB)

do Fundador, a Ordem possuía no mundo inteiro centros de investigação, nos domínios das ciências
mais de 1000 membros e 12 províncias adminis- exactas e das ciências humanas. Para a preparação
trativas; no fim do séc. XVI, contavam-se 8519 do centenário do nascimento de S. Francisco Xavier Francisco Xavier dirige-se para oriente logo em 1541.
membros, 23 províncias, 245 colégios e 67 (2006), foi assinalada como prioridade um grande Além de ser a primeira porta que se lhes abre ao
residências; nos princípios do séc. XVIII, registavam- esforço na evangelização da China. Em terras de mundo, no contexto dos Descobrimentos, Lisboa vai
-se 37 províncias, 612 colégios, 157 seminários para missão, foi definida outra prioridade, centrada na ter a primeira casa que a Companhia de Jesus há-
externos, 340 residências, cerca de 200 missões, investigação científica sobre o problema da nutrição -de possuir como própria no mundo inteiro (então
19 998 membros, dos quais 9957 eram sacerdotes; nos países asiáticos, africanos e sul-americanos. designada Casa de S.to Antão-o-Velho, hoje chamada

196
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

Coleginho, propriedade do Serviço Histórico-Militar como poder adoptar a língua chinesa como língua
do Exército, em plena Mouraria, na R. Marquês de litúrgica, celebrar de cabeça coberta – conforme os
Ponte de Lima). Poucas semanas depois, Simão costumes chineses – e traduzir a Bíblia. Sempre com
Rodrigues segue para Coimbra, para preparar o a permissão de Roma, chegam a praticar uma
lançamento do Colégio de Jesus (edifício anexo à “aculturação” tão ousada, que provocam a célebre
igreja do mesmo colégio que actualmente constitui “questão dos Ritos Chineses e Malabares”, a ponto
Sé Nova de Coimbra). Será a primeira casa de de Roma condenar a forma de missionação dos
formação dos jovens jesuítas, pertencente também Jesuítas, em 1704, no que respeita à Índia, e em
à Ordem, no mundo inteiro. Além disso, Portugal 1707, no que respeita à China.
será a primeira província administrativa de toda a Do ponto de vista missionário, merecem referência
Monograma de Cristo e da Companhia de Jesus,
Companhia no mundo, fundada a 25 de Outubro especial algumas viagens de reconhecimento e de
Igreja do Colégio, Funchal (DRAC)
de 1546, cujos 450 anos foram comemorados em investigação. A do Ir. Bento de Góis, contornando
1996. Por outro lado, no lugar onde é hoje o L. o Himalaia, desde Goa, através das estepes asiáticas,
Trindade Coelho, os Jesuítas começaram a edificar, espalhada pelo mundo os estabelecimentos de até à muralha da China, onde se encontra com
em 1553, a Casa Professa (nome dado, de início, à ensino, por tenderem por sua natureza ao conser- outro irmão jesuíta enviado pelo P.e Ricci, que vivia
Casa-Mãe da Ordem, sede do Superior Provincial e vadorismo, a enfraquecer a mobilidade de espírito em Pequim. A do P.e António de Andrade, subindo
destinada aos religiosos, que deviam viver na mais e a abertura ao mundo, que desejava o Fundador. até ao Tibete, escalando directamente o Himalaia.
perfeita pobreza e apenas de esmolas). Ficou a E, quando viessem a ser promovidos esses esta- A do P.e António Vieira, percorrendo várias vezes a
chamar-se Casa Professa de S. Roque, sendo a belecimentos, o seu dinamismo não deverá ser senão Europa, partindo do Brasil até Amsterdão e de S.
primeira do género em todo o mundo jesuítico. o prolongamento e a aplicação concreta das caracte- Luís do Maranhão, pelo Tocantins e pelo Amazonas
A igreja, uma das mais conhecidas de Lisboa, foi rísticas da inspiração de base: o espírito missionário. acima. Também a do P.e Jerónimo Lobo, que, pela
começada a construir em 1565, imitando a Igreja Durante este primeiro período houve uma única Abissínia adentro, descobre um dos lagos onde
do Gesù de Roma, com uma única nave, um dos província em Portugal, à excepção de um período nasce o Nilo: o Nilo Azul. Pela sua espantosa
maiores tectos de Lisboa, construído com madeira de cerca de 12 anos em que chegou a haver duas actividade missionária, deve lembrar-se o nome de
que veio expressamente da Prússia. É ainda hoje das províncias (de 28 de Setembro de 1653 a 19 de S. João de Brito, o único santo e mártir da nossa
mais importantes igrejas de Lisboa, do ponto de Março de 1665: uma a norte e outra a sul do Tejo). história, desde a fundação da nacionalidade. Em
vista artístico, e destacou-se ainda pela qualidade síntese, neste primeiro período, no séc. XVI, houve
dos oradores que passaram pelos seus púlpitos – o 3. Acção missionária no primeiro período. 75 expedições missionárias, num total de 630
P. e António Vieira, S. Francisco de Borja (então Francisco Xavier parte para a Índia a 7 de Abril de missionários e numa média de 10,8 por ano; no
terceiro Superior Geral em Roma), S. João de Brito, 1541 e Simão Rodrigues permanece para organizar séc. XVII, 186 expedições, num total de 1585
o Beato Inácio de Azevedo –, por ter sido Sede da o novo Instituto em Portugal, mas ainda apenas com missionários e numa média de 15,85 por ano; no
Patriarcal de Lisboa depois dos sucessivos incêndios fórmulas exclusivamente missionárias. Esta viagem séc. XVIII, 113 expedições, num total de 1105
por que esta passou e, enfim, por albergar os de Xavier é a primeira das 374 expedições missio- missionários e numa média de 19,7 por ano. Ou
despojos mortais do primeiro Patriarca de Lisboa, os nárias saídas de Lisboa, durante 215 anos: uma média seja, neste primeiro período houve 374 expedições,
de D. Fernando Martins Mascarenhas, Bispo do de 15,4 missionários por ano, para todos os cantos 3320 missionários e numa média de 15,4 missionários
Algarve, de D. Álvaro Abranches, Bispo de Leiria, os do Padroado Português, que será ampliado pelos por ano.
daquele que é considerado um dos maiores teólogos próprios missionários até onde não tinha ainda
da Companhia de Jesus, Francisco Suárez, os do chegado a jurisdição do Rei de Portugal. Os Jesuítas
fundador da Província Portuguesa, Simão Rodrigues, chegam à Índia em 1542, às Molucas em 1546, ao
e os do P.e Pedro da Fonseca, um dos grandes autores Congo em 1547, ao Japão e ao Brasil em 1549, a
de Os Conimbricences, compêndio de filosofia Cantão em 1555, à Etiópia em 1557, a Angola e ao
universalmente conhecido. A partir da aprovação Monomotapa em 1560, a Macau em 1565, ao Grão-
oficial pelo papa, a 27 de Setembro de 1540, poder- -Mogol em 1579, ao Império da China em 1583, ao
-se-á dividir a história da Companhia de Jesus em Pegu e Bengala em 1598, a Cabo Verde e Guiné em
Portugal em quatro períodos. 1604, ao Maranhão em 1607, a Madagáscar em
1613, à Cochinchina em 1615, ao Camboja em 1616,
2. Primeiro período (1540-1759). O novo Instituto, ao Tibete em 1624, ao Tunquim e Sião em 1626, ao
segundo a proposta feita ao papa, é essencialmente Laos em 1642. Para todas estas missões, embarcaram
missionário (“ser enviado a qualquer parte do mundo em Lisboa, de 1600 a 1602, 58 indivíduos de
às ordens do Papa”), para acudir às necessidades nacionalidade portuguesa; de 1629 a 1630, 50 da
mais urgentes da Humanidade, em conformidade mesma nacionalidade; e de 1700 a 1709, 125. Em
com o entender do mesmo papa, ao qual farão um 1614, trabalhavam no Japão 116 missionários; em
voto especial de disponibilidade, de acordo com os 1600, em todo o Oriente, 600; e 660 em 1635; em
critérios do discernimento espiritual, expresso nas 1749, no Oriente e na América, 893.
Constituições, e o ensino da experiência no terreno Ao contrário do que por vezes se pensa, a grande
transmitido pelos companheiros. Por isso, nos placa giratória, no que respeita à missionação no
primeiros 12 anos – enquanto Inácio, em reuniões Oriente, não foi Goa, mas Macau. Do ponto de vista
frequentes com os companheiros que se encontravam do “encontro de culturas”, os Jesuítas criam varia-
mais perto de Roma, ia redigindo as Constituições díssimas formas de adaptação missionária. De Roma, Imagem de S. João de Brito na igreja
– serão proibidos a nível de toda a Companhia conseguem várias alterações na liturgia romana, com o mesmo nome, Lisboa (PCC)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

4. Acção cultural no Padroado Português. Uma Pequim, oito jesuítas foram presidentes; vários foram
breve panorâmica permite ilustrar a dimensão da assessores e muitos colaboradores. O P.e Ferdinando
actividade cultural da Companhia: na Província de Verbiest, graças ao seu prestígio científico, conse-
Goa, um colégio para formação de jesuítas, 4 guiu do imperador a revogação das leis contra o
seminários, 9 colégios e uma escola. Na Província Cristianismo e a permissão de que pudesse ser pre-
do Malabar existia um colégio para a formação de gado o Evangelho em todo o império. Este mesmo
jesuítas, 5 seminários e 12 colégios. Na Província do missionário, ao falecer em Pequim, em 1688, teve
Brasil havia 2 colégios para a formação de jesuítas, funerais oficiais do império chinês.
4 seminários, 8 colégios e 3 escolas de alfabetização.
Vista da fachada principal da Igreja do Colégio, Funchal (DRAC)
A Província do Japão tinha um colégio para formação 5. Acção cultural no continente, durante o
de jesuítas (em Macau), 7 seminários e 2 colégios. primeiro período. Sob a influência de Francisco
A Vice-Província da China contava com um colégio Xavier e de outros companheiros, o Fundador opera O certo é que esta pequena província chegou a ter,
para formação dos jesuítas (Macau), 2 seminários; uma viragem no novo instituto, admitindo colégios só em Portugal, 28 colégios, uma universidade (em
4 colégios. Na Vice-Província do Maranhão havia 6 externos, como actividades próprias da Companhia. Évora) e duas escolas. Em 1590, frequentavam o
seminários, 2 colégios e 2 escolas de ensino básico. Em Portugal, na primeira casa que tiveram no mundo, Colégio das Artes 2000 alunos. O de S.to Antão-o-
Para informação histórica, geográfica e etnológica, S.to Antão-o-Velho (na Mouraria), que lhes cedeu -Novo chegou a ter outros tantos e o de Évora 1600.
os Jesuítas compõem variadíssimas obras e escrevem D. João III, abrem, nos princípios de Fevereiro de Nos finais do séc. XVI, os principais centros educativos
um número incalculável de cartas. Nas diversas línguas 1553, o que havia de ser o primeiro colégio (para dos Jesuítas eram os colégios de Coimbra, de S.to
nativas (sânscrito, tamul, concani, canarês, singalês, Antão e a Universidade de Évora (fundada em 1559),
bengali, siamês, annamita, japonês, chinês, tupi, mas a sua acção desenvolvia-se ainda em Braga
maramomi, geez, amaharico, caldeu, conguês e an- (1560), Bragança (1561), Funchal (1570), Angra
golense), elaboram obras didácticas, científicas e (1570), Ponta Delgada (1591) e Faro (1599),
literárias. Para o efeito, levam impressoras em tipos ampliando-se, no séc. XVII, a Portalegre (1605),
nativos. Instalam oficinas de tipografia na Índia (Goa, Santarém (1621), Porto (1630), Elvas (1644), Faial
Cochim, Vaipicota, Ambalacata, Rachol), no Japão (1652), Setúbal (1655), Portimão (1660) e Beja (1670),
(Nagasáqui, Amacusa), na China (Macau), em Angola, além do aprofundamento da actividade lectiva em
no Brasil. Só na China, até 1669, publicam 141 volumes Lisboa, com o Seminário de S. Patrício (1605), para
sobre temas religiosos, 55 sobre física e moral e 100 a formação do clero irlandês, e o Colégio de S.
sobre matemática. A pedido do imperador, levam a Francisco Xavier, em Alfama (1677). Merece ainda
cabo a reforma do calendário chinês, que desde há referência a casa professa de Vila Viçosa (1601) e o
muito se encontrava desactualizado. Esta reforma Noviciado de Monte Olivete (1619), em Lisboa. No
Colégio do Espírito Santo, Universidade de Évora (PB)
gigantesca foi começada pelo P. e Adam Shall e séc. XVIII, estabelece-se o Noviciado das missões da
terminada pelo P.e Ferdinando Verbiest, em 1670 Índia, em Lisboa (1705), o Seminário dos S.tos Reis,
(encontra-se um exemplar em latim e em manchu, externos) da Companhia a ser inaugurado em em Vila Viçosa (1735), e o Colégio de Gouveia (1739).
na biblioteca de Gand e outro em Paris, na biblioteca Portugal, com 150 crianças de todas as classes sociais. Como se vê, deve-se aos Jesuítas a primeira rede
de S. Geneviève). Na Academia das Matemáticas de São tantos os pedidos que, com a colaboração da escolar lançada em Portugal, saindo das suas escolas
Câmara de Lisboa, se têm de fazer ampliações no homens como D. Fernão Martins Mascarenhas, D.
coleginho e se terá de fazer, mais tarde, em 1593, Rodrigo da Cunha, Manoel de Meneses, Luís
a trasladação para o novo colégio que, com a ajuda Pimentel, Manuel Bernardes, Manuel Caetano de
do Cardeal D. Henrique, se começara a construir Sousa, Alexandre de Gusmão, António Ribeiro
em 1579: S.to Antão-o-Novo (actual Hospital de S. Sanches, Garção, Castro Sarmento e Monteiro da
José). Perante o sucesso do Colégio de Lisboa e do Rocha. Deve lembrar-se, em particular, o nome do
de Évora (embora fundado depois do de Lisboa para P.e António Vieira, que, a par da marca que legou
externos, foi inaugurado antes), afluem de todos os enquanto “orador sagrado”, pugnou pela inde-
pontos do país pedidos para fundações semelhantes. pendência de Portugal e pela salvaguarda dos
D. João III apoia, na medida do possível, estas territórios ultramarinos, sobretudo do Brasil, face ao
iniciativas dispendiosas, tanto mais que ele próprio, ataque dos espanhóis, dos holandeses, dos franceses
já muito antes da fundação dos colégios jesuítas, e dos ingleses, além de defender a liberdade dos
assumira o pesado encargo da renovação cultural índios e de ter lutado durante 30 anos em favor dos
do país, com o envio de bolseiros às universidades cristãos-novos, chegando a obter do papa a suspensão
estrangeiras, com a renovação da universidade e das actividades da Inquisição durante sete anos.
sua trasladação para Coimbra, através da fundação
do Colégio das Artes com os professores que mandou 6. Pombal e os Jesuítas. Depois de muitos anos
vir de Bordéus e com a restauração de numerosas de íntima amizade entre Sebastião José de Carvalho
escolas que viviam à sombra das catedrais e dos e Melo e os Jesuítas, forjada durante as estadias
conventos. A generosidade do monarca desencadeou daquele em Londres e em Viena, dá-se o primeiro
no reino uma explosão de novas fundações, que choque com a aplicação do Tratado de Madrid de
chegaram a pôr em perigo esta pequena província 1750, em que o Exército português, por um lado,
jesuítica, que tinha também de acudir à enorme e o espanhol, por outro, foram derrotados pelos
P.e António Vieira (JAM) hemorragia causada pelas expedições missionárias. índios. Não tardou muito para que Pombal atribuísse

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

a causa do desaire aos Jesuítas, que, segundo ele, ficadora, é justo lembrar que, na falta de outras Buenos Aires o que havia de ser um primeiro esboço
teriam armado e preparado os seus índios. A seguir, instituições que pudessem funcionar – quer em terras do colégio que trazia em mente. Na área de
o conflito alastra ao Maranhão, em que os Jesuítas, de missão, quer no ensino em Portugal – como forças Campolide, com a colaboração do Ir. Martinho
sentindo-se na obrigação de proteger as aldeias dos de sã competição, a Companhia nem sempre se Rodrigues, sobrevivente da missão francesa, e de
índios, opõem-se ao monopólio da Companhia do manteve na linha prevista pelo Fundador, afastando- um irmão espanhol, compra a Q.ta da Torre, que
Grão-Pará e Maranhão. São imediatamente expulsos -se, sobretudo no séc. XVIII, do primitivo espírito de havia pertencido a João de Lemos, e, em 1858,
destas missões da Amazónia 15 jesuítas, em 1756, humildade, de mobilidade e de criatividade começa a construir o Colégio de Maria Santíssima
seguindo-se a expulsão de todos do continente e constantes, particularmente no que respeita ao Imaculada: o Colégio de Campolide, onde actual-
dos demais territórios do padroado, a 3 de Setembro ensino. mente estão instalados serviços da Universidade
de 1759, precisamente no dia aniversário do atentado Nova de Lisboa. Um século depois da expulsão pelo
sofrido por D. José. Enchem-se de jesuítas várias 7. Segundo período (1829-1834). A 7 de Agosto Marquês de Pombal, é fundada, a 27 de Setembro
prisões do país: 227 em S. João da Foz (Porto), 20 de 1814, o Papa Pio VII, através da Bula Sollicitudo de 1858, a missão portuguesa e nomeado Superior
no Forte de Almeida (Beira Alta), 179 no palácio do omnium ecclesiarum, restaurou a Companhia de o P.e Rademaker. Em 1860, abre o Noviciado do
Duque de Aveiro em Azeitão, transformado em Jesus. No entanto, o governo português, então no Barro, perto de Torres Vedras, e, no ano seguinte,
cárcere; nas prisões da capital: 7 no Castelo de S. Rio de Janeiro, comunica a Roma que não iria aceitar a Companhia assume a direcção do Seminário das
Jorge, 10 no Forte da Junqueira, 22 na Torre de o documento papal nem admitir Jesuítas em território missões de Cernache do Bonjardim. Em Setembro
Belém e 123 no Forte de S. Julião da Barra, 5 em português. No reinado de D. Miguel, porém, o Duque de 1863, constitui-se oficialmente a missão portu-
vários conventos e alguns nos Fortes da Trafaria e de Cadaval, chefe do governo miguelista, pede aos guesa, que teve como primeiro Superior o Padre
jesuítas franceses, recentemente expulsos de seus italiano Francisco Xavier Fulconis. A 25 de Julho de
colégios, que venham restaurar a Província Portuguesa 1880, é restaurada a Província Portuguesa da
da Companhia de Jesus. Os primeiros contactos são Companhia de Jesus, sendo o Padre italiano Vicente
estabelecidos por António Ribeiro Saraiva, diplomata Ficarelli o primeiro Provincial. A expansão prossegue
português em Londres que, em Agosto de 1828, de a bom ritmo, com abertura de casas em Lisboa
passagem por Paris, expõe ao P.e Nicolau Godinot, (1864), no Porto (1870), em Coimbra (1871), na
Provincial em França, o projecto de vinda de jesuítas Covilhã (1871), em Braga (1875), em Setúbal (1878),
franceses para Portugal. A 15 de Março de 1829, em Castelo Branco (1879). Após um hiato,
é fundada a missão de Portugal da Companhia de inauguram-se residências em Guimarães (1891), a
Jesus, chefiada pelo Padre belga Phillipe J. Delvaux. que se junta um seminário menor (1892), um colégio
São recebidos, durante alguns meses, pelos padres (transferido para o Porto em 1906 e encerrado em
de S. Vicente de Paulo, no seu convento, na R. da 1909), casas em Setúbal (1893), Angra do Heroísmo
Cruz da Correia, hoje Hospital Miguel Bombarda, (1896), Viana do Castelo (1898), Póvoa de Varzim
Fachada principal da Igreja de N. Sr.ª da Conceição passando sucessivamente para o Palácio do Duque (1903).
do Colégio dos Jesuítas, Santarém (SMA) de Lafões, ao Beato; depois, para o Palácio do Lavra,
na esquina da Calçada do Lavra com a R. de S. José 9. Acção missionária. Os Jesuítas fundam a missão
e, finalmente, a 27 de Dezembro de 1830, para a de Goa em 1890, com três colégios (Belgão, Allepey,
do Bugio. Nestes cárceres hão-de morrer vários primitiva Casa de S.to Antão-o-Velho, na Mouraria, Cochim) e um seminário (Allepey), num total de
religiosos: 37 em S. Julião da Barra, 31 em Azeitão, agora na posse dos Eremitas de Santo Agostinho, 1068 alunos. No mesmo ano, fundam a missão de
e 2 no Castelo de S. Jorge. Os demais seguem o e que se transforma em Noviciado. Por Carta Real Macau, com o Seminário de S. José (100 alunos) e
caminho do exílio: 629 de Portugal, 390 do Brasil, de 9 de Janeiro de 1832, D. Miguel restitui aos a Escola de Soibada em Timor, em 1897 (76 alunos).
101 de Goa, 15 do Malabar, 22 da China e 23 do Jesuítas o Colégio das Artes de Coimbra, revoga o Para a África Oriental, a partir de 1890, vêm jesuítas
Japão, morrendo muitos no decorrer destas viagens decreto de extinção e promulga o diploma de de vários países. Fundam 8 missões, 3 paróquias, 6
– 24 na travessia de Goa para Lisboa, 9 do Brasil admissão oficial a 8 de Setembro de 1832. A 10 do colégios (Quelimane, Milange, Inhambane,
para Lisboa e 5 de Macau até Lisboa. A par da mesmo mês, é restituído o Colégio do Espírito Santo Chupanga, Coalane e Angónia), 2 internatos (Boroma
expulsão, desenvolve-se uma autêntica campanha de Évora (que fora universidade). Mas, com a chegada e Zumbo) e 15 escolas de primeiras letras e catequese,
antijesuítica a nível internacional, apoiada na célebre das tropas liberais a Lisboa, a 24 de Julho de 1833, com um total de 1239 alunos. Elaboram oito livros
Dedução Cronológica e Analítica, e que culminou os 17 jesuítas franceses que trabalhavam em Coimbra de estudos linguísticos sobre as línguas das várias
no Breve Dominus ac Redemptor, de Clemente XIV, são de novo expulsos, a 24 de Maio de 1834, e etnias; investigam a flora da região do Zambeze
que a 21 de Julho de 1773 extinguiu a Companhia intimados a comparecer no Forte de S. Julião da num livro intitulado Plantae Menyharthianae; com-
de Jesus. O único jesuíta objecto de um julgamento Barra. Graças ao embaixador de França, conseguem põem um resumo da História Sagrada em língua de
formal, em que seria condenado à morte, foi o padre embarcar para Génova, a 7 de Julho de 1834. De Quelimane e, em Timor, na língua tétum.
italiano Gabriel Malagrida. A causa da expulsão não igual modo, aos jesuítas de Lisboa, quando D. Pedro
se encontra apenas nas novas concepções de Estado entrou na capital, em Julho de 1833, foi determinado 10. Acção cultural no continente. São fundados
das nações católicas: no absolutismo da Corte, que que embarcassem em navios rumo a Itália e Inglaterra. vários colégios. Ficaram mais conhecidos em
não admitia que o poder do rei derivasse de Deus dimensão e influência social o Colégio de Campolide,
para o povo, o qual delegaria no rei (como ensinavam 8. Terceiro período (1858-1932): primeiro sub- em Lisboa (fundado em 1858) e o de S. Fiel, em
os Jesuítas nas suas escolas) e no regalismo da época período (1858-1910). Carlos Rademaker entra na Louriçal do Campo (fundado em 1863). Nestes dois
(ou seja, que os súbditos destes reis absolutos deviam Companhia, no Piemonte, faz os votos no Noviciado Colégios, organizam-se, com frequência, viagens de
primeiramente obedecer a eles e não ao papa, como de Loyola e volta para Lisboa, onde é ordenado observação a vários pontos do país e de Espanha,
era próprio dos Jesuítas pelo seu especial voto de Sacerdote (1851) e envida esforços para restaurar para estudar in loco eclipses e outros fenómenos
obediência à Santa Sé). Numa abordagem simpli- a Companhia de Jesus. Em 1857, abre na R. de astronómicos. Entre outros alunos que se notabi-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

que chegou a ser Superior o P.e António Barroso, às colecções, duas Comissões serão nomeadas, uma
depois celebrizado como missionário e bispo. Em para Campolide, outra para S. Fiel, para que decidam,
1878, abrem o Colégio de Setúbal, destinado à segundo o que entenderem ser para o progresso da
formação científica dos membros da Companhia. ciência”. Por seu lado, a Sociedade Portuguesa de
A Escola Apostólica (Seminário Menor), fundada no Ciências Naturais já se encarregara de pedir ao
Barro em 1880, foi transferida para Guimarães em Ministro da Justiça a restituição das colecções aos
1892, a que se lhe acrescentou em 1900 o Colégio naturalistas, seus proprietários. Parte dos instru-
da SS.ma Trindade, até 1906. Neste mesmo ano, foi mentos científicos que pertenceram a estes colégios
fundado o Colégio de S. José no Porto. encontra-se em lugares desconhecidos. Foi então
Nos princípios de 1902, foi lançada a Revista Brotéria,
como revista de ciências naturais do Colégio de S.
Fiel, por um grupo de professores. Em 1907, a revista
Convento da Costa, Guimarães (JAM)
organiza-se em três séries: duas mais especializadas,
a Série Botânica e a Série Zoológica, e outra de
lizaram nestes dois colégios, podemos mencionar Vulgarização Científica. Em 1925, a série de
Almada Negreiros, aluno de Campolide, e o médico Vulgarização Científica começará a publicar-se como
e Prémio Nobel Egas Moniz, que estudou em S. Fiel, Revista de Cultura Geral e, a partir de 1932, as suas
do qual deixou o seguinte testemunho no livro A séries científicas fundir-se-ão na de Ciências Naturais.
Nossa Casa: “davam certo desenvolvimento à parte Desde 1980, a série científica tomará o nome de
experimental, o que contrastava com a maior parte Brotéria Genética. Distinguiram-se, neste período,
do ensino liceal desse tempo. O laboratório de vários especialistas em Ciências Naturais: Joaquim
Colégio de S. Fiel, Louriçal do Campo (DB)
química e o gabinete de física estavam suficien- da Silva Tavares, Cândido Mendes, Carlos
temente apetrechados e o ensino baseava-se em Zimmermann, Camillo Torrend e Afonso Luisier. Silva
experiências sempre que isso era possível”. Com a Tavares dedicou-se às zoocecidas; Zimmermann que se levantou, entre os diários republicanos do
expulsão dos Jesuítas em 1910, parte destes especializou-se nas diatomácias; Cândido de Mendes país, uma autêntica guerra: uns, defendendo que
instrumentos didácticos de física e de química do dedicou-se aos lepidópteros-paleárticos e contava as ditas colecções pertenciam aos naturalistas; outros,
Colégio de S. Fiel acabaria por ser transferida para na sua colecção umas 800 espécies dos arredores que eram agora propriedade da Humanidade e ainda,
um estabelecimento de ensino oficial de Castelo de S. Fiel; M. N. Martins ocupou-se dos coleópteros; segundo outros, que pertenceriam ao Governo.
Branco, e as várias colecções de animais e plantas Atanásio Silvano dos nevrópteros; Manuel Rebimbas É difícil saber o que realmente aconteceu a essas
levadas para o Museu da Universidade de Coimbra. e Paulino Vieilledent dos lepidópteros da região de colecções: se foram restituídas ou não; se alguns
Quanto ao material que possuía o Colégio de Setúbal, e Joaquim da Silva Tavares, para variar na materiais que hoje se encontram no Instituto
Campolide, foi disperso por vários estabelecimentos sua dedicação às zoocecidas, entregava-se também Nun’Alvres (Caldas da Saúde), ou se algumas das
oficiais, não se sabendo ainda hoje o seu exacto aos dípteros, hymenópteros e ortópteros. Assim se colecções depositadas no Museu de Ciências Naturais
paradeiro. Apenas se sabe, com toda a certeza, que foi formando no Colégio de S. Fiel um museu da Universidade de Coimbra são provenientes do
entomológico, não só regional, mas também de espólio dos dois colégios.
todo o país e das regiões ultramarinas e uma
biblioteca correspondente. O mesmo aconteceu no 11. Terceiro período (1858-1932): segundo sub-
Colégio de Campolide. Oliveira Pinto, na sua período (1910-1932), no exílio. A 8 de Outubro
especialidade de Física, dedicou-se ao estudo da de 1910, foram repostos os Decretos de Pombal e
radioactividade das águas termais de Portugal; de Aguiar que determinavam a expulsão dos Jesuítas
Camillo Torrend, à investigação dos fungos do de Portugal. Antes de seguirem para o exílio, os
continente e das regiões ultramarinas; e Afonso religiosos ficaram presos em Lisboa: uns no Quartel
Luisier ao estudo dos musgos de Portugal e da de Artilharia Um, outros na prisão do Governo Civil,
Madeira. Porém, com a expulsão dos Jesuítas em outros em Caxias e outros ainda no Limoeiro. Desta
1910, praticaram-se actos de vandalismo no Colégio vez, o exílio não interrompe a sucessão dos
de Campolide, de onde desapareceram os valiosos provinciais, enquanto o governo da província e muitas
instrumentos de física, conseguindo apenas o P.e casas continuam as suas actividades no estrangeiro.
Claustro do Convento da Costa, Guimarães (JAM)
Torrend reaver alguns dos seus manuscritos. No A casa provincial traslada-se, de início, para Exaten
Colégio de S. Fiel, mais longe do foco revolucionário, (Holanda); para Alsemberg (Bélgica), em 1911; para
estas colecções de muito valor científico foram ainda se puderam salvar alguns livros, mas as Tuy, em 1914; regressa ao Porto, em 1932; e a Lisboa
objectos de grande polémica entre os jornais colecções, os instrumentos científicos de física e de em 1934. O Noviciado e formação trasladam-se, de
republicanos, defendendo uns que o Governo não química não foram resgatados. Uma vez no exílio, início, para Exaten (Holanda); em 1911 para
se podia apropriar desse espólio por ser propriedade os Jesuítas, perante o sequestro de tantos dos seus Alsemberg (Bélgica); desde 1915, para Múrcia; em
da Humanidade, enquanto outros apoiavam o trabalhos, ao que parece selados agora nos dois 1921, passa para S. ta Maria de Oya, na Galiza;
Governo. Em 1860, os Jesuítas fundam o Colégio colégios, escrevem, a 30 de Outubro de 1910, ao regressa a Alpendurada em 1932; o Colégio Máximo
de N. S. a dos Anjos do Barro (Torres Vedras), ministro do interior, para que lhes fossem restituídas (Filosofia) regressa a Guimarães (Costa), também em
destinado à formação dos membros da Companhia. as suas colecções e instrumentos científicos. O 1932. A Residência de Braga (Mensageiro) e casa
Desde 1861 até 1871, orientaram o Colégio das ministro respondeu que a solução pertencia ao de exercícios são transferidas para Tuy, S. Telmo
Missões de Cernache do Bonjardim, nessa altura Ministério da Justiça. A questão foi, por isso, levada (desde 1911), e regressam em 1931. A Residência
chamado Real Colégio das Missões Ultramarinas, de a Afonso Costa, que respondeu o seguinte: “quanto da Covilhã passa para Ciudad Rodrigo (desde 1911),

200
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

retornando em 1929. A Residência de Lisboa é o Colégio do Recife existe desde 1917; a Residência para ministérios apostólicos e para consultar os
transferida em 1910 para Pau (França) e, em 1911, do Pará, desde 1917; o Seminário do Pará, a partir arquivos das nossas bibliotecas, hospedando-se em
para Alsemberg; regressa, como “Missão de Lisboa”, de 1912, em Belém; o Posto missionário de Sorocaba, casa de pessoas amigas. Assim, segundo o Arquivo
em 1925, e como residência, em 1928. A Residência desde 1911 (Estado de S. Paulo); a Residência de da Província Portuguesa, os jesuítas que se
do Porto, em 1910, segue para Vigo; em 1911, para Belém, desde 1913, em Cachoeira (Estado da Bahia); deslocavam a Lisboa eram recebidos pela família de
Pau (França); e regressa, como residência, em 1927. o Posto missionário do Rio Preto, desde 1919; o D. Emília de Almeida, na Calçada dos Mestres, em
O Colégio de Campolide traslada-se, em 1912, para Posto missionário de Baturité, desde 1922; a Escola
Dielighem-Jette (Bruxelas); desde 1914, para Los Apostólica, desde 1927; o Noviciado em Baturité,
Placeres; desde 1916, para La Guardia; e regressa, em 1932; o Juniorado, em 1934; o Posto missionário
em 1932, para as Caldas da Saúde (S.to Tirso). A de Fortaleza, desde 1926; a Residência de Fortaleza,
Casa de Escritores passa, desde 1913, para em 1929; a Casa de Exercícios, em 1932.
Alsemberg; para Marin (Pontevedra), em 1914; para No que se refere à missão de Goa (1911), podemos
S.ta Teresa (Pontevedra), em 1917; regressa, como referir os seguintes aspectos: Seminário de Allepey,
“Missão de Lisboa”, em 1928; e, como casa de Residência de Belgão, Residência de Cochim;
escritores, em 1931. A Escola Apostólica é transferida Seminário de Meliapor; Colégio de Belgão (desde
para Salamanca, em 1910; em 1915, para S. Martin 1918); Colégio de Cochim (desde 1918); em 1948,
de Trevejo; e regressa para Guimarães (Costa), em há 12 postos de missão no respectivo vicariato.
1932. O Colégio da Covilhã regressa em 1932. A A missão da China aparece a partir de 1913 em
Residência da Póvoa de Varzim é fundada em 1923. Shiu-hing; a partir de 1930, no Seminário de S. José
Convento de Alpendurada, Marco de Canaveses (LMA)
A partir do início dos anos 20, começam a reabrir de Macau; Colégio Stella Maris, desde 1926;
discretamente casas de Jesuítas no continente: Póvoa Residência da Sagrada Família, em Shiu-Hing (desde
de Varzim (1923), Lisboa e Braga (1925), Porto (1927) 1916); Seminário de S. José de Macau, a partir de Campolide. Nela habitaram largas temporadas os
e Covilhã (1929). 1926. Quanto a postos missionários, surgem: Shiu- P.es Francisco Rodrigues, Jorge Schurhammer e Luís
-Hing (desde 1913); Hueng-Shan (desde 1928); Go- Gonzaga de Azevedo, para começarem os seus
-Tsuen (1931); Lak-Chuk-Wai (desde 1918); Shuihang trabalhos de investigação histórica. Mas já antes se
(1927); Ts’inwan (1913); Chikhom (1924); Yan-Ping fundara, na Póvoa de Varzim, a Residência da Póvoa,
(1926); Tak-Hing (1926); Tau-Tau (1926); Sanhing mais do Sagrado Coração de Jesus. Em Outubro de
(1928); Hoi-Ping (1929); Shek-Ki (1931); Siu-Lam 1925, já se pôde abrir em Lisboa uma pequena
(1931). Em 1950, há, no Vicariato de Shiu-Ing, 8 residência, na R. dos Navegantes, de que foi primeiro
postos de missão, no de Sek-ki, 4, no de Chi-hom, 3. Superior o P.e Manuel Tavares Rebimbas. Só a 10 de
Outubro de 1934 se pôde trasladar a Cúria Provincial
do Porto para Lisboa. Também em Braga se fundou,
em 1925, aquilo a que se chamou na altura “Missão
Bracarense” e que se tornou em 1930 a Residência
de Braga; no Porto, em 1927, a Residência do Porto;
em Lisboa, em 1928, o que se chamou a Statio Beati
Bellarmini, ou seja, o primeiro núcleo da revista
Brotéria, tendo como director o P.e Joaquim Tavares;
e, em 1929, a Residência da Covilhã.

14. Actividade no continente. O antigo Colégio


de Campolide, agora nas Caldas da Saúde (S. to
Tirso), continua com o novo nome de Instituto
Nun’Alvres, que tomou na Bélgica, em Jette-Saint
Colégio de Campolide, Lisboa (DB) Casa de Soutelo (JAM)
Pierre (ao começarem as aulas, a 7 de Novembro
de 1912), com um total de 200 alunos. Por causa
da guerra de 1914-1918, instala-se em Espanha,
12. Nas missões de Ultramar. Grande parte dos 13. Quarto período (a partir de 1932). O ano de em Los Placeres, com a abertura das aulas a 3 de
jesuítas vai formar, a partir de 1911, a missão do 1932 corresponde àquele em que a Cúria Provincial Novembro de 1914. E, quatro anos depois,
Brasil, que se tornará independente da Província de se instalou em território português (no Porto, na R. estabelece-se em La Guardia, com o início das aulas
Portugal pelo Decreto do Geral Ledochowski de 8 das Valas) pela primeira vez, depois do exílio de a 11 de Outubro. Com a proclamação da República
de Dezembro de 1938. A sede central fica no Rio 1910. Esta passará, em 1985, da R. da Lapa (Lisboa), e com a guerra civil em Espanha, a 6 de Fevereiro
de Janeiro, desde 1911, e desde 1912, na Bahia; o onde se fixara em 1934, para a Estrada da Torre, de 1932 organiza-se a transferência para o Hotel
Colégio António Vieira é fundado na Bahia (desde no Lumiar. Aí funciona, ainda hoje, o Secretariado das Termas das Caldas da Saúde (S. to Tirso). Em
1911); o Instituto S. Luís Gonzaga e Residência ficam, das Missões, o Centro Universitário Padre António Fevereiro do ano seguinte, renascia a tradicional
a partir de 1912, em Caeteté (Bahia); a Residência Vieira (CUPAV), desde 1984, e, desde 1995, o Gabinete banda, com os seus primeiros ensaios. Desde 1 de
de S.to António: desde 1913, na Bahia; a Residência de Imprensa e o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS). Maio de 1932, sob a orientação científica do P.e
do Coração de Jesus, em S. Carlos do Pinhal, desde Todo este conjunto acha-se no Centro Inaciano do Alphonse Luisier, funciona até hoje uma Estação
1911 (Estado de S. Paulo); a Residência de S. José, Lumiar. Já muito antes, amainando a perseguição Meteorológica no INA; e desde 1940 a 1970, o P.e
em Campanha, desde 1911 (Estado de Minas Gerais); religiosa, alguns jesuítas começaram a vir a Lisboa, João B. Mendes montou o posto emissor CTUPV.

201
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

Graças ao trabalho do P.e Luisier, o INA orgulha-se fase do edifício e, a 7 de Outubro de 1975, entra universitários, importa saber que, em 1959, o Centro
de possuir uma das mais completas colecções de em funcionamento o jardim-de-infância e também Académico de Braga (CAB) inicia actividades.
musgos do país. Com a inauguração do novo teatro em Outubro, mas do ano seguinte, inaugura-se o O Centro Académico da Covilhã é fundado em 1966.
em 1948, puderam recomeçar-se as representações edifício da primária. São introduzidas no colégio as Neste mesmo ano, funda-se o Centro Manuel da
e exibir mais de 400 filmes. Em Novembro de 1962, novas técnicas audiovisuais, particularmente na Nóbrega, no L. do Observatório, 9, até 1968; em
inicia-se o curso nocturno para operários dos disciplina de Religião, com um curso organizado em 1975, a Residência do SS.mo Nome de Jesus (em
arredores do colégio. No ano lectivo de 1986-1987, 1970. Todos os sectores do colégio, em Outubro de Coimbra, na Couraça de Lisboa); e em 1980, o
deu-se início à área de Informática de Sistemas. No 1986, começam a funcionar em regime de autonomia
ano lectivo de 1989-1990, abre o Colégio a Escola pedagógica. A 4 de Fevereiro de 1993, inaugura-se
Profissional do Vale do Ave (ARTAVE). São dignas o pavilhão gimnodesportivo. A 14 de Setembro de
de assinalar as colecções dos vários museus: Colecção 1994, é aberto o novo edifício da infantil. O ano
de Musgos (repartida em três sectores: Bryotheca 1995-1996 foi um ano de grandes remodelações
Europaeae, Bryotheca Atlantica e Bryotheca Exotica), na estrutura material do colégio, para se adaptar às
Colecção de Hepáticas, Colecção de Líquenes, novas exigências pedagógicas. Continuando a
Colecção de Borboletas e outros Insectos, Colecção tradição do audiovisual, no ano lectivo 1986-1987
de Conchas e Colecção de Ninhos e Ovos. A situação introduzem-se as primeiras aulas de informática e
em 2008 era de 3261 alunos do colégio, dos quais computarização e, em 1996, de sistemas de ligação
1304 são alunos do Centro de Cultura Musical. à Internet. A situação em 2008 correspondia a 1423
Quanto ao Colégio Máximo Beato Miguel de alunos diurnos e 308 nocturnos.
Carvalho, os estudantes jesuítas de Filosofia chegam A Companhia dirige também o Colégio da Imaculada
Cúria Provincial em Lisboa (JAM)
de Oya (Pontevedra) em 1932, instalando-se primei- Conceição de Cernache. A Escola Apostólica, fun-
ramente numa parte do Convento de S.ta Marinha dada durante o terceiro período, em 1880, no Barro,
da Costa (Guimarães) e, em 1934, no espaço que Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN);
hoje ocupam as novas instalações da Faculdade de em 1984, o Centro Universitário P.e António Vieira
Filosofia em Braga. Esta passagem a Faculdade de (CUPAV), em Lisboa, que é também Sede dos Leigos
Filosofia deu-se em 1947. Em 1967, passa a constituir para o Desenvolvimento e do Vogal da Direcção do
a Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Banco Alimentar contra a Fome; e, em 1989, o Centro
Portuguesa. Em 1994, os alunos jesuítas do Colégio de Reflexão e Encontro Universitário do Porto (CREU).
Máximo constituem a Comunidade Pedro Arrupe. A Residência do Porto, com a escola nocturna para
A situação em 2008 era de 728 alunos externos da adultos, é fundada em 1966; a Residência de Évora,
faculdade e 106 professores. em 1961; e o Instituto de Estudos Superiores de
Évora (IESE), em 1964 e suspenso em 1975.
Os Jesuítas também assumiram responsabilidades
ao nível paroquial, em termos pastorais e
Instituto Nun'Alvres, Caldas da Saúde, S.to Tirso (JAM)
administrativos. A Paróquia de S. Francisco de Paula,
em Lisboa, esteve sob responsabilidade pastoral da
é transferida para Guimarães em 1892, no exílio Companhia, entre 1964 e 2007. Em 1968, a Residência
passa sucessivamente por Salamanca e S. Martin de da Covilhã fica encarregue da Paróquia de S. Pedro.
Trevejo. No quarto período, passa, em 1932, de novo Em 1975, assumem as Paróquias de Aljezur e de
para Guimarães (mas para o Convento da Costa); Sines (S. Tiago de Cacém); a Casa e Paróquia do
em 1935, para Macieira de Cambra e, finalmente, Pragal (Almada); a Paróquia da Charneca de Caparica
em 1956 (de início apenas o 1.º e o 2.º anos) e em (Almada) e a da Aldeia de Paio Pires (Seixal). Em
1958, todos os anos para Cernache (Coimbra). Aqui, 1977, criam a Residência da Mexilhoeira Grande e,
em 1979, é transformada em simples colégio para em 1978, tomam conta da paróquia. Ainda no mesmo
externos. A situação em 2008 era de 735 alunos ano, estabelecem uma residência na Paróquia de N.
externos. S.a do Amparo em Portimão, com encargo da direcção
No que se refere ao Noviciado, do Barro passou para paroquial. Em 2008 contavam-se nove paróquias
Alsemberg, em 1912; daqui para Múrcia (Espanha), sob a responsabilidade da Companhia de Jesus.
Armas da Faculdade de Filosofia de Braga (SMA)
em 1914; para Oya (Espanha), em 1919; para As casas de retiros permitem desenvolver uma das
Alpendurada, em 1931; para Guimarães (Costa), em mais importantes faceta da acção pastoral dos
1937; para Soutelo, em 1950 e para Coimbra, em Jesuítas. Nesta última fase da história da Ordem de
Para assinalar a canonização do Beato João de Brito, 1978. Em Coimbra, o Noviciado teve três sedes: na Santo Inácio em Portugal, não deixaram de proliferar
funda-se em Lisboa, em 1947, na Alameda das Couraça de Lisboa a partir de 1978, na Q.ta de N.ª as casas dedicadas a esta matricial actividade da
Linhas de Torres, o Colégio S. João de Brito. Iniciam- Senhora do Loreto de 1991 a 2006, e na Casa de Companhia: a Casa de Retiros Cernache foi fundada
-se as actividades com um vice-reitor, 2 professores, Retiros de São José em Cernache desde 2006. A situa- em 1959; a do Rodízio, em 1964; o Centro de
3 irmãos e 11 alunos, a 28 de Outubro, no palacete ção em 2008 era de 9 noviços estudantes e um noviço Espiritualidade e Cultura de Soutelo, em 1978; em
da família Pessoa. A igreja será sagrada e inaugu- irmão. Já a Comunidade Pedro Arrupe, sediada em Coimbra, a Casa de N. Sr.ª do Loreto, em 1983; em
rada a 7 de Outubro de 1955. Em 1952, inicia-se Braga (estudantes jesuítas de Filosofia-Humanidades), 1993, a Casa de Retiros de N. Sr.ª das Neves (S.
no colégio o curso nocturno para operários. A 1 de contava com um total de 18 estudantes em 2008. Romão), numa encosta da Serra da Estrela. A situação
Junho de 1964, começa a construção da segunda Relativamente às residências académicas e centros em 2008 era de duas casas de retiros.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

Secretariado do Apostolado da Oração (Braga). Importa salientar os nomes de alguns jesuítas que
Começou por ser um simples boletim mensal, se notabilizaram como especialistas na área da
fundado em Abril de 1874 por um sacerdote História, com muita produção científica publicada:
espanhol, José Rodrigues Cosgaya, sob o nome de os P. es Francisco Rodrigues, Serafim Leite, Luís
Mensageiro do Coração de Jesus. Este sacerdote Gonzaga de Azevedo, Eugénio Jahlay, João Pereira
entregou a revista à Companhia. Foi assim que o Gomes, Domingos Maurício, José Vaz de Carvalho,
P.e José Joaquim de Afonseca Matos lançou, em Abril Mário Martins e António Lopes. Outros nomes se
de 1881, o Novo Mensageiro do Coração de Jesus, destacam igualmente em diferentes áreas: João
como órgão do Apostolado da Oração. De início, Mendes (em Literatura e Teoria Literária); Manuel
teve sobretudo uma função de intervenção pública, Antunes (em Cultura Clássica, Pedagogia e Pensamento
não isenta de intuitos polemizantes. Um dos seus Moderno); José Craveiro (em Espiritualidade); Joaquim
grandes escritores e polemistas foi o P.e Manuel Guerra (em Linguística e Literatura Chinesa); António
Fernandes Santana. Em 1910, a revista, ao completar Leite (em Direito Canónico); Luís Archer (em
trinta anos, abandonou o qualificativo de “Novo”, Biogenética).
passando a denominar-se apenas Mensageiro do
Coração de Jesus. Com o exílio, voltou, de novo, a 15. Actividade missionária Ad Gentes. No que se
Capa da Revista Brotéria (JAM) ser publicada em Janeiro de 1913, em Alsemberg, refere à missão do Brasil setentrional, esta continuou
na Bélgica, sob a orientação do P.e Joaquim dos a incrementar-se com o Noviciado e o seminário
Santos Abranches. Com a guerra, deslocou-se a menor em Baturité (Estado do Ceará), o Colégio
Os jesuítas portugueses foram responsáveis pela revista para Marin (Pontevedra), recomeçando a sua António Vieira na Bahia e o Colégio Manuel da
criação de cinco revistas. A mais célebre foi a revista publicação em Março de 1915 (e até 1928); passou Nóbrega no Recife, as residências apostólicas da
Brotéria, fundada em 1902, como revista de Ciências para a Residência da Póvoa, em 1932, e finalmente Bahia do Pará, a casa de exercícios em Fortaleza e
Naturais, desdobrando-se depois em diversas séries, para Braga (sua sede actual). Em 1934, passou a a missão do Maranhão. Esta região missionária tornar-
entre as quais a de Vulgarização Científica, a de -se-á independente de Portugal, como província, em
Botânica e a de Zoologia. Em 1925, a Brotéria sofre 1938. A missão de Goa, com sede em Belgão,
uma remodelação, sendo criada uma série cultural continuará com o Seminário de Allepey, com um
primeiramente intitulada Fé-Ciência-Letras, que vai total de 1245 alunos em 1933; o Colégio de Belgão,
ganhar expressão e grande influência social a partir com 438 alunos e o de Xavier de Pangim, tendo
de 1932, à luz do ideário da criação de uma Alta iniciado as suas actividades com 50 alunos; em 1945,
Cultura Católica. Ainda importa destacar a meta- o Colégio de Margão, com 420 alunos e, em 1949,
morfose da série científica desta revista em 1980, o Colégio de Mapuçá, com 275 alunos. Em 1963,
assumindo o título de Brotéria Genética, sob a toda a missão de Goa é transferida adminis-
trativamente para a Vice-Província de Goa-Poona.
A missão da China, com sede em Shiu-Hing (Cantão),
continuará a incrementar o Seminário de S. José,
em Macau, com novos alunos; o Colégio Stella Maris
de Shiu-Hing, com 200 alunos e os diversos postos
missionários de Heung-Shan, Ho-Tsuen, Lak-Chuk-
-Wai, Shiuang, Taut’au e Ts’ingwan, em 1933. Em
1935, esta missão toma o nome de missão de Macau.
Em 1936, ao Seminário de S. José, com 90 alunos,
juntar-se-á uma escola para alunos externos, com
208 alunos, e o colégio chinês com 250 alunos.
Mais três postos missionários são acrescentados aos
P.e Manuel Antunes (I)
seis anteriores. Em 1950, há no Vicariato de Shiu-
-Hing 8 postos de missão; no de Chi-Hom, 3, e no
residência a chamar-se Casa do Mensageiro do de Sek-Ki, 4. Em 1958, funda-se a Escola do SS.mo
Coração de Jesus, designação que se mantém até Rosário, que funciona até 1980; em 1964, a Escola
hoje. Em 1977, o Mensageiro foi renovado, quanto de N. S.a da Purificação, que funciona até 1971. Em
a objectivos, conteúdo e formato, como órgão do 1972, cria-se o Instituto Melchior-Carneiro, em
Sede da Revista Brotéria (JAM) Apostolado da Oração e, indirectamente, como actividade até 1980. Esta missão é transferida
órgão das CVX (as antigas Congregações Marianas). finalmente para a Província da China (secção de
Finalmente, a Magnificat é a continuação do Macau-Hong-Kong), em 1980. A missão da Zambézia
direcção de Luís Archer. A Revista Portuguesa de Mensageiro do Coração de Maria. No que diz respeito é restaurada a 20 de Agosto de 1941, com a sua
Filosofia, publicação da Faculdade de Filosofia de à chamada pastoral da imprensa, os Jesuítas sede na Residência de Lifidzi (Vila Coutinho).
Braga, é editada a partir de 1945. A revista de investiram também na criação de livrarias editoras. Em 1943, funda-se a missão de Boroma (Tete), em
Economia e Sociologia foi fundada em 1965, como Ganhou grande expressão editorial a Livraria 1944 a de Marara e, em 1945, a de Fonte Boa em
publicação do Instituto Superior de Évora. Apesar Apostolado da Imprensa, fundada no Porto, em Angónia (Tete) e, no mesmo ano, a Escola Normal
de este ter sido suspenso, a revista continua a ser 1957, que se fundiu mais tarde com a Livraria de Boroma. Em 1952, fundam a Paróquia de N.
publicada. O Mensageiro é uma publicação do Apostolado da Oração. S.a de Fátima, na Beira; em 1957, a missão do

203
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

Chiritse (Macanga, Tete); em 1963, a missão da Refugiados). A missão independente de Timor Leste 1911; B RANCO , N., Os Segredos dos Jesuítas em
Mpenha (Angónia, Tete), a Paróquia de Matacuane conta com a residência e paróquia em Taibessi-Díli. Portugal, Coimbra, Imprensa Académica, 1888;
(Beira) e a Paróquia de Quelimane; em 1964, a CABRAL, Luís Gonzaga, “Influência dos jesuítas. A
Residência de Lourenço Marques e o Noviciado da BIBLIOGRAFIA: Impressa: Álbum Commemorativo lenda e a História”, in Brotéria, vol. III, Lisboa, 1926;
Beira; em 1965, a missão do Msaladzi e a Paróquia do 50.º Anniversario da Fundação do Colégio de CABRAL, Luís Gonzaga, Passado Um Anno de Exilio:
de Ulóngue (Tete). Esta missão passa a Vice-Província Campolide, 1858-1908, s.l., s.n., s.d.; ALDEN, Dauril, Cartas aos Padres e Irmãs da Província Lusitana,
de Moçambique, em 1966, com o P. e Joaquim The Making of an Enterprise: The Society of Jesus Bruxelas, Tipografia E. Daem, 1912; CABRAL, Luís
Abranches como Vice-Provincial. Além das obras já in Portugal, its Empire and Beyond – 1540-1750, Gonzaga, Como Eu Conspiro: Prefação de um Livro
existentes, funda-se, em 1966, a missão do Zobué Stanford, Stanford University Press, 1996; ALMEIDA, In Memoriam, Valladolid, Florencio de Lara, Editor,
(Tete); em 1967, o Seminário de S. João de Brito do Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Nova 1911; CABRAL, Luís Gonzaga, Ao Meu Paiz: Protesto
Zobué; a partir deste mesmo ano, colaboram nas ed. preparada e dirigida por Damião Peres, Porto, Justificativo a propósito da Expulsão dos Meus
obras de carácter diocesano e interdiocesano; e, Livraria Civilização Editora, 1970; ALMEIDA, Fortunato Religiosos, Madrid, Estabelecimento Typographico
em 1968 e 1969, com o Centro Catequético Nazaré de, A Proposito do Caso das Trinas: Resposta ao De Pouranet, 1910; CAEIRO, José, História da Expulsão
e o Centro de Investigação Pastoral; em 1968, funda- Livro de Manoel Borges Grainha sobre os Jesuítas e da Companhia de Jesus da Província de Portugal
-se a Residência de Maputo; em 1970, a Paróquia as Congregações Religiosas em Portugal nos Últimos (Século XVIII), 3 vols., Lisboa, Verbo, 1991-1999;
de S. Tiago Maior (Tete); em 1972, a missão da Trinta Annos, pelo Director da Ordem, Coimbra, J. C ALDAS , José, A Corja Negra (Tosquia de um
Manga (Beira); em 1973, são criadas a missão do J. Reis Leitão – Editores, 1892; ANTUNES, Manuel, “O Charlatão), Porto, Livraria Chardron, 1914; CALDAS,
Dómue (Angónia, Tete) e a missão de Lichinga; em marquês de Pombal e os jesuítas”, in AA. VV., Como José, Os Jesuítas e a Sua Influência na Sociedade
1974, a Paróquia de Matundo, a Paróquia-Missão Interpretar Pombal? No Bicentenário da Sua Morte, Portuguesa: Meio de a Conjurar, Porto, Livraria
de Moatizé e o lar de estudantes; em 1975, cola- Lisboa, Edições Brotéria, 1982; Anuário Católico de Chardron, 1901; Cartas Edificantes da Província de
boram com o Secretariado Geral da Conferência Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Portugal S.J., I ano, Colégio do Barro, 1909;
Episcopal; em 1979, a Paróquia da Matola-Bairro Conferência Episcopal Portuguesa, pp. 845-848; C ARVALHAIS , José, Breve História da Província
(Maputo) e a Paróquia de Cristo Rei da Gorongosa ARAÚJO, António de, Jesuítas e Antijesuítas no Portugal Portuguesa da Companhia de Jesus, desde a Sua
(Beira); em 1982, a Paróquia de S. João Baptista do Republicano, Lisboa, Roma Editora, 2004; Archivum Implantação em Portugal Há 450 Anos, Caldas da
Fomento da Matola (Maputo) e a Paróquia de S. Historicum Societatis Jesu, Roma, Instituto Histórico Saúde, Instituto Nun’Alvres, s.d.; CARVALHO, J. Vaz
Gabriel da Matola-Cidade; em 1985, o Centro da Companhia de Jesus, publicado desde 1932; de, “Rademaker, Carlos João”, in Charles E. O’Neill,
Catequético S. Carlos Lwanga; em 1988, a Paróquia ASSUMPÇÃO, T. Lino de (coord.), História Geral dos Joaquín M.ª Domíngues (dirs.), Diccionario Histórico
de N. Sr.ª da Conceição de Nhamatanda (Beira). Em Jesuítas, Lisboa, Moraes Editores, 1982; AZEVEDO, de la Compañia de Jesús: Biográfico-Temático, vol.
2003, a situação era a seguinte: Lichinga – Paço Cândido Mendes de, “A Brotéria no Exílio”, IV, Roma/Madrid, Institutum Historicum, S.I./
Episcopal e Missão de Massangulo; Beira – Residência Suplemento da Brotéria, Março-Abril de 1913, Universidad Pontíficia, 2001; CASIMIRO, Acácio, O
P.e Sílvio Moreira-Matacuane, Paróquia e Comunidade Madrid, Imprenta Ibérica, 1913; AZEVEDO, Cândido Apostolado da Oração e a Província Portuguesa da
Vocacional João de Deus Kamtedza (Noviciado Manga Mendes de, O Collegio de S. Fiel: Resposta ao Companhia de Jesus em Portugal, Macieira de
Mascarenhas); Lifidzi – Residência S. Francisco Xavier Relatorio do Advogado Sr. José Ramos Preto, Madrid, Cambra, s.n., 1946; CASIMIRO, Acácio, Expressão e
e quatro paróquias; Maputo – Residência de S.to Imprenta de Gabriel López del Horno, 1911; AZEVEDO, Actividade da Companhia de Jesus nos Domínios de
Inácio; Cúria Regional – Residência e Paróquia de Luís Gonzaga de, O Jesuíta: Fases duma Lenda, t. I Portugal, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa,
Matola; Fomento Matola – Residência de S. Luís e II, Bruxelas, Tipografia E. Daem, 1913; AZEVEDO, 1941; C ASIMIRO , Acácio, Entre Dois Jubileus:
Gonzaga; Tete – Residência Gonçalo da Silveira e Luís Gonzaga de, Proscritos: Notícia Circunstanciada Vicissitudes do Noviciado da Província Portuguesa,
paróquia; Paróquia de Matundo; Centro JESAM, do Que Passaram os Religiosos da Companhia de S.J., Porto, Tip. Costa Carregal, 1936; C ASIMIRO ,
Ulóngwe. Residência e Paróquia de Ulóngwe; Jesus na Revolução de Portugal de 1910, vol. I, Acácio, “A Província Portuguesa da Companhia de
Paróquia de Mpenha; Centro de Formação e Valladolid, Florencio de Lara, Editor, 1911-1914; Jesus”, in Miguel de Oliveira, Lopes da Cruz, Raúl
Promoção de Ulóngwe; Paróquia da Fonte Boa e BANGERT, W., História da Companhia da Jesus, Braga, Machado (orgs.), Anuário Católico de Portugal: 2.º
Paróquia de Msaládzi. A missão de Angola continha A.O./Edições Loyola, 1985; B ASTOS , Teixeira, Os Ano de Publicação, Lisboa, Edição dos Organizadores,
a Residência e Paróquia de S. Francisco Xavier Jesuítas, Lisboa, António Furtado, Editor, 1880; 1932; CASIMIRO, Acácio, A Actividade Missionária da
(Luanda) e JRS (Serviço Jesuíta de Ajuda aos B OMBARDA , Miguel, O Estado e o Clericalismo: Companhia de Jesus Restaurada em Portugal: 1861-
Conferência, Lisboa, Typographia Eduardo Roza, -1931, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1931;
1909; BOMBARDA, Miguel, A Sciencia e o Jesuitismo: CASIMIRO, Acácio, Fastos da Companhia de Jesus
Réplica a um Padre Sábio, Lisboa, Parceria António Restaurada em Portugal: 1829-1930, Porto, Tipografia
Maria Pereira, 1900; BOTELHO, Armando, A Defeza Porto Médico, 1930; CASTRO, Pedro de, Congregações
dos Jesuitas por um Liberal: Refutação ao Discurso Religiosas: Documentos para a Sua História em
do Snr. Dr. Alexandre Braga, Porto, Livraria Portuense Portugal, Évora, Livraria Nazareth, Editora, 1910;
de Clavel & Cª – Editores, 1881; BRAGA, Alexandre, Catálogo da Província Portuguesa da Companhia de
Discurso Pronunciado no Comício Anti-Jesuitico Jesus no Princípio do Anno de 1910, Lisboa,
Realisado no Theatro dos Recreios a 7 de Setembro Typographia da Casa Catholica, 1909; Catálogo dos
de 1885, Porto, Typographia Occidental, 1885; BRAGA, Jesuítas Portugueses no Anno de 1910: Conforme
Alexandre, Discurso Pronunciado no Comício Anti- ao Original Latino Encontrado na Casa do Noviciado
-Jesuitico, Realisado no Theatro de S. João a 17 do Barro, [Lisboa], Imprensa Nacional, 1911;
d’Abril de 1881, Porto, Typographia Occidental, Compendium: Código dos Jesuítas – Complemento
1881; BRAGA, Teófilo, “Influencia dos jesuítas segundo Indispensável às Obras de Michelet e Quinet, Porto,
P.es Manuel Antunes, Lúcio Craveiro da Silva, António Leite a História de Portugal”, in Almanach d’O Mundo Typographia Commercial, 1846; CORREIA, Francisco
na Praça de S. Pedro, Vaticano (I) para 1912, Lisboa, Typographia da Casa Portugueza, Augusto da Cruz, O Método Missionário dos Jesuítas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS JESUÍTAS

em Moçambique, 1881-1910: Um Contributo para Pobres Jesuítas!, Lisboa, Nova Livraria Internacional, Pombal? No Bicentenário da Sua Morte, Lisboa,
a História da Missão da Zambézia, Braga, Livraria 1881; GATZHAMMER, Stefan, “Antijesuitismo europeu: Edições Brotéria, 1982; LEITE, António, Breve Itinerário
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in Henrique Martins Gomes, José Pedro Monteiro Baviera e Portugal (1750-1780)”, in Lusitania Sacra, Brotéria, 1955; LEITE, António, Cartas dos Primeiros
Fernandes (dirs.), Dicionário Jurídico da Administração 2.a série, vol. V, Lisboa, 1993; GOMES, João Pereira, Jesuítas do Brasil, 3 vols., São Paulo, 1940; LEITE,
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205
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LAPA

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Cinco por Cento! Aos Cem disparates dos Imprensa da Universidade, 1905; VIEIRA, Alves, De história de vida curiosa. Após ter feito os primeiros
Protestantes Vinte e Cinco Respostas por um que Artilharia 1 a Caxias: Sentido Protesto de uma Vítima estudos na Companhia de Jesus, formou-se e
Leu a Bíblia, 4.a ed., Lisboa, s.n., 1931; RADEMAKER, Que a Demagogia Tratou Como Réu, Guimarães, exerceu direito com sucesso, embora por um curto
Carlos, “Auto-Biografia”, Sept. do Mensageiro do Edição do Autor, 1918; V ILLARES , Artur, As período, uma vez que pouco tempo depois de ter
Coração de Jesus, Junho de 1928; RADEMAKER, Carlos, Congregações Religiosas em Portugal (1901-1926), terminado o curso, em consequência de uma quezília
Discurso Funebre nas Solemnes Exequias do Ex.mo Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian-Fundação pública com um litigante em que foi insultado e
Sr. D. Carlos de Mascarenhas no Dia Trigésimo para a Ciência e a Tecnologia, 2003; W RIGHT , injuriado, acabou por abraçar definitivamente a vida
Depois da Sua Morte, Recitado pelo P.e Carlos João Jonathan, Os Jesuítas: Missões, Mitos e Histórias, religiosa, tendo vendido os muitos bens que possuía
Rademaker e offerecido ao Ill.mo E Ex.mo Sr. Marquez Lisboa, Quetzal Editores, 2005. Digital: www.sj para construir templos na sua região e ajudar os mais
de Fronteira, Lisboa, Imprensa Nacional, 1861; web.info; www.companhia-jesus.pt; www. ppcj.pt. carenciados (LEITE, G. C., A Venerável..., pp. 9-10).
R ADEMAKER , Carlos, Vinte e Cinco Respostas aos Este missionário, no seu tempo, contrariou a normal
Protestantes por um Que leu a Bíblia, 7.a ed., Lisboa, ANTÓNIO DE ARAÚJO migração destes servos de Deus das terras lusas para
Edições Brotéria, s.d; REFOIOS, Joaquim Augusto de † ANTÓNIO LOPES as do Brasil ao vir daí para Portugal, primeiro para
Sousa, O Collegio de S. Fiel no Louriçal do Campo Lisboa, em 1753, e no ano seguinte, a convite de
e o de Nossa Senhora da Conceição na Covilhã: D. Diogo de Sousa, para o Porto. Chegado ao Porto,
Apontamentos sobre o Jesuitismo no Districto de LAPA, Ordem da logo pensou em construir uma capela em honra de
Castello-Branco, Coimbra, Imprensa da Universidade, A Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa N. Sr.a da Lapa num lugar fora da cidade. O primeiro
1883; RICO, Hermínio, FRANCO, José Eduardo (coords.), (ou apenas Ordem da Lapa), erecta na cidade do lugar que escolheu foi o monte de S.ta Catarina. Por
Fé, Ciência, Cultura: Brotéria, 100 anos, Lisboa, Porto, nasceu da Capela da Lapa das Confissões. O se mostrar inviável, tentou a construção na Torre da
Gradiva, 2003; RODRIGUES, Francisco, A Companhia seu Fundador foi o P.e Ângelo de Sequeira, Presbítero Marca, mas também aí nada viria a conseguir. Por
de Jesus em Portugal e nas Missões: Esboço Histórico do hábito de S. Pedro, brasileiro, natural de S. Paulo, intercepção de D. Antónia Joana de Azevedo e
– Superiores – Colégios, 1540-1934, 2.a ed., Porto, onde era cónego da Sé. O P.e Ângelo era um homem Albuquerque, esposa do contador da Fazenda João
Edições do Apostolado da Imprensa, 1935; RODRIGUES, de acção que teve uma forte influência evangélica de Figueiroa Pinto, conseguiu um terreno camarário
Francisco, História da Companhia de Jesus na em todo o Norte e Nordeste do nosso país, devido para os missionários, contíguo à Quinta de S. to
Assistência de Portugal, 7 vols., Porto, A.I., 1931- aos seus excepcionais dotes de oratória, tal como Ovídeo, que era propriedade desse casal. O terreno,
-1950; RODRIGUES, Francisco, Os Jesuítas Portugueses já tinha acontecido no seu país de origem, o Brasil. pouco afamado por servir de abrigo a inúmeros
na África Oriental, 1560 a 1759 – 1890 a 1910, A sua fé e devoção profunda à Virgem da Lapa foragidos, tinha por nome Monte do Padrão Velho.
Lisboa, Tipografia do Porto Médico, 1927; RODRIGUES, devia-se ao facto de “considerar que foi numa lapa, Para que a capela não pesasse ao erário público, o
Francisco, A Formação Intellectual do Jesuíta: Leis em humilde gruta de Bethlém, que Jesus veio à luz fidalgo D. Lourenço de Amorim da Gama Lobo serviu
e factos, Porto, Livraria Magalhães e Moniz, Editora, do mundo para redimir a humanidade” (LEITE, G. C., de fiador aos custos da sua edificação, fiança esta
1917; RODRIGUES, Francisco, Jesuitophobia: Resposta que depressa veio a ser paga com as dádivas dos
Serena a uma Diatribe, Porto, Typographia Luzitania devotos. A sua construção iniciou-se a 7 de Janeiro
Editora, 1917; SCHURHAMMER, Georg, Francisco Javier: de 1755, tendo a 10 de Março do mesmo ano
Su Vida y Su Tiempo, 4 vols., s.l., Gobierno de recebido em procissão a imagem de N. Sr.a da Lapa,
Navarra-Compañia de Jesús-Arzobispado de que se encontrava depositada, a título provisório,
Pamplona, 1992; SEABRA, Eurico de, Os Bens das na Igreja do Mosteiro de S.ta Clara. A capela passou
Congregações no Direito Portuguez e no Direito a ser conhecida por Capela de N. Sr.a da Lapa das
Internacional. Commentario às Leis Nacionaes, Confissões, por aí, após voluntário arrependimento,
Lisboa, A Editora, Lda., 1915; SEABRA, Eurico de, A irem submeter-se a confissão muitos gatunos que
Acção Catholica e Jesuitica em Portugal, Porto, no momento devolviam o resultado dos seus saques
Tipographia do Porto Médico, 1913; SEABRA, Eurico e davam informações sobre os reais donos para que
de, O Estado e o Clero: O Ensino Ecclesiastico em os bens lhes fossem restituídos e o pecado perdoado.
Portugal: Estudo Historico, Comparativo e Critico, A reconstituição deste percurso acaba por
Lisboa, s.n., 1910; SEABRA, Eurico de, A Egreja, as descredibilizar a ideia comum de que o lugar onde
Congregações e a República (a Separação e as Suas se ergueu a capela e a futura igreja terá sido escolhi-
causas), 2.a ed., Lisboa, Dep. Livraria Clássica Editora, do pelo missionário fundador no momento em que
s.d.; SINES, J. D., O Jesuitismo Lazaro ou a Reacção avistou pela primeira vez o referido monte, aquando
Theocrático-Política: Propaganda contra os Phariseus da sua chegada ao Porto, provavelmente por via
do Século, Lisboa, Typographia de José da Costa, marítima, tendo ali mesmo decidido que haveria de
1859; S OUSA , José Augusto de, Os Jesuítas em erguer nesse lugar alto uma capela em honra da
Moçambique 1541 a 1991, Braga, A.O., 1991; Virgem de Belém. A erecção da Irmandade foi
P.e Ângelo de Sequeira (I)
S OUSA , Paulo Sérgio Graça de, “Os jesuítas e a confirmada pelo Papa Bento XIV através do Breve
Primeira República”, in História, n.º 151, 1992; Apostólico datado de 29 de Julho de 1755.
TAVARES, Joaquim da Silva, Onde Vivem os Jesuítas A Venerável..., p. 10). O P.e Ângelo regressou ao Como os lucros das dádivas começaram a ser
Portugueses?, Sept. da Brotéria, vol. XXI, 1923; Brasil, ainda antes de a Ordem ter fundado o colégio- avultados, o seu Fundador imediatamente pretendeu
TEIXEIRA, Manuel, Macau e a Sua Diocese, vol. III – -seminário, falecendo na cidade do Rio de Janeiro abrir e dirigir um estabelecimento educativo destinado
As Ordens e as Congregações, Macau, Tipografia a 7 de Setembro de 1776 e aí foi sepultado na Igreja aos jovens portuenses, que se denominaria de
Soi Sang, 1956-1961; ULRICH, Ruy Ennes, Estudo da Lapa do Desterro que também tinha fundado. seminário, não tendo, contudo, obtido as licenças
Sobre a Condição Legal das Ordens e Congregações Este sacerdote provinha de uma família nobre e indispensáveis para esse fim.

206
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LAPA

A partir da capela e seus proveitos, os responsáveis com grande mérito de 1841 a 1860, mantendo-se
requereram ao Bispo do Porto a erecção canónica da nessas funções de 1860 a 1862. Muitos alunos que
Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, que é conce- frequentaram esta escola provinham do Brasil.
dida a 23 de Junho de 1757, tendo os seus Estatutos Em Outubro de 1901, foi apresentado o projecto
sido aprovados a 5 de Julho do mesmo ano. do hospital da autoria do Eng.º Joaquim Augusto
Leite Ferreira Pinto Basto, tendo sido aprovado em
Março de 1902, ano em que se iniciou a sua
construção. O Rei D. Carlos atribuiu-lhe de imediato
o título de Real, tendo sido inaugurado em 1904.
Tal façanha deveu-se fundamentalmente ao facto
de João António de Lima ter doado com essa finali-
Brasão da Ordem da Lapa (I) dade significativos bens à Irmandade, que D. Luzia
Joaquina Bruce, natural do Maranhão e amiga
Congregação da Ordem Terceira da Penitência de chegada do benfeitor, se encarregou de executar.
São Francisco quis arrebatar para acabar de erigir a Em Julho de 1833, o Regente D. Pedro autorizou,
igreja e fundar um convento, ao serviço do qual por portaria, a Irmandade a construir um cemitério
haveria de ficar o templo. Os argumentos usados totalmente reservado a confrades e benfeitores,
por esta ordem baseavam-se na morosidade de cons- iniciando-se desta forma o processo de construção
trução da igreja, o que supunha que a Irmandade de cemitérios fora dos templos, tal como o poder
da Lapa ou não tinha recursos ou não os sabia ambicionava. Nele estão sepultadas várias figuras
aproveitar. Como tal, na opinião destes franciscanos, que Portugal bem conhece, como o poeta Soares
os moradores desta zona e frequentadores do templo dos Passos, autor dos versos que se encontram na
estavam a ser prejudicados, já que, devido ao estado entrada do mesmo, Camilo Castelo Branco, o escritor
demorado das obras, estavam impedidos dos Arnaldo Gama e Silva Porto.
benefícios espirituais garantidos por uma Igreja em
pleno funcionamento. As autoridades civis e religiosas
Imagem de N. Sr.ª da Lapa (I) de então, bem como o apoio do povo a esta Irman-
dade, inviabilizaram as pretensões dos Terceiros
Franciscanos e seus apoiantes, tendo a decisão
A primeira Mesa logo decidiu construir uma igreja superior do Juízo de Correcção Cível da Relação do
e casas adjacentes para serviço da Irmandade. Para Porto reconhecido todos os direitos de posse e uso
tanto, em Outubro de 1757, foi encomendado o dos bens à Irmandade da Lapa.
projecto ao arquitecto Gonçalo Pereira que, por Em 1792, D. Maria I autorizou a abertura do
discordâncias de vária ordem, não veio a terminar. seminário-colégio, com “duas Aulas públicas, uma
Para continuar a obra, foi pedido um novo projecto de ler, escrever e contar e outra de Gramática Latina”
ao arquitecto João Glamer Stroverle. (SILVA, Francisco Ribeiro da, “O Seminário-Colégio...”,
Em 1758, a Irmandade sofreu um duro golpe, pois p. 55), pondo como condições que os mestres fossem
Portal do Cemitério da Lapa, Porto (JMF)
o procurador Manuel Pires, importante comerciante aprovados pela Real Mesa da Comissão Geral, a qual
desta cidade e membro da administração da deveria ser informada anualmente sobre os alunos
Irmandade, abriu falência no seu negócio e fugiu das classes mais avançadas (nome, idade, natura- Por Portaria de 4 de Dezembro de 1931, a Irmandade,
do Porto. Tal facto, resultante da imoralidade do lidade, comportamento). O poder régio obrigava para todos os efeitos legais, foi classificada como
comportamento deste seu irmão e dirigente, levou ainda a que toda e qualquer despesa com o seu Estabelecimento de Caridade.
a uma forte crise de confiança na Irmandade por funcionamento fosse totalmente suportada pela Esta Irmandade manteve sempre uma forte ligação
parte dos fiéis e, em consequência, desapareceram Irmandade. Só com o alvor de 1800 é que se regis- com o Brasil, contando no seu seio e ao longo da
praticamente todas as esmolas. taram os primeiros alunos para a sua frequência. sua história com muitos irmãos e dirigentes brasileiros.
A 27 de Abril de 1759, a Irmandade aprovou os Este era um pequeno colégio que acolhia alunos A sua festa solene realiza-se no primeiro domingo
novos Estatutos que o ordinário confirmou em Abril quer em regime de internato, quer em regime de de Maio.
do ano seguinte. A Mesa então eleita pôs de lado o externato, vindos do grande Porto, do norte de O seu carisma e ideário incidiram desde sempre nos
plano arquitectónico da igreja de João Glamer Stroverle Portugal e também do Brasil. Excepto a quota aspectos religioso, educativo e beneficente. A sua
e encomendou outro a José de Figueiredo Seixas. estipulada pela Direcção da Irmandade para os alunos primeira vocação foi o culto litúrgico a Nossa Senhora,
Em 1760, fez-se o selo que tem ao centro a imagem pobres que nada pagavam pela sua frequência, os alargando-se mais tarde à educação da juventude
esculpida de N. Sr.a da Lapa e ao redor as letras que restantes pagariam mesadas elevadas, uma vez que e assistência a favor dos irmãos, de que faz parte
indicam a Irmandade. provinham, essencialmente, da aristocracia e bur- importante o Hospital da Irmandade. Neste âmbito,
Em 1764, o Infante D. Pedro, que casou com a guesia. O objectivo desta escola nunca foi a formação distribuiu a Sopa Económica Vieira de Castro, criada
Rainha D. Maria I, aceitou o Padroado da Irmandade, de sacerdotes. Entre os seus alunos, contam-se figuras em finais de Dezembro de 1914 e iniciada no primeiro
tendo a mesma passado a usar como emblema o distintas do panorama intelectual português como dia de 1915, respondendo de pronto a uma iniciativa
escudo das Armas Reais Portuguesas e a gozar do Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Ricardo Jorge. do jornal O Comércio do Porto, quando estalou a I
privilégio de Capela Real. Ramalho Ortigão aí leccionou Francês e, aos 24 anos, Guerra Mundial, provocando, por falta de matéria-
O ano de 1785 iniciou-se com um esforço redobrado herdou o lugar de Director-Administrador que o seu -prima, grande número de desempregados. O seu
na defesa de todo o seu património que a pai, Joaquim Ramalho Ortigão, tinha desempenhado espírito pode, assim, sintetizar-se no “Ideal evangélico

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LAPA

de servir”, (S ILVA , Francisco Ribeiro da, “Os pri- que o candidato não sofre de moléstia contagiosa
mórdios...”, p. 138). ou incurável”. A esta disposição não deve ser
Quanto ao vestuário, conforme o parágrafo 6.º do estranha a forte componente assistencial no campo
cap. I dos Estatutos de 27 de Abril de 1759, o hábito da saúde e a onerosidade dos serviços médicos que
era “confeccionado em sarja, consistindo para os a Irmandade estaria obrigada a prestar durante um
Irmãos numa túnica branca, cingida por faixa azul, longo período, no caso de os irmãos serem
escapulário desta última cor, tendo nele bordada a portadores de doenças crónicas ou incuráveis. Assim,
inscrição ‘Avé-Maria’ e capa também azul; para as limitam-se pretensões nesse sentido por parte de
irmãs limitava-se a respectiva insígnia a escapulário indivíduos menos escrupulosos.
interior e cinto azul matizado a branco”. A junção A possibilidade de eleger e ser eleito para os órgãos
destas cores “obedeceu ao intuito de reproduzir o da Irmandade é outorgada conforme a classe a que
aspecto bicolor das vestes com que é representada Hospital da Lapa, Porto (JMF) cada irmão pertence, após seis meses de inscrição
a Imaculada Conceição”. Coincidência ou não, estas como membro efectivo. Quanto à eleição e
viriam a ser as cores do regime constitucional das Pessoas Colectivas de Solidariedade Social. São constituição dos órgãos directivos, estipulam os
português que ligou a Irmandade ao impulso liberal compostos por um preâmbulo e 45 artigos, distri- mesmos Estatutos, no art. 16.º do cap. VI, que os
do Rei D. Pedro IV. Os Irmãos tomavam o hábito buídos por 8 capítulos e diversas secções. órgãos são: a Assembleia Geral, a Mesa Adminis-
nos segundos domingos de cada mês “devendo o Em todos os textos é referido que a Irmandade é trativa, o Provedor e o Definitório. Quanto à
recipiendário estar preparado para esse acto com a composta por indivíduos que pertençam à Igreja Assembleia Geral, o art. 17.º estabelece que é o
confissão e comunhão. Assistia a Mesa e o hábito Católica, Apostólica, Romana e que aceitem os órgão supremo da Irmandade e é composta por
era lançado junto ao altar-mor pelo vigário do culto deveres que os Estatutos lhes fixam. todos os irmãos com capacidade eleitoral, deixando
que dirigia uma breve prática ao recém-confrade” Quanto aos corpos sociais, os Estatutos de 1936, de ser apenas formada, como estipulavam os
(LEITE, G. C., A Venerável..., p. 21). no art. 15.º do cap. V, referem que o poder anteriores Estatutos, pelos irmãos de primeira classe
Como figuras históricas mais relevantes, destacam- supremo da Irmandade reside na Assembleia Geral do sexo masculino. A Assembleia, segundo o art.
-se o P.e Ângelo de Sequeira, Fundador e Director constituída pelos irmãos de 1.a classe, sui juris, do 22.º, funciona pelos votos da maioria simples dos
Vitalício; Pedro Carneiro de Figueiroa; Eremita Manuel sexo masculino, que há mais de seis meses tenham irmãos presentes. Conforme estipulado pelo art.
da Silva; D. Pedro IV, I do Brasil; Rainha D. Amélia, sido admitidos. A Assembleia Geral reunia-se no 24.º, a Irmandade é presidida por uma Mesa
irmã da Instituição e sua Vigária Perpétua; D. José, primeiro domingo de Novembro para a eleição dos composta por um Presidente, um Vice-Presidente e
filho de D. Pedro, eleito em Abril de 1765 Juiz corpos gerentes. O art. 19.º do cap. VI definia que 3 Secretários. O Governo da Irmandade, de acordo
Perpétuo da Irmandade; El Rei D. Fernando II, eleito o governo da Irmandade e sua administração eram com o art. 26.º é da competência da Mesa
em 1840 Presidente Perpétuo e a Presidência especialmente confiados à Mesa Administrativa, Administrativa e do Provedor, sendo a Mesa
Honorífica foi entregue sucessivamente aos soberanos constituída por 11 irmãos, um Presidente, com a constituída por 15 irmãos eleitos para um mandato
D. Luís, D. Carlos e D. Manuel II; D. Mariana de designação de Provedor, um Vice-Presidente com a de três anos. O Provedor é o primeiro da lista que
Paiva Araújo, devota de N. Sr.a da Lapa e distinta designação de Vice-Provedor, um Primeiro e um for eleita para a Mesa Administrativa, sendo o
benemérita da Irmandade, proclamada Vigária do Segundo Secretários, Tesoureiro, 6 Vogais efectivos segundo o Vice-Provedor, o terceiro o Primeiro
culto divino da Igreja. e 4 Vogais substitutos, eleitos trienalmente pela Secretário, o quarto o Segundo Secretário, o quinto
A 5 de Julho de 1757, foram aprovados os primeiros Assembleia Geral, à qual competia administrar o Tesoureiro e os restantes Vogais. Quanto ao
Estatutos, que designavam a Associação recém-criada gratuitamente todos os negócios da Irmandade. As Definitório, o art. 29.º estipula que, como órgão de
como Confraria de Nossa Senhora da Lapa das deliberações eram tomadas por maioria de votos. fiscalização, é composto por 7 membros efectivos
Confissões. Estavam divididos em 17 Capítulos, O Definitório, conforme estipulava o art. 32.º do e 4 substitutos, eleitos pela Assembleia Geral, os
datados de 1 de Julho de 1757, tendo a 16 do cap. VII, era constituído por 7 membros efectivos e quais, após eleição, distribuirão entre si os cargos
mesmo mês sido eleita a primeira Mesa Adminis- 4 substitutos, obrigatoriamente eleitos entre os de Presidente, Primeiro Secretário e Segundo
trativa, composta por 18 membros, a saber: Director irmãos que já tivessem servido nas anteriores Mesas Secretário. Agora, as competências do Definitório
(cargo que foi atribuído ao P.e Ângelo de Sequeira), Administrativas. Este órgão era eleito pela Assembleia são as de um Conselho Fiscal, uma vez que é sua
Presidente, Secretário, Tesoureiro, Procurador Geral, Geral, presidido pelo Provedor da Irmandade e tinha atribuição exercer a fiscalização sobre escrituração
Fiscal, 8 Conselheiros e 4 Procuradores que nomea- como Secretários os mesmos da Mesa Administrativa. e documentos da Instituição, dar parecer obrigatório
vam 52 irmãos a fim de receber as esmolas ofertadas. A sua consulta era obrigatória em assuntos diversos, sobre o relatório e contas da gerência, dar parecer
Os segundos Estatutos datam de 27 de Abril de tais como regulamentos, criação e organização do obrigatório nas propostas de aquisição, venda e
1759 e transformam a Confraria de Nossa Senhora quadro de pessoal, investimentos e alienações, ou oneração de quaisquer imóveis. No articulado dos
das Lapa das Confissões na Venerável Irmandade alterações aos Estatutos. presentes Estatutos, cai a obrigação dos membros
de Nossa Senhora da Lapa, no sentido de Os Estatutos de 1986 são os que gerem actualmente que compõem o Definitório terem de ser obriga-
acompanhar a implementação e desenvolvimento a Instituição. Tal como os anteriores, estipulam que toriamente recrutados entre anteriores membros da
de outras Ordens Terceiras. Estes foram reformados os irmãos são recrutados de acordo com a boa Mesa Administrativa. O art. 31.º do cap. VII fixa
a 15 de Março de 1913 e, a 26 de Agosto de 1936, conduta moral, social e religiosa, por proposta de que os membros propostos para os vários órgãos
procedeu-se a nova alteração, originando um texto irmãos em pleno gozo dos seus direitos, conforme são eleitos por escrutínio secreto, pelo sistema de
que continha 45 artigos dispostos ao longo de oito os Estatutos, tendo de submeter a proposta de listas contendo o nome dos candidatos e seus
capítulos. adesão à Mesa Administrativa e, no caso dos irmãos posicionamentos nos órgãos. A duração do mandato,
Em 1986, foram aprovados os actuais Estatutos, que de segunda classe, para além do procedimento conforme o art. 32.º, é de três anos civis e não é
reformam os anteriores e adaptam a Irmandade aos normal, conforme estipula o art. 5.º do cap. III, é permitida a reeleição para mais de dois mandatos
pressupostos fixados pelo Decreto-Lei n.º 119/83, “necessário também um atestado passado pelo consecutivos, salvo casos devidamente reconhecidos
de 25 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto Geral médico do Hospital da Irmandade, comprovativo de e justificados pela Assembleia Geral.

208
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LASSALISTAS

Existem ainda outros aspectos culturais relevantes Irmandade de Nossa Senhora da Lapa da Cidade do
a referir. Para além do vasto património sacro, Porto, Porto, s.n., 1986; Estatutos da Venerável
arquitectónico, estatuário, pictórico, talha, que é Irmandade de Nossa Senhora da Lapa da Cidade do
inerente à igreja, serve para a sua harmonia final Pôrto, Porto, s.n., 1936; LEITE, G. C., A Venerável
possuir várias peças em ouro e diamantes. Em 1760, Irmandade de Nossa Senhora da Lapa Erecta na
já tinham órgão e coro. Hoje em dia, possui um Cidade do Pôrto: Extractos do Seu Arquivo – Notas
valioso órgão que permite executar com exactidão Bibliográficas, Porto, s.n., 1939; S ILVA , Francisco
e qualidade excelente todas as partituras que se Ribeiro da, “A Igreja da Lapa – arte, culto e história”,
destinam a este nobre instrumento. Tem uma galeria in O Tripeiro, 7.a série, ano XXI, n.º 9, Porto, s.n.,
de retratos em que distingue vários colaboradores, Setembro 2002, pp. 264-268; SILVA, Francisco Ribeiro
reconhecidos simpatizantes e administradores da da, “D. Pedro IV e a Venerável Irmandade de Nossa
Irmandade. Senhora da Lapa da Cidade do Porto”, in D. Pedro
Entre os painéis e quadros a óleo, destaca-se o óleo Imperador do Brasil, Rei de Portugal: Do Absolutismo
de S. Sebastião da presumível autoria de Joaquim ao Liberalismo – Actas do Congresso Internacional,
Rafael e a tela que representa a Coroação da Virgem, Porto, Universidade do Porto/Comissão Nacional Para
de autor não identificado mas reveladora de excelente as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
técnica. 2001, pp. 253-281; SILVA, Francisco Ribeiro da, “Brasil,
Brasileiros e Irmandades/Ordens terceiras Portuenses”,
Francisco Ribeiro Silva, O Hospital da Irmandade da Lapa,
in Os Brasileiros de Torna-Viagem no Noroeste de
1904-2004, Porto, 2.ª ed., Bristol-Myers Squibb, 2005 (I)
Portugal (Catálogo), Lisboa, Comissão Nacional Para
as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
2000, pp. 135-147; SILVA, Francisco Ribeiro da, “O
e avultadas somas que pessoas abastadas lhe colégio da Irmandade da Lapa – um elo histórico
doavam. Como vimos, o hospital só foi possível da ligação portuense ao Brasil”, in O Tripeiro, 7.a
começar a ser construído após elevada doação de série, ano XIX, n.º 4, Porto, s.n., Abril 2000, pp.
um benemérito e foi graças a outros substanciais 118-126; SILVA, Francisco Ribeiro da, “O Seminário-
contributos especificamente concedidos à Irmandade -Colégio da Irmandade da Lapa e as ideias
por particulares, para esse fim, que veio a ser pedagógicas dos inícios de Oitocentos”, in Revista
ampliado. Por outro lado, os Estatutos obrigavam e da Faculdade de Letras da Universidade do Porto:
continuam a obrigar que os irmãos para serem História, III série, vol. I, Porto, Faculdade de Letras,
admitidos, para além de outras obrigações, têm de 2000, pp. 53-66; SILVA, Francisco Ribeiro da, “D.
proceder ao pagamento da respectiva jóia de Pedro IV e a Venerável Irmandade da Lapa da Cidade
inscrição. O art. 6.º do cap. III dos actuais Estatutos do Porto”, in O Tripeiro, 7.a série, ano XVIII, n.º 7-
reafirma que há três classes de irmãos, pertencendo -8, Porto, s.n., Julho-Agosto 1999, pp. 203-210;
à primeira classe os indivíduos que possuem avultada S ILVA , Francisco Ribeiro da, “Os primórdios da
fortuna e paguem a jóia respectiva. À segunda classe, Irmandade de Nossa Senhora da Lapa”, in O Tripeiro,
pertencem os indivíduos, que não sendo tão ricos, 7.a série, ano XVII, n.º 5, Porto, s.n., Maio 1998, pp.
Igreja da Lapa, Porto (DB) paguem também a respectiva jóia. À terceira classe, 130-138.
pertencem os indivíduos de mais fracos recursos que
também têm de pagar uma determinada jóia. Todos ARTUR MANSO
D. Pedro IV, I do Brasil, aquando do cerco do Porto, os Estatutos são omissos quanto ao montante de
altura em que combateu, com sucesso, a favor do riqueza que serve para classificar os irmãos, bem
ideal liberal contra o absolutismo miguelista, desenvol- como quanto à jóia estipulada para cada classe. Esta LASSALISTAS
veu forte empatia com as gentes do Porto e frequentou era e continua a ser uma das formas de finan- A Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs (do
a missa semanal nesta igreja. Em testamento deixou ciamento da Instituição. Os benefícios atribuídos a latim Fratres Scholarum Christianarum, donde a sigla
o seu coração à cidade do Porto e a sua filha D. Maria cada irmão processam-se conforme os Estatutos e FSC), mais comummente conhecidos por Irmãos de
II, para executar o desejo do pai, decidiu depositar o de acordo com a classe a que pertencem. La Salle ou, simplesmente, Lassalistas, foi fundada
coração na Igreja da Lapa, onde continua sepultado Hoje em dia, parece-nos que os proveitos colhidos em 1681, por iniciativa de um jovem Cónego de
em monumento construído pela Câmara do Porto, pelos serviços médico-cirúrgicos prestados pelo Reims, João Baptista de La Salle (n. 1651). Na origem
situado na capela-mor, após vários desentendimentos Hospital a todos aqueles que o procuram serão desta fundação esteve o desejo de criar escolas
com os administradores da Irmandade, já que o desejo determinantes para a angariação das receitas que destinadas ao acolhimento e à educação gratuita
da Câmara, ao preferir depositar o legado na Capela permitem manter o normal funcionamento da de crianças pobres e de jovens que, sem qualquer
de S. Vicente, sita na Sé do Porto, não coincidia com Irmandade. ocupação, vagueavam pelas ruas. João Baptista,
o da rainha e tudo fez para levar a sua avante. Apesar A Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa nascido no seio de uma família abastada (o pai, Luís
de tudo, o referido monumento foi inaugurado a 20 actualmente tem as seguintes valências: hospital, de La Salle, era conselheiro do Rei Luís XIV), não
Fevereiro de 1837 e contém a urna onde repousa o igreja, escola (apenas de ensino básico) e cemitério. hesita em renunciar à sua posição social e em colocar
coração de D. Pedro IV. a sua herança ao serviço destes jovens, a quem
Quanto aos seus meios de sustentação, como outras BIBLIOGRAFIA: COELHO, Cesário, Venerável Irmandade oferece a oportunidade de receberem uma instrução
Ordens Terceiras, a Irmandade da Lapa obtinha os de Nossa Senhora da Lapa: Factos da Sua História, decente e gratuita. Neste sentido, em 1680, faz-se
meios de sustentação através de esmolas, peditórios 2.a ed., Porto, s.n., 1973; Estatutos da Venerável cercar de voluntários leigos, cujo modo de vida se

209
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LASSALISTAS

acção educativa na Europa. Em França, a nesta saudação que os Irmãos dirigem a quem com
Congregação conheceu um grande desenvolvimento, eles se cruza: “Vive Jesus nos nossos corações! Para
chegando a ter cerca de 10 000 membros, numa sempre!”. O mesmo espírito é conduzido pelo desejo
época tão conturbada como foi a da Revolução de trabalhar para todos com firmeza, em nome de
Francesa. Jesus, segundo as palavras do Ir. Gérard Rummery.
A pedagogia lassalista é inovadora, não só pelo facto Actualmente, o Instituto é dirigido em Roma, pela
de alcançar um público mais desfavorecido, mas Casa Geral, que se encontra sob a direcção do
também, e sobretudo, pelos seus métodos didácticos. Superior Geral, o Ir. Álvaro Rodríguez Echeverría,
A gratuitidade absoluta da educação e, essen- eleito por um Capítulo composto pelos principais
cialmente, o ensinamento em francês, sendo o latim irmãos. O Superior Geral é auxiliado na sua tarefa
reservado àqueles que dominavam já a língua pelo Conselho Geral, sendo este constituído por dez
vernácula, aliados à preferência dada ao método de irmãos: o Superior Geral, o Vigário Geral e oito
S. João Baptista de La Salle, Fundador dos Lassalistas (I) ensino simultâneo e colectivo, são razão fundamental Conselheiros, eleitos pelo Capítulo Geral ou
nomeados pelo Superior Geral. Os Irmãos estão
distribuídos em distritos, os quais são dirigidos por
aproxima do dos religiosos e que é inteiramente um irmão Visitador, denominado Provincial em
consagrado à educação de crianças. A 9 de Junho determinadas partes do mundo.
de 1686, o Fundador e os principais irmãos professam Os lassalistas portugueses dependem do Distrito de
o voto de obediência por três anos. Além disso, Valladolid, uma das 7 regiões administrativas que
usam uma sotaina preta, até ao meio das pernas, constituem a Agrupación Regional Lasaliana de
um colarinho branco e um manto com mangas España y Portugal (ARLEP), a qual, por sua vez, é
flutuantes, conhecido pelo nome de “quatro braços”. integrada na Região Europeia Lassalista (REL).
Inicialmente, os Irmãos professavam votos A região de Espanha é bastante dinâmica, possuindo
temporários, de três anos, uso primeiramente o seu próprio sítio na Internet (www.lasalle.es), onde
Beato Arnoldo Rêche (I) Beato Escubilión – Jean
introduzido por João Baptista, todavia, mais tarde, se encontra todo o tipo de informações sobre a
Bernard Rousseau (I)
acabaram por adoptar o uso dos votos perpétuos. natureza da sua actividade e se toma conhecimento
Em 1688, João Baptista e dois irmãos dirigem-se a de conferências sobre temas relacionados com
Paris, por convite do Pároco de S. Sulpício, para do sucesso das escolas lassalistas. A adopção deste projectos humanitários e educativos. É em 1933 que
fundarem uma escola na R. Princesa. Em 1691, com método de ensino colectivo é certamente devida a
dois dos seus companheiros, João Baptista de La razões económicas, uma vez que é mais vantajoso
Salle faz uma promessa de associação perpétua e ter um único professor a ensinar vários jovens
de união dentro da Instituição. Em 1694, o Fundador reunidos numa mesma sala. Além disso, este método
e 12 irmãos emitem a primeira profissão perpétua não prejudica em nada a classe porque o ensino é
de associação, estabilidade e obediência. auxiliado por condiscípulos, escolhidos de entre os
Apesar das perseguições sofridas, o número de melhores alunos. Também a decisão de agrupar os
escolas fundadas pela Congregação multiplicava. alunos por níveis de aprendizagem é inovadora.
Em 1702, é construída a Casa de S.to Yon, um colégio Actualmente, a acção pedagógica do Instituto dos
para rapazes considerados problemáticos, a qual Irmãos das Escolas Cristãs tem sido notável, já não
veio a ser o centro do Instituto. De seguida, João se limitando ao ensino de crianças e jovens pobres,
Baptista introduz, em Reims, um primeiro seminário mas abrangendo todas as classes sociais. Os
de mestre-escola, projecto que continua em Paris. Lassalistas exercem a sua actividade em mais de 80
S. Benildo Romançon (I) S. Miguel Febres Cordero (I)
A sua acção pedagógica estende-se, também, aos países, distribuídos em cerca de 1400 escolas, cuja
trabalhadores, aos quais são oferecidos cursos, aos educação é ministrada a mais de um milhão de
domingos. alunos. A acção destes Irmãos mereceu a canonização
João Baptista de La Salle veio a morrer a 7 de Abril do Fundador da Instituição, em 1900, pelo Papa um grupo de irmãos lassalistas espanhóis atravessa
de 1719, numa Sexta-Feira Santa, com 68 anos. Em Leão XIII, e a sua proclamação como Padroeiro as fronteiras de Portugal e toma posse do Colégio
1720, o Ir. Timóteo foi eleito Superior. A partir desta Universal de Todos os Educadores, em 1950, pelo de S. Caetano, na Diocese de Braga, por convite de
altura, o Instituto conheceu um novo impulso e, em Papa Pio XII. Recentemente, a UNESCO consagrou D. Manuel Vieira de Matos. Este colégio, que existia
1725, obteve o reconhecimento do Papa Bento XIII, o seu trabalho, pela atribuição do Prémio Mundial desde 1791, encontrava-se em pobre estado e não
seis anos depois da morte do Fundador. Obedecendo de Alfabetização. A Nouvelle Revue de Pédagogie é sem pena que os Irmãos lhe insuflam uma nova
à recusa de se instalarem num episcopado (por é uma publicação periódica que difunde, numa escala vida, especialmente graças a alguns donativos de
decisão de La Salle, seriam apenas irmãos e nunca internacional, o espírito educativo lassalista, instituições e ao apoio da Diocese de Braga. Com
padres), os Irmãos das Escolas Cristãs vão-se coexistindo com outras revistas, cujo alcance é o objectivo de se adaptarem aos tempos modernos,
estabelecendo fora das fronteiras francesas: em limitado apenas a um distrito ou a uma região. os Lassalistas permitem a entrada de raparigas co-
1751, instalam-se na Suíça e em Itália; em 1816, A espiritualidade lassalista é outro traço sintomático mo internas no colégio. A par deste desenvolvi-
chegam à Bélgica, onde a sua estada será um pouco da longevidade e do sucesso desta Congregação. mento no Norte do país, os Irmãos também se esta-
perturbada; um ano mais tarde, em 1817, Com efeito, o espírito de comunidade que rege o beleceram mais a sul, em Lamego, na escola de
desembarcam na ilha da Reunião; e, em 1837, esforço educativo é uma das chaves do seu êxito, Formação Social e Rural, e no Porto, onde leccio-
entram no Canadá. Paralelamente à sua fixação no pois este assenta sobre a solidariedade, sendo esta naram e exerceram cargos nas Oficinas de S. José,
outro lado do Atlântico, continuam a estender a sua suportada pelo espírito de fé dos Lassalistas, resumido durante mais de 20 anos. Também se dirigiram

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LÓIOS

para Leiria, onde foi instalado o Noviciado da Congregação portuguesa de cónegos seculares com
Congregação, em N. Sr.a da Encarnação, por um votos temporários, foi fundada no início do séc. XV,
período de apenas dois anos, e, em Abrantes, com o objectivo de contribuir para a reforma do
fundaram o Colégio La Salle, que funcionou durante clero em Portugal. Inscrevendo-se na tradição
mais de 20 anos. Em 1952, foi criado um seminário, canónica e imbuídos dos ideais humanistas e
destinado à formação de novos Irmãos de La Salle. reformadores, os Lóios desenvolveram uma
Porém, a revolução de 1974, aliada a outros factores, espiritualidade e um modo de vida específicos que
conduziu ao seu encerramento, pelo menos até os tornou singulares no panorama da história das
1981, data em que se abriu o Colégio La Salle, em ordens religiosas. A própria denominação institucional
Barcelos, como escola aberta a todos. Presentemente, – Congregação de Cónegos Seculares – manifestava
os Irmãos são em número de dez, nas comunidades algumas destas particularidades. Com efeito, apesar
de Braga e de Barcelos. Apesar do seu número de seguirem uma Regra de tipo monástico, os Lóios
insistiram sempre no seu carácter e condição
seculares. Como os demais cónegos, viviam em
comunidade e faziam votos de religião que, no
entanto, não tinham carácter perpétuo, havendo,
portanto, maior liberdade para permanecer ou Igreja de S. Salvador, Vilar de Frades (DB)
abandonar a Congregação. Adoptaram um sistema
de governo centralizado por ser esta a forma jurídica
mais adequada à consolidação da observância. Um dispersão da comunidade. João Vicente, já sacerdote,
órgão superior, o Capítulo, reunia todos os Superiores obteve, então, a protecção de D. Fernando da Guerra,
das casas e aí se decidiam os aspectos mais Arcebispo de Braga, que em 1425 lhe concedeu a
importantes relativos ao conjunto da Ordem, como Igreja de S. Salvador de Vilar de Frades, antigo
a admissão de novos membros, a definição de mosteiro beneditino, que entretanto vagara. Em
La Salle, Barcelos (I) Publicação de La Salle,
Estatutos e a designação de Visitadores que contro- 1427, Martinho V outorgou a aprovação do novo
Barcelos (I)
lavam a execução dessas decisões. A prática da instituto e autorizou-os a viverem segundo o uso e
rotatividade dos cargos nos conventos era outro costume dos Cónegos de São Jorge de Alga em
reduzido, permanecem bastante activos e é sob a garante eficaz do espírito da reforma. Estes e outros Veneza.
égide de um dos seus membros que a associação traços canónicos específicos da instituição contri- Uma maior estabilidade da comunidade foi alcançada
humanitária SOPRO (Solidariedade e Promoção) foi buíram para o seu rápido desenvolvimento e enorme por ocasião de uma viagem do Mestre João Vicente
fundada. Em Portugal, os Irmãos das Escolas Cristãs prestígio social. O seu carácter secular manifestou- e Martim Lourenço à Borgonha, integrados, a pedido
não têm nenhuma publicação periódica, dispondo, -se também nas origens da Instituição, já que três de D. João I, no séquito de casamento da Infanta
no entanto, dos seguintes websites: www.lasalle.pt dos Fundadores eram leigos e o quarto sacerdote D. Isabel com o Duque Filipe, o Bom (1429). Da
e www.lasalleabrantes.com. secular. Isto é, por trás de uma congregação religiosa Borgonha, os religiosos passaram a Itália, tomaram
com objectivos reformadores da vida sacerdotal, contacto com a Congregação de S. Jorge de Alga
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal encontramos uma iniciativa claramente laical e secular e, em Roma, João Vicente veio a ser nomeado Bispo
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência e isso só não surpreende porque está de acordo de Lamego, em Maio de 1432. Já anteriormente
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 849; FRANCO, José com o que se passava por toda a Europa e também obtivera do Papa a Bula Injunctum nobis de 18 de
Eduardo, “Lassalistas”, in C. M. Azevedo (dir.) em Portugal, no final da Idade Média. Maio de 1431, segundo a qual fora permitido aos
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. Os primeiros passos da Congregação foram dados religiosos de Vilar de Frades usufruírem de todos os
J-P, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos cerca de 1420, na Igreja dos Olivais, próximo de privilégios dos Cónegos de São Jorge de Alga e dos
de História Religiosa da Universidade Católica Lisboa, por iniciativa de João Vicente, médico da Eremitas de São Jerónimo, elegerem um prior,
Portuguesa, 2001, pp. 66-67; G OMES , Manuel Corte, professor na Universidade de Lisboa e futuro aceitarem igrejas e outras casas no país e elaborarem
Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Bispo de Lamego e Viseu, de Martim Lourenço, Estatutos próprios. A formação da Congregação
Paulinas, 1994; Vida de São João Baptista de La doutor em Teologia, e de Afonso Nogueira, canonista pode considerar-se consolidada a partir de 1431,
Salle, Porto Alegre, Santo António, 1950. Digital: graduado pela Universidade de Bolonha, futuro Bispo ano em que, pela primeira vez, foi exercido o direito
www.lasalle.es; www.lasalle.org; www.lasalle.pt; de Coimbra e Arcebispo de Lisboa. Reunindo-se de voto para eleição do Reitor do Convento de Vilar
www.lasalleabrantes.com. inicialmente para discutir temas religiosos e partilhar de Frades.
a preocupação comum “pola grande dessoluçam O rápido sucesso alcançado pelos Cónegos e a
CRISTIANA LUCAS SILVA do estado clerical”, rapidamente se concretizaram protecção que estes receberam por parte da Cúria
SOFIA MENDES GERALDES experiências de vida comunitária, que constituiriam Romana e da família real suscitaram a rivalidade do
mais tarde a base da nova congregação. Pouco Arcebispo D. Fernando da Guerra, que pretendeu
tempo depois, este grupo fundacional e mais alguns afirmar a sua autoridade sobre o Mosteiro de Vilar,
LÓIOS elementos que se lhe juntaram viram-se obrigados sobretudo nos aspectos relativos aos foros e direitos
Mais conhecida vulgarmente por Lóios, a Congre- a abandonar a Casa dos Olivais, de onde, com o das igrejas anexadas ao convento. Não aceitando
gação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista apoio do Bispo do Porto, D. Vasco, se transferiram as pretensões do arcebispo, os Cónegos, com o
é também designada por Cónegos de São Salvador para a Igreja de Campanhã (1423). A passagem de apoio da Rainha D. Isabel, conseguiram obter do
de Vilar, Homens Bons de Vilar, Congregação de D. Vasco para o Bispado de Évora e a intimação do papado, por Bula de 7 de Março de 1446, a
São João Evangelista de Xabregas, ou ainda Cónegos novo Prior de Campanhã, para que o grupo confirmação de isenção canónica, em vida do
Azuis. abandonasse a sua igreja, provocaram uma nova arcebispo. No entanto, as reivindicações do ordinário

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS LÓIOS

do lugar prosseguiram, foram retomadas pelo seu S.to Elói de Lisboa para aí se estabelecer uma casa com importantes rendimentos e bens fundiários: S.
sucessor, D. Luís Pires, e a contenda sobre a definição dos Lóios. Foi um dos conventos mais protegidos Leonardo de Atouguia, S. Pedro de Alenquer, S.
de poderes acabou por se arrastar, com alguma pelo poder régio, onde, por várias vezes, se realizaram Miguel de Sintra e S. João Baptista de Rio Maior.
intermitência, até ao início do séc. XVI, época que reuniões do braço da nobreza em Cortes. A Infanta No final do séc. XVI iniciaram-se obras de ampliação
correspondeu à fase de maior esplendor da D. Catarina, irmã de D. Afonso V, foi sepultada na que prosseguiram ao longo do séc. XVII. Apesar de
Congregação. Fortemente apoiada pelo poder régio igreja do convento, num mausoléu mandado cons- ser a cabeça da Congregação, no aspecto económico
e por algumas figuras de destaque da nobreza do truir por D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha. o convento não era tão rico como Vilar de Frades
reino, a Congregação expandiu-se rapidamente pelo A Casa de S.to Elói esteve também ligada às primeiras ou S.to Elói. A expansão da Ordem prosseguiu para
território nacional. Em pouco mais de 100 anos, os tentativas de formação de um clero ultramarino o sul, com o patrocínio dos Melos, que dotaram um
Lóios fundaram nove casas nas principais dioceses autóctone, já que aí viveu e se formou o Bispo D. novo convento em Évora, também ele dedicado ao
do país. O primeiro convento estabeleceu-se no Henrique, filho de D. Afonso, Rei do Congo. No apóstolo S. João. Fundado em 1485 por D. Rodrigo
antigo mosteiro beneditino de S. Salvador de Vilar final do séc. XVII, a antiga Igreja de S.to Elói foi de Melo, Guarda-Mor de D. Afonso V, Capitão e
de Frades, reduzido a igreja secular pelo Arcebispo demolida, dando lugar a uma nova construção, sob Governador de Tânger e primeiro Conde de Olivença,
de Braga, D. Fernando da Guerra, em 1425, e doado a direcção do arquitecto João Antunes. Por esta e pelo seu genro, D. Álvaro de Portugal, filho do
aos Lóios nesse mesmo ano. A doação foi época, o convento albergaria cerca de meia centena segundo Duque de Bragança, foi a quinta casa da
confirmada, em 1427, pelo Papa Martinho V e, em de religiosos e, em termos económicos, seria a Congregação, também muito protegida, desde as
1431, reconfirmada pelo Papa Eugénio IV. Recebeu segunda casa mais importante da Congregação, origens, pela nobreza e pelo poder régio. Apesar
muitos privilégios reais, anexações de igrejas e depois de Vilar de Frades. Em 1462, também em disso, os rendimentos próprios do convento nunca
doações de particulares, tendo-se tornado Lisboa, D. Afonso V, dando cumprimento às permitiram sustentar mais do que 25 ou 26 cónegos.
rapidamente a casa mais rica da Congregação. A disposições testamentárias da Rainha D. Isabel já Entretanto, no Porto, iniciara-se a construção de uma
partir de 1523, realizaram-se obras importantes na falecida, doou aos Cónegos o Oratório de S. Bento nova casa dos Lóios (1490), resultante de uma doação
igreja e no edifício do convento, que se prolongaram de Xabregas, para aí fundarem um convento em de Violante Afonso. A fundação contou, desde o
durante os sécs. XVII e XVIII. honra de S. João Evangelista. O Convento de início, com o apoio directo do Bispo do Porto, D.
Xabregas passou a ser sede da Congregação que a João de Azevedo, que, no final da sua vida, se
partir desse momento se designou oficialmente recolheu num convento dos Lóios. Em 1493, o
Congregação de Cónegos Seculares de São João convento foi agregado à Congregação e, em 1496,
Evangelista. O convento tinha quatro igrejas anexas, D. Diogo de Sousa, sucessor de D. João de Azevedo
no Bispado do Porto e também ele afeiçoado aos
Lóios, confirmou todas as doações e privilégios
anteriormente concedidos à Congregação. Ao Con-
vento do Porto foram anexadas numerosas igrejas
e as suas principais rendas eram constituídas por
dízimos. Já no séc. XVI, a Congregação receberia
ainda o Convento de N. Sr.a da Assunção de Arraiolos
(1526), fundado por iniciativa de João Garcês, fidalgo
da Casa Real, e de sua mulher, D. Leonor de Abreu.
Convento do Beato, Lisboa (DB)
Ajudaram à construção avultadas esmolas de
D. João II, dos Infantes Cardeal D. Henrique e D. Luís
Depois de Vilar de Frades, os Cónegos instalaram- e dos Duques de Bragança, D. Jaime e D. Teodósio.
-se em Recião, perto de Lamego, ocupando para o O Colégio de Coimbra iniciou-se em 1548, em
efeito um antigo mosteiro de Beneditinas. Por instalações provisórias, cedidas pelo Hospital de
decisão do bispo e seu Cabido, o mosteiro fora Coimbra, cuja administração dependia dos Lóios.
reduzido a benefício secular e, posteriormente, A Congregação foi reunindo rendas e contribuições
incorporado na Congregação de São Salvador de para custear as obras do novo edifício, que só se
Vilar de Frades. O papa expediu um Breve, com data iniciaram em 1631. Por último, foi fundado o
de 10 de Julho de 1436, dirigido ao Prior do Mosteiro Convento do Espírito Santo na Vila da Feira, em
de S.ta Cruz de Coimbra, para que executasse essa 1549, por iniciativa de D. Manuel Pereira e de seu
anexação. Em 1542, teve lugar no Convento de S. filho, D. Diogo Forjaz Pereira, quarto Conde da Feira.
Jorge de Recião o Capítulo Geral da Congregação No reinado de D. João III, os Lóios foram encarre-
e, a partir de 1573, aí se ministravam cursos de gados da administração dos hospitais régios de todo
Artes. Por se tratar de uma casa isolada e com poucos o reino. Em 1536, assumiram o governo do Hospital
recursos, os outros conventos da Congregação de Todos-os-Santos, em Lisboa, e dos Hospitais de
contribuíam para a sua sustentação económica. Em Santarém, Montemor-o-Novo, Caldas da Rainha e
1595, o Capítulo Geral ordenou o encerramento Coimbra. Um pouco mais tarde, receberam também
deste convento e a construção de um novo edifício a administração dos Hospitais do Vimeiro e de
na cidade de Lamego, num local com melhores Castanheira e, em 1541, a dos Hospitais de Portel
condições para a vida religiosa. O primeiro convento e Arraiolos. Instituíram várias missões no Reino do
da Congregação fundado na capital do reino data Congo, dedicaram-se à pregação popular e itinerante,
de 1442. A pedido do Infante D. Pedro, o Papa Convento de S. João Evangelista ou Convento ao serviço apostólico e assistencial nas prisões, ao
Eugénio IV concedeu à Congregação o Hospital de dos Lóios, Évora (DB) acompanhamento dos condenados à morte, à criação

212
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARIANOS

Em 1822, o governo liberal reduziu para quatro as de Portugal, vol. J-P, [Lisboa], Círculo de Leitores/
nove casas dos Lóios. Em 1824, o regime absolutista Centro de Estudos de História Religiosa da
restitui-lhes esses conventos, mas a nova vitória dos Universidade Católica Portuguesa, 2001, pp. 149-
liberais, em 1834, trouxe a supressão definitiva da -157; TAVARES, Pedro Vilas Boas, “Legislação capitular
Congregação de São João Evangelista. Da sua da Congregação de S. João Evangelista: séculos XV-
presença e actuação no nosso país resta-nos hoje o -XVI”, in Homenagem ao Doutor João Francisco
património edificado e a memória histórica de uma Marques, vol. 2, Porto, s.n., s.d., pp. 457-471.
instituição que, pelo carácter eminentemente
nacional, especificidade institucional e prestígio social, ISABEL CASTRO PINA
assumiu, no seu tempo, um papel relevante na vida
cultural, religiosa e política de Portugal.
MARIANOS
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Convento de Santo Elói Os Marianos da Imaculada Conceição (MIC), ou
do Porto, Ms., liv. 87 (Jorge de São Paulo, Compendio apenas Marianos, foram fundados, na Polónia, em
do Cartorio do Convento de S. Elói do Porto), Arquivo 1673, pelo P.e Estanislau de Jesus Maria Papczyński.
Convento de N. Sr.ª da Assunção, Arraiolos (DB) Distrital do Porto; Fundo Monástico Conventual, Ms.
924, Arquivo Distrital de Braga (Jorge de São Paulo,
Epílogo e Compendio da origem da congregação
de confrarias populares, à escrita da vida de santos, de Sam Joam Evangelista – 1658); Manuscritos da
ao ensino às crianças dos primeiros elementos Livraria, n.º 186 (Instituição dos Cónegos Azuis e
linguísticos e à assistência aos doentes e moribundos alguns capítulos da Ordem, etc. – 1538-1545)/n.º
durante os surtos de peste. Colaboraram ainda, de 523 (Liber capitulorum generalium nostrae
forma activa, na direcção da reforma pré-tridentina congregationis – 1478-1500)/n.º 796 (Fr. Paulo de
portuguesa, através da visitação e reforma das Ordens Portalegre, Novo memorial do estado apostólico da
de Cristo, São Bento, Cister e do clero da congregação – c.1468), ANTT. Impressa: COSTA,
Diocese de Lisboa. Por Breve de Pio V, com data de António Domingues de Sousa, “Lóios”, in Joel Serrão
28 de Março de 1568, os Lóios foram também (dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. IV,
chamados a reformar os Cónegos de São Jorge de Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, pp. 48-51; COSTA,
Alga, em Veneza, cujos Estatutos e modelo de António Domingues de Sousa, Bispos de Lamego e
organização tinham sido seguidos, na época da de Viseu no Século XV: Revisão Crítica dos Autores,
fundação, pela congregação portuguesa. Foi o coroar I (1394-1463), Braga, Editorial Franciscana, 1986,
do empenhamento da Congregação dos Lóios na pp. 185-448; Diversae concessiones et gratiae
reforma do clero e a manifestação clara de um concessae a Sanctiss. D. N. Clemente Papa VIII
processo de institucionalização bem consolidado congregationi canonicorum saecularium S. Ioannis
com mais resultados em Portugal do que em Itália. Evangelistae in Regno Portugaliae, Roma, Ex
Depois desta intensa acção apostólica e caritativa, typographia Marci Antoni de Valle, 1596; Estatutos
a partir do último quartel do séc. XVI entraram num e Constituições dos Virtuosos e Reverendos Padres
processo de declínio. Perderam a protecção régia e Cónegos Azuis, Lisboa, Germão Galharde, 1540; Bem-Aventurado Estanislau Papczyń ski, Fundador dos Marianos (I)
tiveram de enfrentar a oposição das respectivas Livro dos Privilégios Concedidos pelos Sumos
autoridades eclesiásticas, foram progressivamente Pontífices, à Congregação de S. João Evangelista,
abandonando a actividade assistencial nas prisões Lisboa, António Alvares, 1594; MARQUES, José, A Filho de Sofia e de Tomás Papczyński, era o oitavo
e nos hospitais, suspenderam o seu empenho Arquidiocese de Braga no Século XV, Lisboa, Imprensa filho do terceiro casamento do pai, e nasceu no dia
missionário e a fundação de novas casas. Nacional-Casa da Moeda, 1988, pp. 655-657/851- 18 de Maio de 1631, em Podegrodzie, antiga vila
Na sequência dos intentos de uniformização canónica -889; M ATTOSO , José, “Canonici regolari de San situada no vale fértil do rio Dunajec, perto da cidade
desenvolvidos pela Igreja no período pós-tridentino, Giovanni Evangelista”, in G. Pellicia e G. Rocca (dirs.), de Stary Sacz (Polónia). Foi baptizado no mesmo dia
o Papa Clemente VIII propôs a transformação dos Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. II, Roma, do seu nascimento com o nome de João Papczyński,
Lóios numa congregação de votos perpétuos, mas, Edizioni Paoline, cols. 119-122; SANTA MARIA, Francisco tendo-o a mãe consagrado ao serviço da Virgem
dada a oposição manifestada, autorizou a perma- de, O Céu Aberto na Terra: Historia das Sagradas Maria. Na escola, consta que o jovem João mostrava
nência do estatuto anterior, por Breve de 2 de Agosto Congregações dos Cónegos Seculares de S. Jorge muitas dificuldades em aprender, razão porque
de 1596. Durante o séc. XVII, verificaram-se outras em Alga de Veneza e de S. João Evangelista em abandonou os estudos. Sofreu por isso a violência,
tentativas de supressão da Congregação, que Portugal, Lisboa, Manuel Lopes Ferreira, 1697; SOBRAL, a cólera e a rudeza do pai. Apesar disso, a mãe não
também não se concretizaram. Os lóios portugueses Cristina, “Decifrando o Memorial de Paulo de desistiu e tudo fez para que o pequeno voltasse à
resistiram mesmo à extinção, em 1668, dos cónegos Portalegre”, in Da Decifração em Textos Medievais: escola. Desta vez, para espanto de todos,
congéneres de São Jorge de Alga. Apesar de tudo, Actas do IV Colóquio da Secção Portuguesa da especialmente do professor e do pai, aprendeu o
durante este período, os Cónegos Azuis – como Associação Hispânica de Literatura Medieval, Lisboa, alfabeto todo em apenas um dia, parecendo que a
também eram designados popularmente devido à Edições Colibri, 2003, pp. 163-178; SOUSA, Bernardo sua inteligência tinha recebido uma luz especial. Em
cor do seu hábito – demonstraram bem a sua Vasconcelos, et alii, Ordens Religiosas em Portugal 1646, o jovem João Papczyński foi para Jaros l-a w,
vitalidade, através de obras grandiosas em vários das Origens a Trento: Guia histórico, Lisboa, Livros uma cidade a cerca de 170 quilómetros da sua terra,
conventos da Congregação, de intervenções na vida Horizonte, 2005; TAVARES, Pedro Vilas Boas, “Lóios”, a fim de aí continuar os estudos. Tentou então entrar
intelectual e universitária, entre outras iniciativas. in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa no Colégio dos Jesuítas de Lwów, mas estes, para

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARIANOS

seu grande desgosto, não o admitiram. Decide de iniciar um novo instituto religioso, uma frater- à Imaculada Conceição e o trabalho pastoral com
continuar a sua formação por si próprio, vivendo de nidade de Marianos da Imaculada Conceição da os camponeses tenha sido sempre uma prática do
lições privadas que ia dando. Em 1649-1650, em Bem-Aventurada sempre Virgem Maria. A intenção P.e Papczyński. E justamente um ano antes da sua
meio de grandes tribulações e achaques de saúde, fundamental do Fundador dos Marianos era, pois, morte, numa altura em que a Polónia passava por
continua os estudos nos Piaristas, em Podoliniec. promover o culto da Imaculada Conceição. Num grandes convulsões sociais e políticas (a “pólnocna”:
Em 1650, retorna a Lwów, para estudar no Colégio tempo em que este dogma ainda não tinha sido guerra setentrional; os tumultos da Confederação
dos Jesuítas, onde é aceite. Em 1652, tem de fugir definido pela Igreja e era intensamente discutido, o de Tarnogród), que abalavam a jovem Ordem
aos cossacos que avançam sobre a cidade e, P. e Papczyński sentiu-se chamado a fundar uma nascente, nascia um rapazinho que viria a dar novo
juntamente com os colegas, vai estudar para Rawa congregação que tivesse como finalidade defender e decisivo impulso aos Marianos, tanto no
Mazowiecka, onde existia outra escola de Jesuítas. o mistério da “concepção sem mácula” de Maria, aprofundamento do carisma mariano originário como
Depois de muitos trabalhos, de dificuldades de vária se preciso fosse até ao derramamento de sangue: na internacionalização dos Marianos. O seu nome
ordem, de doenças (pestes, fomes, insegurança e o chamado “Voto de Sangue”. Mas o processo era Francisco Januário Wyszyński.
guerras contínuas da Polónia, durante vários anos, revelou-se-lhe recheado de dificuldades de toda a Francisco Wyszyński nasceu no dia 19 de Agosto de
com os cossacos, os russos, os turcos, os tártaros, ordem e durante três anos o P.e Papczyński prossegue 1700, em Jeziora Wielka, na Polónia – hoje Jeziórka,
os suecos), e depois de o pai insistir para que se uma luta estrénua para conseguir fundar uma ordem Poznań –, filho de João Casimiro Wyszyński e de
casasse com uma jovem muito rica da região, João com esse carisma. A data de 24 de Outubro de Edviges Rogala Wyszyński, abastados proprietários
Papczyński, em 1654, com 23 anos, decidiu entrar 1673, ocasião em que o Bispo Estanislau S´wiecicki, de extracção nobre. Depois de uma infância
para o Instituto das Escolas Pias da Mãe de Deus, de Cracóvia, visitou a primeira comunidade dos atribulada por ser considerado “ab adolescentia
conhecidos por Piaristas ou Escolápios (ordem Marianos, no Eremitério da Floresta de Korabiew, a obtusus” (Positio, XXVI), o jovem Francisco consegue
fundada por S. José de Calasanz, em 1579, na Itália), 40 quilómetros de Lubocz, pôs a comunidade sob ir fazendo regularmente os seus estudos. Aos 7 anos
em Podoliniec. Ao entrar no Noviciado, no dia 2 de a Regula Vitae escrita pelo P. e Papczyń ski e o entra na Escola dos Piaristas. Em 1716-1717, vai
Julho do mesmo ano, recebe o nome novo: Estanislau constituiu como Superior dos Marianos Eremitas. para Varsóvia estudar Poética e Retórica, durante
de Jesus Maria Papczyński. Esta é considerada a data histórica da fundação dos dois anos, na escola da mesma ordem. Em 1718, o
Clérigos Marianos da Imaculada Conceição. pai, cuja disciplina rígida se fazia sentir, manda-o
Depois de ultrapassadas muitas dificuldades, ainda para Varsóvia praticar leis junto do vice-presidente
antes da morte do Fundador, tendo obtido da Corte, a fim de ingressar na carreira de
importante beneplácito do Rei João III Stobieski, da magistrado. Mas nesta altura dá-se na sua vida uma
Polónia, já com várias casas erectas, e. g., a viragem que será decisiva para a Ordem Mariana.
importante Gora Kalvaria, perto Czersk, e também Por razões do foro íntimo, faz um voto de pere-
em Goêlin, perto de Wilga, o novo Instituto obteve grinação a Santiago de Compostela. Sabe-se que,
finalmente aprovação pontifícia no dia 24 de em Outubro de 1721, já está na estrada com o
Novembro de 1699, pelo Breve Exponi nobis super bordão na mão e as vieiras de peregrino no alforge,
de Inocêncio XII, cometendo-lhe uma tríplice missão: juntando-se a um grupo de romeiros que seguia
Logótipo dos Marianos (I) defender o mistério da Imaculada Conceição; oferecer para Roma. Depois de se ter confessado na Basílica
sufrágios pelas almas do Purgatório (perante o de S. Pedro e de, na Igreja de S.to Estanislau Kostka,
A Congregação dos Piaristas tinha por carisma fundar inumerável número de falecidos na guerra e de se preparar para a segunda etapa da longa jornada,
e orientar escolas para os pobres. Assim, depois do dizimados pela peste, o P. e Papczyń ski sentiu a parte para os confins de Espanha, isto é, para o finis
rigoroso período de formação, durante os dois anos necessidade de auxiliar estes irmãos defuntos e terrae. Neste percurso, porém, já em terras ibéricas,
de Noviciado, e antes de ser ordenado, Fr. João recomendou vivamente este ministério aos seus co- adoece gravemente e, aconselhado pelos médicos,
Papczyński foi estudar Teologia para Varsóvia, tendo- -irmãos; de facto, os Marianos eram reconhecidos, tem de voltar para trás. Regressa a Roma para pedir
-se depois tornado professor de Retórica nas escolas na Polónia, como aqueles que auxiliavam os mortos); a dispensa do seu voto, permanecendo nesta cidade
do instituto, em Rzeszów, continuando essa missão prestar auxílio aos párocos no ensino da catequese durante meio ano, visitando igrejas e fazendo
depois da ordenação, tendo escrito e editado um ao povo simples, pois era também uma necessidade trabalhos humildes para ganhar o sustento diário.
livro sobre a matéria – Introdução à Rainha das Artes do seu tempo. O P. e Estanislau de Jesus Maria É aqui que, um dia, encontra o P.e Joaquim de Santa
(Prodromus Reginae Artium, 1663) –, obra muito Papczyński, depois de ter feito votos solenes no dia -
Ana Kozlowski, Procurador dos Marianos, que se
apreciada na época: saíram três edições até 1670. 6 de Junho de 1701, conforme exigia o novo estatuto encontra em Roma a tentar obter a confirmação da
Apesar de ser um mestre de Retórica, distinguiu-se de ordem religiosa com reconhecimento papal, aprovação papal da Ordem.
sobretudo como pregador, conselheiro espiritual e morreu no dia 17 de Setembro de 1701, em paz, É o P.e Joaquim, que já em 1690, com o Fundador
confessor. Entre 1664 e 1667, foi confessor do futuro como o velho Simeão, porque os seus olhos viram P.e Estanislau Papczyński, viera a Roma com a mesma
Rei da Polónia, João Sobieski III, e de António aprovada a Congregação segundo o carisma que intenção, quem o informa dos prejuízos que o seu
Pignatelli, Núncio Apostólico na Polónia e futuro lhe tinha sido confiado e que incluía agora, além irmão, José Wyszy ński, fizera à Ordem durante a
Papa Inocêncio XII. Por defender a legalidade na da Regula Vitae por ele escrita, a “Regra das Virtudes chamada dispersão rostokoviense, entre 1716 e
eleição do Superior Provincial e a observância fiel e da Bem-Aventurada Virgem Maria”, de Gilberto 1722. De facto, o intento do seu irmão José tinha
estrita das regras do instituto, no respeitante à pobreza, Nicolau (m. 1532), que o Breve de Inocêncio XII sido o de destruir a Congregação, tendo conseguido,
e do carisma na comunidade da província, entrou acrescentara. em colaboração com o superior geral e com a
em conflito aberto com os superiores, o que o levou Durante a vida do P.e Papczyński, até à aprovação aprovação do Bispo local, Adão Rostokowski,
a sair dos Piaristas, em 1670 – tinha então 39 anos. papal, e devido ao estatuto de eremitas que o Bispo dispersar todos os seus membros. Esta dispersão
No acto formal da sua saída, porém, o P.e Papczyński S´wiecicki impusera aos Marianos, o elemento do passou para a História com o nome de “dispersão
acrescentou uma solene declaração (Oblatio, 11 de carisma que mais se desenvolveu na Ordem foi o rostokoviense” por causa do nome do bispo que,
Dezembro de 1670) em que manifesta a sua vontade da oração pelos fiéis defuntos, se bem que a devoção em 1717, dispersara os Marianos pelas paróquias

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARIANOS

tuado a práticas pouco religiosas (bebidas, cartas, P.e Molina, Superior do Franciscanos, pretendeu
caça). Assumindo claramente uma posição crítica, dissuadi-lo do seu intento, levantando prudentemente
quer pelo seu próprio modo de vida piedoso e austero algumas reservas sobre a verdade dos factos e a
quer pela palavra, rapidamente “caiu no ódio dos origem do convite, Fr. Casimiro respondeu, sem
Irmãos”, tornando-se alvo de troça e de perseguições. hesitar: “Nulo modo haec fieri potest, nam ubique
Mais tarde, já professo, será mesmo ameaçado de jam divulgatum est, quod ad hunc finem de Polonia
morte. Por causa disso, nos sucessivos escrutínios a missi sunt” (“De modo nenhum se pode fazer isso,
que os noviços deviam ser sujeitos ao longo do ano, visto que já se divulgou por toda a parte, e para
Fr. Casimiro obteve sempre alguns votos negativos. este fim foram enviados Marianos da Polónia” –
Mas, finalmente, fez a profissão dos votos solenes Positio, p. 238), resposta que traduz bem como Fr.
a 19 de Março de 1725. E apesar de o seu Superior, Casimiro ardia interiormente no desejo de trazer os
o P.e Joaquim, não o querer deixar estudar nem Marianos para terras de S. ta Maria. Ademais,
admitir ao sacerdócio, insistiu junto do Capítulo acrescentou, a renúncia ao projecto redundaria em
Provincial dos Reformados (franciscanos que, ao grave dano para a credibilidade da Ordem.
tempo, superintendiam a Congregação; só em 1787,
depois de Pio VI aprovar as Constituições da Ordem,
esta ficou totalmente autónoma) para que lhe fosse
permitido estudar e preparar-se para as ordens, vindo
a ser ordenado Sacerdote no dia 20 de Abril de
1726. Logo depois, em 1727, foi nomeado Mestre
de Noviços e reconfirmado no cargo pelo Capítulo
Monumento a Fr. Casimiro Wyszyński, Convento de Balsamão (I) Geral, em 1728. Entretanto, foi assumindo vários
cargos na Ordem: Secretário-Geral, Vice-Superior,
outra vez Mestre de Noviços, Conselheiro Geral,
diocesanas. Esta “dissipação”, que quase liquidava Professor, Confessor… Em 1737, foi eleito Superior
a Ordem, terminou apenas quando o Bispo de Poznań, Geral da Ordem, realizando então uma autêntica
Panorâmica do Convento de Balsamão, a partir da estrada
- em 1722, convocou todos os Marianos
Pedro Tarlo, renovação da vocação mariana, segundo o carisma
de Chacim para Balsamão (I)
para os seus conventos, em 10 dias, sob pena de do Fundador. Apelou à responsabilidade de todos,
excomunhão. O Capítulo Geral de 31 de Agosto de a fim de revigorar a disciplina e os costumes
1722, entre outras medidas, decidiu enviar a Roma religiosos, sublinhando em tudo o primado da Então, Fr. Casimiro e o P.e Benão Bujalski, vindo da
o P.e Joaquim para obter finalmente a confirmação caridade. Ao mesmo tempo, ardia no desejo de Polónia para o ajudar nesta missão, depois de
da aprovação dos Estatutos e da Ordem, o que expandir a Ordem. Nesse sentido, promoveu um pedirem ao Ministro Geral dos Franciscanos Litterae
acabara de acontecer: no dia 3 de Setembro de programa vocacional na Boémia o que, em poucos Obedientiales – não sem por ele serem advertidos
1723, Inocêncio XIII confirmou a aprovação. anos, se traduziu na entrada de um grande número que deveriam também pedir ao Ministro de Portugal
Depois de saber tudo isto, e decidido a reparar os de novas vocações para a Congregação. Em 1750, em Roma Litterae Patentes –, no dia 14 de Maio de
graves danos que o seu irmão de sangue tinha depois de um triénio de novo como Superior Geral, 1753 iniciaram a viagem para Portugal, cujo percurso
causado aos Marianos, Francisco Januário disse: “Eis- durante o qual levara a Ordem para a Lituânia (2 se conhece em detalhe. Chegaram a Lisboa no dia
-me aqui! Quero reparar com a minha vida o que casas) e para a Ruténia (2 casas), encontra-se outra 10 de Outubro do mesmo ano. Logo se encontraram
o meu irmão destruiu.” Pediu então para entrar na vez em Roma, agora como Procurador da Ordem, com o P.e António de Sousa Salazar, em sua casa,
Ordem e, depois de algumas hesitações do P. e resolvendo problemas junto da Cúria e tentando dar no Rossio, e descobriram imediatamente que o
Joaquim, toma o hábito branco no dia 18 de novo fôlego ao processo de beatificação do Fundador. projecto da fundação de uma ordem religiosa
Novembro de 1723, na mesma igreja donde um ano Durante esta estadia em Roma, Fr. Casimiro, através dedicada à Imaculada Conceição, em Portugal,
antes partira para Santiago de Compostela, S. to do Ministro Geral dos Frades Menores, P.e Pedro nascera exclusivamente das ambições pessoais do
Estanislau Kostka. Recebeu ao mesmo tempo o nome de Molina, recebeu uma carta de António de Sousa P.e Salazar e que não havia qualquer desejo nem
de Casimiro de São José Wyszyński. Logo a seguir, Salazar Teixeira, um padre português de Lisboa, na aprovação régia ou eclesiástica. Foi um banho de
juntamente com o P. e Joaquim Kozlowski - e um qual se pedia a vinda de dois religiosos marianos água fria. Depois de dois meses praticamente
irmão chamado Nicolau de São Martinho, regressou para Portugal, a fim de aí fundar uma ordem “presos” quer em Lisboa, no “Rocio”, quer noutra
à Polónia. Antes de entrar no Noviciado, no dia 19 dedicada ao culto da Imaculada Conceição. O casa do P. e Salazar – no monte Abóbada, S.
de Março de 1724, em Puszcza Korabiewska, o projecto foi falsamente apresentado como se fosse Domingos de Rana, propriedade da Marquesa de
jovem Casimiro ficou ainda durante alguns dias em autorizado e correspondesse a um desejo expresso Cascais, onde Salazar pretendia fundar um instituto
casa dos seus pais, em Jeziora Wielka, acompanhando do próprio Rei D. José I. Fr. Casimiro que, desde o à Imaculada Conceição –, sofrendo deste contínuos
até à morte a sua mãe moribunda. seu voto de peregrino de Compostela, sempre se maus-tratos, humilhações, injúrias, sarcasmos,
Durante o rigoroso Noviciado no Ermo de Korabiew, sentira atraído pela luz do Ocidente, isto é, pelo privação de comida e de bebida, o P.e Benão, doente
sob orientação primeiro do P.e Joaquim de Santa futuro, ficou radiante e entusiasmado. Escreve e desanimado, regressou à Polónia. Fr. Casimiro
Ana Koztowski, de 19 de Março até Agosto de 1724, imediatamente (11 de Março de 1752) ao superior decidiu ficar, entregando-se à Providência: se Deus
e depois do P.e Mansueto Leporinus, franciscano geral, na Polónia, exprimindo-lhe que era uma permitira que viesse até aqui, algum bem haveria
reformado, de Agosto de 1724 até Março de 1725, oportunidade a não perder. Como da Polónia de tirar da sua confusão. Da sua parte, estava pronto
Fr. Casimiro começou a notar o relaxamento de hesitassem e demorassem a dar uma resposta, Fr. a suportar o sadismo do P.e Salazar e todos os males,
costumes dos professos vindos da “dispersão Casimiro oferece-se ele mesmo para ir fundar os até a morte, em favor da dilatação do culto à
rostokoviense”, que nesse tempo se haviam habi- Marianos em Portugal, o que foi aceite. Quando o Imaculada Conceição. Algum tempo depois da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARIANOS

partida do P.e Benão para a Polónia, Fr. Casimiro, Gomes Menna de Morais), e fraternalmente acolhidos da Mãe de Deus, se difundirá em todo o Portugal
através da intercessão de benfeitores e amigos – pela Comunidade dos Eremitas de Balsamão, cujo e Espanha. O Bispo de Miranda, que se tornou um
Salvador Marcelo de Figueiredo e Silva, António Superior, o P.e Jerónimo da Trindade, era um “varão poderoso benfeitor, tem um irmão no Brasil. Se em
Joaquim de Oliveiras Pires –, e por ordem expressa verdadeiramente perfeito”, afirmava Fr. Casimiro caso tivéssemos de ir para lá, a nossa Ordem poderia
do Cardeal Lucas Melchior Tempi, ao tempo Núncio (PIRES, Basileu, mic, Venerável Frei Casimiro…, p. 18). ter um grande desenvolvimento” (Positio, p. 248;
Apostólico em Portugal, foi subtraído ao sadismo Depois de alguns dias em Balsamão, Fr. Casimiro, MORAIS, José, mic, “As Ordens religiosas…”, p. 162).
do P.e Salazar (este queria que Fr. Casimiro fizesse acompanhado por Fr. João de Deus da Conceição Eis as cogitações de um homem que, vindo do leste
“novo Noviciado”, sendo ele o Mestre da sua e pelo P. e Jerónimo da Trindade, foi a Bragança e debruçado sobre o mar Atlântico, queria “fazer-
provação) e levado para o Convento de S. Pedro de apresentar-se ao bispo que, temporariamente, residia -se ao largo”. Fr. Casimiro Wyszyński, de facto, foi
Alcântara. Seis dias depois desta libertação, no dia nesta cidade. Mas um dia depois de chegarem a alguém que, recebendo do Fundador dos Marianos
25 de Março de 1754, Fr. Casimiro deu o hábito Bragança (25 de Setembro), o P.e Jerónimo morre o testemunho carismático da Ordem, quis transmiti-
branco mariano ao primeiro português: Fr. João de inesperadamente. D. João da Cruz nomeia, então, -lo e expandi-lo urbi et orbi. Era tempo, porém, de
Deus da Conceição, que era natural da Torre de Fr. Casimiro Superior dos Eremitas de Balsamão, começar a passar o testemunho. Por isso, quase
Moncorvo e vivia em Lisboa. Será ele, em 1757, já autoriza-o a dar-lhes o hábito dos Marianos e coloca- pressentindo o fim, no Verão de 1755, dirige-se ao
depois da morte de Fr. Casimiro, a traduzir para -os sob a jurisdição do Ordinário do Lugar. Depois superior geral nestes termos: “Dado que estou
português a Regra dos Marianos. de duas semanas em Bragança, regressam a avançado em idade, e não sabendo nem o dia nem
Fr. Casimiro procurara, entretanto, um lugar onde Balsamão. No Natal de 1754, Fr. Casimiro manda a hora, gostaria que algum, de entre os jovens,
pudesse viver e fundar os Marianos em Portugal. Fr. as boas-festas ao bispo e este responde, no dia 2 de viesse da Polónia até junto de mim […] a fim de se
João recordou-se, então, que relativamente perto Janeiro de 1755, manifestando agrado e apreço pelo poder conservar, deste modo, a união da nossa
de Moncorvo havia um hospício onde vivam alguns trabalho realizado no governo da casa e na forma- Congregação” (Positio, p. 314). Fr. Casimiro sofria
eremitas que não tinham Regra religiosa, mani- ção dos candidatos a marianos, “pedras angulares da doença da malária, contraída possivelmente nos
festando o desejo de adoptar uma: eram os da nova fundação”. No dia 13 de Abril de 1755, miasmas de Roma, junto ao Coliseu, onde já lhe
“Barbadinhos” de Balsamão, quatro quilómetros a Fr. Casimiro entrega o hábito e admite ao Noviciado tinham surgido manifestações. No dia 19 de
nascente da Vila de Chacim. Fala nesta possibilidade cinco portugueses e aceita mais dois candidatos à Setembro de 1755, a febre manifestou-se de modo
Ordem. A 22 de Maio do mesmo ano, D. João da fulminante e, no espaço de um mês, levou-o à morte.
Cruz confere a Fr. Casimiro a faculdade de Agravando-se a saúde de dia para dia, mostrava em
administrar os sacramentos aos confrades e aos tudo uma imensa paciência, tendo continuamente
peregrinos que vêm visitar o Santuário de N. Sr.a nos lábios a jaculatória “Bendito seja o Nome do
de Balsamão. O rebento transplantado desde a Senhor!” Aos irmãos noviços, reunidos à sua volta
Polónia começava a vicejar em Balsamão, qual jardim nas últimas horas de vida, deu-lhes a bênção, exortou-
das Hespérides. Mas Fr. Casimiro sonhava ir mais -os à perseverança e, vendo-os tristes e aflitos, aponta-
-lhes o sentido escatológico da vida, o sentido do Céu:
“Não choreis – a Santíssima Virgem é a vossa
fundadora, e eu, quando deixar este corpo e a minha
alma for levada para Deus, como, por misericórdia
de Deus e pelos méritos do meu Salvador, espero,
então ser-vos-eis mais útil”. E repetindo “Bendito seja
Deus!”, morre serenamente às três horas da manhã
do dia 21 de Outubro de 1755. A notícia de que
havia morrido “o santo polaco” espalha-se rapida-
mente. Foi sepultado na Igreja de N. Sr.a de Balsamão.
Apesar de a morte inesperada de Fr. Casimiro ter
sido um rude golpe para o desenvolvimento dos
Convento de Balsamão e Casa de Retiros, vista geral (I)
Marianos, em Portugal, e de o tempo não ser pro-
pício ao desenvolvimento das ordens religiosas, a
Congregação procurou crescer. Progressivamente,
Monumento ao Beato Estanislau Papczyński, Fundador
longe. De reparador dos males que o seu irmão mercê da acção do Ir. João de Deus da Conceição
dos Marianos, Balsamão (I)
infligira à Congregação, tornara-se no grande e de dois padres polacos chegados para ajudar e
impulsionador da expansão da Ordem desde a
a Fr. Casimiro que aceita a ideia. Escrevem então ao Lituânia, à Rússia e até terras do sol poente. Mas
Bispo de Miranda, D. João da Cruz, apresentando- também o Brasil começava já a fasciná-lo. No seu
-lhe a Ordem dos Marianos e pedindo-lhe para serem diário, em Agosto de 1755, anota: “Pela graça de
admitidos em Balsamão. O bispo, tendo antes falado Deus, não me falta nada, mas, ao contrário, acima
com os Eremitas de Balsamão, respondeu de mim mesmo, a maravilhosa Providência Divina,
favoravelmente ao pedido. Assim, Fr. Casimiro e Fr. neste longínquo e desconhecido país, encontro maior
João partem de Lisboa no dia 28 de Agosto de 1754 desejo de servir a Congregação da Imaculada
e chegam a Balsamão nove dias depois, a 6 de Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria. [...]
Setembro. São muito bem recebidos pelas auto- O grande desejo de trabalhar tenho-o porque há
ridades locais do Município de Chacim, pelos esperanças para o desenvolvimento da Congregação.
representantes da Ordem de Cristo (e. g., António [...] Temos a esperança que esta Ordem, para honra Igreja de N. Sr.ª de Balsamão (DB)

216
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARIANOS

manter o elo de união na Ordem, o P.e Aleixo Fischer Para o desenho da sua fisionomia intelectual e sobreviver e trabalhar em condições muito diferentes
e o P.e Rafael de Buffa (chegados a Balsamão no dia espiritual, importa referir a sua passagem pela daquelas em que vivera até aí. Mas, apesar de todos
8 de Março de 1958), os Marianos criaram outras Faculdade de Teologia, em Friburgo, na Suíça, onde os seus cuidados para manter em segredo a
casas: em Algoso, junto ao Castelo (perto de concluiu o doutoramento e, mais tarde, por Varsóvia, renovação dos Marianos, um grupo cada vez maior
Vimioso); em Sedovim, na Diocese de Lamego (entre onde esteve tratando a tuberculose óssea que há começou a saber e a interessar-se. O P. e Jorge,
1780-1790), e em Lisboa, Alcântara, no Hospício de anos o atormentava. Nesta altura, toda a sua atenção temendo consequências desagradáveis para a
S. Rafael. se concentrava nas questões sociais, na problemática academia onde era professor e vice-reitor, renuncia
Não se conhece muito deste processo de difusão do trabalho, na situação dos operários e do aos cargos, no Verão de 1911, e vai de novo para
dos Marianos, em Trás-os-Montes, no Alto Douro e proletariado, no direito à propriedade, das relações Friburgo, Suíça, onde abre um convento mariano
em Lisboa, mercê da extinção das ordens religiosas ecuménicas entre ortodoxos e católicos, na legi- sob o nome de “casa de estudos”. Aqui se pre-
decretada em 1834, que acabou com os conventos timidade da guerra, etc. Promoveu assim cursos paravam os Padres Marianos que, depois, regres-
marianos e onde se perdeu documentação essencial sociais ou “semanas sociológicas”, em Varsóvia e savam ao trabalho nos territórios sob ocupação russa.
para traçar com rigor o seu itinerário. Sabe-se, aliás, em Kaunas (Lituânia), onde se aprofundavam os Progressivamente, e por via das necessidades
que a guerra civil que, entre Julho de 1832 e Maio problemas sociais e as respostas da doutrina social espirituais que os emigrantes lituanos nos Estados
de 1834, dividia os portugueses entre Miguelistas da Igreja para essas novas realidades, mormente Unidos lhe manifestam, começa a ganhar forma a
e Liberais, também atingiu o Convento de Balsamão, depois da Rerum Novarum de Leão XIII. Em 1907, abertura de casas noutros países. Nasce assim,
onde os superiores partidários de D. Miguel ouviam, foi convidado para a cátedra de Sociologia na ainda em 1911, em Chicago, a primeira casa da
com horror, alguns religiosos a cantar os hinos e as Academia de S. Petersburgo, onde, como professor Congregação naquele país. A Primeira Guerra
canções dos Liberais. Talvez por isso, o convento e grande defensor da justiça social, da urgência de apanha-o na Lituânia e impede-o de retornar a
não tenha sido extinto imediatamente com a vitória dar lugar aos leigos na Igreja, deixou rasto duradouro Friburgo. Mas foi também uma oportunidade para
dos Liberais, tendo sido permitido que pelo menos entre os seus alunos. a Ordem começar a aparecer publicamente nos paí-
um padre mariano ali tivesse ficado até à sua morte, ses de Leste, especialmente na Polónia, na Lituânia
cerca de 1850. O retorno da Ordem a Portugal só e na Rússia.
acontecerá em 1954, o que requer que se trace Em 1918, apesar da sua resistência e de várias
brevemente o que, neste interregno de 120 anos, tentativas de revogação, foi nomeado Bispo de Vilno
aconteceu aos Marianos, na Polónia e na Lituânia. (onde esteve até 1925), capital da Lituânia, tarefa
A Congregação, por causa da perseguição à vida ingente, no plano religioso, social, político, diplo-
religiosa e à Igreja nos países onde estava implantada, mático, que o Bispo, depois Arcebispo e, por fim,
esteve prestes a extinguir-se totalmente. Em Portugal, Visitador Apostólico para a Lituânia, conseguiu levar
como se disse, foi em 1834, com a expulsão de a bom porto. As imensas tarefas, contudo, nunca
todas as ordens religiosas. Nos países de Leste, com o impediram de cuidar da sua renovada Congregação.
a política dos governos czaristas russos, a perseguição Como homem de diálogo ecuménico entre Oriente
à Igreja, desde a segunda década do séc. XIX até e Ocidente, dedicado a Cristo e à Igreja, Jorge
1864, foi aumentando com o objectivo de suprimir Matulaitis-Matulewicz, recentemente beatificado,
todas as ordens religiosas – em primeiro lugar, no contexto da clandestinidade e da perseguição
sujeitando os religiosos à jurisdição dos bispos – e da Igreja e particularmente da vida religiosa, em que
de fechar os conventos. De facto, depois da Revolta renovou os Marianos, enriqueceu o carisma deste
de 1863, o Czar Alexandre III, no dia 27 de Fevereiro Instituto particularmente no âmbito do Apostolado,
de 1864, decretou a extinção das ordens religiosas com aquilo que podemos chamar espiritualidade de
católicas em todo o império, proibindo a admissão enamoramento e de martírio, inspirado no teste-
de novos membros. Os Marianos foram encarcerados munho dos primeiros cristãos, não determinando
na Casa-Mãe, em Mariampole, na Lituânia. para os Marianos uma actividade pastoral específica,
Os Marianos, desde 1865, ficaram só com o mas deixando-os livres para assumir qualquer
Convento de Mariampole, na região de Suwalki, Bem-Aventurado Jorge, Renovador da Congregação dos Marianos (I)
actividade para maior glória de Deus, para bem da
Lituânia. Impedida de receber novos membros, em Igreja e salvação dos homens. O Beato Jorge morreu
1908 a Congregação tinha apenas um religioso, o a caminho de Roma, no dia 27 de Janeiro de 1927.
P.e Vicente Sekowski, Superior Geral desde 1892. O P.e Jorge Matulaitis-Matulewicz, espírito superior Durante o séc. XX, a Congregação dos Marianos
Entretanto, dois professores da Academia de S. e de inteligência brilhante, empreendeu com grande expandiu-se rapidamente por vários países, estando
Petersburgo, o P.e Jorge Matulaitis-Matulewicz, natural entusiasmo a renovação dos Marianos, salvando-os hoje presente em 18 países: Polónia, Lituânia, Letónia,
da aldeia de Lugine, na Paróquia de Mariampole, da extinção. De facto, sendo entusiasta da vida Bielorrússia, Cazaquistão, Ucrânia, Eslováquia,
onde nascera a 13 de Abril de 1871, e o P.e Francisco religiosa, há vários anos que observava criticamente República Checa, Itália, Inglaterra, Alemanha,
Bucys, aluno do Ginásio de Mariampole, sabendo da as disposições imperiais que a condenavam à Portugal, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Ruanda,
situação moribunda dos Marianos, no Verão de 1908, extinção. Ao mesmo tempo, ia sabendo das Camarões e Austrália. Tem cerca de 600 membros
propuseram ao P. e Sekowski um projecto de actividades que, clandestinamente, várias congre- em todo o mundo. A ideia do retorno dos Marianos
renovação da Ordem. Este aceitou-o e, a 29 de gações promoviam a fim de sobreviverem, e até a Portugal deveu-se, principalmente, ao facto de,
Agosto de 1909, o P.e Jorge, dispensado de fazer o colaborava com elas, ajudando na elaboração de em Balsamão, jazerem os restos mortais de uma das
Noviciado, com consentimento de Pio X, fez os votos Constituições. É nesse contexto histórico que se deve figuras mais importantes da sua história: o Servo de
temporários perante o P.e Vicente Sekowski, sendo compreender a decisão do P.e Jorge de, clandes- Deus, Casimiro de São José Wyszyński. O regresso
ao mesmo tempo admitido ao Noviciado o P.e Francis tinamente, salvar os Marianos, redigindo as novas concretizou-se em 1954, com a fundação do
Bucyz. Constituições para um Instituto que teria de Seminário das Missões de N. Sr.a da Conceição, no

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARISTAS

Convento de Balsamão. Actualmente, 51 anos Sécs. XVII e XVIII”, in De Culto Mariano Saeculis a Maria para Jesus”, se dedique à educação das
volvidos, os Marianos da Imaculada Conceição, em XVII-XVIII: Acta Congressus Mariologici-Mariani crianças e dos jovens, privilegiando os mais carentes.
Portugal, estão constituídos como Vicariato da Internationalis in Republica Melitensi Anno 1983 O P.e Champagnat, nascido em Marlhes, povoado
Província de S.to Estanislau Kostka, dos Estados Unidos Celebrati, vol. VII, 1983, Roma, Pontificia Academia francês marcado pela pobreza e ignorância cultural,
(com sede em Stockbridge, Massachusetts) e, além Mariana Internationalis, 1988; NASSALSKI, Olgierd, em 1789, vai conviver desde cedo com uma maioria
da Casa-Mãe em Balsamão, têm mais duas casas, mic, Fiel ao Chamado: História sobre o Fundador de jovens e adultos analfabetos e vítimas de outro
em Fátima e em Lisboa. dos Marianos, Curitiba/Paraná, Congregração dos tipo de carências. Concomitantemente, vai crescer
Padres Marianos, 2001; PIRES, Basileu, mic, Venerável confrontando-se com aspirações de progresso social
Frei Casimiro: Testemunhos Daqueles Que O e solidariedade, desencadeadas pela Revolução
Conheceram, Fátima, Edições Marianos da Imaculada Francesa. Há que reconhecer o papel de seus pais
Conceição, 2005; Regra dos Religiosos Marianos da e de uma tia na estruturação da sua personalidade.
Sagrada Ordem da Imaculada […], Lisboa, Na Officina A figura paterna, que participou localmente nos
de Miguel Manescal da Costa Impressor do Santo movimentos de mudança social, torna-se para-
Officio, 1757; ROGALEWSKI, Tadeusz, mic, Founder of digmática para o desenvolvimento da sua consciência
the Marians: Father Stanislau Papczyń ski, de cidadania, enquanto a atitude religiosa da mãe
Stockbridge/Massachusetts, Marians of the Imaculate e da tia o desperta para a dimensão espiritual da
Conception, 1997; SACRA CONGREGATIO PRO CAUSIS vida humana. Decide tornar-se sacerdote, com 16
SANCTORUM, Beatificationis et Canonizationis Servi anos, e quase sem formação académica. Havia
Dei Casimiri a S. Ioseph Wyszyński Sacerdoti Professi recusado frequentar a escola da sua localidade, após
Cler. Reg. Marianorum Imm. Conc. B.V.M. (m. 1755) ter constatado a agressão violenta do professor
Seminário dos Marianos, Fátima (I)
Positio Super Virtutibus ex Officio Concinata, Romae, contra um seu colega, dedicando-se, até aí, a
1986; SÃO PAIO, João Teixeira Coelho de, Vida do trabalhar na propriedade rural da família, de auto-
O seu carisma continua a ser o da fundação dos Venerável Servo de Deos O Padre Estanisláo de Jesus -sustento.
Marianos: defender o mistério da Imaculada Maria, Fundador da Congregaçam, e Ordem dos Ingressa em 1805 no Seminário Menor de Verrières,
Conceição – este é núcleo do seu carisma; rezar Religiosos da Immaculada Conceiçaõ da Beatissima que frequenta até 1813, data em que, concluídos
pelos irmãos defuntos e auxiliar os párocos na Virgem Maria […], Lisboa, Na Officina de Miguel os primeiros estudos, vai para o Seminário Maior,
catequese do povo simples. Este último aspecto foi Rodrigues Impressor do Eminentissimo Senhor Cardial em Lyon. Aí, funda e desenvolve, conjuntamente
reforçado pelo Renovador da Ordem, Beato Jorge Patriarca, 1757; SZYMAŃSKI, Estanislau (org.), mic, com alguns colegas seminaristas, a Sociedade de
Matulaitis-Matulewicz, imprimindo-lhe um novo vigor Enamorado da Igreja: Beato Jorge Matulatis- Maria, considerando desde o início que esta devia
eclesial, de abertura ecuménica, de intervenção activa -Matulewicz (1871-1927), Renovador dos Marianos vir a incluir irmãos educadores, para trabalhar com
da Imaculada Conceição, Fátima, Edições MIC, 1987. as crianças das zonas rurais, desprovidas da
oportunidade de uma educação cristã.
JOSÉ MARIA SILVA ROSA O jovem P.e Marcelino, ordenado a 22 de Julho de
1816, torna-se coadjutor da Paróquia de La Valla,
a 15 de Agosto, data escolhida propositadamente
MARISTAS para assinalar a entrega do seu apostolado sob a
Os Irmãos Maristas, nome pelo qual são conhecidos protecção da Virgem Maria. Confronta-se, aí, mais
usualmente os membros da Congregação dos Irmãos uma vez, com o estado de abandono a que estava
Maristas das Escolas, são fundados em 1817 pelo votado o povo em certas zonas rurais, sem excepção
Sacerdote José Bento Marcelino Champagnat (1789- para as crianças e jovens, em geral, entregues a
-1840), na localidade francesa La Valla. O contexto professores de competência e carácter duvidosos e
Retiro para jovens organizado pelos Marianos (I)
vivencial do Fundador influencia, decisivamente, a sem atenção pastoral por parte da Igreja. Se há
sua decisão de criar uma obra apostólica que, muito sentia a necessidade de responder a esta
orientada pelo lema “Tudo a Jesus por Maria, tudo situação, o impulso para a acção dá-se ao ser
na vida do mundo. Em Portugal, além do exercício chamado a dar assistência religiosa, em finais do
do ministério pastoral, por parte dos Padres da ano de 1816, a um jovem moribundo de 17 anos,
Ordem, empenha-se em múltiplos campos de Jean Baptiste Montagne, que morria sem ter ouvido
apostolado, tais como: o apostolado da Misericórdia falar de Deus.
Divina; a pastoral juvenil e vocacional; a pastoral No dia 2 de Janeiro de 1817, o P.e Champagnat reú-
paroquial; a pastoral do acolhimento; o diálogo entre ne em La Valla os seus dois primeiros companheiros,
a cultura e a Fé, sob o lema do Renovador: “Pro a que outros se vão juntar, dando, assim origem aos
Christo et Ecclesia”. Irmãos Maristas. Os primeiros irmãos são jovens
camponeses, marcados pelo zelo apostólico e
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, educacional de Marcelino Champagnat. Vai dar-lhes
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal formação académica e espiritual, enviando-os aos
Portuguesa, 2007, pp. 849-850; CUSUMANO, Vincenzo, lugares mais afastados da sua paróquia para ensinar
Per Cristo a Tempo Pieno: Giorgio Matulaitis- os rudimentos da escrita, da leitura e da mensagem
-Matulewicz – 1871-1927, Roma, Tip. S.G.S. Istituto cristã às crianças e, por vezes, aos adultos. Cria,
Pio XI, 1985; MORAIS, José Manuel, mic, “As Ordens entretanto, uma escola primária em La Valla, a qual,
religiosas da Imaculada Conceição, em Portugal, nos Champagnat e as crianças, Goyo (I) entre 1817 e 1824, será utilizada, simultaneamente

218
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MARISTAS

como centro de formação docente dos Irmãos o séc. XIX, primeiro à Oceânia (1836), a que se existência de dois estabelecimentos de ensino
Maristas, proporcionando-se, a par de uma segue a Inglaterra (1852), a Bélgica (1856), a Escócia particular, mistos, que abrangem do pré-escolar ao
aprendizagem teórica, a prática da docência. (1858), a Irlanda (1862), a África do Sul (1867), a 12.º ano, conhecidos como os Colégios Maristas,
Assistindo ao crescimento da comunidade, Marcelino Síria (1868), a Austrália (1871), a Nova Caledónia um de Lisboa e o outro de Carcavelos. Por último,
Champagnat vai construir uma grande casa de (1873), a Nova Zelândia (1876), as Seychelles (1884), dedicam-se ao acolhimento de crianças e jovens em
formação, nos anos de 1824 e 1825, perto da cidade o Canadá (1885), a Espanha (1886), a Dinamarca, risco no Lar Marista de Ermesinde.
de Saint Chamond, que denomina de Notre Dame Fidji e Samoa (1888), a Colômbia (1889), a Argélia A partir dos anos 70 do séc. XX, o hábito torna-se
de l’Hermitage. Edificado o espaço de formação (1891), o Adem e a Turquia (1892), a Suíça (1893), facultativo, não sendo usado em Portugal. Desde
espiritual e docente dos Irmãos Maristas, à medida o Líbano (1895), o Brasil (1897), o Egipto (1898) e então, têm sido criados vários símbolos para assinalar
que o projecto se vai sedimentando, Notre Dame o México (1899). Durante o séc. XX, reforçam a sua a pertença aos Irmãos Maristas, podendo estes
de l’Hermitage torna-se, simultaneamente, o centro presença na Europa, com maior incidência na última escolher aquele que melhor expressa a sua inte-
de uma rede de escolas primárias, que vai crescendo década nos países de Leste, América Latina, Ásia e riorização do carisma da Congregação. Pode-se
e organizando-se, e o núcleo de coordenação da África. Também o início do séc. XXI foi marcado destacar um deles criado quando da canonização
actividade missionária, que se inicia a partir de 1836, pela partida, de novo, para a Oceânia, especi- do Fundador que compreende o mundo circundado
com o envio de três irmãos para a Oceânia. Nesse ficamente com a criação de uma comunidade em pela letra “M”, expressando a entrega e a dispo-
mesmo ano ocorre a aprovação eclesiástica pela Timor (2000). nibilidade a todos segundo o estilo da Virgem Maria.
Santa Sé, ainda em vida do P.e Champagnat, o qual Actualmente a Congregação Marista reúne mais de Usados os símbolos geralmente na lapela do casaco,
viria a falecer em 1840. Entretanto, em 1837, 4300 irmãos, que partilham a sua espiritualidade e recentemente, foi criada uma cruz grega metálica,
imprime-se a Régle de Vie des Petits Frères de Marie, missão com os Educadores Leigos: professores, ani- a colocar suspensa por um fio de couro sobre o
expressando a vida religiosa e a actividade apostólica madores juvenis e pessoas que vivem essa mesma peito, a qual tem no centro um “M”, destacando-
da Sociedade dos Pequenos Irmãos de Maria. espiritualidade. -se, deste modo, mais uma vez, o cariz mariano da
espiritualidade marista, expressão das palavras do
Fundador: “o mundo a Jesus por meio de Maria.”
O reconhecimento eclesial do carácter exemplar e
da vivência heróica do Mistério cristão pelo P. e
Champagnat ocorre com a beatificação a 29 de
Maio de 1955, sendo reconhecida a sua santidade
a 18 de Abril de 1999, pelo Papa João Paulo II.

BIBLIOGRAFIA: ALBERTI, Claudio, Viveu Trabalhando,


Morreu Perdoando: Irmão Bernardo, Protomártir da
Revolução Espanhola de 1934, Roma, Casa
Generalizia dell’ Istituto dei Fratelli Maristi, 1993;
Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa],
Colégio dos Maristas, Lisboa (JEF)
Secretariado Geral da Conferência Episcopal
Portuguesa, 2007, pp. 850-851;CARPINTERO, Federico-
A primeira fundação em Portugal dá-se em 1947, -Andrés, Padre de Hermanos, Zaragoza, Editorial
na R. da Estrela n.º 65, em Lisboa, com a fixação Luis Vives, 1990; FLORES, Hermano José, El Estilo de
de dois irmãos de nacionalidade portuguesa, vindos una Vida: Hermano Basilio Rueda Guzmán –
do Brasil onde se haviam formado. Um ano após a Testimonios, Naranjo, Editorial Progreso, 1998; FURET,
chegada a Lisboa, estavam a partir para uma das Juan Bautista, Crónicas Maristas: III Sentencias –
possessões ultramarinas portuguesas, Moçambique, Enseñanzas Espirituales, Zaragoza, Editorial Luis
fixando-se na Beira em 1948, acção que alargaram Vives, 1989; GALLARDO, Ángel Ballesteros, Cosecha
a Angola, em 1954, escolhendo Benguela. Nas então Enamorada: Evocación para unos Mártires, Madrid,
colónias portuguesas expandem-se, partindo para Provincia Marista de Madrid, 1998; INSTITUTO DE LOS
Boa Mãe (I) Lourenço Marques, Quelimane, Luanda e outras HERMANOS MARISTAS, Hermano Francisco Gabriel Rivat
diversas localidades. (1808-1881): La Alegría de Ser Hermano, Roma,
Se a pregação do Reino de Deus a todos os homens Na actualidade, os Maristas de Portugal e do Noroeste Casa Generalizia dell’ Istituto dei Fratelli Maristi,
é estruturante do sentido apostólico dos Irmãos de Espanha estão agrupados numa unidade adminis- 2004; INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS, Actas
Maristas, a forma de a operacionalizar, isto é, a trativa denominada Província Marista Compostela, do 20.º Capítulo Geral: Roma, Maio 2002, Roma,
oferta de educação a todos, e sobretudo àqueles a qual congrega cerca de duas centenas e meia de Casa Generalizia dell’ Istituto dei Fratelli Maristi,
que não têm acesso a ela, marca a singularidade religiosos. Sendo a idade média dos irmãos desta 2002; I NSTITUTO DOS I RMÃOS M ARISTAS DAS E SCOLAS ,
do seu carisma. Assim, incitados à vivência da província de aproximadamente 65 anos, há uma Liturgia das Horas de S. Marcelino Champagnat,
religiosidade cristã na acção, os Irmãos Maristas, no certa expectativa com a existência de um grupo de Lisboa, Edição do autor, 2001; IRMÃOS MARISTAS DE
seguimento das palavras do seu Fundador, “todas postulantes e noviços, ainda que de reduzida PORTUGAL, Beato Marcelino Champagnat: Fundador
as dioceses do Mundo entram nos nossos planos”, dimensão. dos Irmãos Maristas, Zaragoza, Editorial Luis Vives,
vão partir para outras regiões do Mundo. Fundando Especificamente em Portugal, existem 30 religiosos 1970; L’INSTITUT DES PETITS FRÈRES DE MARIE, Chroniques:
várias missões, afirmam-se, desde o início, como que em parceria com leigos asseguram, para além Biographies de Quelques Frères Qui se Sont Distingués
uma Congregação Internacional. A construção do de uma casa de formação em Vouzela, três grandes par Leurs Vertus et l’Amour de Leur Vocation, Paris,
sentido Universal do Reino de Deus leva-os, durante obras apostólicas. Duas delas compreendem a Libraire Catholique Emmanuel Vitte, 1924; MARÍA,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MERCEDÁRIOS

Juan, El Hermitage: Escuela de Formación, Zaragoza, A formação da Ordem da Mercê tem precisamente durante a seguinte, seriam recuperadas as alusões
Editorial Luis Vives, 1989; MARTINS, Adelino da Costa, como base uma actividade carismática anterior do à missão carismática da redenção e vinculados os
Contexto Histórico e Social da Obra Educativa de seu Fundador, S. Pedro Nolasco, mercador que, por primeiros atributos espirituais relativos à prática
Champagnat, Rio Grande do Sul, Editora da Pontifí- volta de 1203, organizou na cidade de Barcelona redentora propriamente dita. A deslocação dos
cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, uma fraternidade e procurou fomentar (provavel- atributos na nómina do Instituto, de um contexto
s.d.; Mensagem, n.º 34, Roma, Casa Generalizia mente com o apoio ou reconhecimento tácito da de vivência comunitária e de espiritualidade geral
dell’ Istituto dei Fratelli Maristi, Dezembro 2005; Sé local) um sistema de colectas destinadas à (que avocavam a normativa religiosa e o culto
MICHEL, Gabriel, Né en 89: Bâtisseur et Éducateur redenção dos cristãos cativados no contexto das barcelonês à patrona da cidade, S.ta Eulália) para um
(1824-1840) Suite de Né en 89, tomes 1 e 2, Saint- guerras peninsulares da Reconquista (BLANCO, Juan outro de serviço e espiritualidade apostólicos, reflecte
-Etienne, Action Graphique Editeur, 1992; MICHEL, Devesa, “Los orígenes…”, p. 45). Enquanto Instituto, um processo de maturação do ideário mercedário,
Gabriel, Né en 89: Vicaire et Fondateur (1816-1824) no entanto, a Ordem da Mercê representou um plenamente consagrado nas Constituições de 1272,
– Roman Historique, Suite de Né en 89, Saint- projecto concertado entre Nolasco e os poderes que definem por título oficial Ordem da Virgem
-Etienne, Action Graphique Editeur, 1990; MICHEL, temporal e espiritual de Barcelona. Para a sua Maria da Mercê da Redenção de Cativos de Santa
Gabriel, Né en 89: Le Bienheureux Marcellin constituição confluíram as necessidades político- Eulália de Barcelona.
Champagnat – La Jeunesse d’ un Prêtre Forézien -militares das monarquias ibéricas de assegurar a
sous la Révolution et l’Empire, Roman Historique, manutenção dos territórios conquistados, bem como
Saint-Etienne, Action Graphique Editeur, 1988; as necessidades sociais e religiosas de encontrar uma
PROVINCIA D’ ITALIA DEI FRATELLI MARISTI DELLE SCUOLE, resposta adequada ao problema dramático, poten-
Un Uomo per la Storia, un Santo per la Chiesa, ciado pelos conflitos peninsulares, do cativeiro e
Roma, Edizioni Mistica Rosa, 1967; PROVINCIA MARISTA apostasia de cristãos em território muçulmano.
C OMPOSTELA , Constituciones y Estatutos de los A Coroa de Aragão, através da pessoa de Jaime I,
Hermanos Maristas de la Enseñanza o Hermanos de e o Bispado de Barcelona, por intermédio do seu
María: Roma, 8 de Diciembre de 1986, Zaragoza, titular, D. Berenguer de Palou, proporcionaram à
Editorial Luis Vives, 1987; P ROVINCIA M ARISTA vocação apostólica, manifestada no intuito redentor
COMPOSTELA, Règle des Petits Frères de Marie, Edição de S. Pedro Nolasco, os devidos enquadramentos
facsimilada do texto francês da Regra de 1837, jurídico e religioso que regularam a inserção da sua
Zaragoza, Editorial Luis Vives, 1989; RODRIGUES, Nadir fraternidade no contexto do reino.
Bonini, Campagnat: 50 Anos Fazendo Escola, Porto O novo Instituto, de finalidade redentora, surge,
Alegre, Gráfica Epecê, 1996; SAMMON, Seán, Tornar deste modo, no quadro jurídico das ordens militares,
Jesus Cristo Conhecido e Amado: A Vida Apostólica mantendo as obrigações bélicas e assistenciais
Marista Hoje, Roma, Casa Generalizia dell’Istituto características das mesmas, bem como a titulatura
dei Fratelli Maristi, 2006; SANZ, Eugenio, Champagnat, e organização interna, à qual se adaptou o sistema Mercê, Barcelona (I)
Zaragoza, Editorial Luis Vives, 1986; SOCIÈTÉ DES PETITS de colecta de esmolas para a redenção, ficando cada
F RÈRES DE M ARIE , Vie de Joseph Benoit Marcellin comendador encarregue da arrecadação de donativos
Champagnat: Prète Fundateur de la Socièté des nos territórios circundantes à sua encomienda ou Na Ordem da Mercê convergem duas noções fun-
Petits-Frères-de-Marie, par un de ses premiers bailía. Como elementos normativos da vida comu- damentais: Misericórida e Libertação. Fundada
Disciples, Paris, Perisse Frères, Imprimeurs-Libraires, nitária, os novos frades leigos receberam do bispo especificamente para a remissão de cativos, a Mercê
1856. de Barcelona a Regra de S.to Agostinho e a veste promove, por intermédio da sua praxis redentora,
branca de S.ta Maria. a actualização da missão de Cristo e de Maria no
MARIA JOSÉ REMÉDIOS As duas décadas que se seguiram à fundação, contexto socioeconómico do cativeiro na Península
contudo, transmitem a noção de um maior prota- Ibérica e Norte de África. Embora Cristo constitua
gonismo da dimensão espiritual/comunitária sobre o modelo do redentor por excelência e encarnação
MERCEDÁRIOS o projecto redentor de S. Pedro Nolasco (e espiri- da Misericórdia do Deus-Pai, a dimensão mediadora
A Ordem da Virgem Maria da Mercê da Redenção tualidade associada) no que respeita à projecção da da Virgem Maria na obra da libertação começa, desde
de Cativos de Santa Eulália de Barcelona, nome sua própria imagem sobre a sociedade e universo cedo, a estar presente na espiritualidade mercedária,
por que aparece designada nas suas primeiras religioso em que se insere. Brevemente denominada sendo que três das quatro igrejas tituladas pelos
Constituições, em 1272, teve o seu momento de de “lismona de los cautivos”, evocando a actividade frades, em 1245, eram de invocação mariana.
fundação no séc. XIII, a 10 de Agosto de 1218, na da fraternidade de S. Pedro Nolasco de recolha de A libertação é entendida como um acto de misericórdia
Catedral de S.ta Cruz de Barcelona. O seu apare- esmolas prévia à sua remodelação (BLANCO, Juan e piedade (“Mercê”, na sua acepção medieval),
cimento inscreveu-se na revitalização do ideal Devesa, “Los orígenes…”, p. 46), a Ordem e os seus atributo associado à Virgem Maria enquanto
apostólico de vida religiosa a que se assistiu no frades foram alternadamente designados como “de participante no plano divino da Salvação por razão
Ocidente medieval europeu desde finais do séc. XI Santo Agostinho” ou de “Santa Eulália de Barcelona” da concepção de Jesus (L ÓPEZ , Jerónimo, “Santa
e que motivou o laicado a procurar uma vivência nos diplomas régios e pontifícios (FERNÁNDEZ, Luis María…”, pp. 145-146). A misericórdia (e origina-
evangélica adaptada à sua própria condição socio- Vázquez, “Presencia…”, p. 3). Consta esta última lidade) mercedária manifesta-se através do com-
cultural. Fundada no exemplo da vida de Jesus, nómina na Bula Devotionis vestrae (promulgada por promisso de permanecer em reféns para salvaguardar
revalorizada na predicação medieva, a aproximação Eugénio IX a 17 de Janeiro de 1235, pela qual a fé do cristão cativado (o chamado “quarto voto”
laical a uma experiência evangélica passou pela confirma a Constituição e Regra da Ordem) e nos do religioso da Mercê, institucionalizado enquanto
participação em organizações de índole caritativa e documentos portugueses mais antigos que ao Instituto tal apenas em meados do séc. XVI) e da visita e
assistencial, caso das confrarias de leigos ou das se referem (duas cartas de chancelaria já do séc. XV). redenção dos mesmos (CASTRO, Ernesto G., “El Carisma
ordens hospitalares ou religiosas. Apenas a partir de meados da década de 1240 e Mercedario en la Historia”, p. 6).

220
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MERCEDÁRIOS

Tendo assegurado uma rápida difusão inicial por no ano seguinte pela da casa de Lisboa, alega- Portugal. Tanto mais quando a Ordem da Mercê
Aragão e Castela, a Ordem da Mercê não parece damente a última que a Mercê ainda mantinha no demonstrava claros intuitos de fundar em Lisboa,
ter sentido no reino de Portugal uma via de reino de Portugal (CARDOSO, Jorge, Agiológio Lusitano, de onde fora já expulsa por duas vezes durante o
expansão a explorar, talvez pelo término precoce I, p. 272). meio século que antecedera a edificação do primeiro
do seu movimento de reconquista ou pela pré- Estas informações, no entanto, são incompatíveis convento brasileiro: em 1590, da Ermida de N. Sr.a
-existência de uma ordem redentora a operar no com a versão da cronística mercedária, a qual situa das Mercês, por autoridade ordinária do Arcebispo
pequeno território. As primeiras aproximações a extinção dos conventos portugueses no contexto D. Miguel de Castro, a instâncias dos Trinitários
registadas entre a Mercê e a Coroa portuguesa da acção reformadora do Provincial Fr. Juan de (Manuscritos da Livraria, ANTT, n.º 862, fl. 104; SÃO
decorreram já na década de 1280, no contexto das Granada em conjunto com o Vigário Provincial de JOSÉ, Fr. Jerónimo de, Historia Chronologica…, t. II,
negociações diplomáticas com a família real Portugal, Fr. Dionísio Manuel de Santarém, em p. 178); em 1636, da Ermida de N. Sr.a da Glória,
aragonesa tendo em vista o casamento da Princesa torno a 1410 (REMÓN, Alonso, Historia General…, por decisão do Tribunal da Legacia Apostólica (SÃO
Isabel, filha de Pedro III, com D. Dinis. O processo pp. 485v-486). A julgar pela narrativa de Remón, JOSÉ, Fr. Jerónimo de, Historia Chronologica…, t. II,
e condições pelos quais o Instituto veio a ser a Ordem da Mercê teria extinguido em bloco as pp. 178-179).
autorizado a fundar em Portugal, contudo, iludem- fundações portuguesas nos inícios do séc. XV, A fundação de um convento na “cabeça” do reino
nos totalmente. devido às fortes dificuldades de sustentação parece ser um objectivo definido desde 1588: nesse
A Ordem da Mercê terá assegurado uma parti- provocadas pelo desfavor régio para com um ano, procederam os mercedários reunidos no Capítulo
cipação meramente residual e marginal na história Instituto maioritariamente composto por castelhanos Provincial de Toledo à separação da Andaluzia da
portuguesa, a julgar pela escassez de documentação durante as guerras peninsulares. De acordo com Província de Castela, à qual Portugal desde sempre
disponível para traçar as estratégias do Instituto uma crónica anónima de inícios do séc. XVIII, os pertencera. A reestruturação administrativa serviu
para o Reino. Jorge Cardoso, que procurou esboçar, religiosos e as alfaias desses conventos teriam sido de pretexto para voltar a equacionar a situação
para comodidade dos leitores do seu Agiológio transferidos para o de Valladolid (BNE, Ms. 17857, portuguesa, tendo ficado acordado que ambas as
Lusitano, uma breve síntese histórica da Mercê em fl. 926). províncias procurariam promover novas fundações
Portugal, reconheceu a dificuldade da empresa, O segundo momento da Ordem da Mercê em em Portugal (BNM, Ms. 3530, fls. 6-6v).
vendo-se forçado a recorrer à correspondência com Portugal beneficia de documentação mais abundante Todavia, apenas em 1682 obtiveram os religiosos
cronistas mercedários castelhanos para poder para o seu estudo. O incremento do legado merce- autorização para fundar não um convento, mas um
consolidar os poucos elementos disponíveis sobre dário justifica-se pela prossecução de um intenso e hospício de apoio à Congregação do Maranhão,
o tema. laborioso serviço apostólico nas conquistas brasileiras destinado ao acolhimento e ordenação dos merce-
Os dados disponíveis para o conhecimento do da Coroa portuguesa, ao nível da educação dos fiéis dários que se deslocavam a Portugal. Deverá ser
primeiro período do Instituto em Portugal são par- e evangelização do gentio, transposição do carisma contemporânea a composição entre a Mercê e a
cos e contraditórios, não sendo nada claras as redentor do contexto do cativeiro físico para o do Santíssima Trindade que, em letra do séc. XVIII, se
circunstâncias nem o momento do seu desa- cativeiro espiritual/salvífico. conserva na Biblioteca Nacional de Madrid junto a
parecimento. Jorge Cardoso, tributário da cronística outros documentos relativos à mesma fundação.
mercedária para os episódios da entrada da A Ordem Mercedária comprometia-se a não interferir
Ordem em Portugal e posteriores fundações, aponta em matérias da redenção de cativos, especialmente
para a existência de um total de 2 conventos e 3 no exclusivo de que a Trindade beneficiava desde
hospícios (CARDOSO, Jorge, Agiológio Lusitano, I, D. Sebastião, ficando da sua parte os Trinitários
p. 272). Por Alonso Remón, fonte de Cardoso para obrigados a não embargar qualquer inciativa da
o caso concreto deste cômputo, sabemos que os Mercê que fosse da sua conveniência, nem obstar
conventos estariam edificados em Lisboa e em ao aumento das suas casas em Portugal (BNE, Ms.
Coimbra e um dos hospícios em “Yelves” (Elvas) 1876421(7)). O acordo visava pôr cobro a quase um
(REMÓN, Alonso, Historia General…, p. 486). Todavia, Escudo da Congregação (I) século de polémicas, e representava a solução
o único convento mercedário que beneficia de encontrada aos contratempos que a Mercê experi-
sustentação documental extrínseca aos relatos da mentava desde 1665, quando o P.e Francisco de
cronística esteve edificado no termo de Beja, sob O crescimento das missões mercedárias desde a Andrade, inconformado pela sua destituição do cargo
invocação de S.ta Vitória, desde pelo menos 1299, fundação da primeira casa conventual em Belém do de Comissário Geral da Congregação do Maranhão
ano em que se encontra recenseado em uma Bula Pará, em 1639, e os estabelecimentos posteriores e à revelia da sua ordem, assinou um acordo com
de Bonifácio VIII (N ÚÑEZ , Guillermo Vázquez, em S. Luís do Maranhão (1654) e S.to António de os trintários de Portugal, em termos altamente lesivos
Manual…, p. 123). O mesmo convento surge Alcântara (1659), bem como a sua ulterior elevação à continuidade e sobreviência da Congregação
também em duas cartas de confirmação de ao estatuto de Congregação, em 1662, significou (C OUTINHO , Sérgio Ricardo, “História dos Merce-
privilégios de D. João I aos frades de “sancta ollalha uma alteração substancial às possibilidades de dários…”, p. 84). A iniciativa, que previa a renúncia
de beia” de 22 de Dezembro de 1404 e em um representação da Ordem junto da monarquia a fundar qualquer casa no reino e a não admitir
Alvará de 1445 de posse do convento ao seu portuguesa, até então condicionadas pela sólida e mais religiosos ou leigos nos conventos brasileiros
comendador, eximindo-o da jurisdição do Convento concorrente presença da Ordem da Santíssima (SÃO JOSÉ, Fr. Jerónimo de, Historia Chronologica…,
de Sevilha (BRANDÃO, Francisco, Monarquia Lusitana, Trindade no reino. t. II, p. 179), teve como principal consequência a
Parte V, p. 68). A relevância do apostolado desempenhado pelos emissão de um Alvará pelo príncipe regente em
A sua extinção, por incorporação das suas rendas Mercedários e a evolução do estatuto jurídico das 1672, pelo qual obrigava a Mercê ao cumprimento
ao Mosteiro da Conceição, fundado por D. Manuel suas missões foram recebidas com desagrado pelos desse contrato.
e pela Infanta D. Brites (B RANDÃO , Francisco, Trinitários, que viram na evolução do caso brasileiro A história dos Mercedários no Brasil português ficou
Monarquia Lusitana, Parte V, p. 68), foi situada por a possibilidade de se gorar o exclusivo da actividade marcada pelo acentuado declínio da Congregação
Jorge Cardoso em 1503, tendo sido acompanhada redentora de que a Santíssima Trindade gozava em durante a segunda metade do séc. XVIII. Entre 1782

221
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MÍNIMOS

e 1794, a carência de religiosos sentida nas missões Mercedario en la Historia (2.a parte)”, in Estudios, Gabriel (Tirso de Molina), Historia General de la
motivou a Coroa a optar pela extinção de três das n.º 126, Madrid, Padres Mercedarios, Julho-Setembro Orden de Nuestra Señora de las Mercedes, 2 vols.,
casas mantidas no Pará e no Maranhão, conservando- de 1979, pp. 231-248; C ASTRO , Ernesto G., “El Introducción y primera edición crítica por fray Manuel
-se somente o Convento de Alcântara com os poucos Carisma Mercedario en la Historia”, in Estudios, n.º Penedo Rey, om, Madrid, Provincia de la Merced de
mercedários que não tinham solicitado breve de 125, Madrid, Padres Mercedarios, Abril-Junho de Castilla, 1973-1974; VAUCHEZ, André, A Espiritualidade
secularização ou os que deles ainda não tinham 1979, pp. 5-32; C ASTRO , Ernesto G., “Encuadre da Idade Média: Séc. VIII-IX, Lisboa, Editorial Estampa,
feito uso. Nos finais da centúria, o Comissário Geral Histórico-Religioso de la Orden de la Merced (I)”, 1995.
José Vieira de Abreu procurou promover a revi- in Estudios, n.º 121, Madrid, Padres Mercedarios,
talização da Congregação e contornar a sua Abril-Junho de 1978, pp. 217-237; CASTRO, João MIGUEL RODRIGUES LOURENÇO
incapacidade crónica em se renovar. Com esse intuito, Bautista de, Mappa de Portugal Antigo, e Moderno,
perspectivava a reformação do Hospício de Lisboa, 3 vols., Lisboa, Na Officina Patriarcal de Francisco
de modo a poder receber noviços (de cuja faculdade, Luiz Ameno, 1762-1763; COUTINHO, Sérgio Ricardo, MÍNIMOS
por proibição, não dispunha) e a prover as carências “História dos Mercedários no Pará e Maranhão (Sécs. A Ordem dos Mínimos foi fundada no séc. XV por
da missão brasileira, conforme fez saber ao Geral XVII-XVIII)”, in Estudios, n.º 188, Madrid, Padres S. Francisco de Paula. Nascido a 27 de Março de
da Ordem em carta de 12 de Dezembro de 1799 Mercedarios, Janeiro-Março de 1980, pp. 69-93; 1416, em Paola (Consenza, Itália), Francisco seria
(BNE, Ms. 1876418(19)). Os seus planos para o Hospício FERNÁNDEZ, Luis Vázquez, “Presencia de María en la desde cedo marcado pela profunda devoção que
de Lisboa não devem ter tido oportunidade de Orden de la Merced”, in Estudios, n.º 161-162, seus pais, Giacomo d’ Alessio e Vienna da Fuscaldo,
implementação, pois em 1802, informava o seu Madrid, Padres Mercedarios, Abril-Setembro de 1988, nutriam por S. Francisco de Assis. Com efeito, é
último presidente ao geral mercedário, já o hospício pp. 1-27; La Orden de la Merced: Espíritu y Vida, devido ao cumprimento de uma promessa feita a
havia sido abandonado (BNE, Ms. 18764 18(15)). Roma, Instituto Histórico de la Orden de la Merced, este santo pelos seus pais, aquando do surgimento
Não consta que Vieira de Abreu ou qualquer outro 1986; La Orden de la Merced (1218-1992): Síntesis de uma grave enfermidade nos olhos do jovem
comissário tenha intentado refundar na cidade. Os Histórica, Roma, Instituto Histórico de la Orden de Francisco, que este ingressará, com a idade de 13
negócios da Congregação continuaram a ser tratados la Merced, 1997; Las Dos Órdenes Redentoras en anos, na casa dos frades franciscanos conventuais
com Lisboa através do seu Comissário mas, em breve, la Iglesia: Actas del I Encuentro Trinitario-Mercedario, de S. Marco Argentano, onde vive como oblato
a independência do Brasil afastaria toda a necessidade (Madrid, 7-9 de Setembro de 1988), Madrid, s.n., durante um ano. Aí manifestará, desde cedo, os
e utilidade de continuar a manter Portugal no 1989; LEAL, Augusto Soares d’ Azevedo de Pinho, seus dotes de piedade e de austeridade no cumpri-
horizonte estratégico da Ordem da Mercê e esta Portugal Antigo e Moderno, 12 vols., t. I, Edição mento dos seus deveres.
não mais o voltaria a fazer. facsimilada, Lisboa, Cota d’ Armas, 1990; LINÁS, José, Após o regresso de uma peregrinação a Assis, feita
Bullarium Caelestis ac Regalis Ordinis B.ae M.ae de na companhia dos pais, Francisco de Paula decide
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: BNE, Mss. n.º 3530, Merce Redemp. Captivorum [...], Barcinone, ingressar na vida eremítica, instalando-se num terreno
n.º 17857, n.º 187646-23; Chancelaria de D. Afonso Typographia Raphaëlis Figuerò, 1696; LÓPEZ, Jerónimo, cedido pelos seus progenitores. Vivendo numa
VI, ANTT, Ms., liv. 30, fls. 47v-48; Chancelaria de D. “Santa María de la Merced. Breves reflexiones cavidade natural, o santo demarcar-se-á, desde cedo,
Afonso VI, ANTT, Ms., liv. 34, fls. 255v-256; histórico-teológicas sobre su significado” in Estudios, pelo rigor da sua vida: descalço, de hábito rude,
Chancelaria de D. João I, ANTT, Ms., liv. 3, fls. 69v- n.º 161-162, Madrid, Padres Mercedarios, Abril- trabalha a terra e dela retira todos os víveres de que
-70; Manuscritos da Livraria, ANTT, n.º 862. Impressa: -Setembro de 1988, pp. 139-151; NÚÑEZ, Guillermo necessita, num jejum que recusa qualquer tipo de
ALBERTO, Edite, “Mercedários”, in C. M. Azevedo Vázquez, Manual de Historia de la Orden de Nuestra carne ou seus derivados.
(dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, Señora de la Merced, Toledo, Editorial Católica O jovem eremita desde cedo começa a atrair
vol. J-P, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos Toledana, 1931; PIÉ, Eliseo Tourón del, “María de la seguidores. Os primeiros discípulos juntam-se-lhe
de História Religiosa da Universidade Católica Merced, Redentora-Liberadora de Cautivos logo em 1435, e o grupo não cessará de aumentar,
Portuguesa, 2001, pp. 194-195; ALMEIDA, Fortunato (Hermenéutica histórica teología mariana de la com fiéis atraídos pelo seu modo de vida ou com
de, História da Igreja em Portugal, vol. II, Nova ed. Merced)”, in Estudios, n.º 161-162, Madrid, Padres outros eremitas que, vivendo nas regiões vizinhas,
preparada e dirigida por Damião Peres, Porto/Lisboa, Mercedarios, Abril-Setembro de 1988, pp. 155-185; optam por se colocar sob a sua direcção espiritual.
Livraria Civilização, 1968; BLANCO, Juan Devesa, “Los PIÉ, Eliseo Tourón del, “La Orden de la Merced 1218 Tal facto leva o Bispo de Consenza, Mons. Pirro
orígenes de la Orden de Nuestra Señora de la a 1330 (Hacia una síntesis histórica de la redención Caracciolo, a aprovar a sua comunidade (1470) como
Merced”, in Las Dos Ordenes Redentoras en la Iglesia: de cautivos”, in Estudios, n.º 90-91, Madrid, Padres Congregação Diocesana. Quatro anos depois, o Papa
Actas del I Encuentro Trinitario-Mercedario, (Madrid, Mercedarios, Julho-Dezembro de 1970, pp. 397- Sisto IV viria acrescentar o reconhecimento pontifício
7-9 de Setembro de 1988), Madrid, s.n., 1989, pp. -436; PORTUGAL, Fernando, MATOS, Alfredo, Lisboa ao novo instituto, outorgando-lhe o título de Ordem
37-52; BRANDÃO, Francisco, Monarquia Lusitana, parte em 1758, Lisboa, s.n., 1974; REMÓN, Alonso, Historia dos Eremitas de São Francisco de Assis (Bula Sedes
V, Introdução de A. da Silva Rego, Notas de A. Dias General de la Orden de Nuestra Señora de la Merced apostolica, de 17.05.1474).
Farinha e Eduardo dos Santos, Lisboa, INCM, 1976; Redencion de Cautiuos, t. I, Madrid, Luis Sanchez, A fama do eremita de Paola depressa ultrapassaria
C ARDOSO , Jorge, Agiológio Lusitano, t. I, Edição 1618; RIBERA, Fr. Manuel Mariano, Centuria Primera fronteiras. Por meio de mercadores napolitanos,
facsimilada com estudo e índices de Maria de Lurdes del Real, y Militar Instituto, de la Inclita Religion de Luís XI de França, já enfermo, solicita a presença de
Correia Fernandes, Porto, Faculdade de Letras da Nuestra Señora de la Merced Redempcion de Cautivos Francisco na sua Corte. O Papa Sisto IV acolherá
Universidade do Porto, 2002; CASTRO, Ernesto G., Christianos, Parte primera, Barcelona, Pablo Campins, favoravelmente o seu pedido, interessado em obter,
“Momentos Históricos del Carisma (II)”, in Estudios, 1726; SÃO JOSÉ, Fr. Jerónimo de, Historia Chronologica através daquele, um restabelecimento mais pacífico
n.º 128, Madrid, Padres Mercedarios, Janeiro-Março da Esclarecida Ordem da SS. Trindade: Redempção das relações entre este reino e a Santa Sé. Com 67
de 1980, pp. 13-22; CASTRO, Ernesto G., “Momentos de Cativos [...], 2 t., Lisboa, Officina de Simão e anos, S. Francisco de Paula desloca-se até à Corte
Históricos del Carisma”, in Estudios, n.º 127, Madrid, Thaddeo Ferreira, 1789-1794; SILVA, Emílio, La Orden francesa, onde acabará por desempenhar um papel
Padres Mercedarios, Outubro-Dezembro de 1979, de la Merced en el Brasil y Fichas para una Bibliografía fulcral no aconselhamento de Luís XI e de Carlos VIII,
pp. 339-348; C ASTRO , Ernesto G., “El Carisma Mercedaria, Rio de Janeiro, s.n., 1974; TELLEZ, Fr. que lhe sucederá no trono e que, por conselho de

222
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MÍNIMOS

Francisco, acabará por desposar Ana da Bretanha, Meritis religiosae vitae (26.02.1493), acolhendo já Conhece-se muito pouco sobre a presença da Ordem
contribuindo assim decisivamente para a pacificação muitas das alterações e sugestões veiculadas por em Portugal. À falta de estudos mais sistemáticos,
das relações entre os dois reinos em causa. meio da vasta correspondência mantida entre S. os elementos disponíveis ligam a entrada dos Mínimos
Apesar da proximidade da Corte, Francisco de Paula Francisco de Paula e os Papas Sisto IV, Inocêncio VIII em território português ao nome de Fr. Ascenso
manteve o rigor da sua vida eremítica. Viria a falecer e o próprio Alexandre VI. Por outro lado, a Vaquero, frade natural da Andaluzia que, a 13 de
no Convento de Tours numa Sexta-Feira Santa, dia necessidade imposta pelo Papado de conformá-la Julho de 1717, obtém do Rei D. João V a autorização
2 de Abril de 1507. A fama da sua santidade e dos com as Regras já existentes levara o texto então para fundar um hospício na Pampulha (Lisboa). Dois
seus milagres tornariam o seu túmulo, instalado na redigido a importar muitos elementos da Regra anos depois, o Patriarca de Lisboa concedia-lhes
igreja do mesmo convento, num imediato destino franciscana e, em menor medida, das elaboradas licença para que tivessem uma ermida com porta
de peregrinação. Volvidos apenas cinco anos sobre por S. Bento e S.to Agostinho. virada para a rua. Os dados facultados por João
a sua morte, dava-se início ao respectivo processo Em 1501, uma segunda redacção, já mais liberta Baptista de Castro ligam a Fr. Ascenso o nome de
de canonização, concluído em 1519, ano em que da influência de outras Regras, é aprovada por outros dois frades castelhanos, Fr. Francisco da Penha
o Papa Leão X inscreveu o eremita de Paola no Alexandre VI (Bula Ad ea que, 01.05.1501), e Fr. Marcos da Cruz, num período em que a
cânone dos santos. Os seus restos mortais, queimados denunciando já a necessidade de ajuste da mesma fundação portuguesa se encontrava dependente da
pelos protestantes calvinistas, em Janeiro de 1562, ao contexto cenobítico. Assim, o elemento peni- Província de Castela. Em 1753, o Rei D. José I
no contexto das guerras religiosas, seriam trasladados tencial (quaresma perpétua) é elevado ao estatuto concedia a Fr. Francisco de Paulo Bócio e seus
para a sua cidade natal em 1935. de quarto voto, a par com os votos tradicionais de companheiros amplas faculdades para poderem
pobreza, castidade e obediência. No ano seguinte, fundar casas no reino e seus domínios e de conver-
pela Bula Ad fructus uberes (20.05.1502), o mesmo terem o hospício lisboeta em convento. Tal privilégio
pontífice ratifica um novo texto da Regra, definitiva poderá indiciar que talvez se tivesse efectivado por
e oficialmente assumida como uma nova Regra, esta data a transformação do ramo português da
distinta das anteriormente aprovadas pela Sé Ordem em província autónoma face à sua congénere
Apostólica. Contudo, a versão agora apresentada castelhana, facto que sabemos ser já consumado
não deixava de atenuar alguns aspectos penitenciais em 1764, segundo o testemunho de Baptista de
da Ordem ou de lhes facultar um novo enqua- Castro. Este período coincide, aliás, com o decisivo
dramento. Finalmente, em 1506, Júlio II, pela Bula apoio concedido à Ordem pela Rainha D. Mariana
Inter ceteros (28.07.1506), sanciona definitivamente Vitória, que patrocinaria a construção de um
a Regra dos Mínimos na sua tríplice ramificação de imponente templo junto ao convento, concebido
frades, monjas e terceiros (estes dois últimos ramos pelo arquitecto Inácio de Oliveira Bernardes, onde
surgidos nos primeiros anos do séc. XVI), valorizando a mesma rainha se faria sepultar. Contudo, os
e esclarecendo o sentido penitencial que permeava Mínimos não lograriam fundar novas casas para
o modo de vida por ela proposto e regulamentado. além do convento lisboeta, donde se veriam forçados
O primeiro Capítulo Geral, celebrado em Roma logo a sair em 1834, em virtude do decreto que impunha
após a morte do Fundador, desempenharia um papel a supressão imediata das ordens religiosas masculinas
fundamental na estruturação da Ordem: desde logo, presentes no país.
por nele se assumir definitivamente o texto da Regra Ao contrário de outras ordens, os Mínimos não
de 1506 como vinculativo para toda a Ordem, face regressariam a Portugal, apresentando actualmente
S. Francisco de Paula (DPHAB)
às dificuldades de aceitação do mesmo por parte uma fecunda presença em outros países, desde o
de alguns grupos que haviam professado de acordo continente europeu – Espanha, Itália, Ucrânia,
com a redacção primitiva da Regra, e por a ela se República Checa – ao americano – Brasil, Colômbia
A Ordem fundada por Francisco de Paula não deixaria juntar um conjunto de normas disciplinares – o e Estados Unidos da América. O ramo feminino
de ser marcada pelo pendor eremítico da vida do Correctorium, que visava salvaguardar a observância encontra-se presente em Itália, Espanha e Filipinas,
seu Fundador, nomeadamente pela exigência da fiel da Regra. No mesmo Capítulo seriam criadas as enquanto o terciário, além de ter uma forte presença
observância de uma rigorosa quaresma (abstinência primeiras oito províncias da Ordem e legitimada a em Itália, se espalhou ainda pelo México e Canadá.
perpétua de carne e de todos os seus derivados) e sucessão de um governo centralizado do Instituto.
da pobreza pessoal e comunitária, traduzida na A dimensão mendicante, caritativa e penitencial – BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LMEIDA , Fortunato de,
adopção da mendicância como forma de sustento. com a junção aos três votos tradicionais do voto de História da Igreja em Portugal, Nova ed. dir. Damião
Contudo, a sua Regra, com as sucessivas alterações observância perpétua da penitência quaresmal – Peres, Porto/Lisboa, Liv. Civilização Editora, vol. II,
e aprovações, denunciaria a necessidade de ajustar perpassaria as diversas revisões das Constituições 1968, p. 201/vol. III, 1970, p. 100; CASTRO, João
o rigor da vida solitária e penitente a uma vivência da Ordem, mantendo-se nos seus actuais textos Baptista de, Mappa de Portugal Antigo, e Moderno,
comunitária e de enquadrar tais opções de acordo normativos, revistos após o Concílio Vaticano II, e 2.a ed., t. II, Lisboa, Na Officina Patriarcal de Francisco
com as exigências das autoridades eclesiásticas e definitivamente aprovados a 18 de Outubro de 1973. Luiz Ameno, 1763, pp. 111-112; GALUZZI, A. M.,
com a crescente expansão da Ordem para além das Das oito províncias criadas logo após a morte do “Minimi”, in Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca (dirs.),
fronteiras da península itálica. Com efeito, ainda em Fundador, espalhadas por França, Itália, Espanha e Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. V, Roma,
vida do Fundador, a Regra dos Mínimos foi objecto Alemanha, a Ordem atingiria, nas centúrias seguintes, Ed. Paoline, 1978, cols. 1356-1361; GALUZZI, A. M.,
de importantes revisões. Redigida, na sua versão uma notável expansão, chegando a registar 32 “Francesco di Paola, santo”, in Guerrino Pellicia,
primitiva, em cerca de 1474, ano em que Sisto IV províncias e 457 conventos, antes de começar a Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di
reconhecia o novo Instituto como Congregação perder algumas comunidades, já no séc. XVIII, e de Perfezione, vol. IV, Roma, Ed. Paoline, 1977, cols.
Diocesana, seria oficialmente aprovada quase duas ser ver confrontada com os decretos de supressão 527-530; SERRÃO, Vítor, “S. Francisco de Paula (Igreja
décadas depois por Alexandre VI, por meio da Bula impostos em diversos países no decurso do séc. XIX. de)”, in Francisco Santana, Eduardo Sucena (dirs.),

223
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MISSIONÁRIOS DA BOA NOVA

Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, Carlos -se também, no final da centúria, a pedido testa- em 1889. Em convergência crescente, Estado e Igreja
Quintas & Associados – Consultores, Lda., 1994, p. mentado por D. Mariana de Áustria, responsável Católica perspectivavam a actividade evangélica como
800. Digital: www.ordine deiminimi.it. pela formação de sacerdotes destinados às missões parte fundamental da obra civilizadora portuguesa.
estabelecidas na China. Em 1844, D. Veríssimo Até então, os missionários de Cernache não
JOÃO LUÍS INGLÊS FONTES Monteiro da Serra, antigo missionário e Bispo eleito partilhavam qualquer vínculo associativo, responden-
PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA de Pequim, e dois anos mais tarde secundado pelo do à hierarquia episcopal diocesana e cumprindo
P.e Luís Bernardino da Natividade, envidou esforços comissões mínimas de cinco anos, sendo remune-
para a continuação da preparação de missionários rados e aposentados pelo Estado. Os relatórios
MISSIONÁRIOS DA BOA NOVA seculares para o Extremo Oriente, criando o Seminário apresentados ao Governo por António Enes, em
A Sociedade Missionária da Boa Nova (SMBN), ou de S. José, ou da Missão Portuguesa, com sede em 1893, na qualidade de Comissário Régio em
simplesmente Missionários da Boa Nova, é a única Bombarral. Este foi, segundo legislação datada de Moçambique, e por D. Francisco Ferreira da Silva,
sociedade de vida apostólica de fundação portuguesa 1856, integrado no Real Colégio das Missões em 1911, como Prelado do mesmo território,
exclusivamente dedicada à actividade missionária Ultramarinas, novel experiência educativa encetada demonstraram a necessidade de reformulação da
Ad Gentes e foi erigida canonicamente durante o no velho seminário cernachense, a qual se prolongou formação e organização de sacerdotes destinados
papado de Pio XI, em 1932. Congregando sacerdotes ininterruptamente até à instauração do regime à vida missionária. Consequentemente, em 1899 e
e leigos juramentados temporária ou perpetuamente, republicano. em 1907, foram formadas comissões eclesiástico-
foi instituída por Direito Pontifício, na dependência A jurisdição e administração eclesiásticas das -governamentais para o estudo desta questão, sem
da Sacra Congregatio Christiano Nomini Propaganda possessões ultramarinas, particularmente do Padroado efeito prático.
(ou Propaganda Fide). A então designada Sociedade do Oriente, haviam-se tornado, desde a segunda Com a instauração do regime republicano e a
Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, metade de Setecentos, foco de tensão diplomática promulgação da Lei da Separação, em 1911, foi
superiormente dirigida, aquando da sua fundação, entre o Estado Português e a Santa Sé. Contudo, encerrado o Real Colégio das Missões; no seu edifício
pelo Arcebispo-Bispo de Vila Real, D. João Evangelista desde a assinatura do compromisso concordatário funcionou, até 1917, estabelecimento liceal ordinário.
de Lima Vidal, foi concebida com o objectivo de celebrado entre Pio IX e D. Pedro V, em 1857, o Entre essa data e 1926, aí nasceu um novo projecto
evangelizar e prover assistência religiosa aos territórios panorama sociopolítico nacional tornou-se menos educativo, o Instituto das Missões Laicas (IML), escola
colonizados por Portugal. desfavorável à recriação de instituições de educação estatal para formação de futuros funcionários do
A necessidade de formação de clero missionário no religiosa. Neste contexto, o Real Colégio das Missões Ministério das Colónias. Por iniciativa do Ministro
seio da igreja católica portuguesa verificou-se, com Ultramarinas, em funcionamento desde o final de Alfredo Rodrigues Gaspar, assistiu-se logo no início
acrescida acuidade, desde a aplicação das medidas 1855, foi viabilizado legal e financeiramente sob da década de 20 à criação de legislação favorável
anticongreganistas decretadas ao país em 1834. tutela do Ministério da Marinha e do Ultramar, ao reaparecimento de institutos de formação
presidido pelo Visconde de Sá da Bandeira. Do missionária: nesse quadro, foi nomeado Procurador-
regulamento publicado no seguinte ano, constavam -Geral das Missões dos padres seculares de
por metas a preparação e aperfeiçoamento de Moçambique D. João Evangelista de Lima Vidal,
sacerdotes para serviço pastoral em terras ultra- Arcebispo de Mitilene (anterior Bispo de Angola e
marinas, bem como a formação de professores para Congo); para seu Vice-Procurador foi indicado Mons.
seminários diocesanos nesses territórios, a par da Amadeu Fortes Ruas.
hospedagem de missionários em trânsito. Se o Ocupado o edifício do antigo Colégio das Missões
primeiro decénio de trabalho foi marcado por grandes pelo IML, foi sediado novo pólo educativo de
dificuldades no recrutamento, financiamento e gestão sacerdotes missionários seculares no Convento de
do colégio cernachense, o período compreendido Cristo, em 1921. Dois anos mais tarde, um novo
entre 1865 e 1872, liderado por D. João Maria colégio foi fundado no antigo mosteiro beneditino
Amaral e Pimentel, Bispo de Angra, registou de Cucujães. Após o pronunciamento militar de
assinalável crescimento infraestrutural e humano. 1926, o IML foi extinto, dando lugar ao Colégio das
De 1885 a 1911, o Real Colégio das Missões Ultra-
marinas ficou marcado pela direcção do P. e Dr.
António José Boavida, responsável por um período
de acentuado desenvolvimento da Instituição: como
consequência, às 75 ordenações presbiterais ocorridas
até então, acresceram 242 sacerdotes. Sob a sua
direcção, iniciada no ano da promulgação do Acto
Seminário de Cernache do Bonjardim (DB) Geral de Berlim, sumário de posições das potências
europeias com interesses em espaço africano, no
qual ficou estabelecido o princípio da efectividade
O Seminário de S. João Baptista de Cernache do de ocupação dos territórios coloniais, foi concebida
Bonjardim, um dos estabelecimentos de ensino e advogada a ideia de constituição de uma
religioso compulsivamente encerrados a essa data, congregação ou instituto missionário nacional. Tal
dirigido por membros da Congregação da Missão, concepção foi publicamente difundida pelo P. e
contava com mais de quatro décadas de actividade. António de Sousa Barroso, missionário, antigo aluno
Criado em 1791 por iniciativa do Grão Prior do cernachense e futuro Prelado de Moçambique, autor
Crato, futuro D. João VI, começou por formar clero do relatório O Congo, Seu Passado, Presente e Futuro,
secular para o serviço do próprio priorado, tornando- apresentado à Sociedade de Geografia de Lisboa Seminário de Cucujães (DB)

224
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MISSIONÁRIOS DA BOA NOVA

Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim. composta por dois sacerdotes e três leigos, foi da SPMCU integrados nas primeiras 12 expedições,
Tal como o Colégio das Missões Ultramarinas de acordada com o Prelado de Moçambique em 1937 desembarcadas até 1951. A partir de então,
Tomar e o Colégio das Missões Ultramarinas de e rumou à missão de S. Paulo de Messano, no Sul estabeleceu-se um novo contingente no Sul, inicial-
Cucujães, foi superintendido, até à década de 30, do Save. mente em Chissano, Arquidiocese de Lourenço
por D. Teotónio Vieira de Castro, Bispo de Meliapor. Marques (actual Maputo), mais tarde Diocese de
Do Estatuto Orgânico das Missões, de 1926, consta João Belo (actual Xai-Xai).
a menção do projecto para uma futura associação Em 1957, ano da primeira nomeação episcopal de
missionária; ainda nesse ano, em sede do I Concílio um sacerdote da SPMCU, o P.e José dos Santos Garcia,
Plenário Português, foi aprovado parecer sobre o para a recém-criada Diocese de Porto Amélia (actual
mesmo. Assim, a terceira década do séc. XX ficou Pemba), a sociedade contava, no total, com 121
marcada pela procura do estatuto civil e canónico membros, dos quais um bispo, 66 sacerdotes, 3
adequados às missões seculares: D. João Evangelista diáconos, 28 irmãos e 17 alunos de Teologia. Até à
de Lima Vidal e D. Teotónio Vieira de Castro, após independência do estado moçambicano a Sociedade
várias consultas formais e informais ao episcopado fundou, de raiz, 25 missões, 8 paróquias, 4 colégios
português, encontraram na Societé des Missions 2 seminários, uma escola de professores e um lar.
Etrangères, de Paris, e no Pontificio Istituto Missione Assistiu, também, a 12 missões, 5 paróquias e um
P.e Agostinho em Moçambique (I)
Estere (PIME), de Milão, modelos para a constituição seminário.
de uma sociedade missionária. O primeiro Capítulo da SPMCU reuniu-se em 1965,
Para além da acção missionária directa, ocupou-se em ambiente de reflexão catalisado pelos trabalhos
a Sociedade Portuguesa das Missões Católicas, ditas do II Concílio Vaticano. Neste, e em seguintes
também Ultramarinas (SPMCU), da recolha de fundos Assembleias-Gerais, conceberam-se caminhos de
para financiamento da sua obra, através da Pia renovação pós-conciliar, os quais passaram pela
Associação de Nossa Senhora das Missões; da abertura de novas frentes de apostolado,
divulgação da mesma e animação missionária por nomeadamente em Angola e Brasil, a partir de 1970,
via da imprensa, com O Missionário Católico, título na Zâmbia, um decénio mais tarde, e no Japão,
periódico herdado do Colégio das Missões de desde 1998. Passaram, também, pela dinamização
Cernache do Bonjardim (fundado em 1924), a revista da reflexão missionológica e eclesiástica socialmente
de cultura Volumus (desde 1949), e o mais abran- alargadas, cuja experiência remontava aos Círculos
gente e popular Cruzada Missionária (publicado de Estudos Missionários – promovidos desde 1948
desde 1932); e do esclarecimento e debate sobre no seio da Academia de S. João de Brito, de Cucujães
Festa missionária e missa em Cucujães (I)
as missões, com a organização de retiros, encontros – e que, de 1962 a 1978, foi vertida na organização
e congressos, como o Congresso Missionário de das Semanas Nacionais de Estudos Missionários.
Em 1930, D. João Evangelista de Lima Vidal foi Barcelos, em 1931, ou o de Lisboa, em 1934. Renomeada, a partir de 1975, Sociedade Missionária
escolhido por Pio XI para Superior Geral da futura Em 1940, ano de celebrações centenárias nacionais, Portuguesa (SMP), os missionários seculares
sociedade missionária portuguesa. Com o intuito de Pio XII dirigiu aos prelados lusos a Encíclica Saeculo redefiniram-se como agentes de missionação fraterna
reformar a missionação secular lusa, até aí marcada Exeunte Octavo: aí renovou, uma vez mais, a e dialogante, debatendo-se, não obstante, com a
pelo trabalho isolado e a prazo, a Santa Sé tomou afirmação de estima e reconhecimento pela obra da complexidade das novas situações político-militares
a cargo a elaboração das Constituições da erigenda SPMCU. A assinatura do Acordo Missionário entre vividas em Angola e Moçambique, e adaptando-se
Sociedade Portuguesa das Missões Católicas e enviou Portugal e a Santa Sé, nesse mesmo ano, resultou aos novos terrenos de missão no Brasil, Zâmbia, e,
os P.es Giuseppe Carabelli e Mario Parodi, missio- na normalização das relações entre Estado e Igreja, mais recentemente, no Japão. Em Moçambique e
nários do PIME em Hong-Kong, para coadjuvarem permitindo, entre outras medidas, a criação de novas Angola, alguns dos seus missionários perderam a
o superior geral na direcção dos Colégios de Tomar, dioceses além-mar e a reorganização dos efectivos vida ou sofreram as contingências de países em
Cucujães e Cernache do Bonjardim, bases da nova eclesiásticos. Os missionários seculares portugueses, guerra, pelo que alguns abandonaram os países em
obra. As primeiras Constituições, aprovadas ad desde 1938 destinados pelo então Prelado de que haviam missionado e mudaram para outros
experimentum, datam desse mesmo ano, definindo Moçambique, D. Teodósio Clemente de Gouveia, ao países, nomeadamente o Brasil. O recrutamento mis-
a nova sociedade como colectivo de membros com norte do território, nomeadamente a Unango e sionário, acompanhando a tendência coeva,
vida em comum, dedicados à missão por toda a vida Mutuáli, ficaram inseridos na Diocese de Nampula, enfrentou um acentuado decréscimo a partir da
e vocacionados para a universalidade. Exógeno e circunscrição que absorveu a totalidade dos membros década de 80 do séc. XX, sendo na IV Assembleia
independente da autoridade do episcopado da SMP decidido o fecho progressivo dos seus
português, o projecto enfrentou, desde a sua fun- seminários menores portugueses, e reorientada a
dação, resistências nos meios políticos e eclesiásticos. pastoral vocacional para os territórios de missão.
A 24 de Outubro de 1932, Pio XI dirigiu a D. João Em 1995, foi formalizado o movimento Leigos da
Evangelista de Lima Vidal a Carta Apostólica Suavi Boa Nova. Nesta mesma década, a SMP passou a
Sane, documento que testemunha solenemente o ser designada Sociedade Missionária da Boa Nova,
empenho do Sumo Pontífice em tal empreendimento. designação homónima ao Seminário de Valadares,
Tida como diploma fundacional da Sociedade, foi aberto no ano lectivo de 1967-1968, e no segui-
enviada por ocasião do juramento de fidelidade às mento do título da revista Boa Nova que substituía
Constituições dos cinco primeiros membros. Os anos o de Missionário Católico. Em 2004, a SMBN detinha
seguintes foram de consolidação pedagógica e em funcionamento quatro seminários: em Valadares,
preparação das expedições missionárias. A primeira, Missão de S.ta Teresinha do Mutuáli, início da Missão em 1938 (I) Portugal; Belo Horizonte, Brasil; Luanda, Angola; e

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MISSIONÁRIOS DE SÃO FRANCISCO XAVIER

MISSIONÁRIOS DE SÃO FRANCISCO XAVIER religião ao serviço da colonização, e em 1901 Hintze


A Sociedade dos Missionários de São Francisco Xavier Ribeiro concedeu autorização de funcionamento a
é também denominada de Sociedade do Pilar, instituições religiosas em Portugal, identificando o
Sociedade Missionária do Pilar, Congregação dos catolicismo como religião do Estado português.
Padres do Pilar e Congregação Missionária de São Por outro lado, as relações entre Portugal e a Santa
Francisco Xavier do Pilar de Goa. Foi fundada em Sé também abrandaram nesse mesmo período,
Goa, a 26 de Setembro de 1887, pelo P. e José especialmente graças à Concordata de 1886, que
Mariano Clemente Bento Martins, de Orlim, com tentou definir melhor os espaços entre a Propaganda
autorização do Patriarca António Sebastião Valente, Fide e o Padroado Português na Índia, elevando
tendo como primeiros companheiros o P.e Jerónimo inclusive o Arcebispo de Goa à dignidade de Patriarca
Sérvulo Viegas, de Chinchinim, o Subdiácono das Índias. É claro que isto não quer dizer que tenha
Gregório Francisco Xavier Fernandes, de Siolim, e conseguido resolver todos os conflitos existentes,
Deodato Piedade da Costa, de Camorlim. Portanto, mas sem dúvida causou alguma distensão.
trata-se de uma iniciativa missionária do clero natural Portanto, o surgimento da Sociedade do Pilar insere-
de Goa, seguindo o exemplo de duas anteriores -se neste contexto de maior flexibilidade em relação
Revista Boa Nova (I)
instituições goesas, a Congregação do Oratório da às ordens religiosas, além de uma melhor definição
Santa Cruz dos Milagres e a Ordem Terceira da importância do trabalho de missionação para a
Maputo, Moçambique. Em Portugal possui comuni- Carmelita Claustral, sem, contudo, haver respeito conservação das posições e interesses portugueses
dades, também, em Lisboa, Cernache do Bonjardim, ao sistema de castas, o que distinguia essas duas no Ultramar. E consoante a isso, percebe-se que o
Fátima e Cucujães. Conta com cerca de 120 ordens mais antigas, extintas em 1835. maior esforço do novo Instituto era o trabalho
membros, activos em 6 países. A princípio, por não ter edifício próprio, a missionário e fica clara a inspiração que os Funda-
Congregação dos Missionários teve residência perto dores buscaram quando escolheram o nome de
BIBLIOGRAFIA: AFONSO, Manuel Castro, O Seminário da capela, actualmente igreja, de Agonda, no Francisco Xavier para baptizar o novo Instituto, por
das Missões de Cernache do Bonjardim: 1791-1991, Concelho de Canácona. Em 1890, por ordem do ser esse jesuíta o paradigma do trabalho missionário
Cucujães, Editorial Missões, 1992; AFONSO, Manuel Decreto n.º 268 de 4 de Fevereiro, foi transferida no Oriente.
Castro, “A Sociedade Missionária Portuguesa faz 50 para o Convento do Pilar, em Goa Velha, onde se O homem de maior destaque da Sociedade do Pilar
Anos”, in Igreja e Missão: Revista Missionária de instituiu o Catecumenato cuja administração passou é o P.e Agnelo Gustavo Adolfo de Sousa. Sexto filho
Cultura e Actualidade, n.º 109-111, Cucujães, a ser de sua responsabilidade, sendo doravante de Miguel Arcanjo Mariano de Souza e Maria
Sociedade Missionária Portuguesa, 1981, pp. 303- conhecida como Sociedade do Pilar. As Constituições Sinforosa Perpétua Magalhães, nascido a 21 de
-315; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], e o Regulamento da Sociedade Missionária foram Janeiro de 1869, na aldeia de Anjuna, foi seminarista
Secretariado Geral da Conferência Episcopal aprovados pela Portaria n.º 485 de 31 de Maio de no Colégio de Rachol, ingressou na Sociedade dos
Portuguesa, pp. 860-861; FRANCO, José Eduardo, 1891 e reforçava-se o carácter missionário do novo Missionários de São Francisco Xavier a 17 de Julho
“Missionários da Boa Nova”, in C. M. Azevedo (dir.), Instituto. de 1897 e ordenou-se Padre a 24 de Setembro de
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. J- 1898. Destacando-se como homem muito discipli-
-P, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos nado e de fé rigorosa, passou cerca de dez anos
de História Religiosa da Universidade Católica recluso, dedicando-se à prece e à meditação. A partir
Portuguesa, 2001, pp. 204-205; GONÇALVES, Nuno de 1908, dedicou-se ao serviço paroquial nas missões
Silva, “A dimensão missionária do catolicismo de Sirodá, Sanvordém e Canará, sob administração
português”, in C. M. Azevedo (dir.), História Religiosa dos padres do Pilar e ainda tinha o cargo de
de Portugal, vol. 3, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro Confessor dos seminaristas internos do Seminário
de Estudos de História Religiosa da Universidade Patriarcal de Rachol. A partir de 1918, assumiu o
Católica Portuguesa, 2002, pp. 353-397; PRUDHOMME, cargo de Director Espiritual dos mesmos seminaristas,
Sociedade do Pilar (arquivo particular)
Claude, “Problématiques Missionaires Catholiques função que exerceu até morrer, a 20 de Novembro
du XIX e Siècle”, in Congresso Internacional de de 1927, depois de, no dia anterior, ter desfalecido
História: Missionação Portuguesa e Encontro de Desde a extinção das ordens religiosas masculinas no púlpito ao pregar a novena, acabando por falecer,
Culturas – Actas, vol. I, Braga, Universidade Católica do reino e seus domínios nos anos de 1834 e 1835, vítima de uma hemorragia cerebral. Logo ganhou
Portuguesa, 1993, pp. 131-166; SANTA SÉ, Sociedade houve uma séria desarticulação da acção missionária, fama de santo e faziam-se várias peregrinações a
Portuguesa das Missões Católicas: Constituições, especialmente em África e na Índia. Mas, já na seu túmulo. Os seus restos mortais foram trasladados
Roma, Tipografia Poliglota Vaticana, 1930; SOCIEDADE segunda metade do séc. XIX, começou a haver a do Cemitério de Rachol para o Convento do Pilar a
MISSIONÁRIA PORTUGUESA, Cinquenta Anos de Vida e entrada de várias congregações que se envolveram 11 de Janeiro de 1939, tornando-se local de grande
Reflexão Missionária: Antologia de Textos, Cucujães, com o trabalho de ensino e de protecção de idosos, peregrinação. O processo de beatificação foi iniciado
[Escola Tipográfica das Missões], 1982; TRINDADE, entre outros, em Portugal e nas colónias. Tanto que a 2 de Abril de 1947 e a 10 de Novembro de 1986,
Manuel Augusto, “A Sociedade Missionária Sá da Bandeira apoiou a criação de missões no reconheceu-se a “heroicidade das suas virtudes”, o
Portuguesa: no 25.º Aniversário da sua Fundação”, Oriente, compreendendo a importante função de que levou o P. e Agnelo Adolfo de Sousa a ser
in Lumen: Revista de Cultura do Clero, Lisboa, Maio afirmação dos interesses portugueses numa Índia designado como Venerável. O processo de canoni-
de 1958, pp. 385-397; TRINDADE, Manuel Augusto, cada vez mais dominada pelos ingleses e pelo zação continua em andamento até os dias actuais.
Para a História da Sociedade Missionária Portuguesa, aumento das missões protestantes. Em 1884, o Boa parte da vida missionária do P.e Agnelo de Sousa
Lisboa, s.n., s.d. Ministro da Marinha e do Ultramar, Manuel Pinheiro coincidiu com as dramáticas transformações ocorridas
Chagas explicitava nos Estatutos do Colégio das em Portugal e seus domínios ultramarinos com o
ANA CLÁUDIA VICENTE Missões Ultramarinas a necessidade de se colocar a advento da República. A política anti-religiosa dos

226
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MISSIONÁRIOS DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE

primeiros governos republicanos variou desde a compostas por 306 sacerdotes, 20 irmãos leigos,
extinção das ordens religiosas, passando por uma 120 escolásticos, além de 15 noviços e mais de 100
reestruturação das missões, chegando mesmo a estudantes em formação.
cogitar-se em substituir as missões religiosas portu-
guesas por outras de constituição laica. Esse último BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LMEIDA , Fortunato de,
projecto foi impedido por Sidónio Pais, no entanto, História da Igreja em Portugal, vols. 3 e 4, Porto,
revela o forte revés sofrido pela acção missionária Portucalense, 1967; AZEVEDO, Carlos Moreira (dir).
em geral. Esse pano de fundo, associado a outros Dicionário de História Religiosa de Portugal, 4 vols.,
problemas locais, tais como a morte de seus membros [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos de
sem haver a necessária e correspondente renovação, História Religiosa da Universidade Católica
especialmente pelo facto de não possuir um seminário Portuguesa, 2000-2001; B ETHENCOURT , Francisco,
próprio que direccionasse as vocações para o C HAUDHURI , Kirti (coord.), História da Expansão
preenchimento dos cargos e funções necessários Portuguesa, vols. 4 e 5, Lisboa, Círculo de Leitores,
para a acção missionária, fizeram com que a 1998-2000; CATÃO, Francisco Xavier Gomes (coord.),
Sociedade do Pilar chegasse quase ao ponto de Anuário da Arquidiocese de Goa e Damão para
extinção, possuindo apenas um membro remanes- 1955, Bastorá, Tipografia Rangel, s.d.; F REITAS ,
cente, P.e Baltazar Remédios do Rosário Gomes, por Jerónimo Simão do Rosário, Padre Agnelo Adolfo
volta de 1939. de Sousa: Notas Biográficas, Bastorá, Tipografia
A reorganização da Sociedade foi feita por iniciativa Rangel, 1949; NORONHA, Castilho de (dir.), A Voz de
de dois jovens alunos do Seminário Patriarcal de S. Francisco Xavier: Boletim da Arquidiocese Primacial
Rachol, Menino Conceição Rodrigues e Francisco de Goa e Damão e Patriarcal das Índias Portuguesas,
Jasso Sequeira, seguidos por outros entusiastas, Nova Goa, A.P.G.D., 1931-1942; P EDRO , Albano
S. Francisco Xavier, Museu de S. Roque (CLS)
Manoel José Barreto, José F. Albuquerque, Teodolindo Mendes (coord.), Anuário Católico do Ultramar
Cabral, Peter Mascarenhas e Paixão Lacerda, que se Português, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar,
juntaram ao P.e Rosário Gomes e todos acalentaram ensino, como a Escola de N. Sr.a de Fátima para 1962; ROCHA, Leopoldo da, As Confrarias de Goa
a ideia de cumprir as palavras do Papa Leão XIII de ensino da língua inglesa, em Ambernath; a Escola (Séculos XVI-XX): Conspecto Histórico-Jurídico, Lisboa,
que a obra de conversão da Índia requeria a P.e Agnelo, no Pilar, à qual estavam anexos a Oficina Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1973;
participação dos próprios indianos. Assim, a 2 de Xaveriana e o Orfanato; o Colégio-Liceu do Anjo da S Á , Francisco Xavier Valeriano de, O Padroado
Julho de 1939, a Sociedade conhece o início de Guarda, em Sanvordém e, ainda, algumas escolas Português do Oriente e os Mitrados da Sé de Goa,
nova etapa assinalada pela designação de “segundos em Canoel. Possuía um Pustoc Xall (livraria popular) Lisboa, Plátano, 2004; SERRÃO, Joaquim Veríssimo,
fundadores” atribuída a estes homens. A 8 de que editava livros em concani e português e admi- História de Portugal, vols. IX, X, XI, Lisboa, Verbo,
Setembro de 1940, acabado um ano de Noviciado, nistrava a publicação do semanário Vauraddeancho 2000-2003; THOMAZ, Luís Filipe F. R., De Ceuta a
fizeram votos seis sacerdotes e dois irmãos leigos, Ixtt (O Amigo dos Operários), fundado em 1933, Timor, Lisboa, Difel, 1998. Digital: www.frag
tendo as novas Constituições sido aprovadas pelo inicialmente publicado em português, inglês e concani nelpilar.com/index.html; www.goacom.com/culture/
Patriarca D. José da Costa Nunes, por Portaria n.º – actualmente apenas nesta última língua – que religion/fragnelo/pilm1.htm; www.goacom.com/
65 de 24 de Junho de 1946, afirmando-se a natureza alcançou grande circulação. Foi responsável pela culture/religion/fragnelo/pilm3a.htm; www.sabrang.
de ser uma Sociedade de Vida Apostólica e não um fundação de duas associações: os Cooperadores com/cc/comold/dec00/cover2.htm; www.societyof
Instituto de Vida Consagrada, definição esta que Xaverianos e os Irmãos e Irmãs Espirituais. Construiu pilar.org.
caracteriza as ordens religiosas e institutos seculares casas de retiro, inclusive a Casa de Peregrinos, que
no Direito Canónico. serve para acolher os que fazem peregrinação ao CARLA DELGADO DE PIEDADE
Aparentemente, os segundos Fundadores perceberam túmulo do P.e Agnelo. CÉLIA CRISTINA DA SILVA TAVARES
que o trabalho de missionação precisava de ser Às vésperas do fim do domínio português em Goa,
acompanhado de iniciativas que envolvessem a por volta de 1960, havia 48 sacerdotes da Sociedade
formação de vocações para o trabalho nas missões de São Francisco Xavier. A Sociedade continuava a MISSIONÁRIOS DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE
e de uma preocupação com a educação de uma administrar os seminários, liceus, colégios e retiros A Congregação dos Missionários Religiosos do
maneira geral, para qualificar a formação dos por ela patrocinados. Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo
católicos indianos, por isso seria importante a Nos dias de hoje, a Sociedade do Pilar tem ainda é um instituto religioso masculino, mais conhecido
fundação de seminários e de escolas para consolidar uma forte presença missionária e educacional na pelo nome de Preciosíssimo Sangue. O título oficial
até mesmo a própria existência e sobrevivência da Índia e teve papel de destaque no episódio do desta instituição é Congregatio Missionariorum
Sociedade. maremoto de 2004, que atingiu a sua missão nas Pretiosissimi Sanguinis Domini Nostri Iesu Christi, e,
Assim revigorada, em cerca de 15 anos de trabalho, ilhas de Andaman e Nicobar, na baía de Bengala, por tradição, a sua abreviação é C PP S. Cada
a Sociedade do Pilar já possuía 31 sacerdotes, 11 proporcionando auxílio e amparo à população local. província tem a liberdade de traduzir este título de
irmãos leigos, 21 escolásticos, administrava o Essa missão está a cargo da Sociedade desde 1965, acordo com as próprias exigências culturais e
Seminário Maior (ensino superior de Teologia e cedida pela Propaganda Fide e foi elevada à Diocese linguísticas.
Filosofia) e o Seminário Menor (curso geral dos de Port Blair pela Santa Sé em 1984 com um membro A sua fundação deu-se a 15 de Agosto de 1815,
liceus), instituído pelo Patriarca D. José da Costa da Sociedade como seu primeiro Bispo, Mons. Aleixo em San Felici (Umbria, Itália), e o seu fundador foi
Nunes, em 1942, no Convento do Pilar, e 3 missões Dias. A Sociedade foi dividida em quatro províncias: S. Gaspar del Búfalo. O Instituto entrou em Portugal
– Sanguém, nas Novas Conquistas, em Goa; Canoel, Goa, Bombaim, Delhi e Calcata, em 2003 e tem em 1933 através de um missionário italiano, D.
no Distrito de Damão; e Ambernath, na Arquidiocese aberto casas em Londres, Roma, Estados Unidos Luiggi Carinchi, que fundou a primeira comunidade
de Bombaim –, além de outros estabelecimentos de da América, Alemanha e Nepal. Em 2006, eram em Vila Viçosa, a qual ainda se mantém. Em 1970,

227
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MISSIONÁRIOS DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE

dedicar com profundidade a essa obra de renovação através de ajuda mútua, seja espiritual, seja material,
sacerdotal e apostolado popular. Os núcleos de na procura dos mesmos ideais e habitando juntos,
sacerdotes e colaboradores irradiaram-se prodi- excepto quando as exigências apostólicas dos
giosamente. O primeiro nasceu no pequeno município membros exijam a sua ausência. Os membros da
de Giano, na Úmbria, em 1815. Congregação reúnem-se regularmente para a leitura
Quatro anos mais tarde foi fundada a segunda casa, da Sagrada Escritura, meditação, dias de retiro,
em Pieve Torina, perto de Camerino. Em 1821, foi exercícios espirituais e a recepção frequente do
a vez de Albano, que seria o ponto cardeal da Sacramento da Reconciliação.
Congregação. Dali se irradiaram pela região da Segundo o novo Código de Direito Canónico, a
România, mas especialmente pela região do Lácio. Congregação é uma Sociedade de Vida Apostólica
Os Missionários deveriam promover, em cada centro, (cân. 731 a 735), já que os seus membros não fazem
dias de meditação, de diálogos catequéticos, de os tradicionais votos monásticos. Fazem um
confissões. compromisso de fidelidade à Congregação que, para
além dos votos de pobreza, castidade e obediência,
comuns a todos os consagrados, inclui um com-
promisso de mensa communis, ou seja, de partilha
comum dos bens adquiridos no exercício do
ministério. Todos os membros incorporados devem
usar o crucifixo de missionário com uma corrente
que S. Gaspar deu aos seus confrades como sinal
de pertença à Congregação. O seu uso é regula-
S. Gaspar, Fundador dos Missionários
mentado pelos Estatutos Provinciais, que podem
do Preciosíssimo Sangue (I)
permitir aos membros da respectiva província usar
um distintivo diferente.
abriu, como seminário menor, uma nova comunidade Os sacerdotes, irmãos e estudantes recebem um
em Proença-a-Nova e mais tarde uma outra em pecúlio que deve ser estipulado pelo Director
Verride (Montemor-o-Velho). Esta última funciona Provincial com o consentimento do seu Conselho,
actualmente como residência do Superior Provincial, ou órgão equivalente, para que cada um possa
o P. e José Luís Morgado Ferreira, eleito a 27 de providenciar para si aquilo que não é oferecido pela
Dezembro de 2007, por um período de quatro anos. Congregação.
Os missionários portugueses formam, com os
espanhóis, a Província Ibéria.
O seu Fundador, Gaspar del Búfalo, nasceu em 1786,
na cidade de Roma, num momento histórico
particularmente atribulado, durante o qual a Santa
Sé teve dificuldades em lidar com as consequências
N. Sr.ª do Preciosíssimo Sangue (I)
tumultuosas da sangrenta Revolução Francesa. Muito
jovem, Gaspar frequentou a Igreja de Jesus, perto
da sua casa, no Palácio Altieri. Foi atraído de maneira Os princípios fundamentais desta Congregação
particular pelo santo missionário Francisco Xavier e assentam na dedicação ao serviço de Deus e na
chamado à Companhia de Jesus. Todavia, não actividade apostólica missionária do ministério da
ingressou nesta ordem, pois parecia-lhe que a sua palavra. O nome da Congregação deriva da devoção
vocação era o sacerdócio secular. ao precioso sangue doado por Cristo na salvação
Recém-ordenado Sacerdote, com apenas 22 anos da humanidade e sinal do mistério pascal, que se
Símbolo dos Missionários (I)
de idade, o P.e Gaspar, quando confrontado, como renova na Eucaristia. A vida comunitária é orientada
todos os outros sacerdotes de Roma, com a exigência pela espiritualidade, pelo espírito missionário
de juramento de fidelidade a Napoleão contra o apostólico e pela Palavra de Deus. Cada Província deve preparar um manual de preces,
Papa, responde decididamente: “Não posso, não Do ponto de vista organizacional, a Congregação que contenha os exercícios de piedade recomendados
devo e não quero”. Isso levou-o ao exílio em Ímola, divide-se em Províncias e Vicariatos, tendo à sua para toda a Congregação e outros que a Província
depois em Bolonha, em seguida esteve sete meses frente um Provincial ou Director do Vicariato, julgue adequados para seu próprio uso.
na prisão de S. João do Monte, mais tarde na de respectivamente. Para dividir a Congregação em As províncias da Congregação compartilham entre
Lugo e passou por Florença, juntando-se depois a Províncias, ou Vicariatos, ou para juntar as unidades si os bens temporais de maneira que os mais
outros exilados na Córsega. Naqueles longos anos, existentes, restringi-las ou suprimir alguma das partes favorecidos ajudem os mais carenciados. A aquisição,
teve a oportunidade de conhecer melhor os seus é necessária a autorização do Moderador Geral e posse, administração e alienação dos bens temporais
irmãos no sacerdócio e de organizar um modelo de dos seus Conselheiros, bem como dos Provinciais e da Congregação é regulamentada pelo cânone 741
actualização do clero que viria a concretizar-se, dos Directores dos Vicariatos, em conformidade com do Direito Canónico.
quando voltou de Roma, na criação da Congregação os Estatutos Gerais. Antes de ser incorporado na Congregação, o
dos Missionários do Preciosíssimo Sangue. O P. e Os membros vivem na residência para a qual foram candidato deve perfazer um programa especial de
Gaspar renunciou ao agraciamento por parte da designados. A base desta vida em comum é o vínculo formação religiosa que inclua uma experiência mais
Igreja com o título honorífico de Cónego para se da caridade entre os membros, manifestando-se intensa do Mistério Pascal, o estudo do espírito da

228
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MONFORTINOS

Congregação, da teologia do Sangue Precioso, da a sua autoridade segundo as determinações dos


história da Congregação, dos textos normativos, Textos Normativos. Eles podem ser auxiliados por
assim como o conhecimento prático da vida comu- outros membros da comunidade local, de acordo
nitária e das obras de apostolado da Congregação. com as normas específicas dos Estatutos da Província
Os Provinciais e os Directores de Vicariato têm a ou do Vicariato. Para ser nomeado ou eleito o Director
faculdade de admitir o candidato de acordo com as Local de qualquer residência da Congregação, o
normas dos Estatutos da Província ou do Vicariato. membro deve estar definitivamente incorporado pelo
Terminado o período de formação, e depois do número de anos especificado nos Estatutos da
pedido do candidato e da sua aceitação por parte Província ou do Vicariato. Os mesmos Estatutos
da Congregação, de acordo com os Estatutos devem garantir que os Directores Locais não
Provinciais, o candidato será admitido à incorporação permaneçam no seu ofício por um período de tempo
definitiva por decreto do Moderador Geral. muito longo e ininterrupto.
O programa de formação dentro da Congregação
consta de três etapas principais: formação inicial, BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
formação especial e formação contínua. Em cada [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
uma destas etapas, a formação será progressiva e Portuguesa, 2007, pp. 854-855; Textos Normativos
adaptada ao estágio em que se encontra o candidato. da Congregação do Preciosíssimo Sangue (Consti-
A suprema autoridade na Congregação é exercida tuições, Estatutos Gerais, Assembleias, Políticas),
pela Assembleia Geral quando em sessão. Nesta Roma, 2003.
Assembleia participam representantes de toda a
Congregação para eleger o Moderador Geral e o FERNANDA CRISTINA SANTOS
seu Conselho e para tratar dos assuntos mais
importantes da Congregação. A Assembleia Geral
é convocada pelo Moderador Geral, de acordo com MONFORTINOS
S. Luís Maria Grignion de Monfort (I)
os Estatutos Gerais. Para que as eleições e decisões A Societas Mariae Montfortana (SMM), ou
tomadas sejam válidas, deve estar presente ao menos Monfortinos, é uma congregação religiosa fundada
a maioria absoluta dos que têm direito a voto, por S. Luís Maria Grignion de Monfort (1673-1716), giosos. Em 1938, contava já com 544 sacerdotes,
embora todos devam ser convocados. O Moderador em 1705. Dedica-se especialmente à evangelização 288 estudantes, 400 irmãos auxiliares e 75 noviços.
Geral é o sinal visível da unidade na Congregação: dos meios rurais e terras pagãs. Sob a especial Esta Congregação, em 1970, contava, no mundo
está investido da autoridade que lhe é conferida invocação de Nossa Senhora, obtiveram o Decretum inteiro, com 1854 membros, dos quais 1219
pela lei comum, pelas Constituições e pelos Estatutos Laudis a 20 de Maio de 1825. A aprovação definitiva sacerdotes, em 255 casas. No Brasil, trabalhavam,
Gerais sobre todas as províncias, casa e membros. dos Missionários da Companhia de Maria foi nos anos 70 do século passado, 12 sacerdotes, 11
O seu principal dever consiste em vivificar e renovar concedida por Pio IX, em 1853. A sua Constituição holandeses e um português, encarregados do
o espírito da Congregação e promover a sua foi aprovada pela Santa Sé, em 1904, no pontificado ministério paroquial na Diocese do Rio e em Perus
expansão. A sua função é coordenar a vida da de Pio X. Luís Maria de Monfort foi beatificado em (S. Paulo). A casa generalícia está sediada em Roma.
Congregação e promover a unidade entre os mem- 1888 e canonizado em 1947, pelo Papa Pio XII. Actualmente, estão difundidos pelo mundo inteiro
bros e as províncias. O Moderador Geral deve estar Os Monfortinos são um todo constituído por três (França, Portugal, Holanda, Bélgica, Canadá, EUA,
definitivamente incorporado na Congregação há congregações religiosas, fundadas e inspiradas por Inglaterra, Colômbia, Haiti, Irlanda, Dinamarca,
pelo menos cinco anos e é eleito por um período S. Luís Maria Grignion de Monfort. A Companhia Islândia, África, Borneo, Itália). São 1100 os
de seis anos, podendo ser reeleito para um segundo de Maria é a mais conhecida e é a pedra basilar sob sacerdotes, irmãos coadjutores e seminaristas
período. a qual assenta a religiosidade das restantes: as Filhas religiosos da Companhia de Maria, em missão em
Cada Província e cada Vicariato aprovam os res- da Sabedoria, que se dedicam à assistência e ao mais de 30 países.
pectivos Estatutos e os Delegados à Assembleia ensino dos pobres, desfavorecidos e deficientes, de A missão da Congregação monfortina no mundo e
Geral em proporção com o número dos seus mem- acordo com o exemplo de amor ardente dedicado na Igreja consiste em revelar o mistério da salvação
bros definitivamente incorporados e de acordo com pela co-Fundadora, Maria Luisa Trichet, aos desa- a quem o desconhece e ajudar à redescoberta e
a regra estabelecida pelos Estatutos Gerais. Os fortunados da sociedade e os Irmãos de São Gabriel, aprofundamento espiritual dos crentes, mediante a
Directores Locais, escolhidos em conformidade com originados pela preocupação de Luís de Monfort busca de renovação do sentido do seu compromisso
os Estatutos da Província ou do Vicariato, exercem por dar educação aos pobres e necessitados, desen- baptismal. O carácter mariano da Companhia é
volvendo-se como grupo de irmãos inteiramente essencial na Congregação monfortina. A devoção a
dedicados ao ensino após a Revolução Francesa, sob Maria é parte integrante da vida espiritual e do
a direcção do P.e Gabriel Deslayes, Superior Geral apostolado dos Missionários Monfortinos. Os
da Companhia de Maria. Existem vários grupos de Monfortinos procuram evangelizar, adaptando a sua
indivíduos associados a estas congregações, como espiritualidade às diferentes culturas que encontram.
a confraria conhecida como Irmandade de Maria São muitas as formas de que se reveste a sua
Rainha dos Corações. evangelização.
A Congregação compõe-se de sacerdotes missio- O lema de vida de Luís de Monfort era “Deus
nários e irmãos auxiliares, com o objectivo de fazer Apenas”. Para ele, Deus é o único valor absoluto.
obra apostólica de promoção e estabelecimento do Só ele dá sentido ao que existe. Deus é suficiente.
culto e devoção a Maria, Virgem Mãe de Jesus. Em Tudo começa com Deus Pai, cujo único desejo é
Paróquia de S. Bartolomeu de Vila Viçosa (DB) 1816, a Companhia era constituída por 500 reli- repartir o seu amor pela criação. Cria o ser humano

229
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS MONFORTINOS

para que seja a imagem perfeita da sua beleza e Deus. Nesta forma de devoção de vida, a santidade outra comunidade monfortina, para retiros e para
perfeição. está ao alcance daqueles a quem o Espírito Santo Noviciado da Companhia. Em 1967, os Monfortinos
Quando Luís de Monfort alude a este amor de Deus leva a conhecer o segredo de Maria. Maria é o abriram em Loures um seminário maior, cuja
e do que Ele deseja para a humanidade recorre aos caminho de consagração a Cristo. formação teológica ficou a cargo do Patriarcado de
livros sapienciais do Antigo Testamento, em particular Durante a sua vida, S. Luís Maria de Monfort foi Lisboa. Este seminário cessou a sua actividade na
ao livro da Sabedoria e ao dos Provérbios. Para Luís muito proficiente em termos de produção escrita, década de 80, fruto de uma crise de vocações, tendo
de Monfort, o nome de Jesus Cristo significa sobretudo para encaminhar os cristãos para uma reaberto em 1992, na Póvoa de S.to Adrião, onde
Sabedoria divina eterna e encarnada. O santo mais profunda compreensão da Fé cristã e para os os Monfortinos têm actualmente responsabilidades
Fundador dos Monfortinos reconhece também que, estimular a viver a sua consagração a Deus. paroquiais.
apesar de criados para serem a imagem vivente da
beleza de Deus, os humanos deixaram que o pecado
alterasse o plano de Deus. Então, Deus, que ama
sempre a humanidade, propõe-se libertá-la do estado
de prostração em que se encontra. Sucede então a
encarnação. Para Luís de Monfort, como para a
maioria dos membros da chamada escola francesa
de espiritualidade, a Encarnação é o mistério central
do desígnio de Deus para a salvação da humanidade.
A Encarnação é não só um acontecimento, mas
também uma realidade nova para a humanidade e
também para toda a criação. É um estado que
Seminário dos Missionários Monfortinos em Fátima (JAM)
engloba tudo o que Cristo fez como Homem-Deus.
A Encarnação contém o mistério pascal. O sacrifício
da morte de Jesus Cristo é o grande mistério da Os Monfortinos chegaram a Portugal em 1922. Paróquia de Póvoa de S.to Adrião (DB)

Sabedoria eterna. A Cruz, mais do que o castigo O seu estabelecimento em território português,
que Deus impôs a Cristo por nós é o testemunho inicialmente, não sucedeu em Portugal continental
definitivo do seu amor. A Cruz é o triunfo do amor mas sim no Ultramar, em território colonial português, Em Portugal, no ano de 1972, possuíam os
sobre o pecado e o ódio e da vida sobre a morte. mais concretamente, em Moçambique, no Distrito Monfortinos 3 casas de formação (Fátima, Loures e
Luís de Monfort inclui Maria no mistério da de Porto Amélia. Vila do Conde) com 14 sacerdotes (8 holandeses e
Encarnação. Deus escolheu servir-se do livre consen- Os primeiros monfortinos a chegar a Portugal 6 portugueses) e 2 irmãos auxiliares, de nacionalidade
timento de Maria e de sua docilidade ao Espírito metropolitano foram os holandeses J. Limpens e P. portuguesa; na Diocese de Porto Amélia, seriam 21
para realizar a Encarnação e, por ela, a salvação da Theunissen. Decorria o ano de 1933. O local escolhido sacerdotes, um deles português, e 4 irmãos auxiliares,
humanidade. A Encarnação faz-se por intermédio foi o Seminário da Diocese de Vila Real, onde assu- sendo apenas um deles português.
da Santíssima Virgem. Quando ela dá o seu consen- miram responsabilidades no ensino da Teologia. Estes Em 1979, foi criado o Vicariato Geral de Portugal,
timento livre, representa assim a humanidade. Ela religiosos foram enviados para Portugal pelo provincial fruto da expansão das actividades monfortinas e do
converte-se assim em ícone da Igreja, assembleia de holandês Mathieu Hupperts, no âmbito de um aumento do número de membros e casas. Nesse
todos os homens que buscam partilhar o mistério projecto evangelizador apoiado pela Santa Sé com ano, dá-se início à autonomização dos Monfortinos
da salvação. o objectivo de preparar, em território português, em Portugal, que se separam assim da Província
O Amor de Deus necessita de uma resposta livre da missionários para o serviço em África. Até 1935, Holandesa, passando para a dependência directa da
nossa parte. Deus não muda, nem se alteram os estes dois monfortinos criaram uma delegação em Cúria Geral com sede em Roma.
seus sentimentos ou o seu modo de proceder. Como Lisboa, para recrutamento e formação de missio- A partir desta data intensificam-se as missões
Deus se fez homem ao encarnar no seu Filho, Luís nários, com o beneplácito das autoridades religiosas monfortinas em Portugal, direccionadas às comuni-
de Monfort convida-nos a revestirmo-nos de natureza competentes. Os padres monfortinos ficam, então, dades rurais do Centro e Sul do país, com a presença
divina transformando-nos em imagem de Jesus Cristo, encarregues de prestar serviço pastoral junto da nos Concelhos de Castro Verde e Ourique, entre
para voltar assim a encontrar o estado que nos faça comunidade cristã da Amadora. Este será o passo 1984 e 1991, fruto da criação de uma região
ser a imagem vivente da beleza de Deus, conformes decisivo para o arranque da Congregação em missionária do Sul. Em 1988, os Monfortinos esta-
à sua Sabedoria eterna. Aí se encontra a Felicidade. Portugal. Para dar prossecução ao trabalho, Theóphile belecem-se nas paróquias diocesanas de Santarém
Somente respondendo com amor ao amor de Deus Rousin, o Superior Geral, envia os P.es Limpens, Frissen de Abrã, Amiais de Baixo e Monsanto. Em 1997,
podemos alcançar a nossa finalidade última, ser e Meten, ficando o primeiro com as funções de assumem as Paróquias de Alvados e Mira de Aire.
imagem de Jesus Cristo. Mas, para amar Cristo temos Superior da comunidade monfortina portuguesa, No Distrito de Lisboa é reforçada a componente
primeiro de o conhecer. A este processo de conhe- Pároco e Procurador das missões; o segundo irá exer- formativa, criando-se uma comunidade de acolhi-
cimento implícito denomina Luís de Monfort de cer funções de Confessor e Capelão das Carmelitas, mento dos postulantes que acompanha a sua
Consagração. O processo inicia-se no Baptismo, via no Estoril; o terceiro irá aprender português para ir aprendizagem religiosa e o seu desenvolvimento
de incorporação em Cristo. O fim da nossa devoção servir em Moçambique. vocacional até ao Noviciado.
é Cristo, não pode haver outro. Na nossa ascensão Nos anos 50 do séc. XX a actividade dos Monfortinos Actualmente Portugal é uma Delegação Geral da
em direcção a Deus temos de seguir o Seu caminho, em Portugal expande-se. Sucede a abertura de um Companhia de Maria, que depende da Administração
que passou por Maria. A devoção a Maria é um seminário, em 1952, nos arredores de Ourém, que Geral. Lançada pela Província Holandesa, conta
meio de chegar ao reino de Cristo, de estabelecer é encerrado em 1956 para dar lugar a outro, actualmente com 22 membros portugueses,
o seu reinado no mundo e assim adquirir a divina maior, em 1956, junto do Santuário de Fátima. sacerdotes, e tem residências em Lisboa, Fátima,
Sabedoria, a realização do desígnio de amor de Posteriormente, foi criada em Vila do Conde uma Castro Verde e Junqueira. Os elementos da delegação

230
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

ORATORIANOS de Roma, assumia alcance prático universal e perene.


O Oratório Português (tem sentido esta designação, Deste modo, a Ordem garantiu uma espantosa
como veremos) surgiu espontaneamente na segunda eficácia e semelhança em todo o orbe tocado pela
metade do séc. XVII, coincidindo com a recuperação sua acção, embora não se ignorem as adaptações,
efectiva e o reconhecimento da independência no plano da actividade quotidiana, à diversidade
nacional, em 1668. Embora contemporâneo do dos meios em que ela se foi inserindo. Formação
período de apogeu do prestígio da Companhia de de professores, recrutamento e preparação de alunos
Jesus, a sua inspiração e a espiritualidade, que o e de outros responsáveis, matérias, compêndios,
marcaram desde o início, divergiam daquela manuais, linguagem, distribuição de tempos, jogos,
profundamente. O projecto e a prática dos Inacianos teatro, cânticos, auxiliares e aliados preferenciais,
caracterizam-se pela sua militância contra-reformista tudo se encontrava tipificado e recomendava-se-lhes
e pelo reconhecimento e obediência estrita a uma paralelismo de procedimentos nos vários continentes,
Casa da Junqueira (I)
hierarquia em pirâmide que culminava num Geral, quase sem alterações de vulto, ao longo de dois
sediado em Roma e sob cuja autoridade universal séculos. A eficácia da sua actuação tornou-se
trabalham em paróquias e desempenham diversas a Ordem executava todas as directrizes de acção. paradigmática e reconhecida por todos. Por isso,
formas de apostolado. Editam publicações periódicas, O espírito inspirador do Oratório obedecia a valores reis, ministros, militares, governadores e as elites
a saber: Amanhecer, Eis-nos (Fátima); Sabedoria e e a práticas diversas, embora os seus objectivos sociais deles se foram abeirando e os ouviam, como
Vida, Boletim de Espiritualidade Monfortina (Lisboa). últimos fossem idênticos e também apontassem para conselheiros, confessores, professores, capelães.
a evangelização e a cristianização profundas das Mantiveram uma enorme influência político-
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, sociedades em que se inseria e sobre a qual actuava, -institucional, pedagógica, filosófica e social durante
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal de forma discreta, mas eficaz, científica e pedagogi- muitas décadas e pelos seus colégios foi passando
Portuguesa, 2007, pp. 851-852; AZEVEDO, Carlos camente em constante actualização. Nada mais a elite da sociedade portuguesa, desde o Minho e
Moreira (dir.), Dicionário de História Religiosa de estranho ao espírito oratoriano do que a obediência Trás-os-Montes até ao Algarve. A sensibilidade e o
Portugal, 4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro a votos perpétuos e a governos fortes supra- comportamento da sociedade portuguesa da época
de Estudos de História Religiosa da Universidade nacionais, cuja legitimidade última radicava no bene- moderna não podem entender-se, no plano das
Católica Portuguesa, 2000-2001; AZEVEDO, Carlos plácito do Geral e do seu círculo restrito. Diríamos ideias, dos valores, das artes e das dinâmicas internas,
Moreira, História Religiosa de Portugal, 3 vols., que os membros da Companhia faziam apelo sem a eles se recorrer constantemente.
[Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos de sobretudo à vontade e ao intelecto dos seus discí- Nessa perspectiva, a influência do Oratório reduziu-
História Religiosa da Universidade Católica pulos, formando-os para o exercício público de uma -se a um papel muito mais modesto, tanto pelo
Portuguesa, 2000-2002; CHÂTELLIER, L., La Religion racionalidade, de uma lógica e de uma retórica sem número relativo de membros, como pelas instituições
des Pauvres: Les Missions Rurales et la Formation fendas, sem espaço para a dúvida, mesmo que que conseguiu implementar em Portugal e, até, pela
du Catholicisme Moderne XVI e-XX e Siècle, Paris, metódica, irrebatível no plano do combate intelectual. duração mais reduzida da sua actuação pública.
Aubier, 1993; MERCATI, Mons. Angelo, PELZER, Mons. Todo o ensino jesuítico buscava uma capacidade de Parece oportuno lembrar, desde já, estas disse-
Augusto, Dizionario Ecclesiastico, vol. II, Torino, argumentação apodíctica e convincente, que deixaria melhanças, na medida em que alguns dos primeiros
Unione Tipografico – Editrice Torinense, 1955; o seu interlocutor rendido aos argumentos, mesmo oratorianos mais ilustres deveram a sua formação
M ONFORT , Luis Maria Grignion de, O Segredo que estes não tocassem o coração. O inaciano era intelectual e religiosa à Companhia de Jesus, como
Admirável do Santo Rosário, Junqueira (Vila do convidado a usar os mesmos métodos de acção os P.es Bartolomeu do Quental e Manuel Bernardes
Conde), Centro Mariano, 1998; MONFORT, Luis Maria (pedagógica, catequética, concionatória, moral e
Grignion de, Tratado da Verdadeira Devoção à missionária) em qualquer parte do mundo e imutável
Santíssima Virgem, Lisboa, Solidariedade, 1998; durante muitas décadas, a despeito da diversidade
MONFORT, Luis Maria Grignion de, Carta aos Amigos dos seus agentes e daqueles aos quais se destinava.
da Cruz, Vila do Conde, Ed. Monfortinas, 1996; Alguém já considerou o funcionamento da Com-
M ONFORT , Luis Maria Grignion de, O Amor da panhia de Jesus ao trabalho de uma máquina, bem
Sabedoria Eterna, Junqueira, Centro Mariano estruturada e oleada, cuja produção essencial
Monfortino, 1995; MONFORT, Luis Maria Grignion de, independe dos seus agentes imediatos, salvo,
O Segredo de Maria, Fátima, Monfortinos, 1961; obviamente, os dos primeiros tempos, em cuja
MONFORT, Luis Maria Grignion de, Oração Pedindo experiência se baseou a estratégia paulatinamente
a Deus Missionários para a Sua Companhia de Maria, delineada, a partir dos meados do séc. XVI. As Cartas
Guarda, Ed. Monfortinas, 1954; OLIVEIRA, M. Alves Ânuas são disso um testemunho e uma prova
de, “Monfortinos”, in Enciclopédia Luso-Brasileira irrefutáveis, apresentando elas próprias cenários,
de Cultura, vol. 13, Lisboa, Ed. Verbo, 1972; PERROT, meios e modos de acção, sugerindo estratégias,
Luis Salaun, Obras de San Luis Maria Grignion de pedindo conselhos e directrizes precisas. Qualquer
Monfort, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, discordância, no plano da acção ou divergência de
1984; S EGURA , Horácio, Fundação Monfortina ponto de vista entre os padres da Companhia, subia
Portuguesa: Dados Tirados do Arquivo de Casa aos membros hierarquicamente superiores que sobre
Generalícia, Fátima, s.n., 1989; VIEIRA, Manuel, Alguns elas decidiam, sem recurso possível. Assim sendo,
Dados Históricos sobre a Fundação da S. M. M. em a autonomia de cada núcleo encontrava-se limitada
Portugal, Junqueira, s.n., 1989. por natureza, ao menos nas questões mais relevantes
(nos planos jurídico-canónico, disciplinar, filosófico,
NUNO MILHEIRO teológico, por exemplo). O que se decidisse, a partir Bartolomeu Quental (MG)

231
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

ou o próprio Luís António Verney e seu irmão Diogo, romano Fattebenefratelli, o qual se tornava um disponível para a autorizar e mesmo para a patrocinar.
embora estes bastante mais tarde. Aliás, S.to Inácio modelo para este núcleo piedoso e altruísta. Esses Posto ao corrente desta hipótese, o simpático
de Loyola e S. Filipe Néri conheceram-se pessoalmente padres do círculo de Filipe abeiravam-se dos florentino surpreende-se. Para quê mais uma ordem
em Roma, privaram, respeitaram-se. Filipe frequen- peregrinos, acolhiam-nos, confessavam-nos, pro- religiosa se o número destas já era tão elevado?
tava os espaços dos Jesuítas, admirava-lhes a punham-lhes modelos de acção, ajudavam-nos a Além das tradicionais e prestigiadas, constantemente
organização e os planos de acção quase militares, meditar, oravam publicamente com eles num lugar eram propostas novas alternativas, adequadas aos
lia as cartas enviadas do Oriente por S. Francisco próximo da Igreja de S. Jerónimo da Caridade. Esse desígnios do tempo presente e os próprios papas
Xavier, que o emocionavam, e apreciava muito os lugar passou a ser conhecido como o Oratório. as iam sancionando. Para quê, pois, emaranhar-se
frutos temporãos da missionação dos Inacianos já A partir de 1564, nesse espaço foi-se organizando na burocracia do Vaticano se, no final de contas, o
espalhados pelo mundo. Mas a sua sensibilidade uma comunidade de simples clérigos e de leigos, que o núcleo filipino cultiva é a prática de uma
divergia da deles. Dir-se-ia que um, o primeiro, era irmanados nos ideais propostos pelo P.e Néri, vivendo piedade e de uma caridade intuitivas, que falem aos
muito hispânico, basco, muito extremado e obstinado discretamente e com grande simplicidade de meios, sentidos, postas ao serviço das necessidades do
lutador pela prossecução dos seus ideais contra- agindo em total liberdade mútua. O jovem padre quotidiano? Parece-lhes a todos bem o que já existe
-reformistas, enquanto o outro sempre se manifestou começou a ser notado e, como era toscano, foi-lhe e talvez até seja suficiente. Nada, pois, de ceder às
muito intuitivo e alheio a preceitos rígidos, emergindo entregue o encargo eclesiástico da Igreja de S. João sugestões de estabelecer regras ou normas rígidas
nele a afectividade, a caridade e a paciência numa dos florentinos. Foi a partir de então que esse núcleo de vida em comum. Para tal existem muitas
acção discreta, mas constante e também eficaz. se foi sedimentando à roda de algumas práticas alternativas, entre tantas ordens religiosas protegidas
Abeiremo-nos mais de perto dos filhos espirituais diárias: leituras espirituais, meditação individual, pela hierarquia, algumas bem recentes. O grupo
destes últimos. Padres do Espírito Santo ou das diálogos sobre temas propostos, práticas e sermões persegue uma via intermédia que não seja nem
Necessidades (como eram conhecidos em Lisboa), improvisados. Os cânticos não podiam estar ausentes regular, nem totalmente civil, mundana. O lema
Oratorianos, Néris, Filipinos, Congregados (assim desses encontros, pautados pela alegria contagiante, último é a preservação da autonomia e da liberdade
foram eles designados na sociedade e na cultura pelo espírito de bonomia e pela espontaneidade de cada um. Nada de constrangimento, nem de
portuguesa), estes sacerdotes e irmãos constituíram dessa figura atraente e sedutora que era o jovem obediência às imposições taxativas de uma norma
uma sociedade, fraternidade ou família de clérigos padre. As actividades do núcleo foram-se alargando: que tantas vezes obrigam o corpo a actos de rotina,
seculares, da qual excluíram taxativamente os votos além do canto de horas canónicas, sem qualquer mas esquecem a adesão jovial, intuitiva, aos ideais
das ordens monásticas. Por essa razão, nunca eles rigidez de horário, adicionaram-se-lhes as obras de evangélicos mais autênticos. Embora a comunidade
se consideraram uma instituição religiosa strictu misericórdia, tanto corporais como espirituais, continue a aumentar em número e até na qualidade
sensu, como as demais suas contemporâneas. socorrendo os pobres e visitando os enfermos, dos aderentes, o que a caracterizará será o seu amor
O único elo que os ligava e unia profundamente era confortando os presos e amparando espiritualmente mútuo, o sentido de bem-estar colectivo que vai
a caridade mútua, mantendo cada um total liberdade os peregrinos, aconselhando-os, corrigindo-os, invadindo todos os membros. Cada um destes
de acção. Contudo, uma vida em comum exigia mostrando-lhes caminhos rectos. fornecerá ao grupo a originalidade do seu contributo
cumprimento de algumas regras, que eles próprios Durante largos anos, o grupo dinamizado por Filipe individual, irá enriquecendo-o com os dotes do seu
compendiaram meticulosamente, elaborando uns Néri viveu desse modo algo improvisado, livre de génio próprio. Para isso, a fraternidade está aberta
Estatutos aos quais obedeceram ao longo da sua regras fixas, ao sabor das exigências do momento, a todas as achegas individuais em permanência, não
existência. Nesse sentido, a Congregação do Oratório sem se preocupar com o futuro imediato. O que excluindo nenhuma. A sua organização será aberta
constitui uma instituição original e sem equivalente, agrupava os aderentes era uma afectividade o mais possível, “democrática”, no sentido de que
florescendo em países mediterrâneos, católicos, como partilhada pelos valores implícitos, pela proximidade toda a contribuição individual enriquecerá o grupo,
Itália, Espanha, Portugal e até França, embora neste com as pessoas mais carentes, pautando-se a acção que se manterá constantemente permeável à
último se haja manifestado uma instituição algo colectiva por total liberdade de iniciativa. O dina- inovação. Parece evidente que Filipe Néri, contem-
diversa, marcada pelo cunho, pelo génio e pela força mizador do projecto nunca fora um intelectual, porâneo, admirador e bem informado dos ideais dos
centralizadora do Cardeal Pedro de Bérulle, seu alguém que se acorrentasse a uma lógica rígida ou Jesuítas nascentes, não partilhava do seu espírito
fundador e inspirador incontestado. Os modelos a um estilo formal. Nele se reflectia um humor jovial, militante, centralizador, rigidamente organizado.
originados nesses vários espaços estenderam-se a sempre aberto às diferenças. O tempo passava, mas A sua pessoa mostrava-se sempre avessa a normas
outros continentes, a muitas áreas geográficas, da ele não envelhecia nessas manifestações de juventude estritas e a decisões autoritárias, mesmo que legítimas
Ásia e da América, mas seguindo vias próprias, que de espírito que sempre o acompanharia, encantando e bem intencionadas. Rejeita decisões vitalícias de
aqui não consideraremos. os companheiros. Nada de rigores físicos, nem jejuns que cada um poderá algum dia arrepender-se. Prefere
Não podem compreender-se a arquitectura interna ou abstinências frequentes. Austeridade sim, mas o usufruto do exercício de uma liberdade empenhada
e os objectivos dessa confraternidade original, que só interior. Para com o próximo, paciência, bons e permanentemente actuante. Não estão no seu
foi o Oratório, sem se considerar a acção e até a modos, carinho, doçura de procedimento. horizonte nem a profissão de votos perpétuos, nem
figura do seu Fundador, Filipe Néri, mesmo em Nenhuma associação deste tipo podia passar a renúncia aos bens temporais, de que cada um
traços muito largos. O santo, de origem toscana despercebida durante muito tempo. O papa, tendo poderia ir dispondo, como entendesse, na prática
e vivendo em Florença, após uma juventude discreta, ouvido referências e elogios ao que estava a ocorrer quotidiana, exercendo uma caridade activa e eficaz,
tornou-se padre, a partir de 1551. Passando para na cidade, sob a égide de Filipe Néri, sugere que o que conduza ao bem-estar de quem dela beneficie.
Roma, reuniu à sua volta na cidade eterna, desde grupo se estruture de tal modo que permaneça, O clero da segunda metade do séc. XVI, como, aliás,
cedo, um grupo de amigos cujo objectivo era cuidar mesmo para além da duração da vida de seus actuais enfatizaram os participantes no Concílio de Trento,
dos doentes, dos pobres, dos peregrinos que se membros. Se os resultados dessa fraternidade se não primava pela exemplaridade, na sua larga
dirigiam à cidade papal. Impressionou-o muito a apresentavam tão úteis aos homens carenciados e maioria, pelo contrário. Pois bem, os aderentes ao
biografia do português S. João de Deus, que tão adequados a mostrar a cada um uma via de núcleo animado por Filipe deveriam agir como
mandou traduzir para italiano, na qual se narravam realização e de salvação eterna, por que não garantir- dinamizadores de um novo modelo de clérigos,
as obras desse benemérito fundador do hospital -lhe um futuro institucionalizado? Ele estava fervorosos, dialogantes, misturados com o mundo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

envolvente, alegres, solidários, arrastando o próximo surgimento de casas. Estas obedeciam à inspiração arquitectura de base. Inspirado no Oratório Italiano,
pelo exemplo de uma vida simples, mas plena de filipina, por isso mantinham a sua autonomia mútua, também o francês excluia os votos dos seus membros,
sentido espiritual. como queriam os Estatutos. Ainda durante Seiscentos, constituiu-se como associação de padres cujos elos
Continuarão eles a ser padres, mas de vida exemplar, ascenderam a quase centena e meia nos países de ligação assentam na amizade e na confiança
votados à obediência aos bispos e mobilizados para mediterrânicos e seus espaços coloniais, designa- mútuas, renuncia, em grande parte, à vida comum.
o serviço aos fiéis. damente em Itália, Espanha e Portugal. As biografias, O objectivo fulcral da Sociedade consiste no culto
O Papado ficara atento à acção deste grupo de em várias línguas, iam circulando, tornando o santo da vida interior, na meditação, no exercício pleno
homens, quase todos clérigos. Filipe Néri assumiu florentino cada vez mais conhecido do grande do sacerdócio, votado este a uma espiritualidade
o encargo da Igreja de S.ta Maria Novella, em 1575, público. Sabemos que em 1667 se imprimiu em fortemente cristocêntrica. Cristo é o modelo e o
e nessa ocasião Gregório XIII mandou que o Oratório, Lisboa uma Epithome da Vida de S. Filipe Nery, da meio para chegar ao Pai e o padre deverá ensinar
como já era conhecido, se transformasse em con- autoria do P.e João Eusébio, da Companhia de e praticar constantemente este caminho. Apoiado
gregação secular, obrigando-se ele, para tal, a adoptar Jesus, traduzida para português por Baltasar Guedes, sobre o pressuposto do usufruto da liberdade
uma Regra, mesmo que fosse muito simples. fundador do Colégio dos Meninos Órfãos da cidade individual e da democraticidade dos sucessivos
Elaborada lentamente e ao sabor da experiência, ela do Porto, grande devoto de S. Filipe, ao qual erigiu governos, o Oratório francês viveu períodos muito
foi provisoriamente adoptada em 1583. A primeira um altar, o primeiro no reino, segundo as suas difíceis, pelo facto de os seus responsáveis poderem
modificação que lhe introduziram teve lugar em palavras. A grande biografia escrita por um português estar profundamente divididos em relação a questões
1588 e outra, mais profunda, ocorreu em 1595, surgiu em 1738 e deveu-se à pena do erudito Manuel fulcrais, como por exemplo, quanto à posição a
após a morte de Filipe. Assim se elaboraram uns Consciência, Padre do Oratório de Lisboa, que ao assumir perante o Jansenismo ou quanto ao impacto
Estatutos que, em definitivo, regeriam esse grupo referir-se a S. Filipe lhe chama “perfeitíssimo modelo da Bula Unigenitus. Embora muito mais centralizado
de clérigos. Eles impunham-se para que o Oratório do estado eclesiástico”, apontando-o, pois, como do que o modelo italiano, pois se previa um Superior
não morresse. A Congregação perpetuava no tempo um paradigma indiscutível do clero lusitano. Ainda Geral, reunindo-se em Assembleia com elementos
a acção do núcleo filipino. O papa aprová-los-ia em quase a atingir-se os meados do séc. XVIII, continuava de todas as casas, nem sempre as decisões aí
1612, instituindo dessa forma uma nova família viva e actuante a sombra do Fundador do Oratório. assumidas geravam consensos, tornando a vida da
eclesiástica de características muito próprias: os seus instituição algo turbulenta. Cultos, educados, bem
membros não professam votos de qualquer tipo, vestidos e alimentados, usando uma linguagem de
mantêm os seus bens de raiz, podendo recuperá- elevado nível, impuseram-se na sociedade francesa
-los se decidirem abandonar a Instituição, quem como padres de superior formação. O ensino e uma
entra tem de contribuir para o seu próprio sustento. formação rigorosa atraíram a atenção dos bispos
Se não possuir bens próprios, alguém o deve dotar, que lhes entregaram a direcção de seminários
para que não se torne um peso comunitário. respeitados, designadamente em Paris. Pelos seus
Qualquer oratoriano se dedicará preferentemente colégios, que fundaram por imposição papal,
às práticas de piedade pública, como exercícios passaram muitos vultos maiores da França moderna.
espirituais, pregação, meditação, acções de caridade, Bérulle, que fora discípulo dos Jesuítas, temia
confissões e ao ensino. Este destinar-se-á aos próprios concorrer com o prestígio dos seus colégios. Por
membros e também ao exterior, sempre que possível. isso, o Oratório francês direccionou o seu ensino
Dentro de cada casa, organiza-se uma hierarquia para um prisma diverso do jesuítico: os seus alunos
Tribunal da Boa Hora, Lisboa (CLS)
temporária, que se vai renovando, passando os vários prefeririam dedicar-se mais às Ciências da Natureza,
cargos por pessoas em constante rotatividade, o que à experimentação e às Línguas vivas, do que à
assegura ao governo de cada uma um ar democrático O francês, concebido e organizado por Pedro de Filosofia e ao estudo dos Clássicos. Mas a sua
e transitório. Todos obedecem, em conjunto, ao Bérulle, em 1611, inspirou-se em alguns princípios formação era sólida e respeitada. Os seus alunos
Bispo ou Ordinário do Lugar, oferecendo-lhe os seus filipinos, mas distanciou-se deles, logo desde o início. brilhavam no meio em que se inseriam, as elites
préstimos e meios de acção pastoral. Também ele quis estabelecer uma sociedade de procuravam os seus colégios e ouviam-nos. O seu
Outro Oratório se inspirou neste, mas seguiu um padres seculares, cultos, exemplares, que se prestígio tornou-se indiscutível em finais do séc.
rumo diverso: o de Nápoles, com visibilidade a partir dispusessem a auxiliar os bispos na sua acção pas- XVII. Como se referirá, ele influenciou o português,
de 1584. Como quis imprimir um rumo mais toral. Mas a sua personalidade quase se opunha à ao menos a nível pedagógico-didáctico, embora de
centralista, quase monástico e regular à sua acção, de Filipe Néri. Era um aristocrata, um intelectual forma subtil. A querela jansenista dividiu profun-
desligou-se do de Roma, isto é, do filipino propria- reflexivo e escrupuloso, de formação muito sólida damente o Oratório Francês do séc. XVIII, começando
mente dito. Já em vida de Filipe, as divergências e nos planos filosófico e teológico e um diplomata na a cavar a sua ruína. Pelos bancos dos seus colégios,
as tensões se acumularam entre ambos. Mas a forma de actuar. Diríamos que quase em tudo era passaram, como também sucedeu em Portugal,
ruptura definitiva ocorreu em 1596, logo a seguir o reverso de S. Filipe. Sério, sisudo, bom organizador, numerosos adversários dos Jesuítas e muitos corifeus
à morte do jovial florentino. Este acedeu aos altares apreciava em extremo o exercício da autoridade que dos princípios do liberalismo napoleónico finisecular.
com enorme rapidez: em 1595, faleceu; em 1612, considerava essencial para manter uma sociedade Observemos, seguidamente, como emergiu o
foi beatificado e, em 1622, mereceu a canonização. bem estruturada e eficaz. Diríamos que este Oratório Português, limitando-nos a evocar as suas
Daí em diante, o Oratório proliferou com espantosa intelectual e jurista respeitado (viria a ser cardeal) linhas essenciais. Uma questão pertinente radicará
rapidez. Começaram a circular as biografias de Filipe contrastava com o gosto do improviso, a jovialidade na tentativa de se apurar desde quando eram o
Néri. A mais antiga foi escrita logo em 1600 por contagiante, a bonomia e a afabilidade de Filipe Oratório e Filipe Néri conhecidos na Península Ibérica.
Gallonio, amigo e colaborador de S. Filipe. Em latim, Néri, no qual tudo era intuição, afectividade, despren- Dada a união de coroas e a estreitíssima ligação da
em italiano ou em castelhano, foram-se sucedendo dimento. Após várias tentativas, Bérulle conseguiu monarquia filipina a Roma, não será ousado afirmar
as impressões destas Vidas, que circularam por entre a aprovação da sua Instituição, em 1613, embora que tanto em Espanha como em Portugal, a vida e
a elite espiritual do séc. XVII, impulsionando o ela fosse posteriormente retocada no respeitante à a obra de Filipe Néri ecoaram quase no imediato.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

Atestam-no as biografias desde logo traduzidas ou Chegou a Lisboa com 16 anos de idade. Preferiu
mesmo escritas em castelhano, através das quais é matricular-se em Filosofia em Évora, onde se inscreveu
possível constatar que o clérigo florentino privava no Real Colégio das Artes, por razões que se
com altas figuras da vida pública de Espanha, apreciava desconhecem. Tornou-se, a partir de então, um
muito a música sacra peninsular, admirava os seus discípulo dos Jesuítas. Teve a sorte de encontrar
santos ou os que para a santidade se encaminhavam, aí um mestre distinto que muito o marcou, o P.e
como S. João de Deus, S. Francisco Xavier, S.to Inácio Diogo Fernandes. Professor e discípulo entenderam-
de Loyola, e lia autores espirituais espanhóis, como -se perfeitamente e o talento do jovem foi-se
Fr. Luís de Granada. A sua proximidade ao que era manifestando. Sem qualquer percalço no plano
peninsular explicará a luzida embaixada que o Rei de escolar, de comportamento exemplar, Bartolomeu
Igreja dos Congregados, Estremoz (DB)
Espanha enviou a Roma, para se incorporar no acto mereceu que no livro de assentos da universidade,
da canonização de S. Filipe, em 1622. ao fazer o exame para bacharel, fosse lavrada a
Sabemos que em Lisboa, junto do espaço cortesão, conhecidos, pela piedade e magnanimidade, pois aprovação per omnes et optime. Como estudante,
existia, desde data incerta, uma congregação de seu avô, Fernando do Quental, havia oferecido o merecera colocar o seu nome entre os melhores.
sacerdotes, que se reuniam periodicamente sob sua terreno para a construção do Mosteiro de N. Sr.a da Três anos mais tarde, a 18 de Maio de 1647, requereu
invocação. Contudo, em 1664, no Porto foi-lhe Esperança de Ponta Delgada, além de outras doações e prestou exame público para Mestre de Artes ou
dedicada uma capela na qual, naturalmente, estava em dinheiro. Sua mãe, Ana do Quental Novais, Filosofia. Um ano mais tarde, a 30 de Junho, obtém
a respectiva imagem. Baltasar Guedes assim informa faleceu quando Bartolomeu era ainda criança. o grau de Doutor em Filosofia, com idêntico
o público: “em este anno lhe fiz a sua Capella, e Educaram-no dentro dos parâmetros da tradição brilhantismo, visto ter sido aprovado per omnes et
Imagem que foy o primeiro Altar que teve neste religiosa e social das famílias portuguesas: catolicismo cum maxime laude.
Reyno”. O homem que dedicou a sua vida à recolha, fervoroso, dentro do modelo tridentino e prática da Não param aqui os seus estudos. Matricula-se no
educação e formação dos órfãos portuenses, via no caridade para com os mais pobres. Desde muito curso de Teologia da mesma universidade, como
santo florentino um modelo de clérigo activo, cedo o impressionou a crassa ignorância na qual colegial do Real Colégio da Purificação, cujo acesso
altruísta, caritativo, atento às necessidades físicas vivia a esmagadora maioria da população rural era reservado apenas aos melhores. Aí permaneceu
dos seus contemporâneos e ainda um modelo de portuguesa, que ele observava directamente em três anos, findos os quais passou para a Universidade
virtudes, como a paciência, a tolerância, a compreen- Fenais da Luz, onde nascera. Foi educado nas escolas de Coimbra. Aqui residiu durante dois anos, entregue
são humana. Por isso o cultuava tanto. Conseguiu locais, apresentando-o todos os biógrafos como um ao estudo e à vida interior. Despertara nele a vocação
implementar na Cidade Invicta uma congregação aluno atento, disciplinado, vivo, inteligente, bom eclesiástica e a ela acedeu. Recebeu as primeiras
ou simples fraternidade de seculares, contando mais latinista e muito devoto. Como era habitual, logo ordens sacras em 1652 e começou a pregar aos seus
de 2000 pessoas, de ambos os sexos, cujos elos de que teve consciência de que sabia mais do que os colegas universitários, para o que havia demonstrado
união eram a oração pública e a mental, a frequência seus condiscípulos, prontificou-se a ajudá-los, excepcionais qualidades. A fama de orador sacro
dos sacramentos e a confissão frequente. Está, pois, ensinando-lhes letras e doutrina. Partilhava com eles notável alargou-lhe horizontes e ele começou a ser
fora de dúvida que, desde os inícios da segunda as alegrias da sabedoria que professores e livros lhe convidado para pregar cada vez mais longe, até na
metade do séc. XVII, S. Filipe Néri concitava sobre proporcionavam. Cerca dos 12 anos, acabava o currí- Corte. O P.e António Vieira tornara-se, nesse tempo,
si cada vez mais atenções e devoções, tanto de culo da gramática (latina). Que futuro o esperava? o orador sacro por excelência, mas Bartolomeu do
clérigos como de leigos, de homens e mulheres. Ficar em S. Miguel com os irmãos mais velhos ou Quental não desmerecia de honrosas referências.
Alastrava o culto à figura modelo de clérigo devotado partir para o continente para prosseguir os estudos? Começava a tornar-se uma referência da parenética
ao bem do próximo, em clima de cidadania plena, O direito de deslocação para Lisboa pertencia a seu portuguesa da época. Em 1652, pela mão do Bispo
de liberdade e de fraternidade. Filipe Néri era irmão mais velho, Pedro de Matos Quental, o qual, de Targa, D. Francisco de Sotomaior, tornou-se
apresentado como um exemplo daquilo que poderia como morgado, herdaria a casa paterna e desem- Presbítero. Abria-se nova fase da sua vida, a qual o
ser suficiente para cativar a sensibilidade do homem penharia um alto cargo na administração insular, já haveria de projectar largamente no panorama
português, aliando a simplicidade e uma vida alegre como bacharel, após frequência da universidade português, como espiritual, como organizador, como
aos ideais de um Cristianismo humanista e solidário. portuguesa. A situação interna portuguesa era tensa. fundador.
Como já referimos, o Oratório Português passou a Portugal recuperara a independência em 1640, de Bem preparado intelectualmente, com liberdade de
ter personalidade jurídico-institucional a partir de facto. Não, porém, de direito. A guerra continuava movimentos, o jovem presbítero lança-se na acção
1668 (16 de Julho). Para que tal sucedesse, foi acesa com Espanha e haveria de durar, carregando pastoral, tanto urbana como rural. Nesse séc. XVII,
necessário percorrer um longo caminho, o ambiente político-social. Mas o pai dos jovens, o meio mais adequado para conquistar almas parecia
ultrapassando múltiplos obstáculos. Ele ficou indele- Francisco de Andrade Cabral, estava disposto a arcar ser a missão no interior do país, através da qual os
velmente ligado à personalidade e à obra de com as despesas de enviar o filho mais velho para seus responsáveis mostravam acreditar nos mistérios
Bartolomeu do Quental, sem cuja tenacidade e o continente, para que ele ascendesse na escala do catolicismo e os fiéis predispunham-se a deixarem-
influência o Oratório não teria passado de uma social, cursando a universidade. Mandou preparar- -se influenciar, acreditando também eles naquilo que
espécie de confraria (ou fraternidade), tanto de -lhe o enxoval e avisou parentes e amigos que, em os pregadores lhes propunham. As missões internas
eclesiásticos, como de leigos. Sigamos os traços mais Dezembro de 1643, Pedro viajaria rumo a Lisboa tornaram-se uma forma de combate espiritual
relevantes dessa figura pública e da sua acção para cursar Filosofia e, depois, Direito. No dia eficacíssimo, com resultados imediatos e mobilizaram
persistente e coroada de êxito. marcado para o embarque, a 4, o jovem Pedro recu- os melhores espíritos do tempo. Quental também a
Quental é um produto típico da época barroca sou-se a partir. Perante o embaraço da situação e elas se lançou, logo no início da segunda metade
portuguesa. Nascido nos Açores, em S. Miguel, a para se não perder tudo o que já havia sido pago, de Seiscentos. Através delas percebeu as enormes
22 de Agosto de 1627, era o quarto filho de uma outro irmão substituiria o mais velho. Qual? carências do povo cristão, que também outros
família de classe média nobilitada. Os seus ascen- Bartolomeu, que para isso se ofereceu imediata- missionários famosos, como Fr. António das Chagas,
dentes, com posses materiais, já se haviam tornado mente. A oferta foi aceite. denunciavam, de forma veemente. O povo, sobretudo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

rural, precisava de ser evangelizado, catequizado, aderentes começaram a juntar-se numa dependência Os irmãos constavam de uma lista inscrita no livro
cristianizado a fundo, sem dúvida. Mas o clero não da capela real, chamada Tesouro Velho, que a rainha de matrículas e dividiam internamente as tarefas,
necessitava menos de uma reconversão, de uma viúva concedera aos associados, transformando-a como as de Secretário, Tesoureiro, Zeladores,
profunda consciencialização dos seus deveres de em oratório. Monitores, Enfermeiros. Cada congregante se
estado. Quental imaginava e reflectia sobre o que Cedo se iniciaram as práticas de caridade, isto é, o obrigava a meia hora diária de oração na igreja, a
poderia fazer para ajudar o próximo a aperfeiçoar- socorro dos mais carenciados, e os irmãos que participar nos exercícios dos domingos e dias
-se, fosse ele simples fiel ou até clérigo. Estava compunham essa fraternidade começaram a ser santificados, a jejuar, a confessar-se, a prestar culto
disponível. Aguardaria as indicações que os aconte- conhecidos por Congregantes. Neles se inspiraram a Nossa Senhora. Além disso, recebia um escrito no
cimentos vividos lhe fossem proporcionando. irmandades fortes que, mais tarde se espalhariam qual estava elaborado um código ético exigente:
Continuava a sua missão evangélica no continente, pelo país. Os congregantes do Porto, por exemplo, fornecer bom exemplo, não murmurar do próximo,
mas soube que estava vaga e a concurso a Igreja evitar o jogo, ajudar os necessitados. Um congregante
de N. Sr.a da Estrela, em Ribeira Grande, Açores. ainda se deveria distinguir por outro traço específico:
Concorreu, fez exame em Lisboa e nela foi promovido a renúncia a manifestações barrocas exuberantes,
por unanimidade, em 15 de Abril de 1654. Tomou preferindo a elas a discrição e o recato. Pelo que se
posse através de um procurador, como era habitual, conseguiu apurar com base nesta associação por-
mas pouco depois renunciou ao benefício, sem que tuense, pode afirmar-se que a prática da irmandade
se soubesse a razão. Interessaram-no mais as missões, redundou num evidente apoio da acção pastoral
urbanas ou rurais. Pregava com entusiasmo, con- dos padres congregados.
fessava e continuava a frequentar a igreja dos Voltemos à presença de Bartolomeu do Quental. Tal
Jesuítas, seus mestres e amigos. A fama das suas como o seu modelo italiano, Filipe Néri, ele
virtudes fizeram-no conhecido e estimado e D. João IV, desdobrava-se em actividades tendentes a manter
a 22 de Outubro de 1654, nomeou-o Capelão e a incrementar o núcleo de piedade que reunia à
Confessor e seu Pregador extranumerário. Contava sua volta. Para além da oração e da prática das
apenas 27 anos de idade e tornara-se uma figura obras de misericórdia temporais, o núcleo visitava
pública. Aproveitou o meio e o prestígio do seu o Noviciado da Companhia de Jesus ou o dos
cargo para organizar um núcleo de piedade regular Teatinos e os Capuchinhos Franceses. Em ambiente
e bem direccionada, de que sobressaía a oração de convite à reflexão, lia-se uma passagem sagrada,
mental. Durante quase cinco anos, exerceu que Quental completava com recurso aos exemplos
intensamente a sua acção pastoral, tanto no meio hauridos das vidas dos santos, tão ao gosto dos
cortesão, onde contactou com os mais altos fiéis. Os que eram clérigos aproveitavam para rezar
dignitários do reino, como nas paróquias à roda de em comum as horas canónicas, enquanto os leigos
Lisboa. As lutas surdas, o ambiente carregado após se instruíam ouvindo algum pregador ou glosavam
a morte de D. João IV, em 1656, quase o fazem um texto escolhido. Estes comportamentos,
enojar-se. Projecta dedicar-se inteiramente às missões, catalizados por Quental, mantiveram-se até 1668,
indo mesmo para o Brasil, onde o escutariam com ano em que nasceu o Oratório propriamente dito,
Igreja dos Congregados, Porto (DB)
mais proveito. Em 1657-1658, procurou congregar como já referimos. Este mais não foi do que uma
todos os clérigos e capelães da Corte, prescrevendo- associação voluntária de clérigos seculares, que
-lhes exercícios, horas de oração, leitura, práticas sendo leigos, assumiram um modelo idêntico ao das continuaram a dispor da sua liberdade individual,
devotas. Já que o impediam de ir para o Nordeste irmandades, ou confrarias, quase como uma Ordem mas que, dispondo dos seus bens, resolveram viver
brasileiro, donde acabavam de ser expulsos os holan- Terceira, dedicando-se à oração, individual e colec- em conjunto, estabelecendo para isso regras fixas,
deses e onde era urgente recatolicizar a população, tiva, mas dispensando particular auxílio ao próximo, a que chamaram Estatutos. Quando Quental saía
então dedicar-se-ia inteiramente à conversão das através da prática das obras de misericórdia. de Lisboa para se dedicar às missões interiores,
almas no interior do país. Optaria pelas missões O modelo para esta irmandade, que os Estatutos entregava a direcção do núcleo de piedade a um
como meio privilegiado de provocar um choque do Oratório Português, a que nos referiremos de amigo, como foi o caso do influente Nicolau
violento nas consciências adormecidas, sem, contudo, seguida, consagram no seu n.º 10, radicava nas Monteiro.
esquecer o núcleo que já congregara, a partir da Companhias do Amor Divino, existentes além Entre 1664 e 1667, o país era sacudido por uma
própria Corte. Aperfeiçoar os conhecimentos e fronteiras, desde os finais do séc. XV. Filipe Néri crise interna gravíssima que opunha os dois filhos
revigorar a espiritualidade dos clérigos parecia-lhe adoptou-as e os responsáveis portugueses seguiram- de D. João IV e que a história reconheceria sob o
a tarefa mais digna e urgente. E se bem o pensou, -lhe os passos. Os Congregantes aceitavam como o nome de D. Afonso VI e D. Pedro II. Ambos lideravam
melhor o executou. Em 1659, instituiu uma congre- lema de acção: oração de horas fixas, visita aos grupos fortes de cortesãos e de nobres, cujas cabeças
gação de sacerdotes, dedicada a N. Sr.a das Saudades, doentes, aos presos, às sete igrejas e vida sacramental davam pelos nomes de Castelo Melhor e Cadaval.
com horas de exercícios programados, aberta ao intensa. Teoricamente abertos a qualquer preten- O Infante D. Afonso e o seu séquito tornaram-se
público. Muniu-se das respectivas licenças, que dente, exigiam-se cláusulas de ingresso, por uma objecto de rejeição por parte dos apaniguados de
alcançara, elaborou-lhe uns Estatutos, nos quais se questão de funcionalidade: morar no espaço urbano, D. Pedro, que tudo faziam para garantir o trono
contemplavam oração mental, disciplinas, confissão bom comportamento certificado por testemunhos, para seu irmão. Os escândalos e as denúncias
e comunhão, práticas espirituais, visitas aos hos- parecer favorável do assistente eclesiástico, frequência redundaram num clima de crise moral que os
pitais e às catedrais e outros exercícios. Os aderentes de uma espécie de estágio provatório. Nenhuma pregadores denunciavam com vigor. Entre estes
não faltaram e, para que nada se perdesse, foi pedida exigência de contribuição material para ingresso se contava-se Bartolomeu do Quental. Como pregador
para essa associação autorização papal, que previa, embora se aceitassem dádivas voluntárias da capela real caiu para o lado de D. Pedro.
Alexandre VII confirmou. Sempre em crescendo, os para sustentação do culto e para práticas de caridade. Inconformado com os rumos do governo liderado

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

pelo Conde de Castelo Melhor, abandonou inquebrantável do ilustre açoriano. Ele sabia o que nota um espírito mais centralista, mais organizador
ostensivamente a Corte e partiu para o árduo pretendia: uma instituição de padres seculares, livres que o do italiano. Quental desejava independência
trabalho das missões. Entretanto, a actividade do de votos, cultos, dinâmicos, exemplares, sujeitos à de casas, mas união em pontos essenciais, corpo-
Oratório secular, misto de clérigos e simples fiéis, hierarquia local, verdadeiras molas da transformação rizada na figura de um Geral. Este assumiria compe-
continuava a sua missão benemérita, minorando as da imagem do clero nacional. Poderia adoptar, tências nos planos administrativo e disciplinar, e
mazelas provocadas pelos episódios da guerra da literalmente, os Estatutos italianos de S. Filipe e tudo representaria, no exterior, toda a Instituição. Essa
restauração e pela miséria que se acentuava na se encontraria facilitado. Porém, ele conhecia os vertente veio a ser consagrada na aprovação do
capital. Em 1667, ocorreram mudanças decisivas: D. seus concidadãos e sabia que a um entusiasmo Apêndice, por Roma, em 1693, i. e., um pouco mais
Afonso VI foi deposto, o grupo de Castelo Melhor sincero e exuberante dos primeiros tempos sobreviria tarde. Contudo, há um aspecto que os oratorianos
esvaziado de poder, e D. Maria Francisca solicitou o relaxamento e a frouxidão. O povo português portugueses consagraram e no qual se distanciavam
a nulidade do seu casamento, emergindo, em necessita de ser enquadrado e sentir-se pressionado de ambos os modelos. Foi na música. Esta tanto na
definitivo, o então Infante D. Pedro. para agir de forma adequada e continuada. Por isso, instituição romana, como na francesa, era incen-
Bartolomeu já havia optado por este último. Retirava ele pensou na elaboração de uns Estatutos próprios, tivada, cultivada, reconhecida como um auxiliar
o seu núcleo de oração e de acção organizada da adaptados à formação e ao génio da grei nacional. portentoso da magnificência que o culto divino
Corte e pensou que a única maneira de o fazer Para isso se inspirou, directa e inequivocamente, deveria assumir. Em Portugal, não. O canto
sobreviver pelos tempos fora seria “o de algua nas Regras de funcionamento do Oratório Romano. recomendado era gregoriano e tolerava-se alguma
clausura, em que alguns assistissem fazendo costas, Porém, desde o início, percebeu que não podia cedência ao gosto barroco pelas festas, armações,
e pondo peitos a este serviço do Senhor”. Alguns adaptá-los in totum, como confessou em carta para músicas instrumentais. Não se incentivava, porém.
passos burocráticos eram inevitáveis. Decidiu pô-los os seus colegas da cidade eterna. Ele pretendia Noutros pormenores, como na auto-responsabilização
em marcha e “tratei de pedir licensa ao prelado e continuar filipino, desejava alcançar para o seu pelas missões exteriores, pela postura perante o
a El-rei”, como recordou mais tarde, em carta de Instituto as graças, privilégios e isenções daquele ensino aberto ao exterior, pela substituição (ou não)
18 de Janeiro de 1669. Nascia, de forma quase que o papa aprovara para Roma e para outras casas dos párocos locais, em caso de urgência, pela
imperceptível, a Congregação do Oratório propria- espalhadas pela bacia mediterrânica, como Espanha, reclamada independência total face às autoridades
mente dita, embora a sua autorização formal só mas havia algumas modificações próprias para eclesiásticas locais (bispos ou curas), os três modelos
viesse a ocorrer em Julho de 1668. Como sucedera Portugal, que se tornaram incontornáveis. Implorava de Oratório são diferentes, reflectindo as diferenças
na Roma de S. Filipe, ela viveria para que o Oratório, o apoio dos seus irmãos italianos de roupeta para psicológicas, espirituais e culturais dos respectivos
núcleo de piedade e de caridade altruísta, pudesse a causa nobre que era dilatar o espírito e o culto Fundadores. Uma coisa é o espírito inicial, outra
continuar indefinidamente. de S. Filipe. Pedia para que os Estatutos, que meti- poderá ser a prática, em contextos diversos. E tal
O passo decisivo para que esta Associação de padres culosamente redigira, fossem aprovados ad instar sucedeu. Enquanto Quental foi vivo, a sua força
seculares fruísse de uma personalidade jurídico- dos de Roma. Batia-se por casas autónomas entre mobilizadora e centralizadora manteve-se. Morto
-institucional definitiva passava pelo seu reconhe- si, com governo trienalmente eleito, portanto ele, nenhum outro geral ou visitador dispunha da
cimento canónico e, para isso, pela elaboração de contrariando qualquer centralismo permanente, mesma autoridade. O seu sucessor, P.e José do Vale,
uns Estatutos, ou, então, pela adopção, pura e isentas da interferência dos párocos das freguesias bem recomendou algumas observações mais estritas
simples, de alguns já autorizados pela hierarquia. em que se situassem e até dos bispos, embora ou mudanças. Ninguém o ouviu e cada casa passou
A isso se votou Bartolomeu do Quental, de alma e funcionando sob a sua autorização. Conhecendo o a observar os Estatutos ou o seu Apêndice de acordo
coração, com uma determinação, a roçar a teimosia, espírito dos Oratórios Romano e Francês, ele escolheu com as decisões dos seus responsáveis internos, que
mas também com astúcia e clareza de análise. uma via mista, porquanto lhe repugnavam todas as assentavam na sua interpretação momentânea. E aí
Solicitou ao Cabido de Lisboa, uma vez que a Sé liberdades italianas, desajustadas ao espírito lusitano, residia uma das fraquezas internas do Oratório
estava sem bispo, autorização para a fundação. mas igualmente o centralismo autocrático berulliano. Português, a qual poderia também alavancar a sua
Consegui-lo-ia em Janeiro de 1668, bem como a O seu modelo preferia total independência de grandeza, pois permitia um aggiornamento cons-
do regente, que surgiu em Março. Encontrou-se um núcleos, mas a existência de um Prelado supremo tante, como o que se verificou nos planos pedagó-
lugar adequado para que os irmãos leigos e agora interno, eleito em Assembleia representando cada gico-didácticos, por exemplo.
os clérigos congregados se conseguissem instalar, casa, que unificasse, em última instância, algum Seguimos, embora em traços largos, as circunstâncias
mesmo no centro da cidade, de acordo com a desvio do rumo desejável. Nisso diferia, de facto, e as vias conducentes à génese, programação e
vocação urbana da Instituição nascente. Fora um da instituição romana, aproximando-se da francesa, afirmação do núcleo base do Oratório. Está fora do
antigo teatro, o Pátio da Comédia, mas recebera mas, em todo o resto, seguia-lhe as orientações. nosso propósito poder ou tentar seguir-lhe a tra-
obras de adaptação. Já se iniciara a clausura E tanto isso foi entendido que, a 16 de Março de jectória mais marcante ao longo da sua existência,
oratoriana propriamente dita, a 16 de Julho desse 1671, o Papa Clemente X, pelo Breve Ad Pastoralis i. e., até 1834, data em que a extinção das corpo-
ano de 68. Discreta, mas firmemente, se erigia a Dignitatis Fastigium, aprovou e confirmou a rações ou instituições religiosas masculinas as liquidou
Congregação, cujo futuro ninguém vislumbrava. Congregação de Lisboa, mas exigia-lhe a observância a todas. Para que tal desígnio pudesse ser viável,
Os fundadores lançaram mutuamente a respectiva dos Estatutos romanos. Se Bartolomeu do Quental exigir-se-ia um estudo global que cobrisse toda a
roupeta, negra para os sacerdotes ou irmãos já rejubilava pelo reconhecimento, amargurava-o, em cronologia activa, alargando-se desde a década de
aceites, parda para aqueles que, a partir de então, silêncio, a não aprovação da sua proposta. Por ela 60 do séc. XVIII até meados do séc. XIX, porque
seguissem um ano de provação, ou Noviciado. Nesse iniciou uma luta tenaz e duradoura. Esta viria a ser muitos liberais da primeira geração se confessaram
momento supremo, não passavam de quatro, sendo coroada de êxito. A 24 de Agosto de 1672, novo seus discípulos, como exprimiu abertamente
três deles presbíteros. Constituíram os alicerces da breve pontifício reconhecia os seus Estatutos in forma Alexandre Herculano, ao elogiar-lhes os métodos e
Congregação dos Clérigos do Oratório de Nossa speciali. A partir de então, fazia sentido falar-se de a eficácia de ensino. Por enquanto, ele não existe,
Senhora da Assunção. um verdadeiro Oratório Português. Este demarcou- em perspectiva global e unificadora, embora alguns
Faltava delinear-lhe a arquitectura interior, tarefa -se do italiano sobretudo num Apêndice, acrescentado trabalhos recentes e muito recomendáveis tenham
que absorveu todo o génio, perspicácia e vontade aos Estatutos, deles fazendo parte integrante. Aí se abordado alguns períodos cruciais da sua existência,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

estações do ano, os tempos canónicos, as tarefas a renovando idêntica decisão em 1747, que, em 1755,
empreender e o tempo previsível para as realizar. foi alargada às demais casas, onde o ensino era
Prescrevia-se também o tempo de repouso, como gratuito.
as férias de Verão, do Natal, da Páscoa, as quintas- Ora, tal decisão só pôde assentar num prestígio
-feiras, salvo se este dia fosse santificado. Os irmãos evidente da Instituição, sobretudo na Casa de Lisboa.
padres, cuja actividade se voltava para o aperfeiçoa- Foi, pois, no período joanino que o Oratório
mento pessoal através da assistência e disponibilidade Português alcançou o auge do seu prestígio, alar-
para todo o cristão, dentro e fora de casa, dispunham gando-se até geograficamente, com a autorização
de uma programação quotidiana muito mais flexível. da abertura de um hospício, para apoio cultural, em
Bastava-lhes despertar, comer, rezar e deitar em Monção, no extremo norte do país. Conhecem-se
comum. Dispunham de todo o outro tempo a seu ainda insuficientemente os conteúdos das bibliotecas
arbítrio, sem qualquer obrigação de coro. A liberdade que lhes pertenceram, excepto duas, a saber, a da
Palácio das Necessidades, Lisboa (DB)
de auto-iniciativa permitia a cada um a entrega Casa de Braga e a do Porto. Ambas revelaram uma
constante a tarefas para as quais haviam sido eleitos
ao tratarem de Teodoro de Almeida ou de António trienalmente ou engolfarem-se em universos mentais
Pereira de Figueiredo, entre outros. Dentro dos limites continuados, como voltarem-se para a ciência, para
que nos impusemos há ainda, contudo, algo a referir. a jurisprudência, para o ensino, para a preparação
Comece-se pela sua difusão. Além de duas casas de textos para os seus discípulos, para o apoio
em Lisboa, a primeira no Chiado, sob a invocação constante aos membros de irmandades erectas nas
do Espírito Santo, e a segunda nas Necessidades suas igrejas ou, simplesmente, para irem respondendo
(1755), onde se encontra instalado o Ministério dos aos casos, fossem de consciência, de direito, de
Negócios Estrangeiros, abriram-se outras em Freixo filosofia, de teologia ou de moral.
de Espada à Cinta, no Porto, em Braga, em Viseu O leitor já se terá questionado sobre o período de
e, por último, em Estremoz, estas entre os anos de ascensão e de eventual declínio desta associação
1672 e 1697. Portanto, o impulso gerador arrancou fraterna de clérigos (irmãos leigos e padres) e das
nos anos 60 e terminou em 97, o que significa que, razões que lhe subjazem. A nosso ver, o Oratório
em comparação com outras instituições, durou Português afirmou-se em período de crescimento e
pouco. Não se limitou, contudo, ao litoral (Lisboa e de euforia da sociedade portuguesa, coincidindo
Porto), mas avançou para o interior (Freixo, Braga, com a dinamização das trocas coloniais brasileiras
Estremoz). Houve também casas oratorianas em e o afluxo do ouro, ao mesmo tempo em que da
Pernambuco e em Goa. Aí, os Estatutos adoptados Europa sopravam ventos de renovação científica e
foram diferentes, seguindo-se à risca o modelo pedagógica, que comummente designamos como
italiano. Por essa razão, nem Bartolomeu do Quental, pré-iluminismo e de que se tornou emblemática a
nem os seus sucessores consideraram essas obra de Luís António Verney. Na verdade, a ascensão Convento dos Congregados, Braga (DB)
instituições como congéneres das continentais. do Oratório coincidiu entre nós com o auge do
Reconheciam-lhes um espírito idêntico, mas achavam- Absolutismo, que, através da magnanimidade régia,
-nas alheias ao universo português metropolitano. sempre o protegeu (casos de D. Pedro II e de seu notável abertura às novas correntes culturais, tanto
Houve até com a instituição pernambucana um filho D. João V), embora a sua estrutura interna se no plano filosófico, como científico-pedagógico e
conflito, baseado na adopção do modelo romano. pautasse por uma “democraticidade” muito própria. ajudaram a entender as razões da preferência de
Para se poder penetrar no seu espírito, será ade- Durante finais do séc. XVII e toda a primeira metade muitos alunos pelas suas aulas públicas. O seu
quado seguir ainda a divisão do tempo, mesmo do século seguinte, o Oratório contribuiu decisi- magistério foi-se tornando um alfobre de sementes
esquematicamente. Cada casa, em pleno funciona- vamente para a afirmação de um novo paradigma que foram desabrochando na sociedade portuguesa.
mento, albergava três categorias de pessoas, a saber, de clérigo: culto, rigoroso, aberto aos fiéis, desin- Nomes? Eis alguns apenas: Alexandre Herculano,
os noviços ou pretendentes, que durante um ano teressado dos benefícios temporais e em sintonia Silvestre Pinheiro Ferreira, D. Manuel do Cenáculo
envergavam uma roupeta parda ou cinza, os irmãos com os novos rumos da ciência. Foi, para isso, Vilas Boas, os Irs. Diogo e Inácio Barbosa Machado,
já aceites, que vestiam de negro, e os estudantes, necessário ir conquistando o respeito e a benevolência Luís António e Diogo Verney, João Baptista de Castro,
tanto internos, como externos. Os cargos previstos da elite cultural lusitana. Isso assentava na sua cada José Anastácio da Cunha, António Dinis da Cruz e
nos Estatutos dividiam-se por todos, mas alguns vez mais relevante acção pedagógica, de que temos Silva, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato,
incumbiam apenas a uma das categorias de conhecimento, de forma súbita, em 1717, quando Ribeiro dos Santos e tantos, tantos outros. Dois
membros, como o de Prepósito, a quem se exigia D. João V estendeu aos alunos dos oratorianos o destes teceram os maiores elogios aos seus mestres
ser sacerdote, antigo e de prudência, saber e virtude privilégio da entrada directa na Universidade. Até oratorianos: João Baptista de Castro e Alexandre
provada. Poderia recorrer-se a assalariados externos então, isso competia apenas aos alunos dos jesuítas Herculano. Este último, como tantos dos liberais da
para o desempenho de algumas tarefas. O ritmo da do Colégio das Artes, o que estes estranharam primeira geração, manteve sempre ao longo da vida
vida, no que toca aos aspectos comuns, aplicava-se vivamente, protestando. Surpreenderam-se digni- uma quase veneração pela seriedade dos métodos
a todos, como os horários de levantar, deitar, comer, dades como D. Nuno da Cunha ou o Duque do e a modernidade das matérias versadas na Casa
recreação, exercícios de piedade, estudo, confissões, Cadaval, fazendo pressão sobre o círculo régio, o das Necessidades, antigo hospício doado aos
missas. Mas contemplava-se também a especificidade que redundou na supressão do privilégio (1724). Oratorianos em 1745, de que tomaram posse em
de tarefas, como estudo público, pregação, missio- Contudo, foi por pouco tempo, uma vez que o 1750, mas que só funcionou em pleno a partir de
nação, visitas às cadeias e aos hospitais. A flexibilidade monarca decidiu mesmo, anos mais tarde, tornar 1755, onde se formou o seu senso crítico e se
de horários era contemplada de acordo com as definitiva a sua decisão de 1717. Fê-lo em 1725, enrijeceu o seu carácter. Não se conhecem, a não

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

ser em casos pontuais, as listas de matrículas dos Figueiredo: Erudição e Polémica na Segunda Metade de D. João V e de D. José. As relações entre Sebastião
seus alunos. Mas ignoram-se críticas pertinentes aos do Século XVIII, citados na bibliografia. Por si só, José e a Congregação iniciaram-se, pois, da forma
rumos que imprimiam aos seus estudos. Os seus eles provaram como foi profícuo o panorama cultural mais auspiciosa. A borrasca foi-se avolumando a
alunos tornaram-se os mais abalizados testemunhos no interior da Congregação do Oratório no seu partir de 1760, precipitando-se rapidamente. Nesse
da sua modernidade. período de pujança. ano, o P.e Teodoro de Almeida foi desterrado para
Refira-se, em testemunho da verdade, que o Oratório Este auge coincidiu com o final do reinado de D. o Porto, donde seguiria para Espanha e França,
Português, de início, não previa a organização de João V e manteve-se com algum vigor até aos inícios enquanto outros dos seus colegas se viam alvo da
currículos regulares abertos aos jovens, internos ou do séc. XIX, uma vez que as Invasões Francesas, a mesma pena: João Chevalier ocultou-se na Casa de
externos. Ao nascer, o Oratório via-se envolvido pelo partir de 1807, e a saída da Corte para o Brasil já Freixo de Espada-à-Cinta, enquanto João Baptista e
prestígio e pela armadura pedagógica, coerente e redundaram num rude golpe. As adesões ao Oratório Clemente Alexandrino rumaram ao Hospício de
sólida, montada pelos Jesuítas. Parecia que o haviam diminuído desde a década de 60 de Monção, bem junto à fronteira para, se fosse
panorama e o espaço português se encontravam Setecentos, mas foram recuperando lentamente, necessário, se passarem para Espanha. Recordemos
totalmente cobertos. Além disso, na mentalidade mesmo depois da Revolução de 1820. Contudo,
portuguesa eclesiástica de elite, duas correntes de desde o governo de D. Maria I, a partir de 1777,
opinião se confrontavam. Por um lado, a mais os ventos não sopravam de feição para as
rigorosa e pessimista entendia que o que salva o congregações. O Liberalismo, a que a maioria dos
homem não será a Ciência, mas sim a Fé. Pouca Padres Néris não era afecta, embora haja honrosas
Ciência e muita Fé propugnavam os seus arautos. excepções, quando triunfou, desconfiou deles e
Para crer talvez até seja prejudicial exercitar muito cobiçou-lhes os bens. A extinção, em 1834, redundou
a inteligência, importando mais exercitar a vontade. na morte definitiva da Congregação, que jamais deu
Todos os luxos – e a ciência pode ser encarada como mostras de se poder reerguer. Os Oratorianos foram
tal – devem secundarizar-se. Nesta corrente de dispersos e, como não havia qualquer autoridade
opinião alinhou o doce e espiritual P. e Manuel central legítima e agregadora, foram desaparecendo,
Bernardes, com ele concordando Bartolomeu do embora deixando rasto em muitos casos nas
Quental nos primeiros tempos. Porém, o rodar dos associações científicas existentes ou em outras.
anos foi mostrando como sem uma estrutura Lembre-se o caso do P.e Joaquim Dâmaso, a quem
intelectual sólida ninguém pode conduzir o seu se referiu Santos Marrocos nas cartas enviadas do
semelhante ao caminho da verdade, a qual se Rio de Janeiro a seu pai, o qual se deslocou com a
confunde com o próprio Deus. Combater a ignorância Corte para o Brasil, como bibliotecário e de lá
significava retirar aos inimigos do homem cristão os regressou, após 1821, trazendo consigo muitos dos
seus eventuais argumentos. Se Deus é verdade, esta manuscritos confiados à sua guarda e entregando- Convento de S. Filipe Néri, Freixo-de-Espada-à-Cinta (DB)
confunde-se com a luz. Desterrar o poder das trevas -os na Real Biblioteca da Ajuda. Dâmaso morreria
é evangelizar até à medula humana. durante as lutas liberais, em Junho de 1833, sendo
Bartolomeu do Quental disso bem se apercebeu membro da Academia das Ciências e um discípulo que, em 1759, os Jesuítas haviam sido expulsos e
através das missões rurais. Aceitou progressivamente querido de Teodoro de Almeida. Deste ficou rasto; que, portanto, a situação político-institucional criara
a inevitabilidade de o Oratório organizar o seu próprio da maioria, não. um clima tenso. Os Inacianos dispunham de muita
ensino, tentando, contudo, evitar qualquer concor- Nesta abordagem de síntese à acção e à imagem influência, sobretudo junto da nobreza tradicional.
rência com as ordens religiosas existentes. Foi a sua do Oratório Português não pode escamotear-se um Que motivação terá provocado tamanha violência
abertura cada vez mais clara à influência pedagógica, período em que ele esteve prestes a ser fulminado do ministro para com esses oratorianos e, por
inspirada a partir da França setecentista, à aceitação pelo poder político, com o qual durante quase sempre extensão, para com a Congregação? Sigamos
dos dados da ciência experimental, à montagem de viveu e conviveu em paz e cooperação estreita, algumas pistas. Uma destas assume um carácter
gabinetes de observação e de repetição, à aliança mesmo sob D. Miguel. Protagonizou a fúria contra eminentemente político. O Intendente Geral da
da matemática com a lógica, à colecção de materiais a Congregação o Marquês de Pombal. Tentemos Polícia, Inácio Ferreira Souto, publicara, em 1760,
de vários tipos e procedências, que despertaram a perceber com que linhas se urdiu esse novelo de uma obra de conteúdo fortemente regalista, Tractatus
curiosidade das novas elites cultas e catapultaram intrigas e mal-entendidos, tão gravosos para a de circunscripta potestate regis, na qual discorria
a sua fama pedagógica. Desde a abertura do hos- Instituição e pior ainda para alguns dos seus sobre o poder régio em relação aos eclesiásticos. Aí
pício, depois Casa das Necessidades, que nobres, membros. Parta-se da certeza de que, de acordo se fazia a mais despudorada apologia do poder
militares, estudiosos de todo o tipo o frequentavam, com os fundamentos do Iluminismo europeu, com absoluto do rei em domínios até então reservados
assistindo nos seus gabinetes a experiências os quais contactara directamente em Londres e em ao foro eclesiástico. O conteúdo do escrito teria sido
motivadoras. Na pedagogia, os Oratorianos tornaram- Viena de Áustria, Pombal, ao aceder ao poder em inspirado pelo próprio Pombal. A obra não logrou
-se vanguarda, tanto em métodos como em 1750, aspirava modernizar as estruturas do país, o beneplácito dos censores oratorianos, sobretudo
conteúdos, contribuindo decisivamente para a que considerava inadequadas ao desenvolvimento. João Baptista e Teodoro de Almeida. O grande
modernização da sociedade contemporânea. Da E foi-lhe conferido poder para isso a partir de inquisidor D. José, meio-irmão do rei, que havia sido
pena dos seus membros saíram alguns escritos mais Novembro de 1755. Ele conhecia de perto a acção discípulo de Fr. Gaspar da Encarnação, pessoa da
marcantes da cultura portuguesa de sempre. Referir- da Congregação do Oratório, que, aliás, apreciava máxima confiança de D. João V, recusou o bene-
-se-ão, por uma questão de equidade, os trabalhos muito. plácito para a publicação do livro, considerando-o
recentíssimos dedicados a dois desses vultos O início da sua carreira política ascensional deveu- lesivo para os direitos dos eclesiásticos e contrário
emblemáticos do Oratório setecentista, a saber: -se, em boa parte, à intervenção e influência do às tradições culturais do país. Para evitar a sua
Literatura e Espiritualidade na Obra de Teodoro de oratoriano P.e Domingos Pereira, antigo Prepósito circulação e castigar o seu autor, enviou dois
Almeida (1772-1804) e Padre António Pereira de (Superior) da Casa de Lisboa, muito escutado junto familiares do Santo Ofício para que prendessem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS

Ferreira Souto e confiscassem os seus papéis. Eram seus confrades, obteve o perdão destes e regressou de Teoria do Conhecimento. Muitos deles cursaram,
eles o Conde de S. Lourenço e o Visconde de Vila também ao seu convívio, onde morreria, embora depois, Direito na universidade, tanto civil, como
Nova de Cerveira. A Inquisição, dirigida por um semi- nunca se tenha retratado, como alguns pretendiam. canónico. Dessa forma, o Oratório esteve presente,
-irmão do monarca, julgava dispor de toda a força A Congregação continuou a imprimir os seus pró- ao mais alto nível, na formação da juventude
e legitimidade. Alertado para o que se passava, prios manuais, a ensinar cada vez mais em língua portuguesa da Época Moderna, sintonizando-se com
Carvalho e Melo reagiu, furiosíssimo. Mandou vernácula, a retomar o ensino experimental das as correntes do Iluminismo triunfante. Parece justo
prender imediatamente os dois meninos da Palhavã, ciências, como fizera nos primeiros anos do governo afirmar que, dentro da Congregação, se abriram as
D. José e D. António, exilando-os para o Buçaco, josefino, nos quais o rei e o seu círculo a honravam portas ao racionalismo contemporâneo, perspectiva
assim como os dois titulares, desterrando-os para com a sua presença. Agora, na Academia das que não acolheu unanimidade entre todos os seus
Trás-os-Montes. No decurso do processo que se Ciências, os seus membros voltavam à ribalta, tendo membros. Nos últimos tempos da sua existência
seguiu, ouviu-se dizer que Sebastião José pretendia Teodoro de Almeida proferido o discurso da sua assistiu-se a alguma polémica interna, sem, contudo,
afastar do monarca todas as pessoas de juízo, como abertura. As perturbações políticas do final do ela extravasar, com repercussão assinalável, para o
esses nobres, enviados para longe, e muitos padres governo Mariano é que travaram essa recuperação exterior. Nenhum juízo de valor nos parece legítimo
das Necessidades, i. e., dentro da Congregação do sistemática, embora algum vácuo deixado pelos emitir perante o leitor. Este, com a independência
Oratório da capital havia um núcleo de padres Jesuítas, mormente ao nível da orientação e isenção indispensáveis, elaborá-lo-á em consciência.
prestigiados que se opunham à orientação política pedagógica, lhe tenha proporcionado novo fôlego. O nosso objectivo maior foi fornecer-lhe elementos
do ministro. Se os não conseguiu atrair a si pelas Para além da abertura filosófica, simbolizada na de análise. Tê-lo-emos conseguido, ao menos no
ideias, calá-los-ia pela força. Claro que nem todos acção do P.e João Baptista, mesmo moderada, e no que se relaciona com a inspiração primordial do
assim pensaram. Sebastião José dispunha de um recurso à crítica das fontes, à história como meio Oratório?
aliado fortíssimo, também ele filho da instituição de aprender a relativizar certezas, à apologia de um
filipina. Chamava-se António Pereira de Figueiredo, Cristianismo “iluminado” em que Razão e Fé se BIBLIOGRAFIA: A NDRADE , António Alberto B. de,
dono de uma espantosa erudição e de uma das mais harmonizam, evitando, desse modo, o constran- Contributos para a História da Mentalidade
brilhantes inteligências do século. Assim se constata gimento e a rotina, os seus discípulos finisseculares Pedagógica Portuguesa, [Lisboa], Imprensa Nacional-
que, durante o governo pombalino, a Congregação encontraram nos padres do Oratório mestres afáveis, -Casa da Moeda 1982; ANDRADE, António Alberto
se cindiu internamente. Em período de vigência do esclarecidos, prontos a ajudarem à formação do seu B. de, A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários,
despotismo esclarecido podia ter-lhe sido fatal essa carácter, incutindo-lhes valores, mas respeitando- 2 vols., Coimbra, Por ordem da Universidade, 1981-
independência de pensamento. Pombal terá, aliás, -lhes a personalidade. Foi essa a imagem mais forte -1984; ANDRADE, António Alberto B. de, Vernei e a
proposto a D. José a extinção da Congregação, que deles ficou. Não podemos cair no exagero de Cultura do Seu Tempo, Coimbra, Universidade de
redigindo o próprio decreto que, após a morte do sugerir sequer que os Oratorianos foram os únicos Coimbra, 1965; DIAS, José Sebastião da Silva, “O
soberano, foi encontrado entre os papéis para (ou os maiores) responsáveis pela adopção de novas ecletismo em Portugal no século XVIII: Génese e
despacho. Não o conseguiu, mas a Instituição sofreu correntes de pensamento. Não. Outros também destino de uma atitude filosófica”, in Revista
as maiores violências durante o consulado pombalino: merecem esse aceno. Bastará para isso ler, por Portuguesa de Pedagogia, Nova série, Ano VI,
fecho de lugares de culto, proibição da entrada de exemplo, as memórias do antigo agostinho José Coimbra, Universidade de Coimbra, 1972; DIAS, José
noviços, impedimento de renovação dos seus Liberato Freire de Carvalho. Mas o seu contributo Sebastião da Silva, A Congregação do Oratório de
governos, levando ao incumprimento do articulado parece indesmentível. Dele deram testemunho Lisboa: Regulamentos Primitivos, Coimbra, s.n., 1966;
dos Estatutos. Pombal augurou-lhe a morte por insuspeito muitos dos seus antigos discípulos. Falta DIAS, José Sebastião da Silva, Correntes do Sentimento
asfixia, o que não viria a conseguir. Claro que a ainda um estudo global sobre toda a acção cultural Religioso em Portugal (Séc. XVI-XVIII), 2 vols.,
justificação pública para tanta discricionariedade do Oratório que se inicie em 1668 e se conclua em Coimbra, Inst. de Estudos Filosóficos, 1960; DIAS,
invocava outros argumentos: o tratamento menos 1834, ou mesmo depois. José Sebastião da Silva, Portugal e a Cultura Europeia
respeitoso fornecido pelos padres das Necessidades (Séc. XVI-XVII), Coimbra, Universidade de Coimbra,
aos filhos de Sebastião José, aí internados para 1953; DOMINGUES, Francisco Contente, Ilustração e
estudar, a ligação umbilical de muitos oratorianos Catolicismo: Teodoro de Almeida, Lisboa, Edições
à alta nobreza, proscrita após o atentado contra D. Colibri, 1994; G IRONDON , Jean, Lettres du Pére
José, como os Távoras e, ainda, algumas devoções Bartolomeu do Quental a la Congregation de
que os Néris continuavam a corporizar e que o círculo L’Oratoire de Braga, Paris, Fundação Calouste
governativo considerava obscurantistas. Gulbenkian/Centro Cultural Português, 1973; SANTOS,
Conhecem-se os nomes dos principais opositores Cândido dos, Padre António Pereira de Figueiredo:
oratorianos a Pombal e constata-se que o litígio que Erudição e Polémica na Segunda Metade do Século
os opôs ao ministro abriu feridas profundas que XVIII, Lisboa, Roma Editora, 2005; SANTOS, Cândido
ainda estavam abertas em vésperas da extinção, em dos, “António Pereira de Figueiredo e a Aufklärung:
1834. Mas, ao iniciar-se o governo de D. Maria I, Ensaio sobre o regalismo e o jansenismo em Portugal
com o Marquês destituído e afastado da Corte, na segunda metade do século XVIII”, in Revista de
regressou a acalmia administrativa. Voltaram a ser História das Ideias, vol. 4, t. 1, Coimbra, Universidade
admitidos noviços (ou irmãos), retomaram-se as de Coimbra, 1982; SANTOS, Eugénio dos, “Pombal
Convento dos Néris, Viseu (DB)
eleições trienais, reabriram-se os lugares de culto e os Oratorianos”, in Camões: Revista de Letras e
dentro dos horários habituais, continuaram os estudos Culturas Lusófonas, n.os 15 e 16, Lisboa, Instituto
com regularidade e passaram a ser discutidas Sabemos que muitos milhares de alunos passaram Camões, 2003; SANTOS, Eugénio dos, O Oratório no
Conclusões em público. Passara a tormenta, podendo a frequentar as suas aulas, elaboraram teses Norte de Portugal: Contribuição para o Estudo da
regressar os desterrados às suas casas. Pereira de filosóficas, abarcando questões de Física, de Química, História Religiosa e Social, Porto, Instituto Nacional
Figueiredo, que se havia afastado do grémio dos de Astronomia, de Geometria, de Botânica, de Ética, de Investigação Científica/Centro de História da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS DE GOA

Universidade do Porto, 1982; SANTOS, Zulmira da C. presença de uma grande massa de religiosos vindos Tomás, onde foi ordenado Padre em 1676. Era
T. G. M. C., Literatura e Espiritualidade na Obra de da Europa. Na verdade, era ali que se concentravam, considerado um clérigo competente, bom pregador
Teodoro de Almeida (1722-1804), Porto, Texto pois o número dos que eram “lançados” em acção e tinha sido vigário de vara na missão do Canará por
policopiado/Faculdade de Letras do Porto, 2002. missionária era sempre inferior ao dos que povoavam três anos. Foi ele que tomou a seu cargo vincular a
as várias instituições clericais da cidade. A integração iniciativa dos clérigos goeses que se haviam reunido
EUGÉNIO DOS SANTOS do clero nativo de Goa na estrutura eclesiástica na Igreja de S.ta Cruz dos Milagres aos Estatutos da
definida para o Oriente constituía um ponto sensível Congregação do Oratório de Lisboa, enviando
nas relações entre o clero europeu e o “canarin”, solicitação ao próprio P.e Bartolomeu do Quental,
ORATORIANOS DE GOA resultado da contradição do processo de cristianização Fundador da Congregação em Portugal. Importante
A Congregação do Oratório da Santa Cruz dos promovido pelos portugueses na Índia. Neste lembrar que as principais características dessa con-
Milagres de Goa é também denominada de processo, o âmbito da acção evangelizadora não se gregação eram o ideal de difusão de uma nova vivência
Milagristas de Goa, Congregação do Oratório de limitava à conversão dos locais, já que fomentava da espiritualidade e práticas religiosas marcadas por
São Filipe Néri de Goa, Congregação da Cruz dos com igual empenho a formação de um clero uma vida austera e virtuosa – com destaque para as
Milagres, Oratorianos de Goa, Congregação dos arregimentado entre os convertidos daquela socie- missões –, além da assistência aos necessitados. Deve-
Milagristas do Beato Padre José Vaz. dade, opção que resultava num crescente número -se destacar também que os Oratorianos não juravam
A formação da Congregação do Oratório da Santa de religiosos seculares não-europeus, que depois se votos, como geralmente acontecia com as outras
Cruz dos Milagres tem origem em 1682, quando viam confrontados com a extrema dificuldade em instituições religiosas, cumprindo apenas os vínculos
quatro padres seculares – Pascoal da Costa Jeremias, exercer a sua vocação devido à exiguidade de cargos da mútua caridade e amor em Cristo, conforme os
José Cabral, Simão Vaz e José da Silva, brâmanes eclesiásticos que lhes era permitido ocupar. regulamentos do Oratório de Lisboa, e vivendo em
naturais de Margão, da região de Salcete, terra firme comunidade. Esta opção faz com que não possam
de Goa – se recolheram na Ermida de S. João do ser tidos como uma ordem religiosa. No caso de Goa,
Deserto, situada no monte da Freguesia de esta especificidade vai ser entendida como um caminho
Guadalupe das ilhas de Goa. Note-se que a origem viável para o clero secular de origem brâmane, que
dos padres é Salcete, portanto a sua formação através dela recupera o prestígio social e a influência
religiosa provavelmente foi da responsabilidade dos nos círculos de poder numa reprodução do sistema
Jesuítas, uma vez que essa região de Goa tinha de castas que a cristianização tinha comprometido.
sido atribuída aos cuidados evangélicos dos A fundação da Ordem Terceira Carmelita Claustral,
Inacianos desde 1555, o que explicará a motivação em 1750, é outro exemplo de organização religiosa
por trabalhos de característica missionária que a goesa, que integrava exclusivamente membros da
nova Congregação pretendia desenvolver. No ano casta dos chardós.
seguinte, a ermida em que se encontravam teve de É certo que o P.e Vaz percebeu os pontos de confluên-
ser desocupada devido à destruição que sofrera no cia entre a iniciativa dos religiosos brâmanes goeses
P.e José Vaz (arquivo particular)
período das chuvas e por estar numa região muito e as orientações gerais da Congregação Oratoriana,
ameaçada por ataques do marata Sambagi, inimigo daí a solicitação encaminhada a Lisboa. Quental
da presença portuguesa. Foram abrigados pela Igreja A formação de um clero nativo constituía-se como provavelmente viu nessa iniciativa o atendimento da
de S.ta Cruz dos Milagres em 1684, por iniciativa algo fundamental para a obra de conversão, e sua preocupação com uma política de expansão
dos irmãos da confraria dessa igreja. Nessa altura, também era útil do ponto de vista prático, uma vez missionária dos Oratorianos, assim como reforçava
três dos padres fundadores abandonaram a iniciativa que, devido ao domínio das línguas locais, os clérigos sua expectativa de valorização do clero secular. A sua
– José Cabral, Simão Vaz e José da Silva –, tendo naturais da terra tinham maior acesso aos recém- resposta foi enviada em Março de 1687 e concor-
os lugares deixados em aberto sido preenchidos por -convertidos. Por outro lado, nesse mesmo período dava em que José Vaz guardasse os Estatutos da
outros clérigos seculares que se agregaram ao P.e percebe-se no reino um processo de valorização dos Congregação do Oratório de Lisboa. Apesar da
Pascoal da Costa Jeremias, também brâmanes como critérios de pureza de sangue, que impregnou toda pronta resposta, devido aos procedimentos burocráticos
os primeiros: Custódio Leitão, Bernardo Coutinho e a lógica da sociedade portuguesa, desde colocações necessários, somente em 1691 a Congregação goesa
José Vaz, com destaque para este último, que se nos cargos da administração do rei até a instalação começou a ser regulada pelos Estatutos do Oratório
tornará o nome mais importante da Congregação. do Tribunal do Santo Ofício. Em geral, as ordens de Lisboa. De 1682 até essa data, regeu-se por um
Desde meados do séc. XVI, quando recrudesceu a religiosas hesitaram inicialmente em obstar a entrada estatuto da comunidade religiosa que, na verdade,
acção evangelizadora na Índia portuguesa, nota-se de indianos e de mestiços, mas com o tempo tratava-se mais de um horário.
uma série de iniciativas por parte das autoridades acabaram por recusar qualquer admissão desse tipo, Em Goa, a iniciativa ganhou a aprovação de um
civis e eclesiásticas para a cristianização das ou a restringi-la muito fortemente. Dessa forma jesuíta, Francisco Simões, que em 1690 recebeu das
populações hindus desses territórios. A prática dos entende-se que a criação de uma congregação autoridades eclesiásticas locais a incumbência de
baptismos em massa, a fundação de seminários, a exclusivamente goesa, especialmente formada por a avaliar. Simões emitiu um parecer favorável à
legislação restritiva às práticas religiosas hindus, o brâmanes, tenha sido um importante aspecto no fundação do Oratório em Goa. Apesar dessa
aparato visual dos edifícios religiosos, as confrarias processo de cristianização de Goa e evidencia uma aprovação, Vaz não encontrou apoio imediato do
e as procissões, tudo fazia parte de um projecto de alternativa para resolver a pressão existente devido Arcebispo, D. Fr. Agostinho da Anunciação, por
construção da Cristandade no Oriente, um projecto à constante formação de clérigos seculares na Índia. questões relacionadas com a jurisdição eclesiástica.
de afirmação da civilização europeia que, em contacto O já citado José Vaz é um singular exemplo disso. Outro jesuíta, o P.e Francisco de Souza, foi quem
com as arreigadas tradições das culturas locais, Nascido em 1650 ou 1651, filho de Cristóvão Vaz aconselhou os Padres da Santa Cruz dos Milagres
lançou mão desses inúmeros instrumentos. Em Goa, e Maria Miranda, brâmanes, todos naturais da aldeia a remeterem as suas pretensões directamente a
cabeça da Cristandade no Oriente devido ao seu de Sancoale em Salcete, estudou no Colégio dos Roma, contornando desta forma o poder eclesiástico
papel de centro administrativo eclesiástico, havia a Jesuítas e depois no colégio dominicano de S. local.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORATORIANOS DE GOA

para desenvolver missão na região. Foi então ideias liberais, tendo contribuído grandemente para
nomeado Vigário Geral da ilha pelo Bispo de Cochim a afirmação da “intelligenzia” goesa. Por isso,
e com isso reorganizou a igreja católica cingalesa, geralmente são relacionados à fracassada Conjuração
promovendo um número considerável de baptismos. dos Pintos, de 1787, que contou com a participação
Como reconhecimento dos seus trabalhos apostólicos de mais de uma dúzia de clérigos predominan-
no Ceilão, surgiu a iniciativa de beatificação do P.e temente brâmanes, militares e estudantes goeses,
Vaz. O processo foi inicialmente enviado a Roma entre outros, e que tinha o objectivo de desapossar
em 1742, tendo sido anulado pelo Papa Bento XIV, os portugueses do governo da Índia para, a partir
por não ter cumprido algumas formalidades, e daí, fundar uma república. Foi denunciada na fase
devolvido a Goa, onde acabou por se extraviar no inicial de discussão e sofreu uma violenta repressão.
meio da extinção da Congregação do Oratório da Os principais líderes dessa conjura foram os P.es José
Santa Cruz dos Milagres de Goa, em 1835, uma vez António Gonçalves e Caetano Francisco de Couto,
que seus arquivos se perderam. Foi finalmente brâmanes, formados no seminário de Chorão, ou
beatificado pelo Papa João Paulo II, em 1995. seja, tiveram a sua formação ligada à pedagogia
Além do já citado P.e José Vaz, outros oratorianos oratoriana, além de terem bons contactos com
goeses tiveram destaque: José Carvalho; Miguel de representantes do Oratório de Portugal e Itália.
Melo; Jácome Gonçalves (que entrou para a O Decreto de Joaquim António de Aguiar de 28 de
Congregação em 1700 e em 1709 foi missionário Maio de 1834 extinguiu em Portugal, Algarve, ilhas
no Ceilão; escreveu mais de 40 volumes em cingalês, adjacentes e domínios portugueses, todos os
tâmil e português); e Sebastião do Rego, conhecido conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer
como o “Vieira indiano” por causa dos seus textos, casas de religiosos de todas as ordens regulares
entre os quais se destacam Cronologia da masculinas, qualquer que fosse a sua denominação,
Congregação do Oratório, de 1743, e Vida do instituto ou Regra. Esta lei, porém, excluía os
Venerável Padre José Vaz, de 1745; saiu dos Oratorianos, que só viram a sua situação definida
Oratorianos e foi para os Teatinos em 1749. a 22 de Julho do mesmo ano, facto que pode ser
As casas dos Oratorianos em Goa, em meados do interpretado como um testemunho da dificuldade
séc. XVIII, eram a Igreja de S.ta Cruz dos Milagres e do poder político em enquadrar a Congregação. No
o Convento de N. Sr.a do Monte Castelo (que lhes entanto, somente a 14 de Janeiro de 1835, com a
fora entregue após a saída dos Carmelitas Descalços chegada do Prefeito do Estado da Índia, Bernardo
de Goa, em 1739). Há notícias de que por essa Peres da Silva, nomeado por D. Pedro IV, foi
época já eram em número de cerca de 70 membros. concretizada a efectiva extinção das ordens religiosas
Imagem do P.e José Vaz (arquivo particular)
Às já citadas missões em Goa e adjacências, Sul da masculinas no Oriente, que também atingiu os
Índia (missões em Solapor e Canará – Igreja de S. Oratorianos de Goa. Ao contrário de outras ordens,
Finalmente, em 1698, o arcebispo concedeu a licença Salvador de Onor; e no Bispado de Cochim chegaram como por exemplo, os Jesuítas e os Franciscanos,
para a fundação da Congregação do Oratório em a ter aproximadamente 40 igrejas, hospitais e os Oratorianos não se reimplantaram em Portugal
Goa, fazendo algumas alterações nos Estatutos no ermidas) e Ceilão, somou-se a de Timor, desenvolvida e seus domínios.
sentido de consolidar a jurisdição do arcebispado. a pedido do Rei D. João V em 1738. Importante
Em 1703, o Rei de Portugal, D. Pedro II, enviou um ressaltar que os trabalhos missionários no Ceilão BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Memórias para a História
alvará autorizando o funcionamento da Congregação. cabiam exclusivamente aos Oratorianos de Goa, que Eclesiástica de Goa e Missões da Ásia, BNP, Res.,
Em 1706, o Papa Clemente XI concedeu a aprovação foram responsáveis por consolidar em condições Microfilme F. 3085. Impressa: ALMEIDA, Fortunato
para que os Padres da Santa Cruz dos Milagres muito adversas uma comunidade católica de milhares de, História da Igreja em Portugal, vols. 2 e 3, Porto,
adoptassem os mesmos Estatutos que os Oratorianos de pessoas. Atingiram várias outras regiões do Portucalense, 1967; AZEVEDO, Carlos Moreira (dir),
de Lisboa, sem as modificações impostas pelo Oriente, tais como, Madagáscar, Indonésia e África Dicionário de História Religiosa de Portugal, 4 vols.,
Arcebispo de Goa, sendo este considerado o ano oriental. Interessante notar que às vésperas da Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de
da sua fundação propriamente dita. Uma provisão extinção das ordens religiosas, em 1835, os padres História Religiosa da Universidade Católica, 2000-
de D. João V, de 1709, confirmou a decisão papal, do Oratório de Goa conseguiram autorização da -2001; BOXER, C. R., As Relações Raciais no Império
além de colocar a Congregação sob protecção real. Santa Sé para passar a maior parte das missões do Colonial Português: 1415-1825, Porto, Afrontamento,
A princípio, os Padres da Santa Cruz fizeram alguns Ceilão para a jurisdição da Propaganda Fide, ficando 1988; DOMINGUES, Francisco Contente, Ilustração e
trabalhos missionários em Goa, Bardez e Salcete, e apenas as missões de Colombo, Nagombo, Manaar Catolicismo: Teodoro de Almeida, Lisboa, Edições
no Canará, mas o esforço maior e de verdadeira e Mantote ligadas ao padroado português. Colibri, 1994; FARINHA, António Lourenço, A Expansão
repercussão foi feito no Ceilão, actual Sri Lanka – Além dos trabalhos de missionação, os Oratorianos da Fé no Oriente: Subsídios para a História Colonial,
o domínio dos holandeses tinha debilitado a de Goa também se destacaram na educação, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1943; ISHAQ,
missionação católica na ilha –, para onde foi o próprio especialmente após a expulsão dos Jesuítas dos Vivien Fialho da Silva, Catolicismo e Luzes: A
José Vaz, que inicialmente fora o primeiro propósito domínios portugueses (1759), quando assumiram a Congregação do Oratório no Mundo Português –
da Congregação goesa, mas resignou ao cargo em formação do clero local ao ficarem responsáveis Séculos XVI-XVIII, Tese de Doutoramento na
1686 para ir em missão para aquela ilha do Índico, pelos seminários de Rachol – que a partir de 1762 Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004; LOPES,
onde morreu em 1711, após 24 anos de intenso foi estabelecido como seminário diocesano com o Maria de Jesus dos Mártires, Goa Setecentista:
trabalho evangélico. O P.e Vaz disfarçou-se de men- título de Bom Pastor, por ordem do Arcebispo de Tradição e Modernidade, Lisboa, Centro de Estudos
digo e, depois de passar por grandes dificuldades, Goa, D. António Taveira de Neiva Brum, e de Chorão. dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa/
acabou por conseguir a permissão do Rei de Cândia Também são considerados importantes difusores de Universidade Católica Portuguesa, 1996; MERCATI,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORDEM FRANCISCANA SECULAR

Ângelo (ed.), NUNES, M. da Costa, Documentação criou um movimento antieclesiástico. Passado o de S. Boaventura (Ministro Geral de 1257 a 1274)
para a História da Congregação do Oratório de Santa primeiro momento de surpresa no meio de Assis, a já se organizavam em províncias, à semelhança do
Cruz dos Milagres do Clero Natural de Goa, Lisboa, vida pobre e a pregação sincera do humilde filho que acontecia na Primeira Ordem, a dos Frades
Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1966; de Pedro Bernardone atraíram discípulos. O exemplo Menores. Não há dúvida que a união faz a força,
PELZER, Augusto (dir.), Dizionario Ecclesiastico, 3 vols., e a palavra de um e de outros provocaram enorme não obstante a autonomia e a criatividade deixada
Torino, Unione Tipográfico, 1955; OLIVEIRA, Artur impacto nas multidões, ao ponto de muita gente às instituições particulares, muito dentro do jeito de
Manuel Villares Pires de, As Ordens Religiosas em querer abraçar o ideal evangélico assim vivido. S. Francisco, que não era de estruturas rígidas.
Portugal nos Princípios do Século XX, Porto, A semente lançada iria produzir sazonados frutos. Finalmente, pela Bula Supra montem, de 18 de
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1994; A forma de vida dos Frades Menores foi aprovada Agosto de 1289, de Nicolau IV, um Papa que antes
REGO, Sebastião do, Vida do Venerável Padre José por Inocêncio III em 1209. Passados três anos, no fora Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores,
Vaz, Edição Comemorativa do 250.º aniversário da Dia de Ramos de 1212, agrega-se ao movimento foi solenemente aprovada a Regra de 1221, com as
morte do venerável P. e José Vaz, Goa, Imprensa franciscano a formosa e nobre Clara de Assis, que, sucessivas redacções que foi tendo ao longo desses
Nacional, 1962; ROCHA, Leopoldo da, As Confrarias inspirada por Francisco, funda o ramo das Damas 68 anos. A 14 de Novembro de 1289, reuniram-se
de Goa (Séculos XVI-XX): Conspecto Histórico- Pobres ou Damianitas, denominadas Clarissas a em Bolonha todos os irmãos terceiros da Itália e
-Jurídico, Lisboa, Centro de Estudos Históricos partir da canonização da Fundadora em 1255. organizaram os primeiros Estatutos Gerais, destinados
Ultramarinos, 1973; SANTOS, Eugénio dos, O Oratório Em Canara, não longe de Assis, depois de fervorosa à melhor observância da nova Regra, centrada na
do Norte de Portugal, Porto, Instituto Nacional de pregação de Francisco, toda a gente queria ser frade santificação pessoal, com uma vida social e uma
Investigação Científica, 1982; THOMAZ, Luís Filipe F. menor, ou dama pobre. O realista pregador entende orgânica a condizer.
R., De Ceuta a Timor, Lisboa, Difel, 1998. que as famílias não se podem desfazer, que a
secularidade possui os seus valores e o que interessa
CARLA DELGADO DE PIEDADE sobremaneira é responder ao projecto de vida
CÉLIA CRISTINA DA SILVA TAVARES evangélica onde quer que nos seja dado viver. Terá
surgido em Canara o primeiro esboço da Ordem
Franciscana Secular. Idênticos fervores viram-se em
ORDEM FRANCISCANA SECULAR Poggibonsi, em Faenza e na próspera e bela cidade
A Europa meridional agitava-se, nos sécs. XII e XIII, de Florença. Para essa gente sedenta do Evangelho,
por aspirações renovadoras de base religiosa. No o Poverello escreveu a Carta a todos os fiéis, cuja
geral, porém, tratava-se de movimentos antiecle- primeira redacção datará de cerca do ano de 1215.
siásticos, dado que a Igreja, nas suas cúpulas, se Nela ergue alto apelo à penitência (em grego
deixava dominar em demasia por riquezas temporais. metanoia), uma palavra carregada de sentido bíblico,
O retorno à pobreza evangélica era o mote; a rebelião utilizada por S. João Baptista, por Jesus Cristo e por
Igreja e Sede da Ordem Terceira, Ponte de Lima (JEF)
degenerava em heresia. Houve excepções: os S. Pedro nos seus primeiros discursos programáticos.
Humiliatas da Lombardia, por exemplo, meio leigos, É que a penitência significa a capacidade que o
meio religiosos, obtiveram Estatuto aprovado pela homem tem de melhorar a sua vida de relações com O primeiro período da história da Ordem Franciscana
Santa Sé entre 1198 e 1201. Deus e com o próximo. Eis algumas das palavras de Secular abrange o tempo que decorre da sua
Francisco de Assis experimentou idêntica aspiração ordem do Pai Seráfico: “Devemos observar os instituição pelo Fundador, por volta de 1215, até à
renovadora mediante a pobreza evangélica, mas preceitos e os conselhos de Nosso Senhor Jesus sua aprovação por bula pontifícia, em Agosto de
procedeu dentro da obediência à hierarquia. Não Cristo”; “Não devemos ser sábios e prudentes 1289. Durante este tempo, a Ordem Franciscana
segundo a carne, mas ser simples, humildes e puros, Secular nasce para a vida pública e nela conquista
sem desejar nunca ser exaltados acima dos outros”. um lugar próprio e definitivo. Citemos os nomes da
Os tempos evoluíram e Francisco compreendeu a Princesa S.ta Isabel de Hungria (m. 1231), de S.ta Rosa
necessidade de compor uma Regra para os Irmãos de Viterbo (m. 1251), de S. Fernando III, Rei de
e as Irmãs da Penitência, no que foi ajudado pelo Castela (m. 1252), de S. Luís IX, Rei de França (m.
Cardeal Hugolino, futuro Papa com o nome de 1270). Destes dois reis duvida-se da profissão, ainda
Gregório IX. Destinava-se fundamentalmente a que certamente levaram vida de perfeição sob a
casados, sem excluir os célibes e os clérigos. A tal direcção dos Frades Menores. Segundo uma
Regra ficou com o nome de Memoriale Propositi, tradição multisecular, o Beato Luquésio de Poggibonsi
aprovada no Capítulo Geral do Pentecostes de 1221, (m. 1260), lavrador e depois comerciante, e sua
o célebre Capítulo das Esteiras, em que participou esposa Buonadonna terão sido os primeiros a receber
também o nosso S.to António de Lisboa. Essa Regra o hábito de terceiros e das próprias mãos de S.
irá ter novos desenvolvimentos em 1228, graças à Francisco.
intervenção de Gregório IX na Bula Detestanda, de O segundo período prolonga-se desde os tempos
30 de Março desse ano, dirigida a todos os de Bonifácio VIII até aos alvores da época moderna,
franciscanos seculares italianos. ou seja, até à aprovação canónica da Ordem Terceira
O mesmo papa, escrevendo em 1238 à Ir. Inês da Regular por Leão X a 20 de Janeiro de 1521. A
Boémia (hoje nos altares), fala de “três Ordens característica deste período é a orientação para a
fundadas por S. Francisco: a dos Frades Menores, a vida comum e religiosa. Estes “Irmãos da Penitência”
das Freiras Reclusas e a dos Penitentes”. eram uma espécie de religiosos sem clausura e, por
As distintas fraternidades foram adquirindo aos isso, isentos de sujeição a qualquer poder secular,
Escudo da Ordem Terceira, na Igreja de Ponte de Lima (JEF) poucos uma união mais estreita entre si, e no tempo civil ou militar. Lembra-o ainda Pio XI, na Encíclica

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORDEM FRANCISCANA SECULAR

Rite Expiatis, de 30 de Abril de 1926, nos seguintes Portugal em 1423. É verosímil, como aventa o autónomo em 1631. “Durante o século de 1600,
termos: “Os Terceiros [...] recusavam-se a prestar o franciscano historiador da Ordem Terceira em Lisboa e sua comarca foi cingida com o cordão
solene juramento de vassalagem [...] e a pegar em Portugal, P.e Bartolomeu Ribeiro, a existência em franciscano”. O incêndio ateou-se a outras bandas
armas. À lei feudal opunham a lei da sua Ordem, Portugal de outras províncias do género, constituídas de Portugal e suas ilhas adjacentes no séc. XVII. Pelo
e se era alegada a sua condição de servos, por fraternidades seculares que certamente final, haveria uns 180 conventos da Primeira Ordem,
respondiam que se tinham tornado livres”. O facto funcionariam junto de cada um dos muitos conventos e se dermos a cada um deles três fraternidades de
preparou o caminho para a vida pacífica em Itália. franciscanos. irmãos franciscanos seculares, estas ultrapassariam
Fr. Manuel da Esperança cita o nome do nosso Rei As isenções e privilégios, sobretudo os de carácter as 500, que teriam um total de cerca de 100 000 irmãos
D. Sancho II (1211-1223) como irmão professo da civil e militar, concedidos aos irmãos da Ordem e irmãs. No aro de Lisboa, existiriam uns 18 000;
Ordem e o facto de Gregório IX, em 1232, conceder Franciscana Secular provocaram-lhe a ruína no séc. no Bispado do Porto, muito acima dos 8 000.
aos Terceiros de Espanha, incluindo neste nome XVI. A Renascença pagã e a Reforma protestante, A Ordem Franciscana Secular sofre, no séc. XVIII,
também os de Portugal, que os admitissem nos acrescidas das contendas entre as várias reformas novo revés, este com a opressão regalista e o laicismo
ofícios divinos em tempo de interdito. Na época, já da Primeira Ordem (Observantes, Conventuais, liberal. Maria Teresa da Áustria, em 1776, proibiu a
existiriam em Trancoso, Guimarães, Alenquer, Capuchinhos, Recoletos, Capuchos), incitaram a admissão de novos membros; José II, em 1782,
Coimbra, Lisboa e Bragança. No séc. XIV, aparece entrada para a Ordem Terceira de uma multidão de suprimiu mesmo a Ordem. Ao josefismo regalista
o nome dos nossos Reis D. Afonso IV, D. Fernando oportunistas, sem qualquer vocação, atraídos tão sucedeu o sectarismo radical da Revolução Francesa.
como professos, além de D. João I e D. Duarte, este somente pelas comodidades de carácter político, O Liberalismo, vitorioso em Portugal no fim de Maio
já entrado no séc. XV, como tendo adornado “as económico e civil, fugindo assim às exigências do de 1834, extinguiu as ordens religiosas, mas deixou
suas coroas com o humilde saial do hábito minorítico. poder régio e à jurisdição paroquial. Semelhantes praticamente impunes as Ordens Terceiras, que
El Rei D. Afonso V era filho do mesmo Instituto”. imunidades provocaram o protesto de reis cristãos puderam sobreviver, ora sob o patrocínio de frades
“Para subir aos paços reais a profissão de uma regra junto da Santa Sé. O nosso D. João II obteve do franciscanos egressos, ora de sacerdotes seculares
de vida austera, observada com escrúpulo nos séculos Papa Alexandre VI a Bula de 27 de Outubro de 1495, filiados na Ordem Franciscana Secular. Desta forma,
XIII a XV, preciso era estar popularizada nas classes que proibia muito simplesmente, sem prévia o espírito franciscano pôde manter-se de alguma
inferiores da sociedade”. autorização para cada caso, admissões ao hábito da forma no mundo português. Não se esqueça, porém,
Ordem Terceira. Anos depois, em 1516, Leão X a força das lojas maçónicas em Portugal, que até
revogou todos os privilégios de carácter civil. Perante se infiltraram nos mais altos postos da hierarquia e
medidas tão drásticas, tornadas necessárias pelos tentaram minar por dentro o Catolicismo, inclusive
abusos cometidos, a entrada na Ordem Terceira mediante as sociedades cultuais, os montepios
esvaziou-se de sentido para as grandes multidões. filantrópicos e as companhias funerárias.
Os fins humanos nela procurados já não existiam. Na segunda metade do séc. XIX, a Ordem dos
O terceiro período inicia-se com as modificações Frades Menores, ainda meio (ou totalmente)
feitas à Regra de Nicolau IV pelos Papas Clemente clandestina na Europa dominada pelo liberalismo,
VII e Paulo III. lança um trabalho de sapa através da imprensa.
O cronista Fr. Marcos de Lisboa refere na sua Crónica Entretanto, uma plêiade de santos cingira o cordão
dos Frades Menores, publicada em 1557, a tristeza seráfico: S. José Bento Cotolengo (m. 1842), Vicente
sentida pela “inexistência de Irmãos da Penitência” Palloti (m. 1850), João Maria Vianney (m. 1859),
em Portugal, pelo que tinha tomado a iniciativa de João Bosco (m. 1888), Beato Contardo Ferrini
os implantar junto ao Convento de S. Francisco de (m.1902) e outros mais. Notemos ainda que todos
Orgéns, subúrbios de Viseu. Mas não teve sequência os papas, desde Pio IX e João XXIII, pertenceram à
imediata a iniciativa de Fr. Marcos de Lisboa, pois Ordem Terceira Franciscana antes da ascensão ao
nas Constituições Gerais, aprovadas em 1583, ainda pontificado. Dentre eles, sobressai Leão XIII, que pôs
se proibia a admissão ao hábito da Ordem Terceira nesta Ordem as suas preferências e as suas maiores
de mulheres e homens que vivessem no século, em esperanças para a regeneração da sociedade cristã.
suas casas. A admissão à Ordem Terceira seria apenas Aproveitando a oportunidade do sétimo centenário
para quem vivesse em comunidade, como previa a do nascimento de S. Francisco, publicou em 1882
Regra de 1521, atrás citada. Foi nessa época que a Encíclica Auspicato concessum, que é um ardente
Interior da Igreja da Ordem Terceira, Ponte de Lima (MC) principiaram as Recoletas destinadas a irmãos terceiros panegírico da Ordem Terceira Franciscana e uma
seculares e os recolhimentos destinados a irmãs cálida exortação a propagá-la em toda a parte. Para
Dentro deste período, conta-se a existência de terceiras seculares. o conseguir com maior eficiência, decidiu promulgar
fraternidade da Ordem Terceira da Santa Sita, no A restauração da Ordem Franciscana Secular, no uma nova Regra mediante a constituição apostólica
sítio de Valbom, perto de Asseiceira, já existente em sentido moderno do termo, pelo menos em Portugal Misericors Dei Filius, de 30 de Maio de 1883, com
1380. O Papa Bonifácio IX, em Bula de 25 de Julho e para o grande público, aconteceu ao longo do um texto mais adaptado às exigências da vida
de 1392, concede ao seu “ministro, irmãos e irmãs” séc. XVII. A santificação pessoal volta à superfície, moderna, de modo a acolher maior número de
todas as imunidades, isenções e privilégios, como, bem como o seu complemento: o exercício das obras pessoas no seu grémio.
por exemplo, de não pagarem tributos nem a reis, de misericórdia. Ela começou em 1615 pela capital Para responder à internacional marxista do ódio de
nem a senhores de terras. Ao que se dá a entender, e pela fraternidade anexa ao Convento de S. classes, os responsáveis da Ordem Franciscana Secular
era a sede de congregação de várias fraternidades, Francisco da Cidade, mediante o missionário promoveram congressos aqui e acolá, um deles, o
por outras palavras, sede de uma província de apostólico maiorquino Fr. Inácio Garcia. Chegou o de 1893, presidido por Leon Harmel, outro, este
Terceiros Seculares. Cederam esta sua capela aos movimento à Fraternidade de Jesus em 1623, a qual internacional, em 1900, presidido pelo Cardeal Vives
religiosos franciscanos menores da Província de teve o seu primeiro Conselho ou Discretório e integrado por uns 14 000 terceiros de todo o

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORDEM FRANCISCANA SECULAR

Ordem dos Frades Menores, os irmãos da Ordem Os assistentes espirituais, antes chamados comissários,
Franciscana Secular (OFS), antes identificados como pertenciam então 18 à Ordem dos Frades Menores
Irmãos da Ordem Terceira da Penitência de São (OFM), 7 à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos
Francisco (TOF), organizaram-se em regiões. (OFMCap), um à Ordem dos Frades Menores
Em Portugal, constituiu-se a Fraternidade Regional Conventuais (OFMConv); 53 eram os próprios párocos
Norte, abrangendo as fraternidades locais de Braga, (membros da OFS). Em 2004, os assistentes da
Viana do Castelo, Porto, Lamego, Vila Real e Ordem dos Frades Menores tinham subido para
Bragança. Em 2001, possuía 35 fraternidades activas, 21, os quais assistiam a 38 fraternidades.
5 inactivas e uma em formação, com um total de Faz parte integrante da Ordem Franciscana Secular
2533 irmãos professos e 147 em formação: a Juventude Franciscana (JUFRA), existente em
Fraternidades Regional Centro, abrangendo as fra- Portugal desde 1992. Tem Estatutos aprovados pelo
ternidades locais de Aveiro, Viseu, Guarda, Coimbra Conselho Nacional e pela Presidência do Conselho
e Leiria (em 2001, possuía 11 fraternidades activas, Internacional. Em 2001, havia uns 25 grupos no
com um total de 1185 irmãos professos e 71 em continente e nas ilhas adjacentes com um total de
formação); Fraternidade Regional Sul, abrangendo cerca de 400 jovens. Um bom número tinha já feito
as fraternidades locais de Castelo Branco, Portalegre, o seu compromisso na JUFRA e alguns professaram
Santarém, Lisboa, Setúbal, Évora, Beja e Algarve (em na OFS.
2001, possuía 13 fraternidades activas e 2 inactivas,
com um total de 788 irmãos professos e 94 em
formação); Fraternidade Regional da Madeira,
abrangendo as fraternidades locais da Diocese do
Pauta na Igreja da Ordem Terceira, Ponte de Lima (JEF)
Funchal (em 2001, possuía 17 fraternidades activas
e duas inactivas, com um total de 903 irmãos
mundo. O apogeu da Ordem Terceira, em números, professos e 83 em formação); Fraternidade Regional
foi atingido na década de 1920-1930, ainda que a dos Açores, abrangendo as fraternidades locais da
maior cifra seja a de 1934: 3 906 368 irmãos e Diocese de Angra do Heroísmo (em 2001, possuía
irmãs, quando em 1970, a cifra baixava para menos 14 fraternidades activas com um total de 795 irmãos
de metade: exactamente 1 243 178. professos e 29 em formação).
Raramente a quantidade corresponde à qualidade.
Como uma das causas do declínio aponta-se o facto
Claustro da Igreja da Ordem Terceira, Ponte de Lima (JEF)
de a Primeira Ordem se ter voltado mais para outras
formas de apostolado, deixando de parte os irmãos
terceiros, mantendo-os longe dos conventos. Depois, Também em Portugal se atendeu sempre, de alguma
estava a emergir uma nova força capaz de destronar forma, à formação de novos irmãos e irmãos da
a Ordem Terceira, que era a Acção Católica, aliás Ordem Franciscana Secular, criando-lhe estruturas
que tinha como patrono S. Francisco de Assis, na sólidas, fundamentadas numa doutrinação siste-
medida em que foi o primeiro criador de um mática, de grande abertura às fraternidades da região
movimento de leigos, exactamente a Ordem da e do país, a fim de se colherem as experiências uns
Penitência. dos outros. Os congressos (ou capítulos) nacionais,
A fim de responder aos novos desafios do apostolado regionais e locais, para tratar das eleições periódicas
dos leigos, os Superiores Gerais da Família Franciscana e dos problemas emergentes das contingências das
(Frades Menores, Conventuais, Capuchinhos e pessoas e dos tempos, os encontros nacionais e
Terceiros Regulares), na década de 1950, tomaram regionais até a organização de peregrinações, os
diversas iniciativas de âmbito interobediencial, de boletins formativos e informativos ao nível nacional,
que surgiu, em 1957, as Constituições Gerais. O Fraternidade do Campo Grande (JAM)
regional e local servem para estreitar laços entre a
Concílio Vaticano II deu outro empurrão valente às fraternidade local e a fraternidade mais ampla da
estruturas da Ordem Terceira, de que resultou a região ou da nação.
Regra de Paulo VI, assinada a 24 de Junho de 1978, Os totais gerais, em 2001, somavam 90 fraternidades Apesar das vicissitudes históricas, a Ordem da
e as novas Constituições Gerais, à experiência, de activas, 9 inactivas e 2 em formação. Penitência tem sobrevivido e recuperado algum
8 de Setembro de 1990, e as Constituições definitivas, Entretanto, depois de 2001, o Conselho Nacional, dinamismo.
aprovadas pela Santa Sé a 8 de Dezembro de 2000. então sediado na Fraternidade de Tomar, deu
Por sua vez, em Portugal criou-se um Estatuto importantes passos para o aparecimento de mais BIBLIOGRAFIA: Caminhos dos Terceiros Seráficos para
Nacional, aprovado oficialmente em 2002, e ainda algumas fraternidades, entre elas a de Alcobertas a Celestial Pátria, Lisboa, 1736; ESPERANÇA, Fr. Manuel
Estatutos para as fraternidades locais, pelo menos (Santarém), a de Ponta Delgada, a de Algualva da, História Seráfica, vols. I-II, Lisboa, 1666-1656;
no caso de elas manterem obras de interesse público, (Açores) e a da Luz (Lisboa). Pelo menos algumas FONTES FRANCISCANAS, S. Francisco de Assis, Escritos,
como por exemplo acontece com a Fraternidade da fraternidades foram reactivadas, depois de muitos Biografias, Documentos, 2. a ed., Braga, 1994;
Ordem Terceira a Jesus, em Lisboa, que tem um anos sem vida. Franciscanos Seglares Hoy: Exposición de la Regla
hospital, um lar para a terceira idade e uma escola A 1 de Janeiro de 2005, houve a bênção e o (1978) O. F. S., 2.a ed., Junta Nacional de la Orden
de ensino básico. lançamento da primeira pedra da sede do Conselho Franciscana Seglar, Librería San Lorenzo, Valencia;
Em resposta ao desafio dos tempos, da Igreja e da Nacional, situada em Fátima, R. do Bom Samaritano. HOEPERS, Fr. Mateus, Novas Fraternidades Seculares,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORDEM TERCEIRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Vozes, Petrópolis, 1979; IRIARTE, Fr. Lázaro, Historia tendo-se assim, por vontade do doador, inaugurado
Franciscana, Valência, 1979; LISBOA, Fr. Marcos de, este procedimento.
Crónicas dos Frades Menores […], Lisboa; RIBEIRO, Em 1851, na sessão da Mesa de 7 de Agosto, foi
Fr. Bartolomeu, Os Terceiros Franciscanos Portugueses, criado o ensino primário para meninos e meninas.
Braga, Comissariado Nacional da O.F., 1952. A 23 de Novembro de 1857, foi aberto o liceu para
ambos os sexos, conforme decisão tomada em sessão
HENRIQUE PINTO REMA da Mesa de 1 de Maio e confirmada em sessão da
Mesa de 21 de Julho de 1857, sendo o regulamento
aprovado no mesmo ano e nas sessões da Mesa de
ORDEM TERCEIRA DA SANTÍSSIMA 5 e 7 de Novembro. Era então Prior o Visconde da
TRINDADE Trindade. Em Agosto de 1895, por decreto superior
A Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade que dava o nome de “liceu” apenas aos liceus
(também conhecida como Ordem Terceira da San- nacionais, a escola desta Ordem passou a designar-
tíssima Trindade) tem a sua origem na Ordem Terceira -se Instituto Escolar da Celestial Ordem da Santíssima
Dominicana fundada no extinto e desaparecido Trindade.
Convento de S. Domingos. A Ordem Terceira Em meados do séc. XIX, o Estado pretendeu
Dominicana foi iniciada em 1671, tendo-lhe sido administrar os estabelecimentos pios, exigindo, a
atribuída a bula de fundação em 1675 e redigidos partir de 1858, a prestação de contas a todas as
os Estatutos em 1680. Em Janeiro de 1685, a Ordem ordens desde 1847 a 1857. Por isso, as ordens
criou a primeira capela privativa da qual ficou como passaram, mesmo sendo apenas instituições de
padroeira S.ta Catarina de Sena, tendo em 1713 caridade e subsistência, a ser tributadas.
Igreja da Trindade, Porto (JMF)
iniciado a construção de uma nova capela que Tal como estabelece o cap. II da Regra, o seu ideal
concluiu em 1718. é “orar pela paz e concórdia dos princípios cristãos,
O verdadeiro Fundador da Celestial Ordem Terceira Igreja do Calvário. Esta mudança deveu-se às exaltação da Santa Madre Igreja, extirpação das
da Santíssima Trindade foi o Papa Bento XIV. A Bula desavenças entre os Trinitários e os seus vizinhos no heresias, redenção dos cristãos cativos”. Assim, de
do Papa Bento XIV, passada a 2 de Setembro de Calvário, os Frades Antonianos, que tinham iniciado uma forma geral, esta Ordem preocupava-se com
1742 “refere, cita e confirma todos os dons que uma disputa com eles pela posse da capela, que a redenção dos cativos, em cumprir sempre as
tinham fundado e desenvolvido a Ordem Terceira judicialmente venceram em 1791, embargando desta obrigações com os mortos, concessão de funeral ou
de São Domingos no Porto” (COUTINHO, B. Xavier, forma as obras que os Trinitários se tinham proposto enterro, bem como com a administração dos legados
História…, vol. I, p. 144). Em 1755, o mesmo papa, fazer na mesma. A Ordem da Trindade preferiu pios. Pretendia, ainda, prestar serviços médicos e
fruto de várias vicissitudes e quezílias constantes, abandonar a companhia destes vizinhos e como os remédios de forma caritativa, actividade esta que a
decidiu extinguir a Ordem Terceira de São Domingos seus membros não eram homens de baixar os braços Ordem exerceu até 1840/1850.
“transformando-a na Venerável e Celestial Ordem aproveitaram o facto de na cidade haver uma praça Do ponto de vista da prática religiosa, propunha-se
da Santíssima Trindade” (C OUTINHO , B. Xavier, nova, designada do Laranjal, actual P. da Trindade, ministrar a comunhão geral aos doentes e proceder
História…, vol. I, p. 146). A bula que a fundou, com onde o Regente D. João VI, em 1796, tinha ao culto público por meio do esplendor das
o nome que ainda mantém, data de 14 de Maio de autorizado a construção de uma igreja e a conselho procissões, tendo em 1740 fundado um coro.
1755, tendo sido mandada executar por Decreto de do Governador da Casa da Relação, Pedro de Mello O art. 2.º do cap. I dos actuais Estatutos, no
D. Maria I de 15 de Março de 1781, do qual também Breyner, estabeleceram-se na referida praça onde prosseguimento dos anteriores, estabelece como fins
consta o termo de sujeição ao Bispo do Porto. vieram a erguer a igreja, as escolas e o hospital. da Ordem “proporcionar a seus Irmãos a assistência,
A primeira mesa só foi eleita em 1781, 25 anos O projecto do edifício é da autoria de J. G. da Silva a beneficência e a instrução; dar íntegro cumprimento
depois da erecção da Ordem e tinha como Director Sardinha. No tempo que mediou entre Maio e às disposições testamentárias de seus benfeitores e,
João Luís Barata e como Prior José Carvalho da Cunha Dezembro de 1804, porque as obras a que se no templo privativo, praticar todos os actos de culto
e Silva. propunham eram de elevada monta, ergueram uma divino de harmonia com os seus legados e em
A Confraria de Nossa Senhora dos Remédios veio a capela provisória que posteriormente integraram no sufrágio das almas de seus Irmãos e benfeitores”.
ser erecta na Celestial Ordem da Santíssima Trindade novo templo. Em 1807, procederam à trasladação O art. 61.º do cap. XI dos actuais Estatutos deixa
em 1788. do Santíssimo da Capela do Calvário para a nova ainda claro que “a Celestial Ordem Terceira da
Ainda com a primitiva designação, esta Ordem capela e, em 1841, inauguraram a nova igreja. Santíssima Trindade assume a sua vocação como
começou no convento gótico dos Padres Dominicanos Em 1822, pretendendo “tratar os irmãos pobres instituição religiosa laical e em caso algum poderá
sito na P. de S. Domingos, tendo daí passado para com competência e carinho”, iniciaram a assistência tomar, como nunca tomou, o carácter, ou a forma,
a Capela de N. Sr.a da Vitória da Batalha, que se aos irmãos pobres e enfermos nas suas casas, de qualquer ordem religiosa, congregação religiosa,
situava na zona agora ocupada pelo Teatro de S. fornecendo também remédios. Em 1824, a fim de ou casa religiosa regular, nem subordinar-se, directa
João, onde ficou sediada entre 1781 e 1786. Da “proceder ao curativo e tratamento dos irmãos ou indirectamente, a institutos dessa natureza,
Batalha, os Trinitários passaram para a Igreja do enfermos”, abriram uma farmácia, tendo, a 6 de sujeitando-se, conforme a Lei, ao Ordinário
Calvário Novo, na actual Cordoaria, onde estiveram Junho de 1852, inaugurado o hospital que abriram Diocesano”.
entre 1787 e 1804. a 30 de Março de 1853. No início, o hospital era O vestuário, conforme consta da Regra ou Forma,
A actual igreja foi decidida construir em 1803, numa apenas um centro de enfermagem exclusivamente no seu capítulo III, que acompanha a bula de erecção,
sessão da Mesa de 6 de Fevereiro, uma vez que a destinado ao tratamento dos irmãos pobres. era composto por um hábito feito de lã branca com
Igreja do Calvário, na impossibilidade de ser ampliada, Em 1882, Joaquim José Gomes Veiga doou a esta o distintivo da confraternidade que é cruz vermelha
deixou de ser solução para a Ordem. No ano de instituição seis contos de réis, destinados exclu- e azul.
1804, os Trinitários abandonaram definitivamente a sivamente à distribuição de “sopas económicas”, O art. 3.º do cap. I dos Estatutos de 1830 estabelece

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ORDEM TERCEIRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

a regra do hábito: “Uzarão os que forem admittidos Para além de vários administradores que zelaram de animada de espírito Religiozo, prudente, Socegada;
para nossos Irmãos, nos actos publicos da Ordem forma exemplar pelos interesses da mesma, contam- virtudes que formão o verdadeiro Christão, digno
de tunica branca, com Capa e cinto preto e -se diversas figuras públicas como S.ta Joana Princesa, filho da Santa Igreja, nossa May, e pacificos
Escapulario branco, em cujo centro se verá o filha de D. Afonso V e irmã da Ordem Terceira de sustentadores do culto de Deos e credito de seus
destinctivo da m.ma Ordem, que hé huma Crus São Domingos; Francisco Távora e Noronha, Juiz da Irmãos”. A Mesa passava a ser constituída por um
Vermelha a azul; porem como aos Sacerdotes Ordem entre 1737-1739, e sua esposa D. Leonor Director, um Prior, um Subprior, um Secretário, um
Seculares, lhes não seja permittido usar d’outro Quitéria de Souza Samudia Sacramento, que após Tesoureiro, 2 Vigários do Culto Divino, um Mestre
habito, mais que o seu Talar, para que nos mesmos a morte deste ficou no seu lugar entre 1739-1742; dos Noviços, um Procurador Geral, um Inspector da
actos se conheção como nossos Irmãos, aquelles a Rainha D. Maria I, que aceitou a Ordem Terceira Cera e 8 Defensores. O art. 1.º do cap. IV estabelecia
que o forem uzarão da dita Crus pendente d’um sob o seu padroado; a Rainha D. Maria II, irmã da que o Director era um Sacerdote secular aprovado
cordão preto”. Ordem, bem como o seu marido, o Rei D. Fernando, pelo Bispo que presidiria com o Prior a todos os actos
A insígnia dos dirigentes consta de uma cruz igual e os príncipes seus filhos, Pedro, Duque de Bragança, da Mesa. O art. 1.º do cap. V instituía que o Prior
à que os irmãos eclesiásticos trazem ao peito sobre e o Infante Luis Filipe, Duque do Porto; D. Pedro V, era uma pessoa respeitável, religiosa e rica, tendo
a batina, no lado esquerdo. protector da Ordem; Infanta D. Isabel Maria de que zelar pelo correcto funcionamento da Ordem.
A simbologia das Armas da Ordem da Trindade pode Bourbon e Bragança, benfeitora durante 30 anos e O cap. VI referia que competia ao Subprior, na
ler-se nas antepáginas de B. Xavier Coutinho, no Priora durante 24, inscrita na Ordem como irmã em ausência do Prior, presidir à Mesa. O cap. VII traçava
primeiro volume da História Documental da Ordem 1849 e eleita Priora em Junho de 1852, tendo aceite o perfil do Secretário que teria de ser pessoa inteligente
da Trindade: “Escudo partido (ou cortado) em pala, o cargo de Priora Perpétua. A infanta foi uma grande nos negócios, para melhor cuidar dos da Ordem. Era
de forma oval. Traz em campo de azur (ou blao), impulsionadora do hospital e liceu. Os beneméritos o Procurador Geral, tal como referido no cap. XI, que
à dextra, a cruz dos Trinitários, de goles e sinoble; capitão José António de Freitas Guimarães; escritor tinha a seu cargo todos os negócios da Ordem.
à sinistra, a tiara papal sobrepujada de duas cruzes Alexandre José da Silva Almeida Garrett, que doou
tríplices que são, na realidade, as chaves de S. Pedro, um altar em honra de S. Francisco Xavier; Conde
em aspa ou sautor, com as letras ‘B. XIV’ de oiro de Ferreira; D. Rita Carolina Braga da Costa Lima;
(alusão ao Papa Bento XIV, fundador da ordem Cónego António Roberto Jorge; João Allen; Cónego
Trinitária do Porto). O campo oval inscreve-se numa Dr. J. J. Correa de Vasconcelos; Manuel Correa de
cartouche de argent, ladeada de ramos de flores Sá, Prior honorário; José António de Sousa Basto,
(de goles). Inferiormente, dois ramos de Palmeira, Conde e Visconde da Trindade, grande incentivador
de sinoble, entrelaçam-se, com um laço no mesmo das obras do hospital e do liceu, que veio a ser
esmalte. O paquife (ou lambrequim) é a coroa real proclamado fundador do hospital. A centenária
de Portugal (um diadema de oiro circundado por fábrica de porcelanas Vista Alegre também aparece
oito folhas de trevo de que partem outras tantas ligada à história dos beneméritos da Ordem.
hastes em arco abatido, com um fio de pérolas); Os primitivos Estatutos internacionais da Ordem
uma cruz de oiro, sobre o globo terrestre, de azur, de São Domingos datam de 1405 e os Estatutos
sobrepuja o todo. As cores usadas, nesta composição iniciais da Ordem Terceira de São Domingos do Porto
heráldica, são altamente simbólicas: o vermelho datam de 1680. Mas os primeiros Estatutos da Ordem
Pormenor da Igreja da Trindade, Porto (JMF)
(goles) simboliza o denodo e ânimo bélico que os já com o nome de Celestial Ordem Terceira da
Trinitários puseram à prova na sua vida acidentada Santíssima Trindade constam da bula que a fundou
na cidade do Porto; o azul (blao) significa doçura, e têm 27 capítulos. Os actuais Estatutos datam de 1991, dividem-se em
amenidade e bondade para com os seus protegidos, Os Estatutos de 1680 previam a eleição de um Prior 11 capítulos e resultam das alterações ocorridas a
quer no antigo Liceu e nas actuais Escolas, quer no (ou Provedor), um Superior, um Secretário, um Mestre 28 de Março de 1982 e a 9 de Dezembro de 1984
Lar e no seu Hospital; o verde (sinoble) é um grito de Noviços, um Vigairo do Culto Divino, 6 aos Estatutos aprovados a 23 de Julho de 1935.
de esperança no futuro, a bem da comunidade Consultores, sendo que 3 deveriam ser eclesiásticos O cap. II, no art. 7.º e seguintes, versa sobre a
trinitária”. e outros 3 seculares, um Tesoureiro e um Director. admissão de irmãos, obrigando a que os mesmos
Quanto à Prioresa, após consulta à que desem- tenham sempre de ser propostos por outro irmão
penhava o cargo para saber da sua disponibilidade em pleno gozo dos seus direitos, tendo de ser
de continuar ou, então, da necessidade de nomear submetidos a sessão de Mesa e a posterior votação,
uma substituta, procedia-se também a votação. podendo esta, se assim for requerido, fazer-se por
Os eleitos tinham de aceitar o cargo e quem a ele escrutínio secreto. À Ordem podem pertencer todos
renunciasse por razões que não fossem consideradas os indivíduos de qualquer sexo, que respeitem, entre
válidas era admoestado e à terceira admoestação outros pontos estatutários, ser católico e ter bom
era expulso. comportamento moral, civil e religioso, obrigando
Em 1830, foram redigidos novos Estatutos, divididos o n.º 3 do art. 8.º a todos aqueles que pretendam
em 24 capítulos, que actualizavam os anteriores. pedir a admissão “não padecer de qualquer doença
Estes Estatutos eram mais claros quanto à contagiosa ou considerada incurável, fazendo-se
organização da Ordem. No art. 1.º do cap. I pode previamente inspeccionar pelos facultativos da
ler-se que podia pertencer à Ordem: “Toda a pessoa Ordem”. O texto dos Estatutos concede, no art.
que pertender gozar a honra de Terceiro desta Archi- 23.º do cap. VII, a Administração da Ordem “a uma
-Confraternidade, e participar do grande numero Mesa Administrativa, composta de quinze mem-
de Indulgencias e Graças que lhe são concedidas, bros efectivos e de oito substitutos” e o art. 24.º
Escudo da Ordem (JMF) será dotado de bons costumes, limpa de Sangue, e especifica que por iniciativa do Provedor cessante

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PALOTINOS

tomará posse até ao dia 8 de Janeiro e elegerá “de centos r.s metal; por hua Mulher nove mil e duzentos PALOTINOS
entre os seus membros um provedor, um vice- r.s metal; e por Cazal, quatorze mil e quatro centos A Sociedade de Vida Apostólica de Direito Pontifício
-provedor, um primeiro secretário, um segundo r.s na mesma especie, isto na sua Entrada; e na com o nome oficial Societas Apostolatus Catholici
secretário, um tesoureiro, um vice-tesoureiro e os Profissão, cada Pessoa dará Dous mil r.s; tudo isto (Sociedade do Apostolado Católico – SAC) é mais
inspectores para as diferentes repartições e serviços livre das Propinas, que são obrigados a pagar que conhecida também pela designação de Palotinos,
da Ordem, conforme determinar o respectivo o uso tem estabelecido”. sociedade fundada em Roma, no dia 11 de Julho
Regulamento Geral Interno”. Para a administração, Os actuais Estatutos de 1991, no cap. IV, fixam de 1835 por S. Vicente Pallotti.
o art. 30.º do cap. VIII prevê uma Junta Consultiva também como deveres dos irmãos o “satisfazer as S. Vicente Pallotti, filho de um comerciante, nasceu
composta “de cinco membros efectivos e de igual quantias que a título de jóia forem estipuladas pela no dia 21 de Abril de 1795, em Roma e faleceu na
número de substitutos” que, conforme estipula o Mesa Administrativa de acordo com o Regulamento mesma cidade a 22 de Janeiro de 1850. Vicente
art. 31.º, “tomará posse dentro do prazo designado Geral Interno”. Outra fonte de sustentação é o Luís André Pallotti cresceu num ambiente de tensão
para a da Mesa Administrativa, e elegerá de entre estipulado no art. 10.º do cap. III que prevê poderem (após a invasão de Roma por Napoleão Bonaparte).
os seus membros um presidente, um vice-presidente, ser admitidos irmãos de qualquer sexo e nacio- Aos 15 anos pensou em ser frade capuchinho,
um primeiro secretário e um segundo secretário”. nalidade independentemente da inspecção médica, querendo seguir o exemplo de S. Francisco de Assis.
A este organismo competirá examinar e inspeccionar desde que tenham bom comportamento moral, cívico Porém, como os pais, o médico e o próprio confessor
a escrituração e contabilidade da Ordem, emitindo e religioso e idade não inferior a 60 anos, que reprovaram a ideia, visto não ter condições físicas
pareceres sempre que a Mesa Administrativa lhos desejem internar-se vitaliciamente como particulares para entrar nesta ordem, consagrou-se como
solicite. É contudo a Assembleia Geral, constituída no Hospital da Ordem e que paguem além da jóia sacerdote secular e, a 16 de Maio de 1818, já com
por todos os irmãos que cumpram os Estatutos, que uma prestação definida por tabela especial, aprovada 23 anos, recebeu a ordenação sacerdotal. Neste
detém o poder supremo da Ordem, referindo o cap. pela Mesa Administrativa. mesmo ano, adquire os graus de Doutor em Filosofia
IX no art. 36.º que “A Mesa da Assembleia Geral Ao longo dos tempos, de grande importância para e Teologia, no dia 15 de Julho. Enquanto frequentava
compor-se-á de um presidente, um vice-presidente, o seu sustento, para além da jóia, propinas e demais o seminário, dava catequese às crianças e tinha a
um primeiro, um segundo e dois vice-secretários”. encargos financeiros recebidos de cada irmão responsabilidade de dirigir espiritualmente várias
Agora, por imposição do art. 50.º do cap. X “a admitido, foram as esmolas do dia-a-dia, os bene- associações juvenis.
eleição para os diversos cargos da Ordem será feita méritos e os peditórios, que ocorriam quer em Era uma das figuras mais conhecidas e populares
trienalmente por listas e à pluralidade de votos dos Portugal quer no Brasil, que lhe permitiram construir de Roma, no seu tempo, pois procurava ajudar todos
Irmãos presentes”. Conforme estipulado em vários e manter o edifício nuclear constituído pela igreja, os que se cruzavam no caminho. Chegou a escrever
artigos do cap. V que versam sobre os direitos dos as escolas e o hospital. no seu próprio diário: “Quero ser comida para os
irmãos, ficamos a saber que somente 12 meses após Hoje em dia a receita angariada pelos múltiplos e famintos, vestimenta para os nus, bebida para os
a data da sua admissão, estando no gozo de todos diferenciados serviços de saúde que o seu hospital, sedentos, força para os fracos, colchão para os
os seus direitos estatutários e sendo maiores de farmácia e laboratórios prestam a todos que os cansados, remédio e saúde para os doentes, aleijados,
idade, passam a pertencer de pleno direito à procuram, com certeza não deixará de ser uma coxos, surdos e mudos, luz para os cegos do corpo
Assembleia Geral, podendo ser eleitos para os cargos importante fonte de financiamento. e do espírito, vida para os que estão mortos à vida
e as comissões da Ordem, proporem irmãos, etc. Actualmente, depois de em 2004 ter encerrado as da graça”. Ainda vivo, consideravam-no como santo
Para além do vasto património sacro, arquitectónico, escolas, jardim-de-infância e ensino básico, que ainda e cognominavam-no “apóstolo de Roma”. O próprio
estatuária, pintura, talha, que é inerente à igreja e mantinham, a Ordem da Santíssima Trindade tem as Papa Pio IX nomeava-o de precursor do apostolado
serve para a sua harmonia final e normal funcio- seguintes valências: igreja, hospital, ambulatório, dos leigos e grande amigo de missões.
namento do culto, a Ordem possui várias alfaias e farmácia, laboratório, lar da terceira idade para irmãos, Em 1825, oito anos após a sua ordenação, assumiu
adornos em prata e ouro. José Eleutério Barbosa de refeições gratuitas para irmãos e pobres, vitalícios. o cargo de Director Espiritual no Seminário de Roma.
Lima, em 1838, ofereceu à Ordem 50 quadros a Dez anos depois, foi eleito Director do Colégio
óleo e 7 gravuras. Possui 16 retratos de figuras BIBLIOGRAFIA: ARAÚJO, António de Sousa, “Ordens Urbano da Propaganda Fide – centro de formação
ligadas à Ordem como sejam antigos priores, clérigos terceiras”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de para missionários e estudantes de países de missão.
e benfeitores, algumas esculturas indo-portuguesas, História Religiosa de Portugal, vol. J-P, [Lisboa], Círculo Surge-lhe, neste meio, um grande entusiasmo pela
uma escultura de S. Miguel dos Santos da autoria de Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa acção missionária, de tal modo que provieram várias
de António Couceiro, algum mobiliário da época, da Universidade Católica Portuguesa, 2001, pp. 348- iniciativas. De entre elas, exemplificamos a realização
louças com a cruz dos Trinitários. Possui a estátua -355; Bosquejo historico da fundação e desen- de uma colecta para financiar a impressão de um
em mármore do Conde de Ferreira, da autoria de volvimento da Celestial Ordem Terceira da Santíssima livro, em árabe, sobre Nossa Senhora (para ser
Soares dos Reis, que se encontra depositada no Trindade e Redempção dos Captivos erecta na cidade acessível aos cristãos do Médio Oriente). Esta iniciativa
Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto. Detém do Porto, Porto, Tipografia A. J. da Silva Teixeira, deu, por sua vez, origem à fundação da União do
ainda a propriedade da mesma estátua em gesso e 1892; Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trin- Apostolado Católico (UAC). O seu objectivo para a
fundida a bronze, estando esta segunda a encimar dade: Estatutos, Porto, Celestial Ordem Terceira da UAC era converter todos os infiéis por meio de todos
o mausoléu do Conde de Ferreira no cemitério Santíssima Trindade, 1991; COSTA, Agostinho Rebelo os católicos, visto que considerava que: “Cada
privativo da Ordem da Trindade, sito no interior do da, Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do baptizado deve ser um apóstolo”. A ideia de que
cemitério de Agramonte, no Porto. Porto, 2.a ed., Porto, Progredior, 1945; COUTINHO, B. um leigo, por direito e dever, enquanto baptizado,
Os Estatutos de 1830, no art. 6.º do cap. I, estabe- Xavier, História Documental da Ordem da Trindade, podia exercer o seu apostolado era revolucionária
leciam de forma clara, para fazer face às despesas 2 vols., Porto, Celestial Ordem da Santíssima Trindade, para a sua época, por ser considerado uma
que a Ordem tinha no desempenho caritativo, quotas 1972; PASSOS, Carlos, Guia Histórico e Artístico do prerrogativa do clero. Só mais tarde, no Concílio
de entrada e a obrigação do pagamento regular de Porto, Porto, Figueirinhas, 1935. Vaticano II, em que Vicente Pallotti é canonizado,
uma propina. As quotas foram fixadas da seguinte é que esta concepção de vida cristã é verda-
forma: “Por hum Homem nove digo Oito mil e Seis ARTUR MANSO deiramente aceite.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PALOTINOS

A UAC reunia, num único grupo, o clero e os leigos, Instituto (constituído já por 500 membros distribuídos
com o objectivo de inculcar nestes últimos o zelo por 50 casas) foi divido em 4 províncias e 2 territórios
apostólico. Neste projecto estavam incluídos, além missionários (no ano 1909). Entre 1971 a 1977, o
de leigos, congregações de padres, irmãos e irmãs, Instituto entrou em Ruanda e na Amazónia, vindos
que tinham a função de serem a “força motriz” da da Província da Polónia e da do Rio de Janeiro do
União do Apostolado Católico. Sul (Brasil). E, dez anos mais tarde, o número de
Por volta do ano de 1837, houve um surto de casas chegava às 354 com 2206 membros (dos quais
epidemia de cólera que resultou em cerca de 6000 1499 sacerdotes).
mortos. Vicente Pallotti reuniu um grupo de A UAC como obra surgiu em 1835. Actualmente,
companheiros que o ajudaram a visitar os doentes o Governo Geral da Congregação tende a englobar
e a recolher os abandonados, distribuindo alimentos a SAC dentro da UAC: uma sociedade dentro de
pelos moribundos e pobres. Depois deste surto, um núcleo maior, que seria o Apostolado Católico.
Pallotti deparou com jovens, órfãs, que ficaram na Pallotti dizia que a Sociedade era a animadora da
miséria e se deixaram levar pelo vício. Funda, em UAC, que seria a parte motriz.
colaboração com Giácono Salvati e outros leigos Da SAC distinguiram-se, além do Fundador, dois
(ligados à UAC), um orfanato para estas jovens, no beatos polacos: Józef Stanek e Józef Jankowski.
B. de S. ta Águeda, com o nome Pia Casa de Stanek era Capelão das forças polacas de resistência,
Caridade. Para administrar a casa e dar apoio em Varsóvia, que foram esmagadas durante a
permanente a estas jovens, nasce a Congregação Segunda Grande Guerra. Apesar de ter a oportu-
Igreja do SS.mo Nome de Jesus, Odivelas (DB)
das Irmãs do Apostolado Católico, conhecidas, hoje, nidade de fugir, permaneceu entre os soldados do
por Palotinas. levantamento, tendo sido capturado e enforcado
São fundadas mais duas congregações, a Sociedade O hábito dos Palotinos é preto com uma faixa preta, por representar a resistência. Józef Jankowski,
do Apostolado Católico e as Irmãs Missionárias do nos países europeus (pensa-se que teria sido a con- Sacerdote, foi preso e levado para Auschwitz,
Apostolado Católico, que, mais tarde, se desen- selho do papa, que se confessava a Vicente Pallotti), acabando por morrer no campo de concentração.
volveram separadamente. Para além destas, contam- e branco com faixa preta nos países tropicais. No ano de 2003, o pontifício do Conselho para
-se outras comunidades religiosas e associações de A Congregação baseia a sua vida e actividade Leigos procedeu oficialmente à institucionalização
leigos, todas elas inspiradas no carisma do Fundador: segundo Leis Fundamentais e Leis Suplementares da UAC – os leigos que quisessem associar-se aos
reavivar a Fé e a castidade entre os leigos e incentivar (aplicadas a cada província, ou região, têm um Palotinos da SAC, como da UAC, fazem também o
todos os baptizados, especialmente os leigos, na estatuto e leis próprias, segundo as necessidades empenho apostólico, associando-se aos Palotinos
sua missão de apóstolos. locais). Ambas foram instituídas pelo Fundador, no por meio de uma profissão pública de fiéis.
Pallotti teve como amigos o Cardeal Lambruschini, ano de 1839. Hoje, contam-se 2366 membros espalhados por mais
que o convenceu a fundar a Sociedade do Apostolado Após um curto espaço de tempo (dois anos), período de 36 países: 16 comunidades na Europa, 9 em
Católico para manter a sua obra, e, sobretudo, o introdutório, os membros consagravam-se, emitindo África, 2 na Ásia, 2 na Oceânia, 3 na América do
Papa Pio IX, que encorajou o sucessor de Vicente a promessa de castidade, de pobreza, obediência, Norte e 6 na América Latina.
Pallotti, D. Francesco Vaccari, a continuá-la. Foi o perseverança, comunhão dos bens e espírito de A presença dos Palotinos em Portugal data de 17 de
mesmo pontifício que deu um novo nome à serviço. A sua missão, vivendo sob a protecção de Abril de 1988, momento em que esta Sociedade foi
fundação: Pia Sociedade das Missões (no ano de Maria, Rainha dos Apóstolos, tinha por base a fundada no nosso país. Entre os anos 1953-1967,
1854), acabando com as controvérsias suscitadas formação da consciência de que todos os católicos trabalhava e vivia em Lisboa o P.e Erwin Helmle,
pelo título anterior, uma vez que consideravam que eram apóstolos, demonstrando-o quer por meio de palotino da Província Suíça e fundador da Paróquia
SAC era um nome muito ambicioso, porque, nos missões internas e externas, por meio do apostolado Alemã em Lisboa. Foi este padre palotino (m.
seus primeiros tempos, esta Sociedade era muito da imprensa ou por outros meios de comunicação 18.06.1987) quem organizou esta paróquia e convida
missionária. Só se retomou o título original em 1947. social, quer por actividade caritativa. Ocupavam-se a Província Polaca para continuação do seu trabalho.
Esta Sociedade, fazendo votos secretos, é constituída ainda da instrução catequética, predicação, missão O Provincial P.e Czeslaw Parzyszek e o Secretário das
por clérigos e sacerdotes coadjutores, sem votos, ao povo, exercícios espirituais, sacro governo também Missões, P.e Stanislaw Kuracinski, membros da SAC,
vivendo segundo o pensamento do seu Fundador. em ajuda ao clero secular, direcção espiritual dos aceitaram esse convite no dia 17 de Abril de 1988,
Os membros da SAC, em direito dependentes do hospitais, asilos e casas pias, direcção de escolas, enviando o P. e Andrej Gladysz, actual Reitor em
pontifício, queriam constituir na Igreja como que seminários e de colégios. Têm especial cuidado pela Odivelas.
um intermédio entre o clero secular e todos os formação dos apóstolos leigos, não descurando a Em 1990, já estava em Portugal o P.e Ludwik Homa,
religiosos. Deste modo, não deveriam ser chamados directiva e o exemplo do Fundador e os actuais SAC e missionário polaco que tinha trabalhado no
clérigos regulares mas padres da congregação do ensinamentos da Igreja. Brasil. Um ano depois, o Patriarca D. António Ribeiro
Apostolado católico. Foi D. Giuseppe Faà di Bruno, tido como o segundo confiou a Paróquia do SS. mo Nome de Jesus de
Organizam-se de forma hierárquica por: um Superior Fundador da SAC, que consolidou o Instituto e fê- Odivelas aos Palotinos, nomeando o P.e Homa Pároco.
Geral, que está sediado em Roma, juntamente com -lo expandir, durante o período entre 1869 e 1889. Num curto espaço de tempo, os Palotinos desistem
o Conselho Geral; Governos Provinciais (corres- Depois da morte de D. Bruno, os Palotinos esten- da casa em Lisboa, transferindo-se para Odivelas,
pondem a um país ou território maior ou menor, deram-se pela Itália, percorrendo Inglaterra, Estados tendo construído a Igreja da Divina Misericórdia e
consoante as localidades). Este é, por sua vez, Unidos, Argentina, Uruguai e Brasil; e, entre 1889 instalações anexas que servem de moradia dos
composto por um Vice e Conselho Provincial – que e 1896, apostaram nas missões africanas. padres, de casa de encontros de evangelização e de
governa a província. Seguem-se os Regionais que Depois de terminado o governo de D. Massimiliano seminário.
têm também um Conselho – Conselho Regional – Kugelmann, primeiro Superior Geral alemão, findando Esta comunidade tem duas residências em Portugal,
e, por último, Delegados e o seu Conselho. também o primeiro período da história da SAC, o onde estão presentes seis membros. Em Odivelas,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PASSIONISTAS

PASSIONISTAS Espiritual” e esboçou as primeiras Regras, destinadas


Os Missionários Passionistas, membros da Congre- a possíveis companheiros, a quem chamava “os
gação da Paixão de Jesus Cristo (CP), foram fundados pobres de Jesus”. Em Setembro de 1721, viajou a
por S. Paulo da Cruz, em Itália, no ano de 1720. O Roma com o intuito de falar com o papa sobre a
Papa Bento XIV, ao aprovar a Congregação no dia congregação que pretendia fundar, mas não
15 de Maio de 1741, disse: “Esta Congregação é a conseguiu obter audiência. No entanto, decidiu
última a aparecer na Igreja e deveria ter sido a dirigir-se à Basílica de S.ta Maria Maior, onde fez voto
primeira!” O primeiro convento foi criado em 1737 de se consagrar a promover a memória da Paixão
no monte Argentário em Tróia (Itri). de Jesus Cristo. Após esta viagem, Paulo Danei e
João Baptista, seu irmão, vivem em várias ermidas
do monte Argentário.
Como queriam ser pregadores da Paixão de Cristo,
tinham de se tornar sacerdotes, estudando, portanto,
Casa dos Palotinos, Odivelas (CLS)
Teologia. No dia 21 de Maio de 1725, encontram em
Roma o Papa Bento XIII. Recebem a aprovação “a
na R. Dr. Sidónio Pais, 64, residem quatro palotinos: viva voz” do projecto de fundação. No ano de 1726,
P. e Andrzej Gladysz, P. e Jan Janik (Capelão do no dia 8 de Outubro, iniciam o serviço no Hospital
Hospital de S.ta Maria em Lisboa), P.e José Rodrigues de S. Gallicano, em Roma, atendendo doentes
Filho e P.e Jan Pietrus; nesta casa mora ainda o P.e infectados de peste e não só. Foram ordenados
Wojciech Kubrak que estuda a língua portuguesa, Sacerdotes na Basílica de S. Pedro, a 7 de Junho de
a fim de poder efectuar o trabalho pastoral em 1727, pelo Papa Bento XIII. Após a ordenação,
Portugal. A partir de 1 de Outubro de 2007, abandonaram Roma e estabeleceram-se definitiva-
trabalham também na Diocese de Coimbra dois mente no monte Argentário, onde passaram a exercer
membros: o P.e Anselmo de Souza Mantovani e P.e a actividade missionária do anúncio da Palavra.
Marcelo Néspoli Magalhães, que residem na Dez anos após a sua ordenação sacerdotal, é
Paróquia de S. Caetano e aos quais estão entregues inaugurado o primeiro Convento da Apresentação
três paróquias vizinhas: Febres, Vilamar e Corticeiro no monte Argentário. A 15 de Maio de 1741, o
de Cima. A sua irradiação missionária está ligada Papa Bento XIV aprova as Regras da Congregação.
à região da Província Polaca no Brasil e a sua No mês seguinte, a 11 de Junho, emitem a profissão
actividade incide essencialmente no trabalho religiosa os cinco primeiros sacerdotes e um irmão
paroquial. Para além disso, formaram dois cursos: passionistas. No dia 10 de Abril de 1747, Paulo da
curso de orientação religiosa (que começou na Igreja Cruz é eleito, pela primeira vez, Superior Geral da
de Odivelas e que se difundiu noutros lugares Congregação da Paixão. Será confirmado mais cinco
requisitados por outros sacerdotes), que engloba vezes, até à sua morte, que ocorre no dia 18 de
S. Paulo da Cruz, Fundador dos Missionários Passionistas (I)
jovens, adultos, casa, e o reavivamento de leigos Outubro de 1775, em Roma, às 16.45 horas.
não praticantes a leigos que querem intensificar a Paulo da Cruz foi um exímio pregador ora de
sua fé. inúmeras missões, ora de retiros espirituais; escreveu
Incentivam, também, os leigos através da campanha Os Religiosos Passionistas usam hábito preto com milhares de cartas de direcção espiritual, tendo sido
dos oratórios que visitam as casas – oratórios de as insígnias da Congregação: um coração, encimado publicadas 1882 em 1924. Foi um “místico insigne”,
Jesus Misericordioso que visitam as famílias, e por por uma cruz e contendo uma inscrição que quer como lhe chamou o Papa Paulo VI, em carta dirigida
meio da revista Mensageiro da Misericórdia Divina: dizer “Paixão de Jesus Cristo”. ao Superior Geral dos Missionários Passionistas por
publicação trimestral para divulgar a devoção de Paulo Francisco Danei Massari, futuro S. Paulo da ocasião do primeiro centenário da canonização de
Jesus Misericordioso, conforme assim inspirou S.ta Cruz, nasceu em Ovada, Alexandria, no dia 3 de S. Paulo da Cruz. Efectivamente, é reconhecido como
Faustina. Os Seminaristas Palotinos, que se ordenaram Janeiro de 1694 e faleceu em Roma a 18 de Outubro um dos mais relevantes místicos do seu século.
e foram em missão pelo mundo, levaram consigo de 1775. Por influência da mãe, passou a encarar Paulo da Cruz fundou uma série de novos conventos
esta mesma devoção, que veio a tornar-se cada vez a Paixão de Cristo como força para superar as dos Missionários Passionistas. Em 1771, inaugurou,
mais forte e presente no ano 2000, ano em que dificuldades e, em 1713, num momento em que em Tarquínia, o primeiro mosteiro de clausura
Faustina foi canonizada. ouvia um sacerdote a pregar, deu-se a sua feminino para as Monjas Passionistas. Após a morte
“conversão”. Dois anos mais tarde, em 1715, decidiu do irmão, João Baptista, Paulo da Cruz sofre uma
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal alistar-se na cruzada da república de Veneza para série de doenças, tendo sido visitado pelos Papas
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência lutar contra os turcos. Todavia, em 1720, uma Clemente XIV (1774) e Pio VI (1775). Este último
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 852; GOMES, Manuel intervenção de Nossa Senhora esclarece defini- aprovou, com a Bula Praeclara Virtutum Exempla, a
Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, tivamente a sua vocação, dando-lhe a conhecer o 15 de Setembro de 1775, as Regras da Congregação,
Edições Paulinas, 1994, p. 179; MOCCIA, F., “Società “hábito”, o emblema e o estilo de vida da futura que tinham sido revistas. O Fundador faleceu, como
dell’Apostolado Cattolico”, in G. Pellicia e G. Rocca congregação. Abandona a carreira militar e regressa já foi referido, a 18 de Outubro de 1775, no convento
(dirs.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. III, à família. No dia 22 de Novembro, o Bispo de passionista, anexo à basílica dos Santos João e Paulo,
Roma, Edizioni Paoline, 1978, cols. 1590-1592. Alexandria, D. Arborio Gattinara, revestiu-o de no monte Célio, em Roma, doação do Papa Clemente
Digital: www.pallotti.org. eremita. Após esta celebração, recolheu-se na sacristia XIV. Em Janeiro de 1777, abrem-se os processos da
da Igreja de S. Carlos, em Castellazzo, e iniciou uma causa de canonização de Paulo da Cruz, tendo sido
ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA quarentena durante a qual elaborou o “Diário elevado à categoria de Venerável a 18 de Fevereiro

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PASSIONISTAS

de 1821, pelo Papa Pio VII. Foi beatificado por Pio IX, Para além dos três votos de pobreza, castidade e
a 1 de Maio de 1853, e canonizado no dia 29 de obediência, os Missionários Passionistas compro-
Junho de 1867, pelo Papa Pio IX. Liturgicamente, a metem-se, por um quarto voto, a promover a
sua festa comemora-se a 19 de Outubro. memória de Paixão de Cristo (Memoria Passionis)
com a palavra e com a própria vida, principalmente
junto dos pobres, dos marginalizados, dos chamados
“crucificados de hoje”.
Actualmente, há mais de 2600 missionários passio-
nistas, radicados em 58 nações dos cinco continentes.
São governados por um Superior Geral, eleito por
um sexénio, tendo como ajuda um Conselho formado
por seis Consultores, representantes das várias áreas
geográficas. A Congregação divide-se territorialmente
por Províncias, Vice-Províncias e Vicariatos, consoante
o número de religiosos existentes em determinadas
áreas.
Merecem também referência os nomes de santos
Seminário de N. Sr.ª de Fátima, Barroselas (DB)
passionistas. Para além do Fundador, a Congregação
Escudo passionista (I)
conta com mais seis santos: S. Gabriel de Nossa
Senhora das Dores; S. Vicente Maria Strambi; S.to em Portugal. Foi esta casa que, em 1951, acolheu
O carisma da Congregação assenta, evidentemente, Inocêncio Canoura; S.ta Gema Galgani; S.ta Maria os primeiros seminaristas passionistas portugueses.
nos pressupostos do Fundador, que defendia que a Goretti e S. Carlos Houben. Entre os beatos, O momento de reconhecimento e consolidação dos
maior e mais admirável obra do amor divino foi a Passionistas em Portugal deu-se a 1 de Dezembro
Paixão de Jesus Cristo, segundo a qual o poder de de 1955, quando se criou o Comissariado Português
Deus elimina a força do mal. Assim, dedica-se a da Congregação, que, em 1970, foi elevado a Vice-
promover a Paixão de Cristo e a propagar o seu -Província e, em 2000, à categoria canónica de
culto por meio de missões, retiros e outros ministérios Província.
sagrados, visando aprofundar a consciência do Actualmente, os Missionários Passionistas têm quatro
significado da Paixão na vida de cada ser humano. casas situadas em Barroselas (Viana do Castelo), S.ta
Os seguidores de Paulo da Cruz têm como missão Maria da Feira, Linda-a-Velha (Lisboa), S.to António
anunciar aos seus contemporâneos o amor de Deus da Charneca (Barreiro), e a missão de Uíje (Angola,
por cada pessoa, manifestado na Paixão, Morte e desde 1991). Deixaram marcas profundas da sua
Ressurreição de Cristo. Os Missionários Passionistas presença nos Arcos de Valdevez, Antuzede (Coimbra),
S. Gabriel de Nossa Senhora das Dores (I)
têm por missão específica fazer constante memória em Kimbele (Angola) e em Viseu.
destas realidades. As suas Constituições afirmam: Os Missionários Passionistas vivem em comunidades
“Conscientes de que a Paixão de Cristo continua encontram-se: Domingos Barberi (Itália); Lourenço fraternas, cultivando a oração, a contemplação, o
no mundo até Ele voltar na Sua glória, compar- Maria Salvi (Itália); Bernardo Silvestrelli (Itália); Pio estudo, a partilha e o trabalho. Dedicam-se ao
tilhamos das alegrias e ansiedades da humanidade Campidelli (Itália); Grimoaldo de Santa Maria (Itália); anúncio da Palavra, ao atendimento das pessoas,
a caminho para o Pai. Desejamos participar das Nicéforo Diez e 25 companheiros mártires (Mártires principalmente no sacramento da Reconciliação, e
tribulações dos homens, especialmente dos pobres de Daimiel, Espanha); Eugénio Bossilkov (Bulgária) à ajuda colaborante com o clero diocesano onde se
e abandonados, confortando-os e aliviando-lhes os e Isidoro de Loor (Holanda). encontram radicados. Têm três paróquias ao seu
sofrimentos. Com o poder da Cruz – Sabedoria de Portanto, a Congregação da Paixão conta com 36 encargo pastoral. Estão como capelães nas Forças
Deus –, animámo-nos a iluminar e superar as causas religiosos glorificados, com uma característica comum: Armadas e em hospitais. Animam e assistem os mais
dos sofrimentos em que se debatem os homens. a juventude. Apenas 10 ultrapassaram os 40 anos; variados movimentos eclesiais ou fomentam outros
Esta é a razão pela qual a nossa missão se dirige 2 viveram entre os 30 e 40; 18 entre 20 e 30; e 6 unidos à sua própria espiritualidade.
para a evangelização, mediante o mistério da Palavra não chegaram a 20 anos de idade (a maioria dos Existem ainda expressões laicais da espiritualidade
da Cruz, a fim de que todos conheçam a Cristo e Mártires de Daimiel eram estudantes). Juntamente passionista. Foi o Papa Pio IX, de espírito e vocação
o poder da Sua Ressurreição, participem dos Seus com todos estes, há que mencionar as jovens santas: eminentemente passionista, que consolidou, com
sofrimentos e se assemelhem a Ele na Morte para Gema Galgani e Maria Goretti. Para além destes a sua autorização infalível, a obra iniciada por S.
estarem com Ele na Glória. Todos participamos deste santos e beatos, a Congregação dos Missionários Paulo da Cruz, facultando ao Superior Geral da
apostolado, cada um segundo as suas aptidões, Passionistas tem ainda, na data actual, mais 10 Congregação dos Passionistas, em 1861, erigir
recursos e encargos” (Constituições da Congregação veneráveis. canonicamente a Confraria da Paixão, comunicando
da Paixão, n.º 3). Portanto, quer o Fundador, quer A 7 de Outubro de 1931, devido às perseguições aos seus associados as graças espirituais que a
os seus membros “sejam como trombetas sonoras anticlericais que se faziam sentir em Espanha, os Congregação Passionista usufrui. Os seus membros
que, animadas pelo Espírito Santo, acordem, Religiosos Passionistas refugiaram-se no Monte utilizam o escapulário negro da Paixão como distintivo
despertem as almas adormecidas no pecado, Sameiro, Arquidiocese de Braga, introduzindo a dos irmãos confrades.
mediante a santa pregação do Filho de Deus, Cristo Congregação em Portugal. Daqui passaram para a A Confraria da Paixão chegou a Portugal com os
Jesus, a fim de que, arrependidas, derramem salutares cidade de Braga até que, em 1933, chegam a primeiros passionistas, vindos da vizinha Espanha,
lágrimas de penitência, […] vivendo santamente, Barroselas, Viana do Castelo, onde levantaram a que que, quando estiveram radicados em Braga (1933),
segundo o próprio estado.” é considerada Casa-Mãe dos Missionários Passionistas fundaram aí a Confraria da Paixão, com autorização

250
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PASSIONISTAS

do Arcebispo, D. António Martins Júnior, tendo como passionista P.e João Bezerra. Este grupo define-se e Ressurreição de Jesus”.
primeiro Director um dos “santos varões passionis- como uma “expressão cultural e social da espiri- Existe ainda a ASPAS, Associação dos Antigos
tas”, o P.e Isidoro. Ainda existe, nos nossos dias, este tualidade Passionista”. Tem a seu cargo realizar a Seminaristas (âmbito nacional). Tem uma organização
núcleo da Confraria da Paixão, sendo assistida pelos Semana Santa em S.ta Maria da Feira (por si instituída), que passa pela constituição de uma Assembleia
passionistas da Casa de Barroselas. em colaboração com a Câmara Municipal e a Santa Geral, formada pelos representantes de cada curso.
O Grupo São Paulo da Cruz, de âmbito local, foi Casa da Misericórdia. São momentos fortes, que Destes, são eleitos os membros da Direcção ASPAS.
fundado em 1966, em Barroselas, pelo P. e João atraem milhares de pessoas a S.ta Maria da Feira: a Reúnem uma vez por ano e, presentemente, uma
Bezerra, missionário passionista. Tem Estatutos Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém (Domingo comissão prepara um site próprio na Internet, que
aprovados e conta com mais de uma centena de de Ramos) e a Via Sacra ao vivo (Sexta-Feira Santa). servirá para unir convergências, partilhar ideias e
membros activos. Trata-se de um grupo com várias No ano de 2008, o grupo lançou mais uma fomentar iniciativas enquadradas dentro da
actividades ao nível do teatro, do folclore, do des- actividade, ligada à Semana Santa: a “Procissão dos “espiritualidade carismática passionista”. Os ASPAS
porto, da formação sénior e juvenil, do canto, da Lírios ou do Encontro”, na sexta-feira que antecede têm um assistente passionista, nomeado pelo Superior
Liturgia, da escola de música, das realizações culturais o Domingo de Ramos. Provincial.
e sociais. Um dos seus lemas é “manifestar a amizade Este grupo assumiu ainda o estar em permanente Há também a associação Rosto Solidário (âmbito
nos vários ambientes através da vivência da frater- actividade com a encenação de peças de teatro, nacional congregacional). Por decisão do II Capítulo
nidade cristã e solidariedade social”, e ainda peças de mensagem, da autoria do passionista, P.e Provincial, realizado em Abril de 2006, os Missionários
“experimentar a beleza do conviver em Grupo para João Bezerra, fazendo do teatro um autêntico Passionistas confiaram, através do superior provincial,
testemunhar as Alegrias do Amor de Deus”. Realizam apostolado, integrado numa linha de “nova evan- a três religiosos (P.es Manuel Caridade Pires, Nuno
vários encontros anuais, para fomentar precisamente gelização”. Tem tido uma reconhecida receptividade Almeida e Rui Carvalho) a interação com o IPAD
a fraternidade entre todos os seus membros. Pela por parte das inúmeras pessoas que assistiram aos (Instituto Português para o Desenvolvimento), de
forma como se implantou no Vale do Neiva, o Grupo seus muitos espectáculos, nas mais variadas modo a atingir o estatuto de ONGD (Associação Não
São Paulo da Cruz é uma expressão cultural e social localidades do nosso país e do estrangeiro. Já se Governamental para o Desenvolvimento). O campo
do carisma e espiritualidade passionistas. lançou, em Setembro de 2005, a primeira pedra da de acção da Rosto Solidário define-se claramente
A Associação da Juventude Passionista, de âmbito sua futura sede, a partir da qual os gólgotas querem nos seus estatutos em duas frentes:
nacional, foi fundada em 1984, em S.ta Maria da dar apoio social e humano a crucificados de hoje, 1. Elaborar e ajudar a concretizar projectos de
Feira, pelo missionário passionista, P.e João Bezerra. com assistência a domicílio e, sendo possível, em desenvolvimento e de promoção humana, social e
parceria com a unidade hospitalar local. O Gólgota cultural, particularmente aqueles que tenham como
tem Estatutos aprovados no dia 12 de Setembro de destinatários as crianças e os jovens de países em
2002 e é liderado por uma Assembleia Geral, vias de desenvolvimento, apelando à participação
composto por uma Direcção, um Conselho Fiscal e de associações congéneres, nacionais ou estrangeiras,
centenas de elementos que procuram viver a ou outros organismos afins, públicos ou privados,
espiritualidade passionista, sem qualquer tipo de especialmente dos países PALOP.
remuneração. Neste âmbito começa a ser uma referência o ‘Centro
Este grupo chama-se Gólgota porque os seus Social Santa Cruz’, projecto já iniciado na Missão
membros assumem o ser testemunhas, pelo de Uíje, sob a condução dos Missionários Passionistas
exemplo de vida, do que “viram e ouviram no Monte ali em serviço. Está já construído e em serviço o
Calvário (Gólgota) aquando da Crucifixão, Morte primeiro edifício deste Centro Social, a mínima
fracção de um sonho que o tempo, os esforços e
generosidade de muita gente levarão a bom termo…
2. O horizonte da segunda frente da Rosto Solidário
é a Família na sua globalidade e a nível psicológico,
Grupo São Paulo da Cruz, grupo laical passionista, teatro psiquiátrico, clínico, legal, económico, social e
bíblico de rua: entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (I) religioso...
a. Apoio e ajuda aos jovens sobretudo os atingidos
pelas alienações da droga, do álcool ou da margi-
Na intenção fundacional esteve a vontade de se nalidade.
querer unir, numa frente comum, todos os jovens b. Apoio aos jovens na sua preparação para o
com quem os Passionistas têm contactos e onde casamento e oferta de acompanhamento posterior.
exercem a sua actividade, a nível nacional. A forma- c. Oferta de apoio e procura de soluções para a
ção permanente é um dos objectivos fundamentais problemática que assola a família de hoje.
desta associação. Tem tido altos e baixos, ao longo d. Procura de soluções e apoio na educação de
da sua existência. Funciona por Células, cujos mem- crianças, adolescentes e jovens.
bros reúnem quinzenalmente, para estudo, reflexão, e. Apoio efectivo na resolução dos problemas de
análise de assuntos pertinentes e oração. De quando violência doméstica.
em vez, realizam encontros intercélulas. Exercem f. E especialmente ser a voz e a face daqueles que
actividades culturais e sociais, ao longo do ano, e, não as possuem, numa sociedade apenas conduzida
no final do mesmo, têm o seu acampamento pelos parâmetros do economicismo e do ter.
nacional. g. Ser uma denúncia permanente e indomável
O Grupo Gólgota (âmbito local) foi fundado em das injustiças atropelos que esta sociedade inflige
1991, em S. ta Maria da Feira, pelo missionário Passionista (Tours) aos mais desprotegidos…

251
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

h. Lutar, com todos os meios disponíveis, para Revista comemorativa dos 75 anos de presença branca enrolada (para representar a Palavra que se
que todos beneficiem dos seus direitos, a que passionista em Portugal, 2006; OLIVEIRA, Manuel de tornou Imprensa)”; e o apóstolo S. Paulo, como
muitas vezes não têm acesso por ignorância própria Alves, “Passionistas”, in Enciclopédia Luso-Brasileira modelo paradigmático de acção missionária da Igreja
ou incúria dos serviços oficiais. de Cultura, vol. 14, Lisboa/S. Paulo, Editorial nascente, constituem a invocação dominante da
É esta a abordagem sumária de um projecto cujo Verbo/Edição Século XXI, col. 1421; OLIVEIRA, Manuel piedade comunitária. “Jesus Mestre, Caminho,
horizonte é constituído pelos valores, processos e de Alves, “São Paulo da Cruz”, in Enciclopédia Luso- Verdade e Vida”, a “Rainha dos Apóstolos” e “S.
caminhos que conduzem à verdadeira paz e equilíbrio -Brasileira de Cultura, vol. 14, Lisboa/S. Paulo, Editorial Paulo, Apóstolo”, estão presentes em toda a simbólica
deste mundo que tem na solução dos problemas Verbo/ Edição Século XXI, col. 1499. religiosa da Família Paulista, tanto nos domínios da
familiares a sua possibilidade efectiva.” liturgia e da música sacra, como nos da imagética,
ISABEL RODRIGUES da literatura e da estatuária comunitárias.
Em conformidade com as suas Constituições (n.os 1-
-6), a Sociedade de São Paulo “é uma congregação
PAULISTAS religiosa clerical de vida apostólica”, cuja finalidade
O Instituto Missionário Pia Sociedade de São Paulo, é a de alcançar “a perfeição da caridade nos seus
também designado por Sociedade de São Paulo ou, membros” através da prática, na vida comum, das
simplesmente, Paulistas, foi fundado em Alba (Itália), virtudes da castidade, pobreza, obediência e
pelo P.e Tiago Alberione, a 20 de Agosto de 1914. fidelidade ao papa, visando a evangelização,
Teve beneplácito do Bispo de Alba, a 27 de Março mediante o apostolado pelos mais modernos meios
de 1927, como Congregação de Direito Diocesano, de comunicação social.
obteve o Decretum laudis a 10 de Maio de 1941 e
a aprovação pontifícia definitiva a 27 de Junho de
1949.
É o núcleo fundante e altriz da Família Paulista –
presente em 62 nações, num total de 673
Residência dos Passionistas em Linda-a-Velha, Seminário
comunidades com cerca de 17 500 membros –
S. Paulo da Cruz (I)
constituída por 5 congregações: Sociedade de São
Paulo (112 casas, 1007 membros), Filhas de São
Paulo (254 casas, 2453 membros), Discípulas do
A Congregação tem ainda várias publicações Divino Mestre (170 casas, 1414 membros), Irmãs
informativas, espirituais, doutrinais e formativas: o de Jesus Bom Pastor (132 casas, 573 membros) e
boletim trimestral Família Passionista (desde 1986); Irmãs da Rainha dos Apóstolos (5 casas, 50 membros);
o jornal (sem periodicidade) Alegria e Juventude por 4 institutos agregados: Jesus Sacerdote (329
(desde 1971); as revistas Família Passionista (Abril- membros), São Gabriel Arcanjo (61 membros), Nossa
-Maio-Junho, de 1998), comemorativa do 1.º Encontro Senhora da Anunciação (604 membros) e Santa
Nacional da Família Passionista, e Missionários Família (2781 membros); e pela União dos Coope-
Passionistas, revista comemorativa dos 75 anos de radores Paulistas (8500 membros). Os dados referidos,
presença passionista em Portugal (2006); as Edições considerando as permanentes flutuações que ocorrem
Passionistas. na vida das comunidades, são valores aproximados
e referentes ao ano 2007.
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal 1. Espiritualidade, móbil e organização. Sendo
Portuguesa, 2007, pp. 853-854; B EZERRA , João, intenção do P.e Alberione que a actividade apostólica
O primeiro e único brasão da Sociedade de São Paulo
Contributos para uma Outra Qualidade de Vida no da Instituição se exercesse no campo da comunicação
aprovado pelo P.e Tiago Alberione, como marca
Âmbito da Bioética Teológica, Dissertação de social – tal como está extensa e profundamente da Instituição e das edições (I)
Mestrado em Bioética (296 pp., Dezembro de 2004); apresentado em Abundantes divitiae gratiae suae,
BEZERRA, João, Horizontes da Paixão, Santa Maria da obra de referência primeira deixada pelo Fundador,
Feira, Edições Passionistas, 1993; BEZERRA, João, “A e que contém o seu pensamento sobre os objectivos Os seus membros são sacerdotes (ordenados) e
experiência da Cruz. Caminho de Felicidade”, in espirituais e apostólicos para a Família Paulista –, os discípulos (não ordenados) que, no acto de admissão
Vida Consagrada, Lisboa, FNIRF-CNIR, n.º 103, ano elementos fundantes e estruturadores da à Congregação, professam os mesmos votos e se
9, Set. 1989, pp. 283-307; Família Passionista, Revista espiritualidade paulina foram tomados da vida constituem como “uma comunidade de vida, de
comemorativa do 1.º Encontro Nacional da Família histórica de Jesus, da Virgem Maria e do apóstolo oração e de apostolado”, regendo-se pelas mesmas
Passionista, Abril-Maio-Junho, de 1998; FRANCO, José S. Paulo, especialmente daqueles aspectos que, mais normas e participando “dos mesmos benefícios
Eduardo, “Passionistas”, in C. M. Azevedo (dir.), fortemente, estão evidenciados na difusão que- espirituais”, com direitos e deveres iguais e comuns,
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. C- rigmática. Jesus manifestado e tido como Mestre excepto nos que derivam da condição dos ordenados.
-I, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos (cf. Jo 14, 6); a Virgem Maria, fortemente associada Aos membros sacerdotes, além da assistência
de História Religiosa da Universidade Católica ao primeiro acto público de Jesus e à acção apostólica espiritual e administração sacramental no seio das
Portuguesa, 2001, p. 385; GOMES, Manuel Saturino (cf. Jo 2, 1-12; Act 1, 14) – mandada representar, comunidades, estão, especialmente, destinadas as
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições pelo Fundador, “elevada sobre o grupo dos tarefas do ministério da palavra de que são
Paulinas, 1994, p. 139; Jornal Alegria e Juventude, Apóstolos, Maria apresenta nos seus braços o Menino participantes na comunhão episcopal e agentes
n.º 24, Julho-Agosto 1982; Missionários Passionistas, Jesus, que traz na mão esquerda uma folha da papel naturais da hierarquia eclesiástica pela ordenação.

252
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

Aos membros discípulos, estão cometidas as tarefas saíram os correligionários de Garibaldi que Leão XIII), com a denúncia do desrespeito pelo valor
de complementaridade e “co-essencialidade” da acção tenazmente pugnaram pela unificação italiana, que moral do trabalho, ao permitirem-se excessos na
sacerdotal, e a eles estão confiados, sobremaneira, culminou com a proclamação do Rei do Piemonte, utilização de mão-de-obra de crianças, nas minas e
os aspectos relativos à materialização da acção pastoral. Vítor Emanuel II, em 1861. fábricas, “transformadas em autênticos ninhos de
A formação dos membros das comunidades é A Europa envolvente era atravessada por uma onda tísicos”, e também a acção firme e enérgica da
constituída por degraus ou etapas: o Postulado (dura de ebulição social que mergulhava as suas razões União de Friburgo que, em 1885, pediu à Igreja que
entre um e dois anos e a que acedem os aspirantes. nas tendências secularizantes que, paulatinamente, “recordasse as regras demasiado esquecidas da sua
Este período é aproveitado para estabelecer contacto se vinham implantando, desde a Modernidade, e doutrina acerca da natureza da propriedade e da
mais estreito com a comunidade, assimilando os espraiava-se pelo movimento ideológico do vida humana na pessoa dos pobres”, que terá
conteúdos de exigência apostólica da Vida Religiosa); Iluminismo. O positivismo da “Ordem e Progresso” contribuído para o aparecimento, em 1891, da
o Noviciado (com a duração de 12 meses, totalmente de A. Comte, com propostas de harmonia religiosa marcante Encíclica Rerum Novarum.
dedicados ao estudo dos princípios programáticos universal, recebia inúmeras adesões; a publicação, Decorriam ainda os efeitos desta generalizada
e constituintes da Instituição e ao apurado em 1848, da Origem das Espécies, de C. Darwin, turbulência quando Tiago Alberione nasceu. O teó-
discernimento das motivações de cada um, para a problematizava os conceitos criacionistas milenares logo da “Boa Imprensa” – como ele designava a
aceitação dos votos de comprometimento com a de inspiração bíblica; o Manifesto Comunista de imprensa católica – emergiu, naturalmente, segregado
vida comunitária que se pretende integrar); o 1848 e O Capital, de K. Marx, de 1867, contribuíam, por este organismo social de raiz e cultura cristã,
Juniorado (período de tempo variável – entre três e no domínio ideológico, para a contestação dos como um anticorpo estabilizador e reorganizador
nove anos – de estudo e reflexão, que antecede a padrões culturais tradicionais e para a emergência das dinâmicas eclesiásticas estilhaçadas e ameaçadas
profissão de votos perpétua). Com a profissão de de novas propostas sociais e políticas. Parado- de ruína. Nele se reuniam, privilegiadamente, a
votos perpétuos atinge-se a integração plena na xalmente, as massas operárias que as explorações temeridade rural piemontesa – cuja acuidade e
comunidade religiosa. Os membros destinados ao mineiras e a industrialização geravam constituíam- sensatez não pactuava com o acomodamento e
sacerdócio só podem ser ordenados, depois do -se em autênticos exércitos urbanos de descontentes, submissão –, e a pureza de ideais, que mergulhava
vínculo da profissão perpétua, ou seja, depois dos esmagados por uma exploração sem freio que lhes fundas raízes no lastro cultural cristão desse mundo
votos perpétuos. cerceava os mais elementares direitos e expectativas, rural extremamente religioso. Estas características
A estrutura hierárquica da Instituição está organizada e onde o desprezo pela dignidade humana roçava simbióticas, abundantemente identificadas pelos
por níveis: local (casas com pelo menos três membros), os níveis do esclavagismo. As novas ideologias – biógrafos do “Primeiro Mestre” da Sociedade de
regional (em país com pelo menos duas casas), declaradamente anticlericais, em que sobressaía a São Paulo, foram enformadoras da sua personalidade
provincial (em país ou região com pelo menos três força maçónica, federando os detentores do capital de lutador, pedagogo e exímio condutor de homens.
casas e 50 membros), geral (união de todas as casas), liberal, impondo fidelidades a patrões e operários,
Capítulo Geral (órgão colegial que, obrigatoriamente, ao mesmo tempo que fazia coro com as forças do 3. Nota biográfica de Tiago Alberione. Tiago
se reúne, de 6 em 6 anos, para eleger o Superior socialismo comunista, no combate à religião – Alberione nasceu a 4 de Abril de 1884, na pequena
Geral e o Conselho, donde sai o Vigário Geral). apareciam como bandeiras de libertação e como povoação de San Lorenzo di Fossano, na região de
Qualquer destes níveis tem um Superior – no nível propostas de uma nova ordem. Cúneo (Norte da Itália), e faleceu em Roma, a 26
local, nomeado pelo Superior Regional, Provincial ou Da parte do catolicismo, alguns sectores, já desde de Novembro de 1971, minutos depois de ter
Geral, com mandato de três anos, renovável uma o século anterior, esboçavam inquietação pelos recebido, no seu leito de morte, a visita do Papa
única vez consecutiva; nos níveis regional e provincial, violentos ataques desferidos à Igreja e pela Paulo VI, que muito admirava a sua obra, e que o
nomeado pelo Superior Geral, sendo com mandato desertificação que avançava no corpo dos fiéis. Em distinguira, em 1969, com a condecoração Pro
de três anos o Regional, e de quatro anos o Provincial, 1830, um desses sectores assumia pública posição Ecclesia et Pontifice. Foi beatificado, por João Paulo
também só renováveis uma vez; e o nível Geral tem através do jornal L’Avenir, empunhado pelo P.e Robert II, a 27 de Abril de 2003.
o Superior Geral eleito no Capítulo Geral, para um de Lamennais (1782-1854), considerado “pai do
mandato de seis anos – e um Conselho que é sempre Progressismo cristão” – anos depois expulso da Igreja
eleito, por sufrágio directo e por maioria absoluta. pela sua radicalidade –, que se tinha apercebido da
Os Conselhos são co-responsáveis e subsidiariamente necessidade urgente de a Igreja se socorrer da
ligados aos Superiores a quem adjuvam no governo imprensa, para fazer chegar aos seus fiéis a sua
e na condução dos destinos das Comunidades. mensagem mobilizadora e de combate à nova e
Cessam as suas funções com o Superior a que estão avassaladora onda ideológica. Entretanto, a voz
adstritos, e, da mesma forma, os Directores Gerais, política do Papado, em virtude dos manifestos
que têm a responsabilidade da gestão apostólica e compromissos que denotava, na defesa acérrima do
desempenhos de nível profissional dos membros e statu quo e da tradição, parecia já não ser ouvida.
empregados. Numa acção esforçada de reabilitação da desgastada
imagem da Igreja, Pio IX, em 1864, publica a Encíclica
2. Contexto histórico, político e sociocultural Syllabus errorum, condenando o liberalismo
da emergência institucional. O aparecimento da emergente, e convoca, em 1869, o Concílio Vaticano
Sociedade de São Paulo foi determinado por I (interrompido no ano seguinte, com a ocupação
contextos de cariz histórico e sociocultural marcados de Roma pelo exército da Itália unificada), mas com
de aspectos de efervescente turbulência política. parcos e contraditórios resultados, resumidos à
Poucos anos antes, a região do Piemonte, em que contestada constituição dogmática da infalibilidade
foi fundada, tinha sido palco de renhidas lutas entre papal. Em 1877, porém, prenunciava-se alguma
os exércitos franceses e austríacos, pelo domínio mudança nas palavras do Cardeal Vincenzo Giocchino
dessa rica região do Norte de Itália. Foi dali que Pecci (eleito Papa, um ano depois, com o nome de Imagem oficial da beatificação do Fundador da Família Paulista (I)

253
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

Era o quinto de sete filhos do casal Teresa Alloco e papal, encontros, congressos, palestras e liturgias.
Miguel Alberione. Foi criado no seio de uma vulgar Tiago Alberione convocado, assim como os seus
família de camponeses do Piemonte rural. Toda essa colegas, para a celebração litúrgica que decorreria
região estava salpicada de inúmeras povoações, à meia-noite na Catedral de Alba, assistiu, horas
muito próximas, onde, na época, predominava um antes, ao congresso de um movimento social católico,
espírito comunitário forte e onde a instituição que terminou com uma intervenção que o marcaria
eclesiástica se elevava na sua hierarquia como profundamente e no qual foi ouvida, além da palavra
referente e vigilante máximo das vivências sociais, do papa, a acalorada oração do destacado sociólogo
na imposição de normas comportamentais, no católico Giuseppe Toniolo – um dos fundadores da
respeito pelos costumes e na promoção das Democracia Cristã italiana – que apelava ao
celebrações, em simbiose perfeita com a família e suprimento “das necessidades da Igreja na luta contra
a escola, cujo poder adjuvava na defesa e transmissão os novos instrumentos do mal, do dever de opor
dos valores tradicionais. imprensa a imprensa, organização a organização,
A sua educação religiosa, no seio familiar, pode de fazer o Evangelho penetrar nas massas, das
dizer-se que a bebeu com o leite materno: o pai questões sociais…”
“enquanto os animais comiam e bebiam a ração da As palavras ouvidas no encerramento do congresso
manhã, retirava-se a um canto para recitar em voz ecoaram fundo no íntimo de Alberione, durante a
baixa a bênção – as orações da manhã. Enquanto celebração litúrgica que se seguiu, e suscitaram-lhe
isso, na cozinha, a sua esposa, fazia os filhos recitar respostas, acalentadas por uma inspiração que se
as mesmas orações, para habituá-los a começar o consubstanciava nas palavras de Jesus: “Vinde a
dia com o pensamento em Deus.” Aos 8 anos, deu Mim, todos… Estou convosco… até ao fim dos
indicações precisas de que pretendia ser padre, séculos”. A inquietação mística de que ficou
quando interrogado pela professora acerca do que prisioneiro com a experiência “daquela” noite foi- O Papa Paulo VI e o P.e Tiago Alberione (I)

queria ser quando crescesse. Os seus biógrafos dizem -se interiorizando e, a pouco e pouco, foi sendo
que, a partir deste episódio, a sua vida pareceu ter interpretada como apelo sobrenatural para contemplava a criação de “uma organização católica
sofrido uma radical modificação. Na sequência dessa concretizações de que descortinava um sentido vago de religiosos e religiosas, escritores, técnicos, livreiros
vontade, permanentemente manifestada, aos 12 e confuso, e a que a sua mente correspondia com e revendedores”.
anos, deu entrada no Seminário de Bra. Sabe-se imagens de “serviço à Igreja e aos homens do novo Seria uma sociedade constituída por pessoas total
que, desde que aprendeu a ler, mostrava uma avidez século”. Este episódio será entendido pelos estudiosos e exclusivamente entregues nas mãos de Deus
invulgar de leitura, dedicando longos espaços de de Alberione como o arquétipo fundante da Instituição (consagradas) que ofereceriam as suas vidas para o
tempo a essa actividade intelectual, privilegiando as Paulista. Os anos seguintes, até à sua ordenação, serviço da Igreja. Empenhou-se em levar por diante,
obras difundidas pelas missões dos Padres Brancos, serão intensamente dedicados ao estudo, privilegiando sem demoras, este projecto que, à medida que se
que, com alguma frequência passavam por aquela sempre as vertentes sociais e preparando-se, aconselhava e que recolhia pareceres junto dos padres
região, na angariação de fundos e suscitação de afincadamente, para concretizar ocultos desígnios mais chegados e das opiniões tidas por autorizadas,
vocações. que a sua intuição lhe sugeria e que se revelavam mais parecia inadiável. Mas, por que se tratava de
Os métodos originais do Cardeal Lavigerie, implemen- motivadoras da sua futura acção: como homem, ao uma organização de religiosos e religiosas, era
tados na dinamização missionária dos Padres Brancos serviço do seu semelhante; como padre, ao serviço prudente e aconselhável que a Regra de vida
causaram tão forte impressão em Tiago Alberione da instituição eclesiástica; e como missionário, ao comunitária se inspirasse em outra qualquer
que este chegou a pedir ao Vicariato Apostólico de serviço da divulgação da mensagem cristã. Instituição, já existente, cujos frutos de vida religiosa
Cartago o ingresso nessa obra missionária. No entanto, comunitária (principalmente nos aspectos práticos
quando a resposta chegou, Alberione estava 4. O Fundador. A 29 de Junho de 1907, Tiago da vida) devessem ser seguidos. Debruçou-se a
mergulhado numa forte crise vocacional, tendo mesmo Alberione, com 23 anos, foi ordenado Presbítero e estudar atentamente a Regra de vida e a participar,
abandonado o seminário. Seis meses depois, porém, colocado como coadjutor na Paróquia de Narzole. inclusive, dos retiros espirituais de muitas comu-
vencida a crise, Alberione, então com 16 anos, Ali, a par das suas funções eclesiásticas, desenvolveu, nidades, para melhor se aperceber das suas vivências.
frequentava já o Seminário de Alba, mas tinha desistido junto da população, uma intensa actividade social E, segundo os biógrafos, pelos menos até finais dos
do projecto de ser missionário em África. que acumulava com as de Director Espiritual e pro- anos 20, as preferências iam para os Jesuítas, cujos
Na passagem do séc. XIX para o séc. XX, iriam fessor de Liturgia, Arte e Religião, no Seminário de Exercícios Espirituais de S.to Inácio, normalmente
suceder-se alguns acontecimentos tão marcantes da Alba, de membro da Comissão Catequética Diocesana, aconselhava aos seus dirigidos. Ao mesmo tempo
personalidade e da vontade de Tiago Alberione que director dos Terciários Dominicanos, bibliotecário e que desenvolvia este trabalho de pesquisa, foi criando
lhe ditariam, definitivamente, o futuro de todos os membro da Associação da Boa Imprensa. laços de proximidade e de amizade com alguns
seus projectos de vida. A proximidade dos livros, na função de bibliotecário, elementos em que reconhecia o perfil de futuro
Ao aproximar-se a data da mudança de século, o e o envolvimento com o mundo da Comunicação “paulista”, como sucedeu com o Beato José Timóteo
Papa Leão XIII dirigiu um apelo para que a sociedade, Social, proporcionado pela participação das Giaccardo, o Venerável Maggiorino Vigolungo e o
como preparação para entrada do novo século, se actividades da Associação da Boa Imprensa, aliando Venerável André Borello (membros pioneiros e
mobilizasse em profunda reflexão sobre os grandes ainda a experiência que, desde criança, colheu da primeiros paulistas a distinguirem-se pela santidade
problemas da Humanidade, e aconselhava, para a poderosa influência das leituras, terão contribuído de vida).
noite da passagem, recolhimento e oração pelo novo fortemente para uma clara definição dos caminhos Em 1913, um inesperado acontecimento irá fortalecer
século que começava. Muitas instituições religiosas a escolher e dos objectivos a privilegiar. Desta forma, a tendência do P. e Alberione para apóstolo da
e sociais corresponderam a este apelo e aproveitaram o primeiro plano que emergiu na sua mente, inspirada comunicação social e franquear-lhe o mundo: foi
esta ambiência para realizar, a pretexto da proposta ainda naquela noite da passagem do século, convidado para dirigir o semanário católico Gazzetta

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

d’Alba, função que assumiu entusiasmado. Quatro -se, apesar das vozes dissonantes, mas, como corpo à qual dedicava todo o seu carinho, moldava de tal
meses depois, favorecido por circunstâncias orgânico, exigia já uma definição estrutural forma o espírito desses precursores, que lhes provocava
imprevistas, tornou-se seu proprietário. Para o P.e hierárquica, de forma que os órgãos de direcção desabafos como este: “O padre Alberione tinha criado
Alberione, este era o primeiro passo concreto do pudessem ser dotados da eficácia indispensável para à nossa volta uma atmosfera sobrenatural tão forte
seu plano, cuja oportunidade recebeu como uma fazer face à complexidade das situações que surgiam que nós não pisávamos a terra! Pedia-nos frequen-
bênção: fazer da imprensa o seu púlpito e escola e pudesse ultrapassar a fase de vulnerabilidade dos temente coisas difíceis, estranhas, que para nós se
de novos futuros pregadores. No ano seguinte, entusiasmos e dos carismas individuais. Todas estas tornavam normais. Os inícios foram um período
comprou uma pequena tipografia, que seria a preocupações com a estruturação física da Obra – excepcional. Existia um clima tal de espiritualidade
primeira escola e residência dos paulistas pioneiros, até à aprovação das primeiras Constituições, em que nós vivíamos como no outro mundo: Jesus, Nossa
para onde foi transferida a impressão da Gazzetta 1941 – iam sendo resolvidas pelo discernimento e Senhora, São Paulo eram como pessoas vivas entre
d’Alba. O local onde ficou instalada a tipografia sensatez do superior, frequentemente inspirado nos nós, na nossa Casa…” Era de tal intensidade a
(Escola Tipográfica Pequeno Operário) passou a ser conselhos entusiasmados de dois vultos da Diocese devoção e a entrega dos primeiros alunos e a
também a residência dos que nela trabalhavam. Ali de Alba, D. José Re, seu Bispo ordenante, e o Cónego correspondente dedicação, alegria e entusiasmo
tinham uma cozinha, um refeitório e um dormitório, Francisco Chiesa, seu antigo professor e Director transmitido pelo P.e Alberione que, em circunstâncias
e, à falta de um quarto para o Fundador, este Espiritual. No entanto, essas preocupações não extremas, quando o esforço despendido o prostrava
continuou a dormir no seminário. desviavam o Fundador do objectivo religioso de ou o retinha no leito, toda a casa sentia essa debilidade
A obra iniciada com os rapazes em 1914 (20 de construção espiritual dos que lhe estavam confiados. física do Fundador como uma culpa de todos, atribuída
Agosto) foi complementada, logo no ano a seguir, Os tempos eram rigidamente controlados e estabe- ou à falta de empenho ou a qualquer outra situação
a 15 de Junho, com a fundação do Laboratório lecidos, de forma que se pudessem conciliar as de pecado individual ou colectivo. Timóteo Giaccardo,
Feminino, embrião das futuras Filhas de São Paulo, obrigações laborais (a que dedicavam cinco horas ao referir-se a estas situações, deixou a seguinte
que se propunha dar continuidade ao trabalho diárias), as de estudo (outras cinco horas) e as de reflexão nas suas notas pessoais: “Geralmente (o
começado na Escola Tipográfica, e ainda dar descanso e de deveres de piedade. Embora se lhe senhor Teólogo, P.e Tiago Alberione) goza de boa
formação a um corpo feminino de catequistas. Das reconheça um comportamento escrupuloso no saúde, mas um acto de desobediência, um pecado
três primeiras adesões ao Laboratório, conta-se a cumprimento das suas obrigações, ele não na Casa perturbava-lhe tanto o estômago que não
da jovem Teresa Merlo que, alguns anos mais tarde sobrevalorizava os aspectos considerados normais e lhe permitia fazer a digestão; por isso nós, dos
(1929), haveria de ser a primeira Superiora Geral decorrentes das dificuldades naturais da vida. Isso, incómodos da sua saúde podemos deduzir se na Casa
(Primeira Mestra) das Paulinas. Com esta nova para ele, era um assunto que todos os dias depositava foi cometido algum pecado.”
vertente completava-se o ciclo de produção editorial nas mãos de Deus, a quem se confiava. Valorizava O apoio anónimo de simpatizantes de diversificadas
(a que se passou a chamar “Apostolado”) de criação, sim, a forma de olhar e cumprir a vida que, segundo sensibilidades sociais, que acarinhavam a Instituição
execução e difusão: os residentes na Escola ele, era um dom que não se podia desperdiçar em e a que faziam chegar muitas doações, enlevados
Tipográfica escreviam, imprimiam e editavam, e as todos os seus momentos, como oportunidades de pela contagiante alegria transmitida pelas primeiras
Paulinas faziam a propaganda e a difusão. que o homem dispõe para se santificar. Filhas de São Paulo no seu meticuloso e árduo
A evolução e crescimento destes ramos paulistas O ideal a que fora chamado apresentava-se-lhe tão trabalho de catequização nas paróquias e na difusão
acabaram por determinar neles uma autonomia cada aliciante – pois permitia, através da imprensa e das primeiras publicações paulistas, de porta a porta,
vez maior e transformá-los em colunas de realização diferentemente do púlpito das igrejas, multiplicar por levou a que o Fundador decidisse dar corpo social
religiosa apostólica separadas – Instituto Missionário milhares aqueles a quem se podia dirigir: “a câmara a esse espírito paulista disperso que alastrava e
Pia Sociedade de São Paulo (homens) e Instituto de filmar, o microfone, o ecrã são o nosso púlpito; instituiu, a 30 de Junho de 1917, a União dos
Missionário Filhas de São Paulo (mulheres) –, mas sob a tipografia, a sala de produção, de projecção e de Cooperadores da Boa Imprensa como verdadeiro
o mesmo impulso carismático: a difusão do Evangelho transmissão é como a nossa igreja”, mas ao mesmo ramo da Família Paulista, com ela empenhada na
pelos modernos meios de comunicação social. tempo tão difícil de alcançar, pelos impedimentos da divulgação do espírito paulista e com ela participante
A pouco e pouco, foram chegando novos membros sua imperfeição humana e dos que o acompanhavam, dos privilégios divinos no exercício dessa vocação.
que contribuíam para aumentar as esperanças do P.e que grande parte do seu trabalho de casa era Com as crescentes adesões, o espaço tornou-se
Alberione, mas também engrossavam as suas preocu- concentrado na exigência de fidelidade à oração, à muito exíguo e, entre 1919 e 1921, D. Alberione
pações, pela necessidade de gestão de pessoas e Obra e ao esforço de superação das capacidades de encetou diligências para adquirir um novo local,
bens e seu acompanhamento espiritual, acrescidas cada um. Ele acreditava que os que o seguiam onde pudesse, de uma forma mais definitiva, instalar
das ameaças que provinham das forças políticas em beneficiavam de uma efusão de dons divinos de forma um complexo apostólico. Por interpostas influências
contenda no terreno social – os socialistas e maçónicos acrescida e privilegiada. Com frequência dirigia-se à conseguiu os terrenos que desejava, em Alba, e
– e ainda as oposições que se começam a formar comunidade com apelos de responsabilização pela começou a construção. Sabendo, por formação e
por parte de alguns cépticos da hierarquia eclesiástica obrigação “de superarem os sacerdotes e os frades experiência, o valor da vida espiritual como apoio
que, junto do bispo, tentavam dificultar o reconhe- que vivam nos conventos” e apontava-lhes os das acções em que se empenhava e, percebendo a
cimento da nova e original Instituição – futuros exemplos de vida dos maiores santos da Igreja, como importância do empreendimento que agora
clérigos a desempenhar tarefas de operários – que, modelos de perfeição a seguir. Noutras alturas, começava, para o futuro da Instituição paulista,
não só emergia como um corpo estranho no seio da invocando as razões desse privilégio divino concedido entendeu que para uma obra daquela grandeza
Igreja como, paradoxalmente, parecia concorrer com aos Paulistas, exortava-os à correspondência aos dons urgia valer-se das orações de pessoas que se
os seminários diocesanos, suscitando entusiasmos e de uma forma que pudesse ser avaliada por todos: disponibilizassem de uma forma consagrada à
admiração de muitos jovens, como sucedeu, em o que os outros faziam, lá fora, em duas horas, os adoração do Santíssimo. Este foi um plano muito
1920, quando oito clérigos diocesanos, regressados filhos de S. Paulo teriam de fazer em uma; o que os acarinhado, e a criação de uma comunidade com
do serviço militar, recusaram a ordenação no Seminário outros aprendiam, no estudo, em quatro horas, eles estas características começou a tomar corpo quatro
de Alba e pediram o ingresso na Família Paulista. deviam aprender em duas, e assim sucessivamente. anos depois, com a fundação, em 1924 (10 de
A emergente Instituição foi crescendo e fortalecendo- O ambiente que se criou na comunidade que dirigia, Fevereiro), das Pias Discípulas do Divino Mestre.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

1960, para a promoção e edição da Sagrada Escritura. de longa-metragem Abuna Messias (premiado em
É responsável por edições da Bíblia em Inglês, Francês, Veneza, em 1939). Em Janeiro de 1948, quando
Espanhol, Italiano, Polaco, Português e Chinês, e ainda não eram reconhecidas, em Itália, as rádios
em dialectos das Filipinas (Tagalog, Cebuano e Ilongo), livres, foi lida a primeira mensagem na experimental
do Equador e Peru (Quichua), e do Paraguai (Guarani). Prima Radio San Paolo, merecendo especial referência
Desde o início, foram muitos os órgãos periódicos também a fundação, em 1951, da St. Paul Radio
fundados em Itália, com símbolo paulista, cujas Center de Wakaba (Japão). Actualmente, são
imitações tiveram larga difusão em países de inúmeros os programas de rádio e televisão da
implantação, de que se destacam: Gazzeta d’Alba responsabilidade dos Paulistas no mundo, de que
(órgão de informação muito ligado aos Paulistas, destacamos as rádios de sua propriedade, em língua
desde a sua fundação); os folhetos litúrgicos Una portuguesa, no Brasil: Rádio América e Rádio Difusora
P.e Alberione e as Superioras Gerais das Filhas de São Paulo
Buona Parola e La Domenica (fundados em 1921, Carioca (Rio de Janeiro), Rádio Olinda-Pernambuco
e das Discípulas do Divino Mestre, na segunda visita e este último editado em Portugal, nos primeiros e Rádio Cultura da Bahia.
a Portugal, 1952 (I) tempos da fixação); os jornais juvenis l’Aspirante e São igualmente órgãos importantes da Sociedade
Il Giornalino (fundados em 1924); o semanário La de São Paulo o CISF (Centro Internacional de Estudos
Voce di Roma (1926); a revista Famiglia Cristiana da Família) com sede em Roma, apetrechado com
Desta forma, ficavam alicerçados os quatro grandes (fundada em 1931, que é a revista católica de maior um Centro de Documentação e um Comité Científico
pilares que haveriam de garantir a eficácia da tiragem no mundo – com um milhão e meio de que, em colaboração próxima com a revista mensal
implantação paulista: o Instituto Missionário Pia exemplares semanais, em Itália –, e que, ainda hoje, Famiglia Oggi, visa a investigação no âmbito das
Sociedade de São Paulo (homens) e o Instituto sob o título Família Cristã, tem edição em portugês, problemáticas relacionadas com a família; o SPICS
Missionário Filhas de São Paulo (mulheres) escre- com periodicidade mensal); a revista trimestral (Estudo Paulista Internacional da Comunicação Social)
veriam, imprimiriam e difundiriam a Boa Imprensa; Cooperador Paulista (editada desde 1918 e, em que se debruça, especialmente, no estudo e
a União dos Cooperadores garantiria os meios de Portugal, desde 1950); a revista La Madre de Dio investigação científica na área das disciplinas da
difusão e apoio; e as Pias Discípulas do Divino (fundada em 1932 e, mais tarde, com o título Comunicação Social com vista ao seu uso para fins
Mestre rezariam pelo bom sucesso dos trabalhos de Aurora); Pastor Bonus (1937, edição pastoral, em pastorais; o CTIA (Comité Técnico Internacional para
todos. Em 1938 (7 de Outubro), surgiu o Instituto latim, destinada ao clero, cuja publicação cessou o Apostolado), criado em 1988, constituindo-se
Religioso das Irmãs do Bom Pastor, que se dedicam com a eclosão da II Guerra Mundial); Letture (1945); como instrumento de cooperação com o Governo
ao serviço pastoral nas paróquias, cuidando da Jesus (1978); posteriormente, Club3; Vita Pastorale; Geral da Sociedade de São Paulo, para a coordenação
catequese, liturgia e animação juvenil. Em 1959 (8 Famiglia Oggi; o Giornalino Baby; além de inúmeras e eficácia dos planos apostólicos nacionais e
de Setembro), foi a vez do Instituto das Irmãs de outras publicações, editadas desde a fundação, internacionais.
Maria Rainha dos Apóstolos, as Apostolinas, cujo correspondendo às solicitações das paróquias e
fim é o de procurar novas vocações apostólicas, dioceses das regiões onde os Paulistas estão 6. Expansão institucional. Em 1931, já com casas
através do desenvolvimento de acções de animação implantados. de formação e livrarias implantadas em quase todas
no meio juvenil. Um ano depois (8 de Abril de 1960), as grandes cidades italianas, deu-se o primeiro
emergiram, no seio da Família Paulista, quatro impulso para fora de Itália, tendo sido enviados
institutos seculares agregados: o Instituto Secular padres e irmãos para fundarem casas no Brasil,
Jesus Sacerdote, que pretende congregar no espírito Argentina, Estados Unidos; seguindo-se a França,
paulista os membros do clero secular; o Instituto em 1932; a Polónia, Japão, China, Espanha e Índia,
Secular de São Gabriel Arcanjo (Gabrielinos) e o em 1934; as Filipinas, em 1935; Portugal, em 1943;
Instituto Secular Nossa Senhora da Anunciação Irlanda, em 1946; Canadá, Chile, Colômbia,
(Anunciatinas), para jovens (homens e mulheres Inglaterra, México, em 1947; Venezuela, em 1951;
solteiros, respectivamente) que, embora nas suas Austrália, em 1952; Cuba, em 1953; Alemanha, em
casas e nos seus empregos, comungam e vivem, na 1954; Zaire (Rep. Dem. do Congo), em 1957; Coreia,
condição de consagrados, o espírito paulista; e o em 1961; Equador, em 1988; Peru, em 1989 e,
Instituto da Santa Família, para os casais com o ainda, Panamá, Costa Rica, Guatemala, Nicarágua,
mesmo anseio vivencial. “Todos os Institutos têm Nigéria e Macau.
origens comuns, espírito comum e fins convergentes.”
7. Implantação em Portugal. Em 1943 (18 de
5. Órgãos de difusão apostólica. Como fruto da Outubro), chegou a Lisboa o P.e Benedito Boano
actividade apostólica da Sociedade de São Paulo no Xavier que aqui ficaria por 12 anos, até 1955. Deixava
Mundo, além das cerca de 90 publicações periódicas uma Itália completamente devastada pela II Grande
que, actualmente, mantém em 30 países, dos milhões Revista Família Cristã (I) Guerra e rumava para a Península Ibérica, entregue
de exemplares de livros e produtos multimédia a si próprio, sem quaisquer recursos, e unicamente
editados e divulgados através de 610 centros apos- impulsionado pelo desejo de dar cumprimento ao
tólicos (livrarias, centros de animação espiritual, Nos domínios da produção cinematográfica, mandato do seu superior: fundar uma nova casa
vocacional e didáctica), ocupa lugar de destaque a radiofónica e televisiva: em 1939, foi fundada a REF paulista em Portugal. Saiu de Itália a 25 de Junho
divulgação da Bíblia, em variadas línguas, de que (Sociedade Anónima Romana Editrice Film), nome e, depois de uma viagem de hidroavião para
se ocupa a SOBICAIN (Sociedade Bíblica Católica original da futura Sanpaolofilm (inaugurada em Barcelona, rumou, de comboio, para Madrid, onde
Internacional), especialmente criada em 1924 e 1955), que produziu diversas películas de temática permanceu quatro meses, acolhido na comunidade
aprovada por Breve pontifício de João XXIII, em bíblica e cuja primeira grande produção foi o filme paulista daquela cidade, enquanto diligenciava para

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PAULISTAS

conseguir o visto de entrada em Portugal. A entrada ainda hoje, uma reserva simbólica importante da cultivo, com anexos residenciais para caseiros e
em Portugal foi concedida, com permanência por comunidade, frequentemente invocada, e que se vacarias. Ali se construíram dois edifícios destinados
30 dias, não se vislumbrando possibilidades da sua remete ao imaginário áureo dos tempos primeiros, a residência e actividades apostólicas. Hoje, passadas
dilatação, em virtude da ambiência restritiva em que as realizações humanas desses incipientes mais de quatro décadas, parte das instalações
provocada pela guerra. Passados alguns dias, porém, protagonistas surgem como cumprimento de uma sofreram remodelações e nelas estão sediados os
e favorecido por diligências extraordinárias de vontade maior e transcendente. serviços administrativos, comerciais e apostólicos da
algumas pessoas influentes no aparelho de Estado, A chegada de seis novos seminaristas e a previsão Sociedade de São Paulo, assim como as dependências
apesar de pouco explicáveis em tais circunstâncias, de outras entradas, para breve, tornou pequena a residenciais de alguns dos seus membros.
viu autorizada a sua permanência por tempo casa do Paço do Lumiar, o que forçou o P.e Xavier Com a evolução posterior e como resposta a novos
indeterminado, com uma única condicionante: a da a fazer diligências para procurar outro lugar. Assim, desafios, visando dotar a comunidade de maior
renovação anual dessa autorização. um ano depois, a 7 de Outubro de 1947, era capacidade e mais maleabilidade na relação com a
celebrada a primeira missa nas novas instalações – cidade, onde decorriam as actividades de apostolado
na Quinta de S. to António, na R. do Lumiar –, (livraria e difusão), além da proximidade das
adquiridas com a ajuda de uma benfeitora muito universidades, frequentadas quer pelos seminaristas
influente e rica de Lisboa, D. Maria de Melo, em formação quer pelos membros em trabalho de
considerada, pelo P.e Xavier, como co-fundadora da reciclagem e actualização, decidiu-se implantar em
casa de Portugal. Era uma quinta com residência Lisboa uma nova casa. Em 1981, adquiriu-se, na
apalaçada de três pisos, jardins, hortas e diversas zona de Alvalade (R. D. Pedro de Cristo), uma vivenda
instalações anexas (adega, estábulos e residência geminada que se adaptou, onde ficaram a residir
dos caseiros), no início da Calçada da Carriche. Ali os membros e seminaristas, cuja actividade decorre
se instalou, depois de algumas obras de adaptação, na cidade, e ficou sediada a redacção da revista
a pequena comunidade, já com algumas como- Família Cristã, além de alguns quartos para hóspedes
didades: quartos individuais para os sacerdotes, ou membros em trânsito ou de visita.
camaratas para os alunos, refeitórios, capela, espaço Em 1977, de uma forma quase inesperada, surgiu
para uma tipografia e amplas áreas para recreio; e, a ocasião de dar cumprimento a um voto antigo do
em instalações separadas, mas contíguas, uma P.e Xavier: fundar uma casa em Fátima. Proporcionou-
residência para algumas irmãs pias discípulas do -se a aquisição de um terreno (de 3 hectares), perto
Divino Mestre, que se encarregavam das tarefas do santuário (junto do Exército Azul), e, de imediato,
domésticas de lavandaria e cozinha. Nestas novas em instalações provisórias, alugadas, e de uma forma
instalações, chegaram a viver cerca de cinco dezenas experimental, a 5 de Outubro de 1984, deu-se início
de pessoas (padres, irmãos e seminaristas). Os pri- à Casa de Formação de Fátima. Passados três anos,
meiros frutos da comunidade de Lisboa surgiram a 18 de Outubro de 1987, de forma entusiástica,
entre finais na década de 50 e meados da de 60, ali se iniciou a construção da nova casa, com a
Na primeira visita a Portugal, em Maio de 1946,
com a emissão de votos (profissão perpétua) dos colocação da primeira pedra, na presença do então
o P.e Alberione encontrou-se com a família futuros padres Virgílio da Silva, António Duarte, Superior Geral, P. e Renato Perino, e do saudoso
Monteiro, primeira benfeitora dos Paulistas (I) Manuel Marques, Adérito Louro, João Gomes Filipe, primeiro Superior da Casa de Portugal, P.e Boano
José Bento, dos discípulos Ir. Paulo Barata e Ir. José Xavier. Foi inaugurada, solenemente, a 7 de Outubro
Araújo, e com a ordenação do primeiro paulista de 1990, com a celebração da Missa Nova de um
Em Lisboa, depois de uma breve hospedagem nos português, P.e Virgílio Ribeiro da Silva, a 25 de Janeiro membro da nova geração, P.e Francisco José Ribeiro
Salesianos, recebeu do Cardeal Patriarca, D. Manuel de 1957. Rebelo, que seria Superior daquela comunidade, de
Gonçalves Cerejeira, os encargos da capelania de Nos finais dos anos 50, surgiram rumores da próxima 1998 a 2002. O edifício da nova casa de formação
uma comunidade religiosa, as Irmãs Escravas da anexação, por parte do Município de Lisboa, de ocupa, sensivelmente, metade do terreno, e nele,
Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus, e de parte dos terrenos em que se situavam as instalações além da parte destinada a alojamento de pessoal
coadjutor na Paróquia da Penha de França (na época, da Sociedade de São Paulo, a fim de dar cumpri- auxiliar e dos membros e alunos residentes (com
com 40 000 habitantes), funções que desempenhou mento ao plano camarário que previa para aquele quartos, refeitório, cozinha, salas de aula e estudo,
de 1943 até 1946. Estes três primeiros anos foram local a passagem da futura auto-estrada de ligação biblioteca, capela, ginásio e auditório), dispersos por
aproveitados para criar laços e desbravar dificuldades. da capital a Loures. Entretanto, e sob a ameaça dois pisos, tem ainda áreas para garagem, armazéns
Em 1946, alugou uma casa no Paço do Lumiar, onde camarária de expropriação compulsiva, caso não se e uma ampla livraria; enquanto o restante terreno
se acolheu com três novos companheiros, sacerdotes chegasse a acordo, estabeleceram-se contactos e foi destinado para jardim e pequena horta.
paulistas, chegados de Itália, e alguns seminaristas fizeram-se diligências a fim de se encontrar um outro Ainda em 1947, saiu o primeiro número do jornal
que, entretanto, tinham sido cativados pela sua local para instalação da comunidade, o que veio a O Semeador (16 páginas, formato A4) – anos mais
acção vocacional. Tal como sucedera com o Fundador, suceder com a compra da Q.ta das Romeiras de Cima, tarde, tomará o título O Domingo – com a liturgia
no início da Congregação, também aqui, em Lisboa, no Concelho de Loures, em Apelação (junto a dominical e comentários catequéticos, especialmente
as dificuldades eram frequentemente resolvidas à Camarate). Vendida a Q. ta do Lumiar à Câmara endereçado aos párocos, que se encarregavam de
custa da apurada improvisação, de muito sacrifício Municipal de Lisboa, logo se iniciaram as obras de os distribuir depois das missas. Seguidamente, surgiu
e dedicação, e de tenaz capacidade de resistência construção da nova casa, que recebeu os primeiros O Cooperador Paulista, que tinha em vista dar a
e luta, estreitamente entretecidos de uma vida de habitantes – um grupo de noviços – em Outubro conhecer a Congregação, veicular informação sobre
piedade religiosa, comunitária, que alimentava a de 1961, e ficou totalmente concluída a 15 de Julho as edições e suscitar vocações. Simultaneamente, e
esperança, adoçava a entrega e fortalecia as vontades. de 1962. Era uma quinta de 16 hectares, com muitas devido à incipiente produção editorial, eram impor-
A recordação desses tempos pioneiros constitui, árvores de fruto e bastantes áreas destinadas ao tados alguns livros do Brasil que os seminaristas,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PREMONSTRATENSES

aos domingos, vendiam à porta das igrejas de Lisboa, algumas deserções de membros da comunidade,
à saída das missas. A primeira livraria foi aberta em especialmente dos mais permeáveis às novas
1952, na R. de S. Sebastião da Pedreira, tendo sido tendências ideológicas, e, com a carência de novas
transferida, em 1957, para o L. Trindade Coelho (ou vocações que se lhe seguiu, houve necessidade de
da Misericórdia) e para a R. de S. Nicolau (n.º 85), introduzir medidas correctivas que se substanciaram
em 1973, onde ainda se encontra. na extinção dos sectores laborais, directamente
O primeiro livro totalmente composto e impresso, relacionados com a edição. Em consequência, passaram
O actual logótipo da Paulus Editora, desenhado
no Lumiar, foi o Catecismo da Religião Católica, para a adjudicar-se a terceiros quase todas as tarefas
pelo famoso designer italiano Giuggiaro (I)
a Diocese do Funchal. A este, outros se seguiram, editoriais: traduções, composição, impressão e
ao ritmo da modernização da tipografia, onde os acabamentos, reservando-se a Sociedade de São Paulo
alunos seminaristas, que dividiam o seu tempo entre ao trabalho de recolha, selecção e organização de Filipe; 1977-1980: P.e José Vítor Silva e Sousa; 1980-
estudo e trabalho, inicialmente, faziam a composição materiais e textos a editar e a difundir, à administração -1982: P.e Adérito Lourenço Louro; 1982-1986: P.e
à mão e imprimiam numa máquina manual, mas de Livrarias (em Lisboa, Fátima, Covilhã, Ponta Delgada Vittorio Saraceno; 1986-1992: P.e Tiago Giraudo;
que, passado algum tempo, com a chegada de uma e Entroncamento), além do acompanhamento e 1992-1998: P.e Adérito Lourenço Louro; 1998-2001:
linotipo (composição mecânica) e de uma máquina formação dos futuros membros que se distribuem P.e Ricardo Ares Cerqueiro; 2001-2005: P.e Guillermo
de impressão automática (plana), se mostraram de pelas casas de Apelação, Lisboa e Fátima. Gándara Estrada; 2005-2008: P. e Zulmiro Caon.
invulgar destreza no seu manuseio. Em Dezembro Em período de globalização, fortemente influenciada
de 1955, com adopção do inovador sistema de pelo alargamento da Comunidade Europeia e pela BIBLIOGRAFIA: AA. VV., Caminho da Fé de Padre
impressão offset, deu-se um grande e temerário necessidade de convergência de sinergias das diversas Tiago Alberione (O), Trad. de Maria de Lourdes Belém,
passo editorial, com a manufactura e publicação de comunidades paulistas dispersas, quer pelo espaço Ilustrações de Glória Lanzoni, São Paulo (Brasil),
uma revista mensal, com capa a cores, de dimensão europeu quer, especialmente, pelo continente Família Paulina, s.d.; ALBERIONE, Giacomo, Abundantes
nacional, A Família, que mais tarde recebeu o atributo americano, em 1988, teve lugar em Ariccia (Roma) Divitiae Gratiae Suae, Roma, Società San Paolo,
Cristã (Família Cristã). Em poucos anos, passou a ser o Seminário Internacional dos Editores Paulistas. 1998; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa],
a revista católica de maior difusão no espaço nacional, Nesse encontro internacional traçaram-se linhas de Secretariado Geral da Conferência Episcopal
atingindo a tiragem de 70 000 exemplares por edição, conduta e de cooperação a serem implementadas Portuguesa, 2007, p. 854; COLACRAI, Angelo, A Voz
com grande número de assinaturas que se distribuíam por todas as comunidades paulistas, no Mundo. dos Tempos Novos: Tiago Alberione, Trad. de Maria
por Portugal, colónias e estrangeiro. Após o período Uma das decisões mais visíveis foi a adopção de um de Lourdes da Silva Assis, Lisboa, Ed. Paulistas, 1984;
da descolonização e da turbulência social que se logótipo comum e a criação de estruturas consultivas COMISSÃO CENTRAL DA FAMÍLIA PAULISTA (coord., ed.) et
seguiu, viu a sua tiragem reduzida, mas ainda hoje e de colaboração, no âmbito editorial, agrupadas por alii, P. Tiago Alberione É Beato, Trad. de Adérito
é publicada, com um corpo de assinantes bastante zonas geográfico-linguísticas. Desta forma, foram Lourenço Louro, Fotografias de Giancarlo Giuliani,
fidelizado. criados os seguintes agrupamentos sectoriais: o grupo Severino Marcato, Luca Marchi, Ed. trilingue (port.-
Europa formado por Itália, França-Canadá, Inglaterra- ital.-ingl.), Roma, Società San Paolo, 2004;
-Irlanda, Espanha, Portugal, Polónia e Alemanha; o Constituições e Directório da Sociedade de São Paulo,
grupo CIDEP (Centro Ibero-Americano de Editores São Paulo, Ed. Paulinas, 1985, pp. 194; Cooperador
Paulistas) que pretende congregar os interesses Paulista, Revista trimestral da Família Paulista, n.º 1,
editoriais, de troca e de consulta dos países de língua Lisboa, Paulus, 2003, pp. 28; L AMERA , Stefano,
castelhana (Argentina-Chile-Peru, Colômbia-Equador- Matrimonio Via di Santità, 3.ª ed., s.l., Ed. Paoline,
-Panamá-Costa Rica, México, Venezuela, Espanha) e 1977; LOURO, Adérito Lourenço, Boas Notícias: Boletim
portuguesa (Brasil e Portugal); o Grupo CAP-ESW Informativo Mensal da Família Paulista em Portugal,
(Conference of Asia Pacific and English Speaking World) 2001; SASSI, Sílvio, “Beato Tiago Alberione: Apóstolo
formado pela Índia-Nigéria, Filipinas-Macau, EUA, da Comunicação”, Supl. da revista Família Cristã,
Inglaterra-Irlanda, Coreia e Japão. Em consequência n.º 4, Lisboa, Paulus, 2003, pp. 32; PERINO, Renato,
destas reestruturações, as edições portuguesas passa- Necesitamos Santos Comunicadores para la Nueva
ram a usar o símbolo universalizado com a legenda Evangelización, Santiago do Chile, San Pablo, 1994;
PAULUS. Até aqui, tinham sido adoptadas diversas ROLFO, Luís, Padre Tiago Alberione: Anotações para
designações, e. g.: CEP (Centro Edições Paulistas), EP uma Biografia, 2.a ed. rev., São Paulo (Brasil), Paulus,
(Edições Paulistas), ESP (Edições São Paulo). 2001; U GENTI , António, Padre Tiago Alberione:
A Sociedade de São Paulo em Portugal constitui Apóstolo da Comunicação Social, Adaptação e
uma região apostólica, desde 1982. A Região de redução de Mário Santos, Lisboa, Ed. Paulistas, 1983.
Revista Família Cristã (I)
Portugal, com um Superior Regional e um Conselho
Regional de dois membros, tem três casas, cada RUI A. COSTA OLIVEIRA
Os tempos, pós-Concílio Vaticano II, trouxeram uma com o seu Superior Local e respectivo Conselho.
alguma perturbação às instituições eclesiásticas, com São os seguintes, os membros que exerceram as
reflexos na forma de entender a função dos funções de Superior (Local até 1982, e Regional a PREMONSTRATENSES
seminários (em regime de internato), e de certos partir daquela data) – 1943-1955: P.e Benedito Boano A Ordem Premonstratense, cujos membros são
aspectos de auto-suficiência que tradicionalmente Xavier (Fundador); 1955-1962: P.e Tiago Giraudo; também conhecidos por Cónegos Premonstratenses,
persistiam, especialmente, nas comunidades religiosas 1962-1964: P.e Gino Pizzeghello; 1964-1967: P.e Ivo é uma comunidade de cónegos regulares seguidores
clericais, e, em Portugal, agravados com a impetuosa Pazzaglini; 1967-1970: P.e Egídio Spagnoli; 1970- da Regra de S.to Agostinho, fundada em 1121 por
secularização trazida pelos ventos pós-25 de Abril. -1973: P.e Virgílio Ribeiro da Silva; 1973-1975: P.e S. Norberto, junto a Laon. Deve o seu nome ao local
As dificuldades desse tumultuoso período provocaram Adérito Lourenço Louro; 1975-1977: P.e João Gomes escolhido, o vale de Prémontré, para a sua primeira

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PREMONSTRATENSES

comunidade canonical, onde a disciplina era de uma no que diz respeito à liturgia, à vivência diária Abadia-Mãe. Contudo, nos finais da Idade Média,
rígida ascese. Ficaram também conhecidos por dedicada ao trabalho, à oração e assistência a começara já o seu declínio. No séc. XVI, segundo
Norbertinos. Nasce em plena Reforma Gregoriana, enfermos e peregrinos. Em Prémontré foi construído os cronistas da Ordem, por culpa da divisão em
durante o grande movimento de renovação espiritual um hospital, que esteve ao cuidado de uma mulher, comendas, verifica-se um relaxamento acentuado,
inspirado no modelo da vivência dos apóstolos, ideais Ricvère de Clastres. empobrecimento espiritual e material. As perse-
de retorno aos princípios evangélicos de oração e Para orientar a Ordem, foi escolhida a Regra de S.to guições protestantes foram também um factor que
pobreza, que foram partilhados tanto pelos homens Agostinho e, sobretudo o texto que a precede, ou contribuiu para o seu declínio. A Ordem foi extinta
da Igreja, como pelos leigos. seja o ordo monasterii – texto que encerra prescrições em França com a revolução de 1789, e em Espanha,
O Fundador, Norberto de Xanten (1080-1134), é o rigorosas sobre a pobreza, o trabalho (manual e em 1835.
filho mais novo de uma família da nobreza alemã. intelectual), o jejum, a abstinência e a clausura. Ao Os Premonstratenses são, hoje, uma Ordem
O seu pai é o Conde Herbert de Gennep e sua mãe adoptar a regula secunda, os Premonstratenses florescente nalguns países como a Bélgica, Alemanha
Edwige. Destinado pela família à Igreja, é oferecido, agruparam-se na categoria de cónegos regulares, e Holanda.
ainda criança, como oblat ao Capítulo da Colegiada adeptos de uma rígida ascese, abraçando, assim, o Os Norbertinos terão entrado na Península Ibérica
de Saint-Victor de Xanten. Torna-se Capelão na corte ordo novus, em oposição ao ordo antiquus, com pela Catalunha onde ganharam a simpatia e
do Arcebispo de Colónia (1108 ou 1109) e pouco normas de vida menos rígidas. Tinham como ideal protecção dos Condes de Urgel. Na década de 40
depois vamos encontrá-lo, com a mesma função na a pobreza e por missão a cura das almas, ideais e do séc. XII, vários mosteiros foram erigidos, primeiro
corte imperial de Henrique V. Recusa o Bispado de espiritualidade que fazem deles os percursores dos S. ta Maria de Bellpuig de las Avellanas (Lérida),
Cambrai (1113), oferecido pelo imperador. Nada, mendicantes (LOT, Ferdinand, FAWTIER, Robert (dirs.), Retuerta (Valladolid) e La Vid (Aranda del Duero,
no seu percurso, indica predispô-lo à escolha de Histoire…, p. 223). O hábito branco de lã escolhido Burgos). Em meados da centúria de Duzentos eram
uma vida religiosa austera. É um jovem aristocrata é a síntese dos seus ideais: a lã, o símbolo da pobreza uma presença em várias províncias com os Mosteiros
que leva uma vida despreocupada, fútil e até e o branco, a cor deste movimento de renovatio. de Aguilar, Ibeas, Avila, Arenillas, Villamediana,
dissoluta, quando vive um momento dramático: um Porém, as vestes litúrgicas não foram suprimidas, Segovia e Alba de Tormes. No séc. XVI, em Espanha,
raio cai a seus pés e conhece, como muitos outros os cónegos quando integravam o coro envergavam tornam-se uma Congregação autónoma (1573-1593),
santos, a conversão. Deixa a corte imperial, regressa vestes de linho. O caminho apontado pelo Fundador e tomam o hábito preto iniciando, então, uma
a Xanten, onde é cónego da colegiada. Muda é, no seu essencial, a pobreza e a vida em comu- actividade mais intensa fora dos claustros (CORREDERA,
radicalmente de vida, desfaz-se dos bens e parte, nidade. Escolhas que se inscrevem dentro dos ideais E., “Premonstratenses”, col. 2022).
tornando-se, como tantos outros, um pregador da Reforma Gregoriana. S. Norberto tem como ideal No território que é hoje Portugal, a Ordem de
peregrino. Homem culto e com grande carisma, pessoal a pregação e o sacerdócio. A Regra e as Prémontré, apresentou sempre um carácter marginal
depressa a sua pregação atrai homens e mulheres, Constituições foram aprovadas pelo Papa Honório III “no percurso histórico do monaquismo português”
assim como alguns problemas com as autoridades em 1126, ano em que Norberto foi nomeado (GOMES, Saúl António, “Premonstratenses”, p. 57)
eclesiásticas. Contudo, Norberto ganha adeptos e Arcebispo de Madebourg. e a sua história é, no dizer de José Mattoso, muito
protectores. É a partir dos seus costumes que a comunidade obscura (MATTOSO, José, “Premonstratenses”, col.
É nesta fase que encontra a protecção de Barthelémy, estrutura a sua vivência diária. A abadia de Prémontré 1003). Segundo Pedro Diniz, “esta Ordem teve mui
seu primo, e também de um dos seus primeiros torna-se a cabeça da Ordem, que se organiza pouca duração neste reino” (D INIZ , Pedro, Das
companheiros, Hugues de Fosses, que será o grande inspirando-se na Charte de caridade cisterciense, ou Ordens…, p. 111). As fontes disponíveis provenientes
organizador da Ordem. seja, autonomia das abadias. Contudo, ainda no da Ordem, que datam do séc. XVI, fazem referência
Com um pequeno grupo de seguidores instala-se, séc. XII, o Capítulo Geral assume um papel a quatro mosteiros portugueses, todos fundados no
na Páscoa de 1120, em Prémontré junto a uma preponderante e, em 1320, organiza-se em Circarias. séc. XII. As fontes coevas conhecidas, que referenciam
pequena ermida dedicada a S. João Baptista. Aí é A devoção a Maria não fazia parte das tradições a Ordem em Portugal são poucas e dispersas. No
fundada (1121 data oficial) a sua primeira abadia. canónicas, mas no contexto espiritual do séc. XII entanto, de acordo com Saúl António Gomes, “tendo
A este grande movimento de renovação espiritual evidencia-se de forma intensa a devoção para com em atenção o contexto historiográfico e documental”
não ficaram alheias as mulheres, que seguem os a Virgem. A primeira abadia premonstratense é a presença de casas desta ordem em território
pregadores ambulantes, como Bernard d’Abrissel ou dedicada por S. Norberto a Maria, ainda que a português é irrefutável (G OMES , Saúl António,
Norberto de Xanten, juntando-se ao movimento pequena ermida fosse, primeiramente, da invocação “Premonstratenses”, p. 57).
eremítico, acompanhando, assim, de perto, toda a de S. João Baptista. No Hospício de Prémontré, os Na tomada de Lisboa, entre os cruzados que
vivência espiritual do séc. XII. Desde o primeiro dias em que eram distribuídas esmolas coincidiam ajudaram D. Afonso Henriques estava um certo
momento, a pregação de Norberto chamou a si uma com festas marianas. Gualter da Flandres, que professava nesta Ordem.
numerosa população feminina e a primeira casa A Ordem, pela sua localização geográfica afastada Sabe-se por uma fonte coeva, o Indiculum fundationis
fundada era mista. As duas comunidades, masculina da povoação, mas situada na confluência de duas monasterii Sancti Vincentii (Portugal Monumenta
e feminina, viviam separadas lado a lado, mas grandes vias de ligação europeias, permitia acesso Histórica…, vol. 1, pp. 90-93) que, após a conquista
partilhando uma igreja comum. Porém, esses fácil à Flandres, Inglaterra, Itália e Alemanha, onde da cidade, D. Afonso Henriques manda instituir o
mosteiros duplos foram suprimidos a partir de 1137, Norberto beneficiava do apoio de uma rede familiar. Mosteiro de S. Vicente em Lisboa, onde uma pequena
sendo as mulheres isoladas, mas ficando sob a tutela Em parte usufruindo do momento histórico e comunidade estaria sob o comando desse flamengo;
do mosteiro masculino. Cerca de um século mais sobretudo do carisma de Norberto e do pragmatismo mas em virtude da organização dos Premonstratenses
tarde (1247) tornam-se monjas contemplativas, de Hugues de Fosses, a Ordem teve uma rápida e da obrigatória sujeição à Casa-Mãe em França, o
mantendo-se, contudo, sob a tutela da Ordem. expansão. Em breve o modelo foi exportado para a rei entregou S. Vicente aos Cónegos Regrantes e
Nos primeiros tempos, o exemplo e o carisma de Alemanha, Países Baixos, Inglaterra, Itália, Hungria, Gualter ter-se-ia retirado em paz para a sua terra.
Norberto foram suficientes para organizar a vida em Península Ibérica e Terra Santa. Vivem então um A tradição historiográfica aponta a Ermida do Paiva
comunidade. Porém, com a expansão da Ordem, foi período de pujança, contando cerca de 1300 abadias como local de fixação dos Norbertinos em Portugal.
necessário adoptar princípios organizativos, sobretudo espalhadas pela Cristandade, todas dependentes da Temos notícia da presença de um D. Roberto, talvez

259
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS PREMONSTRATENSES

de origem nórdica, como indica o nome, que alguns desse mesmo logar”. Provas do seu poderio são decénios mais tarde, por influência de D. Aleixo de
dizem ter sido companheiro de Gualter, nessa ermida, também alguns objectos, alfaias do culto, que Meneses, o mosteiro e seus bens são concedidos
junto ao rio Paiva. No ano de 1145, de acordo com integraram o espólio do Museu de Arte Antiga em aos Eremitas de Santo Agostinho. Apesar da sua
documento de Arouca, D. Afonso Henriques faz Lisboa (LACERDA, Aarão de, O Templo das Siglas…, insistência, os premonstratenses espanhóis não
doação a D. Roberto e a seus confrades de uma p. 78). Sendo do padroado régio, D. Dinis consentiu conseguem a anexação do Mosteiro do Paiva (1609)
herdade em S. João da foz do Douro, na Ermida de na eleição do seu prior, feita pelo conuento do (BACKMUND, Norbert, “Les Origines…”, pp. 419-421).
Riba Paiva (AZEVEDO, Rui (ed.), Documentos Medievais mosteiro do “eremita Roberto” (COSTA, M. Gonçalves Outro núcleo atribuído aos Norbertinos é a Igreja
Portugueses…, doc. 211, p. 260). Alguns decénios da, “Idade Média…”, pp. 548-549). No censo (1320- de Baltar, da Diocese de Lamego, que, sob a influência
mais tarde, o Cardeal Jacinto, Legado do papa, -1321), o Mosteiro de S.ta Maria da Ermida de D. da Ermida de Riba Paiva, evoluiu para uma estrutura
concede-lhes uma carta de protecção (1173), Roberto tinha rendimentos avaliados em 300 libras colegial ou monástica. Esta igreja tinha Cabido e,
declarando que eles vivem sob a Regra de S. to (ALMEIDA, Fortunato, História…, vol. 4, p. 117). No segundo o censo de 1320-1321, rendia 200 libras,
Agostinho. São também dispensados do pagamento ano de 1358, D. Pedro confirma ao “moesteyro e rendimento demasiado elevado para uma simples
de dízimos, a civis ou eclesiásticos, podendo-se inferir conuento da hermjda de sam Ruberte” as suas graças igreja (ALMEIDA, Fortunato, História…, vol. 4, p. 117).
que a ermida tinha uma função assistencial. Em cerca e privilégios (Chancelarias Medievais…, doc. 239). Pela chancelaria de D. Pedro sabemos que os
de 1180, o rei faz-lhe doação de mais duas casas Anos mais tarde, o mesmo rei consentiu e outorgou procuradores do concelho “faziam concelho aa porta
no reguengo de Reris e Solgo (BACKMUND, Norbert, a eleição de Fr. Afonso, frade professo de “Sancta do dicto moesteiro” (Chancelarias Medievais…, doc.
“Les Origines…”, pp. 437-438). Este núcleo cas- Maria da hermjda de Dom Roberto do bispado de 234). Também este mosteiro foi secularizado (1488)
trodairense terá sido o priorado responsável por Lamego quamdo o elegerom por prior do moesteiro e em 1537 rendia 65 000 reais (COSTA, M. Gonçalves
algumas igrejas com função paroquial, na Diocese de Bemdoma do bispado do Porto”, (Chancelarias da, “Idade Média…”, pp. 316-317).
de Lamego. Medievais…, doc. 736). S.ta Maria do Paiva terá, S. ta Maria de Vandoma, (também designada S. ta
assim, sido o centro orgânico dos Norbertinos em Eulália) do Bispado do Porto, segundo a tradição
Portugal. D. Fernando respondeu favoravelmente ao historiográfica, pertencia à Ordem de Prémontré. D.
pedido do prior do convento da ermida sobre os Afonso Henriques, no ano de 1180, concedia carta
legados pios nas terras reguengas e confirmou todos de couto ao Mosteiro de Vandoma; anos mais tarde,
os seus privilégios, foros e liberdades (Chancelaria o Bispo do Porto, D. Fernando Martins, contempla
de D. Fernando, ANTT, liv. 1, fls. 64, 71). Também no seu testamento a Ermida de Vandoma. Esta
D. João I faz mercê ao Convento de D. Roberto, ao ermida, situada num desvio da estrada Porto - Entre-
isentar (1386) os moradores de Joaninho de pagarem -os-Rios, teria sido abrigo de eremitas, que pela sua
foros e prestarem serviços concelhios (COSTA, M. localização podiam comunicar com todos os
Gonçalves da, “Idade Média…”, pp. 548-549). No povoados importantes da região duriense. No censo
Parochial de 1772, o Pároco de S. Joaninho, Carlos de 1320-1321, o Mosteiro de Bendoma é avaliado
Simões Pinto de Mouta, diz que a igreja da ermida em 225 libras (ALMEIDA, Fortunato, História…, vol.
foi mosteiro de frades e que estes teriam sido 4, p. 95). Temos a primeira referência concreta da
expulsos em 1312 – informação que é corroborada sua filiação norbertina numa procuração de 1324,
pela composição sobre a jurisdição do Mosteiro de elaborada em Vandoma, que apresenta o mosteiro
Baltar e o concelho (1344), que nomeia um prior e como sendo “da ordem de preamestre” e tendo
seis cónegos, acrescentando “ca no auja hi mais como orago S.ta Maria. Ficamos também a conhecer
frades nem conegos”. (Chancelarias Medievais…, os Procuradores, que foram nomeados pelo Capítulo
doc. 234). Se, pela documentação papal, os para, em Leiria, assistirem à publicação de certos
Premonstratenses são ainda uma presença entre nós, mandados do Bispo de Lisboa e Núncio Pontifício
no séc. XV (Portugal Monumenta Historica, vol. VI, D. Gonçalo (Arquivo Distrital de Braga, Col.
doc. 89; vol. XII, docs. 64, 114), o Prior da ermida Cronológica, doc. 410). Quando, no ano de 1499,
é D. Álvaro do Olival da Ordem de Santo Agostinho é eleito, na Ermida do Paiva, Fr. Afonso para Prior
(1488). Backmund questiona, no entanto, a conti- de Vandoma, esta já era uma abadia secular.
Premonstratenses (Tours)
nuação da fidelidade à via de Prémontré. Contudo, A paróquia será entregue no final do séc. XVI aos
assim ficou conhecida e D. Manuel designa-a de Jesuítas (BACKMUND, Norbert, “Les Origines…”, pp.
Vamos encontrar uma referência concreta à presença “hordem branca de nossa Senhora de Premonstre”, 433-435).
dos Premonstratenses entre nós no ano de 1264, na doação do “moesteiro da hermyda do bispado de O último mosteiro, que é também referido como
quando o Papa Urbano IV pede ao legado pontifício Lamego”, em 1502 (Livro 1 Beira, ANTT, fl. 58). tendo professado na canónica norbertina, é o de S.
para recolher o subsídio para a Terra Santa no No ano de 1501, a Ermida de Riba Paiva, já Julião do Pereiro, fundado em 1156, que mais tarde
Arcebispado de Braga. Nos finais do séc. XIII, voltamos secularizada, foi com a sua anexa de Baltar instituída encontramos como pertencente à Ordem Militar de
a ter testemunho da devoção para com o convento em comenda a favor de D. Diogo Ortiz, Bispo de Alcântara. Sobre este mosteiro não há unanimidade
e Prior da Ermida de D. Roberto, pela doação que Ceuta. Anos mais tarde, o então Comendatário, D. entre os historiadores, negando alguns, como por
lhes é feita (1278) por D. Pedro Eanes de Portel e Cristóvão de Noronha, reconheceu o abade exemplo Backmund, que esta comunidade alguma
sua mulher. Era ainda, nesta data, um mosteiro premonstratense de S.ta Maria de la Caridad, de vez tenha pertencido aos Premonstratenses.
poderoso, à escala regional, sob o governo de Ciudade Rodrigo, como pater abbas, situação que Nos finais do séc. XV, os visitadores espanhóis da
“Joham Periz, prior de Sta maria da ermida”, que foi ruinosa para a comunidade, que ficou reduzida Ordem, vindos a Portugal, autorizados por D. Manuel
assina num documento proveniente de Arouca, a dois clérigos. Nesse mesmo ano, as populações a reformar o mosteiro da Ermida do Paiva, não
publicado por Viterbo em Provas e Apontamentos do couto da ermida receberam foral de D. Manuel. tiveram êxito e os Premonstratenses extinguiram-se
da História Portuguesa, “en sembra com o conuento Em 1570, morre o seu último religioso e, alguns em Portugal. Ficaram esquecidos dos nossos cronistas

260
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REDENTORISTAS

e historiadores até ao séc. XVIII, quando Fr. Thomás REDENTORISTAS Espanha, em 1734, o cedeu ao filho Carlos III com
da Incarnação (1762) evocou a sua presença em A Congregação do Santíssimo Redentor (C SS R), todos os direitos, pela sua entrega, em 1759, a
território português. comummente conhecida por Redentoristas, foi Fernando IV, casado com Carolina de Áustria, pela
fundada a 9 de Novembro de 1732, em Scala, nos epidemia de 1763-1765 e, para rematar, pela
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Arquivo Distrital de Braga, arredores de Nápoles (Itália), por Afonso Maria de revolução de 1799, sucedânea da revolução francesa
Col. Cronológica, doc. 410; Chancelaria de D. Ligório. de 1789. A dimensão interaccional destes aconte-
Fernando, ANTT, liv. 1. Impressa: ALMEIDA, Fortunato, cimentos – alguns deles levaram ao seu expoente
História da Igreja em Portugal, 4 vols., Nova ed. máximo a racionalização e a paixão – provocou a
preparada e dirigida por Damião Peres, Porto/Lisboa, destabilização de vários sectores e repercutiu-se em
Portucalense Editora, 1967-1971; ARDURA, Bernard, todos os vectores axiológicos, diminuindo as
Prémontrés Histoire et Spiritualité, Saint-Etienne, condições de vida dos mais carenciados. Foi em tal
Université de Saint-Etienne, 1995; AZEVEDO, Carlos contexto de escândalo para a dignidade e a esperança
Moreira (dir.), Dicionário de História Religiosa de humanas que se instalou a Congregação, ajustando-
Portugal, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de -se à necessidade de evangelizar os humildes e
Estudos de História Religiosa da Universidade Católica simples.
Portuguesa, 2000-2001; A ZEVEDO , Rui (ed.), A história e a identidade da Congregação do
Documentos Medievais Portugueses: Documentos Santíssimo Redentor obriga a considerar a biografia
Régios, vol. I, t. I, Lisboa, Academia Portuguesa da do Fundador, que marcou indelevelmente quer o
História, 1958; BACKMUND, Norbert, “Les Origines de programa de actuação quer a vivência espiritual.
l’Ordre de Prémontré au Portugal”, Sept. de Boletim Filho de José de Ligório e de Ana Cavalieri, Afonso
Cultural da Câmara Municipal do Porto, n.º 22, 1959; Maria de Ligório nasceu em Nápoles, a 27 de
S.to Afonso, Fundador dos Redentoristas (I)
Chancelarias Medievais Portuguesas: D. Pedro I, Setembro de 1696, sendo o primogénito de uma
(1357-1367), Lisboa, INIC, 1984; C ORREDERA , E., família numerosa, com prática religiosa católica e
“Premonstratenses”, in Aldea Vaquero Quintin, Tomas A Congregação (Congregratio Sanctissimi Redemptoris) recursos económicos consideráveis. Em 1712, formou-
Marin Martinez, José Vives Gatell (dirs.), Diccionario surgiu em plena modernidade, valorizadora da -se em Direito e exerceu advocacia, com brilho e
de Historia Eclesiastica de España, vol. III, Madrid, consistência e rigor do critério racional e difusora notoriedade, até aos 28 anos, idade em que,
Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, de um optimismo reformista identificado como confrontado com a falta de justiça, equidade e
Instituto Enrique Florez, 1973; COSTA, M. Gonçalves progresso social. A confiança na razão privilegiou integridade dos tribunais, abandonou a profissão.
da, “Idade Média Paróquias e Conventos”, in História a ciência, acentuou a tendência secularizante (e Esvaziada de significado ético, o exercício da
do Bispado de Lamego, vol. 2, Lamego, s.n., 1979; mesmo dessacratizante) e admitiu regimes políticos advocacia era incompatível com a consciência da
DEREINE, Ch., “Chanoines”, in Dictionnaire d’Histoire extremos, que oscilaram entre o exercício do dignidade de ser pessoa. Sem ter sido poupado às
et de Géographie Ecclésiatiques, vol. XII, Paris, 1953; absolutismo monárquico e a entrega do poder à dramáticas dúvidas e combates interiores que acom-
DINIZ, Pedro, Das Ordens Religiosas em Portugal, sociedade civil. No contexto iluminista de Setecentos, panham as radicais alterações do modo de viver, o
Lisboa, Typographia de J. J. A. Silva, 1853; ELIE, Marie, marcado pela incompatibilidade com a Companhia sacerdócio impôs-se como um novo rumo fácil de
Saint Norbert (1082-1134), Paris, Librairie Victor de Jesus e o acolhimento do positivismo, emergiu ajustar: a eloquência laica seria substituída pela
Lecoffre, 1922; GOMES, Saúl António, “Premons- e afirmou-se, em contracorrente, a congregação eloquência sacerdotal; a intervenção civil seria
tratenses”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de afonsiana. A determiná-la e a identificá-la esteve a transferida para a intervenção comunitária. Além
História Religiosa de Portugal, vol. P-V, [Lisboa], Círculo vivificação de um espírito missionário que comunicava disso, a acção pastoral harmonizava-se com o seu
de Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa a esperança redentora – em Cristo – aos pobres sistema de valores, firmados no catolicismo. Por
da Universidade Católica Portuguesa, 2001, pp. 56- abandonados. A temática da dádiva da semente conseguinte, no dia 21 de Dezembro de 1726,
-59; LACERDA, Aarão de, O Templo das Siglas: A Igreja àqueles que vivem entre espinhos, enunciada no Afonso Maria de Ligório foi ordenado Padre.
da Ermida do Paiva, Porto, Edição do autor, 1919; Evangelho de S. Lucas (4, 18), tornara-se na pedra Privilegiou a oração e a missão, incorporando nesta
LOT, Ferdinand, FAWTIER, Robert (dirs.), Histoire des de toque do pensamento e da acção da C SS R. uma concepção de pregador forjada nos apóstolos:
Institutions Françaises au Moyen Age: De la Fin du A singularidade e a dinâmica do programa evange- pregar e intervir junto dos pobres.
X e au Milieu du XII e siècle, t. III, Paris, Presses lizador residem na convergência operativa da oração Ligório não só foi um pregador persuasivo, devido
Universitaires de France, 1962; M ATTOSO , José, e da missionação em contexto social frágil e em ao elevado nível do discurso retórico, à reputação
“Premonstratenses”, in Verbo: Enciclopédia Luso- circunstâncias pregnantes de indignidade humana. pública e à dignidade humana, como também tinha
-Brasileira de Cultura, vol. 23, Lisboa/São Paulo, O quadro político e económico do reino de Nápoles o perfil prototípico do missionário: entusiástico,
Edições Século XXI, 2002; MATTOSO, José, “Eremitas assim o permitia. Na cidade recortavam-se, grosso determinado na vida prática e conquistador coope-
Portugueses no século XII”, Sept. de Lusitania Sacra, modo, dois grupos sociais opostos: de um lado, a rante com Cristo. Daí ter inicialmente pensado em
t. IX, 1970-1971, Lisboa, 1972; MERCATI, Angelo, corte absolutista, que dos Habsburgos passara para ser missionário, quer para garantir a unidade e
PELZER, Augusto, Dizzionario Ecclesiastico, vol. III, os Bourbons, e os iluministas de salão; de outro, os apostolocidade da Igreja, abalada pela Reforma,
Torino, Unione Tipografico – Editrice Torinense, 1958; lazzari, a plebe crescente socorrida por esmolas, cuja quer para colaborar na progressiva implantação do
Monumenta Henricina, Coimbra, Ed. Comissão Exe- nudez expunha o grau de miséria em que viviam. Cristianismo fora da Europa. Disposto a partir,
cutiva V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, Fora da cidade pululavam camponeses exasperados inscreveu-se no Colégio dos Chineses (menos
1960-1974; PETIT, François, Norbert et l’Origine des pela pobreza, sem terras e sem esmolas. Por certo conhecido como Colégio da Sagrada Família) para
Prémontrés, Paris, Le Cerf, 1981. que a situação do reino napolitano, objecto de receber formação missionária, mas o sacerdócio
partilha por potências estrangeiras, fora agravada alfonsiano acabou por se equacionar com a cidade
GISELA PINTO pela guerra da sucessão espanhola (1713-1715), dos lazzari. Aí desenvolveu uma veemente e modelar
MARIA GRAÇA VICENTE pela concessão de autonomia, quando Filipe V de apologia da evangelização, de acordo com as missões

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REDENTORISTAS

populares criadas no séc. XVI na sequência do capacidade de entrega total à total solicitude de todos concedem importante lugar à acção apostólica
Concílio de Trento. Convicto da operatividade da Deus. imediata e à oração, destacam-se aqui os que foram
oração para dirimir o sofrimento, nutrir a Fé e A fundação da Congregação não teria sido possível canonizados e beatificados. Uns e outros contribuíram
fortalecer o sentido comunitário, dedicou-se, no seio sem a ajuda de outros que serviram para dinamizar de modo decisivo para a difusão evangélica, servindo
da Nápoles popular, às Capelas Vespertinas (Capelle a consciência evangélica, para configurar e concretizar de catalizadores. Entre os primeiros encontra-se S.
Serotine), juntamente com um grupo de padres. De o projecto e para dar à causa redentorista uma Geraldo Magella (23.04.1726-16.10.1775), italiano
acordo com os registos oficiais da Congregação, em caução espiritual. A Ir. Maria Celeste Crostarosa natural de Muro Lucano. Durante os seis anos que
1787, ano da sua morte, havia 72 dessas capelas (1696-1755) faz parte da história da formação, pois esteve na Congregação, no tempo do Fundador,
especialmente dirigidas aos jovens, o que foi ela quem anunciou oracularmente a Ligório o participou activamente nas missões populares. O dia
correspondia aproximadamente à participação activa dever transcendente de dar existência a um instituto, 16 de Outubro está-lhe dedicado no calendário
de 10 000 pessoas. ou seja, foi ela quem colocou Ligório na situação
Em 1730, a exaustão obrigou-o a descansar no de fazer com que o Instituto se tornasse uma
Santuário de S.ta Maria do Monte, em Amalfi, perto realidade. O intento religioso vem na sequência de
do convento feminino de S.ta Maria. Datado de 5 um outro revelado à Ir. Maria Celeste, a 25 de Abril
de Setembro de 1730, o encontro com a Ir. Maria de 1725, quer dizer, cinco anos antes do encontro
Celeste Crostarosa, também napolitana, foi com Ligório e registado a 5 de Setembro de 1730.
determinante no seu percurso pastoral. Deve-se-lhe Dessa revelação decorreu a fundação, a 13 de Maio
a insistência na decisão de fundar um instituto, de 1731, da Ordem do Santíssimo Salvador, apenas
decisão conforme a um plano divino por ela antevisto. reservada às mulheres. Só depois de fundada a
Afonso Maria de Ligório, sob orientação de Falcoia, Ordem e quase um ano depois do encontro, uma
seu confessor, fundou o Instituto do Santíssimo outra revelação, datada de 4 de Outubro de 1731,
Salvador, a 9 de Novembro de 1932, em Scala, o alargou o projecto aos homens, agrupando-os sob
a Regra feminina, mas acrescentando as funções da
pregação e missionação em cumprimento das
S. Clemente, difusor da Congregação (I)
palavras do Evangelho de Mateus: “Ide e pregai a
toda criatura que está próximo o reino dos céus”
(10, 7; 28, 19). O novo projecto crostarosiano – litúrgico. S. Clemente Maria Hofbauer, considerado
“Congregação dos irmãos homens” – comple- o segundo fundador, nasceu em Tasswitz, na Morávia,
mentava e completava o primeiro: permitia a a 26 de Dezembro de 1751. Entrou para a
pregação, da qual as mulheres estavam excluídas Congregação em Outubro de 1784 e foi ordenado
por S. Paulo, e consentia uma mobilidade essencial Sacerdote no ano seguinte. Coube-lhe iniciar a
à evangelização, da qual também as mulheres não expansão internacional da Congregação, intro-
podiam usufruir. Por conseguinte, o ramo feminino duzindo-a na Polónia, onde foi Sacerdote de Varsóvia
dedica-se ao apostolado contemplativo e faz-se entre 1787 e 1808, tendo aí, embora só no ano
Scala, lugar da fundação dos Redentoristas (I)
representar indirectamente na Cúria Geral por um seguinte, sido publicada a primeira edição latina da
Secretário. Regra. Depois fixou-se na Áustria (Viena). Morreu
que lhe acumulou novas responsabilidades. O missio- Outro nome de indispensável referência pela em 1820 e a 15 de Março celebra-se o dia de S.
narismo sonhado ficou então circunscrito às cidades contribuição dada é o de Tomás Falcoia (1663-1743), Clemente. S. João Nepomuceno Neumann foi o
e vilas do Sul da Itália. Em 1762, o Papa Clemente XIII Bispo de Castellammare e primeiro Director Espiritual grande missionário redentorista da América do Norte,
ordenou-o Bispo de S.ta Ágata dos Godos. Ao fim da Congregação. Deve-se-lhe o laborioso esforço abrindo escolas católicas diocesanas, fundando igrejas
de 13 anos, em 1775, foi-lhe permitido deixar o de recolher redacções para o texto normativo, quer e promovendo a devoção a Nossa Senhora. Nasceu
cargo que aceitara a contra gosto. Faleceu no dia quanto à vida religiosa comunitária, quer quanto à a 28 de Março de 1811 em Prachatitz, Boémia.
10 de Agosto de 1787, aos 91 anos de idade. Foi dinâmica missionária. Tal recolha seria decisiva para Entrou para a Congregação já como sacerdote, tendo
declarado Beato em 1816, canonizado em 1839 por dar a fisionomia própria dos padres da Congregação: feito votos a 16 de Janeiro de 1842, com 31 anos.
Gregório XVI, proclamado Doutor (zelosíssimo) da de recentes herdeiros dos apóstolos. Em 1847, foi nomeado Vice-Provincial dos
Igreja, em 1871, e reconhecido como Patrono dos Merecem não ser esquecidos os elementos do grupo Redentoristas nos Estados Unidos e, no dia 1 de
Confessores e Moralistas, em 1950. O dia de S.to inicial: os P.es Pedro Romano, João Batista di Donato, Fevereiro de 1852, o Papa Pio IX nomeou-o Bispo
Afonso celebra-se a 1 de Agosto. Vicente Mannarini e os leigos Silvestre Tosquez e de Filadélfia, ficando conhecido por “Bispo dos
Os biógrafos concordam nos traços da sua Vítor Curzio. Foram eles que, no dia 9 de Novembro Pobres”. Faleceu aos 48 anos de idade. Em 1963,
personalidade que, de certa maneira, reflectiam o de 1732, no oratório da hospedaria do Mosteiro do foi beatificado por Paulo VI e, em 1977, proclamado
séc. XVIII. Tendo vivido num ambiente de notável SS. mo Salvador, participaram, com Afonso Maria Santo para a igreja dos imigrantes, dos doentes e
florescimento literário e artístico, revelou forte Ligório e Tomás Falcóia, na celebração da missa do dos pobres. O dia de S. João Neumann celebra-se
sensibilidade estética. Tendo vivido num período Espírito Santo, com a qual se assinalou a inauguração a 5 de Janeiro.
confiante no indivíduo, transportou esse optimismo oficial da Congregação. Entre os beatos conta-se Pedro Donders (1809-1887),
para a evangelização dos pobres, com empenho e Acrescem outros nomes fora do grupo inicial. natural de Tilburg (Holanda), cujo sacerdócio se
desempenho equivalentes. Também a bibliografia é A exemplo do Fundador, a biografia de outros orientou para as missões do Suriname (antiga Guiana
vastíssima e seguramente ortodoxa, destacando-se redentoristas é entendida do mesmo modo, ou seja, Holandesa), onde investiu na construção e
a Teologia Moral, publicada em 1763. Pode-se afirmar está assimilada ao apostolado. Foi-lhes propício o manutenção de leprosarias. O Papa João Paulo II
que a diversidade de aptidões o tornou distinto dos vigor que emanava do modelo afonsiano. Sem proclamou-o Beato no dia 23 de Maio de 1981.
demais, mas particularmente significativa foi a sua desmerecer nenhum membro da Congregação, pois Merece também referência Januário Maria Sarnelli

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REDENTORISTAS

relativamente à caracterização inicial e atingindo burocrática complexa, as Regras do Instituto foram


irreversivelmente o sentido e a estrutura do projecto aprovadas por Carlos III, no Verão de 1747, e por
religioso. Em causa esteve a localização do Instituto Bento XIV, a 25 de Fevereiro 1749. Doravante, a
– se nos meios isolados junto dos pobres, onde Congregação passar-se-ia a chamar do Santíssimo
faltava o ensino da doutrina e o apoio às práticas Redentor, vincando o único e bem direccionado
cristãs, se no meio urbano, onde o apego ao mundo objectivo: dar continuidade à obra do Redentor
era maior. Igualmente se colocou o problema do mediante a evangelização dos mais abandonados.
âmbito da intervenção apostólica, tendo-se Na história capitular da C SS R tem sido uma
confrontado duas vertentes: uma preferencialmente constante a apreciação e revisão das normativas
pastoral; outra de ensino duplo, combinando a imprescindíveis à gestão do projecto alfonsiano e à
catequização com a escolarização. Não menos manutenção do sincero empenho evangélico.
importantes foram a questão da vivência comunitária Contudo, o Capítulo Geral Especial de 1967 marca
dos congregados – de obediência meditativa ou mais a renovação mais profunda do texto constitucional
pragmática – e a questão do sentido do preceito e estatutário. Este Capítulo respondeu ao solicitado
S. João Neumann, missionário redentorista na América (I) religioso da imitação de Cristo – “Imitatores mei pelo Decreto (Perfectae Caritatis) de 28 de Outubro
estote, sicut ego Christi” (1Cor 4, 16). Este preceito de 1965, promulgado pelo Concílio Vaticano II, o
pode ser entendido de duas maneiras: como um qual decidira renovar as instituições religiosas para
(1702-1744), companheiro conterrâneo de Afonso imperativo que ostensivamente dá a conhecer aquele melhor se ajustarem às necessidades do tempo e se
Maria Ligório. O seu trabalho pastoral incidiu na que é imitado, exemplificando as virtudes, ou como revitalizarem. A partir de então, o projecto reden-
prostituição. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II, uma vivificação do próprio Cristo, na medida em torista reforçou o idealismo que lhe serve de nutriente
em S. Pedro, dia 12 de Maio de 1996, conjunta- que toda a vida é posta de acordo com Cristo, e intensificou o pragmatismo realista pelo qual
mente com os padres alemães Francisco Xavier Seelos motivando-se incessantemente e sendo a imagem sempre se fez acompanhar.
(1818-1867), nascido em Fussen, cujo trabalho foi das virtudes. A diferença reside entre uma imitação Em conformidade com as Constituições renovadas,
dedicado às missões de Nova Orleães (EUA), e que corresponde a um revestir-se exteriormente com do ponto de vista administrativo, a Congregação
Gaspar Stanggassinger (1871-1899), natural de virtudes e uma imitação em que Cristo se torna real compreende o Capítulo, órgão supremo de governo
Berchtyesgade. e presente na vida virtuosa. Esta diferença predispõe interno com carácter representativo e deliberativo,
Fazem parte da lista dos beatos cinco missionários para desempenhos distintos da missão catequética, e o Conselho Geral. O Capítulo Geral ordinário é
redentoristas martirizados. Em circunstâncias políticas afectando a força que leva a agir, que orienta a convocado de seis em seis anos, para o acto eleitoral
adversas à tolerância religiosa, desenvolvidas nos acção e a torna persistente. Não sendo pois irrele- e para o tratamento de questões governativas, e
regimes nazista e comunista de Leste, testemunha- vante a discussão de algumas questões nem a análise dele fazem parte o Superior Geral, os Conselheiros,
ram fidelidade a um elevado ideal de vida. Trata- comparativa de documentos similares, a redacção o Procurador, o Ecónomo, o Secretário Geral e os
-se de Nicolau Carneckyj (1884-1959), Basilio das Regras e Constituições redentoristas foi complexa representantes das províncias e vice-províncias. As
Velyckovoskyj (1903-1973), Zenão Kovalyk (1903- e morosa, prolongando-se, por conseguinte, o reuniões extraordinárias têm lugar quando, no
-1941), Ivan Ziatyk (1899-1952) e Dominick Metódio período provisório de instalação da Congregação. período compreendido entre a realização regular
Trecka (1886-1959). O Papa João Paulo II, na sua Com base na leitura do acervo epistolar pertencente dos Capítulos ordinários, a emergência de aconte-
visita à Ucrânia, beatificou os quatro primeiros a aos membros fundadores e de outro material avulso cimentos exige análise imediata e requer decisão
27 de Junho de 2001, tendo o quinto sido reconhe- arquivado, tem sido possível reconstituir o período colegial. O Capítulo Geral constitui o Governo Geral,
cido em Roma, a 4 de Novembro do mesmo ano. provisório que vai de 1732 até 25 de Fevereiro de órgão permanente de carácter directivo e executivo,
As vidas exemplares dos religiosos sempre actua- 1749, data da aprovação pontifícia. Decisivo foi o presidido pelo Superior e por sua vez coadjuvado
lizaram as ideias de vocação, de fidelidade a um ano de 1743, quando morreu Falcoia e, pela primeira por um Vigário eleito entre os membros do Conselho
ideal apostólico e de uma incansável intervenção vez, a 6 de Maio, se realizou a Assembleia Capitular, Geral.
dentro da comunidade. São essas vidas cunhadas em Ciorani. Na ocasião, na linha das prioridades
de autenticidade que contagiam e têm feito crescer estavam inscritas: ponto um – a recolha das versões
saudavelmente a C SS R. normativas dispersas, a fim de se elaborar um
A história da formação da Congregação esteve documento regulamentar susceptível de obter
eriçada de dificuldades e sob tensão interpessoal. aprovação real e pontifícia; ponto dois – a eleição
Em causa esteve a identidade normativa a espelhar de um Superior Geral; ponto três – a emissão de
nas Regras, identidade determinante não só da votos religiosos. Em suma, assumia-se ser inadiável
natureza da acção apostólica, como também o regime provisório. Os anos entre 1743 e 1747, data
resolutiva para a organização da vida comunitária. da segunda Assembleia Capitular, foram marcados
Aparentemente não havia razões para tal. De pelo estudo comparativo de varias versões normativas,
proveniência sapiencial, o esboço funcional delineado pela redacção e apuramento do texto regulamentar
pela Ir. Maria Celeste tinha autoridade suficiente para seguramente se regerem e orientarem.
Casa Geral (I)
para se impor. Em linhas gerais, os congregados São muitos os que, dentro e fora do grupo,
deveriam dedicar-se diariamente a exercícios espiri- contribuíram mediante a leitura atenta dos detalhes
tuais, viver em pobreza e continuar a missão dos organizativos e disciplinares, nomeadamente Sportelli, Do ponto de vista organizacional, a Congregação
apóstolos. Mas outras propostas de actividade e depositário e herdeiro das ideias do Bispo de compõe-se de províncias, vice-províncias, regiões e
modelos organizativos intervieram, mediados por Castellammare, Mazzini, Villani, Cafaro e o Cardeal comunidades. As três primeiras correspondem a
João Batista di Donato e Tomás Falcoia, pios ope- Spinelli, Prefeito da Sagrada Congregação do unidades administrativas e a última a áreas de
rários, provocando recuos e mudanças de direcção Concílio. Do trabalho conjunto e após uma tramitação residência e actuação. Províncias e vice-províncias

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REDENTORISTAS

têm a mesma estrutura, instituições e competências, cêntrica e a sotereológica. O carisma traduz a


diferindo em termos de auto-suficiência, quer relati- ferverosa piedade cristocêntrica dos Redentoristas:
vamente ao pessoal quer aos bens materiais. Todo Cristo é o mediador que testemunha e conduz até
este processo de divisão e subdivisão é contrário à à inesgotável fonte da vida e, por conseguinte, é
complexidade e rigidez que possa sugerir; antes visa o ponto de referência da obra pastoral a que se
agilizar o governo da Congregação e dar resposta entregam. A exemplo de Cristo, comunicam a
pronta às necessidades locais, obedecendo a cinco Boa Nova e, nela, o poder operativo do amor que
princípios: co-responsabilidade, descentralidade,
subsidiaridade, solidariedade e adaptabilidade.
Os traços fulcrais da identidade redentorista e da
sua actividade comunitária encontram-se estampados
nos Estatutos. Neles se regulam, no enquadramento
da ordenação jurídica fornecida pelas Constituições,
os meios de intervenção e as várias formas de
trabalho missionário: missões populares, ministério
paroquial, formação catequética, exercícios espirituais, Escudo da Congregação (I)
estudo de Teologia Moral e pastoral e aconselha-
mento espiritual. Parte considerável das Constituições
e Estatutos está ocupada com referências à formação A internacionalização da Congregação começou por
inicial dos postulantes e noviços e à formação responder ao apelo papal das missões Ad Gentes,
contínua dos professos. Esta preocupação com o mas esteve sempre sujeita à instabilidade política do
estudo, o aperfeiçoamento e a actualização acabou séc. XIX, à intranquilidade das movimentações
por se configurar na proposta de fundação de um N. Sr.ª do Perpétuo Socorro (I) dos exércitos europeus, às restrições legislativas
Instituto de Teologia Moral (Alfonsianum), apre- impostas ao postulado de ordens e congregações
sentada pelo Superior Geral Leonardo Buijs. Só com religiosas e à pressão geral manifestada contra o
o seu sucessor, Guilherme Gaudreau, a proposta se consiste, especificamente, na redenção. Por seu catolicismo. Enfrentando as condições epocais e as
concretizou. Deste modo, em 1957 a Academia lado, a devoção mariana é dirigida para o ícone de crises internas, a Congregação cedo se expandiu
Alfonsiana era inaugurada em Roma e, em 1960, N. Sr.a do Perpétuo Socorro, também conhecida por para lá da fronteira natural dos Alpes, num percurso
incorporada na Faculdade de Teologia da Pontifícia S. ta Maria do Perpétuo Socorro, significando o descontínuo mas determinado. Coube a iniciativa a
Universidade Lateranense, outorgando a licenciatura irrecusável atendimento a todos os pedidos e a Clemente Maria Hofbauer, que a partir de 1788
e o doutoramento em Teologia Moral. Em Madrid força do consolo. Nesta devoção, Fé e apostolado começou pela Polónia a fundar missões, embora em
(Espanha), os Redentoristas fundaram, em 1971, o combinam a sua intenção mais genuína: colaborar situações infirmes e pouco duráveis. Seguiram-se
Instituto Superior de Ciencias Morales, integrado na na salvação. outros países europeus e depois o estabelecimento
Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia de O espírito apostólico está expresso num logótipo na América do Norte (Baltimore), em 1832, da
Comillas. A valorização da formação académica e a com o formato de um escudo, encimado por uma responsabilidade de José Amando Passerat (1772-
necessidade de impulsionar o estudo da moral coroa e suportado por um listel com a frase latina -1858), o primeiro francês redentorista. Ambos
estiveram igualmente na origem da revista Studia vetotestamentária “Copiosa apud eum redemptio” executaram alterações no apostolado missionário,
Moralia, publicada a partir de 1963. Outro (Sl 129, 7). A frase resume a esperança na abundância mais ou menos significativas e mais ou menos
estabelecimento relevante é o Instituto Histórico inexcedível do acto amoroso da redenção. No interior compreendidas, de modo a responder às necessidades
Redentorista, fundado a 11 de Dezembro de 1948. do escudo está centrada uma cruz – o mais locais. No continente norte-americano, as alterações
Ele é o exemplo flagrante do esforço para com- concentrado dos símbolos da redenção –, assente efectuadas, determinadas pela emigração e vastidão
preensão da origem, evolução e situação da nas linhas estilizadas das montanhas que sobem do territorial, conduziram à aceitação de paróquias,
Congregação, assumindo-se que a visibilização de pequeno porto de Amalfi, onde a Congregação entendidas como núcleos de encontro de comu-
todo o percurso permite melhor determinar a sua nasceu, e termina sob um olho, sem pálpebras, nidades multiculturais. Este trabalho foi exemplar-
função no mundo actual. Neste sentido tem inscrito num triângulo, símbolo da essência e do mente continuado por João Nepomuceno Neumann.
promovido a pesquisa histórica e a conservação, conhecimento divino. A cruz está ladeada por uma Depois da II Guerra Mundial e na sequência dos
ordenação e catalogação de toda a documentação, espada e uma vara que na ponta transporta uma apelos do Papa João XXIII no Concílio Vaticano II
oficial ou não, considerada pertinente. Segundo esponja, símbolos da paixão. Ambas, espada e vara, (1962-1965), a Congregação ficou contaminada pelo
dados relativos a 1986, o Arquivo Geral possuía 590 separam os dois lóbulos do escudo, inscrevendo-se espírito renovador e conheceu novo impulso. Nesta
volumes de documentos catalogados, correspon- em cada um deles os monogramas de Jesus e de fase ascensional, a expansão territorial foi correlata
dentes ao período de 1725 a 1954. O recurso às Maria. do desenvolvimento pastoral e do seu crescimento.
novas tecnologias permitiu aumentar, diversificar, O logótipo, minimizado em emblema de lapela, é Os dados estatísticos indicam 1986 como o ano em
ordenar e agilizar a consulta do material disponível. usado por alguns membros para sinalizarem a sua que se contaram maior número de membros,
Ao Instituto Histórico está associada quer a publicação pertença à Congregação, pois só excepcionalmente precisamente 8692, decrescendo a partir daí em
da revista Spicilegium Historicum CSSR., que apareceu usam hábito, vestindo diariamente roupas seculares função da crise corrente de vocações. Segundo os
durante o governo de Buijs, em 1953, com sóbrias. No início foi adoptada uma vulgar e prática registos de 1984, a Congregação encontrava-se
regularidade semestral e circulação interna, quer a batina preta, cintada, sem botões ou outras distribuída por 64 países (Europa, América, Oceânia,
colecção Bibliotheca Histórica, iniciada em 1955. aplicações. Todavia, cabe a cada província e vice- África e Sul da Ásia), estava administrativamente
O carisma e a devoção mariana expressam as duas -província determinar, se assim o entender, as vestes organizada em 41 províncias, 35 vice-províncias, 8
coordenadas essenciais dos Redentoristas: a cristo- dos noviços. regiões e tinha 816 casas. Em todos esses países

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REDENTORISTAS

esforçou-se por organizar associações de leigos, a que logo constituíram a Associação Missionária do que assegurava a leccionação de um curso de Filosofia
fim de apoiar e dar continuidade ao trabalho iniciado Santíssimo Redentor Auxiliadora dos Párocos, cujos dado em três anos. Em 1967, surgiu um segundo
nas missões e nos retiros. Deve-se aos leigos o Estatutos, publicados em Diário de Governo de 28 Seminário Maior, situado em Lisboa, que acrescentava
aumento, dispersivo e inquantificável, da área de de Janeiro de 1903, declaram como finalidade a à Filosofia o curso de Teologia.
apostolado. Os registos referentes a 2004 dão conta formação de missionários para propaganda da fé e Para a história dos Redentoristas em Portugal há
de 5519 membros espalhados por 41 províncias e civilização nas colónias ultramarinas, conforme o ainda duas datas a fixar: 1953, correspondente à
35 vice-províncias. estabelecido pelo Ministro Hintze Ribeiro (D.G. erecção da Vice-Província Portuguesa, embora dirigida
Nos acidentes de percurso expansionista assinala-se 20.04.1901). A 8 de Maio de 1907, instalou-se outra pelo espanhol Nicolau Estevez; 1962, ano da
a dispensa dos votos ao americano Isaac-Thomas comunidade em Canidelo para colaborar na autonomia relativamente à Província Espanhola.
Hecker (1819-1888), no tempo do governo de Nicolau assistência religiosa às populações da diocese A sede curial fixou-se no Porto e o primeiro Provincial
Mauron (1855-1893) que ficou marcado por um portuense. No estudo de Artur Villares, entre 1903 foi José Madureira Beça. O agrupamento das comuni-
estilo extremamente zeloso e centralizado. Na sua e 1910, ano da proclamação da República que a 8 dades portuguesas em Vice-Província e a passagem
inflexibilidade para manter integralmente a obser- de Outubro declarou a extinção das ordens religiosas, desta a Província são reveladores da vitalidade
vância, Mauron dissentiu de Hecker quando este estavam presentes em Portugal 16 padres e 7 irmãos apostólica da Congregação em Portugal.
propôs alterar o âmbito da missão norte-americana, coadjuvantes. Decisivo para a difusão da missão redentorista e
alargando-a à população local e recorrendo à língua A terceira e definitiva fundação deu-se em 1931, para a catalização de atitudes colectivas foi a
inglesa. Da dissidência e com o apoio da Santa Sé num contexto político favorável ao catolicismo. fundação de uma casa editorial pelo P.e José Maria
formaram-se os Padres Missionários de São Paulo, Portugal, que havia restaurado as relações entre o Gonçalves, em 1946. Sediada no Porto, a Editora
comummente conhecidos por Paulistas. Estado e a Igreja, acolheu redentoristas provenientes Perpétuo Socorro publicou originais, traduções de
Em Portugal, a presença dos Redentoristas esteve de Espanha, cuja segurança estava ameaçada na algumas obras de Santo Afonso e, a partir de 1954,
sujeita ao fluxo e refluxo do movimento anticlerical, sequência da proclamação da República. Inicial- a revista Miriam, tanto de actualidade religiosa e
pelo que a sua presença é descontínua. São três as mente, fixaram-se em Braga, na Igreja do Pópulo missionária como de memória histórica da própria
etapas de fixação. Sabe-se que em 1826, a pedido (25.10.1931), mas a precariedade das condições Congregação.
de D. João VI, foram introduzidos alguns missionários levou-os, em 1944, a transferirem a comunidade Com persistente periodicidade mensal e da
para duplo desempenho: atender à comunidade para Guimarães. O grupo da terceira fundação teve responsabilidade do P.e Gregório Martinez Almendres
católica alemã e pregar missões populares. O grupo como Superior o espanhol Inácio Rodriguez Insúa, (1923-1985), a revista, talvez pela memória da II
era constituído por três padres e dois leigos, tendo- tendo vindo no grupo o padre português Manuel Guerra Mundial e ressonância da Guerra Fria, foi
-se instalado no Hospício de S. João de Napomuceno, Leite Faria (1878-1944), que havia professado em elaborada sob o signo da paz, como declara no
cedido pelos carmelitas alemães. Destacou-se o P.e Espanha. No quadro desta terceira fundação, o Editorial do primeiro número: “Não traz mensagem
Springer (1791-1827), de origem austríaca. Com o período compreendido entre 1931 e 1944 foi de nova. Vem lembrar aquela antiga que aflorou nos
corte de relações entre o Estado português e a Cúria grande actividade missionária e obreira. Primeira- lábios do anjo: PAZ!” Para avaliar a pertinência do
Romana e na sequência da aplicação da Lei de 28 mente no Porto (1936) e depois em Guimarães aparecimento da revista há que atender à conjuntura
de Maio de 1834 decretada por D. Pedro V, que (1944), foram inauguradas as comunidades de N. proporcionada pelo ano anterior à publicação: a
extinguia qualquer tipo de comunidade religiosa Sr.a do Perpétuo Socorro destinadas ao apostolado erecção da Vice-Província Portuguesa, o início da
regrante, o congregacionistas retiraram-se. Nesta e serviço religioso urbano. Do mesmo período merece peregrinação ao Santuário de Fátima e a ida para
fase formaram-se os primeiros redentoristas portu- referência a abertura do Seminário Menor do Cristo- Angola dos primeiros missionários da Congregação.
gueses: Francisco Xavier Luís Menezes, natural de -Rei, em Vila Nova de Gaia, no ano de 1939. Esta Todos estes acontecimentos determinaram a procura
Goa, José Maria de Oliveira Vale, José Azedo Silva de um meio que, a qualquer distância, permitisse a
e Francisco Esteves. comunicação de toda a família redentorista e
fortalecesse o vínculo de unidade. Com uma tiragem
de 10 000 exemplares, a revista Miriam cumpria e
continua a cumprir essa função.
Nas décadas de 50 e 60, precisamente até ao
Movimento das Forças Armadas a 25 de Abril de
1974, quer em antecipação quer em resposta ao
Decreto Perfectae Caritatis, de Outubro de 1965, a
actividade dos Redentoristas foi dinâmica e recortou
nitidamente duas grandes áreas de actuação, a
missionária e a formativa. Fora do país há a referir
Seminário dos Redentoristas, Gaia (I)
a pastoral com emigrantes portugueses a partir de
1967, e, dentro do país, em 1970, o avanço das
instituição permitia não só despertar, recrutar e Missões Populares Regionais. Data igualmente deste
cultivar as vocações, como também formar pos- período o estabelecimento gradual de comunidades,
Casa dos Redentoristas, Guimarães (I)
tulantes e noviços, funcionando ainda como casa às quais estavam adstritos serviços em paróquias,
de retiro (Casa de Espiritualidade de S. Clemente) lares e centros sociais: Comunidade de N. Sr.a de
O regresso deu-se a 31 de Dezembro de 1903, com aberta a todos os grupos eclesiais. Em 1951, pela Fátima (1952); de Castelo Branco (1952); de S.to
redentoristas da Província Espanhola. Instalaram-se primeira vez, procedeu-se à ordenação sacerdotal Afonso, em Lisboa (1962); do SS.mo Redentor (1964);
a 18 de Abril desse ano em Lourosa, Diocese do dos redendoristas que haviam frequentado o de S. ta Maria, em Lagos e Vila do Bispo (1968).
Porto, numa casa disponibilizada por Margarida Seminário Menor de Gaia. Só em 1964 foi inau- Em 1954, a pedido do Bispo de Silva Porto (actual
Catarina Alves. A comunidade comportava 13 padres gurado um Seminário Maior, em Castelo Branco, Kuitu), os Redentoristas iniciaram a primeira missão

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

em Angola. Constituiu-se um grupo de instalação S. Alfonsi de Urbe, 1997; MANSO, João, Clemente concretizasse o ideal da vita apostolica do clero, que
formado por quatro padres e dois irmãos Hofbauer: Um Apóstolo Incansável, Porto, Ed. Telo e Teotónio tinham observado em viagens à Terra
coadjuvantes, que se fixou na missão espiritana de Pépétuo Socorro, 1991; M EULEMEESTER , M. de, Santa e no Sul de França, no âmbito da reforma
Cuchi, encarregue da vasta região de Cuando- Bibliographie Générale des Écrivains Rédemptoristes, gregoriana que continuava quase desconhecida entre
-Cubango. Mais tarde, abriram estações em Vouga 3 vols., Louvain, Imprimerie Saint-Alphonse, 1933- nós.
(1955) e em Serpa Pinto/Menongue (1959), esta -1939; MEULEMEESTER, M. de, As Irmãs Redentoristas:
conhecidíssima pelo hospital simultaneamente aberto Sua Vida, Sua História, Sua Oportunidade, S. Paulo,
às populações indígena e à europeia. Tão significativa Typ. Ave Maria, 1925; O PPITZ , Joseph, História e
foi a dinâmica dos padres na colónia portuguesa Espiritualidade Alfonsiana: Estudo sobre a Congre-
mo
que em 1966 ganhou semiautonomia, constituindo gação do SS. Redentor e Seu Fundador S. Afonso
a Vice-Província de Angola. Maria de Ligório, Aparecida, Editora do Santuário,
Depois do 25 de Abril de 1974, não obstante os s.d.; TANNOIA, A., Della Vita ed Istituto del Ven. Servo
incómodos revolucionários, a Congregação investiu di Dio Alfonso M. de Ligorio, 3 vols., Napoli, s.n.,
na criação de Centros de Educação da Fé (CEF), 1798-1802; TELLERIA, Raimundo, “Relatio Theanensis
responsáveis pela leccionação de cursos de Teologia an. 1753 super primordiis Congregationis SS.
para leigos que, ao longo de 21 anos, se realizaram Sacramenti ac Instituti Alfonsiani”, in Spicilegium
em Lisboa, Almada, Setúbal, Agualva-Cacém, Beja, Historicum, n.º 12, Roma, Congregatio Sanctissimi
Portalegre, Castelo Branco e Abrantes. Também se Redemptoris, 1964; TELLERIA, Raimundo, Un Instituto
estabeleceram associações de vária natureza, corres- Misionero: La Congregación del Santísimo Redentor
pondentes a um movimento de irradiação do carisma en el Segundo Centenario de Su Fundación (1732-
e de apoio material nas obras das missões da -1932), Madrid, Ed. Perpetuo Socorro, 1932; VEIGA,
Congregação. De registar a fundação da Comunidade Américo, Missão Popular Redentorista, Porto, Ed.
da Zona Oeste (Torres Vedras) em 1981. Em 2006, Perpétuo Socorro, s.d.; VILLARES, Artur, As Congre-
iniciou-se a publicação trimestralmente de O gações Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa,
Redentor: Boletim da Família Redentorista que, nas FCG/FCT, 2003.
suas quatro páginas bem documentadas com
fotografias, dá conta das actividades da comunidade MARIA TERESA C. S. GONÇALVES DOS SANTOS S. Teotónio, primeiro Prior do mosteiro
e primeiro Santo de Portugal (I)
portuguesa e comunica com as lusófonas. O actual
Provincial é o P.e António Gomes Dias e os dados
estatísticos de 2004 indicam a existência de 8 casas REGRANTES DE SANTA CRUZ, Cónegos Conhecedor deste projecto, o futuro primeiro Rei
e 51 membros em Portugal. Na Vice-Província de Crúzios ou Irmãos da Cruz são as designações de Portugal, D. Afonso Henriques (1109-1185),
Angola estão mais 23 membros. comuns atribuídas à Ordem dos Cónegos Regrantes apenas ainda conde, recém-instalado em Coimbra
O Superior Geral de momento é Joseph W. Tobin e da Santa Cruz, cujo nome oficial é Ordo Canonicorum (1131), quis com eles colaborar, oferecendo-lhes o
a casa generalícia situa-se em Roma e nela se integra Regularium Sanctae Crucis. A sigla desta Instituição terreno dos Banhos Reais para edificarem a sua igreja
o Collegium Majus, destinado a receber estudantes é constituída pelas iniciais ORC (Ordo Regularium e o seu mosteiro. Era fora das muralhas da cidade,
da Congregação. Crucis) e deriva da abreviação do nome oficial da num lugar abundante em águas e já densamente
Ordem em latim. povoado e de grande circulação, à beira da estrada
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Chronica da Casa de que ligava Braga e o Porto às cidades de Santarém
Carnidello, 1907-1910; Chronica da Casa de Louroza, I. Da origem à extinção e Lisboa, estas ainda em poder dos muçulmanos.
1903-1910. Impressa: AA.VV., La Recezione del Havia no local uma velha ermida da invocação de
Pensiero Alfonsiano nella Chiesa: Atti del Congresso 1. Fundação e expansão. O Mosteiro de S.ta Cruz S.ta Cruz, nome que adoptaram para a sua nova
in Occasione del Terzo Centenario della Nascita di de Coimbra foi fundado nos anos de 1131-1132. fundação.
Sant’Alfonso Maria di Liguori, Roma, Collegium S. A fonte mais antiga, onde podemos obter A construção iniciou-se a 28 de Junho de 1131 e a
Alfonsi de Urbe, 1998; ALMEIDA, Fortunato de, História informações acerca da fundação e primeiros tempos vida comunitária foi inaugurada a 25 de Fevereiro
da Igreja em Portugal, 4 vols., Porto/Lisboa, Livraria deste mosteiro de Cónegos Regulares ou Regrantes, de 1132. Uma velha tradição diz serem 12 os
Civilização, 1970-1971; Anuário Católico de Portugal é a coeva Vita Tellonis, vida do primeiro dos primeiros membros, escolhidos entre o clero e
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Fundadores, logo incluída no Livro Santo, cartulário pertencentes à média e pequena aristocracia local.
Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 855-856; Codex organizado por Mestre Pedro Alfarde, primeiro Além de seguirem, como código orientador, a Regra
Regularum et Constitutionum Congregationis SS. cartorário da nova Instituição. Sendo, porém, uma de S. to Agostinho, escolheram também as Cons-
Redemptoris necnon Statutorum a Capitulis Vita, o historiador deve precaver-se acerca do género tituições e Usos da Abadia dos Cónegos Regrantes
Generalibus annis 1764, 1855, 1894 editorum, literário do texto e não pode tomar como verdadeira de São Rufo de Avinhão, redigidas no princípio desse
Romae, Ex Typographia Cuggiani, 1896; Crónica da narrativa histórica tudo quanto aí se contém. século pelo Abade Letberto, na linha do ordo
Província Portuguesa dos Redentoristas, Lisboa, Segundo esta fonte, confirmada por muitas outras antiquus de Aix-la-Chapelle, caracterizado pelo seu
Congregação do Santíssimo Redentor, 1982; posteriores, o Mosteiro de S. ta Cruz nasceu do tom moderado nas exigências e práticas da disciplina
Dictionnaire de Spiritualité: Ascétique et Mystique, esforço conjunto de alguns clérigos da sé local: o e de que os Fundadores haviam tido conhecimento,
Doctrine et Histoire, t. XIII, Paris, Beauchesne, 1988, Arcediago D. Telo e os Cónegos D. João Peculiar e de certo, nas suas viagens. Para esse efeito,
pp. 268-281; HENDERSON, W. Lawrense, A Igreja em D. Teotónio. Animava-os o desejo de renovação do sucessivamente, enviaram como copistas àquela
Angola, Lisboa, Editorial Além-Mar, 1990; LONDOÑO, Cabido. Contudo, não sendo possível fazê-la no seu canónica o Cónego Domingos e alguns outros
Noel, Se Entregó por Nosotros: Teología de la Pasión interior, optaram, como em muitos lugares havia colegas, em 1135, 1136 e 1139, a fim de conse-
de Cristo en San Alfonso de Liguori, Roma, Collegium sido feito, por fundar um monasterium, onde se guirem cópias fiéis e integrais de todos os textos.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Elegeram para primeiro Prior a D. Teotónio (m. 1162). do séc. XII, tão original e criativo no Ocidente cristão, administração e gestão patrimonial ou à vida regrante.
Compunham esta comunidade cónegos e conversos, dedicando-se a várias tarefas, como a cura animarum, Não foi descurado o trabalho da preservação de
ao lado da qual, em um anexo, pouco depois, mas através da acção pastoral paroquial. Para isso, antiquíssimos escritos visigóticos ou traduzidos do
em data incerta, se estabeleceu uma comunidade primeiro fundaram e organizaram a Paróquia de S. árabe, entre os quais, textos jurídicos, canónicos, de
feminina de cónegas, de número mais reduzido, sob João Baptista, depois chamada S. João de Santa Medicina e Farmacopeia, de que ainda hoje subsistem
a supervisão do mesmo prior. Cruz (1139), anexa ao mosteiro e cujos limites foram, fragmentos que recuam até ao séc. X.
O pequeno grupo inicial rapidamente foi crescendo, progressivamente, alargando pelos arredores da Além da cópia e multiplicação de textos litúrgicos,
não sem algumas dificuldades, sobretudo movidas cidade. bíblicos, patrísticos e científicos, a canónica ilustrar-
pelos cónegos da sé e pelo seu bispo, que não Organizaram a vida paroquial na região de Leiria, -se-ia, igualmente, com a produção de textos
aceitaram bem esta dissidência desafiadora e que se não a partir de 1142, como dirá um documento originais, que se continuarão a produzir nos séculos
atraía tanto as atenções. Foi para ultrapassar estes falso, ao menos desde 1155-1156, em que a seguintes e entre os quais podemos citar como que
primeiros obstáculos que D. Telo se dirigiu à corte jurisdição eclesiástica do lugar lhes é reconhecida os primeiros esboços da historiografia portuguesa,
papal, então estacionada em Pisa, a pedir a protecção pela Santa Sé, apesar das objecções do Bispo de além das Vita Telonis e a Vita S. Theotonii, os Annales
da Santa Sé e a isenção canónica, a fim de que o Coimbra. Era uma região distante da cidade e Domni Alfonsi Portugalensium Regis, a Chronica
novel Instituto não fosse incomodado ou aniquilado. sobretudo perigosa pelas devastadoras incursões Gothorum, as Crónicas Breves e outros.
A 26 de Maio de 1135, conseguiu alcançar de muçulmanas, pelo que o clero tinha dificuldade em Foi neste ambiente cultural que o Rei D. Afonso
Inocêncio II um breve com aqueles privilégios, aí se implantar. A partir da Igreja Matriz de S.ta Henriques pôde recrutar alguns dos primeiros
confirmados depois por outros papas, em 1144, Maria do Castelo, vão fundando outras igrejas ou escribas da sua chancelaria, bem como alguns dos
1146, 1148, 1157, 1163, etc. Não foram, porém, capelas com ela ligadas em rede, até organizarem bispos do reino de Portugal: D. João Peculiar,
suavizadas aquelas inimizades e controvérsias, que uma comunidade colegial de clérigos raçoeiros para primeiro, Bispo do Porto (1136-1138), depois,
irão prolongar-se por toda a Idade Média e Moderna. o serviço religioso. No princípio do séc. XIII já aí Arcebispo e Metropolita de Braga (1138-1175), e
Quando D. Telo faleceu (m. 1136), estavam lançados serviam em 5 igrejas na vila e em mais 14 no seu que, ressalve-se o anacronismo do título, haveria
os fundamentos e garantido o apoio continuado de termo. Os problemas levantados em 1211 de algum de ser o seu verdadeiro Ministro dos Negócios
D. Afonso Henriques que, em 1139, se tornava Rei desentendimento entre os clérigos e a direcção que, Estrangeiros, sobretudo papais, na difícil época de
de Portugal: ao Mosteiro de S. ta Cruz, que através de um prior, pertencia ao mosteiro regrante, organização da igreja portuguesa, independente
frequentemente visitava e do qual, igualmente, se mostram a vitalidade em que se encontravam. dos reinos de Leão e Castela. Ao longo do séc. XII
reivindica fundador, vai concedendo inúmeros Também o priorado crúzio de Leiria será ocasião de houve muitos outros bispos saídos da canónica
privilégios, isenções e benefícios: dota-o de muitos intermináveis polémicas e contestações entre o Bispo coimbrã: D. Odório, Bispo de Viseu (1147-1166),
bens materiais e faz dele o seu mais importante de Coimbra e os Regrantes, até à sua transformação D. Mendo, Bispo de Lamego (1146-1176), D. Pedro
centro de apoio diplomático e intelectual na em Bispado, em 1545, vindo a ser seu primeiro Sénior, Bispo do Porto (1154-1174), D. Miguel
consolidação da independência do país e na titular (1545-1556) o reformador dos mesmos Salomão, Bispo de Coimbra (1162-1176).
construção do Estado. Procura aí alguns dos seus Cónegos Regrantes, D. Fr. Brás de Braga. Com este Bispo de Coimbra, a canónica pôde, em
melhores colaboradores, como D. João Peculiar, seu Além dos serviços litúrgicos e da pregação, puderam, 1162, reforçar o seu estatuto de isenção, através
enviado à corte papal sete vezes, e de quem fará igualmente, os Regrantes dedicar-se ao exercício da da concessão de uma carta libertatis pela qual o
Bispo do Porto (1136-1138) e Arcebispo de Braga caridade assistencial e de cuidados médicos, fun- mosteiro se autonomizava totalmente da autoridade
(1138-1175), ou o Prior D. Teotónio, seu conselheiro dando junto ao mosteiro e sob a invocação de S. episcopal e do Cabido da Sé. O documento não era
espiritual. Nele escolhe a sua sepultura e a de toda Nicolau, um hospital de pobres e doentes e um pacífico e iria suscitar longas controvérsias e apelos
a sua família, indicando desta forma a canónica outro, mais modesto, em Penela. Aí se recolhiam os à Santa Sé. Em 1163, decorrido um ano sobre a
regrante coimbrã como a instituição religiosa da sua indigentes e velhos abandonados, se cuidavam os morte do primeiro prior, era canonizado, localmente,
predilecção. feridos e desalojados das guerras com os mouros e, S. Teotónio, elevando com este acto a exemplo
A pujança inicial foi crescendo com o aumento de no de Coimbra, se deu guarida a um numeroso modelar a vida canonical na forma como ele a
doações e de privilégios que foram enriquecendo o grupo de cristãos moçárabes, que o Rei D. Afonso entendera e concretizara.
seu património, o que lhes permitia colaborar em Henriques aprisionou numa das suas incursões para Foi igualmente neste ambiente cultural que adqui-
mais actividades pastorais e de assistência, a fim de sul, e que ficaram sob a protecção directa do Prior riu a sua formação superior o jovem Fernando
realizarem o seu ideal: constituírem uma terceira via D. Teotónio. Martins, futuro S.to António de Lisboa (1195-1232),
exemplar de acção e eficácia entre o clero regular Em 1195, o Papa Celestino III (1191-1198), que em transitando do Mosteiro de S. Vicente de Fora para
ou monástico e o clero secular, de quem se queriam 1154 visitara o mosteiro, como Legado papal, concedia o de S. ta Cruz, antes de ingressar na Ordem
igualmente equidistantes, conjugando embora, dos ao Prior-Mor o uso de báculo e mitra, plena jurisdição Franciscana.
dois o que neles achavam de mais louvável e sobre várias igrejas de Coimbra e Leiria, bem como O modelo dos cónegos regrantes de Coimbra
genuinamente apostólico, no seu modelo de expe- o poder de conceder indulgências e erigir altares. triunfava assim ao longo do séc. XII e a sua vitalidade
riência nova. O cartulário Livro Santo, inicialmente Em poucos anos, antes de fins do século, o mosteiro mostrou-se também na capacidade de atracção, pelo
chamado no mosteiro o Livro dos Testamentos, ou conseguiu tornar-se um notável centro cultural: além aumento do número de membros da comunidade
um outro que se lhe seguiu, organizado no tempo da escola, onde se formavam os futuros cónegos, que, em fins do século já ultrapassava a meia centena,
do segundo prior, Livro de D. João Teotónio (1162- aumentou a capacidade produtiva e o nível da e pela fundação de comunidades novas ou adesão
-1181), conservam os principais diplomas dessas qualidade de textos e iluminuras do scriptorium, foi de outras mais antigas. Em Lisboa, em 1148, os
doações e privilégios que testemunham a capacidade crescendo a livraria de mão, de que ainda hoje regrantes de Coimbra dirigiam e associavam a si o
de atracção social e política que os distinguia. Os subsistem alguns exemplares (Catálogo dos códices…), recém-fundado Mosteiro de S. Vicente de Fora e,
Cónegos Regulares (sub regula) de Santo Agostinho organizou-se o cartório, quer com a elaboração de antes do final do século, a comunidade de S.ta Cruz
podiam, assim, ser um modelo e fazer avançar o cartulários, como os já citados, quer com a funcional de Cortes pedia o mesmo estatuto, na fronteira de
ideal da vita apostolica em todo o clero, no dealbar ordenação de cartas e diplomas necessários à Castela, junto a Cidade Rodrigo.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

A Regra de S. to Agostinho e, provavelmente, as similares. Em 1211, o conflito com a comunidade autonomizados e particularistas, sem terem de
Constituições de S. ta Cruz começaram a ser dos clérigos de Leiria e, em 1212, a insurreição dos depender de centros de decisão externos ao país,
adoptadas por vários outros mosteiros e eremitérios capelães de S. João de Santa Cruz geram alguma o que era bem visto e correspondia aos projectos
em zonas rurais que, por filiação ou adesão, se desconfiança acerca da sua generosidade e da do poder régio.
juntavam ao modelo reformado, conservando, no entrega gratuita ao serviço de Deus, parecendo que A crise não deixa de se acentuar ao longo do século
entanto a sua autonomia. Um dos primeiros foi S. os bens materiais e os lucros se colocavam acima seguinte, o que aliás se verificou em todas as
Salvador de Grijó, junto do Porto, cuja reforma se de tudo o resto. Deixa de ser tão visível o apoio instituições do mesmo género, levando muitas ao
costuma atribuir a D. João Peculiar, por volta de régio que caracterizara a acção dos dois primeiros desaparecimento por falta de vocações, má adminis-
1134. Seguiram-se, cerca de 1138, Moreira da Maia monarcas. D. Afonso II (m. 1223) foi sepultado, por tração ou relaxamento da disciplina. O problema,
e pela mesma altura, o Eremitério de S. Romão de vontade sua, em outro mosteiro, como aconteceria quase geral no Ocidente, levou à intervenção do
Seia e o Mosteiro de S. Jorge a par de Coimbra. com os seus sucessores. A chegada dos mendicantes Papa Bento XII (1334-1342) que começou a publicar
Muitos outros velhos cenóbios, quase todos na região a Portugal atraiu para esse novo modelo mais uma série de bulas de reforma dos religiosos,
de Entre Douro e Minho se uniram em datas que é seguidores e as esmolas de mais fiéis. dedicando, em 1339, a Constituição Apostólica Ad
difícil precisar com rigor, mas de certo ainda no séc. Desaparecida a geração dos Fundadores e a dos Decorem Ecclesiae ao caso dos regrantes. Decidia
XII: Ancede (Baião), Lordelo (Paredes), Tuías (Marco seus discípulos, a própria comunidade de S.ta Cruz uma profunda reforma que passava por dois aspectos
de Canaveses), Vilela (Paredes), Oliveira (Famalicão), parece ter experimentado alguma desorientação importantes: a elevação do nível cultural na sua
Requião (Famalicão), S. Simão da Junqueira (Póvoa acerca do seu verdadeiro estatuto e identidade, pois, formação e a reorganização da sua vida institucional.
de Varzim), Bravães (Ponte da Barca), Caramos em 1220 pede ao rei que os submeta à Regra de Pelo primeiro, ordenava a organização de boas escolas
(Felgueiras), Vila Boa do Bispo (Marco de Canaveses), Cister, o que só circunstancialmente não veio a e a maior frequência de cursos universitários; pelo
S.ta Marinha da Costa (Guimarães), S. Martinho do acontecer. segundo, condenava o isolamento de muitos
Crasto (Ponte da Barca), Freixo (Amarante), Longos Vários documentos papais dos primeiros anos daquela mosteiros, demasiado ciosos da sua autonomia,
Vales (Monção), Mancelos (Amarante), Vila Nova de década sugerem que o ambiente religioso e moral obrigando-os à constituição de congregações ou
Muía (Ponte da Barca), Paderne (Melgaço), Palmeira se degradara, nos agitados Priorados de D. Gonçalo fraternidades que celebrassem frequentes Capítulos
(Guimarães), Refojos de Lima (Ponte de Lima), Roriz Dias (1202-1205) e de D. João César (1205-1212 e Gerais de revisão e actualização. Assim, em Portugal,
(S.to Tirso), S. Torcato (Guimarães), Vilarinho (S.to 1219-1228) que por muitos dos seus confrades é que ficava incluído na província regrante da Espanha
Tirso) e ainda outros dois, a sul do rio Douro: acusado de permitir o desleixo da disciplina e o Ocidental e do Sul (que reunia os mosteiros das
Cárquere (Resende) e Folques (Arganil). delapidar do património. Nos anos de 1207, 1218 metrópoles de Braga, Santiago de Compostela, Toledo
e 1226 uma soma considerável de livros é alienada e Sevilha), realizou-se, em 1340, em Bragança, sob
da biblioteca, culpando-se o prior por esse a presidência conjunta do Prior de S. ta Cruz de
esbanjamento. É nesta conjuntura que o futuro S.to Coimbra e do Abade de S.to Isidoro de León, um
António deixa os Cónegos Regrantes. primeiro Capítulo Geral. Não encontramos docu-
Talvez por algumas destas razões e a fim de que se mentos de outros se terem seguido e a calamidade
concretizassem as determinações do IV Concílio de da peste negra (1348-1350) que se seguiu, deve ter
Latrão (1215), nos anos de 1228-1229, visita feito cair no esquecimento aquelas medidas refor-
Coimbra, como Legado papal, o Cardeal sabinense, madoras.
D. João de Abeville, que determina uma pequena Por diversas razões muitos mosteiros ficaram ainda
reforma no mosteiro coimbrão e nas canónicas a mais desorganizados mas, dispondo de seculares
ele associadas. Ordenou que na Sé do Porto fosse patrimónios, alguns deles começaram a ser atribuídos
celebrado um Capítulo Provincial de regrantes (até pelos monarcas, como comendas, a entidades que
então inédito, mas que doravante seria trienal) de lhes eram exteriores (abades comendatários, clérigos
reforma e correcção. As actas dessa reunião ou seculares), mas que passaram a receber e usurpar
conservam-se numa cópia dos sécs. XIV ou XV, no os rendimentos, ficando as comunidades empo-
manuscrito conhecido por Gemma Corone, arqui- brecidas a cargo de priores claustrais, situação que
vado, hoje, na Biblioteca Pública Municipal do Porto. iria prolongar-se até à segunda metade do séc. XVI.
O desejo de reforma, porém, parece não ter invertido A situação do papado e o Grande Cisma do Ocidente
o duplo caminhar da canónica: por um lado a sua (1378-1417) levou muitas canónicas a dividir-se na
Igreja de S.ta Cruz, Coimbra (DB) crescente monaquização, que a afastava dos ideais sua obediência e a embrenhar-se em lutas internas,
iniciais; por outro, o contínuo enredar-se cada vez enfraquecendo-se cada vez mais. Nesse contexto
mais em controvérsias de jurisdição e tentativas de procedeu o Arcebispo de Braga, D. Fernando da
Tal como S.ta Cruz de Coimbra, os Mosteiros de Grijó impedir outras ordens de se instalarem no espaço Guerra (1417-1467), “por lídimas razões”, à supres-
e de S. Jorge, a par de Coimbra e Refojos do Lima, eclesiástico que ela controlava, como aconteceu com são de sete mosteiros agostinianos: S. Silvestre de
conseguiram da Santa Sé o estatuto de isenção a entrada dos Frades Menores em Leiria (1232- Requião (1433), S. Salvador de Bravães (1434), S.
canónica, o que os tornava independentes do bispo -1233) e das Clarissas na fundação do seu mosteiro, Salvador do Banho (1441), S. Cristóvão de Rio Mau
local e fazia deles instituições de jurisdição quase na margem esquerda do Mondego (1278-1283) por (1442), S. Salvador do Souto (1454), S. Torcato (1474)
episcopal no seu isento nullius dioecesis. uma das ex-cónegas regrantes ou Donas de S. João, e S. Salvador do Freixo (c. 1492).
No princípio do séc. XIII, começa a sentir-se a D. Mor Dias, que levaria a uma interminável querela Na mesma metrópole de Braga sobreviviam ainda à
diminuição das doações e há uma quebra na que se alongou pelos tribunais (1278-1319) e levou crise 11 outras canónicas regrantes: S.ta Maria de
actividade assistencial da canónica coimbrã. A vida à directa intervenção régia de D. Dinis, na qualidade Landim, Vila Nova de Muía, S.ta Maria da Oliveira,
quotidiana enredava-se em polémicas e litígios com de patrono do mosteiro. Mas sublinhava, ainda mais, S.ta Marinha da Costa, S. Martinho de Caramos, S.
as autoridades eclesiásticas ou com outros institutos a ideia de congregar mosteiros demasiado Martinho do Crasto, S. Martinho de Mancelos, S.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Miguel de Vilarinho, S. Pedro de Roriz, S. Salvador fosse já inteiramente renascentista. Especial cuidado Vicentinas”. Seria extinta, por ordem do prior geral
de Valdreu e S. Simão da Junqueira. foi posto na construção dos túmulos de D. Afonso reformador, em 1758.
Em S.ta Cruz de Coimbra, onde os sintomas eram Henriques e de D. Sancho I, transformando o templo Não descurou Fr. Brás os aspectos materiais, podendo
semelhantes, alguns apelaram ao rei, como patrono, em majestoso panteão real, inaugurando-se desta o seu génio construtor ser aplicado em obras de
para que mandasse proceder a uma reforma. Para forma uma época longa de intenso mecenatismo renovação e ampliação arquitectónica de todos os
esse efeito, o Regente D. Pedro (1439-1446) nomeou artístico na canónica, que acarretará, internamente, espaços monásticos e dando à cidade um novo
Prior-Mor e Reformador a D. Fr. Gomes Eanes (1441- efeitos negativos no domínio da vida religiosa, ao impulso urbanístico, com a criação de colégios
-1459), homem de vasta experiência neste campo rodeá-la de tanto fausto e exposição. universitários, regrantes (Todos os Santos, S. Miguel
e longa estadia no estrangeiro. Antigo abade A situação do convento chamou a atenção do Rei e S.to Agostinho) e de outras ordens, na nova R. de
beneditino de S.ta Maria de Florença, da Congregação D. João III (1521-1557), que confiou a sua reforma S. ta Sofia, que ele mesmo idealizara e mandara
de Santa Justina de Pádua, e ex-geral e reformador ao monge da Ordem de São Jerónimo, Fr. Brás de construir. Este novo pólo de expansão da cidade de
dos Cónegos Regulares Camaldolenses, fazia-se, Braga (1527-1554), homem culto, imbuído das ideias Coimbra, com escolas onde a nível superior se
agora, regrante de S.ta Cruz. do humanismo erasmiano europeu, que assimilara ministravam cursos de Artes, Medicina, Teologia e
Não se pode dizer que tenha sido profunda esta nas Universidades de Lovaina e Paris, onde estudara, Cânones era, desde 1535, uma segunda universidade
primeira reforma interna, pois D. Gomes, dada a numa primeira fase coadjuvado pelo seu Provincial, que veio depois a fundir-se com a outra, em 1544.
oposição que encontrou na comunidade, limitou-se Fr. António de Lisboa (1527-1545). Em 1545, extinguia-se o priorado-mor perpétuo e,
praticamente a reorganizar a administração e a Propunha-se Fr. Brás não apenas lançar remendo conseguida uma mais ampla base de rendimentos,
defender direitos e privilégios esquecidos ou a novo em hábito velho, já corroído pelo tempo, mas o rei solicitava do papa a aprovação para a divisão
solucionar conflitos de bens e jurisdições, trabalho fazer obra nova e ordenar novos costumes que das rendas e direitos jurisdicionais do mosteiro: uma
que já fora promovido pelo Prior D. Gonçalo Gil formassem novos e santos irmãos, como dirá, depois, parte das da mesa prioral foi aplicada à modernização
(1414-1437) que organizara o moderno tombo dos no proémio das novas Constituições. Por outro lado, da universidade que, entretanto voltara a instalar-
bens, foros e rendas, Tombo de 1431. D. Gomes não lhe passou despercebido o marasmo escolar e -se em Coimbra (1537), enquanto outra serviu de
promoveu algumas obras de melhoramento do culto, o baixo nível intelectual que, de forma geral, apoio à criação das novas Dioceses de Leiria (1545)
com a aquisição de novas alfaias e a fundação da caracterizava os mosteiros regrantes, não sobres- e Portalegre (1549). Não foi pacífico todo este
Capela de S.to André e dos Mártires de Marrocos, saindo neles homens de saber e estatura cultural a processo de divisão, julgando-se o convento espoliado
cuja devoção incrementou. ombrear com os das origens, da época da fundação de bens que por direito pertenciam e faziam falta
Em 1452, a pedido do Rei D. Afonso V, alarmado da universidade ou de outras ordens. ao mosteiro; houve recursos para a cúria papal e
com a situação de excessos e indisciplina, o Papa Foi a primeira e verdadeiramente única e grande para os tribunais. Em 1606, por decisão real, era-
Nicolau V nomeava-o Visitador e Reformador dos reforma do Mosteiro de S.ta Cruz de Coimbra (depois -lhe imposto silêncio, ficando à universidade a
demais mosteiros e priorados dos Cónegos alargada aos Mosteiros de S. Vicente e Grijó) e com obrigação do pagamento de 210 000 réis de juro
Regrantes de Santo Agostinho em Portugal. ela procedia-se, de facto, a uma verdadeira refun- de renda perpétua, a título compensatório.
A canónica coimbrã era, no final do séc. XV, do dação, dotando a canónica de novas Constituições Se o património fora cerceado, em contrapartida, o
ponto de vista material, uma grande e próspera (1532) que atribuíam um governo trienal aos seus Prior de S.ta Cruz era agraciado, em 1539, com o
instituição senhorial, mas onde a vida religiosa priores eleitos, modernizavam a orgânica comunitária, prestigiante título de Cancelário da Universidade,
continuava adormecida e a disciplina relaxada. Foi insistiam na frequência das reuniões capitulares, que irá conservar durante toda a existência do
a partir desta situação que os monarcas a trans- reformulavam toda a disciplina. mosteiro. Desde data incerta começou o prior geral
formaram também em priorado comendatário de Além de incutir os ideais da vita apostolica e da da congregação a intitular-se “do Conselho de S.M.”,
pingues rendimentos, que em nada atendia à devotio moderna, Fr. Brás de Braga renovou a título que lhe seria acrescentado, enquanto
intencionalidade da vida claustral e ao cumprimento disciplina claustral, modernizou os estudos, actuali- Cancelário, por Alvará Régio de 15 de Agosto de
das exigências religiosas e espirituais. Ao último Prior zando programas e métodos, atraindo mestres de 1805.
eleito, D. João de Noronha (1473-1506), aristocrata fama europeia e dotando a canónica da sua própria Em 1536, extinguira-se a anexa comunidade das
aparentado com o rei, homem mundano e que tipografia, única na cidade, até 1578, data em que Donas de São João e, em 1566, decidir-se-ia a não
procedera a um conjunto de melhoramentos materiais foi transferida para o Mosteiro de S. Vicente de Fora aceitação de mais conversos na comunidade, medida
e construções sumptuosas, em rivalidade com o de Lisboa e na qual, no tempo de Filipe III (1598- que seria pouco mais tarde anulada. Nem toda esta
bispo da cidade, sucederam priores de nomeação -1621), se haveriam de imprimir as Ordenações e profunda renovação encontrou aplausos unânimes e
régia, como D. Pedro Gavião (1506-1516), que desde Leis do Reino (1603, 1636 e 1695; 1727, 1747- seguidores seguros: muitos regrantes, indignados,
1496 era também Bispo da Guarda e, depois, entre -1754) também conhecidas por “Ordenações haviam recebido como ofensa à sua congregação a
1516 e 1545, membros da própria família real como vinda de um intruso com tamanhos poderes refor-
os Infantes D. Afonso, D. Henrique, D. Duarte e madores e preferiram exclaustrar-se; depois de longos
outro D. Duarte, filho ilegítimo do rei, o que de anos de mudanças e desavenças, o reformador, por
certo modo permitiu proceder a uma reforma mais pressão dos dirigentes, em 1554 acabaria por ser
profunda e dar novos passos na intervenção régia destituído, em conflito, do governo da Ordem, pelo
em domínios outrora reservados à Cúria romana e próprio rei, quando já ocupava a Sé de Leiria como
ao papado, disputando-lhe a nomeação dos prelados seu prelado (1545-1556). Porém, aos 32 cónegos de
e o provimento nos benefícios. finais do séc. XV, sucediam (cinco anos depois de
Além de notável administrador, D. Manuel I (1495- iniciada a reforma, em 1532) 70, apontados como
-1521) entregou a D. Pedro Gavião a tarefa de, com exemplo de comunidade modelar e sempre crescente.
as rendas do priorado-mor, substituir a primitiva Alguns mosteiros de Cónegos Regrantes passaram
igreja românica do mosteiro por outra mais ampla à obediência de outras ordens: em 1528, S.ta Marinha
e mais rica (1507-1513), cuja decoração interior Mosteiro de S. Vicente de Fora, Lisboa (JAM) da Costa para os Monges de São Jerónimo; Mancelos

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e Freixo, para o convento dominicano de S. Gonçalo submetidos a comendatários. Em 1615, Paulo V certa forma, D. João IV, ao escolher aí a sua sepultura
de Amarante; Ancede, para os dominicanos de S. confirmava a adesão de quantos se haviam unido (1656) e dos seus familiares, criava o precedente do
Domingos de Lisboa e Cárquere, Longos Vales e à Congregação. Panteão da Casa de Bragança, organizado, em 1855
Roriz, para a Companhia de Jesus. Há que referir, no entanto, que a profunda reforma pelo Regente D. Fernando II.
Nos três principais mosteiros reformados, S.ta Cruz efectuada por Fr. Brás fora, em boa medida, O início do séc. XVII foi marcado pela preparação
(1527), S. Vicente de Fora (1537) e S. Salvador de extemporânea visto não poder incluir aspectos de novo texto constitucional (1607) que conheceu,
Grijó (1539) e no Colégio da Sapiência (1538), ficou essenciais que o Concílio de Trento (1545-1563), em 1615, a aprovação definitiva por Paulo V e que,
assente que cada um devia ter o seu Prior trienal, seguidamente, veio impor à Igreja universal. Os com sucessivas emendas e definições, iria vigorar
mas que todos obedeceriam a um Prior Geral, que Cónegos Regrantes precisavam, necessariamente, até finais do séc. XVIII. Nele se reforçava o juramento
seria o Prior trienal de S.ta Cruz. Tal deliberação foi de se adaptar aos novos condicionalismos, em de clausura e se acentuavam outros aspectos
confirmada por Paulo III, no ano seguinte, em 1540. especial no que dizia respeito às actividades monásticos, que afastavam os regrantes da acção
A esta união juntou-se ainda o Mosteiro de S. to missionárias. Não o tendo feito, acabariam por pastoral de contacto com os fiéis e do espírito inicial.
Agostinho da Serra do Pilar (1542). aumentar o seu isolamento, tornando-se cada vez Em S.ta Cruz, a centúria de Seiscentos caracterizou-
Com estas cinco comunidades formou Paulo IV, em mais estranhos no mundo moderno, onde outras -se pelo excessivo aumento do número de cónegos,
1556, a Congregação de Santa Cruz de Coimbra, instituições eclesiásticas detinham o protagonismo conversos e donatos ou familiares, por maior
à qual se uniram sucessivamente os Mosteiros de S. na prossecução dos objectivos tridentinos. aristocratização do teor de vida quotidiano e pelo
Salvador de Moreira (1563), S.ta Maria de Nandim A nova situação da comunidade de S. ta Cruz, a contínuo ritmo de obras de construção e embe-
(1563), S.ta Maria de Refoios do Lima (1564), S. Jorge polémica com a universidade, por causa da divisão lezamento dos espaços monásticos: em 1593, teve
de Coimbra (1568), S. Martinho de Caramos (1595), das rendas do antigo priorado-mor, e vários outros início a construção, fora do mosteiro, na parte alta
S. Salvador de Paderne (1595), S.ta Maria de Vila negócios respeitantes à Congregação levaram à da cidade, do novo Colégio da Sapiência ou de S.to
Nova de Muía (1595), S.to Estêvão de Vilela (1595), criação de procuradores em várias Cortes: Lisboa, Agostinho, que começou a funcionar em 1604; nos
S. Pedro de Folques (1595), S. Simão da Junqueira Braga e Roma. Famosas ficaram as missões dos anos seguintes, no mosteiro revestiram-se as paredes
(1595), S.ta Maria da Oliveira (1599), Vila Boa do Cónegos Procuradores D. Clemente e D. Filipe Pegado de azulejos, abriram-se portais e escadarias (1609-
Bispo (1605), S. Miguel de Vilarinho (1610) e S. junto da Cúria papal, entre 1558-1561, e mais tarde -1610), colocaram-se retábulos, alargaram-se
Martinho do Crasto (1615). Mais tarde, uniu-se-lhes do mesmo D. Filipe e D. Pedro, entre 1564-1569, dormitórios (1618), edificaram-se hospedarias (1612),
S. Teotónio de Viana do Lima, fundação erigida em que expuseram e defenderam com muito êxito os construiu-se a nova sacristia (1622-1624) e o novo
1630, embora só habitada desde 1642, e sustentada interesses de S.ta Cruz e dos vários mosteiros da complexo da enfermaria (1633-1656).
com as rendas que provinham dos Mosteiros de Vila Ordem, de que deixaram pormenorizado relato (Santa Nos finais de Seiscentos era notória, de novo, a
Nova de Muía e de S. Martinho do Crasto, entretanto Cruz de Coimbra, ANTT, maço 3, liv. 4). situação de grande relaxamento e decadência dos
abandonados. O mesmo aconteceria, pouco depois, costumes, que se acentuou nos começos do séc.
com os de Vilarinho, Vilela, Oliveira e Folques. 2. Decadência e extinção. Na segunda metade do XVIII.
Em 1567, por decisão de Pio V (1566-1572), a séc. XVI, especialmente no reinado de D. Sebastião Respondendo ao apelo de alguns cónegos que, desde
Congregação foi definitivamente aprovada, (1568-1578), S. ta Cruz viu serem-lhe diminuídos 1680, pediam uma nova reforma – “coisa bem
estabelecendo-se o governo de priores trienais em alguns dos seus privilégios mais antigos, como o escusada”, dirá um cronista crúzio contemporâneo.
todos os mosteiros que iam deixando de estar exclusivo uso das principais fontes de abastecimento Em 1684, o Núncio na Corte, Marcello Durazzo
de águas à cidade. Na contenda que se gerou, não (1673-1686), visitou, durante um ano o Mosteiro de
obteve qualquer êxito o costumado apelo ao rei. Na S.ta Cruz, mas a verdadeira reforma não chegou a
crise de 1580, o mosteiro tomou, contra Filipe II, o iniciar-se. Posteriormente, atendendo a novas queixas
partido de D. António, Prior do Crato, que ali fora de cónegos ligados ao movimento “jacobeu”, como
educado e a quem a comunidade se havia afeiçoado. D. Inácio de Santa Teresa, futuro Arcebispo de Goa
O Prior Geral, D. Lourenço Leite, que ia no seu e Bispo do Algarve; D. Bernardino dos Anjos, mais
terceiro generalato (1578-1581), levantou voz por tarde Prior Geral; D. José da Glória, também futuro
ele e acompanhá-lo-ia nas aventurosas deambulações Geral, e D. Manuel de São Caetano, o Rei D. João V
pelos mosteiros de Entre-Douro-e-Minho, até a sua (1707-1750) consegue do Papa Inocêncio XIII a
fuga para França. Acabou por ser preso e exilado nomeação do franciscano cortesão e seu valido e
para a canónica de S.to Isidoro de León, onde viria parente, Fr. Gaspar da Encarnação (1685-1752) para
a morrer, em 1582. O governo filipino, que não Visitador e Reformador dos principais mosteiros,
hostilizou abertamente S.ta Cruz, iria valorizar de primeiro, S. ta Cruz, depois, S. Jorge, Colégio da
forma especial o Mosteiro de S. Vicente de Fora, de Sapiência, Grijó, Serra, Moreira, e Refoios do Lima,
Lisboa, que dotou de nova igreja (dedicada a S. tarefa que desempenhará entre 1723 e 1752.
Vicente e S. Sebastião) e de mais amplas construções A reforma de S. Vicente de Fora de Lisboa, onde
arquitectónicas nos espaços canonicais (1582-1629). residia, iniciou-se a 16 de Dezembro de 1742.
Além disso, gozava do privilégio de maior Que a reforma era necessária e urgente, parece
proximidade da Corte, nele tendo residência confirmá-lo o Núncio Lucas Tempi, numa carta para
transitória, para esse efeito o prior geral e o a Secretaria de Estado da Santa Sé, em 1745, quando
procurador. Tudo isso contribuía para o pôr em recordava as mazelas por que passavam os regrantes,
rivalidade com S.ta Cruz que, no entanto, por razões antes da chegada de Fr. Gaspar: “V’erano agostiniani
históricas e matriciais, nunca deixou de ocupar o che da 20 e 30 anni vivevano com donne che
primeiro lugar. Esta predilecção régia continuou com chiamavano sorelle e parenti, senza nepur nel giorno
Interior da Igreja de S.ta Cruz, Coimbra (JAM) os reis portugueses da quarta dinastia quando, de del Patriarca [S.to Agostinho] andar in convento”.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

A reforma do Varatojano Fr. Gaspar, porém, ao longo que maioritariamente escritas em latim e por isso os reformadores de não haverem escrito nenhuma
de quase 29 anos, efectuada muitas vezes por de acesso reservado a uma pequena elite, foi nela Regra e de terem governado a Congregação a seu
comissários delegados, entre os seus afazeres no que o regrante D. Tomás da Encarnação (1723- livre arbítrio, sem estabelecer leis comuns, pelo que
gabinete régio, foi frágil e inconsistente; dela não -1784), mais tarde Bispo de Pernambuco (1773- mandou repor em vigor as Constituições confirmadas
resultaram nenhumas novas Constituições. Além de -1784), foi mestre e redigiu uma cuidada Historia por Paulo V, em 1615. Em 1768, imputando-lhe o
ter suspendido as eleições para os principais ofícios Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio crime de “sigilista”, e fazendo-se eco das queixas
regulares, agora alcançados por nomeação directa promulgata (1759-1763), de carácter narrativo mas dos “padres velhos”, isto é, inimigos da reforma e
do Reformador, preocupou-se em restabelecer a muito ponderado, em quatro volumes, a que não que nunca a ela haviam aderido, D. Francisco foi
obrigação da clausura e ordenar certas observâncias faltam, no entanto, alguns ressaibos de regalismo. detido em prisão domiciliária em S. Vicente de Fora,
religiosas, gerais e de uso quotidiano, no coro, na Com a morte de Fr. Gaspar (1752) não foi possível onde morreria em 1771. Por ordem régia foi
igreja, na cela e no refeitório. Acabou com algumas dar seguimento às novas Constituições que, no mandado retirar do Mosteiro de S.ta Cruz o retrato
tradições dos regrantes, a seu ver incompatíveis com entanto, foram enviadas para aprovação papal, mas de Fr. Gaspar, enquanto o Mosteiro de S. Vicente
a austeridade da vida religiosa, como as pompas que, segundo Charles Giroud, acabaram por não se libertava da obrigação de um sufrágio de
exibidas nas solenidades litúrgicas, os concertos ter efeito. O encargo de prosseguir a reforma foi, aniversário (ANTT, Ms. Liv., 468, fl. 80) e ordenou
musicais na hospedaria, as visitas a mosteiros de pouco depois, assumido pelo seu sobrinho, Prior novas eleições, nas quais aqueles mesmos padres
freiras, as merendas nas quintas, os opulentos jantares Geral e Reitor da Universidade (1745-1757), deviam ser escolhidos.
nas festas. Apelou à morigeração dos costumes de D. Francisco da Anunciação, que continuou aquela Achando excessivo o poder dos Cónegos Regrantes
recreio e divertimento e à simplificação nas formas tarefa (Breve de 19 de Fevereiro de 1754), em tempos em Portugal, decadentes e irreformáveis muitas
de vestir, calçar e cortar o cabelo. Introduziu práticas mais difíceis, até 1760. Em estilo diferente e mais comunidades, em 1770, Pombal consegue de
devocionais, à maneira do Varatojo. eficaz, a sua incumbência era fazer a síntese dos Clemente XIV a extinção de nove mosteiros: Refojos
Porém, o estilo de vida continuou ainda opulento a trabalhos anteriores e normalizar a vida interna dos de Lima, Moreira da Maia, S. Simão da Junqueira,
aristocrático, em muitos aspectos, dando exemplo mosteiros e da Congregação. Homem afável e de Paderne, Landim, Caramos, Vila Boa do Bispo, S.
o próprio reformador, como pode observar-se pelos espírito organizador, deu particular importância aos Jorge e Grijó, sendo estes dois últimos vendidos em
gastos e cuidados postos nas ricas edificações nas aspectos financeiros e de reestruturação das hasta pública. Os bens e as rendas das canónicas
Q.tas de Foja, Almeara, destinadas a férias e recreio, comunidades. Em 1758, quando só já eram 14 (13 extintas consignou-os ao financiamento do Convento
mas sobretudo na Q.ta de S.ta Cruz, junto ao mosteiro, mosteiros e o Colégio da Sapiência), criou uma caixa de Mafra, de onde desalojou os Franciscanos
onde se levantaram colunatas, cascatas, jogos de comum para a qual todos deviam participar, Arrábidos, para aí recolher os Regrantes em mosteiro
água, parques e jardins de árvores exóticas e outras anualmente, de forma proporcional aos seus meios; formado pelas comunidades extintas (em 1771
construções de principescos divertimentos, que depois, procedeu a uma mais racional distribuição encontravam-se aí reunidos 84 cónegos e 11
provocaram agitação e protestos populares. Pretendia, dos religiosos: nenhuma comunidade poderia ter conversos), fundando, seguidamente no mesmo o
de certo competir com o Patriarca de Lisboa, que, menos de 15 cónegos e a sua totalidade na Real Colégio de Mafra (1772), onde todos os cargos
por essa época, também assim fazia nas Q.tas do Congregação não poderia exceder 380 o número dirigentes, de nomeação régia, ficavam sob a sua
Tojal e de Marvila. de cónegos e 75 o de conversos. Ficavam extintos própria vigilância. No mesmo ano de 1772, foi extinto
Muitos dos “cónegos velhos”, que não se reviram na os donatos ou familiares, em qualquer comunidade. o Mosteiro de S. Vicente de Fora, transferindo para
reforma, foram enviados para os mosteiros de província No Capítulo Geral de 1787, cerca de 30 anos mais aí a Sé patriarcal, compelindo esta comunidade ao
(1742) ou mudaram para o clero secular. Fr. Gaspar tarde, com a Congregação reduzida a quatro mesmo destino. A conivência do cortesão Cardeal
foi acusado de ter afastado os melhores, de ter comunidades, o numerus clausus de cónegos desceria da Cunha (1770-1783), D. João de Nossa Senhora
maculado a Congregação com a seita dos Jacobeus para 250 e o dos conversos para 54, assim da Porta, antigo regrante e ex-jacobeu, aristocrata
que haveria de levar à sua decadência, e de ter distribuídos: em S. ta Cruz de Coimbra, 80 e 23, intelectualmente medíocre e moralmente subser-
destruído a escola musical e veneráveis outros monu- respectivamente; em Mafra, 106 e 20; no Colégio viente, em todo este longo processo de destruição,
mentos, quando mandou distribuir por diversas ordens, da Sapiência, 36 e 5; no Mosteiro da Serra do Pilar, acentuou mais a mágoa dos que se sentiam
ou destinou à fogueira livros antigos e outros papéis 28 e 6. perseguidos e espoliados.
em letra que, entendia ele, já ninguém sabia ler. O último período da acção de D. Francisco da Para diminuir a importância de S.ta Cruz, pretendia
Data do tempo da sua reformação, inspirada no Anunciação coincidiu já com o governo do Conde Pombal fazer de Mafra “o mais respeitável mosteiro
modelo criado por Bento XIV em Roma, a fundação, de Oeiras (1759-1770), futuro Marquês de Pombal de toda a Congregação”, para lá transferindo mesmo
pelo Bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, (1770-1777), seu declarado inimigo e que, em 1759, a residência do Prior Geral (aí esteve, tempo-
antigo regrante, da Academia Litúrgica (Bula áurea ordenou, violentamente, a supressão da Companhia rariamente, D. Bernardo de Nossa Senhora da Porta).
de 22 de Junho de 1747, Gloria Domini), sediada de Jesus no território português e haveria de A tentativa, porém, não chegou a vingar.
no mosteiro e que tinha a seu cargo a leccionação conseguir de Clemente XIV a extinção total da O Conde de Oeiras perseguiu e mandou encarcerar
das cadeiras de Sagrados Ritos e História Eclesiástica. Ordem, em 1772. Guiado pelos princípios do alguns dos regrantes mais notáveis, em prisões
Começou verdadeiramente a funcionar em 1758 e despotismo iluminado, o conde cerceou todos os monásticas da província ou em enxovias execráveis,
a Faculdade de Teologia da Universidade sentiu a privilégios e perseguiu todos os homens que como aconteceu com D. Miguel da Anunciação, ex-
sua concorrência. Nos seus prelos seriam impressas pudessem contrariar as suas ideias de Estado -Geral da Congregação (1737-1738) e Bispo de
as obras produzidas pelos sócios. As obras completas moderno. Justificando que tudo o que ao clero se Coimbra (1738-1779), anti-regalista, acusando-o de,
do Papa Bento XIV, Ad Usum Academiae Liturgicae referia, em especial as relações tidas com a Cúria ou pela publicação de uma carta pastoral, desrespeitar
Conimbricensis, foram oferecidas à sua biblioteca. o núncio papal, deveria ser submetido ao beneplácito o beneplácito régio e estar envolvido no movimento
Apesar de ter tido vida efémera, pois foi extinta em régio, pelas provisões de 1768 e 1769, anulou a religioso rigorista da jacobeia e nos problemas do
1767, por ordem do Conde de Oeiras, Secretário reforma regrante, apelidando-a de “falsa” e “sigilismo”, ramificado em S.ta Cruz. Os seus inimigos
dos Negócios do Reino, e de as suas produções “perniciosa ficção causadora de instabilidade e acusavam os membros do grupo devoto e reformista
literárias e científicas terem sido interessantes, ainda deformadora de uma instituição secular”. Acusou de violar os segredos da confissão.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Com a morte do Rei D. José e a queda do Marquês em agonia. Os Regrantes de Coimbra tomaram acabara em 1835. Veio a morrer na sua terra natal,
de Pombal (1777) pensavam os mais saudosos que abertamente o partido de D. Miguel (1828-1834), em Ninães, perto de Famalicão, a 18 de Janeiro de
o restauracionismo da “Viradeira” lhes poderia entendendo o apoio ao monarca absolutista como 1873, com 91 anos.
devolver novo fôlego. Com efeito, o apoio da Rainha fidelidade aos seus ideais tradicionais e à memória
D. Maria I (1777-1792), anulando muitas provisões do rei Fundador, cujo túmulo abrigavam. 3. Figuras relevantes da Congregação. Nos últimos
e decretos pombalinos, ainda lhes pôde dar alguma Com a vitória de D. Pedro IV, em 1834, os mosteiros três séculos da sua existência, apesar do contínuo
esperança: alguns dos mosteiros extintos tiveram regrantes e a Congregação sofreram o destino movimento reformista, o Mosteiro de S.ta Cruz não
ordem de restituição e recuperaram a sua existência: comum das ordens religiosas: o relatório apresentado conseguiu verdadeiramente impor-se entre o clero
Grijó em 1777; S. Vicente de Fora, em 1792; S. ao monarca pelos seus mais directos colaboradores regular português, ao lado, por exemplo de
Jorge foi comprado por S.ta Cruz, pela mesma altura. recomendava-lhe, sem contemplações, a extinção Beneditinos, Franciscanos, Dominicanos ou
O Bispo D. Miguel da Anunciação, principal defensor dos frades: o Decreto de 28 de Maio desse ano Jesuítas, que também concitaram contra si ódios
da actualidade do modelo espiritual regrante, foi extinguiu-os e nacionalizou os seus bens, muitos e violências, por razões, em parte, diferentes mas
libertado e pôde regressar ao governo da sua diocese; dos quais, a começar pelos edifícios e seu recheio, que, quando perseguidos e espoliados, conseguiram
a hierarquia interna na Congregação foi reposta e mal protegidos, ficaram ao abandono e à intempérie, recompor-se com alguma facilidade, procurando
a rainha retomou a ideia da reforma. Para esse efeito, foram fruto de novos saques e destruições ou apoio nos seus irmãos estrangeiros, o que S.ta Cruz,
em 1780, obteve do Papa Pio VI (1775-1799) um pilhagens de gente anónima e adversa. Cónegos e sempre ciosa de independência, nunca quis ter.
breve que nomeava Visitador e Reformador do conversos, egressos forçados, viram-se em miseráveis Nunca despertaram para o aspecto missionário nos
Mosteiro de S.ta Cruz e de toda a Congregação o condições: conheceram a fome, a violência, a saúde territórios ultramarinos, não abandonaram a quietude
Bispo de Viseu, D. José António Barbosa Soares arruinada e a morte. sossegada dos seus mosteiros para se aproximarem
(1778-1782), que depois de breve mas profícuo Assim acabava, ingloriamente, o Mosteiro de S.ta mais do povo, nem deram à Igreja homens notáveis
trabalho, morreria prematuramente. Cruz de Coimbra depois de 703 anos de existência como bispos, como outrora tinha acontecido; não
O aspecto mais saliente da sua intervenção traduziu- e com ele, a Congregação que, por quase três brilharam no domínio intelectual, nem conseguiram
-se na elaboração de novas Constituições, aprovadas séculos, tivera o seu nome. pôr a render os imensos bens e talentos à sua guarda,
em 1783 e editadas no ano seguinte. O espírito do no domínio de produções científicas.
novo código normativo regrante era de adaptação Como bispos, no séc. XVIII, apenas se podem indicar
aos tempos novos e conturbados em que se vivia. uns escassos quatro nomes, sendo só o segundo e
De forma discreta regressava-se à disciplina e à vida o quarto de grande estatura intelectual e moral:
de ascese moderada, indo ao encontro do ideal dos D. Inácio de Santa Teresa, antigo cónego regrante
Fundadores do séc. XII, mas sem grandes rupturas de Grijó, Arcebispo de Goa (1721-1739) e Bispo do
com o passado imediato. O texto, porém, não Algarve (1740-1751); D. Miguel da Anunciação, ex-
agradou a muitos, que preferiram trocar de ordem -Geral, Bispo de Coimbra (1739-1781) e transi-
ou ingressar no clero secular. toriamente, governador do Bispado de Leiria (1742-
Os tempos em que, com o apoio régio, mas sempre -1745); D. João Cosme da Cunha, Bispo de Leiria
na sua dependência directa, se pretendia revitalizar (1746-1760), Arcebispo de Évora (1760-1783), criado
a “benemérita Congregação de Santa Cruz” eram, Cardeal da Corte, em 1770, homem do aparelho
em Portugal e na Europa, muito adversos às ordens de Estado, que raramente residiu na sua arquidiocese;
religiosas. Com a difusão dos ideais da Revolução D. Tomás da Encarnação, douto professor de História
Francesa, cujos ventos já sopravam em Portugal, da Academia Litúrgica de Coimbra, Bispo de Olinda,
crescia o anticlericalismo, de modo especial contra no Brasil, sua terra natal (1774-1784).
os frades e, muitas das medidas regalistas pombalinas Nos últimos três séculos os Regrantes de Santa Cruz
acabaram por ser consolidadas. Em 1789, o governo produziram uma plêiade de memorialistas e cronistas
da rainha criava a Comissão de Reforma das Ordens da sua Ordem, entre os quais merecem destaque,
Regulares e, em 1791, restringia a entrada nos D. Veríssimo (m. 1572), D. Teotónio de Melo (m.
Noviciados, o que no entanto, parece não se ter 1606), D. Gabriel de Santa Maria (m. 1616), D.
sentido muito em S.ta Cruz, como provam as actas Marcos da Cruz (m. 1628), D. José de Cristo de
dos Capítulos dos anos 1778-1833 (Santa Cruz, Bretiande (m. 1663), D. Timóteo dos Mártires (m.
ANTT, liv. 57-58). 1686), D. Joaquim da Encarnação (m. 1798), D.
Na viragem para o séc. XIX, aumentou nos meios Inácio da Boa Morte (m. 1790), bem como os
Órgão da Igreja de S.ta Cruz, Coimbra (JAM)
populares e burgueses a animosidade contra os cartorários D. Pedro da Encarnação (m. 1802) e D.
Regrantes acusados de opulentos, obscurantistas e José de Ave Maria. O mais conhecido de todos, pela
parasitas. Muitas das suas rendas, foros e pensões O último Prior-Geral, D. João d’Assunção (no século, sua crónica publicada, em 1668, mas cujas afirmações
deixaram de ser pagos ou viram-se enredados em João Carneiro de Araújo Correia Machado, que têm sido tão contestadas, é D. Nicolau de Santa
recursos contínuos a tribunais que, presididos por professara em S.ta Cruz no ano de 1800), eleito Maria (m. 1675).
juízes liberais, quase nunca lhes davam razão. canonicamente em 1829, foi reeleito, no final do Salvo algumas excepções, não primaram pela
As Invasões Francesas em Portugal (1807-1811) triénio, em 1832 pelo Núncio Apostólico, Mons. probidade nem pelo afinco sério de investigadores,
foram nova ocasião de pilhagens, destruições e Justiniani (1827-1833), e confirmado por autoridade deixando-se antes levar por aspectos laudatórios da
desorganização da vida comunitária, que não se régia. Quando sobreveio o decreto de extinção, sua instituição, com atropelos da verdade, fazendo
recompôs nos anos seguintes. abandonou Coimbra e refugiou-se em Entre-Douro- da história um panegírico e não uma tentativa de
Desde 1820, com a Revolução Liberal e as guerras -e-Minho. O Papa Gregório XVI (1831-1846) entender e memorizar o passado, com fidelidade.
civis que se lhe seguiram, a vida dos mosteiros entrou prolongou-lhe os poderes canónicos do triénio que Nenhum deles atingiu o estatuto do cisterciense

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Fr. António Brandão ou do franciscano Fr. Manuel Cónego de S.ta Cruz mas, por três vezes, Prior de N. Sr. a da Graça, S. to André e dos Mártires de
da Esperança, seus contemporâneos. S. Vicente de Fora (1569-1572; 1575-1578; 1581- Marrocos e ao Nome de Jesus, no tempo do Prior-
E no entanto, talvez mais que nenhum outro instituto -1584), glosador do Cântico dos Cânticos e autor -Mor D. Gomes, no séc. XV; a N. Sr.a da Conceição,
do seu género, S.ta Cruz, que guardava com o corpo da Voz do Amado. Foram menos conhecidos outros, desde 1566, mas incrementada pelo reformador Fr.
dos dois primeiros reis portugueses o núcleo matricial em especial do séc. XVIII, cujas obras espirituais e Gaspar no séc. XVIII; ao Laus Perene desde o séc.
da história pátria, fornecia-lhes tradição e uma vasta litúrgicas ficaram manuscritas, como D. André da XVII e, naturalmente, a S. Teotónio, seu primeiro
documentação sem paralelo. Também neste aspecto Encarnação e D. Norberto do mesmo nome, autor Prior.
não foram capazes de prosseguir o rumo traçado de um Sumário das indulgências concedidas à Basílica Entre a longa lista do catálogo dos priores-gerais,
pelos seus antecessores do séc. XII que nos legaram do Real Mosteiro de S.ta Cruz de Coimbra, impresso de governo trienal, houve homens de grande iniciativa
monumentos de nível tão alto como os Annales na cidade, em 1756 e igualmente autor de uma e de espírito empreendedor, porém, o seu talento
Domni Alfonsi Portugalensium Regis, ou o Sumário breve Notícia do Terramoto de 1755, que ficou manifestou-se quase sempre em aspectos adminis-
da Conquista de Santarém ou ainda, outros dos manuscrita. trativos ou na condução e defesa de privilégios e
sécs. XIV e XV, como as chamadas Crónicas Breves Entre as figuras mais marcantes, na acção pastoral assuntos materiais. Fornecemos o seu elenco, desde
de Santa Cruz. Estacionaram na fase mitopoiética e na importância dada à liturgia, desta centúria, o começo, assinalando para cada um a época de
de que o “milagre de Ourique” foi emblema e sobressaiu o Bispo de Coimbra, D. Miguel da priorado e, em alguns casos, o da morte. Há hiatos
bandeira. Anunciação (1738-1779), fundador da Academia referentes a anos de que ainda não encontrámos
Foi talvez por isso que, em momentos de crise Litúrgica (1747) e autor dos seus Estatutos mas, documentação probatória suficiente: D. Bento de
nacional, S. ta Cruz estava na linha dianteira dos talvez devido à infelicidade que o atingiu, a sua obra Camões (1539-1543); D. Dionísio de Morais (1543-
lugares onde renascia o fervor nacionalista, como mais notável, no domínio da Teologia, é pequena e -1545); D. Afonso Pereira (1545-1548); D. Filipe
se verificou em 1580, 1640 ou 1828, aspecto que de pouco fôlego. Pegado (1548-1551; m. 1578); D. Francisco de
os Regrantes sempre ligaram à veneração da memória Como músicos de nome impuseram-se, no seu Mendanha (1.a vez: 1551-1554); D. Clemente da
dos despojos régios que guardavam e a que, tempo, enquanto compositores de polifonia, os Silva (1554-1555; m. 1571); D. Francisco de
persistentemente, tributavam um incipiente culto, Cónegos D. Heliodoro de Paiva (m. 1552), D. Pedro Mendanha (2.a vez: 1555-1558); D. Basílio da Silva
oficialmente não autorizado. de Cristo (m. 1618) e D. Pedro da Esperança (m. (1.a vez: 1558-1561); D. Lourenço Leite (1.a vez:
Desde o séc. XII que não conseguiram elevar à glória 1660), mas não tiveram continuadores no século 1561-1564); D. Manuel de Brito (1566); D. Jorge
dos altares mais nenhum santo seu. Deixaram-se seguinte, culpando-se a reforma de Fr. Gaspar da Barbosa (1566); D. Lourenço Leite (2.a vez: 1569-
ultrapassar pelas canonizações dos franciscanos Encarnação do desaparecimento de talentos naquelas -1572); D. Basílio da Silva (2.a vez: 1572-1575); D.
Mártires de Marrocos (1481), de quem coligiam áreas. Pedro da Assunção (1.a vez: 1575-1578); D. Lourenço
milagres ou redigiam e imprimiam a vida (1568) e No domínio das línguas orientais e na exegese Leite (3.a vez: 1578-1580); D. Pedro da Assunção
cujas relíquias guardavam no seu mosteiro, mas de bíblica, brilhou D. Pedro de Figueiró, chamado “o (2.a vez: 1581-1584); D. Simão de Cristo (1584-
quem divergiam nos ideais. Foram secundarizados hebraico”, e de quem o Capítulo Geral de 1609 -1587); D. Pedro da Assunção (3.a vez: 1587-1590);
pela canonização da Rainha S. ta Isabel (1625), mandou imprimir as obras, mas que igualmente não D. Acúrsio de Santo Agostinho (1.a vez: 1590-1593);
igualmente ligada à mística das Clarissas de Assis teve seguidores. D. Cristóvão de Cristo (1593-1596); D. Pedro da
localizadas em Coimbra, com as quais tinham tido Pomposos no teor de vida, nas formas hierarquizadas Assunção (4.a vez: 1596-1599); D. Acúrsio de Santo
longo litígio sobre o domínio de bens materiais; não de tratamento protocolar interno (Vossa Caridade, Agostinho (2.a vez: 1599-1602); D. Lourenço do
puderam competir com a beatificação de mulheres Vossa Paternidade, Vossa Reverendíssima, castigando- Espírito Santo (1602-1605); D. Acúrsio de Santo
da família real, como as irmãs de D. Afonso II, Sancha -se com pena de culpa média o tratamento por “tu” Agostinho (irregular: 1605); D. Bernardo da Piedade
e Mafalda, em 1727, ou a Princesa S.ta Joana cujo ou por “vós”), solenizavam primorosamente os actos (eleição cassada: 1605); D. António das Chagas
processo de beatificação decorreu entre 1749 e de culto litúrgico, e conseguiram da Santa Sé o título (nomeação papal: 1606); D. Miguel de Santo
1752, sendo canonizada em 1756. de “basílica” para a sua igreja monástica (c. 1755). Agostinho Pessanha (1.a vez: 1609-1612); D. Dionísio
Viram infrutíferas todas as tentativas, frouxas e a Eram copiosos em cortejos e procissões na claustra, da Misericórdia (1612-1615); D. Jerónimo da Cruz
que não imprimiram convicção, de levar por diante ordenando as Constituições, ao longo do ano, mais (1.a vez: 1615-1618); D. Miguel de Santo Agostinho
o processo de beatificação do rei Fundador. Das de uma centena. Organizaram o santuário de relí- Pessanha (2.a vez: 1618-1621); D. António da Cruz
várias vezes que o problema se levantou, primeiro quias talvez mais vasto e imponente que Portugal (1.a vez: 1621-1624); D. Sebastião da Graça (1624-
com D. João III, em 1556; depois com o pedido das conheceu, recebendo nos sécs. XVI e XVII muitas -1627); D. Miguel de Santo Agostinho Pessanha (3.a
Cortes de Lisboa a D. João IV, em 1641; segui- vindas de Roma ou dos países nórdicos que a reforma vez: 1627-1630); D. Jerónimo da Cruz (2.a vez:
damente, com as diligências do Rei Magnânimo, protestante levara a rejeitar nas igrejas transformadas 1630-1633; m. 1649); D. Luís dos Santos da Silveira
D. João V, em 1728, coligindo um aparato histórico em templos de novo tipo de culto. Frequentemente (1.a vez: 1633-1636); D. Paulo de Santo Agostinho
de dez argumentos e, finalmente, já no reinado de abriram o túmulo de S. Teotónio, para dele extrair Barreiro de Meneses (1636-1639; m. 1641);
D. José, em 1753, quando em Coimbra se organizou novos fragmentos do corpo ou das vestes. Uma D. António da Cruz (2.a vez: 1639-1640); D. Miguel
uma comissão que, além dos lentes da universidade, definição do Capítulo Geral de 1784 recomendava de Santo Agostinho Pessanha, que foi só Vigário
os incluía a eles Regrantes, viram-se apenas como que se fizessem diligências para estimular o culto dos Geral (1640); D. Leonardo de Santo Agostinho Viegas
figurantes e pontos de referência secundária num santos portugueses da tradição popular, S. Sesnando (1644); D. Luís da Silveira (2. a vez: 1647-1650);
processo por que nunca lutaram denodadamente e e S. Martinho de Soure, e para beatificar S. Goldrofe. D. Jerónimo da Ressurreição de Noronha (1650-1653;
estava destinado a fracassar. Organizaram festas com cortejos e trasladações, como m. 1659); D. Leonardo de Santo Agostinho, Bispo-
Apesar de tudo, há alguns nomes de regrantes que aconteceu em 1595, segundo a longa descrição que -eleito de Cabo Verde (2.a vez: 1653-1656; m. 1657);
são de sublinhar, no domínio das várias actividades delas deixou um dos seus cronistas. D. Luís da Silveira (3.a vez: 1656; m. 1663); D. Miguel
culturais. Assim, brilhou como um dos melhores no Cultivaram com peculiar cuidado algumas devoções, dos Anjos Perestrelo (1659-1660; m. 1660); D. José
domínio da nossa espiritualidade mística de para o que construíram e adaptaram ricas capelas de Cristo Pereira de Bretiande, que foi só Vigário
Quinhentos o culto D. Hilário Brandão (m. 1585), e fizeram caros relicários. Podem destacar-se a de Geral (1660-1662; m. 1663); D. Luís dos Santos da

273
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Silveira, nomeado por Breve de Alexandre VII (4.a BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da de Letras da Universidade do Porto, 1973; SÃO
vez: 1662; m. 1663); D. Henrique do Desterro, Bispo- Igreja em Portugal, 4 vols., Porto, Livraria Civilização, BERNARDINO, D. José de, “Observância antiga dos
-eleito de Cochim e Vigário Geral por Breve de 1967-1971, vol. I, pp. 329-330 / vol. II, pp.137-140 Cónegos Regulares de S.ta Cruz de Coimbra”, in A.
Alexandre VII (1663-1666; m. 1687); D. Leonardo / vol. III, pp. 94-95; BRANDÃO, Mário, Cartas de Frei G. da Rocha Madahil (ed.), O Instituto, [1923-1924];
da Purificação (1666-1669; m. 1687); D. João dos Brás de Braga para os Priores do Mosteiro de S.ta SILVA, A. Pereira da, A Questão do Sigilismo em Portugal
Anjos Correia (1669-1672; m. 1679); D. Henrique Cruz de Coimbra, Coimbra, Imp. Académica, 1937; no Século XVIII, Braga, Tip. Editorial Franciscana, 1964.
do Desterro (2.a vez: 1672-1675; m. 1687); D. João Catálogo dos Códices da Livraria de Mão do Mosteiro
d’Assunção Pitta, cujo mandato durou apenas 18 de Santa Cruz de Coimbra na Biblioteca Pública ARMANDO ALBERTO MARTINS
dias, por ter falecido neste mesmo ano (1675); Municipal do Porto, Porto, BPMP, 1997; COELHO,
D. Fulgêncio dos Mártires Pinto (1675-1678); Maria Helena da Cruz, S ANTOS , Maria José de II. Restauração
D. Jerónimo da Conceição, nomeado Reformador Azevedo, De Coimbra a Roma: Uma Viagem em
da Congregação (1678-1681; m. 1689); D. Gabriel de Meados de Quinhentos, Coimbra, Coimbra Editora, Inseridos no grupo das Ordens dos Cónegos
Santo Agostinho (1681-1684; m. 1688); D. Manuel 1990; COSTA, A. D. de Sousa, “Cónegos Regrantes Regrantes, os Crúzios regem-se por um carisma que
de São Leonardo (1684-1687); D. Inocêncio da de S. Agostinho”, in Dicionário de História de complementa a vida contemplativa com a evange-
Ressurreição (1687-1690; m. 1707); D. Pedro da Portugal, vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, lização apostólica: “contemplar para bem rezar,
Glória (1690-1693); D. Manuel de São José (1693- pp. 663-665; CRUZ, António, Santa Cruz de Coimbra contemplar para bem pregar”. A união destas duas
-1696); D. Jerónimo de São José (1696-1699; m. na Cultura Portuguesa da Idade Média, Porto, 1964; vertentes dá lugar à Espiritualidade cultivada por
1699); D. João do Paraíso (1702-1705); D. Gaspar GIROUD, Charles, L’Ordre des Chanoines Réguliers de estes Irmãos, que assenta em quatro pontos
da Encarnação, com 95 votantes (1705-1709); Saint-Augustin et Ses Diverses Formes de Régime fundamentais: a adoração de Deus, a contemplação
D. José de São João (1709-1712); D. João de Cristo, Interne, Martigny, Éditions du Grand-Saint-Bernard, e ministério da Palavra de Deus (baseada na lectio
com 92 votantes (1712-1715); D. Gaspar da 1961; GOMES, Saul António, D. Gomes Eanes e a divina e na meditação), a imitação de Cristo e amor
Encarnação (2.a vez: 1715-1718); D. Bento de Santo Capela de Santo André e dos Cinco Mártires de à Cruz no espírito de expiação, e o apostolado. No
Agostinho (1718-1722); D. João de Cristo, que Marrocos de Santa Cruz de Coimbra, vol. XXXV, sentido da imitação de Cristo e da expiação, vivem
c o m e ç o u a re f o r m a ( 2 . a v e z : 1 7 2 2 - 1 7 2 5 ) ; Sept. do Arquivo Coimbrão, Coimbra, 2002; GOMES, todas as semanas, à quinta-feira à noite e à sexta-
D. Bernardino dos Anjos, eleito pelo Reformador Saul António, “Cónegos Regulares de Santa Cruz”, -feira à tarde, o tempo da Santíssima Paixão redentora
Fr. Gaspar (1725-1727; m. 1727); D. João da Glória, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa (Passio Domini). Observam os votos de pobreza,
eleito por Fr. Gaspar (1727-1730; m. 1731); de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], Círculo de castidade e obediência, e vivem uma vida em comum.
D. Joaquim da Glória (1730; m. 1760); D. Gaspar Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da É à Sagrada Escritura e à Teologia que vão buscar os
da Madre de Deus; D. Miguel da Anunciação, depois Universidade Católica Portuguesa, 2000, pp. 435- fundamentos para a adoração do Deus Uno e Trino,
Bispo de Coimbra (1737-1740); D. Francisco da -438; GONÇALVES, A. Nogueira, “Certos aspectos do assente na Liturgia solene, na adoração eucarística,
Anunciação, depois Reformador (1740); D. Francisco hábito dos cónegos regrantes da congregação de na acção pastoral, na formação espiritual dos seus
da Anunciação, sobrinho de D. Gaspar, Geral e S. Cruz”, in Boletim Cultural da Câmara Municipal sacerdotes e na realização de retiros. O seu carisma
Reformador (1752-1769); D. João de Nossa Senhora do Porto, 24, Porto, [1961], pp. 3-4; MADAHIL, A. G. assume ainda uma vertente muito particular, que se
das Dores, que era substituto do Geral em 1761; da Rocha, O Privilégio do Isento de S.ta Cruz de pauta pela devoção aos Santos Anjos. Tal devoção
D. João da Expectação (1769-1772; m. 1772), eleito Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 1940; MADAHIL, liga-se ao movimento eclesial que esteve na origem
em Capítulo Geral controlado pelo desembargador A. G. da Rocha, “Inventário do Mosteiro de Santa da restauração dos Crúzios, a Obra dos Santos Anjos.
Pascoal de Abranches; D. Bernardo de Nossa Senhora Cruz de Coimbra à data da sua extinção em 1834”, Os Crúzios constituem uma ordem religiosa
da Porta (1772); D. António da Boa Morte, eleito in O Instituto, 101, [1942], pp. 445-573; MARQUES restaurada. Originalmente, a Ordem dos Cónegos
pelo Núncio (1777); D. Lourenço da Virgem Maria, José, “Figurino Crúzio visto da segunda metade do Regulares da Santa Cruz fora fundada no ano de
eleito por Breve de Pio VI (1781-1784); D. Lourenço século XVIII”, in Actas do Congresso Internacional 1131, por D. Tello (03.05.1070-09.09.1136) e mais
da Virgem Maria, eleito por Breve de Pio VI (2.a vez: do Barroco, vol. I, Porto, Universidade do Porto, 11 companheiros, entre eles S. Teotónio (1082-1162),
1784-1787); D. Joaquim de Maria Santíssima, eleito 1991, pp. 531-548; MARTINS, Armando Alberto, O primeiro Prior do Mosteiro de S.ta Cruz de Coimbra
pela rainha, mas teve dispensa do Núncio por não Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, e primeiro santo português.
ser prior (1787-1790); D. Marcelino da Encarnação Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, Corria o ano de 1834, data da expulsão das ordens
(1790-1793); D. Bernardo de Nossa Senhora da Porta 2003; MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos, Crónica de religiosas do território português, quando também
(1793-1796); D. Tomás da Conceição (1796-1799); Santa Cruz, 3 vols., Coimbra, Edição da Biblioteca a presente Ordem foi condenada à extinção. Porém,
D. António da Madre de Deus (1799-1802); Municipal, 1955-1960; M ATTOSO , J., “Canonici a extinção canónica não se consumou, pois o Papa
D. Teotónio de Nossa Senhora da Porta (1802-1804); Regolari di Santa Croce di Coimbra”, in G. Pellicia, Gregório XVI, a 24 de Agosto de 1836, num Ex
D. Bernardo de Nossa Senhora da Porta era Prior G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, audientia Sanctissimi, salvaguardou a existência do
Geral em 1804; D. António da Senhora da Graça vol. II, Roma, Edizioni Paoline, 1975, cols. 141-145; Instituto. Os tempos eram precários e os Irmãos
(1805); D. Tomás da Conceição (1808-1811); NETO, Margarida, Terra e Conflito: Região de Coimbra sobreviviam como podiam. D. Joaquim da Boa Morte
D. Manuel da Expectação (1811-1814); D. Francisco (1700-1834), Viseu, Palimage Editores, 1997; Alves de Moura (11.01.1811-22.04.1903) foi o último
da Anunciação (1814-1817); D. Sebastião de Jesus O’MALLEY, E. Austin, Tello and Theotonio: The Twelfth- deles a desaparecer, tendo granjeado a fama de
Maria José (1817-1820); D. João da Conceição -Century Founders of the Monastery of Santa Cruz santidade. Viveu durante 30 anos em S.to Emilião,
(1820); D. Lourenço da Encarnação era Geral nos in Coimbra, Washington D.C., Catholic University of na Póvoa do Lanhoso, localidade que o acolheu até
anos de 1827-1828; D. Joaquim do Coração de America Press, 1954; SANTA MARIA, D. Nicolau de, à data da sua morte.
Jesus, que era Geral nos anos de 1828-1829; Chronica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Cerca de meio século depois, já em Abril de 1949,
D. João d’Assunção [Carneiro] (1.a vez: 1829-1832); Patriarcha S.to Agostinho, 2 vols., Lisboa, 1668; SANTOS, foi pela mão de uma senhora chamada Gabriela
D. João d’Assunção foi eleito 2.a vez, por autorização Cândido dos, Estudantes e Constituições dos Colégios Bitterlich (Viena, 01.11.1896-Silz, 04.04.1978) que
papal (1832-1834; m. 1873). de S.ta Cruz de Coimbra (1534-1540), Porto, Faculdade nascia um movimento espiritual apelidado Obra dos

274
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTA CRUZ

Santos Anjos – Opus Angelorum. Passados 12 anos, tempo de hóspede, o Postulantado e o Noviciado. A de S. Teotónio 1082-1982, Coimbra, Paróquia Santa
em Abril de 1961, surgia na mesma cidade de profissão dos conselhos evangélicos da pobreza, Cruz, 1984; ALONSO, Justo Fernández, “Teotonio”,
Innsbruck (Áustria) a Confraria dos Santos Anjos da castidade e obediência é feita, como em todos os in F. Caraffa (dir.), Bibliotheca Sanctorum, 12, 1969,
Guarda. Ambas as Obras tiveram o incondicional institutos religiosos, no fim do Noviciado canónico. pp. 366-368; Anuário Católico de Portugal 2007,
apoio e a aprovação do Bispo Diocesano, D. Paulus Estes votos, designados de temporários, podem renovar- [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
Rusch. -se durante o período de seis anos, findos os quais o Portuguesa, 2007, p. 830; CAEIRO, Francisco da Gama,
Nos anos 70, surgiram os primeiros interessados em crúzio pode, se estiver preparado, emitir os votos Santo António de Lisboa, 2 vols., Lisboa, Imprensa
integrar o sacerdócio, orientados pela espiritualidade perpétuos que o vinculam à Ordem para toda a vida. Nacional-Casa da Moeda, 1995; COSTA, Avelino de
da Obra dos Santos Anjos e, em Março de 1974, Quanto aos irmãos que queiram seguir o caminho Jesus da, “Telo (D.)”, in Verbo Enciclopédia Luso-
para esse fim, instituía-se uma casa da Ordem no do sacerdócio, a Ordem oferece-lhes formação em -Brasileira de Cultura, vol. 17, 1983, cols. 1245-
Brasil, em Curitiba. Ainda em Abril do mesmo ano, era Teologia e Filosofia no Institutum Sapientiae, perto -1246; COSTA, Avelino de Jesus da, “Teotónio (São)”,
erigida a Pia União dos Irmãos da Santa Cruz. Vinha do Mosteiro de S.ta Cruz, em Anápolis (Goiás, Brasil). in Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol.
sendo intenção dessa Pia União a criação de um Acerca da organização estrutural da Instituição, sabe- 17, 1983, cols. 1370-1371; CRUZ, António (ed.),
instituto oficial de aprovação canónica, que integrasse -se que o Capítulo Geral é o organismo que dispõe Anais, Crónicas e Memórias Avulsas de Santa Cruz
a Obra dos Santos Anjos. Essa possibilidade foi de autoridade máxima perante todos os irmãos e de Coimbra, Porto, BPMP, 1968; FRIAS, Agostinho
concretizada no ano de 1976. Foram apresentadas, todas as casas da Ordem. Rege-se à luz das Cons- Figueiredo, Fontes de Cultura Portuguesa Medieval:
pela Sagrada Congregação para os Religiosos e tituições e realiza-se de 6 em 6 anos, período O Liber Ordinis Sanctae Crucis Colimbriensis, Porto,
Institutos Seculares, duas hipóteses para um mesmo correspondente ao mandato de cada Prior Geral. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001;
fim: ou se restaurava uma ordem já extinta ou se As casas da Ordem dividem-se em Monasterium, FRIAS, Agostinho Figueiredo, “O Mosteiro de Santa
reanimava uma ordem antiga em vias de extinção. Priorado e Estação em função do número de Cruz de Coimbra. Perspectivação histórica”, in Aires
A escolha recaiu sobre a primeira hipótese e o professos solenes atribuídos a cada casa. Augusto Nascimento, J. F. Meirinhos (coords.),
instituto escolhido era de Portugal, a Ordem dos Dependentes do Conselho Geral e do Prior Geral Catálogo dos Códices da Livraria de Mão do Mosteiro
Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra. Esta estão as casas da Ordem, que se dividem em de Santa Cruz de Coimbra na Biblioteca Pública
escolha foi conveniente porque, segundo o Código Monasterium, Priorado e Estação. As categorias são Municipal do Porto, Porto, BPMP, 1997, pp. XXXI-
de Direito Canónico de 1917, era necessário ser escolhidas pelo Capítulo, em função do número de -LXVIII; F RIAS , Agostinho Figueiredo, De Signis
escolhida uma ordem cujo último representante não professos solenes atribuídos a cada casa. Estas Pulsandis: Leitura Hermenêutica de Santo António
tivesse falecido há mais de 100 anos. Com o apoio escolhas são feitas pelo Prior e pelo grupo de de Lisboa e Frei Paio de Coimbra, 2 vols., Porto,
do Bispo de Leiria, D. Alberto Cosme do Amaral, o professos perpétuos da casa (o Conselho da Casa), Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1994;
pedido de restauração seguiu para a Santa Sé no nos casos do Monasterium e do Priorado; no caso G OMES , Saul António, “A religião dos clérigos:
dia 24 de Outubro de 1976. Após o Decreto da Estação, por um Superior Delegatus. Também do vivências espirituais, elaboração doutrinal e
provisório de 8 de Julho de 1977 e, pelo Decreto Prior Geral depende a eleição do Conselho da Casa transmissão cultural”, in C. M. Azevedo (dir.), História
Perantiquus Ordo, restaurava-se a Ordem dos (eleito por três anos) e do Superior Delegatus (eleito Religiosa de Portugal, vol. 1, [Lisboa], Círculo de
Cónegos Regulares da Santa Cruz no dia 29 de Maio por um período indeterminado). Em cada uma destas Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da
de 1979. casas a Regra seguida é a mesma que S.to Agostinho Universidade Católica Portuguesa, 2000, pp. 362-
instituiu em Hipona, também chamada Praeceptum -366; GOMES, Saul António, “Cónegos Regrantes de
ou Regula ad servos Dei. Para além desta Regra Santo Agostinho”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário
maior, cada casa deve reger-se por uma Regra adstrita, de História Religiosa de Portugal, vol. A-C, [Lisboa],
a Ordem da Casa. Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História
Quanto ao hábito dos Crúzios, este é de cor preta, Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000,
tal como o escapulário e a almutia que trazem sempre pp. 429-434; G OMES , Saul António, “Cónegos
sobrepostos às vestes e ao cinto de couro. Regulares de Santa Cruz”, in C. M. Azevedo (dir.),
Desde a sua restauração, os Crúzios conseguiram Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. A-
implementar-se em três continentes. Actualmente, -C, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos
existem 6 casas na Europa, outras 6 na América e de História Religiosa da Universidade Católica
2 na Ásia. Estão 137 membros espalhados pelo Portuguesa, 2000, pp. 435-438; KNUPFER, Wolfgang,
Actual brasão da Ordem (I)
mundo, dos quais 79 são sacerdotes. “Santa Croce, di Coimbra (Portogallo)”, in DIP, 8,
Em Portugal estão estabelecidas duas das seis casas [1988], p. 649; “Liber Ecclesiastici et canonici Ordinis
Esteve em estreita relação com o período da europeias. Em 2007, são 8 os sacerdotes e 3 os in Claustro sancti Ruphi tempore Lethberti abbatis
restauração o Bispo de Leiria-Fátima. D. João Pereira religiosos-irmãos distribuídos entre Fátima e Sameiro- institutus”, in Agostinho Figueiredo Frias (ed.), Fontes
Venâncio (08.02.1904-02.08.1985) pertenceu à -Braga. de Cultura Portuguesa Medieval: O Liber Ordinis
Ordem restaurada durante muitos anos e até ao A Congregação conta hoje com duas publicações: Sanctae Crucis Colimbriensis, Porto, Faculdade de
final da sua vida, tendo sido o primeiro Prior Geral a revista filosófico-teológica Sapientia Crucis, do Letras da Universidade do Porto, 2001; NASCIMENTO,
da Ordem restaurada (1980-1984). Institutum Sapientiae; e o boletim trimestral Opus Aires Augusto, “Vida de S. Teotónio”, in G. Lanciani,
Associada à Ordem manteve-se a Obra dos Santos Angelorum, da Obra dos Santos Anjos. G. Tavani (orgs.), Dicionário da Literatura Medieval
Anjos e, actualmente, os Crúzios contam também Galega e Portuguesa, 2. a ed., Lisboa, Editorial
com a agregação do instituto religioso feminino BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: C RISTO , D. José de, Caminho, 2000, pp. 669-671; N ASCIMENTO, Aires
Irmãs da Santa Cruz e do instituto secular feminino Fragmentos das Crónicas de Santa Cruz (1623-1624), Augusto, MEIRINHOS, José Francisco (coords.), Catálogo
Auxiliares Missionárias da Santa Cruz. Ms. 99, cota de Santa Cruz, Porto, BPMP. Impressa: dos Códices da Livraria de Mão do Mosteiro de Santa
A Congregação oferece aos seus candidatos uma AA. VV., Santa Cruz de Coimbra do Século XI ao Cruz de Coimbra na Biblioteca Pública Municipal do
formação inicial, pautada por três fases: são elas o Século XX: Estudos no IX Centenário do Nascimento Porto, Porto, BPMP, 1997; NASCIMENTO, Aires Augusto,

275
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTO AGOSTINHO

“Santa Cruz de Coimbra: as motivações de uma Mondego e a reforma do velho Cenóbio de S. dos aspectos do seu programa renovador, que
fundação regular” in Sociedade, Administração, Salvador de Grijó, na margem esquerda do rio Douro, consistia em desafiar o mundo urbano para, segundo
Cultura e Igreja em Portugal no Séc. XII: 2.º próximo do Porto. Seriam estes, posteriormente, os a letra do salmo, o reedificar com outros funda-
Congresso Histórico de Guimarães – Actas do dois mais importantes pólos de aglutinação de muitas mentos: “quoniam vidi contradictionem in civitate”
Congresso, vol. 4, Guimarães, Câmara Municipal de outras canónicas de fundação nova ou de velhas (Sl 54, 10). O apelo não podia ser calado e este
Guimarães/Universidade do Minho, s.d., pp. 116- comunidades monásticas seguidoras, quer de novo tipo de clero proclamava-o através das formas
-127; MARQUES, José, “A realidade da Igreja no tempo antigas tradições hispânicas, quer da Regra pastorais que iria desenvolver na sua acção. No séc.
de S. Teotónio”, in Revista da Faculdade de Letras, beneditina, antes e depois das suas reformas. Na XII, não se dirigia ainda às massas urbanas (como
II série, vol. 7, Porto, Universidade do Porto, 1990, Idade Média, chegaram a ser mais de três dezenas na centúria seguinte procederão os frades, sobretudo
pp. 9-34; MARTINS, Armando Alberto, O Mosteiro de os mosteiros regrantes que, a norte ou a sul do os mendicantes), mas às elites, para através delas
Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Lisboa, Douro, reivindicavam tal título. proceder como o fermento, sem o qual nunca a
Centro de História da Universidade de Lisboa, 2003; O primeiro mosteiro canonical, a partir do qual o massa poderia levedar devidamente.
M ARTINS , Armando Alberto, “O programa dos modelo se difundiu, nasceu em Coimbra como A ideia do movimento canonical português germinara
Cónegos Regrantes de Santo Agostinho no séc. XII: comunidade independente, por cisão de alguns antes de despontar a nacionalidade, quando a zona
tradição e novidade”, in Sociedade, Administração, membros em oposição ao Cabido da sé local, que de Coimbra era a linha de fronteira com os
Cultura e Igreja em Portugal no Séc. XII: 2.º recusara a adopção da vida comum dentro do novo muçulmanos e na cidade pontificavam os primeiros
Congresso Histórico de Guimarães – Actas do espírito de exigências mais austeras e mais militantes bispos gregorianos, antigos monges de Cluny, vindos
Congresso, vol. 4, Guimarães, Câmara Municipal de na acção pastoral que se atribuíam ao clero, desde de França, como D. Maurício Burdino (1099-1109)
Guimarães/Universidade do Minho, s.d., pp. 128- o sínodo romano de 1059. Foi este Concílio que e D. Bernardo (1128-1146), cujas ideias haviam
-140; MATTOSO, José, “Tello (Telo)”, in G. Pellicia, G. provocou o choque e a divisão entre aqueles que lhe encontrado eco em alguns cónegos do Cabido,
Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, seguiam pontualmente as directrizes e os conselhos, viajados e cultos. A instituição capitular coimbrã
vol. IX, Roma, Edizioni Paoline, 1997, cols. 882-883; formando por isso a Ordem dos Cónegos Regrantes, atravessava um delicado momento, pois via desfazer-
MATTOSO, José, “Canonici Regolari di Santa Croce, e os que se negaram a renunciar ao direito de -se a sua identidade secular e confrontava-se com
di Coimbra (Portogallo)”, in G. Pellicia, G. Rocca propriedade e de vida mais independente, doravante o dilema entre a fidelidade à sua Igreja e às tradições
(dirs.), Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. II, chamados Cónegos Seculares. Havia precedentes para locais, de forte radicação moçárabe, e a pressão
Roma, Edizioni Paoline, 1975, cols. 141-145; OBRA esta distinção, já estabelecida pela primeira vez no reformista e unificadora que Roma, pela mão dos
DA S ANTA C RUZ (ed.), Deus é bom! Mãe Gabriele Concílio de Aix-la-Chapele, em 817, e mesmo a partir legados papais e prelados estrangeiros, lhe tentava
Bitterlich: Vida e Obra, Anápolis, Obra da Santa da primeira Regra redigida para seu uso, por impor, desde a abolição forçada do rito litúrgico
Cruz, 2007; O’MALLEY, Austin, Tello and Theotonio: S. Crodegango de Metz, por volta de 755. hispânico e a reorganização da diocese more romano,
The Twelfth-Century Founders of the Monastery of O Mosteiro de Coimbra, como primeira instituição por decisão do Concílio de Burgos, em 1080,
Santa Cruz in Coimbra, Washington D.C, Catholic regrante gregoriana portuguesa, foi edificado fora reformas postas em vigor pelo Bispo D. Crescónio
University of America Press, 1954; SANTA MARIA, D. da muralha da cidade velha, na vizinhança de uma (1088-1098).
Nicolau de, Chronica da Ordem dos Cónegos grande estrada de circulação comercial, que unia o Passado um primeiro sobressalto provocado pela
Regrantes do Patriarcha S. to Agostinho, 2 vols., Sul da Península Ibérica com o Norte e era activo imposição exterior da ideia de reforma religiosa em
Lisboa, Officina Ioam da Costa, 1668; V ENTURA , eixo de peregrinações para Santiago de Compostela. Coimbra, os aristocratas locais acabariam por se
Leontina, FARIA, Ana Santiago (eds.), Livro Santo conformar. Mais entusiasmo esta encontrou no jovem
de Santa Cruz, Coimbra, Instituto Nacional de Conde D. Afonso Henriques (cujo pai dera unidade
Investigação Científica, 1990; V ILAR , Hermínia aos dois condados outrora separados), que se
Vasconcelos, “Os Cónegos Regrantes”, in C. M. encontrava já a residir em Coimbra para onde
Azevedo (dir.), História Religiosa de Portugal, vol. 1, transferira a sua “capital”, em 1130-1131. Apoiavam-
Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de -no na prossecução desse objectivo a sua cúria e os
História Religiosa da Universidade Católica magnates da nobreza que com ele vieram do norte.
Portuguesa, 2000, pp. 222-228; Vita Tellonis, Ed. O nascimento do Mosteiro Regrante de S.ta Cruz
crítica Aires Augusto Nascimento, in Hagiografia de aparecia, assim, no momento preciso da sua
Santa Cruz de Coimbra, Lisboa, Colibri, 1998; Vita fundação, em 1131-1132, como a síntese mais
Theotonii, Ed. crítica Aires Augusto Nascimento, in brilhante que congregava poderes religiosos reno-
Hagiografia de Santa Cruz de Coimbra, Lisboa, vados, unidos com o centro da Cristandade, e
Colibri, 1998. Digital: www.cruzios.org. poderes profanos confluentes, em sintonia com um
desígnio comum, que logo iria difundir.
SUSANA MOURATO ALVES A primeira canónica não teria despontado sem o
carisma e a acção dos seus dinâmicos fundadores,
em especial o Arcediago D. Telo, o Mestre-Escola
Cenóbio de S. Salvador de Grijó (DB)
REGRANTES DE SANTO AGOSTINHO, D. João Peculiar e o Cónego D. Teotónio, Prior da
Cónegos Sé de Viseu (na época sob a jurisdição do Bispo de
Os Cónegos Regrantes ou Regulares de Santo No mesmo caminho se situava S. Salvador de Grijó, Coimbra), a que logo se associaram numerosos
Agostinho tiveram a sua origem em Portugal, no fundação monástica de começos do séc. X, que era outros clérigos.
início do séc. XII, no contexto da aplicação das ideias agora reformada e ganha para a causa pelo O que motivava estes homens a organizar o seu
da reforma gregoriana, na sua primeira etapa, nos movimento originado em Coimbra. A situação das ordo não era nada de absolutamente original. Eles
condados de Coimbra e Portucalense, com a canónicas, às portas das grandes cidades (embora apenas desejavam aplicar em Portugal, para revitalizar
fundação do Mosteiro de S.ta Cruz na cidade do nem todas acabassem por aí se encontrar), era um as estruturas eclesiais e a espiritualidade da vida

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTO AGOSTINHO

cristã, o que haviam visto ou conheciam e que já enfim, como ali se vivia e como se morria, sempre Deve-se, no entanto, notar que nenhum destes
se praticava em França, na Itália e noutras regiões no âmbito mais lato, previamente traçado pela Regra. agrupamentos de canónicas era uma “ordem”, no
que tinham visitado. Escolheram para seu próprio É este conjunto normativo moderado que em S.ta sentido moderno que a palavra começou a ter em
exemplo, entre os vários ramos regrantes agosti- Cruz de Coimbra se começará a seguir e a dar a Cister: união jurídica de mosteiros de forma
nianos, a Ordem dos Cónegos de São Rufo de conhecer às canónicas portuguesas que vai fundando centralizada e cujo poder supremo dependia do
Avinhão, fundada em 1039, e que D. Telo parece ou a antigos mosteiros e eremitérios com quem vai Capítulo Geral e de uma Abadia-Mãe. Os mosteiros
ter conhecido directamente, através de um dos seus entrando em contacto e reformando, levando-os, regrantes eram autónomos e unia-os apenas o laço
mosteiros da Palestina, que ele visitara em companhia ao longo do séc. XII, a enfileirar na mesma Ordem espiritual da sua comum filiação na mesma Regra
do seu Bispo, Maurício Burdino, nos primeiros anos Canónica Regrante de Santo Agostinho, porque (interpretada, aliás, de formas variadas, como acima
do séc. XII, quando ali foram em peregrinação. Tal seguidores da mesma Regra e do mesmo espírito: dissemos), ou agrupavam-se por proximidade de
como os Rufianos, os Cónegos Regrantes coimbrões Grijó, S. Vicente de Fora, S.ta Cruz de Cortes, S. interpretação dos textos fundacionais. Foi este um
dizem-se seguidores da vita apostolica, segundo o Romão de Seia, S. Jorge de Coimbra, S. Pedro de dos aspectos da sua fragilidade que, em vão, desde
modelo traçado nos Actos dos Apóstolos (2, 44-45) Folques (Arganil), Moreira da Maia, S.to André de o início do séc. XIII, os papas tentaram colmatar,
e adoptam como quadro de vida a chamada Regra Ansede e muitas outras. tornando obrigatória a instituição dos Capítulos
de S.to Agostinho e o Costumeiro da abadia avinho- Os costumes moderados seguidos em Portugal fazem- Gerais regulares e que, em 1339, Bento XII procurou
nense, que irão, progressivamente, adaptando ao -nos distingui-los dos adeptos do ordo novus, que de novo corrigir com a constituição de províncias
seu meio e enriquecendo com tradições locais. tinham outro entendimento do que era a Regra de canonicais e a mais estrita observância e reforço do
À data da fundação de S.ta Cruz, não havia ainda, S.to Agostinho, e eram seguidores de tradições mais papel dos Capítulos. Esta sua fragilidade, porém, só
propriamente, nenhum texto escrito a que se desse austeras e ascéticas, como as que atraíram Norberto seria ultrapassada já no início dos tempos modernos,
o nome de Regra de S.to Agostinho, revestindo esta de Xanten, quando, em 1121, fundara a Ordem com a reforma dos mosteiros e a criação das primeiras
expressão mais um sentido englobante de alguns dos Premonstratenses, que encontraram muito eco congregações canonicais, onde os laços jurídicos
aspectos e disposições atribuídas ao bispo hiponense e depressa se difundiram pela França, Alemanha, alteraram, de facto, o regime de funcionamento e
e que, aliás, não eram entendidos de forma unânime. Grã-Bretanha e países da Europa oriental. O mesmo a orgânica da vida das comunidades, como aconteceu
S.ta Cruz, tal como o mosteiro em que se inspirou, acontecera com a Ordem de São Victor de Paris, em Portugal, a partir do séc. XVI.
situava-se na corrente reformista mais tradicional, nascida a partir do eremitério fundado em 1109 por Ciosos da sua autonomia, os mosteiros regrantes
chamada ordo antiquus: seguia o Paeceptum Guilherme de Champeaux, antigo Arcediago e portugueses, uma vez organizados, começam a fazer
agostiniano, escrito em 397, que era uma série de Mestre-Escola da Catedral de Notre Dame. A rami- sentir a sua presença. Alguns, como S.ta Cruz, Grijó,
conselhos gerais sobre a vida em comum e a pobreza, ficação da sua influência alargou-se por França e Refóios de Lima, S. Vicente de Lisboa e S. Jorge de
dados a uma comunidade masculina, fundada pelo Itália (Vercelli e Nápoles) e não deixou de se fazer Coimbra, conseguem da Santa Sé o estatuto de
próprio S.to Agostinho. O seu entendimento e inter- sentir também em Portugal. Os Victorinos atingiriam isenção do poder episcopal (nullius dioecesis),
pretação assentavam no longo comentário que lhe prestígio e irradiariam intensa acção espiritual e podendo assim, de forma mais livre, organizar-se e
havia feito, no princípio do séc. XII, o Abade Letberto intelectual, adoptando os mesmos princípios de vida conduzir-se, dependentes apenas da cabeça da
de São Rufo. dos Premonstratenses, mas optando por orientação Cristandade. Definem os parâmetros em que se
O costumeiro precisava melhor o pensamento de diferente em alguns aspectos, sobretudo no que se desenvolverão os seus estudos, em consonância com
Letberto, que numa das suas cartas especificava referia à actividade intelectual. A ambas o teor da outros centros europeus para onde, frequentemente,
como a comunidade regrante se distinguia dos vida quotidiana levará a uma grande aproximação enviam alguns dos seus escolares, como fizeram S.ta
monges, pois estava ao serviço da Igreja, enquanto com os meios monásticos, consumada com alguma Cruz, Grijó ou S. Vicente, com S. Victor de Paris,
que para aqueles era a Igreja que existia para a ruptura com o mundo, mas sem nunca se deixarem Avinhão e outros locais do Sul de França. Tendo em
comunidade. Enaltecia a importância do sacerdócio tentar pelo total abandono da acção pastoral, que vista uma sólida formação para alcançarem os
e o próprio hábito, de linho branco, era entendido era uma das características distintivas do ser regrante. objectivos da sua instituição e a preparação de
como símbolo de autoridade, que radicava nos No séc. XII o movimento canonical era, assim, muito formadores do clero secular, especializar-se-ão em
tempos apostólicos e significava a pureza de uma variado e atingia uma expansão considerável na estudos de Teologia, Sagrada Escritura, Direito Civil
vida honesta e empenhada que todos deviam levar. Europa e no Médio Oriente. Seguindo as orientações ou Canónico e mesmo Medicina. Procuram e copiam
Acentuando o teor da vida canonical, Letberto da reforma gregoriana, os Cónegos Regrantes de manuscritos raros e de obras modernas, para o que
destacava, como características daquela, uma peculiar Santo Agostinho mostravam-se, por toda a parte, todas as grandes canónicas têm scriptoria bem
concepção do tempo, consubstanciada num calen- ao menos em teoria, empenhados em elevar o nível apetrechados e activos, organizam bibliotecas de
dário próprio, nos ritmos litúrgicos e no Ofício Divino; intelectual do clero secular, melhorando a sua temas variados e funcionais. Das suas escolas saem
a prática assistencial a peregrinos, pobres, velhos e instrução e a sua formação moral. Distinguiam-se, novas gerações de clérigos que logo são recrutados
doentes; a cura animarum, traduzida na intensa claramente, dos monges como lhes recordava o Papa para tarefas da burocracia e da administração
acção pastoral paroquial, concretizada quer na Adriano IV, antigo Abade de S. Rufo, pelo contacto eclesiástica ou régia e senhorial. Vários serão
administração dos sacramentos, quer no novo tipo com o mundo que era preciso transformar, através recrutados para o exercício da função episcopal,
de pregação mais sistemática junto das elites urbanas do empenhamento no exercício pastoral paroquial acontecendo mesmo que na década de 60 do séc.
e do povo, bem como na teorização da moderna eficaz. Ligavam-se aos movimentos hospitaleiros de XII, em Portugal, todos os bispos eram provenientes
função episcopal. peregrinação, como acontecia na Basílica do S.to de canónicas regrantes.
Por ser um livro que codificava usos, costumes e Sepulcro de Jerusalém, de S. João de Latrão ou Este aspecto dinâmico e inovador introduzido numa
tradições de uma determinada comunidade, no Roncesvalles. Além disso, exerciam influência inte- sociedade muito tradicional e os privilégios entretanto
costumeiro se registavam ainda, de forma normativa lectual pelo ensino escolar, escrita de obras teológicas alcançados, tanto por parte da Santa Sé como do
e ideal, as particularidades da vida quotidiana, o e de espiritualidade e, em alguns casos, estiveram poder régio, não deixou de provocar alguns choques
sistema administrativo, as condições de ingresso, o empenhados na fundação das universidades, como e mesmo conflitos com poderes já há muito
quadro de disciplina, as formas de regime interno, aconteceu em Portugal. estabelecidos, de que foi exemplo clássico a rivalidade

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mais ou menos permanente com a mitra e o Cabido toda a Idade Média, de poder conduzir vida
conimbricenses, sua matriz original. Os arquivos dos totalmente autónoma à semelhança de S.ta Cruz ou
seus cartórios ainda hoje nos documentam, abun- S. Vicente de Fora. Ao longo do séc. XII vão-se
dantemente, os prolongados litígios, contendas e tornando elementos deste grupo os Mosteiros de
desavenças que, em alguns casos, duraram séculos Ansede (Baião), Lordelo (Paredes), Tuías, Vila Boa
e consumiram muitos bens e demasiadas energias. do Bispo (Marco de Canavezes), Vilela (Paredes),
Porém, de forma inversa, os mesmos Regrantes, Souto, S.ta Marinha da Costa, Palmeira, S. Torquato
inicialmente tão abertos, quando nos sécs. XIII e XIV (Guimarães), Banho (Barcelos), Oliveira e Landim
já ocupavam posições estabelecidas e tornadas (Famalicão), Requião, S. Simão da Junqueira (Póvoa
tradicionais, terão eles mesmos grandes dificuldades do Varzim), Bravães, S. Martinho de Crasto, Vila
em abrir-se a outras novidades, como as veículadas Nova de Muía (Ponte da Barca), Caramos (Felgueiras),
pelos mendicantes, a quem, em vários casos, criarão Freixo e Mancelos (Amarante), Longos Vales
obstáculos de instalação e procurarão impedir a (Monção), Paderne (Melgaço), Refóios do Lima (Ponte
acção, como aconteceu quando os primeiros fran- de Lima), Roriz e Vilarinho (S. Tirso) e Moreira da
ciscanos pretenderam fundar os seus conventos em Maia.
Leiria ou as seguidoras de S.ta Clara se quiseram O Mosteiro de S. Salvador de Grijó fora reformado
instalar em Coimbra. por D. João Peculiar, que igualmente o protegeu
O êxito da fundação do Mosteiro de S.ta Cruz de como Bispo do Porto (1136-1138) e Arcebispo de
Mosteiro de S.ta Maria de Cárquere (DB)
Coimbra, o prestígio e a importância rapidamente Braga (1138-1175). Foi nos anos de 1132-1135, no
alcançadas pelos Cónegos Regrantes na sociedade tempo do Prior D. Paio Soares, que adoptou a Regra
portuguesa ainda na primeira metade do séc. XII direitos que ambos reclamavam. Com o apoio régio de S.to Agostinho e alcançou a isenção da jurisdição
levaram a novas fundações, como dissemos, ou à foi colocado sob a protecção de um santo hispânico, episcopal. O seu património e jurisdições, que se
adesão de institutos muito antigos que, em geral cujas relíquias foram trazidas do Algarve, em 1173 alargavam desde o Douro ao Vouga, viriam a crescer
pequenos e pobres, lutavam pela sobrevivência e e cuja devoção partira da família real e da aristocracia, muito com doações e privilégios alcançados nos
encontraram, na segunda metade do século, na mas que em meados do séc. XIII já se popularizava, reinados de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I,
adopção deste modelo e à sombra da sua protecção, devido à fama dos seus milagres e à acção divulgativa como nos mostram muitos documentos existentes
o prolongar da existência ou a sua revitalização. dos seus pregadores. O seu domínio patrimonial na Torre do Tombo e no Arquivo Distrital do Porto,
Sobretudo na região de Entre Douro e Minho, quando estendeu-se pela cidade de Lisboa, Loures, Sesimbra, além dos coligidos em alguns dos seus cartulários:
em Braga pontificava D. João Peculiar (1138-1175) Sintra, Torres Vedras e Alenquer, bem como Castelo o Cartulário Baio Ferrado, que inclui documentos
e de certo por sua influência, verificou-se um grande Mendo (na Beira) e S. Cucufate (no Baixo Alentejo). dos sécs. XII-XIII, o Livro Preto de Grijó, cópia do
afluxo de adesões, pela adopção da mesma Regra Viria a tornar-se uma das mais prestigiadas canónicas séc. XV mas incluindo diplomas e textos desde o
e, provavelmente, das mesmas Constituições seguidas portuguesas e pela sua escola passou Fernando séc. XI, o Livro das Campainhas e o Tombo do Prior
no Mosteiro de Coimbra. Martins, antes de se transferir para S.ta Cruz, onde D. Afonso Esteves, de 1366.
Desta forma, dois grandes grupos de canónicas prosseguiu os seus estudos, e passar para a Ordem O dinamismo canonical que vimos referindo levou,
masculinas foram-se constituindo: entre Tejo e Douro Franciscana. Entre Douro e Minho situava-se um paralelamente, à fundação de comunidades regrantes
e sob o patrocínio directo do Mosteiro de S.ta Cruz segundo grupo, mais numeroso, mas menos femininas. Foram poucas, muito modestas e menos
(Cónegos Regrantes de Santa Cruz), que lhe serviu dinâmico, igualmente localizado junto ou nas conhecidas. Acerca delas escasseia a documentação
de pólo aglutinador, encontram-se os Mosteiros de proximidades de grandes eixos de circulação, como que chegou até nós, se é que existiu, pelo que
S. Vicente de Fora de Lisboa, S. Romão de Seia, S.ta o que conduzia a Compostela, Astorga ou Léon, ignoramos muito da sua situação e importância. Em
Cruz de Cortes (Cidade Rodrigo), S. Pedro de Folques mas distante de centros urbanos e, portanto, em quase todos os casos parece tratar-se de instituições
(Arganil), S. Jorge de Coimbra, S.ta Maria de Cárquere. meio mais ruralizado e de pendor mais retirado. anexas às canónicas masculinas e de actividades
É um grupo onde a geografia dos dois grandes centros Eram, em geral, casas de pequena dimensão e discretas e auxiliares. Da comunidade que existiu
urbanos (Coimbra e Lisboa) predomina e se conjuga modestas, velhas fundações pré-existentes, de junto ao Mosteiro de S.ta Cruz – as Donas de São
com aspectos mais serranos e eremíticos, dispersos tradição arraigadamente hispânica, algumas ainda João –, que esteve ligada ao serviço de assistência
pelos territórios da Reconquista. sobreviventes dos velhos monaquismos dumiense, do seu Hospital de S. Nicolau e onde de uma das
Acerca de S. Vicente de Fora de Lisboa, é importante frutuosiano ou moçárabe; outras, da Regra cónegas, ou sorores, chamada Feliciana, ficou redigida
notar que a sua fundação se deve a D. Afonso beneditina, de antes ou depois das suas reformas uma Vita (visto ter morrido com fama de santidade),
Henriques, em 1147, no próprio ano da conquista cluniacense e cisterciense. Grandemente isolados sabemos ter atingido entre nove e uma dúzia de
da cidade aos mouros. Tendo sido inicialmente uns dos outros, não atraíam muitos elementos às professas, sujeitas ao governo de uma Prioresa e
entregue a premonstratenses, alguns anos depois suas fileiras e corriam, por isso, o risco de desaparecer. que atraiu algumas damas da alta aristocracia e da
o monarca fundador, por conselho de D. João Aceitaram a mudança de Regra e sujeitaram-se à família real, como a Infanta D. Constança Sanches
Peculiar, passou-o para a jurisdição dos regrantes reforma que os revitalizou, mantendo-se alguns por (1204-1269), filha de D. Sancho I, ou a Infanta
portugueses, tendo sido D. Godinho, cónego vindo mais dois ou três séculos, sobrevivendo outros até D. Maria (1264-1304), filha de D. Afonso III. O caso
do Mosteiro do Banho (Barcelos), o seu primeiro se incluírem na moderna Congregação de Santa mais conhecido neste meio das Donas de São João
Prior-Mor, a partir de 1162. Em 1184, o Papa Lúcio III Cruz, oficialmente aprovada em 1556. O seu pólo de Santa Cruz seria, porém, o de uma rica fidalga
confirmou-lhe a isenção monástica, alargada depois aglutinador foi S. Salvador de Grijó, também ele da aristocracia coimbrã, D. Mor Dias (c. 1230-1302)
à sua paróquia e hospital, em 1190, o que não dotado de isenção monástica e de vários outros que, tendo ali vivido por quase 30 anos, acabaria
impediu que sucessivos conflitos viessem a surgir privilégios que o dignificaram, apesar de não por abandonar a comunidade e, com mais algumas
com o Bispo de Lisboa (o primeiro, em 1189 com conseguir libertar-se da tutela da família dos das suas colegas, ir fundar, na outra margem do
D. Soeiro) acerca de jurisdições, dízimos e outros fundadores-patronos que o impedirão, ao longo de Mondego o novo Mosteiro de S.ta Clara, ingressando

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assim no ramo feminino da Ordem Franciscana. orientação papal dizia respeito, que o IV Concílio situação era bastante grave e, nalguns casos, de
O processo não foi pacífico, tendo os Regrantes de Latrão, em 1215, viera consolidar, bem como o verdadeira decadência. Nenhum grande sobressalto,
tentado impedi-lo, recorrendo aos tribunais régio e desgaste de ininterruptas querelas com os outros no entanto, despertou os Regrantes do torpor que
papal. A quezília prolongou-se por muitos anos num poderes, eles começassem a descrer do seu modelo deles se apoderara, de tal forma que a rotina do
ambiente de hostilidade e escândalo para muitos. e tivessem solicitado, por volta de 1220, ao próprio dia-a-dia continuou quase como antes e, por isso,
Apesar de os Regrantes acabarem por ficar na posse monarca, seu patrono, a viabilidade de se o seu impacto de fermento transformador na
de quase todos os bens que haviam pertencido à submeterem à Regra de Cister, isto é, de deixarem sociedade ia-se tornando cada vez mais diminuto.
sua ex-soror, a questão em si mostrou, claramente, de ser Cónegos Regrantes. Cerca de um século depois, em 1320-1321, quando
que o tempo áureo dos cónegos tinha passado e Tudo indica que também não compreenderam ou D. Dinis ordenou a elaboração do cadastro das igrejas
que a sua capacidade de influência e audição na não foram capazes de se adaptar suficientemente e mosteiros do reino, com finalidade fiscal,
sociedade de fins de Duzentos tinha diminuído muito às grandes transformações por que passava a observamos que a situação económica das canónicas
em relação ao século dos Fundadores. Poderemos sociedade portuguesa do seu tempo (e mais ainda era muito díspar, sendo para a maioria delas modesta.
dividir estas comunidades em dois outros grupos, a europeia, em geral), com as alterações económicas, Grijó está ausente, por pertencer aos seus patronos
que em alguns textos são chamadas de “cónegas”, o progresso provocado pela maior circulação do naturais (eram 208 em 1365), que auferem prati-
mas que não podemos classificar adequadamente, dinheiro, o aumento do artesanato e do comércio, camente todos os rendimentos como nos prova o
visto nas fontes aparecerem, mais ou menos o crescimento das cidades e a ascensão das massas Tombo do Prior D. Afonso Esteves, de 1366. S.ta
indistintamente, com aquele nome ou o de “donas” populares que a elas acorriam em busca de trabalho Cruz de Coimbra avantajava-se, com longa distância
e ainda “sorores”. Existiram, assim, conventos de (que nem sempre encontravam), novas formas de a todas elas: o cálculo feito dos seus rendimentos
Donas, como o das Donas de S. João de S.ta Cruz sociabilidade e relação, o emergir de novos modelos (20 600 libras) encontrava-se muito acima de todas
e o de S.ta Ana da Ponte (Coimbra), S. Miguel de S. culturais, com a consequente criação ou apare- as outras 22 juntas (16 040 libras). Só se destacavam
Vicente de Fora e S. Félix de Chelas (Lisboa); e casas cimento de outros e mais graves problemas sociais S. Vicente de Fora, em segundo lugar, com 3150,
de Sorores, comunidades ainda mais modestas que e morais que pediam solução e que ao clero, então, e Refóios de Lima, com 2000. Vila Boa do Bispo era
as anteriores e, provavelmente, de menores em primeiro lugar, se demandava. A esta crise, taxada em 1500, Landim em 1445 e S.ta Marinha
dimensões, situadas junto às canónicas de Grijó, sentida, embora de forma diferenciada, por todos da Costa em 1000. Os restantes 17 mosteiros
Banho, Landim, Vila Cova e Vila Boa do Bispo. os regrantes da Europa, respondeu com alguma
Eram muitos os mosteiros regrantes portugueses no preocupação o poder papal que, no cumprimento
séc. XIII. Porém, à quantidade não correspondia dos cânones de Latrão IV, enviou legados seus que
sempre o nível de alta qualidade e capacidade de convocassem Capítulos Gerais de reforma e levassem
atracção e dinamismo que deles se esperava. ao reencontro dos Regrantes consigo mesmo, na
A chegada dos mendicantes a Portugal fê-los sofrer descoberta e exploração de novas virtualidades da
um primeiro embate de “concorrência” e tomar Regra de S.to Agostinho e das Constituições que
consciência de que o seu modelo espiritual e as suas haviam professado. Com este objectivo, além de
estratégias de pastoral pareciam agora menos outros mais vastos, veio em 1228 a Portugal o
atractivas e até ultrapassadas. Provas disso são as Cardeal sabinense, D. João de Abeville, que visitou
hesitações de alguns dos seus melhores em desviar- os principais mosteiros e ordenou a realização de
-se do caminho, iniciado segundo o modelo regrante, um primeiro Capítulo Geral de reforma, na cidade
e optar por outro, como aconteceu com o jovem do Porto, na Primavera de 1229, para o que ele
Fernando Martins que, educado em S. Vicente de mesmo nomeou uma comissão preparatória dos
Fora e tendo professado e seguido estudos em S.ta trabalhos, que seriam presididos pelos priores dos
Cruz, se deixou seduzir pelo ideal da arriscada acção três maiores mosteiros: S.ta Cruz, Grijó e S. Vicente
missionária, que os cónegos não praticavam, e correu de Fora de Lisboa, mas em que deviam participar
a vestir o burel franciscano (1220) para vir, depois, todos os outros, de aquém e além Douro.
a tornar-se no maior pregador popular do seu tempo, Estabeleceram-se, assim, Capítulos Gerais de reforma
grande evangelizador de massas urbanas, e a morrer, trienais, criava-se a figura tutelar dos Visitadores
ainda jovem, com auréola de grande santo e fama Intercapítulos para fiscalizar as decisões anterior-
de taumaturgo – o tão admirado e seguido S. to mente tomadas, reformavam-se as escolas e os
Mosteiro de S. Vicente de Fora, Lisboa (DB)
António de Lisboa (c. 1190-1231). programas de estudos de todos os mosteiros,
As hesitações parecem ter continuado quando vemos acrescentando-se a obrigatoriedade de uma cátedra
os regrantes de Coimbra a copiarem, estudarem e de Teologia moral de formação contínua, e alteravam- situavam-se, de forma decrescente, abaixo das 900
admirarem as constituições dos frades dominicanos, -se alguns hábitos da vida quotidiana, em especial libras, sendo que os últimos, Vila Cova e Lordelo,
já instalados na cidade desde 1227 e onde também no concernente ao vestuário, à alimentação e às estavam apenas taxados em 165 e 60 libras de
um deles, Fr. Paio (m. c. 1240), formado nas escolas saídas para o exterior. rendimento anual, respectivamente. Seriam engana-
superiores de Oxford e Bolonha, se afirmava como Não temos possibilidades de saber qual a eficácia doras as conclusões apressadas a tirar desta lista se
sábio pregador que fazia esquecer os seus irmãos prática que tiveram estas medidas. Nenhum nos conduzissem a pensar que, enquanto alguns
regrantes no exercício do mesmo ofício. Talvez por documento chegou até nós sobre os prescritos cónegos eram pobres, outros viviam no luxo e na
isso, para além de outras importantes razões que Capítulos reformadores que de futuro seriam gerais abastança. A divisão das rendas, efectivada no séc.
se prendiam com uma crise de dirigentes, a e trienais. Parece não se terem realizado muitos. Só XIII, entre as mesas prioral e conventual, bem como
incapacidade de se adaptarem à última fase da nos chegou o texto das actas desse primeiro reunido a manutenção das obras de assistência hospitalar,
reforma gregoriana e às suas consequências no que no Porto e, pela descrição do estado a que a vida os encargos com livros e outros bens culturais, as
ao reforço do poder episcopal tocava e à nova de muitos mosteiros havia chegado, parece que a obrigações pastorais e litúrgicas, as contribuições

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para com a Cúria romana, os emolumentos a pagar Uma breve indicação de que nem tudo terá ficado “cruz de D. Sancho” e outros objectos de prata,
nas eleições e confirmações priorais, as despesas na esquecido pode-nos ser dada por um documento para pagar os estudos, na Universidade de Bolonha,
Corte e nos tribunais, o suporte de encargos com arquivístico, hoje guardado na Torre do Tombo e de a seu filho Fernando Afonso.
estudantes no estrangeiro, as visitas a obediências que Saul Gomes fez recentemente um breve resumo. O cisma que assolou a Igreja do Ocidente na
e priorados dependentes e ainda outras obrigações Trata-se de um pequeno relatório de uma equipa passagem do séc. XIV para o XV (1378-1417)
a cargo dos maiores mosteiros tornam o seu significado de visitadores, feita a S. Simão da Junqueira e dirigida também não foi muito propício nem a reformas nem
muito diferente. S.ta Cruz, nestes anos de aparente pelo Prior-Mor de S.ta Cruz, D. Francisco Pires, a 20 a movimentos de união dos mosteiros que se diziam
situação financeira próspera, chegou a estar longos de Fevereiro de 1341. Do relatório ou acta da visita da Ordem de Santo Agostinho. Muito ao contrário,
anos sobrecarregada de dívidas ou a ter que ficamos a conhecer a situação da canónica: habi- serviu de justificação para aumentar a tendência
empenhar bens preciosos (como aconteceu à cruz tavam-na seis cónegos, que se queixavam da penúria autonomista e, em alguns deles, criou divisões entre
processional, em oiro maciço e com pedras preciosas, de meios, pois as rendas apenas davam para viver os próprios membros da comunidade, virando-se
feita a partir desses elementos preciosos doados honeste et decenter uma comunidade de quatro. uns para a obediência de Avinhão, enquanto outros
pelo Rei D. Sancho I) para suportar tais encargos. Os rendimentos, que atingiam a quantia de 784 continuavam a seguir a de Roma. Assim aconteceu,
Nem sempre os administradores eram sábios libras e 15 soldos anuais, mal davam para cobrir as por exemplo, em S. Vicente de Fora e em Grijó. Um
financeiros e taxar de forma elevada bens de raiz despesas, pois o mosteiro encontrava-se sobre- cónego deste último, D. Martinho, que fora enviado
não era sinónimo de pingues rendimentos líquidos carregado com obrigações referentes aos seus a Roma para tratar de assuntos da sua comunidade,
e disponíveis para a comunidade. naturais nobres, em número de cerca de cinco seguiu Clemente VII para Avinhão, onde veio a ser
A situação geral em que se encontravam os mosteiros centenas, com quem despendia 17,2% das entradas. nomeado Bispo de Lisboa, em 1384, e, seguidamente,
regrantes europeus na primeira metade do séc. XIV Tinham, além disso, a obrigação da colheita do rei, criado Cardeal, em 1389, tendo morrido na Cúria
levou o Papa Bento XII, em 1339, a proceder a uma que lhes consumia 9,18%. O restante era gasto com papal, de onde nunca regressara.
nova tentativa de reforma que devia também ser os encargos da vida comunitária do convento: 19% A pobreza de rendimentos de muitos destes mosteiros,
aplicada em Portugal. Para corrigir os males de que com o priorado, 23% com a alimentação dos agravada pela diminuição do número de cónegos
então padeciam as ordens religiosas, o papa, antigo cónegos, 7% com as despesas dos serviçais, 3,8% que, por vezes, não chegavam para se poder eleger
cisterciense, à imitação do que fizera para as ordens com hóspedes e pobres, 2% com azeite e cera para um Prior, levou, ao longo do séc. XV, à necessidade
monásticas, ordenava na Bula Ad decorem Ecclesiae, a igreja e ainda os gastos com o capelão e o de extinguir alguns e transformar outros em igrejas
de 15 de Maio de 1339, que os Regrantes proce- procurador. Era um mosteiro modesto do qual nem seculares. Assim aconteceu com sete deles na
dessem a reformas no que dizia respeito às suas as suas rendas nem os seus bens podiam comparar- Arquidiocese de Braga, ao longo do séc. XV: Requião
formas de governo, à preparação intelectual dos -se com os dos três maiores de S.ta Cruz, S. Vicente (1433), Bravães (1434), Banho (1441), Rio Mau (1441),
seus membros, à organização e funcionalidade dos ou S. Salvador. Eram poucos os móveis (9 camas) e Souto (1454), S. Torcato (1474) e Freixo (c. 1493).
seus arquivos e bibliotecas e ao regime de vida os animais (4 bois, 12 vacas, 20 porcos, 50 ovelhas). Outros debatiam-se com dificuldades de sobrevivência
quotidiana, em especial no que respeitava à maneira Era igualmente pobre o armarium dos livros de que porque eram continuamente esbulhados das suas
de vestir e ao absentismo que muitos levavam, dispunham: só litúrgicos, em número diminuto rendas, sem meios para se defenderem eficazmente,
andando fora das comunidades a que pertenciam. (mesmo os saltérios, que abundavam nos melhores tal como aconteceu com S. Simão da Junqueira, em
Para concretizar a mesma reforma especificava-se a mosteiros, pois por eles se aprendia a ler, eram, 1444, por parte de um fidalgo da casa do Conde
organização de Províncias Canonicais em que todos aqui, apenas dois). Também em número diminuto de Barcelos e Duque de Bragança (MARQUES, José, A
os mosteiros ficavam incluídos, cabendo aos portu- eram as alfaias litúrgicas, como cálices (dois) e Arquidiocese de Braga no séc. XV, p. 800).
gueses, integrar a província que abrangia igualmente paramentos sacros. Esta, porém, é uma informação Em meados do séc. XV, a população claustral dos
os mosteiros castelhanos das metrópoles de Santiago desgarrada que não nos permite avaliar o conjunto Cónegos Regrantes de Santo Agostinho encontrava-
de Compostela, Toledo e Sevilha. Cada província dos Regrantes nesta época de crises. -se, pois, em geral, muito decadente e era muito
deveria reunir, trienalmente, o seu Capítulo e eleger O relaxamento dos costumes e a fuga à vida diminuta: S. Torcato tinha um, S. Simão da Junqueira
Visitadores que percorressem os mosteiros no período comunitária alastraram-se aos grandes mosteiros. e Vila Nova de Muía tinham menos de 5 membros;
seguinte para dar conta da observância que neles Desde 1292, em S. Salvador de Grijó, anualmente, Grijó tinha 11, S. Vicente de Fora andaria entre 10
se fazia. Convocou-se o primeiro destes Capítulos o Capítulo aprovava a renda e pecúlio de que cada e 15, S. ta Cruz tinha 32, dos quais 23 eram
para a cidade de Bragança, em 1340, a que um dos onze cónegos (número que, maltusiana- presbíteros.
presidiriam, conjuntamente, o Prior-Mor de S.ta Cruz mente, se haviam imposto), individualmente, podia Desde o reinado de D. João I (1385-1433), parecia
de Coimbra e o Abade de S.to Isidoro de León. Temos beneficiar, a fim de livremente comprar roupas e urgente proceder a uma grande reforma adminis-
provas de esta assembleia se ter realizado e de, pela programar as suas saídas para o exterior. Em S. trativa do património canonical do Mosteiro de
parte portuguesa, aí terem tomado assento, além Vicente de Fora, nos fins do séc. XIV o teor de vida Coimbra. Por essa razão, nomeou o rei como Prior
do Mosteiro de Coimbra, também os de S. Vicente comunitária era faustoso, com frequentes banquetes a D. Gonçalo Gil (1417-1437), que se mostrou
de Fora, Grijó, Vilarinho, S. Jorge, Landim, Mancelos no mosteiro, uso de vestuário de alto preço, enérgico e zeloso da defesa das suas prerrogativas.
e Freixo. Nada sabemos dos outros. Igualmente nada frequência de saídas e longas ausências para a Síntese da sua obra neste domínio foi o cadastro
sabemos das decisões aí tomadas e ignoramos se administração pessoal de propriedades privadas de geral que mandou fazer acerca de bens, rendas,
mais alguma vez tal assembleia voltou a ser alguns dos seus membros. Foi acerca destes casos direitos e jurisdições, de que resultou o Tombo de
convocada. A proximidade dos acontecimentos liga- da canónica de Lisboa que o cronista D. Marcos da D. Gonçalo ou Livro Nobre do mosteiro (1431).
dos à terrível e longa epidemia de peste que então Cruz registou alguns lamentos: “Quão relaxados e O corajoso prior teve de enfrentar as tentativas de
assolou toda a Europa deve ter desaconselhado as esquecidos daquele primeiro rigor e obediência viviam intromissão e açambarcamento de direitos e bens
viagens e, provavelmente, a reforma não pôde passar os cónegos que foram neste mosteiro instruídos” por parte do bispo da cidade e do próprio duque
de mera intenção que não se concretizou. (Catálogo dos Priores, fl. 139). Nessa mesma época, (1415-1449), em toda a zona do Baixo Mondego.
É desta forma que interpretamos o silêncio dos o Mosteiro de S.ta Cruz não andava melhor: o Prior- Para responder ao apelo dos que pediam uma
arquivos sobre esta matéria. -Mor D. Afonso Martins (1393-1414) empenhava a reforma religiosa, recorreu o Regente de D. Pedro

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTO ANTÃO

a um antigo Legado papal e prestigiado Reformador Feminina na Baixa Idade Média, Cascais, Patrimonia Motte-aux-Bois, também conhecida por Saint-
de mosteiros camaldulenses em Itália, D. Gomes Historica, 1996; CARRIER, A., Coutumier du XI Siècle -Antoine-de-Viennois, cuja igreja abrigava as relíquias
Ferreira, que nomeou Prior-Mor (1437-1459). A sua de l’Ordre de Saint-Ruf (Chanoines Réguliers de de S.to Antão, trazidas de Constantinopla por um
acção fez-se sentir nos domínios pastoral, espiritual Saint-Augustin) en Usage à la Cathédrale de cruzado. Aí afluíam os peregrinos pedindo a cura
e artístico, como refere Saul Gomes. Maguelone, Sherbrooke, Apostolat de la Presse, do “Fogo Sagrado” (o ergotismo, conhecido na
Esquecia-se, logo depois, a prossecução de alguns 1950; DURANT, Robert (ed.), Le Cartulaire Baio-Ferrado época por erisipela), um dos principais flagelos da
destes aspectos e os Priores seguintes, D. João da du Monastère de Grijó (XI e-XIII e siècles), Paris, Idade Média, provocado por uma intoxicação
Costa (1463-1473) e D. João de Noronha (1473- Fundação Calouste Gulbenkian, 1971; EGGER, C., alimentar, causada pela ingestão de pão de centeio,
-1506), dedicaram-se mais ao mecenato cultural e “Canonici Regolari”, in G. Pellicia, G. Rocca (dirs.), misturado com a chamada cravagem ou morrão do
ao enriquecimento de bens patrimoniais. O trabalho Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 2, Roma, centeio. Entre os seus sintomas encontra-se a gan-
de reorganização patrimonial e de saneamento das Edizioni Paoline, 1975, cols. 46-63; GIROUD, Charles, grena, convulsões e alucinações.
finanças da Mesa Prioral por homens hábeis, como L’Ordre des Chanoines Réguliers de Saint-Augustin Um desses peregrinos era um jovem nobre chamado
os dois últimos prelados, transformou a canónica et Ses Diverses Formes de Régime Interne, Martigny, Guérin de Valloire, o qual fez votos de se dedicar
numa apetecível instituição comendatária que os Éditions du Grand-Saint-Bernard, 1961; GOMES, Saul ao cuidado dos doentes, caso fosse curado. Como
monarcas vieram a transformar: D. Manuel I oferece- António, “Cónegos Regrantes de Santo Agostinho”, o seu pedido foi atendido, ele e o pai fundaram
-a ao seu Capelão e Bispo da Guarda, D. Pedro in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa uma pequena comunidade de leigos, cuja principal
Gavião (1507-1516) e, seguidamente, reserva-a para de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], Círculo de finalidade era criar hospitais destinados a tratar os
alguns dos seus filhos que, sucessivamente, a Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da doentes atingidos por esse mal. O pai, Gaston de
possuíram até ao início da grande reforma levada Universidade Católica Portuguesa, 2000, pp. 429- Valloire, foi o primeiro Mestre da comunidade. Com
a cabo por Fr. Brás de Braga ou de Barros (1527- -434; Livro das Constituições e Costumes que se esse objectivo e a partir de França, a Ordem
-1554). guardam em o Moesteyro de Sancta Cruz de Coimbra rapidamente se difundiu um pouco por toda a
Os trabalhos da primeira parte desta grande reforma dos Cónegos Regrantes da Ordem de Nosso Padre Europa, chegando também a Espanha e Portugal.
dizem mais respeito ao Mosteiro de S.ta Cruz de Sancta Augustinho, Coimbra, Moesteyro de Sancta Em 1096, a Ordem de Santo Antão regia-se por
Coimbra do que aos mosteiros da Ordem dos Cruz, 1536; MARQUES, José, A Arquidiocese de Braga uma Regra própria que foi confirmada pelo Papa
Cónegos de Santo Agostinho. Muitos haviam no Século XV, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Urbano II, no Concílio de Clermont. Mais tarde, por
também sido transformados em comendas, como Moeda, 1988; MARTINS, Armando Alberto, O Mosteiro volta do séc. XIII (1218), Inocêncio IV permitiu que
acontecera com S. Vicente de Fora de Lisboa e S. de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Lisboa, os seus membros adoptassem a Regra de S. to
Salvador de Grijó. Por Breve de Paulo III, de 1538, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2003; Agostinho e autorizou-os a formular os votos
o Mosteiro de S. Vicente começa a ser reformado MÁRTIRES, D. Frei Timóteo dos, Crónica de Santa Cruz, religiosos próprios de uma ordem regular. Em 1297,
por Fr. Brás, coadjuvado por oito cónegos que consigo 3 vols., Coimbra, Edição da Biblioteca Municipal, Bonifácio VII concedeu-lhes a autonomia necessária
levou de Coimbra, em vista à união na Congregação, 1955-1960; R ODRIGUES , Manuel Augusto (ed.), à transformação da igreja, onde se encontravam as
o que aconteceu em 1539. Em 1490, o Mosteiro Bullarium Monasterii Sanctae Crucis Conimbrigensis, relíquias de S.to Antão, em França, em abadia e a
de Grijó era dado ao Cardeal D. Jorge da Costa Coimbra, AUC, 1991; SANTA MARIA, D. Nicoulau de, isenção da jurisdição ordinária.
(Alpedrinha) e, seguidamente, em 1492, a D. Chronica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Quanto à sua organização, os Cónegos de Santo
Fernando Sequeira que o retinha mesmo enquanto Patriarcha S. Agostinho, 2 vols., Lisboa, Officina de Antão tinham como identidade máxima o Superior
foi Bispo de Safim. Em 1512, o Prior Comendatário Ioam da Costa, 1668; SILVA, Carlos Guardado da, O Geral, também conhecido por Superior Maior, Grão-
era D. João Subtil, também ele, posteriormente, Mosteiro de S. Vicente de Fora de Lisboa, a -Mestre, ou ainda por Preceptor Máximo. Este estava
Bispo de Safim, até 1536. Foi após a morte deste Comunidade Regrante e o Património Rural (Sécs. sediado na Casa-Mãe da Ordem e tinha funções de
bispo-prior que os cónegos pediram ao rei a união XII-XIII), Lisboa, Edições Colibri, 2002; COSTA, António orientação geral, bem como a responsabilidade de
com S.ta Cruz. Em 1538, Fr. Brás de Braga já se Domingues de Sousa, O Mosteiro de S. Salvador da representação em várias instâncias do poder da Igreja
intitulava “governador e conservador dos mosteiros Vila de Grijó, Grijó, Fábrica da Igreja Paroquial de e do Estado. Em cada mosteiro existia um Prelado
de Santa Cruz e de Grijó”, incluindo-o no ano Grijó, 1993. Imediato, que era igualmente um membro destacado,
seguinte na Congregação. conhecido por Abade, com funções de direcção e
Muitos outros se foram integrando na Congregação ARMANDO ALBERTO MARTINS administração de cada mosteiro e que dependia
dos Cónegos Regulares de Santa Cruz, defini- directamente do Superior Geral da Ordem. Em cada
tivamente aprovada pelo Papa Paulo IV, em 1556. abadia, coexistiam os frades que faziam os votos
A história posterior dos vários mosteiros confunde- REGRANTES DE SANTO ANTÃO, Cónegos religiosos, dedicando-se totalmente à vida conventual,
-se, desde então, com a da Congregação, de que Os Regrantes de Santo Antão eram uma fraternidade sob a forma celibatária, cumprindo a Regra da
se trata em outro item desta obra, para onde hospitalar laical, composta por cónegos regulares. Ordem; e leigos que não fazendo votos religiosos,
remetemos o leitor. Sendo a sua designação oficial Cónegos Regrantes colaboravam com os frades, particularmente no
de Santo Antão, também ficaram conhecidos por domínio assistencial.
BIBLIOGRAFIA: AA.VV., Santa Cruz de Coimbra do Hospitalários de Santo Antão, Ordem Hospitaleira Os Frades de Santo Antão usavam um hábito
Século XI ao Século XX: Estudos, Coimbra, Igreja de de Santo Antão Abade, Antoninos ou Antonianos, constituído pela túnica, murça e barrete, tudo preto,
Santa Cruz, 1984; ACABADO, Maria Teresa Barbosa por serem devotos de S.to Antonius (António era o com a sua divisa no peito que era uma cruz pequena,
(ed.), Inventário de Compras do Real Mosteiro de nome verdadeiro de S.to Antão, só que em Portugal, branca ou azul, com a forma de um T ou Tau, que
S. Vicente de Fora (Cartulário do Século XIII), Coimbra, era confundido com S.to António de Lisboa, por isso, representava a muleta dos doentes, e por isso em
1969; AMARAL, Luís Carlos, São Salvador de Grijó na permaneceu o nome de Antão, ou seja, António, o Portugal chamaram aos seus prelados de
Segunda Metade do Século XIV: Estudo de Gestão grande). Comendadores do Tau.
Agrária, Lisboa, Cosmos, 1994; A NDRADE , Maria A fundação da Congregação ocorreu no ano de Sobre a data de estabelecimento deste Instituto em
Filomena, O Mosteiro de Chelas: Uma Comunidade 1095, em França, numa localidade do Delfinado, La Portugal pouco se sabe, apenas que já existia com

281
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS REGRANTES DE SANTO ANTÃO

– S.to Antão Abade de Teixeira –, e por esse motivo A reorganização das instituições assistenciais operada
ficou sempre como cabeça da Ordem no nosso país. a partir do final do séc. XV e em especial no decurso
A partir daí, os frades estenderam a toda a região da primeira metade de Quinhentos, conjuntamente
da Guarda a sua acção assistencial aos doentes e a com um afastamento entre a mensagem espiritual
evangelização, através dos chamados Petitórios, isto desta Ordem e a comunidade dos fiéis cristãos, foram
é, comissões constituídas por colaboradores da Ordem responsáveis pela rápida decadência dos frades
que tinham como finalidade além da evangelização, Antonianos em Portugal. Só assim se pode entender
a recolha de ofertas. Estas, conjuntamente com a que, em 1510, o Convento de S.to Antão em Lisboa
prática da agricultura, constituíam a base da sua tivesse apenas dois ou três frades, já idosos, que
sustentação. O resultado da evangelização levada a asseguravam o serviço mínimo. Nos outros cenóbios
cabo na zona da Guarda é ainda hoje bem visível da Ordem, incluindo o de Benespera, provavelmente,
através da existência de inúmeras igrejas, capelas e o mesmo se passaria. Assim, o Rei D. Manuel I
festas dedicadas a S.to Antão. decretou, nesse ano, que os mosteiros, os bens e
Iniciou-se a partir de então, um período de moderada os rendimentos da Ordem passassem a ser uma
expansão da Ordem entre nós, que culminou nos comenda, que ficou designada por Comenda de S.to
sécs. XIV e XV com a criação de mosteiros em outras Antão de Benespera, a qual pôs término à Ordem
zonas. O segundo convento surgiu em Lisboa, na de Santo Antão enquanto ordem religiosa.
Frade de S.to Antão, reconstituição (in Manuel Vítor da Costa
Gomes, Benespera, Cabeça da Ordem de Santo Antão
sequência de uma doação feita por uma família Em 1541, a comenda passou por um período de
em Portugal, Lisboa, s.n., 1997) burguesa, o mercador João de São Vicente e sua 100 anos para a posse dos Jesuítas, e em 1550 o
mulher Lourença Joannes, à Ordem de Santo Antão, Papa Júlio II tornou essa união perpétua. Deste modo,
na pessoa do seu Grão-Mestre, Pedro Lobato. Este o destino da Ordem passou a estar ligado aos
toda a certeza no tempo de D. Sancho II, tendo sido donativo atribuía terrenos pertencentes à referida Jesuítas, que transformaram o Mosteiro de S.to
introduzido talvez nos fins do séc. XI ou nos princípios família, bem como avultadas verbas em dinheiro Antão em Lisboa na casa da Companhia. Essa
do XII (ALMEIDA, Fortunato de, História…, vol. I, p. para a construção do mosteiro e hospital. O local mudança operou-se a 5 de Janeiro de 1542. Segundo
135). Do mesmo modo se ignora se os seus primeiros escolhido para a fundação foi um lugar conhecido o cronista da Companhia de Jesus, o P.e Baltasar
membros vieram directamente de França, ou de na época por “Carreira dos Cavalos”, fora das Teles, o convento estava praticamente desabitado,
Castela. Contudo, é de admitir com toda a muralhas da cidade, no sítio onde se encontrava a vivendo lá somente um frade velhote, chamado
primitiva porta de S. Domingos, que com a instalação Pedro Anes. Este, por ser já muito velho, acabou
do cenóbio passou a ficar conhecido como Portas por ser admitido na Companhia de Jesus, com o
de S.to Antão (esta mudança toponímica parece ser estatuto de Irmão Coadjutor.
fruto da importante acção assistencial que os frades Ao longo dos três séculos de existência em Portugal,
tiveram junto da população lisboeta, mormente de os Antoninos conseguiram atingir um certo grau de
pobres e doentes). Este convento foi construído no crescimento e de relevância, particularmente no
ano de 1400 e ficou sujeito ao de Benespera. Em domínio da assistência aos doentes e aos pobres.
1539, a Ordem trocou-o pelo da Anunciada, situado Porém, a incapacidade de adaptação a uma nova
na Mouraria, pertencente às Freiras de São Domingos, realidade religiosa e a reestruturação da assistência,
com a invocação de N. Sr.a da Anunciada. principal razão de ser da Ordem, acabaram por
O terceiro, fundado em Santarém, conhecido por conduzi-la à decadência.
S. to Antão de Marvila, estava situado fora das
muralhas da cidade, junto ao Paço Real, na parte
Actual Igreja de Benespera, situada onde anteriormente estava
poente. O quarto, no Concelho de Pinhel, sob a
o Convento de S.to Antão, cabeça da Ordem em Portugal (A)
invocação de S.to Antão de Aveleira, construído no
ano de 1430. O quinto, na área de Viseu, era
conhecido por S. Domingos de Besteiros.
probabilidade, que os Frades de Santo Antão se Além destes mosteiros de maior importância, o culto
deslocaram de França. Entre as motivações que terão a S.to Antão estava espalhado um pouco por todo o
levado à sua vinda, encontram-se, para além do país, como o atestam a presença de ermidas junto
desejo de prestar assistência aos doentes que em às principais vilas, como é o caso de Lisboa, Santarém,
Portugal sofriam das mais terríveis doenças da época, Coimbra, Belmonte e Évora. Nesta cidade, a igreja
o espírito da Reconquista Cristã, então bastante de invocação de S.to Antão, anterior a 1286, possuía
activo em França e que os levaria a participar de em anexo uma albergaria onde os seus membros
um modo diferente: não bélico, mas sim assistencial. exerciam, ao que parece, as suas funções hospitalárias.
Admitindo a entrada dos seus primeiros membros Esta prática, comprovada no caso de Évora, era muito
no final do séc. XI ou princípio do XII, pouco mais presumivelmente comum à de outras vilas onde o
se sabe que possuíam uma propriedade nos lugares culto a S.to Antão e as obrigações curativas, a que os
da Vilariça, termo da Torre de Moncorvo. É a partir seus seguidores eram obrigados, estavam já difundidas.
do séc. XIII que surgem informações mais abundantes, No princípio do séc. XVI, a Ordem de Santo Antão
pois D. Sancho II fez-lhe doação do lugar de mergulhou numa profunda crise. Os mosteiros
Benespera, no Bispado da Guarda, o qual os Cónegos começaram a ficar devolutos, quase desabitados, S.to Antão, escultura em madeira, Igreja de Porto Moniz,
transformaram no seu primeiro convento em Portugal sem frades para assegurar a continuidade da Ordem. Madeira (DRAC)

282
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SACRAMENTINOS

Situação idêntica parece ter acontecido com a Ordem destacando, deste modo, os sacerdotes dos irmãos nos primeiros tempos pela sua sobrevivência, este
de Santo Antão a nível europeu. Se numa primeira leigos. Ainda assim, o nome mais comum e que os Instituto suportou ataques contra os irmãos em
fase, que vai até ao séc. XIV, se assiste a uma forte identifica como instituto masculino é Sacramentinos. França e enfrentou crises de identidade, por coexistir
expansão e projecção significativa, em que a Fundados em Paris, no dia 13 de Maio de 1856, na Congregação uma dupla dimensão, activa e
Congregação contava com cerca de 370 hospitais têm por carisma o culto do Santíssimo Sacramento contemplativa, sendo ambas de grande relevância
espalhados por países como França, Itália, Alemanha, em todos os seus aspectos. Esta Sociedade não é para Eymard. Encontrando uma fonte na reforma
Espanha, Portugal, Polónia e muitos outros na Europa somente adoradora, mas também apostólica, sendo conciliada da liturgia eucarística, estes Irmãos
Oriental, além de um hospital ambulante que o objectivo do seu Fundador, P.e Pierre Julien Eymard, basearam-se na instrução sobre o culto eucarístico,
acompanhava o papa e a sua comitiva nas expandir a sua devoção, promovendo um melhor Eucharisticum Mysterium, no ano 1967, e na
deslocações, a partir da centúria seguinte com a conhecimento e celebração da Eucaristia, objectivo introdução ao rito do culto eucarístico (Rito del culto
extinção da doença que tratavam, assiste-se a um que foi concretizado, uma vez que o mundo passou eucaristico), em 1973, auferindo uma renovada
declinar progressivo a que os seus membros a ter os seus templos votivos dedicados ao Santíssimo reflexão e acção pastoral. Renovaram igualmente os
conseguem a curto prazo dar uma resposta, Sacramento. nomes de boletins que publicavam. Assim, a título
transformando a vocação da Congregação para a de exemplo, em 1964, a Révue Eucharistique du
pregação, celebração do Ofício Divino e tratamento Clergé passou a intitular-se de Parole et Pain; em
de todos os pobres e doentes, mas que a longo Itália, os Annali dei Sacerdoti Adoratori passam, em
prazo conduziu à extinção da Ordem. Tal não 1971, a ter o título de La Nuova Alleanza, entre
aconteceu sem primeiro se tentarem algumas outras.
reformas como as de 1616 e de 1630 que, no O P.e Eymard centrou a sua vida e actividade nos
entanto, fracassaram. Através da Bula Rerum mistérios eucarísticos. Baseando-se, num primeiro
humanarum conditio, de 17 de Dezembro de 1716, momento, na forma como era encarada a Eucaristia
a Ordem de Santo Antão foi anexada à Ordem de em termos teológicos contemporâneos (realçam
Malta, conjuntamente com os seus bens, e, em particularmente “a presença real” que a Eucaristia
1803, foi oficialmente extinta. S. Pedro Julião Eymard, Fundador (A) contém em si; dando especial cuidado ao aspecto
devocional), Pierre Eymard foi-se desprendendo desta
BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da Eymard nasceu em La Mure d’Isère, em França, no concepção, mostrando que a Eucaristia devia estar
Igreja em Portugal, 4 vols., Nova ed. preparada e dia 4 de Fevereiro de 1811. Percorreu vários caminhos no centro da vida da Igreja e da própria sociedade,
dirigida por Damião Peres, Porto/Lisboa, Portucalense até chegar à sua vocação definitiva. De facto, perante declarando que: “Não há outro centro senão o de
Editora, 1967-1971; GERHARDS, Agnès, “Antonins uma sociedade francesa anticlerical e proveniente Jesus Eucarístico”. E depois do II Concílio do Vaticano,
(hospitaliers de Saint-Antoine)”, in Dictionnaire de uma família pobre e descrente, teve várias dificul- os Sacramentinos têm por objectivo encarnar o
Historique des Ordres Religieux, Paris, Fayard, 1998, dades para conseguir concretizar o seu sonho, o de ensinamento social da Igreja, objectivo esse que
pp. 56-57; GOMES, Manuel Vítor da Costa, Benespera: se dedicar ao sacerdócio. Só aos 18 anos é que estava em harmonia com o do P.e Eymard.
Cabeça da Ordem de Santo Antão em Portugal, entrou para o Noviciado dos Oblatos de Marselha, Eymard viajou por toda a França, deixando numerosos
Lisboa, s.n., 1997; T ELLES , Baltazar, Chronica da conseguindo vencer a oposição do seu pai. escritos e sermões. Promoveu, por todo o mundo,
Companhia de Jesu, na Província de Portugal, e do Aos 23 anos foi ordenado Sacerdote no Seminário o culto da Eucaristia e fundou também a Congrega-
que fizeram nas conquistas d’este reyno, os religiosos, de Grenoble, a 20 de Julho de 1834 e, em 1837, ção das Religiosas Servas do Santíssimo Sacramento,
que na mesma provincia entraram, nos annos em foi nomeado Pároco de Monteynard. Conhecido e que comunga da mesma espiritualidade da instituição
que viveo S. Ignacio de Loyola, nosso fundador, 2 admirado pela sua simplicidade e forma de estar, o masculina, mas não tem propriamente vínculos
vols., Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1645-1647; P.e Eymard professava votos de pobreza, de castidade jurídicos com os Sacramentinos.
VASCONCELOS, Inácio da Piedade, História de Santarém e de obediência e, no ano de 1839, ingressava na O P.e Pierre Eymard morre no dia 1 de Agosto de
edificada, que dá notícia da fundação e das cousas Congregação dos Padres Maristas de Marselha, onde 1868. É beatificado pelo Papa Pio XI em 1925 e,
mais notáveis nella succedidas, 2 vols., Lisboa Oriental, exerceu o cargo de Mestre de Noviços e de Provincial em 1962, no dia 9 de Dezembro, é canonizado pelo
s.n., 1740; VILAR, Hermínia Vasconcelos, “Cónegos até 1856. Papa João XXIII, no fim da primeira sessão do Concílio
Regrantes de Santo Antão”, in C. M. Azevedo (dir.), Em 1851, no Santuário de N. Sr.a de Fourvière, foi Vaticano II, tendo ficado conhecido como o “Santo
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. A- inspirado a fundar uma família religiosa, dedicada do Concílio”.
-C, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos à glorificação da Eucaristia e à sua adoração perpétua. Houve várias iniciativas, começadas ou desenvolvidas
de História Religiosa da Universidade Católica Deixa, portanto, a Congregação Marista e, no dia após a morte do Fundador, que tinham por objectivo
Portuguesa, 2000, pp. 434-435. 13 de Maio de 1856, funda, em Paris, a Congregação regressar à actividade e espiritualidade eucarísticas,
do Santíssimo Sacramento, concluindo: “é necessário como é o caso da Fraternidade Eucarística para
RICARDO VARELA RAIMUNDO tirar Cristo do Sacrário, apresentá-lo ao povo como Leigos, a Associação dos Padres Adoradores (baseada
grande Senhor, Mestre Salvador, vivo, real, em nosso na sua preocupação pelos padres) e os Congressos
meio.” Eucarísticos. Estes últimos tiveram continuação (a
SACRAMENTINOS A Congregação dos Sacramentinos foi aprovada nível internacional, nacional e diocesano) e tornaram-
Congregação de Direito Pontifício e com votos simples pelo Papa Pio IX no dia 8 de Maio de 1863. Mas -se periódicos. A partir do séc. XIX, levavam multidões
perpétuos que tem como nome oficial Societas só teve aprovação definitiva depois da morte do às praças e ruas das maiores cidades dos vários
Sanctissimi Sacramenti e cuja sigla é SSS. É também seu Fundador, no ano 1895. O P. e Eymard e os continentes.
conhecida por Eucaristinos e por Congregatio Sacramentinos começaram o seu trabalho em A forma como estes Irmãos evangelizam inclui a
Presbyterorum a Sanctissimo Sacramento. Este último condições pobres, em casas próximas da R. do celebração dos sacramentos, o escrever, o ensinar,
título era usado com o intuito de distinguir os dois Inferno, onde o Instituto foi oficialmente inaugurado, o catequizar, o aconselhar, o servir a Igreja, para
tipos de membros que faziam parte da Sociedade, com a exposição do Santíssimo Sacramento. Lutando além de trabalharem pela justiça, levando a comu-

283
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SAGRADOS CORAÇÕES

investir numa expansão do seu Instituto em território A fundação deste Instituto religioso surge no contexto
português. Sabe-se que estes religiosos se instalaram da Revolução Francesa. Nasceu em Poitou, antiga
no nosso país pela mão do P.e Martinho Driessen, em província francesa, mais precisamente em Poitiers.
1962, ficando popularmente conhecidos pelo nome Henriette Aymer de la Chevalerie (1767-1834),
de Padres Sacramentinos. Sem nunca terem crescido oriunda de Poitiers, e Pierre María Coudrin (1768-
significativamente, mantiveram até ao final do séc. -1837), originário de Coussay-le-Bois, perto de
XX a sua casa principal em Lisboa, e ligados pastoral- Poitiers, foram os responsáveis desta obra.
mente à Igreja das Galinheiras, na Estrada Militar,
P.e Júlio Maria de Lombaerde,
uma zona socialmente desfavorecida dos subúrbios
Fundador no Brasil (A)
da capital portuguesa. A partir desta comunidade,
desenvolveram essencialmente uma pastoral de cariz
nhão aos que estão doentes, desprotegidos e, marcadamente social e procuraram dar apoio e con-
especialmente, aos hospitalizados. Deste modo, tribuir para a sua missão Ad Gentes em Moçambique.
publicam, além da revista Emanuel, outros materiais A falta de vocações e a redução significativa do
Logótipo antigo usado nos hábitos (I)
litúrgicos e devocionais que estão relacionados com número de efectivos religiosos levaram-nos a aban-
a Eucaristia. Existe ainda um programa que promo- donar Portugal no final da década de 90.
vem e que diz respeito à Evangelização Eucarística. Em 1792, Pierre Coudrin foi secretamente ordenado
Tem como nome Vida na Eucaristia (Life in the BIBLIOGRAFIA: Impressa: ASTRUC, Joseph, São Pedro Padre, dada a instabilidade que se vivia em França
Eucharist, cuja sigla é LITE). Julião Eymard, Porto, Casa da Boa Imprensa, 1965; e o clima adverso à Igreja Católica, e secretamente
Divididos em províncias e regiões – no ano 1931 –, GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde exerceu o sacerdócio durante seis meses. Neste
os Sacramentinos tiveram um período de maior e Vede, Lisboa, Edições Paulinas, 1994; VASSALLI, G., período de clandestinidade alimentou a ideia de
crescimento no séc. XX, nos primeiros 60 anos, “Sacerdoti del Santissimo Sacramento (Sacramentini)”, erigir uma comunidade religiosa. O seu projecto de
passando de 200 a 1645 membros, mas logo in G. Pellicia e G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti criação de uma nova congregação religiosa coincidiu
decresceu para 1133 (em 1986, de entre os quais, di Perfezione, vol. IV, Roma, Edizioni Paoline, Roma, com um projecto semelhante idealizado por
771 eram sacerdotes, distribuídos por 34 paróquias) 1977. Digital: www.blessedsacrament.com; www. Henriette, que entretanto viria a conhecer em Poitiers.
e, em 1994, formavam 1057 membros em 21 países. eucharistie.cz; www.sacramentinos.com.br. Esta mulher, por sua vez, que havia sido liberta após
Eles são, na actualidade, uma sociedade religiosa ter estado presa por ter dado asilo a um padre,
clerical, de Direito Pontifício, composta por sacerdotes, ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA confessa a Pierre Coudrin o seu desejo de criar uma
diáconos e irmãos presentes numa boa parte do TERESA ROSA ordem religiosa, em resposta a um apelo de Deus.
mundo. Deslocam-se principalmente para os países Deste modo, na véspera do Natal de 1800, estando
do terceiro mundo (como: América Latina, Filipinas, ambos conscientes da ameaça da guilhotina, os dois
Vietname, Índia, África, com o intuito de aí atender SAGRADOS CORAÇÕES fundaram a Congregação dos Sagrados Corações
a obras sociais), com o ideal de celebrar e viver em A Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e com o ideário de difundir a palavra de Deus e o seu
pleno a Eucaristia. Irmãos e sacerdotes têm a mesma Maria, oficialmente denominada Congregação dos amor incondicional e propagar a autêntica devoção
missão e vivem-na de maneira diferente, segundo Sagrados Corações de Jesus e Maria e da Adoração ao Sagrado Coração de Jesus e ao Coração de Maria.
as culturas e os lugares onde se encontram, Perpétua do Santíssimo Sacramento do Altar, é Nessa noite, Pierre Coudrin e Henriette Aymer fizeram
acompanhando a vida espiritual dos jovens e a vida conhecida também por Picpussianos (ou Picpucianos). os votos de pobreza, castidade e obediência. Ambos
das comunidades e paróquias em geral. Esta designação, Picpussianos, ou ainda Padres Picpus, se colocaram, desse dia em diante, ao serviço
Estão disponíveis muito poucos dados para se tem origem no nome da rua em Paris, Rue de Picpus, incondicional de Deus, tendo como inspiração
conhecer pormenorizadamente a presença desta na qual se instalou a primeira Casa-Mãe da carismática os Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Congregação em Portugal, tanto mais que a expressão Congregação, em 1805. A sigla SS CC, que identifica Numa época de crise aguda em que estava imersa
numérica dos seus membros nunca foi muito os membros desta Congregação, corresponde às a igreja francesa caracterizada pelo ambiente
relevante. Os Sacramentinos, na verdade, instalaram- iniciais latinas Sacrorum Cordium (Sagrados anticlerical, por políticas anti-religiosas e pela adesão
-se em Portugal mais com o objectivo de servir de Corações). de boa parte do episcopado ao Galicanismo ou
base de apoio a um projecto de missionação nos Trata-se de uma Congregação Apostólica de Direito simplesmente pela demissão das suas funções,
países africanos de língua portuguesa, do que para Pontifício, constituída por um ramo feminino e outro tornou-se relevante o papel reabilitador do clero a
masculino e ainda por um ramo de leigos, que favor do empenhamento social e pastoral da Igreja
seguem o mesmo carisma, empenham-se na mesma através da Congregação. Os primeiros membros da
missão e vivem a mesma espiritualidade, mas pos- Congregação fundaram novas escolas para crianças
suem Estatutos específicos aprovados pela Santa Sé. pobres, seminários para formar novos padres e
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao apostar em novas missões. À morte de Coudrin, em
Coração Imaculado de Maria constitui a razão de 1837, havia já 276 religiosos e 1125 religiosas.
ser desta Congregação, cujo carisma assenta na Mantendo-se fiel à Igreja, a Congregação dos
contemplação, vivência e anúncio do amor de Deus, Sagrados Corações não foi reconhecida como tal
em Jesus, especialmente na adoração eucarística e por Napoleão. Viveu, por isso, alguns anos na
no serviço ao próximo. Os padres têm um percurso clandestinidade, só obtendo aprovação diocesana
formativo semelhante ao praticado nas outras pelo Papa Pio VII a 17 de Novembro de 1817, com
instituições religiosas congéneres. As comunidades a publicação do Decreto Pastor Aeternus, que a
vivem do trabalho profissional dos seus membros e reconheceu como Congregação de Direito Pontifício.
Igreja das Galinheiras, Lisboa (JEF) da generosidade dos fiéis. No que respeita à estrutura da Congregação,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SAGRADOS CORAÇÕES

religiosos e religiosas viviam em comunidade e e 1947) e nas missões populares (entre 1939 e 1967).
cumpriam práticas regulares de vida consagrada, Após 1947, com a saída dos Olivais, a Congregação
sob a obediência do Superior Geral de toda a instalou-se na Paróquia da Penha de França (1 de
Congregação, da Superiora Geral específica das Novembro de 1950), formando uma comunidade
irmãs, do Superior ou Superiora de cada casa. Os constituída por quatro religiosos. Aí desenvolveram
membros admitidos na Congregação professavam um significativo trabalho pastoral e social.
votos perpétuos de pobreza, de castidade e de Em 1939, Portugal recebeu um grupo de três padres
obediência. Esta família religiosa, irmãos e irmãs, desta Congregação para participar num projecto de
apesar de constituírem uma só Congregação, possui missionação popular a desenvolver na Diocese de
um corpus legislativo e uma estrutura de governo Lisboa, que incluía também as Dioceses de Santarém
e formação próprias a cada ramo, conforme consta e de Setúbal. A este grupo pertencia o P.e Gregório
nas Constituições da Congregação de 1817 (as Verdonk que se tornou uma personalidade emblemá-
primeiras Constituições), cujo capítulo preliminar e tica da Congregação por razões que cumpre explanar.
o primeiro capítulo se referem à generalidade, isto O P.e Gregório era holandês e nasceu a 10 de Janeiro
é, a ambos os ramos, feminino e masculino, e os de 1904. Quando chegou a Portugal, em 1939,
restantes sete capítulos dizem respeito a cada um instalou-se no Seminário dos Olivais. Como missio-
dos ramos individualmente. nário pregava nas paróquias, surtindo a sua pregação
Os membros desta família vestiam, tradicionalmente, um bom acolhimento, que lhe granjeou muita
hábito branco – a que se deve a designação popular popularidade. Teve um papel fundamental na
de “padres brancos” – com escapulário, bordado P.e Damián, Apóstolo dos Leprosos (I) formação dos jovens, tendo fundado um grupo de
em cima com os Sagrados Corações, e um cinto de escuteiros em Moscavide, paróquia a cargo da
couro. Ainda hoje, em algumas províncias, o hábito inclusivamente com Salazar, no quadro do seu périplo Congregação. A audiência e admiração que alcançou
branco mantém-se como indumentária que caracte- por vários países com a missão de pregar a devoção deram-lhe mesmo fama de santo, dada a sua
riza os picpussianos, mas a maior parte dos membros ao Sagrado Coração de Jesus. Assim, por intermédio bondade e disponibilidade para todos os que o
traja como comuns cidadãos. do P.e Mateu, Victor Cadillac, Constance Hillion, procuravam. O P.e Gregório ganhou grande amizade
Após implantação em França, os seus bons serviços Francisco Wakkers e Pascal Piriou, todos franceses, com Salazar, tornando-se seu confessor e orientador
prestados à sociedade começaram a expandir-se para à excepção de Francisco Wakkers, que tinha espiritual, tal como tinha acontecido, de algum
o estrangeiro: primeiro e mais preponderantemente nacionalidade holandesa, chegaram a Portugal no modo, com o P.e Mateu Crawley-Boevey. Morreu em
nas ilhas do Pacífico, em especial no Havai, e pela dia 26 de Setembro de 1931, e instalaram-se em 1980, não sem antes ter fundado uma casa que
América do Sul, especialmente no Chile. Depois em Lisboa, no Seminário dos Olivais, sendo Victor Cadillac acolhia crianças com dificuldades, funcionando ainda
África e Ásia. Na Europa, a Congregação estabeleceu- designado para o cargo de Vice-Reitor do seminário. hoje, sob o nome de Obra do Padre Gregório, como
-se na Bélgica, Holanda, Alemanha, Inglaterra, A permanência dos Padres Brancos neste Seminá- casa de acolhimento, em Sintra. O P. e Gregório
Espanha, Noruega, Itália, Áustria. O P.e Damião de rio Maior do Patriarcado de Lisboa estendeu-se até Verdonk está ainda muito presente, e de uma forma
Veuster, oriundo de Tremelo, Bélgica, é uma das 1947. Paralelamente à vida do seminário, a muito especial, na memória de muita gente.
figuras cimeiras que representa o compromisso Congregação prestava assistência paroquial em Mais tarde, nos anos 50, a Congregação reforçou
emblemático desta Congregação com os leprosos Moscavide. os seus efectivos em Portugal com novos membros
da ilha de Molokai. O Cardeal Cerejeira contou com o auxílio da vindos da Holanda, o que permitiu abrirem
Joseph de Veuster nasceu em 1840. O nome Damião Congregação no Seminário dos Olivais (entre 1931 sucessivamente seminários nos Açores, na Praia da
recebeu-o quando professou nesta Congregação Vitória – ilha Terceira – no ano de 1957. A missão
religiosa, em 1859. A sua épica missão junto dos na Beira, Moçambique, acalentada desde cedo pela
leprosos em Molokai foi tão marcante que o P.e Congregação, começou a desenvolver-se, em 1956,
Damião ficou para sempre associado ao cuidado com a ida dos primeiros padres picpussianos.
destes desterrados da sociedade, valendo-lhe o título Durante a década de 60, este Instituto religioso
de Apóstolo dos Leprosos. Acabou por morrer da atinge o seu momento áureo em Portugal: às
doença em 1889, mas o seu nome foi adoptado fundações da década anterior, junta-se a criação do
por vários seminários que pela Europa foram sendo Noviciado e seminário maior em Couço, Coruche,
fundados. Em 1995, o Papa João Paulo II presidiu e de um seminário menor em Baltar (Porto), em
à cerimónia da sua beatificação. 1964. A fundação de Couço acabou por não
A Casa-Mãe da Congregação dos Sagrados Corações prosperar devido à distância a que se situava da
manteve-se em Paris até 1904, até à expulsão das capital lisboeta, sendo transferida para S.ta Iria da
ordens religiosas pelo governo francês. Daí deslocou- Azóia. Na década do Concílio Vaticano II, a
-se para a Bélgica e, em 1953, para a Itália, perma- Congregação contava com cerca de 40 membros,
necendo a sua sede em Roma até aos nossos dias. número que permitiu a elevação da missão portu-
Os Padres dos Sagrados Corações chegaram a guesa ao estatuto de Vice-Província.
Portugal em 1931, a pedido do Cardeal Patriarca No final da década de 60, no ambiente do pós-
de Lisboa, D. Manuel Cerejeira, para exercerem -Concílio, os Sagrados Corações sentiram algumas
funções docentes no Seminário dos Olivais. Para o dificuldades internas que implicaram a contingência
efeito, serviu de elo de contacto o P.e Mateu Crawley- de expulsão de alguns padres por suposta militância
-Boevey, um padre peruano que já em 1926 estivera em movimentos de oposição ao regime ditatorial e
em Portugal, altura em que chegou a privar P.e Gregório Verdonk (I) por defenderem ideias progressistas.

285
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SALESIANOS

Se a década de 60 foi de apogeu, a década seguinte 1995, a comunidade transferiu-se para a Paróquia informações e documentação com vários temas
representou o início do declínio. Houve, pois, uma de S. Bartolomeu da Charneca, por indicação do relacionados com a Congregação. Tem, desde os
redução significativa do número de contingente dos Patriarca de Lisboa, encontrando-se esta até hoje a anos 30, publicado a revista Reinado Social. Mais
Sagrados Corações e de obras devido à crise seu cargo. A outra paróquia confiada à Congregação tarde, esta revista tomou o nome de Reino de Deus
ideológica, política e social que se vivia em Portugal é a de S. Silvestre de Unhos, Catujal, localizada na no Mundo dos Homens.
e que afectou fortemente este Instituto. Além das periferia de Loures. Actualmente, a Congregação encontra-se espalhada
expulsões e da rarefacção das vocações, alguns Pelas comunidades encarregadas destas duas pelos cinco continentes, com comunidades em 35
padres quiseram regressar à Holanda desiludidos paróquias distribuem-se seis religiosos entre os quais países. O ramo masculino conta com cerca de 1100
com a situação da Congregação em Portugal. Henrique Scheepens, o Superior em Portugal, que membros e o ramo feminino com cerca de 900. É na
Neste contexto, encerrou-se o Seminário da Praia vive na Paróquia da Charneca. A estes seis membros Indonésia que a Congregação está mais implantada
da Vitória, em 1971, e, em 1974, o de Baltar. Apesar acrescem mais oito irmãs que entretanto se e a crescer significativamente. As grandes prioridades
da significativa quebra de efectivos, a Congregação estabeleceram noutra localidade, as Galinheiras, da Congregação continuam a ser a missionação (nos
permaneceu em Portugal: no início dos anos 70 pertencente à Paróquia da Charneca, e no Catujal. anos 90 surgem as missões das Filipinas e da Índia),
tinha perdido uma dezena de membros; e nos anos A 5 de Outubro de 1983, chegaram a Portugal, a educação (colégios) e a acção social.
80 viu-se reduzida a cerca de 20. Os membros em vindas da Província de Espanha, três religiosas: Maria
Moçambique mudaram de província, diminuindo, Antónia Velásquez, Gregória Marin, e Lina Casado. BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
assim, também o número. Instalaram-se na casa dos Padres, na Penha de França, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
Como consequência natural deste decréscimo, as no sentido de colaborar com estes na obra da Portuguesa, 2007, pp. 856-857; COURONNE, Bernard,
paróquias foram sendo gradualmente abandonadas Congregação: na pastoral, na catequese, no centro Andatierra: José María Coudrin, Fundador de la
pela Congregação: a Paróquia de S.ta Iria da Azóia social paroquial da Penha de França. Esta pequena Congregación de los Sagrados Corazones, Paris, Ed.
foi deixada em 1985, a de S. João da Talha, em comunidade feminina manteve-se nesta paróquia Reinado Social, 1997; OLIVEIRA, M. Alves, “Picpucianos”,
1995, a da Bobadela, em 1990, a da Penha de até ao ano 2000, data em que a Congregação deixa in Enciclopédia Verbo, Edição Século XXI, vol. 22,
França, em 2000. Até 1984 a situação jurídica da a Penha de França, comunidade paroquial que esteve Lisboa, Verbo, s.d.
Congregação em Portugal manteve o estatuto de a seu cargo cerca de 50 anos.
Vice-Província. A partir daquele ano mudou para o Em 1986, vieram mais três religiosas, também de JOSÉ EDUARDO FRANCO
estatuto canónico de região, perdendo sucessiva- Espanha, que prestaram um importante serviço em PAULA XAVIER
mente terreno até 2001. Desde este ano, a presença alguns dos bairros mais carenciados de Algés,
dos Sagrados Corações resume-se a duas comuni-
dades dependentes da Holanda encarregadas de SALESIANOS
trabalho pastoral e assistência social em duas O nome oficial deste instituto é Sociedade de São
paróquias de Lisboa. Francisco de Sales, mas é também conhecido por
Salesianos de Dom Bosco (SDB), tendo como
forma abreviada a denominação Sociedade ou
Congregação Salesiana. O Fundador escolheu para
titular e patrono da sua Congregação S. Francisco
de Sales (daí a designação de Salesianos), por ter
encontrado neste santo humanista, e sobremaneira
amável, o seu modelo no relacionamento com as
pessoas em geral e com as crianças e jovens em
particular, aos quais dedicou a vida inteira como
Igreja das Galinheiras, Lisboa (JEF)
educador. Era, de facto, nele que especialmente
pensava ao estabelecer a amabilidade como um dos
Concelho de Oeiras. Tal como os padres, também princípios básicos do seu sistema ou método
as religiosas acabaram impedidas de continuar o seu educativo.
trabalho social. O Fundador, João Bosco (1815-1888) ou D. Bosco,
O B.º das Galinheiras é parte integrante da Paróquia como ficou a ser mais conhecido, nasceu a 16 de
de S. Bartolomeu da Charneca. Actualmente, e desde Agosto de 1815 em Castelnuovo d’Asti (hoje
que a Congregação assumiu a administração da Castelnuovo Don Bosco), no Piemonte. Filho de
paróquia, são as irmãs dos Sagrados Corações que modestos camponeses, ficou órfão de pai aos dois
moram na casa paroquial desta localidade e animam anos incompletos, encontrando na mãe, Margarida
o Centro Social, desenvolvendo um trabalho de Occhiena, uma educadora exímia. Esta circunstância
grande relevo junto dos idosos e das crianças. de orfandade terá contribuído para o tornar
Centro Paroquial e Social da Igreja das Galinheiras, Lisboa (JEF)
Relativamente à construção da memória histórica, particularmente sensível a situações idênticas à sua
cada casa tem os seus assentos, as suas crónicas. em relação a inúmeras crianças, adolescentes e jovens
Em 1995, os Padres dos Sagrados Corações viram- Para além destes dados, existe correspondência entre com os quais entrou em contacto vivencial ao longo
-se obrigados a deixar a obra social desenvolvida na as comunidades, regiões e províncias e o Superior de toda a sua existência. No centenário da sua morte,
Pedreira dos Húngaros, o famigerado bairro caren- Geral, uma correspondência quinzenal, a partir de João Paulo II proclamou-o “pai e mestre da
ciado do Concelho de Oeiras, por não terem sido Roma, que neste momento se faz quase só via juventude” (Carta Juvenum patris, 31.01.1988).
contemplados no programa de realojamento da Internet. Cada província tem o seu boletim mensal Ordenado Presbítero em 1841, depois de ter
autarquia. Depois desta espécie de “expulsão” em e de Roma recebe uma publicação quadrienal com superado dificuldades duras e persistentes (a tena-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SALESIANOS

mas logo em 1853 começam a funcionar oficinas Domingas Mazzarello, o Instituto das Filhas de
internas, sendo a prática iluminada pela teoria. Maria Auxiliadora (congregação feminina) e a
Paralelamente ao ensino técnico, nasce o ginasial e Associação dos Cooperadores Salesianos. Esta última
o secundário para filhos de famílias mais ou menos – constituída por fiéis leigos, mas igualmente aberta
abastadas e com uma segura base humana e cristã, a eclesiásticos e inserida na realidade secular – surge
tendo especialmente em vista criar no Oratório um na linha da espiritualidade e acção apostólica das
ambiente propício ao desabrochar de vocações para Ordens Terceiras seculares ligadas às antigas ordens
religiosas. A Família Salesiana, inicialmente constituída
pelas três organizações ou grupos fundados por
D. Bosco, virá a enriquecer-se ao longo dos anos
com outros grupos animados pelo carisma ou espírito
bosquiano. Hoje são 25 os grupos que integram
oficialmente a Família Salesiana, entre institutos
religiosos, institutos seculares e associações laicais.
Neste conjunto merece-nos uma referência especial
o instituto secular Voluntárias de Dom Bosco (VDB),
nascido em 1917 por iniciativa do bem-aventurado
Filipe Rinaldi, terceiro sucessor de D. Bosco, e reconhe-
cido como Instituto Secular de Direito Pontifício por
Paulo VI em 1978.
D. Bosco, 1865 (I)
Bastaria o leque de obras que empreendeu, como
educador, e de forças vivas que organizou, como
Fundador, para nos apercebermos da robustez e
cidade é um dos traços marcantes do seu carácter), multiformidade da sua figura. Mas, se tivermos em
decide entregar-se inteiramente à educação da conta o alcance de outras formas de intervenção
juventude, em Turim, privilegiando a mais carenciada: mediante as quais D. Bosco se afirmou com não
durante as duas primeiras décadas de empenhamento menor empenho e eficácia – como as realizações
assistencial e educativo (1840-1850), a sua actuação no âmbito da comunicação social, nomeadamente
centra-se, efectivamente, naqueles que entravam da imprensa, o apoio aos emigrantes e a participação
maioritariamente na categoria de rapazes da rua ou na obra missionária através dos seus religiosos, o
se encontravam abandonados em relação à família esforço de paladino da cultura popular (ele que
Busto de S. João Bosco, Arouca (JAM)
e à sociedade. A partir de um sonho que teve aos editou e escreveu imenso para o povo), a mediação
nove anos e que vivamente o impressionou, sentiu- levada a cabo no campo das relações entre a Santa
-se movido por Deus a dedicar-se sem reserva a essa a vida sacerdotal e religiosa. Com a fundação de Sé e o Estado italiano no espinhoso período que se
missão. A modalidade pedagógico-institucional de colégios – e em larga escala – a partir dos anos 60, seguiu à integração da cidade de Roma no novo
que lança mão para atrair e orientar estes rapazes, D. Bosco, além da perspectiva vocacional, procura reino de Itália (1870) –, a figura de D. Bosco agiganta-
segundo os princípios da cidadania e da Fé cristã, responder aos apelos instantes de muitas famílias -se no horizonte da história. E mais ainda se destaca,
é o chamado “oratório festivo” ou dominical, que católicas, preocupadas em encontrar estabelecimentos se considerarmos a maneira como soube posicionar-
remonta a S. Filipe Néri (séc. XVI). Esta instituição de ensino contrapostos à escola pública laicizada e -se face à sociedade oitocentista sedenta de liberdade
assume com ele um novo rosto e uma nova dinâmica: nos quais os alunos, a salvo de perderem a Fé, a e às transformações socioeconómicas que nela se
funcionando de sol a sol como centro de acolhimento pudessem até desenvolver e consolidar. Nesta mesma foram operando sob o seu olhar atento. Embora
e proporcionando actividades recreativas, catequé- década de 1860, a obra de D. Bosco transpõe os contrário a acções de violência, não deixou de
ticas, cultuais e culturais, o oratório de D. Bosco confins da cidade de Turim atingindo outros lugares: reconhecer que, nos diversos movimentos revolu-
abre as portas a toda a classe de crianças e jovens, primeiro no âmbito do Piemonte, depois em diversas cionários do seu tempo, sobretudo nos que se
embora privilegie os mais abandonados, e tem partes da península e, a partir de 1875, interna- prendiam com o Risorgimento italiano, eram
carácter interparoquial. O primeiro oratório por ele cionaliza-se. Nesta altura contava já com um grupo detectáveis aspirações legítimas do povo a uma maior
criado, no B.º de Valdocco, com o nome de Oratório avantajado e decidido de jovens colaboradores por justiça social, a um mais amplo espaço de liberdade
de S. Francisco de Sales – o oratório por excelência ele formados e constituídos em congregação religiosa e a uma mais alargada participação cívica. Foi
entre os demais –, começa logo por promover cursos desde 1859, a qual seria definitivamente aprovada precisamente em semelhante contexto que D. Bosco
de alfabetização, através de aulas nocturnas, para como congregação de votos simples em 1869. É de se propôs desenvolver a sua obra promocional das
aqueles que já se encontravam fora da idade escolar. notar que a Sociedade de São Francisco de Sales classes mais desfavorecidas, especialmente no âmbito
Tal iniciativa traz consigo a necessidade de prolongar surge quase logo a seguir à supressão das ordens do mundo operário. Aliás, a questão operária esteve
a leccionação para além do domingo. E o número e congregações religiosas na Itália (1855) e, o que sempre presente no seu espírito e na sua actuação
cada vez maior de rapazes sem eira nem beira põe- é mais surpreendente ainda, sob o estímulo do de pastor e educador, sendo objecto de graves alertas
-lhe diante dos olhos uma outra necessidade principal instigador da lei supressória, o Ministro da sua parte em várias intervenções públicas na Itália,
premente: a de lhes proporcionar alojamento, Urbano Ratazzi, que aliás muito admirava D. Bosco na França e na Espanha. Atendendo a esta sua viva
alimentação e vestuário. O ensino no Oratório não e a sua obra dos oratórios. A fim de alargar o âmbito sensibilidade social e histórica, não admira que tenha
se fica pelas primeiras letras, mas a partir de inícios da sua intervenção promocional e educativa, além atraído as simpatias de figuras do mundo secular
dos anos 50 estende-se ao ensino das artes e ofícios. da Sociedade de São Francisco de Sales (congregação tais como: Crispi, Ratazzi, Nicotera e Zanardelli.
A princípio, os alunos frequentavam oficinas externas, masculina), funda em 1876, com S. ta Maria A figura de D. Bosco emerge sobretudo no campo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SALESIANOS

da educação. Solícito em estar próximo dos jovens, de acção que se inclui entre as prioridades apostó-
especialmente dos menos favorecidos, sensibilíssimo licas da missão salesiana” (art. 43); a dimensão
aos seus problemas e apostado no seu desenvol- missionária é “uma característica essencial da nossa
vimento integral, o que fundamentalmente o Congregação” (art. 30). A partir do Concílio
preocupa na tarefa educativa é levá-los a ser “cristãos Vaticano II e sob o impulso e as orientações dos
convictos e cidadãos responsáveis”, revelando assim últimos Capítulos Gerais, a Congregação Salesiana
uma atitude realista de quem, olhando para o céu, tem vindo a afrontar com determinação vários dos
tem os pés bem firmes na terra. O seu método
educativo insere-se na corrente da “preventividade”,
que tinha então outros adeptos dentro e fora da
Itália, e assenta no trinómio razão-religião-
-amabilidade ou, em termos equivalentes, bom
senso-fé-coração. Articulando num justo equilíbrio
estes três elementos, D. Bosco tem em vista criar,
particularmente nos internatos, um ambiente
comunitário que se aproxime o mais possível do
ambiente familiar, sob o olhar paterno de Deus e a
protecção materna de Maria. A devoção mariana, D. Miguel Rua, primeiro sucessor de D. Bosco,
sob o título de N. Sr.a Auxiliadora, constitui uma das Bem-Aventurado, desenho (I)

dimensões fundamentais da espiritualidade e da


pedagogia de D. Bosco. Em tal ambiente, a relação 841), 1940 (12 055, 877), 1950 (14 754, 1087),
superior-inferiores ou mestre-alunos deve ser idêntica 1960 (19 295, 1250), 1967 (21 614, 1196), 1970
à que existe entre pais e filhos, entre irmãos e entre (20 457, 669), 1975 (17 557, 526), 1980 (16 412,
amigos. Ambiente em que o clima de proximidade, 513), 1985 (17 046, 656), 1990 (16 984, 647), 1995
afecto, confiança, liberdade e alegria se harmonize (16 899, 657), 2000 (16 060, 523), 2004 (15 992,
com a indispensável exigência de ordem, seriedade 544). Como se vê, ao longo da sua história a
e disciplina, o que requer da parte de educadores Congregação Salesiana alcança o máximo de
Igreja dos Prazeres, Lisboa (I)
e educandos a não confusão e o respeito dos papéis professos em 1967 (21 614), dando-se a partir daí
específicos de cada um. No “sistema preventivo” uma quebra sensível até 1980 e notando-se nos 24
de D. Bosco ocupam lugar de relevo a formação anos seguintes uma certa estabilização à volta dos mais graves desafios que levanta a sociedade
estética, sobretudo mediante a música e o teatro – 16 000/17 000. hodierna, particularmente o mundo juvenil, procu-
considerados como factores da maior importância Nas diversas áreas geográficas e culturais em que rando contribuir com a sua quota parte para lhes
para a educação da sensibilidade e do espírito – e se foram inserindo, os Salesianos desenvolveram – dar resposta: desintegração da família, margina-
a formação social através do associativismo. Um e desenvolvem – as suas actividades, em consonância lização ou exclusão social, toxicodependência,
outro aspecto importante a sublinhar é a atenção com o carisma herdado do Fundador que visa delinquência juvenil, desenfreamento sexual, situações
que lhe merece o dinamismo dos centros de interesse prevalentemente a educação e o ensino, privilegiando de expatriação, de miséria e de fome. E como alguns
nos educandos que importa aproveitar ao máximo: as camadas juvenis mais desfavorecidas, como destes fenómenos se verificam com maior agudeza
cumpre “descobrir neles o germe das suas aptidões claramente o reafirmam as Constituições renovadas nos países do terceiro mundo, daí que exista um
e estimular o seu desenvolvimento. E, porque todos (1984): “Somos evangelizadores dos jovens, empenhamento acrescido em socorrer e dignificar
fazem de bom grado aquilo para que se sentem especialmente dos mais pobres” (art. 6). Na as populações degradadas desses países. Neste
inclinados, eu oriento-me por este princípio e os realidade, e ainda em vida do Fundador, os Salesianos sentido, merece destaque o Projecto África, lançado
meus alunos trabalham todos activamente e com estendem também significativamente a acção em 1977, por ocasião do XXI Capítulo Geral, nestes
entusiasmo” (MB XVII, p. 85). Esta intuição, partilhada educativa aos filhos da classe média, sobretudo termos: “Sem excluírem a possibilidade de intervir
por outros notáveis pedagogos que o precederam, através do ensino secundário e, em menor escala noutras zonas [...], os salesianos comprometem-se
preanuncia o movimento das chamadas escolas novas mas em ritmo crescente, do ensino universitário. a potenciar consideravelmente a sua presença em
ou activas de fins do séc. XIX e inícios do séc. XX. O predomínio ora das instituições mais voltadas para África”. Segundo o P.e João Vecchi (Superior Geral
Quando João Bosco morreu, a Congregação Salesiana os pobres ora das instituições mais voltadas para a de 1996 a 2002), o projecto África é “um dos
contava com 773 religiosos, presentes em nove países classe média tem variado de país para país e, dentro projectos missionários mais significativos da história
da Europa e da América do Sul. Com o seu sucessor, do mesmo país, em consonância com o variar dos da nossa Congregação”.
o bem-aventurado Miguel Rua (Superior Geral condicionalismos socioeconómicos ou políticos. Ainda Fez um século em 1994 que os Salesianos entraram
durante 22 anos), a cifra alcançava os quatro milhares de acordo com as Constituições renovadas, o carisma em Portugal. D. Bosco cedo começou a ser conhecido
em 1910 (ano da sua morte) e as presenças atingiam, de D. Bosco implica, como atrás se deu a entender, no nosso país: concretamente, a partir de finais da
para além das existentes no âmbito geográfico da outras formas de actividade que assumem o mesmo década de 1840 através da família Rademaker. Esta
Europa e da América do Sul – com aumento grau de importância concedido à educação e ensino, nobre família residiu em Turim desde 1829 a 1848,
significativo –, a América Central, a América do principalmente nos campos da comunicação social contraindo fortes laços de amizade com D. Bosco,
Norte e a Ásia. Algumas estatísticas que se seguem e das missões: “[Nós, salesianos,] somos evangeli- e um dos seus membros, o P.e Daniel Rademaker
mostram o ritmo evolutivo do conjunto numérico zadores da fé nos meios populares sobretudo através (irmão do jesuíta P.e Carlos Rademaker), colaborou
de professos e noviços desde a morte do Fundador da comunicação social [e] anunciamos o Evangelho com ele na obra dos oratórios na capital piemontesa.
até ao presente: 1888 (773 professos, 276 noviços), aos povos que o não conhecem” (art. 6); o sector De regresso a Lisboa em inícios de 1849, é natural
1910 (4001, 371), 1920 (4417, 499), 1930 (7652, da comunicação social “é um campo significativo que a família Rademaker desse em falar com

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SALESIANOS

entusiasmo na capital portuguesa do grande de S. José do Porto (propriedade da diocese).


educador italiano a quem admirava profundamente Nenhuma das outras obras dos primórdios volta para
e cuja obra o P.e Daniel desejava ver introduzida as mãos dos Salesianos, excepto o orfanato de Macau
entre nós. Posteriormente outros portugueses – (também dependente da diocese), que reabre logo
Eugénia Teles da Gama, Manuel Frutuoso da Fonseca, em 1912. Em contrapartida, vão surgindo em bom
Sebastião Leite de Vasconcelos, Conde de Samodães ritmo novas fundações ou intervenções do mesmo
(Francisco de Azeredo Teixeira de Aguilar), Cardeal tipo das anteriores quanto aos destinatários, as
D. Américo (Bispo do Porto), D. José Neto (Patriarca crianças e jovens pobres e abandonados: Oratório
de Lisboa), etc. – entraram também em contacto de S. José em Évora, a instâncias do Arcebispo Manuel
directo ou indirecto com D. Bosco e contribuíram Mendes da Conceição Santos (1926), missão em
para tornar cada vez mais conhecido em Portugal Díli-Timor, a instâncias do Bispo José da Costa Nunes
o seu nome e a sua obra educativa. Uma das figuras (Escola de Artes e Ofícios e paróquia) (1927), Asilo
mencionadas, o P.e Sebastião Leite de Vasconcelos de S.to António no Estoril (1932), Escola Agrícola
(mais tarde Bispo de Beja), que o contactou directa de Semide-Coimbra (1938), Casa Pia Masculina de
e demoradamente no Oratório de Turim em 1882, Évora (1941), missão em S. Nicolau de Cabo Verde
pede-lhe com muita insistência alguns salesianos (1943), Escola Profissional de S.ta Clara em Vila do
para o ajudarem na regeneração da juventude Conde (reeducação, 1944), missão de Timor (1946),
abandonada do Porto. No entanto, o contributo dos suspensa em 1929. Paralelamente a estas instituições,
Salesianos só muito mais tarde, já depois da morte são abertas as seguintes casas de formação
de D. Bosco, vem a concretizar-se, ao assumirem a congregacional: Seminário do Sagrado Coração de
Oficinas de S. José, Lisboa (I)
direcção da Oficina de S. José (1909). Outras Jesus em Poiares da Régua (1924), Instituto
solicitações, e de vários quadrantes, se sucedem no Missionário Salesiano no Estoril (junto ao Asilo de
sentido de fazer com que os Filhos de D. Bosco se de S. Francisco Xavier em Tanjor-Índia (1906), Escola S.to António, 1932), Instituto de S. João Bosco em
ocupem da educação dos jovens pobres e aban- de Artes e Ofícios na ilha de Moçambique (1907), Mogofores-Anadia (1938). Um sector relevante do
donados: Lisboa, Braga, Funchal, Moçambique, Orfanato de S. Tomé Apóstolo em Meliapor-Índia carisma de D. Bosco, a imprensa – e, mais ampla-
Macau, Timor, Meliapor – Índia (então dependente (1909), Oficina de S. José no Porto (1909). Com a mente, a comunicação social –, só vem a concretizar-
do padroado português). extinção das ordens e congregações religiosas em -se entre nós a partir de 1947, mediante a fundação
Braga foi a primeira cidade a acolher os Salesianos, 1910, os Salesianos são forçados a interromper todas das Edições Salesianas no Porto. De entre os aspectos
a instâncias do Dr. António Brandão Pereira e do as actividades até 1920 e a retirar-se na quase que caracterizam a actuação dos Salesianos, quer
jovem P.e Francisco Rodrigues da Cruz, cuja fama de totalidade para o estrangeiro. nos primórdios, quer na restauração, salientamos os
santidade era já um facto. Os filhos de D. Bosco seguintes. As instituições que tomam a seu cargo
assumiram a direcção do secular Colégio dos Órfãos são estabelecimentos todos eles de tipo assistencial
de S. Caetano em 1894, o qual, fundado por D. Fr. e na maior parte já existentes, voltados para a
Caetano Brandão em 1791, vinha prestando promoção social dos jovens carenciados mediante
assistência e educação a rapazes pobres, na sua a aprendizagem de uma arte ou ofício. Tal particu-
quase totalidade, e do qual o P.e Cruz era então laridade corresponde, aliás, ao género de solicitações
director e António Brandão Pereira provedor. Dois que lhes eram dirigidas de diversas proveniências
anos depois, os Salesianos respondiam ao apelo de neste único sentido. E obedece à palavra de ordem
várias personalidades no sentido de tomarem também do iniciador da obra salesiana em Portugal, o P.e
a seu cargo, em Lisboa, as Oficinas de S. José, Pedro Cogliolo, que em 1903 assim escreve ao
instituição fundada alguns anos antes por Isabel Casa Juvenil S. João Bosco, Porto (I) Superior Geral: “Importa que as autoridades e o
Maria de Lacerda Castelo Branco e Mons. Francisco povo possam dar-se conta de que as nossas casas
Herculano Cordeiro, destinada a ocupar-se da Em 1920, dá-se o início da restauração da Província não são pensionatos. Por isso, especialmente aqui
educação de rapazes entre os mais abandonados Portuguesa com a reabertura das Oficinas de S. José [em Portugal], não convém ir para o ensino liceal
da capital portuguesa. Tratava-se, tal como no caso de Lisboa, cuja sede os Salesianos conservaram [‘corsi letterari’]. Artes e ofícios, escolas gratuitas
do Colégio de S. Caetano de Braga, de uma escola- sempre em sua posse, à sombra da bandeira e tutela para os mais pobres e nada mais”. Semelhante
-internato de artes e ofícios. Em 1897, igualmente italiana. Em 1922, é a vez da reabertura da Oficina palavra de ordem, ao contrário do que se verificava
em Lisboa, surge o Colégio do Sagrado Coração de na Itália e noutros países (Brasil, por exemplo), em
Jesus (casa de formação) na Quinta de Pinheiro de que o ensino secundário era também e significa-
Cima às Laranjeiras, onde está hoje sediada a tivamente ministrado, mantém-se inalterada até
Embaixada dos Estados Unidos. Já no princípio do meados do séc. XX. Paralelamente às actividades
séc. XX, antes da revolução republicana de 1910, específicas das escolas-internatos de artes e ofícios,
os Salesianos aceitam a direcção de mais algumas é em geral desenvolvida a actividade oratoriana,
instituições, tendo todas elas em vista assistir e orientada também e sobretudo para crianças e jovens
promover a juventude pobre e abandonada através pobres e tendente a alargar a acção evangelizadora
da educação humana e cristã e da aprendizagem e humanizadora, para além do âmbito da escola
de uma arte ou ofício: Orfanato João Baptista propriamente dita, de modo a atingir não só a
Machado em Angra do Heroísmo (1903), Oficina de população juvenil de uma determinada zona,
S. José em Viana do Castelo (1904), Orfanato da geralmente urbana, mas também, por meio dela,
Imaculada Conceição em Macau (1906), Orfanato Colégio dos Órfaos, Porto (I) as famílias e o meio ambiente. Esta forma ampla de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SALESIANOS

humanização e evangelização, através do contacto ultramar dela dependentes: Timor (até 1983), Macau betismo generalizado nas massas populares e integrar
personalizado e cordial, prende-se com os oratórios (até 1999), Cabo Verde e Moçambique. Nestes no mundo do trabalho, durante várias décadas, um
festivos, que funcionavam geralmente nas depen- territórios, sobretudo em Moçambique, a actividade número apreciável de operários instruídos e tecnica-
dências dos internatos. É dada uma grande desenvolvida pela província no campo do ensino mente qualificados. Com a substituição das escolas-
importância à formação artística sobretudo através técnico-profissional ocupa um lugar de primeiro -internatos de artes e ofícios por colégios em regime
do teatro e da música (bandas e grupos corais). plano. de externato ou semi-internato, aumentou considera-
E é viva a preocupação em promover as vocações, velmente a população escolar e o número de cola-
embora os meios disponíveis para a sua formação boradores leigos. Estes, em sintonia com o espírito
adequada fossem bastante precários. salesiano, constituem hoje o suporte quase total do
Em meados do séc. XX, os Salesianos começam a ensino nos diversos estabelecimentos mantidos pela
alargar o âmbito do ensino, até aí restringido às Província Portuguesa. Tal não se deve apenas à
escolas de artes e ofícios, abrindo gradualmente
algumas das suas instituições ao ensino liceal: Estoril

Escola Salesiana de Manique, Alcabideche (I)

A imagem de um D. Bosco inteiramente empenhado


em socorrer e promover as crianças e jovens pobres
e desamparados – correspondente à primeira fase
da sua actuação social e pedagógica (décadas de
Lar da Paz, Madeira (I)
1840-1860) – é a que domina, de forma redutora,
na imprensa e na opinião pública portuguesa de
finais do séc. XIX e primeira metade do séc. XX. E diminuição, cada vez mais acentuada, de vocações
Escola Salesiana de Artes e Ofícios, Funchal (I) é também essa a imagem que, em exclusivo, os consagradas. Deve-se também, e sobretudo, ao facto
próprios salesianos da Província Portuguesa explicitam de se reconhecer que a presença participativa e
nesse espaço de tempo através das obras a que dão formativa dos leigos nas instituições educacionais
(1950), Évora (1952), Funchal (1952), Vendas Novas vida e das actividades a que se entregam. Uma das orientadas por religiosos ou clérigos é imprescindível
(1957). Com a revolução de 25 de Abril de 1974, razões que levou os salesianos fixados no nosso país para que os educandos tenham a possibilidade de
que impõe a unificação do ensino, já anteriormente a fazer a opção exclusiva pelos jovens pobres e se confrontar saudavelmente com os diversos
propugnada pelo Ministro Veiga Simão, as escolas abandonados foi o facto de as solicitações conver- modelos de vida que integram a Igreja e a sociedade.
técnico-profissionais, que caracterizavam a tradição girem todas neste único sentido, ao contrário do
educativa salesiana em Portugal, dão lugar, por que sucedeu na Itália, e ainda em vida do Fundador, BIBLIOGRAFIA: ANJOS, Amador, Primeira Presença dos
inviabilidade, a colégios (ensino básico e secundário), onde este foi pressionado por alguns bispos e por Salesianos em Portugal (1894-1910), Lisboa, 2000;
nos quais se torna dominante a população estudantil, muitas famílias católicas a abrir colégios atrás de ANJOS, Amador, Oficinas de S. José: Os Salesianos
masculina e feminina, proveniente da classe média. colégios para alunos da classe média. Uma outra em Lisboa, Lisboa, Colégio Salesiano Oficinas de S.
Assim é em Lisboa (Oficinas de S. José), no Porto razão, intimamente ligada à primeira, pode ter sido José, 1999; A NJOS , Amador, Os Salesianos em
(Colégio dos Órfãos) e Funchal (Escola de Artes e o sentimento de profunda compaixão experimentado Portugal: Actos Comemorativos do Centenário,
Ofícios) e também em relação a outros tipos de pelos iniciadores da obra salesiana entre nós, face Lisboa, Província Portuguesa da Sociedade Salesiana,
obras que mudam de fisionomia, localizadas em à situação de extrema pobreza que então se vivia 1998; ANJOS, Amador, Centenário da Obra Salesiana
Évora (Oratório de S. José), Estoril (Asilo de S. to no nosso país. De tal modo que nem lhes terá em Portugal (1894-1994), Lisboa, Província
António), Poiares da Régua (Seminário do Sagrado passado pela cabeça tentar outra experiência que Portuguesa da Sociedade Salesiana, 1995; Anuário
Coração de Jesus), Mogofores (Instituto de S. João não fosse o trabalho promocional com os jovens Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado
Bosco), Manique de Baixo (Instituto Missionário desamparados ou filhos da classe operária, com Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007,
Salesiano). A longa tradição de trabalho promocional pouquíssimas esperanças de singrar na vida. É o que pp. 857-859; BRAIDO, Pietro, Don Bosco Prete dei
entre os jovens pobres, especialmente do mundo aliás se pode inferir da citada carta de Pedro Cogliolo Giovani nel Secolo delle Libertà, 2 vols., Roma, LAS,
operário, tem mantido desperto nos salesianos da ao Superior Geral em 1903: “Por isso, especialmente 2003; BRAIDO, Pietro, Prevenire: Non Reprimere – Il
Província Portuguesa o desejo de recuperar, pelo aqui [em Portugal] não convém ir para o ensino Sistema Educativo di Don Bosco, Roma, LAS, 1999;
menos em parte, o ensino técnico-profissional, por liceal. Artes e ofícios, escolas gratuitas para os mais BRAIDO, Pietro (a cura di), Don Bosco nella Chiesa a
ter sido uma das facetas mais características da pobres e nada mais”. Entretanto, a manutenção de Servizio dell`Umanità, Roma, LAS, 1987; B RAIDO ,
intervenção social e pedagógica dos Filhos de D. escolas para alunos gratuitos, na sua quase totalidade, Pietro, et alii, Don Bosco Educatore Oggi, Zürich,
Bosco no mundo e particularmente em Portugal. implicou enormes sacrifícios, pois houve que recorrer PAS-Verlag, 1963; CERIA, Eugenio, Annali della Società
Uma resposta concreta, embora muito limitada, foi constantemente à beneficência particular, precária Salesiana, 4 vols., Torino, SEI, 1941-1951; DESRAMAUT,
o lançamento do Curso Tecnológico de Artes Gráficas e sempre oscilante, já que o Estado só ocasionalmente Francis, Don Bosco en Son Temps (1815-1888),
e Transformadoras do Papel no Colégio dos Órfãos disponibilizava algum magro subsídio. Foi através Torino, SEI, 1996; LEMOYNE, Giovanni Battista, et alii,
do Porto, em 1992. Mas o que deixou de ser uma de uma dedicação constante e abnegada que os Memorie Biografiche di Don Giovanni Bosco (MB),
realidade significativa no espaço europeu da Província pioneiros da obra salesiana em Portugal contribuíram 19 vols., Torino, S. Benigno Canavese, 1898-1948;
Portuguesa passou a sê-lo nos territórios do antigo com a sua quota parte para combater o analfa- S PALLA ,Giuseppe, Don Bosco e il Suo Ambiente

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SCALABRINIANOS

Sociopolitico, Torino, LDC, 1975; STELLA, Pietro, Don João Batista contava com 23 anos quando foi os seus corações naquele momento. Eram anciães
Bosco nella Storia Economica e Sociale, Roma, LAS, ordenado Sacerdote a 30 de Maio de 1863. Durante curvados pela idade e pelas fadigas, homens na flor
1980; STELLA, Pietro, Don Bosco nella Storia della os primeiros meses da sua ordenação, exerceu a sua da idade; senhoras que arrastavam os filhinhos atrás
Religiosità Cattolica, 3 vols., Zürich/Roma, PAS-Verlag, actividade pastoral em algumas paróquias e pouco de si, ou os carregavam ao colo; meninos e meninas,
1968, 1969, 1988; WIRTH, Morand, Da Don Bosco tempo depois decidiu tornar-se missionário. Foi Vice- […] todos irmanados por um só pensamento e
ai Nostri Giorni, tra Storia e Nuove Sfide, Roma, -Reitor do Seminário de San Abundio – onde anos guiados por uma única meta. Eram emigrantes”
LAS, 2000. antes ele próprio tinha estudado – e professor de (SCALABRINI, Giovanni, L’ Emigrazione…, pp. 3-4).
História e Grego. Dedicou-se com afinco à preparação Despertou assim, no coração do Fundador, o sentido
AMADOR ANJOS dos futuros sacerdotes, não apenas como um da acção apostólica de um movimento de apoio aos
compromisso didáctico, mas como uma convicção que se encontravam nas dificuldades provocadas
de transmitir aos jovens o sentido da vocação. Em pela emigração. Scalabrini sabia que, desde sempre,
SCALABRINIANOS 1868, assumiu o cargo mais alto da Instituição, a civilização humana se tinha formado através de
A Congregação de Missionários de São Carlos sendo nomeado Reitor. Dois anos depois foi nomeado várias formas de mobilidade. Como cristão não pode
(conhecida por Scalabrinianos) foi fundada a 28 de Pároco da Paróquia de San Bartolomé – uma das ficar alheio ao que o rodeava. Apesar de convicto
Novembro de 1887 pelo P.e João Batista Scalabrini principais paróquias da cidade. Em Carta Apostólica que a emigração devia ser considerada um bem,
(1839-1905), em Piacenza – Itália. É uma instituição de 28 de Janeiro de 1876 de Pio IX, Scalabrini foi comercial e cultural, Scalabrini não se esqueceu da
religiosa da Igreja Católica, de carácter internacional, eleito Bispo pelos seus “méritos como educador e dramaticidade do fenómeno de emigração, pelo que
que nasceu no momento da grande migração dos pároco”. provocava e pelo modo como se produzia. Acreditou,
italianos rumo às Américas no final do séc. XIX. Foi De toda a sua vida de sacerdote, a fundação de para além dos acidentes da história, que era possível
o período mais dramático da emigração italiana, uma congregação religiosa dedicada à cura dos a unificação do género humano através de Cristo.
males resultantes das migrações, tanto nas suas Viu que a história mostrava a permanência do
causas como nos seus efeitos, invocando a palavra fenómeno da migração em todo o mundo, tornando
de Deus, foi a sua obra mais importante. É do seu urgente um movimento de missionários para amparar
Fundador que nasce a denominação “Scalabrinianos”. os que se encontravam na situação de deslocado.
O fenómeno do êxodo sentido no seu país fez João Fiel à visão cristã do homem e da sociedade,
Batista Scalabrini viver um momento que definiu, Scalabrini colocava no centro do fenómeno migratório
a pessoa humana, opondo-se à concepção redutora
das ideologias que identificavam sempre o fenómeno
migratório unicamente como um aspecto socio-
económico. Foram vários os títulos que lhe atribuíram:
Apóstolo do Catecismo, Príncipe da Caridade, Bispo
Missionário, entre outros. A 9 de Novembro de 1997,
o Papa João Paulo II proclamou João Batista Scalabrini
Beato e Apóstolo dos Migrantes.
Composta hierarquicamente por um Superior Geral,
um Vigário Geral e 4 Conselheiros Gerais, sediados
em Itália, a Congregação dos Scalabrinianos serve
hoje 20 nações: Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil,
Canadá, Chile, Colômbia, Filipinas, França, Alemanha,
Inglaterra, Itália, Luxemburgo, México, Paraguai,
Beato J. B. Scalabrini (I)
Portugal, Estados Unidos da América, Suíça, Uruguai
e Venezuela. Nestes países, encontram-se espalhados
tanto pela quantidade que rondou os 25 000 000 por mais de 180 cidades. Para responder às necessi-
de pessoas, como pelo estado de absoluto aban- dades dos migrantes, a Congregação possui centros
dono em que esta se encontrava. O “Padre dos de acolhimento, residências para migrantes idosos,
Emigrantes”, como é chamado, nasceu numa centros de estudo e de investigação, bem como
pequena aldeia de Como, perto de Milão, a 8 de casas de formação para religiosos e laicos.
Julho de 1839, filho de Luís e Colomba Scalabrini.
Pintura da entrega do crucifixo aos primeiros missionários
Contava 18 anos quando o seu pai escreveu ao
scalabrinianos, 28 de Novembro de 1887 (I)
Vigário Capitular de Como solicitando que fosse
admitido no Seminário Filosófico de San Abundio.
Infelizmente morreria pouco depois, ficando João para sempre, as linhas da sua acção pastoral: “Em
Batista Scalabrini aos cuidados da sua mãe. Com Milão, há vários anos, assisti a uma cena que me
ela aprendeu a devoção ao crucifixo – característica deixou na alma um sentimento de profunda tristeza.
da sua espiritualidade. Contudo, a morte do seu Passando pela estação, vi o salão, os pórticos laterais
progenitor não o demoveu do seu caminho, e a praça tomados por trezentas ou quatrocentas
encontrando na sua mãe alguém com quem pessoas mal vestidas, divididas em diversos grupos.
compartilhava a sua vocação de sacerdote. Os seus Nas suas faces bronzeadas pelo sol e sulcadas pelas
primeiros estudos fê-los na escola primária de Fino rugas precoces que a penúria foi imprimir, trans-
Mornasco e mais tarde no Liceu Volta de Como. parecia a agitação dos sentimentos que invadiam Visita pastoral ao Brasil, em 1904 (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS SENHOR JESUS DA BOA MORTE E CARIDADE

A Paróquia de Amora (Diocese de Setúbal) seria a teológicos e filosóficos que duram quatro anos e devida ao Reitor da Paróquia de S. ta Isabel
primeira a conhecer a presença dos Scalabrinianos são realizados num dos cinco Seminários de Teologia (26.03.1758) que respondeu ao inquérito paroquial
em Portugal em 1971. Nesse ano chegavam a (Roma, Canadá, Argentina, Brasil e Filipinas), que a do Ministério do Reino. Na Paróquia da Ajuda, e no
Portugal três missionários, 2 do Brasil e um de França. Congregação Scalabriniana possui. Terminados estes sítio de Alcântara, também existia uma ermida, ou
Desde os anos 60 que os portugueses eram estudos, o recente membro da Congregação abraçará quase igreja (L. do Calvário) de análoga invocação,
acompanhados pela Congregação nas suas migra- a vida junto dos migrados na sua acção de missionário. aliás frequente no país, às portas de Lisboa tendo,
ções, em especial para a Europa, sendo assim natural São herdeiros espirituais em plena expansão em todo no alto de um monte sobranceiro a Vila Franca de
esta chegada ao país luso. Doze anos depois do o mundo, inspirados no mesmo carisma dos Xira, a bonita e exótica Ermida do Sr. Jesus da Boa
aparecimento em Portugal, foi a vez de a Paróquia Scalabrinianos, os Leigos Missionários Scalabrinianos.
de Telões (Diocese de Vila Real) viver o carisma Dedicam-se à evangelização entre os migrantes nas
scalabriniano e mais tarde a Paróquia de Pardilhó formas leigas da vida quotidiana. Este movimento,
(Diocese de Aveiro). Actualmente, os Scalabrinianos ainda recente, é organizado em grupos, cada qual
em Portugal possuem um seminário na Amora com a sua própria equipa de coordenação. Esta equipa
preparando os jovens para servir os migrantes tem como fim a formação dos seus membros e o
portugueses nas várias partes do mundo. reforço da rede de comunicação e troca entre membros
“É uma caminhada de vários anos de preparação de outros movimentos que seguem o mesmo carisma.
para uma entrega total a Deus, no serviço do Neste movimento o elemento estrutural é a laicidade.
migrante, através da vida religiosa e do ministério O Fundador da Congregação dos Scalabrinianos, João
sacerdotal” (MISSIONÁRIOS DE SÃO CARLOS, Missionários…, Batista Scalabrini, considerava já importante a
p. 44). A formação do scalabriniano compreende contribuição dos leigos na vida política, testemunhando
quatro etapas: uma primeira etapa onde o jovem uma vida cristã da sociedade. Na sociedade actual
Ermida do Sr. Jesus da Boa Morte, Vila Franca de Xira (PCC)
ou adolescente, descobrindo a sua vocação, será em que a mobilidade dos povos é muitas vezes
acompanhado por um Promotor Vocacional, imposta, torna-se fundamental a contribuição do
mantendo-se, contudo, no seio da sua família e da movimento dos leigos, na tentativa de atenuar os Morte, padroeiro dos toureiros, que da ermida têm
educação comum. Quando chega ao 10.º ano de problemas que essa mesma mobilidade comporta. feito curioso museu de tauromaquia. A Congregação
escolaridade ou atinge os 17 anos, o Promotor O carisma scalabriniano continua a agir no tempo e foi iniciada pelo pedreiro António dos Santos Prazeres,
Vocacional propõe a continuação dos seus estudos no espaço, marcando presença na obra de evan- da Freguesia de Camarate, que edificou uma ermida
no seminário, o que corresponderá à segunda etapa gelização, contribuindo para melhorar a vida dos que com as suas próprias mãos, no sítio de Buenos Aires
da sua formação e onde “o jovem é levado a tomar se encontram migrados tendo como instrumento a (Lisboa), sítio esse um pouco acima da actual Basílica
consciência do seu crescimento e do seu compromisso solidariedade. A missão pela qual se guiam através da Estrela, quando esta zona ainda pertencia à
vocacional na Igreja de Cristo” (MISSIONÁRIOS DE SÃO deste carisma continua a ser a da comunhão entre Paróquia de S.ta Isabel, antes da criação da Paróquia
C ARLOS , Missionários…, p. 44). O Noviciado é a as diversas culturas, no respeito pelas diferenças e na de N. Sr. a da Lapa, com sede naquela basílica.
promoção da cultura e da fé das pessoas e dos povos. Concluída a ermida (1728), para o que obteve boas
esmolas, colocou nela a imagem do Senhor Jesus
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, da Boa Morte, vindo a oferecer a ermida para
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal habitação e eventual comunidade mendicante, os
Portuguesa, 2007, pp. 859-860; LEIGOS MISSIONÁRIOS, Eremitas Descalços de São Paulo do Convento das
Regulamentos, Lisboa, Obra dos Leigos Missionários, Covas de Monfurado (Montemor-o-Novo). Aceite a
1963; MISSIONARI DI SAN CARLO-SCALABRINIANI, Giovanni oferta, para lá se transferiu, com outros confrades,
Battista Scalabrini, Beato, Roma, Missionarie Secolari o P.e Baltasar da Encarnação (fundador das Covas),
Scalabriniane, 1998; M ISSIONARI D I S AN C ARLO - nele entronizando o Santíssimo Sacramento (1730).
-S CALABRINIANI , Direzione Generale Missionari Em 1740, D. João V deu licença para a fundação do
Scalabriniani, Roma, 1986; MISSIONÁRIOS DE SÃO CARLOS, convento, cujas Constituições foram aprovadas pelo
Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), Amora, Patriarca D. Tomás de Almeida. De um modo geral,
MSC, 1991; SCALABRINI, Giovanni Battista, Scalabrini seguiam a Regra, um tanto modificada, dos Eremitas
e le Migrazioni Moderne, Torino, Società Editrice Descalços de São Paulo das Covas de Monfurado,
Internazionale, 1997; SCALABRINI, Giovanni Battista, vivendo “quaresmalmente” sem qualquer espécie de
L’ Emigrazione Italiana in América, Piacenza, Amico benefício ou rendas, mas apenas das esmolas.
del Popolo, 1887. Logo que tomaram lugar na ermida, deitaram o
Símbolo episcopal do Beato Scalabrini (I)
hábito ao protofundador, o pedreiro António dos
MAFALDA NEVES PEDROSO Santos, que continuou o seu trabalho de pedreiro,
próxima etapa, com duração de dois anos: “É o começando a fazer cubículos para celas de frades.
momento mais forte para uma escolha esclarecida Por hábito vestiam uma túnica interior parda, um
e comprometedora, compromisso que é assumido SENHOR JESUS DA BOA MORTE hábito exterior preto, com palma verde no ombro
para toda a vida” (M ISSIONÁRIOS DE S ÃO C ARLOS , E CARIDADE, Congregação do esquerdo e outra palma verde no escapulário, capelo
Missionários…, p. 44). É nesta etapa que o jovem Uma das mais antigas notícias acerca da Congregação ou capuz curto, e usavam barba. Trabalhavam como
se entrega a Deus através da Consagração Religiosa. do Senhor Jesus da Boa Morte e Caridade, aliás missionários de rua, onde cantavam o terço, pediam
Esta termina com a Profissão Religiosa que torna o modesta mas interessante, foi-nos legada por João para os pobres e os presos, assistiam os moribundos
jovem Membro da Comunidade Religiosa Scalabri- Bautista de Castro (C ASTRO , João Bautista de, e confessavam a qualquer hora do dia ou da noite,
niana. A última etapa é dedicada aos estudos Mappa…, p. 55), complementada por uma outra, tendo confessionário público com porta para o

292
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS TEATINOS

caminho da R. de Buenos Aires. Nunca constituíram Desde logo quis proceder ao desagravo do santíssimo, TEATINOS
património imóvel, dispondo apenas da referida casa, e imaginando um pequeno memorial, fez dele a A Congregação dos Clérigos Regulares (ou Teatinos,
que dificilmente albergaria os 50 membros da traça, obteve apoios, incluindo o terreno para o Ordem dos Clérigos Regulares, Caetanos, Clérigos
fundação, já restringidos a 30 em 1758 e progressi- construir, a licença do patriarca, e ainda o apoio das Regulares Teatinos da Divina Providência, Clérigos
vamente diminuindo até ficar deserto. A propriedade Bernardas de Odivelas que prometeram sustentar o Regulares de São Caetano de Thiene) foi fundada
da casa valia 5560 réis, valor modesto, e dos bens pedreiro enquanto durassem as obras, concluídas em Roma, no ano de 1524, por Caetano da Thiene,
móveis, só livros, trasladados para a Biblioteca Central (05.11.1744) e logo sagradas com a presença de Padre secular, e por Giovanni-Pietro Caraffa, futuro
da Marinha (1833). povo dos arredores. O monumento é constituído Papa Paulo IV, na altura Bispo de Chieti (palavra
por um espaço trapezoidal, onde se ergue um italiana que passou a latim como Theati). Nesse
alpendre assente em quatro colunas em cujo cimício mesmo ano, a 24 de Junho de 1524, o Papa
se acham quatro urnas ou fogaréus e, no topo, um Clemente VII emitiu a bula que confirmaria esta
relicário em vidro com o crucifixo. Um friso de três Congregação. Segundo o texto da mesma, os seus
anjos unidos pelas asas faz guarda de honra ao membros eram obrigados aos três votos (castidade,
crucifixo. Na cartela da face dianteira lê-se: obediência e pobreza), deviam viver em comunidade,
“AQVI/OCCVLTOV AINGRATIDAÕ/DOMAIOR ROVBO cada membro deveria usar um hábito semelhante
AINSOLENCIA/MAS LEVANTOV ACLEMENCIA/ ao dos clérigos seculares e o seu Superior seria eleito
AMEMORIA DO PERDAÕ”, tudo em fina escultura por um período de três anos. A 14 de Setembro de
de pedra. Além de outras inscrições memoriais, lê- 1524 foram feitas as profissões solenes, nas quais
-se que a obra foi custeada com esmolas dos fiéis. os Fundadores renunciaram aos seus bens materiais.
Ao topo, numa parede, existe um aparelho de azulejos As origens desta Congregação assentaram num
em 12 painéis, narrando a história do sacrilégio, uma movimento de renovação da Igreja Católica, ainda
verdadeira banda desenhada em azulejo. anterior às directivas que sairiam do Concílio de
A zona de Carriche tornou-se então mais frequentada Trento. Os Teatinos defendiam um estilo de vida de
por devotos e visitantes piedosos, a par das famílias grande austeridade e de extrema pobreza, promo-
que, sobretudo aos domingos, saíam de Lisboa para vendo também uma certa renovação litúrgica, no
as “hortas”. Com o tempo, além do curral de tocante aos textos e às próprias cerimónias. Os seus
mudança das parelhas de cavalos que faziam o dois Fundadores serviram como modelos para os
correio (Malaposta) do Oeste – essa Malaposta deveio restantes congregados e Caetano da Thiene acabou
Ermida do Sr. Jesus da Boa Morte, Vila Franca de Xira (PCC)
matadouro e, hoje em dia, é um teatro –, chegou por ser beatificado em 1629 e canonizado em 1671.
a existir um pequeno hotel que, segundo a tradição, O primeiro texto estruturante desta Congregação
O convento já não aparece nas Listagens de Rendas seria uma ampla vivenda de rés-do-chão e andar, seria da autoria de Giovanni-Pietro Caraffa, as
das Congregações de 1827/1828, e o decreto com vasta horta e curral, num conjunto que foi Constitutiones Clericorum Regularium, aprovadas
(09.08.1833) definido pelo P.e Marcos Pinto Soares destruído para dar lugar ao viaduto do metropolitano. pelo Papa Clemente VIII, a 28 de Julho de 1604.
Vaz Preto limitou-se a suprimi-lo (Sentença de Considerando a frescura do sítio, e o denso arvoredo Apesar de terem desempenhado um importante
26.11.1833) por inactivo. O reduzido pessoal rema- de olivais (Olival Basto), o hotel chamava-se Nova papel no contexto da Europa pós-tridentina, a
nescente teria sido integrado nos Eremitas de São Sintra e ainda hoje em dia pessoas mais antigas dispersão dos Teatinos pela Europa teve um início
Paulo, congregação por fim também extinta. chamam o sítio por aquele nome. Quanto à jurisdição lento, facto talvez explicado pelo seu modo de vida
Desta Congregação recebemos um bem patrimonial, do santuário, houve disputas entre as Freguesias do de grande austeridade.
artístico e religioso, o pequeno Santuário do Sr. Lumiar e de Odivelas, à qual por fim pertenceria. A chegada desta Congregação a Portugal foi um
Roubado, hoje em dia pertencente à Freguesia de Infelizmente, por causa das rodovias, o monumento pouco tardia. No entanto, segundo a correspondência
Odivelas, ao fundo da antiga Calçada de Carriche, está numa situação de alto risco. entre Pedro de Alcáçova Carneiro e o embaixador
transformada em via rápida. O santuário, ou Baltasar de Faria, já em 1542 existiria um projecto
monumento, tem origem num desacato cometido BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, F. de, História da Igreja em para a fundação, em Lisboa, de um colégio de
(11.05.1671) por um “moço de soldada” que Portugal, Ed. Damião Peres, Porto, Liv. Civilização, Teatinos, o qual não chegou a acontecer.
assaltou a Igreja Paroquial de Odivelas, e violou os 1968, pp. 199 e 201; ANDRADE, António Banha (dir.), A Índia acabou por ser o primeiro território português
sagrados vasos, enterrando algumas hóstias Dicionário de História da Igreja em Portugal, vol. II, a receber membros desta Congregação. Os primeiros
consagradas num canavial, a caminho de Carriche, Lisboa, Ed. Resistência, 1983, p. 720; BARATA, Paulo teatinos a chegar a Goa foram enviados, em 1639,
a seguir à Ribeira de Caneças, que corre aos pés de J. S., Os Livros e o Liberalismo: Da Livraria Conventual como missionários. Esta acção missionária teve a
Odivelas. O delinquente, de nome António Ferreira, à Biblioteca Pública, Lisboa, BN, 2003, p. 219; CASTRO, autorização do Papa Urbano VIII, baseando-se num
foi entregue ao poder secular e impiedosamente João Bautista de, Mappa de Portugal Antigo e decreto da Sagrada Congregação De Propaganda
garrotado e queimado em fogueira. No local do Moderno, 3. a ed. revista, t. II, Lisboa, Tip. do Fide, datado de 11 de Julho de 1639, o qual
escondimento das hóstias consagradas, alguém Panorama, 1870, p. 55; LEAL, Pinho, Portugal Antigo consagrava como território de missão o reino de
espetou uma cruz de pau de modo a assinalar a e Moderno, t. II, Lisboa, 1875, p. 495; GOMES, J. Dacan (Hidalcão).
memória do acontecido. Já se haviam passado uns Pinharanda, Povo e Religião no Termo de Loures, No dia 25 de Outubro de 1640, chegavam a Goa
70 anos, quando o pedreiro António dos Santos, Paróquia de Santo António dos Cavaleiros, 1972, os primeiros membros da Congregação: Pedro
que andava a talhar pedra no sítio de Paradela (na pp. 13-22; PORTUGAL, F., MATOS, Alfredo, Lisboa em Avitabile, António Ardizzone Spínola, Francisco
encosta entre Odivelas e Póvoa de S. to Adrião), 1758: Memórias Paroquiais de Lisboa, Lisboa, Câmara Manco e Andrés Lippómano.
descobriu a cruz pregada numa oliveira, no meio Municipal de Lisboa, 1974, p. 141. Com a chegada ao poder da Dinastia de Bragança,
das canas, e indagou o significado do sinal, que lhe a presença desta Congregação em território goês é
foi explicado por um agricultor residente na zona. JESUÉ PINHARANDA GOMES colocada em risco, mormente como consequência

293
ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS TOMINA

do Decreto de D. João IV, que ordenava a expulsão D. João V, acompanhado de muita nobreza da Corte. TOMINA, Congregação da
de todos os estrangeiros, tanto religiosos como A Ordem dos Clérigos Regulares acabaria por ser extinta A Congregação da Tomina é também conhecida
seculares, que se encontrassem no território da Índia através do Decreto de 28 de Maio de 1834, terminando, como Congregação dos Clérigos Regulares da
portuguesa. Após muita controvérsia, em 1648 apenas deste modo, a sua presença em Portugal e em Goa. Tomina, Congregação de Nossa Senhora das
se encontravam em Goa dois religiosos teatinos, Esta Congregação destacou-se por ter entre os seus Necessidades da Tomina, Congregação dos Clérigos
Ardizzone e Avitabile. A população de Goa, no geral, membros vultos de grande importância no campo Agonizantes ou Regulares Ministros dos Enfermos,
colocou-se ao lado dos religiosos e redigiram-se das artes e das letras. Um dos nomes mais destacados Camilos. Esta Congregação foi fundada em 1709,
muitas missivas para o soberano português, nas quais é o de Rafael Bluteau, o célebre autor do Vocabulario sob a direcção do P.e Manuel de Jesus Maria, o qual
se pedia que o monarca permitisse a continuação Portuguez e Latino. Entre os seus membros figuram se chamava, na sua vida secular, Manuel de Beça
dos religiosos naquele território. O próprio Arcebispo inúmeros cronistas e escritores: D. António Caetano Leal, natural da Freguesia da Nespereira, perto de
Primaz de Goa, Fr. Francisco dos Mártires, escreveu de Sousa, autor da História Genealógica da Casa Penafiel. Em 1677, com 24 anos, Beça Leal tomou
a D. João IV, a 30 de Janeiro de 1648, pedindo-lhe Real Portuguesa; D. Manuel Caetano de Sousa, autor a resolução de se isolar da vida mundana e retirou-
que permitisse a construção, por parte dos Clérigos da Expeditio Hispanica e das Memorias dos Nuncios -se para o sítio deserto da Tomina, a pouca distância
Regulares, de um hospício naquela cidade, alegando deste Reino; D. Luís Caetano de Lima, autor da de Moura. Nesse local, dedicou-se a uma vida de
os muitos benefícios que os religiosos teatinos traziam Geographia de Todos os Estados Soberanos da penitência e de contemplação.
à população de Goa. Europa; D. José Barbosa, cronista da Casa de Em 1683, foi ordenado Sacerdote pelo Bispo de
Nesse mesmo ano, Ardizzone dirigiu-se a Lisboa para Bragança; D. Jerónimo Contador de Argote, autor Targa, Fr. Bernardino de Santo António, e, após ter
pedir ao monarca licença para que a Congregação das Memórias do Arcebispado de Braga; D. Tomás vivido vários anos com alguns companheiros numa
permanecesse em Goa e, paralelamente, para que Caetano do Bem, que escreveu as Memórias cova no sítio da Tomina, Manuel de Jesus Maria
pudesse fundar uma casa em Lisboa. Os dois pedidos Históricas, Chronológicas, da Sagrada Religião dos mandou erigir uma capela sem a aprovação régia.
acabaram por ser atendidos, como se pode com- Clérigos Regulares em Portugal. O monarca, D. Pedro II, mandou demoli-la, acabando,
provar no Alvará Régio de 12 de Dezembro de 1650. Estes religiosos tinham um papel importante na no entanto, por reconsiderar e dando o seu aval a
Em 1650, os Teatinos passaram a residir em Lisboa, Congregação e, principalmente, foram os principais esta comunidade, em parte devido à acção do
numa casa provisória e alugada, juntos às portas de construtores da memória desta Instituição religiosa desembargador do Porto, Francisco Barroso de Faria,
S.ta Catarina. Aí irão permanecer até 1653. Nestes em Portugal, uma vez que lhe dedicaram muitas das que fora incumbido de executar a ordem régia
anos iniciais, a Congregação contou com o forte suas páginas. acabando, no entanto, por se colocar a favor da
apoio de D. Mariana de Noronha e Castro, bisneta comunidade da Tomina.
de D. Álvaro de Castro, filho do quarto Governador BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da Entre 1704 e 1709, o P.e Manuel de Jesus Maria dirigiu-
da Índia, D. João de Castro, e fez diversas doações Igreja em Portugal, vol. II, Nova ed. preparada e -se várias vezes a Roma, a fim de solicitar a apro-
que possibilitaram a construção da casa do Bairro dirigida por Damião Peres, Porto, Lisboa, Livraria vação dos Estatutos da sua Congregação, até que
Alto. Deste modo, em Junho de 1653 foi inaugurada Civilização Editora, imp. 1968, pp. 188-189; ARGOTE, Clemente XI, a 23 de Dezembro de 1709, lhe con-
a Casa de N. Sr.a da Divina Providência (situada no Jerónimo Contador de, Vida e Milagres de S. Caetano firmou os Estatutos, nos quais se definia que a principal
edifício que actualmente alberga o Conservatório de Thiene, Fundador dos Clerigos Regulares, Lisboa, missão do Instituto era assistir aos moribundos.
Nacional), tendo sido benzida, em Setembro desse Officina de Pascoal da Sylva, 1722; B EM , Tomás O P.e Manuel de Jesus Maria faleceu em Lisboa, em
mesmo ano, por Ardizzone. Caetano do, Memorias Historicas, Chronologicas da casa do Dr. Manuel Guerreiro Camacho, no dia 28
Sagrada Religião dos Clerigos Regulares em Portugal de Novembro de 1720, sendo sepultado na Igreja
e Suas Conquistas na Índia Oriental, 2 vols., Lisboa, do Convento da Graça em Lisboa.
Regia Officina Typografica, 1792-1794; GERHARDS, O sucesso da casa primitiva estabelecida no sítio da
Agnès, “Théatins”, in Dictionnaire Historique des Tomina foi bastante significativo, o que provocou
Ordres Religieux, Paris, Fayard, 1998, p. 572; GOUVEIA, uma expansão desta Congregação pelo restante
António Camões, “Teatinos (Caetanos)”, in C. M. território português, mesmo depois da morte do seu
Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de Fundador, em 1720.
Portugal, vol. P-V, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro
de Estudos de História Religiosa da Universidade
Católica Portuguesa, 2001, pp. 271-274; SOUSA, A.
D. de Castro e, Memoria Historica sobre a Fundação
do Hospicio da Invocação de N.ª Sr.ª da Divina
Convento dos Caetanos, actual Conservatório Nacional (CLS) Providencia, o qual pertenceo aos clerigos regulares
theatinos: actualmente Conservatorio Real de Lisboa,
Em 1681, D. Pedro II concedeu uma autorização para Lisboa, Typ. da Hist. D’Hyspania, 1846; VARELA, Paulo,
que a Congregação aumentasse o seu edifício e para “As iniciativas arquitectónicas dos Teatinos em Lisboa,
que pudesse aceitar noviços. No texto de um Alvará 1648 - 1698 (mais alguns elementos)”, in Penélope,
de 2 de Maio de 1711, são enumerados os bens que n.º 9-10, Lisboa, 1993, pp. 73-82; WINIUS, George Convento de N. Sr.ª das Necessidades, Tomina (DPHAB)

a Casa da Divina Providência tinha em Lisboa: uma D., “Padre Antonio Ardizone Spínola: a genoese
quinta no Campo Grande, legada pela sua benfeitora, priest at the twilight of the Estado da Índia Oriental”, Em 1717, D. João V confirmou o pedido dos
D. Mariana de Noronha e Castro; umas casas em in Mare Liberum, n.º 9, Lisboa, Comissão Nacional habitantes de Mourão para que se criasse uma filial
frente ao seu convento; e um foro no lugar de Benfica. para as Comemorações dos Descobrimentos da Congregação da Tomina, com cerca de 10 ou 12
As ligações desta Congregação à Corte eram Portugueses, 1995, pp. 521-526. religiosos, na Igreja da N. Sr.a do Alcance, anterior-
significativas e, em Janeiro de 1724, Rafael Bluteau mente propriedade dos Agostinhos Descalços. Em
fez algumas orações eruditas, às quais assistiu SUSANA BASTOS MATEUS 1726, estabeleceram-se na Igreja de N. Sr. a de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS TRINITÁRIOS

Sacaparte de Alfaiates, na região do Sabugal, uma Cód. CX/1-5, n.º 12. Impressa: ALMEIDA, Fortunato
igreja que era de protecção régia. Ainda no decorrer de, História da Igreja em Portugal, vol. II, Nova ed.
do reinado de D. João V, os religiosos da Tomina preparada e dirigida por Damião Peres, Porto/Lisboa,
fundaram dois hospícios, um em S. Pedro de Livraria Civilização Editora, imp. 1968, pp. 198-199;
Arronches, em 1729, e um em Vila Flor, em 1744. PENTEADO, Pedro, “Tomina, Congregação da (1709
Por vontade de D. João V, em 1749, a Congregação – 1834)”, in C. M. Azevedo (dir.), Dicionário de
uniu-se à Ordem dos Clérigos Regulares Ministros História Religiosa de Portugal, vol. P-V, [Lisboa],
dos Enfermos, fundada, em Roma, por S. Camilo Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História
de Lélis, a qual tinha como distintivo uma insígnia Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2001,
vermelha no ombro. A Ordem dos Clérigos pp. 334-345; PEREIRA, Fernando Jasmins, “Bens –
Agonizantes fora aprovada por Sixto V, em Breve Camilos”, in António Alberto Banha de Andrade
de 8 de Março de 1586. Foi desde então permitido (dir.), Dicionário de História da Igreja em Portugal,
a esses religiosos viverem em comunidade, fazer os Lisboa, Ed. Resistência, imp. 1983, p. 617.
três votos simples ordinários, para além de terem a
possibilidade de assistir aos moribundos, mesmo em SUSANA BASTOS MATEUS
tempo de peste, e pedir esmolas pela cidade. Desta
união resultou a Província de N. Sr.a das Necessidades,
a qual, por Decreto Régio de 3 de Março de 1749, TRINITÁRIOS
foi autorizada a manter as instalações e os bens que A Ordem da Santíssima Trindade foi fundada por
pertenciam à anterior Congregação da Tomina. Jean de Matha (c. 1160-1213), magister theologus
Por volta de 1759, os Clérigos Agonizantes insta- provençal, oriundo de Faucon de Barcelonnette,
laram-se em Lisboa, tendo por objectivo ajudar nos docente da Universidade de Paris, no final do séc.
ofícios divinos, dar assistência espiritual e confessar XII . A sua irrupção no meio religioso da época

os doentes do Hospital Real de S. José. A sua casa relaciona-se sobretudo com a necessidade de
ficava na zona do Poço do Borratém, na antiga solucionar o problema do cativeiro de cristãos em
Trinitário descalço (Tours)
Capela de S. Mateus, a qual viria a ser chamada de terras muçulmanas, consequência da expansão
Igreja de S. Camilo de Lélis. A área desta construção ultramarina dos Estados Latinos do Oriente e do
foi alargada em 1778. Ao nível patrimonial, a casa confronto endémico com as populações turcas e
mais significativa era a de Lisboa que recebia diversas árabes do Próximo Oriente. É em Cerfroid (região irmãos eclesiásticos e leigos. Contudo, talvez o ponto
rendas provenientes de juros, tenças régias, prédios de l’Aine) que Jean de Matha funda em 1594 a mais inovador da sua doutrina seja a relação que
urbanos, bem como um valor pago pelo Hospital primeira comunidade de Trinitários. Segue-se a estabelece com o Islão. A Ordem da Santíssima
Real de S. José. edificação de outras casas da Ordem em França: Trindade é a primeira instituição cristã de natureza
A sua última fundação parece ter sido a casa de Planels, Bourg-la-Reine, Marselha, Saint-Gilles du religiosa que promove um contacto totalmente
Portimão, já existente em 1783, localizada no antigo Gard, Arles. Mas os Trinitários espalham-se rapida- desarmado face aos muçulmanos, tanto a nível de
colégio dos Jesuítas. No ano de 1834, possuíam tam- mente por toda a Europa, chegando a perfazer um discurso ideológico como a nível da realidade
bém propriedades em Bucelas. Após a extinção das total de 250 estabelecimentos. A Regra de vida da concreta. Esta prática pacifista tem em consideração
ordens religiosas, a maioria dos bens da Congregação nova Ordem é aprovada oficialmente em 1198 pelo uma das características basilares da Regra trinitária,
foi requisitada e vendida em hasta pública. recentemente eleito Papa Inocêncio III, que terá que consiste exactamente na declaração da inapti-
A memória da Congregação nos seus primeiros provavelmente participado na sua elaboração a par dão dos seus membros para a actividade militar.
tempos de existência, bem como a da vida do seu de Maurice de Sully, Arcebispo de Paris, e do Abade Com efeito, ao contrário dos Templários ou dos
Fundador, foi perpetuada por um companheiro do de Saint-Victor. Mais tarde, em 1267, durante o Hospitalários, os religiosos da Santíssima Trindade
P.e Manuel de Jesus Maria, o P.e Manuel Jorge, que pontificado de Clemente V, a Regra primitiva sofrerá defendem uma libertação total, desarmada e gratuita
deixou um relato manuscrito intitulado Extracto, e ainda algumas adaptações. Segundo a Regra de vida dos cativos em poder dos infiéis. Todavia, a intenção
verdadeira relação da fundação do deserto da da ordem, os rendimentos seriam tripartidos da dos Trinitários ultrapassa a mera operação de resgate.
Tomina, e vida do P.e Manuel de Jezuz Maria primeiro seguinte forma: um terço para os pobres, um terço Na primeira missiva escrita a um príncipe muçulmano
fundador da ditta Congregação. Segundo o autor, para o sustento da comunidade e um terço para o – na ocorrência Abu- ‘Abd Alla-h Muhammad al-Na-sir,
este texto foi produzido em virtude do desejo resgate de cativos. A libertação dos cativos tornou- Rei dos Almóadas –, Inocêncio III apresenta os
demonstrado pelos cronistas régios de conhecerem -se portanto a razão de ser da Ordem, e esta objectivos da Ordem e propõe o recurso à troca de
melhor a história da fundação da Congregação da particulariedade salienta o carácter inovador da sua cativos muçulmanos por cristãos. Este último aspecto,
Tomina. Na sua obra, o P.e Manuel Jorge enumera fundação. Mas a própria Regra de vida dos Trinitários que pressupunha o resgate de prisioneiros islâmicos
alguns dos exercícios corporais e espirituais que engloba toda uma série de características que marcam entre a Cristandade e a sua utilização como moeda
deviam ser desempenhados pelos religiosos desta um ponto de viragem no conjunto dos movimentos de troca, enfrentou, como é óbvio, sérias dificul-
Congregação, como é o caso do jejum, de diversas monásticos. Desenvolvendo uma atenção particu- dades à sua realização. Afinal, tratava-se de um
mortificações corporais, bem como da abstinência larmente intensa ao nível do trabalho de cada um procedimento contrário às normas canónicas. Esta
de consumo de álcool, ou tabaco. dos membros – que envolve, portanto, a actividade nova mentalidade passava igualmente pela
comercial –, o trinitário recusa viajar a cavalo, organização de negociações com os soberanos
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: ANTT, Inquisição de preferindo o asno como meio de circulação. O con- muçulmanos, de cuja autorização dependia toda a
Lisboa, processo 4187; ANTT, Registo Geral de sumo de carne e peixe é reduzido ao mínimo possível; operação de entrada e resgate em terras adversárias.
Mercês, D. João V, liv. 36, fl. 377; ANTT, Registo a prática de jejuns deve ser bastante regular. As discussões “diplomáticas” podiam prolongar-se
Geral de Mercês, D. João V, liv. 40, fls. 8-8v; BPE, Outro aspecto fundamental é a igualdade entre por vários dias e a acção dos Trinitários dependia

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS TRINITÁRIOS

do bom relacionamento entameado com as autori- oficial que passa a ser designada como “da Grande
dades locais. Por estas e por outras causas relativas Observância”.
às particularidades de cada redenção, o resgate de A chegada dos Trinitários a Portugal ocorreu logo
cativos era uma actividade que envolvia um no princípio do séc. XIII. Em 1207, encontramos já
determinado risco. Certas missões encontraram um grupo de religiosos da Ordem em Santarém,
dificuldades extremas e acabaram por fracassar; local do primeiro convento trinitário em território
diversos trinitários foram também vítimas das português. A sua instalação não foi certamente obra
circunstâncias adversas e pereceram durante as acções do acaso, apesar da tradição revelada pela crónica
de resgate. Por razões evidentes, este aspecto de de Fr. Jerónimo de São José, segundo a qual oito
perigo inerente à sua vocação foi grandemente trinitários franceses teriam aportado a Portugal em
enfatizado na historiografia oficial da Ordem, que caminho para a Terra Santa devido a uma tempes-
enaltece o desempenho de certos “martírios”. tade. De facto, o território português oferecia uma
A acção dos Trinitários assentava sobretudo na prática posição estratégica importante, a meio das rotas
da caridade e da hospitalidade como uma das comerciais ligando o Norte da Europa com o
grandes virtudes cristãs. As operações de resgate Mediterrâneo e junto à fronteira com o Islão
devem ser compreendidas como uma obra de ocidental. Nos primeiros tempos da Ordem em
misericórdia e não como actos de missionação; a território luso, a redenção de cativos foi realizada
conversão de muçulmanos nunca foi o seu objectivo, por trinitários franceses, mas a participação activa
mas durante a estadia em terras islâmicas – os de membros portugueses rapidamente suplantou a
Trinitários eram frequentemente utilizados como intervenção de religiosos estrangeiros. A Ordem da
Convento da Trindade, Lisboa (CLS)
reféns – assumiam o papel de guia espiritual dos Santíssima Trindade contou desde muito cedo com
cativos, rezando missa e ministrando sacramentos. a protecção dos monarcas portugueses e de alguns
A partir do séc. XV, a Ordem da Santíssima Trindade dos seus ministros mais próximos. Habitualmente, a função de redenção dos cativos, reservando para
conheceu uma época de profunda crise em que o soberano enviava instruções aos poderes admi- isso fundos da Coroa. O mesmo soberano instituiu
diversas alterações foram realizadas no seio da nistrativos locais com as convocações dos frades um novo organismo, o Tribunal dos Cativos, que
Instituição, mas a necessidade de uma reforma trinitários relativamente à pregação de graças e doravante se ocuparia da missão redentora, proibindo
estrutural tornou-se ainda mais evidente por alturas indulgências a efectuar em lugares de culto onde aos membros da Ordem a recolha de esmolas e a
do Concílio de Trento (1545-1563). Em 1599, um se pudesse reunir a comunidade. Os mamposteiros promulgação de indulgências. A Ordem viu-se assim
religioso espanhol chamado Juan Bautista de la – que se dividiam entre “mamposteiros mores”, de impedida de exercer a sua missão primordial,
Concepción propõe um regresso ao modelo mais nomeação régia e “mamposteiros menores” ou limitando a sua actividade às obras de assistência
antigo de austeridade e de serviço à comunidade. “pequenos”, escolhidos pelos primeiros e de âmbito no reino, até 7 de Julho de 1561, data em que um
Assiste-se então a uma cisão no interior da Ordem, estritamente local – ficavam portanto encarregues novo contrato lhes restituiu a actividade redentora,
entre reformados – ditos “Descalços” – e a corrente de arrecadar os fundos para as redenções garantidos enquanto a administração temporal da Ordem
junto das populações. Devido ao sucesso obtido continuava sob controlo da Coroa. Este contrato foi
pelas práticas dos religiosos, as esmolas começaram aprovado pelo Papa Pio VI em 1566. Tendo em conta
a afluir de todas as esferas sociais e dentro em pouco a necessidade premente do resgate de cativos em
tempo, a comunidade trinitária pôde organizar as terras magrebinas, ser-lhes-ão atribuídos dois
suas acções de redenção. As operações de resgate conventos, até então na posse dos Franciscanos,
começaram logo em 1208, incidindo naturalmente em Ceuta e em Tânger (1568). O final do séc. XVI
sobre as áreas peninsulares sob domínio muçulmano. constitui aquele que é provavelmente o período de
Em Sevilha e Granada, os Trinitários conseguiram maior intervenção dos Trinitários no Norte de África,
nesse mesmo ano efectuar a redenção de 150 cativos; em particular devido às consequências da derrota
ao longo dos anos seguintes, a acção dos religiosos portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir. O número
da Santíssima Trindade resgata mais de 200 prisio- de cativos recuperados terá sido espectacular para
neiros cristãos em Moura, Beja e Alcácer do Sal. a época. Com efeito, só entre os anos de 1578 e
Entre 1220 e 1375, a Ordem seria responsável pela 1580, os Frades da Santíssima Trindade procederam
libertação de mais de 6800 cativos. Entretanto, a ao resgate de mais de 1500 vidas em Marrocos.
Ordem expandira-se já um pouco por todo o país Podemos destacar a redenção geral de 1579, que
e novos estabelecimentos (conventos, hospitais, em Fez recuperou 450 cativos e pouco depois 600
colégios) são fundados: Lisboa (1218); Silves (1239); mais. Passados alguns anos, em 1589, o número de
Sintra (1400); Faro (c. 1415); Lousa, perto da Torre resgates é ainda impressionante: 964 cativos em
de Moncorvo (1474); Coimbra (1552); Lagos (1599); Marraquexe e Tetuão. Nas centúrias seguintes o
Alvito (1618); Guimarães (1653); Setúbal (1667). número de redenções em Marrocos diminui progres-
Todavia, em meados do séc. XV, quer por redução sivamente, mas as operações dos Trinitários em Argel
dos donativos dos fiéis quer por um aumento aumentam de forma considerável devido ao crescente
considerável do número de cativos em terras número de depredações navais executadas pelos
islâmicas, a Ordem atravessou um período de crise corsários berberiscos.
que viu reduzidas as suas acções de resgate. Destacamos algumas personalidades importantes da
D. Afonso V aproveitou este momento depressio- Ordem dos Trinitários: o Provincial Fr. Gomes Martins,
Trinitário calçado (Tours) nário da actividade dos Trinitários para chamar a si fundador do Convento de Faro, que resgatou perto

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VERBITAS

de 3000 cativos entre 1416 e 1431; Miguel Contreiras VERBITAS -se fundações congregacionais vocacionadas para a
(1431-1505), confessor da Rainha D. Leonor e A Congregação Missionária do Verbo Divino, sediada missionação de África e do Oriente. Fundadores e
fundador da Misericórdia de Lisboa; Fr. Roque Espírito em Portugal desde 1949, é também conhecida pela fundadoras, em condições precárias, assumem zonas
Santo (1520-1590), o “apóstolo da África”, fundador congregação dos Verbitas; hoje, na Instituição, territoriais onde põem em prática a especificidade
do Colégio de Coimbra, resgatou 3000 cativos na apresentam-se habitualmente como Missionários do dos seus carismas.
segunda metade do séc. XVI. Verbo Divino. Foi fundada em Steyl, na Holanda, no Arnaldo Janssen, nascido em 1837, ordenado e
dia 8 de Setembro de 1875, por Arnaldo Janssen, incardinado Sacerdote na Diocese de Münster no
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Historia chronologica sacerdote alemão, da Diocese de Münster. O contexto ano de 1861, a par da docência, animava alguns
dos varoens illustres que tem havido na Provincia movimentos de devoção popular, tão apreciados por
de Portugal da Ordem da santissima Trindade no amplos estratos da população católica do séc. XIX.
santo exercicio da redemção desde o anno de 1208 Aos poucos, amadurece a ideia de lançar a sua
the o de 1757, ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º pátria, a Alemanha, numa missionação além-fron-
565. Impressa: ALBERTO, Edite, “Trinitários”, in C. M. teiras. A intuição era louvável; franceses e italianos
Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de tinham-no já feito com estruturas e fundações que
Portugal, vol. P-V, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro colocavam no terreno agentes preparados e
de Estudos de História Religiosa da Universidade qualificados para a missão da Igreja. A concretização
Católica Portuguesa, 2001, pp. 305-307; ALBERTO, do projecto em solo alemão levaria o seu tempo.
Edite, As Instituições de Resgate de Cativos em A política do momento não o favorecia; as medidas
Portugal: Sua Estrutura e Evolução no Século XV, da Kulturkampf desaconselhavam qualquer iniciativa
2 vols., Dissertação de Mestrado em História dos de cariz religiosa. Essa foi a razão porque Arnaldo
Descobrimentos e da Expansão Portuguesa apre- se viu na contingência de demandar terra estrangeira
sentada à Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, para dar início a uma obra vocacionada para a
texto policopiado, 1994; B RAGA , Isabel Mendes missão. A partir da Casa-Mãe de Steyl (Holanda), o
Drumond, Entre a Cristandade e o Islão (Séculos XV-
-XVIII): Cativos e Renegados nas Franjas de Duas
Sociedades em Confronto, Ceuta, Instituto de
Estudios Ceutíes, 1998; C IPOLLONE , Giulio, “Les
trinitaires, rédempteurs des captifs (1198)”, in Philippe
Contamine, Olivier Guyotjeannin (dirs.), La Guerre,
la Violence et les Gens au Moyen Âge, vol. I – Guerre
Arnaldo Janssen, Fundador (I)
et Violence, Paris, Editions du Comité des Travaux
Historiques et Scientifiques, 1996, pp. 311-320;
CIPOLLONE, Giulio, “Missione parola polivalente. I do início da fundação teve muito que ver com as
Trinitari in Portogallo: missione come liberazione”, leis vigentes na Alemanha da Kulturkampf,
in Congresso Internacional de História Missionação implementadas então pelo Chanceler Bismarck que
Portuguesa e Encontro de Culturas. Actas, vol. III – tornavam quase impossível qualquer fundação
Igreja, Sociedade e Missionação, Braga, Universidade religiosa em terras germânicas. Isso determinou que
Católica Portuguesa/Comissão Nacional para as uma fundação alemã tivesse o seu início em solo
Comemorações dos Descobrimentos Portugue- holandês. A missão que se tinha tornado interpe-
ses/Fundação Evangelização e Culturas, 1993, pp. ladora para muitos cristãos do séc. XIX esteve ligada
441-453; CIPOLLONE, Giulio, Cristianità–Islam: Cattività a pulsações de natureza política e económica, onde
e Liberazione in Nome di Dio – Il Tempo di Innocenzo o expansionismo das principais potências europeias
III dopo ‘il 1187’, Roma, Pontificia Università se fazia sentir no Oriente. Essa expansão propiciou
Gregoriana, 1992; CIPOLLONE, Giulio, “Il Portogallo a inevitável circulação de notícias sobre povos,
punto strategico dell’opera di riscatto dei Trinitari culturas e civilizações. A urgência de uma evange-
Arnaldo Janssen, Fundador (I)
(XIII-XV)”, in Congresso Internacional Bartolomeu lização nesses territórios, onde carências de vária
Dias e a Sua Época: Actas, vol. V – Espiritualidade ordem se poderiam suprir pelo anúncio da Fé e a
e Evangelização, Porto, Universidade do Porto/ Comis- prática da partilha fraterna, era percepcionada por Fundador sensibilizará consideráveis estratos da
são Nacional para as Comemorações dos Desco- muitos. Nesse sentido, assistiu-se ao desencadear população alemã para a actividade missionária da
brimentos Portugueses, 1989, pp. 589-603; GERHARDS, de uma vaga de fundo que apelava ao imperativo Igreja. Passados apenas quatro anos, em 1879, pôde
Agnès, Dictionnaire Historique des Ordres Religieux, de uma missionação nesses territórios tutelados por já enviar os dois primeiros missionários para a China.
Paris, Fayard, 1998; SÃO JOSÉ, Fr. Jerónimo, Historia potências europeias. Boletins e outra imprensa A cerimónia de envio, onde esteve presente o núncio
Chronologica da Esclarecida Ordem da Santíssima diocesana, ligada a pessoas ou grupos, reflectiam apostólico, revestiu-se de um ambiente solene.
Trindade, Redempção de Cativos da Provincia de afectos e patrocínios já em curso a favor de Os reflexos na igreja local e na sociedade alemã
Portugal, 2 vols., Lisboa, Oficina de Simão Tadeu missionários presentes naquelas zonas geográficas; foram altamente benéficos para a obra nascente.
Ferreira, 1789-1794; Trinitarium: Revista de Historia esse intercâmbio teve efeito multiplicador. Efectiva- As primeiras décadas foram dum crescimento
y Espiritualidad Trinitaria, 1988-2004. Digital: mente, a consciência de uma urgência missionária respeitável. No final do séc. XIX, encontramos já
www.trinitarianhistory.org. transforma-se num ideal que a muitos toca e Missionários do Verbo Divino na China, Togo, Nova
responsabiliza. Decorrente disso, organizam-se inicia- Guiné, Argentina, Brasil e Equador. A Congregação
VASCO RESENDE tivas e, de forma orgânica e organizada, constituíram- será aprovada por Roma em 1901. As Constituições

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VERBITAS

(Regra), como texto normativo, serão aprovadas A década de 40 foi penosa para o Instituto. A Segunda uma fugaz passagem dos Verbitas por um território
igualmente por Roma em 1905. Com essas medidas Guerra Mundial teve consequências gravosas numa dependente de Portugal. Em 1949, entendeu a
romanas, entrava progressivamente a Congregação fundação de matriz alemã. Na Alemanha e noutros Direcção Geral iniciar uma fundação em território
do Verbo Divino na família das instituições religiosas territórios limítrofes, tutelados pelo nacional- continental. Num breve espaço de tempo, alguns
de direito pontifício. A par do envio de levas anuais -socialismo, encerraram-se os seminários maiores; verbitas, vindos do Brasil, ultrapassando velhas
de membros para os territórios de missão, preocupou- seminaristas e jovens padres e irmãos foram requisi- sequelas que ainda permaneciam nos altos quadros
-se o Fundador em abrir novas casas em territórios tados para o serviço militar ou serviços de assistência; da administração pública portuguesa quanto ao povo
de língua alemã. No dia 15 de Janeiro de 1909, os anos da guerra, com as inevitáveis perdas de e missionários alemães, abriram três seminários
falecia Arnaldo Janssen na Casa-Mãe de Steyl. Para vidas humanas e subsequentes prisões que sofreram menores – Tortosendo (1949), Guimarães (1952) e
trás, deixava a Congregação Missionária do Verbo os soldados capturados na frente leste, dizimaram Fátima (1954) – para acolherem jovens candidatos
Divino e mais duas outras fundações femininas: as um sem número de membros e candidatos à vida ao sacerdócio e à vida missionária. Mais tarde,
Missionárias Servas do Espírito Santo e as Irmãs religiosa e missionária. Um pouco mais tarde, com abriram também um seminário maior em Lisboa
Servas do Espírito Santo da Adoração Perpétua, a a implementação do regime comunista em território (1967) para os estudantes de Filosofia e Teologia.
última de contemplativas, em regime de clausura. chinês, deu-se a expulsão dos missionários estran- Em 1997, inauguraram uma nova casa em Lisboa
No ano do seu falecimento, os Verbitas contavam geiros e outros constrangimentos sobre a igreja local; que passou a dispor de valências várias: Cúria
já com 400 sacerdotes, 400 seminaristas maiores e disso se ressentiu a Congregação do Verbo Divino. Provincial, seminário maior e casa de hospedagem
cerca de 700 irmãos leigos missionários, esparsos Muitas das suas estruturas, como a Universidade de para jovens religiosos estrangeiros, que por Lisboa
pelos cinco continentes. Em 1928, a Direcção Geral Pequim e uma razoável rede de escolas ali construídas passam para a aprendizagem da língua portuguesa
deslocou-se para Roma, onde passou a ter residência e a funcionar, tiveram de ser abandonadas. A Univer- em ordem a trabalhos missionários em territórios de
fixa. Estava-se num período de respeitável cres- sidade de Pequim, em condições precárias, foi língua oficial portuguesa.
cimento, particularmente na Europa, América do deslocada para a capital da ilha Formosa (Taiwan);
Norte e América Latina. os missionários impedidos de exercerem o seu
Nos anos que precederam o segundo conflito mundial ministério foram destinados para outros territórios
(1939-1945) a Congregação contava já com cerca do Oriente: Japão, Filipinas, Indonésia, Papua Nova
de 4500 membros. A maioria dos missionários con- Guiné e Austrália. O período após guerra foi reflectido
centrava-se no longínquo Oriente: China, Japão, e sujeito a apurados discernimentos; entre outras
Filipinas, Indonésia, Papua Nova Guiné e Austrália. decisões, optou-se por fazer avançar a Congregação
A China funcionava como paradigma de missão, por para outros países, compensando assim as limitações
cujo território todo o verbita tinha particular afeição. que lhe estavam a ser impostas em território chinês
Um dos primeiros missionários que para lá se deslocou, e nalguns países do Leste europeu; a Península Ibérica
foi o P.e José Freinademetz, de nacionalidade austríaca, foi uma das opções então tomadas; esse foi o
que permaneceu naquele território até à sua morte contexto da deslocação da Congregação para
Seminário Missionário do Verbo Divino, Lisboa (JAM)
(1908); das suas virtudes, comprovam-no o rápido Espanha (1945) e Portugal (1949).
processo de canonização que cedo foi introduzido; Após a implantação da República em 1910, deu-se
foi beatificado em 1975, juntamente com o Fundador, a hostilização do novo regime às instituições eclesiais A deslocação da Congregação do Verbo Divino para
e canonizados também os dois no dia 5 de Outubro e religiosas. Esse afrontamento teve reflexos nos Angola (1966) e a retoma de novas missões em
de 2003. Nesse território, vários membros ocuparam territórios ultramarinos dependentes de Portugal. Moçambique (1997) foram preparadas e acom-
sedes episcopais, chegando um deles, Tomás Tien, Nesse contexto, são expulsos alguns institutos panhadas pelos verbitas portugueses – razões
a ocupar a sede metropolita de Pequim, sendo criado religiosos, de Portugal e dos territórios ultramarinos; históricas aconselhavam a isso. A transição havida
Cardeal (1946) no pontificado de Pio XII. Associada os missionários jesuítas, presentes no vale do por ocasião da independência daqueles territórios
a essa hierarquização eclesial naquele território, Zambeze, Moçambique, foram forçados a abandonar e a subsequente perturbação política que se lhe
registou-se com agrado o encargo que se fez à aquele território. Para os substituir, a partir de Roma, seguiu em nada alteraram a atitude anterior. Ao
Congregação de assumir a Universidade Católica de giza-se um plano, onde se acorda a deslocação de inverso, nesses anos de crise procurou-se por gestos
Pequim (Fu Jen), em 1933. Foi o início de uma frente missionários do Verbo Divino para atenderem as e acções demonstrar proximidade e solidariedade
de trabalho cultural que terá seguimento na assunção populações do Zambeze. O acordo célere entre a para com missionários e comunidades que em
doutras instituições de ensino superior, no Japão, a Congregação, a Secretaria de Estado do Vaticano e condições difíceis eram presença junto de populações
Universidade de Nanzan (Nagoya) e, nas Filipinas, a o Governo português fez com que os primeiros provadas pelo sofrimento.
Universidade de S. Carlos (Cebu). verbitas ali aportassem já em 1911. Quando eclode Desde o início da sua fundação, em 1875 até ao
o primeiro conflito mundial (1914-1918), o número ano 2008, assistiu-se a um percurso de expansão
dos missionários elevava-se quase a duas dezenas. linear; fizeram excepção o período da segunda guerra
A circunstância de quase todos possuírem a nacio- mundial e os anos que se seguiram ao Concílio
nalidade alemã ou austríaca e, atendendo ao alinha- Vaticano II. No pós-concílio, o número de religiosos
mento de Portugal no primeiro conflito mundial teve uma quebra de 450 membros; pela década de
contra o Eixo, com a agravante de, em 1916, Portugal 1970, entrou-se novamente num ritmo progressivo;
ter aprisionado uma pequena esquadra alemã hoje, conta com 6138 membros, entre os quais 51
ancorada no estuário do Tejo, com a subsequente bispos esparsos em 71 países diferentes. A frente
declaração de hostilidades entre os dois países, em mais activa situa-se no Oriente e na América Latina;
nada favoreceu aquele grupo de missionários: foram a Europa, particularmente os países de expressão
aprisionados, trazidos para Portugal e confinados alemã, e a América do Norte que lideraram a Insti-
Missionários do Verbo Divino, Lisboa (JAM) em Peniche até ao fim do conflito. Assim terminava tuição em recursos humanos e financeiros até ao

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

Concílio Vaticano II, a partir dos anos 70 do século exemplar capacidade organizativa, assim como na inúmeras expressões do religioso que encontravam
passado, foram ultrapassadas pelo Oriente. Expressão boa preparação espiritual e profissional com que nas áreas da missionação. Essa tradição tem tido
disso é o actual superior geral que é de nacionalidade dotou os irmãos leigos religiosos que avançaram de continuidade no Instituto Anthropos, da responsa-
filipina. A organização, como acontece com quase início para a missão em número não inferior aos bilidade da Congregação, sediado perto de Bona,
todas as fundações do séc. XIX, está centrada em religiosos sacerdotes verbitas. Todos no terreno, para na Alemanha, com revista própria (Anthropos), onde
Roma. A autoridade máxima reside no Superior Geral além do anúncio, do Baptismo e da celebração da se investiga e dá a conhecer o que se vai produzindo
e seu Conselho, eleitos periodicamente pelo Capítulo Fé, entregaram-se à construção e organização de sobre essas matérias. Outras publicações são editadas
Geral, do qual fazem parte Superiores Provinciais e um sem-número de estruturas em ordem ao bem- no mundo da implantação verbita – essa literatura,
Delegados de Províncias. No Capítulo Geral, elegem- -estar das populações. A escola, a assistência de carácter popular, está mais direccionada para a
-se as pessoas que gerem os serviços centrais da hospitalar, a introdução de técnicas como resposta animação missionária das igrejas locais, sensibilizando-
Cúria Geral, assistindo-lhe também a possibilidade aos mais variados sectores da vida daquelas -as para o imperativo do anúncio cristão universal.
de propor à Congregação Romana dos Institutos e populações, acabaram por ajudar a ultrapassar
Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica carências localmente sentidas. O impacto dessa BIBLIOGRAFIA: ALT, Josef, El Mundo en un Mesón:
alterações às Constituições (Regra) que orientam a vitalidade missionária teve reflexos nas zonas de Vida y Obra Misionera de Arnaldo Janssen,
vida dos seus membros. A vitalidade da Congregação missão e nos territórios de onde provinham os Cochabamba, Editorial Verbo Divino, 2002; Anuário
passa pela vida das províncias que coincidem agentes da missão. A Europa cristã e católica, por Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado
habitualmente com o conjunto de casas e membros meio de uma informação missionária que as Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007,
que trabalham num determinado país. À frente das congregações divulgavam em abundância, entrou pp. 861-862; BARBOSA, David Sampaio, História de
províncias está um Superior Provincial coadjuvado numa rede de solidariedade, acompanhando com uma Presença em Portugal: Missionários do Verbo
por um corpo de Conselheiros, todos também prece e ajuda económica filhos e filhas que se Divino, Fátima, Gráfica de Coimbra, 2002; BORNEMANN,
sufragados periodicamente pelos membros da disponibilizavam nas frentes da evangelização. Fritz, “História de Nossa Congregação”, in Analecta
respectiva província. As comunidades que compõem Historicamente, a Congregação do Verbo Divino SVD, Roma, Collegium Verbi Divini, 1982; NATÁRIO,
uma província têm à sua frente um Superior (Reitor dependeu dessa solidariedade missionária. Com o António, Pioneiros em Portugal, in Revista Vida
ou Praeses). Também estes são eleitos e propostos tempo, outras fontes de base económica se Missionária n.º 6, (Brasil), 1996, p. 4; NATÁRIO, António,
para o cargo de Superior ao Provincial e seu agregaram, como explorações agrícolas ou tipografias “Os Missionários do Verbo Divino no seu centenário
Conselho. que na Europa ou América do Norte funcionaram 1875-1975”, in Revista Boa Nova, Outubro, 1975,
satisfatoriamente graças ao empenho e engenho pp. 11-26; PAPE, Carlos, VERGARA, José Manuel, José
dos irmãos religiosos. Essas últimas fontes ficaram Freinademetz: Um Tirolês que Amou os Chineses,
sempre aquém da solidariedade que de inúmera Lisboa, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, 2003;
gente se manifestava em dádivas para a actividade RAABE, Paulo, “Tempos Incertos: Início do Trabalho
missionária da Igreja. De todos os modos, deve dos Missionários do Verbo Divino na China”, in Actas
referir-se que províncias, regiões e casas do Verbo do Colóquio Cristianismo na China (Fátima, 22-23
Divino devem tender para a autonomia económica de Novembro de 2003), Lisboa, Fundação Ajuda à
e estarem sempre preparadas e dispostas a ajudar Igreja que Sofre, 2005; REUTER, Jakob, Arnaldo Janssen:
frentes de missão ou situações humanas, onde a Cativado e Enviado pelo Espírito, Braga, Livraria
dignidade da pessoa esteja em causa ou se careça Apostolado da Imprensa, 2000.
de recursos indispensáveis para a actividade
Seminário dos Missionários do Verbo Divino, Fátima (JAM)
missionária. Para o exterior, os Verbitas tiveram DAVID SAMPAIO BARBOSA
sempre um enquadramento regular – ao não
A vida institucional articula-se entre dois vectores: disporem de hábito próprio, facilmente se
o carisma e a organização. Essas duas realidades, confundiram com o clero diocesano. Como quase VICENTINOS
moderadas pelas Constituições, enquadram e dão todo o mundo congreganista masculino fundado no Congregação da Missão é o nome oficial deste
orientação a cada membro. As províncias e comu- séc. XIX, assumiram a veste talar como hábito próprio. instituto religioso, sendo os seus membros identi-
nidades locais, estimuladas pela Direcção Geral e Utilizam como sigla três letras – SVD (Sociedade do ficados pela sigla CM. Em França, donde procede,
pelo sentir actual da Igreja, têm ultimamente Verbo Divino). Os seus membros estudaram até ao e nos países que sofreram influência francesa são
agregado a si grupos de leigos que se identificam Vaticano II em seminários próprios; após o Concílio, conhecidos como Padres Lazaristas, denominação
com a vertente missionária e espiritual da Congre- agregaram-se a outras instituições em ordem à que remete para o edifício do Priorado de S. Lázaro,
gação. Em Portugal, essa vitalidade sente-se constituição de escolas de excelência que pudessem em Paris, primeira residência e Casa-Mãe da
particularmente no AMIVD (Amigos do Verbo Divino), servir melhor institutos religiosos e dioceses no estudo Instituição. Em Espanha são conhecidos como Padres
AAVD (Antigos Alunos do Verbo Divino) e grupo da Filosofia, Teologia e prática pastoral. Como já foi Paúles, e no espaço de língua inglesa, como
DIÁLOGOS (grupo de jovens leigos que intervêm em referido, no Oriente, a Congregação tem a seu cargo Vincentians. Em Portugal, além de identificados pelo
situações humanas de manifesta carência ou se três universidades com muitos professores leigos nome oficial de Padres da Congregação da Missão
deslocam periodicamente a territórios de missão, que se afirmam próximos do ideário dos valores ou Padres da Missão, são igualmente conhecidos
entregando-se a trabalhos de promoção humana e cristãos e se movem em razoável competência como Lazaristas e, mais recentemente, como Padres
solidariedade cristã). O jornal bimensal da Província científica. Na Europa, ligou-se cedo a Congregação Vicentinos. Em virtude de a Casa de Rillhafoles, em
Portuguesa – Contacto SVD – e a Agenda Jovem, à promoção de estudos antropológicos. Os alicerces Lisboa, ter sido, desde 1720 até 1834, sede da
assim como outras publicações periódicas de cariz dessa tradição foram lançados pelo conhecido Província Portuguesa, foram então algumas vezes
missionário muito têm contribuído para a animação etnólogo Guilherme Schmidt, distinto membro da chamados Padres de Rilhafoles.
missionária da Igreja. O dinamismo da Congregação Congregação falecido em 1954. Pelos seus estudos A fundação oficial da Congregação da Missão
entronca no legado espiritual do Fundador e sua sistemáticos ajudou os Missionários a lidar com as remonta a 17 de Abril de 1625, na Paróquia de S.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

Salvador de Paris. Adquiria, então, forma jurídica impuseram pela vastidão do saber e pela irradiação
uma inspiração do Fundador, Vicente de Paulo que, da vida interior.
encontrando-se em 1617, na Paróquia de Folleville, Pertencem ao primeiro tipo os missionários que em
fora chamado à cabeceira de um camponês todos os continentes serviram e continuam a servir
moribundo de Gannes, cuja história de miséria a causa da evangelização, tantas vezes em condições
espiritual o tocou tão profundamente que, após um de extrema dificuldade, tendo vários deles selado
sermão a 25 de Janeiro exortando à confissão geral, com o martírio uma vida de plena entrega à
tomou a resolução de proceder a essa fundação. missionação. Assim sucedeu com os santos Francisco
Vicente de Paulo nasceu no Sudoeste francês no Régis Clet (1748-1820) e João Gabriel Perboyre
ano de 1581, recebeu a ordenação sacerdotal em (1802-1840), dois mártires da China. Noutro campo
1600, faleceu em Paris a 27 de Setembro de 1660 de missionação, o da Abissínia, distinguiu-se pela
e foi canonizado a 16 de Junho de 1737. É por
muitos considerado como o grande santo do grande
século, o pai dos pobres, o reformador do clero.
O Papa Leão XIII declarou, no dia 2 de Maio de
1885, S. Vicente de Paulo padroeiro especial de
todas as obras de caridade.
Oriundo de uma família de camponeses das Landes,
no Sudoeste da França, fez um percurso estudantil
que o conduziu ao bacharelato em Teologia e à
licenciatura em Direito Canónico. Foi capelão da
corte da Rainha Margarida de Valois e membro do
Conselho de Consciência de Ana de Áustria. Come-
P.e Gomes da Costa (I)
çou o ministério pastoral em Paris e foi Pároco de
Clichy. Bérulle indicou-o para preceptor da casa
nobre dos Gondi. que fizesse da evangelização dos pobres rurais e da
Passa por todas estas experiências atento à realidade adequada formação do clero o seu principal objectivo.
social da França, observando a distância entre as Nos muitos lugares por onde passou, Vicente de
classes, a instabilidade e os contrastes sociais e Paulo foi acumulando experiência e aprofundando
económicos. A situação de privilégio dos grandes, a consciência dos males materiais e espirituais que
em cuja esfera se move, torna-o especialmente devastam a sociedade, descobrindo a pouco e pouco
sensível ao povo cansado de viver na pobreza e até as respostas mais adequadas e urgentes a esses P.e Alfredo Fragues (I)

na maior miséria. Encontra-se assim com o pobre problemas. Percebeu a importância decisiva que para
no qual descobre Deus e a presença de Cristo. a reforma e renovação da Igreja tinha a boa formação generosidade e coragem na acção evangelizadora
Em Agosto de 1617, abandona temporariamente a do clero. Essa será uma das suas grandes S. Justino de Jacobis (1800-1860). Soube valorizar
família de Gondi, toma a seu cargo a Paróquia de preocupações e o ponto de partida para muitas a cultura e as tradições locais, abrindo-se a elas, e
Châtillon-les-Dombes, onde funda as Confrarias da iniciativas relativas aos seminários e à formação tornando-se um precursor da inculturação e do
Caridade (1617), iniciativa que viria a ter enorme contínua dos sacerdotes. A partir de 1633, instituiu díalogo ecuménico entre católicos e coptas. Desse
difusão em França e no mundo. A semente frutificou em S. Lázaro uma espécie de associação sacerdotal mesmo espírito missionário dá igualmente tes-
e, em 2008, a Associação Internacional das Caridades cujos membros se reuniam todas as terças-feiras. temunho o P. e José Baeteman (1880-1938),
(AIC) conta com 260 000 membros. Ficaram conhecidas como as “conferências das terças- dedicadíssimo apóstolo da Abissínia, de que existe
Em 1633, em colaboração com Luísa de Marillac, -feiras”, por elas tendo passado o escol do clero uma biografia traduzida em língua portuguesa.
funda a Companhia das Filhas da Caridade para parisiense, incluindo Olier e Bossuet, para reflectir, Outros membros houve que, sempre atentos ao
o serviço corporal e espiritual dos pobres. estudar, rezar e mutuamente se edificar. No contacto chamamento do Espírito, alargaram a diversidade
Sensível à pobreza corporal está igualmente atento directo com as pessoas e as situações, despertava de caminhos e de serviços na Igreja, criando novas
à indigência espiritual. Por isso, perante a ignorância para o que acabará por caracterizá-lo como carisma instituições de vida religiosa. Exemplo disso é o P.e
religiosa do povo dos campos e por impulso da e estilo de vida, o “realismo da caridade” (Michel Pierre Vigne (1670-1740), beatificado a 3 de Outubro
senhora de Gondi, procede, a partir de 1625, à Riquet) e a contagiante mística da acção posta ao de 2004. Depois de se ter devotado à obra das
organização da Congregação da Missão. serviço dos pobres e da boa formação do clero. missões populares, aprofundou esses mesmos
Tudo se passa no contexto da profunda reforma e Fazendo jus ao carisma do Fundador, podem objectivos de evangelização e de desenvolvimento
renovação da vida da Igreja introduzida pelo Concílio distinguir-se duas expressões maiores do espírito espiritual, fundando as Irmãs do Santíssimo
de Trento, cujos decretos acabavam, no ano de 1615, vicentino no decurso da história da Congregação Sacramento. Outro missionário insigne é o P.e Vincent
de ser aceites e adoptados em França. Embora da Missão: o tipo activo, que se desdobra em Lebbe (1877-1940), justamente chamado “o S. Paulo
estivesse ligado à casa nobre dos Gondi, de que iniciativas missionárias de evangelização, tanto nos da China moderna” pela defesa da inculturação da
Vicente de Paulo era capelão, foi o contacto com países de antiga tradição cristã como nos povos Igreja, que levou à consagração por Pio XI dos
os camponeses das vastas terras dessa família moldados por outras tradições espirituais, e o tipo primeiros bispos chineses. A ele se deve, igualmente,
abastada e com o clero rural que despertou nele a contemplativo, presente em figuras sábias de atitude a introdução do monaquismo cristão na China, ao
vontade de responder às enormes necessidades humilde e presença discreta, que ora marcaram como fundar, em 1928, duas congregações chinesas, os
espirituais do pobre povo dos campos. Para tanto educadores e mestres sucessivas gerações que Irmãozinhos de São João Baptista e as Irmãzinhas
era urgente fundar uma companhia de sacerdotes frequentaram seminários maiores e menores, ora se de Santa Teresa do Menino Jesus.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

Ao segundo tipo pertencem, entre muitos outros, fundamentos científicos tinha cursado na Alemanha. superior geral, em Paris, foi acolhida com pouco
os P.es Fernando Portal (1855-1926) e Guilherme Este sacerdote, credor do maior respeito e entusiasmo, por considerar o geral que seria mais
Pouget (1847-1933). O primeiro distinguiu-se como reconhecimento pelos relevantes serviços prestados viável a fundação se fosse algum prelado português
laborioso apóstolo do ecumenismo que, nas ao país, foi a 5 de Outubro de 1910, juntamente a solicitá-la.
Conferências de Malines a que presidiu o Cardeal com o seu confrade P.e Alfredo Fragues, barbara- Sem nunca desanimar, pediu o P.e Gomes da Costa
Mercier, pôs a dialogar católicos e protestantes. Foi mente assassinado na Escola Apostólica de Arroios, licença aos superiores para se deslocar a Portugal e
na ilha da Madeira que Fernando Portal conheceu pelos revolucionários republicanos. munido de uma Bula de Clemente XI, de 10 de
Lord Halifax, que lhe havia de servir de interlocutor Nas ciências naturais, merece registo a obra de Setembro de 1712, que autorizava a fundação,
na dinamização do movimento pela União das Igrejas. recolha e classificação de espécies zoológicas e entrou no país, durante a Primavera de 1713. Os
O P.e Guilherme Pouget, exegeta e pensador notável, botânicas existentes na ilha da Madeira, levada a contactos realizados foram bem sucedidos, tendo
verdadeiro “Sócrates cristão”, escutado por alguns cabo pelo P.e Ernesto Schmitz, expulso da Alemanha muitos bispos mostrado interesse em acolher a nova
dos melhores espíritos do seu tempo, teve em Jean no quadro do Kulturkampf e, desde 1874, a viver instituição nas suas dioceses. Entretanto, o Rei D.
Guitton o bem merecido Platão. Na verdade, depois em Portugal. Fundou e dirigiu o museu do Seminário João V concedeu um alvará de autorização, mas no
de, em 1940, ter publicado o Portrait de Monsieur do Funchal, onde foi professor. Este investigador qual dispõe que o superior seja português e fique
Pouget (Paris, Gallimard), Jean Guitton deixou-nos, correspondia-se com os mais importantes centros “imediatamente sujeito a Sua Santidade, sem
ainda, os Dialogues avec Monsieur Pouget sur la mundiais de investigação na área das ciências dependência de nenhum outro superior”. Semelhante
Pluralité des Mondes, le Christ des Évangiles, l’Avenir naturais. exigência havia de converter-se em nova fonte de
de Notre Espèce (Paris, Grasset, 1954). Pela qualidade literária, geralmente reconhecida, dificuldades e adiamentos. Como o alvará régio
Também em Portugal houve figuras notabilíssimas deve mencionar-se a obra vastíssima do P. e José colidia com o exercício da autoridade do Superior
de Padres da Missão que personificam os diferentes Joaquim de Sena Freitas (1840-1913), missionário Geral, logo começaram as tentativas no sentido de
tipos do carisma vicentino. Entre os missionários, no Brasil desde 1866 até 1872, e depois professor dissuadir o P.e Gomes da Costa de levar por diante
devem assinalar-se a personalidade veneranda de D. no Colégio de S. ta Quitéria, em Felgueiras. Foi a fundação portuguesa. Este, regressado entretanto
António Ferreira Viçoso (1787-1875), fundador da a Roma, aí moveu todas as influências, conseguindo
Província Brasileira da Congregação da Missão e assim obter de Clemente XI as autorizações neces-
Bispo de Mariana, e a figura exemplar de D. João sárias e conservando inabalável a esperança de ver
de França Castro e Moura (1804-1868), continuador todas as incertezas e dificuldades acabarem por ser
da acção missionária portuguesa no Oriente e, em ultrapassadas.
particular, na China. Foi Bispo eleito de Pequim e, No fim do ano de 1716, está de volta a Lisboa, e
no final da vida, Bispo do Porto. O seu nome está no dia 20 de Maio de 1717, o Supremo Tribunal de
também ligado à abertura do Seminário das Missões Justiça do Reino autorizava o estabelecimento da
Ultramarinas em Cernache do Bonjardim, no ano Congregação da Missão em Portugal. Ao Fundador
Colégio de S.ta Quitéria, com lugar de relevo na educação
de 1856. vieram juntar-se quatro padres e dois irmãos leigos
no Norte de Portugal, em fins do séc. XIX e princípios
O P. e Bernardino de Barros Gomes (1839-1910), do séc. XX (I)
provenientes da Província de Roma, formando-se
piedoso homem de Deus, celebrizou-se como assim a primeira casa em Lisboa a qual, a partir de
competentíssimo engenheiro silvicultor e pioneiro 1720, ficará instalada na propriedade chamada de
dos estudos geográficos em Portugal, cujos publicista laborioso e brilhante polemista. Enfrentou Rilhafoles. Iniciaram-se, desde então, com bons
o ataque movido por António Enes, em 1875, contra frutos, as obras próprias do Instituto de S. Vicente
o Instituto dos Padres da Missão, reagindo de Paulo, nomeadamente, as missões populares, os
prontamente com o opúsculo Os Lazaristas pelo exercícios espirituais e a assistência espiritual aos
“Lazarista” Snr. Enes (1875). A sua obra foi particu- ordinandos.
larmente apreciada por Camilo Castelo Branco que
a ele se referiu nestes termos: “um excelente escritor,
um padre ilustradíssimo, um homem de bem, um
argumentador convicto e em grande parte irrefu-
tável.” Dando seguimento à iniciativa do P.e Emílio
Miel, lazarista francês que, em 1859, tinha fundado
uma conferência de S. Vicente de Paulo com sede
na Igreja de S. Luís dos Franceses, em Lisboa, o P.e
Sena Freitas empenhou-se devotadamente na difusão
das conferências vicentinas por vários pontos do
país.
A Congregação da Missão entrou em Portugal graças
Casa de Rilhafoles (actual Hospital Miguel Bombarda),
ao empenhamento e perseverança do P.e José Gomes
primeira e principal casa dos Padres da Missão
da Costa (1665-1725), natural da Torre de Moncorvo
em Portugal (I)
que, jovem ainda, partira para Roma onde fez os
estudos eclesiásticos e ingressou na Congregação.
Era superior de uma comunidade no monte Célio, No plano institucional, continuavam a ser consi-
em Roma, quando tomou a resolução de lançar as deráveis as dificuldades. Mantinha-se a exigência
bases do Instituto de São Vicente de Paulo em régia, de feição regalista, que não consentia que a
D. João de França Castro Moura (I) Portugal. A proposta que entretanto apresentou ao congregação portuguesa dependesse do Superior

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

Geral, em Paris. Foi preciso esperar pelas festas da centros de missionação e de missionários a eles
canonização de S. Vicente de Paulo, em 1737, adstritos levou naturalmente à formação da Vice-
solenemente celebradas em Lisboa com a participação -Província de Moçambique que, mais recentemente,
do próprio D. João V, para as disposições do monarca se transformou em província autónoma.
se modificarem. Findas as celebrações da festividade A situação criada à Igreja pela independência política
litúrgica do novo santo, em Julho de 1738, concedia de Moçambique acabou por determinar que alguns
finalmente o rei que a comunidade se organizasse, confrades aí colocados optassem pelo regresso a
conforme as Constituições, na dependência dos seus Portugal. Traziam consigo a experiência de evange-
superiores maiores. lização em contexto muito diferente do que vieram
Os primeiros passos da Congregação da Missão em encontrar, mas ofereciam novas oportunidades para
Portugal foram, como vimos, difíceis e bastante que o campo de apostolado se pudesse alargar. Foi
precários. Durante muitos anos os seus membros o ponto de partida para a abertura de novas zonas
ainda foram maioritariamente estrangeiros, como pastorais em várias dioceses. A primeira foi, em
os catalães, P.e Joffreu, que sucedeu ao Fundador 1976, a de Salvaterra de Magos, na Diocese de
na direcção da Casa de Rilhafoles, e o P.e Salvador Santarém. Seguiram-se, em 1978, a de Almodôvar,
Barrera, quarto Superior da Casa de Lisboa. na Diocese de Beja, e a de Santiago de Cacém, em
Até à extinção das ordens e congregações, em 1834, 1991. Em 1994, vão para Nisa, na Diocese de
além de Rilhafoles, casa central, Noviciado, centro Portalegre, cujo bispo era, então, um membro da
de formação eclesiástica e de actividade pastoral, Família Vicentina.
houve as casas da Cruz, Guimarães (1751), dedicada Também os territórios de emigração portuguesa
às missões populares; Miranda (1752), seminário e P.e Sebastião Mendes (I)
conheceram a presença dos Filhos de São Vicente
missões; Funchal (1757), seminário e missões; Évora de Paulo. Entre 1955 e o final do séc. XX, os
(1779), seminário e actividade pastoral; Goa (1780), Missionários estenderam aos Estados Unidos da
seminário e pastoral missionária; Macau (1784), mediante a frequência de cursos comuns a outros América o seu campo de acção, trabalhando junto
seminário; Cernache do Bonjardim (1791), seminário; institutos religiosos presidiu à abertura, em 1968, da emigração portuguesa em Fall River e na Paróquia
Pequim (1797), actividade de evangelização; Caraça, de uma casa de formação no Porto, na R. do Amial, de N. Sr.a de Fátima, em Waterbury. Um pouco mais
Brasil (1820), missões populares e colégio. e outra em Lisboa, na Estrada da Luz. tarde, em começos da década de 1970, a emigração
A partir do gradual restabelecimento da Congregação Os Padres da Missão viveram, durante algumas para a Europa despertou igualmente o zelo pastoral
da Missão, de 1857 até à implantação da República, décadas, um período de considerável expansão, dos Padres da Missão. Durante um quarto de século,
os Padres da Missão instalaram-se em S. Luís dos reorganizando as actividades de casas que já vinham exerceram o ministério junto de comunidades
Franceses, Lisboa, e em Arroios, com casas de do séc. XIX, como S.ta Quitéria, em Felgueiras, e o portuguesas na Alemanha.
formação e de actividade pastoral; S. ta Quitéria, Funchal, estendendo também o seu campo de Actualmente, são 11 as comunidades da Província
Felgueiras, com colégio e actividade pastoral; Benfica apostolado às Dioceses de Lourenço Marques, hoje Portuguesa assim localizadas: R. do Século, em Lisboa,
e Funchal, pastoral e apoio à formação do clero. Maputo, e de Quelimane, em Moçambique. Foi a onde funciona a Casa Provincial e se exercem
Este período de actividade vicentina foi interrompido convite do então Prelado de Moçambique, D. actividades pastorais; Estrada da Luz, Lisboa, casa
pela implantação da República que fez duas vítimas Teodósio Clemente de Gouveia, que a Congregação de formação, paróquia e acção pastoral; Salvaterra
entre os seus membros quando, no dia 5 de Outubro da Missão iniciou a sua actividade evangelizadora de Magos, Santiago do Cacém, Nisa, Viseu, Chaves,
de 1910, a Escola Apostólica em Arroios foi assaltada em terras moçambicanas. Para lá partiram a 25 de paróquias e outras actividades pastorais; S.ta Quitéria,
por uma multidão exaltada que fez mártires o Maio de 1940 os primeiros sete missionários des- em Felgueiras, e Funchal, actividades pastorais;
septuagenário P.e Bernardino de Barros Gomes e o tinados à missão de Magude. Em Outubro de 1941, Oleiros, em Felgueiras, e Casa da R. do Amial, no
Provincial P.e Alfredo Fragues. era aí aberto o Seminário de S. ta Teresinha para Porto, casas de formação e de acção pastoral.
A evolução política caminhou, em Portugal, no formar clero autóctone. No ano seguinte, abriu a
sentido da progressiva moderação em matéria missão do Guijá e, em 1949, a de S.to António do
religiosa por parte do poder republicano, o que deu Sabié.
alento à vontade de voltar a pôr de pé o que a Com exiguidade de meios mas com grande dedicação
revolução tinha derrubado. Graças à tenacidade e às tarefas evangelizadoras, a acção dos Padres da
visão de alguns dos seus membros, a Província Missão acompanhados, desde 1941, pelas Filhas
Portuguesa foi restaurada em 1927, tendo como da Caridade, alargaram significativamente o campo
Visitador o P. e Sebastião Mendes (1882-1958), de apostolado, atingindo os mais distantes pontos
entretanto regressado à Europa, vindo do Brasil. da Arquidiocese de Lourenço Marques, e estendendo-
Começou então a fase de revitalização da presença -se mais tarde a outras dioceses moçambicanas,
vicentina em Portugal, graças aos esforços orientados nomeadamente à de Quelimane, onde assumiram
para a formação de novos membros. Em 1928, a direcção do seminário. A actividade de formação
começa o Seminário de S.ta Teresinha, na Freguesia do clero diocesano a que se vinham dedicando na
de Pombeiro, Felgueiras. Dez anos depois, é Arquidiocese de Lourenço Marques acabou por ter Seminário dos Vicentinos, Felgueiras (JEF)

inaugurado o Seminário de S. José, em Lagares, projecção interdiocesana, uma vez que ao Seminário
Felgueiras, e em 1954 abre, em Mafra, o Seminário Maior de S. Pio X, em Lourenço Marques, vinham No início de 2005, os membros portugueses da
de S. Vicente de Paulo, seguido do Seminário de N. fazer estudos de Filosofia e Teologia seminaristas de Congregação da Missão são 51 padres e um bispo.
Sr. a das Graças, em Braga, no ano de 1960. A várias dioceses e de diversas ordens e congregações O percurso de formação dos membros clérigos
necessidade de garantir boa formação eclesiástica religiosas. Entretanto, o crescimento do número de começa por 12 anos de ensino básico e secundário,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

a que se seguem um ano de Noviciado e quatro de deixar de fora da empresa de renovação da vida da Fé, para a vivência comunitária aberta ao encontro
estudos eclesiásticos. Os votos religiosos são privados, cristã e eclesiástica, inspirada pelo Concílio de Trento, fraterno e ao perdão, e educando para a solida-
mas sujeitos ao poder pontifício. Pelo voto de os mais frágeis e abandonados, foi recebida com riedade e a justiça na caridade. A missão deve
pobreza, não se renuncia à propriedade dos bens entusiasmo por muitos bispos e sacerdotes. Daí a empenhar-se ainda na promoção de um laicado
imóveis mas apenas se limita e modera o seu uso. rápida propagação das missões populares por muitas missionário, bem desperto para a responsabilidade
Aos três votos tradicionais, junta-se o voto de dioceses francesas e de outros países. que decorre da sua vocação baptismal.
estabilidade na Congregação ao serviço dos pobres. Quando, como vimos acima, começaram a ser
A vida comunitária dos membros rege-se pela lei lançadas as bases da Congregação da Missão em
fundamental expressa nas Constituições da Portugal, essa foi uma das acções evangelizadoras
Congregação da Missão, as quais remontam ao executadas pelos missionários. A primeira missão
Fundador, S. Vicente de Paulo. Mas como os artigos vicentina foi pregada em Samora Correia, no fim de
e respectivos princípios gerais carecem de aplicação Dezembro de 1720 e princípios de Janeiro do ano
aos diferentes contextos geográficos e temporais, seguinte. Os missionários tiveram a colaboração de
existe uma regulamentação consignada nos Estatutos um sacerdote português, procedimento que se havia
de cada Província. O enquadramento institucional, de repetir, depois, vezes sem conta. Desde então
segundo as Constituições e Estatutos, consagra a até hoje, grande número de aldeias do interior, de
Província Portuguesa, em termos canónicos, como norte a sul do país, foram assim percorridas pelos
sociedade de vida apostólica, dotada de persona- missionários a anunciar a Boa Nova da salvação aos
lidade jurídica para a prossecução dos seus fins pobres e humildes.
religiosos, no âmbito do Direito Concordatário. Até ao Concílio Vaticano II, as missões populares
Preside à vida da Congregação um Superior Geral estavam centradas nas igrejas de paróquias e lugares,
eleito para um mandato de seis anos, renovável só para onde eram convocados os fiéis, a fim de
uma vez. É coadjuvado no governo por seis participarem nas pregações. Os temas explanados
Conselheiros, também eleitos para um sexénio, nos sermões moviam-se em torno dos últimos fins
renovável uma vez, e no sector económico, por do homem, e glosavam com insistência a doutrina
colaboradores não eleitos. acerca do pecado e da graça. A construção do
À frente dos destinos da Província, existe um discurso parenético devia obedecer, em conformidade
Provincial, usualmente chamado Visitador, em virtude com directivas dadas pelo Fundador, à petite
P.e Bernardino Barros Gomes (I)
das funções que desempenha enquanto Superior méthode, isto é, ao método, simples e tripartido,
que visita, superintende, confirma e acompanha os cujo desenvolvimento se baseia na apresentação da
confrades. O Visitador é eleito pelos membros da natureza do assunto que vai ser exposto, na Para responder às condições estruturais muito
Província e confirmado pelo Superior Geral, em formulação de motivos que tornem o tema próximo complexas da sociedade de hoje, e para adequar os
conformidade com os Estatutos próprios. As suas das preocupações e do projecto de vida do ouvinte, procedimentos aos objectivos atrás definidos, as
funções não se devem confundir com as dos e na indicação de meios para se conseguir a missões populares propõem-se ser mais abrangentes
Visitadores extraordinários, os quais desempenham concretização e a perseverança na mudança pessoal. na constituição da equipa missionária, com mais
as suas missões em contextos específicos e pontuais. Os sermões orientavam-se para o apelo à conversão padres, irmãs, leigos e leigas, dar agora mais relevo
O carisma da Congregação da Missão é a caridade e à mudança de vida, inculcando a prática de tanto à pré-missão como à pós-missão, desenvolver
que retoma e prolonga o carisma do Fundador. A confissões gerais, com a missão a terminar numa a missão propriamente dita numa lógica de evan-
caridade inspira e promove as acções características solene comunhão geral. Este modelo, acomodado gelização de comunidades, descobrindo e formando
do apostolado dos Padres da Missão, a saber, a às condições concretas de tempo e lugar, não tinha animadores, de modo que a missão desperte o
evangelização do povo pobre e pouco letrado por sofrido modificações importantes ao longo dos sentido evangelizador e caritativo da Igreja, e ajude
meio da obra das missões populares, a formação tempos. a formar uma “comunidade de comunidades”. É
do clero, e a dinamização de obras e associações Mas a evolução das sociedades com mudanças dentro deste novo enquadramento missionário que,
caritativas. profundas da realidade camponesa e das menta- a partir da década de 1980, se têm realizado as
As missões populares são, desde os primórdios da lidades, o espírito de aggiornamento trazido pelo missões populares vicentinas em Portugal.
Congregação, a acção evangelizadora que mais Vaticano II, a rarefacção da presença permanente Existem na Igreja para cima de uma centena de
profundamente identifica no seio da Igreja os Filhos de clero secular à frente das paróquias, e novas institutos, organizações seculares e movimentos de
de São Vicente de Paulo. São elas que dão nome perspectivas abertas pelas ciências humanas e sociais espiritualidade com origem no espírito da
ao Instituto e fazem dos seus membros missionários levaram a repensar as missões populares vicentinas. Congregação ou que nela se inspiram e que o
por excelência, os quais têm plena consciência de Dessa reflexão resultou o aprofundamento do seu Superior Geral tem procurado congregar à sombra
que a sua missão mais não é do que a modalidade sentido evangelizador, a actualização das práticas protectora de S. Vicente de Paulo. O primeiro e, de
assumida pelo carisma vicentino para realizar a missão missionárias e o apelo a novas colaborações, em entre todos, o mais próximo é a instituição irmã, a
da Igreja. O Fundador aplicou essa destinação atitude de fidelidade criadora ao carisma de S. Vicente Companhia das Filhas da Caridade e Servas dos
missionária conferida por Cristo à Igreja nestes de Paulo. Pobres fundada por S. Vicente e por S.ta Luísa de
termos: “Tal é a nossa finalidade. Nosso quinhão Esta visão renovada da Missão Popular Vicentina Marillac. Outras organizações e movimentos são a
são os pobres. Iremos, de terra em terra, continuar identifica-a como “tempo forte e extraordinário de Associação Internacional das Caridades, a Juventude
a obra de Deus, que fugia das cidades e ia às aldeias evangelização, numa determinada zona ou paró- Mariana Vicentina, a Sociedade de São Vicente de
procurar os pobres. É esta a ocupação que a Regra quia.” Dá-lhe como tarefa levar o Evangelho a toda Paulo. Esta última foi fundada por Frederico
nos indica: ajudar os pobres, nossos senhores e a gente, abrindo caminho à conversão, interpelando Ozanam, em 1833, no contexto académico em que
nossos mestres.” Esta proposta, destinada a não cristãos e não cristãos para a experiência autêntica jovens católicos discutiam acaloradamente questões

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

filosóficas e teológicas que agitavam as mentes. Acerca dos bons serviços prestados à ciência e à Congregação, o Mensageiro de S. Vicente de Paulo,
A prática de tais discussões, de índole teórica e cultura, bastará relembrar os trabalhos dos P. es revista de periodicidade mensal, que se publicou
literária, acabou por evidenciar que eram escassos Bernardino de Barros Gomes, no âmbito da entre 1941 e 1970. Aí se encontra registada a crónica
os frutos assim obtidos e que havia outra maneira Silvicultura e da Geografia, Ernesto Schmitz, em da vida da província e da sua acção missionária em
de tornar presente a mensagem de Cristo, no seio Botânica e Zoologia, e ainda os trabalhos lexico- Moçambique. Nele foram igualmente publicados,
da sociedade cada vez mais secularizada. Eram as gráficos no campo da Sinologia do P. e Joaquim além de textos de reflexão e doutrina, breves estudos
“conferências da caridade” que assim nasciam, Afonso Gonçalves (1781-1841), autor do Lexicon históricos sobre as vicissitudes da presença dos filhos
mobilizando esses jovens para o serviço dos pobres, Magnum Latino-Sinicum, ostendens etymologiam, de S. Vicente de Paulo em Portugal, bem como
dentro do mais puro espírito vicentino. A aprovação prosodiam et constructionem vocabulorum (Macau, algumas narrativas biográficas.
da Igreja e a bondade da iniciativa asseguraram a 1841) e, mais perto de nós, os apreciados estudos A Congregação da Missão que é, desde os tempos
sua rápida difusão. Compreende-se, por isso, que, sobre língua e cultura changana do P.e Armando da fundação, uma obra de implantação transnacional,
em 1885, Leão XIII tenha declarado S. Vicente de Ribeiro (1924-1981), nomeadamente 601 Provérbios existe hoje disseminada por todos os continentes,
Paulo Padroeiro de todas as Obras e Associações de Changanas (Lourenço Marques, 1971) e o Dicionário aí desenvolvendo os seus fins apostólicos conforme
Caridade. Changana-Português, a aguardar publicação, que as necessidades de cada lugar e os recursos de que
A contribuição dos membros da Congregação da foi precedido pela Gramática da Língua Changana pode dispor. Em 2008, a Província Portuguesa conta
Missão para a sociedade portuguesa tem sido já editada. 51 membros, entre eles um bispo.
relevante no campo espiritual e religioso, no ensino, A memória histórica da presença dos Padres da Os membros da província vivem hoje sobretudo do
na assistência social, e na actividade cultural e Missão em Portugal encontra-se espalhada por vários seu trabalho profissional. Nos começos da
científica. arquivos e bibliotecas, em particular, na Torre do Congregação em Portugal, houve algumas doações
No decurso dos quase três séculos de presença em Tombo e na Biblioteca Nacional, e ainda nos arquivos e foi considerável a generosidade manifestada por
Portugal, os seus missionários calcorrearam o país, da Cúria Generalícia da Congregação da Missão, D. João V. Em momentos de reconstrução da vida
a pregar as missões populares nas aldeias mais em Roma, e da Cúria Provincial, em Lisboa. Com da província, após tempos conturbados de perse-
remotas do interior e estiveram presentes na evan- esses documentos, erigiu o P.e Bráulio Guimarães guição, foi preciosa a ajuda recebida de alguns
gelização ultramarina, em Goa, Macau, China, (1890-1973) um imponente monumento historio- benfeitores, através de legados ou doações entre
Malaca, Brasil e Moçambique. Em conformidade gráfico, singelamente intitulado Apontamentos para vivos. Actualmente, estas ajudas têm pouco peso,
com o carisma do seu Instituto, exerceram actividades a História da Província Portuguesa da Congregação pelo que a sustentação das pessoas e das casas de
de formação eclesiástica em numerosos seminários formação é quase exclusivamente assegurada pelo
portugueses, aí assegurando a direcção espiritual e trabalho dos seus membros.
o ensino. Ajudaram, desse modo, a formar uma A sigla que identifica os elementos da Congregação
parte considerável do clero português. Mas contri- é CM (Congregatio Missionis). O escudo representa
buíram também para instruir e promover socialmente a figura de Cristo Ressuscitado rodeado pelo lema
milhares de colegiais e ex-seminaristas, oriundos Evangelizare pauperibus misit me, que significa
sobretudo de meios rurais, que, de outro modo, “enviou-me a evangelizar os pobres”. É um apelo
dificilmente teriam acesso a mais avançada instrução. e um programa de vida para que jamais se perca
De modo directo ou indirecto têm sido igualmente de vista que esta Congregação tem como programa
relevantes as actividades de dinamização da acção a evangelização e o serviço dos pobres.
caritativa e assistencial a que têm estado associados Os membros deste Instituto vestiam, noutros tempos,
muitos dos seus membros. como qualquer clérigo pertencente ao clero secular.
Hoje, nada têm que os caracterize e distinga do
vulgar cidadão, a não ser a simplicidade e modéstia
do trajar, a que alguns acrescentam uma discreta
cruz na lapela do casaco.
Desde Dezembro de 2000, vem sendo publicado
com o título Comunhão e Missão (Redacção: R. do
Século, 152, em Lisboa) um boletim bimestral,
policopiado, com óptima apresentação gráfica, em
que, além de se dar notícia da Família Vicentina e
suas obras, como as missões populares e os diversos
movimentos e associações vicentinos, são ainda
abordados temas de espiritualidade e de vida eclesial.
Existem também, nas paróquias dirigidas por Padres
P.e Bráulio Guimarães (I)
da Missão, alguns boletins paroquiais de distribuição
confinada aos respectivos moradores.

da Missão. São oito volumes, que foram aparecendo, BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Cópia dos Documentos
policopiados, entre 1959 e 1963. Obra rigorosa, Relativos à Província Portuguesa do Arquivo da Casa-
exemplarmente informada, primorosamente escrita. -Mãe da Congregação da Missão: Secção Portugal,
Infelizmente, continua à espera da edição impressa Arquivo da Província Portuguesa, Ms., Casa Provincial,
que a cultura histórica nacional reclama. É também Lisboa. Impressa: Anuário Católico de Portugal 2007,
P.e Ernesto Schmitz (I) muito importante, como repositório da vida da [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal

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ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS VICENTINOS

Portuguesa, 2007, pp. 863-864; BERBIGUIER, P.e, Vida Bráulio, CM, O Padre Barros-Gomes, Vítima da Alfred, La Congrégation de la Mission de Saint
Popular de S. Vicente de Paulo, 4.a ed., Trad. de M. República, Lisboa, Alêtheia, 2006; GUIMARÃES, P.e Vincent de Paul en Portugal, in Sep. de Annales de
Fonseca, Porto, Ed. Tipografía Fonseca, 1953; CALADO, Bráulio, CM, Apontamentos para a História da la Congrégation de la Mission, Paris, 1906; ORNELAS,
Mariano, D. António Ferreira Viçoso, Bispo de Província Portuguesa da Congregação da Missão, 8 P. e Adelino de, CM, Breve História da Província
Mariana, Lisboa, s.n., 1987; C ALVET , Jean, Cara vols., Lisboa, Casa Central dos Padres da Missão, Portuguesa da Congregação da Missão, 2. a ed.,
Caridade: Vicente de Paulo, Trad. de Manuel Aguiar, 1959-1963; LADOUS, Régis, Monsieur Portal et les Lisboa, Ed. da Província Portuguesa da Congregação
Lisboa, Ed. Evangelizare, s.d.; COLLARD, Maurice, Siens (1855-1926), Préface d’Émile Poulat, Paris, da Missão, 2003; PITA, Nélio Pereira, Vicente de Paulo
Coração de Apóstolo José Baeteman, Prefácio do P.e Cerf, 1985 ; LECLERCQ, Jacques, Vie du Père Lebbe, Pai dos Pobres, Prior Velho, Paulinas Ed., 2006; PITA,
Bráulio Guimarães, Lisboa, Ed. Evangelizare, 1949; Tournai, Casterman, 1955; LEMOS, P.e João Maria Nélio Pereira, El Seguimiento de Jesús en San Vicente
Constituições e Regras da Congregação da Missão, Barbosa de, CM, “Missões Populares Vicentinas”, de Paúl, Salamanca, CEME, 2004; RIQUET, Michel, La
Lisboa, Casa Central da Congregação da Missão, in Comunhão e Missão, n.º 6, Funchal, Novembro- Charité du Christ en Action des Origines à Saint
1957; COSTE, Pierre, Monsieur Vincent: Le Grand -Dezembro, 2004, pp. 5-17; MARQUES, João Francisco, Vincent de Paul, Paris, A. Fayard, 1961; ROMÁN, José
Saint du Grand Siècle, 3 vols., 2.ème éd., Paris, Desclée “A rainha D. Amélia e o educador lazarista Padre María, San Vicente de Paúl I Biografía, 2.a ed.,
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305
Ordens e Congregações Femininas
Introdução
Ordens e Congregações Femininas

INTRODUÇÃO

1. O religioso no feminino: um inquérito a iniciar


O fenómeno religioso é uma realidade que, ao longo da história, encontra diversas
expressões e reveste formas e conteúdos que são fruto de uma sociedade e que, simultaneamente,
a condicionam. Daí advém o importante papel que desempenham as comunidades e os
movimentos que procuram afirmar a sua opção religiosa no mundo.
No entanto, a mulher que, até aos alvores da época contemporânea, raramente se ouve
e lê na primeira pessoa, é muitas vezes colocada à margem do discurso da “memória pública”,
ou seja, da imagem que fazemos de nós próprios e da sociedade que nos envolve.
A história monástica em Portugal enfrenta ainda mais alguns problemas, sendo um dos
Inscrição patente no Convento do Buçaco, principais o que se prende com as fontes escritas. Os cartórios das casas religiosas foram, como
Carmelitas Descalços (PCC) sabemos, objecto de várias mudanças, reinstalações e depredações e os que, hoje, são acessíveis,
representam apenas uma pequena parte da vida das instituições.
Face a esta situação, temos, porém, de afirmar que a história do monaquismo feminino
já começou a ser problematizada por alguns estudiosos que apresentaram trabalhos sobre um
ou outro mosteiro ou mesmo sobre um conjunto de comunidades e a sua vivência, ao longo
do tempo. Faltam, no entanto, sínteses explicativas que apresentem, de forma rigorosa e
científica, as comunidades femininas (ordens ou congregações), bem como a sua missão religiosa
e o seu papel social, numa perspectiva dinâmica e construtiva do saber. Este momento é, sem
margem para dúvida, a fase do balanço do que hoje se sabe e estuda sobre estas mulheres e
daquilo que ainda se desconhece, porque não se interroga, nem compreende.

2. As mulheres em religião: carismas e percursos


Assim, a abordagem da evolução histórica, no caso das ordens femininas, é essencial para
se compreenderem as circunstâncias de penetração da instituição no território, a qual, no caso
português, foi feita na maioria dos casos em parceria com a entrada do ramo masculino.
Nas palavras de André Vauchez, este foi um acontecimento verdadeiramente original no
Mosteiro em Meteora (Grécia), cujo isolamento
proporcionado pela orografia permite realizar mais
contexto da espiritualidade ocidental1, uma vez que a experiência feminina apresenta um
plenamente o ideal de fuga mundi (PCC)
conjunto muito variado de situações que não se vivem apenas de forma institucionalizada.
Ainda durante toda a Idade Média, muitas mulheres optam por, isoladamente ou em grupo,
abandonarem o mundo e viverem em oração e penitência, como penitentes, monjas, beatas,
reclusas ou beguinas. A sua acção traduz uma rejeição profunda da esfera social e das suas
origens, na encruzilhada do ascetismo e do ideal apostólico, associando o espírito de pobreza
e de caridade à busca do sofrimento físico.
A vida religiosa assume-se como um estilo de vida e não um estado. Assim, leigas umas,
religiosas outras, entre elas rainhas, oblatas, ou terceiras, as mulheres escolhem, numa época
em que a sociedade as empurra para a tutela masculina, o isolamento, a penitência, e
especialmente a castidade e as obras de misericórdia.
A própria vivência religiosa no cenóbio pode reger-se por diferentes “formas de vida”,
desde a monástica (Monjas Beneditinas e Cistercienses) à canonical (Cónegas Regrantes de
Religiosas trajadas com hábitos de diferentes ordens (Tours)
Santo Agostinho) e, mais tarde, a partir do séc. XIII, à mendicante (Dominicanas, Clarissas,
Carmelitas). A preocupação de enquadrar as várias opções religiosas das mulheres (cada vez
mais presente a partir do séc. XIII) conduzirá à adopção de uma Regra, quer por aquelas que
de livre vontade se reúnem, quer ditada pelas famílias patronais e fundadoras, pelas autoridades
eclesiásticas ou mesmo pelos monarcas, de acordo com modelos de espiritualidade, práticas
sociais ou mesmo interesses de carácter material.
Interessantes em termos históricos gerais e, mais concretamente, em termos da biografia
das instituições, foram os períodos mais ou menos conturbados (uns de declínio, outros de
renovação) que conduziram à institucionalização ou reconfiguração do movimento religioso
feminino, com profundas mudanças no seio das comunidades. Assim o Concílio de Trento
1
Cf. André Vauchez, A Espiritualidade da Idade Média Ocidental: (1545-1563), que submeteu à clausura absoluta as religiosas e suprimiu algumas isenções e
Séc. VIII-XIII, Lisboa, Editorial Estampa, 1995, p. 167. privilégios; a extinção das ordens religiosas (1834), que manteve, no que respeitava aos conventos

307
de freiras, o Decreto de 9 de Agosto de 1833, o qual condenou à morte lenta os conventos
de religiosas, ao não admitir a entrada de noviças2; a implantação da República (1910), em
que, uma vez mais, se promoveu a expulsão das ordens e congregações que lentamente tinham
regressado a Portugal; a Grande Guerra (1914-1918), que veio reacender os contactos entre
a sociedade civil e as religiosas; a Concordata e o Acordo Missionário (1940), no qual a Igreja
renunciou à devolução dos seus bens por parte do Estado, em troca do reconhecimento da
sua personalidade jurídica, da liberdade religiosa e do subsídio financeiro e do apoio logístico
à actividade missionária3; a Guerra Colonial (1961-1974), na qual muitas irmãs prestaram
assistência a civis e a soldados; e o Concílio Vaticano II (1962-1965), que trouxe consigo um
direccionamento diferente na organização interna das instituições religiosas, evidenciando um
esforço de adaptação aos novos tempos e um olhar diferente sobre o próprio fundamento e
missão da vida religiosa na Igreja e no mundo contemporâneos4.
As datas mais marcantes e mais difíceis na história recente das ordens e congregações cató-
licas femininas sediadas em Portugal foram a da sua extinção, proclamada pelo decreto de 1833
e confirmada pelo decreto liberal de 1834, e a de 1910, quando o governo republicano decretou
a expulsão das ordens e congregações religiosas do território e se apropriou dos respectivos bens.

3. Actividades das religiosas


Beguina de Anvers (Tours) Estas mulheres que vivem em comunidade têm como principal objectivo o louvor a Deus
e, por isso, dedicam-se em primeiro lugar à oração. No entanto, ocupam-se com os mais variados
trabalhos que estão na base da sua subsistência e contribuem para a vida de toda a comunidade
que gravita em torno delas. Destas faz parte uma actividade que à época era considerada uma
obra de caridade e que consistia no sustento e educação de crianças que lhes eram entregues
pelos pais ou mesmo pelas próprias freiras da comunidade (filhos e sobrinhos) e que eram
educadas no interior do cenóbio, onde algumas professavam.
Actualmente, as actividades desenvolvidas pelas religiosas são bem mais conhecidas.
Enquanto algumas, poucas, continuam a observar uma vida contemplativa e de clausura, sob
a alçada do respectivo ramo masculino, as outras, a grande maioria, encontra-se empenhada
numa acção assistencial e apostólica que tenta chegar a todas as camadas da população.
Educação e ensino, assistência social, promoção da mulher, missões Ad Gentes, evangelização
directa, promoção de retiros e reuniões, encontros de reflexão e semanas de estudos bíblicos,
entre outras actividades destinadas aos mais jovens, a casais, e à população em geral, fazem
parte do leque de actividades promovidas pelas religiosas.
As ordens e congregações católicas femininas têm vindo progressiva e paulatinamente a
impor-se como instituições imprescindíveis no saudável desenvolvimento da sociedade portuguesa.
As suas acções a nível da assistência a idosos, a crianças abandonadas ou desfavorecidas, bem
N. Sr.a da Boa Viagem, Convento dos Capuchos, Caparica (AJ)
como a sua atenção às franjas marginais da sociedade, muitas vezes marcadas pela prostituição,
o alcoolismo, as drogas e os maus tratos, ou habitadas por aqueles e aquelas que se vêem
diminuídos ou limitados nas suas capacidades, desde os portadores de deficiências físicas ou
mentais aos mais idosos e doentes, são muitas vezes de uma surpreendente grandeza humana,
na mais global acepção da palavra. Essas actividades, que não raro se desenvolvem longe dos
2
Cf. Maria José Mexia Bigotte Chorão, “Conventos” in Carlos olhares do grande público e que passam despercebidas no turbilhão de vida do português
Moreira de Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de comum, constituem-se como uma verdadeira assistência humanitária, colmatando lacunas que
Portugal, vol. C-I, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos o sistema público de saúde ou de educação deixa em aberto. Acima de tudo, são vividas como
de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, consequência coerente de um seguimento de Cristo e de uma opção pelos valores do Evangelho.
p. 19. Genericamente sobre a problemática da extinção das
ordens religiosas em Portugal, ver António Martins da Silva, 4. As comunidades: instituição, composição e formas de vida
“Extinção das Ordens Religiosas”, in Carlos Moreira Azevedo, Face a este panorama, o que se pretende, essencialmente, com a inserção deste núcleo
op. cit., vol. C-I, pp. 232-236. temático no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal é dar a conhecer ao
3
Cf. Manuel Braga da Cruz, “Igreja e Estado”, in Carlos Moreira grande público a vastidão e a singularidade do fenómeno do religioso no feminino em Portugal,
Azevedo, op. cit., vol. C-I, p. 408. para o poder abordar de forma científica, interrogando as origens de cada instituição, o contexto
4
Sobre a história das congregações religiosas no primeiro quarto histórico e as circunstâncias que estiveram subjacentes à sua fundação, os dados biográficos do
do séc. XX português, ver Artur Villares, As Congregações seu ou seus fundadores, os seus locais de sedimentação, a evolução quantitativa da instituição,
Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, Fundação Calouste nomeadamente o número de religiosas, o número de casas, qual o seu carisma, qual o seu
Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2003. relacionamento com o país, em particular no que concerne ao povoamento, ao ensino, à assistência
Relativamente à acção das congregações femininas durante as e à arte, entre outras áreas, e, ainda, quais as suas devoções, vestuário específico, rituais quotidianos
guerras em que Portugal se viu envolvido, nomeadamente I e acção cultural e de divulgação, sobretudo através de publicações periódicas, tais como revistas,
Guerra Mundial e Guerra Colonial, ver Maria do Pilar S. A. anuários, boletins.
Vieira, “Congregações Religiosas Femininas”, in Carlos Moreira A fim de levar a cabo esta tarefa, os cerca de meia centena de investigadores em múltiplas
Azevedo, op. cit., vol A-C, p. 480. áreas e os diversos membros de diferentes instituições, empenhados na redacção das mais de

308
100 entradas sobre ordens e congregações femininas em Portugal, têm vindo a dar resposta
a estas questões no decurso da sua investigação.
É importante ter presente que numa investigação desta dimensão, que integra instituições
com especificidades próprias tão distintas, de fundação, de carisma, entre outras, há diferentes
abordagens metodológicas a serem utilizadas em consonância com a instituição visada no
estudo. Assim, historicamente (de acordo com os períodos em estudo) há que distinguir a
“Ordem” da “Congregação”, pois enquanto a primeira pode ser definida como uma sociedade
de religiosos ligados por votos solenes, tendo normalmente um mais dilatado percurso histórico5,
a segunda é uma associação religiosa de padres ou de leigos, formada com uma finalidade
religiosa, cujos membros se comprometem por votos simples, temporários ou perpétuos,
Basílica da SS.ma Trindade, Fátima (SMA)
orientados por uma regra que organiza a sua vida e a sua acção6. Actualmente, porém, o
Direito Canónico apresenta todas estas comunidades como Institutos Religiosos ou Institutos
de Vida Consagrada, consignando, com esta denominação, a opção de vida de cada uma,
assente na espiritualidade de um(a) fundador(a), de acordo com o seu carisma e missão no
mundo.
É sobre a história, o ideal de vida cristão, assumido nos diferentes carismas de cada instituto
religioso, e a sua projecção na sociedade de hoje que este núcleo temático de que nos vimos
ocupando irá tentar dar resposta, esperando contribuir para definir com maior clareza o papel
singular destas mulheres na história e na sociedade portuguesas e desafiando à prossecução
de novos estudos que permitam esclarecer os muitos campos da história desta fecunda presença
das ordens e congregações femininas que permanecem ainda por desbravar.

SARA MORAIS SARAIVA DE ANDRADE


SÍLVIA FERREIRA

Estátua do Papa João Paulo II, Santuário de Fátima (SMA)

Santuário de Fátima (SMA)

Pormenor do Túmulo de D. Inês de Castro, representando


o Juízo Final, Mosteiro de Alcobaça (PCC)

5
Cf. Angelo Mercati, Augusto Pelzer, (dir.), Dizionario Ecclesiastico,
vol. II, Turim, 1953, p. 706.
6
Cf. ibidem; cf. igualmente Agnès Gehrarde, Dictionnaire
Historique des Ordres Religieux, Paris, Fayard, 1998, p. 179.

309
Ordens e Congregações Femininas
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ADORADORES ESCRAVAS

ADORADORAS ESCRAVAS inicia a redacção de um esboço dos regulamentos a província conta com 24 membros.
As Irmãs Adoradoras Escravas do Santíssimo da Congregação. É assim que, em 1847, Jesus passa A formação é feita nos centros normais e é dada a
Sacramento e da Caridade (ou Religiosas Adoradoras a ser o seu Mestre recebido na Comunhão, tornando- nível da Congregação, da província, ou local.
Escravas do Santíssimo Sacramento e da Caridade), -se Madre Sacramento e passando tempos indeter- A comunidade organiza-se ao nível da Congregação
mais conhecidas pelo nome de Adoradoras Escravas, minados junto do sacrário para receber as inspirações (geral), do país (provincial) e local (casas). Têm como
foram fundadas por Maria Micaela Desmasières e ficar vinculada para sempre à Eucaristia. Nesse carisma a adoração contínua a Jesus presente na
López de Dicastillo, tendo como sigla AASC, que mesmo ano trabalha em diversas casas em França, Eucaristia e a libertação e promoção da mulher
significa Adoratrices Ancillae Sanctissimi Sacramenti Bélgica e Espanha onde desenvolve várias actividades marginalizada e explorada pela prostituição ou vítima
et Caritatis. eucarísticas, trabalhando nas igrejas mais pobres e de outros problemas. A identidade adoradora
Maria Micaela Desmasières López de Dicastillo acabando por fundar uma congregação religiosa, fundamenta-se na Eucaristia e é vivida em atitude
(Madrid, 1809 – Valência, 1865) teve uma educação cujo fundamento se baseia no Amor e na Eucaristia. de louvor e de acção de graças, como expressão de
muito rígida, mas cedo ficou órfã, o que a obrigou É então que, em 1850, toma uma grande decisão: amor ao Pai e entrega aos irmãos. O nome da
a ter de se ocupar dos interesses da família. Esteve deixa a vida social para se dedicar definitivamente Congregação exprime a identidade, manifesta a
noiva durante cerca de três anos e, apesar de a servir o Senhor, desenvolvendo actividades diversas, unidade e a relação entre o amor ao Senhor
convencida da sua vocação para o casamento, todas tais como visitas domiciliárias e assistência a presos ressuscitado, a quem adoram, e o serviço a uma
as tentativas foram frustradas. A sua vida decorreu e doentes. Atravessa então anos muito difíceis missão libertadora da mulher. O voto de pobreza
como a de todas as mulheres da sua idade e também a nível económico que, só em 1854, são inclui a dependência e limitação no uso e disposição
condição: se, por um lado, praticava a caridade, por ultrapassados com a ajuda de beneficência. Em 1856, de bens materiais. A problemática que envolve a
outro fazia questão de usar vestidos confeccionados ajudada por Ana Ballesteros, funda, em Madrid, a mulher evoluiu desde o aparecimento da Congre-
com os melhores tecidos vindos de fora. Quando, congregação, ainda sem nome. Assim, sente gação, adoptando outras formas de apostolado. Há
em 1841, a sua mãe morre, o desgosto foi tal que necessidade de criar hábitos de trabalho, com os uma doação total à Eucaristia em forma de adoração,
decide entregar-se totalmente à Santíssima Virgem. quais a congregação pudesse sobreviver, ao mesmo em espírito e verdade, e um serviço à caridade, tarefa
Mas é em 1844, durante uma visita ao Hospital tempo que prepara as educandas para a vida, que é realizada em internatos e casas-família dotados
S. João de Deus, que percebe a sua vocação ao ensinando-lhes tudo o que faz parte da educação de sólida formação religiosa, social e profissional,
contactar com uma jovem vítima de sedução. feminina, bem como a ler e a escrever. No ano de onde as jovens possam refazer a vida. Assim, além
das casas-família, existem apartamentos de inserção,
casas para mulheres de alto risco e ainda casas com
jovens mães, para acolher e acompanhar, até à
inserção total.
Em vida, a Madre Fundadora não chegou a implantar
casas fora do seu país de origem. Actualmente,
existem cerca de 180 casas por toda a Europa, Ásia,
África e América, que contam com cerca de 1400
membros. Em Portugal, a sustentação da Congre-
gação, além da generosidade dos fiéis, obtém meios

S.ta Maria Micaela ensinando as meninas pobres (I)

1857, morre o P.e Carasa e é o P.e Claret que assume


a direcção espiritual da Madre Sacramento. Nesse
mesmo ano, escreve umas Constituições que foram
aprovadas, em 1858, pelo Cardeal Arcebispo de
Toledo. A Santa Sé aceitou provisoriamente as
Constituições em 1861. Depois de cinco anos de
prova, a mais alta instância jurisdicional da Igreja
Católica viria a aprovar definitivamente o documento
constitucional da nova Congregação em 1866.
A sua Comunidade estende-se por muitas cidades
de Espanha, onde são fundados colégios e onde são
S.ta Maria Micaela (I)
pedidas outras fundações, o que só vem a acontecer
mais tarde, devido à morte prematura da madre,
Em 1845, nasce o primeiro colégio ao qual Micaela em 1865, vítima de uma epidemia de cólera que
não tinha muito tempo para dedicar, devido à sua assolou Espanha. Em 1889, dá-se início ao seu
vida social, que a fazia deslocar amiúde a Paris. processo de canonização, o qual só será aceite por
Quando regressa, apenas encontra três jovens e toda Pio XI, em 1934.
a sua obra em perigo de terminar. Em 1847, aceita No ano de 1936, a Congregação chega a Portugal
tomar parte em exercícios espirituais a convite do e é fundada uma casa em Braga, que contava com
P.e Carasa. Resolve deixar todos os seus bens de três membros. Nos dias de hoje, existem casas nas
fortuna e, ajudada pela amiga Inácia Rico de Grande, cidades de Braga, Coimbra, Évora, Lisboa (duas) e S.ta Maria Micaela ensinando as jovens a bordar (I)

311
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AGOSTINHAS

resultantes de um protocolo de cooperação com o em sua casa. Terá sido em Hipona que surgiu o para os terrenos onde está hoje o Jardim Botânico,
Estado, através da Segurança Social. primeiro mosteiro feminino sob a obediência dessa e também o Convento de Xabregas (Lisboa), fundado
No quotidiano, podem usar hábito e véu cinzentos, Regra, tendo como superiora a própria irmã de pela Rainha D. Luísa de Gusmão (1664) com as
touca branca e um fio com uma custódia, ou então S.to Agostinho, em finais do séc. IV. primeiras religiosas vindas do Convento de
ta
um traje secular. Têm como rituais quotidianos o As Agostinhas depressa se expandiram em todo o S. Mónica de Lisboa, no qual a própria rainha se
terço e a celebração da Palavra. Como obrigação Norte de África até às invasões de vândalos, arianos recolheu, poucos anos depois. 3) Das Agostinhas
têm a Liturgia das Horas e a Eucaristia e, ainda, e muçulmanos no séc. VIII. Na Europa, surgiram mais Hospitaleiras, em Portugal, apenas há indícios de
como rituais, a tomada de hábito e os votos tarde, dedicando-se também à educação e obras de que tiveram o seu maior desenvolvimento nos sécs.
perpétuos. assistência. XIII e XIV, mas não estão identificados os lugares
Existe, a nível da Congregação, uma revista trimestral onde se radicaram.
intitulada Enlace, para divulgar o carisma, a A história de Rio Tinto (Gondomar) fala, sem qualquer
espiritualidade e as iniciativas pastorais e sociais das outra referência, de um convento de Agostinhas,
Adoradoras. de 1062 a 1535, data em que as Agostinhas foram
substituídas por Beneditinas. Há ainda a notícia de
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal um Mosteiro de S. João de Longos Vales de Monção,
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência entre 1550 a 1776, ocupado por Agostinhas. Em
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 865; MOYANO, Maria Vila Viçosa, a Ordem de Santo Agostinho remonta
Milena Toffoli, Santa Maria Micaela do Santíssimo ao séc. XIII, com a fundação do Convento de
Sacramento: Autobiografia, Coimbra, Gráfica de N. Sr. a da Graça, segundo a tradição, e que no
Coimbra, 2004; TOFFOLI, Maria Milena, Uma Vida ao primeiro quartel do séc. XVI terá sido escolhido pelo
Serviço do Amor, 2.ª ed., Coimbra, Gráfica de Duque de Bragança para o Panteão da Casa de
Coimbra, 1999. Digital: www.churchforum.org/ Bragança. Há também referências pouco claras no
santoral/Junio/1506.htm. que diz respeito à fundação do Convento das Chagas.
A tradição diz que, inicialmente (1514), era um
JOANA BARREIRA convento de freiras agostinhas, mas que desavenças
com o Duque de Bragança, porque não permitiram
que ele fizesse a ligação do convento com o palácio,
AGOSTINHAS por meio de um passadiço, teria provocado a saída
Religiosas Agostinhas é o nome genérico usado para destas, tendo sido substituídas pelas Clarissas, em
designar todas as ordens e congregações femininas 1534, vindas do Mosteiro da Conceição de Beja.
que professam a Regra de S.to Agostinho. É referido como o Panteão das Duquesas de Bragança
e um dos mais ricos conventos do Alentejo.
S.ta Rita de Cássia, monja agostinha, Igreja de S. Sebastião,
Câmara de Lobos (DRAC)

Das muitas ramificações, que se perderam nos


tempos, chegaram até nós sobretudo três grandes
ramos: 1) As Cónegas Regrantes de Santo Agostinho,
também chamadas “Virgens Canónicas” ou, simples-
mente, “Cónegas”. Fundaram muitos mosteiros em
Itália, França e Espanha. Em Portugal, tiveram vários,
sendo de destacar o Mosteiro de S. João e Sant’Ana
de Coimbra (1136), ligado ao masculino de
S.ta Cruz, e o de S. Félix de Chelas de Lisboa (1183),
que deu origem aos Mosteiros das Donas, em
Santarém e em Abrantes. As religiosas de clausura
eram, frequentemente, designadas por “Donas”, do
latim Dominas. 2) As Eremitas da Observância
Ordinária ou “Ermitas” dependiam, inicialmente, da
jurisdição dos bispos, até que Bonifácio IX, em 1401,
concedeu aos Eremitas de Santo Agostinho a
faculdade de fundarem comunidades de monjas com
S.to Agostinho, Museu de S. Roque (CLS)
hábito, regra e privilégios da sua Ordem. As sucessivas
reformas deram origem às Agostinhas Recolectas e
A tradição atribui a Regula ad virgines a S.to Agostinho, às Agostinhas Descalças. Em Portugal, as Ermitas
ta
estruturando a vida comunitária das chamadas tiveram os Conventos de S. Mónica de Évora (1380),
“virgens e viúvas consagradas”, devotadas ao serviço S. ta Cruz de Vila Viçosa (1527) e S. ta Mónica de
da Igreja, dos doentes e pobres. Estas recebiam, do Lisboa (1586). Ainda no séc. XVI, assumem o de
bispo, o véu da consagração, mas vivia cada uma Sant’Ana de Coimbra, transferido mais tarde (1612) Agostinianas (Tours)

312
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ALIANÇA DE SANTA MARIA

Presentemente, em Portugal, não existe nenhum 1942, o Decreto de Louvor e a aprovação das
mosteiro ou convento de religiosas Agostinhas. Constituições, ad experimentum, e, a 24 de Julho
de 1947, definitivamente.
BIBLIOGRAFIA: AA.VV., Enciclopédia Luso-Brasileira
de Cultura, Lisboa, Verbo, pp. 692-693; ALMEIDA,
Fortunato de, História da Igreja em Portugal, vol. 2,
Porto, Portucalense Editora, 1967, pp. 141-142;
ANDRADE, A. A. Banha de (dir.), Dicionário de História
da Igreja em Portugal, vol. 1, Lisboa, Resistência,
1983, pp. 76-77; Constitutiones Ordinis Eremitarum
Sancti Augustini, Roma, 1926; CUNHA, Teodósio da,
Constituições das Religiosas da Ordem das Ermitas
de Sant’Agostinho, Coimbra, 1734. Logótipo da Congregação (I)

JULIETA ARAÚJO
O carisma institucional, legado pelo Venerável
Jerónimo Mariano Usera y Alarcón, consiste em
ALIANÇA DE SANTA MARIA “encarnar o Amor de Deus na vida”, de modo a
A Aliança de Santa Maria, também identificada pela que cada irmã chegue a ser uma manifestação
sigla ASM, é uma congregação religiosa de Direito permanente do amor gratuito de Deus aos Homens.
Diocesano, pertencente à Diocese de Braga, tendo O fim específico é a educação e ensino da infância
a sua sede geral na Igreja da Colegiada de N. Sr.a e juventude.
da Oliveira, em Guimarães. Mariano Usera y Alarcón nasce em Madrid, a 15 de
Esta Congregação foi fundada no Porto, a 25 de Residência das Irmãs da Aliança de Santa Maria, em Belém (PCC) Setembro de 1810. Desde muito jovem, opta pela
Março de 1966, por Maria Áurea Ferreira Soares e vida monástica e será em Cister que se configura
Maria Clara de Vasconcelos Pereira, professoras de Vaticano II, pedido por João Paulo II e Bento XVI. a sua formação ampla e profunda. O campo, o
Liceu e de Ensino Básico, respectivamente, que, O carisma desta Congregação é, portanto, procurar silêncio, a oração e o estudo constituem os principais
sentindo a importância futura da Mensagem de alcançar a santidade pedida por Jesus, através de ingredientes para viver atento à descoberta do autor
Fátima e a necessidade de a difundirem, procuraram Nossa Senhora, vivendo e difundindo a Mensagem da beleza. Aos 14 anos, realiza a sua profissão
transmitir fielmente a Mensagem de Nossa Senhora. de Fátima. religiosa, momento a partir do qual adopta o nome
A Aliança de Santa Maria foi aprovada como Jerónimo Mariano. No dia 20 de Dezembro de 1834
Associação de Fiéis pelo Arcebispo de Braga, D. Eurico foi ordenado sacerdote. O anticlericalismo do
Dias Nogueira, a 28 de Novembro de 1985. O esta- séc. XIX não fará com que Jerónimo Usera desista dos
tuto de Congregação Religiosa, com a respectiva princípios que orientavam a sua conduta. O Decreto
instituição canónica, foi alcançado a 13 de Junho de Mendizábal, de 11 de Outubro de 1835 suprime
de 2002, aprovado pelo Arcebispo de Braga, D. Jorge todos os conventos das ordens monacais. O Mosteiro
Ferreira da Costa Ortiga. de S. Martin de Castañeda, onde se encontrava o
Relativamente à sua sede geral, sabe-se que, na P.e Usera, foi encerrado e os seus monges, errantes
época medieval, era de invocação de S.ta Maria de e desprezados, foram obrigados a abandonar o local.
Guimarães e que no séc. XIV começa a ser designada Jerónimo afastou-se para Pedrazales, povoação
de N. Sr.a da Oliveira. Hoje ainda conserva a aparência próxima, e aí continuou como pároco. Em 1837,
que adquiriu aquando da sua reconstrução, ordenada regressa a Madrid, onde se dedica ao estudo e ao
pelo Rei D. João I (1357-1433). ensino universitário, assumindo a cátedra de Grego
Rua da Residência das Irmãs, em Belém (PCC)
Unidos a si, tem também alguns movimentos laicais, na Universidade Central de Madrid. Entretanto, o
como os Luzeiros de Santa Maria, os Aliados Governo entrega-lhe a formação cívica e religiosa
Reparadores de Santa Maria e a Cruzada Nacional BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de de dois jovens guineenses. Desta tarefa surge a
do Terço, de quem foram fundadoras as Irmãs da Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da chamada para seguir Jesus na evangelização missio-
Aliança de Santa Maria. Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 865. nária em África. Foi missionário na Guiné, nas ilhas
As comunidades da Aliança de Santa Maria estão Digital: www.oconquistador.com. de Fernando Pó, hoje Bioco, até 1846, ano em que,
sediadas em Guimarães, em S. Bento da Porta Aberta, por motivos de saúde, teve de regressar a Madrid.
em Fátima e em Belém (Lisboa), com um número BENILDE ABEGÃO Em 1847, a Rainha D. Isabel II nomeia-o Admi-
total de 24 membros que professam os votos de CRISTIANA LUCAS SILVA nistrador da Igreja Metropolitana de Santiago de
pobreza, castidade, obediência e unidade, sendo Cuba. Aí, assumiu a situação do povo e tratou de
este último o que melhor caracteriza estas Irmãs. lhe dar resposta. Vários foram os cargos que
Os membros da Congregação são dirigidos pela AMOR DE DEUS, Irmãs do desempenhou: Revisor Eclesiástico e encarregado
Superiora Geral, eleita para o cargo por um mandato A Congregação das Religiosas do Amor de Deus, da reorganização do Santuário e da Confraria de
de seis anos. mais conhecida por, simplesmente, Amor de Deus, N. Sr.a do Cobre; professor no seminário, onde aca-
Esta Congregação participa na tarefa evangelizadora, foi fundada por D. Jerónimo Mariano Usera y Alarcón bou por reformar o plano de estudos; Governador
levando Cristo ao mundo através do Coração a 26 de Abril de 1864, em Toro (Zamora). Esta da diocese por delegação do vigário geral; e Cónego
Imaculado de Maria, segundo o espírito do Concílio Instituição obteve da Santa Sé, a 20 de Abril de Penitenciário. A 17 de Fevereiro de 1851, tomou

313
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AMOR DE DEUS

posse da diocese em nome do Arcebispo António porque era como que uma projecção de si mesmo imitando o Divino Mestre que perdoou aos seus
Maria Claret e, pouco depois, foi nomeado Reitor e do seu pensamento. A Congregação resultou da inimigos; terem muita obediência, muita humildade
do Seminário de S. Basílio. Em 1853, é nomeado experiência da sua própria vida pastoral e apostólica e muitíssima caridade; serem virtuosas e entendidas,
Deão da Igreja Catedral de S. João de Porto Rico. nas antilhas espanholas do Caribe. pois o Amor de Deus faz sábios e santos; procura-
Em 1858, depois de ter pedido renúncia ao cargo Usera já tinha fundado a Casa de Caridade e Ofícios rem em tudo a maior honra e glória de Deus; e
de Governador Eclesiástico, funda a Junta de Damas de S.to Ildefonso e, para a dirigir, a Associação de distribuírem o tempo entre a oração, o ensino e o
da Caridade e a Casa de Caridade e Ofícios de Damas da Caridade. Temia, no entanto, que quando estudo, conservando sempre a presença de Deus e
S.to Ildefonso, para crianças pobres, onde lhes ensina- faltasse alguma das colaboradoras leigas, não vivendo felizes.
va a ler, a escrever e a fazer as quatro operações. houvesse quem as substituísse, para além de estar A fundação da Congregação aconteceu a 27 de
Proporcionava-lhes, também, um ofício e, em caso convencido de que “semelhante tipo de ensino só Abril de 1864, na Igreja das Mercedárias Descalças
de necessidade, alimentação e vestuário. Viveu entre pode ser desempenhado por pessoas cuja profissão de Toro. Em 1908, o Bispo D. Luís Filipe Ortiz, sob
escravos libertos, muitos deles leprosos, procurando não seja outra que exercer a caridade, ensinando orientação da Sagrada Congregação para os Institutos
atender às suas necessidades materiais e espirituais. as meninas pobres”. Naquela altura, não foi possível Religiosos, elaborou as primeiras Constituições da
Usera não escreveu muito, mas viveu e respondeu levar, como desejava, as Filhas da Caridade de São Congregação, enquadrando-a no Direito Diocesano.
às necessidades com nobreza de alma, com espírito Vicente de Paulo a Porto Rico, por isso pediu Em 1942, a pedido da Superiora Geral, Ir. Maria
generoso, de forma gratuita, encarnando o amor autorização ao seu Bispo, D. Pablo Benigno Carríon Clara Fernandéz Lestón de San Francisco, corroborada
de Deus em todos os lugares onde viveu. de Málaga, para vir à Europa procurar professoras com as cartas de recomendação dos ordinários do
Em resposta à necessidade de cultura e dignificação que quisessem dedicar-se a esta obra. lugar por onde a Congregação se tinha expandido,
cristã da mulher das Antilhas, funda, em 1864, a Nesta viagem, o Venerável Servo de Deus aproveitou o Santo Padre Pio XII dignou-se louvar, aprovar e
Congregação da Irmãs do Amor de Deus. Neste para recolher informações, comparando e estudando confirmar as Constituições ad experimentum por
mesmo ano, toma posse como Deão na Catedral de os melhores métodos de ensino que se conheciam sete anos. No entanto, passados cinco anos, aten-
Cuba. É nomeado, em 1865, Director Administrador na época. Depois de percorrer quase toda a península dendo ao florescimento da Congregação e das cartas
do Hospital de S. Filipe e S. Tiago. Em 1883, funda e de se dirigir a vários institutos religiosos consagrados de recomendação dos ordinários do lugar, o mesmo
a Sociedade Protectora das Crianças da Ilha e, anexada ao ensino, confessa que não encontrou outro meio, pontífice aprovou definitivamente as ditas Consti-
a ela, a Casa Refúgio. No fim dos seus dias, funda que criar por si mesmo uma associação de senhoras tuições. Finalmente revistas segundo as normas do
a Academia de Tipógrafas e Encadernadoras. para cumprir com os santos e patrióticos fins da sua Vaticano II, as Constituições foram aprovadas em
comissão. Este foi o começo da fundação. 1980.
Não se conhecem todos os passos dados pelo Ainda durante a vida do Fundador, foram criadas
Venerável Servo de Deus para fundar a Congregação. as seguintes comunidades: a Casa-Mãe e um colégio
Sabemos que pediu conselho a alguns bispos, como em Toro (1864); um colégio em Cádiz (1867); o
ao Cardeal de Toledo, Fr. Cirilo de Alameda y Brea, Colégio de S.ta Isabel, em Havana, Cuba (1871); um
e ao Bispo de Zamora, D. Bernardo Conde y Corral. colégio em Guanabacoa, Cuba (1872); o Colégio
Contactou, igualmente, com alguns fundadores, de S.ta Rosalía, em S.ta Clara, Cuba (1883); um colégio
como os das Oblatas do Santíssimo Redentor, em Zamora (1884); e um colégio em Vila Seca,
Madre Antónia Maria de Oviedo e Mons. Benito Tarragona (1890).
Serra, e com a fundadora das Adoradoras Escravas A expansão geográfica da Congregação deve-se a
do Santíssimo Sacramento e da Caridade, S.ta Maria vários factores: o aumento de vocações religiosas
Micaela do Santíssimo Sacramento. Nesta, encontrou nos anos 30; a existência de irmãs que tornaram
o P.e Usera muito apoio, pela ampla colaboração realidade o pensamento do Fundador – “Dai-me,
P.e Usera (I)
que lhe ofereceu. Porém, o seu principal colaborador, meu Deus, mais dilatados horizontes, novas terras
a quem se deve a eleição de Toro para berço da onde estender o teu reino”; as mudanças políticas
Veio a falecer, pobremente, a 17 de Maio de 1891, Congregação, foi o Bispo de Zamora, D. Bernardo e sociais em Espanha, que levaram a Congregação
na casa de uma sobrinha, aos 81 anos de idade. Conde y Corral, seu amigo pessoal e primo do seu a procurar outros países na Europa; o fim da Segunda
A sua última casa tinha sido um cubículo no sótão cunhado. Guerra Mundial, que originou um grande crescimento
da catedral. Recebeu sepultura no cemitério de O bispado possuía um antiquíssimo palácio na cidade na Alemanha e, com ele, um aumento significativo
Cólon, na abóbada, propriedade do Cabido, e ali de Toro, que se encontrava em ruínas. O Venerável de emigrantes que necessitavam acompanhamento;
permaneceram os seus restos até que, em 1925, Servo de Deus pediu-o ao bispo e procedeu à sua a Revolução Industrial; e a Revolução Cubana, que
foram transladados para Espanha pela superiora reparação, para nele fundar um colégio e acolher obrigou a Congregação a sair de Cuba e a buscar
geral e depositados na Casa Geral das Religiosas do as primeiras irmãs. Este colégio destinava-se a instruir novas terras de expansão.
Amor de Deus, em Zamora. Foram levados para gratuitamente as meninas pobres e, por uma módica Em 1932 chegou a França. A missão neste país foi
Toro, em 1931, e depositados na casa fundacional. quantia, as ricas, em todos os ramos ou matérias variando ao longo dos tempos. Actualmente temos
Actualmente, descansam na cripta construída na que a instrução primária completa compreende. No uma única presença de acolhimento a peregrinos
Igreja do Colégio de Toro. O reconhecimento das final, estariam aptas a exercer o Magistério em todas em Lourdes.
suas virtudes heróicas teve lugar no dia 28 de Junho as partes, especialmente nas Antilhas. A formação Em Julho de 1932, a madre geral dirigiu-se a Portugal.
de 1999, sendo proclamado Venerável. O seu feminina incluía o governo e a orientação de uma Chegada ao Porto, pediu licença ao bispo para se
processo de beatificação continua, aguardando a casa e outros conhecimentos de ordem social e estabelecerem nesta diocese. Este deu-lhes auto-
graça do reconhecimento público da sua santidade. artística, como música, idiomas, desenho, etc. rização para fundar o tipo de obra que quisessem,
De todas as obras realizadas pelo Venerável Servo O Venerável Servo de Deus atribuía às suas religiosas desde ensino a beneficência. As Irmãs tomaram
de Deus, certamente a mais duradoira e mais fecunda as seguintes características: sacrificarem-se pelo Santo conta da direcção de um colégio, na R. Miguel
foi a Congregação das Irmãs do Amor de Deus, Amor de Deus; serem generosas e nobres de coração, Bombarda. Passado pouco tempo, e porque o espaço

314
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AMOR DE DEUS

continente africano; Chile, Peru, Bolívia, Brasil,


México, Porto Rico, República Dominicana, Cuba,
Guatemala, e Estados Unidos, no continente
americano; Alemanha, Itália, França, Portugal e
Espanha, no continente europeu; e Filipinas, no
continente asiático.
A formação das Irmãs é constituída pelas seguintes
etapas: o Aspirantado, interno ou externo, onde as
jovens iniciam o contacto com a Congregação,
podendo durar de três meses a dois anos; e o
Postulantado, que corresponde ao primeiro contacto
com a vida das irmãs numa comunidade concreta,
com a duração de seis meses a dois anos. Nestas
Celebração dos 75 anos de presença em Portugal (I)
duas etapas, a candidata continua os seus estudos
académicos, ao mesmo tempo que vai recebendo
se revelou insuficiente para a procura, foi mudado alguma formação específica da Congregação, sob
para a R. do Campo Alegre. Aqui continua em a orientação e o acompanhamento de uma
funcionamento até aos dias de hoje. Em Maio de formadora. A etapa seguinte designa-se de Noviciado
1933 as Irmãs foram para o Seminário Maior de e tem a duração de dois anos. Neste tempo, a jovem
Coimbra. Aí havia um grupo de raparigas que deixa os seus estudos académicos para se dedicar
tomavam conta dos serviços domésticos do seminário Lar de Infância Amor de Deus, Vila Viçosa (NM) exclusivamente à formação religiosa e à oração,
e que viviam em comunidade, apesar de não serem preparando-se, assim, para emitir os seus primeiros
religiosas. Por esta altura, as Irmãs do Amor de Deus votos. Segue-se o Juniorado, que pode durar de seis
foram pedir licença ao bispo para se estabelecerem Devido à grande procura e à insuficiência de espaço, a nove anos. Ao fim de cada ano, a jovem professa
em Coimbra. O bispo entregou-lhes, então, o em 1970 o mesmo colégio é transferido para as renova os seus votos. Nesta etapa de formação, a
seminário e o cuidado dessas jovens que mais tarde actuais instalações, em Cascais, onde se recebem jovem religiosa é enviada a uma comunidade
se tornaram, também elas, Irmãs do Amor de Deus. alunos desde os três anos até à idade em que missionária, onde aprenderá, pela realidade
Mais tarde, em 1937, o bispo entrega-lhes a Casa completam o 12.º ano. Em 1951, as Irmãs assumem quotidiana, a viver a sua consagração. Retoma,
de Retiros de S.to António, onde a Congregação um patronato de crianças pobres, em Lamego, e, então, os seus estudos, embora tenha um acompa-
acolheu o Noviciado. Em 1939, a Congregação foi em 1953, tomam conta dos serviços de apoio do nhamento e formação específica por parte da sua
convidada a orientar o Lar de Infância Dr. Elysio de Seminário de Aveiro. Em Outubro de 1957, a formadora. Ao fim deste tempo, a religiosa faz a
Moura, na mesma diocese. Congregação estabelece-se na vila de Valpaços, com sua consagração definitiva pela profissão dos seus
Entretanto, em 1934, as Irmãs tomam a seu cargo a finalidade de se dedicar à educação. Enquanto votos perpétuos. Concluída, assim, a formação inicial,
o Lar de S.ta Estefânia, em Guimarães, que funciona se construíam uns pavilhões para as aulas, as Irmãs cada irmã é convidada a continuar a sua formação
num edifício que fora um antigo convento de viviam e davam aulas em casas particulares. permanente a todos os níveis. Para isso, conta com
Carmelitas. Ainda hoje se procura dar às meninas Posteriormente, foi construído um edifício com o apoio da comunidade e da Congregação, que
uma formação integral, para que se possam inserir instalações para aulas e internato, como forma de procura subsídios de apoio, embora cada irmã se
na sociedade o mais positivamente possível, apesar apoio às crianças do interior, que não tinham responsabilize pela própria formação.
de todas as lacunas e histórias familiares. Em 1942, possibilidade de prosseguir os estudos. Actualmente, O Capítulo Geral ordinário celebra-se, normalmente,
a Congregação foi chamada a S. João do Estoril, as Irmãs permanecem nesta vila, dedicando-se cada seis anos e nele é eleito o Governo Geral.
onde se estabeleceu num edifício público, num antigo essencialmente à pastoral e à educação nas escolas A Superiora Geral é eleita para um período de seis
balneário de umas termas. Inicialmente, funcionou públicas. Estiveram, ainda, presentes na Casa anos. Pode ser reeleita para um segundo e terceiro
como colónia para crianças pobres. Actualmente, Diocesana do Clero de Leiria-Fátima, em Chaves, sexénios, se bem que, neste último caso, são
funciona como infantário e escola do 1.º ciclo do em Angeja e em S. João de Ver. Porém, por motivos necessários dois terços dos votos. Não se admite a
ensino básico. Também por esta época, a Associação diversos, essas comunidades foram encerradas. possibilidade de eleição para um quarto sexénio. As
Educação Popular de Lisboa pediu a presença da Actualmente, a Congregação está presente em 19 Conselheiras Gerais permanecem nos seus cargos
Congregação num dos bairros mais pobres e países: Angola, Cabo Verde, Moçambique, no até ao Capítulo Geral ordinário seguinte. Podem ser
marginalizados na periferia de Lisboa. As Irmãs reeleitas, embora não para mais de um terceiro
deixaram um pequeno asilo, na cidade, e foram viver sexénio.
para o B.º da Liberdade, onde se encarregaram da As Províncias são constituídas por um certo número
formação religiosa na escola, de um dispensário de casas sob a responsabilidade da Superiora
médico, da cantina escolar e da formação feminina. Provincial, que as governa com autoridade ordinária
Hoje, a Congregação mantém-se neste bairro, e própria, conforme as normas das Constituições.
dirigindo a escola, que abrange crianças desde os A Superiora Provincial é eleita em Capítulo Provincial
quatro meses até à idade em que concluem o e confirmada pela Superiora Geral, por um triénio.
9.º ano do ensino básico. Em 1944, a Congregação Pode ser reeleita para um segundo ou terceiro
toma conta de um asilo/hospital no Alandroal, triénios, sendo, neste último caso, necessário dois
pertencente à Diocese de Évora, e de um lar de terços dos votos. O Conselho Provincial é formado
infância em Vila Viçosa, onde ainda continuam. Em por duas ou quatro Conselheiras, eleitas em Capítulo
1950, as Irmãs fundam um colégio no Monte Estoril. Casa Provincial em Fátima (I) e confirmadas pela Superiora Geral, para um triénio

315
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AMOR DE DEUS

e nunca para mais do que um terceiro triénio. Antes contemplativas do Amor de Deus, à escuta da Palavra A Família Amor de Deus é a que impulsiona a
da eleição do Governo Provincial, abre-se no seio e do irmão; viver profeticamente o acolhimento e construir um mundo de irmãos, no qual as relações
do Capítulo uma sondagem feita a toda a Província. a entrega gratuita do amor (“dar e receber de interpessoais se expressam em gestos simples de
A Vice-Província é considerada uma província em graça”); criar tempos fortes para o louvor, a escuta, ternura, proximidade, acolhimento, respeito,
formação, por lhe faltar algum requisito, e, como a celebração, a festa e oferecer esses espaços ao confiança, compreensão e misericórdia. A solida-
tal, funciona, em termos de governo, como a homem de hoje, na comunidade eclesial; optar riedade é vivida como caminho de encontro entre
Província. preferencialmente pelos mais pobres e desfavorecidos; os povos.
A Região é formada por um grupo de casas com e fazer doação da sua vida em entrega desinteres-
interesses comuns, pertencentes ao Governo Geral sada, com alegria, acolhimento, disponibilidade e
ou a uma Província. Tem por fim facilitar o governo serviço. O carisma da Congregação urge a evan-
e o desenvolvimento da Congregação em territórios gelizar, comprometendo as Irmãs na construção da
distantes. É governada por uma Superiora Regional cultura do Amor. Cada irmã do Amor de Deus,
com poderes outorgados pela Superiora Geral ou impulsionada por este amor, pretende descobrir as
Provincial, conforme os casos. A nomeação da sementes do Reino que há em cada cultura, cultivar
Superiora Regional compete à Superiora Maior os sinais de vida que há nela e impregná-la dos
respectiva, com o voto deliberativo do seu Conselho valores do Evangelho; expressar a cultura do amor
e a aprovação da Superiora Geral. com gestos significativos; actuar desde a pedagogia
A Comunidade Local é constituída pelas irmãs que do amor e educar com o seu ser e o seu fazer (“o
habitam comummente a mesma casa, devendo ser principal livro deve ser a educadora”); e semear ao
Missão em África (I)
formada por, pelo menos, três irmãs. A Superiora seu redor valores de solidariedade, fraternidade,
Local é a irmã designada na Comunidade para exercer justiça e paz.
o governo da mesma, juntamente com o seu A Fé em Jesus ressuscitado e a força do espírito Juntamente com a Congregação, surgiu o Movi-
Conselho e em colaboração com toda a Comunidade. convocaram a primeira comunidade que viveu uma mento Secular “Amor de Deus”, formado por
A Superiora pode ser eleita em Capítulo Local ou, experiência decisiva de amor gratuito, vínculo de Associações Padre Usera, pelo Voluntariado Amor
se a Comunidade assim o desejar, ser nomeada pela fraternidade nova. Esta mesma experiência convoca de Deus e pelas Comunidades Seculares Amor de
Superiora Maior respectiva. Esta eleição ou nomeação a viver a espiritualidade em comunidade, a construir Deus. O Movimento estende-se a vários países e é
é para um período de três anos, renovável por mais comunidades de vida e missão e a partilhar o carisma animado a partir da Congregação. Na linha da
três anos ou, excepcionalmente, por um terceiro com as pessoas do nosso tempo, crescendo pro- Exortação Apostólica de João Paulo II sobre os leigos
triénio, embora para isso seja necessário que conte gressivamente na espiritualidade Amor de Deus, na Igreja, pretende-se que estes grupos sejam
com dois terços dos votos do Capítulo Local, caso comprometidos numa tarefa comum de evangeliza- chamados a tornar-se “correntes vivas de participação
se trate de eleição, ou com dois terços de aprova- ção e projectos concretos de solidariedade. e de solidariedade para criar umas condições mais
ção no resultado da sondagem prévia feita à A irmã do Amor de Deus possui um coração missio- justas e mais fraternas na sociedade” (cf. CFL 30).
Comunidade, se for por nomeação. nário, herdado do seu Fundador. O desafio do envio Em Portugal, existe uma Associação Jerónimo Usera,
O carisma das Irmãs manifesta-se na vida através missionário é a pérola preciosa que continua a funcionar em Cascais, com uma ampla acção social
da experiência do amor gratuito de Deus e da alargando a sua vida mais além de si mesma e é, e actividades muito diversificadas de solidariedade,
expressão desse amor entre os irmãos e define-se ao mesmo tempo, prolongamento do testemunho segundo a espiritualidade do P.e Usera.
pelo acto de “[e]ncarnar o Amor de Deus na vida, evangélico de Jerónimo Usera. Relativamente ao seu vestuário, as Irmãs usam um
de modo que cada irmã chegue a ser uma manifes- Desde as origens, a Congregação tem como opção hábito azul, cor do manto da Imaculada Conceição,
tação permanente do Amor de Deus aos homens”. permanente de evangelização a educação e a com um véu preto, como sinal de consagração. Hoje,
Esta é a linha de vida da sua espiritualidade, a raiz promoção integral da pessoa com o modo peculiar porém, o seu uso foi tornado facultativo, atendendo
integradora de todas as experiências, que lhes dá herdado do seu Fundador: a pedagogia do amor, às novas condições sociais. As irmãs vestem com
sentido e as plenifica e que imprime nas Irmãs uma sabendo que a primeira acção apostólica é ser simplicidade e modéstia, trazendo sempre consigo
qualidade que integra toda a sua vida pessoal, testemunha do amor em unidade com a vida real um sinal distintivo, que é a sua cruz ao peito, onde
comunitária e de missão. Para isso, procuram ser da comunidade religiosa. se inscreve o lema da Congregação: Caritas Christi
A Congregação vive intensamente a necessidade do urget nos.
Evangelho, da cultura e da humanização, como As Irmãs do Amor de Deus publicam trimestralmente
chamamento permanente. Realiza o seu carisma e os seguintes títulos: Viver para Sentir, boletim da
a sua missão como forças dinâmicas, inseridas na causa de canonização do P. e Fundador; Ir. Rocio
incerteza e na mudança, em fidelidade aos sinais Rodriguéz: Uma Vida Entregue ao Amor de Deus,
dos tempos; testemunha-o no serviço às pessoas, folheto da causa da Ir. Rocio; Hermanas del Amor
integrada na igreja local, com atenção preferente de Dios, boletim congregacional, o qual tem um
aos pobres, aos pequenos e aos que sofrem. As suas suplemento anual, Mês Usera, aquando da celebração
actividades apostólicas, submetidas sempre ao do aniversário da fundação.
chamamento de Deus, através das necessidades dos
homens, abarcam os seguintes campos: educação BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal
integral da infância e da juventude, promoção 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
humana e construção de comunidades cristãs. Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 906-907; CARRERO,
Hoje, Jerónimo continua a convocar, tal como ontem, Auxiliadora, Rocio, Madrid, Edelvives, 2002;
muitos leigos que desejam seguir as suas pegadas COORDENAÇÃO GERAL DE FORMAÇÃO, “O Amor de Deus
Missionação (I) e viver com as Irmãs a sua mensagem e carisma. Nos Chama”: Plano Geral de Formação, Madrid,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ANGÉLICAS DE SÃO PAULO

Editabor, 2002; COORDENAÇÃO GERAL DE MISSÃO, Em (1502–1539), Ludovica Torelli (1500–1596) e Paula convento, mas trabalhar no meio do povo para “dar
Comunhão para a Missão, Madrid, Editabor, 2001; Antónia Negri (1508-1555). a conhecer Cristo, o Seu amor e a Sua lei e, além
COORDENAÇÃO GERAL DE MISSÃO, Missão Carismática António Maria era um inovador. Naquela época, disso, para educar a adolescência e prepará-la tanto
“Amor de Deus”, Madrid, Editabor, 2001; MORENO, todas as ordens femininas eram de clausura, contudo para a vida no mundo como, eventualmente, para
Irmã Auxiliadora Carrero, Reflexos, Zaragoza, Talleres nesta, orientada por ele, as irmãs podiam sair, ir aos a vida religiosa”.
Gráficos/Edelvives, 2006; Reglamento Marco de cárceres e aos hospitais, andar no meio do povo, Adoptaram a Regra de S.to Agostinho, com alterações,
Régimen Interior: Centros Educativos “Amor de Dios” fazer conferências. As suas Regras e costumes e, baseado nesta, o Fundador foi orientando as
– España, Madrid, Santillana, 1998; RÍOS, Manuel distinguiram-se e foram sendo apresentadas como Angélicas para “o ideal da perfeição cristã e da vida
Gómez, Jerónimo Mariano Usera: A Beleza de Fazer modelo a outras congregações religiosas. Porém, apostólica”. Adoptaram ainda um hábito branco,
o Bem, Madrid, Editabor, 2001; RÍOS, Manuel Gómez, esta novidade chocou a mentalidade da época. semelhante ao das Dominicanas.
Jerónimo Mariano Usera: Testemunha de Amor para Desde 1530, um pequeno grupo de jovens voluntárias Em 1537, quando as Angélicas se encontravam já
o Terceiro Milénio, Madrid, Editabor, 2000; XII vivia em comum sob a orientação de Ludovica Torelli, intensamente preparadas e aptas a iniciar um
CAPÍTULO GERAL, Espiritualidade das Irmãs do Amor Condessa de Guastalla. Torelli, ainda na juventude, apostolado “na mais vasta escala”, anuncia-lhes em
de Deus em Missão, Madrid, Editabor, 1996; XII ficou viúva e, sob a direcção espiritual do dominicano carta o seu Fundador: “Ó filhas queridas, desfraldai
CAPÍTULO GERAL, Espiritualidade das Irmãs do Amor Fr. Baptista de Crema, deixou a vida da Corte para, as vossas bandeiras, porque logo o Crucificado vos
de Deus em Missão, Madrid, Editabor, 1996; XIII alegremente, empregar todos os seus bens e todas mandará para anunciar a vivência espiritual e o
CAPÍTULO GERAL, Conhecemos o Amor que Deus Nos as suas energias ao serviço do próximo. Ao mesmo espírito vivo por toda a parte.” Vicência, Verona,
Tem e Acreditamos Nele, Madrid, Editabor, 2002; tempo, Fr. Baptista encaminhou-a para o seu filho Veneza, Brescia e Ferrara foram as primeiras cidades
XIV CAPÍTULO GERAL, Para que Jesus Cristo Seja o espiritual, António Maria Zaccaria. que viram as Angélicas e os Barnabitas na pregação
Centro da Nossa Vida, Madrid, Editabor, 2008; Ludovica Torelli renunciou ao seu pequeno e ilustre e na fundação de piedosas associações, na reforma
Z AMORA , Sancristobal de la Habana o, Jerónimo condado e estabeleceu-se em Milão. Com Zaccaria, de mosteiros, no cuidado dos órfãos e dos doentes.
Mariano Usera Y Alarcón (1810-1891): Positio sobre fazia parte do Oratório da Eterna Sapiência, ao qual Em consequência das decisões do Concílio de Trento,
las Virtudes y Fama de Santidad, Madrid, Editabor, pertencia a maioria da nobreza de Milão e, com o as Angélicas tiveram de aceitar, como todas as outras
1995. Digital: www.amordedios.net; www.amor auxílio do mesmo, começou a reunir jovens damas, religiosas, a clausura. Assim, a Condessa Torelli, que,
dedeus.net. dando origem a uma comunidade, que logo atraiu com António Maria Zaccaria, havia sonhado ideais
primeiro a curiosidade e depois a admiração dos bem diferentes para as Angélicas, retirou-se para
HELENA MARIA CARDOSO OLIVEIRA milaneses. É que, nesta época, os mosteiros atravessa- uma das suas propriedades, dando origem ao Colégio
de Guastalla, que ainda hoje existe, nas proximidades
de Milão. Com as Angélicas manteve frequentes e
ANGÉLICAS DE SÃO PAULO afectuosas relações. Em 1625, o Papa Urbano VIII
O nome oficial desta Congregação é Irmãs Angélicas aprovou o regulamento definitivo, redigido pelo
de São Paulo e a sua sigla IASP. Angélicas porque, padre barnabita Bascapé.
como os anjos, se propõem servir a Deus e aos
homens e unir a contemplação e acção nas suas
vidas de consagradas. Segundo o Fundador, elas são
“enviadas pelo Crucificado para anunciar a vivacidade
espiritual” e de S. Paulo, porque têm o apóstolo
como padroeiro, ou melhor, como Pai da Congre-
gação, como Mestre e Guia da sua pastoral.
Esta Congregação foi fundada em 1535, na cidade
de Milão, em Itália, por António Maria Zaccaria

Fundador da Congregação, S.to António Maria Zacaria (I)

vam uma decadência espiritual, pois o sistema de


direito de primogenitura obrigava as filhas a tomar
o véu monacal.
Assíduas às funções sagradas, humildes e modes-
tamente vestidas, as jovens andavam de porta em
porta, pedindo esmola em favor dos pobres e da
Co-Fundadora da Congregação, Ludovica Torelli,
Igreja, sem fazer caso das injúrias e humilhações.
Condessa de Guastalla (I)
A 15 de Janeiro de 1535 esta nova comunidade foi
aprovada como Congregação Religiosa de Vida
Apostólica, pelo Papa Paulo III. Apesar de as Irmãs Angélicas não poderem dedicar-
Seguiu-se então um período de formação espiritual -se às obras de apostolado directo, agora acolhiam,
mais intenso, uma vez que elas – e isto era a novidade nos seus conventos, grupos de adolescentes desejosas
Logótipo da Congregação (I) para a época – não deviam ficar fechadas no de uma verdadeira educação cristã. Trabalhavam

317
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ANGÉLICAS DE SÃO PAULO

assim, com sucesso e em silêncio até que, em 1785, formalmente o pedido. Três anos depois, é aprovado
um novo golpe ainda mais grave atingiu a por Bento XV no Decreto de 26 de Abril de 1919,
Congregação: um decreto de D. José II, Imperador a dispensa de clausura para o Mosteiro de Arienzo.
da Áustria, contra as ordens religiosas. As Irmãs Um ano depois, foi a vez das Angélicas de S. Paulo
Angélicas são forçadas a entregar o seu mosteiro de Milão.
para ser transformado em quartel. No entanto, ainda O Papa Pio XI, que conhecia bem a história das Irmãs
hoje, tem o nome de S. Paulo. Angélicas, confiou ao Bispo de Cremona, Mons.
Em 1810, a prepotência napoleónica constrange as Cazzani, de tudo fazer para voltarem “ao ideal
Irmãs a abandonar os demais mosteiros e, como as primitivo do Fundador”.
religiosas de outras congregações, sendo obrigadas
a recolher-se no Mosteiro Maior de Milão, proibidas
de receberem novas vocações.
Em 1846, ao morrer a última irmã, Joana Teresa
Trotti Bentivoglio, depois de entregar ao seu
confessor, P.e Espírito Corti, barnabita, os documentos
da Congregação, estava extinta a Congregação das
Filhas de São Paulo.
Nos preparativos para a canonização de S.to António S.to António Maria Zacaria (I)

Maria Zaccaria, o ramo masculino – os Barnabitas


– sentiu fortemente o desaparecimento das suas estudos em 1524. A vocação para o sacerdócio
Irmãs. O P.e Pio Mauri, jovem barnabita, foi quem surpreendeu-o. Não se julgava digno de tamanha
fez surgir a congregação irmã. honra. Preparou-se com imenso cuidado, estudando
Mauri conheceu, em Cremona, duas senhoras, S. Paulo dando a Eucaristia ao Fundador, pintura de Teologia Tomista, Sagrada Escritura e, em particular,
Antonieta Cosbellini de Lodi e Cristina Caravagio A. Santagostino (1979), Pinacoteca Ambrosiana, Milão (I) S. Paulo. A 20 de Fevereiro de 1528 foi ordenado
de Cremona, que esperavam uma oportunidade para Sacerdote e, contrariamente aos costumes do seu
realizarem o antigo sonho de se tornarem religiosas tempo, pede para celebrar a sua primeira missa sem
contemplativas. Entre os três surgiu a ideia de fazerem Pelo Decreto Pontifício de 5 de Julho de 1926, os qualquer solenidade exterior. “O povo compareceu
renascer as Angélicas. O próprio P.e Mauri alugou três Mosteiros de Milão, Arienzo e Fivizzano fundiram- comoveu-se ao contemplar o novo sacerdote, na
uma casa em Lodi, onde alojou as candidatas. -se e surgia, assim, a Congregação das Irmãs Angélicas igreja silenciosa e sem ornamentos, celebrando com
No dia 21 de Novembro de 1879, o Bispo de de S. Paulo, chamadas, a “fazer reviver aquelas o rosto banhado em lágrimas”. É ordenado Padre,
Cremona, aprovou a iniciativa, instituiu a clausura antigas Irmãs Angélicas de S. Paulo, que tiveram sem vínculo a qualquer diocese ou congregação
e designou a Superiora. No dia de Pentecostes, em S.to António Maria Zaccaria como Fundador e Pai”. religiosa, para ter a liberdade de exercer o seu
1880, as angélicas Antonieta do Sagrado Coração Em Setembro do mesmo ano, embora não tendo apostolado no mundo inteiro, sem ficar limitado a
e Querubina do Santíssimo Sacramento recebiam o nenhuma casa na cidade, as delegadas dos três uma igreja em particular.
hábito. mosteiros vieram a Roma para o primeiro Capítulo Imbuído totalmente do ideal de renovação, dominado
Pouco tempo depois, morre a Ir. Antonieta: parecia Geral. Foi eleita Superiora Geral Madre Giovanna por um compromisso ascético e por uma espiri-
que o projecto estava destinado ao fracasso. “A Bracaval, belga. tualidade reconquistadora, António Maria, não
Congregação das Angélicas começa agora” diz o Naqueles anos de transição de vida de clausura para pretendia manter-se isolado neste processo. Desejava
Bispo de Cremona. De facto, a Comunidade crescia a vida de apostolado, houve dificuldades a superar. que todos a atingissem e mostrava caminhos,
com novos elementos e de Cremona passou para Porém, o renascente Instituto foi estendendo o seu degraus, que ajudariam na subida até ao alto. Nesse
Crema, a 27 de Julho de 1881. As antigas concessões raio de acção e fundando comunidades a trabalhar sentido, abre as portas da sua casa a todos os pobres
papais foram mantidas e a Família Zacariana pôde activamente na educação e com a juventude. de Cremona, para lhes poder curar, ao mesmo tempo,
celebrar, completa, a canonização do Pai e Fundador, Em 1948, foi realizado mais um desejo: a transfe- o corpo e o espírito.
a 27 de Maio de 1897. rência da Casa Generalícia e do Noviciado de Milão Quando Cremona foi atingida por um terramoto, a
No ano seguinte, as Irmãs Angélicas são chamadas para Roma. acção de António Maria foi tão prodigiosa, que os
a Fivizzano para assumir a escola pública local que Intensificou-se a preparação espiritual, apostólica e seus concidadãos lhe chamaram “Pai da Pátria e
funcionava no recinto do mosteiro. Apesar da profissional das Religiosas, com uma elevada Anjo da Caridade”.
clausura, mantêm o primitivo anseio de anunciadoras preocupação ao nível cultural e técnico. Em 1530 muda-se para Milão. Nesta cidade, junto
da obra redentora do Senhor Crucificado. António Maria Zaccaria nasceu em Cremona, no Norte com Ludovica Torelli e sob a orientação de Fr. Baptista
A 14 de Setembro de 1896, Milão voltava a acolher de Itália, na primeira quinzena de Dezembro no ano de Crema, funda três institutos intimamente ligados
as Angélicas, que tinham sido de tão grande auxílio de 1502. Era filho de Lázaro e de Antonietta Zaccaria, entre si, com a finalidade de promover a reforma
à cidade. Faltava apenas uma coisa: voltarem ao um jovem casal, pertencente a famílias de grande da vida cristã. Estava decidido a dedicar as suas
carisma inicial, ou seja, à vida activa. E a ocasião nobreza. Nasceu em berço de ouro, porém, com energias a um campo de pastoral mais aberto e
apresentou-se providencialmente: terminado o apenas dois meses, ficou órfão de pai. A mãe, muito amplo. A partir deste momento, o seu processo de
tremendo flagelo da Primeira Guerra Mundial e nova – tinha apenas 18 anos – era uma mulher cheia abertura ao mundo inteiro realiza-se a dois níveis:
diante do imenso número de órfãos de guerra e a de fé e decidiu não voltar a casar para se dedicar, participando na missão universal de evangelização
vontade de socorrer as graves misérias, as Irmãs em exclusivo, à educação do filho. Desde pequenino, e na renúncia e doação generosa de si mesmo.
Angélicas sentem que é chegado o momento de a sua alma foi assim sendo orientada para Deus. Deste momento em diante, as viagens da equipa
dar o audacioso passo, e começam a agir para obter Estudou, com brilhantismo, Filosofia e Medicina nas são incontáveis; todo o Norte e Centro da Itália
o fim da clausura papal. Em 1916 é apresentado Universidades de Pavia e Pádua, concluindo os transformaram-se no campo das suas actividades

318
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ANGÉLICAS DE SÃO PAULO

pastorais. A sua vida é orientada para Deus, visto e Providência divina e pelo amor a Deus e ao próximo, estando isenta da jurisdição dos bispos, mas em
amado no próximo, e qualquer iniciativa que não vividos até às últimas consequências e alimentado estreita colaboração com eles. O fundamento do
leve a isso é deixada de lado. Esta autêntica vivência por uma vida de oração contínua. Identificada pelo governo da Congregação é a vontade de Deus. As
do amor ao próximo leva os membros desta equipa espírito e carisma do Fundador, deixou-se interpelar superioras sabem que devem dar contas a Deus das
à prática organizada da pastoral, sem se vincularem pela Igreja e pelos sinais dos tempos, abrindo as almas que lhes foram confiadas e as religiosas devem
a uma diocese e sem se prenderem à clausura. portas dos mosteiros aos órfãos da guerra, fundando submeter-se “na fé, aos superiores que fazem as
António Maria faleceu em 1539, com apenas 37 escolas agrícolas e obras assistenciais e paroquiais. vezes de Deus”. Jesus é o modelo de quem é
anos, tendo porém realizado muito: foi o Fundador Faleceu deixando em todos a certeza que, por detrás chamado a governar. Ele “não veio para ser servido
dos Padres Barnabitas, das Irmãs Angélicas de São da simplicidade com que revestiu a vida, havia um mas para servir” e “nos deu o exemplo lavando os
Paulo e dos Casais de São Paulo; foi o precursor da modo heróico de vivê-la”. pés aos apóstolos”.
Acção Católica e o instituidor das 40 horas solenes Flávia Monat da Rocha (1891-1962) foi a primeira
de adoração; idealizou a Congregação dos Casados; angélica brasileira. Exímia educadora, dedicou-se à
foi pregador da espiritualidade de S. Paulo e educação com entusiasmo, ardor apostólico e grande
reformador do Clero. A 27 de Maio de 1897 foi abertura em relação à sua época. Sucedeu à Madre
canonizado pelo Papa Leão XIII, na Basílica de Joana Bracaval como Superiora Geral da Congre-
S. Pedro, no Vaticano. gação, consolidando a obra de reestruturação
Outras figuras de destaque entre as Irmãs Angélicas necessária para o regresso à vida activa. Preocupou-
chegaram até ao nosso conhecimento. -se em preparar bem as Irmãs no campo intelectual
Paula Antónia Negri (1508-1555) foi a animadora e profissional. “Impressionava o testemunho de união
espiritual, a “guia” dos três grupos: Barnabitas, com Deus e de recolhimento que dava, seja quando
Angélicas e Casados. Foi considerada pelos estudiosos em oração, seja nas diversas ocasiões do dia”.
da espiritualidade do séc. XVI como uma das A formação espiritual é considerada um caminho
principais místicas da época, sendo mesmo para a purificação. Procura-se cristianizar o ser até
comparada a S. ta Catarina de Sena. O seu zelo naquilo que ele tem de mais profundo, “segundo
apostólico tornou-a uma irresistível “conquistadora as bem-aventuranças evangélicas.”
de almas para Cristo”, o que explica o grande A jovem que pede para fazer parte da família das
número de cartas deixadas por ela: cerca de 70, Irmãs Angélicas de São Paulo deve revelar “qualidades
publicadas e mais de 100 inéditas. São cartas de de maturidade humana e afectiva para a vida religiosa
direcção espiritual e de exortação aos “Filhos e Filhas de modo a poder-se esperar que ela venha a ser
de Paulo Apóstolo a viverem sempre mais e capaz de assumir as obrigações do estado religioso”.
profundamente o Mistério de Cristo”. Por isso, a formação para a vida religiosa deve ser
Júlia Sfondrati (1496-1575), viúva no tempo da gradual.
fundação e amiga da Condessa de Guastella, foi Os tempos de formação são: o Postulado, o Noviciado
inicialmente apenas uma colaboradora, atraída pela e o Juniorado. A jovem começa a fazer parte da N. Sr.ª Mãe da Divina Providência, venerada
espiritualidade do novo grupo. Mulher de grande Congregação ao ingressar no Postulantado. Este e amada pela Congregação (I)
capacidade e dons de administração, colocou esses pode durar dois anos. Após este período, tem início
dons e os seus bens materiais ao serviço das obras o Noviciado, com duração de dois anos, em que a
dos Barnabitas e das Angélicas. Viria a ser uma vocacionada se prepara para fazer a sua escolha de A finalidade do governo é a de alcançar o preceito:
angélica de S. Paulo. uma forma mais consciente e comprometida. Na “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” e,
Agata d’Este (m. 1713) soube, com grande mérito, sua formação ascética e mística, a noviça empenha- que, por sua vez as conduzirá à comunhão: “se nos
conservar o mosteiro no fervor primitivo. Quando -se no estudo da Sagrada Escritura (em particular amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós
Mestra de Noviças, publicou Colóquios Eucarísticos: as Cartas de S. Paulo), da Teologia, dos escritos do e o seu amor em nós é perfeito”.
Conforme o Ano Litúrgico, cuja primeira edição tem Santo Fundador, da história e da espiritualidade da O Governo rege-se pelo que está determinado nas
a data de 1677. No prefácio da edição de 1940, é Congregação. Conclui este tempo de formação com Constituições complementadas pelo Directório e
apresentada como “religiosa exemplar na contem- a profissão religiosa dos conselhos evangélicos de pelas deliberações do Capítulo Geral. As Constituições
plação e acção, pessoa de humildade profunda e pobreza, castidade e obediência. Durante pelo menos aprovadas pela Igreja são “a regra de vida segura
bondade suave, dotada de raros dotes de inteligência cinco anos, estes votos são feitos ano a ano. Só para conseguir a santidade na caridade e a renovação
e coração”. depois deste tempo será possível confirmar a entrega do fervor cristão”. Para ofícios gerais e para
Hipólita Borromeu Visconti (1578-1633), de saúde total a Deus, de modo definitivo, através da desempenhar qualquer cargo de governo é necessário
frágil, mas decidida desde a adolescência a fazer da “profissão perpétua”. ter pelo menos 35 anos de idade e 10 anos de pro-
Eucaristia a sua força. De uma caridade sem limites As irmãs responsáveis pela formação são religiosas fissão religiosa.
para com as suas companheiras, “está sempre pronta de votos perpétuos, de profunda vida interior, e de O órgão máximo da Congregação é o Capítulo Geral,
a ceder, respeitar e servir a todas as Irmãs como se grande abertura aos problemas da juventude. ou seja a reunião dos representantes de todas as
fosse serva de todas”. A formação é permanente de acordo com o fim Angélicas espalhadas pelo mundo inteiro, a quem
Joana Maria Bracaval (1861-1935), de origem belga, primário da profissão religiosa: “seguir Cristo, que cabe, entre outras coisas, eleger o Governo Central.
desempenhou o importante papel de devolver à virgem e pobre, remiu e santificou os homens com É celebrado de 6 em 6 anos.
Congregação o primitivo espírito apostólico com a sua obediência até à morte de cruz e assim De modo ordinário, a suprema autoridade é exer-
que esta fora fundada. Foi eleita várias vezes Priora manifestou claramente aos olhos dos homens o cida pela Superiora Geral, auxiliada por quatro
e Superiora Geral. A sua espiritualidade “era marcada primado do amor de Deus”. Conselheiras: a Vice-Superiora, a Secretária Geral,
pela sabedoria da cruz, pela profunda confiança na A Congregação das Angélicas depende da Santa Sé, a Ecónoma Geral e a Vigária.

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CRISTÃS | CATÓLICAS | ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ANUNCIAÇÃO

A Congregação divide-se em Províncias, que gozam Participam, com os outros grupos – Barnabitas e BIBLIOGRAFIA: Impressa: ANGÉLICAS E BARNABITAS DO
de autonomia própria. Cada Província tem várias Angélicas –, das missões pastorais para a santificação BRASIL, Tendo Paulo por Guia, S. Paulo, s.n., 1987;
comunidades ou casas, presididas por uma Superiora da família e da espiritualidade ascética e eucarística. Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa],
Local, assistida por duas ou mais Conselheiras. Tudo Ao casal Bernardo Omodei e Laura Rossi, António Secretariado Geral da Conferência Episcopal
o que é importante deve ser feito com a colaboração Maria Zaccaria envia, 15 dias antes da sua morte, Portuguesa, 2007, p. 888; BERNARDINO, Fr. P. P. di,
da Comunidade, que se reúne e decide em conjunto. uma carta, cheia de ensinamentos espirituais, que Um Itinerário de Vida, S. Paulo, Ed. Loyola, 1986;
A Superiora Provincial é nomeada pela Superiora será considerada como o seu testamento. Nela, afirma: BRAMBINI, M. G. F. M., As Angélicas de São Paulo,
Geral com voto deliberativo do seu Conselho. “quero e desejo – e vocês podem, se quiserem – que Roma, s.n., 1970; CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS ANGÉLICAS
A duração do cargo é de três anos. Por sua vez, se tornem grandes santos, preocupando-se com o DE S. PAULO , Directório, S. Paulo, s.n., 1990;

este Conselho Provincial é composto pela Superiora crescimento das vossas qualidades e de como restituí- Constituições das Irmãs Angélicas de S. Paulo, Roma,
Provincial e por duas Conselheiras – a Ecónoma e -las ao Cristo Crucificado, de quem as receberam”. s.n., 1990; PAPÀSOGLI, G., ERBA, A., Flora Bracaval:
a Secretária Provincial. Reúnem-se uma vez por mês Actualmente, a Congregação das Irmãs Angélicas de Mulher Activa no Silêncio, Roma, Ed. Paoline, 1987;
ou quando as circunstâncias assim o exigem. São Paulo encontra-se espalhada pelo mundo: Europa, RODRIGUES, P.e P. de T., Filhos de S. Paulo Apóstolo,
Ao nível do Governo Local, a Comunidade existe África, América e Ásia. No entanto, existe em Rio de Janeiro, s.n., 1999; Z ACCARIA , A. M.,
pelo menos com três religiosas chamadas a viver comunidades muito dispersas e reduzidas em cada Pensamentos, Brasil, s.n., 2002; ZACCARIA, A. M.,
numa casa para satisfazer na variedade das funções país. No Brasil é onde existem mais comunidades. Escritos, Rio de Janeiro, s.n., 1999. Digital: www.irma
as exigências do apostolado que lhes é solicitado. A Congregação serve-se dos bens temporais, para sangelicas.org.br.
Na Comunidade Local, a Superiora tem como primeiro seu sustento, para a manutenção e desenvolvimento
dever atender às necessidades espirituais das Irmãs, das obras de apostolado e para socorrer as necessi- MARGARIDA DA COSTA ALVES
procurando que nada lhes falte. A Vice-Superiora dades dos pobres a que assistem de várias formas.
substitui a Superiora em caso de ausência ou Todos os bens da Congregação são administrados
impossibilidade. segundo as leis canónicas e civis e as Constituições, ANUNCIAÇÃO, Ordem da
O Conselho Local é formado pela Superiora, pela com toda a prudência que cada acto administrativo A Ordem da Anunciação, também chamada Ordem
Vice-Superiora e pelas religiosas eleitas no Capítulo exige. A Congregação, as Províncias e as Casas da Santíssima Anunciada, foi fundada em 1604
Geral, segundo o Directório, como Conselheiras da Locais, têm a capacidade de adquirir, possuir e dispor por Maria Vittoria Fornari Strata (1562-1617) e quatro
Superiora. de bens temporais, em conformidade com o que companheiras – Vicentina Lomellini Centurione,
O Capítulo Local é formado por todas as religiosas está estabelecido pelo Direito comum e em relação Maria Tacchini, Chiara Spinola e Cecília Pastori.
professas inseridas na Comunidade. É presidido pela ao que está determinado juridicamente e lhes é A Congregação instalou-se num mosteiro em
Superiora e convocado frequentemente. Participam reconhecido. Os bens temporais são administrados Castelleto di Genova, criado expressamente por
nele apenas as religiosas com votos perpétuos. pelas respectivas Superioras e Ecónomas apenas no Stefano Centurione, marido de Vicentina, que na
Sob o ponto de vista institucional, a Congregação âmbito da administração ordinária e dentro dos altura abraçou a vida religiosa e sacerdotal.
das Irmãs Angélicas de São Paulo é uma Sociedade limites prefixados pelo Capítulo Geral e Provincial. A Fundadora, Maria Vittoria Fornari, filha de Jerónimo
de Vida Apostólica de Direito Pontifício e isenta, em Os actos de administração extraordinários são de e Bárbara Veneroso, nasceu em Génova, em 1562.
comunidade, que assume os conselhos evangélicos competência das representações legais, as quais Apesar da sua vocação para a vida religiosa, casou
mediante um vínculo definido pelas Constituições. agem dentro dos limites estabelecidos pelo Direito aos 17 anos com Angelo Strata, satisfazendo o
Tem apenas uma categoria de membros: as Irmãs. comum e pelas Constituições, com as devidas desejo dos pais. A morte do marido, ocorrida 8 anos
É internacional e divide-se em Províncias, sendo estas autorizações previstas pelas normas canónicas gerais e 8 meses após o matrimónio, lançou-a numa terrível
formadas por certo número de casas ou comunidades e o voto deliberativo dos respectivos Conselhos: crise que conseguiu superar, educando os cinco filhos
locais. As Constituições são a Regra de vida que as Geral, Provincial e Local. nascidos do matrimónio.
religiosas abraçam livremente. Para uma prudente gestão económica, a Congre- Apesar de Fundadora e Prioresa da Ordem, Maria
A 30 de Outubro de 1982, por Decreto da Sagrada gação, as Províncias e as Casas Locais organizam Vittoria passou os últimos cinco anos como simples
Congregação para os Religiosos e Institutos Seculares, entre si, de modo coordenado, os balanços anuais religiosa, dando assim exemplo de obediência e
foi aprovado um novo texto das Constituições. e fazem uma previsão orçamentária. humildade. Morreu a 15 de Dezembro de 1617 e
As Religiosas procuram conformar a sua vida como Por motivo de pobreza, de igualdade e por espírito foi beatificada pelo Papa Leão XII em 1828.
exige a sua profissão: “Observando-as com amor e de família, as Casas Locais depositam na caixa da As Constituições, redigidas pelo jesuíta Bernardino
diligência poderemos seguir mais de perto, a Cristo, Casa Geral as somas excedentes à administração Zanoni, o conselheiro espiritual da Fundadora, foram
morto e ressuscitado e vivo na Eucaristia, que é o ordinária. A Superiora Geral, com o voto consultivo, aprovadas, em 1604, pelo Papa Clemente VIII. Nelas
ideal da caridade religiosa Angélica”. O seu carisma pode dispor delas em benefício comum no âmbito estavam contidos os princípios por que se regia a
consiste em “anunciar a vivacidade espiritual”, da Congregação, para não recorrer a empréstimos comunidade: a devoção à Virgem da Anunciação,
praticando o ideal da perfeição cristã e da vida externos. De modo semelhante, também se regulam uma intensa vida de piedade e de pobreza e uma
apostólica, trabalhando activamente na educação, as casas dependentes da Província em relação à caixa clausura rigorosa.
obras paroquiais e sociais e nas missões. da Casa Provincial. O carisma da Congregação está sintetizado nos
As Angélicas encontram-se em Portugal desde 4 de Os Fundadores quiseram que as Irmãs usassem um seguintes passos das Constituições: “O Mistério da
Abril de 1992. Actualmente estão na Diocese de hábito de preferência todo branco. Este deve ser Encarnação do Verbo Divino que abre à humanidade
Viana do Castelo, ao serviço da Pastoral Vocacional usado até que se gaste completamente. a era da graça e do amor, revela a sublime eleição
Diocesana. Na Diocese de Leiria-Fátima estão ao A memória histórica das Irmãs Angélicas de São de Maria a colaborar, como Mãe, na obra do Divino
serviço do Santuário de Fátima. Paulo encontra-se no Arquivo da Casa Geral, em Salvador. A referência explícita a este Mistério
Quanto aos Casais de São Paulo, o terceiro grupo, Torre Gaia, Roma, na Itália e dispersa por várias empenha as religiosas a inserirem-se no plano
representam na História da Igreja, as primeiras equipas obras. A Congregação publica periodicamente a redentor de Deus, imitando a Santíssima Virgem na
de espiritualidade familiar e de pastoral leiga. Revista Sicut Angeli. sua humilde disponibilidade e completa entrega ao

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CRISTÃS | CATÓLICAS | ORDENS E CONGREGAÇÕES MASCULINAS ANUNCIATAS

Senhor”; “As irmãs têm a missão de oferecer um 3 irmãs professas e 2 postulantes, sob a direcção mas só teve aprovação definitiva do governo espanhol
sacrifício de louvor, adoração e acção de graças em da Madre Maria Olímpia. em 1900.
nome de todos os homens pelo Mistério inefável da O carisma das Anunciatas é, portanto, o ensino pro-
Redenção, iniciado na Encarnação e cumprido no BIBLIOGRAFIA: Impressa: “Annonciades”, in Guy- jectado para as crianças e para a juventude feminina,
Mistério Pascal. As religiosas consagram-se ao -Marie Oury (dir.), Dictionnaire des Ordres Religieux revelando a verdade evangélica, dando a formação
serviço de Deus e da Igreja com a profissão dos et des Familles Spirituelles, Chambray-les-Tours, humana, com simplicidade e alegria. Tentando adaptar-
conselhos evangélicos, a vida contemplativa e C.L.D., 1988, pp. 28-29; BORGHESE, Emilia Guaita, -se ao meio que escolheram para viver, celebram a
clausura; propõem-se o seguimento da imitação de “Annunziatine”, in Angelo Mercati, Augusto Pelzer Palavra de Deus, que é Vida e Esperança.
Cristo, a participação amorosa da sua vida desde (dirs.), Dizionario Ecclesiastico, vol. I, Turim, 1953,
Nazaré até à suprema imolação na cruz” (Const., p. 160; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et
Parte I, 2-4). alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições Paulinas, 1994,
p. 153; MATTEI, Silverio, “Annunziatine Celesti”, in
P. Paschini, Enciclopedia Cattolica (dir.), vol. I, Cidade
do Vaticano, 1948, col. 1399. Digital: www.santie
beati.it/dettaglio/81550 .

ISABEL MAYER MENDONÇA

ANUNCIATAS
Congregação Religiosa de Direito Pontifício, as
Dominicanas de la Anunciata, mais conhecidas por
Anunciatas, foram fundadas no dia 16 de Agosto
de 1856, em Vich, Gerona, e tiveram como fundador
Beato Francisco Coll e Guitar, op. Este Instituto,
pertencente à Ordem Dominicana, foi o primeiro
a ser fundado em Espanha, com a actividade
Fernão Gomes, Anunciação, Mosteiro dos Jerónimos
específica de ensinar no sector rural.
(in Monjas Dominicanas, Lisboa, Alêtheia, 2008, p. 109)
O P.e Coll nascera em Gombrén, Gerona, no dia 18
de Maio de 1812. Desde os primeiros anos da sua
vida que se sentia apóstolo. Mesmo os que conviviam Esta Congregação, durante um período de tempo,
com ele viam-no como futuro sacerdote. Com 11 compreendido entre os anos 1856 a 1894, dependia
anos, ingressou no Seminário de Vich e ia alternando da autoridade episcopal.
Anunciação à Virgem, Museu de S. Roque (CLS) os seus estudos ensinando crianças. Era conhecido Das Irmãs Anunciatas, ficaram conhecidas principal-
pela sua intuição que o movia e pelo seu carácter mente duas, que se demarcaram por terem sido
reflexivo, o que o levou à tentativa de descoberta martirizadas em defesa da Fé Cristã e da sua
A missão específica da Congregação consiste em da vontade de Deus para a sua vida e para a consagração religiosa, no dia 27 de Julho de 1936:
dar graças pelo Mistério da Encarnação em nome sociedade sua contemporânea. a Ir. Reginalda Picas Planas e a Ir. Rosa Jutglar Gallart.
próprio e em nome de toda a Humanidade, em No ano 1830, decide ser frade dominicano. Para o O seu sacrifício surge na sequência de a Comunidade
acolher Cristo, e em imitar a atitude de Maria que P.e Franscisco Coll, o carisma da vocação teria de de Manresa se ver obrigada a deslocar-se para o domi-
disse “sim”, acolhendo o Senhor em si e trans- ser não só encarnado, como também apoiado, cílio do Senhor Bonada e depois para a Costa Blasi,
mitindo-o ao mundo. acompanhado e animado por outros. após terem sido descobertas por um grupo de milícias.
As religiosas da Ordem da Santíssima Anunciada Na sequência da sua passagem por várias povoações Estas duas irmãs foram levadas por duas milícias e
envergam um hábito azul, que está na origem dos onde missionava e perante a visão de crianças foram encontradas posteriormente já sem vida.
nomes por que ficaram conhecidas: Celestinas ou abandonadas, surge-lhe o desejo de fundar uma As Anunciatas levam uma vida em obediência,
Turquinas. congregação com o intuito de as reencaminhar para castidade e pobreza, consagrando-a totalmente a
A Instituição difundiu-se em França a partir do Franco- uma vivência em comunidade e de possibilitar às Deus. Celebram a liturgia em comunidade, mas
-Condado, então espanhol. Suprimida pela Revolução jovens a entrada na vida religiosa. Esta necessidade também reservam um tempo para a oração pessoal.
Francesa, renasceu em 1842, em Joinville, no Priorato de educar as crianças, especialmente as jovens, surge Estão espalhadas um pouco pelo mundo, como
de N. Sr.ª da Piedade. Em 1948, existiam apenas 5 pela razão de que estas são o núcleo de futuras anunciadoras de Jesus Cristo Salvador, esperança no
casas, 3 em Itália e 2 em França. Segundo os últimos famílias e, para o P.e Coll, era necessário que fossem meio das angústias dos homens, em países como:
dados disponíveis, além de Itália e França, a iluminadas pela Palavra de Deus. Espanha, França, Suíça, Itália, Argentina, Chile,
Congregação estava ainda presente na Roménia, Tendo o Bispo de Vich e o Superior da Ordem dado Uruguai, Paraguai, Perú, Guatemala, Nicarágua, El
Espanha e Portugal, tencionando estabelecer-se nos consentimento, reúne consigo sete jovens Salvador, Costa Rica, México, Costa do Marfim,
países africanos de língua portuguesa. vocacionadas e, no dia 16 de Agosto de 1856, nasce Benim, Ruanda, Camarões e Filipinas.
Em Portugal, a Ordem encontra-se instalada em esta Congregação, desenvolvendo a sua história no No que diz respeito à sua presença em Portugal,
Fátima, desde Dezembro de 1982. O Mosteiro da meio da Igreja e no âmago da Ordem de São sabemos apenas que permaneceram no país até ao
Anunciação, a casa principal da congregação Domingos, assumindo o compromisso de ensinar a final do séc. XX. Nessa altura, a presença destas
portuguesa, está situado na R. do Imaculado Coração todos a doutrina. Nesse mesmo ano, foi aprovada Irmãs no mundo era de cerca de 1360, distribuídas
de Maria, n.º 23, em Fátima. Nele viviam, em 1994, temporariamente pelo Bispo de Vich, António Paláu, por 18 países.

321
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS APRESENTAÇÃO DE MARIA

As Anunciatas tinham, no nosso país, uma única começou a andar. Estes quatro anos de crença na
comunidade na Diocese de Lisboa, na delegação da Virgem Maria marcarão para sempre a vida de Rivier.
Casa-Mãe (Malveira), vivendo aí desde 28 de Quando a Revolução Francesa começou, todo o acto
Setembro de 1984, ano em que fundaram esta religioso se tornou suspeito. Rivier convocou
Instituição em Portugal. O número de membros da secretamente as assembleias de Domingo; embora
comunidade era reduzido, sendo composto por três mais prudente, permaneceu uma apóstola devota.
irmãs. A Superiora Delegada era a Ir. Sénida Mercedes Em 1794, a povoação de Thueyts exigiu a sua
Fernandez. presença. Ela partiu como verdadeira missionária.
Em breve, diversas jovens reuniram-se a ela e
BIBLIOGRAFIA: Impressa: GOMES, Manuel Saturino deixaram-se levar pela palavra do Evangelho. A 21
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede: Formas de Vida de Novembro, na festa da Apresentação de Maria
Consagrada na Igreja, Lisboa, Edições Paulinas, 1994,
p. 18; VENCHI, I., “Domenicane dell’ Annunziata”,
in Guerrino Pelliccia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario
degli Istituti di Perfezione, vol. IV, Roma, Edizioni
Paoline, 1977. Digital: http://dominicasanunciata.org. Escultura da autoria da portuguesa Amélia Carvalheira,
representando Marie Rivier, a Fundadora (I)
ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA
frutificando na adolescência e juventude. Tendo-se
deslocado com a sua mãe e a sua irmã à Suiça, no
APRESENTAÇÃO DE MARIA contacto com as Irmãs da Apresentação de Maria
As Irmãs da Apresentação de Maria são uma sentiu o desígnio de Deus. Já religiosa, sentiu o forte
congregação internacional. O nome oficial da apelo de implantar a Congregação em Portugal.
Congregação em Portugal é Província Portuguesa Após muitas provações, concretizou-se esse desejo,
da Congregação da Apresentação de Maria. Os e, em 1925, surgiu a primeira fundação no Funchal.
nomes mais comuns são: Congregação da Com uma vida entregue à religião e à Congregação,
Apresentação de Maria ou Irmãs da Apresentação prosseguiu no Continente e em Moçambique a
de Maria. fundação de outras obras. Morreu a 16 de Julho de
1974. Estão ligadas à Província Portuguesa a Região
da Madeira (1925), a Região de Moçambique (1941)
e as Missões do Brasil (1980).
Gravura representativa da fundação da Congregação (I)
A Congregação é internacional, encontrando-se
distribuída por todos os continentes, por 20 países:
no Templo, Maria Rivier e quatro companheiras França, Suíça, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra,
consagraram-se a Deus. Rapidamente, a nova Espanha, Itália, Portugal, Moçambique, Japão,
comunidade se expandiu, apesar da sua pobreza. Filipinas, Senegal, Gâmbia, Irlanda, Peru, Brasil,
Para Maria Rivier e suas companheiras, a educação Camarões, Equador, Indonésia e Burkina Faso.
Logótipo da Congregação, Sinete Ave-Maria (I)
cristã da juventude permanecerá uma prioridade. A Casa Geral encontra-se em Castelgandolfo, Itália.
Contudo, a educação da Fé estendeu-se também Maria Rivier e as suas quatro companheiras tiveram
aos adultos. Os pobres foram, desde sempre, os a audácia de fundar uma comunidade, em plena
A Congregação foi fundada a 21 de Novembro de privilegiados: o primeiro orfanato foi aberto a 21 Revolução Francesa, na pequena povoação francesa
1796, na festa da Apresentação de Maria no Templo. de Novembro de 1814. Nada deteve Maria Rivier, de Thueyts. No princípio da fundação, duas figuras
Maria Rivier e quatro companheiras fundaram uma sustentada pela Fé e força interior. Quando morreu, foram muito importantes para que a Congregação
comunidade na povoação de Thueyts, em Ardèche a 3 de Fevereiro de 1838, com a idade de 69 anos, fosse reconhecida pela Igreja, pelo Estado e chegasse
(França). Juntas, consagraram-se a Deus e à instrução esta apóstola fundara 141 casas e recebera mais de a ser um Instituto de Direito Pontifício: o P.e Louis
da juventude. Maria Rivier atribuiu, no entanto, a 350 irmãs para continuar a sua Obra. Maria Rivier Pontanier, Sacerdote de Saint-Sulpice, Director
fundação desta Instituição àquela que lhe dá o nome: foi beatificada em Roma, pelo Papa João Paulo II, Espiritual da Fundadora, falecido em 1825; e Mons.
a Virgem Maria. Actualmente, cerca de 1300 a 23 de Maio de 1982. Joseph Régis Vernet, Vigário da Diocese de Viviers
religiosas estão presentes em 20 países do mundo. A profecia de Maria Rivier era: “Um dia as minhas e Superior da Congregação da Apresentação de
O impulso missionário faz parte da Congregação: o filhas atravessarão os mares”. Esta profecia começou Maria, falecido em 1840.
zelo apostólico não conhece fronteiras. a realizar-se em 1853, quando seis irmãs chegaram A Fundação da Suíça, estabelecida em Lausanne,
Maria Rivier nasceu no dia 19 de Dezembro de 1768, ao Canadá. data de 1841, três anos após a morte de Maria
em Montpezat, França. No final de 1770, Maria deu A Fundadora da Província Portuguesa foi a Ir. Leontina Rivier.
uma queda e ficou enferma. A sua mãe, mulher de d’Ornelas e Vasconcelos. Nasceu na Madeira, na No Canadá, a Fundação foi estabelecida a pedido
grande fé, recorreu à Virgem Maria. Todos os Ribeira Seca, Machico, a 22 de Maio de 1893. Perdeu de Mons. Prince, Bispo de Saint-Hyacinthe, Québec,
dias levava M aria par a junt o da e s t á t ua de o pai ainda muito nova, com seis anos, e ficou com que enviou a Ir. Saint-Maurice e cinco companheiras.
N. Sr.ª da Piedade, na Capela que fica junto da sua os irmãos José e Maria da Graça ao cuidado da sua Sainte-Marie-de-Monnoir tornou-se a sua primeira
casa. mãe, amparados pelo avô materno, que muito missão. Em 1886, encorajado pelo seu Bispo, Louis
A menina adquiriu a certeza inabalável de que se iria influenciou a formação de Leontina. A sua vocação de Goesbriand, o P.e Trottier convidou as Irmãs a
curar. Finalmente, a 8 de Setembro de 1774, Maria religiosa foi desabrochando na sua infância, abrirem uma escola na sua Paróquia d’Island Pond,

322
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS APRESENTAÇÃO DE MARIA

Vermont. Foi a primeira missão permanente nos terminado, este desejo foi finalmente realizado. As
Estados Unidos. primeiras irmãs partiram de Saint-Hyacinthe, Québec,
Nos finais do séc. XIX, o medo de uma guerra civil e abriram uma escola em Himeji.
e a dispersão das Ordens Religiosas em França Em 1950, o P.e Georges Dion e o seu companheiro
obrigaram as Irmãs a pensarem em Inglaterra como de missão, o P.e Emile Laquerre, convidaram as Irmãs
meio de salvar a Congregação. A convite do da Apresentação de Maria da Província de
P.e Basiliens, foram para Exeter e estabeleceram a Manchester, dos Estados Unidos, a serem missio-
primeira fundação em Palace Gate. O decreto da nárias. A Madre Sainte-Jeanne-de-Valois, Superiora
expulsão obrigou a Congregação a partir para outros Provincial, respondeu ao pedido do Papa Pio XII,
países, onde as Irmãs pudessem continuar a ensinar enviando missionárias aos países de missão. As Irs.
como religiosas. Então, fez-se a primeira missão em Saint-Pauline, Marie-Laurentienne, Sainte-Natalie e
Espanha, em Peñarroya, a 12 de Novembro de 1902. Sainte-Marie-des-Anges foram escolhidas para este
No início do séc. XX, a Apresentação de Maria ministério. A 26 de Outubro de 1950, as quatro
adquiriu o carácter de Congregação Internacional. missionárias chegaram a Siasi, Sulu.
A Itália acolheu, portanto, as irmãs expulsas de No Verão de 1961, a Madre Sainte Jeanne d’Arc,
França. O dia 28 de Setembro de 1904 assinalou a Superiora Geral, pediu à Ir. Jeanne Touchette,
chegada de duas irmãs a um apartamento alugado americana, para iniciar a fundação da missão na
em Dort-Maurice. Em 1915, no início da Grande Irlanda. Dois anos mais tarde, a Ir. Saint Colomban
Guerra, a Villa Loreto, em Bordighera, recebeu as (Agnes Kelly) e a Ir. Jeanne, oriundas da Irlanda, Madre Maria da Santíssima Trindade,
Fundadora da Província Portuguesa (I)
duas primeiras estudantes pensionistas. Em 1967, formaram uma Comunidade em Castleblakeney e
a Administração Geral da Congregação instalou-se abriram uma escola.
na Villa Arte, em Castelgandolfo. Depois do Vaticano II, os padres oblatos da Província A abertura do Colégio da Apresentação de Maria
Em 1941, a convite de D. Teodósio de Gouveia, do Canadá responderam ao pedido de Roma, teve início no ano de 1926, seguindo-se outras
Arcebispo de Lourenço Marques, a Ir. Maria da pedindo às Irmãs da Apresentação de Maria para escolas. O colégio chama-se hoje Externato da
Santíssima Trindade fundou, com seis irmãs fundarem uma escola técnica para as jovens, num Apresentação de Maria e tem os seguintes graus de
portuguesas, o Colégio D. António Barroso, em sector pobre de Lima, Peru. A 13 de Setembro de ensino: pré-escolar e 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino
Lourenço Marques (Maputo, Moçambique). Outras 1963, as irmãs da Província de Sherbrooke chegaram básico. A comunidade dedica-se à catequese em
escolas e missões foram fundadas, a Norte e a Sul ao Peru. A escola foi aberta em Comas, em Março várias paróquias, formação de catequistas e de leigos
de Moçambique. Em 1956, Moçambique tornou-se de 1964, com 50 estudantes. Actualmente, pertencentes a vários ministérios litúrgicos, à pastoral
uma região que contava com mais de 100 irmãs e aproximadamente 1700 alunos e alunas frequentam vocacional, e tem um programa diário de rádio (PEF).
missões cheias de fervor. Actualmente, depois dos esta escola. Dedica-se também à animação de leigos pertencentes
tempos difíceis da guerra civil, tudo recomeçou com Em 1980, uma antiga missionária de Moçambique, à Associação Maria Rivier, distribuídos por sete
coragem e dinamismo. A região conta com 31 irmãs a Ir. Cecília Silva, foi chamada ao Brasil para ajudar núcleos.
(23 irmãs moçambicanas e 8 missionárias portu- na Fundação das “Aldeias da Paz”, que alberga as Em 1928, foi fundada uma escola primária em Gaula
guesas). Trabalham em quatro dioceses do Norte, crianças da rua. A Congregação aceitou este desafio (S.ta Cruz). Hoje chama-se Externato de S. Francisco
do Centro e do Sul, na pastoral missionária, na e enviou-a com a Ir. do Sacré-Coeur-de-Jésus. Após de Sales, constituído por creche, jardim-de-infância
catequese e na educação cristã das crianças e dos seis anos de ajuda a esta obra nascente, a primeira e 1.º ciclo do ensino básico. As Irmãs dedicam-se à
jovens. Comunidade da Apresentação de Maria foi fundada catequese paroquial, à animação litúrgica, pastoral,
As Irmãs também se instalaram no Senegal, em na Abadiânia, na Diocese de Anápolis, em 1984, a visitas a doentes e idosos e pastoral vocacional.
1952, a pedido de Mons. Dodds, Prefeito Apostólico pedido do Bispo da Diocese, D. Manoel Pestana Em 1935, foi fundada a Escola Primária dos Prazeres,
de Zuiguinchor. Partiram para Bignona (Casamanca), Filho. hoje, igualmente, Externato de S. Francisco de Sales,
quatro irmãs de diferentes nacionalidades – duas A missão estendeu-se ainda aos Camarões e ao com a mesma constituição e as mesmas actividades
francesas, uma canadiana e uma portuguesa. Estas Equador, em 1989 e 1996, respectivamente. Nos do anterior.
assumiram a responsabilidade da escola primária, Camarões, as Irs. Jacqueline Guité, Lise Thibodeau, A pedido do Cardeal Patriarca de Lisboa, a Ir. Maria
dos movimentos de acção católica e do catecismo Marguerite Camiré e Véronique Diémé partiram para da Santíssima Trindade abriu, em 1938, em Setúbal,
em francês. Nos anos seguintes, fundaram um Atta, no dia 27 de Janeiro de 1989. Aí se estabe- um internato para as meninas pobres e abandonadas.
dispensário em duas aldeias. A sua acção expandiu- leceram, tendo ficado a cuidar de uma escola Fundou também a maior parte das obras de Portugal
-se em 30 aldeias. primária, de um centro de formação feminina, entre continental: escolas, internatos, lares, centros sociais,
De igual modo, as Irmãs instalaram-se na Gâmbia, outros encargos. Mais recentemente, no ano 2005, o Noviciado, em 1941, a Casa da Oração em Fátima
em 1968, a convite de Michael Moloney, Bispo da uma nova fundação surgiu em Valand, na Indonésia. e a inserção na pastoral paroquial.
Gâmbia. As Irs. Louise Brachotte, francesa, e Fernanda Em Portugal, a Ir. Maria da Santíssima Trindade Em 1980, na Calheta, as Irmãs abriram o Jardim-
Lasnier, canadiana, fundaram a Missão de Serrekunda: fundou, a 1 de Março de 1925, o Lactário (assistência -de-Infância da Apresentação de Maria. Dedicam-
grande paróquia de 23 aldeias, onde ambas às crianças pobres), que estava a cargo de uma -se à catequese paroquial, animação litúrgica, pastoral
trabalharam na pastoral. comissão de senhoras. Hoje chama-se Escola de doentes e vocacional. Em 1991, abriram, no
As Irmãs da Apresentação de Maria também se D. Maria Eugénia de Canavial e tem as seguintes Funchal, a Casa Regional, uma casa de acolhimento,
instalaram no Oriente. Em 1948, antes da Guerra valências: creche, jardim-de-infância e 1.º ciclo do de formação, de animação espiritual e retiros, que
do Pacífico, Mons. Taguthi, Arcebispo de Osaka, ensino básico. Além desta actividade educativa, é, em simultâneo, a administração e o governo da
pediu à Madre Saint-Paul, Provincial de Saint- algumas irmãs dedicam-se à catequese paroquial, a região. Algumas irmãs dedicam-se à catequese
-Hyacinthe, para enviar algumas irmãs para ensinar ministros extraordinários da comunhão a doentes e paroquial, animação litúrgica e pastoral vocacional.
na sua diocese, no Japão. Após a guerra ter idosos, animação litúrgica e pastoral vocacional. Em 1993, na Ribeira Brava, foi aberta outra

323
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS APRESENTAÇÃO DE MARIA

comunidade: uma inserção pastoral paroquial, com


animação paroquial, pastoral catequética, formação
de catequistas, serviço de cartório, pastoral de
doentes e idosos, animação litúrgica e pastoral
vocacional.
A Província Portuguesa da Apresentação de Maria
foi reconhecida com personalidade jurídica em 1941,
pelas autoridades competentes. Canonicamente só
será reconhecida em 1948, quando a Congregação
passa a ser dividida em províncias. Em 1938, abriu
o Colégio da Apresentação de Maria, na Q.ta dos Casa de Fátima (JAM)
Bonecos, com alunas internas e externas. Em 1961
o colégio foi encerrado. Em 1940 abriu, também
em Setúbal, um asilo da infância para crianças e -natal, maternidade, consultas de oftalmologia, etc.
jovens órfãos. Chama-se hoje Casa de N. Sr.a da Em 1968, teve início a Telescola. Em 1976, abriu o
Saúde, uma Instituição Particular de Solidariedade Centro de Dia, com acolhimento a idosos e contacto
Social (IPSS). É lar internato, fazendo acolhimento com o Centro de Segurança Social. Só em 1997 se
a crianças, adolescentes e jovens, casos sociais. deu início, de modo efectivo, ao serviço de Apoio
Participa na catequese paroquial. É uma instituição Domiciliário a Idosos. Hoje, este Centro Social abarca
com acordo de cooperação celebrado com o Centro os seguintes serviços: creche, educação pré-escolar, Ícone da Apresentação de Maria no Templo (I)

Distrital de Segurança Social de Setúbal. Em 1941, centro de dia e apoio domiciliário. Também tem
foi fundado o Noviciado e a Casa Provincial, uma participação na pastoral paroquial. A vida das Irmãs é marcada pela vida comunitária
Em 1973, abriu o Centro Social em Alferrarede, com e pelo compromisso exclusivo ao serviço do
creche, jardim-de-infância, ATL (Actividades de Evangelho. Usam o hábito religioso do Instituto,
Tempos Livres) e participação na pastoral paroquial. sinal visível da consagração e testemunho da pobreza.
Em 1975, abriu, no Tramagal, o Centro Social Quando as necessidades do apostolado o exigem,
Paroquial, com o mesmo funcionamento. Em 2007, segundo o critério da Superiora Geral, esta pode
as Irmãs deixaram esta obra. autorizar certas irmãs a usarem vestes seculares,
Em 1988, deu-se a abertura da comunidade em enquanto durarem estas circunstâncias. Em todo o
Sever do Vouga. Esta comunidade incorpora as tempo, o hábito deve ser simples e modesto.
seguintes actividades: formação de catequistas, O celibato é voluntário e perpétuo, exigindo pru-
pastoral juvenil vocacional, animação litúrgica, cursos dência e reserva, supondo a aceitação de uma
de dinamização bíblica, visitas a doentes e idosos. necessária solidão, uma certa austeridade de vida,
As irmãs que a integram leccionam ainda a disciplina encontrando a sua força na contemplação de Cristo,
de Educação Moral e Religiosa Católica nas escolas nos seus mistérios, nas fontes da palavra e dos
Casa Provincial, Setúbal (I)
do Estado. sacramentos.
Em 1995, abriu uma nova comunidade de Inserção O espírito da Apresentação de Maria é um espírito
casa de formação, animação espiritual, retiros e da Pastoral Paroquial em Samora Correia, desen- inteiramente interior, fundado no espírito de Jesus
sessões de formação. Participa na catequese volvendo as actividades atrás referidas. Cristo no Evangelho. A missão das Irmãs é a de ensi-
paroquial. Aqui funciona a Cúria Provincial. Em termos de identidade, as Irmãs estão reunidas nar esse espírito.
Em 1943, abriu o Instituto de S. Pedro de Alcântara, por causa de Jesus Cristo, formando, no Espírito Os locais de formação integrados na Província
protocolo de gestão confiada, com a Santa Casa da Santo, uma comunidade de vida fraterna e apostólica. Portuguesa das Irmãs da Apresentação de Maria são
Misericórdia de Lisboa. Funciona como internato As Irmãs da Apresentação de Maria são chamadas três Noviciados: o de Setúbal, em Portugal; o de
para 150 alunas do 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico. a viver em estado de adoração e de oferenda a
Em 1944, abriu também o Curso de Auxiliares de exemplo da Virgem Maria, no mistério da sua
Serviço Social, para jovens com mais de 18 anos. Apresentação no Templo, e a participar na missão
Hoje, é lar internato, acolhimento a crianças, de ensino da Igreja, através da educação cristã das
adolescentes e jovens, casos sociais. Tem participação crianças e dos jovens, com uma atenção particular
na catequese e animação litúrgica da paróquia. aos mais desfavorecidos.
Em Fátima, em 1947, abriu a Casa de Oração, hoje As Irmãs fazem votos evangélicos de castidade, de
centro de espiritualidade, retiro para irmãs e jovens pobreza e de obediência, consagrando-se a Jesus
(pastoral das vocações). Faz acolhimento de irmãs, Cristo, e sendo chamadas a participar na missão de
Associados Maria Rivier, alunas, jovens, participação ensino da Igreja, pela educação cristã da juventude.
na catequese paroquial e colaboração no Santuário O zelo para fazer conhecer e amar Jesus Cristo é o
de N. Sr.a de Fátima. carácter próprio das Irmãs da Apresentação de Maria.
Em 1955, em Cernache do Bonjardim, foi fundado Para responder ao desejo de Marie Rivier e manter
o Centro Social Beato Nuno de Santa Maria, com em todas as irmãs a chama do zelo, a Congregação
jardim-de-infância, escola de educação doméstica e tem algumas casas de oração. Além disso, a adoração
também com consultório incorporado. Em 1963, perpétua do Santíssimo Sacramento está estabelecida
inaugurou-se a parte hospitalar, com assistência pré- em todo o Instituto. Madre Angèle Dion, Superiora Geral da Congregação (I)

324
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AUXILIADORAS DA CARIDADE

Maputo, em Moçambique; o de Miranápolis, no BIBLIOGRAFIA: Impressa: BERTHIER, René, CHEMIER, Fez a sua aprendizagem do apostolado popular com
Brasil. Situa-se, em Setúbal, a Casa Provincial, como Jocelyne, Ana Maria Rivier: Grandeza de Deus na outros seminaristas junto de famílias pobres de
ficou dito, com retiros e aprofundamento espiritual, Fragilidade Humana, Tradução e adaptação pelas Orléans, no âmbito da Conférence de Saint-Vincent-
e, em Fátima, a Casa de Oração, com centro de Irmãs da Apresentação de Maria, Paris, Edições de-Paul, de 1871. Entre 1872 e 1877, desenvolve
espiritualidade, retiros e aprofundamento espiritual. Univers-Media, s.d.; Em Comunhão: Apresentação os estudos no Grand Séminaire de Paris – Saint-
A organização hierárquica da Congregação é de Maria, n.º 4, Congresso Internacional de Educação, -Sulpice (em Issy, onde se entusiasma com a conduta
constituída pela Superiora Geral, pela Superiora Nov./Dez. de 2004; LASSUS, Louis-Albert, Chama de modelar do vicentino P.e Planchat, morto durante a
Provincial e pela Superiora Local. A Superiora Geral Fogo: Perfil Espiritual de Maria Rivier, Tradução de Comuna de Paris), sendo ordenado sacerdote a 22
é eleita em Capítulo Geral, que se realiza de 6 em Ir. Nuno de Santa Maria, Braga, Apostolado da de Dezembro de 1877. A época era de transfor-
6 anos. Pode ser reeleita por um segundo e por um Oração, 1997; Levar o Fogo… Do Conhecimento e mações, marcada intensamente pelas leis sociais
terceiro períodos de seis anos. A eleição é presidida do Amor de Jesus Cristo por Toda a Parte!, Paris, (1864), pelo reconhecimento do direito à greve,
pelo Bispo do Lugar ou seu Delegado. Éditions Fleurus, 1995; PUREZA, Ir. Maria da, Em Tudo pelas organizações operárias, pelo direito de reunião,
A Superiora Provincial é nomeada pela Superiora a Vontade de Deus: Vida de Madre Maria da pela liberalização da imprensa (1868), pela Comuna
Geral, com o voto deliberativo do seu Conselho, e Santíssima Trindade, Fundadora da Província de Paris, pelo assassinato de seminaristas e de
após consulta das irmãs da Província. A duração do Portuguesa da Congregação das Irmãs da eclesiásticos (1871) e pela criação do primeiro
seu mandato é de seis anos. Pode ser renovado por Apresentação de Maria, Águeda, Artigal – Artes sindicato cristão (1886). Vivia-se então nos
um novo período de seis anos. A Superiora Local é Tipográficas Lda., 1983; Regra de Vida das Irmãs da pontificados de Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-
nomeada pela Superiora Provincial, após consulta à Apresentação de Maria de Bourg-Saint-Andéol: 1903) e Pio X (1903-1914), na via do integrismo,
Comunidade. O seu mandato é de três anos, Constituições e Directório, Porto, 1985; REY-MERMET, numa Igreja com tendências dominantes dispostas
renovável por um segundo período de três anos. Thèodule, As Vossas Filhas Profetizarão: Ana Maria a combater tanto os inimigos externos quanto as
As responsáveis pela formação no Postulantado, Rivier – 1768-1838, Tradução de João Maia, 1975; ameaças internas representadas pelos chamados
Noviciado e Juniorado são nomeadas pela Superiora Tu Es Bienheureuse Maria Rivier, Rome, 1982. Digital: “modernistas”, sobretudo em períodos de grande
Geral, com o consentimento do seu Conselho, após www.apresentacaodemaria.com; www.cpminter anticlericalismo (1877-1899), culminando na Lei de
consulta à Província. A autoridade na Congregação national.org; www.presentationdemarie-castelgan Separação da Igreja e do Estado (1905) e na
é essencialmente espiritual. dolfo.org. interrupção, até 1920, das relações diplomáticas
A Congregação está repartida em Províncias e Regiões, entre a França e a Santa Sé.
tendo cada uma a sua Superiora própria. Actualmente, FERNANDA CRISTINA SANTOS Desde 1874 que se define a vocação vicentina de
existem 8 províncias e 5 regiões em 19 países do Anizan, cimentada na espiritualidade dominante no
mundo. As casas isoladas ou agrupadas que não seminário, na clarificação da vida religiosa como a
pertencem a nenhuma província ou região estão sob AUXILIADORAS DA CARIDADE via por excelência para a santificação, na reflexão
a dependência imediata da Superiora Geral. Em 1926, nascem em França as Auxiliadoras da colectiva sobre a questão operária e os meios de
A Congregação das Irmãs da Apresentação de Maria Caridade (Auxiliatrices de la Charité). Foram seus evangelização. Foi o ano do encontro com o P.e Le
tem também um movimento de espiritualidade para Fundadores o P.e Jean-Émile Anizan (1853-1928), Prevost, Fundador dos Frères de Saint-Vicent-de-
leigos: a Associação Maria Rivier, que reúne leigos, autor das suas primeiras Constituições e Fundador -Paul, de uma permanência junto destes, da visita
homens, mulheres e jovens, desejosos de partilhar da da Congregação dos Filhos da Caridade (Fils de la à fábrica de gás de Issy e aos bairros populares.
espiritualidade da Congregação para melhor viver a Charité, 1918), e Thérèse Joly (1879-1956), primeira Mas só em Junho de 1886, após solicitar permissão
sua vocação de cristãos e a sua missão evangelizadora Superiora do grupo recém-criado de sete religiosas. ao seu bispo, ingressará naquele Instituto, vindo a
na Igreja. Em Portugal, existem os Centros de Diocese Em Portugal, as Auxiliadoras da Caridade (AC) fazer a sua profissão religiosa a 8 de Dezembro de
de Lisboa, Évora, Funchal e Portalegre-Castelo Branco. marcam a sua presença desde 1979. 1888. Identifica-se principalmente com o carisma
Existe também o voluntariado missionário. Jean-Émile Anizan nasceu a 6 de Janeiro de 1853, definido nas Constituições de Le Prevost, ou seja,
O maior contributo que a Congregação dá ao país em Artenay (Loiret), numa família numerosa. Filho com uma vida religiosa activa fundada na caridade
situa-se no campo da educação de crianças e de de um médico originário do meio rural e de uma (o amor a Deus e ao povo) e vivificada na evan-
jovens, através de jardins-de-infância, escolas, pedagoga de família rica e de prestígio, estudou gelização da classe operária e pobre.
colégios, acompanhamento de crianças e jovens em no Petit Séminaire Saint-Croix d’ Orléans e, desde Vigário desde 1878, em Olivet (Loiret), em contacto
lares internatos, orientando centros sociais com 1869, no Séminaire de la Chapelle-Saint-Mesmin. directo com a realidade dos adolescentes, será, em
valências que abrangem idosos, quer no próprio 1885, nomeado para uma paróquia operária, Saint-
centro, quer em apoio domiciliário. Os meios de -Laurent d’ Orléans. Entrado nos Vicentinos, em
sustentação são os salários das irmãs, pensões e 1886, e após um ano de Noviciado, onde aprofunda
ajuda do fundo de entreajuda da Congregação. a espiritualidade (S. Vicente de Paulo e S.to Inácio
Para uso interno, a Congregação utiliza boletins, circu- de Loyola) e os métodos de acção, irá contactar com
lares, anais, traduções em português, que permitem uma obra da juventude, a de Sainte-Anne de
um melhor conhecimento das raízes históricas da Charonne (Paris XX). Charonne representará uma
Congregação e dos escritos espirituais que têm sido forma de apostolado que lhe permite integrar-se
publicados através dos tempos. De igual modo, faz durante anos (1887-1894) nas famílias pobres do
uso de reportagens fotográficas e de diversos meios mundo operário, descobrindo no meio fabril crentes
audiovisuais. O jornal publicado pela Instituição chama- e não crentes de todas as idades e de diferentes
se Em Comunhão. É de circulação interna, tem artigos nacionalidades, a quem se dedica inteiramente,
compostos pelas Irmãs, Associados Maria Rivier, antigos partilhando as suas inquietações e lutas (inclusive
e antigas alunas, amigos, colaboradores, benfeitores acompanhando membros de organizações sindicais).
e deu lugar a um sítio na Internet. Símbolo das Auxiliadoras da Caridade (I) Será um campo de experimentação de novas

325
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AUXILIADORAS DA CARIDADE

pedagogias de evangelização com jovens e adultos, renunciar à vida religiosa, a solicitar ao sumo pontífice intervenção enquanto co-fundadora será decisiva.
despertando-os para a missão apostólica junto das dispensa de votos (recebida em Novembro de 1914) Ainda em 1924, é-lhe apresentada Alice Maigne,
suas próprias famílias. e a partir para a frente de combate (Verdun), na com sólida experiência apostólica e que ele envia
qualidade de padre voluntário, exercendo, assim, para um ano de estágio junto das Irmãzinhas da
durante dois anos, o seu ministério sacerdotal. Assunção, para aprofundar a espiritualidade e a vida
Em tempos de alterações na própria Igreja (decor- comunitária, após o qual, de regresso a Paris, destina
rentes da eleição do novo pontífice, Bento XV – a orientar algumas jovens. Por seu turno, Thérèse
1914-1922), Jean-Émile Anizan irá orientar-se por Joly, que o P.e Josse conhecera nos inícios de 1923,
uma procura espiritual, reflectida em meditações e só anos depois será apresentada a Anizan e por este
escritos redigidos, sobretudo, em 1916, e por um escolhida para futura superiora da Comunidade.
desejo de desenvolver uma nova vocação religiosa Thérèse Joly nasceu a 29 de Maio de 1879, em
e apostólica, partilhado, aliás, desde há muito, com Dijon, também ela de uma família numerosa, com
outros padres, antigos vicentinos como ele, Alexandre origem provençal por parte da mãe (com instrução
Josse (1877-1945), Charles Devuyst (1881-1931) e religiosa em Marselha) e descendente de uma
Yves Allès (1877-1950), aos quais se junta rapida- antiquíssima família burguesa da Borgonha, pelo
mente uma meia centena de indivíduos. Anizan lado paterno, que cedo se fixa em Paris. O pai, Henri
funda um grupo, a Ordem Terceira de São Francisco Joly, figura do Catolicismo liberal, sensível à doutrina
P.e Jean-Émile Anizan, Fundador (I)
de Assis (1916), na realidade provisório, desenvol- social da Igreja, Deão da Faculdade de Letras e
vendo o seu trabalho desde Outubro de 1916 como professor universitário de Filosofia na Sorbonne,
No Capítulo Geral dos Irmãos de São Vicente de pároco numa paróquia operária, Notre-Dame- cujas pesquisas revelam o interesse também pela
Paulo de 1894, onde Jean-Émile Anizan participa -Auxiliatrice de Clichy. No Natal de 1918, obtém psicologia e pela sociologia, foi director da colecção
apresentando um relatório sobre a Vocação finalmente, após prévia análise pelo papa, a apro- “Les Saints”, para a qual escreveu o volume sobre
Apostólica da Congregação, fruto da experiência de vação por este da Instituição dos Filhos da Caridade S.ta Teresa de Ávila.
Charonne, começa uma nova etapa no seu itinerário. como congregação diocesana, sob a autoridade do
Eleito Primeiro Assistente Eclesiástico, divulga o Arcebispo de Paris (documento assinado pelo Cardeal
Instituto e os propósitos da sua fundação, fala a Amette). Tornar-se-á de Direito Pontifício em 1924.
noviços e a seminaristas, apela a um comprome- Esta nova Congregação, de que se torna superior
timento com o povo, numa mensagem que não se por seis anos, depressa se consolida e amplia.
distancia do apelo de Leão XIII à união das classes O discernimento comprovado de Jean-Émile Anizan
sociais e à criação pelos católicos de organizações sobre o contexto social, laboral e religioso da França
operárias. Em 1895, Anizan torna-se Vice-Presidente na sua época, leva-o a interessar-se também,
da Union des Oeuvres, onde à acção evangélica plenamente, pelo fenómeno nascente da Jeunesse
associa operários, homens e mulheres, como Ouvrière Chrétienne (JOCF) e pela acção do Abade
colaboradores. belga Cardijn, com quem se encontra ainda em
Em 1907, Anizan é eleito Superior Geral dos Irmãos 1927. Não será, pois, de estranhar que a primeira
de São Vicente de Paulo, em Capítulo convocado secção da JOCF se venha a concretizar precisamente
pela Santa Sé, após a morte do P. e Leclerc. Ao em Notre-Dame-Auxiliatrice de Clichy (26 de Fevereiro
expressar uma vocação pastoral e social aberta a de 1928, presidida por Jeanne Aubert), sendo então
Thérèse Joly, Co-Fundadora (I)
novos caminhos e a movimentos que então se pároco um filho da caridade, o P.e Pluyette.
manifestavam (não só em França), entre os quais, O ideário de evangelização popular de Jean-Émile
o dos sindicatos católicos operários, aproximando Anizan, principalmente em paróquias operárias, ou A experiência de vida religiosa de Thérèse repartiu-
os irmãos vicentinos do povo, suprimindo o seu o Notre Triple Idéal, que construiu em anos de -se, entre 1899 e 1902, pelo Carmelo de l’ Adoration
hábito clerical, orientando-os nos sindicatos, reflexão e de trabalho e que apresenta em 1925 Réparatrice, dirigido pela Madre Thérèse de Jésus
integrando no projecto missionário irmãos leigos e aquando do Capítulo Geral, aliás com larga difusão, (1899-1900) e pelo Postulado, junto da Madre Marie
dando-lhes responsabilidades próximas, sofrerá orienta não apenas os Filhos da Caridade, mas irá de Saint Pierre, Fundadora das Adoratrices du Sacré-
reacções adversas, incluindo a oposição sobretudo inspirar igualmente as Regras de vida que ele pró- -Coeur de Montmartre, onde toma o hábito a 6 de
de um grupo dentro do próprio Instituto, o do prio, enquanto Pároco de Notre-Dame-Auxiliatrice Fevereiro de 1901, vindo a professar a 19 de Março
P.e Charles Maignen (1858-1937). de Clichy, dita a um pequeno grupo feminino, as de 1902, em Londres, para onde partira com a
A oposição às suas orientações culminará numa visita Demoiselles de Clichy, reunido no serviço das obras Comunidade. Motivos de saúde impõem, contudo,
apostólica de Roma e na sua deposição ordenada paroquiais: 1) busca da santificação através da vida o seu regresso a casa e o início de um longo itinerário
pelo papa, em Janeiro de 1914, seguida da de todo religiosa comunitária; 2) fecundidade apostólica dedicado ao cuidado da mãe, doente, ao serviço
o seu Conselho (Decreto de 14 de Janeiro, que o desenvolvida pelo ministério pastoral ou paroquial; das obras paroquiais de Notre-Dame des Champs
acusa de ser difusor do “modernismo social”). 3) evangelização dos pobres, em particular dos (a cujo Conselho Curial pertencia o pai) e à orientação
O acontecimento, que abala profundamente a operários, impulsionada pela Caridade. e catecismo das crianças da escola comunal. A partir
Congregação (provocando rupturas e expulsões), Na verdade, desde 1921 que Anizan projecta uma de 1912, reparte o tempo entre o pai, com quem
conduz Anizan ao retiro espiritual (em Pleterje), junto fundação feminina e, nesse sentido, conta com a trabalha, e a obra dos Hospitais, de visita aos doentes.
daquele que continua a ser o seu director espiritual, colaboração empenhada de um dos seus Filhos, o Desde 1920, por indicação do seu confessor, orienta
mesmo no exílio, D. François de Sales Pollien (1853- P.e Alexandre Josse. É este que, em tempos diferentes, jovens candidatas à vida religiosa.
-1916 – em Itália, em 1908, como na Áustria, em conhece e lhe apresenta os primeiros membros da O seu conhecimento com o P.e Alexandre Josse dá-
1914). Do mesmo modo, também o levará, sem futura comunidade, entre os quais Thérèse Joly, cuja -se entre 1922 e 1923, em Montmartre, quando

326
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AUXILIADORAS DA CARIDADE

com ele se confessa e é encorajada a retomar as de Thérèse Joly, mais algumas disposições sobre a Tendo Jesus por modelo, vivem com paixão o amor
suas relações com o Carmelo. Também aquele lhe formação e disciplina do novo Instituto, sua auto- de Deus, Ele próprio Caridade, e o amor ao próximo
confia jovens aspirantes à vida religiosa e lhe fala, nomia, e capacidade de adaptação a desenvolver (união de corações e caridade fraterna, na expressão
em 1924, do projecto de Jean-Émile Anizan de pelas Irmãs no trabalho e na experiência vivencial utilizada desde as primeiras Constituições). As virtudes
organizar junto dos Filhos da Caridade grupos de exigidos pela missão. que logo as definem são, pois, o amor a Deus, a
religiosas que os ajudem no apostolado das paróquias A aprovação canónica e a instituição da Association humildade, a abnegação, a obediência e a dedicação
operárias, sobretudo a chegar ao interior das famílias. des Auxiliatrices de la Charité em Congregação absoluta aos pobres, marcando a caridade a sua
Mas Thérèse Joly só após a morte do pai conhecerá Diocesana, que motivara os esforços de Anizan desde personalidade distinta. A missão das Auxiliadoras
Anizan pessoalmente. Entra no Carmelo de Paray- finais de 1927 junto de Mons. Roland-Gosselin, bispo da Caridade revela-se com os operários pobres,
-le-Monial ainda em Outubro de 1925, vindo de Versalhes, concretiza-se, finalmente, em Fevereiro implicando estudo, dedicação apostólica e também
finalmente a aderir ao projecto de fundação em de 1932 (autorização de 18 de Janeiro, Breve de 2 formação profissional.
Maio de 1926. Contava então 47 anos. de Fevereiro, promulgado a 9 pelo mesmo bispo). Se Anizan cedo se apercebeu (graças também à
A missa de fundação do novo Instituto celebra-se a E é sob o Ordinário de Versalhes que a Congregação sua experiência em Charonne) da necessidade de
15 de Outubro de 1926 (festa de S.ta Teresa de Ávila), das Auxiliadoras da Caridade permanecerá juris- um instituto feminino que conseguisse, comple-
durante a qual Jean-Émile Anizan nomeia Thérèse dicionalmente. mentando o trabalho dos párocos, alcançar as
Joly Superiora das Auxiliatrices de la Charité. A nova Nas cerimónias de 9 de Fevereiro de 1932, participam famílias operárias no terreno missionário e definiu
Instituição compreende ainda Alice Maigne, Thérèse Joly, nomeada Superiora Geral, com mais a espiritualidade da nova associação, Thérèse Joly,
Augustine Lespinois, Marguerite Pansin e as três 6 professas e 8 noviças. O número de Auxiliadoras com a sua preparação e experiência, orientou
“Demoiselles de Clichy”, Andrée Masseron, Marie vai crescendo, assim como os apelos que lhes são definitivamente a Congregação, conduzindo as
Baltazar e Gabrielle Heurtebise. A Alexandre Josse dirigidos, levando-as a procurar novos espaços. Irmãs a concretizar esse ideal. As Constituições,
é atribuída a sua direcção espiritual, enquanto o Instalam-se em Concy-Yerres, Villa Sainte Marie, em aprovadas em Maio de 1951, na sequência de um
P. e Vaugeois será o Confessor Extraordinário e o Seine-et-Oise, desde 1934. Aqui permanecerá o Capítulo Geral e nas vésperas de a Congregação
P.e Mayet, Mestre dos Noviços dos Filhos da Cari- Noviciado até 1973 (quando se transfere para a se tornar Instituto de Direito Pontifício, ao
dade, assegurará conferências, retiros e estudos. Comunidade de Bezons). A Procure Générale (Paris manifestarem certas alterações e uma maior
A Congregação dos Filhos da Caridade, todavia, não XVI) é abençoada pelo Cardeal Verdier, a 3 de Abril elaboração, reflectem-no.
partilha qualquer responsabilidade na nova fundação. de 1936, ano em que as Auxiliadoras da Caridade “Défricheuses” entre os operários das grandes
Ainda numa morada provisória é benzida a imagem atingem, em Concy, as 40 religiosas, 22 das quais cidades e dos seus arredores, na elucidativa expressão
do Sagrado Coração de Jesus. Ficarão depois noviças. A Congregação expande-se, multiplicando utilizada por Pierre l’Ermite nos artigos da Croix de
instaladas, desde Fevereiro de 1927, em Montgeron as suas obras a nível paroquial e nos bairros Dimanche (1932-1933) e por Thérèse Joly, dedicam-
(perto de Concy, onde funciona o Noviciado dos necessitados e fundando algumas comunidades em -se com simplicidade, alegria e devoção a uma acção
Filhos da Caridade), que baptizam de Villa Sainte zonas mais distantes e inacessíveis. de solidariedade social e de evangelização. Actuam
Thérèse, até Abril de 1931. A partir desta data A imagem de Jesus crucificado, a Cruz, recebida nas paróquias e fora destas, no mundo do trabalho,
tomam a seu cargo as obras da Paróquia de nos votos perpétuos, é o grande símbolo desta consagrando a sua vida às obras sociais e de caridade
Villeneuve Saint Georges (dirigida pelo P.e Bouet, Congregação. A divisa Caritas Christi urget nos, “O (missão na perspectiva apostólica), em benefício das
Abade, filho da caridade), podendo transferir-se para Amor de Cristo nos impele” (2 Cor 5, 14), é-lhes famílias pobres do povo trabalhador, em particular
um espaço com maior capacidade, de que aliás já conferida pela Fundadora a 9 de Fevereiro de 1935, junto de crianças, jovens e mulheres, que visitam,
precisavam com a entrada de novas vocações. Em aquando dos seus votos perpétuos. acompanham na doença e catequizam. Desta forma
Outubro de 1927, inaugura-se oficialmente o As Auxiliadoras da Caridade definem-se como procuram, no meio do povo, realizar o ideal de uma
Noviciado. Missionárias Contemplativas, numa união e equilíbrio vida contemplativa autêntica.
Em memória de Anizan, entretanto falecido a 1 de perfeitos entre as formas de vida de Marta e de Dedicam a sua devoção ao Sagrado Coração de
Maio de 1928, em Paris XI, na Paróquia do Bon Maria, entre as obras e a vida conventual. Atentas Jesus, modelo e fonte de toda a Caridade (pintado
Pasteur, ser-lhes-á confiada esta paróquia como à Vida, enquanto encarnação de Deus, e impelidas em fresco por detrás do altar da Capela de Concy,
primeiro campo de acção, desde logo encarregando- pelo amor de Cristo, encontram na vida comunitária em 1935), à Santíssima Virgem Maria na Imaculada
-se das obras da juventude. Irão intervindo noutras – simultaneamente lugar de interiorização, de partilha Conceição, a S. José, padroeiro das famílias operárias,
zonas da diocese, nos arrabaldes, assumindo obras e de oração – uma expressão dessa caridade. Ao a S. João, à Bem-Aventurada Louise de Marillac,
religiosas e sociais, o primeiro de vários dispensários encontrar Deus na humildade e fragilidade da auxiliar de S. Vicente de Paulo e padroeira das obras
(o de Villeneuve Saint Georges, em Outubro de condição humana, procuram unir e viver num mesmo da Congregação, e a S.ta Teresa de Ávila, grande
1932), a visita a doentes, a orientação de crianças acto de Fé, seguindo o Espírito do Carmelo, o amor mestre da vida espiritual.
e jovens, solicitadas ou “impelidas” pela sua missão fraterno e a contemplação do amor de Deus. As Auxiliadoras da Caridade são herdeiras de um
a penetrar em zonas da cidade distantes e abando- “Paixão” e “audácia” definem uma missão que as projecto comum aos dois fundadores, próximo, aliás,
nadas e junto das famílias que afectuosamente as conduz para o meio dos mais humildes e das aspirações de João XXIII (1958-1963), de uma
designam de “Les Frangines du bom Dieu”. desamparados, não apenas os indigentes mas Igreja fazendo a ponte entre a fé e a vida: conciliar
Jean-Émile Anizan deixara Alexandre Josse como sobretudo os “pobres”, a que se referia Jean-Émile missão e vida contemplativa, viver a espiritualidade
legatário espiritual de toda esta obra, condição, aliás, Anizan, de qualquer parte do mundo, i. e., os e o espírito evangélico, concretizado num estilo
confirmada em 1929 pelo Conselho dos Filhos da operários, os trabalhadores, ricos em potencialidades, de vida próprio, acentuando a via missionária
Caridade. As Auxiliadoras da Caridade irão actuar mas dependendo de um futuro incerto, esquecidos contemplativa no meio operário, animadas pelo
conforme as Constituições redigidas por Anizan, e desprezados, os “deserdados deste mundo”, que Espírito do Carmelo, atentas e respondendo às
definidoras da espiritualidade e de uma vida religiosa urge recristianizar. A sua missão é a de recuperar e interrogações do mundo actual tal como se colocam
com particularidades próprias. Entretanto, a prática promover a dignidade humana e, com isso, alicerçar ao trabalhador. É um grande desafio desde a origem,
comunitária permitiu clarificar e afinar, sob a direcção novas e verdadeiras comunidades de cristãos. cujas dificuldades e adaptações ao presente levam

327
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS AUXILIADORAS DA CARIDADE

a reflexões e a decisões tomadas em conjunto. que aí permanece até 1998. Em 1999, mais duas das Auxiliatrices de la Charité. A Congregação conta,
A história da Congregação não está totalmente irmãs partem para a América, desta feita para as actualmente, com mais de 70 membros distribuídos
estudada nem completamente elucidada, no tocante Honduras. por comunidades de três a quatro irmãs, estabelecidas
à sua definição em certos momentos históricos, às As Auxiliadoras da Caridade começam a actuar em em França (região parisiense, Norte e Midi), em
heranças espirituais, via paterna, de Thérèse Joly, a Portugal desde 1979. Já em 1973, no Conselho da Portugal e na América Central (Honduras). As
algumas cisões de início, à nomeação de uma nova Congregação, se colocava a questão do envio de decisões repercutem-se em qualquer dos membros
Superiora Geral, em 1953, Marie Raphaëlle, a uma irmã a Portugal. A Ir. Monique Lucet terá sido do Instituto. Essa coerência reflecte-se na orgânica
substituir Thérèse Joly, às relações com os Filhos a primeira referência das Auxiliadoras da Caridade institucional, correspondendo, na prática, a um desejo
da Caridade (conforme Nicole Pelisson e Palmira neste país, vinda a convite das famílias portuguesas manifestado no Capítulo de 1971 de haver no inter-
Lourenço). Há ainda que analisar a fundo, em grande residentes em França, com as quais trabalhava. Mas valo destas grandes reuniões um ou dois Conselhos
parte da sua história, o cruzamento dos seus foi a Pastoral Operária da época que, ao ter de Congregação que, para lá de órgãos de consulta
princípios orientadores e da sua capacidade insti- conhecimento das Auxiliadoras da Caridade, através e de informação, permitam um prolongamento e
tucional de adaptação com diferentes condicionantes da Pastoral Operária Francesa, solicitou uma presença alargamento da reflexão sobre os temas em debate
históricas e com trajectos individuais. da Congregação em Portugal, dada a sua missão e uma melhor participação de todos.
E isso importa, tanto mais que as Auxiliadoras da específica, i. e., o facto de trabalharem com os Do ponto de vista da organização interna, de forma
Caridade persistem em responder, com dedicação, Movimentos da Pastoral Operária, de se inserirem a garantir com simplicidade a eficácia dos próprios
aos desafios do mundo de hoje, empenhando-se em bairros populares e operários e de serem traba- preceitos da caridade (verificável nas obras), em
numa plena acção de solidariedade social, assumindo lhadoras assalariadas. Respondendo às recomen- todas as comunidades existe uma Superiora ou uma
a sua vocação para com Deus e os homens. dações do Capítulo de 1977 (Reeleição de Colette Responsável de Comunidade, uma Ecónoma e, em
Prosseguindo o triplo ideal de Jean-Émile Anizan, Baudouim), o Conselho envia, em 1979, duas irmãs cada país, duas Responsáveis de Formação (Noviciado
trabalham em Igreja – dentro e fora de instituições que se fixam em Setúbal. A escolha desta cidade do e Juniorado), podendo eventualmente caber a uma
eclesiais – com padres, religiosos e leigos. Sul e os anos de permanência nela das Auxiliadoras só irmã duas destas atribuições. Assim acontece
da Caridade (perto de uma década) relacionam-se, também nas Auxiliadoras da Caridade em Portugal.
por certo, com o facto de se tratar de uma das mais No que respeita às relações com outras organizações
populosas do país e com problemas decorrentes da dentro e fora do país, além de fazerem parte da
forte concentração operária e multirracial. Nela se FNIRF (Federação Nacional das Superioras Maiores
criam alguns grupos: JOC (Juventude Operária e Institutos Religiosos Femininos), repartida pelas
Católica), ACE (Acção Católica das Crianças), ACO dioceses, as Auxiliadoras da Caridade de Portugal
(Acção Católica Operária). O fecho desta comunidade, pertencem (tal como as Irmãzinhas da Assunção,
em 1998, irá permitir que algumas irmãs se mobilizem Irmãzinhas de Jesus, Bom Pastor, Doroteias,
para prestar outros apoios. entre outras congregações) ao REMO (Religiosas
Desde Janeiro de 1990 até inícios de 1999, funcionará Inseridas no Mundo Operário), dada a sua integração
em Portugal, ao Norte, uma segunda comunidade, em bairros populares.
a de Vila Nova de Famalicão, com duas irmãs, que Em 1968, fundiram-se com as Auxiliadoras da
Cruz recebida nos votos perpétuos (I)
se torna Casa de Noviciado, com a entrada de uma Caridade as Irmãs da Schola Christi. Em 1995, foi
jovem natural de Setúbal (Palmira Lourenço). preocupação central do Capítulo (em que é reeleita
As Auxiliadoras da Caridade fixam-se, por fim, na Nicole Pelisson) reflectir sobre o futuro da Congre-
Cedo se multiplicam as vocações e fundações das Diocese de Aveiro, em Setembro de 1998. Em gação, avaliando-se todo um trabalho já em curso
Auxiliadoras da Caridade, testemunhando-se as suas número de quatro até há pouco tempo (a estatística com outras congregações religiosas femininas, unidas
obras em paróquias e centros como Bon Pasteur, oficial de 2002 aponta para quatro irmãs Ad Gentes), por uma mesma sensibilidade à espiritualidade
Villeneuve Saint Georges, Villeneuve le Roi, Crosnes, a Comunidade é formada, em 2005, por três irmãs, carmelita, para formar uma federação com vista a
Concy-Yerres, Nanterre, Arcueil, Alfortville, Les Blagis, todas elas portuguesas e com uma profissão. uma futura união que transformasse numa nova
La Fouille, Le Blandin, Pompadour, entre outros. Inseridas num bairro bem popular e operário de congregação as seis existentes. As Auxiliatrices de
Durante a Segunda Guerra Mundial, fundam um Aveiro, o B.º de Santiago, as Auxiliadoras da Caridade la Charité empenharam-se neste projecto, cons-
novo convento em Clichy (1940), para melhor auxílio trabalham em conjunto com as famílias e em parceria tituindo, a 15 de Julho de 1996, uma Federação de
aos serviços municipais, sobretudo no plano sanitário, com instituições eclesiais e civis. Respondendo ao Direito Pontifício, a Fédération Carmélitaine
e para os finais da década de 40 abrem diversos incentivo de Anizan de irem até junto dos que não Apostolique, juntamente com cinco institutos:
centros na região parisiense e mais conventos em conhecem ou não frequentam a igreja, não têm por Immaculée du Mont Carmel, Notre Dame du Mont
Lieusaint, Clamart e Auteuil. norma actuar apenas com as estruturas desta, antes Carmel, Soeurs de la Providence de la Pommeraye,
Fundam também comunidades fora de Paris, em se preocupam em trabalhar com diferentes associa- Soeurs de Saint Martin de Bourgueil e Soeurs de
Thiers (1949), e, já na década de 60, em Dijon e ções e instituições. Tal como lhes pede a missão, Sainte Thérèse d’Avesnes. Perto do prazo estipulado
Vierzon. Ao mesmo tempo que chegam a Bobigny, para lá da catequese na paróquia e de toda a para dar início ao processo de União, em época que
a “Bord de l’Eau” (durante perto de uma década animação no bairro, continuam a trabalhar e a dar exigiu grande esforço de reflexão e discernimento
até finais dos anos 70), e a Beuvrages, no Norte, a apoio a diferentes Movimentos de Acção Católica: sobre a decisão a tomar em Setembro de 2002,
Congregação expande-se para fora do território LOC (Liga Operária Católica), JOC e MAAC houve, todavia, congregações que preferiram dar
europeu. A partir de 1961, actuam em África (Benim), (Movimento de Apostolado de Adolescentes e continuidade à federação, persistindo autono-
aprendendo os costumes e o sentir de outras culturas. Crianças). A Ir. Palmira é Assistente Diocesana da mamente num trabalho de conjunto e de apoio
No Brasil (S. Paulo), a sua implantação começa a ser JOC. mútuo. Daí que as Auxiliadoras da Caridade se
considerada desde 1982, para lá se enviando duas Note-se que qualquer das comunidades das tenham desligado desta federação em 2003.
irmãs, em 1985, as quais fundam uma comunidade Auxiliadoras da Caridade não é um corpo isolado Reflexões e tomadas de decisão têm marcado o

328
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS

processo histórico desta Congregação de Missionárias Hachette, 1991; C HOLVY , Gérard, H ILAIRE , J.-M., BENEDITINAS
Contemplativas, como Thérèse Joly as definiu na Histoire Religieuse de la France Contemporaine: A Congregação das Beneditinas integra as monjas
sua carta/testamento espiritual de 24 de Fevereiro 1830-1880, Toulouse, 1985; Écrits Spirituels (Textes que seguem a Regra de S. Bento e a devoção a
de 1952 (alterando a ordem dos elementos que Essentiels): Émile Anizan, Fondateur des Fils de la S.ta Escolástica. A sua divisa monástica é Ora et Labora.
compõem a expressão que habitualmente se usava Charité, Paris, FC, 1968; JOLY, Mère Thérèse, Les S. Bento nasceu a 11 de Julho de 480, em Núrsia,
desde 1932, conforme Palmira Lourenço: LOURENÇO, Auxiliatrices de la Charité: Ce qu’Elles Sont, Ce tendo levado uma vida de eremita. Em 528, fundou
Palmira, ac, Ensemble…). Mas nos numerosos qu’Elles Font, Ce qu’Elles Désirent…, Par Lettres- a Abadia do Monte Cassino, onde escreveu a Regra
balanços que, em Capítulos ou fora destes, a -préfaces de Mgr Roland-Gosselin et du Cardinal Beneditina, vindo a falecer em 540. S.ta Escolástica,
Congregação tem sabido realizar para deles retirar Suhard, Concy-Yerres (Seine-et-Oise), Maison-Mère irmã gémea de S. Bento, fundou a Ordem das
orientações, sempre se acentuou a importância da et Noviciat des Auxiliatrices, 1947; LE CLERC, Pierre Beneditinas em 532, perto do Monte Cassino, e
presença das Auxiliadoras da Caridade no mundo (dir.), L’Apostolat Populaire: Le Père Anizan et les morreu em 547, com cerca de 67 anos de idade.
do trabalho e a actualidade do seu carisma. A sua Fils de la Charité, Actes du Colloque des 13 et 14 S.ta Escolástica não seguia a Regra do seu irmão, mas
entrega às obras, tendo por horizonte a vivência do novembre 1992, Éditions du Cerf, 1995; LE CLERC, sim uma anterior, como a Regula ad virgines de
intrínseco ideário de solidariedade fraterna, leva-as Pierre, M OY , Jean-Yves (eds.), Quand la Charité S. Cesário, ou a Epistola 211 de S.to Agostinho, ou
a prescindir de qualquer marca de diferença nos S’Empare d’un Homme: Écrits Spirituels de Jean- nenhuma das conhecidas. Contudo, difundiu a Regra
meios sociais em que se integram e trabalham, visível -Émile Anizan (1853-1928), Fondateur des Fils de de S. Bento por toda a Itália, fundando mosteiros e,
na decisão em prescindir do hábito religioso. la Charité, Paris, Éditions du Cerf, 1992; LÉCRIVAIN, em 544, a sua Ordem chegou a França. A monja
Deixaram, de facto, o uso do hábito desde 1963 e Philippe, “Des Religieux dans les Tourbillons du S. ta Lioba distinguiu-se no auxílio prestado a
até as próprias noviças foram dispensadas do mesmo, Modernisme et de son contraire”, in Pierre Le Clerc S. Bonifácio na evangelização da Alemanha (séc. VIII).
conforme foi definido claramente no Capítulo da (dir.), L’Apostolat Populaire: Le Père Anizan et les Quanto à sua presença em Portugal, o ramo feminino
Congregação, realizado em 1971. Sinal desta opção Fils de la Charité, Actes du Colloque des 13 et 14 da observância beneditina surgiu não muito depois
pela indiferenciação social, foi também a possibilidade novembre 1992, Éditions du Cerf, 1995, pp. 87- do início da expansão da Ordem de São Bento
de optar pela conservação do nome civil. -124; L HANDE , Pierre, Le Christ dans la Banlieue, pelo mundo ocidental (séc. X). Habitavam casas
Quanto a publicações periódicas, as Auxiliadoras da Paris, Éditions Plon, 1928; LOURENÇO, Palmira, ac, contíguas, porém, rigorosamente separadas, com
Caridade mantêm uma revista trimestral dedicada Ensemble Nous Écrivons Notre Histoire, Dissertation um único Superior: o Abade ou a Abadessa. Este
à missão e espiritualidade da Congregação – Em à AFRN – Année de Formation pour Responsables aspecto provinha do facto de poderem ser dirigidas
Rede. du Noviciat, 2002; MOY, Jean-Yves, Petite Vie du na vida espiritual e ajudadas e protegidas na vida
Père Anizan, Paris, Desclée de Brouwer, 2000; MOY, material. Na Península Ibérica, por exemplo, existiram
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Manuscritos diversos Jean-Yves, Le Père Anizan, Prêtre du Peuple: Des mosteiros dúplices, uma vez que são inúmeros os
nos Archives des Auxiliatrices de la Charité (Paris); Frères de St. Vincent de Paul à la Fondation des Fils documentos que apresentam a expressão frates et
Archives des Fils de la Charité (Issy-les-Moulineaux); de la Charité, Thèse d’État, Paris, Éditions du Cerf, sorores, aos quais se juntaram representantes do
Archives des Frères de Saint-Vincent-de-Paul (Roma). 1997; MOY, Jean-Yves, “Des Œuvres à la Paroisse”, sexo feminino – virgines, sanctimoniales, sorores, e
Impressa: ÁLVAREZ, Tomás (dir.), Diccionario de Santa in Pierre Le Clerc (dir.), L’Apostolat Populaire: Le até confessae, devotae. Vairão, por exemplo, apesar
Teresa: Doctrina e Historia, Burgos, Editorial Monte Père Anizan et les Fils de la Charité, Actes du de não haver qualquer alusão documental à Regula
Carmelo, 2002; A ZEVEDO , Carlos Moreira (dir.), Colloque des 13 et 14 novembre 1992, Éditions du Communis, pertencia a uma comunidade mista de
Dicionário da História Religiosa de Portugal, 4 vols., Cerf, 1995, pp. 53-66; Notre Triple Idéal: O Nosso homens e mulheres, vivendo dentro dos cânones da
Lisboa, Círculo de Leitores, 2000-2001; BARD, Gabriel Triplo Ideal, Trad. por Rodrigo Mendes, Documento chamada Regula Mixta. O primeiro mosteiro com
(ed.), Choix de Lettres et d’Écrits Spirituels, du Père do Conselho Geral, Paris, Filhos da Caridade, 1992; religiosas a adoptar a Regra de S. Bento é o de
J.-E. Anizan, Introduction de André Monnier, Issy, PELISSON, Nicole, “Le Père Anizan, fondateur des Vieira, fundado por S. Rosendo e S.ta Senhorinha,
Secrétariat des Fils de la Charité, 1949; BARD, Gabriel, Auxiliatrices de la Charité”, in Pierre Le Clerc (dir.), que seguia anteriormente a Regra de S. Leandro de
Jean Émile Anizan, Paris, Spes, 1946; B OISSINOT , L’Apostolat Populaire: Le Père Anizan et les Fils de Sevilha, ou a Regula Communis.
Georges-Albert, “Jean-Léon Le Prevost. L’Évan- la Charité, Actes du Colloque des 13 et 14 novembre No séc. XII, a Ordem Beneditina encontra-se no
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en France de la Fin du XVIIIe à Nos Jours, Paris, MARIA LEONOR GARCÍA DA CRUZ -1896) e Semide (S.ta Maria, c. 1150-1896). O maior

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS

preferência das gentes da terra foi construída uma que, por volta de 1444, D. João Vicente, Bispo de
casa para albergar monjas beneditinas. Sabe-se ainda Viseu, tentou passar o mosteiro para os religiosos
que esta edificação ficava situada fora dos muros da Ordem Terceira de São Francisco, secularizando
da antiga praça. Porém, com a construção das novas a então reduzida comunidade. Porém, os franciscanos
muralhas ficou intramuros, dando origem a uma não ficaram neste espaço mais do que cinco ou seis
nova porta, consequentemente denominada de anos. Nos sécs. XVII e XVIII, a comunidade que aí
S. Bento. A comunidade era grandiosa quanto ao residia era significativa (entre 44 e 57 religiosas). No
seu número, pois, em 1713, sabemos que era séc. XIX, o número da comunidade desceu signi-
composta por 67 freiras professas, 3 noviças, 6 ficativamente (de 35 para 15 monjas), sendo a última
educandas e 50 criadas. Quanto à sua subsistência, freira do mosteiro a D. Joana Carolina de São José,
sabemos que os seus rendimentos provinham das que faleceu a 28 de Novembro de 1891. A igreja
igrejas que tinham em Monção: S. Miguel de foi cedida à junta da paróquia a 5 de Abril de 1897.
Barrocas, S. Veríssimo, S. Tiago de Luzio e S.to André A Capela de S.ta Eufémia passou para as mãos do
de Taias. Quanto ao destino deste mosteiro, após o arrematante Albano de Magalhães Coutinho e o
decreto da extinção das ordens religiosas (1834), edifício do mosteiro foi comprado, em 1909, por
mantiveram-se aí algumas monjas, chegando duas José Pedro Ferreira. As Abadessas Perpétuas do
ao ano de 1846, que, depois de remetidas para Mosteiro de Ferreira de Aves foram as seguintes:
Viana, cederam a igreja e o coro à Irmandade de Maria Fernandes, 1170; Maria Martins, 1177; Maria
Nossa Senhora do Terço de Barcelos. O restante Fernandes, 1208; Maria Soares, 1213; Sancha
espaço do convento foi leiloado em 1847, pelo preço Gonçalves, 1238; Marinha Pires, ?; Clara Henriques,
de dois contos de réis. 1299; Marina Martins, 1376; Teresa Martins, 1377;
O Mosteiro de S. Salvador de Braga foi fundado Urraca Fernandes, 1406; Inês Fernandes, 1425; Inês
pelo Arcebispo D. Agostinho de Jesus de Castro, no de Alvarenga, 1431; Guiomar Fernandes, 1433;
início do séc. XVII, sendo apontado por vários Madalena ou Margarida Fernandes, 1438; Leonor
historiadores o ano de 1602. O aparecimento deste Pires Mourata, 1444; Inês Martins da Balsa, 1460;
Beneditina (Tours) mosteiro tem por base uma nova orientação Inês de Meneses, 1471; Isabel Coutinho, da Casa
tridentina, que passava pela transferência de dos Condes de Marialva, 1477; Guiomar Coutinho,
mosteiros situados em locais ermos para meios mais 1502; Branca de Vasconcelos, 1534; Beatriz
cenóbio foi o de S. Bento da Ave-Maria, no Porto povoados. Deste modo, surge por transferência do Coutinho, 1540; Filipa de Albuquerque, última
(1535-1892), que chegou a abrigar cerca de 300 Mosteiro de S. Salvador de Vitorino das Donas para Abadessa Perpétua, falecida em 1606. As Trienais
pessoas (entre monjas, educandas e empregadas), o designado Campo da Vinha, em Braga. Conhecem- foram: Brites da Coroa, 1606; Isabel Coutinho, 1611;
sendo destruído para dar lugar à estação ferroviária. -se descrições que assinalam a relutância das monjas Madalena de Jesus, 1612; Paula do Nascimento,
Alguns destes mosteiros desapareceram, sendo perante a mudança. Todavia, acabaram por se mudar. 1615 e 1618 (2.ª vez); Luísa da Encarnação, 1621;
convertidos em simples igrejas paroquiais. Desconhecem-se pormenores acerca da sua vida no Luísa do Espírito Santo, 1623; Maria da Conceição,
A reforma tridentina também teve efeito no mundo interior do cenóbio, porém são de assinalar pequenos 1626; Joana de Santo António, 1626; Joana de Jesus,
monástico feminino: alterou a duração do mandato actos de rebeldia que caracterizaram este mosteiro. 1632; Bernardina da Ascensão, 1635; Serafina da
das Abadessas e causou o desaparecimento de alguns Nomeadamente, em 1674, sendo Arcediago Glória, 1638; Isabel de Jesus, 1641; Maria da
mosteiros. Com a extinção das ordens religiosas, em D. Veríssimo de Lencastre, rebelaram-se contra uma Encarnação, 1644; Maria do Presépio, 1647; Antónia
1834, decretou-se que os mosteiros femininos providência arquiepiscopal relativa às grades da da Trindade, 1649; Maria de São José, 1653; Antónia
ficariam abertos até à data da morte da última clausura e, em 1806, Sede Vacante, a abadessa foi do Deserto, 1656; Maria de São José (2.ª vez), 1659;
religiosa, ao contrário do que aconteceu com os suspensa de seu ofício e uma monja presa por não Eufémia do Espírito Santo, 1662; Margarida do
masculinos. Todavia, no séc. XX, a Ordem Beneditina aceitarem o capelão designado para este mosteiro. Rosário, 1665; Maria de Jesus, 1668; Inês das Chagas,
ressurgiu, não utilizando nenhum dos anteriores A sua subsistência passava pelos rendimentos e 1668; Ana de São Miguel, 1671; Maria dos Cravos,
espaços monásticos. A Ordem sofreu algumas dízimos de Vitorino das Donas, S.ta Maria de Cabração 1674; Maria dos Anjos, 1677; Madalena de Jesus,
alterações relativamente à sua organização, estando e S. Tiago de Fontão, igrejas situadas em Ribeira 1680; Margarida Baptista de Sampaio, 1683; Inês
os mosteiros congregados à Confederação Beneditina Lima. Com a extinção das ordens religiosas (1834), das Chagas (2.ª vez), 1686; Filipa de Sant’Iago, 1689;
promulgada por Pio XII, em 1952, e governada pelo o mosteiro encerrou as suas portas, restando, em Isabel dos Serafins, 1692; Serafina das Chagas, 1695;
Abade Primaz. Os mosteiros mais relevantes que 1873, três monjas e algumas recolhidas. Maria de São Miguel, 1696; Maria do Monte Olivete,
floresceram, no contexto nacional, foram S. Bento Quanto ao Mosteiro de S.ta Eufémia de Ferreira de 1699; Isabel do Sacramento, 1702; Maria de São
de Barcelos, S. Salvador de Braga, S.ta Eufémia de Aves, apesar de surgir em algumas crónicas com o Miguel (2.ª vez), 1705; Umbelina de São Bento,
Ferreira de Aves, N. S.ra da Purificação de Moimenta Orago de S. ta Maria, sabe-se que, desde a sua 1708; Marcelina de Jesus, 1711; Umbelina de São
da Beira, S. Bento da Ave-Maria do Porto, S.ta Maria fundação, apresenta a invocação de S.ta Eufémia. Bento (2.ª vez), 1714; Marcelina de Jesus (2.ª vez),
de Semide, S. Salvador de Vairão, S.ta Ana de Viana Foi fundado por D. Maria Soares, neta de Soeiro 1717; Umbelina de São Bento (3.ª vez), 1720;
do Castelo, S. Bento de Viana do Castelo e Bom Viegas. Desconhecendo-se o ano da sua fundação, Mariana dos Reis, 1723; Antónia Micaela do
Jesus de Viseu. remetemos, no entanto, para o documento mais Sacramento, 1724; Teresa Maria de São José, 1727;
O primeiro mosteiro, fundado em 1713, foi criado antigo acerca deste mosteiro, datado de 1170. Marcelina de Jesus (3.ª vez), 1730; Ana Teresa de
para receber as monjas de N. Sr.a da Conceição, de Segundo José Mattoso, o local já era povoado desde Jesus, 1732; Francisca Guiomar de Vasconcelos,
Monção. O Mosteiro de Monção fora instituído em 1160 e, em 1163, já ali havia religiosas que seguiam 1735; Joana Clara do Paraíso, 1738; Antónia Micaela
1550, por Paio Gomes Pereira. Inicialmente era para a Regra de S. Bento. Para o engrandecimento do do Sacramento (2.ª vez), 1741; Luísa Teresa Osório,
ter sido um cenóbio dominicano, contudo, por espaço foi realizada uma segunda doação. Sabe-se 1744; Micaela Maria dos Serafins, 1747; Joana Rosa

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS

de Santa Teresa, 1750; Luísa Teresa Osório (2.ª vez), do cenóbio atribuídas ao Mosteiro das Chagas da
1753; Maria Elvira, 1756; Bernarda Ermelinda de cidade de Lamego.
Magalhães, 1759; Ana Josefa de Castelo Branco, O Mosteiro de S. Bento da Ave-Maria do Porto foi
1762; Joana da Glória, 1765; Ana Josefa de Castelo fundado pelo Rei D. Manuel I, na zona baixa da
Branco (2.ª vez), 1768; Dionísia Maria de Sampaio cidade do Porto, chamada de Hortas do Bispo.
e Melo, 1771; Ana Josefa de Castelo Branco (3.ª Teve várias designações: S. Bento, Ave-Maria, da
vez), 1774; Dionísia Maria de Sampaio e Melo (2.ª Encarnação e S. Bento das Freiras para o distinguir
vez), 1777; Luísa Bernarda de Jesus, 1780; Luísa de S. Bento dos Frades, que era o Mosteiro de
Teodora de São Bento, 1783; Joana Josefa de Sousa, S. Bento da Vitória, sendo a sua verdadeira invocação
1786; Luísa Teodora de São Bento (2.ª vez), 1789; a de S. Bento da Ave-Maria. A sua implantação
Joana Clara Baptista, 1792; Maria Joaquina, 1795; deveu-se quer à devoção do monarca, quer ao plano
Joana Clara Baptista (2.ª vez), 1798; Luísa Teodora reformador de reunir num só mosteiro urbano as
Estação de S. Bento, onde antigamente existiu o Convento
de São Bento (3.ª vez), 1800; Luísa Teodora de São várias comunidades que se encontravam dispersas
de S. Bento da Ave-Maria, Porto (JMF)
Bento (4.ª vez), 1801; Rita Angélica de Jesus Maria, pela província e que se regiam pela Regra de S. Bento.
1804; Luísa Teodora de São Bento (5.ª vez), 1807; Deste modo, a 6 de Janeiro de 1536, entravam no
Jacinta Joaquina, 1810; Ana Isabel de Santa Catarina, novo edifício monjas de quatro comunidades (Rio em Lisboa. O retábulo do altar-mor foi para a Igreja
1813; Josefa Bernarda de Sousa, 1816; Ana Isabel Tinto, Tuías, Vila Cova das Donas e Tarouquela). Esta Nova de Cedofeita, uma capela foi totalmente
de Santa Catarina (2.ª vez), 1819; Josefa Bernarda comunidade (constituída por 46 religiosas e 31 trasladada para o Hospital de Crianças Maria Pia,
de Sousa (2.ª vez), 1822; Ana Isabel de Santa Catarina noviças) foi governada por D. Maria de Melo, primeira algumas imagens transitaram para a actual Sé do
(3.ª vez), 1825; Josefa Bernarda de Sousa (3.ª vez), Abadessa, proveniente do Mosteiro de Tarouquela. Porto, as cadeiras corais foram para as Igrejas da
1828; Joaquina Adelaide de Assis, 1831; Ana Isabel Quanto ao seu governo, não se sabe ao certo o Trindade e Cedofeita, da mesma cidade, e o portal
de Santa Catarina (4.ª vez), 1834; Joaquina Adelaide momento em que aderiram à reforma tridentina, manuelino foi levado para o Cemitério do Prado do
de Assis (2.ª vez), 1837; Maria Peregrina da Nazaré, passando de Abadessas perpétuas a trienais. Repouso. A igreja e outras dependências do mosteiro
1843; Ana Augusta do Sacramento, 1847; Maria O mosteiro, a 10 de Outubro de 1783, sofre um foram subsequentemente demolidas para dar lugar
Carlota da Costa Machado, última Abadessa, de incêndio de grandes proporções, que leva à à estação ferroviária de S. Bento.
1864 a 1882. subsequente reconstrução do mesmo. A primeira No que diz respeito ao Mosteiro de S.ta Maria de
O Mosteiro de N. Sr.a da Purificação de Moimenta pedra da nova igreja é assim lançada a 7 de Junho Semide, a data mais antiga que se conhece é 1154
da Beira foi fundado pelo licenciado e desembargador de 1784 pelo Bispo D. João Rafael de Mendonça. e remete para a Carta de Couto, dada por D. Afonso
da Relação Primacial de Braga e Abade de S. Clemente O arquitecto escolhido foi Manuel Álvares e a planta Henriques. Quanto à sua história, sabe-se que foi
de Basto, D. Fernão Mergulhão, que faleceu em custou 120 000 réis. O cenóbio foi oficialmente fundado por dois irmãos, D. João e D. Martim de
Braga a 14 de Novembro de 1604. Motivado pelo inaugurado a 11 de Junho de 1794, custando a sua Anaia, sendo que o primeiro era clérigo e o segundo
facto de ter três irmãs monjas no Mosteiro de Semide, construção 75 784 146 réis. O mosteiro é ainda leigo, com descendência. Tendo fundado um mosteiro
D. Isabel, D. Guiomar e D. Margarida, resolveu fundar assinalável pela sua abastança, tendo, no final do masculino, optaram por convertê-lo em feminino,
novo cenóbio no local onde nascera o mosteiro séc. XVIII, uma renda de 30 000 réis. A sua para assegurar o futuro das filhas de D. Martim.
que, em 1594, segundo breve de Roma, teve início. subsistência advinha igualmente das igrejas que Destas podemos reconhecer D. Sancha Martins,
O então Bispo de Coimbra cedeu para a fundação administrava: Escariz, Fajões, Gião, Guisande, S. João como primeira monja do cenóbio e sua Abadessa.
outra religiosa de Semide de nome Antónia Foreiro. da Madeira, Mosteiró, Oliveira de Azeméis, S. Pedro Devemos ainda destacar como religiosas do mosteiro
A primeira Abadessa do mosteiro foi D. Isabel Fins, Rio Tinto, Sandim, Tarouquela, Tuías e Valongo. Sancha Martins Anaia, Abadessa (1183-1200); Sancha
Mergulhão, única perpétua que a casa teve. Sabe- Quanto à sua comunidade, sabe-se que, em 1623, Rodrigues, Abadessa (1228); Sancha Raimundes
-se que após a sua morte o mosteiro começou a ser possuía 105 professas e 7 conversas, em 1788, cerca (1271-1279); Guiomar Anes, Abadessa (1285);
governado por abadessas trienais. A 22 de Janeiro de 80 professas e, em 1821, entre 55 professas, 55 Sancha Esteves I (último quartel do séc. XIII); Maria
de 1597, novo breve concedeu ao cenóbio privilégios criadas particulares, criadas da comunidade, em- Martins Lobão (finais do séc. XIII – inícios do
idênticos aos de S. Martinho de Tibães. A 29 de pregadas, capelães e médicos, entre outros (cerca séc. XIV); Teresa Peres (finais do séc. XIII – inícios
Outubro de 1599, a administração da Capela de de 195 pessoas). Em 1795, recolheram-se no cenóbio do séc. XIV); Teresa Álvares, Abadessa (1306-1328);
N. Sr.a do Amparo, de Moimenta da Beira, passou algumas monjas fugidas da Revolução Francesa. Em Goncinha Simões (1310-1311); Sancha Esteves II
por doação e trespasse da câmara deste local para 1801, deram entrada quatro monjas do extinto (1310-1311); Guiomar Anes Redondo (1322-1347);
as mesmas monjas. Ao longo dos tempos, surgiram Mosteiro de Moimenta da Beira, em 1832, as últimas Alda Martins (Redondo) de Creixomil, Abadessa (1332-
outras doações por parte de particulares, bem como recolhidas do Recolhimento do Anjo e, em 1833, -1343); Clara Lourenço, Prioresa (1336-1340),
dotes de noviças que iam contribuindo para a religiosas dos conventos carmelitas do Porto e de Abadessa (1346-1347); Sancha Galega, Sacristã
acumulação de um património considerável. No Monchique. Com a proibição de recrutamento das (1336); Maria Brava (1336); Joana Anes (1347); Branca
pedido para a fundação do mosteiro, tinha sido ordens femininas (Decreto de 5 de Agosto de 1833), Lourenço (1347); Leonor Fernandes (1347); Aldonça
referido o número de 12 religiosas, mas, em 1609, a comunidade do mosteiro decresceu significa- Martins Redonda, Abadessa (1349-1386); Constança
dois Breves de Paulo V concediam que passassem tivamente. Porém, durou ainda cerca de 60 anos. Airas, Prioresa (1349); Domingas Anes (1366-1373);
a ser mais de 40. Desconhece-se o motivo para a A última Abadessa foi D. Maria Glória Dias Guimarães Iria Domingues (1375); Aldonça Anes de Sande,
extinção deste mosteiro, mas as informações (falecida a 17 de Maio de 1892). Com o encerra- monja (1373), Prioresa (1388), Prioresa apostolada
disponíveis apontam para que tenha sido por volta mento do mosteiro, o seu espólio foi disperso. em Abadessa (1389), Abadessa (1397-1403); Aldonça
de 1812, por decisão do Bispo da Diocese. A 18 de A sua livraria foi incorporada pela Biblioteca Nacional Álvares Pereira (1382); Teresa Mendes, Abadessa
Janeiro de 1813, as alfaias litúrgicas e as imagens de Lisboa, pela Torre do Tombo e pela Academia (1407-1424); Teresa Lopes Ferreira, Abadessa (1425-
são legadas à Igreja Matriz de Moimenta da Beira, das Ciências. Alguns objectos de natureza artística -1459); Aldonça Lopes Ferreira, Abadessa (1462-
com a invocação de S. João Baptista, e as rendas foram para o actual Museu Nacional de Arte Antiga, -1474); e Brites da Silva Abadessa (1478-1495).

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS

É ainda de assinalar a data de 1610, data da -1274), Abadessa (1281-1295); Margarida Peres, construção do dormitório e do retábulo do altar-
fundação de novas dependências, pelo Bispo de monja (1274); Urraca Ferreira, monja (1274); Branca -mor. É ainda da sua autoria a instituição da Capela
Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco, no Convento Esteves [de Molnes], monja (1274-1281); Sancha de S. Martinho, sita na capela-mor da igreja do
de S.ta Ana, de Agostinhas, que o mesmo bispo Mendes, monja (1274); Mor Esteves [de Molnes], complexo. A vida monástica era abastada: cada
quis fundir com o Mosteiro de S.ta Maria de Semide. monja (1279); Clara Fernandes de Gemunde, monja senhora possuía cela com cozinha e criada para
Como o breve papal as obrigava a mudar de Regra (1282-1286); Constança Fernandes de Gemunde, serviço próprio. O mosteiro teve cinco Abadessas
e hábito, nem todas se tornaram agostinhas, monja (1284-1325); Teresa Fernandes de Gemunde, Perpétuas: D. Margarida, D. Brites, D. Isabel de Sousa
regressando algumas a Semide. Em virtude deste monja (1285-1286); Margarida Viegas de Riba Douro, e duas filhas do Fundador. Em Março de 1610,
acontecimento, o Governo das Abadessas sofreu monja (1292-1349); Constança Pais de Molnes, tiveram início os mandatos trienais, de que se
algumas alterações, passando a ser por mandatos Abadessa (1299-1344); Mor Anes, Abadessa (antes conhecem 103. Sabe-se ainda que, em 1522,
trienais. Apesar de terem chegado a ser 600 monjas, de 1301); Beatriz Martins Barreto, Prioresa (1301- albergava 25 religiosas, em 1707, o número de
o mosteiro nunca foi considerado abastado. É de -1318); Sancha Pais de Molnes, monja professa (1303), religiosas chegou a 123 e, em 1834, contavam-se
assinalar a morte, neste local, de D. Fr. Miguel da Prioresa (1314-1344), Abadessa (1345-1348); Elvira 28. A última abadessa do mosteiro foi D. Rita de
Anunciação, a 29 de Agosto de 1779, vítima da Anes (1310); Leonor Anes de Santa Logriça (1311); Cássia de São José Brandão, falecida em 1895.
arbitrariedade do Marquês de Pombal. Aquando da Mor Peres (1326); Inês Esteves [de Molnes], Prioresa Após a morte da última freira, a cerca do edifício
extinção das ordens religiosas (1834), vendo-se (1345); Guiomar Rodrigues Molnes, Abadessa (1348- foi adaptada a uma estação de caminhos-de-ferro
privadas da cobrança de rendas e foros, chegaram -1383); Maria Fernandes, “cativa, dona professa” e o edifício monástico, bem como igreja e alfaias
mesmo a passar necessidades. Valeu-lhes o Santuário (1348); Maria Anes, monja (1351-1357); Leonor litúrgicas foram cedidos à Irmandade ou Congregação
do Sr. da Terra e a venda de pratas e outras alfaias Esteves [de Molnes], monja professa (1349-1357); e Hospital de Velhos e Entrevados de Nossa Senhora
litúrgicas deste local. A última monja foi D. Maria Beatriz Anes, monja professa (1357-1373); Constança da Caridade.
dos Prazeres Pereira Dias, que faleceu a 21 de Agosto Gomes, Prioresa (1357); Constança Esteves, monja Já o aparecimento do Mosteiro de S. Bento de Viana
de 1896, com 87 anos de idade. O local foi vítima (1357); Guiomar Martins, monja (1357); Senhorinha do Castelo deve-se à ampliação de uma ermida da
de vandalismo e pilhagem, sendo, na parte preser- Fernandes, monja (1357); Leonor Fernandes, monja mesma invocação, que existia fora do adro da Igreja
vada do edifício, convertido para escolas oficiais. (1357); Beatriz Anes, monja (1364); Lourença Velha do Salvador da mesma cidade. Ana Martins
O Mosteiro de S. Salvador de Vairão era dúplice de Rodrigues, monja (1368); Maria Afonso, monja e mais duas irmãs obtiveram, a 9 de Dezembro de
frates et sorores e sabe-se que já existia no séc. X, (1378). 1508, licença de D. Francisco, Bispo de Ceuta, para
tendo por padroeira Domítria ou Domítia. Uma O Mosteiro de S. ta Ana de Viana do Castelo foi se recolherem neste local, dando origem a este
provável neta sua, a devota Pala Froilaci ou Froilaz, fundado pelo licenciado António Correia, em 1509, cenóbio. Ao contrário do Mosteiro de S.ta Ana da
construiu a igreja por volta de 1035. No segundo ao tomar posse do cargo de Juiz de Fora. A 2 de mesma cidade, que albergava essencialmente filhas
quartel do séc. XII, a abadessa fez permanecer a Julho de 1510, foi assinado contrato com Pero e familiares de fidalgos, a fundação deste convento
comunidade neste local, tornando-se exclusivamente Galego, construtor da Igreja Matriz de Caminha, serviu para recolher todas as pessoas que o outro
feminina, o que levou alguns historiadores a datar para a edificação do cenóbio. A 1 de Maio de 1512, mosteiro não conseguia acolher. A 28 de Abril de
aí a sua fundação. Por disposição do Papa Urbano a câmara considera, oficialmente, António Correia 1545, instituiu-se, na sala do consistório da
VIII, as Abadessas passaram a trienais. A sua como Fundador e Padroeiro do convento, dando Misericórdia, que a nova casa deveria acolher 50
subsistência passou pela administração de numerosas autorização para “que pudesse nele meter suas filhas religiosas. Os instituidores comprometeram-se
propriedades e igrejas (Fornelo, Alvarelhos, Guidões, ou parentes, como os oficiais e homens bons desta individualmente com 60 000 reais para as obras e
Modivas, Gião e Vilar do Pinheiro). No séc. XIX, o vila”. A 17 de Agosto de 1512, D. Margarida de mais “um vestido e uma cama aparelhada” para
mosteiro sofreu abalos com as lutas entre liberais e Sousa, freira do Convento de S.ta Clara de Vila do cada freira. No que respeita ao património do
miguelistas. O cenóbio recebeu no seio da sua Conde, é nomeada Abadessa do novo mosteiro. cenóbio, este era constituído por algumas igrejas
comunidade as Dominicanas de Corpus Christi, de A sua vinda dá-se juntamente com a de suas irmãs, ou paróquias: S. Martinho do Outeiro, S.ta Leocádia
Gaia. Saíram deste local, em 1590, as monjas D. Isabel e D. Brites de Sousa, igualmente perten- de Tamel, S. Fins de Parada, S.ta Eulália de Gondar
fundadoras do Mosteiro de S. ta Escolástica de centes às Clarissas, passando o convento a ser e S. Martinho. Como datas assinaláveis reconhe-
Bragança. Com o encerramento de S. Salvador, a incluído na Província de S. Francisco. A primeira cemos: 30 de Abril de 1546, data da concessão da
igreja passou a paroquial e no mosteiro foi instalada abadessa recebe a sua confirmação a 19 de Agosto licença por parte do Arcebispo de Braga, D. Manuel
uma escola. As suas principais religiosas foram: de 1513, chegando, através de bula papal, em 1516. de Sousa; 1547, vinda das Irs. D. Isabel e D. Filipa
Domítia, devota (974-991); Pala Froilaz, devota (1032- A 11 de Fevereiro de 1528, é passada uma provisão de Melo, de Vitorino das Donas, para inaugurarem
-1064); Pala Nunes, devota (1092-1112); Elvira em Braga, na qual o convento é anexado ao de a vida monástica; 30 de Novembro de 1549,
Todereiz, Abadessa (1126-1143); Châmoa Gomes S.ta Maria de Valboa de S. João de Campos, em Vila confirmação do mosteiro através de bula papal, na
de Pombeiro, monja (c. 1129); Ermesenda Mendes, Nova de Cerveira. Essa anexação implicou a adopção qual o Papa Paulo III institui que as Abadessas seriam
Abadessa (1153); Elvira Sanches, Abadessa (1188- da Regra de S. Bento e a sujeição do mosteiro à trienais (excepto a primeira que deveria ter um
-1214); Mor Martins, Abadessa (1219); Maria Pais, jurisdição arquiepiscopal. Outro mosteiro anexado mandato de três triénios); 1642, obras de conso-
monja (1219); Toda Pais, futura monja (séc. XII-XIII), ao de S.ta Ana foi o de S.ta Marinha do Loivo, de lidação da estrutura do mosteiro, que, por estar
monja (1219); Elvira Gonçalves, monja (1219); Vila Nova de Cerveira, bem como a Igreja de Arga, situado junto ao rio, padecia com as cheias junto
Ermesenda, monja (1219); Estevainha Lourenço [da pertença desse complexo, e os Padroados de ao dormitório; 9 de Abril de 1707, reconstrução do
Cunha], monja (1219); Maria Anes, monja (1219); S. Salvador de Britiandos, S.ta Eulália de Lara (8 de cenóbio com mecenato dos parentes das religiosas
Maria Martins, monja (1219); Urraca Nunes, monja Março de 1545), S. Martinho da Gândara (30 de e da igreja com esmola do benemérito Manuel
(1219); Mor Lourenço [da Cunha], Prioresa (?) (1219), Abril de 1562) e S. Paio de Oliveira (30 de Abril de Barbosa Teixeira; 11 de Junho de 1715, a igreja é
Abadessa (1225-1234); Sancha Lourenço da Cunha, 1562). Um dos principais beneméritos do convento benzida pelo Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles.
monja (?); Sancha Peres Velho, Abadessa (1257- foi o irmão da primeira abadessa, Martim Vaz de Em 1857, viviam ainda 13 freiras no local, sendo a
-1265); Sancha Esteves de Molnes, Prioresa (1271- Sousa, Alcaide-Mor de Bragança, responsável pela última madre abadessa a falecer a D. Rosa Cândida

332
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS MISSIONÁRIAS

da Conceição (26 de Março de 1891). Subsistiram que faleceu a 30 de Junho de 1896. A partir de O Mosteiro Beneditino de Santa Maria de Semide,
a igreja e o lado Sul do claustro. No espaço, é de 1891, o espaço albergou um colégio feminino dirigido Coimbra, Minerva, 1992; MOURA, Abel, O Báculo do
assinalar ainda a lápide alusiva a Fr. Jerónimo (falecido pelas Irmãs do Sagrado Coração de Maria, tendo Mosteiro de S. Bento da Ave-Maria do Porto, Sept.
em 1538), responsável pela ampliação da ermida, sido posteriormente ocupado por um asilo. da Revista Museu, V Série, n.º VI, Porto, 1951; SÃO
os azulejos de tapete, encomendados pelo pai de THOMAS, Fr. Leão de, Benedictina Lusitana, Coimbra,
Marçal Casado Jácome (segundo o testamento de BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: ANTT: Ordem de S. Bento, Officina de Diogo Gomes de Loureiro e Officina de
17 de Junho de 1603), o retábulo do entalhador S. Salvador de Vairão, mç. 1-20; Santa Eufémia de Manoel de Carvalho, 1644-1651; VIEIRA, Maria do
vianense Baltasar Moreira (com contrato de 12 de Ferreira de Aves, mç. 1-3; Santa Maria de Semide, Pilar S. A., “Beneditinas”, in Carlos Moreira Azevedo
Agosto de 1596) e os quatro painéis com momentos mç. 1-10 e liv. 1-181; São Bento da Ave-Maria do (dir.), Dicionário de História Religiosa em Portugal,
da vida de S. Bento. Pertenciam ainda a este mosteiro Porto, mç. 1-54 e liv. 1-21; S. Cristóvão de Rio vol. A-C, Lisboa, Círculo de Leitores, Centro de Estudos
o padrão ou cruzeiro do Senhor da Boa Memória, Tinto, mç. 1-13; Santa Maria de Tarouquela, mç. de História Religiosa da Universidade Católica
de 1646, o cadeiral do coro baixo e o órgão, que 1-29; S. Salvador de Tuías, mç. 1; S. Salvador de Vila Portuguesa, 2000, pp. 201-202.
foram trasladados para o Colégio da Visitação, no Cova de Sandim, mç. 1-2; S. Bento de Viana do
Porto. Castelo, mç. 1-27 e liv. 1-277; Bom Jesus de Viseu, MARIA JOÃO PEREIRA COUTINHO
O aparecimento do Convento de Bom Jesus de mç. 1-26 e liv. 1-135; S. Bento de Bragança, mç.
Viseu, cerca de 1569, deve-se a um legado de casas 1-16 e liv. 1-48; S. Salvador de Braga, mç. 1-9 e
e hortas por parte de um casal sem descendência liv. 1-4. Impressa: AA.VV., Grande Enciclopédia BENEDITINAS MISSIONÁRIAS
– o licenciado Belchior Lourenço Tenreiro e sua Portuguesa e Brasileira, vol. IV, Lisboa/ Rio de Janeiro, A Congregação das Beneditinas Missionárias de
segunda mulher, D. Maria de Queirós Castelo-Branco Editorial Enciclopédia Limitada, s.d., pp. 516-518; Tutzing, ou simplesmente Beneditinas Missionárias,
– para a fundação de um convento feminino. Tendo ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, foi fundada em Reichenbach, na Alemanha, a 24
governado o Bispo D. Jorge de Ataíde (1568-1578), vol. III, Porto, Livraria Civilização, 1968, pp. 131-133;
ao qual sucedeu D. Miguel de Castro, que foi ALVELOS, Manuel da Cunha e, O Mosteiro de Santa
transferido para Lisboa em 1586, foi D. Nuno de Eufémia de Ferreira de Aves: Esboço da Sua História,
Noronha (1586-1594) que incentivou as obras da Aveiro, Typografia “A Lusitânia”, 1970; ALVES, Artur
igreja e dependências, as quais albergavam 63 Mota, O Convento de Ave-Maria do Porto, Sept. do
religiosas. D. Nuno de Noronha, com o intuito de Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, 2,
engrandecer o espaço, obteve uma Bula do Papa Porto, 1940; ANDRADE, António Alberto Banha de (dir.),
Logótipo (I)
Urbano VII, que permitiu unir a Igreja de S. Cipriano, Dicionário de História da Igreja em Portugal, vol. II,
situada no arco desta cidade, ao complexo, e, do Lisboa, Editorial Resistência, s.d., pp. 319-340; ANDRADE,
mesmo pontífice e de Filipe II, obteve licença para Avelino Joaquim Monteiro de, O Convento de Ave- de Setembro de 1885, pelo P.e Andreas Amrhein,
trazer as primeiras monjas do Mosteiro de Ferreira -Maria e a Estação Central de Caminhos de Ferro do osb, com o ideal de renovar a tradição missionária
de Aves. Em Setembro de 1592, a vida monástica Porto, Sept. do Boletim Cultural da Câmara Municipal beneditina e estabelecer uma comunidade que
tinha sido inaugurada e a 29 do mesmo mês e ano do Porto, n.º 25, Porto, 1962; ARAGÃO, Maximiano anunciasse o Reino de Deus. Em 1887, a sede foi
entram, do Mosteiro de Ferreira de Aves, as primeiras de, Convento do Bom Jesus em Vizeu: Extincto pello transferida para Emming-St Ottilien e, em 1904, foi
seis religiosas, conduzidas por D. Leonor das Chagas, Fallecimento da Ultima Freira em 30 de Junho de definitivamente para Tutzing (Baviera, Diocese de
primeira Abadessa. D. Paula de Noronha, que veio 1896, Viseu, Typ. Popular da Liberdade, 1896; Augsburgo). Esta Comunidade chega a Portugal em
a ser conhecida por Paula de Jesus, sobrinha do ASSUNÇÃO, Tomás Lino da, As Monjas de Semide: 1961, a Bande-Carvalhosa, no Concelho de Paços
bispo, foi uma das abadessas desta casa (triénios de Reconstituição do Viver Monástico, Coimbra, França de Ferreira. Actualmente a casa principal situa-se no
1620-1623 e 1632-1635). As Abadessas Trienais Amado Editor, 1900; CRUZ, António, Alguns
eram eleitas pela comunidade e foram, no total, 96. Documentos Medievais do Cartório de São Bento da
Para a sua eleição exigiam-se dois terços dos votos, Ave-Maria, Porto, Emp. Ind. Gráfica, 1945; “Ecce,
até 1711, e a maioria absoluta de metade mais um, labora! L’abbaye du Mont-Cassin”, in Franco Maria
daquele ano em diante. Sabemos que a comunidade Ricci (FMR), n.º 55, vol. XI, Milão/Paris, Abril de 1995;
era numerosa, pois podemos constatar esse facto LUNARDI, G., “Benedettine, Suore”, in Guerrino Pellicia,
através dos livros de eleições: a 25 de Janeiro de Giancarlo Rocca, Dizionario degli Istituti di Perfezione,
1705, votaram 66 religiosas; em 1708, votaram 50; vol. I, Roma, Edizioni Paoline, 1962-1997, cols. 1246-
em 1803, votaram 60; nas eleições de 1806-1812, -1248; MARTINS, Alcina Manuela de Oliveira, O Mosteiro
entre 40 a 45; e nas de 1815-1824, entre 30 a 37. de S. Salvador de Vairão na Idade Média: O Percurso
Saliente-se ainda a data de 16 de Agosto de 1627 de uma Comunidade Feminina, Tese de Doutoramento
como o dia do lançamento da primeira pedra da em História da Idade Moderna apresentada à
P.e Andreas Amrhein, Fundador da Congregação
igreja, que até Fevereiro de 1634 foi engrandecida. Universidade Portucalense Infante D. Henrique, Porto,
das Beneditinas Missionárias (I)
Com a extinção das ordens religiosas (1834), o 1999; MARTINS, Rui Luís Vide da Cunha, Património,
convento, que tinha ainda 30 monjas e irmãs Parentesco e Poder: O Mosteiro de Semide do Século
conversas, foi parcialmente encerrado, pois um XII ao Século XV, Lisboa, Escher, 1992; MATTOSO, José, Mosteiro de S. Bento, em Torres Novas, Diocese de
decreto real permitiu que fossem recebidas senhoras A Introdução da Regra de São Bento na Península Santarém, tendo ainda uma casa na Diocese do
seculares – Recolhidas. Em 1865, o facto de não Ibérica, Sept. de Bracara Augusta, n.º 30, Braga, Porto, em Baltar.
haver número suficiente de freiras para elegerem Oficina Gráfica Livraria Cruz, 1976; MATTOSO, Fr. José, Esta Congregação tem como missão diversas formas
uma abadessa levou a que o Bispo D. António Alves osb, “Beneditinos”, in Joel Serrão (dir.), Dicionário de de apostolado, como a educação, a pastoral, a saúde
Martins nomeasse D. Maria Benedita da Conceição. História de Portugal, vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, e o serviço social, aspectos que, em parte, acabam
A última monja foi D. Delfina Rosa da Natividade, s.d., pp. 326-328; MELO, Maria Teresa Osório de, por estar intimamente ligados ao meio de sustentação

333
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS MISSIONÁRIAS

1 de Julho de 1984, fundação, como residência, do de Jesus (22 de Junho); S. Paulino, Beato (22 de
Mosteiro de Torres Novas; e 15 de Agosto de 1996, Junho); S. João Baptista (24 de Junho); S.ta Leonor,
memória da elevação a Priorado do Mosteiro de Viúva (25 de Junho); S. Paulo, Apóstolo (29 de
S. Bento (Torres Novas). Comemoram ainda as Junho); S.ta Maria Goréti, Virgem e Mártir (6 de
seguintes festas e patronos: S.ta Alice, Virgem (9 de Julho); Patriarca S. Bento (11 de Julho); S.to Henrique,
Janeiro); S. Plácido, religioso (15 de Janeiro); S.ta Inês, Imperador (13 de Julho); S. Valdemar (15 de Julho);
Virgem e Mártir (21 de Janeiro); S.to Armindo (23 N. Sr.a do Carmo (16 de Julho); S. Daniel, Professor
de Janeiro); S. Tomás de Aquino, Presbítero (28 de (21 de Julho); S.ta Maria Madalena (22 de Julho);
Janeiro); S.to Adelino, Presbítero (4 de Fevereiro); S.ta Cristina, Virgem e Mártir (24 de Julho); S. Joaquim
S. João de Brito, Mártir (4 de Fevereiro); S.ta Verónica (24 de Julho); S. Tiago, Apóstolo (25 de Julho);
(4 de Fevereiro); S. to Amândio, Beato (6 de S.ta Ana, mãe da Bem-Aventurada Virgem Maria (26
Fevereiro); S.ta Escolástica, Virgem (10 de Fevereiro); de Julho); S. João Maria Vianney, Presbítero (4 de
S.ta Jacinta, Virgem (20 de Fevereiro); S.to Abílio, Agosto); N. Sr.a das Neves e S.to Abel, Monge e Beato
Beato (22 de Fevereiro); S. Torcato, Beato e Mártir, (5 de Agosto); S. Lourenço, Mártir (10 de Agosto);
e S. Gabriel das Dores, religioso (27 de Fevereiro); Bem-Aventurada Virgem Maria (Letícia) (15 de
Madre Brigitta Korff, primeira Prioresa Geral da Congregação (I)
S.to Albino, Beato (1 de Março); S. Lúcio, Papa e Agosto); S. Tarcísio, Mártir (15 de Agosto); S.
Bernardo, Abade (20 de Agosto); S. Pio X, Papa (21
de Agosto); S. ta Maria, Rainha (22 de Agosto);
S. to Agostinho, Beato e Doutor (28 de Agosto);
S. Bertino, Abade (5 de Setembro); Natividade da Bem-
-Aventurada Virgem Maria, e S.to Adriano, Mártir
(8 de Setembro); S. to Augusto, Mártir (11 de
Setembro); N. Sr. a das Dores (15 de Setembro);
S. Lino, Papa e Mártir (23 de Setembro); S.tos Gabriel,
Miguel e Rafael (29 de Setembro); S.ta Teresa do
Menino Jesus, Virgem (1 de Outubro); S. Francisco
de Assis, religioso (4 de Outubro); N. Sr.a do Rosário
Priorado em Torres Novas (I)
(7 de Outubro); S. Geraldo, religioso (16 de Outubro);
S.to Inácio, Beato e Mártir (17 de Outubro); S.ta Irene,
da Comunidade. As Missionárias exercem ainda Virgem e Mártir (20 de Outubro); S.ta Bertila, Virgem
actividades benéficas em Angola, ao nível do ensino, (20 de Outubro); S.ta Maria Salomé (22 de Outubro);
da assistência, da promoção da mulher, da Saúde e S. Simão, Apóstolo (29 de Outubro); Beato Bruno
pastoral. A sua projecção internacional prende-se de Santa Maria, religioso (6 de Novembro);
com a missionação e com a obra de evangelização, S.ta Deolinda (9 de Novembro); S. Teodoro, Mártir,
levada a cabo em países onde “Cristo ainda não foi e S. Avelino (10 de Novembro); S.to Eugénio, Beato
anunciado” ou onde a Igreja se encontra necessitada (13 de Novembro); S.ta Margarida da Escócia (16 de
de maior apoio. O seu quotidiano é marcado pela Novembro); S. ta Cecília, Virgem e Mártir (22 de
oração, pela Liturgia das Horas e pela leitura espiritual. Novembro); S. Félix (30 de Novembro); S. Geraldo,
As Beneditinas Missionárias estão espalhadas S.ta Escolástica, Irmã de S. Bento de Núrsia (I)
Beato (5 de Dezembro); Imaculada Conceição (8 de
internacionalmente por 18 países, distribuídos por Dezembro); S.ta Otília, Virgem, e S.ta Luzia, Virgem
cinco continentes, a saber, Alemanha, Suíça, Bulgária, e Mártir (13 de Dezembro); Natividade, Nosso Senhor
Itália, Portugal, Espanha, Liechtenstein, Áustria, Mártir (4 de Março); S. Salomão, Mártir, e Jesus Cristo (25 de Dezembro); S. to Estevão,
Polónia, Tanzânia, Namíbia, Angola, Quénia, Uganda, S.to Eduardo, Rei (13 de Março); S. José, esposo da Protomártir (26 de Dezembro); S. João, Apóstolo e
África do Sul, Brasil, Argentina, Chile, EUA, Filipinas, Bem-Aventurada Virgem Maria (19 de Março); Evangelista (27 de Dezembro); e Santos Inocentes
Coreia, China, Índia, Austrália. S. Bento, Abade, Patriarca e Patrono (21 de Março); (28 de Dezembro).
Inscrevem-se nas suas memórias as seguintes datas: Anunciação da Bem-Aventurada Virgem Maria (25
13 de Dezembro de 1978, falecimento de Maria da de Março); S. Manuel, Mártir (26 de Março); BIBLIOGRAFIA: ANDRADE, António Alberto Banha de,
Graça Vasques, religiosa da Congregação de Tutzing; S.ta Gema Galgani (11 de Abril); S.ta Idalina, Religiosa (dir.), Dicionário de História da Igreja em Portugal,
(13 de Abril); S.ta Bernardete, Virgem (16 de Abril); vol. II, Lisboa, Editorial Resistência, s.d., pp. 319-
S. Jorge, Mártir (23 de Abril); S. Marcos, Evangelizador -340; ROCCA, Giancarlo, “Benedettine Missionarie di
(25 de Abril); S. ta Catarina, Virgem (29 de Abril); Tutzing”, in Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca,
S. Filipe, Apóstolo (3 de Maio); S.to Alexandre, Papa Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. I, Roma,
e Mártir (3 de Maio); S. Juvenal, Mártir (07 de Maio); Edizioni Paoline, 1962-1997, cols. 1270-1271; Família
S.ta Imelda (11 de Maio); N. Sr.a de Fátima (13 de Beneditina Portuguesa, Roriz/Santo Tirso, Mosteiro
Maio); S. Bernardino (20 de Maio); S. Fernando, de S. Bento de Singeverga, Edições Ora & Labora,
religioso (30 de Maio); Visitação da Bem-Aventurada 2002; GOMES, Manuel Saturino da Costa, et alii,
Virgem Maria (31 de Maio); S. Columba, Abade (9 Vinde e Vede: Formas de Vida Consagrada na Igreja,
de Junho); S.to António, Presbítero e Doutor (13 de Lisboa, Paulinas, 1994, p. 21.
Uma irmã coordena a farmácia e a distribuição Junho); S.ta Lutegarda, Virgem (16 de Junho); S. Luís
dos medicamentos naturais (I) Gonzaga, religioso (21 de Junho); Sagrado Coração MARIA JOÃO PEREIRA COUTINHO

334
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS DA RAINHA DOS APÓSTOLOS

BENEDITINAS DA RAINHA DOS APÓSTOLOS (falecida a 15 de Setembro de 1985) e Marcelina


A Congregação das Monjas Beneditinas da Rainha Boumal, primeira Superiora do Mosteiro de S.ta Maria
dos Apóstolos, cujas religiosas são conhecidas por do Mar e religiosa de S.ta Maria Escolástica de Roriz
Beneditinas da Rainha dos Apóstolos ou Beneditinas (falecida a 31 de Maio de 1993).
Missionárias, foi fundada na Bélgica e canonicamente Relativamente à organização, a Ordem é constituída
erecta a 21 de Abril de 1921, por D. Théodore Nève, pelo Priorado Conventual, sediado em S.ta Escolástica
osb, Abade de S.to André (Zevenkerken – Bruges). de Roriz, S.to Tirso, do qual dependem os Priorados
Simples, nomeadamente: S. ta Maria do Mar, em
Sassoeiros, erecto em 1975, N. Sr.ª da Boa Nova,
no Torrão, erecto em 1988, e a Casa de S. Bento,
na cidade do Huambo, em Angola.
Quanto à sua formação, surgem como uma
Congregação de votos simples e perpétuos, que Novo Mosteiro de Singeverga (CLS)
compreende duas categorias de membros: Religiosas
de Coro e Religiosas Conversas. As candidatas devem
ter formação suficiente para prosseguir estudos
monásticos, uma vez que a vida monástica se de-
dica à recitação do ofício canónico e monástico.
O Noviciado das candidatas inicia-se após seis meses
a dois anos de Postulantado Canónico, e dura cerca
de dois anos. As noviças podem ser, ou não,
admitidas à profissão trienal e, mais tarde, à profissão
perpétua. Durante o Noviciado, as futuras monjas
N. Sr.a Rainha dos Apóstolos, Mosteiro S.ta Maria do Mar (I)

Novo Mosteiro de Singeverga (JAM)

As Beneditinas da Rainha dos Apóstolos entraram


em Portugal a 17 de Dezembro de 1935, data em elevação a Priorado Conventual (11 de Julho de
que um grupo desta Congregação foi recebido nas 1948) e da bênção da nova capela e da segunda
Quintãs, pelos monges de Singeverga. O grupo ala deste espaço (18 de Dezembro de 1955). As
recebera formação no Mosteiro de Notre-Dame de lembranças dos falecimentos de notáveis irmãs são
Béthanie (Loppem-Bruges, Bélgica), que naquele igualmente relevantes para a construção da memória
tempo era o Priorado Geral da Congregação das histórica deste mosteiro, nomeadamente: Maria Regis
Beneditinas Missionárias. Em 1938, ocupam já o Baptista (2 de Janeiro de 1966), Maria da Silva (15
actual Mosteiro de S.ta Escolástica, em Roriz, e a 6 de Março de 1967), Maria Paula Salema Manuel (10
Ir. Myriam, eremita, com amigos (I)
de Setembro de 1957 fundam o Mosteiro de S.ta Maria de Dezembro de 1967), Columba de Oliveira (21 de
do Mar, cujo edifício em Sassoeiros (Carcavelos) é Junho de 1978), Maria Judite da Cruz Rodrigues (7
inaugurado em Julho de 1965. Em 1976, imple- beneditinas são iniciadas na vida de oração e na de Novembro de 1978), Maria Gertrudes Potes
mentam-se, pela primeira vez, no Alentejo, na vila liturgia, no estudo da Regra de S. Bento, da espi- Fernandes Gião (4 de Abril de 1982), Maria Letícia
do Torrão, onde estão actualmente sediadas. ritualidade monástica, da história da vida monástica, V. Cordovil Didier (23 de Junho de 1984), Joana
Destacamos ainda: Joana d’Arc Patenotte, fundadora da Sagrada Escritura e da Teologia, no conhecimento d’Arc Patenotte (15 de Setembro de 1985), Maria
do Mosteiro de S.ta Escolástica e sua primeira Prioresa da História e Legislação da Igreja. Depois de serem Maura Lopes D. Machado (14 de Setembro de 1990),
emitidos os votos trienais, as novas professas Maria André Rodrigues (24 de Outubro de 1992),
continuam durante três a nove anos sob a orientação Elisa Sapalo (31 de Agosto de 1994), Maria José da
da Mestra das Trienais. Posteriormente, podem seguir R. F. da Silva (8 de Dezembro de 1994), Maria da
formação superior, preferencialmente estudos de Conceição Coutinho (30 de Setembro de 1996),
formação monástica – Regra de S. Bento, História Maria Alberto M. Oliveira (17 de Julho de 1997),
da Vida Monástica, Teologia, Liturgia. Maria Rafaela P. da Fonseca (2 de Agosto de 1997),
No que concerne à sua hierarquia, sendo os mosteiros Maria Filomena Carneiro Leão (30 de Janeiro de
autónomos, com direito a Noviciado, cada Priorado 1998), Maria do Rosário Jardim (21 de Abril de
Simples depende do Priorado Conventual, que o 2001), Benedita F. Almeida Rebelo (21 de Fevereiro
fundou ou agregou; a Congregação das Monjas de 2002), Maria Cecília de Faro e Oliveira (12 de
Beneditinas da Rainha dos Apóstolos é de Direito Novembro de 2002), Ana Xavier dos Santos (31 de
Pontifício e é presidida pela sua Madre Presidente. Dezembro de 2002), Maria Tarcísia Lopes de Sousa
Nas memórias do Mosteiro de S.ta Escolástica (Roriz) (10 de Agosto de 2003), Maria Madalena Carneiro
encontram-se as datas da fundação do Priorado (18 da Rocha (10 de Novembro de 2003), Anunciata de
de Dezembro de 1935), do lançamento da primeira Jesus Neves (5 de Março de 2005).
pedra para a construção do edifício (10 de Fevereiro Nas memórias do Mosteiro de S.ta Maria do Mar
Primeiro grupo de irmãs enviado para o Mosteiro de 1937), da entrada solene das Irmãs no local (5 (Sassoeiros) inscrevem-se as datas da sua fundação
de N. Sr.ª da Boa Nova (I) de Março de 1939), da inauguração e memória da (6 de Setembro de 1957), do lançamento da primeira

335
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BENEDITINAS DA RAINHA DOS APÓSTOLOS

S.ta Catarina, Virgem (29 de Abril); S. Filipe, Apóstolo


(3 de Maio); S.ta Imelda (11 de Maio); N. Sr.ª de
Fátima (13 de Maio); Visitação da Bem-Aventurada
Virgem Maria (31 de Maio); S. Columba, Abade (9
de Junho); S.ta Lutegarda, Virgem (16 de Junho);
S. Luís Gonzaga, Religioso (21 de Junho); Sagrado
Coração de Jesus (22 de Junho); S. João Baptista
(24 de Junho); S.ta Leonor, Viúva (25 de Junho);
Mosteiro de S.ta Maria do Mar (I) Patriarca S. Bento, Patrono da Europa (11 de Julho);

pedra para a nova construção (17 de Dezembro de


1960), da entrada das Irmãs para este local (5 de
Setembro de 1965) e da sua erecção canónica (19
de Junho de 1975). Destacamos ainda as religiosas
Maria Emmanuel Empis Wemans (falecida a 19 de
Junho de 1984), Maria Marta Ferreira da Silva
Toque do sino para o Ofício Divino (I)
(falecida a 4 de Julho de 1991), Maria Helena G.
Soeiro Cidrais (falecida a 9 de Março de 1993),
Hildegarda Godfrey (falecida a 8 de Janeiro de 1994), todo cantado. A missa conventual é cantada, se
Maria Leonor Pereira da Conceição Rocha (31 de possível todos os dias, sendo assim o centro da vida
Março de 2005), Maria Jacinta Ferreira Laranjeiro espiritual. As Beneditinas também se dedicam à
(29 de Junho de 2007). oração mental, consagrando-lhe uma hora diária,
bem como à leitura (lectio divina) dos Livros Sagrados,
dos Padres da Igreja e dos autores espirituais.
Completam o seu quotidiano, efectivando a divisa
monástica Ora et Labora, com trabalhos diversos,
incluindo o acolhimento. Comemoram as seguintes
festas e patronos: S. Plácido, monge (15 de Janeiro);
S.ta Inês, Virgem e Mártir (21 de Janeiro); S. João de
Brito, Mártir (4 de Fevereiro); S.ta Escolástica, Virgem Imagem de S. Bento no Mosteiro de S.ta Maria do Mar (I)

N. Sr.a do Carmo (16 de Julho); S. Daniel, Professor


(21 de Julho); S.ta Maria Madalena (22 de Julho);
S.ta Ana, Mãe da Bem-Aventurada Virgem Maria (26
de Julho); S. João Maria Vianney, Presbítero (4 de
Mosteiro de N. Sr.ª da Boa Nova, Torrão (LA)
Agosto); S. Tarcísio, Mártir (15 de Agosto);
S. Bernardo, Abade (20 de Agosto); S. Pio X, Pontífice
Para as memórias do priorado simples com a (21 de Agosto); S.ta Maria, Rainha (22 de Agosto);
invocação de N. Sr.a da Boa Nova (Torrão), destacamos Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria (8 de
as datas da chegada de um grupo de irmãs para a Setembro); S. tos Gabriel, Miguel e Rafael (29 de
fundação do mosteiro (13 de Outubro de 1976), da Setembro); S. ta Teresa do Menino Jesus, Virgem
elevação do mesmo a Priorado Simples (31 de Maio (1 de Outubro); N. Sr.ª do Rosário (7 de Outubro);
de 1988), bem como do falecimento da primeira S.ta Irene, Virgem Mártir (20 de Outubro); S.ta Bertila,
Prioresa, Maria Gabriel Sottomayor Neuparth (30 de Virgem (20 de Outubro); S.ta Maria Salomé (22 de
Maio de 1993). As Monjas Beneditinas da Rainha Outubro); Beato Bruno de Santa Maria, religioso (6
dos Apóstolos observam a Regra de S. Bento, e as de Novembro); S. Teodoro, Mártir (10 de Novembro);
Constituições da sua Congregação. A sua divisa é S.ta Gertrudes (16 de Novembro); S.ta Cecília, Virgem
Corda, voces, opera. Mártir (22 de Novembro); Imaculada Conceição (8
No que toca à missionação, em 1948, partem as de Dezembro); S.ta Otília, Virgem, e S.ta Luzia, Virgem
primeiras missionárias para Angola; a 25 de Janeiro Mártir (13 de Dezembro); Natividade, Nosso Senhor
de 1948 são enviadas as primeiras missionárias para Jesus Cristo (25 de Dezembro); S. João, Apóstolo e
a missão do Luso, a 15 de Março de 1948 dá-se a Evangelista (27 de Dezembro); e Santos Inocentes
entrada das Irmãs na missão do Luso, a 4 de Junho Ícone de S.ta Escolástica em Madrid (I) (28 de Dezembro).
de 1948 comemora-se a erecção canónica do
Mosteiro do Sagrado Coração de Jesus, no Luso, e BIBLIOGRAFIA: Impressa: ANDRADE, António Alberto
a 20 de Abril de 1967 dá-se a entrada das Irmãs na (10 de Fevereiro); S.ta Jacinta, Virgem (20 de Fevereiro); Banha de (dir.), Dicionário de História da Igreja em
missão dos Bundas, sendo a 24 de Junho de 1970 S. José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria Portugal, vol. II, Lisboa, Editorial Resistência, s.d.,
a erecção canónica da mesma missão. O seu (19 de Março); S. Bento, Abade, (21 de Março); pp. 319-340; Anuário Católico de Portugal 2007,
quotidiano é marcado pelo ofício canónico monástico Anunciação da Bem-Aventurada Virgem Maria (25 [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
que se reza diariamente em todas as casas, sendo de Março); S.ta Bernardette, Virgem (16 de Abril); Portuguesa, 2007, p. 868; As Beneditinas Missio-

336
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BOM PASTOR

nárias, Roriz/Negrelos, Priorado de Santa Escolástica, nomeada Superiora do Mosteiro de Angers, depa-
1938; C ONGREGAÇÃO B ENEDITINA DA R AINHA DOS rando com solicitações de novas fundações de
A PÓSTOLOS , Monjas Beneditinas da Rainha dos Mosteiros de N. Sr.ª da Caridade, que aí chegavam
Apóstolos: 50 Anos de Presença em Portugal, Santo com muita frequência. Incapaz de responder a estes
Tirso, Mosteiro de Santa Escolástica, 1986; Família pedidos com o recurso de um único mosteiro, pede
Beneditina Portuguesa, Roriz, Edições Ora & Labora, à Santa Sé a fundação de um generalato, de modo
2002; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, a possibilitar o intercâmbio de pessoas e de outros
Vinde e Vede, Formas de Vida Consagrada na Igreja, recursos. Foi assim que surgiu a Congregação de
Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 21; R OCCA , Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor. Trata-
Giancarlo, “Benedettine della Regina degli Apostoli”, -se, pois, de uma organização religiosa perspectivada,
in Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca, Dizionario degli desde a criação, para desenvolver uma obra que
Istituti di Perfezione, vol. I, Roma, Edizioni Paoline, atendesse às dimensões do mundo. Aquando da
1962-1997, cols. 1277-1278. Digital: www.benedic morte da Fundadora, existiam 110 casas em todos
tines.rixensart.catho.be. os continentes, respondendo, deste modo, ao seu
apelo: “A nossa divisa é o zelo, e esse zelo deve
MARIA JOÃO PEREIRA COUTINHO abraçar o mundo inteiro”. Religiosa do Bom Pastor (I)

O acolhimento de raparigas e mulheres rejeitadas


por uma sociedade, que é, muitas vezes, ela mesma respeito pelo ser humano, enquanto filho de Deus,
BOM PASTOR, Congregação do que tece as malhas para a sua exclusão, é a ideia e da participação no combate contra toda a forma
A Congregação de Nossa Senhora da Caridade do que preside à fundação das novas irmãs que, de exclusão”, eles “associam-se” à missão das Irmãs
Bom Pastor, aprovada pelo Papa Gregório XVI, em enquanto tal, tomam como figura paradigmática do do Bom Pastor.
16 de Janeiro de 1835, é um Instituto Religioso As Irmãs do Bom Pastor estão presentes no nosso
Apostólico com duas formas de vida, uma activa e território há mais de um século. Foi a 10 de Maio
outra contemplativa. As Irmãs do Bom Pastor, nome de 1881, que cinco religiosas desta Congregação
pelo qual as religiosas são habitualmente designadas, chegaram ao Porto, num contexto adverso à sua
foram fundadas em Angers (França) em 1835, por fixação, pois o Decreto de 30 de Maio de 1834, que
Rose-Virginie Pelletier, mais tarde conhecida por extinguia todos os conventos, mosteiros, colégios,
S.ta Maria Eufrásia, ao ser inscrita no Catálogo dos hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas
as ordens regulares, fosse qual fosse a sua deno-
minação ou regra, não fora ainda revogado. Só
passado quase um ano após a sua fundação no
Porto, referenciada, geralmente, como devendo-se
à benfeitora D. Jerónima Júlia do Vale Cabral Ribeiro,
ou, por outros, à Madre Maria de São Pedro
Coudenhove, Superiora Geral à data, ou, ainda, às
primeiras religiosas e à sua Madre Superiora, a Madre
Pintura a óleo do Bom Pastor (I) de São Francisco Xavier Fitzpatrick, e, por alguns,
ainda, ao P. e Luís Martins Rua, é que as Irmãs
encontram instalações definitivas na cidade, na
Evangelho a de Cristo, que se assume como o “Bom Q.ta Amarela, R. do Vale Formoso, pelo que a sua
Símbolo da Congregação do Bom Pastor (I)
Pastor” do seu rebanho. Residindo o seu carisma primeira casa portuguesa passou a ser conhecida
na figura de Cristo, o Bom Pastor, a Reconciliação, como a “Casa do Vale Formoso”.
Santos, por Pio XII, a 2 de Maio de 1940. A designa- a Misericórdia, a Justiça e a Paz informam o modo Após seis anos da chegada ao Porto, apesar de o
ção de Congregação de Nossa Senhora da Caridade de estar das Irmãs, que escolheram as vias activa e pedido datar de 1883, mais cinco religiosas partem
do Bom Pastor de Angers, adoptada durante mais contemplativa para se comprometerem com os de Angers, às quais se junta, em Lourdes, a futura
de um século, ficou a dever-se ao facto de a sua marginalizados e feridos pelo mundo. Como se superiora. Fixam-se em Lisboa, a 3 de Fevereiro de
fundação ter ocorrido na localidade de Angers. lê nas suas Constituições, a “nossa missão de 1887, começando a construir um edifício na R. da
Rose-Virginie Pelletier, nascida a 31 de Julho de reconciliação nos chama a promover a justiça e a Bela Vista, à Graça, em 1889, para realizarem a sua
1796, na ilha de Nouirmoutier (França), estudava paz num mundo perturbado pelo pecado e conflitos” missão apostólica. Consagradas ao apostolado das
em Tours quando conheceu a obra das Irmãs de (n.º 6). raparigas e mulheres degradadas, a primeira casa
Notre-Dame de Charité. Encheu-se de compaixão Em conformidade com o seu carisma, às irmãs activas onde se haviam instalado (um velho convento
pelas mulheres entregues aos cuidados destas do Bom Pastor cabe desenvolver múltiplas acções abandonado pelas religiosas da Ordem de Santo
religiosas, que ela visitava. A 9 de Setembro de 1817 no mundo, enquanto as irmãs contemplativas Agostinho, no sítio do Grilo) não servia para
fez a profissão, recebendo o nome de Marie- sustentam os esforços das primeiras, através da sua responderem ao seu munus apostólico. Com o apoio
-Euphrasie. A Ordem de Nossa Senhora da Caridade vida de oração. Existem, ainda, os leigos associados da Associação de Santa Maria, constituída por uma
foi estabelecida no séc. XVII por S. João de Eudes, ao Bom Pastor, como a União dos Amigos do Bom comissão de senhoras dirigidas por D. Teresa de
a 25 de Setembro de 1641, para ajudar mulheres Pastor (UABP), constituídos em Portugal, pelo Capítulo Saldanha e Castro, que impulsionou a sua vinda e
em dificuldades. Os mosteiros nascidos desta Provincial, em 1984. Através “das atitudes de lhes angariou uma significativa verba, com a qual
fundação funcionavam de uma maneira autónoma. misericórdia na vida quotidiana no seio da família, deram início à nova casa, e sob a direcção da Madre
A 21 de Maio de 1831, a Ir. Marie-Euphrasie é nos exercícios profissional e apostólico, tal como no Maria de Santa Ana Schorlemer-Fürstenberg, primeira

337
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BOM PASTOR

Superiora de Lisboa, vão construir a Casa da Bela de a substituir na direcção da Casa do Vale Formoso.
Vista, onde recebem um grupo de raparigas, algumas A jovem superiora, com 31 anos de idade, enfrenta
das quais já se lhes haviam juntado, na Casa do com tenacidade, simplicidade e alegria as condições
Grilo. extremamente precárias da nova situação. Em menos
No Porto, nem uma dezena de anos havia passado, de dois anos, com a ajuda de benfeitores, entre os
em 1895, e já havia 20 religiosas a cuidar de 137 quais os Condes zü Vishering, seus pais, resolve as
“penitentes” – designação pela qual se nomeavam maiores dificuldades financeiras. Ao mesmo tempo
as raparigas recolhidas de uma vida, considerada que desenvolve uma acção dinâmica de trabalho
como atentatória à dignidade da condição humana. em relação à formação integral das jovens inter-
Em 1910, o seu número já havia aumentado para nadas, estabelece à volta da casa uma rede de
215, assistidas por 21 religiosas, entre as quais se contactos com pessoas de todas as condições sociais,
contavam 12 portuguesas. Em Lisboa, à data de preocupando-se, de modo especial, com os pobres,
1910, havia 226 internas assistidas por 25 irmãs, buscando trabalho para famílias carenciadas, Estátua de Beata Maria Droste, da autoria de Irene Vilar,
pelo que, aquando da Implantação da República em restabelecendo a paz nos lares e regularizando em Ermesinde (I)
Portugal, a Congregação das Irmãs da Caridade do situações difíceis, de vários tipos.
Bom Pastor de Angers dava assistência a 441 A Ir. Maria do Divino Coração entrou, igualmente, ou autorizadas a pedir a expatriação. No Porto, as
raparigas e era constituída por 46 religiosas. na História da Igreja Universal ao dirigir a Leão XIII, religiosas começaram a abandonar o país a partir
A acção das Irmãs junto das raparigas internadas, da cidade do Porto, a mensagem de Consagração de Novembro: inicialmente 12 portuguesas, ocor-
presidindo-lhe a intenção de as valorizar, vai focalizar- da Humanidade ao Coração de Jesus, que lhe havia rendo a saída das últimas a 5 de Dezembro de 1910.
-se, nesta primeira fase da sua presença em Portugal, sido confiada por Deus. O seu nome encontra-se As religiosas expulsas e expatriadas vão fixar-se na
na aprendizagem de trabalhos definidos socialmente associado, assim, às razões que levaram o sumo Alemanha (Münster) ou na França (Angers). Contudo,
como femininos. As limpezas e os trabalhos de pontífice a promulgar a Encíclica Annum Sacrum, a Obra do Bom Pastor vai continuar em Lisboa,
agulha vão ser fomentados, além de se instalarem, marcando para 11 de Junho de 1899 o acto solene através da antiga Associação de Santa Maria
tanto na Casa de Lisboa como na do Porto, lavan- da Consagração do Género Humano ao Sagrado Madalena, liderada então por D. Júlia de Brito e
darias, as quais, a par de permitirem um meio de Coração de Jesus. A Ir. Maria do Divino Coração, Cunha e com o apoio da ex-educanda Maria Joaquina
regeneração pelo trabalho, constituíam uma fonte com 36 anos incompletos, veio a falecer na Casa Monteiro, que juntou um assinalável número de
de receita para garantir a vida da Instituição, dada do Bom Pastor de Paranhos, a 8 de Junho de 1899, antigas recolhidas do Bom Pastor, abrigando-as,
a clientela que as procurava. A lavandaria do Vale véspera da primeira sexta-feira do mês, quando todo primeiro, na Trav. das Mónicas e, finalmente, na R.
Formoso era famosa na época, dado ter sido montada o mundo católico se preparava, em tríduo solene, das Portas do Sol. Formaram, então, uma oficina de
pela Madre Superiora, Madre de São Francisco Xavier para o grande acontecimento. Maria do Divino bordados, a qual foi, posteriormente, alvo de um
Fitzpatrick, mulher viajada pela Irlanda, EUA, Chile inquérito, tendo o inquiridor encontrado 45 mulheres
e Peru e de espírito arrojado. Segundo o modelo e raparigas, das quais 38 eram internas. Também
americano, a lavandaria possuía uma máquina a no Porto surgiu uma iniciativa semelhante sob a
vapor, secador e outras tecnologias. Além disso, as orientação de D. Maria José Pestana. Contudo, dadas
Irmãs ampliaram uma padaria, que alargou a as dificuldades com que depararam, optaram por
confecção da broa à produção de pão de trigo, e instituir um abrigo em Tuy, no qual as irmãs puderam
uma das irmãs, a portuguesa Ir. Maria de Santa continuar a sua acção. De facto, a ex-Superiora da
Marta formou um grupo de artesãs famosas na arte Casa de Lisboa, a Madre Maria de Santa Ana
da sapataria. A Rainha D. Amélia, em carta enviada Scchorlemer, procede, em Outubro de 1914, à
à Marquesa de Rio Maior, dará conta da sua abertura de uma casa das religiosas do Bom Pastor
predilecção pela Obra do Bom Pastor, após ter visi- em Tuy, a Q.ta Maria José, passando para lá muitas
tado ambas as casas. das antigas protegidas da Obra. Dada a sua
Por morte da Madre Maria de São Francisco Xavier proximidade da fronteira lusa, a nova casa das Irmãs
Fitzpatrick, a Ir. Maria do Divino Coração Droste zü do Bom Pastor recolhe 50 portuguesas.
Vichering chega ao Porto, em Maio de 1894, a fim Com a queda da I República, pelo golpe militar de
Painel da Beatificação de Maria Droste zü Vischering (I)
28 de Maio de 1926, um elevado número de
congregações religiosas estabelece-se de novo, ou
Coração Droste zü Vishering foi beatificada pelo pela primeira vez, em Portugal, ocorrendo, desta
Papa Paulo VI no dia 1 de Novembro de 1975, forma, o regresso das Irmãs de Nossa Senhora da
encontrando-se os seus restos mortais na Igreja das Caridade do Bom Pastor de Angers, em 1927. Na
Irmãs do Bom Pastor, em Ermesinde. sequência das exposições feitas pelo Comandante
A primeira fase da permanência das Religiosas do da Polícia, o Coronel Ferreira do Amaral, junto do
Bom Pastor em Portugal vai terminar com a Governo, argumentando que a religião desem-
Implantação da República, a 10 de Outubro de 1910, penhava um papel importante na reabilitação das
tendo, em Lisboa, no dia imediatamente seguinte mulheres da rua, é adquirido pelo Estado, pela
a esta data, as Irmãs sido conduzidas para o Arsenal quantia de 900 contos, o palácio dos Condes de
da Marinha, no qual se encontravam religiosas de Moçâmedes, localizado na freguesia lisboeta de
outras congregações. Enquanto às estrangeiras foi Carnide, a fim de as Irmãs do Bom Pastor reiniciarem
dada ordem de expulsão do país, as portuguesas o seu apostolado. Neste palácio havia funcionado,
Beata Maria Droste zü Vishering – Ir. Maria do Divino Coração (I) foram obrigadas a regressar a casa dos familiares anteriormente (1900-1902), o Instituto Infante

338
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BOM PASTOR

D. Afonso, criado para a instrução das filhas dos raparigas aí colocadas pela Segurança Social, pelo Por último, há a registar a Casa Ir. Maria (Ermesinde),
militares e que se havia deslocado para o Convento Tribunal de Menores ou, em alguns casos, pelas suas vocacionada para o acolhimento das irmãs mais
de Odivelas. A 15 de Novembro de 1927, chegam famílias; Lar Maria Droste, em Carnide (Lisboa), que idosas da Província, e a Comunidade de Fátima, casa
de Tuy quatro religiosas para tomarem conta da acolhe adolescentes a partir dos 11 anos de idade, de apoio aos eventos da Congregação.
casa. A partir desta data, verifica-se um aumento como Instituição Particular de Solidariedade Social Em Portugal, não obstante a sua forte presença, é
do número de religiosas, assim como do de abrigadas, e com Acordo de Cooperação com a Segurança com alguma expectativa que as Irmãs vêem a con-
o que faz com que à data da beatificação da Social; Casa de Formação Cristã da Rainha Santa, tinuação da sua intervenção ao serem confrontadas
Fundadora da Congregação, a 30 de Abril de 1933, em Coimbra, integrando três pequenos grupos de com um Noviciado encerrado há oito anos. É assina-
a casa dê assistência a uma centena de mulheres e jovens internas, com Acordo de Cooperação com a lável a falta de resposta das jovens portuguesas ao
raparigas. As Irmãs do Bom Pastor vão tentar Segurança Social; Lar Luísa Canavarro, no Porto, carisma de uma congregação vocacionada para um
regressar ao Porto, dado os laços afectivos que as vocacionado para receber mães solteiras com os serviço à mulher, inspirado no espírito do Amor e
ligavam a esta cidade, e não se poupam a esforços seus filhos; Centro Apostólico do Bom Pastor, no da Misericórdia de Jesus Bom Pastor, tomados como
para adquirir a sua antiga casa. Contudo, em face Porto, em estruturação de modo a acolher tempora- realidades com sentido para o mundo de hoje.
da instalação de um quartel na Casa do Vale riamente mulheres, com ou sem os filhos, vítimas Todavia, apesar das vicissitudes experimentadas nos
Formoso, as Religiosas vão fixar-se em Vila Nova de últimos anos, nomeadamente a falta de vocações,
Gaia, em 1929, no antigo Convento das Dominicanas as religiosas portuguesas do Bom Pastor não deixa-
de Corpus Christi. ram de responder ao desafio de lançar novas
Actualmente, as Irmãs do Bom Pastor estão fundações. Fixaram-se no Funchal, dando apoio a
implantadas na Europa, na América do Norte, na mães solteiras, em 20 de Outubro de 2003, e, em
América Central e na América do Sul, estendendo 19 de Março de 2004, alargaram a sua presença
também a sua presença aos continentes australiano, em Angola, instalando-se no Lubango, onde se
asiático e africano. A 31 de Dezembro de 2004, a dedicam à evangelização e a jovens em risco. Refira-
estatística da Congregação apontava para um total -se que, se a sua presença em Angola (nos últimos
de 4559 religiosas, incluindo 582 irmãs contem- anos do Império colonial português a Província
plativas do Bom Pastor. Portuguesa mantinha aí três comunidades: Luanda,
Não contando com irmãs de vida contemplativa, a Camabatela e Samba Caju), após a independência,
Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Casa de S.ta Ana, Pexiligais, Mem Martins (I)
foi inicialmente sustentada por duas religiosas
Pastor tem, actualmente, 138 religiosas em Portugal portuguesas, esta alargar-se-ia com o aparecimento
e 31 vivendo em Angola, além de ter associada a contínuo de vocações locais. Na actualidade, as irmãs
si a UACBP, constituída por 92 leigos, distribuídos de violência doméstica; Casa de Sant’Ana, em de Portugal e Angola constituem a Província da
por oito núcleos. A Província Portugal/Angola das Pexiligais, Mem Martins, que, substituindo a presença Congregação do Bom Pastor de Portugal/Angola,
Irmãs do Bom Pastor dirige, no território nacional, das Irmãs na Cadeia de Tires, destinou-se, no início existindo neste último país seis comunidades:
as seguintes obras: Instituto do Bom Pastor Haurietis (Agosto de 1980), a receber ex-reclusas e, actual- Camabatela, Samba Cajú, Kikolo-Luanda (duas),
Aquas, em Ermesinde, que compreende, além do mente, acolhe mulheres vítimas da violência Lubango e Uíge.
Externato Maria Droste, criado para atender as doméstica, numa lotação máxima de 25 utentes Sendo a internacionalidade um dos traços estrutu-
educandas à guarda da Instituição e que está aberto (mães e seus filhos), mantendo Acordo de rantes da forma de estar no mundo da Congregação
à frequência da população local, três lares para Cooperação Atípico com a Segurança Social; Lar do do Bom Pastor, e no cumprimento do desígnio da
Divino Salvador, em Ílhavo, uma Instituição Particular sua Fundadora (“somos de todos os países onde
de Solidariedade Social, foi criado pelo Património houver almas a salvar”), não deixa de ser significativa,
dos Pobres da Freguesia de Ílhavo, em 1998, e não obstante a idade média das irmãs portuguesas
destina-se ao acolhimento e ao apoio a mulheres (68 anos) e a falta de vocações em Portugal, a
com filhos que se encontrem em situação de elevado presença de religiosas com esta nacionalidade na
risco social e/ou vítimas de violência conjugal, bem Hungria, República Checa, Roma e Angola.
como a mulheres grávidas não inseridas do meio A Congregação do Bom Pastor mantém a sua
sociofamiliar; Instituto do Bom Pastor de Nossa presença na Organização das Nações Unidas na
Senhora de Fátima, na ilha de S. Miguel, nos Açores, qualidade de Organização Não Governamental
englobando dois lares de raparigas que estudam (ONG), dotada de estatuto consultivo junto do
nas escolas locais (Fajã de Baixo), a direcção de um Conselho Económico e Social (ECOSOC). O princípio
acolhimento de crianças para adopção à guarda da desta adesão é servir a sua missão de reconciliação,
Segurança Social (Fajã de Baixo) e o Lar Filomena particularmente no que se refere às mulheres e
da Encarnação (Ponta Delgada), residência para jovens. O seu trabalho é conduzido no sentido de
mulheres (com ou sem os filhos) em situação de provocar a mudança de tudo aquilo que conduz os
risco. indivíduos a uma vida de marginalizados.
As Irmãs do Bom Pastor têm ainda comunidades de Há já alguns anos que as religiosas da Congregação
inserção no meio, destinadas ao apoio às famílias, do Bom Pastor vão abandonando o hábito, podendo
especificamente às que se encontram em situação optar pelo uso do véu azul (em Portugal há ainda
de risco, e à evangelização das crianças e jovens. um assinalável número que o adopta) ou de cor
Elas localizam-se em Vila Meã (Paredes), Alta de branca (o caso de Angola, por exemplo, onde o
Lisboa (Lumiar), Murtal (Parede, Cascais), Colos hábito igualmente se vai mantendo). Contudo,
Lar Maria Droste, Lisboa (JAM) (Alentejo) e Praia da Vitória (Ilha da Terceira, Açores). todas elas usam como distintivo da sua pertença à

339
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS BRÍGIDAS

Congregação um fio de metal ao peito, o qual tem lhes dá Sua Majestade, que com mais algumas
suspenso uma cruz, sobreposta a dois corações moradas de casas, que possuem, terão cinco mil
(símbolos dos corações de Jesus e de Maria), com cruzados de renda cada ano. Têm dois clérigos do
a particularidade de um dos elementos da cruz ter hábito de S. Pedro, para lhes administrarem os
a forma de um cajado, em alusão ao “Bom Pastor”. sacramentos, e um deles é procurador da casa”.
As Irmãs do Bom Pastor sintetizam a sua vocação, Devido ao confisco dos templos e à expulsão das
afirmando, num dos textos manuscritos para ordens religiosas pelo liberalismo constitucional, as
circulação restrita: “A Madre Maria Eufrásia Pelletier Brígidas regressaram ao seu país de origem em 1861,
acolheu todas as misérias, enxugou todas as lágrimas. levando o cartório da Ordem.
Hoje, uma irmã do Bom Pastor é uma mulher
chamada a abrir caminhos, a acender lâmpadas para BIBLIOGRAFIA: AA.VV., Dizionario Eclesiástico, Turim,
que os desventurados encontrem a estrada que Uninone Tipografias, 1953; ALMEIDA, Fortunato de,
conduz a Deus, e para que sejam felizes”. História da Igreja em Portugal, 4 vols., Porto/Lisboa,
Livraria Civilização, 1968; ANDRADE, A. Banha de (dir.),
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: A Congregação de Nossa Dicionário da História da Igreja em Portugal, Lisboa,
Senhora da Caridade do Bom Pastor de Angers em Editorial Resistência, 1980; O LIVEIRA , Miguel de,
Portugal: Um Século, 1881-1981, Acervo documental História Eclesiástica de Portugal, Lisboa, Publicações
da Sede Provincial das Casas da Província Portuguesa Europa-América, 1994.
do Bom Pastor; Datas Memoráveis da Congregação
de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de MIGUEL REAL
Angers, Acervo documental da Sede Provincial das
Casas da Província Portuguesa do Bom Pastor; Nós
Chamamo-nos Irmãs do Bom Pastor, Acervo documental CANOSSIANAS
da Sede Provincial das Casas da Província Portuguesa Brígidas (Tours) Instituto das Filhas da Caridade Canossianas
do Bom Pastor. Impressa: ALMEIDA, Fortunato de, História Missionárias é o nome oficial das Filhas da Caridade
da Igreja em Portugal, vol. III, Porto, Livraria Civilização, conhecidas por Brígidas devido à devoção especial Canossianas Missionárias, mas também podem
1970; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], a S.ta Brígida, peregrinaram por diversos países do aparecer as designações Filhas da Caridade, ou Servas
Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, continente europeu em busca de refúgio, ao longo dos Pobres. São identificadas pela sigla FdCCM.
2007, p. 868; CONGREGAÇÃO DE NOSSA SENHORA DA da primeira metade do séc. XVI. A Congregação das Filhas da Caridade Canossianas
CARIDADE DO BOM PASTOR DE ANGERS, Congregação de Atraídas pelo espírito de Contra-Reforma, que se Missionárias foi fundada em Itália, no séc. XVIII, por
Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de Angers: desenhava no Reinado de D. João III (introdução do Madalena de Canossa (1774-1835).
Livro de Orações, Porto, [Tipografia Porto Médico, Lda.], Tribunal do Santo Ofício e instauração da Compa- Madalena Gabriela de Canossa, nasceu em Verona,
1952; CONGREGAÇÃO DO BOM PASTOR, A Congregação nhia de Jesus), foram acolhidas em Lisboa, a 4 de no dia 1 de Março de 1774, na nobre família dos
do Bom Pastor Tem a Consolação de Ter como Protector Maio de 1549, onde desde então ficaram conhecidas Marqueses de Canossa. Aos cinco anos ficou órfã
Sua Santidade Pio XII, Porto, [Bloco Gráfica, Lda.], s.d.; por Freiras Inglesas ou Inglesinhas (assim designadas do pai, Octávio, e dois anos depois a mãe, Teresa
Directório do Coro para as Religiosas de Nossa Senhora pela tradição popular lisboeta e, também assim, Slhua, abandonou os filhos para casar com o Conde
da Caridade do Bom Pastor de Angers, Porto, Tip. Casa foram transfiguradas em tema literário no romance de Mântua. O sofrimento amadureceu-a e, devido
Nun’Álvares, 1948; Missas Próprias da Congregação de Hélia Correia, Lilias Frazer, de 2001: a história à sua sensibilíssima experiência espiritual, procurou
de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de de uma menina escocesa, descendente da nobreza, com fervor a sua vocação através da oração e da
Angers, Vila Nova de Gaia, s.n., 1952; OLIVEIRA, Miguel, refugiada em Lisboa após o extermínio pelos ingleses prática das virtudes evangélicas.
História Eclesiástica de Portugal, Mem Martins, da elite guerreira da Escócia e apoiante de Charles Aos 17 anos deseja consagrar a sua vida ao amor
Publicações Europa-América, 1994; Regulamento para Stuart na Batalha de Culloden, em 1746). de Deus e, nesse sentido, por duas vezes tenta fazer
a Associação das Filhas do Coração da Mãe Admirável Em Lisboa, foram acolhidas na actual zona situada a experiência da vida conventual. Fez a experiência
para Uso dos Mosteiros de Nossa Senhora da Caridade entre Alcântara e Monsanto, então designada por do Carmelo mas não prosseguiu. Nem sempre Deus
do Bom Pastor de Angers, Porto, Tip. Porto Médico Mocambo (por abrigar, ao longo do séc. XVI, grupos revela a sua vontade com clareza: o impulso interior
1946; VIEIRA, Maria do Pilar, “Congregações Religiosas de negros escravos foragidos), em casas cedidas por de se tornar religiosa era claro desde os cinco anos,
Femininas”, in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário uma senhora chamada Isabel de Azevedo. Aqui mas a maneira de realizá-lo não. O espírito solicita-
de História Religiosa de Portugal, Centro de Estudos construíram uma capela, desaparecida num incêndio -lhe um caminho novo: deixar-se amar por Jesus, o
de História Religiosa da Universidade Católica em 1651. S.ta Brígida da Suécia, não a santa inglesa, Crucificado, e pertencer somente a Ele, para assim
Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos teve igual devoção de outras religiosas num mosteiro ser totalmente disponível aos irmãos afligidos por
de História Religiosa da Universidade Católica fundado em 1660, em Marvila, sob a invocação de vários tipos de pobreza.
Portuguesa, vol. A-C, 2000, pp. 476-482. N. Sr.a da Conceição. As Inglesinhas fundaram o seu Regressa à família e, devido à situação política e
mosteiro definitivo no Bairro Alto, em 1651. social do seu tempo e da sua cidade com as Invasões
MARIA JOSÉ REMÉDIOS Fortunato de Almeida escreve, citando o P.e Carvalho Francesas, foi experimentando diversas iniciativas de
da Costa: “as religiosas que vieram para este mosteiro caridade em favor dos pobres e das crianças abando-
[…] foram quinze e uma noviça, com três padres nadas. Porém, mantém a expectativa de concretizar
BRÍGIDAS da mesma ordem, para sustento dos quais lhe aquela que considera ser a sua vocação fundamental.
Perseguidas em Inglaterra pela Igreja Anglicana e mandou dar de ordinária El-Rei D. Filipe o Prudente No Palácio de Canossa, aceita a administração do
pelas autoridades reais no séc. XVI, as Irmãs da dois mil réis cada dia e doze moios de trigo cada vasto património familiar, surpreendendo todos com
Ordem de São Salvador, de origem britânica, também ano das lezírias de Santarém, cuja renda ainda hoje o seu talento para os negócios.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CANOSSIANAS

Com empenho e dedicação, cumpre os seus deveres onde as comunidades existem. Sua Santidade Leão A história das Filhas da Caridade Canossianas
quotidianos e amplia o seu circulo de amigos. Sempre XII aprova a Regra do Instituto com o Breve Si nobis, Missionárias em Portugal começou a 13 de Maio de
disponível à acção do espírito, vai descobrindo que a 23 de Dezembro de 1828. 1955, na cidade do Porto, na Q.ta das Sereias, onde
a participação da paixão do Pai pela humanidade No dia 23 de Maio de 1831, abre, em Veneza, o foram acolhidas pelo Bispo D. António Ferreira
se manifestava no dom total e supremo de Jesus na primeiro oratório dos Filhos da Caridade para Gomes, e graças à generosidade da família Lencastre.
Cruz e no exemplo de Maria, a Virgem Mãe Dolorosa. formação cristã dos jovens e adultos, confiando-os As Irmãs pretendiam ajudar as pessoas desta zona
Iluminada por esta caridade, Madalena escuta o ao sacerdote veneziano D. Francesco Luzzo, auxiliado tão carenciada, formar aspirantes à vida religiosa e
grito dos pobres famintos de pão, de instrução, de por dois leigos de Bérgamo, Giuseppe Carsana e fazer a aprendizagem da língua portuguesa para as
compreensão e da Palavra de Deus. Encontra-os nos Benedetto Belloni. Era um projecto sonhado desde irmãs italianas Ad Gentes, que eram destinadas às
bairros periféricos de Verona, onde as repercussões o seu primeiro Plano da Caridade, mas só conseguido missões de língua portuguesa. Começaram por
da Revolução Francesa e o alternado domínio dos depois de repetidas tentativas junto de D. Antonio acolher crianças aos domingos à tarde, dando-lhes
imperadores estrangeiros tinham deixado sinais de Rosmini e D. Antonio Provolo. o pão da Palavra e o pão material.
evidentes devastações e de sofrimento humano. Madalena terminou a sua intensa e fecunda existência Um ano depois abriam um jardim-de-infância com
Madalena e as primeiras companheiras chamadas a terrena com apenas 61 anos. Morre em Verona, 30 crianças; uma escola de corte e costura, muito
seguir Cristo, pobre, casto e obediente, sentem-se assistida pelas suas Filhas, a 10 de Abril de 1835. apreciada e com um número elevado de alunas;
enviadas a testemunhar uma incondicional caridade A 7 de Dezembro de 1941, é proclamada Beata pelo criaram um centro de alfabetização para adultos;
entre os irmãos. A 8 de Maio de 1808, deixa o Papa Pio XII e, a 2 de Outubro de 1988, é elevada e instituíram visitas aos doentes do Hospital de
Palácio de Canossa para dar início, no bairro mais às honras do altar por Sua Santidade, o Papa João S.to António e catequese na Paróquia de Miragaia.
pobre de Verona, àquela que interiormente reconhece Paulo II. A 27 de Fevereiro de 1957, era publicado no Diário
ser a vontade do Senhor: servir os mais necessitados do Governo, III Série, n.º 48, na primeira página,
com o coração de Cristo. Nascia, assim, o Instituto “aprovados os estatutos por que são criadas e
das Filhas da Caridade, Servas dos Pobres. deverão reger-se as instituições particulares de
assistência denominadas: Instituto Filhas da Caridade
Canossianas Missionárias, do Porto […].”
Actualmente, existem três Comunidades em Portugal:
no Porto, em Queluz de Baixo (Lisboa) e em Setúbal.
As irmãs dedicam a maior parte do seu tempo a
actividades com crianças até aos 12 anos: creche,
jardim-de-infância, ATL, catequese nas paróquias,
animação litúrgica e assistência a doentes no
domicílio.
A sua identidade de apóstolas consagradas requer
uma formação específica, aberta à universalidade
da Igreja e às exigências da missão. É um caminho
Madalena de Canossa com os pobres (I)
progressivo, cuja meta é a plenitude da caridade no
espírito de Cristo Crucificado, que as habilita a
A caridade é um fogo que se propaga e a guia até tornarem-se sinais de comunhão “até aos extremos
aos pobres de outras cidades: Veneza, Milão, confins da terra”, através do testemunho de vida e
Giuseppina Bakhita (I)
Bérgamo, Trento, entre outras. Em poucos decénios, dos seus ministérios da caridade. Nesse sentido, a
as fundações multiplicam-se e a família religiosa formação espiritual, humana, apostólica e profissional
cresce ao serviço do reino. O bem praticado pelas Filhas da Caridade Canossianas de cada irmã é indicada no chamado Plano de
O amor do Senhor Crucificado e Ressuscitado é Missionárias é discreto e só Deus o conhece bem, Formação do Instituto. O Pré-Noviciado é a etapa
interpretado por Madalena, com as suas compa- porém, pelo carácter heróico e de santidade, a preliminar à entrada do Noviciado. A sua duração
nheiras, em cinco âmbitos específicos: a escola de revelação mais recente é-nos dada no exemplo de é relativa ao caminho de maturação de cada
caridade, para a promoção integral da pessoa; a vida da Ir. Josefina Bakhita, que foi beatificada com candidata. O Noviciado é um período de prova e de
catequese a todas as categorias, privilegiando os Decreto Pontifício, a 6 de Julho de 1991, e iniciação integral à vida religiosa canossiana. É um
distantes; a assistência aos enfermos dos hospitais; canonizada no dia 1 de Outubro de 2000, pelo Papa tempo privilegiado em que a noviça é introduzida
os seminários residenciais para formar jovens João Paulo II. no conhecimento profundo de Cristo e do seu Pai,
professoras de áreas rurais e preciosas colaboradoras A Ir. Bakhita nasceu no Sudão, em 1869, e morreu através da leitura e da meditação da Palavra de
dos párocos nas actividades pastorais; cursos em Schio (Vicenza-Itália), em 1947. Conheceu a Deus, da oração e da vida sacramental e litúrgica.
espirituais anuais para as damas de alta nobreza, angústia do rapto, as humilhações e os sofrimentos A noviça aprende progressivamente a fazer a
com o objectivo de as incentivar espiritualmente e físicos e morais da escravidão. A sua humildade, a experiência da conformação às suas atitudes,
de as envolver nas várias áreas caritativas. sua simplicidade e o seu constante sorriso conquis- particularmente à sua caridade e humildade, num
À volta da figura e da obra de Madalena gravita taram o coração de todos os cidadãos de Schio. caminho de generosa ascese. É gradualmente iniciada
uma constelação de outras testemunhas da caridade, As Irmãs estimavam-na pela sua meiguice inalterável, nas exigências da espiritualidade da vida consagrada
também elas fundadoras de outras famílias reli- pela fineza da sua bondade e pelo seu profundo canossiana, mediante a prática dos conselhos
giosas: Naudet, Rosmini, Provolo, Steeb, Bertoni, desejo de fazer com que Jesus fosse conhecido. Em evangélicos na imitação de Cristo casto, pobre e
Campostrini, Verzeri, Renzi, os Cavanis e Leonardi. idosa, com uma doença longa e dolorosa, esta irmã obediente até à morte. É, ainda, iniciada na história,
Entre 1819 e 1820, o Instituto das Filhas da Caridade continuou a oferecer um testemunho de Fé, de espiritualidade e missão do Instituto e no exercício
obtém a aprovação eclesiástica nas várias dioceses bondade e de esperança cristã. dos ministérios de caridade. Aprofunda de forma

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CANOSSIANAS

vital e sistemática a Regra de Vida, aprendendo a nacional, e divide-se em Províncias, sendo estas com o consentimento das suas Conselheiras e com
harmonizar gradualmente a sua busca de Deus com formadas por um certo número de Casas ou de prévia consulta das irmãs da Província. Tem um
o serviço apostólico. Concluído o Noviciado, que Comunidades Locais. No Instituto a autoridade é mandato de três anos que pode ser renovado. A
dura 24 meses, ela é admitida à profissão religiosa. exercida como um serviço. A exemplo da Fundadora, Superiora Provincial é auxiliada pelas Conselheiras,
Com a profissão religiosa, a irmã consagra-se a Deus, reconhecem o Santo Padre como o seu primeiro nunca menos de duas, embora, se as necessidades
assumindo com voto público os conselhos evangélicos Superior e seguem as suas directrizes em virtude, da Província o exigirem, possam ser em número
de castidade, pobreza e obediência, segundo a Regra também, do voto de obediência. Colaboram com superior. As nomeações das Conselheiras Provinciais
de Vida das Irmãs Canossianas. Ela escolhe, assim, os bispos para a edificação do Reino de Deus, de são precedidas de consulta das irmãs à Província.
seguir Cristo até à Cruz e coloca-se ao serviço dos acordo com o direito universal e no respeito ao seu Este Conselho Provincial tem um mandato de três
irmãos, principalmente dos mais pobres. Segue-se carisma. A Regra de Vida, os Estatutos e as anos renováveis. A Vigária Provincial é nomeada
o Juniorado, que é o período de profissão temporária deliberações das legítimas autoridades nos diversos entre as Conselheiras pela Superiora Geral, com o
em que a irmã é chamada a interiorizar os valores níveis constituem o direito próprio do Instituto, que parecer das suas Conselheiras e em diálogo com a
apreendidos e a preparar-se para a profissão perpé- oferece indicações concretas para viver com fidelidade Superiora Provincial. Ela substitui a Superiora
tua. A irmã de votos temporários é inserida numa o seguimento de Cristo. Provincial ausente ou impedida no governo ordinário
comunidade apostólica formativa, em que são O Instituto, presente em todos os continentes, forma da Província. A Secretária e a Ecónoma Provincial
garantidas as reais condições para o seu crescimento. uma única família religiosa animada pelos mesmos são nomeadas pela Superiora Geral, com o parecer
A profissão temporária dura normalmente cinco ideais, pelo mesmo espírito e pela fidelidade à mesma das suas Conselheiras e com prévio entendimento
anos. Ao término anual dos votos, a irmã é admitida Regra de Vida. Para incrementar a missão comum, com a Superiora Geral. Colaboram com a Superiora
à renovação da profissão. Concluído o período da o Instituto está articulado em Casas ou Comunidades Provincial segundo as suas próprias competências.
primeira formação, a irmã faz livremente a profissão Locais e em Províncias. Cada Província tem a sua A Província reúne-se em assembleia representativa
perpétua para se consagrar definitivamente. Desta autonomia jurídica. Porém, o mútuo apoio, a infor- de todas as irmãs da Província, o Capítulo Provincial,
forma, ela coloca para sempre a sua vida ao serviço mação recíproca e, em casos de necessidade (através na qual são reconhecidos determinados poderes no
de Deus e da Igreja no Instituto, empenhando-se a da Superiora Geral), o intercâmbio de irmãs e de âmbito da mesma. A nível local, a Comunidade é a
tender incessantemente à plenitude da caridade. ajudas económicas são expressões concretas do família reunida em nome de Cristo, onde se busca
A exigência de uma fidelidade dinâmica à específica vínculo de caridade. e ama a Deus antes de tudo. Para abrir legitimamente
vocação apostólica das Filhas da Caridade requer A autoridade ao nível geral, provincial e local é uma casa, a Superiora Provincial, com prévia
um caminho de formação contínua, para as tornar exercida com poder ordinário por uma Superiora, ratificação da Superiora Geral, solicita o consen-
sempre mais autêntica e conscientemente Filhas da sozinha ou com duas Conselheiras. A autoridade timento do Bispo Diocesano, dado por escrito. Para
Caridade, Servas dos Pobres. suprema de todo o Instituto compete, ordinariamente, fechá-la, basta que o consulte.
O empenho formativo acompanha cada uma das à Superiora Geral e, de modo extraordinário ao Conscientes de que o carisma é “o grande tesouro
irmãs por toda a vida, ajudando-as a ler as mudanças Capítulo Geral, que constitui a máxima autoridade que o Espírito concedeu à Igreja” por intermédio
históricas e culturais segundo o Evangelho, a viver no Instituto. É celebrado, de 6 em 6 anos, como da sua Fundadora, a Família Canossiana (sacerdotes,
e a exprimir o carisma da caridade nas diferentes evento eclesial, como experiência de Fé, de conversão irmãs, leigos e organismos do Instituto) elaborou,
culturas e a crescer através dos seus ministérios. e de comunhão entre todas as irmãs do Instituto, em 2002, um instrumento formativo para “auxiliar
A comunidade é o lugar privilegiado para a formação. convocado pela Superiora Geral para resolver assuntos no aprofundamento do carisma, no momento em
São também asseguradas iniciativas e tempos que graves e de interesse de todo o Instituto. São con- que a sua fecundidade vai exigindo uma encarnação
favoreçam e promovam a formação permanente. siderados membros do Capítulo, para além da mais profunda deste carisma nos ambientes e nas
Para as irmãs Ad Gentes, o Conselho Geral asse- Superiora Geral, as Conselheiras Gerais, as Superioras culturas onde somos chamados a estar presentes e
gura programas de formação, em sintonia com o Provinciais, a Ecónoma Geral, a Secretária Geral e a servir”. O carisma canossiano consiste na contem-
Magistério da Igreja e com as exigências próprias da os Membros Delegados: as irmãs de votos perpétuos, plação de Cristo Crucificado e no anúncio do maior
vocação missionária. eleitas nas respectivas Províncias. O Conselho Geral amor, procurando a glória do Pai e a salvação da
No seu dia-a-dia, a irmã centra a sua vida na coadjuva a Superiora Geral, com a qual forma a humanidade. O amor contemplado no Senhor
Eucaristia, que exprime e realiza a oração de Jesus: primeira comunidade do Instituto. As Conselheiras Crucificado levou Madalena de Canossa a com-
“para que eles sejam um em nós a fim de que o Gerais ajudam-na no exercício do seu ministério e preender o duplo conteúdo do mandamento do
mundo creia”; na Liturgia das Horas, celebrando participam das suas responsabilidades. São eleitas amor, como síntese da vida segundo o Evangelho:
comunitariamente as Laudes (oração da manhã) e pelo Capítulo Geral entre as irmãs de, pelo menos, a caridade para com Deus e para com o próximo.
as Vésperas (oração da tarde) e numa hora de dez anos de profissão perpétua. O seu mandato é No reconhecimento e na partilha do amor de Deus
meditação (meia hora de manhã e meia hora à de seis anos. A Vigária Geral, segundo a tradição, que se deu a nós no amor do Senhor Crucificado,
tarde). O retiro mensal e os exercícios espirituais é a colaboradora mais próxima à Superiora Geral toda a humanidade chega à plenitude e assim celebra
anuais são ainda outro momento de encontro no seu ministério. Substitui-a no governo ordinário a glória de Deus e a glória do seu amor. Madalena
prolongado com o Senhor. Privilegia-se a escuta da do Instituto, quando o ofício da Superiora Geral fica reconhece que é da Eucaristia que lhe vem “suprema
Palavra e renovam os seus propósitos, tornando-se vago. Nesse período, não pode fazer mudanças nem paz, alegria, desejo de paraíso; mas ao mesmo
mais disponíveis à radicalidade do Evangelho. na disciplina regular, nem na administração do tempo, desejo de trabalhar bastante”. E, em Maria,
Sob o ponto de vista institucional, o Instituto das Instituto. Para as questões de governo que requerem reconhece o lugar onde o amor do Senhor Crucifi-
Filhas da Caridade Canossianas Missionárias é uma consentimento, é necessário a convocação de todas cado encontrou pleno acolhimento. Maria, ao pé
Sociedade de Vida Apostólica, em comunidade, que as Conselheiras. A nível regional, é reconhecida a da cruz, participa da luta contra o mal e da dedicação
assume os conselhos evangélicos mediante um Província Religiosa, constituída por uma Casa que pede acolhimento incondicional da humanidade
vínculo definido pela Constituição. É um Instituto Provincial e por outras casas unidas sob a mesma marcada pelo pecado. “Porque esta maternidade é
de Direito Pontifício e isento. Desde o início, tem Superiora, que tem o título de Superiora Provincial. participação na paixão do Senhor para o resgate de
apenas uma categoria de membros, as Irmãs. É inter- Esta é canonicamente nomeada pela Superiora Geral, todos nós pecadores, na perspectiva de Madalena,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CANOSSIANAS

pobres é o nome específico do amor de Jesus, na dimensão da secularidade, para a “glória de Deus
segundo os traços da paixão; é sinal actuante de e a salvação do homem”.
sua glória, de sua soberania na nossa história. É a O leigo canossiano procura unificar a sua fé com a
inédita nobreza do Evangelho que Madalena com- vida no quotidiano: na participação da vida litúrgica
preendeu na contemplação de Jesus Crucificado”. da Igreja, na escuta e na meditação da Palavra de
Movida pelo Espírito Santo e impelida pelo zelo da Deus, na oração pessoal, familiar e comunitária, no
“glória de Deus e o bem do próximo”, Madalena compromisso evangélico nas realidades temporais e
quis, também, desde o início de sua obra, que se no confiante amor a Maria. Chamado a ser, como
formassem pessoas leigas disponíveis a participar do Maria, especialista em humanidade, o leigo canos-
carisma do “mínimo seu Instituto”. A finalidade era siano cultiva um estilo de vida simples, humilde e
clara: aumentar o número de apóstolos que alegre e dá o seu tempo, energias e recursos ao
colaborassem activamente para o Reino de Deus no serviço dos outros, especialmente de quem se
mundo, mediante o anúncio da Palavra e o teste- encontra em “maiores necessidades”. A Associação
munho da caridade, que se contempla em Cristo Leigos Canossianos é regida por um Estatuto e,
Crucificado e que sua Mãe, ao pé da cruz, torna atendendo ao processo de inculturação da Fé e das
S.ta Madalena de Canossa (I) transparente. necessidades locais, são elaborados Estatutos
Em diálogo com os Pastores da Igreja e atenta às Nacionais. O leigo que desejar pertencer à Associação
o deixar-se educar por esta maternidade significa necessidades dos lugares em que a família religiosa expressa o seu compromisso mediante uma das
trabalhar esforçando-se e padecendo, para que todo operava, Madalena elaborava “planos para as modalidades estabelecidas nos Estatutos. Existem
o homem venha à luz como filho de Deus.” terciárias”, i. e., projectos de vida para as pessoas grupos de leigos com votos, grupos de leigos com
Da contemplação do Senhor Crucificado, Madalena adultas que, permanecendo na condição laical, promessas e grupos de leigos sem promessas nem
descobriu ainda que a fraternidade nasce do amor partilhavam a sua espiritualidade, o seu estilo de votos, designados Amigos de Madalena. O itinerário
gratuito e que todos fomos tocados pela misericórdia vida e a sua grande paixão: “sobretudo fazer com formativo do leigo canossiano compreende uma
de Deus em Jesus Crucificado. Eis, pois, a condição que Jesus seja conhecido”. Para as ajudar a formação inicial e uma formação permanente.
fundamental para manter a caridade como inspiração desenvolver a caridade apostólica, proporcionava- A formação inicial tem a duração mínima de um
de todo o agir: “sem isso fica-se exposto ao risco -lhes várias iniciativas de formação. ano e conduz a pessoa a uma gradual tomada de
de nos tornarmos fantasmas de caridade”. Ao longo dos tempos e do desenvolvimento do consciência da identidade do leigo canossiano.
Segundo o carisma, os três ministérios da caridade, Instituto irão surgir diversas modalidades de partilha A formação permanente acompanha-o no aprofun-
com uma articulação permanente e indissolúvel são: do carisma por parte dos leigos: companhias, pias damento da sua identidade e missão e habilita-o a
“a educação (ou resgate e promoção da pobreza), uniões, associações e agregações. Na variedade dos assumir a responsabilidade da própria formação.
a evangelização (revelação da fonte e meta da nomes e das realizações, permanece o elemento A responsabilidade da formação dos leigos é entregue
dignidade de toda a pessoa) e a assistência (teste- essencial: a consciência de um dom carismático que a uma equipa de formadores, que elabora projectos
munho/ anúncio que a vulnerabilidade humana não não se restringe à modalidade religiosa dos Filhos formativos, valorizando as estruturas já existentes
é sinal do abandono da parte de Deus e não é a e Filhas da Caridade. Pela acção do Espírito Santo, na igreja local. As funções dos membros da equipa
última palavra de vida).” O carisma de Madalena é tal dom é participado àqueles leigos que se sentem são complementares e convergem no fazer interagir
uma intuição específica da caridade do Senhor no chamados à “perfeição da caridade”, conforme a a vida com a Palavra e com o carisma, através da
mistério da sua paixão: porque é totalmente gratuita, compreensão que Madalena de Canossa tinha do comunicação pessoal e/ou de grupo. Os Estatutos
fraterna e apostólica. Ela própria resume tudo isto Evangelho, a partir do Mistério Pascal. Nacionais especificam tais funções. A estrutura
afirmando: “fazer Jesus Cristo conhecido, pois Ele No dia 1 de Maio de 1950, a Igreja aprovou o organizativa da associação tem como finalidade
não é amado porque não é conhecido”. “Estatuto das Colaboradoras Canossianas”, o qual garantir a realização dos processos formativos e dos
O nome Filhas da Caridade, Servas dos Pobres, mostra foi sendo reformulado tendo em conta os desafios objectivos da associação. Os leigos canossianos
este duplo significado da Caridade: “o serviço aos da cultura contemporânea e da sensibilidade das organizam-se a nível local, nacional e internacional.
pessoas ao longo do tempo. Em cada nível, elegem uma Equipa de Coordenação
O IX Capítulo Geral do Instituto, em 1984, fez uma constituída por um Coordenador, um Secretário e
releitura das instituições proféticas da Fundadora, um Ecónomo, escolhidos por uma irmã canossiana
nas perspectivas teológico-pastorais do Concílio animadora entre os leigos. A duração do seu serviço
Vaticano II e das directrizes do Magistério, reafir- é de três anos, com possibilidade de reeleição para
mando, portanto, que a vocação dos leigos de um segundo triénio. A nível internacional, a Equipa
compartilhar o carisma canossiano é um dom especial de Coordenação é eleita pelos Delegados Nacionais,
de Deus à Igreja e para a Igreja. que participam num congresso celebrado de 5 em
O Conselho Geral, numa perspectiva de revitalização 5 anos. À Equipa de Coordenação compete promover
do carisma e também no sentido da secularidade, a comunhão entre os membros e os grupos,
solicitado pela Igreja e com o consentimento do XII favorecendo a comunicação e a solidariedade, ofere-
Capítulo Geral do Instituto, celebrado em 1990, cer ajuda e encorajamento a quem está em dificul-
renovou o Estatuto da Associação Leigos Canossianos, dade, aprovar e verificar os itinerários formativos,
para que estes possam viver uma vitalidade e uma admitir os novos candidatos na Associação e
co-responsabilidade eclesial mais profunda com os administrar os bens dos grupos. O leigo começa a
outros membros da Família Canossiana. Assim, o fazer parte da Associação quando o seu pedido é
leigo canossiano que descobre estar em sintonia aceite pelo Coordenador Local, que o avalia em con-
S.ta Madalena de Canossa (I) com o carisma é chamado a viver Jesus Crucificado junto com os membros da equipa. Se, por motivos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CAPUCHINHAS FRANCESAS

pessoais, o leigo, decide não continuar na associação, Diversos grupos de leigos também descobriram em CAPUCHINHAS FRANCESAS
informa o Coordenador Local. Por outro lado, a Madalena e no seu dom um modo particular de Com a denominação de Capuchinhas Francesas,
Equipa de Coordenação local pode pedir ao leigo viver a sua Fé e de testemunhar a caridade nos vários vulgo Francesinhas, ficaram conhecidas as Religiosas
que deixe a associação. A Equipa de Coordenação, âmbitos apostólicos das comunidades cristãs. É neste do antigo Convento do S.to Crucifixo, em Lisboa,
nos diversos níveis, administra os bens do grupo no dar e receber que o carisma se enriquece e torna cuja existência decorreu entre os anos de 1667 e
espírito evangélico da justiça, da caridade e da solida- fecunda a construção do Reino. 1890, data do falecimento da última freira professa
riedade com os pobres. Com regularidade, as contas As Filhas da Caridade Canossianas vivem do seu à data de 1834.
são apresentadas aos membros da associação. trabalho, no exercício de actividades. Fiéis ao carisma, Anos antes, em 1647, terá existido um outro instituto
O serviço de coordenação internacional tem a sua fundamentam, conservam e fazem render os seus de Clarissas Capuchinhas Francesas, fundado por
sede em Roma. bens como pertencentes à Igreja e aos pobres, monjas provenientes da região da Bretanha, que
A relação entre a Associação Leigos Canossianos e evitando qualquer aparência de luxo, lucro moderado se instalaram na zona da antiga Paróquia de
o Instituto das Filhas da Caridade é uma relação de e acúmulo. Manifestam a pobreza que as caracteriza S. Martinho, junto à Sé de Lisboa. Sendo pratica-
comunidade-comunhão entre pessoas que vivem o mantendo um teor de vida simples e sóbrio, finali- mente nulas as referências documentais a este
mesmo carisma em diferentes estados de vida. zando os seus bens aos ministérios de caridade e mosteiro, deverá ter tido uma curta existência.
O seu relacionamento caracteriza-se, pois, por uma partilhando os eventuais excedentes de acordo com No séquito de D. Maria Francisca de Sabóia, vieram
colaboração efectiva, em diálogo e em acolhimento, o Directório. Na administração dos bens temporais, quatro freiras capuchinhas francesas do Convento
e por uma co-responsabilidade a respeito do carisma. o Instituto é uma pessoa jurídica. da Paixão, em Paris: Amada de Santa Clara, Isabel
Leigos e Irmãs partilham momentos particulares de de São Paulo, Cecília de São Francisco e Soror Maria
vida fraterna e de oração, por ocasião das celebrações BIBLIOGRAFIA: Impressa: A Interministerialidade na de Santo Aleixo, que seria a primeira Abadessa do
da Família Canossiana (Festa de N. Sr.a das Dores, Comunidade Canossiana Sinal Legível da Caridade, futuro convento, falecida em 1689. Sob os auspícios
a 15 de Setembro, e da Santa Fundadora, a 8 de Roma, Curia Generalizia Figlie della Carità Canossiane,
Maio); alegria e sofrimento que tocam a vida da s.d.; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa],
Associação e do Instituto; comunicação e avaliação Secretariado Geral da Conferência Episcopal
na fidelidade ao mesmo carisma, aos sinais dos Portuguesa, 2007, p. 878; C ATTARI , A., et alii,
tempos e às orientações eclesiais; experiências e Maddalena di Canossi in Dialogo com le Superiore
informações relativas à vida e à actividade pastoral; delle Case Fondate da Lei, Milano, NED, 1994; CATTARI,
elaboração e realização dos itinerários formativos e A., Nel Cuore del Mistero: Esemplarietà del Crocifisso
serviço comum aos mais pobres nos mesmos in Maddalena di Canossa e nella Spirituaità
ambientes sociopastorais. A equipa de coordenação Canossiana, Milano, NED, 1990; Estatuto “Leigos
da Associação, aos vários níveis, relaciona-se com o Canossianos”, Roma, Tipografia S.G.S., 1991; GIACON,
Instituto das Filhas da Caridade por intermédio da M., Madalena de Canossa: Humildade na Caridade,
Irmã Animadora, nomeada pela respectiva Superiora. Verona, s.n., 1988; Linee Portanti della Carità
A Direcção da Associação é da competência da Ministeriale delle Figlie della Carità Canossiane, Roma,
Superiora Geral do Instituto, de forma a garantir a Curia Generalizie Figlie della Carità Canossiane,
autenticidade do carisma. 1996; Linee Portanti di Pastorale e Animazione
A memória histórica das Filhas da Caridade Vocazionale Canossiane, Roma, Curia Generalizie
Canossianas encontra-se no Arquivo da Casa Geral Figlie della Carità Canossiane, 2002; LIRI, Isola del,
(Via della Stazione di Ottavia, Roma), em Itália, e Maddalena di Canossa: Regole e Scritti Spirituali a
dispersa por algumas obras da especialidade. Cura di Emila Dossi, 2 vols., s.l., s.n., 1984-1985;
A grande paixão do coração de Madalena, “sobre- NICOLAI, Maria, Maddalena di Canossa e La Genesi
tudo façam conhecer Jesus Cristo”, é a grande della Regola delle Figlie della Carità, Roma, Collana
herança que as Filhas e os Filhos da Caridade são Documentazioni, 1991; O Carisma Canossiano: Uma
chamados a viver, numa disponibilidade radical, Abordagem Formativa, Roma, Filhas da Caridade
“dispostos pelo divino serviço a ir a qualquer país, Canossianas – Cúria Geral, 2003; PICCARI, T. M., op, Retrato de Maria de Santo Aleixo, gravado
até mesmo o mais remoto”. Dando resposta a esta Sola con Dio Solo: Memorie di Maddalena di Canossa, por Michel Le Bouteaux, 1749 (A)

missão, as Filhas da Caridade atravessaram o oceano Milano, Editrice Áncora Milano, FDC, 1966;
em direcção ao extremo-oriente em 1860. Desde POLLANARA, Elda, Maddalena di Canossa e la Prima da rainha, e com o objectivo de cumprir um voto
então, encontramo-las espalhadas pelos cinco Formazione, Roma, Collana Documentazioni, 1987; de sua mãe, seria lançada a primeira pedra para a
continentes, em 35 países, num total de 2756 POLLANARA, Elda, Seminari per Maestre all’ Origine construção da igreja conventual, em 1667, numa
membros, distribuídas por 360 comunidades. dell’ Istituto, Roma, Collana Documentazioni, 1986; zona frente ao Convento de S. Bento da Saúde,
Os Filhos da Caridade são cerca de 200 e actuam em Regola di Vita, Verona, Congregazione dei Figlie correspondendo actualmente ao Jardim das France-
diversas cidades da Itália e além-mar. Os Irmãos e as della Caritá “Canossiani”, 1985; Regolle dell’Istituto sinhas, junto à Calçada da Estrela.
Irmãs Canossianos chamados Ad Gentes estão atentos delle Figlie della Caritá, Testo diffuso – Manoscrito A real fundadora do Convento do S.to Crucifixo,
e receptivos às “sementes do Verbo”, presentes em milanese, Milano, s.n., 1983; VANZO, M., Maddalena parente de Luís XIV, Duquesa de Nemours e de
cada cultura, e, com o seu testemunho, anunciam di Canossa: Fondatrice delle Figlie e dei Figli della Aumale, nascida em Paris no ano de 1646, foi Rainha
“aquilo que viram, ouviram, contemplaram…”: o Carità (1774-1835), Roma, Casa Generalizia, 1985. de Portugal, pelos seus casamentos com o Rei
amor do Pai, que em Cristo Jesus atinge cada homem Digital: www.fdcc.org/port/canossiane/canossianas. D. Afonso VI, em 1666, e com D. Pedro II, em 1668.
e cada mulher, para que tenham vida. htm. D. Maria Francisca de Sabóia viria a falecer em Lisboa,
O carisma que o espírito suscitou em Madalena não a 27 de Dezembro de 1683, sendo sepultada na
esgotou a sua vitalidade na forma dos dois institutos. MARGARIDA DA COSTA ALVES igreja do convento.

344
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS

É bem conhecido o percurso das quatro freiras A sustentação das Religiosas foi garantida por CARMELITAS
capuchinhas, desde a sua chegada a Lisboa até à sucessivas esmolas reais, nomeadamente dos Reis A Ordem das Carmelitas, também conhecida por
entrada no seu novo mosteiro. Instalaram-se, inicial- D. Afonso VI, D. Pedro II e D. João V, que lhes conce- Ordem das Irmãs da Virgem Maria do Monte
mente, no Convento das Flamengas, em Alcântara, deram, por alvará, esmolas anuais, o que o tornaria Carmelo, é uma ordem feminina de observância que
e depois no da Esperança, mais próximo do seu um convento do Padroado Real, não só pela sua segue a Regra da Ordem do Carmo.
futuro edifício, ambos de Religiosas Clarissas. fundação real, mas também pela dotação. Uma vez implantada a primeira ordem de monges
Tomaram posse do seu convento a 18 de Abril de Com o advento do Liberalismo e a legislação anticle- carmelitas na Europa, surgiram diversos grupos de
1667, dia de N. Sr.a dos Prazeres, data que a partir rical a ele associado, o Convento do S.to Crucifixo cristãos que, seduzidos pelo carisma da Ordem,
de então comemoravam, com solene procissão, no entra em agonia, extinguindo-se com a morte da requeriam a assistência espiritual dos Carmelitas.
claustro do S.to Crucifixo. Em 1673, professava a última freira, Madre Henriqueta Maria da Conceição, Nestes grupos, além dos seculares (que foram a
primeira noviça deste convento e, em 1675, chega- a 9 de Março de 1890. A partir dessa data, assiste- origem da Ordem Terceira), também se constituíram
vam mais quatro religiosas dos conventos de Paris -se à dispersão do seu património artístico e cultural. grupos de senhoras e de donzelas, que optavam
e de Tours. A sua memória ficou registada na toponímia do local por viver em recolhimentos e que, não dispondo de
Em 1706, as Irs. Maria Madalena do Sepulcro, Maria após a demolição do edifício conventual, assim como Estatutos, solicitavam o privilégio de seguir a Regra
Micaela do Sacramento e Jacinta da Madre de Deus em algumas obras de arte, hoje dispersas nos Museus de uma ordem religiosa. Os frades terão sido dos
foram nomeadas para fundadoras do Convento de do Carmo e de Arte Antiga, e em documentos na primeiros a autorizar tais grupos a seguir a Regra
N. Sr. a da Conceição, no L. da Luz, a Carnide, Biblioteca Nacional e no Arquivo da Torre do Tombo. Menorita, criando-se, desde logo, uma certa unidade
edificado por Nuno Barreto Fuzileiro. O convento institucional, apesar de já existir uma certa variedade
foi destruído pelo terramoto de 1755, tendo as informal de formas de vida consagrada, que se
freiras ingressado no Convento de N. Sr. a da reviam neste ideário ascético (as Beatas da Hispânia,
Conceição da Luz, em Arroios, de monjas recolectas as Recolhidas de Portugal, as Mantelatas de França
da Regra de S.ta Clara, em 1767. e de Itália, as Beguinas da Alemanha, por exemplo).
O edifício do Convento do S.to Crucifixo, da autoria A Primeira Ordem aceitava assistir espiritualmente
do arquitecto Mateus do Couto (1630-1696), foi esses grupos, mas não os podia agregar a si, pois
construído, no essencial, entre os anos de 1667 e não tinha o direito de aceitar mulheres, ainda que
1694. As obras continuaram até inícios do século vivessem segundo a Regra Carmelita. A mudança
seguinte, neste período sob a orientação do mestre de situação operou-se quando, na sequência do
arquitecto P.e Francisco Tinoco da Silva. Construção Concílio Provincial de Colónia, em 1451, que fora
robusta, obedecendo às imposições tridentinas presidido por Nicolau de Cusa, se determinou que
quanto à organização do espaço, resistiu ao grande todas as casas de Beguinas se afiliassem a uma
Placa toponímica da R. das Francesinhas (APT)
terramoto de 1755, entrando em decadência a partir ordem religiosa, prometendo estas viver segundo a
de 1834 e acabando por ser demolido entre os anos respectiva Regra. Na Alemanha, os grupos de
de 1911 e 1915. BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: ANTT, Arquivo Histórico Beguinas corriam o risco de extinção e, no ano de
do Ministério das Finanças, Convento do Santo 1452, reuniu-se, ainda em Colónia, sob a presidência
Crucifixo, Caixa 1987; BA (Lisboa), Notícia da do Padre Geral dos Carmelitas, Beato João Soreth
Fundação do Convento do Santo Crucifixo, 54-IX- (m. 1471), o Capítulo da Ordem, que aceitou a
-12, n.º 174. Impressa: ALMEIDA, Fortunato de, História agregação das Beguinas de Geldern, autorizadas a
da Igreja em Portugal, Coimbra, Imprensa Académica, seguir a Regra e a vestir o hábito carmelita. De
1915; BARBOSA, José, Historia da Fundação do Real imediato, João Soreth solicitou a aprovação da Santa
Convento do S. Christo das Religiosas Capuchinhas Sé para o acto de agregação, pelo que o Papa
Francesas, Vidas das Suas Fundadoras, e de Algumas Nicolau V emitiu a Bula Cum Nulla, a 7 de Outubro
Religiosas Insignes em Virtudes, Lisboa, Off. de de 1452, concedendo aos Carmelitas o direito de
Francisco Luís Ameno, 1748; História dos Mosteiros fundação de uma Segunda Ordem (ou Ordem de
Conventos e Casas Religiosas de Lisboa, t. I, Apresent. Monjas) e mesmo de uma Terceira (secular), tal como
Durval Pires de Lima, Lisboa, Câmara Municipal de já era direito da Ordem de S.to Agostinho e da
Lisboa, 1950; LOPES, Fernando Félix, Colectânea de Ordem dos Pregadores. Era seu propósito garantir
Convento do S.to Crucifixo ou das Francesinhas, Estudos de História e Literatura, vol. I, Lisboa, as condições canónicas para que “virgens, viúvas,
autor desconhecido, c. 1910 (A) Academia Portuguesa de História, 1997; MOREIRA, beatas e mantelatas vivam em continência e hones-
António Montes, “Breve história das Clarissas em tamente, guardem o jejum e façam todas as demais
As religiosas do Convento do S.to Crucifixo eram Portugal”, in Las Clarisas en España y Portugal, coisas como soem fazer, de acordo com o seu regu-
clarissas capuchinhas professando a Regra de Congresso Internacional, Actas II, vol. I, Salamanca, lamento e estatura”.
S.ta Clara, vivendo em obediência, sem bens próprios, s.n., 1993, pp. 211-231; PARIS, P.e Nisy Floro de, Os termos da bula motivaram, desde logo, o
em regime de castidade e clausura perpétua, en- Ritual das Religiosas Capuchinhas Chamadas da aparecimento de grupos em outros países, sendo
cerradas nos muros do seu mosteiro. O governo e Payxam da Primeira Regra de Santa Clara, Lisboa, necessário fundar o berço do carmelo francês
a sujeição do convento pertenceram, até 1678, ao Off. de Antonio Pedroso Galram, 1705; PEREIRA, Luiz (Mosteiro de Vannes), fundado pela viúva do Duque
Ordinário, Padre Superior do Hospício dos Religiosos Gonzaga, Monumentos Sacros de Lisboa em 1833, de Bourbon, a futura Beata Francisca de Amboise
Capuchinhos Franceses em Lisboa, passando, a partir Lisboa, Biblioteca Nacional, 1927; SEQUEIRA, Matos, (m. 1485), em Bondon, ao qual se seguiu depois o
desta data e após várias diligências, para o governo Tempos Passados, Lisboa, Portugália Editora, 1924. Mosteiro de Nantes. Em Itália, salientou-se o Mosteiro
do Núncio Apostólico e, em 1739, passaria para a de S.ta Maria dos Anjos (Florença), onde viveu a
jurisdição do Patriarca de Lisboa. ÁLVARO MANUEL DA ROCHA TIÇÃO paradigmática S.ta Maria Madalena de Pazzi. Em

345
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS

condições, tendo sempre presente a imitação de da Purificação (1623-1695), acerca da qual existem
Maria, a vida marianoforme, a vida de humildade, diversas biografias e alguns estudos exegéticos
de silêncio, de serviço e de oração e a vida de relativos à sua obra poética ascética, cheia de
penitência e de sacrifício, visando a união com Deus. fenómenos extraordinários, de visões e de êxtases,
Enfim, uma vida oculta, consagrada ao Pai pelo Filho, recebidos como favores celestes, apesar de alguns
mediante a Mãe. Tudo gira em torno do cânone VII exegetas admitirem uma inclinação patológica; e a
(agora X) da Regra: permanecer dia e noite na cela, bejense Sor Maria Perpétua da Luz (1684-1736),
meditando na Lei do Senhor. um modelo de religiosa, na vivência da espiritua-
O movimento foi acolhido no nosso país, onde, à lidade carmelita, no despojamento e na disciplina,
data de 1452, já existiam Mantelatas, Beatas, e autora de uma obra escrita sobre a oração, o amor
um ou outro recolhimento onde se praticava uma divino e profano, a reforma e purificação da alma,
Regra e, embora não se seguisse uma vida comum, a prática das virtudes, a reforma da vida regular, a
se procurava uma primazia do espiritual e do ascético formação das noviças e a correcção das irmãs. Os
face às solicitações do mundo. As fundações manuscritos, em tempo transferidos para o
portuguesas, do ciclo tridentino, mantiveram a Convento do Carmo de Lisboa, perderam-se no
obediência observante, não tendo aderido à reforma terramoto e no incêndio de 1755, mas já haviam
teresiana. Já no fim da sua vida, meditando sobre sido largamente aproveitados pelo Provincial Fr.
os costumes, Madre Perpétua da Luz escreveu, num José Pereira de Sant’Anna (Vida da Insigne
dos seus cadernos, que as reformas deveriam fazer- Mestra…).
-se em casa, sem dela sair, o que é interpretado,
por alguns autores, como uma criticazinha à Santa
de Ávila, cujo movimento da descalcez encontrou
também eco em Portugal desde a fundação da
primeira casa, o Mosteiro de S.to Alberto em Lisboa.
O Mosteiro de N. Sr.ª da Esperança, em Beja, foi
Carmelitas femininas (Tours) fundado em 1541, ou 1542, em casas sitas numa
ponta da cidade, do lado sul, junto às muralhas,
Espanha tornou-se célebre o Mosteiro da Encarnação entre as portas de Nova e de Mértola, quando Beja
de Ávila, fundado em 1478, onde viveu a pertencia à Arquidiocese de Évora e no tempo do
reformadora S. ta Tereza de Ávila ou de Jesus. Arcebispo D. Teotónio de Bragança, que considerou
Até 1580, só houve uma Segunda Ordem de Monjas, o mosteiro muito bem organizado. Foi a primeira
todas elas observantes, porque não houvera lugar comunidade de monjas carmelitas a ser fundada no
a cisões nem ao surgimento de outro ramo. Todavia, nosso país, tendo partido da iniciativa de uma
face ao relaxamento da vida monástica nos mosteiros senhora bejense, D. Leonor Colaça, beata, que
castelhanos, Teresa de Ávila iniciou, em 1562, uma mandou edificar a casa, depois de obtida licença
reforma destinada a repor a prática rigorosa da régia. As primeiras monjas foram a fundadora e suas
Regra Carmelita, sem relaxação. Distinguindo-se três filhas, Joana de Cristo, Luísa do Espírito Santo
das demais monjas, e também envolvendo logo os e Jerónima de São Bartolomeu, além de duas
monges, por influência de S. João da Cruz, estas religiosas que D. Colaça teria, pessoalmente, ido
começaram a ser conhecidas por Carmelitas buscar a Castela, ignorando-se, no entanto, a que
Contemplativas ou Descalças. Não tendo sido mosteiro. Nos primórdios, os documentos registam
possível uma reforma dentro da observância, para o nome, não de mosteiro, mas de beatério, supondo-
evitar a cisão, esta veio a operar-se pela origem da -se que esse beatério motivara a fundação, nela se
Ordem das Irmãs Carmelitas Descalças da Virgem integrando. Outra possibilidade é a de que por
Maria do Monte Carmelo, sendo o decreto de beatério se entendesse a família das senhoras Colaça,
separação emitido pelo Papa Gregório XIII, a 22 de embora um outro beatério apareça em documentos Carmelitas femininas (Tours)
Junho de 1580. Por isso, desde a fundação da de 1512 e de 1539. O número de monjas neste
Segunda Ordem, ou Ordem das Monjas, até 1580, mosteiro variou, conhecendo-se 70 em 1606 e 50
considera-se que a história é única e comum aos em 1729. A situação económica foi, de um modo O Mosteiro de N. Sr.a da Conceição, em Lagos, é o
dois ramos. Foi a existência de um novo ramo que geral, precária, apesar dos dotes levados pelas segundo mosteiro fundado no país, em 1558, no
levou ao aparecimento de nomenclaturas distintivas, professas e das isenções de impostos oferecidas pela tempo do Províncial Fr. João Limpo, numas casas
colocando de um lado as Observantes ou Calçadas Câmara de Beja, relativos aos rebanhos das monjas. oferecidas pelo beneficiado P.e Cristóvão Dias e sua
e, de outro, as Descalças, Reformadas ou Teresianas. A comunidade, na falta de novas Constituições, cunhada, D. Violante. A oferta envolveu a obrigação
Todavia, no essencial, ambos os ramos são de dever-se-á ter regido pelos costumes pré-teresianos de no mosteiro serem recolhidas as três filhas de
clausura e de contemplação/oração. seguidos em Castela, não tendo, portanto, vida em D. Violante. De facto, uma delas, Madre Catarina
As Monjas procuram viver a Regra Carmelita, comum, a qual, no entanto, já vigorava em 1694, da Cruz, foi a primeira Superiora da comunidade,
apoiadas também por Constituições próprias, conforme foi testemunhado pelo Visitador, P.e Feijó também constituída por cinco monjas excedentárias
destinadas à disciplina conventual e mais elaboradas de Vilalobos. do Mosteiro de Beja. Em 1606, eram já 60 as resi-
e pormenorizadas do que a Regra, a qual serve de Fizeram parte da comunidade duas monjas ilustres dentes, embora nem todas monjas. O número seguiu
matriz constitucional, segundo os lugares e as e letradas, de assinalada beatitude: Madre Mariana em ritmo decrescente e, em 1801, já só havia 26

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DE ORIHUELA

monjas, entre elas algumas recolhidas, e outras tendo sido propriedade do Mosteiro de S.ta Marinha pp., BNP, Secção de reservados, Cód. 1170-1174.
simples criadas. Quanto à obediência, há indícios da Costa. O processo de obediência prevaleceu e, Impressa: BAYÓN, Balbino Velasco, História da Ordem
de terem hesitado entre a Observância e a Descalcez, por fim, em 1745, o papa satisfez as reivindicações do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001;
pois, em 1736, as Monjas manifestaram a vontade do ordinário bracarense, para cuja jurisdição o Carmelo Lusitano, Publicação periódica, Lisboa,
de permanecerem na obediência ao Geral dos mosteiro transitou. Centro de Estudos da Ordem do Carmo, 1983;
Carmelitas Observantes. Todas estas casas foram encerradas e as comunidades CARRETERO, Ismael M., Los Carmelitas: VI Figuras del
O Mosteiro de N. Sr.a da Natividade, em Tentúgal, no extintas, pela Lei de 1834. Carmelo, Madrid, BAC, 1996; C ATENA , C. M.,
Concelho de Montemor-o-Velho, foi o terceiro Iniciada a restauração do Carmelo Lusitano, por volta “Antiquae Constitutiones monialium Carmelitarum”,
mosteiro de Monjas Carmelitas no país, nascendo da de 1930, alguns anos depois já se dispunham de in Analecta Ord. Carmelitarum, vol. 17, Roma, s.n.,
iniciativa de D. Francisco de Melo, Conde de Tentúgal, condições para o regresso das Monjas, surgindo 1952, pp. 195-326; GOMES, Jesué Pinharanda, O
que desejava patrocinar um recolhimento para as então dois mosteiros: primeiro o de Moncorvo, depois Escapulário de Nossa Senhora do Carmo, Lisboa, Rei
filhas dos súbditos. Obteve a autorização em 1559, o de Beja. O Mosteiro da Sagrada Família, em dos Livros, 2002; GOMES, Jesué Pinharanda, Imagens
no tempo do Provincial Fr. D. João Limpo, e logo a Moncorvo, foi fundado em 26 de Março de 1947, do Carmelo Lusitano, Lisboa, Paulinas, 2000; O Guia
Confraria de S. Pedro e S. Domingos do Hospital de no tempo do Bispo de Bragança, D. Abílio das Neves, da Nossa Vida, Bragança/Moncorvo, Carmelo da
Tentúgal aplicou parte dos rendimentos da construção por duas monjas provenientes do Carmelo de Sevilha, Sagrada Família, 1954; SAGGI, L., “Originale Bullae
do mosteiro, ao qual chegaram as três primeiras ambas portuguesas. Uma delas, tida como notável ‘Cum Nulla’ qua Nicolaus PP.V. canonici instituit II
residentes vindas de Beja: Isabel da Assunção, Francisca Fundadora, foi a primeira Superiora, a Ir. Maria do et III Ordines Carmelitarum”, in Analecta Ord.
do Presépio e Rosa de S. João, a 15 de Maio de 1565. Pilar e da Santíssima Trindade (1921-1997), sendo Carmelitarum, vol. 17, Roma, s.n., 1952, pp. 191-
Faltam documentos mais detalhados acerca da época a outra companheira a Ir. Maria de Fátima e da Santa -194; SANTANA, José Pereira de, Vida da Insigne Mestra
da fundação. Todavia, pelos livros das visitas canónicas, Face. Ambas viveram, de começo, num cabanal de Espirito a Virtuosa Madre Maria Perpetua da Luz,
temos uma ideia precisa da vida ascética da emprestado por uma senhora, junto do sítio onde Religiosa Carmelita Calçada do Convento da
comunidade, com muitas notícias sobre a disciplina, o novo mosteiro iria ser construído, como de facto Esperança da Cidade de Béja, Lisboa, Offic. dos
o culto, as penitências e a prática das virtudes. A foi, estando pronto somente em 1990. A capela e Herdeiros de Antonio Pedrozo Galram, 1742; SMET,
comunidade celebrava as principais festas carmelitas, a casa do Noviciado ficaram prontos bastantes anos Joachim, Los Carmelitas: Historia de la Orden del
incluindo a festa de S.ta Teresa de Jesus. O património antes, a capela em 1950 e o Noviciado em 1963. Carmen, 6 vols., Madrid, BAC, 1987-1996;
era considerável, em terras, gados e outros bens, A planta do mosteiro é da autoria do arquitecto VASCONCELLOS, Evaristo de, Religiosas, Porto, AO,
pelo que a igreja conventual veio a constituir Vasco Regaleira. Sendo uma comunidade muito 1958; WERMERS, M. Maria, A Ordem Carmelita e o
importante construção, ainda que o conjunto se estimada, recebeu graças da Santa Sé, nomea- Carmo em Portugal, Lisboa, União Gráfica, 1963.
encontre um tanto alterado. Nesta casa tiveram origem damente um reescrito de 14 de Fevereiro de 1955,
os famosos e finos pastéis de Tentúgal, um dos mais com licença para adoração perpétua do Santíssimo JESUÉ PINHARANDA GOMES
apreciados doces conventuais portugueses. Sacramento, e um reescrito de 17 de Junho do
O Mosteiro de S. José, em Guimarães, foi a mais mesmo ano, concedendo à prioresa o privilégio de
tardia e a última das fundações observantes, ocorrida prover à audição diária da missa, mesmo que algum CARMELITAS DE ORIHUELA
através de um processo algo complicado. Francisco sacerdote houvesse de binar. Foi Capelão do Mosteiro A Fundadora da Congregação das Irmãs da Virgem
Antunes Torres fundara, em 1685, um recolhimento o P. e Abílio Manso (m. 1998), que, no viver das Maria do Monte Carmelo, Madre Elisea Oliver Molina
para raparigas pobres, as quais receberam, em 1687, monjas, acabou por descobrir a sua vocação carme- (1869-1931), nascida em Benidoleig, Província de
o hábito de Terceiras e nesta qualidade viveram até lita, vindo a professar na Ordem do Carmo com o Alicante, era oriunda de uma família modesta, cuja
1704, ano em que fizeram a profissão solene nas nome de Fr. Elias. No ano de 2005, o número de subsistência se alicerçava essencialmente no trabalho
mãos do Comissário Geral da Ordem do Carmo, residentes era de 17 monjas. Tem havido novas agrícola. Décima filha do total de 12, Josefa Oliver
emitindo os votos de obediência, pobreza e castidade vocações, mas a economia é muito débil. Quanto Molina, seu nome de baptismo, cresceu no seio de
e a promessa ao Geral da Ordem do Carmo. Em ao Mosteiro do Sagrado Coração de Jesus, em Beja, uma comunidade católica assaz fervorosa e prati-
1707, as monjas desentenderam-se com o pároco, o Bispo pacense D. José do Patrocínio Dias desejava cante. Desde sempre ligada à prática dos preceitos
que as não considerava monjas verdadeiras, pelo ter, na sua diocese, uma congregação contemplativa, do Catolicismo, a ainda jovem Josefa Molina colabo-
que deviam obediência ao Ordinário, no caso o pelo que, no dia 24 de Março de 1954, chegaram rava com empenho nos serviços da sua paróquia,
Arcebispo de Braga. Recorrendo para a Santa Sé, a Beja, vindas do Carmelo de S.ta Ana de Sevilha, 6 realizando as mais diversas tarefas: catequese, coro,
as Monjas obtiveram do Papa Bento XIII, em 1726, religiosas (2 espanholas e 4 portuguesas), com o
a ordem de continuarem fora da jurisdição do encargo da fundação de um mosteiro. A cerimónia
Ordinário. A comunidade observava as Constituições de clausura, em casa cedida pelo bispo, ocorreu a
comuns das Carmelitas Observantes, recebendo as 26 de Junho do mesmo ano, por altura da Festa do
visitas regulares dos Comissários da Ordem. Sagrado Coração de Jesus. A comunidade foi
A população variou na ordem mínima das quatro reconhecida como alto modelo de vida contemplativa
dezenas e a situação económica nunca foi desafo- e de dedicação às almas sacerdotais. Infelizmente,
gada. Celebravam-se com solenidade as festas de o número de monjas sofreu uma progressiva
S. José, do Profeta Elias e da Sr.ª do Carmo. diminuição, por falta de vocações. Dado que a maior
A comunidade construiu e aumentou o complexo parte das monjas já faleceu, a comunidade estava
habitacional, incluindo uma bela igreja, das mais resumida, no início de 2005, a duas monjas, tendo
bonitas da cidade vimaranense. Aliás, a capela-mor vindo, no entanto, a se desenvolver nos últimos anos.
só foi construída em 1748, no tempo do Arcebispo
D. José de Bragança, que muito contribuiu para a BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: AZEVEDO, Miguel de, Anno
obra. O retábulo ali conservado é adventício e tardio, Santificado no Monte Carmelo, Ms., 5 t., s.d., 2054 Madre Elisea Oliver Molina (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DE ORIHUELA

arranjo de altares e assistência espiritual aos doentes Março de 1892, emitem os seus votos. Nos primeiros Irmãs da Virgem Maria do Monte Carmelo, no seio
e, em geral, aos mais necessitados. Esta vocação de tempos de vida da Congregação, a agora Ir. Elisea das quais se assiste a uma nova intenção de cisão
entrega sistemática aos valores da espiritualidade Molina é eleita Mestra de Noviças e dedica-se, interna. Um grupo de religiosas abandonará a
cristã e à sua prática na comunidade onde residia sobretudo, à tarefa de formar as jovens que iam Congregação dirigida por Elisea Molina e intentará
aponta à futura Madre Josefa o seu projecto de chegando à Congregação. Os primeiros anos da uma nova fundação, à qual dão o nome de Irmãs
vida. Por volta de 1889, contactou com duas reli- Comunidade não foram fáceis, apontando-se sobre- Carmelitas do Sagrado Coração. Depois do Capítulo
giosas, de nome Aguas Vivas e Fe Banon, as quais tudo discórdias internas, que minavam o espírito Geral da Ordem, em 1922, Madre Elisea é nomeada
professavam numa recém-fundada congregação, inicial do projecto e que, finalmente, culminaram Superiora da nova Comunidade do Sanatório da
denominada Carmelitas Terciárias. O encontro com na destituição e saída da Superiora Josefa Vives Pla Puríssima, em Granada, cargo que ocupará até 1927.
estas duas religiosas e a percepção de que o seu e da sua irmã, Carmen Pla, sendo nomeada Madre No ano seguinte, será Superiora da comunidade
exemplo de vida era aquele que concretizava as suas Elisea Molina como Superiora Geral interina, entre estabelecida na Clínica Pláton, em Barcelona. No
aspirações pessoais levaram Madre Josefa a decidir os anos de 1899 a 1904. Durante este período, dá- ano de 1929, Madre Elisea é novamente eleita
juntar-se a Aguas Vivas e a Fe Banon e a ingressar -se a mudança da Cúria Generalícia e do Noviciado Superiora Geral da Congregação, cargo que ocupará
na congregação na qual eram irmãs. Nesta congre- para Orihuela, e até então as Carmelitas de Orihuela até ao dia da sua morte, a 17 de Dezembro de
gação, onde viria a permanecer dois anos, Josefa 1931. Por esta altura, a Congregação que ajudou
Molina professou com o nome de Soror Providência. a fundar contava com 41 casas espalhadas por toda
No entanto, o carácter precário e instável daquela a Espanha e com 181 irmãs. O Pontifício Decreto
congregação, a qual não possuía aprovação diocesana de Louvor foi emitido pelo Papa Pio XII, a 15 de
e subsistia apenas com as esmolas que as irmãs Fevereiro de 1942, que também procedeu à apro-
recolhiam na povoação, não se enquadrava no vação canónica da Congregação, no dia 4 de Abril
projecto que Josefa Molina tinha idealizado como de 1950.
objectivo de vida. De regresso a casa, passa pela
povoação de Caudete (Albacete) a fim de reencontrar
Soror Aguas Vivas, que pertencia à comunidade de
religiosas de Alcantarilha (Murcia) e que, de
momento, trabalhava no Hospital de San Diego.
Novo edifício da Casa-Mãe (I)
Josefa Molina entusiasmou-se com o projecto que
viu ser desenvolvido pelas irmãs, que se dedicavam
ao auxílio aos doentes, e, irmanadas dos mesmos trabalharam e viveram como Instituto Diocesano,
sentimentos e preocupações, decidem intentar a tendo-se agregado à Ordem dos Irmãos da Virgem
fundação de uma nova congregação. Dirigem-se, Maria do Monte Carmelo (Carmelitas Observantes),
então aos padres carmelitas daquela cidade, em a pedido da Fundadora. O decreto de agregação tem
busca de orientação e apoio para o seu projecto. a data de 24 de Dezembro de 1905 e, logo no ano Dança timorense (I)
Este será bem acolhido, especialmente pelos P.es Cirilo seguinte, uma vez adoptada a Regra da Ordem
Font, ao tempo o Superior da Comunidade de Terceira Carmelita, foram elaboradas as primitivas
Caudet, e Salvador Barri. Constituições, modificadas, em 1983, conforme os Actualmente, as Irmãs Carmelitas da Virgem Maria
Finalmente, a 6 de Março de 1891, um grupo de ditames do Concílio Vaticano II para a vida consagrada. do Monte Carmelo contam com um total de 173
oito mulheres, entre as quais se contava Josefa As Irmãs vestem, por isso, o hábito carmelita solene, casas espalhadas por todo o mundo, nomeada-
Molina, veste o hábito da recém-fundada Con- embora usem outras roupas, modestas e discretas, mente em Espanha, Portugal, Porto Rico, República
gregação. O Noviciado durará um ano e, a 13 de na vida quotidiana e no trabalho. Dominicana, Itália, Timor Oriental, Ruanda, Perú e
Indonésia.
A primeira fundação em Portugal deu-se em 1942,
em Estremoz. Seguiram-se outras fundações, tais
como em Benavila (Avis), Couço (Coruche) e Aguada
de Cima (Águeda). Actualmente, permanecem em
território português as comunidades do Couço e de
S.to António dos Cavaleiros (Loures). As religiosas
que aqui se encontram trabalham, respectivamente,
no Centro Social de S.to António, no Couço, e na
Paróquia do Centro Social de S. to António dos
Cavaleiros.
As Irmãs da Virgem Maria do Monte Carmelo, fiéis
ao espírito que presidiu a fundação da sua
Irmãs na Casa-Mãe (I)
Congregação, prosseguem a obra iniciada por Madre
Elisea Molina, assentando o carisma da sua Instituição
Madre Elisea Molina é confirmada no seu cargo de nos preceitos de vida da Ordem Carmelitana. No
Superiora Geral três vezes consecutivas, com entanto, para além da oração e dos momentos de
mandatos de seis anos, portanto, de 1904 a 1922. introspecção pessoal, estas religiosas decidiram
Esta última data marca, uma vez mais, o início de igualmente dedicar-se e complementar a sua vocação
Irmãs juniores (I) um período conturbado para a comunidade das pessoal no auxílio aos mais desfavorecidos, em todas

348
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DESCALÇAS

regularmente. Nas casas que se acham dispersas fonte inspiradora e o próprio profeta como guia
pelo mundo, o esquema disciplinar é idêntico ao espiritual.
esquema geral. O ano de 1291 assume-se como data fatídica para
os religiosos que permaneceram no monte Carmelo,
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal dizimados às mãos dos muçulmanos. Esta acção
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência extingue por completo a comunidade de carmelitas,
Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 888-889; CARRETERO, que vivia sob os auspícios do reino latino de
M. Ismael, Elisea Maria Olivier Carmelita, Orihuela- Jerusalém. Desfeito este, a Ordem Carmelita pôde
-Alicante, Hermanas Carmelitas, 1990; CARRETERO, sobreviver graças ao fluxo migratório de religiosos
M. Ismael, “Comunidades Carmelitas em Portugal”, em direcção à Europa, que vinha sendo uma realidade
in Carmelo Lusitano, n.º 6, Lisboa, 1988, pp. 81-83; desde cerca de 1238. Na Europa, os Religiosos
Grupo de irmãs em Fátima (I)
Constituições das Irmãs da Virgem Maria do Monte Carmelitas experimentam dificuldades várias, quer
Carmelo de Orihuela, Ed. port. para uso privado, de adaptação, quer de integração, derivadas essen-
s.l., s.n., 1983; Directório das Irmãs da Virgem Maria cialmente de uma má vontade das comunidades
do Monte Carmelo de Orihuela, Ed. port. para uso locais e, especialmente, das outras duas ordens
privado, s.l., s.n., 1983; MENDONZA, Josefina Díaz, La mendicantes, Franciscanos e Dominicanos, que
Madre Elisea a través de Su Epistolário, Madrid, os viam como possíveis concorrentes.
Hermanas Carmelitas, 1992. Digital: www.hcarm- O primeiro Capítulo Geral da Ordem na Europa
orihuela.com. celebrou-se em 1245, data da eleição do Prior Geral
Simão Stock. Este solicitou ao Papa Inocêncio IV
JESUÉ PINHARANDA GOMES uma Regra que se adequasse melhor às novas
SÍLVIA FERREIRA circunstâncias de vida dos Religiosos Carmelitas.
A Regra é aprovada pelo sumo pontífice, em 1247,
através da Bula Quae Honorem Conditoris.
Dia dos votos perpétuos na Casa-Mãe, Orihuela (I) CARMELITAS DESCALÇAS Continuando fiel ao espírito da Regra de S.to Alberto,
As Carmelitas Descalças constituem um ramo as inovações introduzidas em 1247 concernem
as áreas de carência. Assim, o ensino, quer nos feminino da Ordem Religiosa de Nossa Senhora do apenas a aspectos secundários relativos à prática do
colégios administrados pelas Irmãs, quer noutras Monte Carmelo, resultante da reforma empreendida silêncio, do recolhimento e a certos usos internos
instituições, constitui uma das acções fundamentais por S. ta Teresa de Ávila (1515-1582) em 1562. da Ordem. Os Carmelitas continuam sendo uma
desta Congregação, bem como a prestação de Segundo a tradição, a Ordem Carmelita teve início Ordem essencialmente contemplativa, dedicada à
assistência a idosos em residências para a terceira no monte Carmelo, situado na Palestina, quando oração, à vida solitária, embora em comunidade, ao
idade, procurando colmatar a solidão e o abandono um grupo de eremitas decididos a viver segundo o trabalho e ao desprendimento dos bens terrenos,
que muitas vezes são sentidos nestes espaços. Outra exemplo de S.to Elias se instalou nas numerosas grutas sendo-lhes vedada a possibilidade de possuir pro-
das tarefas de eleição destas Irmãs passa pela que povoam o local. A necessidade de verem priedade pessoal. Com a renovação da sua Regra,
assistência a doentes, confortando-os nos locais de reconhecido juridicamente o seu Estatuto, impele- a Ordem dos Carmelitas inicia uma nova etapa na
internamento e trazendo alento espiritual àqueles -os a dirigirem-se ao Patriarca de Jerusalém, Alberto sua história. Simão Stock orientou os seus esforços
que sofrem. Para além destas actividades, que Avogadro, a quem solicitam uma Regra para a sua para o desenvolvimento cultural e académico da sua
constituem o seu cerne da actividade, outras existem forma de vida. S.to Alberto concede-lhes o pedido Ordem, fundando conventos em várias cidades
que, não menos importantes, ajudam a compreender e redige uma Regra, cuja data se deve situar entre universitárias, tais como: Cambridge, 1249; Oxford,
a extensão e carácter interventivo das suas acções os anos de 1205 e 1214, espaço de tempo que 1253; Paris, 1259; e Bolonha, 1260. No entanto,
na sociedade actual. Referimo-nos, concretamente, corresponde ao período do seu episcopado. Esta é este movimento de tentativa de ocidentalização e
à realização de seminários (dando o seu testemunho dirigida a Brocardo, assim investido como Superior modernização dos preceitos de vida da Ordem
de vida a leigos e a religiosos), à intervenção nas Geral da Ordem. Nos seus preceitos fundamentais, deparou com alguma resistência por parte de certos
mais variadas obras de solidariedade social, esta norma de vida revela-se profundamente marcada irmãos, que acusavam os reformadores de se estarem
nomeadamente àquelas que privilegiam o contacto pelo rigor de uma visão do mundo muito oriental, a afastar do espírito original e autêntico da Regra,
com as franjas marginais da sociedade (toxico- no seu apelo à introspecção e à vivência eremítica; tal como era vivida pelos primeiros eremitas do
dependentes, alcoólicos, prostitutas, entre outros) oração contínua e solitária; abstinência de comer monte Carmelo. A principal voz que se ergueu contra
e ainda ao grande, se não mesmo maior, desafio carne, jejum que deve ser observado de 14 de a reforma da Regra foi a de Nicolau, o Francês,
que a comunidade enfrenta, ou seja, as acções de Setembro até à Páscoa; assunção da pobreza pessoal; sucessor de Stock e Prior Geral da Ordem entre os
missionação que promovem um pouco por todos e trabalho no seio da comunidade religiosa. Todas anos de 1268 e 1271. Em 1272, redige a célebre
os continentes do mundo, trabalhando não só para estas normas de vida se traduzem, também, numa carta Sagitta Ignea, na qual dá conta da sua desilusão,
ajudar povos que vivem em condições limite da particular devoção ao culto da Virgem Maria, como exortando todos os Carmelitas a regressarem à vida
dignidade humana, mas igualmente para suscitar já era, aliás, tradição desde os primórdios da Ordem eremítica original. Os seus apelos não surtiram efeito
novas vocações, capazes de dar resposta às muitas e como bem se revela na invocação de N. Sr.a do no seio da comunidade carmelita, que continuou a
carências sentidas pelos países mais pobres. Carmo. sua expansão segundo os moldes definidos por Simão
A Congregação é governada pela Superiora Geral É de salientar, como característica original desta Stock, estendendo rapidamente a sua influência a
e por quatro Conselheiras, eleitas por triénios. Cargos Ordem, o facto de nenhum dos seus membros ter várias zonas da Europa, tais como: França, Alemanha,
mais responsáveis são os de Vigária Geral (que sido promovido como fundador da mesma, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, etc.
substitui a Superiora nos impedimentos), de Secretária reiterando-se apenas ao longo dos tempos o modelo Na origem do ramo feminino da Ordem do Carmo
Geral e de Ecónoma. O Capítulo Geral reúne de vida de S.to Elias (contemplação e oração) como pensa-se estarem movimentos de comunidades

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DESCALÇAS

femininas, que, aspirando a uma vida contemplativa Ávila, acompanhada por duas religiosas do Convento
inteiramente consagrada a Deus, se colocavam sob da Encarnação e de quatro mulheres recém-
a orientação espiritual de várias ordens, nomea- -ordenadas, fundou o pequeno Convento de S. José,
damente dos Religiosos Carmelitas. A abordagem situado no Norte de Ávila. Neste novo local de
da evolução histórica, no caso das ordens femininas, recolhimento, Teresa põe em prática os preceitos da
é essencial para se compreenderem as circunstâncias Regra primitiva, destacando-se o jejum, o silêncio e
de penetração da Instituição no território, a qual, a clausura absoluta como princípios fundamentais
no caso português, foi feita, na maioria dos casos, da vivência do “seu” Carmelo. S.ta Teresa instala-se
em parceria com a entrada do ramo masculino. em definitivo no Convento de S. José em 1563,
A vontade indómita e a expressão massiva deste “descalçando-se” e não usando mais do que umas
movimento ficou bem registado pelos inúmeros casos sandálias de corda, semelhantes às utilizadas pelos
de mulheres das mais variadas procedências sociais mais pobres. Deste seu acto simbólico e parale-
Convento de S. José, Évora (NM)
e estados civis, que decidiram dedicar a sua vida à lamente exemplar deriva o nome por que serão
doutrina cristã. Este movimento inicial de entrada reconhecidas as religiosas carmelitas seguidoras de
das mulheres na vida religiosa estendeu-se ao resto Teresa de Ávila. O reconhecimento papal de uma Lisboa (1681); S. José, Évora (1681); S. José e Maria,
da Europa, nomeadamente de Espanha e da Itália província separada para a Ordem dos Carmelitas Porto (1702); S.ta Teresa, Coimbra (1739), fundando-
para Portugal, onde a penetração das ordens Descalços chega em 1580, através do Breve Pia -se ainda conventos em Coimbra, Braga e Viana do
religiosas masculinas significou igualmente a Consideratione. No entanto, só em 1593, Clemente Castelo, em 1739, 1767 e 1780, respectivamente.
disseminação do ramo feminino das mesmas. VIII delibera a separação total e a constituição de No entanto, a fundação mais significativa no
A licença para a fundação de uma Segunda Ordem uma ordem independente, sendo Teresa de Ávila séc. XVIII, concretamente em 1781, terá sido a do
do Carmo foi dada pelo Papa Nicolau V, em 1442, formalmente reconhecida como sua Fundadora. Convento do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa,
que, através da Bula Cum Nulla, permitiu a agregação As primeiras religiosas carmelitas chegaram a Portugal patrocinado pela Rainha D. Maria I. A notoriedade
de religiosas em conventos próprios, vivendo segundo pela mão de uma benfeitora de Beja, D. Colaça, deste convento anda ligada, quer ao patrocínio régio,
a Regra da Ordem do Carmo, tendo como Superior que lhes terá facultado o local para a construção quer à opulência artística da sua igreja, comummente
o prior local. O grande impulsionador e organizador do convento. Obtida a indispensável autorização designada por Basílica da Estrela. Para além do
do ramo feminino da Ordem do Carmo foi o P.e João régia, duas religiosas castelhanas chegam a Beja e, patrocínio régio, na pessoa da Rainha D. Maria I, a
Soreth, Geral da mesma. na companhia das três filhas de D. Colaça, fundam soberana decidiu ainda conceder inúmeros privilégios
o primeiro convento carmelita em Portugal, no ano a este convento, bem como doar o reguengo de
de 1442, dedicado a N. Sr.a da Esperança. A esta Tavira, destinado a ajudar à sobrevivência das
primeira fundação sucedem-se outras: Convento de Religiosas Carmelitas. Foi efectivamente, a 1 de
N. Sr.a da Conceição, Lagos (1558); Convento de N. Junho de 1781 que o cardeal patriarca concedeu
Sr.a da Natividade, Tentúgal (1559); Convento de licença para que o mosteiro e a igreja fossem
S.to Alberto, Lisboa (1585); Convento de S. João benzidos pelo então Bispo do Maranhão, Fr. José
Evangelista, Aveiro (1657); Convento de N. Sr.a da do Menino Jesus (que mais tarde seria Bispo de
Conceição dos Cardais, Lisboa (1681); Convento de Viseu). A entrada solene das religiosas processou-
S. José, Porto (1702); Convento de S. ta Teresa, -se a 6 de Junho desse mesmo ano, ficando ainda
Coimbra (1739); Convento do Desterro de Jesus, por finalizar a obra da basílica e do palacete da
Maria e José, Viana do Castelo (1780). As primeiras rainha. A basílica foi terminada apenas em 1789,
religiosas da ordem reformada das carmelitas chegam procedendo-se, nesse mesmo ano, à sua solene
a Portugal em 1584, hospedando-se provisoriamente sagração na presença da rainha mecenas, D. Maria I.
no Convento da Anunciada e instalando-se, em As Constituições seguidas pela ordem das carmelitas
Janeiro do ano seguinte, no Convento de S.to Alberto, descalças residentes em Portugal eram as fixadas
numas casas em Santos-o-Velho, local onde hoje pela ordem carmelita de Espanha, no ano de 1701.
está instalado o Museu Nacional de Arte Antiga, Em 1787, realiza-se, em Lisboa, um Capítulo da
subsistindo actualmente a igreja conventual integrada Ordem, no qual se delibera adaptar as Constituições
no edifício do museu. aprovadas em Espanha ao caso português. Esta
S.ta Teresa na Basílica de S. Pedro, Vaticano (CLS) A par da nítida expansão da Ordem Carmelita, adaptação inspirou-se nas últimas Constituições
processava-se a tendência para uma organização espanholas, aprovadas em 1786, sendo confirmadas
independente dos vários conventos. Esse propósito pelo papa em 1790. Depois de um período de grande
Em 1535, no convento carmelita da Encarnação, em é reconhecido e aprovado pelo Papa Clemente XIV florescimento da Ordem em Portugal, que corres-
Ávila, toma o hábito D. Teresa de Ahumada e que, em 1773, com o Breve Paterna Sedis, separa ponde aos sécs. XVI e XVII, sensivelmente a partir
Cepeda, que mais tarde será mundialmente os carmelitas descalços portugueses dos espanhóis, do início do séc. XVIII observa-se uma tendência
conhecida como S.ta Teresa de Ávila. Dois episódios aos quais permaneciam ainda vinculados. Foi deste para um certo laxismo e para desvios aos preceitos
na vida desta religiosa irão ser decisivos para a sua modo que se autonomizaram os Carmelitas estritos da Regra, ao qual não será alheia a
determinação em fundar um convento reformado, Descalços fixados em Portugal, os quais englobavam sobrepovoação dos conventos à época. O terramoto
onde a Regra de S.to Alberto seria vivida segundo o também as religiosas da reforma de S. ta Teresa. de 1755 desfere o golpe de misericórdia neste
seu espírito original. Referimo-nos, concretamente, Nesta data, existiam oito conventos de religiosas processo de decadência, destruindo quase a
ao episódio do seu encontro pessoal com Cristo e carmelitas em Portugal: S.to Alberto, Lisboa (1585); totalidade dos conventos dos Carmelitas. Arruinados
ao da leitura de As Confissões de S.to Agostinho. S. ta Teresa, Carnide (1642); S. João Evangelista, ficaram o Convento do Carmo, em Lisboa e os
O ano de 1562 marca a data em que Teresa de Aveiro (1658); N. Sr.a da Conceição dos Cardais, Conventos de Lagos, Setúbal, Lagoa, Torres Novas,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DESCALÇAS

Vidigueira, Coimbra, etc. Apenas resistiram, sem permaneceram até ao ano de 1937, data do seu reconhecendo como conformes ao seu espírito e à
sofrer estragos, dois conventos de religiosos em regresso a Portugal, fixando residência no Monte sua vivência específica da religiosidade no seio da
Évora e em Moura e dois conventos de religiosas Estoril. Igreja Católica. A Regra de S.to Alberto permanece
em Beja e em Tentúgal. Este ciclo de lenta decadência Para além destas associações de religiosas, que como estrutura espiritual, sucessivamente enriquecida
atinge o seu zénite com o Decreto de Maio de 1834, escolheram continuar activas e que se adaptaram e trabalhada, primeiro através das Constituições
visando a extinção das ordens religiosas em Portugal, às novas circunstâncias sociais e económicas de elaboradas por S.ta Teresa, posteriormente, por obra
o qual manteve o Decreto Liberal de 9 de Agosto Portugal, outras se registaram um pouco por todo dos vários aditamentos espacio-temporais julgados
de 1833, no que respeita aos conventos de freiras, o país. Referimo-nos, concretamente, aos casos da necessários e, finalmente, por influência das resolu-
visando a interdição de admissão de noviças a partir Associação Religiosa de Ensino e Beneficência do ções do Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito
daquela data. Embora o decreto de extinção dos Recolhimento do Freixinho (Diocese de Lamego); da Canónico, confirmados pela Santa Sé, por Decreto
conventos tenha condenado à morte lenta os Associação “Colégio de N. Sr.a da Saúde” (Redondo, de 8 de Dezembro de 1990. Na actualidade, a
cenóbios de freiras, visto que o seu encerramento Alentejo); da Associação de N. Sr. a da Soledade Comunidade de Carmelitas Descalças, para além de
oficial apenas ocorria aquando da morte da última (Setúbal); da Associação de N. Sr.a do Carmo (Lisboa); se reger pela Regra tradicional da Ordem e pelas
religiosa, casos houve em que as ordens religiosas e da Associação de N. Sr.a do Carmo (Alvarenga, demais directrizes católicas, observa um cerimonial
souberam contornar a situação de extinção que se Arouca). Só a partir de meados de 1920 se assiste próprio, o qual traduz o seu carisma de vida religiosa.
lhes deparou e encontraram soluções alternativas a um movimento de lenta reimplantação dos Vários são os aspectos deste código que ajudam a
ao seu linear desaparecimento do contexto social conventos carmelitas, em Portugal, graças, essen- compreender melhor o carisma da Ordem e a forma
português. No caso concreto da Ordem das Carmelitas, cialmente, aos novos condicionalismos políticos do como este é apreendido e vivido pelas monjas
os exemplos são abundantes. Substituindo-se às país. Actualmente, existem conventos de Carmelitas carmelitas actuais. Um dos aspectos de máxima
ordens que obrigatoriamente foram extintas, Descalças nas seguintes localidades: Aveiro (Carmelo relevância e de forte cunho simbólico contemplado
começaram a fundar-se associações de religiosas, de Cristo Redentor), Bande-Carvalhosa, Braga nas regras base deste cerimonial é a questão do
que, paulatinamente, iam cumprindo alguns dos (Carmelo da Imaculada Conceição), Coimbra vestuário. A capa branca, como um dos traços
desígnios do carisma da Ordem Carmelitana. Como (Carmelo de S.ta Teresa), Crato (Carmelo do Beato distintivos do vestuário religioso das Carmelitas
exemplo mais notório temos o da Associação de Nuno de Santa Maria), Fátima (Carmelo de S. José), Descalças, é símbolo de pureza de alma, e é usada
Socorros aos Pobres de Santa Teresa de Jesus, em Monte Estoril (Carmelo do Coração de Jesus), Faro apenas em ocasiões solenes, como o recebimento
Aveiro, associação constituída por 11 pupilas das (Carmelo de N. Sr.a Rainha do Mundo) e em Viana da sagrada comunhão, que se efectua diariamente,
religiosas de votos solenes, as quais continuaram a e, de uma forma geral, em todas as cerimónias
vestir o hábito da Ordem, a fazer Noviciado e a solenes e festivas da Ordem, tais como: primeiras e
proferir votos solenes. Só em 1910 foram forçadas segundas Vésperas cantadas de todas as solenidades;
a retirar-se para Espanha, de onde regressariam Laudes de Natal, Páscoa, Pentecostes, Corpo de
somente em 1928, instalando-se em Viana do Deus, N. Sr.a do Monte Carmelo, S. José, S.ta Teresa,
Castelo. O mesmo destino tiveram as pupilas do S. João da Cruz; ofícios litúrgicos do Tríduo Pascal
Convento de S.ta Teresa de Jesus de Coimbra, as e cerimónia do Lava-Pés; Noa da Ascensão; Tércia
quais se registaram igualmente como Associação de de Pentecostes; “Salvé” solene; Cântico do
Socorros aos Pobres de Santa Teresa de Jesus, desta Martirológico do Natal; Santa Unção e Ofício de
vez em Coimbra. O ano de 1910 foi, igualmente, Sepultura; tomada de hábito e renovação de votos;
o ano em que tiveram de abandonar o convento e procissões; visitas dos Cardeais da Santa Igreja, do
partir para Espanha, onde se instalaram em diversas Prelado e do Padre Geral da Ordem; abertura e fim
casas religiosas da Ordem, regressando só em 1934. da visita canónica e para a eleição da Madre Prioresa.
Também as religiosas do Convento do SS.mo Coração Também os processos de admissão e de formação
de Jesus, mais conhecido por Convento da Estrela, das candidatas a religiosas carmelitas obedecem a
em Lisboa, optaram pela solução das suas congéneres diversos critérios, princípios e normas, que visam,
de Aveiro e de Coimbra. Depois de as seis pupilas numa primeira fase, não só apurar a vocação da
que decidiram continuar a vida religiosa terem sido candidata, mas igualmente transmitir-lhe, de forma
transferidas para o Convento de S. ta Teresa de continuada e incisiva, as regras e o cerimonial da
Carnide, o Patriarcado de Lisboa decide, em 1889, Ordem das Carmelitas Descalças. Assim, a vocação
ceder um espaço para a comunidade carmelita terá de ser inequívoca e as aptidões da aspirante a
feminina de Lisboa, no Recolhimento de N. Sr.a do religiosa conformes com a vida que escolheu.
Carmelo de Fátima (JEF)
Carmo dos Olivais. Esta comunidade é mais uma A Postulante, denominação conferida à aspirante a
vez transferida, em 1900, desta feita para a Q.ta do religiosa, será, num primeiro momento, integrada
Candeeiro, também localizada nos Olivais. Uma vez do Castelo (Carmelo de S.ta Teresinha). A Diocese na vida do Noviciado e, em contacto com as Noviças,
que a lei do Estado não lhes permitia exercer o de Bragança-Miranda alberga ainda, localizado em apurar-se-ão as suas aptidões para a vida no carmelo,
carisma da sua Ordem, baseado na clausura e Moncorvo, o único convento de Carmelitas Calçadas nomeadamente no que concerne à Regra da soli-
contemplação, estas religiosas optaram por dedicar- existente no território nacional. Apesar de indepen- dão e retiro na cela. Decorrendo quatro meses, a
-se ao ensino de meninas pobres. Os Estatutos desta dentes entre si e de autónomos, todos os carmelos Postulante é proposta como Noviça ao Capítulo. No
Associação, denominada do Santíssimo Coração de se regem pela Regra da Ordem, reestruturada em caso de a votação ser favorável, iniciar-se-á o período
Jesus, foram aprovados a 18 de Outubro de 1901. 1926 e definitivamente aprovada em 1936. do Noviciado, o qual é oficialmente inaugurado com
Tal como as suas irmãs de outros carmelos, também O texto da Regra dos Carmelitas Descalços pode a tomada de hábito. O Noviciado tem a duração de
as Religiosas do Santíssimo Coração de Jesus se ser considerado como uma súmula das várias um ano, espaço de tempo durante o qual a Noviça
viram obrigadas a emigrar para Espanha, onde influências que, ao longo da história, a Ordem foi será proposta três vezes ao Capítulo, respectivamente

351
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

no quarto, oitavo e décimo meses. Se a aprovação in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de são uma congregação de Terceiras Carmelitas
for concedida, a Noviça passará para a etapa História Religiosa de Portugal, vol. C-I, Lisboa, Círculo Regulares de vida activa e de Direito Pontifício,
seguinte, que consiste na Profissão Temporária. Esta de Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa popularmente denominadas Carmelitas de Málaga,
fase, que antecede a Profissão Permanente, tem a da Universidade Católica Portuguesa, 2000, pp. 19- em vista da diocese de origem.
duração de dois anos, no mínimo, podendo ser -25; C OSTA , Sandra, Real Fábrica do Santíssimo Profundamente comprometida com uma determinada
prolongada, caso a Prioresa considere necessário. Coração de Jesus à Estrela, Dissertação de Mestrado vivência espiritual cristã, que decidiu abraçar como
A passagem de Profissão Temporária para Profissão em História da Arte apresentada à Universidade sentido e percurso da sua vida, a Madre Asunción
Solene apenas poderá tomar lugar se a Professa Lusíada, Lisboa, s.n., 2004, Texto policopiado; Gimeno empenhou-se na fundação de uma congre-
obtiver a maioria absoluta dos votos do Capítulo, GERHARDS, Agnès, Dictionnaire Historique des Ordres gação que lhe permitisse dar expressão ao seu modo
caso contrário, a Profissão Temporária poderá Religieux, Paris, Fayard, 1998; GOMES, Pinharanda, de servir Deus. Este carisma, que presidiu à fundação
prolongar-se até um máximo de seis anos. A Profissão Imagens do Carmelo Lusitano, Lisboa, Edições da Congregação das Irmãs Carmelitas do Sagrado
Solene é efectuada durante a missa, no coro do Paulinas, 2000; Inventário Ordens Monástico- Coração de Jesus, tem por princípios fundamentais
mosteiro, nas mãos da Madre Prioresa, e o véu preto -Conventuais: Ordem de São Bento, Ordem do o abandono à providência divina e, nesse sentido,
é recebido pela janela do comungatório. Carmo, Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem o cumprimento dos seus desígnios com total entrega
A vida quotidiana das Irmãs Carmelitas Descalças dos Frades Menores, Ordem da Conceição de Maria, física e espiritual, tornando-se exemplar nas suas
obedece às regras primitivas instituídas pela sua Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do acções e servindo e amando a Igreja no mundo, de
Fundadora, S. ta Teresa de Ávila, e ao cerimonial Tombo, 2002; JESUS, David do C. de, “Carmelitas maneira a, desta forma, contribuir para a maior
resultante destas, que a tradição foi ao longo dos Descalças”, in AA.VV., Enciclopédia Luso-Brasileira glória de Deus.
tempos implementando. Sendo a clausura e o silêncio de Cultura, vol. 4, Lisboa, Editorial Verbo, 1966,
as características estruturantes da vida religiosa nestes cols. 1109-1111; M URRAY , Bruno, As Ordens
conventos, a sua plena concretização, segundo a Monásticas e Religiosas, Mem-Martins, Publicações
tradição carmelitana, obtém-se com recurso a varia- Europa-América, 1989; SALDANHA, Nuno, “A “Quinta
dos postulados de acção: isolamento do mundo Chaga de Cristo”: a Basílica das Carmelitas Descalças
exterior, oração, contacto directo apenas com as do Coração de Jesus à Estrela”, in Monumentos,
pessoas do convento, comunicação através do locu- n.º 16, Lisboa, Direcção Geral dos Edifícios e
tório com as restantes, modéstia na postura física, Monumentos Nacionais, Março de 2002, pp. 9-15;
gravidade no falar, solenidade no trato com as outras SILVA, António Martins da, “Extinção das Ordens
religiosas, entre outros. Para além da vida quotidiana Religiosas”, in Carlos Moreira Azevedo (dir.),
dedicada à oração, ao trabalho comunitário, ao Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. C-I, Madre Asunción Soler Gimeno (I)

isolamento e à reflexão, as Religiosas Carmelitas Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de


efectuam ainda dois tipos de retiros: o anual e o História Religiosa da Universidade Católica Dando continuidade a esta aspiração, o processo de
mensal. O retiro anual, com a duração de dez dias, Portuguesa, 2000, pp. 232-236; V ECHINA , José fundação iniciou-se a 13 de Maio de 1924, no qual
reserva quatro horas diárias para oração, sendo Carlos, “Carmelitas Descalços”, in Carlos Moreira merece destaque a figura do Bispo da Diocese de
suprimidas as duas horas de recreio, bem como as Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de Málaga, Beato D. Manuel González García, impul-
visitas. Neste período de tempo, a roda só será Portugal, vol. A-C, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro sionador da demanda da instituição canónica da
descerrada para o que se considere absolutamente de Estudos de História Religiosa da Universidade Congregação junto da Santa Sé. O dia 7 de Junho
necessário. No dia dedicado ao retiro mensal, o Católica Portuguesa, 2000, pp. 297-300; VELASCO, de 1947 marca a data decisiva em que a Congre-
horário é o mesmo que se observa durante o retiro Balbino, História da Ordem do Carmo em Portugal, gação foi oficialmente agregada à Ordem Carmelita
anual e as práticas de recolhimento e silêncio são Lisboa, Edições Paulinas, 2001; VIEIRA, Maria do Pilar da Antiga Observância, quando era Superior Geral
igualmente observadas. S. A., “Carmelitas (Monjas Descalças da Ordem da da Ordem Fr. Kiliano Lynch, carmelita muito ligado
Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo)”, à restauração do Carmelo Lusitano e à construção
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: IAN/TT, Confraria do in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de da Casa Beato Nuno (Fátima). Por isso, as Carmelitas
Senhor do Calvário das Carmelitas, 1 liv.; IAN/TT, História Religiosa de Portugal, vol. A-C, Lisboa, de Málaga vestem o hábito carmelita, cuja peça
Convento de Nossa Senhora da Conceição de Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História carismática é o Escapulário de N. Sr.a do Carmo.
10 liv.; IAN/TT, Convento de Santa Teresa de Jesus Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, O dia 2 de Fevereiro de 1955 destacou-se como o
de Braga, 8 liv., 1 mç.; IAN/TT, Convento de Santa pp. 296-297; V ILLARES , Artur, As Congregações momento em que a Igreja reconheceu e confirmou
Teresa de Jesus de Carnide, 3 mç.; IAN/TT, Convento Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, o carisma da Congregação, concedendo-lhe o
de Santa Teresa de Jesus de Coimbra, 2 liv., 1 mç.; Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Decreto de Louvor. Finalmente, a 13 de Junho de
IAN/TT, Convento de São João Evangelista de Aveiro, Ciência e a Tecnologia, 2003; W ERMERS , Manuel 1964, a Congregação obtém da Santa Sé a aprovação
1 mç.; IAN/TT, Convento de São José de Évora, 1 Maria, A Ordem Carmelita e o Carmo em Portugal, definitiva. Marco igualmente relevante na história
documento; IAN/TT, Convento de São José e Maria Lisboa, União Gráfica, 1963. pessoal da Fundadora e da Congregação das Irmãs
do Porto, 4 liv.; IAN/TT, Convento do Desterro de do Sagrado Coração de Jesus foi a abertura do
Jesus, Maria e José de Viana do Castelo, 1 mç. SÍLVIA FERREIRA processo de canonização da Madre Asunción Soler
Impressa: ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja Gimeno, que teve lugar em Madrid, a 23 de
em Portugal, vol. II, Barcelos, Livraria Civilização Novembro de 2002.
Editora, 1968; BELINQUETE, José Martins, As Carmelitas CARMELITAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE A primeira fundação no nosso país aconteceu em
em Aveiro, Aveiro, Edições Sinai, 1996; Ceremonial JESUS 1951, na localidade do Bombarral, onde as Irmãs
das Carmelitas Descalças: Ordem da Bem-Aventurada As Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Jesus começaram por prestar serviço de enfermagem e
Virgem Maria do Monte Carmelo, Braga, s.n., 1996; (CSCJ), fundadas pela Madre Asunción Soler Gimeno de assistência espiritual no Hospital da Misericórdia.
CHORÃO, Maria José Mexia Bigotte, “Conventos”, (Quart de Poblet (Valência), 1882 - Madrid, 1959), Actualmente, as Irmãs não trabalham neste Hospital,

352
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS

dedicando-se antes à pastoral e ao voluntariado devoção à Virgem Maria, como aliás é apanágio da Jaime Sanmartín, Uma Futura Santa, Quart de Poblet,
social. Esta fundação inicial deu o mote para o Ordem Carmelita, estimula as Irmãs a viverem s.n., 1973; LARA, Mons. Rafael Alvarez, Assunção
surgimento de mais dez casas da Congregação, a segundo o exemplo virtuoso de vida de Maria, Soler: Una Vida Segundo o Espírito, Madrid, s.n.,
saber: vila de Óbidos (1952), no Hospital da participante nos mistérios da vida de Jesus Cristo. 1987; MARTINEZ, Ismael, ocarm, Los Carmelitas: VI –
Misericórdia; Alcobaça (1955), no Hospital da A sua entrega abnegada aproxima as Irmãs do Figuras del Carmelo, Madrid, BAC, 1996; SAGGI, L.
Misericórdia local; Alhos Vedros (1956), num lar de exemplo de vida de Cristo, na sua total confiança “Carmelitane di Sacro Cuore di Gesú”, in Pellicia
terceira idade e, igualmente, no Hospital da Mise- e abandono à vontade de Deus. Disponíveis para Guerrino, Giancarlo Rocca, (dir.), Dizionario degli
ricórdia dessa vila; Fátima (1957), na Casa de servir os irmãos em Deus, as Irmãs assumem-se livres Instituti di Perfezione, vol. II, Roma, Edizioni Paoline,
Peregrinos Beato Nuno, Padres Carmelitas; Caldas frente aos condicionalismos do poder e dos bens 1975, cols. 416-417.
da Rainha (1958), no Hospital da Misericórdia; materiais terrenos. Finalmente, o seu amor à Igreja
Santarém (1958), no Abrigo Antituberculoso; Fátima leva as Irmãs a uma entrega incondicional e JESUÉ PINHARANDA GOMES
(1959), fundando uma casa de acolhimento e permanente ao serviço da sua missão, difundindo SÍLVIA FERREIRA
espiritualidade para irmãs; Rio Maior (1978), e anunciando, sempre preferencialmente entre os
dedicando-se inicialmente à pastoral, ao ensino e à mais carenciados, a gratuidade do Evangelho.
enfermagem e exercendo, actualmente, a pastoral A Congregação das Irmãs Carmelitas do Sagrado CARMELITAS MISSIONÁRIAS
e o voluntariado social; Fráguas, em Rio Maior (1984), Coração de Jesus não possui nem financia obras As Carmelitas Missionárias de Portugal, cuja sigla é
dedicando-se ao ensino e à pastoral; Arruda dos próprias. A sua actividade processa-se em igrejas CM, actuantes no nosso país desde 1960, pertencem
Pisões (1989), com funções de pastoral e voluntariado locais, através dos diversos apostolados e em à Província de Madrid desta Congregação, fundada
social. Na actualidade, subsistem duas comunidades colaboração com os planos pastorais das igrejas, nos na Catalunha, em 1860, e presente na Europa, na
de presença religiosa, a saber: em Rio Maior e em diferentes países, nos quais exercem a sua missão. Ásia, em África, na América e na Austrália (Sidney).
Vila Franca de Xira. Merece destaque, ainda, uma Actualmente, e dado o processo de secularização Foi seu Fundador o carmelita descalço Francisco Palau
terceira casa vocacionada para retiro espiritual e das sociedades, especialmente as ocidentais, a y Quer (1811-1872), beatificado pelo Papa João Paulo
para descanso, em Fátima. vocação para a vida religiosa tende a diminuir, II a 24 de Abril de 1988. Define-se como congregação
O carisma da Congregação das Irmãs Carmelitas do contribuindo dramaticamente para a escassez de religiosa laical, de vocação contemplativa e missionária,
Sagrado Coração de Jesus fundamenta-se, essen- novas candidatas ao Noviciado na Congregação. e reflecte o carisma carmelita teresiano no mundo
cialmente, nos princípios que presidiram à sua Embora na América e na África esta situação seja secular. Com uma raiz comum e com o mesmo ideário
fundação por parte da Madre Asunción Gimeno. menos grave, as Irmãs reconhecem que o número do carmelo missionário, desta Congregação se
Estes concretizam-se na vivência quotidiana da de religiosas na Congregação não é o desejável para distingue, todavia, a das Carmelitas Missionárias
Congregação que, permanentemente, os actualiza poderem responder às necessidades que a sua Teresianas (CMT), em Portugal desde 1984.
através da atitude orante e contemplativa, vivendo vocação e missão lhes ditam. No entanto, e contor-
de forma humilde e despojada, fiel à Igreja e à sua nando as dificuldades que sentem actualmente,
missão no mundo, solidarizando-se evangelicamente graças a uma certa liberdade que o facto de não
com os mais pobres e comprometendo-se na sua possuírem obras próprias lhes proporciona, as Irmãs
libertação e salvação. Cinco princípios fundamentais de Madre Asunción Gimeno têm conseguido adaptar-
orientam a vocação e a missão destas Irmãs na sua se às situações mais cambiantes e adversas da
missão evangélica no mundo: fraternidade, contem- actualidade, sempre confiantes que o exercício do
carisma da sua Congregação acabará por prevalecer
e florescer, no exemplo de vida que as Irmãs
comunicam nas suas obras de entrega apostólica
Escudo das Carmelitas Missionárias (I)
aos seus semelhantes.
O período de maior expansão e implementação da
Congregação em vários países regista-se a partir da O Fundador da Congregação, Francisco Palau y Quer,
década de 40 do séc. XX até, sensivelmente, à data nasceu a 29 de Dezembro de 1811, na Catalunha,
do falecimento de Madre Asunción Soler Gimeno, em Aytona (Lérida), e foi crismado em 1817. Estudou
já perto da década de 60. A Congregação vê as Humanidades, Filosofia e Teologia, de 1828 a 1832,
suas casas proliferarem e ramificarem-se, quase no Seminário de Lérida, decidindo então ingressar
atingindo o número de 130 fundações, em conti- no carmelo teresiano, pelo que tomou o hábito de
Encenação da adoração dos pastores, nentes tão diferenciados como a Europa (Espanha, carmelita descalço em 1832, no Convento de
com as crianças da catequese (I)
Portugal, França, Reino Unido, Itália ou Bélgica) e a Barcelona (Congregação de Espanha), e o nome,
América (Cuba, República Dominicana, Venezuela), em religião, de Francisco de Jesús María José. Naquele
plação, devoção mariana, entrega abnegada e amor sem esquecer o continente africano, com convento professa cerca de um ano depois, a 15 de
à Igreja. Por fraternidade, entende-se assumir a representação em Moçambique. Novembro de 1833, nele permanecendo até ao
missão da promoção da união fraterna em conso- incêndio de 1835, acontecimento marcante nas
nância com a experiência histórica da sua Fundadora BIBLIOGRAFIA: AA.VV., “Comunidades Carmelitas circunstâncias políticas adversas, que o levarão, tal
e da Ordem Carmelita, que, obedecendo ao desígnio em Portugal”, in Carmelo Lusitano, n.º 6, Lisboa, como a muitos religiosos carmelitas, à prisão, a viver
de Deus, postula a vivência fraterna de cada homem 1988, pp. 83-86; Anuário Católico de Portugal 2007, exclaustrado e, mais tarde, a exilar-se.
em relação ao seu semelhante. Pelo princípio da [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Em Julho de 1835, de facto, o governo espanhol
contemplação, a Congregação direcciona a vivência Portuguesa, 2007, p. 888; EVANGELISTA, Maria Ortiz, considera suprimida a Ordem dos Carmelitas
das Irmãs para a comunhão com Deus através do Testamento Espiritual de la [...] Madre Asunción Soler Descalços em Espanha (ou Congregación de San
amor que o seu Espírito depositou nelas. A especial Jimeno (1882-1959), Onda, Castellón, 1967; FITA, José). Palau, todavia, Diácono desde Janeiro de 1834,

353
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS

é ordenado Sacerdote a 2 de Abril de 1836, na o carmelo missionário, apelando-se, com particular


Catedral de Basbastro, pelo Bispo Tiago Fort y Ruigo. acuidade crítica por parte de investigadores membros
Se até então conjugara o serviço pastoral com o deste, como Josefa Pastor Miralles, para uma revisão
isolamento contemplativo, desde 1839 intensifica a histórica sobre a Congregação de Espanha dos
sua actividade missionária em diversas dioceses Carmelitas Descalços. Confrontando-se com as
catalãs, vindo a receber o título de Missionário interpretações geralmente aceites, entre as quais a
Apostólico (cuja confirmação solicita à Congregação de Ildefonso Moriones, apela esta irmã carmelita
Romana de Propaganda Fide, em 1854). Por mais missionária teresiana para um resgate da imagem
de dez anos, de 1840 a 1851, viverá exilado em do carmelo descalço missionário espanhol que,
França, primeiro na zona de Perpignan, depois na equivocamente, só posteriormente à sua absorção
Diocese de Montauban, junto do Santuário de Livron. pela congregação de Itália é abertamente classificado
Entre os seus companheiros de desterro conta-se o como missionário. Tal revisão implica investigação
seu irmão Juan Palau e, entre os que o contactam, científica, alicerçada em novos pressupostos e num
buscando direcção espiritual, um grupo de mulheres estudo aturado de documentação (parte da qual
piedosas reunidas em torno de Teresa Christiá. Por conhecida só a partir da década de 70 do séc. XX),
volta de 1845-1846, conhecerá pessoalmente Juana assim como na reconstituição de percursos pessoais
Gratias Fabré (Gramat, 1824-Barcelona, 1903), aquela até hoje secundarizados, testemunhos de vida e de
que assumirá a direcção, em terras de Barcelona ideário ou de condicionantes epocais.
(Lérida e Aytona), dos primeiros grupos da sua obra
de Fundador, cumprindo a “empresa” que Francisco
Palau lhe destina em 1848, ao enviá-la para Espanha,
Francisco Palau y Quer, Fundador das Carmelitas Missionárias (I)
e com a qual ele compartilhará trabalhos e ideais,
mantendo um importante epistolário, significativo
enquanto testemunho de um atribulado itinerário entre 1864 e 1868 (Graus, Huesca, 1866; Aytona
de vida e de pensamento. 1868; depois Estadilla e El Vendrell 1869, Tarragona
Quando Palau regressa à Península Ibérica (1851) e 1871). Contará Palau, segundo as circunstâncias,
à actividade pastoral em Barcelona, empreende toda com mais algumas colaboradoras para mobilizar
uma mobilização de esforços em torno da Escuela grupos e organizar novas casas, entre as quais as
de la Virtud, modelo de ensino catequético (incluindo suas sobrinhas Rosa Ibars Palau e Teresa Jornet (1843-
ensino superior religioso), com enorme expansão e -1897, Fundadora em Basbastro, em 1872, de uma
impacto de 1851 a 1854 nos meios culturais (tam- nova congregação, a Congregación de las Pequeñas
bém na imprensa), até naquele ano ser encerrada Hermanas de los Ancianos Abandonados, beatificada
num ambiente violento e de calúnia, anticlerical e em 1958 e canonizada em 1974). Impunha-se
revolucionário. As vicissitudes históricas e um novo consolidar, regular e oficializar, com apoio diocesano
período de violentas perseguições (1854-1856) (de Menorca e Maiorca), a existência de comunidades
confinam Palau ao desterro em Ibiza, entre 1854 e femininas e masculinas de irmãs e de irmãos de
1860, mas em seu redor irá fomentar-se, como no espírito carmelita e, note-se, de vida activa, após o
passado, uma forma elementar de vida comunitária, seu reconhecimento pela Ordem e agregação como
Juana Gratias Fabré, primeira carmelita missionária (I)
de oração, trabalho e retiro, assim como a difusão terciários. As primeiras normas por ele elaboradas
da piedade mariana. Além disso, continuará uma para as Irmãs datam de 1851, sendo modificadas
assídua correspondência com os seus antigos em 1863-1864. Para os Irmãos, define regras desde Quando se comenta os acontecimentos de 1836
colaboradores e combaterá pela reabilitação da escola 1862. Têm assim origem as Hermanas Terciarias (supressão pelo Governo da Ordem dos Carmelitas
(apologia de 1859) até ao veredicto judicial da sua Descalzas del Carmen (actuais CM e CMT), assim Descalços em Espanha) e de 1876 (breve de unificação
inocência absoluta (1860). Será ainda mais intensa, como os Ermitaños carmelitas, Hermanos de la que suprime a congregação de Espanha), sublinha-
a partir de então, a sua dedicação, sobretudo na Caridad Terciarios de la Orden del Carmen, extintos -se nesta nova proposta de abordagem a necessidade
Catalunha (Diocese de Barcelona) e nas ilhas Baleares nos anos 30 da centúria seguinte, não sem de rever épocas que na história do carmelo teresiano
(Ibiza e Formentera), ao ministério da pregação e sofrimento e martírio, durante a Guerra Civil es- ficaram definidas (ou rotuladas) por “exclaustração”
das missões populares. panhola (1936-1939). (desde 1836) e por “restauração” (supostamente
Precisamente em 1860, ao pregar em Ciudadela Juana Gratias, pedra fundamental que Palau orientou ocorrida em Marquina, em 1868, mas de facto
(Menorca), recebe uma inspiração transcendental, desde o exílio em França e com a qual compartilhara agregação e obra da congregação de Itália), tarefa
uma revelação sobre o Mistério da Igreja e o ao longo de tantos anos (por vezes com fricções) essa só possível depois de uma investigação rigorosa
conhecimento inequívoco da sua Missão. Dará então uma mesma comunhão espiritual e a acção funda- sobre comunidades sobreviventes, itinerários e
início a um projecto de congregação e de fundações, cional, numa vivência atribulada da missão de servir relações de numerosos carmelitas.
com a primeira experiência comunitária de uma nova a Igreja com incondicional confiança em Deus, deu A suposta supressão da congregação espanhola não
instituição religiosa iniciada por Juana Gratias em continuidade, após 1872, com sofrimento mas o foi nem real nem espiritualmente, isto apesar das
Ciudadela (Menorca), onde esta se fixa no Inverno também com perseverança, à obra palautiana. perseguições e da dispersão dos seus membros. Tal
de 1860. S.ta Cruz de Vallcarca (1862), em Barcelona, Na sequência do trabalho de historiadores do carmelo violência terá, ao invés, favorecido a expansão
torna-se, por seu turno, no epicentro do carmelo descalço, mas aprofundando cada vez mais a missionária em diferentes províncias da Ordem e na
missionário, que se solidificará nos anos imediatos, investigação e o confronto crítico de testemunhos congregação de Itália. Como prova, refere Josefa
para se expandir pela Catalunha e Alto Aragão, documentais, tem-se desenvolvido a pesquisa sobre Pastor Miralles, no seu artigo publicado em 2002

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS

(“Francisco Palau, Misionero y Apóstol…”), temos condições precárias) e, em particular, à formação à criação de conventos estritamente de vida con-
os períodos de difícil relacionamento entre os das novas gerações. templativa, exigindo que as religiosas se dediquem
governos e a Santa Sé (tempos também de negocia- Para além de fundar e organizar, intensifica, entre também ao serviço social, e insiste com ela, face às
ções, nos anos 40 e 50, até à Concordata de 1851), 1860 e 1870, o seu ministério de pregador em terras suas reservas, que a nova Congregação deve integrar
mas em que se verificaram igualmente iniciativas e de Espanha e a intervenção em novenas, tríduos, as vocações de Maria, a contemplativa, e de Marta,
esforços com vista a fazer renascer a vocação missio- quaresmas e festividades. A todas as missões presidiu a activa. Um apostolado activo irá, de facto, conduzir
nária da antiga congregação de Espanha. A par da a imagem da Virgem do Carmo. Usará também da os seus filhos espirituais à assistência de doentes,
negociação de dependências institucionais e de imprensa em benefício do apostolado. As suas em hospitais e ao domicílio, assim como integrá-los
propriedades, assim como de evidentes contrastes qualidades proféticas e milagrosas trouxeram a Palau, em escolas.
na vivência e na espiritualidade dos religiosos, coexis- contudo, sérios dissabores, denúncias e julgamentos, No espírito de S.ta Teresa de Jesus e fiel ao carisma
tiram propostas de fundação de casas de missionários inclusivamente o cárcere. Os exorcismos que praticou, contemplativo e missionário, Francisco Palau y Quer,
por parte das duas congregações, a de Espanha e aliás com êxito, conduziram-no por duas ocasiões Fundador das Carmelitas Missionárias, define o estilo
a de Itália. a Roma (1866 e 1870), para apresentar ao sumo de vida do carmelita descalço como apostólico,
Este ambiente de renascimento missionário, apoiado pontífice e aos padres do Concílio Vaticano I as suas tornando inadequada a divisão entre oração e missão.
pelo esforço constante de Maldonado (Fr. Juan de preocupações. Do encontro profundo com Deus, contemplação,
Santo Tomás de Aquino, 1810-1880), desde 1850, Morre em Tarragona, a 20 de Março de 1872, após no silêncio e na solidão emerge o serviço, impulso
Geral e Comissário Apostólico da Congregação de um atribulado itinerário e todo um trabalho intenso da missão urgente e infatigável para com o próximo.
Carmelitas Descalços de Espanha e Índias, por de pregação das missões populares. “Vivo e viverei A Igreja é um corpo místico, ou “corpo moral
restaurar a sua congregação, terá, aliás, influenciado pela Igreja, vivo e morrerei por Ela”, é o o seu ideal perfeito”, que reflecte a vitalidade de uma inter-
muito provavelmente a iniciativa de Francisco Palau ou a chave de toda a sua espiritualidade, encontrada -relação e unidade perfeitas, indissociáveis, entre
y Quer de reforçar a sua condição de missionário em Cristo vivo no seu Corpo Místico, formado por Cristo e o seu Corpo. Dessa concepção decorre a
apostólico, agregando-se à Propaganda Fide, em Deus e os homens, i. e., na Igreja, que designava definição de Missão (simultaneamente contemplação
1854 (com privilégios e indulgências para as missões como sua “Amada”. É o amor a Cristo, a Maria e e serviço, amor a Cristo e ao próximo), assim como
renovados em 1867). Palau é reconhecido, aliás, por à Igreja, numa total dedicação, que polariza a sua a forma como se concilia com o diálogo com Deus
altas figuras da Igreja e por carmelitas descalços de vida e dá o significado e a unidade às diferentes a observação atenta do circundante (eventos e
Espanha e do México como figura proeminente da formas de apostolado. Este alimenta-se com o opiniões), através da qual se procura discernir a
congregação de Espanha e com ele se relacionaram sofrimento, com a oração e com o sacrifício, e dirige- mensagem divina para actuar conforme esta. Afasta-
muitos outros irmãos em religião, corroborando a -se ao pobre, ao doente, à criança, ao jovem e à -se de uma identificação demasiado restrita entre
sua acção. família. missão e evangelização de povos pagãos de outras
A sua actividade, enquanto pregador e catequista A sua espiritualidade forjou-se, deste modo, num terras (extensiva, de facto, a cristãos não-católicos
(destinado a recristianizar, a despertar a consciência clima de guerra fratricida e de liberalismo anticlerical, desde o séc. XVI). Redefine, em termos amplos, o
cristã das famílias), foi intensa e persistente, levando- desenvolvendo-se, da sua parte, através de uma apostolado missionário, considerando-o evangelização
-o a percorrer Ibiza e Formentera, Palma de Maiorca busca incessante de soluções, vivida quer na mais e promoção da vida cristã, aplicando-o também a
e grandes cidades como Madrid e Barcelona, repleta reclusão, quer em acções publicamente outros sectores (colaboração com leigos, visão da
sobretudo entre 1860 e 1863, e a dirigir missões manifestas. Francisco Palau bateu-se pela paz, pela mulher como agente activo de pastoral) e promo-
populares (missões que as dioceses catalãs organi- liberdade e pela verdade, catequizando, exorcizando vendo missões populares e rurais.
zavam desde 1838), com estrondoso êxito em 1864- e escrevendo, como pregador e como jornalista. Nesta perspectiva, Palau aproxima-se, como salienta
-1866. A Escuela de la Virtud, que abrira em Soube conciliar o seu espírito de iniciativa com a carmelita missionária Marilena Milani na sua análise
Barcelona em 1851 (suprimida pelas autoridades tenacidade e com resistência passiva face às muitas publicada em 2002 (“Misión, Evangelización...”), do
civis em 1854), escola esta de catequese para adultos dificuldades sofridas (perseguição, desterro, cárcere conceito de evangelização ou missão da Igreja, tal
e orientada para todos os estratos sociais carentes e críticas), transmitindo uma imagem de disponi- como foi universalmente difundido após o Vaticano
de formação religiosa, tivera, também ela, fortes bilidade activa, tanto para com as autoridades, II, significando anúncio, acção e promoção humana,
repercussões socioculturais em Barcelona e nos incluindo eclesiásticas, como para com os aconteci- assim como da caracterização dada por João Paulo
arredores. mentos e fenómenos sociais do seu tempo, II à “nova evangelização” (conceito operativo e
Considerando nas suas pregações uma metodologia testemunhos que procurava discernir. A sua dinâmico), actualizada em métodos e em expressões,
apropriada aos seus destinatários, Palau apoiava-se experiência, deixou-a escrita, em Mis Relaciones con em virtude de se dirigir a um homem “novo”, em
num conjunto de colaboradores, sacerdotes e leigos. la Iglesia e em todo um significativo epistolário. termos de compreensão e de contexto cultural
Nos anos 60, em plena organização de uma Desde 1867 que a sua obra de Fundador e Director (recristianização).
congregação de irmãs e de irmãos carmelitas terciá- dos Carmelitas Terciários da Congregação de Espanha, Na verdade, a Evangelização, como fruto da caridade
rios da congregação de Espanha, Francisco Palau y agregados à Ordem dos Carmelitas Descalços, é e de um amor ao próximo que é duplo e adjuvante
Quer desenvolve, em coordenação com os prelados, reconhecida legalmente, podendo Francisco Palau y a Deus e aos homens e concretizado na Igreja (por
todo um plano missionário, executando-o segundo Quer reforçá-la através de novos Estatutos que destina via da contemplação e da acção), já se definira em
programas que visavam o envolvimento de aos Irmãos (1867) e de normas dirigidas às Irmãs, Palau com esta mesma capacidade de adaptação, de
comunidades e de paróquias, do clero e das autori- que consigna em 1872, em Reglas y Constituciones flexibilidade e de criatividade. Considerava que atender
dades no fomento da religiosidade popular, na (impressas nesse mesmo ano). à actualidade e às urgências mais agudas do tempo
formação religiosa e numa reforma moral e de A clarificação do carisma pelo Fundador foi paulatina, e do meio tornariam a pregação mais incisiva e eficaz.
costumes, atento como estava às transformações tal como a construção do seu projecto, mediante Seguindo o espírito do carmelo teresiano, no qual
ambientais e sociais ocasionadas pelo progresso um discernimento dos imperativos divinos face ao se forjou o carisma palautiano reflectido nas suas
industrial, demográfico e comercial (zonas fabris contexto histórico. Em 1862, adverte, em cartas a Constituições, as Carmelitas Missionárias têm por
com população crescente de imigrantes e em Juana Gratias, que as leis civis e os bispos se opõem vocação a íntima comunhão com Cristo total,

355
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS

comunhão essa que se realiza na Igreja. A sua oração espiritual e a um ideal de vida; as três estrelas (de 252 casas e com mais de 2000 religiosas. A sua
é eclesial e a sua vida é naturalmente mariana, cinco ou seis pontas), uma distinta ao centro e as Casa Geral sedia-se em Roma. Organiza-se em 9
uma vez que Maria se apresenta como o protótipo duas outras de cada lado exterior das abas da mon- Províncias, uma Vice-Província e 4 Delegações. Na
perfeito e acabado da Igreja, do seu mistério e tanha, evocam a inspiração mariana e um mesmo “Província Madre”, i. e., na Província de Barcelona,
unidade. A Congregação surge como fruto directo itinerário espiritual. onde Francisco Palau e Juana Gratias (a Madre Juana,
e imediato da mística eclesial, pela qual se orientou Palau serviu e amou a Igreja sua amada sob todas primeira carmelita missionária e sua principal
o carisma do Fundador e pela qual se orientam as as formas: oração (eclesial, união com Cristo e colaboradora), juntamente com as primeiras irmãs,
suas filhas, no seu itinerário espiritual e missão comunhão) e apostolado (interdependência presente serviram e expandiram o carisma eclesial, contam-
apostólica. na formação carmelita teresiana), pregação, missões, -se tanto fundações centenárias como fundações
No silêncio, na oração em comunidade, na vida direcção e acompanhamento espiritual, fundações. muito recentes, pelas quais se distribuem 200 irmãs
fraterna, respondem à sua vocação. Sendo a sua Foi evangelizador e missionário, enfatizando na sua de 27 comunidades.
vida religiosa de cariz apostólico, desenvolvem o própria experiência o quanto a doutrina incluía um A Província de Madrid, por seu turno, na qual se
apostolado sob diferentes e específicas formas: programa de vida e de acção concreta, o quanto a integram as carmelitas missionárias de Espanha,
educação cristã, definindo Palau o ensino como o actividade apostólica, sendo simultaneamente Portugal e Roménia, conta com 156 irmãs de 22
“grande e sublime ministério”; assistência no campo chamada da Igreja (motivação teológica) e missão, comunidades, segundo dados apurados durante a
da saúde, “um dos actos mais sublimes da caridade”; influenciava a sociedade. Trata-se de um programa visita pastoral a estas províncias, realizada entre
actividade missionária; evangelização no campo de vida que traduz, naturalmente, virtudes apostólicas Fevereiro e Maio de 2004.
social, através da dignificação humana e da assistência como a pobreza, o desprendimento ou a liberdade Em Portugal desde 1960, as Carmelitas Missionárias
aos pobres, directamente ou por via institucional; interior, a penitência, a confiança na Providência, o iniciaram o seu percurso fundacional em Castelo
catequese, adaptada às circunstâncias, lugar, tempo discernimento (“Consultar a Dios”), a sensibilidade de Vide (Alto Alentejo), passando por Viana do
e pessoas; e promoção da vida espiritual, para que eclesial e o espírito de obediência, a liberdade exterior Castelo. A partir desta comunidade, um grupo de
os crentes desenvolvam a dimensão contemplativa em relação a políticas, a adaptação de formas de irmãs (espanholas e uma portuguesa), fundaram a
da Fé, na vida e nas realidades temporais. pregação do Evangelho. primeira comunidade em África (Moçambique).
O carmelo missionário define-se como congregação As Carmelitas Missionárias firmam-se face aos proble- Estas comunidades fecharam-se quando se
religiosa laical. As Carmelitas Missionárias compar- mas do mundo contemporâneo. Investem no diálogo fundaram as novas casas de Faro (Algarve), em
tilham o seu trabalho pastoral, paroquial e social intercultural e inter-religioso, compartilhando a sua 1976, e de Beja (Alto Alentejo), em 1979. Em 1995,
com os leigos, numa missão conjunta de formar e missão humana e cristã com todos os que buscam deu-se outra fundação em Veiros (Estarreja), até
de educar em valores humanos e cristãos e de a espiritualidade, a paz, a solidariedade e o respeito 2006. O seu número tem variado entre 8 e 12
reforçar a espiritualidade. pelo outro, sejam leigos ou religiosos, dando uma irmãs (estatística oficial de 2002), contando-se entre
resposta evangélica aos problemas actuais. elas algumas em missão Ad Gentes, nomeadamente
Atentas à realidade contextual de cada lugar onde em África.
actuam, inclusive à situação socioeconómica, Pautando-se no ideário do carmelo missionário
cultivando o amor pelo próximo num respeito pela fundado por Francisco Palau y Quer, têm desenvolvido
sua diversidade cultural, empenham-se na revi- trabalho no campo da formação escolar vocacional,
talização da missão através de planos de formação na pastoral diocesana e social (protecção a menores),
(pastoral juvenil vocacional) e de reestruturação na Casa de S.ta Isabel (Faro). Entre as suas iniciativas
congregacional. À releitura do carisma, centralidade e meios de acção conta-se um lar, o Carmelo
em Jesus, exercícios espirituais e experiência missio- Missionário (Faro), vocacionado para a formação
nária, aliam-se a flexibilidade, o discernimento e a integral de jovens universitárias.
coerência no plano de formação. Viver a sua vocação As oito irmãs carmelitas missionárias que vivem em
Grupo de irmãs em formação (I) é aprender também com Maria a viver a condição duas comunidades actuantes nas Dioceses de Beja
humana na sua peculiaridade feminina. e do Algarve são, na sua maioria, portuguesas e
A forma como Francisco Palau y Quer definiu a Com a Igreja procuram soluções e alternativas a têm profissões de vincada intervenção social, seja
missão não é alheia a uma observação atenta das fenómenos actuais, como o secularismo, a deses- no ensino, na saúde ou em empresas.
vicissitudes históricas e a uma vivência atribulada. truturação familiar, a droga, a SIDA, a violência A experiência espiritual das Carmelitas Missionárias
Conseguir, na actividade pastoral, uma resposta contra a mulher e as minorias étnicas, i. e., males em Portugal concretiza-se no quotidiano, tal como
criativa adequada às circunstâncias, i. e., fruto de que tão gravemente atingem o tecido social, ocorreu com a do seu Fundador. Segundo as suas
um discernimento do momento histórico (integração principalmente as crianças e os jovens. No que a regras doutrinárias, a vida contemplativa e a vida
e compreensão da mensagem divina), possibilitar- estes respeita, visam um acompanhamento e uma activa tornam-se indissociáveis.
-lhe-ia, na sua época, assim como hoje ao carmelo orientação do seu desenvolvimento humano, educa- Entre as revistas publicadas a nível internacional por
missionário, tornar nova a humanidade, conduzir à cional e cristão, bem como o das suas famílias, este instituto religioso, cumpre aqui destacar o
transformação interior do homem, da sua consciência assegurando-se, nessa tarefa, da cooperação de Boletim da Congregação de Carmelitas Misioneras:
(pessoal e colectiva) e das suas acções. profissionais. Servicio Informativo (Roma).
As Carmelitas Missionárias assumem, também na A Congregação das Carmelitas Missionárias foi
presença de símbolos no seu escudo, a herança aprovada como Instituto de Direito Pontifício por BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LMAGRO , Melchior
carmelita teresiana: a montanha estilizada apontando Pio X, a 3 de Dezembro de 1907, uma vez agregada Fernández, Historia Política de la España
o céu e terminando numa cruz (que a Ordem dos à Ordem dos Carmelitas Descalços e com as Contemporánea, 3.ª ed., Madrid, Alianza Editorial,
Carmelitas Descalços de Espanha introduziu no Constituições aceites por Roma desde 1906. Está [1967]; ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em
séc. XVII), numa clara referência ao monte Carmelo, presente na Europa, na América, na Ásia, em África Portugal, 4 vols., Porto, Portucalense, 1967-1971;
em Israel, lugar de origem da Ordem, à subida e na Austrália (Sidney), em 39 países, com cerca de AUBACH, M. T., “La ‘Escuela de la Virtud’, ¿Escuela

356
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS

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Artícifes del Carmelo Misionero”, in Monte Carmelo, in Revista de Espiritualidad 188 “Francisco Palau y novedades recientes”, in Monte Carmelo, n.º 96,
n.º 80, 1972, pp. 579-643; GONZALEZ, Ramiro Viola, Quer”, n.º 47, 1988, pp. 427-456; MEJÍA, Rafael, Editorial Monte Carmelo, 1988, pp. 105-130; PACHO,
Historia de la Congregación de Carmelitas Misioneras Carmelos del Mundo, Burgos, Monte Carmelo, s.d.; Eulogio, P. Francisco Palau y Quer: Uma Paixão
Teresianas: I. El Fundador P. Francisco Palau y Quer MILANI, Marilena, cm, “Misión, Evangelización, ‘Nueva Eclesial, Roma, CM, 1987; PACHO , Eulogio,
Varón de Contrariedades, II. Raices y Carisma, 2 Evangelización’ según el Beato Francisco Palau y “Carmelitas Misioneras: Nueva legislación”, in Monte
vols., Burgos, CMT/Casa Geral, 1986, 1995; HOURS, Quer”, in Monte Carmelo, 110, n.º 13, 2002, Carmelo, n.º 93, 1985, pp. 337-354; PACHO, Eulogio,
Bernard (org.), Carmes et Carmélites en France du pp. 739-771; MIRALLES, Josefa Pastor, “Francisco Palau, “Los escritos del P. Francisco Palau”, in Monte
XVIIe Siècle à Nos Jours, Actes du Colloque de Lyon Misionero y Apóstol de la Congregación de España Carmelo, Editorial Monte Carmelo, n.º 80, 1972,

357
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CARMELITAS MISSIONÁRIAS TERESIANAS

pp. 137-259; PACHO, Eulogio, “Presentación: volumen concretamente no Convento de S. José, localizado
dedicado al P. Francisco Palau”, in Monte Carmelo, na cidade de Barcelona. Em 1832, toma o hábito
n.º 80, Editorial Monte Carmelo, 1972, pp. 1-3; carmelita e, um ano depois, realiza a profissão solene
PELAYO, M. Menendez y, Historia de los Heterodoxos na Ordem dos Carmelitas Descalços. O ano de 1835
Epañoles, Madrid, BAC, 1956; Positio super viria a revelar-se conturbado, pois a Espanha, sob a
Introductione Causae et Virtutibus ex Officio dominação francesa, estava envolvida em guerras
Concinnata, Vaticano, s.n., 1979; Reglas y Cons- internas, a fim de reconquistar a sua soberania.
tituciones de la Orden Terciaria de Carmelitas A ocupação francesa e a chamada “Guerra da
Descalzos de la Congregación de Espana, Barcelona, Independência” dos espanhóis, entre 1808 e 1813,
s.n., 1872; SÁNCHEZ, Luisa Ortega, Una Catequesis deixou o país devastado e a população carente de
de Adultos: La Escuela de la Virtud (1851-1854): bens essenciais. Todo o séc. XIX é marcado, em Comunidade de Currelos, Carregal do Sal,

Enseñanza Religiosa Sistemática y Sentido de Misión, Espanha, por guerras e revoluções, por lutas fundada a 29 de Dezembro de 2007 (I)

Madrid, EDE, 1988; S ANCHEZ , Manuel Diego, fratricidas entre Liberais e Carlistas, semeando
“Bibliografia del Padre Francisco Palau”, in instabilidade e miséria entre as populações. Este As Irmãs Carmelitas Missionárias Teresianas vivem a
Cuadernos Palautianos, Roma, CMT, 1984; SANTA período conturbado da história espanhola foi ainda sua fé no seguimento do exemplo espiritual do seu
TERESA, Silverio de, ocd, Historia del Carmen Descalzo assinalado por fortes perseguições à Igreja Católica, Fundador, para quem ser carmelita missionário
en España, Portugal y América, 15 vols., Burgos, que teve como grande ponto de chegada a Guerra teresiano constituía ser herdeiro da doutrina dos
Monte Carmelo, 1935-1953; Textos de las Fuentes: Civil de 1936-1939, a expulsão das ordens religiosas santos do Carmelo: Teresa de Jesus e João da Cruz.
Constituciones, Roma, s.n., 1983; Una Figura e a violenta onda de anticlericalismo, que resultou Essa herança espiritual traduz-se no sentimento de
Carismática del Siglo XIX: El P. Francisco Palau y em centenas de assassínios de padres e freiras. pertença e intervenção na comunidade carmelitana
Quer, ocd, Apóstol y Fundador, Burgos, s.n., 1973; Em consequência desta conjuntura política adversa, de cada um dos seus membros, os quais vivem uma
Vida e Transparências do Beato Francisco Palau y Francisco Palau y Quer vê-se obrigado, na companhia espiritualidade que privilegia o sentido de comunhão
Quer Carmelita Descalço, Trad. por Fr. Antonio João dos seus irmãos carmelitas, a abandonar o Convento com Deus e com o seu corpo místico, e a acção
Perim, [Roma], CMT, 1989; V IRGEN DEL C ARMEN , de S. José, entre as chamas de um incêndio apostólica que realizam como serviço à Igreja, família
Alberto de la, ocd, Historia de la Reforma Teresiana provocado numa noite de assassinatos e destruição de irmãos. Este carisma revela-se e é actuante
(1562-1962), Madrid, s.n., 1968; VIRGEN DEL CARMEN, de conventos. Em 1836, a sua vida religiosa toma segundo três princípios fundamentais da Congre-
Alejo de la, ocd, Vida del P.e Francisco Palau Quer, novo rumo e é ordenado Sacerdote na Catedral de gação: vida fraterna, vida orante e vida missionária.
ocd: 1811-1872, Barcelona, s.n., 1933; Vivir: Un Barbasto, por D. Santiago Fort y Puig, Bispo da
Desafìo – IX Capítulo Provincial, Barcelona, CM, diocese. Quatro anos mais tarde, é nomeado
1985; Vocación del Carmelo Misionero, Sept. de Missionário Apostólico, passando a dedicar a sua
I Capítulo de los Documentos Capitulares, Roma, vida à evangelização, missão que temperava com
CM, 1970. Digital: www.carmelitas.pt; www.carmel longas horas dedicadas à oração, à solidão e ao
mis.org. silêncio, vocação carmelita que nunca obliterou da
sua vida religiosa.
MARIA LEONOR GARCÍA DA CRUZ Segundo a sua história de vida, a inspiração para
fundar uma nova congregação terá surgido durante
uma pregação na novena das almas em Ciudadela,
CARMELITAS MISSIONÁRIAS TERESIANAS Diocese de Menorca. Essa experiência espiritual e
Deve-se a Francisco Palau y Quer (Aytona, 1811- inspiradora sobre o mistério da Igreja impulsiona os
Cova onde o P.e Francisco Palau se retirava para orar,
-Tarragona, 1872) a fundação da Congregação das primeiros planos da fundação daquela que viria a
em Aitona, Lérida (I)
Carmelitas Missionárias Teresianas (CMT). Um breve ser a sua Congregação, planos esses apoiados pela
périplo pelas datas mais significativas da vida deste autoridade eclesiástica da Diocese de Menorca.
religioso permite compreender as suas acções e a O ano de 1860 concretiza o sonho de Palau y Quer Por vida fraterna, a Congregação das Carmelitas
sua vocação apostólica e missionária. Em 1828, com ao assinalar a data da fundação de uma nova família Missionárias Teresianas entende uma unidade de
17 anos de idade, ingressou no Seminário Diocesano religiosa, a Congregação das Carmelitas Missionárias vontades e de vocações dos seus membros para dar
de Lérida, onde se dedica a estudos de Filosofia e Teresianas, as quais vêem a aprovação pontifícia da testemunho do mistério, da presença e da vida da
Teologia, vindo a abandoná-lo quatro anos depois, sua Congregação e das Constituições no ano de Igreja. A fé inabalável na presença de Cristo no
para ingressar na Ordem do Carmelo Descalço, 1902, com nova aprovação das Constituições em mundo e a vontade de testemunhar esse amor mútuo
1906. Francisco Palau y Quer foi beatificado em promove, entre as Carmelitas Missionárias Teresianas,
1988 por sua santidade o Papa João Paulo II. A data uma comunidade estruturada na fé, na esperança,
de fundação em território português aconteceu em na oração e no serviço apostólico, que promovem
Abril de 1984, na Casa do Santuário do Menino com espírito de família. Cada uma das comunidades
Jesus de Praga, em Avessadas, Marco de Canaveses. das Carmelitas Missionárias Teresianas tem por
Actualmente, as Religiosas Carmelitas Missionárias orientação e lema interno a promoção dos valores
Teresianas a residir em Portugal são em número de da pessoa e a criação de um ambiente saudável e
3, sediadas em Currelos, Carregal do Sal, Diocese propício à convivência e ao diálogo, que possibilite
de Viseu: Ir. Manuela Delegado, Delegada da a cada uma das irmãs a sua valorização e o seu
Superiora Provincial, Glória Pacheco e Rosa Ajuriago- crescimento pessoal. A acção destas religiosas em
geascoa, estando ligadas à província religiosa de vida fraterna e comunitária pauta-se, ainda, pelos
P.e Francisco Palau y Quer (I) Madrid. valores da simplicidade, familiaridade e confiança,

358
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARETIANAS

pela amizade entre cada membro da Congregação Roma, CMT-Casa Generalicia, 1986; M ACCA , V.,
e pela participação de todas na missão da “Carmelitane Missionarie Teresiane”, in Pellicia
Comunidade, com total entrega e alegria. O segundo Guerrino, Giancarlo Rocca (dir.), Dizionario degli
princípio fundamental desta Congregação, que aqui Instituti di Perfezione, vol. II, Roma, Edizioni Paoline,
destacamos, é a vida orante. Sendo uma Congre- 1975, cols. 413-414.
gação de inspiração carmelitana, as religiosas deste
Instituto partilham dessa característica fundamental SÍLVIA FERREIRA
da Ordem Carmelita, para a qual a oração se constitui
como veículo privilegiado de comunhão com Deus.
Assim, é através da oração (proximidade com Deus CLARETIANAS
e comunhão com a Igreja) que as religiosas mantêm As Claretianas são um instituto feminino de nome
latente o ideal de união com Deus, o que as oficial Congregação das Missionárias de Santo
impulsiona a viver em entrega total aos mais António Maria Claret (MC). A Cúria Geral está em
carenciados e necessitados do amor de Cristo, teste- Londrina, Paraná – Brasil. Madre Leónia Milito (I)

munhado e difundido por estas irmãs. Complementar


aos dois princípios anteriores, a missionação constitui- Congregação dos Missionários Claretianos, em
-se como corolário desta Congregação, a qual nasceu 1929, e é ordenado Sacerdote, em Roma, em 1936.
para dar testemunho da vocação apostólica da Igreja De regresso ao Brasil, ensina no Studium Theologicum
e cooperar na missão salvífica de Cristo, através da Claretianum, em Curitiba, de que é nomeado Reitor,
ajuda e da entrega pessoal a todos os que sofrem desempenha funções de governo e dirige a revista
e reclamam o gesto de ajuda de outro ser humano. Ave-Maria. Muito solicitado para retiros a clero e a
religiosas, torna-se assessor das religiosas no Brasil.
É neste contexto que as duas vidas se cruzam.
A Ir. Milito busca-o para a ajudar a discernir o que
fazer perante a gravidade da dificuldade surgida.
Por outro lado, o núncio apostólico pede-lhe para
dar assistência às irmãs. Assume, então, a sua causa.
A 13 de Janeiro de 1957, é sagrado Bispo de
Londrina, e convida-as a irem para a sua diocese.
Em 1958, a Sagrada Congregação dos Religiosos
separou definitivamente do instituto de origem o
Logótipo da Congregação (I) grupo das missionárias italianas presentes no Brasil.
Surge assim a Congregação das Missionárias de
Santo António Maria Claret, fundada no dia 19 de
Maria Leónia Milito (1913-1980) nasce em Sapri, Março de 1958, em Londrina. São seus Fundadores
Província de Salerno, na Itália. Em 1936 professa na D. Geraldo Fernandes e a Madre Leónia Milito.
Congregação da Pobres Filhas de Santo António, Começa como Pia União por decreto do bispo a 22
sediada em Nápoles, e dedicada às obras caritativas de Agosto de 1958 e em 1959 instala o Noviciado.
e assistenciais. É formadora durante vários anos. Na Nesse ano, a Madre Leónia escreve, sob orientação
década de 50 do séc. XX, a Congregação, respon- e revisão de D. Geraldo, as primeiras Constituições.
dendo ao apelo da Igreja para uma maior presença No dia 7 de Maio de 1962, a Pia União é elevada
religiosa na América Latina, optou pelo Brasil. Maria a Instituto de Direito Diocesano, e são aprovadas as
Leónia, por determinação da Superiora Geral, segundas Constituições, que haviam sido actualiza-
Irmãs Carmelitas Missionárias Teresianas reunidas coordena o projecto para o envio de 22 irmãs, entre das, completadas e revistas pela Santa Sé.
no Capítulo Geral de 2006, em Espanha (I) finais de 1952 e meados de 1953. Abrem cinco cen-
tros missionários e assistenciais no Estado de S. Paulo.
As Carmelitas Missionárias Teresianas estão presentes Em 1954 é nomeada Responsável pela missão.
em 25 países da Europa, América, África e Ásia, Apareceu, entretanto, uma dificuldade grave que se
sendo a missão realizada em cada um destes locais torna providencial. As superioras de Itália, que não
adequada ao grau de necessidade e às características conhecem de perto a realidade brasileira, carente
culturais de cada um. Destacam-se, entre as acções de religiosas, tanto para anunciar o Evangelho, como
evangélicas promovidas por estas Irmãs, a promoção para as obras sociais, exigem o regresso das irmãs.
da vida espiritual, por meio de cursos de Estas, por sua vez, sentem que não podem deixar
espiritualidade, retiros e catequeses, e a assistência as actividades apostólicas e sociais a que se dedicam.
aos doentes, aos mais idosos e aos carenciados. Compreendem que o seu regresso seria uma falta
de compromisso consigo mesmas, com a missão que
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, com tanta generosidade assumem com os pobres,
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal e com a Igreja. É aí que surge a figura do P.e Geraldo
Portuguesa, 2007, pp. 866-867; Historia de la Fernandes (1913-1982). Nascido em Contagem,
Congregación de Carmelitas Misioneras Teresianas, no Estado de Minas Gerais, Brasil, professa na D. Geraldo Fernandes (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

A Congregação consolida-se. A partir de 1964, CLARISSAS Cristo em estilo novo: vida pobre, em fraternidade
estende-se por terras brasileiras; em 1965, chega à 1. Origem e carisma. A sociedade do séc. XIII e serviço, humilde e simples, em amorosa con-
Europa; em 1969, à África; em 1979, à Austrália. encontrava-se em crise. O declínio do feudalismo e templação de Deus e em sintonia com a huma-
A partir de 1980 torna-se presente na Argentina e o nascimento da burguesia, com o consequente nidade sofredora. Em suma, vida de seguimento de
no Chile; em 1991, nas Filipinas; em 1992 no desenvolvimento do comércio, fizeram nascer uma Cristo pobre e crucificado.
Paraguai; em 1995 em Portugal e na Polónia. Em forte rivalidade económica e política entre as comunas
Portugal tem uma comunidade em Fátima, onde e a nobreza. Em Assis a luta tornou-se tão violenta
orienta um centro de acção social (lar de crianças que muitos nobres tiveram de se refugiar em Perúsia,
e jovens em risco) do Santuário. Em 2006, estende- onde encontraram asilo e protecção. Na Igreja sentia-
-se por mais três países: Índia, Indonésia e Togo. -se a necessidade de maior vivência evangélica. Aqui
Actualmente as Irmãs estão presentes em 17 países e além surgiam movimentos de natureza diversa,
dos cinco continentes. tentando imprimir um rosto novo à sociedade. Em
Logo após a fundação, na conclusão dos exercícios Assis, um jovem, filho de um rico mercador, depois
espirituais das Irmãs, dirigidos por D. Geraldo, estas, de um lento e progressivo itinerário de conversão
a 27 de Abril de 1958, pedem-lhe que lhes seja interior, inicia uma caminhada interpelante. Em
concedido partilhar e viver a mesma dimensão Francisco e seus irmãos, a sociedade e a Igreja do
apostólica e participar do seu “espírito claretiano séc. XIII descobrem valores essenciais: a vivência da
extraordinariamente apostólico, e que lhes dê por fraternidade e da pobreza evangélica.
pai e patrono S.to António Maria Claret, porque – Em 1194 nasce em Assis uma jovem, Clara, que
dizem – como suas filhas, desejamos e queremos desde os 15 anos estava atenta ao movimento
viver o mesmo espírito do nosso fundador”. Nesse franciscano. Os seus pais, Favarone Offreduccio di
mesmo dia foram dadas e aprovadas as linhas mestras Bernardo, nobre cavaleiro, e Madonna Hortolana,
da espiritualidade, na qual sobressaem traços senhora de grande piedade, eram respeitados pela
claretianos: a relação ao mistério eucarístico, ao sua honradez. A sua mãe, excelente educadora, deu-
Coração de Maria e à dimensão missionária. -lhe uma boa formação religiosa, humana e cultural.
No dia 22 de Agosto desse mesmo ano, na altura A mudança radical operada em Francisco encheu
da festa do Imaculado Coração de Maria, os de curiosidade os habitantes de Assis. Clara admira
Fundadores traçam as linhas carismáticas e a coragem e a decisão do jovem. Aos 17 anos,
missionárias do novo Instituto: “Abraçar todas as contrariando os costumes da época, Clara não aceita
obras de misericórdia corporais e espirituais; salvar o casamento com um nobre a quem tinha sido
as almas de todo o mundo por todos os meios prometida, porque, por amor a Cristo, quer Clarissa (Tours)
possíveis […]. Espírito alegre e todo dedicado às “permanecer virgem e viver em pobreza” (Processo
almas; consolar os pobres e necessitados, dedicando- de Canonização, IX, 2). Desde há muito que
-se a todos, sem distinção de idade, sexo, cor, pátria contemplava o viver de Francisco e de seus irmãos. No Mosteiro de S. Damião vivia-se em fraternidade.
ou religião. O seu lema será: “Bondade e Alegria”. Viviam felizes. Não precisavam de bens materiais, As irmãs eram consultadas e ouvidas e os assuntos
O Coração Imaculado de Maria deverá ocupar o propriedades; de tudo se haviam despojado por respeitantes à utilidade e bem espiritual eram tratados
lugar de honra em todas as casas da Congregação”. amor de Jesus Cristo. Depois de séria reflexão e em reunião conventual. Estamos diante de uma
As Constituições actuais indicam a missão como o obtido o consentimento do Bispo de Assis, a jovem estrutura horizontal, dignificante da pessoa humana,
princípio unificador que congrega e caracteriza todos “deixou a casa, a cidade e os familiares e apressou- porque evangélica.
os elementos do carisma da Congregação na Igreja. -se a ir para Santa Maria da Porciúncula”, onde se Os mosteiros da Idade Média tinham a sua subsis-
A missão realiza-se através do exercício das obras consagrou ao Senhor. Naquela noite de Domingo tência assegurada com dotes e rendas. Porém, Clara
de misericórdia, concretizada no binómio: anúncio de Ramos, 18 de Março de 1212, nascia a Segunda e suas irmãs tinham renunciado a tudo. Viviam do
da Palavra e serviço da caridade. A força vem da Ordem Franciscana. trabalho – expressão de oração, de comunhão com
vivência do mistério eucarístico, que aponta um Depois de algumas semanas entre as Beneditinas, os pobres e meio de subsistência – e, se necessário,
caminho de santidade, fonte de amor a Deus e ao esperando o acalmar dos ânimos, Clara fixou-se no recorriam à ajuda dos fiéis. Em S. Damião trabalhava-
próximo, e alimento de fidelidade e da dimensão Conventinho de S. Damião. Depressa se lhe juntaram -se: as irmãs fiavam, teciam, faziam todos os
cordimariana. Maria, no seu coração, é mãe, mestra outras donzelas. A Ordem que acabava de nascer trabalhos domésticos, cuidavam da horta com
e modelo do coração missionário, aberto e sensível, cresceu e começou a difundir-se. Em 1238, estavam simplicidade e alegria. Clara e suas irmãs optaram
que se dá a todos, de modo especial aos mais em S. Damião 50 religiosas, apesar das que iam por viver numa atitude de abandono à providência
pobres. saindo para novas fundações. No dizer de divina, até ao limite dos condicionalismos da
Miglioranza, S. Damião, “mais do que um mosteiro, sobrevivência material.
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal foi um ideal, um desafio, um sonho feito realidade”. A “Plantazinha” de Francisco era uma “Mulher
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência A Forma Vivendi, dada por Francisco, que se Eucarística”, que procurava viver em atitude de
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 902; MILITO, Leónia, concretizava na vivência do Santo Evangelho em adoração perpétua. É que, naquele pequenino
Autobiografia, Londrina, 1997; M ILITO , Leónia, castidade, em obediência e sem nada de seu, Mosteiro de S. Damião, no seguimento da doutrina
Relatório da Congregação das Missionárias de Santo orientou a vida das Irmãs Pobres de São Damião do IV Concílio de Latrão (Novembro de 1215) e a
António Maria Claret: Anos 1958-1964, Londrina, nos primeiros anos. conselho de Francisco, desenvolveu-se a espiritua-
1964. Digital: www.mcm.pt/Paginas/ claretianas.htm. Clara, a “Plantazinha” (Testamento de S.ta Clara, lidade eucarística. As Damianitas foram as pioneiras
37) de S. Francisco, revelou uma vocação peculiar. na adoração do Santíssimo Sacramento, pelo que
JERÓNIMO TRIGO Era discípula do Pobrezinho de Assis, seguidora de S.ta Clara aparece como arauto no reflorescimento

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

eucarístico do séc. XIII. A piedade popular assim o Rapidamente, e com carinhosa reverência por seu pelo Ministro Geral da Primeira Ordem Franciscana
compreendeu. Os artistas sempre a representam com pai e mestre, Clara pegou na Regra bulada, aprovada e confirmadas, em 1458, por Pio II. Sem nada omitir
a custódia nas mãos. É uma linguagem de símbolos em 1223 para os Frades Menores, e fez a sua ou acrescentar à Regra, apontavam com firmeza
que expressa quanto a sua vida esteve vinculada ao adaptação a uma fraternidade feminina contem- pontos carismáticos fundamentais: pobreza individual
sacramento do Corpo de Cristo. Este amor à plativa. Surge assim a “Forma de Vida ou Regra” e colectiva, espírito de oração e contemplação,
Eucaristia traduzido em louvor, adoração e desagravo, de S.ta Clara, que em 1252 teve a aprovação do vivência eucarística, abertura à Igreja, união com a
deixou-o a Santa Fundadora às suas irmãs e filhas Cardeal Protector, o Cardeal Reinaldo. A 9 de Agosto Primeira Ordem e espírito de fraternidade. Assim,
como legado perpétuo. de 1253, dois dias antes da sua morte, a Fundadora em conformidade com a Regra de S.ta Clara, proibiu
recebe em suas mãos a Bula Solet annuere do Papa a aceitação de rendas e de dotes, valorizou o Capítulo
Inocêncio IV, com a sua confirmação. A Regra de conventual como expressão de corresponsabilidade,
S.ta Clara, fraterna, humana e flexível, contrastando tornou o trabalho o meio normal de sustentação.
com as anteriores, mais rígidas, valoriza a pobreza, Os edifícios deviam ser simples, sem nada de
a fraternidade, a corresponsabilidade fraterna, a supérfluo ou precioso. Excluiu do interior dos mos-
autoridade como serviço. teiros o pessoal trabalhador. Na clausura viveriam
somente pessoas com profissão religiosa. Apreciando
a formação intelectual e espiritual das Irmãs, ordenou
que todos os mosteiros tivessem uma boa biblioteca.
Esta reforma logo irradiou para vários países.
No séc. XVI, com María Lorenza Longo surgiram as
Clarissas Capuchinhas, aprovadas por Paulo III, em
1538. Observavam a Regra de Santa Clara e as
Constituições de S.ta Coleta com adaptações das
Constituições dos Capuchinhos. Esta reforma,
igualmente caracterizada pela vivência do genuíno
ideal da Ordem de Santa Clara, teve origem em
Nápoles, na Itália, donde se difundiu para Perúsia,
Gúbio, Roma e Milão. Na segunda metade do séc. XVI,
irradiou para outros países europeus e, em seguida,
para a América Latina e outras zonas do globo.

S.ta Clara de Assis, pintura de Josefa de Óbidos (A) 3. Expansão, supressão e ressurgimento da
Ordem. Os mosteiros cedo se multiplicaram por
toda a Itália e fora dela. Em 1228 havia 24 mosteiros
2. Textos legislativos e movimentos renovadores. na Itália. Nesse ano surgiram outros, entre os quais
O IV Concílio de Latrão determinou que, de futuro, o primeiro fora da Itália, o de S. ta Engrácia, em
quem quisesse seguir a vida religiosa devia escolher Pamplona (Espanha). Por ocasião da morte da
Imposição da Regra de S.ta Clara, Museu de S. Roque (CLS)
uma das Regras já existentes. Na sequência desta Fundadora, já haviam atingido um total de 111: 68
determinação, as Damianitas foram convidadas a na Itália, 21 na Espanha, 14 na França e 8 nos países
fazer a profissão sob a Regra de S. Bento. Diante Dez anos mais tarde, o Papa Urbano IV, querendo germânicos.
desta exigência jurídica, Clara encontrou um meio unificar os mosteiros da Ordem sob uma mesma A esta irradiação para o centro e ocidente europeu,
de salvaguardar o carisma próprio: o “Privilégio de legislação, promulgou, em 1263, uma nova Regra. juntou-se, ainda no séc. XIII, uma linha de expansão
Pobreza” confirmado por Inocêncio III, em 1216, Segundo ela, os mosteiros uniam-se sob o nome de impulso missionário. De facto, as Clarissas
que lhes permitia renunciar a toda a espécie de genérico de Ordem de Santa Clara, dava-se à clausura expandiram-se para a Síria, Líbano e Palestina.
propriedade. a força de voto e permitia-se “receber, possuir e E nem lhes faltou a auréola do martírio. Sabemos
Em 1219, o Cardeal Hugolino, encarregado de velar reter em comum rendas e possessões” (Regra de que, em 1257, foram degoladas todas as irmãs de
pelo movimento franciscano, redigiu uma Regra ou Urbano IV, 34). Daqui resultou que na Ordem Antioquia por ordem de Melek Saher Bibars. Em
Constituições com acentuado pendor beneditino e passaram a existir duas Regras: a Primeira Regra, a 1289, quando Trípoli, no Líbano, caiu em poder do
que não consideravam o “Privilégio de Pobreza”. de S.ta Clara, e a Segunda Regra, distanciada do Sultão do Egipto, Melek El-Mansur, foi exterminada
No entanto, em 1227, eleito Papa com o nome de carisma da Ordem, a do Papa Urbano IV. a comunidade ali existente. Dois anos mais tarde,
Gregório IX, a pedido de Clara, confirma o referido Ao longo dos séculos, por razões de vária ordem, aconteceu o mesmo às 70 clarissas de S. João d’Acre,
privilégio. Em 1247, a Regra de Inocêncio IV traz entre as quais a mais forte foi a pressão régia, a maior na Palestina. Ainda no séc. XIII, a Ordem expandiu-
nova inquietação à Fundadora. É que, apesar da parte dos mosteiros seguiu a Regra de Urbano IV. -se para outros países latinos europeus e no século
substituição da Regra de S. Bento pela de S. Francisco Com efeito, no começo do séc. XV, teve início um seguinte para territórios eslavos. Nos sécs. XVI e
no acto da profissão, a Regra de Inocêncio IV permitia movimento renovador, ou seja de retorno ao carisma XVII, atingiu a América Latina, as Filipinas e a China.
a recepção de rendas e a posse de bens imóveis. inicial. Foi protagonista deste movimento uma clarissa A ideologia dos séculos seguintes trouxe a supressão
Sentindo o perigo, S.ta Clara redige de imediato o francesa, Coleta Boylet, nascida em Corbie, em 1381. dos institutos religiosos. Na Europa, ao longo dos
seu testamento (1247), belíssima síntese do carisma Em 1406, Coleta professou nas mãos do Papa de sécs. XVIII e XIX, foram suprimidos os mosteiros, como
da Ordem e, seguidamente, a Regra. Só uma Regra Avinhão, Bento XIII, e lançou-se ao delicado trabalho consequência do regalismo e liberalismo reinantes.
saída das suas mãos poderia dar estabilidade à de recuperar o genuíno espírito da Fundadora. O Imperador da Áustria, José II, suprimiu os mosteiros
Ordem, ficando bem defendido o carisma. Elaborou umas Constituições, aprovadas em 1434 da Ordem de Santa Clara e de outros institutos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

Desde o início do séc. XX, os mosteiros foram-se 6. Fundações. A Ordem de Santa Clara entrou cedo
multiplicando e difundindo pelos mais diversos países em Portugal, onde já na segunda metade do séc. XIII
do mundo. Em 2000, a Ordem estava presente em existiam quatro mosteiros.
75 países: 18 na Europa, 12 na Ásia, 18 nas Américas, O primeiro, o Mosteiro de S.ta Maria e de S.ta Clara,
3 na Oceânia e 24 em África. surgiu em Lamego em 1258, cinco anos após a
morte de S.ta Clara: “Começou o mosteiro por algu-
5. Implantação e desenvolvimento da Ordem mas mulheres devotas e exemplares, as quais
em Portugal (sécs. XIII-XIX). A história da Ordem aspirando a mais perfeito estado se uniram entre
de Santa Clara em Portugal desdobra-se em três si e propuseram viver na Ordem de Santa Clara”
períodos. O primeiro começou com o estabelecimento (Fr. Manuel da Esperança). No ano seguinte, a comu-
do primeiro mosteiro, em 1258, e prolongou-se por nidade foi transferida para Santarém, residência
quase seis séculos até aos decretos anticongreganistas
do governo liberal do Rei D. Pedro IV, em 1832-
-1834. Durante esta época erigiram-se em Portugal
75 mosteiros.

Igreja do antigo Convento de S.ta Clara, Santarém (SMA)


Clarissas (Tours)

habitual da Corte, onde o Rei D. Afonso III construiu


religiosos em 1782, a França em 1792 e a Itália em um mosteiro de raiz. É que, além de a casa de
1860. Esta onda anti-religiosa foi avançando para o Lamego não ter condições para vida conventual,
ocidente europeu e atingiu Portugal em 1832. havia dificuldades na assistência espiritual. Ali não
O ressurgimento da Ordem de Santa Clara aconteceu havia Franciscanos. Com o tempo, o Mosteiro de
nalgumas nações da Europa já no séc. XIX. De facto, Santarém veio a tornar-se um dos mais sumptuosos
em França, Bélgica, Grã-Bretanha e Alemanha, a e magnificentes de Portugal com capacidade para
partir de 1846, os mosteiros foram-se reorganizando 80 religiosas. Nele professaram senhoras nobres e
e multiplicando. No séc. XX, respondendo ao apelo de sangue real, a começar por D. Leonor Afonso,
feito por Pio XII na Constituição Apostólica Sponsa filha do rei fundador. Seguia a Regra do Cardeal
Christi, de 1950, e depois no contexto das reformas Hugolino, de 1219.
operadas pelo Concílio Vaticano II, a Ordem orientou- O segundo nasceu em Entre-os-Rios, no lugar do
-se para novas linhas de expansão: Pacífico (Taiti, Mapa de mosteiros de Clarissas em Portugal antes Torrão. Foram seus fundadores D. Chamoa Gomes
na Polinésia), Califórnia, Brasil, Jamaica e, sobretudo, do Liberalismo (A) e seu marido, D. Rodrigo Forjaz. Em 1256, Alexandre
para África, como apoio espiritual às novas Igrejas. IV autorizou a fundação e pediu às clarissas de
Zamora a vinda de 12 monjas A Regra foi também
4. Alguns dados estatísticos. Aquando da morte O segundo período caracteriza-se pela supressão a do Cardeal Hugolino. O lugar do Torrão, solitário
de S.ta Clara, em 1253, havia 111 mosteiros. No gradual dos mosteiros que, sem possibilidades de e despovoado, não oferecia a necessária segurança.
séc. XIV oscilaram entre 404-452, no séc. XVI entre recrutamento, conforme o Decreto de 1833, encerra- Por essa razão, o franciscano Fr. João de Xira, visitador
602-814, no séc. XVII entre 774-870 e em 1700 vam quando a última religiosa falecia. Todavia, alguns das religiosas e confessor de El-Rei D. João I, pediu
eram 1067. Por sua vez, as religiosas eram 40 000 mosteiros mantiveram-se até à I República (1910). à Rainha D. Filipa de Lencastre a sua transferência
em 1590, 30 186 em 1661, 34 100 em 1680 e 38 Só então foram dissolvidos. para o Porto, que Inocêncio VII autorizou em 1405,
000 em 1700. Este cômputo, por falta de dados O início do período actual situa-se em 1928. Nesse mas que só se efectuou em 1427.
estatísticos, não inclui as clarissas dependentes dos ano as sobreviventes do Mosteiro do Louriçal O terceiro mosteiro apareceu em Coimbra. Em 1286,
Capuchinhos, Reformados e Conventuais. reagruparam-se em comunidade; na Madeira D. Mór Dias, senhora nobre e de considerável riqueza,
No séc. XX, mudadas as circunstâncias político- começaram as diligências para a construção do levantou junto à ponte do Mondego um novo
-sociais, a Ordem de Santa Clara ressurgiu e cresceu. Mosteiro de N. Sr.a da Piedade (Caldeira), onde a mosteiro de Clarissas. As primeiras povoadoras foram
Os mosteiros eram 495 em 1907, 713 em 1960, 16 de Abril de 1931 entraram as oito sobreviventes algumas religiosas para ali deslocadas de outros
904 em 1972, 830 em 1988, 881 em 2003. Quanto do Mosteiro de N. Sr.a das Mercês. Do Mosteiro do mosteiros da Ordem e a própria D. Mór Dias, com
às religiosas, as estatísticas dão-nos 12 173 em 1929; SS.mo Sacramento de Lisboa, o “Conventinho”, duas outras recolhidas das Cónegas Agostinhas de Santa
16 142 em 1960; 1800 em 1972, 13 347 em 1988, pupilas fizeram a profissão no Mosteiro de Ciudad Cruz de Coimbra.
11 827 em 2003, das quais 10 657 da Regra de Rodrigo (Espanha), em vista à restauração da Com efeito, D. Mór Dias tinha-se acolhido a Santa
S.ta Clara (2261 capuchinhas e 701 coletinas) e 1170 comunidade. Entre 1955 e 2002 fundaram-se mais Cruz em 1250. Informa Fr. Manuel da Esperança
urbanistas. nove mosteiros. que aí vestira o hábito das Cónegas, mas com decla-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

ração de que nem por isso entregava sua pessoa os Na primeira metade do séc. XVII, na vila do Louriçal bastardo do Rei D. Dinis, para o de Vila do Conde;
bens havidos e por haver mas que tudo reservava (Pombal), Maria de Brites, cujo nome passou mais o Infante D. Fernando, irmão do Rei D. Afonso V,
na sua liberdade e de tudo disporia futuramente tarde para Maria do Lado, iniciou, com algumas e sua mulher, D. Beatriz, para o da Conceição de
como bem lhe parecesse. Os Cónegos de Santa senhoras que a ela se associaram, o desagravo do Beja; D. Vasco Perdigão, Bispo de Évora, para o de
Cruz, responsáveis pelo mosteiro das Cónegas, Santíssimo Sacramento. Tinham em vista reparar o S.ta Clara desta cidade; o franciscano Fr. Afonso do
entenderam, porém, que se tratava de verdadeira Senhor de um sacrilégio cometido em Lisboa em 1630 Paraíso para o de Estremoz; umas mulheres devotas
profissão religiosa. Daqui nasceu uma complexa e na Igreja de S.ta Engrácia, vindo a formar, na sua para o de Portalegre; e na Madeira, João Gonçalves
arrastada causa em tribunais eclesiásticos de Portugal própria casa, um recolhimento de terceiras franciscanas. da Câmara, Segundo Capitão Donatário, para o de
e de Roma, que levou à extinção do mosteiro em Em 1709, 77 anos depois do falecimento de Maria S.ta Clara; o Cónego Henrique Calaça de Viveiros
1311. Entretanto, o Papa Clemente V autorizou a do Lado, concluídas as obras de adaptação e para o de N. Sr.a da Encarnação; e o Capitão Gaspar
Rainha Santa Isabel a refundar o Mosteiro de S.ta Clara. ampliação do edifício do recolhimento, promovidas Berenguer e sua esposa, D. Isabel de França, para
Em 1317, apesar de incompleto, já estava habitado por D. João V, chegaram ao Louriçal as primeiras o de N. Sr.a das Mercês.
por nove clarissas vindas de Zamora. Junto ao mos- irmãs clarissas: quatro monjas vindas do Mosteiro Relativamente à origem, uma parte dos mosteiros
teiro, a rainha edificou um hospital para 30 pobres do Calvário de Évora. Logo a seguir, estas receberam formou-se a partir de recolhimentos de beatas,
e um paço onde se recolheu em 1325, quando como noviças as sete terceiras franciscanas que à senhoras piedosas que, sendo verdadeiramente
enviuvou. data viviam no recolhimento. Um caso feliz de reformadas na vida, pareciam religiosas e, em maior
inserção desta forma de piedade – o desagravo – número, de recolhimentos de terceiras franciscanas
na espiritualidade eucarística de S.ta Clara, que daqui seculares que usavam o hábito completo da sua
irradiou para outros mosteiros: o do SS.mo Sacramento Ordem. Por este motivo, eram designadas Mantelatas.
(1783) em Lisboa, o chamado “Conventinho”, Nestes casos as moradoras dos recolhimentos
construído pela Infanta D. Mariana Vitória de passavam em conjunto à Ordem de Santa Clara,
Bragança, e mais tarde os de Vila Pouca da Beira e como aconteceu nos sécs. XIV-XV no Mosteiro da
de Montemor-o-Novo. Conceição de Beja e nos Mosteiros de S.ta Clara em
Em síntese: desde a entrada da Ordem em Portugal Amarante e na Guarda. No séc. XVI passou à Ordem
em 1258, até à sua extinção, com o Liberalismo, de Santa Clara uma boa dezena de recolhimentos
fundaram-se no país 75 mosteiros, dos quais 56 no de beatas e de mantelatas, entre os quais alguns
continente, 16 nos Açores e 3 na Madeira. O número mosteiros dos Açores.
mais elevado pertenceu ao Alentejo, 15 mosteiros, O número de religiosas professas em qualquer
e logo a seguir à zona de Entre-Douro-e-Minho, mosteiro não era arbitrário. De acordo com o
Convento de S.ta Clara-a-Nova, Coimbra (JAM)
com 10. Lisboa detém a primazia, com 10 fundações. Concílio de Trento, nenhum mosteiro podia ser
O Algarve foi a província mais desfavorecida, tendo fundado sem que estivesse garantida a sua sus-
Por causa das enchentes do rio Mondego, em 1649, apenas um mosteiro: o de N. Sr.a da Assunção, em tentação com dotes e rendas ou esmolas certas.
D. João IV mandou levantar outro mosteiro, o de Faro. Do quantitativo desta dotação dependia o numerus
S. ta Clara-a-Nova, a meio da encosta no vizinho clausus com que o mosteiro poderia ser fundado.
monte de N. Sr. a da Esperança, onde jamais o Para os mosteiros que seguiam a Regra de Urbano
Mondego poderia chegar. As Clarissas e o túmulo IV, aos quais estavam assegurados dotes e rendas
da Rainha Santa foram transferidos para lá em 1677. abundantes, o número autorizado era elevado:
O quarto mosteiro foi construído em Lisboa, junto 60, 90 e até mais. Para os que seguiam a Regra de
a S. Vicente de Fora. A sua fundação, autorizada S.ta Clara, que viviam do trabalho e da ajuda dos fiéis,
pelo Papa franciscano Nicolau IV em 1288, foi normalmente o numerus clausus não ia além de
iniciativa de quatro senhoras nobres da cidade de 30. Exemplificamos: na Madeira, o numerus clausus
Lisboa, as quais em 1292 o entregaram às Irmãs para o de S.ta Clara era de 60. Porém, em 1720, o
Clarissas. No séc. XVII foi restaurado e ampliado, visitador franciscano da Custódia de São Tiago
ficando a igreja a ser o maior de todos os mosteiros Menor, ali constituída, determinou que passasse
de Lisboa e a parte habitacional com capacidade para 100; no Mosteiro de N. Sr.a da Encarnação,
para mais de 200 religiosas. O terramoto de 1755 embora sendo 30, bem depressa passou para 60.
destruiu-o completamente. Nos Açores, o de S. João Baptista da Horta, fundado
As fundações continuaram. No séc. XIV foram erectos com 20, passou depois para 75. Trata-se de Mosteiros
mais quatro mosteiros: Vila do Conde, Beja, Guarda da Regra de Urbano IV.
e Portalegre. No séc. XV surgiram mais seis: S.ta Clara, Para os mosteiros que observavam a Regra de S.ta Clara,
em Amarante, Estremoz, Évora, N. Sr.a da Conceição, que sobremaneira prezavam a vivência do carisma,
em Beja, o de Jesus, em Setúbal, e o de S.ta Clara, o número das religiosas normalmente era pequeno.
no Funchal (1497), o primeiro mosteiro nas ilhas do Por exemplo, o da Madre de Deus de Lisboa foi
Atlântico. O séc. XVI foi o período de maior estabelecido com 20 religiosas; o de N. Sr. a das
desenvolvimento da Ordem em Portugal. Surgiram Convento da Conceição, Beja (PB) Mercês do Funchal, com 21, passando pouco depois
então 41 fundações, 11 das quais nos Açores. No para 24; nos Açores o de S. Sebastião de Angra e
tempo que decorreu até ao Liberalismo, registaram- o do Rosário das Velas foram limitados a 30 religiosas
-se mais 20 fundações, das quais 2 no Funchal, 5 7. Aspectos organizativos. Os mosteiros foram professas. Os mosteiros, quando autorizados, podiam
nos Açores e 13 no continente, uma delas o Mosteiro levantados por várias classes de fundadores. ter supranumerárias.
do Louriçal. Destacamos o Infante D. Afonso Sanches, filho Houve mosteiros fundados sem número fixo, por

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

exemplo, o de S. Gonçalo de Angra e o de Jesus semelhante acontecia também com os franciscanos Ao Mosteiro de Vale de Cabaços está ligada uma
da Praia da Vitória, nos Açores. da “mais estreita Observância”, que igualmente particularidade digna de referência. Quando já eram
receberam o nome de Capuchos. Mais informa o um grupo capaz de formar uma comunidade, tratou
8. Retorno às origens: opção pela Regra de mesmo cronista que dois terços dos mosteiros, o Capitão Rui Gonçalves da Câmara de lhes alcançar
S.ta Clara. No séc. XV, a reforma de S.ta Coleta, que exactamente 44, viviam sob a jurisdição dos a licença da Sé Apostólica, pelo que duas das
ia reconduzindo os mosteiros da Ordem ao genuí- Franciscanos e 21 eram de jurisdição episcopal. religiosas teriam ido a Roma solicitar o breve de
no espírito de Clara de Assis, entrou em Portugal. Vem a propósito dizer que no séc. XVII se estabeleceu fundação. Reza a história que o Papa Clemente VII
O Mosteiro de Jesus de Setúbal, fundado em 1490, em Lisboa um mosteiro de Clarissas Capuchinhas (1523-1534), – não Paulo III (1534-1549) como se
com sete clarissas do Mosteiro de Gandía (Valência), Francesas, o do Crucifixo, na Calçada da Estrela, vem afirmando –, lhes ofereceu a imagem-busto do
centro da reforma coletina na Península Ibérica, foi fundado pela Rainha D. Maria Francisca Isabel de Ecce Homo, à qual os açorianos, desde logo, votaram
o primeiro a acolhê-la. Deste modo, a Regra de Sabóia. As fundadoras vieram de Paris com a rainha grande devoção e ainda hoje veneram com o nome
S.ta Clara entrava em Portugal dois séculos e meio e entraram solenemente no mosteiro em 1667. de Senhor Santo Cristo.
depois de ter sido aprovada. Devido à nacionalidade do grupo inicial, estas clarissas Cerca de oito ou dez anos mais tarde, porque ali
receberam o nome popular de Francesinhas. corriam perigo por causa dos corsários, o mosteiro
desdobrou-se. Um grupo de 18 irmãs, entre professas
9. Expansão da Ordem a partir de Portugal. e noviças, partiu para Vila Franca onde, em 1532,
Quando no séc. XV foi iniciado o povoamento da fundou o Mosteiro de S.to André e as restantes, em
Madeira, muitos nobres se transferiram para lá, número de 12, em 1541, fundaram o Mosteiro da
assistindo-se a uma verdadeira proliferação de linha- Esperança, em Ponta Delgada. Estas religiosas levaram
gens locais. consigo a imagem do Senhor Santo Cristo.
Por razões religiosas e imperativos sociais, a
população insular começou a sentir a necessidade
de um mosteiro na ilha. Foi João Gonçalves da
Câmara, filho do descobridor e Segundo Capitão
Convento de Jesus, Setúbal (DB) Donatário, que chamou a si a iniciativa da fundação:
o Mosteiro de N. Sr. a da Conceição, mais tarde
Em Portugal esta reforma teve um percurso bem chamado de S.ta Clara. A Bula Ex injunto nobis do
definido. Entrando por Setúbal, bem depressa irradiou Papa Alexandre VI, de 1495, concedeu a licença
para outros pontos do continente e ilhas atlânticas, definitiva. As fundadoras, entre as quais D. Isabel,
Açores e Madeira. Vejamos: em 1509, o Mosteiro filha do capitão, saíram do Mosteiro da Conceição
de Jesus de Setúbal enviou sete clarissas para povoar de Beja e entraram no do Funchal no dia 5 de
o da Madre de Deus de Lisboa. Deste mosteiro, a Novembro de 1497. Ainda na Madeira, em 1660,
reforma seguiu para o de N. Sr.a da Assunção, em com Breve Apostólico de Inocêncio X de 1651, o
Faro (1541), e para o de N. Sr.a das Mercês (1667), Cónego Henrique Calaça de Viveiros fundou o
Mosteiro de N. Sr.ª das Mercês, Açores (A)
no Funchal. Em 1662, a Regra da S. ta Clara foi Mosteiro de Sr. a da Encarnação a partir do
assumida pelo Mosteiro de S. Sebastião de Angra Recolhimento de S.ta Teresa. E, sete anos passados,
e, em 1773, pelo do Rosário das Velas. em 1667, foi fundado no Funchal um terceiro Fundaram-se, em seguida, o Mosteiro das Chagas
Segundo Fr. Apolinário da Conceição, que em 1739 mosteiro, o de N. Sr. a das Mercês, de Clarissas (1538?), na Praia; o de S. João Baptista (1538) e o
recolheu informações sobre os 65 mosteiros de Capuchas, que a população madeirense, em gesto de N. Sr.a da Glória (1611), na Horta; o da Esperança
Clarissas existentes em Portugal, a maioria (53) de apreço e carinho, habitualmente designava (1541), o de S. to André (1567), o de S. João
professava a Regra de Urbano IV; muito poucos Capuchinhas. Foram seus fundadores o Capitão Evangelista (1602) e o de N. Sr.a da Conceição (1671),
observavam a do Cardeal Hugolino de 1219, e 12 Gaspar Berenguer de Andrade e sua mulher, D. Isabel em Ponta Delgada; o de S. Gonçalo (1541?), o de
seguiam a de S.ta Clara. São eles: Setúbal, Mosteiro de França. A comunidade observava a Regra de N. Sr. a da Esperança (1560) e o de S. Sebastião
de Jesus fundado em 1490; Lisboa, Madre de Deus, S. ta Clara, vivendo com simplicidade e pobreza, (1662), em Angra; e o de N. Sr.a do Rosário das
em 1508; Faro, N. Sr.a da Assunção, em 1541; Évora, tirando sustento do seu trabalho e da generosidade Velas (1703), em S. Jorge, num total de 16 mosteiros.
S.ta Helena do Calvário, em 1570; Sacavém, N. Sr.a da população do bispado, conforme o Alvará Régio A vida de alguns mosteiros açorianos, dada a origem
dos Mártires, em 1581; Lisboa, N. Sr.a da Quietação de 1663 e o Breve de Alexandre VII de 1665. sísmica do arquipélago, foi gravemente afectada por
em Alcântara, em 1586; Angra, S. Sebastião em O séc. XVI, idade de ouro da Ordem em Portugal, tremores de terra. As religiosas do Mosteiro de Jesus
1666; Funchal, N. Sr. a das Mercês, em 1667; inicia a passagem das Clarissas para os Açores. O da Ribeira Grande, quando em 1563 a ilha de
Lisboa, Mosteiro do Crucifixo, em 1667; Louriçal, Mosteiro de N. Sr.a da Conceição do Funchal, então S. Miguel sofreu sucessivos abalos, viram-se obriga-
SS.mo Sacramento, em 1709; Guimarães, Madre de comunidade numerosa e rica em virtude que, sendo das a recolher-se no Mosteiro da Esperança de Ponta
Deus, em 1716; e Lisboa, S.ta Apolónia em 1718. o primeiro nas ilhas atlânticas, recebia também as Delgada, onde foram recebidas com verdadeira
Fr. Apolinário anota com apreço que em nenhuma nobres dos Açores, incrementou essa irradiação. amizade fraterna. Nessa data já eram 21 professas
Província de Espanha havia tantos mosteiros a O primeiro mosteiro açoriano foi o de N. Sr.a da e 10 noviças. Após o seu regresso, a comunidade
professar a Primeira Regra. Encarnação ou Sr.a da Luz, fundado por Bula de começou a crescer em número e em santidade,
Nesta época, em Portugal atribuía-se o qualificativo 1512, a partir do recolhimento existente na Praia. sendo, em meados do séc. XVII, constituída por 60
genérico de Capuchas às clarissas que seguiam a Seguidamente, a Madeira fundou o Mosteiro de N. professas.
Regra de S.ta Clara, em vez da Regra do Papa Urbano Sr.a da Conceição de Vale de Cabaços (S. Miguel) Aproveitando a expansão ultramarina levada a cabo
IV, em referência ao seu estilo de vida mais austero, em 1522, o de Jesus da Praia (Terceira) em 1534 e por Portugal, a Ordem estabeleceu-se em Macau,
mas sem vinculação à reforma capuchinha. Algo de o de Jesus de Ribeira Grande (S. Miguel) em 1555. em 1633, com o Mosteiro de S.ta Clara, e, em 1667,

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funda-se o Mosteiro de N. Sr.a do Desterro na Bahia, Delgada, Brites da Paixão e Virgínia Brites da Paixão,
Brasil. Destes mosteiros as Irmãs Clarissas irradiaram do Mosteiro das Mercês no Funchal, falecidas em
para outras zonas da América e da Ásia. odor de santidade. O amor à Santíssima Virgem era
profundo e terno. As comunidades rezavam dia-
10. Alguns dados estatísticos. Dispomos de alguns riamente, conforme a tradição da Ordem, a coroa
dados exactos sobre o número de religiosas de alguns das sete alegrias, meditando os mistérios jubilosos
mosteiros. da Virgem Maria. As grandes solenidades marianas,
Em 1617, o Mosteiro da Conceição de Beja tinha a Imaculada Conceição e outras, bem como as cele-
120 professas, o de S.ta Clara do Porto, em 1656, brações religiosas – Natal, Reis, Páscoa, S.ta Clara,
albergava mais de 100 e o de Vinhais totalizava 110, S. Francisco e outras – eram sempre antecedidas de
em 1702. Pouco antes de 1666, o de S.ta Clara de uma novena e revestiam-se de beleza espiritual.
Lisboa contava 138 professas, formando a maior Em atitude penitencial e no seguimento da pessoa
comunidade do país. Antes do terramoto de 1755 de Cristo, deviam levar vida ascética e mortificada,
o número era mais elevado: 223 religiosas. daí a prática do silêncio, tão necessário à vida de
No Funchal, em 1590, o de N. Sr.a da Conceição comunhão com Deus e o jejum. A Regra prescrevia
tinha 60 religiosas, o número com que havia sido o jejum no Advento e na Quaresma, bem como às
fundado, em 1722 contava 170 (número máximo), sextas-feiras e noutros dias prescritos pela Igreja.
em 1764 descera para 153 e em 1832 estava limitado Contudo, a Abadessa podia dispensar do jejum “as
a 51; o de N. Sr.a da Encarnação, na mesma cidade, mais jovens e as doentes”. As religiosas viviam estas
em 1660 tinha 30 religiosas, em 1733 chegara a formas de penitência com amorosa generosidade.
144 (número máximo) e em 1822 descera para 31. Sabiam que a vida por que haviam optado era
Nos Açores, o Mosteiro de S. Gonçalo de Angra em Estátua de S.ta Clara, no Convento de S.ta Clara-a-Nova, caminho de transformação, de seguimento de Cristo,
1695 tinha 98 professas; o de N. Sr.a da Glória na Coimbra (JAM) daí a obrigação de se empenharem na prática da
Horta, em 1739 contava 111 professas e em 1832 caridade, humildade, espírito de sacrifício, conhe-
apenas 31; o de S. João Baptista, também na Horta, cimento dos próprios limites.
que chegou a ter 89 professas, em 1832 tinha 55. Capelão entrava para administrar os sacramentos,
Não há estatísticas precisas sobre o número global sempre que para isso fosse solicitado pela Abadessa, 12. Testemunhos de santidade. Nas Crónicas da
de Clarissas em Portugal. Temos, porém, para 1650, podendo mesmo celebrar junto das doentes, para Ordem Seráfica e no Agiológio Lusitano de Jorge
uma estatística parcial dos mosteiros canonicamente o que estava a enfermaria apetrechada com altar Cardoso, bem como nas Crónicas e nos Livros de
dependentes dos Franciscanos da Província de próprio. Para orientação espiritual das Religiosas, Óbitos dos mosteiros, não faltam clarissas que eram
Portugal, de Fr. Manuel da Esperança. Segundo este havia um ou mais Confessores, de nomeação evidenciadas pela afirmação de uma vida capaz de
cronista franciscano, as Clarissas totalizavam então episcopal, que atendiam igualmente a restante ser considerada com o qualificativo de santidade.
1660 religiosas (ESPERANÇA, Manuel da, ofm, História população do mosteiro. Os cronistas definem as religiosas veneráveis da
Seráfica, I, pp. 14-15). Sendo esses mosteiros Com a oração litúrgica conjugavam as Filhas de Ordem de Santa Clara com epítetos como estes:
aproximadamente um terço do conjunto, podemos Santa Clara a espiritualidade eucarística no seu tríplice
calcular o número global de clarissas nessa altura aspecto de louvor, adoração e desagravo. Continua-
em cerca de 4500. Em 1739, a avaliar por doras do carisma eucarístico, específico da Ordem
informações colhidas por Fr. Apolinário da Conceição, de Santa Clara, os mosteiros tinham o Santíssimo
somariam 4800. Sacramento solenemente exposto, devendo cada
religiosa ter diariamente, pelo menos, meia hora de
11. Oração litúrgica e comunitária, devoções e adoração. Este amor a Jesus Eucaristia receberam-
ascese. A oração litúrgica – missa e Ofício Divino – -no de S.ta Clara, mulher profundamente eucarística.
era tempo prioritário na vida espiritual da Tão fortemente o assumiram que, ao longo dos
Comunidade. O ofício, rezado ou cantado, era tempos, jamais os mosteiros deixaram de privilegiar
celebrado segundo o costume da Primeira Ordem a Eucaristia, mantendo o Santíssimo Sacramento
Franciscana. Esta oração da Igreja estendia-se ao solenemente exposto, se não todo o dia, pelo menos
longo das 24 horas: Matinas à meia-noite, Laudes durante umas largas horas. Para a exposição, tinham
e Prima ao romper da aurora, Tércia, Sexta e Noa, custódias riquíssimas. Na Madeira, foi grande o
às 9, 12 e 15 horas, respectivamente, e Vésperas impacto do amor ao Corpo e Sangue de Cristo que,
pelas 18 horas. O dia terminava com a oração da ao longo dos séculos, irradiou dos três mosteiros de
noite, Completas, pelas 21 horas. Esta oração tinha Clarissas.
lugar no coro e nela tomava parte toda a Para além da oração comunitária, as Religiosas
Comunidade. A missa tinha lugar depois de Laudes procuravam viver as devoções próprias da Ordem.
e nela participavam todas as religiosas, bem como A Via Sacra, que permitia o aprofundamento do
as pessoas que, vivendo no mosteiro ou na zona Mistério da Redenção, devoção caracteristicamente
circunvizinha, a isso se sentissem movidas. franciscana, foi prática espiritual mantida ao longo
Para a celebração da missa e Ofício Divino, as dos tempos. Houve religiosas particularmente
comunidades normalmente tinham um Capelão sensíveis à Paixão de Cristo. Entre outras mencio-
privativo que vivia em casa anexa. Quando havia namos: Joana Sanches da Graça, do Louriçal, Teresa S.ta Clara num painel barroco de azulejos, séc. XVIII, no átrio
doentes que não podiam sair da enfermaria, o da Anunciada, do Mosteiro da Esperança, em Ponta interior do Mosteiro de S.ta Clara, Madeira (DRAC)

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“de muita virtude”; “perfeita em virtudes e santos Soledade que era “de grandes perfeições e preciosas deliberativo ou consultivo, conforme o direito.
exemplos”; “religiosa penitente e contemplativa”; virtudes” (S OLEDADE , Fernando da, ofm, História A Abadessa tinha o dever de consultar o Capítulo
“grandemente devota do Senhor Sacramentado”; Seráfica…, V, p. 354). Por sua vez, Noronha fala de Conventual em todos os assuntos de particular
”de muita pobreza e humildade”; “de contemplação várias religiosas virtuosas que ali floresceram na importância.
admirável”; “de insigne caridade”; “exemplar na prática das virtudes, entre as quais Maria do Corpus Para fins escriturísticos e formativos, era eleita uma
penitência e insigne no amor de Deus”; “humilde, Christi e Teodora de Jesus, almas verdadeiramente Escrivã e uma Mestra de Noviças. Depois do acto
caritativa, austera, sofrida, prudente”; “de altíssima eucarísticas, de muita oração e intimidade com Deus. eleitoral, a Abadessa, com o seu Conselho, procedia
caridade, zelo, pobreza e humildade”. Alguns escritores transmitem-nos a vida virtuosa e à nomeação das religiosas para os ofícios mais
Fr. Manuel da Esperança fala com admiração das edificante da comunidade das Mercês do Funchal. importantes: Porteiras, Rodeiras, Enfermeira e
clarissas de Coimbra, entre as quais havia modéstia O P.e Fernando Augusto da Silva, insigne historiador Sacristãs.
no trato e desprezo das vaidades do mundo. Fr. madeirense, deixou sobre aquele mosteiro um Sob o ponto de vista administrativo, tudo estava
Fernando da Soledade, referindo-se às religiosas de belíssimo testemunho: “Embora não se possa duvidar bem previsto e ordenado. No início de cada ano, o
Beja que foram para a fundação do Mosteiro de que algumas casas religiosas nem sempre primaram mosteiro recebia um livro de contas, onde a Escrivã
S.ta Clara do Funchal, diz que eram mulheres de pela rigorosa observância da Regra, deve, contudo, lançava, com muita clareza, todas as receitas e
opinião venerável, zelosas do bem comum, devotas afirmar-se que o Convento de N. Sr.a das Mercês foi despesas que tivessem lugar ao longo daqueles
e muito observantes da sua Regra. em todo o tempo um vivo e eloquente exemplo da três anos. Trimestral ou quadrimestralmente, a
prática de todas as virtudes cristãs”. E Noronha, na Abadessa dava conhecimento das contas ao Capítulo
obra já referida, faz uma pequena resenha da vida Conventual. No fim de cada ano, o livro era enviado
edificante de várias das suas religiosas. ao Bispo da Diocese ou ao Provincial que, exami-
Cumpre-nos aqui destacar alguns nomes que se nando as contas, as aprovavam ou devolviam o livro
notabilizaram no processo de construção da memória para qualquer rectificação.
histórica da Ordem. Podemos, assim, referir as figuras Segundo a Regra, para que tudo fosse bem
de Isabel da Conceição, considerada perfeita na administrado, o mosteiro devia ter um Procurador
caridade, humildade e oração. A comunidade vivia ou Síndico, prudente e fiel. Nalguns mosteiros, o
com muito amor a espiritualidade eucarística e muitas exercício destas funções estava confiado a uma
das suas religiosas foram muito devotas do Santíssimo comissão de três membros, um dos quais era sempre
Sacramento. O historiador refere, entre outras, clérigo. O Procurador devia regularmente dar contas
D. Joana de Menezes, da melhor nobreza da Madeira, de todas as despesas e receitas à Abadessa e a mais
e Maria de São José, filha de um médico de Coimbra, três irmãs nomeadas para o efeito pela Comunidade,
que passavam longas horas em adoração e às bem como ao Visitador do mosteiro sempre que
quintas-feiras procuravam rezar o ofício de Corpus este o desejasse.
Christi. Em 1733, faleceu neste mesmo mosteiro Os mosteiros, reflexos de estruturas sociais, foram
Madre Brites da Paixão, ligada à família Ornelas acumulando bens imóveis, rendas e privilégios. Estes
Vasconcelos, de grande distinção na Madeira. Chegou bens eram provenientes dos dotes das religiosas,
a ter instaurado o processo de beatificação, mas heranças, ofertas e compras. O dote, além de um
ardeu num incêndio que ocorreu na Câmara certo quantitativo em dinheiro, correspondia à
Eclesiástica do Funchal. transferência de propriedades rústicas ou prédios
Diante da complexidade do ambiente interno e dos urbanos para o mosteiro, garantia da sua existência
reflexos sociais que nos mosteiros se sentiam forte- material. Ao longo dos séculos estes bens imóveis
mente, não era fácil realizar o ideal de santidade. foram aumentando, dada a sua proveniência.
Aspecto do claustro do Convento de S.ta Clara, Madeira (DRAC)
Nestas propriedades cultivavam-se os mais variados
13. Governo, administração e economia. Em produtos que, além de abastecerem a mesa das
Nas Memórias Seculares e Eclesiásticas, Noronha fala qualquer mosteiro a primeira autoridade era, e é, a religiosas, eram fonte de receita. Muito raramente
de muitas religiosas do Mosteiro de S.ta Clara do Abadessa, eleita pelo Capítulo Conventual e se procedia à exploração directa das propriedades,
Funchal, que se distinguiram na santidade e que confirmada pela autoridade jurídica competente (o aliás bastante dispersas. Normalmente eram
louva pelo seu amor ao Santíssimo Sacramento, Bispo da Diocese para os mosteiros de jurisdição arrendadas ou aforadas. O mosteiro cedia o domínio
humildade, espírito de oração e de sacrifício, vida episcopal e o Provincial da Ordem dos Frades útil da terra mediante o pagamento de certo quan-
de silêncio e recolhimento interior. Menores para os de jurisdição regular). A eleição titativo em dinheiro e, por vezes, em géneros. Muitos
No Mosteiro da Esperança de Ponta Delgada, além fazia-se por três anos e nenhuma Abadessa podia mosteiros comercializavam parte dos produtos
de outras, podemos mencionar Madre Inês de Santa exercer o cargo por dois triénios consecutivos. Era cultivados nas suas propriedades. Os prédios eram
Eiria, falecida em 1588, e Madre Teresa da Anunciada auxiliada pela Vigária e pelas Conselheiras ou arrendados a inquilinos.
(1658-1738), que viveu com profunda devoção a Discretas, formando o Discretório, corpo governativo Nos mosteiros da Primeira Regra havia sobriedade
Paixão do Senhor e contribuiu para implementar permanente, a quem competia ajudar a Abadessa e moderação nos gastos. As religiosas viviam
essa devoção, ainda hoje testemunhada nas grandes com o seu parecer ou o seu voto conforme os casos. essencialmente do seu trabalho e da ajuda fraterna.
festividades do Senhor Santo Cristo dos Milagres. O número de Discretas foi oscilando entre três e
Também no Mosteiro das Chagas de Lamego oito membros, conforme a totalidade das religiosas 14. Cultura: letras e música sacra, bordados,
morreram com fama de santidade Madre Margarida que constituíam a Comunidade. O seu mandato era artes decorativas e culinária. Os mosteiros eram
do Monte Olivete (1594) e Maria da Cruz (1617) de três anos, não devendo ser reeleitas para um também centros de irradiação de cultura. Os géneros
que, além de santa, foi grande artista. triénio consecutivo. O Capítulo Conventual, consti- literários mais cultivados foram a história – biografias,
Do Mosteiro da Encarnação do Funchal, refere tuído pelas religiosas professas, gozava de voto crónicas, vidas de santos e literatura religiosa, em

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poesia ou verso. Havia freiras que dominavam com Dentro do campo artístico, o desenho e a pintura uma vez saídas do forno, eram metidas em calda
perfeição o latim e algumas o espanhol. mereceram a atenção das religiosas. O Mosteiro das de açúcar que as tornava mais apetitosas. As
Como poetisas, mencionamos Antónia Baptista, do Mercês evidenciou-se no desenho a tinta-da-china, rosquilhas, muito trabalhosas, levavam farinha,
Mosteiro da Esperança de Vila Viçosa, Cecília do colorido, de que é exemplar belíssimo o Menino- manteiga, açúcar, água, uma pitada de sal e fermento
Espírito Santo, do Mosteiro das Chagas de Vila -Rei que, ainda hoje, o Mosteiro de N. Sr.a da Piedade de padeiro. Uma vez entradas no forno, o tempo
Viçosa, Guiomar do Deserto, do Mosteiro da conserva. da cozedura era calculado pela reza do terço.
Esperança de Lisboa, Teresa Antónia Eugénia da Em muitos mosteiros, algumas escrivãs distinguem- Túlio Espanca, falando da evolução da doçaria
Gama e Maldonado do Mosteiro de S.ta Clara de -se pela perfeição, beleza artística e dotes caligráficos. tradicional eborense, refere especialidades do
Évora, Catarina de Cristo, do Mosteiro de S. Gonçalo Por exemplo no frontispício do livro de receitas e Mosteiro do Calvário de Évora, acrescentando que
nos Açores, e outras que compuseram versos cheios despesas dos anos 1708-1711 do Mosteiro da de lá saíam os mais delicados condutos de azeitonas,
de conteúdo espiritual, por vezes em espanhol. Várias Encarnação do Funchal, Mariana de Santa Teresa pão de rala e bolo rolão, adornados com belíssimos
religiosas fizeram publicações importantes. deixou-nos um exemplar belíssimo. A minúcia do papéis picados. No Mosteiro de Santarém eram
Algumas clarissas tinham uma boa cultura. Maria desenho, a beleza do sombreado, a perfeição tradição os biscoitos de S.ta Clara.
de Jesus, do Mosteiro de S.ta Clara da Castanheira, caligráfica, a artística letra capitular, enfim, a harmonia
falecida em 1603, que “sabia formalmente a Teologia de conjunto do desenho ali inserido, revelam dons
Escolástica, a Filosofia, a Matemática, a Aritmética apreciáveis, sensibilidade estética. Também se
e Música, escrevia bem e tinha com outras muitas exercitaram nas artes decorativas. Crê-se que nos
prendas a da formosura, discrição, agrado e finais do séc. XVI estaria a funcionar em S.ta Clara
afabilidade natural” (SOLEDADE, Fernando da, ofm, do Funchal uma pequena oficina de barro e de
História Seráfica…, IV, p. 162a); Auta da Madre de marcenaria em que as próprias religiosas fariam a
Deus, do Mosteiro da Madre de Deus de Lisboa, parte decorativa com aplicações de folha de ouro e
graduada em Teologia e Cânones pela Universidade pintura. No Mosteiro de N. Sr.a das Mercês da mesma
de Coimbra, onde tinha estudado disfarçada com cidade, confeccionavam-se flores de cera e de penas
trajes de rapaz, foi sábia e santa; Antónia da Trindade, pintadas, feitas com arte, que se vendiam ou ofere-
falecida em 1575 no Mosteiro de Figueiró dos Vinhos, ciam a pessoas amigas ou benfeitores, e montavam-
também frequentara a universidade vestida de rapaz -se presépios, alguns em pau-santo com embutidos
e possuía vasta cultura. de pau-cetim avermelhado e outros materiais, uma
A música foi muito cultivada para engrandecer o forma de difundir o amor ao Menino de Belém.
culto divino. Limitamo-nos a três nomes: Ariana da Muitos mosteiros foram exímios em pintura.
Fé, do Mosteiro da Madre de Deus de Monchique O cronista Fernando da Soledade fala de Maria da
(Porto), “de sangue nobilíssimo”, e Catarina da Cruz, já referida “de sangue ilustre, de singular
Paixão, do Mosteiro das Mercês do Funchal, eram habilidade para a pintura” e escultura, chegando a
dotadas de bela voz e distintas “tangedoras de formar escola. São dela algumas imagens belíssimas,
música”; Maria da Cruz, do Mosteiro das Chagas entre as quais as imagens da Virgem Nossa Senhora Interior da igreja do antigo Convento de S.ta Clara,
Santarém (SMA)
de Lamego (séc. XVII), que “era destríssima em cantar e S. José com seus retábulos. A sua discípula, Maria
e tanger rabecão”, chegou a “abrir ali uma escola dos Anjos, em 1645, assinou as pinturas Santa
pública para os aficionados desta arte”. Noronha, Madalena e Virgem com o Menino, hoje no Museu Todos estes saberes foram passando para a sociedade.
descrevendo o coro da igreja do Mosteiro de de Lamego, que mereceram o louvor de Reinaldo É que, ao longo dos séculos, por imperativo socio-
S.ta Clara do Funchal, apresenta o coro de cima como dos Santos. O Museu de Arte Sacra do Funchal político, os mosteiros, para além das suas funções
o lugar “onde se assiste à música que nesta casa conserva telas saídas das mãos de clarissas da ilha. religiosas, desempenharam um papel importante no
se conservou sempre com particulares vozes e Uma outra arte desenvolvida pelas Clarissas foi a campo educativo. De certo modo, funcionavam como
ciência”. culinária. Na Madeira eram especialistas em doçaria escolas femininas. As religiosas, peritas em desenho,
Na arte de bordar, as clarissas portuguesas foram e noutros manjares. O Mosteiro de S.ta Clara primava música, artes decorativas, pintura, doçaria e bordados,
exímias. Joaquim de Vasconcelos, falando dos em doces, conservas e compotas de todas as empenhavam-se não só em desenvolver estes saberes,
bordados em Arte Religiosa de Portugal, considera qualidades e outras iguarias que exportavam para mas também em transmiti-los às candidatas e
“um museu de arte, o rico e belo mosteiro das Lisboa e para a Flandres, chegando o mosteiro a ter educandas. É que, não obstante a clausura, os
Chagas de Lamego”. Trabalhados com fio de ouro fama mundial. João Cabral do Nascimento, falando mosteiros recebiam educandas, às vezes com menos
e prata pelas “ delicadas mãos femininas do da doçaria do Mosteiro da Encarnação, faz menção de dez anos, que eram formadas com esmero.
mosteiro”, todos os paramentos eram uma beleza. de sonhos, queijadas, bolo de mel, talhadas de Nos Açores, só nos quatro mosteiros de Ponta
Este autor ousa dizer: “ Para bordados não preci- amêndoa, etc., que chegavam a Lisboa e a outros Delgada, funcionaram seis escolas destinadas à
savam as nossas casas religiosas e os paços régios lugares da Europa. O bolo de mel, de que as Freiras educação de meninas. No Mosteiro de N. Sr.a do
de lições de mais ninguém”. Gozavam de “grande da Encarnação guardavam o segredo, era iguaria Rosário, em Velas, além do ensino literário, havia
fama”. O Museu de Arte Sacra do Funchal possui requintada para presentear benfeitores e amigos. aulas de bordados, lavores finos, culinária e doçaria.
alguns paramentos litúrgicos, confeccionados pelas Com o uso das especiarias, o bolo ganhou requinte. O mesmo sucedeu com o Mosteiro de S.ta Clara no
clarissas da ilha. O bordado era feito sobre seda, linho Condimentado com os mais estranhos acepipes, Funchal, que, de certo modo, funcionou também
e gorgorão de seda, em matiz, ouro e prata, com aromatizado com essências orientais, marchetado como escola de formação feminina. Estas jovens
aquele requinte que a finalidade exigia. As religiosas de cidra, miolo de nozes, amêndoa e passas, era, voltavam à sociedade com uma primorosa formação
dedicavam-se também ao “bordado Madeira”, onde pelo Natal, presente de cortesia. No Mosteiro das religiosa, cultural e doméstica. Porém, a sua presença
se podem distinguir vários pontos: bastido, pastilha, Mercês eram tradicionais as rosquilhas, as cavacas no interior da clausura tinha aspectos negativos,
richelieu, cordão, caseado e garanitos. e as broas de mel. As cavacas, de farinha e ovos, que foram contribuindo para a decadência espiritual.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

15. Supressão da Ordem no séc. XIX. O advento junto à Igreja de S.ta Engrácia, gozou de grande
do Liberalismo marca o início da segunda fase da estima entre a população da cidade de Lisboa.
história das Clarissas, durante a qual todos os O seu ressurgimento foi acidentado. A 2 de Maio
mosteiros foram suprimidos em virtude de de 1927, Roma considerou-o não-extinto; em 1928,
circunstâncias políticas adversas. O programa fizeram a profissão perpétua duas pupilas do
anticongreganista liberal começou a ser executado Conventinho, no mosteiro de Clarissas de Ciudad
nos Açores em 1832, quando D. Pedro IV dominava Rodrigo (Espanha), com vista à restauração; entre
apenas esta parcela do território nacional. Depois 1941 e 1945, a comunidade, organizada em casa
da conquista de Lisboa pelas tropas liberais, em particular em Lisboa, passou por Carnide e Laveiras
Julho de 1833, o governo de D. Pedro IV transferiu- nos arredores, e voltou de novo à cidade, ocupando
-se para a capital e a escalada anticongreganista o edifício 53 da R. de D. Dinis; em 1945, as religiosas
prosseguiu. deram entrada no prédio n.º 15 da R. da Estrela.
Por Decreto de 5 de Agosto daquele ano, os institutos Em 1958 e anos seguintes, fez-se a transferência
religiosos foram proibidos de receber noviços e emitir de algumas religiosas professas solenes do Mosteiro
votos religiosos. No ano seguinte, com a vitória final do Louriçal para Lisboa, onde, em 1963, se procedeu
do Liberalismo, o Decreto de 28 de Maio de 1834 a eleições canónicas, por mandato do Cardeal
ordenou a extinção imediata das casas religiosas Patriarca de Lisboa. Em 1971, a comunidade, com
masculinas em Portugal e no Ultramar. Os institutos autorização dada por D. António Ribeiro, Cardeal
femininos ficaram sujeitos à legislação de 5 de Agosto Patriarca de Lisboa, transferiu-se para Sintra.
do ano anterior. Era uma supressão por morte lenta. Estes três mosteiros situam-se, pois, numa linha de
O Estado, se não antes, pelo menos quando morria certa continuidade histórica com os três dissolvidos
a última religiosa, tomava posse do edifício. Todavia, pela República de 1910 e um deles, o do Louriçal,
alguns mosteiros, entre os quais o do SS. mo no primitivo edifício.
Mapa de mosteiros de Clarissas em Portugal
Sacramento do Louriçal, o de N. Sr.a das Mercês do
nos dias de hoje (A)
Funchal e o do SS. mo Sacramento de Lisboa, o 18. Fundação de nove mosteiros. Os nove
“Conventinho”, mantiveram-se até à I República mosteiros fundados entre 1955-1981 assumem o
(1910) com as chamadas “pupilas”: senhoras pie- dos Santos, com os seus bens patrimoniais e outras genuíno carisma da Ordem na sua opção pela Regra
dosas que usavam hábito, faziam vida de comunidade economias e ainda o auxílio da Primeira Ordem de S. ta Clara e privilegiando a espiritualidade
em tudo e observavam a clausura, mas não emitiam Franciscana, conseguiu comprar o mosteiro que eucarística na sua tríplice dimensão de louvor, ado-
votos por causa da interdição da lei civil. Com o desde 1911 estava transformado em posto da Guarda ração e desagravo, apresentando mesmo denomi-
advento da República também estes mosteiros foram Nacional Republicana. Em 1928 entrou nele um nações peculiares de Clarissas Adoradoras e Clarissas
dissolvidos. Nos Açores o Mosteiro da Esperança de grupo de irmãs clarissas, às quais se juntaram algumas do Desagravo. São eles o Mosteiro de S. José em
Ponta Delgada e o de N. Sr.a da Glória, na Horta, candidatas. Em 1931 o Bispo de Coimbra, D. Manuel Vila das Aves, fundado pela Madre Maria Cruz Clara
foram poupados. Os liberais concentraram neles as Luís Coelho da Silva, mandou proceder a eleições do Imaculado Coração de Maria e mais três religiosas
religiosas, para poderem utilizar para fins diversos canónicas. A comunidade era então constituída por vindas do Mosteiro de Ciudadela, na ilha de Minorca,
os mosteiros que ficaram desocupados. O primeiro 5 religiosas professas, 4 noviças e algumas e canonicamente erecto em 1955. Em 1959, o
encerrou em 1895, com a morte da última professa, postulantes. Arcebispo Primaz de Braga, D. António Bento Martins
Madre Maria Vicência Cabral, e o segundo em 1882, Quanto ao Mosteiro de N. Sr.a das Mercês do Funchal, Júnior, procedeu à imposição da clausura e presidiu
quando violentos abalos sísmicos o deixaram em as irmãs clarissas que aí estavam foram os pilares à primeira eleição canónica. Na década de 70 pôde
ruínas. bem firmes que sustentaram a Ordem de Santa Clara fazer uma fundação, o Mosteiro de S. Francisco de
Não obstante a contrariedade dos tempos, uma em Portugal. Logo após a expulsão, as 15 religiosas Assis, em Vila Nova de Famalicão, em casa e quinta
antiga noviça do “Conventinho” de Lisboa, Rosa de que constituíam a comunidade, 14 professas e uma pertencente à Primeira Ordem Franciscana. Foi erecto
Jesus Tavares, ainda abriu um Mosteiro do Desagravo noviça, tentaram organizar-se. Um grupo constituído em 1976. Por sua vez, do Mosteiro de S. Francisco
do SS.mo Sacramento no início dos anos 70. Foi em por 7 membros, fixou-se em casa particular na derivou o de N. Sr.a da Conceição, a fundação mais
Sanguedo, junto a S.ta Maria da Feira, na Diocese Palmeira, enquanto um segundo, formado por 3 recente. Fica situado na Q.ta do Outeiro, adquirida
do Porto. Ignora-se se o mosteiro recebeu erecção professas e uma candidata, se estabeleceu junto à em Santarém, onde em 2000 se estabeleceu a fra-
canónica formal. Capela de N. Sr.a da Piedade, no sítio da Caldeira, ternidade fundadora. As Clarissas já tinham estado
Freguesia de Câmara de Lobos; 5 permaneceram na
16. Restauração no séc. XX. O ressurgimento da casa paterna.
Ordem de Santa Clara em Portugal seguiu três linhas A partir de 1929, apoiadas pelo Bispo do Funchal,
complementares: restauração de três mosteiros D. António Manuel Pereira Ribeiro, puderam iniciar
antigos, fundação de mais nove e criação de uma na Caldeira a construção do novo mosteiro. A 16
Federação. de Abril de 1931, 8 sobreviventes e 2 candidatas,
entraram felizes no Mosteiro de N. Sr.a da Piedade.
17. Restauração de três mosteiros antigos. A Em Novembro do mesmo ano, tiveram lugar as
restauração começou no Louriçal, no Mosteiro do primeiras eleições canónicas. A comunidade era,
SS.mo Sacramento, o qual se manteve activo até 1910, então, constituída por 7 religiosas professas e 5
ano em que as religiosas foram expulsas. noviças.
Quando, em 1925, o Mosteiro do Louriçal apareceu O Mosteiro do SS. mo Sacramento de Lisboa
à venda em hasta pública, a Madre Maria Nazaré (Conventinho), situado no Campo de S. ta Clara, Casa de Montalvo (AJ)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CLARISSAS

algum tempo em Rio Maior. Foi erecto em 2002. 19. Criação da Federação do Imaculado Coração durante a noite, assumindo cada religiosa uma hora
Por sua vez, o Mosteiro do SS.mo Sacramento do de Maria. A Constituição Apostólica Sponsa Christi de adoração diariamente. São momentos de particular
Louriçal, depois de ter revitalizado o de Lisboa, de Pio XII, de 1950, reconhecendo a importância intimidade com Deus.
irradiou para Monte Real, na Diocese de Leiria- da vocação contemplativa, prestou aos mosteiros Todos os dias dedicam hora e meia à oração mental
-Fátima, e para Montalvo, na Diocese de Portalegre uma atenção específica. Mantendo a clausura como para que, no silêncio e na paz, cresçam no
e Castelo Branco. O primeiro começou em 1965 meio necessário para uma maior comunhão com aprofundamento dos mistérios cristãos e na sua
com quatro religiosas que viveram em casa provisória, Deus, estimulou as comunidades a abstraírem-se das vivência. O carisma da Ordem deixa um largo espaço
onde receberam as primeiras candidatas. Recebeu mercês régias e a procurarem a sua subsistência no à devoção mariana. As Constituições Gerais reco-
a erecção canónica, já no actual edifício, em 1972. trabalho. Além disso, propôs a organização de mendam a devoção para com a Mãe de Deus.
As fundadoras do segundo estiveram na residência federações. Esta nova estrutura tinha como finalidade As Irmãs Clarissas rezam todos os dias, além do
paroquial de Medelim, no Concelho de Idanha-a- evitar o excessivo isolamento dos mosteiros, sem terço, a coroa das sete alegrias de Nossa Senhora,
-Nova, desde Agosto de 1980. Porém, não sendo as contudo lesar a sua autonomia, assumir em conjunto sem jamais esquecer a consagração à Virgem
instalações adaptadas à vida conventual, em Outubro a responsabilidade da formação das candidatas com Santíssima.
seguinte transferiram-se para Montalvo, no Concelho a criação, se possível, de um Noviciado comum e
de Constância. A erecção canónica data de 1981. favorecer a passagem das religiosas de um para
De Lisboa derivou o Mosteiro de N. Sr.a do Rosário outro mosteiro, quando necessário.
de Fátima. A fundação principiou em 1966, estando Por Decreto da Sagrada Congregação dos Religiosos
erecto a 12 de Agosto de 1969, data em que então e Institutos Seculares, de 22 de Agosto de 1967, e
se celebrava a festa litúrgica de S.ta Clara. em conformidade com a Sponsa Christi, os mosteiros
O Mosteiro da Caldeira lançou três fundações: uma de clarissas de Portugal, então em número de seis,
na Madeira, outra nos Açores e a terceira no Brasil. constituíram-se em federação, à qual se foram
A primeira foi no Lombo dos Aguiares (Funchal), na juntando os fundados posteriormente. Nela está
casa onde a última Abadessa das Mercês, Madre englobado o Mosteiro de N. Sr.a de África (Angola),
Virgínia da Paixão, tinha falecido em 1929 em odor fundado por clarissas do México. A primeira
de santidade. A fundação principiou em 1967 com Presidente, Madre Maria Cruz Clara do Imaculado
3 religiosas e depois seguiram-se mais 6. O novo Coração, Abadessa do Mosteiro de S. José, em Vila
mosteiro passou a ter vida autónoma por Decreto das Aves, eleita em 1967, e Fr. José do Nascimento
do Bispo do Funchal de 1971 e foi canonicamente Barreira, franciscano, nomeado Assistente da
erecto em de 1975. A segunda fundação implantou- Federação pela Congregação dos Religiosos naquela
-se nas Calhetas, na ilha açoriana de S. Miguel. Depois mesma data, procuraram, com muita dedicação, dar
de século e meio de ausência, a Ordem de Santa à Federação do Imaculado Coração de Maria o
Clara voltava aos Açores onde tinha feito história. incremento necessário.
A entrada solene das oito religiosas fundadoras e a Actualmente os mosteiros da Regra de S.ta Clara
Capela da Casa de Montalvo (AJ)
erecção canónica do novo mosteiro aconteceram gozam de Constituições Gerais, que a Sé Apostólica
em 1977. aprovou em 1988, redigidas segundo a doutrina do
Finalmente, o Mosteiro da Caldeira irradiou também Concílio Vaticano II e o Código de Direito Canónico. As grandes solenidades são normalmente precedidas
para o Brasil. Em 1986, enviou seis irmãs para uma Sendo a oração a vocação específica das Irmãs por uma novena ou, pelo menos, por um tríduo,
fundação em Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Clarissas, a ela se consagram ao longo das 24 horas como acontece pelo Natal, Imaculada Conceição,
Janeiro, a pedido do Bispo local, o franciscano do dia. É seu dever a celebração das horas canónicas, festa de S.ta Clara, de S. Francisco, de S. José e
D. Fr. Adriano Hypólito. O mosteiro recebeu erecção para as quais devem preparar-se no silêncio e no outras. Todos os meses as Irmãs consagram um dia
canónica em 1977. recolhimento. A celebração da Liturgia das Horas e a retiro espiritual e cada ano uma semana, procu-
Em 1993, o Mosteiro do SS.mo Sacramento de Sintra da Eucaristia constitui o cerne e o cume de toda a rando então o auxílio de sacerdotes competentes.
iniciou a restauração do prédio n.º 17 da R. da Estrela, sua vida. A Liturgia das Horas – Ofício de Leituras, Para além da oração comunitária, em que todas
em Lisboa, que lhe pertencia, onde, em 1994, se Laudes, Tércia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas, devem tomar parte, cada religiosa pode, conforme
estabelece uma nova fraternidade. É o Mosteiro do que celebram integralmente –, santifica as 24 horas o seu anseio e dons de piedade, desenvolver outras
Imaculado Coração de Maria, erecto em 2001. de cada dia. Esta oração litúrgica, para maior vivência, devoções.
Todos estes mosteiros são de jurisdição episcopal. deve ser cantada, pelo menos nas horas mais impor-
tantes: Laudes e Vésperas. À celebração eucarística 20. Governo e administração. Na Ordem de Santa
conventual é habitual associarem-se pessoas da área Clara os mosteiros são autónomos, ainda que
circunvizinha. constituindo uma família, cujo liame é a fraternidade.
Nas grandes solenidades – Natal, Imaculada Concei- Com base na Regra de S.ta Clara e nas Constituições
ção, Dia de Reis, Páscoa, Espírito Santo, festa de Gerais, cada mosteiro é governado pela Abadessa
S. ta Clara, de S. Francisco e outras –, as horas com o auxílio do Discretório, ou Conselho, e do
canónicas e a celebração eucarística revestem-se de Capítulo Conventual. Segundo as Constituições, para
particular esplendor não só pela beleza dos cânticos, o ofício de Abadessa deve ser eleita uma irmã de
cerimonial litúrgico e paramentos de festa como votos perpétuos ou solenes, que já tenha completado
também pela grande afluência de fiéis. As Religiosas, 30 anos e tenha, pelo menos, cinco de profissão
herdeiras do amor à Eucaristia, tão específico em solene na Ordem. A Abadessa é eleita para um
Clara de Assis, mantêm o Santíssimo Sacramento triénio; terminado este, poderá ser eleita para outro,
Portão do Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, Lisboa (AH) solenemente exposto ao longo do dia e, se possível, sem entreposta vagatura. Pode, a teor do direito

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS COMBONIANAS

próprio, ser postulada para um terceiro e quarto coelhos, suínos e vacas leiteiras, que fornecem à Valencia, Editorial Asis, 1979; LOPES, Fernando Félix,
triénios, desde que obtenha dois terços dos votos. mesa das Religiosas carne, ovos e leite. ofm, “As primeiras Clarissas em Portugal”, in
Porém, a postulação é excepção e, segundo o carisma Há também as tarefas domésticas: lavandaria, costura, Colectânea de Estudos, 3, 1952, pp. 210-234;
franciscano, que tanto valoriza a corresponsabilidade arranjo e limpeza da capela, cozinha, refeitório, MACHADO, Diogo Barbosa, Biblioteca Lusitana, 2.ª
fraterna, não deve tornar-se habitual. A Abadessa atendimento na portaria, limpeza e asseio da casa, ed., I, III e IV, Lisboa, s.n., 1930; MONTE ALVERNE,
é auxiliada pela Vigária, igualmente eleita, que é trabalhos que são fraternalmente distribuídos por Agostinho de, ofm, Crónicas da Província de S. João
simultaneamente a Primeira Conselheira. Cumpre- todas. O cuidado das doentes é um trabalho Evangelista das Ilhas dos Açores, 3 vols., Ponta
-lhe ajudar a Abadessa em todos os assuntos que importante. Prestam-se as atenções e os cuidados Delgada, Instituto Cultural, 1986, 1988 e 1994;
respeitem ao bem espiritual e material do mosteiro. necessários às irmãs idosas ou doentes e todos os MOREIRA, António Montes, ofm, “Breve História das
O Discretório é formado pela Abadessa, a Vigária e anos é costume nomear-se uma enfermeira que Clarissas em Portugal”, in Las Clarisas em Espanha
as Discretas, em número variável conforme o total assume esta fraterna responsabilidade. y Portugal: Congreso Internacional, Salamanca, 20-
de professas de cada mosteiro. -25 septiembre 1993, Actas, II/1, Madrid, 1993, pp.
Como expressão de corresponsabilidade fraterna, o 22. Alguns dados estatísticos. Quando em 1931 211-231; NASCIMENTO, João Cabral do, “As Freiras e
mosteiro tem o Capítulo Conventual, constituído se reorganizaram as comunidades do Mosteiro do os doces do Convento da Encarnação”, in Arquivo
por todas as irmãs solene ou perpetuamente pro- SS.mo Sacramento do Louriçal e de N. Sr.a da Piedade Histórico da Madeira, Funchal, n.º 5, 1937, pp. 68-
fessas, que a Abadessa deve reunir nos casos previstos na Madeira, o número de Religiosas estava reduzido -75; NORONHA, Henrique Henriques de, Memórias
pelas Constituições. O seu voto é deliberativo ou a 15 professas. No final da década aumentaram Seculares e Eclesiásticas para a Composição da
consultivo, conforme o direito próprio. Só ele tem História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira,
poderes electivos. Pertence-lhe eleger a Abadessa, Funchal, 1996; OMAECHEVARRIA, I., ofm, Las Clarisas
a Vigária e as Discretas. No âmbito da formação, a a Través de los Siglos, Madrid, Editorial Cisneros,
Abadessa é auxiliada pela Mestra de Noviças, a quem 1972; REMA, Henrique Pinto, ofm, “A fé, a cultura
compete formar as candidatas à profissão. e a arte nas Clarissas de Portugal”, in Academia
No aspecto administrativo, em cada mosteiro é Portuguesa da História: Anais, II Série, vol. 40, Lisboa,
nomeada, por três anos, uma Ecónoma à qual com- 2002; R EMA , Henrique Pinto, ofm, “A Ordem
pete prover às necessidades ordinárias da comuni- Franciscana nos Açores (no passado e no presente)”,
dade, sob a direcção e dependência da Abadessa. in Itinerarium, 42, 1996, pp. 510-538; R IBEIRO ,
Periodicamente, segundo o estabelecido pelo Capítulo Bartolomeu, “Açores, Arquipélago Franciscano”, in
Conventual, a Ecónoma dará conta da administração Colectânea de Estudos, 5, 1949, pp. 30-80; Santa
ao Discretório. No final de cada ano civil, a Abadessa Clara de Assis: Escritos-Biografias-Documentos,
deve prestar contas da sua administração ao Capítulo vol. II, 2.ª ed., Braga, Editorial Franciscana, 1996; SILVA,
Entrada principal do Mosteiro de N. Sr.ª da Piedade,
Conventual e ao Bispo da Diocese. P.e Fernando Augusto da, Subsídios para a História
Câmara de Lobos, Madeira (DRAC)
da Diocese do Funchal, I, 1425-1800, Funchal, Edição
21. Economia: o trabalho, meio de subsistência. do autor, 1946; SOLEDADE, Fernando da, ofm, História
Fora do horário da oração, as fraternidades ocupam- para 24 e em 1950 para 50. Com a abertura de Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na
-se em trabalhos que se coadunem com a vida novos mosteiros e a afluência de vocações, as Irmãs Província de Portugal, vols. III, IV e V, Lisboa, 1705
contemplativa. Para S.ta Clara, o trabalho, expressão passaram para 92 professas solenes em 1968, 142 e 1709; SOUSA, Álvaro Manso de, “O bolo de mel
de pobreza evangélica e “uma graça”, era também em 1980, 158 em 1989 e 183, o número máximo, das freiras da Encarnação”, in Das Artes e História
meio de subsistência. em 1994. A partir desta data regista-se uma descida: da Madeira, Funchal, 1948; VASCONCELOS, Joaquim
Em cada mosteiro trabalha-se. As religiosas dedicam- 170 em 1997, 166 em 1999 e 162 a 31 de Dezembro de, Arte Religiosa em Portugal, I, Porto, 1914.
-se à confecção de paramentos litúrgicos: casulas, de 2005. Digital: www.clarissaslourical.com; www.clarissas
estolas, alvas, cíngulos, toalhas de altar, pavilhões Apesar da falta de vocações que desde há alguns montereal.com.
de sacrário, pintados ou bordados e restauro de anos se vem fazendo sentir em Portugal, tal como
paramentos antigos. Dedicam-se igualmente a lavores na Europa em geral, as Irmãs Clarissas olham o futuro † OTÍLIA RODRIGUES FONTOURA
especializados como mantos e vestes para imagens, com muita confiança, até porque, noutros continentes,
decoradas a ouro ou bordadas; enxovais do Menino as vocações surgem e novos mosteiros são fundados.
Jesus, decorados com galões dourados e artístico COMBONIANAS
bordado em canutilho, pérolas e fio de ouro; à BIBLIOGRAFIA: Impressa: BELÉM, Jerónimo de, ofm, O nome oficial desta Congregação é Irmãs
picotagem em pergaminho, verdadeiros rendilhados, Crónica Seráfica da Santa Província dos Algarves, II, Missionárias Combonianas, embora também seja
por vezes enriquecidos com uma pintura; confecção Lisboa, 1753; CONCEIÇÃO, Apolinário da, ofm, Claustro conhecida pelo nome de Pias Madres da Nigrícia,
de terços e outros lavores. A confecção de hóstias Franciscano Erecto no Domínio da Coroa Portugueza, do italiano Pie Madri della Nigrizia.
é para certos mosteiros a principal fonte de receita. Lisboa, 1740; ESPANCA, Túlio, Évora: Arte e História, Fundada a 1 de Janeiro de 1872, em Verona (Itália),
De alguns mosteiros, saem belos trabalhos em Évora, 1980; ESPERANÇA, Manuel da, ofm, História a Congregação veio preencher uma lacuna na
marfinite, em gesso e em argila, pintura em tela e Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na evangelização da África, levada a cabo por religiosas
em azulejo. Há quem prepare o xarope de aloé vera, Província de Portugal, I e II, Lisboa, 1656 e 1666; que corajosamente abraçassem a missão de ajudar
tão rico em propriedades medicinais, ou confeccione F ONTOURA , Otília Rodrigues, osc, As Clarissas na a libertar o povo da opressão da escravatura e do
doçaria com meio de subsistência. Madeira: Uma Presença de 500 Anos, Funchal, Centro miserável modo de vida a que estava sujeito,
Para além destes trabalhos rentáveis, as Irmãs de Estudos de História do Atlântico, 2000; História especificando a sua acção em prol da mulher africana.
entregam-se ao cultivo das suas hortas onde crescem dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Surge a poucos meses da nomeação de Daniel
boas saladas, hortaliças, legumes e árvores de fruto, Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1972; Comboni, seu Fundador, como Pró-Vigário Apostólico
bem como à criação de animais, galinhas, perus, IRIARTE, Lázaro, ofm cap, Historia Franciscana, 2.ª ed., da África Central. Por este é esclarecida a finalidade

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS COMBONIANAS

da criação do Instituto Feminino: “Formar e educar é uma das figuras eminentes da Congregação. Superiora Delegada da Congregação, reeleita em
hábeis missionárias para ajudar os missionários no Referência merece ainda a Ir. Federica Bettari, pelo Junho de 2002, por um mandato de três anos.
apostolado na Nigrícia. E, para melhor alcançarem novo espírito que imprimiu à Regra de Vida. Mas, A Conselheira Provincial Ir. Palmira de Oliveira
esse fim, as Religiosas vivem sob uma Regra comum, seguramente, a pedra mais viva do Instituto criado Magalhães foi eleita em Outubro de 2008, para um
ligando-se a Deus por votos religiosos e consagrando- por Comboni é a Ir. Maria Giuseppa Scandola, mandato de três anos. O processo de eleição conta
-se inteiramente à regeneração da África Central”. formada na tradição missionária do chamado espírito com os votos (secretos) de todas as religiosas
Comboni, nascido a 15 de Março de 1831 no Norte heróico, que na missão em África se destaca pela portuguesas, não apenas as que exercem a sua acção
de Itália, cedo foi marcado pelo desejo de ser caridade e espírito de oração, acerca da qual no país, como ainda as que se encontram em missão
missionário e dar a vida pela salvação dos mais Comboni comentava: “A Irmã Maria Giuseppa é a no estrangeiro, culminando na validação pela Sede
oprimidos, como os negros da África. Aos 15 anos, freira mais santa que temos”. Ocorre a sua causa Geral, em Roma, de onde emanam os resultados e
tendo ingressado no seminário, vai sentindo cada de canonização. Mas, para além de valorosas inerentes orientações para toda a Congregação.
vez mais o chamamento divino, até que, em 1849, missionárias que, pelos caminhos do autêntico Em Portugal, a hierarquia é encimada por uma
se estabelece nele a decisão de se dedicar martírio, aquando da insurreição mahdista no Sudão, Superiora Delegada e por duas Conselheiras (Primeira
completamente às missões na África Central. sofreram profundas humilhações, angústias, medos, e Segunda), existindo também uma Superiora em
Ordenado Sacerdote em 1854, inicia, dois anos maus-tratos e violências, outros nomes merecem cada comunidade.
depois, a sua primeira viagem ao continente africano. figurar no Grande Livro do Sacrifício. Alvo de perse- É carisma da Congregação praticar a caridade de
A chama da vocação missionária que há muito lhe guições, horrores e todo o género de sofrimento, Cristo, a Sua misericórdia e comunhão com todos,
acalentava o coração mais se aviva pela infeliz acabaram por pagar com a vida a fidelidade à missão acudir com solidariedade e amor aos oprimidos do
Nigrícia. “Acabar com a escravatura é a missão as Irs. Liliana Rivetta e Teresa Dalle Pezze, assassinadas nosso tempo. Privilegiando a formação da mulher
verdadeira de Cristo Jesus que veio ao mundo para no Uganda e em Moçambique, respectivamente, para a tomada de consciência dos seus valores e do
libertar os escravos”; “Nunca ardeu no meu coração levantando, assim, bem alto a bandeira da coragem seu papel na sociedade, exercem também a sua
outra paixão senão a África”; “A África e os pobres e da Fé inabalável, erguida pelo Fundador da acção evangelizadora nos campos da educação, da
negros conquistaram o meu coração que vive Congregação. saúde, da promoção feminina, da assistência social
unicamente para eles”; e o seu lema “África ou O dia 1 de Janeiro de 1965 ficou marcado pela e da animação missionária.
morte” são frases que revelam o amor à causa por chegada das Combonianas a Portugal. Foi no Professando os votos de pobreza, castidade e
que lutou com todas as suas forças, e que o levou Seminário das Missões de Viseu, onde já se obediência, as Missionárias Combonianas concentram
a idealizar um grande plano de apostolado, que encontravam em funções os primeiros filhos de todo o espírito, todas as forças e todas as acções
resume na ideia “Salvar a África com a própria Comboni – os Missionários Combonianos –, que
África”, através da criação de institutos de educação um grupo de cinco irmãs iniciou a preparação para
e de formação in loco, que tornassem possível a o anúncio do Evangelho, predispondo-se com
vida e a actividade do europeu e do africano; um entusiasmo à aprendizagem da Língua Portuguesa,
plano de onde, quase um século mais tarde, beberiam antes da partida para Moçambique, ao mesmo tempo
as esperanças do Concílio Vaticano II: “As jovens que apresentava às jovens portuguesas o ideal de
igrejas recebem dos costumes e das tradições dos Comboni, e lançava as sementes da vocação Combonianas no mundo (I)
seus povos, da sabedoria e da doutrina, das artes missionária.
e das disciplinas, tudo aquilo que pode contribuir Actualmente são três as comunidades das no seu ideário, que é o de Comboni: Ad Gentes,
para confessar a glória do Criador”. Depois de várias Missionárias Combonianas na Delegação de Portugal: ad extra, ad vitam – “para os povos, para os outros,
viagens a África, funda, no primeiro dia de 1872, Lisboa, Porto e Viseu. Em Lisboa as Combonianas para a vida”.
o Instituto das Pias Madres da Nigrícia, cinco das estão na R. Cidade Nova, 57, no centro de preparação Segundo a Regra de Vida da Congregação, cujos
quais o acompanham, a 3 de Dezembro de 1877, linguística e profissional de irmãs estrangeiras parâmetros se pautam pela doutrina do Direito
na sua viagem ao Sudão. Morre em Cartum, a 10 destinadas às missões de Moçambique, Brasil e outros Canónico, estabelece-se o Directório da Delegação
de Outubro de 1881. A 17 de Março de 1996, o países. No Porto estão na Av. Combatentes da Grande de Portugal (sempre validado por Roma) e, deste,
Papa João Paulo II concede-lhe o título de Beato, Guerra, 355, onde funcionou o Postulantado (até as Constituições das comunidades. O Capítulo, que
fim de 2003), o qual, a nível europeu, tem actual- tem lugar em Itália, é o órgão máximo deliberativo,
mente lugar em Espanha (a contar de 2003). Neste tipo de Assembleia Geral de todas as Delegações e
centro comboniano as Irmãs exercem acções Províncias em que estão constituídos os vários países.
pastorais, de formação religiosa e humana, de acordo A missão das Missionárias Combonianas é levada a
com o carisma e a relação com a sociedade. Refira- cabo através de acções praticamente comuns a todas
-se também que o Noviciado (europeu) é feito em as suas casas, como a animação missionária e
Itália, a que se seguem os votos e o ingresso na vocacional, a prática do apostolado em paróquias,
Congregação como membros efectivos; seis anos enfermarias, locais de fomento do culto divino,
depois têm lugar os votos perpétuos. Em Viseu, têm espaços ecuménicos (de católicos ou protestantes)
Daniel Comboni (I) o Centro de Animação Missionária, na R. Daniel e sedes de acção de promoção humana, mormente
Comboni, 122 – casa de evangelização vocacional nos bairros de maiores carências e junto de focos
canonizando-o depois, a 5 de Outubro de 2003, e formação de futuras missionárias. de imigração, com exemplos na Q.ta do Mocho (Porto)
por dois milagres operados, por sua intercessão, em O número de religiosas em Portugal é de 16 (dez ou no B.º de S. João (Lisboa). O relacionamento
Maria da Paixão, jovem brasileira, e Lubna Abdel portuguesas). Em toda a Congregação existem, com as autoridades civis e religiosas e com a
Aziz, muçulmana do Sudão. actualmente, 54 irmãs portuguesas, 44 das quais se população em geral não poderia deixar de ser
Madre Maria Bollezzoli, a quem Comboni confiou encontram em missão por vários países. pacífico, franco e sadio, a atestar a bem acolhida
o princípio do pensamento encorajador da sua Obra, A Ir. Maria José Rodrigues da Silva era, em 2004, a acção evangelizadora e social levada a cabo por

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS AO SERVIÇO DOS POBRES

estas Missionárias. O nome do Fundador do Instituto Missionário e Libertador, Editorial Além-Mar, 2000;
atribuído à rua onde se situa a casa em Viseu será TESCAROLI, P.e Cirilo, São Daniel Comboni Pioneiro
disso um exemplo. da Igreja em África, Editorial Além-Mar, 2004.
Algumas datas merecem ser recordadas: A 14 de Digital: www.ecclesia.pt/combonianas; www.emilia
Setembro de 1864, junto ao túmulo de S. Pedro, nojose.com.br/texto_mocoes.php?ID=13; www.vati
em Roma, Comboni recebe a inspiração do “Plano can.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1998/octobe
para a regeneração da África”, que a 18 do mesmo r/documents/hf_jp-ii_spe_19981009_combonia
mês apresenta ao Papa Pio IX e ao Cardeal Director ne_po.html.
da Congregação para a Propagação de Fé; a 1 de
Junho de 1866, funda o Instituto Missionário de LAURO PORTUGAL
Verona para a Evangelização da África Central; a 15
de Março de 1869, no Concílio Vaticano I, o
Fundador da Congregação escreve o “Postulado” a CONCEPCIONISTAS AO SERVIÇO DOS
favor dos negros da África Central, que obtém a POBRES, Congregação das Irmãs
assinatura de mais de 200 bispos, e que Pio IX A Congregação das Irmãs Concepcionistas ao Serviço
aprova; a 9 de Outubro de 1998, no discurso às Pie dos Pobres, também denominada por Religiosas
Madri della Nigrizia, como coroação do seu XVII Concepcionistas da Beata Beatriz da Silva ao Serviço
Capítulo Geral, o Papa João Paulo II formulou dos Pobres ou, simplesmente, Irmãs Concepcionistas Madre Maria Isabel (I)

“ardentes votos de luzes celestes para que a ao Serviço dos Pobres (CSP), é um Instituto Religioso
Superiora-Geral saiba conduzir as Missionárias de Direito Canónico. A sua criação data do ano de de Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos,
Combonianas às novas metas de zelo apostólico e 1939, quando Maria Isabel Picão Caldeira Carneiro e de D. Sílvia Cardoso, Maria Isabel assume a
de serviço aos irmãos mais pobres.”; João Paulo II, lançou as fundações deste projecto de Fé em Elvas, orientação de uma casa de retiros em Elvas. Pela
que a 6 de Abril de 1995 beatificara Daniel Comboni, erigido oficialmente por Roma, em 1955. devoção a S.ta Beatriz da Silva, a Santa Alentejana
canoniza-o a 5 de Outubro de 2003; nessa mesma (Fundadora da Ordem da Imaculada Conceição,
data foi o deputado brasileiro Emiliano José autor no séc. XV, em território espanhol), e pelo contacto
de uma Moção de Aplauso aos Missionários e às directo que mantinha com as Religiosas Concep-
Missionárias Combonianas “que dedicam a sua vida cionistas de Santa Beatriz da Silva, já presentes em
a seguir os ensinamentos de São Daniel Comboni, Portugal (Campo Maior), Maria Isabel Picão Caldeira
que trabalham junto às comunidades extremamente Carneiro inicia a sua Obra em 1939. Algumas
empobrecidas”. senhoras se juntam a ela e, no dia 20 de Dezembro
Logótipo da Congregação (I)
Poder-se-ia afirmar que o desejo manifestado por desse mesmo ano, o Arcebispo de Évora nomeia-a
Comboni de “ter mil vidas para consagrar à salvação Superiora do pequeno grupo. Também nessa data,
da África” encontra hoje expressão na actividade Num lugar chamado Monte do Torrão, em S.ta Eulália a igreja e as ruínas do antigo convento das Clarissas
das cerca de 1900 missionárias que se batem pelo (Elvas), nasceu Maria Isabel Picão Caldeira, a 1 de passam a ser abrigo da primeira comunidade.
anúncio do Evangelho pelos quatro cantos do Fevereiro de 1889. O seu baptismo realizou-se no A Obra das Concepcionistas vai crescendo e, entre
Mundo. “Eu morro, mas a minha obra não morrerá.” dia 3 de Março. Filha de um casal rico de agricultores, 1939 e 1944, Madre Maria Isabel abre alguns centros
Dando sentido a esta afirmação-testamento do desde cedo teve uma educação cuidada pelos pais, de acolhimento para quantos vagueiam pelas ruas
Fundador, a Congregação exerce o apostolado na João Miguel Caldeira e Maria Francisca da Silva Picão, de Elvas e para os refugiados da guerra civil
Europa, nos Estados Unidos da América, na América e apoiada por diversos professores. espanhola. São criados uma creche, a Sopa dos
Latina, em África e no Médio Oriente, em países Em idade núbil, enamora-se de um primo em terceiro Pobres e o Abrigo Infantil com os fundos da própria
como Inglaterra, Escócia, Polónia, Alemanha, Itália, grau e com ele casa no dia 20 de Março de 1912. benfeitora.
Espanha, Portugal, México, Guatemala, Costa Rica, Com João Pires Carneiro vive aproximadamente dez Os primeiros Estatutos e Constituições das
Colômbia, Equador, Brasil, Peru, Togo, Sudão, anos. Durante oito anos dessa década Maria Isabel Concepcionistas datam de 1943. O Instituto torna-
Camarões, Congo, Egipto, Eritreia, Etiópia, Uganda, torna-se o grande apoio do seu marido, que adoecera -se assim uma Associação de Fiéis com aprovação
Quénia, República Centro-Africana, Zâmbia, gravemente e assim permanecera durante todo esse diocesana. Todavia, a oficialização pontifícia conti-
Moçambique, Jordânia, Israel e Emirados Árabes tempo, tendo vindo a falecer a 17 de Junho de nuava a tardar. Durante muito tempo, Maria Isabel
Unidos. 1922.
Quanto ao vestuário, sendo o hábito inicialmente Após todo o esforço empenhado no tratamento do
preto ou branco, é actualmente de cor bege. O seu esposo, Maria Isabel entrega-se totalmente a obras
uso é livre, mais utilizado pelas noviças ou em de apostolado na sua terra natal, tentando, desta
cerimónias e datas festivas. forma, minorar a tristeza provocada por esta profunda
Evangelizar Hoje é o jornal das Irmãs Combonianas, perda na sua vida. A 8 de Setembro de 1934, após
de periodicidade trimestral, com publicação no Porto. a morte dos pais, vai para Azurara juntar-se às
Dominicanas de Clausura. Contudo, nesta época, a
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de sua saúde é débil, o que a leva a viajar para Lisboa,
Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da sete meses depois, a fim de recuperar forças, em
Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 895; casa de família.
MARTINI, Ir. Aldina, Irmã Maria Giuseppa Scandola: Mas a Fé no Senhor continua a ser grande e a
Missionária Comboniana, Strasbourg, Éditions du vontade de ajudar os outros também. No ano de
Signe, 2003; SANTÂNGELO, Enzo, Daniel Comboni: 1936, no dia 20 de Março, com o apoio do Arcebispo Casa de Elvas (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS AO SERVIÇO DOS POBRES

contou com os apoios do Arcebispo de Évora, D. em Minde (1957), no Campo Grande – Lisboa (1958),
Manuel, e, mais tarde, do P.e Santiago Fernandes de e em Pedras Salgadas (1960). Em 1959, grava uma
Las Eras Palácios na orientação da sua Congregação. mensagem em disco para as suas irmãs e, em 1960,
Em 1948 Maria Isabel faz a profissão simples escreve o seu testamento civil e espiritual, que deixa
juntamente com as primeiras irmãs. como legado ao Instituto.
A sua Obra vai sendo difundida pelo país e é facto Em Elvas, a Fundadora das Irmãs Concepcionistas
que, nessa mesma data, já as Concepcionistas ao Serviço dos Pobres vem a falecer no dia 3 de
trabalhavam em diversas localidades portuguesas Julho de 1962, sendo sepultada na sua terra natal,
como Elvas (1939), Campo Maior (1941), Barbacena S.ta Eulália. A 20 de Dezembro de 1980 os seus
(1942), Fátima (1945), Fronteira e Évora – Q.ta de restos mortais são trasladados para o Convento da
S.to António (1946). Imaculada Conceição, berço do Instituto.
Contudo, a sua Obra mantém-se viva e em expansão.
As Concepcionistas abrem novos centros de
acolhimento e Fé no Fundão (1964), S. ta Eulália
(1965), Évora – Seminário Maior (1966), Santarém
(1967), Mira de Aire – Centro Social (1970), em
Benfica, Lisboa (1978), Mexilhoeira Grande, Portimão
Francisca Fernandes, O Chá de Manjacaze (I)
(1978), e em Abrã (1990). A Obra começa também
a expandir-se além-fronteiras, chegando a
Moçambique – Inhambane (1972), Manjacaze (1973), desempenhado ao longo da sua vida todo um
Maxixe (1987), Maputo (1994) –, a Roma (1989), a trabalho solidário, com base na humildade, na
Yucatán, México (1997), e a Timor-Leste – Vemasse simplicidade e na pobreza, procurando refúgio e
(2001), Moro (2005), Dili (2007). apoio no amor ao Senhor, na veneração a Imaculada
Conceição, vivendo com entusiasmo o verdadeiro
espírito franciscano. É esta também a linha de
espiritualidade das Concepcionistas, procurando
imitar a sua Fundadora, na sua graça maternal.
O seu carisma está assente na ajuda aos mais pobres
e desprotegidos, sejam eles idosos, crianças, doentes
ou desamparados, e no espírito de missão e trabalho,
quer seja dentro do nosso país ou em comunidades
espalhadas pelo mundo.

Casa Regional em Fátima (SMA)

Casa de N. Sr.ª de Fátima, Fundão (I)


O processo de aprovação das Irmãs Concepcionistas
ao Serviço dos Pobres avança então rapidamente
quando, em 1952, D. Manuel escreve para Roma e A Congregação vive uma data muito importante no Imagem representativa do carisma da Congregação (I)

o Núncio Apostólico, Mons. Fernando Cento, se dia 5 de Julho de 1998, momento em que é elevada,
empenha nesta causa. O processo de aprovação dá- pelo Papa João Paulo II, a Congregação de Direito Da Congregação das Irmãs Concepcionistas ao
-se, finalmente, a 5 de Julho de 1955, por Decreto Pontifício, conforme o Decreto da Congregação dos Serviço dos Pobres, nasceu em 1952, por vontade
da Sagrada Congregação dos Religiosos. O Papa Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida da Madre Maria Isabel, uma associação de leigos.
Pio XII aprova a Obra Concepcionista e declara-a, Apostólica. Nesse mesmo dia era aberto o processo Inicialmente chamada de Agregadas, este novo
oficialmente, Congregação Religiosa de Direito de canonização da Madre Maria Isabel da Santíssima organismo era constituído por um grupo de senhoras
Diocesano. A 20 de Dezembro do mesmo ano, Maria Trindade, que viria a ser encerrado dois anos mais que auxiliava as Irmãs Concepcionistas nos centros
Isabel faz os votos perpétuos, juntamente com mais tarde, a 5 de Julho de 2000. de acolhimento para os pobres e difundia igualmente
seis irmãs. D. Manuel Trindade Salgueiro (sucessor Actualmente a Congregação está presente em a espiritualidade do Instituto. A 1 de Setembro de
de D. Manuel da Conceição Santos no Arcebispado diversos pontos do país e do mundo, com 9 casas 1984, são aprovados os Estatutos pela Superiora
de Évora) assiste a este momento e preside à erecção em Portugal, 3 em Moçambique, 3 em Timor-Leste, Geral, constituindo assim este acto o Movimento
canónica do Instituto Concepcionista. Maria Isabel 2 no México e uma em Roma. As Irmãs Concep- Concepcionista Secular ao Serviço dos Pobres
– Ir. Maria Isabel da Santíssima Trindade a partir de cionistas contam hoje com 83 irmãs professas, 11 (MCSSP). Este movimento é aprovado por Roma
Dezembro de 1955 – continua empenhada no avanço noviças e 16 postulantes. A sua Superiora Geral é como Obra das Concepcionistas a 5 de Julho de
da sua Obra. Já com instalações também em Mira a Ir. Maria das Dores Teixeira. A Casa Geral está 1998. Hoje fazem parte desta Associação todos
de Aire, Abrigo de S. José (1951), Charneca do situada em Lisboa, e a Casa-Mãe em Elvas. aqueles que queiram difundir a Obra Concepcionista
Lumiar (1952), Oeiras (1953) e Alcobaça (1954), a Madre Maria Isabel deixou escrito nas suas notas e viver uma vida familiar e comunitária de valor,
Ir. Maria Isabel prossegue difundindo a sua caridade pessoais: “Fiz-me pobre para privilegiar os pobres”, estando presentes junto dos pobres e anunciando
com a ajuda das suas companheiras, que também por isso não hesitou em colocar todos os seus bens a mensagem do Senhor, de acordo com o carisma
vão aumentando em número. A sua Obra passa a ao serviço daqueles que precisavam. Esta filha da das religiosas seguidoras da Madre Maria Isabel da
estar presente igualmente em Carcavelos (1955), terra de S.ta Eulália cedo optou pelo altruísmo, tendo Santíssima Trindade.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS

As Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres Ordem da Imaculada Conceição, em Toledo, nasceu cada vez mais pretendentes. Dando ouvidos a
publicam periodicamente o boletim trimestral Seara em Campo Maior, c. 1437, e morreu em Toledo, em mentiras sobre D. Beatriz, a rainha deixou de confiar
dos Pobres, desde Junho de 1996, e o Farol, um 1492, com 55 anos. Era, provavelmente, a terceira nela e retirou-a do seu caminho. Assim, certa noite,
boletim interno da Congregação. irmã dos 11 filhos de Rui Gomes da Silva Menezes, a rainha ordenou-lhe que a seguisse e conduziu-a
Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela, e de ao local mais isolado do palácio onde a encerrou
D. Isabel de Menezes. Era neta paterna de Aires num cofre, sem ar, sem alimento e sem espaço para
Gomes da Silva, primeiro Alcaide-Mor de Campo se mover. Desamparada, rezou à Mãe do Céu e, de
Maior, e neta materna de D. Pedro de Menezes, súbito, o local onde estava presa iluminou-se e Nossa
Conde de Viana e primeiro Capitão em Ceuta. Senhora apareceu-lhe com o Menino ao colo. Vestia
Em Campo Maior, um incêndio destruiu não só o um hábito branco sobre o qual tinha um manto azul
antigo castelo, mas também grande parte dos celeste, e revelou-lhe, então, a missão que Deus lhe
edifícios, incluindo os arquivos da referida vila. Assim havia destinado: a de fundar uma ordem religiosa
sendo, pouco se sabe da infância de D. Beatriz, mas em honra de Conceição Imaculada de Maria. Disse-
pressupõe-se que só uma religiosidade praticada por -lhe ainda que as suas filhas haviam de usar um
largos anos poderia ter resistido a tantas peripécias hábito igual àquele que a Mãe do Céu trazia quando
que aconteceram na sua vida. A mãe de D. Beatriz lhe apareceu. D. Beatriz ali esteve encerrada durante
era muito devota da Ordem de São Francisco, pois três dias e o seu desaparecimento intrigava toda a
sabe-se que os seus filhos foram ensinados por Corte, que não se atrevia a perguntar por ela, tais
mestres franciscanos, o que explica a devoção de eram as iras da rainha. Somente D. João de Menezes
Livro de Maria Isabel da Santíssima Trindade, D. Beatriz por S. Francisco de Assis e pelo mistério se atreveu a perguntar onde se encontrava a sua
Lembrai-vos Sempre (I) da Conceição Imaculada de Maria. sobrinha, ao que a rainha respondeu prontamente
levando-o ao local onde a tinha deixado encerrada,
julgando que esta estaria morta. Ao abrir o cofre,
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal viu aparecer D. Beatriz mais bela do que nunca, o
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência que deixou a rainha incrédula.
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 889; CONCEPCIONISTAS Assim, em 1449 ou 1450, D. Beatriz resolveu retirar-
AO S ERVIÇO DOS P OBRES , Carisma e Espiritualidade: -se para Toledo. Segundo se sabe, a viagem terá
Documento Base – Concepcionistas ao Serviço dos sido feita em conjunto com duas aias, um mordomo
Pobres, Elvas, Casa-Mãe/Convento da Imaculada e diversos criados, de liteira ou a cavalo e com uma
Conceição, 1988; FERNANDES, Francisca, Uma Nascente comitiva de homens de guerra, provavelmente fiéis
na Planura: Perfil Humano duma Fundadora, Elvas, ao rei, que os protegia. Foi, então, no decorrer da
Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres, 1988; viagem que apareceram dois frades que D. Beatriz
GOMES, Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, julgou terem sido mandados pela rainha para lhe
Lisboa, Paulinas, 1994, pp. 50-51; R IBEIRO , José tirarem a vida. D. Beatriz, muito receosa, só acalmou
Joaquim, Nas Pisadas de Maria ao Serviço dos Pobres, quando os frades a tranquilizaram, começando a excla-
s.l., s.n., 1981; ROCCA, Giancarlo, “Concezioniste mar profecias da Ordem da Imaculada Conceição.
della Beata Beatrice da Silva per il Servizio dei Poveri”, Juntos, continuaram a viagem, até que os frades
in Guerrino Pellicia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario desapareceram sem se dar por isso, percebendo,
degli Istituti di Perfezione, vol. II, Roma, Edizioni então, D. Beatriz que os seus companheiros tinham
Paoline, 1975, p. 1399; TRINDADE, Maria Isabel da sido S. Francisco de Assis e S.to António de Lisboa,
Santíssima, Lembrai-vos Sempre: Escritos, Carisma, que vieram fortalecê-la para a missão que a esperava.
Espiritualidade, Braga, Franciscana, 1995; Recolheu-se, então, no mosteiro cisterciense de
VASCONCELOS , Evaristo de, sj, Religiosas, Porto, S. Domingos, que tinha como titular S. Domingos de
Depositária Magnificat, 1957, pp. 181-182; VIEIRA, Silos, monge da Ordem de São Bento, onde perma-
Maria do Pilar S. A., “Irmãs Concepcionistas ao neceu com o rosto escondido com um véu, o qual
Serviço dos Pobres”, in Carlos Moreira Azevedo (dir.), só levantava para lhe ser arranjado o cabelo e quando
S. Francisco de Assis, pormenor no Mosteiro de S.ta Clara,
Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. C-I, Funchal (DRAC)
a Rainha Isabel, a Católica, a visitava. Ali esteve mais
Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de de 30 anos com as duas aias que haviam estado
História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, consigo em Tordesilhas e que a tinham acompanhado
2000, pp. 469-470. Digital: www.concepcionistas.pt. D. Beatriz era a dama de companhia predilecta de na sua viagem até Toledo.
D. Isabel, filha do Infante D. João, a quem acom- A filha de D. Isabel de Portugal e de D. João de
SUSANA MOURATO ALVES panhou nas suas idas para Tordesilhas quando esta Castela, D. Isabel, a Católica, nasceu, provavelmente,
se casou, em 1447, com D. João II de Castela. Com um ou dois anos depois de D. Beatriz ter deixado
a sua entrada na Corte de Castela, a sua beleza a Corte. Juntamente com sua mãe, já viúva e
CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS começou a ser apreciada pelos nobres da Corte, arrependida de todas as injustiças que havia cometido
A Ordem da Imaculada Conceição, que tem como despertando a inveja da própria rainha, numa altura com D. Beatriz, visitaram-na em S. Domingos. Assim
sigla OIC e cujas monjas são conhecidas por em que a Corte era tida como um ambiente de luxo, nasceu a grande devoção que D. Isabel, a Católica,
Concepcionistas Franciscanas, foi fundada em 1489, vaidade, ciúme e intrigas. D. Beatriz nunca se deixou tinha pelo mistério da Conceição Imaculada de Maria.
em Toledo, por Beatriz da Silva que, como ficou levar pelo ambiente que aí se vivia. A sua beleza, D. Beatriz confessou, à então reinante D. Isabel, a
provado em 2004, no II Congresso Internacional da aliada à sua discrição e nobreza, levaram-na a ter Católica, o seu desejo de fundar a Ordem, e deixou

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS

nas suas mãos a sua realização. Resolveu escrever desmoronar-se, mas que depois iria renascer. Levou -se religiosa e converter a sua casa em convento.
ao Papa Inocêncio VIII a pedir-lhe a aprovação e a cerca de dez anos para acalmar os acontecimentos Decide, então, consultar o seu confessor que lhe
confirmação da Ordem, ficando D. Beatriz encarregue que circunscreviam a Ordem. diz ter tido a mesma visão. Catarina Arana e as suas
de apresentar uma petição ao sumo pontífice. Em 1501, a Comunidade saiu de S. Pedro de la filhas decidem que a família religiosa a quem iria
A sua estada no Convento de S. Domingos durou Dueñas e foi instalar-se no antigo Convento de ser confiado o novo mosteiro seria a ordem contem-
cerca de 30 anos, altura em que lhe apareceu outra S. Francisco, em Toledo. Em 1511, é-lhe dada Regra plativa da Imaculada Conceição. Para que o projecto
vez a Madre de Deus, que lhe mostrou novamente própria, concedida pelo Papa Júlio II, como sempre pudesse ser realizado e se pudesse erguer o mosteiro,
o hábito que as monjas haveriam de usar e lhe deu desejou D. Beatriz, ficando sob a tutela do prelado vieram três religiosas concepcionistas do Convento
a entender que tinha chegado a hora por que tanto franciscano, permitindo, no entanto, a fundação de de Burgos, que ali permaneceram durante cerca de
ansiou, a de fundar a Ordem da Imaculada Conceição. novos conventos e confirmando-se, mais uma vez, quatro anos, até terem terminado o período de
Em 1484, com a ajuda da rainha, que lhe cedeu o cumprimento da referida “revelação da lâmpada”. formação das primeiras monjas. Para orientar o novo
parte dos edifícios dos Paços de Galiana e a Igreja Um ano mais tarde, o seu corpo é transladado do mosteiro chamaram outras monjas do Convento del
da S. ta Fé, deixou o Mosteiro de S. Domingos. Convento da Madre de Deus para o da Conceição, Caballero de Garcia, em Madrid, que também ali
D. Beatriz, juntamente com a sua sobrinha, D. Filipa em Toledo, e, em 1618, para um mausoléu mandado permaneceram durante quatro anos. Em 1618, a
da Silva, e 11 raparigas foram viver para o futuro construir no Convento da Conceição, por Magdalena quinta onde havia sido construído o novo convento
convento. Em 1489, o Papa Inocêncio VIII aprovou Porcia, uma devota de D. Beatriz. Em 1926, foi foi doada à nova fundação e, meses mais tarde, é
a Ordem, o hábito e o ofício, mas D. Beatriz não beatificada e, em Maio de 1976, o Vaticano anunciou aí celebrada a primeira missa.
obteve a aprovação de uma nova Regra, o que fez que em Outubro seria canonizada, em Roma, pelo Um ano mais tarde, Maria, a sua mãe e a sua irmã
com que tivesse de optar entre as já existentes. Papa Paulo VI, a primeira mulher portuguesa. tomam hábito, enquanto o seu pai entra no convento
Assim, deram-lhe a Regra de Cister, prescindindo Na Ordem, houve muitas figuras relevantes, entre franciscano de S. to António de Nalda. Ao tomar
da sua enorme vontade de se reger pela Ordem as quais se destacam a sua sobrinha Filipa da Silva, hábito, Maria passa a chamar-se Soror Maria de
de São Francisco. A autorização para que as Monjas que, depois da morte da tia, foi nomeada primeira Jesus. Os seus primeiros anos de religiosa são
pudessem fundar novos conventos concepcionistas Abadessa. Da sua vida pouco se sabe, apenas que passados assistindo a fenómenos religiosos e místicos
só surge em 1494, quando uma Bula do Papa foi quem levou o corpo de sua tia para o Convento paranormais. Soror Maria de Jesus permanecia imóvel
Alexandre VI ordena que tomem a Regra de da Madre de Deus, deixando-o ao cuidado de suas e insensível durante duas ou três horas e o êxtase
S.ta Clara. Enquanto esperava pela bula papal, que primas, que ali exerciam cargos superiores, para que era acompanhado de levitação. Foi então que um
viria a aprovar a sua Ordem, D. Beatriz foi favorecida zelassem por ele, mas com a certeza de que lhe director espiritual interveio, terminando com todos
com graças que anteviam a sua fundação, nomea- seria restituído, quando do seu regresso a Portugal. aqueles fenómenos, fazendo com que o sobrenatural
damente ao assistir ao naufrágio do navio que trazia Assim, deixou S.ta Fé em busca de um novo refúgio, se concentrasse no seu interior e dando lugar a
os documentos necessários. Assim, e durante três acabando por regressar a Toledo, mas desligada da fenómenos únicos que a faziam actuar à distância.
dias, manteve-se em oração diante do sacrário. Ordem. Pensa-se que se terá recolhido no Convento O facto mais curioso foi o que teve lugar no Novo
Passados esses três dias, ao abrir uma arca, viu, lá de S.ta Isabel dos Reis, onde permaneceu até à data México e sobre o qual se diz que, entre 1620 e
dentro, um pergaminho que parecia ser a bula, o da sua morte. 1631, Soror Maria de Jesus, com o dom de bilocação,
que se veio, mais tarde, a confirmar pelas autoridades Soror Joana de São Miguel foi companheira e esteve presente diversas vezes entre os índios daquele
religiosas. Foram celebradas cerimónias religiosas discípula directa de D. Beatriz durante muitos anos. lugar, os quais preparou para o Baptismo, com a
em acção de graças, com a ajuda de Isabel, a Católica, Assinou a mais antiga referência encontrada, datada sua evangelização. Chamavam-lhe “Dama Azul”,
e a bula foi acompanhada de uma procissão para de 1511, e escreveu algumas notas no Registro devido ao manto azul celeste que vestia.
a Igreja de S.ta Fé. Poucos dias depois, apareceu- Antiguo ou Primer Libro de la Fundácion de Orden O novo convento tornava-se cada vez mais pequeno
-lhe a Virgem e comunicou-lhe que, passados dez de Inmaculada Concepción, que se encontra no para as diversas vocações que surgiam. Com 25
dias, a viria buscar para a conduzir ao Paraíso. No Mosteiro da Conceição e que dava a conhecer a anos, Soror Maria de Jesus foi eleita Abadessa, pela
dia seguinte, adoeceu e pediu o sagrado viático. De vida de D. Beatriz. Provavelmente conhecida por comunidade, e uma das suas primeiras funções foi
seguida, pediu a uns padres franciscanos que a Soror Joana Diáz de Toledo, teve vários ofícios durante a construção de um outro convento, a qual é ini-
viessem visitar e que lhe dessem o hábito, profissão, cerca de 16 anos e foi Abadessa até à data da sua ciada em 1626. Anos mais tarde, em 1633, é
véu e a extrema-unção. Assim, foi preciso levantarem- morte. Soror Maria de Jesus Ágreda (1602-1665), inaugurado o convento do qual Soror Maria de Jesus
-lhe o véu, deixando ver a sua beleza e, na altura filha de Francisco Coronel e de Catarina Arana, de é a Abadessa até à data da sua morte, excepto nos
da sua morte, o seu rosto iluminou-se e uma estrela ascendência nobre, era dotada de excepcionais quali- anos 1652 a 1655.
resplandecente apareceu sobre a sua fronte. Tomou dades e, desde cedo, Deus começou a fazer parte Em 1637, recebe uma ordem vinda do Céu: a de
o hábito à hora da morte, tendo sido, assim, a da sua vida através de fenómenos de iluminação escrever uma história que manifestasse os ocultos
primeira da Ordem. Vieram, então, os desenten- interior. Os seus pais tiveram 11 filhos, mas apenas mistérios realizados por Deus na vida da Virgem, que
dimentos entre as religiosas da Ordem, quando estas quatro sobreviveram: 2 rapazes, Francisco e José, e intitulou de A Mística Cidade de Deus. No ano de
se mudaram do Convento de S.ta Fé para o de S. Pedro 2 raparigas, Maria e Jerónima. Os seus irmãos eram 1643, Soror Maria de Jesus apresenta-se então ao
de las Dueñas, em Toledo, chegando a pensar- ambos religiosos franciscanos e a sua outra irmã Rei de Espanha, Filipe IV, pouco tempo depois de
-se na sua extinção. A Fundadora teve um pressen- entrou também para o convento. este ter afastado o Conde-Duque de Olivares da
timento sobre os referidos desentendimentos, através Com seis anos, Maria de Jesus fez a primeira comunhão governação. O rei ouviu, da parte de Soror Maria
da “revelação da lâmpada” que teve lugar no coro, e, aos oito, fez, secretamente, o seu voto de castidade. de Jesus, palavras de consolo e, a partir daí, ordenou
quando D. Beatriz viu que se havia apagado a Aos 12 anos já se inclinava para a vida religiosa, que esta lhe escrevesse. É então que surge uma
lâmpada do Santíssimo Sacramento, mas que, num tendo tentado ingressar nas Carmelitas Descalças, troca de correspondência que só terminou com a
ápice, se havia acendido novamente. Surgiu, então, em Tarazona. Um ano mais tarde, os seus irmãos morte de Soror Maria de Jesus. Além da obra já
uma voz que lhe disse que o que tinha visto iria entram no convento franciscano. É então que a sua referida, Soror Maria de Jesus escreveu ainda Leis
acontecer à sua Ordem: que quando morresse iria mãe tem uma visão, que lhe diz que deveria tornar- da Esposa, Conceitos e Suspiros do Coração, Jardim

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS

Espiritual, entre outras. Teve sempre uma saúde averiguada a origem das suas chagas. Um grupo de que haviam ficado em Bayona, para se deslocarem
muito frágil e acabou por morrer com 63 anos. Em homens armados, juntamente com a sua mãe e a a Saint-Ètienne, de modo a acolher as religiosas que
1666, foi iniciado o seu processo de beatificação, sua irmã, dirige-se ao convento, de onde retiram fugiam de Espanha. As religiosas que chegavam
o qual continua à espera de reconhecimento por todas as religiosas, levando-as à presença do juiz, eram tantas que houve a necessidade de criar uma
parte da Igreja, e, em 1673, foi-lhe concebido o dizendo que o mistério das chagas podia ser de terceira casa em Bonneuil. Em 1870, com a apro-
título de Venerável. índole política. Tinha então 24 anos e no interro- ximação da guerra, a madre, juntamente com
Soror Maria das Dores Patrocínio (1811-1891), gatório disse que não cederia e só à força sairia do algumas religiosas, deixou Bonneiul e dirigiu-se para
também chamada a Monja das Chagas, nasceu perto convento. Foi levada num carro, com a sua mãe e Paris. No caminho, elas foram ajudadas a esconder-
de Venta del Pinal, em Cuenca, em plena guerra da a sua irmã, para uma casa particular, onde vários -se e quando se dirigiram à estação dos comboios,
independência, e foi baptizada com o nome de médicos tinham por missão curar-lhe as chagas. uniram-se a outras religiosas que vinham fugidas
Rafaela. Era filha de Diego Quiroga y Valcárcel e Quando os médicos pensavam que as chagas estavam de Montmorency. Depois de muitos tumultos,
Dolores Capopardo del Castillo, ambos de famílias curadas, estas começavam a sangrar. Em 1836, a conseguiram chegar ao Convento de Saint-Étienne.
nobres, juntamente com dois irmãos, João António sentença ditou que Soror Patrocínio teria de sair de Com a restauração da monarquia, a madre foi a
e Ramona. Apesar de não ter tido uma infância Madrid e ir para outro convento. No ano seguinte, última desterrada a voltar ao seu país. Morreu em
normal, Deus enriqueceu-a com dons e carismas, saiu de Madrid e ingressou no Convento de Talavera 1891 e o seu processo de beatificação foi iniciado
adquirindo uma experiência prematura da vida, de la Reina. Com o seu estado de saúde cada vez em 1907.
ajudada pela avó materna. O pai, ao ver as atitudes mais grave, é-lhe concedida a permissão para cumprir Soror Maria dos Anjos Sorazu Aizpurua (1873-1921)
da mãe, tentava compensar, de modo especial, a a sentença noutro mosteiro, o de Torrelaguna. Em nasceu em En Zumaya e a sua família era, na sua
filha. Quando a guerra acabou, Diego foi transferido 1844, já a situação política estava mais calma, foi maioria, de pescadores, mas muito católicos. Foi
para Valência e toda a família foi com ele. Em 1821, decidido que Soror Patrocínio poderia regressar a baptizada com o nome de Florência e estudou numa
Diego morre, ficando Rafaela entregue a sua mãe. Madrid. Sabendo então que o Mosteiro del Caballero escola de Carmelitas da Caridade. Em 1879, mudam-
Dois anos depois, a família regressa a Madrid. Sendo Garcia havia sido demolido, vai para o Convento de -se para San Sebastian. Desde muito pequena que
Rafaela uma jovem de grande beleza, a sua mãe la Latina, que albergava outras duas comunidades. teve intuições místicas e se sentiu possuída da
pensava tirar vantagens do seu casamento com Como o convento era pequeno para tantas religiosas, grandeza e bondade de Deus. Aos nove anos, depois
algum nobre. Entra, então, para um colégio de foi cedida uma propriedade para que lá se instalassem de ter estado doente, visitou a Igreja de S. Vicente
Comendadoras de Santiago, onde educavam jovens as irmãs do Convento del Caballero Garcia. No ano na companhia de sua mãe. Numa rua perto da igreja,
aristocratas, e prontamente quiseram que passasse seguinte, concluídas as obras de adaptação, as teve uma visão de Deus, que a chamava para a
a pertencer àquela ordem, mas Rafaela sentia que religiosas mudam-se para lá. Pouco tempo depois, santidade por caminhos que ela própria desconhecia.
era chamada para a Ordem Concepcionista. Quando foi eleita Abadessa, cargo que ocupou até à data Quando fez dez anos, mudaram-se para Tolosa e,
Rafaela manifestou à família o seu desejo de entrar da sua morte. um ano mais tarde, fez a primeira comunhão e
para o convento, este não foi bem aceite, o que Em 1849, a situação política volta a complicar-se, inscreveu-se na Congregação das Filhas de Maria.
atrasou a sua entrada. Assim, apenas em 1830, sendo a madre exilada novamente, mas permane- Com 13 anos, e durante um ano, vai servir para
Rafaela entra para o Convento Concepcionista del cendo sempre em Espanha, devido ao seu estado uma casa em San Sebastian. Regressa, então, a
Caballero de Garcia, em Madrid, onde toma hábito de saúde. Em 1852, foi desterrada para França, Tolosa onde começa a trabalhar como operária numa
e o nome de Soror Patrocínio. Havia pouco tempo pedindo autorização ao núncio para escrever aos fábrica.
que estava no convento quando lhe apareceu o bispos franceses para que não a deixassem ficar. A sua vocação não era visível, pois interiormente
mesmo demónio que a visitou quando ainda estava Não se sabe ao certo como tudo se passou, apenas apenas sentia uma inquietude pela vida de retiro.
no colégio. Pouco tempo depois, apareceu-lhe Nosso se sabe que a Madre permaneceu exilada em França Certo dia, ao confessar-se ao pároco, este adivinhou
Senhor, que lhe abriu uma chaga nas costas e, alguns durante dois anos. Depois de ter passado pelo os seus pensamentos. Assim, seguiu o conselho do
meses depois, enquanto rezava, apareceram-lhe as convento concepcionista de S.ta Ana, em Toledo, a pároco e decidiu a sua vocação.
outras chagas, nas mãos e nos pés, sofrendo assim madre voltou, em 1854, a Madrid. Em 1891, entra no Mosteiro da Conceição de
as dores da Paixão. Em 1855, sabe-se que vivia no Mosteiro de Valladolid e o nome de Soror Maria dos Anjos foi
Em 1831, quando Soror Patrocínio orava no coro Monserrat, de onde foi novamente desterrada, pri- o nome que tomou, juntamente com o hábito. Nesse
com as restantes religiosas, apareceu-lhe o Arcanjo meiro para Baeza e, depois, para Benavente e, em mesmo ano, faz a profissão religiosa e, em 1904,
S. Miguel, com uma imagem da Santíssima Virgem 1856, para Torrelaguna. Foi então que terminou o foi eleita por unanimidade como Abadessa, cargo
nos braços, que lhe revelou que a referida imagem desterro da madre, indo para Aranjuez, onde fundou que manteve até 1921, ano da sua morte.
se encontrava abandonada a um canto, no sótão, um convento. Entretanto, foi pedido ao governo Os dados sobre a vida de Soror Inês de San Pablo
onde realmente a madre a foi encontrar. A Santíssima que fosse cedido um espaço para que as religiosas (séc. XVI) são extremamente escassos. Apenas se
Virgem disse-lhe ainda que o poder dos demónios concepcionistas implantassem um novo colégio. Foi- sabe que nasceu em En Fuentelecina, em
tinha terminado, podendo então dedicar-se total- -lhes então cedido um edifício em ruína e, em muito Guadalajara, e era filha de João de Soria e Maria
mente à vida espiritual, mas que em breve iria cair pouco tempo, as obras foram iniciadas, tendo ficado Rubia. Aos dez anos entra, juntamente com sua
em poder dos homens. concluídas em apenas seis meses. Aqui viveu a madre irmã, para o convento concepcionista de Alcalá de
Entre 1833 e 1839, Espanha era palco de guerras durante os últimos 14 anos da sua vida. Henares.
sangrentas e, por Madrid, corria a notícia de que Em 1868, Espanha foi palco de uma revolução que Tomou o hábito em 1575 e foi a Fundadora de uma
Soror Patrocínio era uma santa e muitas pessoas trouxe consigo a abolição da unidade religiosa. confraria que propagava a devoção da “Escravatura
deslocavam-se ao convento para a ver. Tal era a A madre resolveu então obedecer às ordens e saiu Mariana”. Sabe-se que, no século XVI, existiam em
afluência, que as relações com o exterior e as visitas do país acompanhada por duas religiosas, dirigindo- Madrid diversas confrarias de escravos do Santíssimo
foram proibidas. -se para Bayona, onde estiveram cerca de nove anos. Sacramento e da Madre de Deus. É neste ambiente
A pedido de sua mãe, é então apresentada queixa Depois, foi-lhe dada a autorização para fundar um acolhedor que percebe que o seu caminho sem a
à polícia contra Soror Patrocínio, para que fosse convento em Montmorency. Chamou as religiosas vida religiosa não fazia sentido e é assim que a sua

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS

anos, foi escolhida para restaurar o Mosteiro de e falar-lhe de uma cisão que iria ocorrer no mosteiro.
Pedroche, onde apenas existiam três religiosas. Em 1597, foi eleita de novo como Abadessa, mas
Passados dois anos, quando o convento ficou pronto, desta vez, e tal como havia sido anunciado por Maria
regressaram a Hinojosa del Duque e, nesse mesmo do Bom Sucesso, a sua eleição não correu nada
ano, foi eleita Abadessa. Foi a impulsionadora da bem, pois uma religiosa tenta passar o governo
beatificação da Fundadora da Ordem. As madres da espiritual para o governo do bispo diocesano. Maria
Casa-Mãe apresentaram uma instância ao Cardeal do Bom Sucesso ainda voltou a aparecer-lhe,
de Toledo, em nome da Ordem, e, depois de muitas revelando-lhe coisas muito importantes. Madre
dificuldades, a beatificação foi então aceite pelo Mariana morre em 1635.
Papa Pio XI. Maria Teresa morreu em 1910 e, um Soror Custódia Maria do Santíssimo Sacramento
ano depois, foi aberto o seu processo de beatificação. (1706-1739) nasceu em Braga e era a filha mais
Soror Mariana Francisca de Jesus Torres, ou Mariana nova dos oito filhos de Manuel Ribeiro Veiga e de
do Quito (1563-1635), nasceu em Biscaia e era a Catarina Couto, ambos de famílias nobres. Conta-
filha mais velha de Diego Torres Cádiz e de Maria -se que, desde cedo, Custódia saía de casa sozinha
Berriochoa Álvaro, ambos de famílias nobres e de para se dirigir à igreja e ajudava todos os pobres
bons costumes cristãos. Os dados sobre a sua vida que lhe apareciam à porta de casa, dando-lhes
são muito escassos porque, por volta de 1570, o alimentos e vestuário. Aos 27 anos manifestou,
mesmo incêndio que os deixou sem casa devastou diante de seus pais, a decisão de entrar para o
também a igreja e o seu arquivo. Assim, resolvem Convento da Conceição, em Braga e, nesse mesmo
Azulejo com N. Sr.ª da Conceição (JEF) mudar-se para Santiago de Compostela, onde, em ano, toma o hábito. Fazia ainda pouco tempo que
1572, fez a primeira comunhão, tendo tido, nesse estava no mosteiro quando lhe é diagnosticada uma
alma se abre à oração e a Deus. Não se sabe mesmo dia, visões sobrenaturais de graças místicas. doença pulmonar, que se veio a agravar com a notícia
precisamente a data da sua morte, apenas se sabe Desde muito cedo intuiu que seria religiosa da da morte de seus pais, apenas com um ano e meio
que terá sido, aproximadamente, em 1605. Imaculada Conceição. de interregno. Assim, foi ficando cada vez mais
Soror Maria Teresa de Jesus Romero (1861-1910) Alguns anos antes de Mariana nascer, algumas debilitada, mas nunca deixou de ter uma participação
nasceu em Cabeza del Buey. Era a única rapariga senhoras da cidade de Quito, em conjunto com o activa na vida da comunidade. Ao aperceber-se de
dos três filhos do segundo casamento de Pablo bispo, demonstraram vontade, perante o Rei de que a morte se aproximava, pediu os santos
Romero com Maria dos Anjos e foi baptizada com Espanha, Filipe II, de fundar um mosteiro. Tal foi sacramentos e, em 1739, morreu com apenas 33
o nome de Jacinta. Desde muito cedo que a sua concedido pelo rei e, assim, cinco monjas da Ordem anos.
mãe, que sabia que estava doente, manifestou o vêm da Província da Galiza, sob a direcção da Madre Soror Joana Angélica de Jesus (1762-1822) nasceu
desejo de a sua filha se tornar religiosa. Em 1867, Maria de Jesus Taboada, para levarem a Quito a em Salvador (Brasil) e era filha do Capitão José
Maria do Anjos morre, deixando a cargo de Pablo espiritualidade da sua Ordem. A madre, tia de Tavares de Almeida, e de Catarina Maria da Silva,
os três filhos. Em pequena gostava de ajudar os Mariana, levou-a consigo para fazer parte da ambos de famílias conhecidas da sociedade. Da sua
mais pobres, dando-lhes alimentos e vestuário. Aos fundação, o que não foi muito bem aceite pela sua juventude apenas se sabe que vinha de uma família
nove anos, Jacinta fez a primeira comunhão, família, porque tinha apenas 13 anos. Em 1577, é de costumes cristãos e que se preparava, tal como
prometendo para sempre a sua entrega a Deus. fundado o convento e as monjas são instaladas, praticamente todas as jovens da época, para fundar
A dada altura, Pablo achou que Jacinta deveria ir juntamente com outras religiosas de Quito. Nesse uma nova família ou seguir a vida de consagração
para a cidade de Madrid, para que tivesse uma mesmo ano, toma o hábito e, dois anos mais tarde, a Deus. Assim, parte da sua juventude foi passada
educação melhor e em consonância com a sua faz a profissão solene. É então que entra em êxtase no Mosteiro de N. Sr.a da Conceição da Lapa, fundado
posição social. Assim, foi viver como interna no e lhe aparece, além da Santíssima Virgem e de S. José, com o intuito de acolher raparigas que quisessem
Colégio das Religiosas da Sagrada Família, onde Nosso Senhor, que confirma a sua aceitação, põe- ingressar na vida religiosa. Como não era fácil as
sempre teve uma boa relação com todas as religiosas -lhe um anel no dedo, revela-lhe alguns aconte- Concepcionistas fundarem um convento, foram
da comunidade. Fez a confirmação e, pouco tempo cimentos que iriam ocorrer ao longo dos séculos chamadas religiosas do Mosteiro de N. Sr. a do
depois, recebe a dolorosa notícia de que a sua seguintes e dá-lhe a conhecer que deveria seguir Desterro de S.ta Clara para viverem segundo as Regras
cunhada, mulher do seu irmão Paco, morreu, o que sempre uma vida de imolação e que sofreria um concepcionistas. Assim, duas religiosas foram para
lhe causou um grande desgosto, pois como nunca contínuo martírio. Mariana aceitou tudo isto e apenas o mosteiro, comprometendo-se também a trocar de
tiveram filhos, Jacinta era considerada como filha. pediu que tivesse graças suficientes para não hábito. Desde 1744, de acordo com a legislação,
É então que seu irmão resolve entrar para o Seminário desfalecer. Terminado o êxtase, Nosso Senhor retirou- era proibida a entrada de noviças, impedindo pois
de S. Pelagio, em Córdova. Subitamente, Pablo -lhe o anel que anteriormente lhe havia colocado. Joana de Jesus de entrar para o mosteiro. Somente
adoece e Jacinta decide ficar a seu lado, mas levando No convento, executou diversos ofícios, tais como em 1872, é concedida a autorização para que Joana
sempre uma vida de plena religiosidade e cada vez Enfermeira, Sacristã, Provisora, Torneira, Vigária do de Jesus fosse admitida no Noviciado. Nesse mesmo
mais com um desejo maior de se consagrar a Deus. Coro e Mestra de Noviças. Em 1593, morre a Madre ano, tomou hábito e o nome de Soror Joana Angélica
Em 1876, Jacinta e seu pai resolveram mudar-se Maria de Taboada e, um ano mais tarde, Mariana de Jesus. Um ano depois fez a profissão solene.
para Hinojosa del Duque, mas seguindo o mesmo é eleita Abadessa, por unanimidade. Em 1594, Durante o tempo que esteve no convento foram
estilo de vida que levava anteriormente, dedicada a enquanto rezava junto ao coro alto, apareceu-lhe vários os ofícios que desempenhou. Em 1814, foi
Deus e aos pobres. Aos 18 anos, entra para o uma senhora vestida com um hábito branco e um eleita Abadessa. Entretanto, o Brasil reclamava pela
convento e, em 1880, toma o hábito e o nome de manto azul celeste, que, no braço esquerdo, tinha independência, assistindo-se à oposição entre
Maria Teresa de Jesus. Havia pouco tempo que tinha um Menino e, na mão direita, um báculo. Perguntou- nacionais e portugueses, e, em 1822, o convento
tomado o hábito quando morre o seu pai. Em 1881, -lhe quem era, ao qual a senhora respondeu que era foi invadido. A abadessa, tentando proteger as suas
fez a profissão solene e, quando tinha apenas 25 Maria do Bom Sucesso, que vinha dar-lhe conselhos filhas, disse aos soldados que não avançassem e que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CONCEPCIONISTAS FRANCISCANAS

só por cima do seu cadáver é que entrariam no martirizadas. As monjas morreram felizes na Conceição Santos, então Arcebispo de Évora. O con-
convento. Um soldado avançou e com a baioneta convicção de que o sacrifício das suas vidas podia vento encontrava-se bastante arruinado e foi graças
atravessou-lhe o peito. A madre caiu no chão e os servir algo. Fazem parte das Mártires de Madrid: à ajuda das pessoas da terra que as monjas se foram
soldados entraram no convento mas não encontraram Madre Maria Isabel del Cármen Lacaba, Madre Maria conseguindo manter. Os donativos começaram a
ninguém, isto porque, enquanto a madre lhes falava, Petra Pilar de los Desamparados, Soror Maria aparecer e os trabalhos de reconstrução puderam
as religiosas conseguiram fugir. Assunção, Soror Maria Manuela do Santíssimo ser iniciados. Estes trabalhos demoraram tanto tempo
Soror Inês de São José (1889-1936) e Soror Cármen Sacramento, Soror Maria Balbina de São José, Soror que as monjas estavam cada vez mais impacientes,
(1895-1936), irmãs de hábito e de sangue, nasceram Maria da Ascensão, Soror Maria Beatriz de Santa tendo mesmo, duas delas, acabado por voltar ao
em Avedillo. Eram filhas de Ângelo Rodríguez e de Teresa, Soror Maria Joana de São Miguel, Soror Maria convento de origem. Mas, para compensar, sete
Catarina Fernández. Perto do convento de monjas Basília de Jesus e Soror Maria Clotilde do Pilar. monjas partiram nesse mesmo instante para Portugal,
concepcionistas de El Pardo existia um quartel cujos Acrescentam-se ainda a estes nomes os de Soror para ajudar na reconstrução do novo convento. Aos
soldados as defenderam da guerra civil de 1936. Maria da Santíssima Trindade e de Soror Maria poucos, o convento começou a funcionar e veio,
Nesse mesmo ano, foi decidido que deveriam deixar Milagrosa de Santa Ana, que não morreram marti- então, a primeira postulante vinda de Espanha.
o convento e o povo acolheu-as nas suas próprias rizadas mas em consequência dos sofrimentos Em 1970, chegaram a Tourigo (Tondela) quatro
casas. Aí foram encontradas pelas milícias. Soror causados durante a guerra. religiosas para iniciar uma nova fundação da Ordem,
Inês de São José e Soror Cármen foram levadas para Em 1629, é fundado em Braga, por iniciativa de pois a comunidade de Campo Maior aumentava
Vilcálvaro, onde dispararam contra elas, matando- Geraldo Gomes, Cónego da Sé, o primeiro mosteiro cada vez mais, havendo necessidade de criar um
-as. Os cadáveres foram deixados no cemitério, da Ordem da Imaculada Conceição. Além deste, sabe- novo convento. Aqui permaneceram cerca de quatro
atirados para ao chão, onde o coveiro os enterrou. -se que foram fundados também os seguintes conven- anos com grandes dificuldades, mas sendo sempre
Mais tarde, depois da guerra ter terminado, os corpos tos: N. Sr.a da Penha de França, em Braga (1652), ajudadas pela população local. Como a casa não
foram transladados para o Convento de N. Sr.a de N. Sr.a dos Anjos, em Chaves (1685), N. Sr.a da Conceição, tinha as condições essenciais para albergar um futuro
El Pardo. convento, as religiosas tiveram de se mudar para a
O ano de 1836 foi um ano de opressão religiosa, aldeia de Ladeira, onde outras dificuldades surgiram.
obrigando muitas monjas a fechar os seus conventos. A construção de um novo convento na cidade de
Neste mesmo ano, as religiosas do Convento de S. Viseu não era viável, dadas as condições do lugar
José da Ordem da Imaculada Conceição, em Madrid, e da casa. Depois de muito tempo à procura de uma
foram expulsas e foram para o de S. João de Alárcon, outra solução, uma senhora ofereceu às monjas um
onde permaneceram até 1848, altura em que terreno na Q.ta do Viso, perto de Viseu. A construção
puderam voltar para o convento onde inicialmente deste último foi possível, apesar das grandes difi-
viviam. Em 1869, foram definitivamente desapro- culdades económicas e do grande esforço exigido,
priadas e recolheram ao mosteiro das Monjas de tendo sido inaugurado em 1988.
Santa Paula. Foi com muito esforço que levantaram Existem federações que permitem o intercâmbio de
um novo edifício, suplicando ao Papa Pio IX a pessoas, conhecimentos e formações. Durante o
permissão para se regerem pela Ordem da Imaculada Noviciado e o Juniorado têm cursos de formação
Conceição, o que foi aceite. Para dar início a uma que a Federação propõe às comunidades, além dos
nova etapa de suas vidas, o Cardeal de Toledo pediu cursos de Teologia “à distância”. Nos cinco anos
que fossem enviadas religiosas: Madre Maria Catarina seguintes à profissão solene também podem fazer
chegou e tomou o lugar de Abadessa, trazendo outros cursos e a formação que a Federação oferece
consigo uma Vigária e uma Mestra de Noviças. Em para essa etapa, assim como os cursos de outros
1877, as antigas moradoras do Convento de S. José temas do interesse da formanda.
tomaram o hábito e, passado o ano do Noviciado Os mosteiros são autónomos e administrados pela
e da profissão solene, regressaram ao novo convento, Madre Abadessa que, juntamente com a Vigária
onde adoptaram a clausura e instituíram o ensina- (que substitui a Abadessa na sua ausência) e duas
mento de noviças (Noviciado). Conselheiras, formam o Discretório.
Santuário do Sameiro, em Braga (JEF)
Em 1936, ano da guerra civil que recaía sobre O carisma das Concepcionistas Franciscanas é
Espanha, as chamadas Mártires de Madrid sofreram defender, honrar e venerar o mistério da Conceição
uma grande tormenta, que as obrigou a abandonar, em Loulé (1688), N. Sr.a da Conceição, em Carnide Imaculada de Maria. Trata-se de uma Ordem inte-
por diversas vezes, o convento e a procurar abrigo (1694), N. Sr.a da Conceição, em Arrifana de Sousa gralmente contemplativa e de votos solenes, cujas
noutros locais, mas temendo sempre pelo desapa- (1716) e um recolhimento em Pontével (1632). Sabe- Irmãs se entregam e dispõem para o sacrifício
recimento definitivo do convento. Foram, então, -se que, no ano de 1763, havia seis conventos no amoroso e completo da própria vontade e vida por
conduzidas ao martírio, tendo, as irmãs mais novas, país. Com a extinção das ordens religiosas, os Nosso Senhor Jesus Cristo e pela Humanidade. Com
conseguido escapar, pois a abadessa mandou-as conventos da Ordem desapareceram, voltando a a mesma causa, mas de vida activa, existem as Irmãs
para casas particulares onde passaram despercebidas. surgir somente em 1942. Actualmente, no nosso Concepcionistas ao Serviço dos Pobres.
As restantes monjas prepararam-se através da oração, país, existem apenas dois conventos, o de Campo Depois de todos os conflitos a que o convento esteve
do silêncio e da penitência, prevendo que a morte Maior e o de Viseu. Em 1942, cinco monjas con- exposto, muitas foram as jovens que tomaram o
se aproximava. Nos últimos instantes, reuniram-se cepcionistas, vindas do Convento de Vilafranca del hábito. Em menos de 20 anos, existiam em Espanha
junto da madre que as confortou com algumas Bierzo (Espanha), chegam a Campo Maior para cerca de 30 mosteiros e estenderam-se por Itália e
palavras, mas não deixaram de se aperceber de que fundar um novo convento da Ordem, no antigo França. Sabe-se que, entre 1504 e 1526, foram
algo de grave se passava. As milícias levaram-nas Convento de S. Francisco, fundado em 1494, e que fundados 44 conventos, número que decresce nos
para o Centro Comunista de las Ventas, onde foram lhes havia sido cedido por D. Manuel Mendes da anos seguintes. Até aos finais do séc. XVI, surgem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS COOPERADORAS PAROQUIAIS

mais cerca de 32 conventos na Europa e 16 no Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 405. Em 2004, as Cooperadoras Paroquiais eram 11,
continente americano. Em 1999, sabe-se que existiam Digital: blogenhonordemarainmaculada.blogsp distribuídas pelas cinco comunidades em Portugal:
mais de 155 conventos: 93 em Espanha, um na ot.com; www.fratefrancesco.org/clara/651.con cep.htm; Viana do Castelo, colaborando com o seminário da
Bélgica, 3 no Perú, 4 no Equador, 19 no México, www.newadvent.org/cathen/01229a.htm; www.new diocese; Romariz e Fiães, no Concelho de S.ta Maria
20 no Brasil, 22 na Colômbia, 3 na Bolívia, um na advent.org/cathen/07681a.htm. Feira; Tarouca, Diocese de Lamego; Calheta, Madeira.
Guiné Equatorial e um na Argentina. Se muitos A formação das candidatas procede-se de acordo
foram os conventos fundados, também houve os JOANA BARREIRA com o Plano de Formação Interno, na elaboração
que se extinguiram, nomeadamente em Itália, do qual tiveram o auxílio da Congregação das
Bélgica, Guatemala, França, Venezuela e Espanha. Servas de Nossa Senhora de Fátima. O Postulantado
Actualmente, existem também várias fundações em COOPERADORAS PAROQUIAIS tem a duração mínima de um ano e o Noviciado
preparação, nomeadamente em Goa, em Salvador, As Cooperadoras Paroquiais de Santa Maria, nome compreende um período de dois, seguindo-se cinco
nas Honduras e em Cochabamba (América Latina), oficial desta Associação Pública de Fiéis, são também de Juniorado até à profissão perpétua. Até 2006,
bem como uma Casa Federal em Mairena de Aljarafe, identificadas pela sigla CPSM. Originalmente chama- os dois primeiros períodos realizavam-se no Porto,
em Sevilha, que se destina a acolher jovens no das Educadoras Paroquiais, desde a sua constituição procedendo-se em finais desse ano à sua instalação
Noviciado e serve como casa de retiro ou de cursilhos. como Pia União em 1970, o seu nome foi alterado em Fiães.
Os membros dos conventos vivem das próprias com a aprovação das Constituições, em 1998, As Cooperadoras Paroquiais regem-se pelas normas
reformas, de trabalhos executados para fora, de procurando obviar a não identificação com a edu- dos Institutos Religiosos, consignadas pelo CDC
donativos e de rendas. Vestem hábito e escapulário cação da infância quando esta actividade social se (Código de Direito Canónico) de 1983. A Superiora
brancos, manto azul celeste e véu preto. As noviças, divulgou. Geral é eleita em Capítulo Geral electivo, cabendo
em vez de véu preto, usam um véu branco. Ao peito, A sua fundação data de 15 de Setembro de 1956, àquela a escolha das Superioras das diferentes
sobre o escapulário, trazem a medalha da Imaculada com a profissão religiosa da sua Fundadora, a Ir. comunidades.
Conceição e, no dedo, o anel da profissão solene. Maria Joaquina Oliveira Santos Ribeiro, em Fiães, O carisma das Cooperadoras Paroquiais desenha-se
Cingem-se com um cordão franciscano. Têm como S.ta Maria da Feira. Com a fundação de um patro- na imitação da figura de Maria, procurando levar
quotidianos a oração às refeições, as leituras necro- nato, na mesma data, procurava responder às os cristãos ao crescimento em Igreja na união a
lógicas, os cantos e a missa todas as manhãs. A Via necessidades criadas pela alteração do enqua-
Sacra, rezada durante a Quaresma e todas as sextas- dramento das populações dessa região, com a
-feiras do ano, as novenas, as festas celebradas, o progressiva passagem de um meio agrícola para o
terço, rezado todos os dias, o triságio (devoção industrial e com o desenvolvimento da indústria
espanhola que afasta o mal das guerras), as transformadora da cortiça desde os inícios dos anos
procissões no claustro do próprio convento e o Ofício 50. Tal facto deixava os seus filhos sem local de
Divino (que consiste em rezar a Liturgia das Horas, acolhimento durante o horário laboral. O intuito da
sete vezes ao dia) constituem as devoções desta Fundadora era proporcionar um espaço de educação
Ordem. Como rituais, têm a tomada de hábito, a e promoção humana e cristã à infância da região.
profissão solene e os votos perpétuos. A sua festa Tal intenção havia sido comunicada a D. Moisés
de liturgia celebrava-se a 18 de Agosto, mas, com Alves de Pinho, através do qual o desejo da Ir. Maria
a reforma litúrgica do Concílio do Vaticano II, passou Joaquina foi comunicado ao então Administrador
a celebrar-se, em todo o mundo, a 17 de Agosto Apostólico da Diocese do Porto, D. Florentino
e, em Portugal, a 1 de Setembro. Andrade e Silva, que a incentivou a prosseguir os
A nível federal, existe uma publicação trimestral de seus objectivos, indicando o P.e Albino de Carvalho
um boletim intitulado Maria y Beatriz e, a nível Moreira, Vice-Reitor do seminário, como Assistente
interfederal, uma publicação anual intitulada Boletim da obra nascente, cargo para que viria a ser nomea-
Interfederal. do com o regresso de D. António Ferreira Gomes
à diocese, e no qual viria a ser sucedido pelo Nossa Senhora, Museu de S. Roque (CLS)
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Concepcionistas Francis- P.e Agostinho Ferraz.
canas: O Espírito da Ordem das Monjas Concep- No entanto, foi desde cedo alargado o âmbito de Cristo, caminho no qual ganha relevo o espírito
cionistas Franciscanas Fundada pela Bem-Aventurada apostolado do patronato, com a constatação da eucarístico, que desde o início marcou o percurso
Madre Beatriz da Silva, Viseu, Imprimatur, 1970; dificuldade do trabalho paroquial e da necessidade espiritual da Ir. Maria Joaquina. A prossecução desse
LAMA, Inmaculada López de, Concepcionistas que de coadjuvarem os párocos e prepararem leigos para desiderato é levada a cabo na dedicação às paróquias
Dejaron Huella Seducidas por el Amor, t. II, Toledo, o serviço activo nas paróquias. Desta percepção, mais carenciadas ou sem pároco, animando os seus
Monjas Concepcionistas, 2001; MAGALHÃES, Margarida surgiu a intenção de criar um instituto religioso que serviços e estruturas, procurando proporcionar aos
de, Santa Beatriz da Silva: Uma Glória de Portugal, colmatasse essas dificuldades, empenhando-se os leigos espaços de oração, além da manutenção da
5.ª ed., Lisboa, Editora Rei dos Livros, 1999; SILVA, primeiros membros na ministração de cursos cate- intenção inicial do patronato, no acolhimento e
José Félix da, Y lo que Se Sabe Es que Nació Esta quéticos e formação cristã global do laicado. Elevado educação das crianças.
Señora en Campo Mayor, Actas do II Congresso da a Pia União a 31 de Maio de 1970, por D. António Recentemente, foram criados os primeiros Grupos
Orden de la Inmaculada Concepción, Toledo, 2004, Ferreira Gomes, com o nome de Educadoras de Santa Maria, na tentativa de envolver os leigos
Texto policopiado; V IEIRA , Maria do Pilar S. A., Paroquiais de Santa Maria, o Instituto veio a proceder no carisma e missão das Cooperadoras Paroquiais.
“Concepcionistas Franciscanas, Monjas”, in Carlos à alteração do nome para o que conserva desde a Desde 2005, o Instituto está presente em Benguela,
Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História aprovação das Constituições, em 1998, obviando Angola, onde assumiu a colaboração com a Paróquia
Religiosa de Portugal, vol. A-C, Lisboa, Círculo de os equívocos com a actividade das educadoras de da Sr.ª da Graça e onde se dedica a actividades
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da infância, entretanto surgidos. catequéticas e à educação da infância e da adoles-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CORAÇONISTAS

cência, iniciando uma escola de artes e ofícios para Bragança, situado actualmente na R. Dr. Carmona
raparigas. e Lima, que engloba a escola – com creche, jardim-
Os membros do Instituto não usam hábito, impondo- -de-infância, 1.º ciclo e ATL –, e o Centro de Formação
-lhes a Regra o vestuário adequado à sua profissão, Cristã – com Catequese (crianças jovens e adultos),
uma vez que além de trabalharem nas obras sociais Aulas de Educação Moral e Religiosa Católica
que detêm, equiparadas a uma IPSS, podem exercer (crianças e jovens), e Culto Divino (missa dominical,
actividade profissional em diferentes áreas civis, sacramentos e piedade popular). No dia 4 de Agosto
destacando-se o ensino, de entre elas. de 1955 abriu o Lar N. Sr.ª de Fátima, residência
universitária e centro de formação humana e cristã,
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, na R. Pinheiro Chagas, n.º 46, em Coimbra. A 9 de
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Julho de 1960 as Coraçonistas abriram a casa de
Portuguesa, 2007, p. 873; GOMES, Manuel Saturino Gondomar, na R. do Taralhão, n.º 585, que funciona
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições como Colégio Madre Isabel Larrañaga desde 4 de
Paulinas, 1994, p. 32. Outubro de 1988. Esta casa engloba também uma
escola – com jardim-de-infância, 1.º ciclo e ATL –,
SÉRGIO PINTO e o Centro de Formação Cristã – com Catequese
(crianças jovens e adultos), Aulas de Educação Moral
e Religiosa Católica (crianças e jovens), e Culto Divino
CORAÇONISTAS (missa dominical, sacramentos e piedade popular).
As Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus, Em Portugal, a Congregação conta com 21 religiosas:
também designadas por Irmãs Coraçonistas, foram 8 em Bragança, 8 em Gondomar e 5 em Coimbra.
fundadas a 2 de Fevereiro de 1877 em Espanha A Sede Geral da Congregação encontra-se em
(Madrid). A sua sigla, JHS (Jesus Homem Salvador), Madrid, cuja autoridade é exercida pela Superiora
é parte integrante do logótipo da Congregação, Geral. Em cada país, conforme o número de casas,
Madre Isabel Larrañaga (I)
constituem-se Províncias, Vice-Províncias ou
Delegações. Portugal forma uma Delegação,
a qual tem lugar no ano seguinte. Abre vários constituída por três Comunidades. Em cada Comu-
colégios em Madrid e Toledo (Espanha) e em Havana nidade há uma Superiora.
(Cuba), cidade onde falece, a 17 de Janeiro de 1899. Quanto à organização hierárquica e aos processos
Um século depois, no dia 26 de Março de 1999, foi de eleição e nomeação, estes contam com os votos
aprovado o decreto sobre a heroicidade das suas (secretos) de todas as religiosas portuguesas, não
virtudes, sendo declarada Venerável Isabel Larrañaga. apenas as que exercem a sua acção no país, como
O chamado Movimento Nacional em Espanha, que ainda as que se encontram em missão no estrangeiro,
Logótipo das Coraçonistas (I) eclodiu em Julho de 1936, com vista a libertar o terminando na Sede Geral em Madrid, de onde
país da tirania comunista, criando dois sectores anta- emanam os resultados e inerentes orientações para
encimando a frase Deus caritas est, “Deus é gónicos – a Zona Vermelha e a Espanha Nacional –, toda a Congregação. Sendo em cada Casa superior
caridade”. A Congregação surgiu na Igreja como ocasionou as mais terríveis perseguições às Religiosas, a cinco o número de elementos, a hierarquia é
meio de vida evangélica e como resposta a algumas das quais foram vítimas de injúrias, sevícias, encimada por uma Superiora e por duas Conselheiras
necessidades sociais e apostólicas concretas, numa tortura e morte. Para sempre serão recordadas na (Primeira e Segunda). Se uma Comunidade tiver
altura em que o país vivia uma fase de expansão. galeria das mártires da Fé as Madres Rita Dolores menos de seis religiosas, existe apenas uma Superiora,
Natural e indissociavelmente se interliga a sua história Pujalte Sánchez e Francisca Aldea Araújo, beatificadas estando as inerências do Conselho, na prática,
com a da sua Fundadora, Madre Isabel Larrañaga. a 10 de Maio de 1998 pelo Papa João Paulo II, e distribuídas pelas restantes. Em Junho de 2006, a
Filha de pai espanhol e de mãe peruana, e a mais as Irs. Trindade Cuesta, Elena Cuesta e Prudência Ir. Rosalina Rodrigues foi reeleita Superiora Delegada
nova de dez irmãos, Isabel Larrañaga nasceu a 19 Montes, exemplos do testemunho de Cristo, que por um mandato de três anos, prorrogáveis até 2010.
de Novembro de 1836, em Manila (Filipinas), onde honram, assim, o hábito das Coraçonistas. É carisma da Congregação a experiência do Espírito
o pai cumpria serviço como oficial militar. Este morre A entrada em Portugal teve lugar em 1936, na cidade que conduz a uma identificação com Cristo, traduzida
dois anos depois, regressando a mãe com os seus de Penafiel. A 12 de Outubro de 1940 foi inaugu- na Caridade, culminando no ser testemunho efectivo
filhos a Espanha. Entre Madrid e Lima decorre a sua rado o Colégio do Sagrado Coração de Jesus, em do Seu infinito amor. A pregação coexiste com o
infância e juventude. Educada segundo os valores exemplo, como se depreende de uma das suas
humanos e religiosos, possuidora de profunda fé e máximas: “Anunciamos Jesus Cristo com a nossa
ardente caridade, desenvolve um carinho especial vida e a nossa palavra”. Centra-se toda a espiri-
pelos mais necessitados, sentimento que seria sempre tualidade no mistério do Coração de Jesus, numa
a raiz e o sinal perceptível da sua vocação, a que consonância com o Espírito Santo e Maria Santíssima,
tem de renunciar, a princípio, conciliando, como na aceitação e vivência dos sentimentos desse Divino
filha obediente, a aceitação dos planos que a mãe Coração, que tanto amou o Pai e os Seus irmãos,
lhe reserva com a dedicação às obras de apostolado. os homens. A expressão Deus Caritas est, “Deus é
Em 1876, respondendo ao chamamento de Deus, Caridade”, traduz a essência do seu ideário cristão.
parte para Roma e é abençoada pelo Papa Pio X, Integradas na missão universal da Igreja, as Irmãs
que aprova o seu desejo de fundar a Congregação Coraçonistas exercem o seu trabalho apostólico
das Irmãs da Caridade do Sagrado Coração de Jesus, Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Bragança (I) inspirado nas directrizes da sua Fundadora, cuja

380
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS CRIADITAS DOS POBRES

pedagogia se baseia no lema prevenir e amar, e cuja Proveniente de uma família católica praticante e
vida se pautou por três virtudes: Caridade, Humildade politicamente afecta à monarquia, viu no exercício
e Obediência; e três instrumentos de apostolado: da caridade o meio de suavizar a miséria material da
catequese, exercícios espirituais e culto divino. pobreza da sua cidade. Começou por apoiar famílias
Aquelas directrizes passam pela formação dos alunos, através da Conferência de S. Vicente de Paulo, onde
de acordo com uma concepção cristã do homem, se cruzou com o P.e Luís Lopes de Melo, homem de
da vida e do mundo; pela educação a partir dos fé profunda, escolhendo-o para orientador espiritual.
valores evangélicos abarcando cultura e costumes; Com a morte do pai, a família de Maria Carolina
pela divulgação da mensagem de Jesus – o Amor conheceu muitas privações. Foi educada, como as
de Deus e a fraternidade universal; pela solidarie- suas irmãs, segundo os valores tradicionais, numa
dade com os valores que tornem a sociedade mais Irmãs Coraçonistas (I) época em que as mulheres desenvolviam compe-
humana e mais justa; pela promoção da educação tências, no quadro da economia doméstica, como a
na sua dimensão cristã. Trimestralmente, na Sede Geral (Madrid), é editada, costura e os bordados. Por outro lado, aprendiam,
As Constituições e o Directório da Congregação em língua espanhola e distribuída por todos os eventualmente, algumas artes na área da música e
estão elaborados segundo o Direito Canónico e apro- colégios da Congregação, a revista Irradiar, com da pintura. Este perfil condizia bem com uma dona
vados pela Sagrada Congregação para os Religiosos conteúdo de textos, noticiário pastoral e entrete- de casa economicamente suportada pelo chefe de
e os Institutos Seculares. Os Capítulos, as Assembleias nimento; também a Folha Informativa sobre a Vida família. Assim formada, pôde recorrer aos bordados,
Gerais, Provinciais e de Delegações celebram-se com e Fama de Santidade da Madre Isabel. A cada seis como trabalho remunerado, para apoiar nas despesas
certa periodicidade e reúnem as irmãs de todos os meses é publicado o Boletim Interno, para todas as referentes também aos estudos dos irmãos, porque,
países. comunidades da Congregação. Sem periodicidade aos rapazes, devia facultar-se uma carreira.
Compartilhando as suas experiências de vida e oração definida, é editada uma revista de banda desenhada Durante cerca de 13 anos foi conciliando os bordados
na Comunidade, a missão destas Religiosas é levada e artigos vários sobre a Congregação ou a vida e a com as obras de caridade e a preparação espiritual
a cabo através do ensino e educação cristã nos seus obra da Fundadora. para a vida consagrada. Pensou em entrar para a
colégios e residências universitárias, mas a acção Congregação das Irmãzinhas dos Pobres mas, apesar
evangelizadora é igualmente exercida em centros BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal de não ter concretizado esse seu intento, aliava uma
sociais, casas de espiritualidade, paróquias, enfer- 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência rígida observação religiosa ao apostolado na caridade.
marias, locais de fomento do culto divino, sedes de Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 889-890; GOMES, Quando as condições económicas da família o
acção social e promoção humana e na missão Ad Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, permitiram, a 1 de Novembro de 1924, saiu de casa
Gentes. Lisboa, Edições Paulinas, 1994, pp. 52-53; TERRA, para dirigir o Asilo da Infância Desvalida, fundado
A 7 de Novembro de 1883 o Arcebispo de Toledo, Domingos, “O culto do Sagrado Coração hoje”, in em 1836, de que era Director e Benemérito o
Cardeal Juan Inácio Moreno, concede a aprovação Mensageiro do Coração de Jesus, n.º 6, 1993, Dr. Elysio de Moura (1877-1977). No entanto, não dei-
diocesana das Constituições do Instituto; a aprovação p. 233; T ORRES , Fierro Rodolfo, Vida de la Rvda. xou de visitar os pobres, levando-lhes esmolas e apoio
civil é dada a 21 de Outubro de 1885 por ordem Madre Isabel del C. de Jesus Larrañaga Ramirez, espiritual. Esta entrada para o asilo era, pois, uma
real de Alfonso XII. Em 1909 são concedidos pelo Sociedade Editora Ibérica, Madrid, 1995. Digital: situação provisória, pelo facto de já haver uma intenção
Papa Pio X os Decretos de Louvor das Constituições www.hcora zonistas.org. de se consagrar, a tempo inteiro, aos mais pobres.
(30 de Julho) e do Instituto (16 de Agosto). A apro- Em 1927, entrou para as Oblatas da Ordem de São
vação definitiva do Instituto e das suas Constituições LAURO PORTUGAL Bento. Nesse mesmo ano, conheceu Maria
é firmada a 28 de Novembro de 1920, pelo Papa Clementina Ferreira Pinto Basto Couceiro da Costa
Bento XV. durante um ensaio para os cânticos de uma festa
No continente europeu, a Congregação exerce o seu CRIADITAS DOS POBRES na Sé, a decorrer nas instalações do asilo. Maria
apostolado em 21 comunidades de Espanha, o seu Criaditas dos Pobres é o nome de uma congregação Clementina, então com 25 anos, decidiu que queria
país de origem, nas áreas educativa, pastoral e social. religiosa de vida consagrada, fundada em Coimbra, partilhar com ela o trabalho de assistência aos pobres
Tem colégios em Madrid, Toledo, Burgos, Barcelona, em 1924, e erigida canonicamente a 11 de Abril de e, em 1927, entrava para o asilo. Maria Clementina
Coruña e Cáceres; residências universitárias em 1966. Tem como carisma a cristianização das famílias nasceu em Aveiro, a 27 de Dezembro de 1902, era
Madrid, Barcelona, Salamanca e Badajoz; casas de como meio de evangelização da sociedade e por alvo filha do Dr. Francisco Manuel Couceiro da Costa
espiritualidade em Madrid e Maiorca; centros sociais próprio da sua acção as famílias mais desfavorecidas (m. 1925), Juiz de Direito da Carreira do Ultramar,
em Gigón e Ciudad Real; e um centro de formação ou desprotegidas. Utilizando recursos modestos, tem republicano, e de Clotilde Ferreira Pinto Basto Couceiro
em Madrid. por missão específica o trabalho junto dos pobres, da Costa. Os pais não eram católicos praticantes,
Na América Latina a Congregação tem a seu cargo nas suas próprias casas (Decreto n.º 202/66). mas não impediam as filhas de o serem. Maria
2 comunidades em Puerto Rico, 3 na Venezuela, 5 São consideradas fundadoras da Congregação Maria Clementina tinha recebido uma educação moderna,
no Chile e 3 no Peru. Em 1961 o regime de Fidel Carolina Bressane Leite Perry Sousa Gomes e Maria tinha conhecimento de línguas, literatura, música e
Castro força o abandono das quatro comunidades Clementina Ferreira Pinto Basto Couceiro da Costa. praticava desporto – valias que lhe permitiram, mais
que a Congregação dirigia em Cuba. Em África, Maria Carolina Bressane Leite Perry Sousa Gomes tarde, ter um papel preponderante na formação de
as Coraçonistas estão presentes em Angola: Kalu- (Ir. Maria de Jesus Cristo) nasceu a 19 de Outubro noviças. Na adolescência, sofreu de uma infecção
quembe, Kola, Lubango, Baía Farta, Tômbwa, de 1892, na R. da Boavista, Freguesia da Sé, em pulmonar que a reteve em repouso e lhe propor-
Namibe, Luanda, Malange, Dombe Grande, Chi- Braga. Era filha de Francisco José de Sousa Gomes cionou um maior contacto com familiares de Aveiro,
komba e Benguela. (1860-1911), que foi lente de Química na Univer- católicos praticantes. Por essa altura, teria descoberto
O hábito das Coraçonistas é constituído por vestido sidade de Coimbra e autor de livros didácticos para a vocação para a vida consagrada. A 15 de Junho
simples, de cor bege, e véu da mesma cor, cuja utili- o ensino secundário, e de Maria Brígida Bressane de 1928, torna-se oblata de S. Bento com o nome
zação é opcional. Leite Perry de Sousa Gomes (1860-1932), doméstica. de Ir. Maria Emmanuel. No asilo, as Irmãs procuravam

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DIVINA PROVIDÊNCIA E SAGRADA FAMÍLIA

ministrar, às 57 educandas, formação religiosa, escolar R. da Ilha, e nomeou, como Director, o pároco da da Ir. Maria Rosa Campos (Co-Fundadora). Foi
e actividades dirigidas para o trabalho doméstico. Foi Freguesia da Sé Velha, P.e José Varanda. Depois de aprovada canonicamente como Pia União a 5 de
também criada, a Cozinha Económica, por iniciativa aprovada pela Santa Sé, foi reconhecida como Maio de 1961, e transformada em Congregação
do Bispo D. Manuel Luís Coelho da Silva, por sugestão Congregação Religiosa de Direito Diocesano a 11 Diocesana, por Decreto de 8 de Dezembro de 1968,
do Cónego Adelino da Costa Gaito, tendo à frente de Abril de 1966. As Constituições definitivas foram do Arcebispo Primaz de Braga, D. Francisco Maria
um grupo de senhoras, entre elas a Condessa do aprovadas em 1981. da Silva.
Ameal. Com a oficialização do asilo, no Verão de A Superiora Geral Maria Carolina (Ir. Maria de Jesus
1929, o ensino foi entregue a duas professoras leigas, Cristo) faleceu a 27 de Março de 1969, sucedendo-
com preparação pedagógica específica. -lhe Maria Clementina (Ir. Maria Emmanuel), eleita,
O aumento de alunos e as novas rotinas exigiam por unanimidade, no II Capítulo Geral de 31 de
muito trabalho para tão poucos meios humanos. Maio de 1969. Porém, renunciou ao cargo em 1973,
Desejando que o asilo conservasse a directriz religiosa, ficando como Suprema Conselheira. É considerada
as Irmãs e o Dr. Elysio de Moura decidiram entregá- co-fundadora da Congregação.
-lo à Obra das Escolas, dirigida por Luiza Andaluz. Em 1940, estiveram na origem da instituição Florinhas
Nesse mesmo ano, depois de um retiro na Anadia, do Vouga, no B.º do Lé, em Aveiro, promovida pelo
junto das Irmãs de São José de Cluny e com o Bispo da cidade, D. João Evangelista de Lima Vidal,
apoio espiritual do P.e Melo, resolveram formar uma destinada a apoiar meninas abandonadas. Conhecida
nova congregação em que, tal como as Irmãzinhas a sua acção meritória, as Criaditas foram solicitadas
dos Pobres, viveriam de esmolas que partilhariam para outras instituições, como a Obra D. Josefina
com os indigentes. Em 1930, instalaram-se numa da Fonseca, em Coimbra (1945), e o Infantário Pai
modesta casa na R. do Quebra-Costas, n.º 48, Américo, no Porto (1956), o B.º de N. Sr.a de Fátima
receberam Maria do Carmo (Ir. Maria de Jesus do na Encosta da Pedrulha, em Coimbra (1962), Oliveira
Menino) e Luzia (Ir. Maria da Graça) e formaram o do Hospital (1945), Portalegre (1965), Miragaia,
embrião da Comunidade a que chamariam de Porto (1956), Amadora, Lisboa (1974), Rabo de Peixe,
ilha de S. Miguel (1983) e S. Mateus da Calheta (de
1992 a 2008), Angra do Heroísmo. A Congregação
contava, em 2004, com 46 religiosas, distribuídas
Cónego Adão Salgado Vaz de Faria (I)
em dez comunidades a trabalhar nas Dioceses de
Angra do Heroísmo, Aveiro, Coimbra, Lisboa,
Portalegre e Porto. A casa principal situa-se na R. O Fundador da Congregação, Adão Vaz de Faria,
da Ilha, n.º 16, em Coimbra. nasceu a 10 de Setembro de 1907 em Vila Nova de
Famalicão. Frequentou o Seminário de Braga entre
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, 1921 e 1929, ano em que partiu para Roma, onde
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal se licenciou em Sagrada Escritura e se doutorou em
Portuguesa, 2007, p. 874; CONDE, António Fialho Teologia, na Universidade Gregoriana e no Instituto
“Criaditas dos Pobres”, in ESTEVES, João, CASTRO, Bíblico, e onde foi ordenado Sacerdote, na Basílica
Zilda Osório de (dirs.), Dicionário no Feminino (Séculos de S. João de Latrão, a 17 de Dezembro de 1932.
XIX-XX), Livros Horizonte, 2005, pp. 246-247; Após o seu regresso a Portugal, em 1936, foi
Criaditas dos Pobres: Origens e Espírito (I)
Criaditas dos Pobres: Origens e Espírito, Coimbra, nomeado para diversos cargos da Arquidiocese de
Gráfica de Coimbra, 1986; GOMES, Saturino da Costa, Braga, dedicando-se à pregação, à confissão e à
Criaditas dos Pobres. A vida espiritual, na casa, era scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, orientação espiritual. Publicou vários textos na revista
particularmente exigente: ao ofício litúrgico de p. 29; TRINDADE, Manuel de Almeida, Maria Carolina Acção Católica e no jornal Mais Além, do Secretariado
tradição beneditina, acrescentavam mortificações Sousa Gomes, e as Criaditas dos Pobres, Coimbra, Arquidiocesano dos Cursos de Cristandade. Em 1944,
corporais. Adoptaram um hábito que constava de Gráfica de Coimbra, 1987; VIEIRA, Maria do Pilar S. convidado a orientar um retiro para cerca de 70
um casaco preto por cima de uma túnica branca, A., “Criaditas dos Pobres, Congregação das”, in raparigas, em S. Clemente de Sande, falou de temas
avental e véu pretos; em casa, andavam sem lenço. Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História como a santidade da mulher, as virtudes, os
Pediam esmolas para a sua sobrevivência e para os Religiosa de Portugal, vol. A-C, Lisboa, Círculo de sacramentos e a vida consagrada a Deus através dos
pobres. Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da votos, apresentando como modelo a Sagrada Família
A 15 de Maio de 1932, o Bispo de Coimbra, Universidade Católica Portuguesa, 2001, p. 27. de Nazaré. Como algumas das jovens presentes lhe
D. Manuel Luís Coelho da Silva, aprovou as primeiras manifestaram o desejo de realizar a consagração
Constituições das Criaditas, que passaram a designar- ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU religiosa, procurou obter licença do prelado
-se Associação Parvulae Ancillae Christi (PAX). bracarense para a abertura daquela que seria a Obra
Segundo as disposições do Direito Canónico, a da Divina Providência e Sagrada Família, que se
erecção das Criaditas em Congregação devia sacrificar DIVINA PROVIDÊNCIA E SAGRADA FAMÍLIA, iniciou com a entrada de um grupo de três jovens
a pertença das Irmãs às Oblatas Beneditinas. Em Congregação da para uma casa numa quinta de S. Clemente de
1951, depois das necessárias alterações das A Obra da Divina Providência e Sagrada Família Sande, no mês de Setembro de 1945. Ao longo da
Constituições, de modo a eliminar as referências à (DPSF) foi fundada a 26 de Outubro de 1945 em sua vida, Adão Vaz de Faria foi o mestre espiritual,
obediência à Regra de S. Bento, D. Ernesto Sena de S. Clemente de Sande, Arciprestado de Guimarães, conselheiro e orientador da Congregação. Faleceu
Oliveira, então Bispo de Coimbra, erigiu canoni- Arquidiocese de Braga, por iniciativa do Cónego Dr. a 12 de Janeiro de 1990 na Casa-Mãe, em S. Clemente
camente em Pia União a Associação, com sede na Adão Salgado Vaz de Faria (Fundador) e pela acção de Sande.

382
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DIVINA PROVIDÊNCIA E SAGRADA FAMÍLIA

A Co-Fundadora da Congregação, Ir. Maria Rosa o Fundador procurou promover a vida de oração e Caminhando, e designar uma Superiora Regional
Campos, nasceu a 19 de Fevereiro de 1891, na piedade, a confiança na Divina Providência e o desejo para as comunidades do Sul. O segundo Capítulo
Póvoa de Varzim, onde frequentou o Colégio do de imitar a Sagrada Família, com uma vida pobre, Geral ocorreu passados dois anos, em 1974, por se
Sagrado Coração de Jesus, das Doroteias. Órfã de obediente e humilde. Um dos objectivos da Co- ter sentido a necessidade de rever o modo de gover-
mãe aos cinco anos e de pai aos 12, pediu aos 18 -Fundadora, apelidada agora de Ir. Maria do Divino nação e de funcionamento da Congregação e das
para ser admitida na Congregação das Irmãs Coração, foi aumentar a formação do grupo. suas comunidades e também de alguns pontos das
Doroteias, mas uma doença não lhe permitiu terminar Maria Rosa Campos foi nomeada Superiora da Constituições. No mesmo Capítulo foi eleita Superiora
o Noviciado. Dedicou-se ao apostolado, em particular comunidade de “irmãs” que, a pedido do prelado Geral a Ir. Maria Purificação Correia Duarte Pereira,
na acção católica. Em 1945, a convite do Cónego de Braga, passou a trabalhar no Seminário de bem como um novo Conselho. Os seguintes Capítulos
Adão Vaz de Faria, entrou para a Obra da Divina Santiago, em Outubro de 1948. Apesar de não serem Gerais, também electivos, realizar-se-iam de 5 em
Providência e Sagrada Família, merecendo o título religiosas, entendeu-se que deveriam usar um 5 anos. No terceiro, em 1979, foi reeleita como
de Co-Fundadora pela sua acção decidida e uniforme e tratar-se por “irmãs”. Conhecidas pela Superiora Geral a Ir. Maria Purificação e novamente
incansável, até ao dia em que faleceu, a 16 de sua dedicação, humildade, espírito de serviço e alteradas as Constituições, que, conforme se acor-
Novembro de 1973. organização, começaram a ser procuradas para dou, deveriam ser objecto de revisão, a fim de levar
Quando chegou à Casa-Mãe, em S. Clemente de trabalhar em organizações católicas ou instituições em conta a publicação de diversos documentos
Sande, a 26 de Outubro de 1945, Maria Rosa da Igreja. Em 1949, foram para as Oficinas de sobre a vida religiosa e do novo Código de Direito
Campos ficou chocada com a pobreza e com o S. José, em Guimarães, e para o Centro Académico Canónico.
estado degradado do edifício. Recorreu, por isso, de Democracia Cristã (CADC), hoje Instituto Justiça
e Paz, em Coimbra, onde permaneceram até 1963.
Nos anos seguintes abriram diversas comunidades
em várias dioceses. Com a presença na Nunciatura
Apostólica, em Lisboa, em 1955, passaram a estar
em 11 comunidades. O número de comunidades
continuou a aumentar, ultrapassando as duas dezenas
em 1971. Nelas viviam então cinco centenas de
jovens e senhoras.
A fim de dar maior estabilidade à Obra, o Arcebispo
de Braga atribuiu-lhe forma canónica a 5 de Maio Grupo de irmãs (I)
de 1961, com a fundação da Pia União. Cada jovem
Casa-Mãe em S. Clemente de Sande (I) ou senhora membro deveria completar um ano de A comissão de redacção das Constituições, formada
Noviciado. As que não tinham possibilidade de o em 1983, recebeu a colaboração do P.e Dário Pedroso,
aos seus haveres para dar um pouco de conforto às completar poderiam permanecer como colaboradoras. Vigário Episcopal para as Religiosas. No quarto
jovens que lá viviam, cujo número aumentou Houve, por isso, que reorganizar as comunidades, Capítulo Geral, em 1984, para além da eleição da
rapidamente para algumas dezenas, na sequência fechando algumas. A rápida progressão e consoli- Ir. Palmira de Jesus Ribeiro como Superiora Geral,
das pregações do Cónego Adão Vaz de Faria. Com dação da Pia União levou a que se projectasse a votaram-se as novas Constituições, que seriam
audácia e dinamismo, Maria Rosa Campos organizou transformação em Congregação Diocesana, o que aprovadas pelo Arcebispo de Braga, D. Eurico Dias
a casa, os trabalhos, a vida do dia-a-dia das jovens foi requerido à Congregação dos Religiosos e Nogueira, após algumas alterações, no dia 19 de
e senhoras, umas com saúde e equilíbrio, outras Institutos Seculares, em Roma. Deferido o pedido Março de 1985, dia de S. José. Nelas se prevêem,
doentes e carenciadas, a nível físico e psíquico. As por Rescrito de 3 de Setembro de 1968, D. Francisco designadamente, um retiro anual mais longo, outras
que sabiam lavrar os campos dedicaram-se à quinta, Maria da Silva executou-o por Decreto de 8 de dimensões da vida comunitária e espiritual e o carisma
algumas começaram a tecer para fábricas, outras a Dezembro. No dia 12 de Janeiro seguinte, a Co- da Congregação, cujo modelo é a Família de Nazaré.
vender objectos religiosos. Embora não sendo -Fundadora, Ir. Maria do Divino Coração, e um grupo No quinto Capítulo Geral, em 1989, foi novamente
religiosas, decidiram tratar-se por “irmãs” e juntar de irmãs fizeram a sua profissão perpétua na Basílica eleita Superiora Geral a Ir. Purificação Correia Duarte
outro nome ao do baptismo, bem como vestir-se do Sameiro, numa concelebração solene presidida Pereira, previu-se a realização de uma assembleia
com uma espécie de hábito. Quando por lá passava, pelo Arcebispo de Braga e com a presença do entre Capítulos – a primeira das quais ocorreria em
Fundador e do seu colaborador, Cónego Rodrigo de 1992 – e pensou-se no desafio de expansão para
Carvalho, ambos designados Delegados do Prelado outros países, a começar pelos de Língua Portuguesa.
para a Congregação. Com 77 anos, a “mãe” da No sexto Capítulo Geral, em 1994, foi eleita Superiora
Obra deixou de ser Superiora da Congregação, cargo Geral a Ir. Rosa Sá Ferreira. Durante o ano seguinte,
atribuído à Ir. Júlia Vaz Monteiro, coadjuvada por celebrou-se o cinquentenário da fundação e foi
um Conselho de Irmãs. Na mesma altura, foram criado o Movimento Família de Nazaré, com a
aprovadas as primeiras Constituições, para que a finalidade de levar a espiritualidade da Congregação
Congregação tivesse uma norma de vida. a todas as pessoas que vivem ou trabalham com as
Após a abertura de mais comunidades e da aquisição Irmãs ou que, por outras circunstâncias, querem
de novas instalações na Q.ta da Cova, no Sameiro, aprofundar os valores da Sagrada Família. No sétimo
Espinho, para casa do Noviciado, e na R. de Capítulo Geral, em 1999, foi eleita Superiora Geral
S. Geraldo, em Braga, para servir de Casa Geral, onde a Ir. Teresa da Silva Matos, reeleita em 2004, no
passou a viver a Superiora Geral, teve lugar o primeiro oitavo Capítulo Geral.
Representação da Sagrada Família no Presépio de Machado Capítulo Geral, em 1972, no qual se decidiu publicar Na origem da Obra esteve o acolhimento de jovens
de Castro, Basílica da Estrela (SMA) o boletim de comunicação interna da Congregação, pobres, carenciadas e marginalizadas, com o espírito

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS

da Família de Nazaré. Seguiu-se o serviço nos semi- os Estatutos que lhes são próprios, as Constituições
nários, em casas episcopais, jardins-de-infância, das Monjas da Ordem dos Pregadores, aprovadas
internatos, lares de terceira idade, centros pastorais. pela Santa Sé.
Com 133 irmãs de votos perpétuos, 5 de votos As Monjas da Ordem dos Pregadores encontram-se
temporários e 2 noviças, a Congregação da Divina implantadas em todo o mundo pela fundação de
Providência e Sagrada Família, em 2007, encontrava- mosteiros e, no percurso da história, prosseguiram
-se presente nas Dioceses do Algarve, Angra, Aveiro, acompanhando as vicissitudes dos tempos, nos
Beja, Braga, Coimbra, Lamego, Portalegre, Castelo progressos e retrocessos da própria Ordem e da Igreja.
Branco, Porto, Vila Real e Viseu. No mês de Março Em Portugal, as Monjas encontram-se desde os inícios
daquele ano, abriu uma comunidade em Luanda, da fundação da Ordem. Logo após a fundação da
Angola, concretizando um sonho de há vários anos Ordem, Domingos dispersou os seus irmãos, para
e prenunciando, certamente, que o futuro da que fundassem conventos por todo o mundo. Foi
Congregação não se confinará às fronteiras de por isso que um deles, Fr. Soeiro Gomes, veio até
Portugal e da Europa. Lisboa e, fiel à ideia do Fundador de considerar as
Monjas como parte integrante da Ordem, fundou,
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal logo em 1224, a primeira Comunidade das Monjas
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência em terras portuguesas, no Mosteiro de S. Félix de
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 869; Constituições, Lisboa, em Chelas. No decurso dos séculos,
Braga, Congregação da Divina Providência e Sagrada fundaram-se em Portugal um total de 21 mosteiros,
Família, 1984; PEDROSO, Dário, sj, Duas Vidas, Uma dos quais seis na cidade de Lisboa. O séc. XVI foi o
Obra: Doutor Adão Salgado Vaz de Faria e Ir. Maria Dominicana (Tours) período mais florescente. Com a extinção das ordens
Rosa Campos – Fundadores da Congregação da religiosas, em 1834, desapareceram todos os
Divina Providência e Sagrada Família, Braga, Editorial mosteiros de Monjas Dominicanas durante quase
A. O./Congregação da Divina Providência e Sagrada S. Domingos estabelecia também uma comunidade um século e, só por volta de 1930, uma nova
Família, 1998. Digital: www.ecclesia.pt/dpsf de monjas. fundação surgiu em Azurara, Vila do Conde: o
As Monjas Dominicanas vivem em mosteiros de Mosteiro de N. Sr.a da Eucaristia, o qual se encontra,
JOSÉ RENATO GONÇALVES comunidades independentes, cada uma delas actualmente, no Parque dos Remédios, em Lamego.
directamente ligada ao Mestre Geral da Ordem dos Fiéis à tradição, as Monjas vivem em clausura rigorosa,
Pregadores (sucessor de S. Domingos), que é o seu inteiramente dedicadas à contemplação e ao silêncio.
DOMINICANAS, Monjas Superior, com poder dominativo sobre todos os Duas décadas mais tarde, em 1954, surge a fundação
As Monjas da Ordem dos Pregadores, ou Monjas mosteiros e todas as monjas no mundo inteiro. Cada americana de um outro mosteiro em Fátima, o
OP, foram fundadas por S. Domingos de Gusmão, mosteiro é governado por uma Prioresa directa e Mosteiro Pio XII. A comunidade é constituída, na
no ano de 1206, em Prouilhe, no Sul de França. democraticamente eleita pela comunidade, por um sua totalidade, por irmãs estrangeiras de língua
A sigla das Monjas é a sigla da Ordem dos período de três anos. inglesa e dedica-se, especialmente, à reza do Rosário
Pregadores, OP, ou MOP (Monjas da Ordem dos As Monjas da Ordem dos Pregadores consagram-se Perpétuo e à contemplação. A devoção à Virgem e
Pregadores). a uma vida contemplativa, conservando a monástica a difusão do Rosário Perpétuo são a especificidade
separação do mundo pela clausura e pelo silêncio. própria desta comunidade de Monjas Dominicanas.
O seu ideário fundacional convida-as a ser fervorosas Mais recentemente, em 1995, foi canonicamente
no estudo da verdade, assíduas na oração e erecto o último mosteiro a ser fundado, o Mosteiro
anunciam, profeticamente com a sua vida, Cristo de S.ta Maria no Lumiar, em Lisboa. É uma pequena
como única bem-aventurança. comunidade monástica que nasceu e se consolidou
Institucionalmente enquadradas na Ordem dos no pós-concílio, procurando guardar e implementar
Pregadores, seguem a Regra de S.to Agostinho, com o aggiornamento pedido à Igreja e sobretudo às
suas instituições religiosas. Inserida no projecto de
Escudo da Ordem Dominicana (I)
pregação da Ordem, a nova comunidade testemunha
a vida simples do seguimento de Cristo.
As Monjas Dominicanas estão na origem da própria Actualmente, a única referência de memória histórica
Ordem Dominicana e ligadas ao seu Fundador, que, dos mosteiros de Monjas em Portugal é a História
ao reunir em Prouilhe um punhado de mulheres de S. Domingos, de Fr. Luís de Sousa.
convertidas do Catarismo, com elas fundou a primeira Para citar algumas figuras históricas mais relevantes
comunidade a que chamou a “Santa Pregação”. das Monjas Dominicanas em Portugal, escolhemos
Efectivamente, um documento de 1207 designa já dois exemplos contraditórios, lembrando, por um
assim essa célula-semente da Ordem Dominicana, lado, a figura de S.ta Joana Princesa, filha do Rei
que só uns anos mais tarde virá a incorporar os D. Afonso V, que morreu em 1490, após uma vida
primeiros frades. A ligação das Monjas à Ordem é, santa no Mosteiro de Jesus, em Aveiro, considerando-
por assim dizer, congénita; não como o “ramo -a como representante de uma longa plêiade de
orante” de uma ordem apostólica, mas nela profun- vidas santas de monjas. Por outro lado, um século
damente integradas pela referência à personalidade, mais tarde, destacamos a figura de Sor Maria da
carisma e projecto do seu Fundador. Normalmente, Monjas Dominicanas a cantar o Ofício Divino, Visitação, do Mosteiro de N. Sr.a da Anunciada de
quando fundava uma comunidade de frades, iluminura do séc. XV (I) Lisboa. Esta monja, segundo reza a crónica de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA

BIBLIOGRAFIA: Impressa: BÉDOUELLE, Guy, Al’ Image Lisboa. Teve dois irmãos, António, mais velho 15
de Saint Dominique, Paris, Cerf, 1995; BÉDOUELLE, meses, e José, dois anos mais novo. De saúde débil,
Guy, Dominique ou la Grâce de la Parole, Paris, Teresa era, no entanto, muito sensível e inteligente
Fayard-Mame, 1982; BOUCHET, J. R., Saint Dominique, (aos três anos já sabia ler). A sua mãe teve um papel
Paris, Cerf, 1988; D UVAL , André, Dominicaines preponderante na sua educação, ensinando-lhe Letras
Moniales de l’Ordre des Prêcheurs, Paris, CIF Éditions, (português, francês, inglês e alemão), História, os
1993; HINNEBUSCH, W. A., Brève Histoire de l’Ordre princípios da Música e Arte. Entregou a sua formação
Dominicain, Paris, Cerf, 1990; LACORDAIRE, H. D., Vie religiosa ao P.e Lourenço Richmond, do Colégio dos
de Saint Dominique, Paris, Cerf, 1989; Louer, Bénir, Inglesinhos, que a iniciou na prática das obras de
Prêcher: Parole de Grâce et de Vérité, Paris, Éditions misericórdia, ao inscrevê-la, com 12 anos, na
du Cerf, 2004; SOUSA, Frei Luís de, História de São Associação de Nossa Senhora Consoladora dos
Domingos, Porto, Lello & Irmão Editores, 1977; Aflitos, que fundou em 1849 e que se dedicava ao
VICAIRE, M. H., Saint Dominique: La Vie Apostolique, socorro das famílias que viviam na pobreza.
Paris, Cerf, 1983; VICAIRE, M. H., Histoire de Saint Teresa de Saldanha distinguiu-se consideravelmente
Dominique, 2 vols., Paris, Cerf, 1982; VICAIRE, M. H., na pintura, sendo iniciada pelos Mestres Mr.
Dominique et Ses Prêcheurs, Fribourg/Paris, Leberthais (carvão) e Tomás José da Anunciação
Cerf/Éditions Universitaires de Fribourg, 1977. Digital: (aguarela e óleo). Revelou grande talento para pintar
www.monjasoplisboa.com. paisagens e retratos, mas a sua grande preferência
era a iconografia religiosa. Deixou obras de grande
MARIA DOMINGOS qualidade pictórica que foram estudadas por alguns
especialistas, como António Quadros, numa
conferência proferida em 1988, nos 150 anos do seu
Mosteiro do Lumiar (JAM) e (I)
DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE nascimento, na Fundação Calouste Gulbenkian,
SENA intitulada Romantismo e Misticismo na Pintura de
Fr. Luís de Sousa, deixou-se enredar pelo demónio, A Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Teresa de Saldanha. Destacam-se nas suas obras:
a ponto de fingir estigmas, tendo sido descoberta Catarina de Sena, cuja sigla é DSCS, também é um auto-retrato e vários retratos de família (primeiros
e castigada pela própria Inquisição, no tempo do designada por Congregação das Terceiras Domini- carvões, 1851), Ecce Homo (1855-1856), carvões,
bem conhecido dominicano Fr. Luís de Granada. canas de Portugal, Congregação das Irmãs de Santa aguarelas e óleos (1856), o painel do Sagrado
As Monjas Dominicanas vestem um hábito branco Catarina de Sena da Ordem Terceira Regular de São Coração de Jesus e S. João Baptista (Goa, 1865),
composto por uma túnica branca apertada com um Domingos em Portugal e por Dominicanas Portu- Santa Brígida (Convento das Inglesinhas, 1865),
cinto, um escapulário, e uma capa e véu pretos. guesas, sendo esta a forma mais conhecida. Foi fun- Nossa Senhora e o Menino Jesus (Hospital de S. Luís
dada em Lisboa, em 1868, por Teresa Rosa Fernanda das irmãs da caridade francesas, 1865), o painel em
de Saldanha Oliveira e Sousa, mais conhecida por honra da Beata Maria dos Anjos (1865), e as últimas
Teresa de Saldanha. produções pictóricas (1869), a Mater Dolorosa e
Santa Rosa. Deixou também um grande espólio
literário de escritos pessoais e de circunstância,
nomeadamente notas autobiográficas, orações,
cartas, relatórios e contas. Em 1855, com 18 anos,
ao pintar o Ecce Homo, Teresa viu, no olhar de Jesus,
o apelo de todos os sofredores, pelo que decidiu
fazer voto de castidade e renunciar às riquezas, para
mais livremente servir os pobres. A época em que
viveu foi marcada por grandes transformações, que
agudizaram as profundas desigualdades sociais.
Revoluções sucessivas impediam o desenvolvimento
das estruturas sociais, políticas e religiosas. Igreja e
Estado viviam em tensão constante. Tudo isto se
reflectiu na vida do povo, que se viu enganado por
uns, explorado por outros, sem que ninguém se
ocupasse ou preocupasse com as suas necessidades
Monja dominicana com hábito (I) Escudo dominicano usado pela Fundadora (I)
básicas. A miséria alastrava. O separatismo do Estado
Liberal e a Lei da Extinção das Ordens Religiosas em
Celebram diariamente as horas canónicas do Ofício Teresa de Saldanha (1837-1916) nasceu no dia 4 de 1834, que incorporou os seus bens à Fazenda
Divino e praticam a Lectio Divina, que é a leitura Setembro, na R. das Portas de S.to Antão, em Lisboa. Nacional, criou novos problemas. Os pobres e doentes
assídua e meditativa da Palavra de Deus. Consagram Era filha de João Maria do Sacramento de Saldanha estavam abandonados à sua própria morte. A juntar-
também tempos fortes ao estudo da Teologia e ao Oliveira Juzarte Figueira e Sousa e de Isabel Maria -se à deplorável situação das pessoas do campo,
aprofundamento da Fé. de Sousa Botelho, terceiros Condes de Rio Maior. surgiu o proletariado, numa incipiente industria-
As Monjas vivem do seu próprio trabalho, conten- Foi baptizada no dia seguinte ao do seu nascimento, lização. Esta geração não tinha acesso a qualquer
tando-se com recursos modestos e praticando a na capela do Palácio da Anunciada, e, em 1848, fez tipo de educação, formação ou alfabetização.
partilha com os mais necessitados. a primeira comunhão, na Igreja dos Inglesinhos, em Sensível ao sofrimento humano, Teresa preocupava-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA

-se com a situação do seu povo esmagado, definhado formando as primeiras vocações da fundação Janeiro de 1888 e, mais tarde, a 2 de Outubro de
por trabalhos e doenças, com as crianças privadas portuguesa. A sua preocupação ao fundar uma 1892, foi a primeira religiosa a fazer a profissão
dos seus direitos mais elementares, raparigas congregação dominicana, além da promoção e perpétua na Congregação.
obrigadas a árduos trabalhos, mergulhadas na mais educação dos pobres, era evangelizar o país e
dura ignorância. Sentia a urgência de fazer algo colaborar na restauração da Ordem em Portugal,
para melhorar as condições de vida do povo. que ela sabia tão florescente antes de 1834.
Trabalhando com as irmãs da caridade francesas, no Não lhe sendo possível sair para o estrangeiro para
Colégio de S.ta Marta, em Lisboa, fundou, em 1859, seguir a vida religiosa, por oposição familiar, enviou,
a Associação Protectora das Meninas Pobres, com a 7 de Novembro de 1866, duas senhoras, Madalena
Estatutos aprovados a 27 de Fevereiro de 1860. Esta Martin (Hariet) e Maria José de Barros e Castro, para
Associação dedicava-se à educação de crianças pobres receberam a formação inicial, no Noviciado do
e à alfabetização e promoção de operários, raparigas Convento de Sena, de dominicanas contemplativas,
e rapazes, através de aulas externas, tendo chegado em Drogheda, na Irlanda. No dia 25 de Fevereiro
a manter e a subsidiar mais de 30 escolas. Em 1862, de 1868, as duas irmãs fizeram a sua profissão
as Irmãs da Caridade foram expulsas de Portugal, religiosa na Congregação das Terceiras Dominicanas
o que levou Teresa, inconformada com a situação, de Portugal, nas mãos da Madre Imelda Magee,
a lutar contra esta lacuna assistencial e a pensar no Prioresa do Mosteiro de Sena, em lugar de Sua
projecto da fundação de uma congregação. Em Eminência, D. Manuel Bento Rodrigues, Cardeal
1864, foi submetida a uma operação cirúrgica e, Patriarca de Lisboa. Após algum tempo de estágio
durante a longa convalescença, reflectiu sobre o em obras de misericórdia das Irmãs da Caridade,
rumo a dar à sua vida, de modo a contribuir para em Dublin, regressaram a Portugal no dia 13 de
melhorar a sorte dos pobres e para a evangelização Novembro de 1868, dando início à primeira Madre Teresa de Saldanha, 1887 (I)

do país. Apesar do ambiente anticongregacionista comunidade da Congregação, em Lisboa. A Congre-


em que se vivia, Teresa manifestou à mãe o desejo gação alugara uma casa nas Portas da Cruz, em Teresa de Saldanha foi a primeira mulher fundadora
de ser religiosa e a sua intenção de ingressar na Alfama, um bairro muito populoso e pobre, onde em Portugal após a extinção das ordens religiosas,
Congregação das Irmãs Dominicanas, em Stone, as Irmãs assumiram a direcção de uma escola da em 1834. Tinha uma personalidade forte, determi-
Inglaterra, na qual já estava aceite. Devido à oposição Associação Protectora das Meninas Pobres (APMP), nada e organizada, uma notável capacidade de
do pai, quanto à sua saída para o estrangeiro, e de modo a começarem o seu apostolado numa liderança e era trabalhadora, culta e piedosa, valores
vendo a necessidade do seu país, sentiu que Deus instituição que tivesse existência legal. A Congregação que imprimiu ao longo da sua vida em todas as
a chamava a fundar, em Portugal, uma congregação nasceu, pois, à sombra da APMP. Além de se acções que realizou, aliando os “três grandes amores”
que se dedicasse ao serviço dos mais pobres e ocuparem do ensino, as Irmãs dedicavam-se, também, da sua vida: “Deus, os pobres e a pátria”.
desfavorecidos da sociedade, como a própria a visitar os doentes e os pobres e a distribuir-lhes A situação das idosas monjas de diversos conventos
salientou: “vendo a necessidade de estabelecer na as esmolas. Através dessas visitas, as Irmãs procu- de dominicanas contemplativas, em vias de extinção,
minha pátria uma ordem Religiosa activa, que se ravam conhecer a situação das famílias, as suas preocupou-a profundamente. Conjugou o seu desejo
pudesse ocupar da educação de crianças pobres e necessidades e dar-lhes alguma formação humana de fazer o bem com a salvação desses conventos,
ricas, pondo em prática todas as obras de miseri- e cristã. Teresa de Saldanha deu, também, corpo a evitando que as monjas morressem abandonadas e
córdia; que tratasse dos pobres doentes, os visitasse um projecto de alfabetização e evangelização de que os conventos e as suas igrejas fossem profanados.
nos seus domicílios, numa palavra, que substituísse operários, raparigas e rapazes, da fábrica dos botões, Com a licença do Governo, reabilitou-os e neles
entre nós as Irmãs da Caridade”. Teresa tinha na Calçada do Cascão, próximo da Casa das Portas abriu obras de assistência e de educação ao serviço
particular devoção a S. Domingos de Gusmão, da Cruz. Abriu uma aula nocturna, três vezes por dos mais carenciados: Convento do Salvador,
hereditária na sua família, e com cuja Ordem se semana, para que estes e outros operários das Convento do Sacramento e Convento de S.ta Joana,
identificava, pela sua característica alegria, abertura, fábricas vizinhas recebessem instrução e, ao domingo, em Lisboa; Convento de S.ta Joana, em Aveiro; e
fraternidade e apostolado. Depois de muitas aprendessem o catecismo. Convento das Donas, em Santarém.
devoções, com o fim de saber qual era a vontade Às duas primeiras irmãs outras se seguiram. Em vida Teresa de Saldanha foi, sem dúvida, uma grande
de Deus, foi em Outubro de 1865 que começou a da Fundadora, ingressaram na Congregação em figura do Portugal oitocentista, que se adiantou no
realizar a fundação de uma congregação de irmãs Portugal jovens irlandesas, inglesas, francesas, alemãs, seu tempo, ao empreender a educação feminina, e
terceiras de S. Domingos. À grande devoção a brasileiras, indianas, sendo, contudo, em maior que soube corresponder às necessidades impostas
S. Domingos juntou-se a proximidade que manteve número as irmãs portuguesas. pela evolução da sociedade. À medida que a Congre-
com os únicos padres dominicanos existentes no Só depois de a Congregação estar bem consolidada gação se estabelecia, organizava e crescia, o espaço
país, os irlandeses do Corpo Santo, em Lisboa, de é que Teresa de Saldanha nela professou, realizando da Casa das Portas da Cruz tornava-se cada vez
quem recebeu orientação espiritual. Foi o P.e Patrício o seu sonho de jovem. Iniciou o Noviciado a 18 de mais pequeno para acolher tantas irmãs. Em 1877,
Bernard Russell, dominicano deste convento, que Abril de 1887, com o nome de Ir. Teresa Catarina com a herança que Teresa recebeu por morte do
orientou, animou e impulsionou a sua vocação e Rosa Maria do Santíssimo Sacramento e fez a pai, e através de um empréstimo a dez anos,
inspiração fundacional. Sendo uma mulher culta, profissão religiosa a 2 de Outubro do mesmo ano comprou em hasta pública o palácio e a Q. ta de
lida, viajada, conhecia outras congregações domi- (a Santa Sé dispensou-a de sete meses de Noviciado). S. Domingos de Benfica, onde passou a residir e a
nicanas nascentes pela Europa, sobretudo em França Foi eleita a primeira Superiora Geral da Congregação orientar a Congregação e onde fixou a Casa-Mãe,
e Inglaterra, com as quais contactou. Porém, a grande a 9 de Novembro (com uma licença especial, por o Noviciado, um colégio e, mais tarde, uma escola
fonte de onde a Congregação bebeu o domini- Breve de 21 de Dezembro de 1887, do Papa Leão XIII, gratuita para crianças pobres. Desde essa data e até
canismo foi o Convento de Sena, em Drogheda, por não ter o tempo de professa requerido). Tomou 1910 professaram aí 250 irmãs. Foi igualmente em
na Irlanda, que lhe abriu as portas, acolhendo e posse do cargo de Superiora Geral no dia 15 de 1877 que abriu o asilo para invisuais no Convento

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA

apresentou-os ao Presidente do Conselho, Hintze Pobres; entre 1968 e 1969, o 1.º centenário da
Ribeiro, que os aprovou a 18 de Outubro de 1901. fundação da Congregação; em 1987, nos 150 anos
Foi nessa época que a Madre Geral, como do nascimento de Teresa de Saldanha, foi lançada
carinhosamente era chamada, respondendo a um pela Congregação uma colecção de selos com o
jornalista do Correio Nacional, deu informações rosto da Fundadora e, um ano mais tarde, foi atri-
acerca da actuação da Congregação: “O fim das buído, pela Câmara de Lisboa, à R. Particular, à
Irmãs Terceiras Dominicanas é ministrar às meninas Estrada da Póvoa, o topónimo R. Teresa de Saldanha;
ricas e pobres o ensino primário e secundário; exercer em 1993, 1994/1996 e 2000 foram promovidos
a caridade em asilos, hospitais, sanatórios, refúgios encontros internacionais sobre assuntos do interesse
e outros estabelecimentos de caridade que possam da Congregação, em que esteve presente o seu
fundar, administrar ou servir em conformidade com carisma fundacional; a Câmara Municipal de Lagoa,
as leis do País”. Apesar destas ocorrências em no Algarve, atribuiu, em 1995, o nome da Fundadora
Portugal, os números não pararam de crescer: em a uma rua; em 2001, a Câmara Municipal de Rio
1901, nas 11 casas, espalhadas por Aveiro, Braga, Maior gratificou o topónimo de Madre Teresa de
Lagoa, Lisboa (onde tinham quatro casas), Setúbal, Saldanha a uma rua da cidade. Actualmente, decorre,
Porto e Santarém, contavam-se 123 irmãs e, em em Roma, o seu processo de canonização que abriu
1906, o número cresceu para 134 irmãs. Em 1910, na mesma capela da casa de S. Domingos de Benfica,
Teresa revelou ao Cardeal Vincent Vanutelli, protector em Lisboa, a 6 de Novembro de 1999, e encerrou
da Congregação, o número de 50 617 utentes sob na Igreja Paroquial de S. José, também em Lisboa,
a sua direcção: crianças, cegas, arrependidas. a 17 de Novembro de 2001, e que foi entregue em
Em 1910, a implantação da República teve como Roma a 14 de Fevereiro de 2002.
Casa de S. Domingos de Benfica, 1887 (I) consequência a dispersão da Congregação, com a A Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa
expulsão das Irmãs e o encerramento da maior parte Catarina de Sena é uma Congregação Religiosa
dos Cardais, sede da Associação de Nossa Senhora das casas, sendo apenas poupados o Colégio da Apostólica de Direito Pontifício, desde 1889, fundada
Consoladora dos Aflitos, em Lisboa, e assumiu, a Regeneração de Braga e o Asilo de Cegas, em Lisboa. em Portugal. Actualmente, a sua Sede Geral situa-
pedido do Fundador, Mons. Airosa, a orientação da A Madre Teresa viu-se expulsa da sua casa de Benfica, -se em S. Domingos de Benfica, Lisboa.
Casa do Abrigo, mais tarde Colégio da Regeneração espoliada de todos os bens. Nessa altura, foi viver Teresa de Saldanha, impulsionada por um grande
e, depois, Instituto de Monsenhor Airosa, para acolher clandestinamente com mais duas religiosas numa amor a Deus e por um coração inquieto diante das
raparigas em risco, em Braga. Teresa viu, finalmente, pequena e pobre casa alugada, na R. Gomes Freire, misérias do seu povo, ao fundar a Congregação
a sua Obra consagrada pela Igreja e espalhada por n.º 147, em Lisboa. Em Portugal, as Irmãs conti- alicerçou-a na Ordem de São Domingos, cujo espírito
todo o país: a 27 de Janeiro de 1889, o Patriarca de nuaram discretamente a sua acção ao lado de Teresa, é contemplativo e apostólico. Tomou como padroeira
Lisboa, D. José Sebastião Neto, aprovou as primeiras já idosa, e assumiram a orientação do Sanatório de S.ta Catarina de Sena, dominicana e modelo de amor
Constituições; a 11 de Setembro de 1889, o Papa Sant’Ana, na Parede. No estrangeiro, as irmãs a Deus, à Igreja e aos pobres. Aberta a Deus e ao
Leão XIII emitiu o Decreto de Louvor e de Aprova- refugiadas, que voltaram para os seus países de próximo, viu, nas circunstâncias e nos apelos da
ção da Congregação e, a 9 de Janeiro de 1900, a origem, iniciaram missões e instalaram novas sociedade, a Sua vontade e quis uma congregação
aprovação das Constituições. Foram revistas ao longo comunidades na Bélgica, no Brasil e nos Estados de mulheres santas e dedicadas a todas as obras de
dos anos e as que agora estão em vigor foram Unidos da América, em 1911, e em Espanha, em misericórdia. O seu lema programático, “Fazer o
aprovadas em 1987, conforme as orientações do 1913. Se a intenção da revolução era acabar com bem sempre e onde seja possível”, exerce-se através
Concílio Vaticano II. as congregações, conseguiu, pelo contrário, a sua de casas de assistência, serviço social, educação,
O anticongregacionismo que marcou todo o séc. XIX, expansão. Teresa continuou a dirigir e a orientar as comunidades de inserção e acolhimento a pere-
em Portugal, recrudesceu no início do séc. XX e, novas fundações a partir da sua “casa-refúgio”. Aí grinos, onde são prestados os mais variados serviços,
em 1901, as congregações sofreram as suas faleceu com fama de santidade, no dia 8 de Janeiro com especial incidência na educação feminina e
consequências. Nos jornais saíam insultos e calúnias de 1916, com 78 anos. As exéquias foram realizadas infantil e no serviço dos pobres – acção educativa
e nas ruas maltratavam sacerdotes, apedrejavam as na Igreja do Corpo Santo, em Lisboa, e o seu corpo baseada numa pedagogia do amor através da
casas religiosas, os colégios, os recolhimentos, as foi sepultado no jazigo da Congregação no Cemitério assistência a crianças de todas as classes sociais,
redacções dos jornais religiosos e mesmo gente de Benfica, na mesma cidade, onde hoje repousa. nomeadamente as mais pobres e desprotegidas,
particular que estivesse ligada à Igreja. O Governo À data da sua morte, em 1916, fundara 27 casas: ensino a deficientes e invisuais, auxílio a doentes e
promulgou um Decreto, a 10 de Março, no qual 17 em Portugal, 6 no Brasil, uma na Bélgica, 2 nos idosos, promoção social direccionada em particular
determinou aos governadores civis que informassem Estados Unidos da América e uma em Espanha. à infância e juventude, missões Ad Gentes e evan-
se existiam casas com Noviciados ou estabelecimentos A sua memória permanece, hoje, nas pessoas tocadas gelização directa.
de caridade. Teresa de Saldanha sentiu os efeitos pela sua fé, bondade, audácia, prudência e fortaleza, Das Dominicanas Portuguesas de Santa Catarina de
dessa enorme perseguição nas diversas fundações: tendo sido celebrada em diversas datas e aconte- Sena, surgiram dois ramos distintos. Em 1932,
na noite de 10 para 11 de Março de 1901 apedre- cimentos comemorativos da sua vida e obra e através nasceu um ramo de contemplativas que partiu do
jaram e partiram vidros na Casa de S. Domingos de da publicação de livros, biografias e artigos, foto- desejo manifestado pela Ir. Maria Inês Félix Pereira
Benfica. No meio da enorme tormenta, a Fundadora grafias, conferências, exposições, peregrinações, de Sousa Botelho e mais três religiosas de reintro-
usou de muita prudência para que a Congregação programas de rádio e de televisão, dramatizações, duzirem a vida contemplativa dominicana em
escapasse. Obedecendo às autoridades civis e de autocolantes, postais, cartazes, desdobráveis, etc. Portugal, onde antes de 1834 era tão florescente.
acordo com as suas normas, elaborou os Estatutos Em 1937, foi comemorado o 1.º centenário do nasci- Após realizarem o Noviciado no Mosteiro de Prouille,
por que se regia a Congregação, Estatutos da mento de Teresa de Saldanha; em 1939, o 80.º em França, fundaram, em Portugal, um convento
Associação das Irmãs Terceiras de S. Domingos, e aniversário da Associação Protectora das Meninas da Segunda Ordem, o Convento da Divina Eucaristia

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA

no Porto, transferido para Lamego em 1995; em


1952, o Vicariato dos Estados Unidos da América,
constituído por seis casas e 100 irmãs, depois de
obtidas as licenças da Santa Sé, formou uma
Congregação de Vida Apostólica, distinta e autó-
noma, apesar de seguir o mesmo carisma da
Fundadora – a Congregação de Irmãs Dominicanas
de Santa Catarina de Sena de Kenosha, no Estado Casa do Restelo, Lisboa (JAM)
do Wisconsin.
Depois da instauração da República, em 1910, a S. Paulo – pensionato (1991); Copacabana, Rio de
Congregação continuou a florescer além fronteiras Janeiro – escola de crianças (1911-1912); Piracicaba,
Convento de Benfica, Lisboa (JAM)
e sucediam-se as jovens portuguesas interessadas S. Paulo – Hospital da Misericórdia (1911-1915);
em ingressar na vida religiosa. Para esse efeito, foi N. Sr.ª do Amparo, Amparo, S. Paulo – Noviciado e
fundado em Salamanca, Espanha, um Noviciado e de S. José, Lagoa, Algarve – escola (1899-1910), creche (1911); Petrópolis, Rio de Janeiro – casa de
um colégio, a 15 de Agosto de 1913, que perdurou Ave Maria, Porto – dispensário (1896-1910); Outão, crianças (1912-1919); Rio de Janeiro – creche (1915-
até aos fins de 1928, data em que as Irmãs deixaram Setúbal – sanatório (1900-1910). -1921); Limeira, S. Paulo – colégio (1921); Colégio
Espanha. O Noviciado e a Casa-Mãe foram, então, Após 1910 foram fundadas mais casas: Sant’Ana, de S. Paulo, S. Paulo (1934); Borda da Mata, Minas
transferidos para Braga, onde permaneceram até Parede – hospital (1910); Casa de N. Sr.ª do Rosário Gerais – colégio (1943); Itaquaquecetuba, S. Paulo
1941. Fora do país, a acção da Congregação e das (R. Gomes Freire), Lisboa – Sede da Congregação, – casa de crianças (1974-1988); Cafeára –
irmãs continuou: na Bélgica, em La Panne, abriram apoio às Irmãs na expansão missionária e Obra alfabetização (1957-1971); Lupionópolis – escola e
um sanatório para crianças e apoiaram órfãos e “Florinhas da Rua” (1911-1931); Hospital do Rego, pastoral (1958); Uruaçu, Góias – colégio (1959);
soldados durante a Primeira Guerra Mundial. Lisboa (1911-1912); Menino Jesus, Porto – crianças Borrazópolis – serviço pastoral (1963-1970); Faxinal,
Deixaram a Bélgica em 1922 e a Espanha em 1928; (1914-1939); Clínica Operatória, Viseu (1915-1919); Paraná – colégio (1964); Uruaçu, Góias – colégio
no Brasil foram abertas novas casas e o Noviciado. Colégio, Coimbra (1922); Colégio, Leiria (1924); (1975-1979); Madre Fundadora, S. Paulo – Casa
Em Portugal, depois de acalmados os ânimos Pinheiro da Bemposta – serviço social (1927- Provincial (1977); Londrina, Paraná – inserção (1984);
republicanos e anticlericais, além de se abrir, em -1956/1974-); Braga – Noviciado e escola (1928- Dirceu Arcoverde/Píaui – inserção (1986); Petrolina
1914, uma escola para crianças pobres e um pen- -1941); Sameiro, Braga – acolhimento (1934); Casa – serviço pastoral (1994); Projecto Social Madre
sionato para senhoras, no Porto, fundaram-se mais Asilo-Escola Ribeiro Freire, Bencanta, Coimbra – Teresa de Saldanha, Petrolina. Em Espanha, a
de duas dezenas de novas comunidades. Em 1941, serviço social, (1834-1938); Estremoz – serviço social Congregação fundou um Noviciado e uma escola
transferiu-se a Sede da Congregação de Braga para (1935); Guarda – serviço social (1936); Fátima – na cidade de Salamanca (1913-1928). Nos EUA
Sintra, para a Casa de S. José, Q.ta do Ramalhão, fundou nove casas: Ontário, Oregon – escola e
onde foi fundado um colégio feminino. A partir de primeiro Noviciado (1911); Hanford, Califórnia –
1959, a Congregação expandiu-se para novos países hospital (1913); Kenosha, Wisconsin – Noviciado e
e foi iniciada a missão Ad Gentes em Angola e em hospital (1917); Madera, Califórnia – escola paroquial
Moçambique e, mais recentemente, em 1999, na (1927-1933); Taft, Califórnia – escola paroquial
Albânia e, em 2004, em Timor. (1929); Carmel, Califórnia – escola paroquial (1930-
Em 1969, deu-se uma descentralização do Governo, -1933); Novo México – Escola S.ta Teresinha (1947);
com a criação de três províncias autónomas, unidas Saratoga, Califórnia – hospital psiquiátrico (1948);
através do Conselho Geral e das Constituições. Merced, Califórnia – hospital (1949). Em Moçambique
Em 1978, a Casa-Mãe passou para a Casa de foram fundadas quatro casas: Xai-Xai – missão e
S. Domingos do SS. mo Rosário, em Fátima, onde escola (1959-1975/1993); Vila Cabral – missão (1970-
Casa das Irmãs Dominicanas, Fátima (JAM)
permaneceu até 1984, quando foi transferida -1975); Chongoene – missão (1993); Maputo – missão
novamente para a Casa de S. José, Q.ta do Ramalhão, (1995). Em Angola abriram também varias casas:
em Sintra. A Casa-Mãe da Congregação voltou para peregrinos e escola (1937); Aldeia Nova, serviço Ndalatando – missão e escola (1959); Quibaxe –
S. Domingos de Benfica, Lisboa, a 10 de Junho de social (1965-1980); Externato S. José, Lisboa (1938); missão (1968-1975); Cacuso – missão (1972); N. Sr.ª
1991, depois de o Governo ter cedido, mediante Colégio do Ramalhão, Sintra (1941); Aveiro – lar de do Carmo, Luanda – missão (1975); N. Sr.ª de Fátima,
um protocolo, a casa que tinha sido retirada em estudantes (1953); Coimbra, lar de estudantes (1954- Luanda – lar de estudantes (1967-1975/1992);
1910, quando foi ocupada por serviços do Ministério -1976); IPO, Lisboa – lar de enfermeiras (1957-1963); Golungo Alto – missão (1981); Lobito – Noviciado
da Justiça. Avanca – creche (1969); Furnas, Lisboa – inserção (transferido em 1991 para a Casa de S. José, em
Desde a sua fundação, a Congregação abriu diversas (1973); Belida, Santarém – pastoral (1974-1993); Viana) e missão (1981); Benguela – missão (1988);
casas. Inicialmente, em Portugal, são de assinalar as Madre Teresa de Saldanha, Castro Daire – inserção Casa de S. José, Luanda – missão e Noviciado (1991);
seguintes: Portas da Cruz – escola e inserção (1868- (1975); Dornelas do Zêzere – inserção (1975-1985); Casa de N. Sr.ª da Paz, Luanda – escola, centro de
-1877); S. Domingos de Benfica, Lisboa – Noviciado Portimão – serviço social (1986); Funchal, Madeira saúde e missão (2004); N. Sr.ª de Fátima, Luanda –
e escola (1877-1910/1911-); Cardaes, Lisboa – asilo – serviço social, abrigo (1953); Casa Cecília Zino, Casa Provincial (1993); N. Sr.ª da Paz – escola e centro
de cegas, (1877); Regeneração, Braga – IMA (1877- Funchal – serviço social (1963); Nordeste, Açores – de saúde (2005). As Irmãs estão ainda presentes na
-2003); Salvador, Lisboa – escola (1878-1910); serviço social (1988-2008). Albânia, em Brelumasi, Tirana – missão (1999); e tam-
S.ta Joana, Lisboa – escola (1880-1896); S.ta Joana, No estrangeiro, as Dominicanas de Santa Catarina bém em Timor, Remexio – missão e educação (2004).
Aveiro – escola (1884-1910); Sacramento, Lisboa – de Sena fundaram casas em diversos países. Na Actualmente, a Congregação conta com 360 irmãs
dispensário e escola (1885-1910); Convento das Bélgica, em La Panne, abriram um sanatório infantil em 44 casas. A Casa-Mãe é em S. Domingos de
Donas, Santarém – escola (1892-1901); Convento (1911-1922). No Brasil: S. Domingos, Campinas, Benfica, onde se encontra o Governo Geral e o

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA

Arquivo da Congregação. As irmãs da Casa-Mãe onde, para além de se revelar grande pedagoga, Perpétuo Socorro Costa (1976-1978), a Madre Maria
dirigem o Lar Madre Teresa de Saldanha, para jovens deu testemunho de uma verdadeira caridade. Políticos Cecília da Câmara de Siqueira (1978-1984), a Madre
em risco, e a Creche de S. José. À Casa-Mãe estão e gente de todo o tipo, ao serem recebidos por ela, Maria de São João de Brito de Almeida (1984-1996)
ligadas as Casas da Albânia e de Timor. As restantes confessavam que se julgavam em frente da Rainha e a Madre Maria Manuela dos Anjos (1996-2008).
pertencem a três províncias: Província de N. Sr.ª do Santa Isabel de Portugal, tal era a delicadeza do seu As Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena
Rosário, em Portugal, com 20 comunidades no porte. Havia nela uma simpatia, uma suavidade e constituem uma Congregação Religiosa de Vida
continente e nas ilhas; Província de S.ta Cruz, no uma doçura que a todos conquistava. Muita gente Apostólica, inserida na Igreja, através da Ordem
Brasil, com 12 comunidades; e Província de S. da cidade procurava o seu conselho. Os pobres viam dos Pregadores. Seguindo o desejo da Fundadora,
Domingos, em África, com 12 comunidades: 9 em nela uma mãe desvelada, que muitas lágrimas secou têm como fim específico a educação e a promoção
Angola e 3 em Moçambique. e muita pobreza envergonhada socorreu. A Madre da infância e da juventude, apostadas em “fazer o
Ligadas à vida da Congregação estão numerosas Prioresa, como era conhecida em toda a cidade, bem, sempre”, nomeadamente em obras de miseri-
figuras. O P.e Patrício Bernard Russel, op, (1811- “era a consolação de todos os aflitos e a alegria de córdia e evangelização dos mais pobres e aban-
-1901), dominicano irlandês do Convento do Corpo quantos a conheciam.” Morreu em odor de santi- donados. Fiéis ao património e atentas às urgências
Santo, em Lisboa, que colaborou com Teresa de dade, com 74 anos, no dia 10 de Dezembro de de cada época e lugar, concretizam a sua missão
Saldanha na fundação da Congregação e recebeu, 1909, em Aveiro. Aí era conhecida como a mãe dos através do trabalho e do apostolado realizados em
em 1887, do Rei D. Luís a nomeação de Comendador pobres. Ao seu túmulo tem acorrido muita gente, comum, em obras próprias ou como colaboradoras
da Real Ordem Militar Portuguesa de Nosso Senhor implorando e obtendo graças. A Ir. Maria de São no serviço social, nas missões e na educação.
Jesus Cristo. D. Maria Isabel da Anunciação de Lemos Jacinto Quintela (Lisboa, 1860-1940) notabilizou-se Participam na missão apostólica da Igreja, segundo
Roxas de Carvalho e Menezes Saint Lèger de o projecto concebido por S. Domingos. Para conse-
Saldanha Oliveira e Sousa (1841-1920), Marquesa guirem estes objectivos, existe, na sua vida de
de Rio Maior, pelo seu casamento com D. António consagradas, um equilíbrio entre os momentos fortes
José Luís de Saldanha, irmão de Teresa de Saldanha, de oração e de acção.
coadjuvou a sua cunhada na obra da fundação da A vida de comunhão fraterna sobressai no governo
Congregação das Irmãs Dominicanas e narrou, de da Congregação, participando nele, orgânica e
modo elegante e despretensioso, a história da proporcionalmente, todos os seus membros, através
Fundadora na obra Fundação da Ordem das Terceiras dos seus respectivos Conselhos e Capítulos Locais
de São Domingos em Portugal, editada em 1923. e do Capítulo Geral, autoridade máxima da Congre-
Muito inteligente e culta, sempre se preocupou com gação. A vida de cada Comunidade Local dilata-se
os problemas sociais e de alfabetização das camadas na comunhão das casas entre si, as quais constituem
mais desprotegidas. Fundou a Associação Protectora a Província, e na comunhão das Províncias que
Timor, 2008 (I)
de Rapazes Pobres, com várias escolas gratuitas, e integram a Congregação.
notabilizou-se no auxílio prestado às cozinhas A Congregação tem procurado sempre, e nos diversos
económicas, de que foi a primeira Vice-Presidente. pela fundação em La Panne, na Bélgica, em 1911, países onde se encontra, agir de acordo com o
Reconhecendo a sua acção benfazeja, a Câmara onde trabalhou muito com os órfãos e doentes da mesmo espírito que animou a primeira geração de
Municipal de Lisboa atribuiu, a 24 de Setembro de Primeira Grande Guerra, tendo sido condecorada irmãs e, assim, manter vivo o carisma fundacional,
1996, o seu nome a uma rua da capital. Beato pelos Reis da Bélgica pela sua abnegada entrega a através da observância das Constituições e na
Fr. Hyacinthe Marie Cormier, op, (1832-1916) perten- essa missão. A Ir. Maria Catarina Roth (1857-1926), obediência à Superiora Geral, sinal e princípio de
ceu ao movimento de restauração da Ordem em de nacionalidade alemã, professou em Lisboa em unidade de todas as irmãs. A Congregação rege-se
França, iniciada pelo P.e Lacordaire. Correspondeu- 1886 e, em 1910, juntou-se às irmãs irlandesas, pelas suas Constituições e Directório e, ainda, pelo
-se com Teresa de Saldanha como Procurador e como tendo sido a grande impulsionadora de fundações Plano Geral de Formação. Cada Província tem o seu
Mestre Geral da Ordem, a quem deu sábios conselhos de hospitais em zonas pobres dos Estados Unidos. Plano de Actividades próprio e cada Comunidade
nos conturbados tempos da República. A Rainha A Ir. Maria de Santo Inocêncio Lima (1873-1948), tem, também, o seu projecto comunitário. As dife-
D. Amélia de Orleans (1865-1951), esposa do Rei brasileira de origem, ingressou na Congregação em rentes Comissões ou Equipas – pastoral juvenil e
D. Carlos, fundou diversos dispensários para crianças Portugal, no ano de 1908. Aquando da instauração vocacional, formação permanente, justiça e paz, etc.
pobres e quis as Irmãs Dominicanas para os orien- da República, foi para o Brasil, onde fundou, com – têm o seu plano de acção. Além das Constituições
tarem. D. Domingos Maria Frutuoso (1867-1947), irmãs portuguesas, novas casas de educação e próprias, a Congregação rege-se pela Regra de
restaurador da Ordem Dominicana em Portugal e assistência. Foi nomeada Vigária no Brasil. A cidade S.to Agostinho. A orgânica interna da Congregação
Bispo de Portalegre, foi incentivado por Teresa de de Limeira, onde fundou um moderno colégio, deu inspira-se no espírito democrático, característico da
Saldanha na sua vocação dominicana, tendo o seu nome a uma escola pública. Ordem Dominicana, e, deste modo, as eleições
constituído um apoio para a Congregação. A Congregação teve como Superioras Gerais, e por para os distintos níveis de governo são feitas por
Na Congregação, algumas irmãs destacaram-se em esta ordem, a Madre Teresa Catarina do Santíssimo eleição directa das Irmãs, que participam nos
obras de natureza religiosa, educacional, assistencial Sacramento de Saldanha Oliveira e Sousa (1887- respectivos Capítulos Electivos. A nível provincial e
e na saúde. Madre Maria José Barros de Castro -1916), a Madre Maria José Monteiro Soares de geral, todas as irmãs podem, também, participar,
(Lisboa, 1825-1905), verdadeira Co-Fundadora, Albergaria (1916-1928), a Madre Maria Teresa de elegendo as suas Delegadas. A Superiora Geral é
governou a Congregação com discernimento e Saldanha Oliveira e Sousa (1928-1930), a Madre eleita pelas Delegadas Capitulares de todas as
sabedoria antes do ingresso de Teresa de Saldanha. Maria de São Evangelista de Lima Vidal (1930-1937), Províncias, no Capítulo Geral, autoridade máxima
Maria Josefina Champalimaud Duff, ou Madre Inês, a Madre Maria Rita da Cruz Lecor Buys (1937-1952), da Congregação, por um período de seis anos,
(Lisboa, 1836 – Aveiro, 1909) foi Mestra de Noviças a Madre Maria Teresa do Menino Jesus Gomes Pinto podendo ser reeleita por um período igual. É coadju-
e Assistente Geral e orientou, durante 25 anos, a (1952-1964), a Madre Maria do Sagrado Coração vada pelo Conselho Geral, composto por quatro
Comunidade e o Colégio de S.ta Joana, em Aveiro, de Jesus Valente (1964-1976), a Madre Maria do Conselheiras, a Secretária e a Procuradora. A Supe-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DO ROSÁRIO

riora Provincial é eleita por um período de quatro Secretariado Geral da Conferência Episcopal DOMINICANAS DO ROSÁRIO
anos, é confirmada pelo Conselho Geral e coadjuvada Portuguesa, 2007, pp. 890-891; BERN, Stéphane, Eu, A Congregação das Irmãs Missionárias Dominicanas
pelo Conselho Provincial, composto por quatro Amélia, Última Rainha de Portugal, Porto, Livraria do Rosário (MDR) nasceu no dia 5 de Outubro de
Conselheiras, a Secretária e a Procuradora. Cada Civilização, 1999; CONGREGAÇÃO PORTUGUESA DAS IRMÃS 1918, em Lima, Peru, com o nome de Missionárias
Comunidade tem uma Prioresa, eleita por três anos, DOMINICANAS DE SANTA CATARINA DE SENA, Constituições Dominicanas do Santíssimo Rosário. Bastantes anos
período que se pode repetir uma segunda vez. Cabe da Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas depois, foi solicitado a Roma que o nome passasse
à Provincial e ao seu Conselho confirmar a irmã de Santa Catarina de Sena, s.l., s.n., 1988; a ser somente Irmãs Missionárias Dominicanas do
eleita. Na área do Governo há, ainda, a possibilidade CONGREGAÇÃO PORTUGUESA DAS IRMÃS DOMINICANAS DE Rosário, o que foi concedido. O seu fundador foi
da realização de assembleias gerais e encontros SANTA CATARINA DE SENA, Constituições das Irmãs da Fr. D. Ramón Zubieta y Les, op, e a Co-Fundadora
internacionais, abertos a todas as irmãs, onde se Congregação de Santa Catarina de Sena da Ordem a Madre Ascensão Nicol Goñi, ambos de nacionali-
estudam, reflectem e debatem temas de interesse Terceira Regular de S. Domingos em Portugal, Lisboa, dade espanhola.
para os membros da Congregação, mas que não Typ. de Comp. Nacional Editora 1900; DOWDALL, R.
têm carácter vinculativo. M., Over Three Centuries of History: Irish Dominicans
Com o início do processo de canonização da Madre in Lisbon, Portugal, Lisboa, s.n., 1959; FILIPE, Nuno,
Teresa de Saldanha (1999), surgiu o movimento Teresa de Saldanha: Uma Vida para os Outros, Lisboa,
Amigos de Teresa de Saldanha, leigos ligados à Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, 1990;
Congregação, com o objectivo de aprofundarem e FONSECA, Maria Manuel, Teresa, Sonho e Ousadia,
darem a conhecer a sua espiritualidade, “Deus acima Lisboa, Edições Paulinas, 2004; MOURÃO, José Augusto,
de tudo”, e de, como ela, conhecerem e praticarem “Teresa de Saldanha e a Linguagem: Quando Dizer
o evangelho da misericórdia, “Fazer o bem sempre”. é Fazer”, in Faces de Eva: Estudos sobre a Mulher,
Surgiu também, em 2002, o movimento de jovens n.º 7, Lisboa, Edições Colibri/ Universidade Nova de
Voluntários de Teresa de Saldanha (VTS). Lisboa, 2002; MURRAY, Bruno, As Ordens Monásticas
A memória histórica da Congregação mantém-se e Religiosas, Lisboa, Publicações Europa-América,
viva, constrói-se e actualiza-se através do Arquivo 1989; NICOLAU, Rita Maria do Nascimento Lourenço,
Geral da Congregação (AGC) e dos arquivos locais Memória das Datas 1866-2002: Irmãs Dominicanas
e provinciais, onde são conservados todos os de Santa Catarina de Sena, Lisboa, I.D.S.C.S., 2002;
documentos (actas, registos, relatórios, informações, NICOLAU, Rita Maria do Nascimento Lourenço, Teresa
etc.) que constituem a vida e a acção das Irmãs. de Saldanha: Uma Vivência Cristã no Feminino, Lisboa, Fundadores na selva (I)

A Congregação é mantida pelo trabalho dos seus Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de
membros, em obras próprias ou noutros estabele- Teologia, 1996; OLIVEIRA, Artur Manuel Villares Pires Fr. Ramón Zubieta, Bispo do Vicariato de Urubamba
cimentos. Uma das suas características é a comunhão de, As Congregações Religiosas em Portugal (1901- e Madre de Deus, Peru, percebeu que a educação
de bens, que se destinam à formação e sustento -1926), Trabalho Final de Doutoramento em História da mulher, das crianças e da família era absoluta-
das Irmãs, às obras de caridade e apostolado e ao Moderna e Contemporânea, Apresentação à Faculdade mente indispensável para o progresso humano, social
auxílio aos pobres. Os bens são administrados de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1999; RIO e cristão do respectivo vicariato. Por esta razão,
segundo as normas eclesiásticas e civis, gozando a MAIOR, Marquesa de, Fundação da Ordem das Terceiras envidou todos os esforços para conseguir religiosas
Congregação de personalidade jurídica. de S. Domingos em Portugal, 2.ª ed., Lisboa, e, entre outras muitas tentativas, bateu à porta do
O hábito religioso usado pelas Irmãs tem as cores Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas de Convento das Irmãs Dominicanas Contemplativas
tradicionais da Ordem Dominicana, o branco e o Santa Catarina de Sena, 1987; THIAUCOURT, Maria de Huesca, em Espanha. A Madre Ascensão, junta-
preto. Específica da Congregação desde a sua origem Rosa, Madre Teresa de Saldanha: Vida e Obra, [Lisboa], mente com outras irmãs, ofereceu-se para essa
é a cruz de madeira escura, na qual está embutida Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas de missão e, em 1915, depois de uma longa, audaz e
outra mais pequena, branca, que as Irmãs usam ao Santa Catarina de Sena, 1987; THOMAS, Sister Mary, dificílima viagem, conseguiu abrir uma casa em
peito. As principais devoções são as específicas da The Lord May Be in a Hurry: The Congregation of Puerto Maldonado. Foram as primeiras religiosas
Ordem Dominicana: o Rosário a Nossa Senhora, Dominican Sisters of St. Catherine of Siena of Kenosha, que penetraram na selva peruana. Como surgiram
S. Domingos, S.ta Catarina de Sena e a outros santos Wisconsin, Milwaukee, Bruce Publishing Company, bastantes jovens peruanas que quiseram seguir o
da Ordem. As irmãs falecidas são lembradas no 1967; VASCONCELOS, Evaristo, Religiosas: Selecção sobre exemplo extraordinário de Ascensão Nicol e suas
aniversário da sua morte, nominalmente, na oração os Institutos Religiosos Femininos Existentes em companheiras e, por outro lado, devido à impossibi-
de Vésperas, em todas as comunidades. Portugal, Braga, Edição do Mensageiro do Coração lidade de se contactar com o convento de origem
A Congregação publica e divulga a Evocação de de Jesus, 1957; VIDAL, D. João Lima, Teresa de Saldanha (vivia-se a Primeira Guerra Mundial), Mons. Zubieta
Teresa de Saldanha, para dar a conhecer a sua vida e as Suas Dominicanas, Cucujães, s.n., 1938; VIEIRA, e Ascensão Nicol foram aconselhados a fundar uma
e fama de santidade. Maria do Pilar S. A., “Irmãs Dominicanas de Santa congregação religiosa.
Catarina de Sena”, in Carlos Moreira Azevedo, A Congregação estendeu-se muito rapidamente e,
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Actas das Sessões da Dicionário da História Religiosa em Portugal, vol. C-I, em 1940, ano do falecimento de Ascensão Nicol,
APMP, Livro I, IAN/TT, Arquivo das Congregações, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos de que viveu até aos 70 anos, encontrava-se em muitos
Documento n.º 359; Arquivo Geral da Congregação História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, locais do Peru, em S. Salvador, Espanha, Portugal e
das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, 2002, pp. 470-471; VILLARES, Artur, As Congregações China. Ascensão Nicol, que saiu de Huesca com 45
Largo de São Domingos de Benfica, 14, Lisboa, Livros Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, Fundação anos, atravessou 17 vezes o oceano. Presentemente,
de Actas, Crónicas, Registos, Cartas, Relatórios. Calouste Gulbenkian, 2003. Digital: www.teresa a Congregação encontra-se em 22 países dos cinco
Impressa: ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja desaldanha-irmasdominicanas.pt. continentes, com um total de 768 irmãs de 23
em Portugal, vol. III, Porto, Livraria Civilização, 1970; nacionalidades, distribuídas por 144 comunidades.
Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], RITA MARIA NICOLAU Dadas as razões, motivações e, ainda, as realidades

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS DO ROSÁRIO

projecto comunitário. As diferentes Comissões ou actas, registos, relatórios, informações, etc., que
Equipas – pastoral juvenil e vocacional, formação possam ter algum interesse. Além desses documentos
permanente, justiça e paz, etc. – têm o seu plano de abrangência global, cada comunidade, no final
de acção. A Regra que se segue é a de S.to Agostinho. de cada ano civil, escreve uma pequena crónica
Como figuras relevantes destacam-se a Ir. Pilar desse ano, cuja cópia é enviada para o Arquivo
Zabalegui, irmã dominicana contemplativa num Provincial e Geral.
mosteiro de Pamplona, que, mais tarde, se uniu à Os meios de sustentação da Congregação provêm,
Congregação e que anunciou, de modo antecipado principalmente, do fruto do trabalho das Irmãs. Há
e profético, a fundação da Congregação; as Irs. algumas heranças e donativos, mas não são de modo
Maria Justa Álvarez, Maria do Bom Conselho Eslava, algum significativos. Quanto às obras, que estão
Mons. Ramón Zubieta Y Lés, Fundador da Congregação (I) Maria Cândida de Padro e Maria Olímpia Gorostiaga, sob a responsabilidade da Congregação, estas
todas espanholas, que deram a sua vida por Cristo, subsistem graças à comparticipação dos beneficiários,
geográfica e histórica que forjaram a fundação da em 1964, na República do Congo, juntamente com ou do seu trabalho, donativos, subsídios do Estado,
Congregação, o seu carisma tem uma faceta essen- outros missionários. apresentação e aprovação de projectos, campanhas
cialmente missionária e de opção pelos mais pobres, A orgânica interna da Congregação inspira-se no de solidariedade, etc.
sintetizando-se do seguinte modo: “Evangelizar os espírito democrático, característico da Ordem O hábito tradicional tem as cores da Ordem Domi-
pobres, nas situações missionárias onde a Igreja mais Dominicana e, deste modo, as eleições para as nicana, branco e preto, mas o seu uso é facultativo,
nos necessite”. Ao longo dos anos, houve factores Coordenadoras dos distintos níveis de governo, são o que faz com que seja muito reduzido o número
que obrigaram as Irmãs a desviarem-se deste carisma, feitas por voto directo, pelas irmãs que participam de irmãs que o usam. A saia azul, a blusa branca e
mas, nos Capítulos Gerais, que tiveram lugar depois nos respectivos Capítulos Electivos. A nível provincial a cruz distintiva da Congregação imprimem um certo
do Concílio Vaticano II, houve um enorme, sincero e geral, todas as irmãs podem, também, participar, carácter mais oficial e uniforme.
e eficiente desejo de se regressar “às fontes”. Por sugerindo três candidatas. A Coordenadora Geral As publicações que a Congregação tem ou orienta
esta razão, as comunidades situam-se, quase todas, não necessita da confirmação da Santa Sé e, são, sobretudo, internas. No entanto, em Espanha,
nos chamados países do Terceiro Mundo. presentemente, é eleita por um período de cinco a Congregação integra o Grupo de Congregações
anos, podendo ser reeleita por um período igual. Religiosas e Missionárias, que edita a revista
A Coordenadora Provincial é eleita por um período missionária denominada Misioneros Tercer Milenio,
de três anos, não podendo ultrapassar, de modo experiência de cooperação intercongregacional que
contínuo, o período de seis anos, sendo confirmada também se verifica noutras regiões do mundo.
pela Coordenadora Geral. A nível local, compete à Geralmente, fazem parte dos anuários da Ordem
Provincial confirmar a irmã eleita pela comunidade, Dominicana, das diferentes zonas, países, dioceses,
por três anos, cujo período se pode repetir uma etc.
segunda vez. Os Capítulos, a qualquer dos níveis, No dia 14 de Maio de 2005, Vigília de Pentecostes,
são a autoridade máxima da Congregação, da a Madre Ascensão Nicol foi beatificada, em Roma.
Província ou da Comunidade. De ordinário, o Governo O milagre que a Igreja reconheceu para a sua
é da responsabilidade da respectiva Coordenadora, beatificação ocorreu em Puerto Maldonado, a pri-
com o seu Conselho. Na área do Governo há, ainda, meira missão da Congregação, por ela iniciada.
a possibilidade da realização de Assembleias Abertas, Por outro lado, o processo de canonização de Mons.
que não são vinculativas. Ramón Zubieta, op, foi aberto em Lima, no Santuário
De modo espontâneo e por iniciativa dos leigos, de de S.ta Rosa, onde está sepultado, em 2000, ano do
algum modo ligados à Congregação, surgiu nalguns centenário da fundação do Vicariato de Porto
pontos do mundo o desejo, o projecto e a solicitação Maldonado, do qual foi o Fundador e primeiro Bispo.
explícita, dirigida à autoridade competente, para A Congregação veio para Portugal em 1933 e a sua
que esses leigos fizessem parte da Congregação, primeira comunidade foi estabelecida no Tortozendo.
Madre Ascensão Nicol Goñi, Co-Fundadora da Congregação (I)
sendo denominados e reconhecidos como Leigos
Missionários Dominicanos do Rosário. Nalguns paí-
A Congregação rege-se pelas suas Constituições e ses, a orgânica deste movimento apresenta muita
Directório e, ainda, pelo Plano Geral de Trabalho. vitalidade e está já bastante bem estruturada; noutros,
As primeiras Constituições, de âmbito diocesano, está agora a iniciar-se. A génese do seu despertar,
remontam ao ano de 1918. Em 1920, a Congregação varia de lugar para lugar.
integrou-se na Ordem Dominicana, fazendo, por A memória histórica da Congregação forma-se e
isso, parte dessa grande família. Como a sua presença mantém-se viva através dos arquivos locais, provinciais
depressa se fez sentir noutras partes do mundo, e gerais, onde são conservados todos os documentos,
logo foi solicitada a concessão do Estatuto de Direito
Aliança da Madre Fundadora (I)
Pontifício. No fim de todos os trâmites necessários
e do tempo de experiência exigido pela Santa Sé,
as Constituições foram, definitivamente, aprovadas BIBLIOGRAFIA: Impressa: AA.VV., Madre Ascensión
em 1940. Nicol, Cofundadora de las Misioneras Dominicas del
Cada Província tem, ainda, os seus Estatutos próprios Rosario, Roma, s.n., 1994; ALVAREZ, Isabel Martin-
e o seu plano de actividades, assim como as Viga- -Tesorero, Madre Ascensión Nicol: Cofundadora de
rarias Regionais. Cada Comunidade tem o seu Logótipo utilizado recentemente pelas Irmãs (I) la Congregación de las Misioneras Dominicas del

391
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOMINICANAS IRLANDESAS

Santisimo Rosario, Madrid, Edição do autor, 1997; Senhora do Rosário e Santa Catarina de Sena, Cabra desse período, não podem ser eleitas durante um
A LVAREZ , Isabel Martin-Tesorero, Mons. Zubieta, – Dublin, Irlanda. Em 1957, o colégio admitiu alunas ano.
Madrid, s.n., 1994; Anuário Católico de Portugal externas e, a partir de 1964, passou a funcionar só O carisma e a missão da Congregação é o da Ordem
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência como externato, tendo, nesse mesmo ano, sido Dominicana: contemplar, estudar, proclamar e
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 903; NIEVES, Campion, fundada no próprio colégio uma secção de ensino testemunhar a Palavra libertadora de Deus, desen-
Apuntes sobre Nuestra Espiritualidad, Madrid, s.n., inglês, como nome St. Dominic’s College, que foi volver trabalho na área de educação e formação nas
1994; NIEVES, Campion, Una Mujer que Hace Historia, autonomizado em 1975 como St. Dominic’s suas várias dimensões. A Congregação rege-se por
s.l., Misioneras Dominicas del Rosario, 1983. Digital: International School e transferido para S. Domingos Constituições e Directivas aprovadas pela Sagrada
www.missionariasdominicanas.org. de Rana (Cascais). Em 1983, fundou-se, em Oeiras, Congregação para Religiosos e Institutos Seculares.
o Convento de Sant’Ana, que encerrou em 2002. Ligadas à Congregação existem as dominicanas
DEOLINDA RODRIGUES Em 1987, fundou-se a Região de Portugal, uma das leigas de língua inglesa, Fraternidade de São Tomás
cinco regiões da Congregação. Em 1993, nasceu a d’Aquino.
Fundação Obra Social das Religiosas Dominicanas
DOMINICANAS IRLANDESAS Irlandesas (FOSRDI) e, no mesmo ano, tomou a
O nome oficial deste Instituto é Congregação das direcção do Centro Sagrada Família, em Algés. Nesse
Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário e mesmo ano, abriu uma comunidade na Paróquia da
Santa Catarina de Sena (Cabra, Dublin – Irlanda). Buraca (Amadora), que encerrou em 2002. Em 1997,
A Congregação é conhecida em Portugal como abriu uma creche, Casinha de Nossa Senhora, em
Religiosas Dominicanas Irlandesas do Convento de Belém. Em 2004, a Região de Portugal foi denomi-
Nossa Senhora do Bom Sucesso, ou simplesmente nada Área de Portugal. Em 2008, contavam-se 11
como Dominicanas de Cabra. membros na comunidade.
O Mosteiro de N. Sr.a do Bom Sucesso (Belém, Lisboa)
foi fundado em 1639 pelo P.e Domingos do Rosário
O’Daly, op, do Convento do Corpo Santo. A proprie-
Convento de N. Sr.a do Bom Sucesso, Lisboa (JAM)

Os aspectos mais relevantes da relação da Congre-


gação com Portugal prendem-se com a criação de
estabelecimentos de ensino onde é transmitida, em
língua portuguesa ou inglesa, a formação própria
do ensino primário ao ensino secundário ou equiva-
lentes e de uma Fundação de Solidariedade Social,
IPPS, em harmonia com princípios e valores de índole
católica, tais como a dignidade da pessoa humana,
a não-discriminação, a solidariedade e a preservação
do meio ambiente.
A memória histórica desta Congregação tem sido
codificada em várias publicações, entre as quais se
Azulejo no Convento do Bom Sucesso (I)
destacam a História de São Domingos, por Fr. Luís
de Sousa (1977); a publicação comemorativa do 3.º
dade onde este foi instalado foi doada pela Condessa Centenário do Convento do Bom Sucesso (1939); a
da Atalaia, D. Iria de Brito. O mosteiro foi criado revista de divulgação das actividades e projectos em
para acolher mulheres irlandesas que, devido às que a Congregação está envolvida (1989); e a
perseguições religiosas e consequente encerramento publicação A Light Undimmed: The Story of the
de mosteiros e conventos, no período do domínio Convent of Our Lady of Bom Sucesso 1639-2006
Claustro do Convento do Bom Sucesso (I)
britânico na Irlanda, eram incapazes de prosseguir (2007).
uma vida religiosa convencional. Cronologicamente, A Congregação está estabelecida nos seguintes
podemos destacar vários acontecimentos. Em 1639, Todos os membros desenvolveram actividades como países: Irlanda, Portugal, África do Sul, Argentina,
foi fundado o Mosteiro de N. Sr.a do Bom Sucesso professoras e formadoras em várias áreas (Português, Brasil, Bolívia e Estados Unidos (Luisiana).
(Belém); em 1860, fundou-se o Colégio do Bom Inglês, Francês, Alemão, Latim, História, Filosofia, A sustentação das Religiosas vem essencialmente
Sucesso dentro do mosteiro. Em 1910, com a Psicologia, Matemática, Geografia, Ciências Naturais, dos vencimentos das suas actividades como
implantação da República e com a expulsão das Arte, Música, Trabalhos Manuais) e nos diversos professoras.
ordens religiosas de Portugal, a comunidade do centros e comunidades supracitados. A Congregação tem o hábito branco e capa preta
mosteiro, graças ao estatuto de cidadão britânico A Congregação é composta por um Conselho Geral, (uso facultativo desde o Vaticano II). Diariamente as
que lhe estava reconhecido, foi autorizada a entrar constituído pela Prioresa da Congregação e por Religiosas rezam a Liturgia das Horas, recitam o terço
no país e o colégio passou a ser a única escola quatro Conselheiras, e por três Regiões e duas Áreas, do Rosário, têm a celebração eucarística e o sufrágio
católica em Portugal; em 1955, devido à falta de ambas com uma Prioresa, um Conselho e Comuni- dos defuntos. As suas principais festas são: N. Sr.a
novos membros, o mosteiro foi confrontado com a dades. Nas Comunidades há uma Prioresa ou uma do Bom Sucesso, a 25 de Junho, N. Sr.a do Rosário,
necessidade de proceder à agregação com a Coordenadora. As Prioresas são eleitas com dois primeiro domingo de Outubro, S. Domingos, a 8 de
Congregação das Irmãs Dominicanas de Nossa terços de votos por seis ou quatro anos e, depois Agosto, S. Tomás de Aquino, a 28 de Janeiro, S.ta

392
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOROTEIAS

Catarina de Sena, a 29 de Abril, e todas as festas Guelfi e Sor Maria Puliti. Dada a proibição das ordens número das alunas das aulas externas ultrapassava
dos santos dominicanos. e congregações, não podiam revelar a sua condição, largamente o das internas. Por exemplo, em 1871
A Congregação edita várias brochuras a divulgar o sendo obrigadas a actuar na clandestinidade. Desde existiam, no Colégio da Covilhã, 30 internas e 178
seu ideário, pagelas de N. Sr. a do Bom Sucesso, o início contaram, porém, com importantes apoios. externas.
material vocacional, um boletim intercongregacional, Desde logo, dos Jesuítas, mas também da alta Na concretização do ideal pedagógico das Doroteias,
chamado Soundings, e diversos boletins de informação nobreza, sendo hospedadas pelos Marqueses do determinava-se que as alunas comungassem
de todas as regiões e áreas da Congregação – Lavradio e de Abrantes, enquanto se ultimavam as frequentemente, se confessassem pelo menos de
Newsletter. obras na Casa do Quelhas. Indício do apoio da 15 em 15 dias, assistissem diariamente à missa,
aristocracia é também o facto de a Casa do Quelhas recebessem aulas de religião e “instruções cate-
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal ter sido cedida às Doroteias pela filha dos Condes quéticas” semanais. Todos os dias teriam as orações
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência de Penamacor, Maria da Assunção de Saldanha e da manhã e da noite, recitação do terço, visita ao
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 890; LACORDAIRE, Henri Castro, através do seu confessor, o P. e Fulconis. Santíssimo Sacramento, um quarto de hora de
Dominique, op, Vida de São Domingos, Lisboa, Typ. Nascia, assim, o Colégio Jesus, Maria, José, do meditação, exame de consciência e breve leitura
da Livraria Ferin, 1907; MCCABE, Honor, op, A Light Quelhas. espiritual na aula de Trabalhos Femininos.
Undimmed: The Story of the Convent of Our Lady Apesar de terem iniciado a actividade lectiva logo Aconselhava-se, vivamente, a prática dos Exercícios
of Bom Sucesso 1639-2006, Lisbon, 2007; O’DRISCOLL, em 1867, com cerca de 50 alunas na aula externa, de S.to Inácio. As irmãs mestras deveriam cultivar
Mary, op, Catherine of Siena, Strasbourg, Éditions as Doroteias atravessaram grandes dificuldades de a memória das alunas, através de um programa
du Signe, 1994; SOUSA, Fr. Luís de, História de São implantação em terras portuguesas. Tais dificuldades virado para as ciências humanas onde era possível
Domingos, 2 vols., Porto, Lello & Irmão, 1977. criaram mesmo algum atrito entre Paula Frassinetti incluir, a pedido dos pais, o ensino das línguas. Dava-
Digital: www.dominicansisters.com. e o P.e Fulconis, tendo este acabado por sair de -se ainda importância particular aos trabalhos manuais
Portugal. Em sua substituição foi nomeado o P.e (aos bordados, nomeadamente) e, num plano mais
AILEEN JOSEPHINE COATES Vicente Ficarelli, que viria a ser o primeiro Provincial secundário, ao ensino da música. As disciplinas
da Província Portuguesa (restaurada) da Companhia ministradas em finais do séc. XIX compreendiam o
de Jesus. A partir daí, as Doroteias conheceram um Português, o Francês, o Inglês, o Italiano, a História,
DOROTEIAS crescimento relativamente rápido. a Aritmética, a Geografia e a Geometria. A língua
O Instituto das Irmãs Doroteias (ou Congregação Num primeiro momento, a expansão dá-se a partir francesa assumia uma importância nuclear, existindo
das Irmãs de Santa Doroteia, abreviadamente de um pequeno núcleo de oito pessoas, todas mesmo irmãs mestras que, apesar de portuguesas,
conhecida por Doroteias) foi fundado a 12 de Agosto oriundas da Covilhã, criado em torno de duas irmãs, só comunicavam com as alunas em francês. O tipo
de 1834, em Quinto-al-Mare, nos arredores de Maria José e Maria Filomena Ordaz de Mascarenhas. de ensino ministrado às alunas externas assumia um
Génova, por Paula Ângela Maria Frassinetti (1809- É a partir desse núcleo que surge, em 1870, o Colégio perfil diverso, e, para além da religião, concentrava-
-1882), que seria canonizada a 11 de Março de de N. Sr.a da Conceição, na Covilhã. Em 1873, as -se na alfabetização e na transmissão de noções
1984. Irmã do pároco de Quinto, Paula Frassinetti Doroteias assumem a direcção de um asilo fundado elementares de Aritmética, a par de trabalhos
abriu uma escola para meninas pobres. Em conjunto no Porto, em 1840, pelo P. e Ricardo Van-Zeller, manuais de carácter prático, como a costura e os
com algumas companheiras, fundou uma comu- conhecido como Asilo de Vilar. Também no Porto bordados.
nidade que inicialmente se denominava Filhas da se verifica uma grande ligação entre as Doroteias e A partir de finais da década de 70 do séc. XIX, o
Santa Fé, mas que, pouco depois, se passaria a a aristocracia, com destaque para a Condessa de número de casas da Congregação cresce a um ritmo
designar Irmãs de Santa Doroteia, em virtude de Resende e a Marquesa de Monfalim. Em 1875, Paula considerável: o Colégio de S. José, em Vila do Conde
Paula Frassinetti ter aceite o encargo de expandir a Frassinetti efectua uma visita às casas da Congregação (1878), o Colégio do Sardão, em Vila Nova de Gaia
Pia Obra de S.ta Doroteia. Esta fora criada pelo P.e em Portugal e, pouco depois, em carta para a (1879), o Colégio da Sagrada Família, em Guimarães
Lucas Passi e visava promover a educação de raparigas Superiora do Colégio do Quelhas, faz um juízo (1894), o Colégio da Conceição Imaculada, em Tomar
das classes mais desfavorecidas. bastante severo em relação à situação das comu- (1895), o Colégio de N. Sr.a do Carmo, em Évora
Profundamente ligadas aos Jesuítas, que assumiram nidades: “Nos poucos dias que aí estive, vi (1896), o Colégio de N. Sr.a de Lourdes, em Vila Real
a direcção espiritual da nova Congregação, as pouquíssima piedade nas educandas e muito espírito (1896), o Asilo da Infância Desvalida (direcção), em
Doroteias expandiram-se de forma notável. Em 1864 do mundo, vaidade, etc.” Nesta crítica pode definir- Vila Real (1896), o Colégio dos Sagrados Corações
(ou 1865), o P.e Francisco Xavier Fulconis, que chefiava -se a contrario sensu o ideal pedagógico das de Jesus e Maria, em Ovar (1897), o Colégio do
a Missão Portuguesa da Companhia de Jesus, Doroteias: uma educação de matriz religiosa, Sagrado Coração de Jesus, na Póvoa do Varzim
escreveu a Paula Frassinetti, pedindo-lhe que algumas inspirada na espiritualidade inaciana e dotada de (1897), o Colégio de N. Sr.a de Lourdes, na Guarda
religiosas da Congregação das Doroteias viessem uma profunda exigência no plano moral, visando (1904), o Asilo/Escola de Penha Longa, em Sintra
abrir um colégio em Lisboa. Obtida a licença do preparar as educandas para o seu futuro como (1907).
Patriarca de Lisboa, D. Manuel Bento Rodrigues (que esposas e mães, com uma clara repulsa pelo que se As designações das escolas inseriam-se claramente
inicialmente manifestara alguma reserva, dado que, consideravam ser os vícios do mundo secular. na espiritualidade da época: colégios dedicados à
desde 1834, as congregações religiosas estavam As Constituições de 1851, apesar de nunca terem Sagrada Família, ao recente dogma da Imaculada
proibidas em Portugal), o P.e Fulconis obteve um chegado a ser aprovadas pelo papa, condensavam Conceição, ao culto do Sagrado Coração de
edifício para instalar as Doroteias, situado na R. do aquele ideal pedagógico, dizendo, a dado passo, Jesus/Maria e a N. Sr.a de Lourdes. Além da rapidez
Quelhas. Tratava-se do antigo convento das que as alunas deveriam aprender o que seria útil do ritmo de expansão, interessa atentar na diver-
Agostinhas de Santa Brígida, monjas irlandesas, “para o modo de proceder na vida e para ornamento sificação territorial dos estabelecimentos de ensino,
razão pela qual era conhecido por Convento das da sociedade”. Há, pois, uma tentativa de conciliação que, ao invés de se concentrarem numa zona do
Inglesinhas. A 16 de Junho de 1866, após 12 dias entre um ensino de “elite” e um ensino popular, país, se localizam nos mais variados pontos do
de uma acidentada viagem, três religiosas chegavam materializado na escola gratuita, podendo mesmo território, do litoral ao interior, do Minho ao Alentejo,
a Portugal: Madre Giuseppina Bozzano, Madre Luísa dizer-se que, em termos puramente estatísticos, o passando por terras tão distantes como Tomar,

393
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOROTEIAS

número de entradas estabiliza entre 50 e 60 por resto, a preocupação de assegurar um certo equilíbrio
quadriénio; uma fase de sensível progresso nos anos entre Mestras e Coadjutoras, o que será conseguido.
1896-1900, com a quase duplicação das entradas Segundo alguns estudos, sempre existiu uma
registadas anteriormente; o regresso aos níveis do percentagem idêntica ou aproximada de Irmãs
passado a partir de 1901. É necessário, em todo o Mestras e de Irmãs Coadjutoras.
caso, contextualizar estes elementos. Nesse sentido, A entrada na Congregação processava-se da seguinte
atendendo à emergência de uma “batalha anticon- forma: as candidatas eram submetidas a um exame
greganista” em 1901, que teve como epicentro o sobre a sua aptidão moral para ingressar nas
“caso Rosa Calmon”, os números de entradas nas Doroteias; seguidamente, passavam um tempo de
Doroteias não podem considerar-se insatisfatórios, “prova”, como postulantes, numa casa designada
ainda que se verifique uma sensível descida de 17 pela Superiora da Casa Central; terminada a “prova”,
para seis entradas. De igual modo, não pode conside- vestiam o hábito, iniciando-se o Noviciado por um
rar-se insatisfatório o balanço do período terminal período de dois anos, findo o qual pronunciariam
da monarquia (1901-1910), uma fase especialmente os votos de pobreza, castidade e obediência. Outro
difícil para as ordens e congregações em que, apesar sinal da distinção entre Mestras e Coadjutoras reside
de tudo, se registam 106 entradas. As Doroteias no facto de apenas as primeiras fazerem um quarto
tornam-se uma das mais significativas congregações voto, o de promover a Obra de S.ta Doroteia. Após
femininas em Portugal, como atesta o número sempre o Noviciado, as religiosas, apesar de serem já
crescente de religiosas: 184 em 1900, 236 em 1906 consideradas membros da Congregação, estavam
e 270 em 1910 (não é claro, no entanto, se esta ainda sujeitas a um novo período de “prova”, que
Colégio de N. Sr.ª do Carmo, Évora (NM) estatística se refere apenas a portuguesas ou à era de oito anos, em regra. Uma vez mais, emergia
presença de irmãs de outras nacionalidades em a distinção entre Coadjutoras e Mestras: para estas,
Guarda ou Sintra. Se observarmos, por exemplo, as Portugal, visto que é muito frequente a vinda de após o segundo período de “prova”, haveria um
casas de religiosas das Dominicanas de Santa religiosas, sobretudo italianas, para o nosso país). outro, complementar, em que as religiosas, durante
Catarina de Sena existentes em 1910, verificaremos A legislação do Governo de Hintze Ribeiro, em seis meses suspendiam os estudos, entregando-se
que, ao contrário das Doroteias, aquela congregação particular o Decreto de 18 de Abril de 1901, obrigava em exclusivo à oração e ao trabalho manual.
se concentrava sobretudo nas grandes localidades ao registo das associações religiosas. As Doroteias Concluído este processo, eram admitidas entre as
próximas do litoral (Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, registam-se, então, através de três associações: a irmãs professas, pronunciando-se os votos perpétuos,
Leiria, Santarém, Lisboa, Setúbal e Lagoa), não Associação de Santa Doroteia, a Associação de dos quais só poderiam ser desligadas mediante
possuindo qualquer penetração no interior. Instrução no Colégio de S. José (Vila do Conde) e autorização da Santa Sé.
Além da expansão territorial das Doroteias, deve a Associação de Instrução no Colégio do SS. mo Saliente-se ainda que a expansão desta Congregação
assinalar-se a contínua ascensão do número de alunas Coração de Jesus (Póvoa do Varzim). Esta vasta não se fazia apenas através da abertura de colégios
de alguns dos seus estabelecimentos de ensino. penetração no mundo religioso e laico é devida, em e de entradas no Noviciado, devendo sublinhar-se
O Colégio da Covilhã, entre 1876 e 1882, alberga grande parte, à sua actividade pedagógica, mas também o peso de outras formas de apostolado,
entre 40 e 50 internas, situando-se em cerca de 400 também a outros factores, como as Congregações que alargaram significativamente o espaço de
o número das alunas da aula externa. O Quelhas das Filhas de Maria e das Mães Cristãs. influência das Doroteias em Portugal, fenómeno que
regista, em média, 40 internas e cerca de 100 Do ponto de vista da origem geográfica das tem lugar numa altura em que, pelo menos do ponto
externas; nota-se uma contínua progressão do candidatas à entrada na Congregação, há um acen- de vista jurídico, as ordens e congregações estavam
número de alunas do colégio lisboeta, que, em 1896, tuado predomínio do Distrito de Castelo Branco proscritas entre nós.
atinge 80 internas. Em 1906, existem 170 alunas e, em particular, da Covilhã, o que constitui um A participação numa congregação mariana fundada
externas no Quelhas (havendo, pois, uma subida em padrão que, como se viu, remonta aos tempos pelo P.e Fulconis, a organização das Mães Cristãs, o
relação à média dos anos anteriores, que se situava originais das Doroteias em Portugal. Assinala-se, por ensino da catequese, a Pia Obra de S.ta Doroteia, a
na centena) e 150 alunas na escola gratuita. Na outro lado, a importância dos laços de parentesco existência de uma obra catequética desenvolvida a
Covilhã, no ano de 1906 registam-se 212 alunas da – sendo frequente existirem várias religiosas da partir de 1899 junto das mulheres presas na cadeia
escola gratuita, 30 internas e 54 semi-internas. mesma família – e a detenção de níveis de instrução do Aljube foram elementos que, em muito,
Quanto ao número de irmãs entradas no Instituto, superiores à média nacional. Tal é explicável pela contribuíram para o peso que esta Congregação
o período de maior expansão é o de 1896-1900 circunstância de se tratar de uma Congregação possuía nos alvores do regime republicano. A pro-
(cerca de 80 entradas), verificando-se um decréscimo vocacionada para o ensino, o que exigia, natural- funda ligação aos Jesuítas – patente, desde logo,
em 1901-1905, que se tornará mais sensível entre mente, que as docentes possuíssem níveis mínimos no domínio espiritual, mas também na forte presença
1906 e 1910. Apesar deste decréscimo nos últimos de instrução, mas também pela origem social das de organizações ligadas à Companhia, como o
quatro anos do regime monárquico, o número de religiosas. A estrutura interna das Doroteias reflecte, Apostolado da Oração, nos colégios das Doroteias
entradas (40, aproximadamente) não é inferior ao aliás, alguma clivagem social, existindo, por assim – torna-as um alvo privilegiado da propaganda
verificado no período 1891-1895. O quadro evolutivo dizer, dois “níveis” distintos: as Irmãs Mestras, que antijesuítica. Por outro lado, a natureza de “elite”
das entradas na Congregação entre o início de se dedicavam ao ensino, e as Irmãs Coadjutoras ou do ensino ministrado, além das conexões com a alta
actividade das Doroteias em Portugal (1866) e a Conversas, orientadas para a realização de trabalhos aristocracia e a família real (com destaque para D.
instauração do regime republicano (1910) permite domésticos e de apoio. Estas últimas desem- Amélia), fazem com que as Doroteias sejam parti-
estabelecer, de forma aproximativa, a seguinte penhavam, pois, uma função instrumental em relação cularmente vulneráveis aos ataques dos anticon-
periodização: uma fase inicial, onde se assinala a à actividade nuclear da Congregação e possuíam greganistas. Ainda que sem a dimensão da Questão
tendência para uma expansão contínua até 1880; um nível de instrução e, em regra, uma origem social das Irmãs da Caridade, o facto de nas Doroteias ter
uma fase intermédia, de 1881 a 1895, em que o mais baixos do que as Irmãs Mestras. Nota-se, de havido votos, em infracção da lei, chegou a ser

394
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOROTEIAS

discutido no Parlamento, nos primórdios do séc. XX. gioso. As marcas deixadas pelas guerras napo- jovens que desejam abraçar a vida religiosa,
As casas das Doroteias, à semelhança do que leónicas e pela Revolução Francesa, o incipiente estabelecido em Lisboa desde a fundação da
sucederia com as dos Jesuítas e de outras ordens desenvolvimento da industrialização, com o conse- província, transferido para Vila do Conde em 1907
e congregações, seriam objecto de sindicâncias quente êxodo das populações rurais para as periferias e disperso em 1910, tinha-se deslocado para
durante o governo de Hintze Ribeiro. As Doroteias das cidades e a exploração da mão-de-obra a baixo Inglaterra (Liverpool), em 1911. Porém, a saída dos
não deixaram na altura de procurar o auxílio do rei, preço favoreciam a desagregação familiar, bem como padres portugueses dificultava a formação das
através de D. Amélia. A legislação de Hintze Ribeiro a degradação dos costumes morais tradicionais e noviças, pelo que, em 1913, se procurou novo
e os inquéritos que se lhe seguiram não vieram da prática religiosa. Emergia uma nova classe de refúgio, agora na Bélgica (Aerschot), para onde foi
alterar a trajectória expansiva das Doroteias em pobres, formada por jovens entregues a si mesmos também transferida a Casa Provincial.
Portugal, notando-se mesmo um incremento sensível e por homens e mulheres à procura de melhores Mas pouco durou a tranquilidade de que gozavam:
do número de vocações. O regicídio tornará mais condições de vida, pobres relegados para as margens com o início da I Grande Guerra, os alemães entraram
visível a ameaça que sobre elas pairava, tendo a da sociedade. Esta lamentável situação constituía na Bélgica em 1914, sendo o edifício ocupado pelas
Casa Provincial decretado luto por oito dias. No uma forte interpelação, à qual Paula Frassinetti tropas; as irmãs ficaram prisioneiras na própria casa
próprio dia do atentado, foi pedida a presença das procurou dar uma resposta evangélica, através da e viveram horas de grande ansiedade. Urgia aban-
Doroteias para velar os cadáveres, tendo-se deslocado escola como o instrumento mais directo e eficaz donar o país, o que só foi possível graças ao Cônsul
para o Paço da Ajuda quatro religiosas. Não sur- para a formação das novas gerações, permitindo o de Portugal, cujas diligências permitiram que fossem
preende, pois, que o Quelhas tenha sido invadido acesso à cultura das camadas populares e do mundo custeadas as viagens daquela numerosa comunidade
e revistado logo após a revolução de 5 de Outubro feminino, em particular. Paula Frassinetti estava bem de 45 pessoas. Era o dia 12 de Setembro de 1914.
de 1910. As religiosas foram detidas e conduzidas convicta de que “educar bem as crianças é reformar Dois dias mais tarde, precisamente na festa litúrgica
ao Arsenal da Marinha, onde foram interrogadas. o mundo e conduzi-lo à verdadeira vida” da Exaltação da S.ta Cruz, ao cair da noite, desem-
Enquanto permaneceram detidas na Sala do Risco (Constituições de 1851, art. 207). Educava “pela via barcavam nas Docas de Tilbury, donde foram trans-
do Arsenal, foram visitadas por algumas senhoras do coração e do amor”, sempre com firmeza e portadas de comboio para Londres. Soldados e civis,
da alta aristocracia, como a Marquesa de Rio Maior. suavidade, o mesmo exigindo às suas Religiosas. num gesto de simpatia e respeito, ofereciam, nas
Nos outros pontos do país, assistir-se-á igualmente Comprova-o o testemunho insuspeito de Antero de carruagens, chá, leite, café e caldo. Para suavizar as
à prisão das Doroteias. Quental, em carta dirigida à sua irmã, Ana agruras das instalações – uma casa de reclusão que
Na sequência da instauração do regime republicano Guilhermina de Quental, a propósito da educação se encontrava vazia –, a banda de um regimento
– e da legislação anticongreganista e anticlerical que ministrada no Colégio de Vila Nova de Gaia, onde ofereceu às pobres exiladas um concerto, no pátio,
imediatamente se lhe seguiu –, o Instituto de Santa fez ingressar as filhas do escritor Germano Meireles. tocando os hinos dos países aliados, e quis perpetuar
Doroteia dispersa as suas religiosas por Espanha, Estas, por morte do pai, ficaram ao cuidado de aquele encontro com uma fotografia. Pela segunda
Inglaterra, Estados Unidos, Suíça, Brasil e Bélgica. Antero: “As pequenas vão muito bem, e cada vez vez, a Inglaterra acolhia as refugiadas da guerra, e
À excepção do Asilo de Vilar, no Porto, onde se me aplaudo mais da escolha que fiz d’aquela casa Liverpool foi, de novo, o abrigo de um bom número
mantiveram por a propriedade não lhes pertencer, onde estão. As directoras e mestras são Dorotheas, de Doroteias até 1917, ano em que se transferiram
todas as casas das Doroteias encerraram. Assim ordem exclusivamente votada à educação de rapa- para Tuy, juntando-se às que lá se encontravam
terminava o primeiro ciclo de vida desta Congregação rigas, e cujo méthodo é todo fundado na brandura. desde 1911.
em Portugal. O resultado é as crianças (as minhas e as outras que
Os efeitos da política religiosa da I República fizeram- lá tenho visto) andarem sempre satisfeitas, por não
-se sentir de forma particularmente intensa na vida serem aperreadas, e aprendem com gosto” (NOGUEIRA,
das Doroteias em Portugal: casas encerradas, bens História, vol. I, pp. 209-210).
confiscados, irmãs dispersas. A Superiora Provincial, Paula Frassinetti não se limitava, porém, à acção
Maria Augusta Pereira Alves (1907-1919) – que educativa através do ensino; também se entregava
residia em Vila do Conde, na Casa Provincial, para à catequese, à Pia Obra de S. ta Doroteia (obra
lá transferida em 1907, e que, procurada pelos paroquial, já existente, de acompanhamento das
revolucionários, se refugiara na Q.ta da Carreira, nos crianças do povo no seu próprio ambiente) e à obra
arredores de Guimarães – procurava pôr a salvo as dos Exercícios Espirituais realizados nas casas da
cerca de 270 irmãs que constituíam a Província Congregação. O notável esforço e a tenacidade das
Portuguesa. A sua maior preocupação eram as irmãs Doroteias exiladas, no sentido de manterem viva a
de idade e as doentes, que não poderiam sujeitar- sua missão de educar, principalmente através do A banda de um regimento toca para as Doroteias,
-se a longas viagens. Pela proximidade, Tuy seria a ensino, fundando centros educativos em países refugiadas da Bélgica, em Londres no ano de 1914 (I)
localidade escolhida. No exílio, em circunstâncias estrangeiros, mesmo para alunas portuguesas, seriam
difíceis, retomaram a sua actividade apostólica normal reconhecidos mais tarde pelo Governo Português.
nas novas fundações, em fidelidade ao carisma da A 10 de Maio de 1945, vivendo já em Roma, como Tendo eclodido a Guerra Civil em Espanha (1936-
Congregação: a educação da juventude. Paula Assistente Geral, a Ir. Maria Augusta Pereira Alves -1939), o Noviciado viu-se obrigado, por motivo de
Frassinetti recebeu este carisma – dom gratuito, em foi agraciada, da parte do Governo Português, e prudência, a regressar de novo a Vila do Conde, em
ordem à própria vocação e ao bem comum da Igreja, pelas mãos do Embaixador de Portugal junto da 1936. Em virtude da grande afluência de vocações
povo de Deus – como Fundadora de um instituto Santa Sé, António Carneiro Pacheco, com a Comenda espanholas, foi desdobrado, a 8 de Outubro de
religioso, incarnou-o e desenvolveu-o no contexto da Ordem de Benemerência, em atenção aos 1946: as noviças portuguesas permaneceram em
sociocultural e religioso da Itália, a partir do segundo serviços prestados à Nação Portuguesa na educação Vila do Conde, e as espanholas foram para Tuy,
quartel do séc. XIX. Era uma época de transição, da juventude de todas as classes sociais, quer direc- onde se fundou um outro Noviciado. Em Portugal,
caracterizada por profundas transformações nos tamente quer através das suas religiosas. a localização do Noviciado iria variando, de modo
planos político, socioeconómico, cultural e reli- O Noviciado, local específico para a formação das a proporcionar às noviças melhores condições para

395
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOROTEIAS

a sua formação: Linhó (Sintra) desde 1949, Lisboa A obreira de grande parte das fundações em Angola
desde 1976, Porto entre 1981 e 1984, Coimbra foi a Ir. Maria da Glória Arraiano, que acompanhara
desde 1984. o primeiro grupo de doroteias missionárias. Em 1958,
O Noviciado tem a duração de dois anos, ao fim no seu 50.º aniversário de vida religiosa, receberia
dos quais as noviças fazem os votos temporários. das mãos do Governador de Angola o grau de Oficial
Nesta primeira experiência comunitária, a noviça da Ordem da Instrução Pública, em reconhecimento
toma contacto com as fontes da Congregação, faz da sua notável obra no campo da educação de jovens
o estudo da teologia da vida religiosa, dos docu- de todos os extractos sociais. Também a Câmara
mentos da Igreja, das Constituições do Instituto. Municipal de Sá da Bandeira atribuiu o seu nome
Tendo sido restabelecidas as relações diplomáticas a uma artéria da cidade.
de Portugal com a Santa Sé, por Decreto de 10 de Em 1934, a província contava com 465 membros e
Julho de 1918, durante o consulado de Sidónio Pais, 20 casas: Porto (2), Lucerna, Leicester, Póvoa de
e serenado o radicalismo da política religiosa Varzim, Pontevedra, Lisboa (2), Vila do Conde, Sintra,
republicana, no mesmo ano as Doroteias puderam Vila Nova de Gaia, Évora (2), Viseu, Tuy, Covilhã,
regressar ao solo pátrio, entrando pelo Norte do Figueira da Foz, Bruxelas, Beja, Moçâmedes.
país: Póvoa de Varzim. Renascia, assim, o Colégio De entre os países que nos anos de exílio acolheram
do Sagrado Coração de Jesus, agora noutro edifício, as Doroteias, foi Espanha aquele onde lançaram
e iniciava-se a restauração da Província Portuguesa. mais fundas raízes. A própria sede da Província
Contava então 193 membros e 10 casas: Porto, Portuguesa mantivera-se em Tuy, desde 1911 até
Lucerna, Lumbrales, Zurique, Leicester (Inglaterra), 1937, com uma breve interrupção de 1913 a 1914
Póvoa de Varzim, Pontevedra e três casas em Tuy. (Bélgica-Aerschot) e de 1914 a 1915 (Inglaterra-
Algumas das fundações anteriormente realizadas no -Liverpool). Porém, com o aumento de vocações, as
Colégio das Doroteias, Lisboa (JAM)
exílio tinham sido integradas noutras províncias, casas fundadas em Espanha viriam a constituir-se
enquanto novas foram surgindo, particularmente em província autónoma, em 1961, no provincialato
em Espanha. Em Portugal foram, entretanto, abertos da Ir. Maria Manuela Ferreira de Brito (1952-1962). Covilhã, Figueira da Foz, Coimbra, Abrantes (3),
mais colégios, bem como lares para estudantes, Em 1966, a Província Portuguesa celebrou festi- Fátima, Linhó, Telões, Viana do Castelo, Braga,
patronatos e outras obras sociais. vamente o primeiro centenário da chegada a Lisboa Arganil, Musgueira Sul, Monte do Trigo, Ervidel,
Não sendo uma Congregação especificamente das três primeiras doroteias italianas (16 de Junho Montes Velhos e Odivelas; em Angola existiam 8
missionária, a Província Portuguesa teve uma presença de 1866), fazendo-o preceder de uma grande vigília casas: Moçâmedes, Sá da Bandeira, Benguela, Lobito,
significativa em África. Em 1934, ano do centenário de preparação espiritual, que se prolongou por todo Luanda, Jau, Chibia, Alto Liro; em Moçambique
da fundação da Congregação (12 de Agosto de o ano de 1965. Ponto alto das comemorações foi existiam 3: Vila Coutinho, Nova Freixo e Vila Cabral.
1834), a pedido de D. Moisés Alves de Pinho, Bispo a concentração em Fátima, momento de acção de Em Portugal continental, as grandes comunidades
de Angola e Congo, a Superiora Provincial, Ir. Eugénia graças da família doroteia alargada – irmãs e fami- já tinham sido, em geral, subdivididas, e começava
Monfalim (1919-1937), enviou um grupo de quatro liares, antigas e actuais alunas, professores e outros a haver as chamadas “comunidades de inserção”:
doroteias para fundar um colégio em Moçâmedes, colaboradores –, com a presença de irmãs de Itália, pequenas comunidades em meios rurais e em bairros
com escola missionária anexa. Foi o primeiro elo de Suíça e Brasil, bem como de 80 espanholas, com suburbanos, numa tentativa de dar resposta a novas
uma cadeia que cresceu com novas fundações, já a uma representação de 200 das suas alunas. A 16 de situações de pobreza material e espiritual. O golpe
partir do provincialato da Ir. Maria do Carmo Corte Junho encerravam-se as comemorações centenárias militar de 25 de Abril de 1974, que nas casas da
Real (1937-1952): Sá da Bandeira (1937), Benguela com um Te Deum, na Sé Catedral de Lisboa. Era metrópole apenas provocou alguma instabilidade,
(1939), Lobito (1953), Luanda (1965), Ganda, Jau, Provincial a Ir. Maria Margarida Furtado Martins (1962- fez sentir particularmente os seus efeitos no Ultramar
Chibia, Alto Liro e Folgares (1973), sendo estas -1971). A Província Portuguesa contava 812 membros (Angola e Moçambique), de modo especial nos
últimas pequenas comunidades destinadas a e 26 casas: 20 em Portugal continental – Porto (3), primeiros anos após a descolonização, tendo sido
colaboração paroquial e promoção social, e ainda Póvoa de Varzim, Lisboa (4), Vila do Conde, Vila confiscados os edifícios onde funcionavam colégios.
leccionação no seminário (Jau). Em 1967 foi a vez Nova de Gaia, Évora, Viseu, Covilhã, Figueira da Foz Dado o clima de guerra civil que se seguiu à inde-
de Moçambique receber as Irmãs Doroteias, (2), Coimbra, Vilar do Paraíso, Abrantes, Fátima e pendência, um grupo de irmãs regressou a Portugal.
chamadas a trabalhar na Escola Gonçalo da Silveira, Linhó (Sintra) – e 6 em Angola – Moçâmedes, Sá da Em 1984, a Família Doroteia viveu um grande
propriedade da diocese, na formação de Professores Bandeira, Benguela, Lobito, Luanda e Matala. acontecimento: a canonização da Fundadora, ocorrida
de Posto, em Vila Coutinho. A esta seguiram-se Em 1975, no Provincialato da Ir. Maria de Lourdes em Roma, a 11 de Março. Precisamente no ano em
outras fundações: Nova Freixo (1969) e Vila Cabral do Espírito Santo Magalhães (1971-1979), a Província que se comemorava o 150.º aniversário da fundação
(1974). Em 1971, por uma vocação especial, a Ir. Portuguesa foi dividida em três novas províncias: da Congregação, o Papa João Paulo II apresentava
Maria Rita Valente Perfeito, abandonando o ensino, Província Portuguesa Norte, Província Portuguesa Sul S.ta Paula Frassinetti à veneração dos fiéis da Igreja
dedicou-se inteiramente à assistência aos leprosos e Província de Angola, com sede respectivamente Universal, “fruto maduro da Redenção”. A Roma
de Namaíta, nos arredores de Nampula. no Porto, em Lisboa e em Benguela, ficando a Região acorreram doroteias de várias partes, entre as quais
A Concordata e o Acordo Missionário celebrados de Moçambique dependente da segunda. Com esta um grande grupo de portuguesas, acompanhadas
entre Portugal e a Santa Sé, a 7 de Maio de 1940, determinação pretendia-se descentralizar o governo de familiares, amigos, antigos alunos, professores e
para além de certas garantias, vieram facilitar as e atender melhor às diferentes realidades, dado o outros colaboradores, num total de cerca de 15 000
deslocações do pessoal missionário, possibilitando o elevado número de membros e de casas, respecti- pessoas. Em Portugal, para celebrar este aconte-
seu regresso à metrópole, em licença graciosa, para vamente 700 e 47. Na metrópole existiam 36 casas: cimento, realizou-se em Fátima, a 26 de Maio, uma
retemperar forças e revisão de saúde, em Porto (5), Póvoa de Varzim (2), Lisboa (5), Vila do jornada a nível nacional, que congregou um grande
consequência do desgaste provocado pelo clima, etc. Conde (2), Vila Nova de Gaia, Évora (2), Viseu (2), número de participantes.

396
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS DOROTEIAS

A proclamação da santidade da Fundadora foi ocasião Porto (4), Póvoa de Varzim, Vila do Conde (2), Vila passando a Escola Superior de Educação de Paula
e estímulo para o aprofundamento da sua vida, dos Nova de Gaia, Viseu, Figueira da Foz, Coimbra (2), Frassinetti. Em Novembro de 1990 abria-se a uma
seus escritos, da sua espiritualidade, do seu carisma, Pinhel, Mangualde, Carrazeda de Ansiães e Bragança. nova valência: o Curso de Educação Especial,
que viriam a ser mais amplamente partilhados com Em 1993, através da Santa Casa da Misericórdia, reconhecido como um CESE (Curso de Estudos
todos aqueles que colaboram na obra educativa das foi solicitada uma fundação na localidade da Maia, Superiores Especializados), destinado a formar
Irmãs Doroteias. Ligadas espiritualmente à Congre- na ilha de S. Miguel. A comunidade, composta por agentes capazes de promover a integração de
gação, nasceram a 1 de Outubro de 1986, na cidade quatro elementos, deveria apoiar a acção pastoral crianças e jovens com necessidades educativas
italiana de Árcore, as Mães de Paula – Grupos de da zona, ocupando-se, em particular, do jardim-de- especiais nos vários aspectos da vida social. A partir
Oração-Vida de Santa Paula Frassinetti. É sua -infância, da catequese, do trabalho com os jovens, de 1996, A escola ministra mais duas licenciaturas,
fundadora uma mãe de família, Clélia Fasciani, que, da casa de trabalho, do lar de idosos. Com um maior Educadores Sociais e Professores do Ensino Básico
tendo descoberto e experimentado viver a pedagogia conhecimento da realidade local, foram descobrindo (1.º ciclo), e a pós-graduação em Educação Especial,
de Paula Frassinetti, pela “via do coração e do amor”, novos campos, como o ensino de Religião e Moral em parceria com a Universidade Católica Portuguesa.
e a sua profunda maternidade espiritual, quis dá-la em escolas públicas, etc. Está reconhecida como Escola Europeia, o que
a conhecer a outras mães, para melhor viverem a A crise de vocações que atravessa a Europa também permite a mobilidade de professores e alunos.
sua vocação de mulheres, esposas e mães, como atingiu a Congregação: o número de óbitos não é Para comemorar o 40.º aniversário da sua fundação,
um dom de Deus para “uma missão de amor e vida compensado pelo número de ingressos, verificando- e na sequência de outros anteriores, a escola
no mundo e para o mundo” (Normas). Cada grupo -se, portanto, um decréscimo no número de membros. promoveu, em Janeiro de 2003, um congresso luso-
tem uma “mãe-guia” que orienta a oração, é No ano de 2004, a Província Sul contou 185 membros -brasileiro, na cidade do Porto, subordinado ao tema
acompanhado por uma irmã doroteia, que garante e 20 casas: Lisboa (7), Covilhã, Abrantes, Fátima, “Educação, Identidade e Futuro”.
a fidelidade ao carisma de S.ta Paula, e apoiado por Linhó, Monte do Trigo, Montes Velhos, Évora, Loulé, Alargando o âmbito das relações internacionais, em
um sacerdote. Os grupos orientam-se por Normas, Arrentela (Seixal), Maia (S. Miguel), em Portugal; 2004, a escola estabeleceu protocolos com a
que foram aprovadas pelo Governo Geral da Lichinga, Fomento e Ulongwé, em Moçambique. A Universidade Autónoma de Madrid, a Universidade
Congregação. Após alguns anos de preparação, a Província Norte contou 201 membros e 15 casas: de Vigo e a Universidade de Jaén, tendo esta última
vinculação das Mães aos grupos é feita mediante Porto (4), Póvoa de Varzim, Vila do Conde (2), Vila assumido a responsabilidade do doutoramento em
um compromisso. Um boletim mensal ou trimestral, Nova de Gaia (2), Viseu, Figueira da Foz, Coimbra, Educação, Identidade e Futuro, nas instalações da
Missão de Amor, estabelece a ligação entre os Pinhel, Bragança e S. Tomé e Príncipe. escola e com a colaboração de quatro dos seus
diferentes Grupos. Na celebração do primeiro docentes.
decénio, já existiam grupos de Mães de Paula em O compromisso das Doroteias com a educação é
Itália, Malta, Portugal, Austrália, Moçambique e abrangente, não se limitando à área da escola.
Brasil. Precedido do Estudo de Caracterização Social,
Em 1991, pela primeira vez na história da Económica e Cultural de 874 freguesias do país,
Congregação, o Capítulo Geral foi realizado fora de incluindo a de Tavarede (Figueira da Foz), onde se
Itália, sendo Portugal o país escolhido. O Capítulo localiza a Comunidade das Doroteias, uma equipa
Geral é a autoridade máxima extraordinária da tem realizado uma actividade de cariz social, desen-
Congregação, que reúne representantes de todos volvendo projectos em favor da camada mais
os países onde ela se encontra implantada e realiza- desfavorecida, particularmente na área da formação
-se, ordinariamente, de 6 em 6 anos. Compete-lhe, profissional de adultos. São outras valências o apoio
entre outros aspectos, eleger a Coordenadora Geral a famílias, mediante um acordo com a Segurança
e o seu Conselho, constituído por quatro Assistentes. Social do Centro, o jardim-de-infância, o 1.º ciclo
Apostolado em Angola (I)
O Governo Geral nomeia as Coordenadoras do ensino básico e o ATL. O reconhecimento deste
Provinciais, tendo em conta indicativos fornecidos trabalho mereceu, no Dia Internacional da Mulher
pelos membros das respectivas Províncias. Por sua Foi sempre prática da Fundadora estender a sua do ano 2004, a atribuição da Comenda da Ordem
vez, as Coordenadoras Provinciais nomeiam as acção a todas as camadas sociais, estabelecendo, do Mérito, pelo Presidente da República, Jorge
Coordenadoras Locais. anexa aos colégios, a escola gratuita, numa época Sampaio, à Ir. Maria Isabel Tenreiro dos Santos
Neste Capítulo Geral participaram 46 delegadas em que a sociedade não permitia a junção de classes. Monteiro, Coordenadora do referido projecto.
representando 12 países: Itália, Brasil, Portugal, Quando foi possível reunir na mesma escola diferentes Ao longo de 2008-2009 a Família Doroteia de S.ta
Espanha, Suíça, Inglaterra, Malta, Estados Unidos extractos sociais, instituíram-se bolsas de estudo, Paula Frassinetti – Irmãs e Leigos –, nas diversas
da América, Angola, Moçambique, Peru e Taiwan gratuidades e redução de mensalidade, permitindo partes do mundo, vai viver um ano jubilar, assinalado
(China). Nele foi reassumido o empenho pela também aos mais desfavorecidos a frequência nos por três marcos importantes e significativos: 200
promoção da justiça, com particular atenção aos colégios da Congregação. anos do nascimento e baptismo de Paula Frassinetti,
pobres, aos jovens, à mulher. Nesta ocasião, foi Em Portugal, bem como em algumas outras 25 anos da sua canonização, 175 anos da fundação
apresentado ao Capítulo Geral o Ideário Educativo províncias, os níveis de ensino vão desde o pré- do Instituto. A finalidade deste Ano Jubilar é, essen-
da Congregação, cuja elaboração se iniciara alguns -escolar até ao superior, passando pelo básico e pelo cialmente, o aprofundamento da espiritualidade de
anos antes. A Província Portuguesa Sul contava 259 secundário, em regime de co-educação desde o ano Paula Frassetti, a “conversão” das relações, no em-
membros e 24 casas: Lisboa (5), Covilhã (2), Abrantes lectivo de 1976/1977. A Escola de Educadoras de penho de uma nova presença-resposta aos apelos
(2), Fátima (2), Linhó, Musgueira Sul, Monte do Infância, fundada no Porto, em 1963, com um certo do nosso mundo, e acção de graças pela vida-missão
Trigo, Montes Velhos, Évora, Fortios, Lagos, Loulé e carácter de pioneirismo, numa época em que ainda da Fundadora e da Congregação. Em Portugal, a
Arrentela (Seixal), em Portugal; Lichinga, Maputo, era irrelevante em Portugal a educação da infância, abertura do Ano Jubilar foi marcada, nas 15 dioceses
Fomento e Tete, em Moçambique. A Província viu aprovada, pelo Decreto-Lei n.º 407/88 de 9 de em que se encontram as Doroteias, por uma
Portuguesa Norte contava 260 membros e 16 casas: Novembro, a sua candidatura ao ensino superior, concelebração eucarística, no dia 1 de Março, para

397
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ESCRAVAS DA EUCARISTIA

a qual foram convocados todos os que encontram ESCRAVAS DA EUCARISTIA Na origem da Congregação estão algumas visões
na espiritualidade, no carisma de S.ta Paula Frassinetti A Congregação das Religiosas Escravas da Santíssima apreendidas pela irmã. A primeira teve lugar nas
um dinamismo de vida e de compromisso na cons- Eucaristia e da Mãe de Deus (ESEMD), cujas irmãs datas de 19 para 20 de Março de 1912, depois de
trução do Reino. são habitualmente apelidadas de Escravas da ter recebido a Eucaristia. Nessa visão, aparecia a
Como veículo de comunhão e comunicação dos mem- Eucaristia, foi fundada a 11 de Abril de 1925, em Virgem, que lhe pedia que trouxesse pessoas para
bros entre si, com as restantes Províncias da Congregação Chauchina (Granada, Espanha), pela mão da Madre adorarem o seu filho. Porém, mesmo depois de
e com todos os que se interessam pela acção apostólica Trindade do Puríssimo Coração de Maria. contar o que tinha visto, a abertura das suas
das doroteias portuguesas, as duas províncias de companheiras não foi a desejada e, depois de uma
Portugal editam um boletim mensal, Doroteias. Quanto outra visão, a Madre Trindade percebeu que o melhor
à memória histórica das províncias, é constituída caminho para cumprir a missão que lhe tinha sido
fundamentalmente por crónicas, relatos, diários, catálo- proposta seria sair daquele convento. Ainda assim,
gos e cartas anuais das comunidades, cartas circulares antes de partir, sendo nomeada Abadessa pela
das provinciais, notícias publicadas na imprensa, segunda vez, a irmã decide veicular o conhecimento
correspondência vária e documentação fotográfica. de Jesus e dos Mistérios da Eucaristia às jovens
raparigas.
BIBLIOGRAFIA: Impressa: ALMEIDA, Fortunato, História
da Igreja em Portugal, 4 vols., Nova edição de Damião Emblema da Congregação (I)

Peres, Porto/Lisboa, Livraria Civilização, 1970-1971;


Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], A vida da Fundadora começa a 28 de Janeiro de
Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 1879, em Monachil (Granada). Filha de Manuel
2007, pp. 874-876; AZEVEDO, Carlos Moreira de (dir.), Carreras e de Filomena Hitos, recebeu o nome de
Dicionário de História Religiosa de Portugal, Lisboa, baptismo de Mercedes Carreras Hitos. A sua educa-
Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História ção profundamente cristã foi muito fomentada pelos
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2002; próprios pais, apesar de ter enfrentado a morte da
“Catálogo das Irmãs de Santa Dorotea”, in Diário do mãe, quando era ainda muito pequena, em 1888.
Governo, n.º 195, de 20 de Agosto de 1912; Esta fatalidade encaminhou-a para o internato do
Concordata e Acordo Missionário de 7 de Maio de Colégio de S.ta Inês de Granada. Contudo, o seu
1940, Lisboa, Secretariado da Propaganda Nacional, percurso marcadamente religioso inicia-se aos 14
1943; CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SANTA DOROTEIA, anos, altura em que decide contactar o Convento Eucaristia e Bíblia, fundamentos da espiritualidade paulina (I)

Constituições de 1851, s.l., Edição da Província de S.to Antão, onde acaba por ingressar. Aí, torna-
Portuguesa Sul, 2000; CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SANTA -se religiosa capuchinha de vida contemplativa e, No ano de 1921, surge na sua vida uma figura que
DOROTEIA, Constituições, Braga, s.n., 1982; FRASSINETTI, no dia 21 de Novembro de 1896, recebe o hábito, iria auxiliá-la nos seus propósitos – o Arcebispo de
Paula, Cartas, 2 vols., Lisboa, Edição da Província alterando o nome para Ir. Trindade do Puríssimo Granada, D. Vicente Casanova y Marzol. Foi este
Portuguesa Sul, 1987; História da Revolução e Dispersão Coração de Maria. Desde logo, o seu carácter cari- homem que aconselhou a sua saída do convento e
da Província Portuguesa, Prólogo da Irmã Maria do doso, patente na preocupação que nutria pelo que a orientou na escrita das Constituições, para
Céu Nogueira, Lisboa, Texto policopiado, 1973; MOURA, próximo, e o seu espírito inovador se salientaram. que a criação de uma nova congregação fosse bem
Maria Lúcia de Brito, “As Doroteias em Portugal (1866- Prova desse dinamismo foi a solicitação que fez aos sucedida. Desta forma, a data de 11 de Abril de
-1910): uma difícil implantação”, in Lusitania Sacra, seus pastores, no sentido de trazer a adoração 1925 marca a fundação, pois foi nesse dia que a
2.ª série, n.os 8-9, 1996-1997, pp. 245-298; NOGUEIRA, perpétua para o seu convento, mas o esforço foi- irmã se mudou para o Mosteiro de Chauchina, cuja
Eurico, A Igreja e o Estado em Portugal, Lisboa, SNI, -lhe negado pela sua comunidade. Contudo, a 16 construção tinha sido solicitada pela própria. Apesar
s.d.; NOGUEIRA, Ir. Maria do Céu, História da Província de Julho de 1908, a Madre Trindade foi eleita disso, só a 31 de Outubro de 1942 são aprovadas,
Portuguesa das Irmãs de Santa Maria Doroteia Abadessa do convento e continuou a luta para ainda a título provisório, as Constituições. O acto
(1866-1910), 2 vols., Linhó, Texto policopiado, 1967; alcançar o seu objectivo. oficial é reconhecido por Decreto da Santa Sé a 10
ROSSETTO, Rosa, Paula Frassinetti: “... Em bicos de pés” de Janeiro de 1949, ao serem aprovados definiti-
– Fundadora da Congregação das Irmãs de Santa vamente esses mesmos documentos. Passa assim a
Doroteia, Braga, Livraria A.I., 1988; SANI, Roberto, ser um Instituto de Direito Pontifício.
Paula Frassinetti: A Espiritualidade Torna-se Proposta O carisma desta Congregação vai ao encontro das
Educativa, Roma, Texto policopiado, 1999; SANI, preocupações sentidas pela Madre no Convento de
Roberto, Dimensões e Características Pedagógico- S.to Antão e pode ser resumido neste excerto das
Educativas da Pia Obra de Santa Doroteia, Roma, Texto Constituições: “a Escrava da Eucaristia deve ser uma
policopiado, s.d.; VASSALLO, Maria Elisa, Diário da Visita extensão e prolongamento de Jesus Cristo Vítima.
de Paula Frassinetti às Casas de Portugal, 1875, Trad. É este o espírito da nossa reforma”. Deste modo,
e org. da Província Portuguesa Sul, s.l., s.n., 1992; tendo como modelo a figura de Maria, escrava do
VILLARES, Artur, As Congregações Religiosas em Portugal Senhor, estas Religiosas fomentam o culto mariano
(1901-1926), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/ e eucarístico.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2003. Digital: A chegada da Madre Trindade a Portugal, a conselho
www.csdoroteia.edu.pt. de Mons. Tedeschini, aconteceu em 1934, data em
que funda uma comunidade em Braga. Depois segue
ANTÓNIO DE ARAÚJO para o Porto, em 1936, e um ano mais tarde regressa
DIANA BARBOSA Madre Trindade, Fundadora (I) ao seu país natal. Aí, abre novas comunidades para

398
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ESCRAVAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

pelo qual a sua Fundadora tanto lutou. Esta Obra vida das suas religiosas seria a adoração eucarística.
ficou igualmente registada nos seus escritos, usados Na sua passagem por Andújar, enquanto a sua irmã
agora pela Congregação para difundir e manter-se continuava em Córdova tentando vencer dificuldades,
fiel ao seu ideal. Com base nestes testemunhos, as o Cardeal de Toledo acaba por conceder autorização
Religiosas publicam periodicamente uma folha para as Irmãs ficarem em Madrid. Aí chegariam,
informativa. sendo acolhidas pelas Filhas da Caridade, no
Hospital da Princesa, enquanto procuravam um local
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal para viverem.
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Na capital espanhola nasceria, finalmente, a
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 876; GOMES, Saturino Congregação das Escravas do Sagrado Coração de
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, Jesus (a sua sigla é ACI). O nome correspondia bem
Imagem do Santíssimo Sacramento da Eucaristia exposto 1994, pp. 33-34; VASCONCELOS , Evaristo de, SJ, à atitude de serviço que punham no seu espírito e
para Adoração na Igreja de Campo Grande, Lisboa (JEF) Religiosas, Porto, Depositária Magnificat, 1957. na sua acção: sentiam-se Escravas de Jesus, que
Digital: www.esclavasdelaeucaristia.org. pretendiam adorar pela oração e servir pela acção.
difundir a sua Obra, estando uma delas situada em Estávamos a 14 de Abril de 1877, quando é dada
Madrid (1944). No que respeita a Portugal, salienta- PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA autorização formal para a sua fundação, assinada
-se a fundação de um colégio em Laveiras (Caxias, pelo Cardeal de Toledo. A 20 desse mês, seria a
1942) e em Lisboa (1943), onde fica, então, sediada festa de inauguração da casa na R. da Bola, sem
a Casa Geral da Congregação (transferida para ESCRAVAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE condições materiais, mas com toda a força espiritual.
Madrid dois anos depois). Foram ainda estabelecidas JESUS Os primeiros votos de Rafaela e da sua irmã seriam
casas em Monte de Brito e Viana do Alentejo. Rafaela Maria do Rosário Francisca Rudesinda P. dados a 8 de Junho, já numa casa em Quatro
A sua Obra foi mais longe, aportando em países Ayllón nasceu no dia 1 de Março de 1850, em Pedro Caminhos. Nesse dia a Fundadora passaria a chamar-
como Itália e México. Porém, a última comunidade Abad, Córdova, Espanha, onde viveria numa casa -se Maria do Sagrado Coração, prometendo a Deus
que fundou, antes de morrer, foi em Portugal – solarenga os primeiros 23 anos da sua vida – uma pobreza, castidade e obediência. A 4 de Junho de
Viana do Alentejo, 1949. Desta maneira, no dia 15 vida simples, na normalidade de quem sente, desde 1888 seria afirmada a profissão perpétua. Toda a sua
de Abril de 1949, Madre Trindade do Puríssimo cedo, a precariedade da vida terrena, e vive, por vida seria dedicada a fundar os alicerces do Instituto,
Coração de Maria falece em Madrid, não sem antes isso, de olhos virados para a eternidade. Viver expressão muito citada nos seus escritos e que, na
ver concretizado o seu desejo. Já depois da sua seguindo e segundo o Evangelho seria continuado prática, se traduzia por estabelecer os fundamentos
morte, foram instituidas comunidades em Angola, e aprofundado na vocação religiosa, que parecia ser da sua espiritualidade e proporcionar a sua expansão
Cabo Verde, Venezuela, Peru e Timor-Leste. o caminho certo. Assim, a 13 de Fevereiro de 1874, no mundo.
Actualmente, existem 28 comunidades espalhadas Rafaela Maria e a sua irmã, Dolores, iriam para o Passaria os últimos dias em Roma, onde morreria a
por estes países. No que respeita a Portugal, resta Convento das Clarissas de S.ta Cruz, em Córdova, 6 de Janeiro de 1925. Seria proclamada S.ta Rafaela
acrescentar que Fátima recebe esta Congregação durante mais de um ano, à espera da deliberação Maria do Sagrado Coração, pelo Papa Paulo VI, a
em 1992. dos representantes da diocese. 23 de Janeiro de 1977.
Em 1875 entrou, com a sua irmã, que passaria a
chamar-se Maria del Pilar, para a Sociedade de Maria
Reparadora, iniciando, nessa Congregação, o seu
Noviciado com o nome de Maria do Sagrado Coração
de Jesus. Após uma série de dificuldades com o
bispo, as Reparadoras acabariam por sair de Córdova.
Nessa altura, Rafaela Maria seria nomeada Superiora
da nova comunidade, que incluía a irmã e 16 noviças,
entretanto desligadas da congregação de origem.
No entanto, e segundo testemunho da própria,
aquelas irmãs tinham sido de grande importância
para clarificar a sua vocação religiosa, e delas tinha
“Adoremos a Deus em espírito e em verdade.” (I) herdado os fundamentos religiosos da Congregação
Casa de Oração S.ta Rafaela Maria, Palmela (AJ)
que agora fundava.
O processo de beatificação da Madre começou no Aquela seria, aliás, uma dificuldade que teria de
ano de 1962 e concretizou-se no dia 28 de Janeiro enfrentar, dada a intenção do bispo em alterar as As Escravas do Sagrado Coração de Jesus resultariam
de 1991, data em que se celebra o anivesário do Regras de S.to Inácio, que anteriormente seguiam, da experiência religiosa das fundadoras, primeiro
seu nascimento. De momento, decorrem os devidos bem como o hábito de exposição do Santíssimo, nas Clarissas do Convento de S.ta Cruz, depois
procedimentos para a sua canonização. afinal uma parte essencial da sua vida de religiosas. nas Irmãs de Maria Reparadoras. Estas últimas seriam
A Obra da Madre Trindade pode ser reconhecida na Assim, a nova Congregação em embrião teria de determinantes para a definição da espiritualidade
missão que as irmãs posteriores perpetraram. Tendo encontrar um local mais propício para nascer. do Instituto que viria a surgir, tanto na adoração
como alvo a educação de crianças desde a infância A solução encontrada seria a de trocar Córdova por eucarística como na adopção da espiritualidade
até à juventude (através da catequese, de internatos Madrid, mudança muito menos significativa do que inaciana.
e externatos) e o serviço comunitário aos mais a de alterar o seu Espírito. Era claro para Rafaela Em Madrid, todos os planos se converteriam em
necessitados (em centros sociais, postos médicos), Maria que a espiritualidade inaciana era a que melhor realidade, com a institucionalização formal do
as Escravas da Eucarístia espalham e vivem o carisma se adaptava à nova Congregação, e que o centro da Instituto. A partir daí, o espírito de missão seria

399
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS ESCRAVAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

posto em prática, para que todos conhecessem Cristo Sendo fundadas em Abril de 1877, as Escravas do e os portugueses, a Superiora Geral do Instituto,
e o amassem. Para isso, era necessário passar essa Sagrado Coração de Jesus rapidamente se difundiriam Madre Cristina Estrada, pensa na possibilidade de
mensagem a todos. As crianças iam até junto das por outras cidades espanholas, primeiro, e depois uma fundação em Lisboa, talvez concretizada num
Irmãs para a catequese e os adultos para a exposição um pouco por todo o mundo. Em Espanha, voltariam colégio para a colónia espanhola, segundo proposta
do Santíssimo, prática diária e fundamental para as a Córdova (1880), Jerez de la Fronteira (1883), do então cardeal patriarca. O referido colégio seria
Escravas. Saragoza (1885) e Bilbao (1886). Seguidamente iriam inaugurado a 10 de Dezembro de 1934, embora
Em 1880 já eram 33 irmãs e em 1890 quase 90. para Roma, onde instalariam a Casa Geral (1890). sem número significativo de alunas espanholas,
Voltariam a Córdova, para aí abrir uma comunidade, Já no século seguinte, chegariam a Inglaterra (1910), admitindo, por isso, portuguesas a partir de 1 de
e seguiriam para Jerez de la Frontera, para abrir uma Argentina, Peru, Bolívia, Chile e EUA (1911-1924). Março de 1935. Situava-se na Calçada da Estrela e
escola para crianças pobres. Em seguida, abririam Nessa altura estariam, também, em Cuba, até 1961. tinha como Directora a noviça portuguesa Maria
casas, também, em Saragoça e em Bilbau. Mas seria À Colômbia e a Portugal chegariam em 1933 e, no Amália Pignatelli. Seria convertido em colégio
determinante a ida de Maria del Pilar a Roma, a fim ano seguinte, ao Japão. Estariam na Bélgica de 1936 português, incluindo o ensino primário, 1.º ciclo do
de aprovar as Constituições, o que aconteceria no a 1939 e chegariam também ao Uruguai (1939), secundário e conservatório. Havia, ainda, a Casa de
dia 29 de Janeiro de 1887. Era a altura de nomear Panamá (1947), Irlanda (1957) e Equador (1965). Trabalho, onde era dada catequese e exercícios
a Superiora Geral e as Assistentes. A 13 de Maio O ano seguinte seria próspero à sua expansão, espirituais. Teria, no entanto, de mudar de instalações,
desse ano, Maria do Sagrado Coração seria a eleita estabelecendo-se em França, Camarões e Filipinas. acabando por se instalar na R. de S. Félix, a 7 de
para conduzir os destinos da Congregação, cheios À Índia chegariam em 1968. Só na década seguinte Outubro de 1938.
de dificuldades como as sentidas na abertura do chegariam a Israel (1976), onde estariam apenas Com a Comunidade de Lisboa estabelecida, seria a
Colégio de Corunha ou a Casa de S. Bernardo, em três anos. Descobririam, ainda, o Brasil (1981), a vez do Porto. A Comunidade de Vila Viçosa passaria
Madrid. No ano seguinte iria a Roma, para aí fundar Escócia (1987) e a República Democrática do Congo para aquela cidade, e a fundação aconteceria no
uma comunidade. (1989). Actualmente, existem cerca de 1960 reli- dia 21 de Maio de 1940. Primeiro, na R. Álvares
Entretanto, como é próprio de todas as obras, os giosas, espalhadas por 21 países. Cabral, n.º 259, no ano seguinte, na R. da Cons-
conflitos internos não tardariam a surgir. Eram antigos Portugal, pela proximidade geográfica com Espanha, tituição, n.º 604, onde, para além das actividades
entre as duas irmãs de sangue, mas agora alargavam- viria a ser, para esta Congregação, um país anfitrião. de formação, desenvolveriam o ensino primário e
-se a outras assistentes. Por isso, em Março de 1892, Perante a situação política espanhola, de profundo infantil. Neste último, foram mesmo pioneiras, pela
seriam comunicados ao Cardeal Protector do Instituto, anticlericalismo, a partir de 1931 as Escravas aca- mão da educadora Ir. Teresa Castro, a primeira
a quem era pedida uma solução para o problema bariam por transferir, temporariamente, algumas das educadora infantil em Portugal, formada no método
do governo. Seria decidido que Rafaela Maria iria suas instituições para Portugal. Várias comunidades de Maria Montessori. Estávamos em 1951 e o colégio
para Roma e que a sua irmã ficaria responsável pela e colégios teriam no nosso país acolhimento entre crescia e precisava de novo espaço. Com o auxílio
orientação do Instituto, o que aconteceu até Agosto 1933 e 1940. de um vereador da Câmara do Porto, Eng. Alves de
de 1902, quando o cargo passaria para a Madre Assim, em Fevereiro de 1933, as Irmãs chegariam a Sá, seria construído um colégio de raiz, na R. Carlos
Puríssima. Vila Viçosa para receberem as alunas do Colégio Malheiro Dias, n.º 197, inaugurado a 16 de Outubro
O texto fundamental do Instituto das Escravas do de Cádiz. O Colégio de Madrid seria transferido para de 1957, com ensino infantil, primário e secundário,
Sagrado Coração de Jesus são as Constituições. Nele Braga, no Hotel do Parque do Bom Jesus. Seria aqui e onde se encontra actualmente.
se encontram expressos os princípios fundamentais que nasceria a primeira vocação portuguesa, a Ir. De 1966 a 1983 existiria um lar universitário em
a seguir por todas as suas religiosas. As últimas Isaura, que entraria para o Noviciado de Loyola no Lisboa – Lar de Betânia. As Escravas desenvolveriam
Constituições datam de 25 de Março de 1983. Foram Verão de 1934. A Lisboa chegariam as irmãs que esta aptidão em acolher jovens estudantes também
renovadas segundo as orientações do Concílio pretendiam transferir as alunas do Colégio de em Tomar, onde estariam de 1973 a 1986. Mas a
Vaticano II e confirmam a missão do Instituto. Barcelona, instalando-se provisoriamente na casa mudança de conjunturas sociais levaria as Religiosas
A Congregação Geral de Religiosos afirma, no decreto das Religiosas Franciscanas Missionárias. Tal não a aprofundarem a sua vocação na orientação
de aprovação das Constituições, que “As Religiosas viria a acontecer em virtude da situação se ter tornado espiritual de leigos, abrindo a Casa de Oração, em
Escravas do Sagrado Coração de Jesus, cuja casa favorável em Espanha. Mas o contacto com Lisboa Palmela, complementada com a sua faceta social,
geral se encontra em Roma, tem como missão tinha dado frutos e haveria de manter-se com o de apoio aos mais desfavorecidos, exercida em Paul
particular na Igreja a Reparação do Coração de Jesus, desejo do cardeal português de que fundassem entre da Serra (1987-1990) e em Fonte da Prata, desde
centrada na Eucaristia, e como expressões caracte- nós um colégio. Nesse mesmo ano começariam as 1992.
rísticas o culto de adoração à Presença de Cristo, e diligências para que tal viesse a acontecer, e esse O Instituto encontra-se espalhado por cinco
a educação evangelizadora, principalmente aos colégio seria, simultaneamente, a Casa-Mãe da comunidades, distribuídas por Lisboa, Porto (2),
pobres, através da formação da infância e da juven- Província de Portugal. Palmela e Fonte da Prata, tendo cerca de 47 irmãs,
tude em centros de educação, o acolhimento nas Também as noviças e o Juniorado de Barcelona – portuguesas e espanholas, com idades compreen-
casas de Espiritualidade a pessoas que se retiram Gândia, Valência e Saragoça – vieram para Portugal didas entre os 27 e os 94 anos.
para fazer oração, e a animação pastoral de diversos em 1936. Umas ficariam em Lisboa, outras na Uma das missões essenciais desta Congregação é a
grupos de jovens e adultos”. Amadora e na Granja. No mês seguinte, chegariam educação, concretizada num externato, em Lisboa,
A sua espiritualidade fundamenta-se na Reparação a Coimbra irmãs à procura de casa para colégio e e num colégio, no Porto. A outra comunidade aí
ao Coração de Jesus, através do culto de adoração para instalarem alunas das Casas de Madrid e de existente destina-se a acolher as irmãs doentes ou
à presença de Cristo e pela acção apostólica da S. Sebastian. Acabariam por se instalar na Q.ta da mais idosas. Em ambas as escolas existe um projecto
educação evangelizadora. A Eucaristia está no centro Várzea durante esse ano lectivo. O primeiro contacto educativo comum, pertença das Escravas do Sagrado
da sua vida de religiosas e a acção apostólica é uma com Portugal deixaria rasto e teria uma longa e feliz Coração de Jesus. Este projecto pretende unir a vida
forma de comunhão com Cristo na sua vida e missão. história. escolar à vivência espiritual, de forma que “a
A espiritualidade inaciana está na base deste Instituto, Após a situação política espanhola estar ultrapassada, experiência que os alunos vão adquirindo do mundo,
procurando Deus em todas as coisas. e por via das excelentes impressões sobre Portugal da vida e do homem seja iluminada pela mensagem

400
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE JESUS BOM PASTOR

movimentos cristãos que pretendam realizar retiros,


exercícios espirituais, encontros, reuniões ou acção
social. Os retiros e a catequese são, muitas vezes,
ministrados pelas próprias Irmãs. O objectivo funda-
mental é o de proporcionar a todos os que por lá
passem momentos de encontro com Deus. Para isso,
muito contribuem, para além dos meios humanos,
as condições físicas e naturais do espaço. A Casa
de S.ta Rafaela Maria oferece o necessário silêncio
e espaços adequados, como quartos e capela,
podendo nesta última rezar-se diante do Santíssimo,
exposto todos os dias, característica de todas as
casas das Escravas no mundo.
A sua missão é, também, eminentemente social.
Marquesa Giulia Falletti, Fundadora
Privilegiando a ajuda aos mais pobres e desfavorecidos,
das Filhas de Jesus Bom Pastor (I)
fundaram uma comunidade num bairro social, em
Fonte da Prata, Alhos Vedros, onde trabalham no
centro social aí existente – PARAGEM –, um centro mulher e a Palavra de Deus. Para esse efeito, fundou,
dedicado à ocupação dos tempos livres de jovens, para as excárceres e mulheres refugiadas, que
na Cáritas Diocesana e nas escolas primárias da zona. desejavam consagrar a sua vida a Deus, o Instituto
Aí dedicam-se, fundamentalmente, ao ensino de de Santa Maria Madalena, lugar de clausura, mas
Religião e Moral. Colaboram, ainda, com o pároco de educação destas mesmas mulheres. A fundação
local nas celebrações da Palavra e no ensino da das “Madalenas” em Piacenza era um outro projecto
catequese. Para além disso, convivem com as pessoas já em preparação pela Fundadora, poucos meses
que vivem nesse bairro, transmitindo, pelo seu antes da sua morte, mas só se torna realidade cinco
exemplo de vida, valores cristãos e dando testemunho anos mais tarde, em 1869, pela autoria de três
da Fé em Deus, pela disponibilidade para os outros. canónicos piacentinos: Pietro Conde Jacobino,
Gazzola Giuseppe e Francesco, condes “Radini”
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal Alemães, e do Bispo Mons. António Ranza.
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência No ano de 1914, as Filhas de Jesus Bom Pastor foram
Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 876-877; ESCRAVAS aprovadas pela diocese, enquanto Instituto, mas só
Externato do Porto (JMF) DO S AGRADO C ORAÇÃO DE J ESUS , Constituições das tiveram aprovação pontifícia, como Congregação,
Escravas do Sagrado Coração de Jesus, Roma, E.S.C.J., no dia 27 de Agosto de 1947 e, um ano mais tarde,
do Evangelho”. Para que tal aconteça, é dada especial 1983; MERA, Angeles, Jesus Cristo em Santa Rafaela foram sancionadas as suas Constituições.
atenção à formação cristã e humana, proporcionando Maria, Porto, Mário Brito Publicações, s.d.; PINTO, O seu carisma é viver, anunciar e testemunhar a
a todos os alunos que, a par do seu desenvolvimento Maria Vaz, História das Escravas em Portugal, s.l., misericórdia de Deus, inspirado num passo evangélico,
cognitivo, afectivo e motor, adquiram também uma Edição policopiada, s.d.; YÁÑEZ, Inmaculada, Amar onde Jesus Ressuscitado aparece a Maria Madalena
educação para os valores, dando especial atenção Sempre: Vida de Santa Rafaela Maria do Sagrado e confia-lhe a missão de anunciá-Lo particularmente
à educação na Fé. Esta última é desenvolvida pelas Coração, Lisboa, Escravas do Sagrado Coração de às mulheres, para a educação humana e cristã.
orações da manhã, eucaristias, aulas de formação Jesus, 1996. Digital: www. aciportugal.org. Nos primeiros anos, as Irmãs limitavam a sua função
cristã, campanhas de solidariedade, entre outras ao acolhimento de raparigas com problemas,
actividades de desenvolvimento dos valores em geral. ISABEL BALTAZAR ajudando-as a refazer as suas vidas. Mas, em 1914,
Outra missão essencial das Escravas é a oração, o Bispo Giovanni M. Pellizzari (que deu uma volta
própria e dos outros. Para isso existe uma casa – decisiva ao Instituto, a ponto de ser considerado o
Casa de Oração – em Palmela, com o nome da FILHAS DE JESUS BOM PASTOR seu fundador), em parceria com a Madre Superiora
Fundadora, destinada a receber grupos de jovens e Congregação de Direito Pontifício, as Filhas de Jesus Annunciata Valle, escreveu uma nova Regra e
Bom Pastor foram fundadas em 1869. Este Instituto Constituição das Irmãs do Bom Pastor. Esta nova
deriva do de Cremona, seu homónimo (1854), que, Regra suprimiu a clausura, mudando-se o hábito e
por sua vez, se filia com a Congregação das Filhas o nome oficial.
de S.ta Maria Madalena (Torino, 1833), fundada pela
Marquesa Giulia Falletti di Barolo Colbert.
Giulia Falletti nasceu em França e foi esposa de Carlo
Tancredi Falletti di Barolo. Foi a fundadora das Irmãs
de Sant’ Ana – o seu objectivo era educar as jovens
mais necessitadas, às quais acabou por se dedicar
após o desaparecimento do seu marido. Ao transferir-
-se para Torino, a Marquesa constitui uma família
cristã. Começou a sua actividade filantrópica junto
de cárceres femininos, levando a cabo uma reforma
Casa de Oração S.ta Rafaela Maria, Palmela (SMA) que focava os direitos humanos, a dignidade da Logótipo da Congregação (I)

401
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE MARIA MÃE DA IGREJA

De Torino, o Instituto propagou-se por outras cidades: mãe da Igreja. Neste sentido, a devoção mariana e
Cremona, Vercelli, Vigevano e Piacenza. As várias a devoção eucarística constituem um “binómio
comunidades, ainda que tivessem a mesma Cons- inseparável”. Este carisma é transposto para a missão
tituição e se aplicassem à mesma missão, eram evangelizadora, dentro da própria Igreja, mediante
autónomas, sujeitas à jurisdição imediata do Ordinário, a actividade educativa, sanitária, de solidariedade
à norma do direito comum e do próprio Instituto. social e outros ministérios de evangelização.
Com o tempo, ampliaram e adoptaram, segundo a A Congregação das Religiosas Filhas de Maria foi
exigência da Igreja, o seu próprio postulado. fundada em 19 de Março de 1874, em Béjar
Em 1965, com a autorização da Santa Sé, os (Salamanca), pela Madre Matilde Telles Robles
institutos de Cremona e Piacenza uniram-se. Em (Cáceres, Robledillo de la Vera, 1841- Badajoz, Don
1971, as Penitentes de Santa Maria de Vercelli Benito, 1902). A Fundadora viveu em Béjar, muni-
juntaram-se também às da Piacenza e, em 1974, cípio da Província de Salamanca, onde recebeu a
Torino seguiu o mesmo exemplo. Já em Setembro sua formação básica e religiosa, tendo sido amparada
de 1968, reformularam a sua Regra em sintonia com pela própria mãe na escolha da opção radical por
o Concílio do Vaticano II, estendendo a sua actividade Cristo. Nesta cidade, Matilde foi Presidente da
por outros países, como, por exemplo, à Argentina. Associação das Filhas de Maria para as Jovens de
Actualmente, contam com 165 membros distribuídos Béjar, membro das Conferências de S. Vicente de
por 12 comunidades em Itália, 2 em Eritreia (África) Paulo, onde lhe foi destinada a missão de “enfermeira
e 4 no México. A Cúria Geral está sediada em visitadora”, situação que acabaria por facilitar a sua
Piacenza (Via Mazzini). A sua actividade incide na introdução nos ambientes mais pobres.
evangelização, em particular, na missão, na pastoral
paroquial, na pastoral do cárcere e na promoção
humana e cristã (direccionada para as mulheres).
Acolhem jovens estudantes, crianças com dificuldades
e mães solteiras em escolas e orfanatos. Dão igual- Madre Matilde Telles Robles (I)
mente atenção aos doentes hospitalizados, actuam
em casas de repouso e fazem visitas ao domicílio.
A presença destas Irmãs em Portugal foi de curta Don Benito, data a partir da qual, passou a ser a
duração: residiram na Paróquia de S. Maximiliano sede do Instituto.
Kolbe, na zona de Chelas (Patriarcado de Lisboa), O aumento de instalações foi uma das consequências
entre 1 de Setembro de 1986 e 30 de Junho de do trabalho intensivo desta Obra, que inaugurou um
1998. Foram chamadas pelos fransciscanos aí internato para meninas órfãs, prestou assistência a
residentes. A comunidade que residia em Chelas era Logótipo da Congregação (I) enfermos no domicílio e colocou em funcionamento
maioritariamente africana: população empobrecida, uma escola com alunos de várias classes sociais, pois
que morava em barracas. O objectivo das Irmãs era Em 1863, as jovens da Associação das Filhas de as religiosas consideravam de primordial importância
oferecer a primeira evangelização, preparando os Maria resolveram compartilhar uma vida comum. a formação cultural e religiosa, como factor deter-
adultos para serem baptizados, testemunhar a fé Matilde renunciou ao cargo de Presidente e pediu minante no futuro dessas vidas.
na partilha da vida e assistir aos doentes. Dedicavam autorização ao governador eclesiástico da Diocese O Instituto ficou consolidado em 1884, quando se
boa parte do tempo a catequizar, a tratar de de Plasencia para a fundação da Obra, expondo em constituiu canonicamente como Congregação
enfermos, anciãos e crianças abandonadas, aliviando- seguida numa carta ao Papa Pio IX o seu plano e Religiosa de Direito Diocesano pelo Bispo de Plasencia,
-os da extrema pobreza e vivendo no carisma da propósito de fundação de uma congregação religiosa, D. Pedro de Casas y Souto, que aprovou as primeiras
misericórdia. que se chamaria “Esposas de Jesus, e filhas de Maria Regras. Nesse mesmo ano, Matilde e mais cinco
Imaculada”, nome pelo qual foram conhecidas até irmãs celebraram os seus votos religiosos.
BIBLIOGRAFIA: Impressa: GOMES, Manuel Saturino ao ano de 1965. Com ela apenas se comprometeu Em 1885, devido à epidemia de cólera, a Ir. Maria
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições Maria Briz, sem meios de subsistência e sem a regra Briz morreu. Madre Matilde fundou um hospital para
Paulinas, 1994, p. 36; VENCHI, I., “Buon Pastore”, in aprovada. Matilde pediu então ao seu Director dar assistência a doentes pobres no local onde esta
Guerrino Pelliccia e Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario Espiritual, D. Manuel de la Oliva, residente em Sevilha, irmã sofreu o contágio.
degli Istituti di Perfezione, vol. I, Roma, Edizioni que fosse a Béjar redigir os Estatutos. Novas jovens se foram integrando e a expansão do
Paoline, 1974. Digital: www.albain.com/puntoe Quando, em 1875, foi nomeado Bispo D. Pedro Instituto começou com a saída de grupos de religiosas
virgola/marchesa.asp. Casas y Souto, em Plasencia, Matilde obteve a para diferentes cidades. Surgiram as casas de Cáceres,
autorização para a erecção canónica do Instituto, o Bejar, Almandrajelo, Santos de Maimona, Trujillo,
ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA que permitiu a entrada de novas jovens. Villanueva de Córdoba, entre outras.
Em 1878, em Plasencia, Matilde e Maria Briz vestiram Esta instituição cresceu com base na norma de que
o hábito de cor azul, numa cerimónia simples. todas as fundações teriam, como condição geral, o
FILHAS DE MARIA MÃE DA IGREJA Partiram então pela diocese, com o propósito de trabalho através do desinteresse económico e do
A Congregação das Religiosas Filhas de Maria Mãe darem a conhecer a Obra. Nesta peregrinação, serviço a Deus, na pessoa dos necessitados.
da Igreja (FMMI) é um instituto religioso feminino chegaram a Don Benito, na província de Badajoz. Madre Matilde morreu no dia 17 de Dezembro de
de vida consagrada e activa, com um carisma que Aí conheceram dois irmãos, Diego e Maria Alguacil 1902, com 61 anos. A introdução da causa da sua
se baseia no culto à Sagrada Eucaristia, através da Carrasco, que lhes ofereceram segurança material beatificação só foi feita em 1978, pelo Bispo da
adoração de Jesus no Sacrário e do culto a Maria, e uma casa. Em 1879, mudaram-se sete irmãs para Diocese de Plasenca, D. António Vilaplana Molina.

402
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES

Depois de estudada a posição, pelos teólogos e beneficiação social e comunidades ao serviço da


consultores de Roma que integravam a Congregação Palavra e da Eucaristia, na pastoral paroquial.
das Causas dos Santos, o consenso foi alcançado, Hoje em dia, são 40 as comunidades desdobradas
ficando assim confirmadas as virtudes cristãs, em por Espanha, Portugal, Itália, Venezuela, Colômbia,
grau heróico, por parte de Madre Matilde. O resul- Peru e México, com 256 membros. Em Portugal, a
tado foi o reconhecimento oficial consumado pelo sua fundação ocorreu em 8 de Fevereiro de 1933,
Papa João Paulo II, através de uma cerimónia solene, na Covilhã, Diocese da Guarda. Hoje tem 17
em Abril de 2003, e a promulgação do decreto sobre membros, distribuídos por três comunidades: Marvão,
o milagre realizado pela intersecção de Madre Matilde Fátima e Póvoa do Varzim.
na cura inexplicável de um italiano, Pier Luigi Blasi,
ocorrida em 1990, em Roma. BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
Depois da morte da Fundadora, o Instituto elegeu [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
uma nova Superiora Geral, Madre Mariana, e a Casa Portuguesa, 2007, p. 880; GOMES, Manuel Saturino
Central e o Noviciado mudaram-se de Don Benito da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
para Plasencia, capital da diocese. 1994, pp. 37-38; VEGA, Maria del Cármen Rodrigues,
A missão e o carisma de Matilde passaram a ser Matilde: Um Sim Constante ao Amor, Madrid, s.n.,
universais, facto que se traduziu, no ano de 1956, 1992; VINAS, Padre Alejandro Matilde Tellez Robles
Antonia Maria Hernández Moreno, Fundadora (I)
na fundação de várias casas no continente americano: – sua Vida e sua Obra (1841 – 1902), Strasbourg,
Venezuela, seguindo-se Colômbia, Peru e México. Editions du Signe, s. d.
A primeira casa em Itália surgiu na cidade de Roma, Fernández, pequenos proprietários agrícolas, é
no ano de 1965. Nessa altura, foram aconselhadas TERESA PERALTA também sobrinho de D. Fulgêncio, o pároco. No
a mudar o nome, escolhendo Filhas de Maria Mãe final da sua vida será uma individualidade, a vários
da Igreja, em consonância com a nova espiritualidade títulos, incontornável na sua cidade, pelas suas
comum ao contexto mariano histórico-religioso da FILHAS DE NOSSA SENHORA DAS DORES investigações históricas, publicadas em várias obras,
época. Esta Congregação nasceu na cidade de Trujillo, na e pela organização do arquivo municipal. Desde os
A obra abrangia lugares de internatos, que acolhiam Estremadura espanhola. O seu nome oficial, a partir tempos de seminário, durante as férias, colaborara
crianças em situações de desestruturação familiar, de 15 de Março de 1967, data da sua aprovação no projecto da “Escuela”. Ordenado em 1914,
pobreza e marginalização; colégios ou centros pontifícia, passou a ser Hijas de la Virgen de Dolores reparte os cuidados de coadjutor da Paróquia de
educativos, que existiam em quase toda a totalidade (HVD). A invocação enquadra-se no contexto de San Martín com o acompanhamento espiritual das
das casas, participando alguns em programas forte devoção mariana, ligada à própria identidade colaboradoras e com tarefas de estruturação da
especiais de integração, tanto de minorias étnicas de Trujillo, em cujas armas figura a imagem da Virgen “Escuela”, que entretanto crescera. Assim, a 8 de
em desvantagem sociocultural, como de necessi- de la Victoria. A referência à Virgen de los Dolores Junho de 1919, estão redigidos os Estatutos para
dades educativas especiais (estes centros abriram as provém ainda da vivência pessoal dos Fundadores, uma pia união com o nome de Servitas de la Madre
suas portas a todas as famílias sem excepções); e que viram esta obra formar-se sob grandes de Dios, com cinco membros e os seus dois Funda-
comunidades sanitárias, onde viviam irmãs dedicadas dificuldades. dores, D. Antonia Moreno e P.e Juan Tena.
à atenção dos enfermos, adultos e idosos margina- As origens da Congregação remontam a cerca de
lizados, em centros públicos e estatais. 1910, quando uma senhora de origem burguesa,
O desejo de ajuda e de acolhimento obrigou a D. Antonia Maria Hernández Moreno (1875-1955),
formação de casas de recepção e oração, obras de conhecida também pelo nome de Antónia Godinez,
decide, de comum acordo com o pároco local, D.
Fulgêncio, organizar catequese nas tardes de
domingo para as crianças de um bairro pobre da
cidade, La Villa. Esta iniciativa rapidamente se torna
ocasião de escolarização e de sensibilização para a
vocação religiosa. O crescente número de bene-
ficiários obriga a procurar novas instalações, primeiro
uma vivenda, depois uma casa maior no centro do
bairro. Finalmente, chega-se à criação de um
internato ligado à Obra, que entretanto começou a
ser conhecida como “Escuela”.
Anos mais tarde, depois de ter enviuvado, a im-
pulsionadora destas iniciativas, Antonia Moreno,
acabará por tornar-se formalmente membro da Juan Tena Fernández, Fundador (I)
congregação, recebendo o título significativo de
Madre e o reconhecimento de Fundadora, na véspera
da sua morte. Em 1921, graças à generosidade do marido da
A outra figura que consolidará juridicamente a obra Fundadora, adquirem um edifício em ruínas, antigo
e que lhe dará continuidade é o P. e Juan Tena palácio do colonizador do Peru, Juan Pizarro Orellana.
Fernández (1888-1967). Nascido em Trujillo, filho Aí instalam a escola com um novo nome: Escola do
Casa das Filhas de Maria Mãe da Igreja em Fátima (SMA) mais velho de Vicente Tena Blásquez e Andrea Coração de Jesus. Esse edifício, classificado mais

403
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE SANTA MARIA DE GUADALUPE

tarde como monumento nacional, tornou-se a Casa- Angola, ou em situações críticas como a que acon- à educação da infância e da juventude, sobretudo
-Mãe da Congregação. teceu na Argentina. em meios desfavorecidos.
No ano de 1923, em Setembro, o pequeno grupo A autoridade, dentro da Congregação, é exercida
que trabalhava na escola cumpre mais uma etapa em primeiro lugar a partir das Constituições,
de consolidação, obtendo o reconhecimento jurídico aprovadas canonicamente em 1967. Uma Superiora
como Asociación Piadosa Hijas de Los Dolores de Geral é eleita por seis anos com a maioria dos votos
Maria Inmaculada. Mas só a 12 de Outubro de 1926 de um Capítulo Geral. É eleito também um Conselho
é que consegue oficialmente o Nihil Obstat que lhe Geral que a apoia no governo da Congregação. Nas
dá a aprovação definitiva sob o nome de comunidades a autoridade é confiada a uma
Congregación Religiosa de Derecho Diocesano Hijas Superiora Delegada, eleita de entre as que constituem
de los Dolores de Maria Inmaculada. O último passo a comunidade e estão vinculadas à Congregação
jurídico deu-se em 15 de Março de 1967, ainda pelos votos perpétuos.
pelas deligências do Fundador, com o Decretum Desde 1926, um boletim, La Vida Religiosa, serviu
Laudis, que conferiu à Congregação o estatuto de para divulgar o ideário da Congregação. Suspenso
Direito Pontifício e um novo nome: Religiosas Hijas com a guerra civil, renasceu em 1951 com outro P.e Luís Gonzaga de la Torre y Baeza, Fundador (I)
de la Virgen de los Dolores. nome, Ideal Religioso, que actualmente continua a
A primeira tentativa, sem êxito, de expansão da ser publicado em espanhol, incidindo sobre oração O contexto em que a Congregação nasceu é o do
Congregação foi em Guadalupe. Outras se lhe e espiritualidade. B.º El Parral, um bairro pobre da cidade, marcado
seguiram em regiões próximas de Trujillo, até que O recrutamento das candidatas faz-se através das por problemas sociais de alcoolismo, analfabetismo
se implantou em várias regiões de Espanha: Cáceres suas próprias obras e das iniciativas de sensibilização e pela existência de famílias numerosas com poucos
(Trujillo, Miajadas, Almoharín), Badajoz (Albuquerquer, para a questão vocacional. Este carácter apostólico recursos. Este desequilíbrio social coincide com o
Feria), Salamanca, Madrid, Barcelona, Santander da Congregação exerce-se junto daqueles com quem progressivo distanciamento entre a Igreja e a
(Selaya) e Lugo. Com o início da guerra civil, por trabalham. população.
razões de segurança, o Fundador pediu ao Bispo O ideário ou carisma aparece habitualmente no prin- O P.e Luís Gonzaga tinha-se formado solidamente
de Évora acolhimento para a Congregação. Foi cípio de todas as apresentações que a Congregação no seminário. Era sacerdote diocesano, membro do
assim que, em 1932, com o apoio das irmãs do faz de si mesma. A sua razão de ser ou o dom, assim grupo de sacerdotes da Catedral de Puebla e capelão
Preciosíssimo Sangue de Vila Viçosa, se instalaram teologicamente enunciado¸ é para a Congregação de S.ta Catarina, uma das igrejas da cidade ligadas
duas comunidades em Portugal, uma em Borba e a atenção às vocações, que se expressa nas palavras à Catedral. Desde o início do seu ministério mostrou
outra em Alcácer do Sal. Esta última ainda hoje se do Evangelho: “Rogai ao dono da messe que envie grande vontade de aproximação às populações.
mantém, com um externato designado por Fundação trabalhadores para a sua messe” (Mt 9, 13). Conta-se que levava sempre consigo rebuçados para
N. Sr.a das Dores, na R. Miguel Bombarda. A comu- Residências universitárias, colégios, jardins-escolas, distribuir às crianças e que, por onde passava,
nidade de Borba foi transferida para Lisboa, para a centros de espiritualidade, centros de pastoral estabelecia diálogo com os jovens. Apoiado pelo
R. Dr. Gama Barros, onde existe um lar para estu- vocacional, paróquias, missões e, mais recentemente, bispo e associado a duas jovens, suas dirigidas
dantes universitárias, o Lar Filhas de Nossa Senhora casas sacerdotais são espaços favoráveis para atingir espirituais, fundou o Colégio Imaculado Coração de
das Dores. esse objectivo, na esteira dos propósitos dos Maria, destinado à educação da infância e juventude
Em 1953, a Congregação enviou quatro membros Fundadores. do B.º El Parral. Para manter esta iniciativa, redigiu
para trabalhar no Seminário Diocesano de Mercedes, os Estatutos para uma nova congregação feminina
na Argentina. Actualmente, conta com três comu- BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal com o nome de Hermanas Terceras de Nostra Madre
nidades em Buenos Aires: Medrano, Carlos Casares 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Santissima del Monte Carmelo.
e Tres Lomas. Episcopal Portuguesa, 2007, p. 880; GOMES, Manuel A Congregação foi aprovada a 8 de Outubro de
Os acontecimentos que se sucederam à indepen- Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, 1908 pelo Servo de Deus D. Rámon Ibarra y González,
dência das colónias portuguesas levaram a Congre- Paulinas, 1994, p. 38; NUÑEZ, Ramon, Quién Fue Don primeiro Arcebispo de Puebla, como Instituto de
gação a acolher jovens provenientes dessas paragens Juan Tena?, Trujillo, Sobrino de Benito Peña, 1967; Direito Diocesano e a 21 de Novembro de 1982,
e a estabelecer um primeiro contacto com África. RELIGIOSAS HIJAS DE LA VIRGEN DE LOS DOLORES, Glossando pela Santa Sé, como Instituto de Direito Pontifício.
Hoje, com uma comunidade em Benguela, no B.º la Figura de D. Juan Tena Fernández: Apertura y São Co-Fundadoras a Madre Rosário Ávila Campos
S. João Cassoco, a Congregação consolida a sua Cierre de un Centenario, Trujillo, s.n., 1988; SÁNCHEZ, e a Madre Dolores Oropeza y Neve, que hoje fazem
presença fora da Europa. María del Henar del Rio, Sembrador de vocaciones, parte do património histórico da Congregação.
Os seus membros são actualmente cerca de 130 em Juan Tena Fernández, Polígono El Montalvo, O seu segundo nome, Filhas de Santa Maria de
todo o mundo, dos quais 12 estão em Portugal. Salamanca, 1988. Guadalupe, foi posterior, a pedido do bispo, que
O hábito religioso é de corte simples, cor preta ou desejava ver pela primeira vez o nome de uma
cinzenta, podendo em certos ambientes de trabalho FILOMENA MELO BORJA congregação ligada ao Santuário de Guadalupe.
ser branco. A cruz peitoral ostenta a inscrição Stabat, A aprovação pontifícia desta Congregação e a
clara evocação da Mater Dolorosa. O emblema da aprovação das suas Constituições renovadas deu-se
Congregação é um coração com uma chama, FILHAS DE SANTA MARIA DE GUADALUPE em 1988.
trespassado por sete espadas, aludindo a Virgen de A Congregação das Religiosas Filhas de Santa Maria As Filhas de Santa Maria de Guadalupe vivem a
las Dolores. de Guadalupe (FSMG) foi fundada no dia 5 de regra do Carmelo, que associa a vida contemplativa
Os meios de sustentação das obras vêm de si Setembro de 1888 (data em que as primeiras irmãs à intervenção social e que se expressa na máxima
próprias, mas também dos amigos e benfeitores, tomaram o hábito de postulantes carmelitas), na “Meditar dia e noite a Lei do Senhor”. Nos países
naqueles casos em que o meio social não permite cidade de Puebla, no México, pelo P.e Luís Gonzaga onde se encontram estão agregadas à Ordem dos
a auto-suficiência, como é o caso da missão de de la Torre y Baeza, com o objectivo de se dedicar Carmelitas Descalços, com a qual desenvolvem

404
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE SANTA MARIA DE LEUCA

iniciativas formativas, tais como retiros espirituais, paroquial, formação aos agentes da pastoral e é sintetizada na frase “O gravar a imagem de Cristo
cursos e assistência religiosa. Procuram desenvolver formação feminina. As primeiras irmãs vieram para no coração dos educandos mediante a missão do
uma presença entre as populações baseada na Portugal em 1995, tendo sido apresentadas à comu- ensino”.
simplicidade. nidade paroquial da Marinha Grande no dia 9 de De um modo geral, a Congregação desempenha a
O hábito é azul, com véu preto. No dia-a-dia usam Agosto. Nesse momento, era Pároco o P.e Francisco sua acção eclesial nos seguintes campos: educação
um uniforme constituído por uma saia azul e blusa Jorge e Bispo Diocesano D. Serafim de Sousa Ferreira das crianças e jovens, catequese, missões Ad Gentes,
branca, podendo ser adoptado um colete. e Silva, que apoiou a vinda da Congregação à Diocese promoção dos meios rurais e indígenas e desem-
No emblema em forma de escudo surge a cruz do de Leiria-Fátima. penho de qualquer tarefa confiada pela hierarquia
Carmelo, com o globo terrestre na base. Sobre a Actualmente, a comunidade é constituída por três eclesiástica, sem perder de vista o carisma próprio.
cruz, desenha-se um M, rodeado de uma coroa de irmãs que habitam numa casa particular, na R. das
espinhos. No centro do globo, uma lamparina acesa Hortinhas, n.º 8, no Casal Galego da Marinha BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
representa a luz do conhecimento, evocação do Grande. As Irmãs têm no seu trabalho na Santa [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
trabalho da Congregação no domínio da educação. Casa da Misericórdia e no Cartório Paroquial o seu Portuguesa, 2007, p. 880; Constituições das Filhas
Três palavras, lema da Congregação, completam o meio de sustentação. Dão apoio na coordenação de de Santa Maria de Guadalupe, Puebla, Pue. Mexico,
sentido do emblema: “Oração, Apostolado e dois centros de catequeses, trabalham junto do 1988.
Sacrifício”. grupo bíblico, dão formação e acompanham o grupo
de acólitos, o grupo coral dos jovens e o próprio FILOMENA MELO BORJA
grupo de jovens (JOC, Juventude Operária Católica), RICARDO LEMOS BASÍLIO
paroquial e diocesano, apoiam e acompanham as
famílias carenciadas e os jovens toxicodependentes
(no reencaminhamento a centros de recuperação e FILHAS DE SANTA MARIA DE LEUCA
reinserção social) e estão integradas na animação O Instituto das Filhas de Santa Maria de Leuca (FSML)
missionária da diocese, nomeadamente no Grupo foi fundado em 1938 pela Madre Elisa Martinez (n.
Missionário ONDJOYETU (palavra umbundo, que 25.03.1905 – m. 08.02.1991) em S.ta Maria de Leuca,
significa “a nossa casa”). As Irmãs procuram, em no Sul de Itália. Este Instituto obteve primeiro o
todas as suas actividades, o estilo de simplicidade Direito Diocesano, sendo o Direito Pontifício adquirido
e de proximidade cultivado pelo Fundador. em 1941. A Madre Elisa Martinez teve, desde a
fundação, o apoio incondicional do Cardeal Gilberto
Angustoni, de origem suíça, que trabalhou no
Vaticano antes de acompanhar a madre.

Logótipo da Congregação (I)

A única publicação regular da Congregação é um


boletim interno com o nome Filhas de Santa Maria
de Guadalupe, que serve de ligação entre as várias
casas em todo o mundo. Outros dados sobre a
Congregação encontram-se na internet, avulsos e
pouco pormenorizados. Logótipo das Filhas de Santa Maria de Leuca (I)

A Congregação tem a sua sede no mesmo lugar


onde nasceu, em Puebla. Aí está também o Noviciado Existem algumas histórias que enaltecem o valor e
Publicação das Filhas de Santa Maria de Guadalupe (I)
e o Governo Geral. A Congregação é dirigida por alegada santidade da Fundadora, como, por exemplo,
uma Superiora Geral, eleita por seis anos, apoiada o facto de, no seu leito de morte, dizer ter visto a
por um Conselho, composto por quatro membros. De 7 de Outubro de 1999 a 27 de Outubro de 2006, imagem de N. Sr.a de Fátima chamando-a (quando
Nos diversos países existem Superioras Delegadas, a Congregação deu o seu contributo na Diocese da acordava do coma), enquanto as Filhas de todo o
dependentes imediatamente do Governo Geral. Guarda, mais concretamente na Paróquia do Paul, mundo rezavam por ela. Por outro lado, tinha
Hoje, a Congregação tem cerca de 140 religiosas, onde lhes foi confiado o Centro Apostólico (casa de algumas particularidades que demonstravam o seu
em 26 comunidades, presentes no México, na retiros da diocese) e o Santuário de N. Sr.a das Dores. desapego a tudo o que era material, como viajar
Venezuela, no estado norte-americano da Carolina Como meio de subsistência, trabalham no jardim sem qualquer bagagem ou dinheiro, movida apenas
do Norte, em Angola e em Portugal. infantil paroquial. Além disso, dão apoio aos grupos pela fé e pelo desejo de ajudar o outro.
No México, encontramos a presença mais significativa da paróquia: grupo de jovens, grupo coral, catequese, O Instituto, a partir de 1941, estendeu-se, primeiro,
da Congregação, em colégios e entre populações grupo da Legião de Maria, ministras da comunhão por toda a Itália, depois pela Europa e depois pelo
rurais. Na Venezuela, a presença é missionária, entre (visitam e levam a comunhão). mundo, chegando a países como o Canadá, Filipinas
os indígenas kariña. Na Carolina do Norte, estão O seu carisma consiste em “levar, como Maria, o e Índia, onde foram fundadas muitas casas. O critério
presentes no apostolado paroquial e no apoio aos amor de Cristo através de uma vida contemplativa de escolha dos locais de fundação de casas era, em
imigrantes latino-americanos. Em Angola, a e activa, numa profunda humildade e simplicidade, primeiro lugar, o ímpeto da Madre em ajudar quem
Congregação está presente desde 1982, mais predilecção pelos pobres, laboriosidade e um grande necessitava e, não menos importante, o facto de
concretamente em Luanda e Sumbe. Aqui, a sua respeito pela hierarquia eclesiástica”. A educação serem locais marianos (por exemplo, S.ta Maria de
acção é de evangelização, educação, trabalho integral é o seu apostolado específico, cuja acção Leuca em Itália, N. Sr. a de Lourdes em França).

405
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE SÃO CAMILO

O Fundador, Arturo Luigi Maria Carlo Alessandro


Tezza, nasceu em Conegliano, na Provícia de Treviso,
Itália, a 1 de Novembro de 1841, filho de um médico,
Augusto Tezza, que se estabeleceu perto de Veneza,
vindo a morrer em 1850. Sua mãe, Catalina
Nedwiedt, educou o filho na terra natal e, quando
este decidiu entrar no Noviciado da Ordem dos

Fundadora e Co-Fundadora, Madre Elisa Martinez Ampliação da Casa de Fátima, 1984 (I)
e Madre Teresa Lanfranco (I)

desloca propositadamente à casa; às 07h35 chegam


Uma das primeiras tarefas das Filhas de Santa Maria as crianças; ao meio-dia revezam-se para continuar
de Leuca foi cuidar dos feridos em combate da 2.ª a rezar o terço que iniciaram de manhã; às 19h30
Guerra Mundial, em Itália, lideradas pela Madre
Fundadora. A sua principal vocação é a assistência
a doentes (têm ainda hoje uma clínica em Roma), Estátua de S. Camilo (I)

assistência à 3.a idade e também a crianças. No início


da sua actividade, ainda só em Itália, as Filhas Ministros dos Enfermos (Camilianos), em Verona,
chegaram a prestar auxílio a reclusos, mas deixaram doou os seus bens aos pobres e entrou no Mosteiro
de o fazer devido a más experiências. Seguem, de S. Francisco de Sales, onde viveu até à morte,
portanto, um carisma mariano, isto é, de dedicação em 1880, nomeada em forma de santidade.
às obras sociais, respeitando os três votos sagrados: Ordenado sacerdote em 1864, Luís Tezza destacou-
pobreza, castidade e obediência. -se pela sua inteligência e sentido prático, pelo que
lhe foram confiadas importantes cargos dentro da
Ordem Camiliana. Foi Mestre de Noviços, Superior
Provincial e Procurador Geral da Ordem. Em 1900,
Crianças do Centro Infantil S.ta Maria de Leuca (I) foi enviado pelos superiores maiores ao Peru, onde
ficou durante mais tempo do que inicialmente estava
as crianças regressam às suas casas; e às 20h00 previsto, dado que o bispo lhe pediu ajuda para
realiza-se nova oração comunitária, altura em que uma reforma religiosa na cidade. Aí permaneceu até
têm oportunidade de terminar os mistérios do terço. à sua morte, a 26 de Setembro de 1923, depois de
Ao fim-de-semana, as Filhas repartem-se entre visitas um notável trabalho no campo da pregação e da
domiciliárias a doentes e o coro do Santuário de N. organização. Após a sua morte, veio a ser aclamado
Sr. a de Fátima, onde também ajudam nos dias como “O Santo de Lima”, sendo finalmente beati-
feriados. Quanto ao hábito oficial das Filhas de Santa ficado a 4 de Novembro de 2001. Foi enquanto
Maria de Leuca, este é de cor creme com faixa azul Procurador Geral, encarregado de restaurar as antigas
Irmãs com o Presidente da União das Misericórdias
clara e véu negro. Para trabalhar, usam um hábito terciárias da Ordem, que o P.e Luís Tezza pensou em
de Portugal, P.e Vítor Milícias (I)
completamente branco e véu da mesma cor. fundar um instituto religioso feminino, com o mesmo
espírito da Ordem Camiliana. Em 1891, durante a
Quanto à fundação em Portugal, teve os seus BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, orientação de retiro espiritual, conheceu Judith
preliminares no final dos anos 60, efectivando-se em [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Vannini, que foi o primeiro membro da nova
1970 com a construção da casa das Filhas de Santa Portuguesa, 2007, p. 884; GOMES, Manuel Saturino Congregação e a figura de maior relevo.
Maria de Leuca em Fátima, que ainda hoje alberga da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
a Congregação. Não obstante, a primeira entrada 1994, p. 47.
das Filhas em Portugal aconteceu em 1967, quando,
através da Diocese de Viseu e pela mão da Madre ROSA FINA
Elisa Martinez, trabalharam como enfermeiras no
Hospital de Mangualde. Hoje em dia, o Instituto das
Filhas de Santa Maria de Leuca, em Fátima, funciona, FILHAS DE SÃO CAMILO
desde a sua construção, como creche comunitária. A Congregação das Filhas de São Camilo (FSC)
No que diz respeito a rituais diários, as Filhas vêm inspira-se no espírito de S. Camilo de Lélis (1550-
o seu tempo de dedicação e reza limitado pelo vasto -1614), fundador da Ordem dos Ministros dos
trabalho social que empreendem. De qualquer forma, Enfermos (Camilianos), que tem por ideal servir Cristo
seguem a seguinte rotina diária: nos dias úteis nos enfermos mais necessitados.
acordam às 05h45, procedem às orações comuni- Na origem desta Congregação estão os seus
tárias e recebem a Eucaristia de um padre que se fundadores Beato Luís Tezza e Beata Josefina Vannini. Capela da Casa-Geral, Roma (I)

406
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DE SÃO JOSÉ

Judith, nasceu em Roma, a 7 de Julho de 1859.


Órfã aos 7 anos e educada no Hospício Torlonia,
sob os cuidados das Filhas de São Vicente de Paulo,
tinha tentado entrar na Congregação das Filhas
da Caridade, sem o ter conseguido por motivos de
saúde. Convidada pelo P.e Tezza, tornou-se religiosa
com o nome de Sor Maria Josefina, primeiro simples
irmã, depois Superiora e finalmente Madre Geral,
cargo que ocupou até à sua morte, a 23 de Fevereiro
de 1911. O dinamismo que imprimiu à Congregação
foi notável e a sua dedicação mereceu-lhe, ainda
em vida, o título de “Mãe da Caridade”. É consi-
Grupo de irmãs em oração (I) Irmãs de hábito, em Lamego (I)
derada unanimemente Fundadora. Em 1956, iniciou-
-se o processo de reconhecimento eclesial que Associação, com o propósito de ter personalidade
conduziu à sua beatificação, em Roma, a 16 de Geral da Congregação. A Superiora Geral é apoiada jurídica civil que facilite as relações com o Estado.
Outubro de 1994. por um Conselho e eleita por seis anos em Capítulo A Congregação está presente em 19 países: Itália,
A Congregação das Filhas de São Camilo começou Geral. A Casa-Mãe encontra-se no centro de Roma. Brasil, Hungria, Geórgia, Índia, Filipinas, Benin,
com um núcleo de três membros, em 1892. Sob a Em cada país, onde o número de membros o justifica, Burkina Faso, Costa do Marfim, Argentina, Peru,
orientação do P.e Tezza, instalaram-se em Roma, é erguida juridicamente uma Região, chamada Colômbia, Espanha, Chile, Portugal, Alemanha,
perto da Basílica de S. João Latrão. Aí deram os “Província”, com estruturas próprias para o governo Polónia, México e Sirilanca. Possuem mais de uma
primeiros passos para se constituírem como religiosas: (uma Superiora Provincial e um Conselho) e para a centena de obras, ligadas à saúde e ao cuidado dos
tomada do hábito, escolha de nome, formação formação das candidatas (Postulantado, Noviciado doentes: hospitais, clínicas, lares de idosos e obras
religiosa e mesmo técnica em ordem ao futuro e Juniorado). criadas em ordem à formação, como escolas de
trabalho. No final desse ano eram já 14 membros. Na Casa-Geral funciona igualmente o Postulantado, enfermagem e de geriatria. É uma congregação em
No entanto, surgiram dificuldades no estabelecimento o Noviciado e o Juniorado, devendo este último ir expansão, sobretudo na América Latina, África e na
da nova Congregação em Roma, pelo que esta teve até seis anos antes da profissão perpétua. A sede Índia, contando, em todo o mundo, com cerca de
de ser aprovada, não como Congregação, mas como tem uma dimensão internacional, na medida em que 2000 membros, entre os quais duas portuguesas.
Pio Conservatório, ao cuidado de um vigário do acolhe membros de todos os países onde a Congre-
papa. Sob este título continuou a crescer e a gação está presente. Além da formação especifica-
estabelecer-se em hospitais e clínicas, não só em mente religiosa, é privilegiada a formação na área da
Roma, mas um pouco por toda a Itália: Cremona, saúde e da assistência aos doentes, nomeadamente
Mesagne, Grottaferrata, Nápoles. Devemos considerar os cursos de Medicina, de Enfermagem e outros
como momentos de consolidação do Pio ligados à Psiquiatria e à Assistência Social.
Conservatório Filhas de São Camilo a profissão dos A revista Filhas de São Camilo é uma publicação
votos temporários por Josefina Vannini, que incluía única para todas as casas da Congregação. Além
um quarto voto de serviço aos enfermos, inclusive dos conteúdos religiosos, ligados ao carisma e à Casa de Lamego (I)
com o risco da própria vida, a 19 de Março de 1893, espiritualidade camiliana, publica artigos científicos
e a profissão perpétua e eleição como Superiora e debates, na área da saúde e nas novas áreas da
Geral, a 8 de Dezembro de 1895. À morte da biogenética. BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal
Fundadora, já a Congregação das Filhas de São O sítio da Internet, em português, é filhas 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
Camilo tinha obtido o beneplácito de Roma e se camilo.do.sapo.pt. Outro, em espanhol, www.hijasde Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 880-881; GOMES,
tinha afirmado pela força da sua espiritualidade sancamilo.org, permite-nos dispor de informação Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede,
voltada para a assistência aos doentes, pelo número pormenorizada sobre a vida dos Fundadores e sobre Lisboa, Paulinas, 1994, p. 39. Digital: filhascami
de membros e pela quantidade das suas obras: 126 a fundação e expansão da Congregação, bem como lo.do.sapo.pt; www.hijasdesancamilo.org.
irmãs, 10 casas na Itália e 6 no estrangeiro. Vinte de um conjunto de imagens actualizadas que
anos depois, em 1931, as Constituições recebem documentam os novos investimentos. É um sítio de FILOMENA MELO BORJA
aprovação pontifícia, tendo sido renovadas em 1985. divulgação, embora não nos dê acesso a fontes RICARDO LEMOS BASÍLIO
No hábito de cor branca ou preta, destaca-se uma bibliográficas, essas certamente disponíveis na Casa-
cruz vermelha, igual à da Ordem dos Ministros dos -Mãe, onde também está o arquivo central.
Enfermos (Camilianos), representando assim a união Em Portugal, a Congregação está presente desde FILHAS DE SÃO JOSÉ
ao sofrimento de Cristo e ao sofrimento dos doentes. Novembro de 1990, em Lamego, no Centro Social A Congregação das Filhas de São José (FSJ) foi
No emblema, por sua vez, é apresentada a cruz Filhas de São Camilo, na Quinta dos Prados (Rina), fundada a 13 de Fevereiro de 1875, em Calella de
vermelha sobre um escudo azul, acima do qual está dedicado aos idosos, mais especificamente a doentes la Costa (Gerona, Espanha), pelo padre jesuíta
colocada uma coroa, e, por baixo, uma faixa branca terminais e aos que necessitam de cuidados especiais. Francisco Xavier Butiña e por Maria Isabel de
com o nome da Congregação une dois ramos de A comunidade é formada por quatro membros de Maranges Valls. O P.e Butiña nasceu em Bañolas
oliveira. várias nacionalidades (sendo um a Superiora Local), (Gerona) a 16 de Abril de 1834, filho de Salvador
As festas da Congregação coincidem com a memória ligados juridicamente à Província Espanhola, sob a Butiña e de Teresa Hospital. Estudou em Bañolas e
litúrgica de S. Camilo de Lélis e dos Fundadores. autoridade de uma Superiora. no Seminário de Gerona. Iniciou a sua vida religiosa
Em Grottaferrata, nos arredores de Roma, está Em alguns países, onde a presença desta Congre- em Loyola, a 24 de Outubro de 1854, sendo
instalada a Casa-Geral e a estrutura de Governo gação é muito significativa, constituíram-se como ordenado Sacerdote a 31 de Julho de 1866.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DO CORAÇÃO DE MARIA

As Constituições foram criadas pelo P.e Butiña e tendo aí permanecido até Março de 2005. A deixar a França. Pediu ao seu bispo para ir missionar
aprovadas pelo Bispo de Gerona a 5 de Janeiro de Superiora da casa portuguesa era Angelina Sanz no Maryland, onde viviam antigos jesuítas, seus
1879. A aprovação pontifícia definitiva teve lugar a Lopes. conhecidos. Interrogou-se sobre a possibilidade de
14 de Novembro de 1902, sendo as Constituições restabelecer ali a Companhia de Jesus. Comunicou
ratificadas a 21 de Maio de 1935. BIBLIOGRAFIA: Impressa: Gomes, Manuel Saturino a sua intenção a Adelaide e ela considerou a possi-
O carisma da Congregação nasceu da contemplação da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições bilidade de partir também.
do Mistério de Cristo, na vivência familiar e na Paulinas, 1994, p. 100; Historia del Instituto de las Adelaide de Cicé era a 12.ª filha de uma família da
realização de tarefas simples. Religiosas Hijas de San José, Gerona, Talleres Dalmau nobreza bretã. Nasceu em 1749, na cidade de
Carles Pla SA-Editores, 1942; LOZANO, J., “Figlie di Rennes, onde a miséria era avassaladora após um
San Giuseppe, di Gerona (Spagna)”, in Guerrino incêndio devastador. Órfã de pai aos dois anos,
Pellicia e G. Rocca (dirs.), Dizionario degli Istituti di levou, durante 35 anos, uma vida de dedicação e
Perfezione, vol. III, Roma, Edizioni Paoline, 1976, submissão à sua mãe sob a autoridade, por vezes
col. 1709; PUGLIESE, Agostino, “Figlie di San Giuseppe excessiva, dos seus irmãos. Estava intimamente ligada
(Gerona)”, in P. Paschini (dir.), Enciclopedia Cattolica, aos acontecimentos da época e da sua numerosa
vol. V, Cidade do Vaticano, Ente per l’Enciclopedia família, que corria atrás dos cargos eclesiásticos ou
Cattolica e per il Libro Cattolico, 1950, col. 1280. militares e se debatia com numerosos processos de
Digital: encina.pntic.mec.es/~mquc0001/butina sucessão.
.htm. A miséria do povo que rodeava o seu meio burguês
tocou-a profundamente. Desde muito jovem, desejava
ISABEL MAYER MENDONÇA (como ela mesma escreveu) “contribuir com os seus
bens para o serviço dos membros sofredores de
Cristo”. Dedicou parte do seu tempo e das suas
FILHAS DO CORAÇÃO DE MARIA economias a apoiar a educação de crianças. Aspirava
A Sociedade das Filhas do Coração de Maria (SFCM a “centrar” a sua vida em Deus e desejava aliviar
ou FCM) é uma Congregação Religiosa de Direito os pobres nas suas choupanas.
Pontifício, também conhecida por Filles de Marie. Procurou, sem encontrar, uma ordem religiosa que
A Congregação, nascida em França em 1790, é fruto correspondesse ao apelo que sentia de se consagrar
da convergência e complementaridade de um totalmente a Cristo e aos pobres. Apoiava-se na
projecto de Adelaide de Cicé e de uma inspiração adoração eucarística, mas sem deixar de ter presente
Azulejo de S. José (RMO)
do P.e de Clorivière, sj. a dimensão do serviço “fora dos muros do
A história da Revolução Francesa teve grande convento”.
Como objectivos primordiais a comunidade elege a repercussão na história da fundação das Filhas do Em 1785, redigiu um projecto de uma Associação
evangelização e a promoção da classe operária, o Piedosa onde explicitava o género de vida à qual se
ensino da terceira idade e o tratamento de doentes sentia chamada e que abrangia bom número dos
pobres em hospitais, hospícios e ao domicílio. elementos específicos da futura SFCM: “vida de
Em 1875, o P.e Francisco Butiña tomou a direcção oferecimento a Jesus, por Maria, para realizar todas
espiritual de um grupo de seis jovens (entre as quais as suas vontades, sem se propor nada em particular,
as humildes operárias Maria Comas e Maria Gri) que se não o bem espiritual e temporal do próximo”.
tinham decidido viver em retiro e recolhimento na Pedro de Clorivière nasceu em 1735, numa família
povoação de Calella de la Costa, Diocese de Gerona. de armadores de St. Malo, cidade de corsários, com
Mais tarde, juntou-se ao grupo Maria Isabel de um comércio florescente. Num primeiro tempo, sentiu
Maranges Valls, que viria a ser nomeada Superiora tendência para seguir a carreira da Marinha, mas,
da Comunidade. Os membros da nova Congregação pouco depois, o desejo de “buscar a Deus” levou-
receberam o nome de Servas de São José, tal como -o a Paris, onde cursou Direito. Mas também aí não
acontecera com a comunidade que o P.e Butiña havia encontrou o que desejava e, finalmente, descobriu
criado em Salamanca, em 1874. A intenção inicial a sua vocação: ser jesuíta. Entrou no Noviciado em
de reunir os dois institutos não chegou a efectivar- Paris. Pronunciou os votos definitivos na véspera da
-se, tendo permanecido os dois grupos autónomos, supressão da Companhia de Jesus pelo Papa
embora com a mesma designação e as mesmas Clemente XIV. Depois de ter sido forçado a emigrar,
Adelaide de Cicé (I)
Constituições. Em Agosto de 1879, tomaram votos voltou a França como sacerdote secular, mas
perpétuos as primeiras sete irmãs em Gerona e, em permaneceu fortemente ligado à Companhia e jesuíta
1898, celebraram o primeiro Capítulo Geral. Em Coração de Maria. A França estava em profunda crise no seu coração.
1948, o Instituto tinha 51 casas com 870 irmãs; em política, económica e social. Preparava-se já a Clorivière dedicou-se ao trabalho pastoral que o
1974 contava 1013 irmãs em 84 casas, distribuídas Revolução. A 13 de Fevereiro de 1790, em nome da bispo lhe confiara. Foi nomeado Pároco de Paramé,
por 5 províncias e uma vice-província, em Espanha, liberdade, as ordens religiosas foram suprimidas, os na Bretanha. Mais tarde, foi chamado a ser Superior
no México e na América do Sul. A Casa-Mãe tem votos solenes proibidos e os bens da Igreja confiscados. do Colégio do Clero de Dinan e Confessor nas
a sua sede em Madrid, na Calle General Asensio O P.e de Clorivière manifestava-se no púlpito contra Ursulinas, onde encontraria Adelaide de Cicé, que
Cabanilla, n.º 14. os abusos do poder político, tomada de posição que lhe confiou o seu projecto de uma sociedade piedosa
Seis irmãs desta congregação instalaram-se em o comprometeu. Depois de ter sido “chamado à com características de consagração religiosa, a ser
Arganil, na R. Comendador Cruz Pereira, n.º 3, ordem” pelo poder civil, compreendeu que devia vivida em moldes diferentes dos existentes e que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DO CORAÇÃO DE MARIA

considerava ser obra do Espírito Santo em si. Sob a tários e que trataram os doentes contagiados pela
orientação do P.e de Clorivière, Adelaide iniciou uma peste, sendo não só presas, mas amarradas e
nova etapa de discernimento vocacional. expostas no pelourinho.
Foi no contexto acima descrito que, a 19 de Julho Entretanto, Clorivière, escondido, só saía de noite para
de 1790, Clorivière teve subitamente uma inspiração: levar a Eucaristia aos doentes. Escrevia comentários
“num abrir e fechar de olhos, foi-me mostrado um da Sagrada Escritura e cartas circulares aos membros
plano que deveria ser muito útil à Igreja e contribuir das Sociedades, procurando formá-los para uma vida
para o bem de uma infinidade de almas”. Nesse em permanente “tensão” entre as exigências da vida P. Pierre-Joseph de Clorivière, sj (I)
mesmo dia, consultou um zeloso eclesiástico que o religiosa e a missão, sem nada deixar transparecer
confirmou: “aquele pensamento vem de Deus”. exteriormente enquanto as circunstâncias exigissem o Em França, aderiram à nova fundação candidatas
Redigiu imediatamente o Plano de uma vida religiosa anonimato. Foram momentos decisivos para o provenientes de vários estratos sociais, desde damas
para homens – a Sociedade do Coração de Jesus crescimento das duas Sociedades que mergulharam da Corte até camponesas. Logo após a época de
– adaptada às circunstâncias nas quais a Igreja se tenazmente no mistério pascal, vivendo o espírito das terror vivida em Paris, foi criada uma escola para
encontrava. Pouco depois, movido pelo Espírito de catacumbas, à imagem dos primeiros cristãos. crianças cujos pais tinham sido guilhotinados, que é
Deus, escreveu um Plano idêntico para jovens e Por duas vezes Adelaide foi presa por suspeita de hoje o Liceu Carcado-Saisseval, nome das fundadoras.
viúvas, submetendo-o ao seu bispo, que o aprovou manter correspondência política, de exercer activi- Em bairros degradados organizaram-se patronatos
calorosamente. Nascia a Sociedade das Filhas do para as crianças em risco. Surgiu outra obra que iria
Coração de Maria. O Plano das duas sociedades foi ter projecção internacional: a Protecção à Rapariga,
enviado ao papa. que apoiava jovens vindas da província à procura de
Adelaide e Clorivière, sensíveis aos desafios impostos emprego. Uma outra obra, a Convalescença, destinava-
à Igreja pelos dinamismos de transformação da -se a receber doentes de fora de Paris que recorriam
sociedade do seu tempo, nomeadamente os aos hospitais e precisavam de uma convalescença
despoletados pela Revolução Francesa, que viria a antes de regressarem às suas terras. Simultaneamente,
marcar a história universal, procuraram recriar surgiu a obra das Visitadoras dos Hospitais.
institucionalmente a vida religiosa tradicional em Quando as leis anticlericais expulsaram as congre-
novas modalidades capazes de responder às gações religiosas das escolas, as Filhas do Coração
expectativas espirituais dos seus contemporâneos. de Maria assumiram-nas em mais de 60 cidades da
Estavam lançadas as bases de uma nova forma de França. Graças ao seu “anonimato”, foram aceites
vida religiosa liberta de sinais exteriores, sem hábito no ensino público. Graças ao “segredo”, escolas e
Capela da Inspiração (I)
nem clausura, escondida aos olhos do poder civil, hospitais puderam usufruir da presença de religiosas.
a ser vivida em pleno mundo. Foram criados Centros de Formação Pedagógica, a
A Palavra de Deus inspirava Adelaide e confirmava dades ilícitas e ainda porque recomendou uma pessoa Paróquia Universitária em Paris, o Centro de Intelectuais
o seu desejo de uma consagração religiosa pelos ligada ao atentado contra Napoleão, ignorando a de França, assim como o Instituto de Serviço Social e
votos, que encerrava uma dimensão comunitária, sua actividade terrorista. Foram os mais pobres, os o Instituto de Ciências Socais e Familiares, que, mais
vividos no meio do mundo, “Não vos peço que os doentes e os humildes que ela protegeu, acolheu e tarde, deram origem à fundação de outros estabeleci-
tireis do mundo mas que os livreis do mal”, sob o tratou carinhosamente que a defenderam em mentos de ensino semelhantes em França e em diversos
olhar de Maria: “Eis a vossa Mãe”, para se entre- tribunal, obtendo a sua libertação. Mas nunca mais países da América Latina, na Índia e em África.
garem a todo o género de serviços “ Fazei tudo o deixaria de estar sob vigilância policial. A partir de França, a Sociedade desenvolveu-se em
que Ele vos disser”, porque “Já não vos chamarei Também pesavam graves suspeitas sobre Clorivière, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá. Hoje está
servos, mas amigos”. Estas palavras recebidas por entre outros motivos porque o perfeito da polícia e também em África, na América Latina, na Ásia e
Clorivière são os pilares da vida religiosa das Filhas Napoleão se preocupavam com a existência das em vários países da Europa.
do Coração de Maria. associações religiosas, suspeitas de serem sociedades A primeira fundação em Portugal aconteceu em
O clima revolucionário em que surgiu esta nova secretas, instituídas à margem do Estado. 1932. O Cardeal Patriarca, D. Manuel Gonçalves
forma de vida religiosa levou Clorivière a pedir a A 5 de Maio de 1804, Clorivière foi preso e, mais Cerejeira, confiou-lhes como primeira missão a
Adelaide que deixasse a sua terra natal e fosse tarde, encarcerado por quatro anos. evangelização do meio estudantil. Na R. do Quelhas,
instalar-se em Paris, para daí irradiar pela França e Quando o papa restabeleceu a Companhia de Jesus a Sociedade abriu uma Residência Universitária, que
apoiar as novas fundações que surgiram no período no mundo, Clorivière teve a alegria de ser chamado, hoje continua a sua acção no Lar Domus Nostra.
do Consulado e do Império Napoleónico que sofriam apesar da idade avançada, à missão de restaurar a A Protecção à Rapariga foi outra missão da primeira
enormes dificuldades e perseguição. Companhia em França, o que não impediu o seu hora. Também logo no início, em Monsanto, zona mal
O governo revolucionário fez reinar o terror. Os dois empenho em rever o Plano inicial da Sociedade, que afamada, uma professora primária criou uma escola
Fundadores viviam na clandestinidade. Os mártires daria lugar às Constituições de 1818. para filhos de famílias desfavorecidas. Veio depois a
da fé não tardaram a ser presos e guilhotinados. A 26 de Abril de 1818, Adelaide faleceu em oração pastoral social, a catequese, as colónias de férias, a
Um dos primeiros membros das Filhas do Coração diante do Santíssimo Sacramento, fonte do intenso Vida Ascendente e a inserção profissional no ensino, na
de Maria, da Bretanha, M.me des Bassablons, foi labor apostólico de uma vida totalmente doada à enfermagem e no funcionalismo público, entre outras.
guilhotinado a 21 de Junho de 1793, assim como partilha de amor com os outros. Também Clorivière Entre 1978 e 1987, uma religiosa da Sociedade, a
quatro sacerdotes do Coração de Jesus. Esconder viria a morrer diante do Santíssimo Sacramento, a pedido da Conferência Episcopal, integrou o Conselho
um sacerdote e ministrar a comunhão aos doentes 9 de Janeiro de 1820. Nacional de Apoio à Educação de Base de Adultos,
era considerado crime e punido com a prisão e ou Os dois Fundadores tinham as suas vidas enraizadas como representante das organizações confessionais.
a morte. Assim aconteceu a muitas das Filhas do na adoração eucarística e na devoção aos Corações Em 1951, em Goa, apareceu a primeira fundação
Coração de Maria que esconderam padres refrac- de Jesus e de Maria. na Ásia, em resposta ao apelo do santo padre para

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FILHAS DO CORAÇÃO DE MARIA

ainda a trabalhar na Caritas de Angola e no Seminário vida comunitária que pode, se a missão o exigir, não
Diocesano de Luanda. No regresso a Portugal, nos incluir habitação sob o mesmo tecto; e numa plura-
serviços do IARN, duas irmãs apoiaram os retornados. lidade de profissões. A missão é recebida da obe-
Em Canas de Senhorim (1975), o desejo de uma diência e todas as profissões ou trabalho apostólico
inserção em meio rural e o pedido do pároco esti- são possíveis, mas sempre discernidas e confirmadas
veram na origem de um jardim-de-infância, de um com as superioras, segundo as necessidades e apelos
centro de apoio domiciliário a idosos e de um centro do mundo, as capacidades de cada uma e os apelos
de dia para a 3.a idade, prelúdio do que é hoje o da Igreja. O projecto pessoal das Filhas do Coração
Centro Social Paroquial que serve também as de Maria e o projecto comunitário decorrem do
povoações vizinhas. projecto do próprio Corpo da Sociedade, que está
Em Vila Nova de Milfontes, de 1981 a 2001, a aberto às necessidades do mundo e é sustentado
direcção do Colégio de N. Sr.a da Graça foi confiada por uma “Regra firme e flexível” (as Constituições),
por D. Manuel Falcão às Filhas do Coração de Maria, comum a todas, dinamizada pela oração pessoal
assim como um lar de estudantes e trabalhadoras diária, pela participação na Eucaristia e pela meditação
Domus Nostra (I) em Beja. da Palavra de Deus em atitude de discernimento
Uma filha do Coração de Maria, a pedido do evangélico, segundo a espiritualidade inaciana (o
a evangelização nas longínquas terras de missão. respectivo bispo, residiu em S. Tomé e Príncipe, de P.e de Clorivière deu às Filhas do Coração de Maria
Maria do Carmo Paiva Couceiro partiu para Goa e, 1987 a 1991, para a criação e lançamento da Caritas “Santo Inácio de Loiola como mestre e guia”).
em 1952, continuou o trabalho de promoção com Nacional. A trabalhar como voluntária, garantia a A vida comunitária não implica, necessariamente, a
os mais pobres em Bombaim. Todas as castas eram sua subsistência dando aulas de Inglês no Liceu habitação sob o mesmo tecto. Mas as relações
abrangidas pela pastoral. Fundou-se o Instituto de Nacional, enquanto a Caritas alemã lhe assegurava abertas, em espírito de simplicidade evangélica,
Serviço Social e o Instituto de Ciências da Família as viagens e as prestações para a Segurança Social. suscitam o diálogo entre todas, na comunidade onde
(actualmente integrados na Universidade). A saúde, No ano lectivo de 1997-1998, uma religiosa da estão inseridas, sob a orientação da mesma superiora.
a promoção da mulher, a educação de base, a Sociedade assegurou o ensino de Sociologia, Doutrina Assim se alimenta a união do corpo que se vai
conscientização das populações polarizaram, até Social da Igreja e orientação de estágios e teses de construindo com a participação, esforço e capacidade
hoje, a acção das FCM em vários Estados da Índia. fim de curso na Escola de Serviço Social de criativa de cada uma. A partilha da Fé e da Vida, em
Em 1952, a pedido do Bispo do Porto, foi criado, Antananarivo (Madagáscar), a fim de permitir à clima de perdão e atenção, o acolhimento e abertura
nesta cidade, um lar para operárias e estudantes, primeira directora malgache o tempo necessário para são outros tantos elementos importantes para
um curso de educadoras familiares e o Instituto de terminar o doutoramento em Paris. Colaborou nas derrubar barreiras e unir gerações e pessoas que
Serviço Social. Em 1976, em resposta ao momento negociações para a integração da Escola na não fazem parte das Filhas do Coração de Maria,
sociopolítico, a comunidade promoveu grupos de Universidade Católica. favorecendo a missão e o trabalho com leigos, com
oração para adultos e campos de Fé para jovens, Em Portugal, nas diferentes comunidades, existem os quais colaboram. Segundo as necessidades da
com a colaboração de leigos e de Filhas do Coração filhas do Coração de Maria a trabalhar nas mais missão, que pode variar ao longo da vida, as religiosas
de Maria de outras comunidades. A catequese, a variadas profissões no sector público e em instituições da Sociedade viverão na casa comum, com a família,
saúde, o serviço social, o ensino, a pastoral juvenil da Igreja. As mais idosas são voluntárias em diferentes ou sozinhas. O P.e de Clorivière concretizou: a obe-
e vocacional seriam outros campos de presença e organizações. Outras são presença discreta junto diência abarca a vida toda e regula o uso dos bens
acção das Filhas na diocese. dos mais pobres e nas suas próprias famílias. Ao patrimoniais que a pobreza deixa “gerir” às Filhas
Em 1954, em Faro, uma professora de liceu começou longo do tempo, algumas religiosas portuguesas da do Coração de Maria que se comprometem, pelo
por trabalhar com a LECF e tinha a responsabilidade Sociedade partiram para a missão Ad Gentes, para voto, a seguir Cristo pobre, em simplicidade de vida,
da Casa da Acção Católica Diocesana. Depois, com o Brasil, Índia, Japão, Benin, Burkina-Faso, São Tomé na partilha efectiva com os pobres, servindo a Igreja
outras religiosas da Sociedade, desenvolveu-se um e Príncipe e Madagáscar. e limitando-se ao “justo necessário” para si próprias,
trabalho de formação de catequistas, colaboração Em termos de formação, têm as seguintes etapas: numa grande devoção aos Corações de Jesus e de
com a Caritas Diocesana e divulgação do Movimento acompanhamento pessoal para um primeiro conhe- Maria. Desde o início, as religiosas vivem do seu
do Rosário Perpétuo. Entre 1992 e 1995, uma religiosa cimento da pessoa e discernimento vocacional, trabalho e de bens patrimoniais, partilhando entre
das Filhas do Coração de Maria integrou a equipa Aspirantado, Postulantado, Noviciado, Juniorado, si os bens e recursos nas comunidades e entre
encarregada de elaborar o Plano de Catequese de profissão dos votos perpétuos, havendo um programa províncias.
Adultos para a Diocese do Algarve. de formação para cada uma destas etapas, apoiado A Sociedade das Filhas do Coração de Maria tem
De 1962 a 1977, a pedido de D. Manuel Nunes na Palavra de Deus, nos documentos da Igreja, nos um Governo Geral constituído pela Superiora Geral
Gabriel, Maria Susana de Almeida partiu para Angola, documentos históricos, nos escritos dos Fundadores e quatro Assistentes Gerais, que representam, quanto
onde iniciou, com uma equipa de leigas, o Instituto e, ainda, na Regra de Vida, nas Constituições e no possível, os diferentes continentes. O Capítulo Geral
de Educação e Serviço Social Pio XII, que formaria Sumário da Companhia de Jesus que o P. e de é constituído pela Geral e o seu Conselho, pelas
muitos assistentes sociais, educadores sociais, moni- Clorivière comentou para as Filhas do Coração de Provinciais de todo o mundo e pelas representantes
toras e educadoras de infância, tanto angolanos Maria. das províncias, eleitas em escrutínio secreto. É ao
como europeus, e integrou as equipas dos Institutos O seu carisma consiste em manter a vida religiosa Capítulo Geral que incumbe a missão de eleger a
de S. Tomé e de Moçambique. De 1968 a 1974, em em qualquer contexto e meio; em substituir a futura Superiora Geral e o seu Conselho. As
Luanda, a comunidade viveu e trabalhou no Muceque presença das ordens religiosas onde for necessário; Provinciais, as Superioras Locais e as Conselheiras
Prenda com a população e colaborou na Federação numa abertura à missão universal; em testemunhar Provinciais são nomeadas pelo Conselho Geral depois
Nacional dos Institutos Religiosos, no IESS Pio XII e a vida da Igreja de uma forma simples, tendo por de consulta às bases. Os Conselhos Locais são
na Caritas de Angola. Depois da independência, referências modelares a mãe de Jesus e os primeiros nomeados pela Provincial depois de consultadas as
uma das Filhas do Coração de Maria permaneceu cristãos, sem nenhum sinal distintivo; em levar uma religiosas de cada comunidade. As actas dos Capítulos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS DA IMACULADA

Gerais são ponto de referência para o projecto do Aujourd’hui, Paris, Paroles et Silence, 2001; TERRIEN, físicas – surdas, cegas e mudas. Assumindo como
Corpo e projectos provinciais, comunitários e pessoais. Jacques, sj, Histoire de R. P. Clorivière S.J., Paris, modelo de vida aquele praticado e advogado por
Nos arquivos da Sociedade das Filhas do Coração Imprimerie de Valois, 1891. Francisco de Assis, entre 1876 e 1903 o Instituto
de Maria, existem os autógrafos que permitiram conhece um período de expansão marcado pela
editar os documentos históricos e os anais da Socie- EVA SANTOS abertura do primeiro colégio de ensino primário
dade. Existem várias biografias dos Fundadores, MARIA IRENE DEUSDADO religioso, em Janeiro de 1880, e do Centro de Ensino
editadas em épocas diferentes. Actualmente há Especial de Surdos e Cegos da Congregação, o
publicações que realçam um ou outro aspecto do Colégio de S. Vicente Ferrer, cujas actividades
carisma. Existe também correspondência dos FRANCISCANAS DA IMACULADA pedagógicas na Casa Generalícia têm início em 1886
fundadores entre si e com numerosas personalidades. As Irmãs Franciscanas da Imaculada são um Instituto (cegos) e 1887 (surdos-mudos).
Há comunidades que têm crónicas e relatos Religioso Feminino de Vida Consagrada fundado em Em Abril de 1891 dá-se a aprovação definitiva do
detalhados da trajectória da missão nos diferentes Espanha (Valência), em 1876, por Francisca Pascual Instituto e, em 1902, quando contava já com 19
contextos. Existem, ainda, vários livros escritos pelo Domenech (13.10.1833-1903). Tem como carisma fundações direccionadas para as principais actividades
P.e de Clorivière, entre os quais uma obra dedicada a recuperação e a revalorização dos mais pobres e por si consignadas – assistência em asilos, casas de
à oração, as suas Notas Íntimas, um escrito sobre necessitados, dedicando-se em particular à criança beneficência, ensino para crianças normais e surdas-
um retiro de 30 dias, e cartas circulares de ambos e ao jovem deficiente visual e auditivo na sociedade, -mudas e cegas –, vê as suas Constituições serem
os Fundadores. Cada província desenvolveu uma através da sua educação sociocultural cristã. aprovadas em definitivo pelo Vaticano.
espécie de serviço de pastoral de imprensa, Nascida no seio de uma família humilde, Francisca A partir de 1930, o seu raio de actividade apostólica
promovendo a publicação de boletins informativos cedo se vê obrigada a conciliar a vida escolar com junto dos mais carenciados expande-se além-
e formativos entre outras edições de carácter a actividade agrícola e, mais tarde, com o trabalho -fronteiras, alcançando o seu carisma diferentes
espiritual e educativo. de empregada doméstica e fabril, como forma de continentes, nomeadamente a Europa (Itália e
contornar as más condições económicas em que Península Ibérica), a América Latina, para onde parte
BIBLIOGRAFIA: “Au Cœur du Monde, Pierre de vive, vendo-se mesmo obrigada a abandonar os o primeiro grupo de religiosas em 1931 (Porto Rico,
Clorivière et Ses Fondations”, in Tradition Vivant, s.l., estudos. O profundo espírito religioso que havia Venezuela, Peru e Chile) e a Ásia (Índia). Na Índia
s.n., 1985; BARTHÉLEMY, Marie-Louise (ed.), Pierre Joseph conhecido no seio familiar e o reconhecimento das e em Espanha, a Congregação intervém junto das
de Clorivière – Adélaïde de Cicé: Correspondance, dificuldades dos mais necessitados num período comunidades de cegos, surdos e leprosos.
3 vols., Paris, Beauchesne, 1993-2002; BAZELAIRE, Max conturbado da história de Espanha, marcado pela
de, sj, Le Père de Clorivière – 1735-1820, s.l., propagação da cólera, pelas invasões francesas e
L’Apostolat de la Prière, 1966; BEAUNARD, Mgr. L., pelo descrédito do Catolicismo, mas também pela
Adélaide de Cicé et Ses Premières Compagnes, s.l., criação de ordens e congregações de vida activa
Roulers de Meester, 1913; BELLEVUE, M-E. de, Le Père com fins caritativos e de educação de crianças,
de Clorivière et sa Mission, 1735-1820, Wetteren incentivam-na para uma vida consagrada a Deus.
(Belgique), [s.n.], 1933; CHAIGNON, Marielle de, Adélaïde Na oração constante e fervorosa sentiu a necessidade
de Cicé 1749-1818, Paris, Nouvelle Citté, 1990; de colocar a sua vocação ao serviço dos valores
CLORIVIÈRE, Pierre Joseph de, Lettres Circulaires 1799- humanos e do trabalho assistencial, de que a socieda-
-1808, Paris-Malakoff, Duraissie, 1935; CLORIVIÈRE, de do final do séc. XIX tanto necessitava, pelo que,
Pierre Joseph de, Considérations sur l’Exercise de la após a recusa do seu pedido de ingressão na clausura
Prière et de l’oraison, 2.ª ed., Paris, s.n., 1981; das Religiosas Adoradoras por falta de recursos
Documents Historiques: Les Trente Premières années económicos, em 1863 Francisca entra no Beatério
1790-1820, Paris, SFCM, 1981; D’ORANGE, A, DHOMBRE, de S. Francisco de Valência. Às terceiras franciscanas
P., Dans la Tourmente Révolutionnaire – Les Filles du que ali professavam propôs a reforma do antigo
Cœur de Marie, s.l., Lambert-Laurent, 1989; HAMON, beatério num instituto religioso de vida mista, que
A., sj, Mademoiselle Gauffreau: Heroine de la Terreur desse lugar à acção e à contemplação ao serviço
– 1735-1833, Poitiers, Soc. Française d’Imprimerie et dos mais necessitados. O processo inicia-se então
de Librarie, 1932; La Mystique Mariale de Pierre Joseph com 13 companheiras que, empenhadas na pro-
de Clorivière, Paris: Beauchesne, 1954; Marie Adélaïde moção cristã, humana e social, procuram colmatar
de Cicé – 1749-1818, Paris, SFCM, 1961; MONIER- as lacunas na sociedade e providenciar uma resposta
-VINARD, H., Pierre de Clorivière d’après ses Notes concreta às necessidades do homem e da realidade
Intimes de 1763 à 1773, t. 1-2, Paris, Spes, 1935; contemporânea, investindo nos menos favorecidos,
MORLOT, F., GENOS, E., Fondations Nouvelles – Pierre como os idosos, os enfermos, as crianças e jovens
de Clorivière, Paris, Desclée de Brouwer 1985; “Pierre e as mulheres trabalhadoras (operárias, domésticas
de Clorivière, 1735-1820: Un Fondateur dans la e camponesas).
tourmente révolutionnaire”, in Actes du Colloque A 2 de Fevereiro de 1876, as Constituições do Instituto
Public en l’Honneur du 250e Anniversaire de la são oficialmente aprovadas pelo Vigário Capitular da
Naissance du P. de Clorivière, Paris: Assas Éditions, Diocese de Valência e Francisca, agora Madre Francisca
1986; RAYEZ, A., sj, Le Sens Eclesial à la Fin du XVIII da Conceição, é nomeada primeira Superiora Geral.
Siècle: Pierre Joseph de Clorivière, s.l., s.n., 1954; As Irmãs dedicam-se sobretudo a obras benéficas,
REYNIER, Chantal, Profil Spirituel du Chrétien, Paris, apostolado e educação, com base na vida em oração
Paroles et Silence, 2004; REYNIER, Chantal, Pierre- e nas directrizes evangélicas, num campo até então
-Joseph de Crorivière, Jésuite: Un Maître Spirituel pour pouco cultivado, o das crianças com deficiências Instituto de Surdos-Mudos da Imaculada Conceição, Lisboa (PCC)

411
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Em Portugal, a história das Irmãs Franciscanas tem Congregação, assumindo personalidade jurídica candidatas; o Postulantado, com duração de seis
início em 1933. O Colégio de la Puríssima para própria e revestindo a natureza de Instituição meses; e o Noviciado de dois anos, um no Noviciado
crianças surdas, em Madrid, tinha um aluno cujos Particular da Segurança Social sem fins lucrativos, e outro numa comunidade que reúna condições.
pais, espanhóis radicados em Portugal, pretendiam tutelada pelo Ministério da Segurança Social e da Segue-se um período de cinco anos na Congregação,
trazer o filho para perto de si, pelo que sugerem à Educação. No âmbito das denominadas Comunidades durante os quais se renovam os votos anualmente
Superiora Geral da Congregação a fundação de um Madre Francisca, promovidas pela Casa Generalícia, e após os quais professam os votos perpétuos e passam
colégio em Lisboa para surdos-mudos. Em Maio ali se têm vindo a desenvolver trabalhos em articu- a membros definitivos. A par do uso de um hábito
desse ano, as Irmãs deslocam-se àquela cidade para lação com pessoas leigas que visam participar e castanho no Inverno e bege no Verão, distingue-as
estudar a viabilidade do projecto e, nesse contexto, colaborar com o Instituto. o uso de uma medalha com a representação da
solicitam autorização ao Cardeal Cerejeira para ali Imaculada Franciscana.
se fixarem (a que juntam o reconhecimento das
autoridades do Ministério da Educação para BIBLIOGRAFIA: Impressa: DIOGO, Irmã Maria Fernanda
estabelecerem um colégio). Em Setembro de 1933, de Matos, E o Seu Nome Era Francisca, Porto, Irmãs
é designada como Superiora da nova fundação a Franciscanas da Imaculada, s.d.; DIOGO, Irmã Maria
Madre Edelmira de la Encarnación Ferrero Clement, Fernanda de Matos, Irmãs Franciscanas da Imaculada,
que vem para Lisboa e se hospeda temporariamente Porto, Irmãs Franciscanas da Imaculada, s.d.; GOMES,
numa das casas das Franciscanas Missionárias de Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede,
Maria, até encontrar um espaço adequado à sua Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 68; S ERRES ,
instalação, que se reconhece na R. das Trinas, Esperanza Alcover, Rompiendo las Barreras del
pertencente à Paróquia da Estrela. Com o objectivo Silencio: Historia de la Congregación de Religiosas
de implementar o convite que lhes foi endereçado Terciárias Franciscanas de la Inmaculada, Valência,
por Conceição e Joaquim Dinis da Fonseca e pelo Dr. s.n., 1976; SERRES, Esperanza Alcover, Madre Francisca
Braga Paixão, então Director do Instituto Assistencial Pascual, Historia de la Congregación de Religiosas
a Menores, de se encarregarem da educação das Terciárias Franciscanas de la Inmaculada, Valência,
crianças carentes de audição que a Casa Pia de s.n., 1975. Digital: www.franciscanasdelainmacula
Lisboa tinha em Algés, em 1934 as Irmãs mudam- da.com.
-se para uma quinta na R. do Borja, onde permanecem
até 1994. Os primeiros anos revelam-se difíceis do MARIA JOÃO FERREIRA
ponto de vista económico e também pelo desco-
nhecimento da língua, a que acresce o facto de, em
1936, a comunidade lusa se ver impedida de FRANCISCANAS DA IMACULADA
contactar com a Casa-Mãe, tornando-se involun- CONCEIÇÃO
tariamente autónoma com o início da Guerra Civil Esta Congregação Religiosa de Direito Pontifício é
de Espanha. Em Maio de 1942, o Instituto (com usualmente designada por Franciscanas de La
regime de internato) é oficialmente inaugurado com Inmaculada Concepción de México, nome adoptado
a presença do Presidente Marechal Carmona. no ano de 1970 em substituição do anterior,
Dado o seu sucesso e carácter pioneiro no ensino Franciscanas de La Purísima Concepción de México.
especial praticado em Portugal, em Setembro de A sua sigla é HFIC, constituída pelas iniciais de
1943 as responsabilidades directivas e de docência Hermanas Franciscanas de La Inmaculada Concepción.
do Instituto Araújo Porto da cidade invicta, então Foi na Cidade do México, por iniciativa do franciscano
com dificuldades (fundado em 1893 por José Fr. José Refugio Morales Córdova (1836-1894), que
Rodrigues de Araújo Porto, benfeitor da Santa Casa esta Obra deu os seus primeiros passos. Corria o
da Misericórdia do Porto, para educação de crianças ano de 1874 quando Fr. Refugio Morales, com o
Instituto Araújo Porto, Porto (JMF)
surdas-mudas), são transferidas para as Irmãs apoio do então Arcebispo do México, Pelagio Antonio
Franciscanas da Imaculada, sendo o referido Instituto de Labastida y Dávalos, chamou Dolores Vásquez
absorvido pelas Irmãs em 1947. Às instalações do Ainda que em Portugal as Irmãs Franciscanas da (1850-1897) para sua colaboradora. Com ela vieram
Porto juntam-se aquelas fundadas em Braga (em Imaculada tenham funcionado como delegação também ajudar esta nova Fraternidade duas senhoras
actividade na Vivenda Leonor entre 1979 e 1996) dependente da Casa Geral, a partir de 2002, dado ligadas às Religiosas de la Enseñança, Manuela
e nos Açores, cuja comunidade foi fundada em o seu reduzido número, foram integradas na Província Méndez e María de Jesús Maldonado. A actividade
Setembro de 1987 e oficialmente inaugurada a 6 de S.ta Maria (Espanha). Actualmente contam com deste núcleo pautava-se, inicialmente, pelas reuniões
de Março de 1988, na ilha de S. Miguel, na Paróquia 16 irmãs, que trabalham com crianças e adolescentes feitas na presença de Fr. Refugio Morales e das três
de Pilar da Bretanha, pela Ir. Maria Virgínia Barbosa surdos e autistas, dos 3 aos 18 anos, no âmbito do senhoras, no oratório da casa de Concepción
(da comunidade do Porto), onde trabalhou com apoio médico (otorrino) e psicológico, do ensino Escudero de Ortega, na Calle de Medinas, hoje Calle
jovens da paróquia e onde permaneceu até 1995, especial (1.º ciclo) e da terapia de ocupação e da República de Cuba. A seu tempo, as três religiosas
data em que a comunidade encerrou por falta de fala, explorando actividades dinâmicas como a obtiveram o hábito descoberto da V. O. Tercera e
membros. Em 1983, a Congregação edifica, com o música, o canto e o desporto e promovendo sempre todas tiveram novos nomes: Dolores Vásquez passou
apoio da Segurança Social, o Instituto de Surdos- o ambiente de família. a chamar-se María de la Luz de Cristo Crucificado,
-Mudos da Imaculada Conceição, em Lisboa, o qual Sobre o processo de admissão e evolução dentro da Manuela Méndez passou a Juana de San Felipe Neri
obtém o registo definitivo em 1986. Trata-se de uma Instituição, reconhecem-se três momentos: o Aspiran- e María de Jesus Maldonado a María del Refugio
instituição que, em 1993, se torna independente da tado, que visa o reconhecimento das vocações das de la Preciosa Sangre.

412
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS DA IMACULADA CONCEIÇÃO E SÃO MIGUEL ARCANJO

presença do padre franciscano Dionisio Luengo. México, América Central e Estados Unidos. A África,
Foi a 27 de Abril de 1921 que a Congregação se a sua influência chega em 1985 e, em 1993, é criada
viu sob a alçada da Ordem dos Frades Menores e, outra Província na América Central, a nova Província
em 1924, no dia 13 de Dezembro, foram aprovadas de N. Sr.a da Paz. No correr do ano de 2005, a Obra
as novas Constituições pelo Arcebispo da Cidade Franciscana da Imaculada Conceição contava com
do México, José Mora y del Rio. Nesse mesmo dia 14 casas dependentes do Governo Geral, espalhadas
o Instituto outrora fundado por Fr. Refugio Morales por diversos lugares como África Central e Ocidental,
e por Dolores Vásquez ficou então legitimado como Nova Iorque, Itália, Marrocos, Espanha e Portugal.
Congregação de Direito Diocesano. De facto, a sua acção evangélica também já passou
pelo nosso país. Foi no Lar de S. Francisco (R. S.
Filipe de Neri, n.º 78, em Lisboa) que seis delas
estiveram desde o dia 9 de Julho de 1993. As Irmãs
Franciscanas da Imaculada Conceição ausentaram-
-se do nosso país recentemente.
Sempre concentradas na ajuda aos mais desfavore-
cidos, aos idosos e aos doentes, as Irmãs Franciscanas
da Imaculada Conceição seguem a sua caminhada
de Fé. Servem em lares, hospitais, sanatórios e
clínicas, procurando divulgar a sua missão e o seu
carisma: a vivência humilde unida ao exemplo de
Cristo, comprometida com a Igreja e com a comu-
Imagem de N. Sr.ª da Conceição na Igreja de S.to António, nidade e baseada na oração e no sacrifício. A acção
Lourinhã (VA) apostólica junto de todos e, principalmente, dos
mais jovens é também um projecto levado a cabo
A este grupo inicial juntavam-se, gradualmente, mais por estas Irmãs.
colaboradoras e, em 1894, a Instituição contava já
com 29 elementos. Fr. Refugio Morales viria a falecer BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal
a 13 de Abril desse ano e, a partir de então, a 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
orientação espiritual das Irmãs ficou a cargo do P.e Episcopal Portuguesa, 2007, p. 892; ROCCA, Giancarlo,
José de Jesús Nájar, designado anteriormente para “Francescane dell’Immacolata Concezione”, in
este lugar pelo próprio Fundador. Contudo, ainda Guerrino Pelliccia, Giancarlo Rocca (dirs.), Dizionario
que o desejo de Fr. Refugio Morales fosse levar as degli Istituti di Perfezione, vol. IV, Roma, Edizioni
Azulejo de S. Francisco de Assis no Convento dos Capuchos,
Irmãs a uma exclusiva vivência em comunidade, Paoline, 1977, col. 296. Digital: www.coframex.agen
Costa da Caparica (AJ)
apenas dez das 29 Irmãs viviam em regime de ciacatolica.com.
internato. Todas as restantes eram externas, dividindo
a sua vida entre a Fraternidade e as suas próprias Contudo, foram precisos ainda alguns anos para SUSANA MOURATO ALVES
casas. Foi então que, após a morte da Madre que a Congregação conseguisse a aprovação
Fundadora Dolores Vásquez (19 de Agosto de 1897), definitiva da Santa Sé e, ainda durante os anos 20,
a Madre María de la Luz Alcalá foi nomeada as Irmãs viram a sua estabilidade abalada pelas FRANCISCANAS DA IMACULADA
Superiora Geral. Esta irmã era uma das externas, perseguições religiosas que se faziam sentir no CONCEIÇÃO E SÃO MIGUEL ARCANJO
pelo que juntou as colaboradoras que se encontravam México. Foram, então, obrigadas a procurar outros Fraternidade das Irmãs Franciscanas da Imaculada
na mesma situação e que desejavam segui-la e assim lugares onde pudessem ajudar os mais necessitados Conceição e São Miguel Arcanjo é o nome oficial
se separou da obra dirigida agora pelo P.e Jesús e difundir a sua Fé, tendo, nesta altura, chegado dado à Pia União, de cariz secular, que, desde o
Nájar. Tendo este grupo seguido uma vida fora da aos Estados Unidos. momento da sua criação, sempre esteve ligada ao
presente Comunidade, restaram apenas quatro irmãs Finalmente, a 9 de Julho de 1947, as Irmãs receberam acolhimento e ao auxílio de crianças necessitadas.
internas. As duas primeiras colaboradoras da para a sua Obra o Decreto Laudatório, concedido Era o início dos anos 50 quando o P.e Abel Henriques
Instituição, as Irs. Juana de San Felipe Neri e María pelo Papa Pio XII, seguido da Aprovação Definitiva Correia Pinto (16.10.1910 – 04.01.1975) abriu duas
de la Preciosa Sangre vieram a falecer em 1897 e do Instituto e das Constituições, pelo Papa Paulo VI, casas de apoio a crianças e jovens desprotegidos
1901, respectivamente. a 25 de Setembro de 1963. em Caneças e em D. Maria – a primeira destinada
Uma primeira aprovação diocesana teria sido atribuída Já sob o nome de Irmãs Franciscanas da Imaculada a acolher sobretudo rapazes, a segunda exclusiva a
à Congregação em 1896, mas foi em 1903 que o Conceição, designação que veio substituir a anterior raparigas. Esta iniciativa era denominada Obra da
padre franciscano Leonardo Martínez, ligado ao a 12 de Outubro de 1970, a Congregação veio a Imaculada Conceição e de Santo António e quem
Colégio Apostólico de S. Fernando da Cidade do ser dividida em províncias a 16 de Outubro de 1971. a dirigia era o próprio P.e Abel, que, à data, residia
México, procurou que o Instituto dependesse Estas eram quatro: Província do Divino Salvador na Igreja-Casa de S. to António-à-Sé, em Lisboa.
directamente da Terceira Ordem Regular, aprovada (América Central); Província de S.ta Clara de Assis Corria o ano de 1956 quando surgiu a oportunidade
por Leão X, em 1521. A Comunidade passou a ser (Estados Unidos); Província de Cristo Rei e Província de prolongar a sua boa vontade, apoiando a criação
designada por Hermanas Terciarias Franciscanas de N. Sr. a de Guadalupe (ambas no México). de um projecto análogo àquele que então abraçava.
Regulares de la Purísima Concepción a partir do dia Nos anos 70, a Congregação encontrava-se em Filomena Benvinda Santos (31.05.1921 – 21.07.2006)
8 de Julho de 1905 e a ter como padroeira N. Sr.a franca expansão, contando já, em 1975, com quase fundava em Vila Praia de Âncora (Caminha) uma
da Imaculada Conceição. Este acto contou com a um milhar de colaboradoras e com 79 casas no Fraternidade com algumas colaboradoras e com o

413
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS DE NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO

da Cúria Geral da Ordem, encarregou-se de fazer Igreja-Casa de S.to António. A Ir. Leonor e a Rosa
chegar a causa das Irmãs a Roma, para que a Pia Maria são residentes na R. Cândido de Figueiredo,
União fosse elevada a Congregação de Direito n.º 82, r/c esq., onde se costumava encontrar a
Diocesano. Madre Filomena.

BIBLIOGRAFIA: GOMES, Manuel Saturino da Costa,


scj, et alii, Vinde e Vede: Formas de Vida Consagrada
na Igreja, Lisboa, Paulinas, 1995, p. 40.

SUSANA MOURATO ALVES

FRANCISCANAS DE NOSSA SENHORA DO


BOM CONSELHO
As Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho,
identificadas pela sigla FBC, são um instituto religioso
de vida consagrada. Foram fundadas em 1896, em
Espanha, por Maria Teresa Rodón Asension.
O seu carisma e missão consistem no acompa-
nhamento de Nosso Senhor com uma vida simples
de oração e de apostolado, acolhendo crianças
abandonadas, assistindo os doentes e auxiliando no
ensino.

S. Miguel Arcanjo na Igreja de Queijas (RMO)

amplo auxílio do P.e Abel Correia Pinto. Esta nova


Congregação ficaria a depender estreitamente da
Província Portuguesa da Ordem dos Frades Menores,
visto que não tinha uma aprovação oficial, mas
apenas um estatuto especial, elaborado pelo
P.e Guilherme Ferreira da Costa, ofm.
Estátua de S. Miguel Arcanjo à entrada de Queijas (PCC)
As Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição e
São Miguel Arcanjo surgiam, então, no dia 15 de
Agosto de 1956. A sua Sede ficaria estabelecida na Entretanto, a Fraternidade acabou mesmo por se
R. 5 de Outubro, n.º 16, em Vila Praia de Âncora. ver reduzida a cinco irmãs no ano de 1978. Das
Nos finais dos anos 70, mais propriamente em 1977, quatro que saíram, duas seguiram para o Carmelo
eram nove as irmãs que geriam o Externato Liceal de Viana do Castelo e as outras duas entraram no
de N. Sr.ª da Assunção, dirigiam o patronato paroquial Mosteiro de Monte Real, em Leiria, como clarissas.
e, no internato da Casa-Mãe, cuidavam de cerca de A Madre Filomena viria também a adoecer
30 crianças e jovens, na sua maioria meninas (rapazes gravemente nesta altura, o que colocou em risco o
eram apenas dois ou três). Já estavam estabelecidas futuro da Instituição, do colégio-externato e do
também na R. Cândido de Figueiredo, em Lisboa, internato a funcionar na Casa-Mãe.
lugar onde habitualmente se encontrava a Madre Já recuperada, a Fundadora viu o Externato Liceal
Madre Maria Teresa, Fundadora (I)
Filomena. As suas receitas provinham das esmolas, de N. Sr.ª da Assunção passar a cooperativa de ensino
do trabalho desempenhado na paróquia e no e, consequentemente, o internato da Fraternidade
externato e da horta mantida pelos seus ocupantes reduzir de forma gradual o número das suas crianças. As Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho
e por aquela que fora desde sempre a responsável O hábito destas Irmãs era “sinal de presença e de entraram em Portugal em Junho de 1944. Os mem-
pelo internato, a Ir. Ercília. atracção de vocações”, contudo, por se tratar esta bros desta Congregação são em número reduzido,
Contudo, a Obra vivia algumas dificuldades: quatro Fraternidade de uma instituição secular, o seu uso cerca de uma dezena. A Superiora Delegada é eleita
das Irmãs (três delas noviças) esperavam há muito despoletou certos atritos da parte de algumas para um mandato de seis anos.
tempo por um rumo para o seu caminho vocacional. autoridades eclesiásticas. A sede nacional localiza-se em Lisboa (R. Julieta
Foi na companhia do franciscano Fr. Henrique Pinto Após a morte da sua Fundadora, ocorrida a 21 de Ferrão). A comunidade reside nessa habitação e as
Rema, o qual ajudava quinzenalmente esta Julho de 2006, a Fraternidade contava, no ano de irmãs prestam serviço e apoio no Hospital de S.ta
Fraternidade em Vila Praia, dando-lhe o seu apoio 2007, com 4 colaboradoras: 2 na Sede de Vila Praia Maria como enfermeiras. Prestam também apoio
espiritual, que a Madre Filomena decidiu dar de Âncora, as Irs. Ercília e Lurdes, e outras 2 na em Santarém, no Lar de Acamados e de Idosos, bem
conhecimento das dificuldades da sua Obra ao Bispo Igreja-Casa de S.to António-à-Sé, a Ir. Leonor e a como no Centro de Dia. Esta colaboração remonta
de Viana do Castelo, D. Júlio Tavares Rebimbas. Rosa Maria da Silva, que entrara na Casa-Mãe aos a 1988 e contou com o apoio do Bispo daquela
O P.e Desidério Kalverkamp, franciscano brasileiro sete anos de idade e viera servir, aos 16, para a diocese, D. António Francisco Marques. A transfe-

414
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS EVANGELIZADORAS DE NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA

rência do Hospital Distrital de Santarém para novas intuito de dar vida a uma nova instituição religiosa,
instalações implicou a abertura de novas valências que, a par da vivência em comunidade dos seus
pelo que o Provedor da Misericórdia, o Dr. António membros, teria também uma vertente direccionada
Oliveira Dias, solicitou ao Bispo de Santarém o apoio para as pessoas que desejava ajudar. A Fraternidade
de uma comunidade religiosa, optando pelas tem como objectivo não só o cariz religioso habitual
Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho. de oração e contemplação, mas também chegar a
todos os necessitados das populações onde se insere
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, activamente, ou seja, cada irmã aceita viver nas
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal mesmas condições daqueles que quer ajudar. No
Portuguesa, 2007, pp. 883-884; G OMES , Manuel seu primeiro documento, intitulado Projecto de Vida,
Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, as Irmãs Franciscanas Evangelizadoras de Nossa
Edições Paulinas, 1994, p. 41; VIEIRA, Maria do Pilar Senhora da Esperança definem claramente essa dupla
S. A., “Congregações Religiosas Femininas”, in Carlos vertente da sua Obra: os seus membros não só se
Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa comprometem com os deveres religiosos da vida em
de Portugal, vol. C-I Lisboa, Círculo de Leitores/Centro comunidade, como, em simultâneo, deverão abraçar
de Estudos de História Religiosa da Universidade a dimensão apostólica da Fraternidade. A presença
Católica Portuguesa, 2000, pp. 476-482. das Irmãs no cerne de cada população e a completa
inserção na mesma são essenciais para que sejam
LUÍS PINHEIRO percebidas as carências de cada pessoa e para iniciar
em conjunto aquilo a que chamam uma “caminhada
de Fé”, “evangelizando pela oração, estilo de vida,
Senhora da Esperança (I)
FRANCISCANAS EVANGELIZADORAS DE testemunho, serviço e anúncio directo da Palavra
NOSSA SENHORA DA ESPERANÇA de Deus”. A sua espiritualidade assenta, portanto,
As Irmãs Franciscanas Evangelizadoras de Nossa na missão de Jesus: “anunciar a Boa Nova aos pobres, A par da imagem de N. Sr. a da Esperança, a
Senhora da Esperança (IFENSE), ou apenas Francis- proclamar a libertação dos cativos, dar vista aos Fraternidade apresenta também o emblema como
canas de Nossa Senhora da Esperança (FENSE), cegos e mandar em liberdade os oprimidos” (Is 61,1; seu símbolo. As palavras de Jesus aos discípulos são
representam a Fraternidade Franciscana Evange- Lc 4, 18). O Carisma da Instituição é contemplativo- as palavras de Jesus a cada representante desta
lizadora de Nossa Senhora da Esperança – nome -apostólico, de inspiração franciscana, e cada irmã Congregação: Euntes et predicate Evangelium – “Ide
oficial desta Congregação. toma, para si própria, o mandato do Senhor a e anunciai o Evangelho”. A acompanhar a exortação,
Francisco: “Francisco, vai e repara a minha Igreja” a representação do arco gótico incentiva cada irmã
(Cel. 6,10). a ser anunciadora, pela forma que é própria da
A Fraternidade vem a ser canonicamente aprovada, Fraternidade: oração, testemunho de vida, serviço
em 1988, pelo então primeiro Bispo de Santarém, e anúncio da Palavra de Deus, e convida todos os
D. António Francisco Marques, e, em 2001, as Irmãs que se queiram juntar à causa do anúncio do
transferem a Comunidade da localidade de Azinhaga Evangelho, sendo a âncora, “segura e firme” (Heb
do Ribatejo, onde nascera, para a cidade de Santarém. 6, 19), a configuração da esperança, significado que
Se a ajuda aos mais desfavorecidos é um dos tomou na iconografia dos primórdios do Cristianismo
empenhos destas Irmãs, tal inspiração advém da e que expressa o prisma sob o qual as Irmãs fazem
solicitude de Nossa Senhora (a sua padroeira, sob o anúncio.
o título de N. Sr.a da Esperança) para com os que
se encontram em qualquer necessidade. Logo quando
a Fraternidade dava os primeiros passos, foi mandada
fazer uma imagem de N. Sr.a da Esperança. Contudo,
a mais antiga representação de Nossa Senhora sob
este título, possivelmente anterior ao séc. XIII, está
guardada na Igreja Paroquial de Belmonte, e terá
sido uma imagem peregrina. Sabe-se que pertenceria
aos antepassados de Pedro Álvares Cabral e que
teria sido levada em viagem até ao Brasil, como Emblema da Congregação (I)
protectora daqueles que ali seguiam embarcados,
em direcção ao novo mundo. Muito menos antiga, No percurso a seguir por cada irmã, desde o início
mas criada com a mesma fé que a imagem religiosa até aos votos perpétuos – a Formação Franciscana
Painel de azulejos com N. Sr.ª da Esperança, no exterior dos Cabrais, a N. Sr. a da Esperança da presente Evangelizadora – contam-se três etapas: o Pré-
da capela das Irmãs Clarissas, em Montalvo (SMA) Fraternidade revela esse entusiasmo evangélico, -Noviciado, o Noviciado e o Juniorado.
patente na missão destas Irmãs Franciscanas: Nossa Durante o Pré-Noviciado a jovem conhece e interioriza
Foi no distrito de Santarém, na localidade de Senhora tem nos braços o Menino “em jeito de o significado do carisma e da espiritualidade da
Azinhaga do Ribatejo, que se lançaram as fundações quem O oferece, de quem O dá ao Mundo”. É nesse Fraternidade. Na fase do Noviciado, a aprendizagem
desta Comunidade. Em 1985, um grupo de cinco sentido que as Franciscanas Evangelizadoras celebram faz-se mais intensamente, tomando como bases a
irmãs, no qual se incluía a Ir. Maria Odete Pereira a sua principal festa anual, a 25 de Março, assina- liturgia, o contacto com a história da Fraternidade,
de Oliveira, que concebeu o projecto, reuniu-se no lando desta forma a Anunciação do Senhor. o estudo dos seus Estatutos, a teologia da vida

415
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

consagrada e a espiritualidade franciscana. É também promovem, como seguidores de Francisco, a comu- crescente e desenfreada o transformava no
nesta fase que se dá início à experiência da vida nhão universal como meio para viver com dignidade proletariado mais escravizado e desprotegido da
consagrada propriamente dita, à contemplação e à e exaltam a importância do respeito como alicerce Europa. Eram uma multidão os pobres, os órfãos e
meditação. Decorridos dois anos de Noviciado, cada para a construção do Reino de Deus. Todas as os doentes que vagueavam pelas ruas, privados de
irmã emite votos temporários por três anos, reno- semanas, este movimento reúne-se para reflectir a assistência social e religiosa, presas fáceis das
váveis por mais três. A última etapa da formação – mensagem cristã e franciscana. Para além destas ideologias e de todas as degradações humanas. Face
o Juniorado – acaba por estar direccionada para a reuniões, os leigos promovem ainda tempos de a tanta miséria, para a qual era urgente encontrar
consolidação de saberes adquiridos no Pré-Noviciado reflexão, oração e adoração e envolvem-se, directa- solução, o P. e Raimundo dos Anjos Beirão, jun-
e no Noviciado e promove, em simultâneo, a mente, nas actividades de cada paróquia. tamente com D. Libânia do Carmo Galvão Mexia de
integração de cada elemento nas comunidades sociais Os Casais Franciscanos Evangelizadores, para além Moura Telles e Albuquerque e um grupo de senhoras
e no mundo do trabalho. O tempo de Juniorado é da interiorização da mensagem cristã e franciscana, terceiras de S. Francisco de Assis, recolhidas no
de três a seis anos, período durante o qual cada das reuniões quinzenais e da dinamização e evange- Convento de S. Patrício, em Lisboa, começou a
irmã deverá fazer a profissão perpétua. É preci- lização da sua paróquia, têm ainda como actividades ocupar-se da educação de meninas pobres, as mais
samente no terceiro ano e no sexto que se o acompanhamento e a formação espiritual de outros miseráveis da capital. Havia, porém, a necessidade
desencadeia o processo de auto e hetero-avaliação casais. São seus objectivos a promoção da família absoluta de cuidar dos doentes abandonados em
ao caminho percorrido na aprendizagem do carisma como “Igreja Doméstica”, lugar de comunhão, de suas casas e pelas ruas. Assim foi crescendo o projecto
franciscano evangelizador. A formadora, a sua equipa respeito e de transmissão da vida e que recebe os de fundar uma congregação religiosa que se ocupasse
e as comunidades, onde cada irmã prestes a efectivar filhos como dádiva de Deus, à luz do exemplo da dos desvalidos, com total gratuidade, por amor de
os seus votos perpétuos esteve integrada, são Sagrada família. Também à semelhança dos outros Deus. Não o sendo possível em Portugal, por se
chamadas a apreciar o percurso trilhado. dois grupos franciscanos, promovem a espiritualidade manter a proibição de emitir votos religiosos, o P.e
Quanto à estrutura hierárquica mantida por esta franciscana evangelizadora, o empenho na transfor- Beirão recorreu a uma congregação francesa. Em
Instituição, constituem a Fraternidade todas as irmãs mação e na comunhão da sociedade e, acima de 1870, seguiu para França um grupo de senhoras,
que efectivaram os seus votos após a formação. tudo, a consciência de que é preciso ser evangelizado tendo à frente a Madre Maria Clara do Menino Jesus.
A sua Superiora é eleita de seis em seis anos, em para evangelizar.
Capítulo Geral, bem como o Governo Geral da 2. Fundadores. Madre Maria Clara do Menino Jesus
Congregação. Do Governo Geral fazem parte a BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de (Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Telles e
Superiora Geral e duas Conselheiras. Os Estatutos Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Albuquerque, 1843-1899) foi a primeira Superiora
e o Directório Geral são a base da conduta de todas Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 671; Geral da Congregação das Irmãs Hospitaleiras dos
as Irmãs e foram revistos, pela última vez, no ano Digital: www.ifense.com. Pobres pelo Amor de Deus e primeira Mestra de
2000. Noviças. Nasceu no seio de uma família da antiga
Actualmente a Instituição mantém duas casas em SUSANA MOURATO ALVES nobreza, a 15 de Junho de 1843, na Q.ta do Bosque,
Portugal. A Casa Geral situa-se na R. Teófilo Braga,
n.º 11, em Santarém, e a Residência na R. de S.ta
Catarina, n.º 22, na Azinhaga. FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS
No dizer das próprias Franciscanas de Nossa Senhora As Franciscanas Hospitaleiras, ou Congregação das
da Esperança, “quando se descobre uma riqueza, Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada
com a qual se sente imenso prazer, deseja-se que Conceição (CONFHIC), são uma Congregação
outros possam possuí-la também”. Assim, a obra Religiosa Apostólica Feminina de Direito Pontifício
evangelizadora faz-se também através de alguns (Santa Sé, 27 de Março de 1876), fundada em
movimentos laicais criados no seu seio. São eles a Portugal, no Convento de S. Patrício, em Lisboa, a
Juventude Franciscana Evangelizadora, os Leigos 3 de Maio de 1871, pela Madre Maria Clara do
Franciscanos Evangelizadores e os Casais Franciscanos Menino Jesus e pelo P.e Raimundo dos Anjos Beirão
Evangelizadores. e que rapidamente se impôs como o instituto religioso
A Juventude Franciscana Evangelizadora é consti- com o maior número de membros em Portugal.
tuída por jovens que desejam envolver-se na espiri- Outras designações da Congregação são: Irmãs
tualidade e carisma evangelizadores, empenhando- Hospitaleiras dos Pobres pelo Amor de Deus (1874-
-se em aprofundar a sua formação cristã, em adquirir -1910), Congregação das Irmãs Hospitaleiras da
conhecimentos sobre a espiritualidade franciscana Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Lisboa
e em progredir no respeito mútuo. Para tal, são (1876-1900) e Irmãs Franciscanas Hospitaleiras
promovidos, no seio deste grupo, os retiros anuais, Portuguesas (1900-1964).
as reflexões quinzenais, a oração e as actividades
Madre Maria Clara do Menino Jesus, Fundadora (I)
de apoio à dinamização das actividades que são 1. Contexto histórico da fundação. Esta Instituição
confiadas aos jovens nas paróquias onde se encon- surgiu em meados do séc. XIX como resposta
tram inseridos, apelando à partilha e ao respeito evangélica às inúmeras carências com que se debatia na Porcalhota, actual Amadora. Órfã desde os 13/14
por si próprios, pelos outros e por Deus. o povo português. Depauperado pelas guerras liberais anos, Libânia sempre demonstrou um espírito
Aos Leigos Franciscanos Evangelizadores pertencem (1832-1834) e por maus anos agrícolas, sem poder enérgico e independente, um temperamento forte,
homens e mulheres empenhados em colaborar na contar com os socorros que lhe advinham do clero uma espiritualidade profunda e uma sólida fir-
dinamização da paróquia a que pertencem. Pelas e das ordens religiosas, suprimidas e expulsas em meza de carácter, cimentado pelas inúmeras
suas experiências de vida, ajudam à evangelização Maio de 1834, o povo viu-se forçado a emigrar em dificuldades e muitos sofrimentos com que deparou
dos que os rodeiam, favorecem a educação cristã, massa para a capital, onde uma industrialização ao longo da sua vida: o falecimento do seu tio-avô

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

na sua própria casa, o do seu irmãozinho Rui, a 3. Memória histórica. Em 1896, foi escrita a
perda da mãe em 1856 e do pai em 1857, o primeira crónica da Congregação, Livro Primeiro das
internamento no Asilo Real da Ajuda, dirigido pelas Chronicas da Congregação das Irmãs Terceiras
Filhas da Caridade Francesas (Irmãs de São Vicente Regulares de São Francisco de Assis, Hospitaleiras
de Paulo), a ocorrência do incêndio no palácio velho Portuguesas, com Centro Principal em Lisboa, um
da Ajuda, onde estava instalado o asilo e, depois
da expulsão das religiosas educadoras, em 1862, a
mudança de residência para o palácio dos Marqueses
de Valada, aparentados com os Galvão Mexia. Após
uma vida luxuosa, contraposta aos testemunhos de
pobreza e miséria, recolheu-se em 1867, como
pensionista, na Casa de S. Patrício, junto das Irmãs
Capuchinhas, orientadas pelo P.e Raimundo Beirão.
Sentindo-se chamada à vida religiosa, em 1869,
tomou o hábito de capuchinha de Nossa Senhora
da Conceição e recebeu o nome de Ir. Maria Clara
do Menino Jesus. Um ano depois, e a pedido do P.e
Beirão, partiu para o Convento de N. Sr.a das Sete
Dores, em Calais (França), para fazer o Noviciado,
regressando a Portugal em 1871, como Superiora
Local e com a faculdade de estabelecer, em S. Patrício,
um Noviciado filial de Calais. Ao longo de 28 anos P.e Raimundo dos Anjos Beirão, Fundador (I)
presidindo aos destinos da Congregação, recebeu
cerca de 1000 irmãs e com elas tornou-se pioneira testemunho do seu grande amor a Deus e ao
Crónica da Congregação (I)
da acção social no seu país, fundando mais de 142 próximo, sabendo atender a todos os pobres e
obras, distribuídas por hospitais, enfermagem ao necessitados com profunda simplicidade, bondade
domicílio, creches, escolas, colégios, assistência a e muita confiança na Divina Providência. Professou texto encomendado pelo Visitador Apostólico
crianças e idosos, cozinhas económicas, entre outras. na Ordem Terceira Regular de São Francisco de P.e António de Santa Maria, e redigido pela Ir. Maria
Coube a esta mulher a tarefa ingente de transformar Assis, no Convento de N. Sr.a de Jesus (Freguesia da Piedade, então a exercer o ofício de Conselheira
Portugal, de norte a sul, provendo todas as suas das Mercês, Lisboa), tomando o nome de Fr. Geral. Foram lavradas 25 folhas (50 páginas), num
províncias destas instituições, onde o pobre, o doente, Raimundo de Santa Maria dos Anjos. A 2 de Março caderno de 100 folhas, numa primeira abordagem
o desvalido de toda a sorte, a massa sobrante do de 1833, foi ordenado Sacerdote. Abrigando na sua da história da Congregação, até essa data.
seu tempo, puderam conhecer o amor e os cuidados alma o sentimento da verdadeira caridade, tornou- Desaparecido na revolução de 1910 e encontrado
de mulheres dedicadas inteiramente ao serviço dos se para Portugal o que Vicente de Paulo fora para em recentes pesquisas na Torre do Tombo, foi, em
mais necessitados. Realizou amplamente aquele a França do seu tempo. Perseguido pelas ideias libe- 1989, publicado num pequeno volume, organizado
“fazer o Bem, onde houver o Bem a fazer” que veio rais, também ele foi vítima do furor anti-religioso pela Ir. Maria Lucília L. de Carvalho. Em 1933, foi
a constituir o lema de toda a Congregação. Esta que o expulsou do convento. Todavia, a vivacidade editada em Braga uma nova crónica, da autoria da
mesma acção foi estendida, progressivamente, a do seu temperamento, o espírito indomável e o zelo Ir. Maria da Saudade de Jesus (Maria da Purificação
Angola, Goa, Guiné e Cabo Verde. A Madre faleceu constante pela causa de Deus e dos necessitados Henriques de Azevedo), Crónica da Congregação
no Convento das Trinas, em Lisboa, no dia 1 de não o deixaram repousar por muito tempo. Entra das Religiosas Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas,
Dezembro de 1899, com 56 anos, vítima de doença na luta pela vida com outro dinamismo e outro rasgo unicamente para uso das religiosas. Na origem desta
cardíaca, asma e lesão pulmonar. Sepultada no apostólico, que o faz correr incansavelmente para crónica esteve um pedido do Bispo de Tui, D. Manuel
Cemitério dos Prazeres, foi trasladada, em 1954, “onde houver algum Bem a fazer”. Foi capelão da García García, à Ir. Maria Domingas da Conceição,
para o Convento de S.to António, em Caminha, e Armada Real, capelão do Recolhimento de N. Sr.a então Superiora Geral, que, por sua vez, confiou a
repousa, a partir de 1988, na cripta da nova Casa- da Rosa (que se dedicava ao abrigo de crianças tarefa à secretária, e depois Conselheira Geral, Ir.
-Mãe da Congregação, em Linda-a-Pastora, Queijas, desprotegidas e abandonadas) e o responsável pelo Maria da Saudade de Jesus. A crónica, lavrada nos
Patriarcado de Lisboa. Desde 18 de Dezembro de encaminhamento de jovens vocacionados para o primeiros dois anos da década de 30, foi baseada,
1995, decorre o seu Processo de Canonização, sacerdócio no Instituto/Colégio Português de S.to sobretudo, na memória da Ir. Escolástica dos Anjos,
encontrando-se já em Roma e em fase bastante António, em Roma, e pela criação, em Lisboa, da uma das irmãs mais antigas da Congregação, e na
adiantada, não só o processo sobre a fama de Associação Filhos de São Caetano, destinada à de outras irmãs, tendo a autora percorrido todas as
santidade e virtudes heróicas da Serva de Deus, instrução e catequização de meninos pobres e à casas da Congregação em Portugal. Desta pesquisa
como o processo sobre o presumível milagre, obtido assistência de indigentes. Granjeou fama de orador resultaram 38 cadernos manuscritos, em papel
de Deus, por sua intercessão, ocorrido em Baiona, sacro, percorrendo em pregações quase todo o país, comum de 38 linhas, que foram analisados e
Espanha, em 2002, e posteriormente instruído na e auxiliou a comunidade das Capuchinhas de Nossa homologados pelo Visitador da Congregação, Fr.
Diocese de Tui (Vigo). Senhora da Conceição, de Aldeia Galega (actual João da Santíssima Trindade. A primeira parte desta
O P.e Raimundo dos Anjos Beirão (Raimundo Maria Montijo, Ribatejo), que mais tarde, se tornou origem crónica foi revista, fundamentada historicamente,
Ferreira da Silva Beirão, 1810-1878), missionário da Congregação. Faleceu no Convento das Trinas, comentada e publicada em separata, no ano de
apostólico interno, nasceu em Lisboa na Freguesia no dia 13 de Julho de 1878, com 68 anos, vítima 2001, pela Ir. Rosa Helena Mendes de Moura (Ir.
do Socorro, no dia 8 de Março de 1810. De espírito de doença maligna. Hoje, repousa na mesma cripta Maria Clara do Espírito Santo), na celebração dos
aberto, alegre e íntegro, desde muito novo deu em que se encontra a Madre Maria Clara. 125 anos da aprovação pontifícia da Congregação,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

tendo sido considerada um documento indispensável Deus (1901), documentos do Arquivo Secreto do proibida no país a emissão de votos religiosos, soube
ao conhecimento da sua origem e fundação. Em Vaticano, circulares da Ir. Escolástica dos Anjos e o P.e Beirão, por informações dos padres capuchinhos
1976, o P.e Henrique Pinto Rema, a pedido da nona Estatutos do Recolhimento de Aldeia Galega, entre em Roma, da existência das Irmãs Franciscanas
Superiora Geral, Ir. Maria de Fátima Sanches, deu outros. Em 1984, apareceu um pequeno opúsculo Hospitaleiras de Calais, que, em França, desenvolviam
início à árdua tarefa de escrever a mais completa de tema missionário, com apenas 28 páginas e o um trabalho semelhante àquele que queria imple-
obra desta Instituição, organizada em três volumes, título Quem irá por Mim?. Com o objectivo de mentar em Portugal. Sob a sua ordem, a partir de
Crónica do Centenário da Congregação das Irmãs sensibilizar as Irmãs a uma maior disponibilidade Junho de 1869, dirigiram-se para Calais três grupos
Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição para o serviço das missões, nele se apresentavam de recolhidas da Comunidade de S. Patrício, em
1876-1976, depois de reunir material que se alguns dados históricos e se resumia a acção devo- Lisboa, com o objectivo de fazerem o Noviciado e
encontrava disperso pelas casas servidas pelas Irmãs tada, simples, mas heróica das Irmãs missionárias. de realizarem a profissão religiosa, elementos
Franciscanas Hospitaleiras, em especial nas sedes necessários à fundação de uma Congregação
das casas provinciais e em arquivos: Arquivo Histórico 4. Historial e fundação da Congregação. A origem genuinamente portuguesa: o primeiro grupo,
do Ministério das Finanças, Arquivo Histórico desta Congregação remonta aos primeiros contactos constituído pela Ir. Conceição, Ir. Maria do Carmo,
Ultramarino, Arquivo da Direcção-Geral dos Serviços realizados pelo P. e Beirão com as Terceiras Ir. Maria de São Francisco e Ir. Amada dos Anjos
Tutelares de Menores (Ministério da Justiça), Biblioteca Franciscanas Capuchinhas de Nossa Senhora da (Teresa de Jesus Calder), regressou ao fim de quatro
Nacional de Lisboa, em jornais da época e livros Conceição de Aldeia Galega, depois trazidas para meses sem professar, devido à insistência francesa
apropriados, e no Arquivo Nacional da Torre do Lisboa, e foi concretizada, a partir de 1867, com a numa filiação entre ambas as congregações; do
Tombo, num sector denominado internamente Núcleo entrada de Libânia do Carmo no Pensionato de S. segundo grupo, de que fizeram parte a Ir. Maria
do Refeitório ou Arquivo das Congregações. Este Patrício, mais tarde, em 1869, com a sua decisão Clara do Menino Jesus, a Ir. Maria do Espírito Santo
arquivo possui um grande número de documentos, em tomar hábito de Capuchinha e, posteriormente, (Susana Maria Gonçalves), a Ir. Maria da Conceição
já catalogados, concretamente 1177 títulos, e uma com a sua profissão, em Calais, aonde fora enviada Neto e a Ir. Maria da Consolação, somente pro-
quantidade enorme de papéis avulsos, inclusive para o Noviciado e emissão de votos públicos. fessaram as duas primeiras irmãs, embora lá tivessem
fotografias, ainda por catalogar, os quais se encon- Inicialmente, o P.e Beirão, como forma de resolver permanecido durante 15 meses; do terceiro e último
tram agora reunidos em cinco caixas de arquivo. Os o problema de sustento das Irmãs e da educação grupo, constituído pela Ir. Maria Teresa (Ir. Maria
219 manuscritos catalogados, geralmente na de crianças, tinha fundado em Aldeia Galega um Amada dos Anjos), Ir. Luciana dos Anjos (Margarida
qualidade de livros ou cadernos, vindos do extinto pensionato, anexo ao Recolhimento das Capuchinhas do Sacramento Teixeira de Figueiredo), Ir. Maria
Convento das Trinas e doutras casas da Congregação, da Imaculada Conceição, destinado à educação Carolina dos Anjos (Maria Carolina Gomes da Silva)
apresentam-se como livros de contas da casa, livros cultural e religiosa de filhas de famílias abastadas e Ir. Maria da Assunção, apenas voltaram três
de matrícula e de frequência dos asilos de infância, de Lisboa que pudessem contribuir para a manu- religiosas, ficando retida em França a Ir. Maria
dos colégios e das escolas, livros do movimento dos tenção da casa. Como este pensionato era distante Carolina dos Anjos. Regressado o segundo grupo a
hospitais e dos asilos de inválidos, correspondência da capital, foi necessário transferi-lo: por volta de 1 de Maio de 1871, logo no dia 3, em celebração
particular e ocasional, documentos oficiais, como 1844, para a Q.ta de Palma de Cima, propriedade presidida pelo P. e Beirão, foi a Ir. Maria Clara
certidões, testamentos, entre outros. O Registro de dos Condes do Lavradio, D. Francisco de Almeida e apresentada à comunidade na qualidade de
Matrícula da Congregação das Irmãs Hospitaleiras D. Carlota de Almeida, no local onde se situa Superiora Local e Mestra de Noviças. Iniciou ime-
Franciscanas Portuguesas, Convento das Trinas, actualmente o Hospital de S.ta Maria e a Faculdade diatamente a reforma das Capuchinhas. No dia
Lisboa, um volume de 45x30 cm, com 299 folhas de Medicina de Lisboa; em 1856, passou para S. 15 de Julho do mesmo ano, 13 das recolhidas
(não foram contados os índices), com páginas de Lourenço de Carnide – Colégio de N. Sr. a da trocaram o hábito azul de Terceiras Franciscanas
52 linhas, que abrange o período desde a época da Conceição, também conhecido como Colégio da de Nossa Senhora da Conceição pelo hábito preto
Fundadora até Julho de 1910, inclui os seguintes R. da Fonte (devorado por um incêndio, em das Franciscanas de Calais. O Convento de S.
elementos: número de ordem, nome da postulante Novembro de 1857); e, em 1858, instalou-se no Patrício foi transformado em Noviciado filial de
e seu nome em religião, idade e se trouxe certidão Convento de S. Patrício, em Lisboa, propriedade dos Calais e, em Julho de 1872, foi fundada a primeira
de Baptismo, data em que chegou, data em que Padres Dominicanos Irlandeses, criado em finais do casa de acção hospitaleira, o Hospício de S. Francisco
recebeu o hábito, data e em que qualidade professou, séc. XVI, por iniciativa da Companhia de Jesus, de Belém, onde as Irmãs exerciam a missão de enfer-
filiação, profissão do pai, naturalidade, freguesia, como seminário para rapazes irlandeses que não meiras domiciliárias, junto de famílias, nos arredores
concelho e lugar onde foi baptizada, onde fez a podiam ordenar-se no seu país, devido à perseguição de Lisboa. A apresentação dos primeiros Estatutos
primeira comunhão, onde se crismou, dinheiro que religiosa. Neste Convento de S. Patrício, viviam, em ocorreu em Outubro de 1873, mas o Governo Civil
trouxe, pensão do Noviciado e dote, causa por que 1862, 17 Irmãs com as alunas internas e pensionistas de Lisboa, em Março do ano seguinte, indeferiu o
saiu e data do falecimento. Nesta crónica foi feito e uma classe externa gratuita de 52 meninas, pedido de aprovação. Reformados, segundo as exi-
um exaustivo e minucioso estudo da Congregação patrocinada pela Associação Protectora das Meninas gências do governo, foram aprovados como
no qual, além do nascimento e evolução das Irmãs Pobres, dirigida por D. Teresa de Saldanha. Com a associação de beneficência, a 22 de Maio de 1874,
Hospitaleiras, das suas casas, obras e espiritualidade proibição das congregações religiosas em Portugal, no imperativo de se desligar de qualquer depen-
e da matrícula e movimento das Irmãs, temos acesso a consequente expulsão das Filhas da Caridade de dência de Calais. Em Agosto de 1875, na esperança
a uma vasta e importante documentação, em que São Vicente de Paulo (por Decreto do Governo de que lhe enviassem a Ir. Maria Carolina dos Anjos
se destacam: Regra da Terceira Ordem Regular, Leis Português, a 27 de Maio de 1862) e o exílio ainda retida em Calais, o P.e Beirão solicitou a França
e Estatutos do Recolhimento das Capuchinhas de voluntário das Irmãs da Caridade portuguesas, o o envio de uma irmã formadora que aliviasse o
Nossa Senhora da Conceição da Vila de Aldeia P. e Beirão sentiu a necessidade de fundar uma trabalho e as grandes responsabilidades do cargo
Galega, Estatutos das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres congregação que se dedicasse ao serviço de pobres de Superiora e de Mestra de Noviças da Ir. Maria
Pelo Amor de Deus (1874), Constituições das Irmãs e doentes, de dia e de noite, e ao atendimento de Clara, a que a Superiora de Calais respondeu com
Hospitaleiras (1890 e 1900), Estatutos da Associação necessidades materiais e espirituais que afligiam a o envio de um grupo das suas religiosas para
das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres pelo Amor de sociedade portuguesa daquele tempo. Como estava assumirem os cargos já abertos. Provocou isto grande

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

descontentamento entre as Irmãs da Congregação Conselho. Em 1882, foi realizado o II Capítulo Geral a Congregação a completar a sua organização. Foi
nascente, cujo impasse foi resolvido pelo próprio e, a partir desta data, as reuniões capitulares sob a sua influência que se realizou o VI Capítulo
Governo Português, que não daria aprovação aos repetiram-se regularmente a cada triénio, destinando- Geral, entre 2 e 10 de Setembro de 1898, para
Estatutos se a Congregação estivesse ligada a se, quase exclusivamente, à eleição ou reeleição da exame, discussão e aprovação capitular das alterações
superiores estrangeiros. Em Novembro de 1875, a Superiora Geral e do seu Conselho. Actualmente, e sugeridas para as Constituições. A 24 de Novembro
Ir. Maria Clara pediu a aprovação pontifícia do segundo as Constituições, os Capítulos Gerais de 1900, quase um ano após a morte da Madre
Instituto, a qual foi obtida pelo Rescrito de 27 de Ordinários, convocados pela Superiora Geral, devem Fundadora, chegou de Roma a aprovação das
Março de 1876, com o reconhecimento pela Santa celebrar-se de 6 em 6 anos, sendo o seu objectivo, Constituições, que tinham sido reformadas em
Sé, como congregação religiosa autónoma. No dia além da eleição da Superiora Geral e seu Conselho, Setembro de 1898. Sofreram, ao longo da vida da
3 de Maio de 1876, a Ir. Maria Clara do Menino a revitalização da espiritualidade e do serviço Congregação algumas alterações, adequadas aos
Jesus foi reconhecida Superiora Geral da Congregação apostólico da Congregação, nos diferentes campos tempos. Em consequência das directivas do Concílio
e considerada como sua Fundadora. Em 1875, foram de acção pastoral, e o estabelecimento de prioridades Vaticano II, desde 1977 até 1981 foram necessa-
aceites as primeiras obras dedicadas à primeira para o respectivo sexénio. A 26 de Junho de 1882, riamente revistas, para adaptação ao novo Código
infância: a Creche de S. João Baptista e a Creche realizou-se oficialmente a cerimónia de consagração do Direito Canónico, e depois confirmadas pelo
de S.ta Maria, ambas no Campo Grande, Lisboa. da Congregação do Sagrado Coração de Jesus. A Pontífice João Paulo II, em 1990. Actualmente, toda
Em Abril do mesmo ano, a Congregação atravessou 3 de Julho de 1886, mediante proposta do Cardeal a Congregação está debruçada sobre uma nova
um período crítico durante a epidemia de tifo. Foi Patriarca de Lisboa, o franciscano D. José Sebastião revisão, para, depois de uma madura reflexão, ser
a partir desta época que, apesar da cedência da Neto, a Santa Sé concedeu à Congregação o seu aprovada no Capítulo Geral de 2007, sujeitando-se,
Q.ta de Palma de Cima para transferência das religiosas primeiro cardeal protector, o Cardeal Francesco Ricci posteriormente, ao veredicto da Santa Sé. Com a
doentes e convalescentes, se aperceberam que a Paracciani. A 2 de Maio de 1890, numa tentativa revolução republicana, e apesar da perseguição às
Casa de S. Patrício não era suficiente e não apre- de colocar a Congregação sob a orientação dos religiosas e da sua expulsão do Convento das Trinas,
sentava as condições de espaço e salubridade Franciscanos, o Cardeal D. José Neto nomeou o as Irmãs, com trajes seculares, prosseguiram a sua
necessárias ao desenvolvimento da comunidade. P.e Fr. Domingos Sanches como Visitador de todas missão, principalmente no Norte do país. A sede da
Após muitos pedidos e influências, o Governo cedeu, as casas onde as Hospitaleiras exerciam a sua acção. Congregação passou para uma casa alugada em
então, o Convento das Trinas do Mocambo que Em 1890, devido às obras no Convento das Trinas, S.to Tirso, onde permaneceu, desde Outubro de 1910
havia pertencido às Religiosas Trinitárias ou Trinas, a Madre Maria Clara foi autorizada a ocupar parte a Janeiro de 1911. Nesse mesmo mês e ano, foi
desde o séc. XVII. Passou a ser a Casa-Mãe das do Convento de N. Sr.a da Conceição da Luz, em transferida para a Casa de S. Telmo, em Tui (Espanha),
Hospitaleiras, popularmente conhecidas como Irmãs Arroios, e do Convento de S.ta Joana, também em onde se manteve até 1912, e, desde essa data até
da Caridade, por terem continuado a missão das Lisboa, instituindo neste último a sede de Noviciado, 1936, para a Q.ta da Saravia, igualmente em Tui.
Filhas de Caridade francesas, no tratamento dos entre 1891 e 1892. De 1892 a 1910, o Noviciado Entre 1936 e 1973, a sede da Congregação esteve
doentes em suas próprias casas. O primeiro colégio na Casa de Saúde da Boavista, no Porto; de 1973
aberto (no Vale de Santarém), bem como o primeiro a 1980, passou novamente para Tui, para o Paço
hospital (o de S. Marcos, em Braga) datam do ano Episcopal, cedido pelo Bispo da Diocese; e, de 1980
de 1875. A partir de 1876, as Irmãs dedicaram-se, a 1989, para a R. das Janelas Verdes, n.º 43, em
também, aos asilos de inválidos, com a abertura do Lisboa. Desde 1988, a sua sede definitiva está situada
Asilo de S. José, em Braga, a que se seguiram outras em Linda-a-Pastora, Queijas, Patriarcado de Lisboa.
obras em diversos pontos do país e Ultramar O Noviciado continuou na Casa de S. Telmo, até
português. Em 1893, a pedido do Cardeal Patriarca
de Lisboa, D. José Sebastião Neto, iniciaram a sua
missão nas cozinhas económicas que levariam a
integrar, ainda em vida da Fundadora, um novo
Placa no Convento das Trinas do Mocambo (PCC)
artigo nas Constituições da Congregação. Depois
do falecimento do P.e Beirão, em 13 Julho de 1878,
a Madre Maria Clara assumiu sozinha a orientação esteve na Casa-Mãe das Trinas. Em Maio de 1896,
do Instituto com as inúmeras dificuldades internas a Mãe Clara – como carinhosamente era chamada
e externas inerentes a este cargo, perigos, perse- – foi reconhecida pela Santa Sé como Fundadora e
guições, mal-entendidos, rejeições e críticas. São Superiora Geral perpétua. No mesmo mês, a Congre-
exemplos o longo processo judicial levantado por gação dos Bispos e Regulares anunciou a visita
César Macedo, em 1878, sobre a posse do Convento apostólica e nomeou como Visitador Apostólico da
das Trinas, que havia sido hipotecado pelas Religiosas Congregação das Irmãs Hospitaleiras, o franciscano
Trinitárias e o “Caso das Trinas”, entre 1891 e 1896, Fr. António de Santa Maria, conhecido pela sua
que deu origem à instauração de um extenso e autoridade, por vezes excessiva e turbulenta. Foi o
injusto processo. No dia 3 de Outubro de 1878, em responsável por uma melhor organização da
S. Paio de Refojos (S. to Tirso), no palácio dos Congregação e pela realização do V Capítulo Geral,
Marqueses de Monfalim, celebrou-se o I Capítulo entre 5 e 26 de Outubro de 1897, onde foi feita a
Geral, para eleição do Conselho Geral, sob a revisão do costumeiro e aprovada a iniciativa do
presidência do P. e João António Nogueira de primeiro Colégio Seráfico. No mesmo ano, foi
Marinhas, nomeado pelo Bispo do Porto, D. Américo substituído pelo Superior Provincial dos Franciscanos,
Ferreira dos Santos Silva. Após a eleição teve lugar, Fr. João da Santíssima Trindade, não menos incon-
nesse mesmo palácio, a primeira reunião deste veniente que o anterior, mas que continuou a ajudar Actual Casa-Mãe em Linda-a-Pastora (I)

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1916, transferindo-se, então, para a Saravia, até sua expulsão do país e das dificuldades impostas, a contribuíram para o desenvolvimento desta insti-
1936; entre esta data e 1957, permaneceu no Congregação continuou a crescer: a 1 de Janeiro tuição: um dos irmãos do P.e Beirão, Dr. Manuel
Convento de S.to António, em Caminha; devido ao de 1911, as Irmãs foram para Espanha, donde Maria Ferreira da Silva Beirão (Ministro do Reino,
incêndio que devorou o edifício, em Abril de 1957, irradiaram para o Brasil, a 10 de Setembro de 1911, Jurisconsulto, Deputado, Ministro da Justiça, Par do
passou para o Colégio Missionário de Ermesinde, chamadas para orientar e ensinar nos colégios de Reino, Presidente da Ordem dos Advogados), que,
onde esteve até 1960; e, desde esse ano, funciona Montalegre, Alenquer e Itacoatiara, no Estado do sendo considerado o melhor advogado português
na Casa de S. José, em S.to Tirso. Em 1894, fundou- Amazonas. A 26 de Agosto de 1922, partiram para daquele tempo, ajudou a redigir os Estatutos das
-se um novo Noviciado em Pangim, Índia, para Moçambique, Lourenço Marques (Maputo), onde Irmãs Hospitaleiras dos Pobres pelo Amor de Deus
atender as jovens vocacionadas daquela região. tiveram como primeiro trabalho a assistência a e muito concorreu para a cedência do Convento
Depois da República e mercê da expansão da mulheres presas, o ensino nas escolas e o serviço das Trinas do Mocambo; D. Inácio, Cardeal Patriarca
Congregação para outros países, foram abertos os de lavandaria, na Missão de S. José de Lhanguene, de Lisboa, que, com a sua influência e amizade,
seguintes Noviciados: em 1913, em Penedo (Alagoas), a que aliaram, também, a acção evangelizadora no orientou a escolha para a obtenção do Convento
o primeiro no Brasil, vindo a ser transferido, em mato, em contacto directo com a população; das Trinas; Dr. Francisco Beirão, sobrinho do Fundador,
1926, para Salvador, Bahia, onde ainda se encontra; posteriormente, foram assumidas as Escolas de bem como o Bispo do Porto, D. Américo, e o Ministro
em 1911, em Bandra, Índia inglesa, transferido de N. Sr.ª da Conceição, em Inhambane e outras António de Serpa Pimentel, que conseguiram que
Pangim (Goa), funcionando, hoje, em Nashik City; missões em vários pontos deste país. A 8 de Julho a dívida do Convento das Trinas fosse paga e que
em 1945, um novo Noviciado no Brasil, em de 1929, as irmãs foram para os Açores, Horta, as religiosas permanecessem nesse mesmo espaço;
Pirassununga, S. Paulo; para dar novo incremento onde tomaram conta do Hospital da Misericórdia, a Infanta D. Isabel Maria, filha de D. João VI, que
à formação de jovens vocacionadas da Índia, foi abrindo-se, dois anos mais tarde, o Colégio de S.to interveio, com a sua influência, para a aprovação
fundado outro Noviciado em Margão, no ano de António, na mesma cidade. A 11 de Outubro de pontifícia da Congregação e cedeu a sua Q.ta da
1955, transferido, em 1995, para Bangalore, depois 1952, foram para Itália, Roma, abrindo a Procuradoria Alfarrobeira, em Benfica, num período em que as
da erecção canónica da Província da Imaculada da Congregação, junto da Santa Sé, e uma obra de instalações do Convento de S. Patrício se tornaram
Hospitaleira; a pedido da Congregação, em 1967, atendimento a hóspedes (poucos anos depois, e insuficientes; D. José Maria da Silva Ferrão de
a Santa Sé autorizou a abertura de um Noviciado anexa, foi aberta uma Clínica). A 8 de Maio de 1958, Carvalho Martens, Bispo de Bragança, que emitiu
em Lourenço Marques (Maputo), Moçambique,
actualmente instalado em Marracuene; em 1972,
na cidade de S. José, Califórnia, pelo despontar de
vocações nos Estados Unidos da América, houve
necessidade de abrir um outro; pelo mesmo motivo,
inaugurou-se o primeiro Noviciado nos Açores, Angra
do Heroísmo, em 1978; e, no ano de 2004, em
Viana, Luanda, fundou-se outro, para as candidatas
de Angola, S. Tomé e Guiné. Devido à escassez de
vocações, foram encerrados o dos Açores e o da
Califórnia, transitando as aspirantes à vida religiosa
Missões (I)
dessas regiões para outros Noviciados. A Congregação
Convento de S. Patrício, Lisboa (I)
teve uma notável projecção além fronteiras a partir
de 1883, quando, sob a orientação da Madre Maria a Congregação expandiu-se para S. Tomé e Príncipe,
Clara, foram enviadas as primeiras missionárias para onde assumiu o Hospital Central, e a 29 de Março um parecer favorável sobre os Estatutos, de
Angola, no dia 7 de Fevereiro desse ano, para de 1960, para os Estados Unidos da América, S. considerável importância para a aprovação da nova
assumirem os trabalhos do Hospital Civil e Militar José (Califórnia), cuja primeira obra foi a educação, família como Congregação; D. Eugénia Maria
D. Maria Pia, em Luanda. Pedidas com o intuito de na Escola Five Wounds Convent. A 19 de Março de Filomena Brandão de Melo Cogominho Correia de
lhes ser confiada a direcção de um colégio de 1987, as Irmãs chegaram à Suazilândia, tendo como Sá Pereira do Lago Bezerra de Lacerda e Figueiroa,
regeneração de mulheres degredadas, na Fortaleza principal objectivo dar assistência aos refugiados da Marquesa de Monfalim e Terena que, em 1877,
de S. Miguel, foi-lhes mudada a missão, e só em guerra civil que ensanguentava as terras de fundou o Hospício de N. Sr.a de Lurdes, no Porto, e
1909, já no generalato da Madre Maria de Assis, Moçambique e, simultaneamente, tratar as irmãs depois o entregou à direcção e aos cuidados das
puderam tomar conta desse trabalho. À Índia, Goa, doentes que a guerra ia desgastando. Em 1992, Irmãs Hospitaleiras, consideradas como suas filhas,
chegaram a 24 de Maio de 1886, solicitadas para partiram para as Filipinas, trabalhando na pastoral a quem cedeu o seu palácio, em S.to Tirso, para a
orientar o Colégio da Santa Casa da Misericórdia, dos pobres, e, em 1995, de novo para Angola, reunião do I Capítulo Geral da Congregação e que
destinado a órfãs de famílias europeias. Nove anos colaborando na pastoral da Paróquia dos Remédios, sempre demonstrou uma extrema dedicação, através
depois, estariam a prestar os seus serviços no Hospital na recuperação dos “meninos dos coqueiros” e da angariação de ajudas para as diversas acções de
Civil e Militar de N. Sr.a das Vitórias, também em fazendo voluntariado no Hospital D. Maria Pia. Em caridade; D. Laura de Magalhães e Sousa Soares de
Goa. Na Guiné-Bissau, entraram a 23 de Fevereiro 1996, chegaram à África do Sul, tomando conta de Albergaria que, tendo ajudado na defesa e no apoio
de 1893, para o Hospital Civil e Militar de Bolama. um lar de terceira idade e do ensino da língua às Irmãs, durante o “Caso das Trinas” e tendo
Em Cabo Verde, cidade da Praia, aportaram em finais portuguesa a filhos de emigrantes. A 10 de Abril subsidiado, a expensas suas, a restauração de alguns
de Setembro do mesmo ano, com o intuito de de 1999, a Congregação chegou ao México, tendo espaços do Convento das Trinas, acabou por entrar
orientarem o Hospital Civil. Para S. Tomé e Príncipe, como principal papel a acção pastoral e social junto na Congregação, em 1894, com o nome de Ir. Amada
partiram em 1898, onde, por mudança de direcção das populações, sobretudo a promoção da mulher. de Jesus Maria José, mas foi expulsa antes de
do hospital, as Irmãs não foram aceites, mas voltaram, As Franciscanas Hospitaleiras contaram, desde o seu professar, por ter provocado divisão dentro da
60 anos depois. A partir da República, e apesar da início, com diversos benfeitores que em muito Instituição; e o Dr. António José Freire, de Bairros

420
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

(Lodares, Lousada), pelo testamento de avultada teor. Após 1910, vários reconhecimentos públicos
fortuna feito à Congregação, na pessoa de quatro foram atribuídos, mas somente ficam anotados alguns
irmãs, nomeadamente a Fundadora, em gratidão dos mais recentes: Comenda Pro Eclesia et Pontifice
pelos serviços prestados ao seu filho Fabião, durante à pessoa da Ir. Santos Inocentes, outorgada pelo
a doença de tuberculose que o vitimou. São ainda Papa João XXIII, pelos serviços prestados às missões
de registar alguns benfeitores que, durante a e, em particular, à Arquidiocese de Bombay, Índia;
revolução republicana de 1910, mais propiciaram as Medalha de Honra da Augusta Cruz, enviada pelo
Irmãs: D. Emília Friães Martins, em S. to Tirso; as Vaticano, à Ir. Maria Edna Marcílio de Sousa, pelos
irmãs Cardoso (D. Joaquina, D. Sílvia, D. Haydée) e serviços prestados à educação, no Brasil; a Placa de
o Morgado da Casa da Torre, em Bairros, Lodares; Honra ao Mérito, pelos serviços prestados no Centro
a Marqueza del Pazo de la Merced, em Baiona, Interescolar de Enfermagem da Sagrada Família, no
Espanha; Mons. Pera e Mons. Rebelo, em Goa; Brasil, à Ir. Floraci Vieira Barros; alguns títulos de
P.e Knos, em Bellary, Índia inglesa; e D. João Evangelista cidadã a várias religiosas brasileiras; Medalha de
de Lima Vidal, em Luanda, Angola. Posteriormente, Mérito Filantrópico, à Ir. Maria Salomé Gomes, pela
D. José Alves de Matos, Arcebispo de Mitilene e sua profunda dedicação à educação na ilha Terceira,
Auxiliar do Patriarca de Lisboa, e sua irmã D. Maria Açores; Medalha de Ouro de Mérito Municipal, ao
da Conceição Alves de Matos, como gratidão dos Colégio Moderno de S. José, Vila Real, por muitos
serviços prestados pela Ir. Maria das Oliveiras, que relevantes serviços prestados à comunidade; Medalha
os serviu até ao respectivo falecimento, doaram à Municipal de Mérito Cultural e Científico, Classe
Congregação a sua residência e todos os bens, em Prata, ao Colégio de N. Sr.a da Bonança, em Vila
Leiria, com o fim de instituir ali uma escola para Nova de Gaia, reconhecendo o melhor sucesso escolar
meninas pobres. Nos Açores, na ilha do Pico, foi o em anos consecutivos; Medalhas de Mérito Municipal
Cardeal D. José da Costa Nunes que deixou a casa ou de Dedicação Hospitalar a irmãs enfermeiras de
Imaculada Conceição (I)
e todos os seus haveres à Congregação. É de salientar, algumas Misericórdias do país; Medalhas de Bons
também, um ou outro nome de maior relevo no seu Serviços ou de Reconhecimento de Lares de Terceira
papel benemérito à Congregação: em 1923, sobressai Portugal, os primeiros núcleos da Família Secular Idade ou Instituições de Protecção ao Menor, entre
na Índia o Arcebispo de Damão, D. Sebastião José Franciscana Hospitaleira da Imaculada Conceição outras.
Pereira, pela sua acção; em 1943, D. Manuel (FASFHIC), uma associação de fiéis que se propõe
Guerreiro, Bispo português, ajudou a financiar a compartilhar o carisma da Congregação de acordo 6. Padroeiros e Devoções. As Irmãs Franciscanas
compra do terreno para a construção do hospital, com a espiritualidade vivida e transmitida pelos seus Hospitaleiras têm como padroeira principal a Virgem
em Chennai, e dirigiu as obras da construção, Fundadores (Projecto de Estatutos, art. 1.º) que, Maria (Imaculada Conceição) e como padroeiros
enquanto que a Dr.a Miss Pereira, da Birmânia, em depois de formação adequada, emitem compromissos secundários o Patriarca S. Francisco de Assis (modelo
agradecimento, deixou todos os seus valores e temporários e definitivos. Surgiram os primeiros da Família Franciscana) e S. ta Isabel da Hungria
objectos em ouro à Instituição; em Salvador, Brasil, grupos, no Brasil, em Salvador (Bahia), em 1992, e, (padroeira da Ordem Terceira Regular do ramo
foi doado à Congregação o Hospital da Sagrada em Portugal, fizeram-se os primeiros compromissos,
Família, construído, totalmente apetrechado e em 1999. Posteriormente, apareceram outros grupos
mantido durante um ano, por D. Almerinda Maria em países onde a Congregação já está implantada.
Catharino, em agradecimento pelos serviços Há ainda a assinalar alguns factos que, pela sua
prestados, e, em Campina Grande, a Casa da Criança dimensão e em relação à época, se tornaram notáveis
Dr. João Moura, pela família do mesmo nome; ainda para a Congregação, como a sua presença destacada
no Brasil, salientamos o Dr. António Hermínio de e relevante na exposição do Mundo Português (1940)
Morais, Presidente da Beneficência Portuguesa de e as audiências papais: de Leão XIII, concedida à 2.a
S. Paulo, pelas suas benemerências à comunidade Superiora Geral, Madre Maria Madalena de Cristo;
de Irmãs, bem como por todo o seu apoio na de Pio X, à 3.a Superiora Geral, Madre Maria de
construção da casa de Itapecerica da Serra, no Assis; de Paulo VI, sucessivamente, à 7.a, à 8.a e à
Estado de S. Paulo. Em Itália, Roma, a favor da Casa 9.a Superioras Gerais, respectivamente, Madre Maria
Madonna di Fátima, sobressaem os nomes de Mons. Aurora da Santíssima Trindade, Madre Maria da
Manuel Cardoso de Carvalho, Conselheiro da Sagrada Eucaristia e Ir. Maria de Fátima Sanches; de
Embaixada de Portugal, que se revelou um grande João Paulo II, à 10.a e à 11.ª Superioras Gerais, a
benfeitor; o Comendador Pier Paolo Marenda, pela seu tempo, Ir. Maria Eneide Martins Leite e Ir. Maria
sua colaboração no ultrapassar de graves problemas; Isilda Freitas e, ainda, ao grupo de responsáveis da
e a Fundação Guido e Bice Schillaci Ventura, pela Congregação, depois do Encontro Internacional da
sua importante participação material. Na Congre- Congregação, em 1982.
gação nasceu, em 1882, a Arquiconfraria do Sagrado
Coração de Jesus. Na actualidade, deu-se início aos 5. Condecoração e louvores. Até à revolução
Projectos Mãe Clara, um movimento de espiritua- republicana, sete irmãs receberam a medalha de
lidade Franciscana Hospitaleira para jovens e adultos, prata para distinção e prémio concedido ao mérito,
lançado sob o slogan: “Uma Proposta para ti”. Pela filantropia e generosidade. Concedidos a frater-
divulgação dessa mesma espiritualidade, difundida nidades, foram exarados 12 diplomas de louvor.
pelas religiosas da Congregação, surgiram, em Nominalmente, registam-se outros dez do mesmo S. Francisco de Assis (I)

421
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

feminino); como devoções, o Natal, o Santíssimo deixar-se invadir por Deus e pela Sua Palavra, para de pleno direito e possuir um adequado grau de
Sacramento, a Paixão do Senhor, a Virgem Maria, se tornar transparência dele, num mundo que não cultura humana e teológica. As diversas fases de
S. Francisco, S.ta Isabel da Hungria e a veneração à conhece a luz ou dela se afasta, e fovere significa, formação são o Postulantado (período de transição
Igreja e ao Santo Padre. no seu sentido primitivo, aconchegar, acalentar, gradual da vida secular para a do Noviciado, com
afagar contra o peito, acariciar, suavizar e cuidar. uma duração mínima de um ano, com candidatas
7. Objectivo, carisma e missão. O superior objectivo A descrição do brasão de armas, utilizado como que deverão ter completado os 17 anos), o Noviciado
da Congregação tematiza-se na procura da Glória armas de Fé e selo da Congregação, pode ser feita (com a duração de dois anos, sendo algum tempo
de Deus, por meio da santificação dos seus membros, da seguinte forma: Tipo de heráldica – religiosa; passado em estágio, após o qual poderá emitir os
a fim de se tornarem instrumentos nas mãos do Descrição da pedra de armas: 1. Tipo de escudo – votos de pobreza, obediência e castidade, por três
Senhor para salvação do próximo. Quanto ao seu lisonja; 2. Composição – esquartelado; 3. Leitura – anos, renovados depois, anualmente, até à profissão
carisma, consiste no seguimento de Jesus Cristo, em esquartelado: I – de prata, 5 chagas de vermelho perpétua, em candidatas com idade mínima de 19
fraternidade, e serviço aos irmãos, sobretudo os (evocação das chagas de Cristo, outrora usadas em anos), o Juniorado (período entre os primeiros votos
mais necessitados, segundo o espírito das Bem- Portugal pela Ordem Franciscana); II – de azul, uma e os votos perpétuos, que não serão concedidos
-Aventuranças, comprometendo-se a testemunhar estrela de cinco pontas de prata (símbolo de Maria), antes de três nem muito além de seis anos, num
a hospitalidade na alegria, minoridade e simplici- encimada por coroa de ouro; III – de azul, uma máximo de nove, de votos temporários; antes da
dade, em comunhão com a Igreja, numa dimensão lucerna de ouro ardente de vermelho (símbolo do emissão dos votos perpétuos, todas as junioristas
profético-missionária, inserida no mundo e situada óleo que suaviza a dor e as feridas e, simulta- têm um ano de formação intensiva, residindo em
no tempo; como missão específica, tornar visível no neamente, alimenta a chama que ilumina e aquece); casa própria e acompanhadas pela Mestra; a
mundo a misericórdia divina, prestando serviços de IV – de prata, uma cruz de Cristo vermelha e de admissão será feita pela Superiora Maior, com o
caridade a todos e qualquer um, ou seja, praticar prata (a cruz das caravelas, evocação do espírito voto deliberativo do seu Conselho e confirmada pela
as obras de misericórdia, sob o lema “fazer o Bem, missionário); 4. Elementos exteriores – inferiormente, Superiora Geral, com o consentimento do seu
onde houver o Bem a fazer”: cuidar dos doentes, divisa Lucere et Fovere. Conselho); e a formação permanente (tempo após
assistência a idosos e crianças, educação e ensino, os votos perpétuos até ao resto da vida, que visa
promoção social, missões Ad Gentes e evangelização revitalizar constantemente a espiritualidade francis-
directa, por uma pastoral diversificada, acções que cana hospitaleira, como fonte principal da inserção
dão concretização e vida ao próprio lema. e actuação das Irmãs no mundo). Além dos
programas das referidas fases, os manuais mais
utilizados são sempre a Sagrada Escritura, os docu-
mentos da Igreja, os documentos franciscanos, a
Regra da Ordem Terceira de São Francisco de Assis,
as Constituições e os documentos emanados pela
própria Congregação. Neste âmbito, desde o início
até à actualidade, são as chamadas circulares, espécie
de cartas escritas e remetidas periodicamente a todas
as comunidades pela Superiora Geral, o melhor meio
de manter a espiritualidade, a coesão e o espírito
Brasão das Franciscanas Hospitaleiras (I)
fraterno e eclesial. O despertar para uma formação
mais completa das Irmãs, tanto a nível espiritual
9. Actos quotidianos de piedade e formação. como profissional, marca, especialmente a partir de
As Irmãs têm como actos quotidianos de piedade a 1960, uma profunda tomada de consciência que
participação na Eucaristia, a Liturgia das Horas, a possibilita o melhor desenvolvimento e valorização
oração do rosário e outros actos comuns e individuais das Irmãs, com repercussões mais positivas na Igreja
de piedade. É prioritária a leitura das Sagradas e na sociedade. Exemplo desta abertura e nova visão
Escrituras, das fontes genuínas da espiritualidade foi a colaboração e a oferta de espaço na Casa de
franciscana, das Constituições e dos demais escritos Saúde da Boavista, Porto, para o funcionamento do
da Congregação e documentos da Igreja. São ainda Centro de Estudos Religiosos (CER), frequentado por
prescritos os retiros anuais e mensais. A formação irmãs de várias congregações; outras iniciativas,
espiritual das Irmãs é baseada num programa tomadas pelas várias unidades, foram-se realizando
específico para cada etapa, frequentemente revisto com objectivos semelhantes. Em 1977, o pedido
S.ta Isabel da Hungria (I)
e adequado ao espírito do carisma, ao sentir da feito ao XX Capítulo Geral para que se fizesse um
Igreja e às exigências da missão, não esquecendo estudo do estado da Congregação, levou o então
8. Brasão de armas. Todas estas características os parâmetros devocionais acima apresentados. Cada governo eleito, presidido pela Superiora Geral, Ir.
estão bem expressas na divisa do brasão da irmã escolhida para integrar a equipa de formação Maria Eneide Martins Leite, a criar a equipa para o
Congregação Lucere et Fovere, “Iluminar e Aquecer”, (composta pela Coordenadora da Pastoral Serviço de Apoio, Reflexão e Estudo em Processo
que abarca toda a acção desenvolvida a favor da Juvenil/Vocacional, pela Mestra de Aspirantes, pela de Renovação Planificada (SAREPP), para que, a partir
educação e da mitigação do sofrimento (irradiar a Mestra de Postulantes, pela Mestra de Noviças, pela desse estudo, se pudesse intensificar e melhor orientar
vida e a luz, ser calor e húmus, sol e terra fértil de Mestra do Juniorado, e suas respectivas colabo- o esforço de renovação. Além desta equipa, o
esperança e de alento para todos, para entregar a radoras, e pela Animadora da Formação Permanente) Governo Geral chegou à conclusão de que seria
Deus um reino de filhos e de irmãos). Lucere significa, obedece a determinados requisitos, tais como: ser necessário unificar critérios teológicos e pastorais,
simultaneamente, ser luminoso, luzir e iluminar, logo religiosa de votos perpétuos, Franciscana Hospitaleira bem como aprofundar o estudo do carisma francis-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

cano hospitaleiro, antes de proceder à investigação Franciscana Hospitaleira, assunto tratado no I pelas Delegações de N. Sr.a da Paz (Califórnia, EUA)
científica sobre o estado da Congregação. Assim, Encontro Internacional de Formadoras, realizado em e de N. Sr.a do Pilar (Espanha); e pelas Províncias de
com o apoio de todas as unidades, foram dedicados 1997, sob a presidência da Superiora Geral, Ir. Maria S.ta Maria (Portugal, Angola, Guiné-Bissau e S. Tomé
alguns meses a esse estudo, com a participação de Isilda Freitas. No ano 2001, do XXIV Capítulo Geral e Príncipe), de S. José (Açores), de N. Sr.a do Monte
todas as irmãs. Cada uma foi convidada a prestar saiu o X Caderno, cujo conteúdo reflecte novamente (Índia e Filipinas), da Imaculada Hospitaleira (Índia),
a sua informação. Os dados recolhidos ofereceram o envolvimento congregacional no estudo sobre a de S.ta Cruz (Brasil Norte e México), do Sagrado
elementos para que a equipa SAREPP-CONFHIC, Vida Fraterna em Comunidade. Coração de Jesus (Brasil Sul) e de S. Francisco de
assessorada pelo P.e Vicente J. Sastre, sj, especialista Assis (Moçambique e África do Sul).
em sociologia, elaborasse os dois primeiros Cadernos 10. Meios de sustentação, organização hierár-
para a Renovação da CONFHIC, espécie de pesquisa quica, processos de eleição e nomeação, 11. Educação/Ensino, assistência social e
junto de cada irmã, como instrumentos para um enquadramento institucional e estrutura enfermagem. Ao longo dos anos, a Congregação
discernimento comunitário, realização e resposta às organizativa. Os meios de sustentação da desempenhou um papel preponderante no ensino
necessidades da Igreja e da sociedade contem- Congregação dependem fundamentalmente do e na assistência a doentes, inválidos, crianças e
porânea, dentro do carisma congregacional e das trabalho das Irmãs, embora, no início incluíssem, idosos, fundando colégios, escolas, creches, asilos,
grandes linhas de renovação por que então passava também, donativos, pensões e heranças. A Congre- hospitais (pode dizer-se que a Congregação serviu,
a Igreja e a Vida Religiosa. Decorridos dois anos de gação é formada por irmãs legitimamente admitidas, até pouco depois de 1975, em quase todas as
estudo congregacional orientado, em 1979, o Terceiro governadas pela Superiora Geral com o auxílio do Misericórdias do país). Exerceu o seu ministério de
Conselho Plenário Geral (CPG) debruçou-se sobre a seu Conselho, segundo o direito universal e próprio. bem fazer também no tratamento a doentes ao
síntese feita e nasceu o III Caderno para a Renovação A Congregação é subdividida em Províncias (irmãs domicílio e servindo nas cozinhas económicas,
da CONFHIC, que definiu o Marco Referencial da reunidas em fraternidades ou casas, sob o governo constatando-se até à República, em 1910, alguns
Congregação, diagnosticou o seu estado, apresentou da Superiora Provincial, com o auxílio do seu exemplos de números surpreendentes: em 1891
a expressão e a explicação do carisma e elaborou Conselho) e em Delegações (governadas através de foram assistidas 14 800 pessoas; entre 1896-1897,
as directrizes gerais ou linhas de acção que uma Superiora Delegada com o seu Conselho). os serviços prestados atingiram 71 724 doentes,
assegurassem a continuidade do processo, no Plano As Constituições são elaboradas pelo Capítulo Geral distribuídos por 39 hospitais, 2500 crianças em
Global das Unidades. Este Processo de Renovação da Congregação e aprovadas pela Santa Sé, podendo educação e ensino e 5000 a 6000 refeições diárias;
Planificada (PRP) não mais parou. Em 1982, foi ser alteradas apenas em Capítulo Geral. A autoridade em 2 de Dezembro de 1899, o jornal Correio Nacional
convocado o Encontro Internacional da CONFHIC suprema da Congregação reside, extraordinaria- publicou os valores referentes ao Instituto, nos últimos
(EIC), reunindo as responsáveis mais directas das mente, no Capítulo Geral, e, subsidiariamente, a da três anos: 20 000 doentes, tratados em casas
unidades, para uma avaliação do processo e Província reside no Capítulo Provincial, a teor das particulares e hospitais, 2000 crianças e inválidos a
actualização do seu andamento e, depois de um Constituições. O sistema electivo na Congregação seu cargo e 11 000 a 12 000 refeições servidas
estudo pormenorizado das Constituições recen- é muito simples. Para a eleição da Superiora Geral diariamente; e, em 1903, foram distribuídas cerca
temente aprovadas, promulgar o Ano das Constitui- e do seu Conselho, as Irmãs escolhem delegadas da de 3 000 000 de refeições, compostas por sopa,
ções, durante o qual o seu espírito foi cuidadosa- respectiva Província ou Delegação, que as hão-de prato do dia, pão e vinho. No respeitante à
mente aprofundado. Desta reunião saíram três representar no Capítulo. Por sua vez, as delegadas educação/ensino, nos 28 anos de orientação da
pequenos documentos dirigidos a todas as Irmãs: apresentam à Presidente do Capítulo indicação de Fundadora, Madre Maria Clara do Menino Jesus,
Avaliação do PRP, Que todos sejam um e As nomes de possíveis elegíveis, tendo este acto apenas foram dedicadas às crianças, desde creches a asilos,
pequenas grandes coisas. Realizou-se, em 1983, o valor orientativo. Já em Capítulo, depois de apre- escolas e colégios, 55 obras. Ao longo do séc. XX
XXI Capítulo Geral não só para eleição de novo sentada a lista com a proposta dos cinco e três
Governo Geral, como para se debruçar sobre o nomes mais indicados, respectivamente para
estado da missão na Congregação, de cuja reflexão Superiora Geral e Conselheiras, por voto secreto,
saiu novo documento, o IV Caderno para a livre, absoluto e determinado, é eleita a irmã que
Renovação da CONFHIC. Em 1986, o IV Conselho tiver maioria absoluta de votos no primeiro ou
Plenário Geral, realizado na Índia, tomou como tema segundo escrutínio e por maioria relativa, no terceiro.
a Pobreza e o V Caderno, que dele resultou, ofereceu O mesmo para qualquer Conselheira. Para eleição
à Congregação valiosos subsídios sobre esta matéria. da Superiora Provincial e do seu Conselho há uma
Três anos depois, o XXII Capítulo Geral electivo ligeira diferença: a indicação de nomes de elegíveis
estudou as raízes da Espiritualidade Franciscana é feita por todas as irmãs da província e a votação
Hospitaleira, apresentando o VI Caderno para a exercida pelas vogais no Capítulo recairá sobre as
Renovação da CONFHIC. O VII Documento do mesmo cinco ou três irmãs que, dentre as mais indicadas,
Acção educativa (I)
nome, emanado do V Conselho Plenário Geral, que receberam o beneplácito do Governo Geral. Quer
teve lugar em Salvador, no Brasil, no ano de 1992, o mandato da Superiora Geral quer da Provincial é
é fruto do estudo da realidade e das suas de seis anos, renovável por outros seis para a foram abertas mais 176 casas de educação,
interpretações, à luz do carisma e das directivas da Superiora Geral e suas Conselheiras, mas apenas de contando-se actualmente a funcionar 52 estabe-
Igreja, para a nova evangelização. A preparação para três para a Provincial. As Conselheiras Provinciais lecimentos educativos, todos eles com alvará, tanto
o XXIII Capítulo Geral, efectuado em 1995, levou são eleitas por três anos, que podem ir até aos nove. em Portugal como no Brasil, Índia e outros países,
as Irmãs ao aprofundamento do carisma, sob o tema Actualmente, a Congregação é constituída pelo de acordo com os decretos em vigor para o ensino
hospitalidade: encarnação das bem-aventuranças no Governo Geral, de quem dependem directamente particular. No percurso de formação, o estilo
exercício das Obras de Misericórdia, do qual resultou as fraternidades da Imaculada Hospitaleira, em Linda- educativo correspondeu sempre ao carisma feito de
o VIII Caderno para a Renovação da CONFHIC. -a-Pastora, de N. Sr.a do Amparo, em Linda-a-Pastora, acolhimento e simplicidade, realizado em clima
O IX Caderno versa sobre a formação da Irmã e da Casa Madonna di Fatima, em Roma, Itália; familiar e aberto, procurando ministrar sempre uma

423
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

educação integral, a partir de uma visão cristã de pretos; 1890 – túnica simples de fazenda vulgar, uma em Lousada, 2 em Melgaço, uma em
Deus, da pessoa e da vida, numa metodologia que cortada em forma de saco, segundo o costume Monção, 2 em Montemor-o-Novo, uma em
tem como centro a mensagem de Jesus Cristo, que adoptado em toda a Ordem Franciscana, cordão de Montemor-o-Velho, uma em Paço de Sousa, 2 em
ilumina todo o saber humano. Relativamente à lã branca, com três nós simples, dando duas voltas Paredes de Coura, uma em Penafiel, 2 em Ponte de
enfermagem, pode dizer-se que a Congregação deu à cintura, donde pendiam as contas dos sete mistérios Lima, uma em Portalegre, uma no Porto, uma na
grande contributo ao ramo, não só no país como das alegrias de Nossa Senhora, conhecidas pelo Póvoa do Varzim, uma em Resende, 2 em
em todas as paragens onde as Irmãs se estabe- nome de coroa franciscana; escapulário da mesma Santarém, uma em S. to Tirso, 3 em S. João da
leceram, pela sua expansão. Estando-se ainda a viver fazenda da túnica, acompanhando-a até baixo, tanto Madeira, uma em S. Tiago do Cacém, uma em
a fase empírica de conhecimentos na história da diante como de trás e com 33 centímetros de largura; Sesimbra, 2 em Setúbal, 3 em Torres Vedras, 2 em
Enfermagem e com apenas uma escola específica a envolver a cabeça: gampe e bandó de pano de Valença, uma em Viana do Alentejo, 2 em Viana do
em Portugal (a de Coimbra, fundada em 1881), a linho ou bretanha de linho, véu de lã preta forrado, Castelo, 3 em Vila do Conde, uma em Vila Nova de
Congregação promoveu o saber, pela comunicação só na parte da frente, por uma larga tira também Cerveira, uma em Vila Nova de Famalicão, uma em
entre as irmãs de maior experiência e habilitação, de linho, pregada ao véu com três alfinetes, um Vila Nova de Gaia, uma em Vila Nova de Ourém e
trocando entre si os conhecimentos obtidos por segundo véu maior e de fazenda mais fina, chamado 3 em Vila Real); 2 em Angola (Luanda); 2 em Cabo
tirocínio, com os médicos, nos hospitais. Foram véu de rosto (usado no coro, fora do convento e Verde (uma em Praia e uma em Tarrafal); uma na
também abertas casas de enfermeiras particulares em circunstâncias determinadas) e calçado, composto Guiné-Bissau (Bolama); e 3 na Índia (Goa). A partir
(Lisboa e Porto) para melhor atender as necessidades por meias pretas e sapatos de couro simples, mas da República e até 1976 foram abertas 321 casas:
que surgiam. Era premente acompanhar com decentes; as irmãs conversas traziam ainda, do lado 148 em Portugal continental (4 em Abrantes, uma
competência a vocação/missão que lhes estava direito, umas pequenas contas para recitarem o Pai em Alpedrinha, 4 em Amarante, 3 em Arcos de
destinada. Favorecidas pela evolução da chamada Nosso em substituição do ofício (esta denominação Valdevez, uma em Armamar, 2 em Beja, 2 em Braga,
Idade de Florence, foram progredindo de tal maneira de “irmãs” desapareceu depois do Concílio Vaticano uma em Cabeceiras de Basto, uma em Campo Maior,
que eram solicitadas para quase todas as unidades II); as noviças não usavam escapulário e os véus uma em Cantanhede, 3 em Castelo Branco, uma
hospitalares (48 até à revolução republicana e mais eram brancos, o primeiro de bretanha e o outro de em Celorico de Basto, uma em Chaves, 5 em Coimbra,
de 104 após ela). Reconhecendo que não se poderia fazenda mais rara; 1900 – as Constituições desta uma em Condeixa-a-Nova, 2 na Covilhã, uma na
ensinar Enfermagem sem doentes e sem as condições data apresentam o mesmo hábito, salientando apenas Ericeira, 2 em Ermesinde, 2 em Évora, 3 em Faro,
logísticas mínimas para os tratar, em 1934, a Madre que o segundo véu é de fazenda mais transparente. 3 em Fátima, uma em Felgueiras, uma em Ferreira
Maria Domingas da Conceição, quinta Superiora Por mais de 60 anos, este hábito manteve-se do Alentejo, 2 no Fundão, 3 em Guimarães, uma
Geral, mulher com uma visão clara do futuro, pensou inalterável, porém, a partir de 1966, na sequência em Lamego, uma em Leiria, 5 em Lisboa, uma em
construir a Casa de Saúde da Boavista, no Porto, da reforma, pedida pelo Concílio Vaticano II, foram Lousada, uma em Macedo de Cavaleiros, uma em
como apoio a uma escola de Enfermagem, para que, feitas algumas experiências de adaptação do hábito Manteigas, uma em Marco de Canaveses, uma em
a par de uma formação teórica, ministrada por preto a simples vestido e véu com tira branca, à Mangualde, 3 em Matosinhos, uma em Mesão Frio,
médicos dedicados e competentes, as Irmãs encon- frente, passando-se depois a outros modelos, fixando- 2 em Moncorvo, uma em Monção, uma em
trassem ambiente adequado para a preparação -se, em 1978, na cor cinzenta antracite e no modelo Monchique, uma em Mortágua, uma em Moura,
prática necessária e de acordo com as exigências da de vestido normal, com duas pregas à frente, desde uma em Murtosa, uma em Olhão, 2 em Oliveira de
época. Assim, um ano depois era inaugurada a os ombros até à bainha, e um véu simples, da mesma Azeméis, 2 em Paços de Ferreira, uma em Paredes
primeira escola particular de Enfermagem, com o cor, sobre a cabeça. Em 1994, embora mantido o do Douro, 2 em Peso da Régua, 2 em Ponte da
curso geral de Enfermagem, sendo reconhecida mesmo feitio, abrandou a cor para um cinzento mais Barca, 3 em Ponte de Lima, uma em Portalegre, 14
oficialmente por Alvará de 1937, regendo-se por claro. no Porto, uma em Porto Salvo, uma na Póvoa do
programas e regulamentos vigentes, emanados pelo Lanhoso, uma na Póvoa do Varzim, uma em
Ministério do Interior, Inspecção Geral da Assistência 13. Casas e membros da Congregação (1871- Redondo, uma em Resende, uma em Riba d`Ave,
Social. Em 1950, seria oficializada e, em 1990, pelo -2004). Desde a sua fundação até 2004, a uma em Rio Maior, uma em Romariz, uma em S.ta
Decreto-Lei 480/88, de 23 de Dezembro, convertia- Congregação abriu mais de cinco centenas de casas Comba Dão, 2 em S.to Tirso, uma em S. Paio de
-se em Escola Superior, com dupla tutela do Ministério em Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, S. Oleiros, uma em S. Pedro do Estoril, uma em S.
da Saúde e do Ministério da Educação, respondendo Tomé e Príncipe, Índia, Espanha, Brasil, Moçambique, Pedro do Sul, 2 em Serpa, 2 em Torres Novas, uma
bem à fase de aprimoramento que a Enfermagem Itália, Califórnia (EUA), Filipinas, Suazilândia, África em Trofa, uma em Vale Marmelos, uma em Valença,
atravessava, empregando todos os seus esforços do Sul e México. Segundo o P.e Henrique Pinto Rema, uma em Viana do Alentejo, 2 em Viana do Castelo,
para um ensino e prática de excelência. A segunda que realizou um minucioso trabalho de investigação 2 na Vidigueira, uma em Vieira do Minho, 2 em Vila
escola de Enfermagem da Congregação foi fundada relativo à história desta Instituição, até ao fim da do Conde, 7 em Vila Nova de Gaia, uma em Vila
em 1941, em Madrasta (Chennai), na Índia, na Casa monarquia, em 1910, foram abertas 114 casas, Nova de Ourém, 3 em Vila Real, 2 em Vila Viçosa,
de Saúde de S.ta Isabel, hoje, Saint Isabel’s Hospital. havendo, em algumas, outras obras anexas. Assim, uma em Vinhais e 3 em Viseu); 13 no Arquipélago
Em 1952, em Salvador, no Brasil, nascia o Centro existiam 106 casas em Portugal (uma em Alcobaça, dos Açores (3 em Angra do Heroísmo, uma na
Interescolar de Enfermagem da Sagrada Família, que uma em Alenquer, uma no Algarve, 3 em Barcelos, Graciosa, 3 na Horta, uma no Pico, uma em Ponta
ainda hoje desafia os objectivos do tempo. uma em Beja, 6 em Braga, uma em Caldas das Delgada, 2 em S. Jorge, Velas, uma em S. Miguel
Taipas, 3 em Caminha, uma em Cantanhede, uma e uma na Terceira); 79 no Brasil (uma em Brasília,
12. Hábito. O hábito religioso das Irmãs deve ser em Castelo de Paiva, 2 em Castelo de Vide, uma 20 no Estado da Bahia, 6 no Estado de Alagoas, 2
simples, modesto e pobre, podendo a Superiora na Covilhã, uma em Creixomil, uma em Elvas, uma no Estado de Amazonas, 5 no Estado de Minas
Maior, em certos casos, permitir a veste secular. Ao em Espinho, 2 em Estarreja, uma em Estremoz, uma Gerais, 4 no Estado de Pernambuco, uma no Estado
longo dos anos, o hábito referido, e descrito minu- em Évora, uma em Faro, 2 em Felgueiras, uma no de S.ta Catarina, 15 no Estado de S. Paulo, 7 no
ciosamente nas Constituições, alterou-se e adaptou- Fundão, uma na Granja, uma na Guarda, 5 em Estado de Sergipe, uma no Estado do Ceará, uma
-se às necessidades: 1874 – vestido, toucado e véu Guimarães, 2 em Leiria, 19 em Lisboa, 3 em Lamego, no Estado do Paraíba, 2 no Estado do Paraná, 5 no

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

Estado do Rio Grande do Norte, uma no Estado do BA, uma em S.ta Maria/DF, uma em S. Gonçalo do Fraternidade de S.ta Joana em Ermesinde, Frater-
Rio Grande do Sul, uma em Mossoró, uma em Sapucaí/MG, uma em S. Paulo, Taquaral/GO, uma nidade de N. Sr.a do Alto em Faro, Fraternidade da
Pirassununga e 6 no Rio de Janeiro); 14 em Espanha em Umarizal RN, uma em Varginha/MG e uma em Imaculada Conceição em Lamego, Fraternidade de
(uma em Orense, uma em Pontevedra, uma em Vila Mariana); 2 em Espanha (uma em Cuenca e Maria Imaculada em Leiria, Fraternidade de N. Sr.a
Ramallosa, uma em Sabaris, 6 em Tuy, uma em outra em Vigo); 3 nos EUA, na Califórnia (uma em da Bonança em Vila Nova de Gaia, Fraternidade de
Valladolid e 3 em Vigo); 5 nos EUA, na Califórnia Fresno, uma em Los Banos e outra em S.ta Cruz); S. José em Vila Real, Fraternidade de S. José em
(uma em Los Banos, uma em Salinas e 3 em San uma nas Filipinas, em Sorsogon; 3 na Guiné-Bissau Lodares, Fraternidade de Jesus Maria José no Porto;
José); 6 na Guiné-Bissau (uma em Bafatá, uma em (uma em Antula, uma em Bissau e outra em Buba; anexa ao Convento de S.to António, em Caminha,
Bissau, 2 em Bor, uma em Bula e uma em Guiné- 11 em Moçambique (uma em Beira, uma em existe também o Jardim Infantil de S.to António e,
-Bissau); 36 na Índia (uma em Agra Cantt, uma em Inhambane, 4 em Maputo, uma em Mumemo, uma ligada à missão de S.ta Maria, na Guiné-Bissau, o
Bandrá, uma em Bassein, 2 em Bellary, 2 em Billimora, em Nacala, 2 em Nampula e uma em Quelimane); Jardim Infantil Despertar; Sector Promocional:
uma em Birondém, uma em Bombay, Goregaon, 29 na Índia (uma em Ashagad, Thana District, uma Fraternidade de N. Sr.a do Acolhimento em Torre de
uma em Bulsa, uma em Chingleput, uma em Dadar, em Aurangabad, Maharashtra State, uma em Moncorvo, Fraternidade de N. Sr.a de Fátima em
uma em Damão, uma em Deolali, 8 em Goa, uma Baireddipalli, Palmaner AP, uma em Banavasi North Olhão, Fraternidade de N. Sr.a Menina em Torres
em Gonda, uma em Lucknow, uma em Manori, uma Kanara, Karnataka, uma em Bandra, Bombay, uma Novas, Fraternidade de N. Sr.a Educadora em Vila
em Margão, uma em Meliapor, uma em Nasik City, em Bangalore, uma em Bassein, Bombay, uma em Real, Fraternidade de N. Sr.a da Guia em Ponte de
uma em Nasik Road, uma em Navsari, uma em Nova Bellary, 2 em Bhopal, uma em Caranzalem, Goa, 3 Lima; Sector de Actividades Pastorais Diversificadas:
Delhi, 2 em Old Goa, uma em Khanuel, Nagar Haveli, em Carmelaram/Bangalore, uma em Cochin/Kerala, Fraternidade da Mãe de Deus em Chaves,
uma em Sadashivgad e uma em Wellington); uma uma em District Nashik-Devlali, uma em Dongripada, Fraternidade de S. Francisco, Fraternidade da Ima-
em Itália, em Roma; 18 em Moçambique (uma na Nagzari, Dt. Thana, uma em Hirekerur, Belgaum, culada Conceição em Oleiros, Fraternidade da
Beira, uma em Guruè, 3 em Lourenço Marques, 5 uma em Kunnavakkam/Tamil Nadu, uma em Imaculada Hospitaleira em Vila Chã de Ourique,
em Inhambane, uma em Manica, uma em Maputo, Lucknow, uma em Nainital UP, uma em Nashik City, Fraternidade de N. Sr. a da Saúde em Viseu,
uma em Mossurize, 2 em Nampula, uma em Nova Nasik City, uma em Nasik Road, uma em New Delhi, Fraternidade Imaculada Hospitaleira na Guiné-Bissau,
Chaves e 2 em Quelimane); e uma em S. Tomé e uma em Ponda, Goa, uma em Saligao, Goa, uma Fraternidade de S. Francisco na Guiné-Bissau,
Príncipe. Desde 1977 a 31 de Dezembro de 2004, em Silvassa, Nagar Haveli e uma em Vijayadka, Fraternidade do Imaculado Coração de Maria em
foram abertas 119 casas: 19 em Portugal continental Mangalore); uma no México, em Tamaulipas; 2 em S. Tomé e Príncipe, Fraternidade da Imaculada Con-
(uma em Aguada de Cima, uma em Algés, uma em S. Tomé e Príncipe; e uma na Suazilândia, em Siteki. ceição em Angola, Fraternidade de N. Sr.a das Neves
Campo Maior, uma em Celorico de Basto, uma em Segundo o mapa estatístico de 31 de Dezembro de em S. Tomé e Príncipe, Fraternidade de S. José em
Esposende, uma em Fátima, uma em Laveiras, uma 2004, faziam parte da Congregação 1559 Irmãs e Angola; Sector de Assistência às Irmãs: Fraternidade
em Leiria, uma em Linda-a-Pastora, uma em Lisboa, 25 postulantes distribuídas por 175 casas (frater- de S. to António em Caminha, Fraternidade de
uma em Murtosa, uma em Oleiros, uma em Peso nidades): 4 na Cúria Geral e Casas Dependentes N. Sr.a do Cenáculo em Ermesinde, Fraternidade de
da Régua, uma no Porto, uma na Póvoa do Varzim, (Cúria Geral, Fraternidade da Imaculada Hospitaleira S.ta Clara em Leiria e Fraternidade de S. José em
uma em Vila Chã de Ourique e uma em Vila Nova e Fraternidade de N. Sr.a do Amparo em Queijas e S.to Tirso); 22 na Província de N. Sr.a do Monte, Norte
de Gaia); 6 no Arquipélago dos Açores (3 em Angra a Fraternidade Madonna di Fátima em Roma, Itália; da Índia e Filipinas (Provincialato: Casa Provincial em
do Heroísmo, uma na Graciosa, uma na Horta e 50 na Província de S.ta Maria, em Portugal conti- Mumbai; Casa de Formação: Saint Joseph Training
uma no Pico); 2 na África do Sul (uma em Benoni nental, Angola, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe; Institute em Mumbai; Sector de Saúde: Kripa Bhavan
Casa Provincial: Fraternidade de S. ta Maria em Convent no Distrito de Thana; Sector de Assistência
Fátima; Casa de Oração: Fraternidade S.ta Maria da aos Idosos: Saint Joseph Convent em Mumbai; Sector
Porciúncula em Fátima; Casas de Formação: Educacional: Mount Mary Convent em Mumbai,
Fraternidade de N. Sr. a do Sim em S. to Tirso, Convent of the Sacred Heart em Mumbai, Saint
Fraternidade de S.ta Teresinha no Porto, Fraternidade Elizabeth Convent em Vasai, Bassein, Saint Philomena
de Maria de Nazaré em Vila Nova de Gaia; Sector Convent em Nashik Road, Nirmala Convent em
de Saúde: Escola Superior de Enfermagem Imaculada Nashik City, Saint Patrick Convent em Deolali, Saint
Conceição no Porto, Fraternidade do Coração de Joseph Convent em Valsad, Bulsar/Gujarat, Saint
Jesus no Porto, Fraternidade de Jesus em Lisboa, Joseph Convent em Bilimora/Gujarat, Saint Francis
Fraternidade da SS. ma Trindade no Porto, of Assisi Convent em Navsari/Gujarat, Saint Joseph
Fraternidade de N. Sr. a do Rosário no Porto, Cathedral Convent em Lucknow, Shanti Bhavan
Fraternidade de N. Sr.a dos Anjos em Cabeceiras de Convent em Indiranagar Lucknow, Jyoti Niwas
Basto, Fraternidade de S. ta Isabel em Marco de Convent em New Delhi; Sector de Actividades
Pastoral vocacional (I)
Canaveses, Fraternidade da Sagrada Família em Pastorais Diversificadas: Convent of the Infant Jesus
Moura, Fraternidade de S. José em Viana do Castelo; of Prague em Mumbai, Portiuncula Convent em
e outra em Pretória); 2 em Angola (uma em Luanda Sector de Assistência aos Idosos: Lar Conde de Ashagad PO District Thana, Seva Niketan Convent
e outra em Viana); 37 no Brasil (uma em Belo Agrolongo em Braga, Fraternidade Madre Maria em Bhopal, Clara Niwas Convent em Bhopal, Prem
Horizonte, uma em Buriti Alegre, uma em Campo Clara do Menino Jesus em Braga, Fraternidade Bom Daan Convent em District Thana e Madre Maria
Grande, uma em Doverlândia/GO, 2 em Feira de Pastor em Évora, Fraternidade de N. Sr.ª da Clara Convent em Sorsogon, nas Filipinas); 29 na
Santana, uma em Irecê, 2 em Itabuna BA, uma em Confiança no Fundão, Fraternidade de N. Sr.a do Província de S.ta Cruz, no Norte do Brasil e no México
Itaguaí, uma em Itaquiraí, 2 em Juquitiba, uma em Carmo em Lousada, Fraternidade de N. Sr. a da (Cúria Provincial: Fraternidade N. Sr.a da Confiança
Mar Grande, 2 em Mariana/MG, uma em Natal, uma Esperança em Paredes, Fraternidade de N. Sr.a do em Salvador; Casas de Formação: Fraternidade
em Patu RG, 3 em Penedo, uma em Pirassununga, Socorro no Peso da Régua, Fraternidade de N. Sr.a Imaculada Conceição em Salvador, Fraternidade
2 em Recife PE, 3 no Rio de Janeiro, 3 em Salvador da Alegria em Vila Real; Sector Educacional: Maria de Nazaré em Dias d’Ávila; Sector de Saúde:

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS HOSPITALEIRAS

Fraternidade da Porciúncula em Salvador, Fraternidade Fraternidade Mãe Clara em Quelimane e Fraternidade


S. ta Cruz em Salvador, Fraternidade N. Sr. a da N. Sr. a do Livramento em Quelimane; Sector de
Assunção em Salvador, Fraternidade Bom Samaritano Actividades Pastorais Diversificadas: Fraternidade de
em Campo Formoso, Fraternidade do Coração N. Sr.a da Conceição, em Nampula, Fraternidade do
Eucarístico em Penedo, Fraternidade N. Sr. a do Sagrado Coração de Jesus, em Nampula, Fraternidade
Amparo em Estância; Sector de Assistência aos Idosos: de S.ta Clara de Assis, em Manica, Fraternidade de
Fraternidade Bom Jesus em Ilhéus, Fraternidade de N. Sr. a de Fátima, em Benoni, na África do Sul,
S. ta Isabel em Salvador; Sector Promocional: Fraternidade de S.ta Maria, em Arcádia, na África do
Fraternidade Menino Jesus em Campina Grande; Sul, Fraternidade de S. ta Maria, em Mocodoene,
Sector Educacional: Fraternidade do Sagrado Coração Inhambane, Fraternidade P.e Raimundo dos Anjos
de Maria em Mossoró, Fraternidade Mãe Imaculada Beirão, em Gurúe e Fraternidade de S. Francisco de
em Penedo, Alagoas, Fraternidade do Sagrado Assis, em Mumemo, Marracuene); 4 na Delegação
Coração de Jesus em Estância, Fraternidade de de N. Sr. a da Paz, na Califórnia, EUA (Sede da
S. José Operário em Aracajú, Fraternidade de N. Sr.a Delegação em San José; Casa de Formação: Saint
das Graças em Propriá, Fraternidade S. José em Joseph Novitiate, em San José; Sector de Assistência
Salvador, Fraternidade Mãe Clara em Arapiraca, aos Idosos: Madre Maria Clara of the Child Jesus
Fraternidade de N. Sr. a Auxiliadora em Itabuna, Convent, em Los Banos; Sector de Actividades
Fraternidade de N. Sr. a de Fátima em Campo Pastorais Diversificadas: Our Lady of the Angels
Formoso; Sector de Actividades Pastorais Diversi- Convent em Fresno e Saint Francis of Assisi Convent,
ficadas: Fraternidade SS.ma Trindade em Salvador, em S.ta Cruz); e 3 na Delegação de N. Sr.a do Pilar,
Fraternidade Espírito Santo em Salvador, Fraterni- em Espanha (Sede da Delegação: Fraternidad del
dade N. Sr. a da Esperança em João Dourado, Sagrado Corazón de Jesús, em Tui; Sector de
Fraternidade Maria Hospitaleira em Salvador, Assistência aos Idosos: Fraternidad del Sagrado
Fraternidade Rainha da Paz, em Conceição de Corazón de Jesús, em Tui, Fraternidad S.ta Petronila
Jacuípe, Fraternidade Virgem de Guadalupe em N. Sr.ª das Dores (I) em Quintanar del Rey, em Cuenca; Sector Educa-
Tamps no México, Fraternidade de N. Sr.a da Visitação cional: Fraternidad Virgen de la Roca em Bayona).
em Natal; Sector de Assistência às Irmãs: Fraternidade S.to António na Horta, Faial, Fraternidade de S.ta Clara
Sagrada Família em Salvador); 15 na Província do em Angra do Heroísmo, Terceira e Fraternidade de 14. Publicações periódicas. A partir da década de
Sagrado Coração de Jesus, no Sul do Brasil (Cúria S. José na Madalena, Pico); 21 na Província da 50, a Congregação começou a publicar, para
Provincial: Fraternidade SS.ma Trindade em S. Paulo; Imaculada Hospitaleira, no Sul da Índia (Provincialado: informação interna, pequenos boletins, como Aurora
Casas de Formação: Fraternidade S. ta Maria – Clara Sadan, em Bangalore; Casas de Formação: Franciscana e Uma Presença; em 1960, apareceu a
Aspirantado – em S.ta Maria, Fraternidade N. Sr.ª Clara Sadan, em Bangalore, Franciscan Hospitaller revista mensal Mais Alto, também para o público
Aparecida – Noviciado – em Itapecerica da Serra; Sisters em Goa, Lar de S.ta Clara em Goa; Sector de em geral. Desde 1974, é publicado o boletim
Sector da Saúde: Fraternidade Betânia no Rio de Saúde: Saint Isabel`s Convent em Chennai, Saint periódico informativo Notícias da Congregação; em
Janeiro, Fraternidade S. José no Rio de Janeiro, Mary`s Hospital em Bellary, Karnataka e Franciscan 1993, surge o Boletim da Canonização da Fundadora,
Fraternidade Mãe Maria Clara do Menino Jesus em Hospitaller Sisters em Bangalore; Sector de Assistência Ir. Maria Clara do Menino Jesus, A Irmã dos Pobres.
S. Paulo; Sector Educacional: Fraternidade Jesus aos Idosos: Convent of Saint John of God em Goa,
Maria José em Xerém, Fraternidade Madre Rosa Divine Providence Convent em Goa e Franciscan 15. Datas importantes. A Congregação vai já na
de Viterbo em Brasília; Sector de Assistência aos Hospitaller Sisters em Cochin, Kerala; Sector 11.ª Superiora Geral, reeleita para o segundo sexénio
Idosos: Fraternidade Mãe da Divina Graça em Educacional: Convent of Our Lady of Fatima em em 2001, adoptando como lema “Construtoras da
Varginha, Fraternidade N. Sr.a Rainha da Paz em S.ta Daman, Saint Mary`s Convent em Goa, Presentation Fraternidade”. Celebra as seguintes datas impor-
Isabel, Fraternidade N. Sr. a de Fátima em Convent em Goa, Mary Immaculate Convent em tantes: 1 de Janeiro (solenidade de S.ta Maria Mãe
Pirassununga, Fraternidade N. Sr.a da Assunção em Goa e Holy Innocent`s Convent em Nilgiris; Sector de Deus, dia da Província de S.ta Maria em Portugal
S. Gonçalo do Sapucaí; Sector Promocional: Promocional: Peace Haven Convent em Goa; Sector Continental, Angola, Guiné e S. Tomé e dia da
Fraternidade Menino Deus em Pirassununga; Sector de Actividades Pastorais Diversificadas: Saint Joseph`s Delegação de N. Sr.a da Paz na Califórnia), 2 de
de Assistência às Irmãs: Fraternidade Imaculado Convent em Andhra Pradesh, Sacred Heart Convent Março (aniversário da ordenação sacerdotal do
Coração de Maria em Itapecerica da Serra e em North Kanara, Franciscan Hospitaller Sisters em P.e Beirão), 8 de Março (aniversário do nascimento
Fraternidade Mãe da Misericórdia em Mariana, Minas Sirsi Taluk, Franciscan Hospitaller Sisters em Tamil do P.e Beirão), 27 de Março (aniversário da aprovação
Gerais); 10 na Província de S. José, nos Açores (Cúria Nadu, Franciscan Hospitaller Sisters em Mangalore pontifícia da Congregação), 19 de Março (solenidade
Provincial e Assistência às Irmãs: Fraternidade de S. e Franciscan Hospitaller Sisters em Haveri DT); 17 de S. José, esposo da Virgem Maria, dia da Província
Francisco, em Angra do Heroísmo; Casa de Formação: na Província de S. Francisco de Assis, em Moçambique de S. José nos Açores), 14 de Abril (aniversário da
Fraternidade Mãe Clara, em Angra do Heroísmo; e na África do Sul (Cúria Provincial: Fraternidade de profissão da Mãe Clara), 3 de Maio (aniversário da
Sector de Saúde: Fraternidade de S. José em Velas, S. José em Maputo; Casas de Formação: Fraternidade fundação da Congregação, dia da Congregação e
em S. Jorge; Sector de Assistência aos Idosos: da Imaculada Conceição, em Maputo – Aspirantado –, das casas dependentes do Governo Geral), 15 de
Fraternidade de N. Sr.a do Carmo em Velas, S. Jorge, Fraternidade de N. Sr.a da Anunciação, em Maputo – Junho (aniversário natalício da Mãe Clara, dia da
Fraternidade de S.ta Maria Madalena na Madalena, Postulantado – e Fraternidade da Apresentação de Província da Imaculada Hospitaleira, no Sul da Índia),
Pico; Sector de Actividades Pastorais Diversificadas: Jesus em Marracuene – Noviciado; Sector da Saúde: solenidade do Sagrado Coração de Jesus, festa móvel
Fraternidade de N. Sr.a da Conceição na Horta, Faial, Fraternidade Imaculada Hospitaleira na Beira; Sector (dia da Província do Sagrado Coração de Jesus, no
Fraternidade de S.ta Isabel em Povoação, S. Miguel; Promocional: Fraternidade Madre Maria Clara no Sul do Brasil), 13 de Julho (aniversário da morte do
Sector Educacional/Promocional: Fraternidade de Maputo, Fraternidade de S. José em Inhambane, P.e Beirão, missa pelas irmãs, parentes e benfeitores

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DA MÃE DO DIVINO PASTOR

-1912), Madre Aurora do Menino Jesus (1912-1927), da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras
Madre Maria Domingas da Conceição (1928-1935), da Imaculada Conceição 1876-1976, vol. I – O Nosso
Madre Dolores da Sagrada Família (1936-1948), Livro de Família e vol. II – Das Origens à República,
Madre Maria Aurora da Santíssima Trindade (1948- Braga, Tipografia Editorial Franciscana, 1976-1979;
-1966), Madre Maria da Sagrada Eucaristia (1966- SANTOS, Maria Teresa, “Irmã Maria Clara do Menino
-1972), Ir. Maria de Fátima Sanches (1972-1976), Jesus. Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Teles
Ir. Maria Eneide Martins Leite (1977-1995) e Ir. Maria e Albuquerque”, in Faces de Eva: Estudos sobre a
Isilda Freitas (1995-). Mulher, N.º 7, Lisboa, Edições Colibri/Universidade
Nova de Lisboa, 2002, pp. 203-207; SOUSA, Regina
BIBLIOGRAFIA: Impressa: ALVES, Adelina, Chamava- Teixeira de, 60 Anos ao Serviço da Formação de
-se Libânia, Porto, Simão Guimarães, Filhos, Lda., Enfermagem, Águeda – Lisboa, Edição Escola, 1997;
1993; ANDRADE, Sara Morais Saraiva de, “Congregação VASCONCELOS, Evaristo de, Religiosas: Selecção Sobre
das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada os Institutos Religiosos Femininos Existentes em
Conceição”, in Zília Osório de Castro, João Esteves Portugal, Braga, Edição do Mensageiro do Coração
(dirs.), Dicionário no Feminino (Séculos XIX-XX), Lisboa, de Jesus, 1957; VIEIRA, Maria do Pilar S. A.,
Livros Horizonte, 2005; CARVALHO, Maria Lucília L. de “Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras
(coord.), A Escola Franciscana Hospitaleira: Um Desafio da Imaculada Conceição”, in Carlos Moreira Azevedo
de Séculos, Fátima, Tipografia de Fátima Lda., 2002; (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal,
CARVALHO, Maria Lucília L. de, Fontes da CONFHIC: vol. A–C, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro de Estudos
Escritos da Mãe Maria Clara, vol. III, Lisboa, Oficinas de História Religiosa da Universidade Católica
Imaculada Hospitaleira (I) Gráficas da Rádio Renascença, 1995; CARVALHO, Maria Portuguesa, 2000, pp. 472-474; VILLARES, Artur, As
Lucília L. de, Fontes da CONFHIC: Gotas Dispersas, Congregações Religiosas em Portugal (1901-
vol. II, Lisboa, Oficinas Gráficas da Rádio Renascença, -1926), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/
falecidos), 2 de Agosto (festa de N. Sr.a dos Anjos 1989; CARVALHO, Maria Lucília L. de, Fontes da Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2003. Digital:
da Porciúncula), 11 de Agosto (festa de S.ta Clara CONFHIC: Livro Primeiro das Chronicas da Congregação www.confhic.com.
de Assis, Padroeira da Segunda Ordem Franciscana), das Irmãs Terceiras Regulares de S. Francisco de Assis,
8 de Setembro (festa da natividade da Virgem Hospitaleiras Portuguezas, vol. I, Lisboa, Oficinas SARA MORAIS SARAIVA DE ANDRADE
S.ta Maria, dia da Província de N. Sr.a do Monte no Gráficas da Rádio Renascença, 1989; CARVALHO, Maria
Norte da Índia), 14 de Setembro (festa da exaltação Lucília L. de, Quem Irá por Mim?, Lisboa, Oficinas
da S.ta Cruz, dia da Província de S.ta Cruz, no Norte Gráficas da Rádio Renascença, 1984; CARVALHO, Maria FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DA MÃE
do Brasil), 4 de Outubro (solenidade de S. Francisco Lucília L. de, A Irmã dos Pobres, Fátima, Tipografia DO DIVINO PASTOR
de Assis, pai e patrono da Família Franciscana, de Fátima, Lda., s.d.; CARVALHO, Maria Lucília L. de, A Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias
renovação anual de votos, dia da província de S. Nada (Vos) Será Impossível, CONFHIC, s.d.; CARVALHO, da Mãe do Divino Pastor (FMMDP), também
Francisco de Assis, em Moçambique), 12 de Outubro Maria Lucília L. de, O Coração e o Gesto, Fátima, conhecida como a Congregação da Divina Pastora,
(festa de N. Sr. a do Pilar, dia da delegação de Tipografia de Fátima, Lda., s.d.; CARVALHO, Maria Lucília foi fundada a 10 de Setembro de 1850, em Ripoll
N. Sr.a do Pilar, em Espanha), 2 de Novembro (dia L. de, MOURA, Rosa Helena Mendes de, Marcos da (Catalunha, Espanha), por Maria Ana Mogas y
dos fiéis defuntos, missa pelas irmãs, parentes e História da Serva de Deus: Madre Maria Clara do Fontcuberta. Maria Ana nasceu a 13 de Janeiro de
benfeitores falecidos), 17 de Novembro (festa de Menino Jesus – 1843-1899, Fátima, Tipografia de 1827, na aldeia de Corró de Vall, sendo baptizada
S.ta Isabel da Hungria, padroeira da Terceira Ordem Fátima, Lda., s.d.; CONFHIC, Dom e Profecia, Linda- com o nome de Maria Ana Peregrina. Viveu num
Regular de São Francisco de Assis, dia da vocação -a-Pastora, CONFHIC, s.d.; Constituições: Congregação século revolucionário, burguês, liberal e de desa-
franciscana hospitaleira), 1 de Dezembro (aniversário das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada mortizações, numa Espanha e numa Catalunha
da morte da Mãe Clara, missa pelas irmãs, parentes Conceição, Lisboa, Oficinas Gráficas da Rádio marcadas pela revolução industrial, pelo Carlismo
e benfeitores falecidos), 8 de Dezembro (solenidade Renascença, 1991; GOMES, Manuel Saturino da Costa, (o programa político defendido pelos partidários do
da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, pp. Príncipe Carlos Maria Isidro de Borbón, pretendente
padroeira da Congregação). Celebrou com muita 25-26; JESUS, Maria da Saudade de, Crónica da ao trono espanhol), e pelas guerrilhas que assolaram
dignidade, elevação e festa: as bodas de diamante Congregação das Religiosas Franciscanas Hospitaleiras todas as comarcas, ameaçando os homens jovens,
e o centenário da aprovação pontifícia da CONFHIC, Portuguesas, Linda-a-Pastora, s.n., 2001; MOURA, Rosa como o pai de Maria Ana, de serem recrutados para
respectivamente, em 1951 e 1976; as bodas de ouro Helena Mendes de, Sob o Olhar Providencial de Deus..., a guerra. Órfã de pai aos sete anos e de mãe aos
de apostolado da Congregação no Brasil, em 1961; Salvador – Bahia, Contraste – Editora Gráfica Lda., 13, foi recolhida por uma tia e madrinha que a levou
o centenário de presença das Irmãs na Índia, em 1991; MOURA, Rosa Helena Mendes de, Pe. Raimundo para Barcelona, onde foi educada com esmero, como
1986; os 150 anos de nascimento da Fundadora, Beirão: Onde Houver o Bem a Fazer..., Salvador – todas as jovens de estatuto social elevado, como
Madre Maria Clara do Menino Jesus, em 1993; o Bahia, Editora Vozes, Lda., 1989; MOURA, Rosa Helena era o caso da sua tutora.
centenário da sua morte, em 1999; e os 125 anos Mendes de, Seguir S. Francisco: Continuando Nossos Aos 21 anos, sentindo um apelo de Deus que a
da morte do Fundador, P. e Raimundo dos Anjos Fundadores – Congregação das Irmãs Franciscanas chama para uma entrega ao serviço das pessoas,
Beirão, em 2003, além de outras efemérides também Hospitaleiras da Imaculada Conceição 1876-1976. decidiu juntar-se a duas religiosas exclaustradas,
notáveis. 100 Anos: Renascer do Espírito, Porto, Tipografia do capuchinhas, que viviam na cidade de Barcelona e
Colégio dos Órfãos, 1974; OLIVEIRA, Leonel de (dir.), procuravam refazer a sua vida comunitária e con-
16. Superioras Gerais. Madre Maria Clara do “Raimundo dos Anjos Beirão”, in Nova Enciclopédia ventual com a criação de uma associação sob a
Menino Jesus (1871-1899), Madre Maria Madalena Larousse, vol. IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997, invocação da Divina Pastora, dedicada à educação
de Cristo (1900-1906), Madre Maria de Assis (1906- p. 972; REMA, Henrique Pinto, Crónica do Centenário da infância e da juventude, Isabel Yubal e Maria

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DA MÃE DO DIVINO PASTOR

Margarida Forn, Josefa Gorgues e Maria da São Francisco, aprovada por Leão X. Nesta casa-
Conceição Dolcet y Sellarés, que seria a companheira -colégio, as Irmãs procuraram preparar as meninas
fidelíssima da Fundadora. e jovens para os trabalhos domésticos, mas sem
excluir a sua formação cultural. Inês Lloveras ficou
encarregue da missão de formadora de acordo com
o carisma do Instituto. Mulher austera consigo própria
e alegre, procurou formar as meninas segundo as
virtudes e os valores característicos da espiritualidade
franciscana: caridade, humildade, abnegação, alegria
serena, sacrifício e pobreza. Após a proclamação de
Afonso XII como Rei de Espanha em 1874, encerrou-
-se politicamente um ciclo de experiências funestas
e, para a Igreja e suas instituições, uma etapa de
anticlericalismo e de perseguição. A restauração
monárquica permitiu que a Igreja gozasse de liber-
dade para a sua missão apostólica. Nessa medida,
o crescimento do Instituto foi uma realidade. Inspi-
rada desde o início na espiritualidade de S. Francisco
Distintivo da Congregação (I) de Assis, a Congregação adopta a Regra dada por
Leão X à Ordem Terceira Franciscana, aparecendo
unida aos Estatutos em 1875. Em 1878, a Congre-
Valdés. Decidiram chamar-se Terceiras Capuchinhas gação fica plenamente incorporada na Família
da Divina Pastora, um projecto que vai ter um longo Franciscana. As franciscanas de Chamberí (nome do
processo de gestação até 1850. Nesse ano, a 27 de bairro madrileno onde se haviam fixado) fundaram
Maio, assumem a responsabilidade da escola de nova casa em Fuencarral, nos arredores de Madrid,
crianças de Ripoll e Maria Ana juntou-se às chamadas em Julho de 1876. Depois, em Córdova, em 1879,
“senhoras de ensino”, como eram conhecidas, a 13 Maria Ana, acompanhada de Maria da Conceição
de Junho, após vencer as resistências da sua Dolcet, fundou uma casa para dar assistência aos
madrinha, acompanhada pelo P.e José Tous Soler, Maria Ana Mogas, Fundadora (I) doentes nas casas em que fossem chamadas para
capuchinho e exclaustrado, que há muito as ajudava isso, e também um centro para acolher as jovens
e orientava. empregadas domésticas, preparando-as e colocando-
Desde 1848, a Sede Episcopal de Vic foi ocupada A 23 de Agosto de 1856, o Papa Pio IX estabeleceu, -as em casas de confiança. A missão do Instituto de
por D. Luciano Casadevall, que fora Vigário Geral, para toda a Igreja, a festa litúrgica do Coração de acolher órfãs e desamparadas manteve-se em
e por isso conhecedor dos problemas da sua diocese. Cristo. Tal facto encheu de alegria Maria Ana, pois Córdova até 1907. Em Quintana de Valdivielso
O mesmo empreendeu um projecto de reconstrução estava em sintonia com as suas vivências espirituais, (Burgos), fundaram um colégio para meninas pobres
espiritual, acolhendo alguns dos institutos religiosos que a levaram a assinar as suas cartas com a (1883). Antes, porém, registou-se uma fundação em
que conjugavam a oração e a contemplação com a expressão “ama-a no Sagrado Coração”. A Obra Santander (1880). Em 1885, em Toledo, aconteceu
actividade apostólica. Estava preocupado com a expandiu-se para Castela, fundando em Madrid a última fundação da Fundadora, que morreu em
situação de Ripoll, outrora uma vila com importante (Ciempozuelos), sob os auspícios de Antónia Maria 1886. A aprovação pontifícia do Instituto ocorreu
actividade cultural e monacal, mas, nessa altura, de Oviedo Schönthal e de Mons. D. José Maria Bento em Roma, a 4 de Julho de 1896, dez anos após a
com um ambiente sociopolítico desfavorável à Igreja, Serra Juliá, osb, o Asilo de N. Sr.a da Consolação morte de Maria Ana Mogas, beatificada pelo Papa
após a exclaustração de 1835, necessitava no para acolher jovens da rua. Acompanharam Maria João Paulo II, a 6 de Outubro de 1996. No distintivo
momento de uma escola onde se desse formação Ana, as professoras Maria da Conceição Dolcet, Inês do Instituto, reflectem-se os traços da sua espiritua-
cristã às meninas. Desse modo, Casadevall orientou- Lloveras, Rita Fons e outras quatro irmãs. Mais tarde, lidade – pobreza, simplicidade, disponibilidade e
-as para Ripoll, com o apoio do presidente da câmara, aceitam uma escola em Madrid, a “Escola da atitude de itinerância, sob a protecção de Maria,
que lhes arranjou o local e uma pequena ajuda Gratidão”, mais de acordo com a sua identidade Mãe do Divino Pastor –, procurando cumprir o lema
económica. Mais tarde, essa mesma câmara faria vocacional, isto é, a dedicação ao ensino de meninas da vida da Fundadora: amor e sacrifício. No séc. XX,
diversas denúncias, sem fundamento, mas carregadas preferencialmente pobres. Porém, este não era ainda ocorreu uma expansão do Instituto para fora de
de preconceitos ideológicos. Porém, a Fundadora o seu projecto de beneficência, o qual só o tiveram Espanha: para a Argentina, em 1931, que mantém
continuou a instigar o labor docente das Irmãs, que quando se instalaram na R. Palma Alta (Madrid), 9 comunidades; Bolívia, em 1931, com 40 comuni-
ensinam gratuitamente, subsistindo humildemente sob a invocação da Divina Pastora, a primeira casa dades; Portugal, em 1936, onde se mantêm 7
com os poucos donativos que conseguiam angariar. do Instituto em Castela. Vivia-se, então, o ambiente comunidades dedicadas à educação, saúde, atenção
Para salvaguardar a Instituição, Maria Ana adquiriu posterior à “gloriosa” revolução de 1868, que aos peregrinos, às missões e à pastoral; Peru, em
o diploma de professora primária, mais tarde igual- destronou Isabel II, a que se seguiram dias de enorme 1949, com 10 comunidades; Moçambique, em 1953,
mente adquirido por diversas irmãs, entre elas as agitação de rua na capital espanhola. Não obstante, com 6 comunidades dedicadas às missões e à
Irs. Maria Gambús, Rosa Ríus e a noviça Teresa Tous. o colégio foi crescendo e impôs-se mudá-lo para educação; Chile, em 1955; Venezuela, em 1955,
Porém, decorridos dez anos, acabaram por ter de um edifício maior. Em 1871, deixaram de se chamar com 12 comunidades; Itália, desde 1961; Benim,
abandonar Ripoll, devido ao fecho da escola pela Irmãs Terceiras Capuchinhas para se denominarem em 1976; Bolívia, para onde voltaram em 1998; e
autarquia. Fixaram-se, então, em Capellades, com doravante Irmãs da Congregação da Divina Pastora, Angola, desde 1999. Em Espanha, mantêm actual-
autorização episcopal. Nessa altura, ingressaram adoptando a Regra da Terceira Ordem Regular de mente 65 comunidades. Nos dias de hoje, existem

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA

entrega total a Deus), um caminho (a vida centrada numa política imperialista, projectou a Europa no
na Eucaristia) e uma missão (a Evangelização mundo através do domínio de extensos territórios
Universal), pelo que as missionárias estão prontas a coloniais ou com estatuto semicolonial. Profundas
ir, incondicionalmente, para qualquer parte do mutações de ordem social estavam em curso: um
mundo, dando prioridade àqueles que não conhecem aumento acelerado da população que se concentrava
Cristo e, de preferência, pobres. nas zonas urbanas; os grandes movimentos migra-
tórios, não só os que ocorriam dentro dos países,
mas também os que se processavam a nível trans-
continental; o desenvolvimento de um proletariado
desenraizado, pobre e sem esperança.
Logótipo da Associação Maria Ana Mogas (I)
Ao mesmo tempo que se assistia a uma secularização
dos regimes políticos europeus e das elites burguesas
dois novos movimentos: a Associação Maria Ana ascendentes, os desequilíbrios sociais colocavam à
Mogas, que “tem como finalidade promover e Igreja um desafio na busca da sua identidade.
potenciar a vida e missão do leigo na Igreja”, com O processo de acelerada transformação do mundo
Estatutos aprovados a 16 de Abril de 1999, e o intensificou novas formas de espiritualidade, cujo
Movimento Laical Missionário, que constitui um auge pode assinalar-se cerca de 1860. Face às
grupo de jovens e de adultos que procuram realizar, doutrinas liberais, de cariz materialista e pagão, a
em regime de voluntariado, um serviço de desen- Igreja exaltava a devoção ao exemplo de Cristo, o
volvimento e de promoção, nos países onde as Irmãs culto do Sagrado Coração e a Piedade Mariana, mas
Escudo das Franciscanas Missionárias de Maria, contendo
Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino Pastor agora numa dimensão de caridade social. Assistia-
referência aos dois pólos do carisma – Eucaristia e Missão (I)
exercem a sua acção missionária. O Instituto, em -se a um extraordinário desenvolvimento de congre-
fidelidade ao carisma de Maria Ana e à tradição gações femininas e, em França, tanto estas como
congregacional, exerce a sua acção evangelizadora De acordo com o espírito que a Fundadora imprimiu as congregações masculinas dedicaram a sua acção
na educação e promoção humano-cristã, na assis- a este Instituto, as Franciscanas Missionárias de Maria à assistência aos pobres, às obras hospitalares, à
tência sanitária e social, nas missões e noutras devem caminhar como “Evangelho vivo”, situando- educação popular e à missionação, tanto numa
actividades apostólicas. -se na Igreja e no mundo de uma forma peculiar tentativa de reforçar a Fé das populações indiferentes
que alia a contemplação à acção. Estão junto dos (“missões internas”), quanto na evangelização e
BIBLIOGRAFIA: COSTA, Maria do Céu, Uma História pobres e desprezados e dedicam-se à missão em assistência às populações indígenas do Ultramar.
de Amor e Sacrifício, Maria Ana Mogas, s.l., Edição comunidades organizadas, onde irmãs de várias É em torno destas congregações e associações
Irmãs Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino nacionalidades vivem em fraternidade e numa atitude piedosas que é revivificada a “missão universal” da
Pastor, s.d.; GONZÁLEZ, Isaura-Angélica Paz, fmmdp, de acolhimento aos mais carentes, de modo a Igreja no âmbito do “Catolicismo Social”.
Caminho e Cajado: Beata Maria Ana Mogas y colaborar para a transformação do mundo no sentido Neste contexto de renascimento religioso surgiu o
Fontcuberta, Fátima, Franciscanas Missionárias da da justiça, da paz e da reconciliação. Instituto das Missionárias de Maria. A sua Fundadora,
Mãe do Divino Pastor, 2002; GONZÁLEZ, Isaura-Angélica O carisma desta Congregação não se encerra na Helena Maria Filipina de Chappotin, nasceu em
Paz, fmmdp, Amor e Sacrifício: Maria Ana Mogas y época da Fundadora nem na sua pessoa; precisou- Nantes (França) a 21 de Maio de 1839, no seio de
Fontcuberta, Madrid, Franciscanas Missionárias da -se progressivamente no âmbito de uma abertura uma família da nobreza bretã, e viria a falecer em
Mãe do Divino Pastor, 1996. de espírito que permite a adequação às necessidades San Remo (Itália), em 1904. Tendo vivido uma infância
dos tempos. O dinamismo interior que Maria da feliz e despreocupada, Helena de Chappotin sofreria
MARIA DO CÉU DE BRITO VAIRINHO BORRÊCHO Paixão conferiu ao Instituto continua presente na duras perdas na sua adolescência. Depois da morte
caminhada pelos tempos, através de uma atitude da sua prima, companheira nas alegrias da infância,
de entrega absoluta à defesa do valor da pessoa e da sua irmã mais velha, mudou-se com a família
FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA humana, do pluralismo e por uma inserção no para a Normandia. A separação dos primos, com
O Instituto das Franciscanas Missionárias de Maria mundo, onde anunciam a vida nova de Cristo. quem crescera, e a perda de outra irmã e da mãe
(FMM) é uma congregação religiosa feminina perten- A “dupla revolução” política e económico-social que traziam à vida de Helena de Chappotin a solidão
cente à Terceira Ordem Regular de São Francisco. marcou a transição do séc. XVIII para o XIX em França que havia de conduzi-la a uma penosa busca do
Fundada por Helena Maria Filipina de Chappotin teve profundas repercussões na vida das ordens e desígnio de Deus. Em Abril de 1856, durante um
(Madre Maria da Paixão) em Ootacamund, na Índia, congregações religiosas. O período da revolução e retiro em Nantes, sentiu-se atraída pela vida de
a 6 de Janeiro de 1877, a Congregação teve o aval da do império tinha conduzido ao confisco dos bens do consagração e, em 1860, ingressou no Mosteiro das
Santa Sé a 17 de Julho de 1890 e a aprovação definitiva clero e à expulsão maciça das ordens regulares. Depois Clarissas, do qual teve que sair por razões de saúde.
das suas Constituições a 11 de Maio de 1896. da capitulação definitiva de Napoleão, iniciou-se a Aqui teria contactado com a espiritualidade
A fraternidade universal guia o compromisso apos- “recuperação do tempo perdido” para as instituições franciscana, que marcaria toda a sua vida.
tólico desta Congregação missionária que tem como religiosas. Sob a acção do Papa Pio VII, restabeleceram- Em 1863 entrou para a recém-fundada Congregação
fontes de inspiração a espiritualidade franciscana e -se algumas ordens e reformaram-se outras. É sobre- de Maria Reparadora, de espiritualidade inaciana,
Maria. A espiritualidade franciscana, pelo seu exemplo tudo a partir de 1848 que se verifica um período de onde, ao consagrar-se, receberia o nome de Maria
de pobreza, simplicidade e radicalidade evangélica, prosperidade para algumas das ordens e congre- da Paixão. Ainda enquanto noviça, foi enviada como
e Maria, pela sua missão de dar a conhecer Cristo gações. De facto, em França, entre 1850 e 1880, o missionária para a região de Maduré, na Índia, onde
ao mundo. número de ordens religiosas quadruplicou. as Reparadoras tinham a incumbência de formar um
Três opções fundamentais expressam a vocação das O séc. XIX assistiu ao estabelecimento do “grande grupo de religiosas indianas. Durante 11 anos, viveu
Franciscanas Missionárias de Maria: um espírito (a Capitalismo” económico e financeiro que, assente intensamente a sua experiência missionária, tendo

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA

sido Superiora Local e depois Provincial da Missão profissional e moral das jovens operárias, através
de Maduré, onde a Congregação tinha quatro casas. dos ateliers. Considerava necessário “lutar contra a
Porém, uma série de acontecimentos e dificuldades, miséria e a exploração da mulher do povo, iniciando-
bem como delicadas questões de jurisdição, disciplina -a num trabalho artístico, remunerador, de acordo
e comunicação agravaram-se com a distância com a sua vocação feminina” (L ÚCIO , Maria,
relativamente ao centro da Congregação. Perante Franciscanas Missionárias de Maria: 100 anos… p.
as alternativas apresentadas às Irmãs Reparadoras 129). Utilizando os recursos e as tradições locais, a
na Índia (ou aceitar condições que consideravam Congregação dinamizava uma rede de ateliers e
arbitrárias e contrárias à sua consciência, ou sair da escolas técnicas agrícolas, não só na Europa, mas
Congregação), as Irmãs reuniram-se em Ootacamund também nos territórios ultramarinos.
no ano de 1874 com o intuito de recorrer ao Papa.
Dois anos depois, inspirada pelo exemplo de Francisco
de Assis, Maria da Paixão viajou para Roma em busca
de iluminação pontifícia. A 6 de Janeiro de 1877,
o Papa Pio IX autorizava a fundação de uma nova Sete irmãs europeias, mártires na China, em 1900;
congregação religiosa que recebeu o nome de beatificadas por Pio XII em 1947 e canonizadas
Instituto das Missionárias de Maria. O Instituto por João Paulo II no ano 2000 (I)
compunha-se então por 20 religiosas agrupadas em
torno de Maria da Paixão, que, logo nesse ano, inicia feridos nas ambulâncias, não apenas no interior dos
o anteprojecto das Constituições. países, mas também nas frentes de batalha em
Em 1880, a Fundadora esteve em Roma e em Assis França, Itália, Turquia e Bulgária.
para buscar na Ordem Franciscana a solidez do Curadas as feridas da guerra, as Missionárias
Instituto religioso nascente. Em 1882 concluiu a retomam a sua acção evangélica na Ásia, em África
redacção das Constituições, as quais se plasmam e na América. O mundo não tardaria a mergulhar
nos ideais evangélicos da espiritualidade franciscana, na grande crise e na 2.ª Guerra Mundial, em cujo
numa perspectiva missionária universalista e procurou contexto as Irmãs prestariam socorro e caridade em
a devida consolidação e estruturação junto da Santa diversos pontos do mundo, com sacrifício das próprias
Sé. Porém, na sequência da agitação em torno do vidas. As casas de Londres e Milão são destruídas
novo Instituto, Maria da Paixão seria deposta do seu pelos bombardeamentos; o Noviciado da Polónia é
Livro Franciscanas Missionárias de Maria:
cargo até 28 de Abril de 1884, momento a partir 100 Anos em Portugal, 1895-1995 (I) incendiado pelo exército hitleriano; irmãs sucumbem
do qual convoca o Capítulo Geral, que a reelege nos bombardeamentos de Argel e Budapeste; na
Superiora Geral por unanimidade. A aprovação Bélgica, Holanda e Alemanha as Irmãs são forçadas
definitiva das Constituições pela Santa Sé só viria a No ano de aprovação das Constituições (1896), a a partir; na Birmânia, são feitas prisioneiras e
consumar-se em 1896, depois da aprovação pela Congregação tinha 30 casas na Europa e enviava obrigadas a trabalhar, morrendo de esgotamento,
Igreja (1883) e do apoio oficial concedido pela missionárias para todas as partes do mundo: 1300 enquanto outras continuam, debaixo de fogo, o
Ordem Franciscana (1885). religiosas tinham a seu cargo milhares de pessoas abastecimento das leprosarias de Mandalai e Ragum;
A Congregação adoptou então o nome de Francis- em hospitais, asilos e escolas. Quando a Fundadora na China, o hospital de Hankow é destruído e uma
canas Missionárias de Maria como membro da faleceu, em 1904, a Congregação tinha cerca de das irmãs é feita refém; nas Filipinas, as casas das
Terceira Ordem Regular de São Francisco. A Casa 3000 religiosas distribuídas por cerca de 80 religiosas são arruinadas e 22 irmãs são presas em
Generalícia foi fundada em Roma e a Congregação comunidades dispersas na Ásia, África, Europa e campos de concentração. Enquanto decorre este
expandiu-se rapidamente por vários países. Nos América. cenário desolador, um novo continente abre-se ao
primeiros anos da fundação, os Noviciados da Europa Em 1900, chega a notícia de que sete irmãs tinham instituto das Franciscanas Missionárias de Maria: a
são as grandes bases de recrutamento vocacional e sido martirizadas na comunidade chinesa de Tai- Oceânia. Entre 1941 e 1944 surgem quatro casas
de apoio aos postos de vanguarda noutros conti- yuan-fu. No entanto, de acordo com o seu carisma, na Austrália.
nentes onde a Igreja está menos presente. Porém, o Instituto é parte integrante do mundo e, da mesma O período do pós-guerra assistiu ao retomar de um
no decurso da expansão missionária, vão aparecendo forma que se expande em termos numéricos e caminho de esperança. Sob a acção de Pio XII, o
vocações oriundas dos cinco continentes. geográficos, insere-se mais profundamente num Catolicismo difunde-se pelo mundo e, apesar deste
Na Europa, o Instituto tinha casas em França, Itália, mundo marcado por guerras e revoluções. Em 1904, pontificado ter tentado conduzir a Igreja dentro da
Bélgica, Holanda, Espanha, Portugal continental e uma nova equipa vai em substituição das mártires tradição tridentina, surgem as primeiras mensagens
ilha da Madeira; em África, as missões expandiam- para Tong-eul-Keu. defendendo o direito dos povos dominados à sua
-se para a Tunísia, Congo-Zaire, Moçambique, Entre 1905 e 1917, a Congregação estendeu a sua independência. As mudanças históricas colocam
Madagáscar e África do Sul; na América, estavam acção missionária a Constantinopla, à Rússia, Turquia, novos desafios à missão universal: problemas deri-
presentes no Canadá, nos Estados Unidos e no Chile; Síria, Egipto, Angola, Congo Francês, Brasil, Argen- vados de processos de aculturação, questões de
na Ásia, missionavam em Ceilão, China, Índia, tina, Peru e Filipinas; 15 novas casas foram fundadas justiça e de direitos humanos são verdadeiros sinais
Birmânia e Japão. na China e 12 na Índia, 9 em África e 6 na América dos tempos, aos quais as Franciscanas Missionárias
A acção das Franciscanas Missionárias de Maria fez- do Norte. de Maria respondem com o seu espírito de frater-
-se sentir fundamentalmente na questão social, tão Durante a 1.ª Guerra Mundial, o Instituto teve casas nidade e comunhão.
premente na época em que o Papa Leão XIII publicou bombardeadas na Bélgica e na China, bem como Num mundo dividido em dois blocos económicos e
a Encíclica Rerum Novarum. Maria da Paixão comunidades no Próximo Oriente forçadas ao exílio. político-ideológicos, marcados pela secularização e
colaborou com os católicos sociais na formação Cerca de 600 irmãs dedicaram-se ao socorro de pelo materialismo, sente-se a crise de vocações.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA

O Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965), numa governamentais e não religiosas. O Capítulo Geral regressar a Portugal. Verifica-se, a partir de meados
procura de renovação interna da Igreja face aos de 2002 escolheu como prioridade missionária até do séc. XIX, um ressurgimento clerical que
desafios das mudanças, conduz a acção da Igreja 2008 os “Projectos em favor das pessoas deslocadas”. acompanha as tendências de além-Pirenéus. No ano
para uma ordem de relações humanas. O Instituto, As Missionárias integram-se em equipas que de 1857, chegam a Portugal as Irmãs da Caridade
sob o generalato de Marie de Sainte Agnés, reflecte acompanham, servem e defendem os direitos dos francesas, assinalando o primeiro passo na reintro-
sobre estas mesmas necessidades de renovação que refugiados e de todos os que, por desastres huma- dução das congregações, facto que desencadearia
se processam nos sentidos do valor da pessoa nitários ou violações de direitos humanos, se viram uma nova onda de combate anticlerical e anticon-
humana, do pluralismo e da inserção no mundo. forçosamente desenraizados e afectados pelo greganista por parte de determinados sectores liberais
Tais renovações são visíveis essencialmente nas desespero, pela falta de esperança e sentido de e demo-liberais, defensores de um movimento laicista
seguintes orientações, aprovadas no Capítulo Geral futuro. Destaca-se, a este nível, a colaboração com e secularizador. Perante esta ofensiva anticlerical, os
de 1972: o Instituto opta por uma descentralização o Serviço Jesuíta para Refugiados (JRS) em projectos católicos mobilizaram-se para organizar a Associação
moderada no seu governo, de modo a melhor poder de voluntariado desenvolvidos no Burundi, no Sul Católica (1872).
adaptar-se ao pluralismo de situações das diversas do Sudão, na Libéria e no Noroeste do Quénia. Aos poucos, começam a chegar ao Governo repre-
Províncias; a colegialidade das Provinciais junto da O campo de Kakuma, um dos maiores e mais antigos sentações que chamam a atenção para o estado
Superiora Geral e seu Conselho concretiza-se através campos de refugiados do mundo, localizado numa deplorável das colónias e que pedem expressamente
de reuniões periódicas do Conselho Plenário, nas área remota e árida no Norte do Quénia, reunia, o restabelecimento das ordens religiosas ao serviço
quais a partilha de informações e experiências sobre em 2003, cerca de 86 000 refugiados do Sudão, das missões. Só através do serviço missionário seria
a actuação em cada Província permite avaliar a Somália, Etiópia, Uganda, Ruanda, Eritreia, Burundi possível garantir a presença e o consequente domínio
marcha do Instituto; as comunidades em cada e Congo. Em condições de vida extremamente português em territórios tão distantes.
Província multiplicam-se com um número mais arriscadas, as Irmãs cooperam aqui com diferentes Por Decreto de 19 de Outubro de 1891, foi restaurada
reduzido de membros; o Capítulo Local de cada Igrejas e outras religiões na assistência espiritual e a Província Franciscana Portuguesa e, neste contexto,
Comunidade e o Capítulo Provincial em cada Provín- na garantia de um complexo serviço social que chegariam a Portugal as Missionárias de Maria, cuja
cia promovem a co-responsabilidade de todos os engloba o apoio a crianças órfãs, a alfabetização e actuação social viria a ser marcante, tanto na metró-
membros; as estruturas perdem a sua rigidez para o ensino nos diferentes níveis, bem como projectos pole, como no apostolado das missões.
mais facilmente se colocarem ao serviço da vida; para ocupação e valorização da mulher, num contexto Em 1895, pela celebração do sétimo centenário do
cada noviça desenvolve um percurso personalizado onde a violência sexual e doméstica e a insegurança nascimento de S.to António de Lisboa, as Franciscanas
com base numa formação inicial e contínua que, ao são lugares-comuns. Missionárias de Maria estabeleceram-se em Portugal
invés de obedecer a um esquema único, responde A tragédia do tsunami e a consequente crise que por solicitação do Núncio Apostólico, Mons. Jacobini,
aos apelos e motivações da sua integração no se abateu sobre o Sudeste asiático em finais de 2004 que apoia o pedido do Conde de Burnay. No contexto
Instituto e na Comunidade. mobilizou a acção das Franciscanas Missionárias de das preocupações sociais que o operariado urbano
A 20 de Outubro de 2002, Dia Mundial das Missões, Maria, desde o início presente nas operações de despertava, as Irmãs, actuantes no âmbito do
deu-se a cerimónia de beatificação de Maria da socorro urgente, oferecendo ajuda e abrigo. Catolicismo Social, seriam chamadas a dirigir a Villa
Paixão, então declarada Bem-Aventurada. A 31 de Dezembro de 2007, existia um total de de S.to António, em Lisboa, construída pelo Conde
7080 irmãs de diversas nacionalidades, distribuídas de Burnay para albergar 50 famílias de operários da
por 813 casas em 78 países de todos os continentes, Companhia dos Eléctricos. Madre Maria da Paixão
de acordo com a seguinte distribuição: deslocou-se a Portugal por esta altura para tratar
da fundação das casas de Lisboa e Braga. A Villa
CONVENTOS DE RELIGIOSOS de S.to António foi inaugurada no dia 21 de Junho
N.º de irmãs N.º de casas de 1895, acto a que assistiram a Família Real e
1055 (14,9%) 156 figuras destacadas da sociedade portuguesa da
560 (7,9%) 93 época. O Noviciado de Braga abria em Outubro do
294 (4,2%) 31 mesmo ano. Inicialmente estabelecido na Casa do
3131 (44,2%) 343 Menino Deus, na Tamanca, foi transferido em
72 (1%) 17 Fevereiro de 1896 para o antigo Convento dos
1968 (27,8%) 173 Remédios. Neste ano, a Missão em Portugal cons-
tituiu-se como uma nova Província com o nome de
S.to António. Dispunha então de três casas: em Lisboa,
O Instituto em Portugal a Villa de S.to António, que não era inteiramente
No contexto das lutas políticas que marcaram o autónoma; em Braga a casa da Tamanca e o
Portugal Oitocentista, os ataques movidos contra as Convento dos Remédios, que era simultaneamente
instituições religiosas tiveram no Decreto de 28 de casa de Noviciado, Aspirantado, patronato e adora-
Maio de 1834 um momento fundamental, com ção eucarística para o público.
Maria da Paixão, foto da sua beatificação (I)
profundas consequências no tecido social. A expulsão Em 1900, quando a Madre Fundadora viajou a
e o confisco dos bens das ordens religiosas deixariam Portugal pela segunda vez, já havia seis casas no
Actualmente, o Instituto das Franciscanas Missionárias um vazio no âmbito da assistência, do ensino e da continente, uma no Funchal e a acção missionária
de Maria caminha na história com o mesmo espírito cultura e manifestavam graves repercussões nas irradiara para Moçambique desde 1897. A 10 e 11
evangélico, contribuindo para a construção de cadeias colónias, quase entregues ao abandono desde a de Agosto de 1900 era inaugurada em Lisboa a Casa
de solidariedade, tanto em projectos locais, como extinção dos serviços das missões. do Cristo da Boa Morte, um antigo convento dos
em projectos de voluntariado em que coopera com A partir de 1841 são reatadas as relações diplomáticas Franciscanos, na R. do Patrocínio, à Estrela, que
outras congregações religiosas, organizações não com a Santa Sé e as ordens religiosas começam a passou a ser a casa central da província. Por altura

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA

1902, com a reconstrução das comunidades perse- Com a proclamação da República, em 1910, dá-se
guidas no ano anterior. Madre Maria da Paixão visitou uma dispersão compulsiva da vida religiosa em
Portugal pela terceira vez e reuniu-se outro Conselho Portugal e são confiscados os bens do clero. Nos
Provincial. primeiros sete anos da República, o Instituto das
As actividades da Congregação foram então reto- Franciscanas Missionárias de Maria não esteve em
madas até à Revolução Republicana, que levaria ao Portugal, donde foi obrigado a retirar-se e, de acordo
confisco dos bens e à dispersão das religiosas, as com o espírito internacional, inerente ao seu próprio
quais deixaram o país. carisma, as Irmãs entraram nas comunidades de
Entretanto, quase desde o início da sua presença vários países da Europa.
em Portugal que o Instituto irradiara para as missões O Estado português suprimiu repentinamente os
das colónias. subsídios antes concedidos às religiosas que actuavam
Casa Provincial de Portugal, aberta em 1932 e dedicada Em 1897 partiam para Moçambique as primeiras nas colónias de Angola e Moçambique e as irmãs
a S.to António, como lembrança da primeira religiosas, a quem a Companhia de Moçambique que se encontravam em Macau tiveram que se refu-
casa – a Villa de S.to António (I) entregara a direcção do Hospital da Beira. Pouco giar em Hong Kong e em Shiu-Hing.
depois desta primeira fundação, aparece o projecto Na sequência da Lei de Separação da Igreja e do
da inauguração, que contou com a presença do de Macequece, para onde as religiosas iriam dirigir Estado (1911), as missões católicas das colónias
Visitador Geral e do Provincial dos Franciscanos, uma escola de meninas e um hospital. Este famoso foram substituídas pelas “missões laicas” (1913),
reuniu-se o primeiro Capítulo Provincial que projecto foi aceite pelas Franciscanas de Maria, mas que vieram a intensificar o perigo da desnacio-
estabeleceu orientações e decisões para uma pro- não chegou a concretizar-se. Na Manga, próximo nalização ultramarina, devido à invasão de missões
víncia em crescimento. Madre Maria da Paixão da Beira, mantiveram uma casa de educação de estrangeiras, e a quebra do prestígio espiritual do
expressou então o desejo de ver ressuscitada a jovens africanas, que ainda hoje existe. As meninas Padroado Português do Oriente. Daí que, em 1919,
devoção ao Senhor da Boa Morte e a N. Sr.a da instruídas nesta escola iam depois para as aldeias um decreto do Governo tenha permitido às Ordens
Glória, venerada em Lagos, pelo que esta foi mais distantes promover a alfabetização. As Irmãs Religiosas a criação de casas de formação missionária
proclamada Provincial da Província de S.to António. dirigiram ainda um internato em Villa Castillo e uma para o Ultramar, “aceitando as missões católicas
Por esta altura, a Província contava com as seguintes casa na Ponta Gea, onde se desenvolveria o famoso como elemento de acção civilizadora” (A LMEIDA ,
casas: em Lisboa, a Casa do Cristo da Boa Morte, a Colégio de N. Sr.a dos Anjos, frequentado por alunas Roque, Para Ler a História… p. 194).
Casa de N. Sr.a da Piedade, que era uma escola europeias. Trabalhavam ainda no hospital de Xai- É ao abrigo deste decreto que, em 1924, o Instituto
doméstica para raparigas pobres, e a Villa de S.to -Xai, no Miguel Bombarda, no Maputo e nas implantou, na cidade do Porto, um colégio missio-
António, à Junqueira, com escola para pobres e casa maternidades de Mocumbi e dos Muchopes. nário. Consagrava-se o retorno das Missionárias a
para operários; em Braga, o Convento dos Remédios, A missão das Franciscanas Missionárias de Maria em Portugal, processo que já havia sido discretamente
que além da casa do Noviciado era também uma Moçambique incidiu fundamentalmente na catequi- iniciado em 1917, com o Asilo D. Pedro V, em Braga.
obra de patronato de crianças, e a Casa do Menino zação, na fundação de casas de educação, tanto No decurso do ano 1924-25, o Hospital Maria Pia
Deus, na Tamanca, onde funcionava um colégio internatos e escolas para alunas europeias como retomava o seu objectivo em favor das crianças
dedicado à educação de crianças pensionistas e escolas para alunas africanas, dispensários e hospitais. pobres e doentes e as Irmãs exerciam aqui actividades
órfãos; em Lagos, o Asilo do Sagrado Coração de Depois do Capítulo Geral de 1920, por adopção de de enfermagem em troca do alojamento concedido
Jesus, com sede no Convento de N. Sr.a da Glória, um critério geográfico, Moçambique passou a para o colégio missionário.
que prestava assistência a idosos; em Torres Novas, agrupar-se à África do Sul e Madagáscar. No Capítulo Em 1926, as Religiosas estabeleciam uma casa de
um hospital; no Funchal, o Convento de S.ta Clara, Geral de 1966, optando por um critério de afinidade Noviciado em Barcelos, deixando o exílio que, durante
onde fora instalado um colégio para meninas. política, Moçambique formou província com Angola. os anos da perseguição republicana, se havia fixado
As Missionárias de Maria dedicavam-se sobretudo Na Índia, em Meliapor, as Missionárias abriram um em Tuy. A Província era definitivamente restaurada
à educação de meninas órfãs e pobres em colégios hospital de leprosos, dispensário, creches, asilos de em 1937, com a recuperação da Casa do Cristo da
e ateliers de formação, onde ensinavam trabalhos idosos e escolas. Boa Morte, em Lisboa. A reorganização da província
de encadernação, bordados, piano, canto, escultura O Instituto, que já estava presente na China desde foi influenciada pela acção do Papa Pio XI (1922-
e línguas estrangeiras, mas asseguravam também 1886, implantou-se em Macau a partir de 1903. 1939), que, através da Encíclica Rerum Ecclesiae,
casas para operários, hospitais, dispensários e asilos A 17 de Novembro chegavam as primeiras missio- atribuiu importância fundamental às missões, no
para idosos. nárias a pedido do Bispo D. Azevedo da Costa, com âmbito de uma extensão geográfica da acção católica.
O ano de 1901 terá sido marcado pela turbulência o objectivo de dinamizar um colégio instalado num
da agitação anticlerical; a Casa do Cristo da Boa mosteiro do séc. XVII. Na repartição interna do
Morte foi forçada a encerrar por sete meses, as Instituto, este não fazia parte da Província de S.to
Irmãs foram expulsas e dispersas pela cidade de António, centrada em Portugal, mas sim da Província
Lisboa, assim como forçadas a deixar os hospitais da China. Porém, os êxitos e dificuldades da sua
de Torres Novas e do Funchal. Em Abril desse ano, acção terão sempre dependido das flutuações da
saiu um decreto que facilitava a legalização das con- situação portuguesa.
gregações religiosas. Em Outubro, com a aprovação Em 1908 a missão das Irmãs estendeu-se a Angola.
dos Estatutos, a Associação das Missionárias de As seis primeiras missionárias foram acolhidas em
Maria foi reconhecida e reabriram-se as casas Luanda pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da
encerradas em Lisboa. As Irmãs reuniram-se a 22 Imaculada Conceição no hospital da capital, seguindo
de Novembro, dia da festa de S.ta Cecília. Pouco a depois de barco para o porto de Matadi, destinadas
pouco, a situação estabilizava-se e parece ter-se a S. Salvador do Congo, onde ensinavam crianças Casa de Arcozelo, Barcelos, aberta em 1932 para Noviciado,
assinalado um novo surto de vitalidade a partir de indígenas dos dois sexos. com ampliações diversas (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE MARIA

Com a Concordata de 1940, firmou-se oficialmente este critério não funcionava. Portugal continental encontro com todos e, por isso mesmo, lugar
um pacto entre a Igreja e o Estado. Foi então e ilhas adjacentes formavam, juntamente com privilegiado de Missão nos tempos de hoje” (LÚCIO,
reconhecida a personalidade jurídica da Igreja Católica Espanha, a Província de S.to António e as colónias Maria, Franciscanas Missionárias de Maria: 100 Anos,
em Portugal e o direito à propriedade dos bens que de Angola e Moçambique formavam a Província de p. 422).
anteriormente lhe pertenciam. Paralelamente à N. Sr. a de Fátima. Uma vez que o número de O terceiro milénio coloca o desafio da ecologia.
Concordata, foi assinado um acordo missionário, religiosas espanholas era superior ao das irmãs Trata-se de uma verdadeira missão profética num
que estabelecia os princípios básicos da organização portuguesas, os cargos de governo das casas e obras, mundo em risco, mas também uma forma de
e acção missionárias, bem como o seu enquadra- tanto na metrópole como nas colónias, eram ocu- revivificar a mensagem de S. Francisco, relativa à
mento administrativo nas províncias ultramarinas. pados por irmãs espanholas ou de outra nacio- fraternidade espiritual com todos os seres e elementos
O Estado português comprometia-se a apoiar as nalidade, facto que começou a causar algum mal- da natureza.
missões católicas nos territórios coloniais. Ao abrigo -estar e que reclamava uma reorganização. Outros desafios dos novos tempos conduziram as
da Concordata e do Acordo Missionário de 1940, Na sequência do Concílio do Vaticano II, a Província Franciscanas Missionárias de Maria a cooperar em
as Franciscanas Missionárias de Maria passaram a de Portugal ganhou autonomia relativamente à projectos que visam uma maior justiça social: é o
ser um instituto missionário com personalidade Província de Espanha. Na reunião do Capítulo Geral caso do Projecto Vida e Paz, em favor dos sem
jurídica actuante nas colónias portuguesas. Neste de 1966, a Província de S.to António passou a ter abrigo; da Obra do Ardina, onde é prestado apoio
mesmo ano, as Irmãs estiveram presentes na uma Superiora Provincial portuguesa, a Ir. Luísa a jovens carecidos de estrutura familiar; do Projecto
Exposição do Mundo Português, onde, numa Baltasar. Hélène de Chappotin, que, desde Março de 2005,
verdadeira “exposição ao vivo”, davam aulas de No segundo Capítulo Geral de Renovação, em 1972, presta apoio a pessoas deslocadas, acolhendo
costura, catequizavam e alfabetizavam indígenas da estreia-se uma delegação portuguesa e é nomeada temporariamente pessoas de Leste, visando facilitar
Guiné, Angola e Moçambique. a primeira Superiora Provincial de Angola e Moçam- a integração dos imigrantes ou ajudá-los no retorno
Numa conjuntura histórica em que se processa a bique, a Ir. Celeste Lúcio, em cujo mandato se lançam voluntário ao país de origem.
estruturação corporativa do Estado e em que a Igreja as bases da autonomia do Instituto nos futuros países Desde o ano de 2002 que a Província de Portugal
procura uma efectiva recristianização da sociedade, independentes. Reflectindo os novos tempos, que das Franciscanas Missionárias de Maria organiza
o Instituto associa-se à fundação de duas importantes alteravam a face da Igreja e do mundo, saem deste encontros anuais dos Amigos do Instituto FMM, que
escolas sociais: o Instituto Social, em Coimbra, e a Capítulo decisões que põem em marcha um processo são marcados por três momentos fundamentais:
Escola de Enfermagem, em Lisboa. de mudança. O Instituto define a sua identidade sessão de apresentação de um tema relacionado
A primeira instituição, designada Escola Normal Social, através da personalização e simplicidade de cada com a história do Instituto e no qual também se
foi fundada em 1937, sob a presidência do Dr. Bissaya comunidade, de cada casa, no interior de cada comunica a obra de solidariedade a nível mundial,
Barreto, defensor de uma medicina social preventiva, relação fraterna, afastando-se da autoridade e da lanche/convívio e Eucaristia.
que deixou a direcção e administração escolares rigidez do ritual, da uniformidade e da austeridade Em 2006, exerciam actividade em Portugal 230 irmãs,
entregues às Franciscanas Missionárias de Maria. do passado. As Irmãs retomam o nome do baptismo. dispersas em 26 comunidades nas seguintes
Este instituto, para além de uma escola que formava O hábito religioso é simplificado e generaliza-se o localidades: Amoreira da Gândara, Arcozelo, Barcelos,
profissionais, criou outros organismos de actuação uso do traje civil. São criadas novas estruturas: as Beja, Braga, Bragança, Charneca da Caparica,
social, entre os quais o Centro Social Familiar (1937- Comissões de Estudo a nível local, provincial e geral, Coimbra, Fratel, Funchal, Odiáxere, Lisboa, Madalena
-1971), que prestava assistência e apoio à mulher e e os Capítulos Local e Provincial. do Mar, Martinlongo, Porches, Porto, S. Martinho
à criança, a Escola de Auxiliares Sociais (1950-1973) Com a independência dos países africanos, dá-se o de Candoso, Setúbal, Vila Nova de S.to André e Vila
e a Escola de Chefia (criada em 1971), promovendo retorno à metrópole de muitas religiosas e o campo de Rei. Podemos ainda assinalar a presença de 33
ainda múltiplas acções de solidariedade. missionário amplia-se, não apenas na Província de irmãs portuguesas ao serviço das missões Ad Extra.
A Escola de Enfermagem de Lisboa iniciou a sua Portugal, com a expansão para o meio rural, mas Hoje, a Sede Provincial das Franciscanas Missionárias
actividade em 1949 sob a designação de Escola de também com a partida de muitas irmãs para as de Maria localiza-se na Casa de S. to António do
Enfermagem e Acção Social Ultramarina. A iniciativa missões Ad Extra destinadas à Bolívia, Colômbia, Centenário, na R. Chaby Pinheiro, 12-A, em Lisboa.
partiu do Ministério do Ultramar que solicitou a Níger, Congo, Austrália e Madagáscar. Pelos anos A Superiora Provincial, até Outubro de 2007, é a Ir.
colaboração das Irmãs para organizar e orientar um 80, as Irmãs estão presentes em Cabo Verde, a Celeste Lúcio que fora Provincial de Angola e
curso de enfermagem tropical. As religiosas formadas pedido do bispo, para uma colaboração temporária Moçambique entre 1972-1975, presidiu por três
neste curso, que funcionou entre os anos de 1950 de quatro anos na formação canónica e religiosa de anos a Federação Nacional dos Institutos Religiosos
e 1969, destinavam-se às missões do Ultramar uma congregação autóctone nascente. Femininos e integrou a equipa moderadora do
português. Em 1952, passava também a ser minis- Dos anos 70 para diante passam a ser valorizadas Capítulo Geral de 1990.
trado nesta escola um outro curso geral e auxiliar, as pequenas comunidades onde se desenvolvem
destinado ao trabalho na metrópole. projectos em contacto directo com as populações,
No período da Guerra Colonial (1961-1974), irmãs enquadrados nas paróquias ou nas juntas de
portuguesas embarcam para Angola, Moçambique freguesia. As Religiosas abrem jardins-de-infância e
e Macau. No Norte de Angola (missão de S. Salvador), salas de estudo, investem na assistência social, na
sustentaram um internato para acolher crianças profissionalização e na formação permanente. As
perdidas na sequência da fuga precipitada das Irmãs actuam sobretudo nas áreas da promoção da
populações. Aqui, as Missionárias são uma presença mulher, pastoral da criança, educação, saúde,
de paz, tanto para as populações africanas como animação de paróquias sem padre e pastoral familiar.
para os militares portugueses. Participam no meio laboral como professoras, educa-
Nesta altura, o critério do Instituto para a repartição doras, enfermeiras e trabalhadoras sociais, entrando
das províncias consistia em ligar os territórios das nos concursos como qualquer profissional. Uma
missões à respectiva metrópole. Porém, em Portugal inserção no mundo que é, afinal, um “lugar de Entrada da capela da Casa Provincial (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA

Entre as publicações que contribuem para a FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA religioso caracterizado por duas linhas prioritárias
construção da memória histórica da Congregação SENHORA de acção, junto dos órfãos e dos mais necessitados:
destacam-se os Anais das Franciscanas Missionárias As Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora o tratamento de doentes e a educação das crianças.
de Maria, revista que surgiu em Janeiro de 1936 (FMNS), ou Franciscanas de Calais (designação O Decreto Imperial de 12 de Abril de 1854 reconhecia
e que, a partir de 1967, passou a intitular-se adoptada até 1965), encontram-se estabelecidas em este Instituto recém-criado com o nome de Irmãs
Testemunho e Presença: Anais das Franciscanas Portugal desde 1875-1876, embora os primeiros Franciscanas Hospitaleiras e Mestras da Ordem
Missionárias de Maria. Em 1969, a revista Boa contactos com o país remontem aos anos de 1868- Terceira de São Francisco de Calais. A 30 de Maio
Nova, resultante da fusão dos Anais com o -1869. do mesmo ano, a Ir. Louise Mabille foi nomeada
Missionário Católico, tornava-se o órgão de Esta Congregação foi fundada no ano de 1854, mas pelo Bispo de Arras, após sufrágio unânime das
divulgação da Igreja Missionária em Portugal, as suas origens mais profundas podemos encontrá- religiosas, como sua primeira Superiora Geral. Nesse
publicada pela Sociedade Missionária Portuguesa. -las no período medieval, uma vez que três casas mesmo ano, adoptou um novo hábito e efectuou
Em 1938, as Irmãs publicam uma revista para que se vieram a juntar para constituírem o Instituto a primeira visita às casas. A Congregação de Calais
crianças – a Tribuna das Crianças que, a partir do de Calais integravam a comunidade da terceira ordem estava definitivamente constituída no final de 1856,
ano seguinte, passou a designar-se Correio regular estabelecida em Saint-Pol, no Norte da França, com governo próprio e Casa-Mãe, onde anualmente
Missionário das Crianças. Salientam-se ainda as antes da morte de S. Francisco de Assis (1226). Esta as suas religiosas efectuavam os retiros gerais e o
obras da Ir. Celeste Lúcio, comemorativas dos 100 Comunidade disseminou-se a partir do séc. XIII, Noviciado. Françoise de Saint-Jean (1800-1885) viria
anos do Instituto: Franciscanas Missionárias de resultando no surgimento de vários conventos no a ser eleita segunda Superiora Geral, sucedendo a
Maria: Quem somos, como Vivemos através da Norte da França e na Bélgica. Entre estes contavam- Louise Mabille após a sua morte ocorrida em 1864.
História, celebrando o primeiro centenário da -se as sete casas que deram origem à Congregação A ela caberia apresentar as Constituições do Instituto
fundação do Instituto (1877-1977), e Franciscanas de Calais: Aire, Saint-Omer, Montreuil, Béthune, à Santa Sé, em Roma, acompanhada por Adolphe
Missionárias de Maria: 100 Anos em Portugal Lens, Arras e Calais. As suas religiosas ocupavam- Duchenne e pelo Provincial dos Capuchinhos em
(1895-1995). Há ainda as pequenas publicações -se do tratamento de doentes e prestavam apoio a França. Finalmente, a 5 de Junho de 1867, a
designadas Informação aos Amigos, com tiragens pobres e órfãos, em hospitais, asilos e outros Congregação recebeu o Decreto de Louvor do Papa
de cerca de 900 exemplares, com periodicidade estabelecimentos de caridade. Pio IX e, logo no ano seguinte, a 8 de Abril, o Bispo
trimestral, tendo publicado 14 números até final de Arras promulgou as suas Constituições. A 10 de
de 2006. Março de 1873, a Congregação obteve o Decreto
Solene de aprovação definitiva e as Constituições
BIBLIOGRAFIA: A LMEIDA , A. Roque de, Para Ler a foram aprovadas definitivamente por Decreto Solene
História da Igreja em Portugal, Porto, Editorial da Santa Sé a 11 de Março de 1892. As Franciscanas
Perpétuo Socorro, 1996; A LMEIDA , Fortunato, de Calais haviam-se tornado numa Congregação de
História da Igreja em Portugal, Nova edição Direito Pontifício.
preparada e dirigida por Damião Peres, 4 vols., O estabelecimento das Franciscanas Missionárias de
Porto/Lisboa, Portucalense Editora, 1967-1971; Nossa Senhora em Portugal esteve associado ao
FRANCO, A. L. de Sousa, “Os 75 Anos das Missões processo de formação do Instituto das Franciscanas
Franciscanas em Moçambique”, Sept. do Boletim Distintivo da Congregação (I) Hospitaleiras da Imaculada Conceição, encabeçado
da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, [s.n.], pelo P. e Raimundo Beirão, embora não se limite
1974, pp. 397-412; GOMES, Manuel Saturino da ao mesmo. É importante destacar que, além do
Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, Durante a Revolução Francesa, estas comunidades P.e Raimundo Beirão ter solicitado às Franciscanas
1994, p. 42; L OPES , F. Félix, “Franciscanas”, in foram perseguidas e seis destas casas foram de Calais, em 1868, formação religiosa para algumas
Verbo: Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 8.º encerradas. No entanto, conseguiram voltar a senhoras oriundas, na maioria, do Recolhimento das
vol., Lisboa, Editorial Verbo, 1969; L ÚCIO , Maria restabelecer-se e unir-se, na sequência de a Franciscanas Capuchinhas de Nossa Senhora de
Celeste, Franciscanas Missionárias de Maria: 100 administração do Hospício de Calais ter confiado a Aldeia Galega, que o mesmo tinha reunido numa
Anos em Portugal (1895-1995), Coimbra, Edição sua direcção a quatro religiosas franciscanas, três pequena comunidade, na Casa de S. Patrício (Lisboa),
da Província Portuguesa das FMM, 1995; L ÚCIO , de Saint-Omer e uma de Béthune. A 26 de Julho simultaneamente, a abadessa do convento francis-
Maria Celeste, Franciscanas Missionárias de Maria: de 1852, nove religiosas deste mesmo estabele- cano da Madre de Deus de Aveiro (Convento de Sá)
Quem somos, como Vivemos através da História, cimento de Calais, tendo como Superiora Louise pediu, igualmente, à Casa-Mãe de Calais para acolher
Porto, Simão Guimarães, Filhos, 1977; TOURAULT, Mabille (1799-1864), foram admitidas à profissão no seu Noviciado algumas educandas do seu con-
Philippe, História Concisa da Igreja, Lisboa, da Ordem Terceira e a 26 de Outubro, o Provincial vento. O pedido da abadessa tinha como objectivo
Publicações Europa-América, 1998; VIEIRA, Maria de França, Laurent d’Aoste, outorgou a carta de garantir a própria sobrevivência do convento, uma
do Pilar S. A., “Franciscanas Missionárias de Maria”, filiação da comunidade de Calais à Ordem dos vez que este corria o perigo de encerrar, por se
in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de Capuchinhos, passando, assim, a integrar a Ordem encontrar limitado a três freiras idosas. Dos dois
História Religiosa de Portugal, vol. C-I, [Lisboa], Franciscana. Por outro lado, o Bispo de Arras investiu pedidos feitos à Casa-Mãe de Calais, o primeiro a
Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História de amplos poderes o Abade Adolphe Duchenne ter resultados viria a ser, precisamente, o da abadessa,
Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, (Bolonha, 10.05.1813 – Calais, 15.01.1881), no uma vez que das cinco educandas do Convento de
2000, pp. 269-271; VILLARES, Artur, As Congre- sentido de conseguir a união das comunidades Sá que saíram de Lisboa com destino à França, em
gações Religiosas em Portugal (1901-1926), Lisboa, franciscanas da sua diocese. Este objectivo viria a Setembro de 1869, três (Maria José Santiago, Maria
Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a ser alcançado. No dia 8 de Fevereiro de 1853, 74 Ascensão Santiago e Maria Augusta Coelho) foram
Ciência e Tecnologia, 2003. irmãs aceitaram unir-se à casa de Calais e renovar aí admitidas, a 11 de Janeiro de 1870, sendo as
os seus votos. Surgia, assim, como resultado da primeiras portuguesas a frequentar este Noviciado.
MARIA DA GLÓRIA C. SANTANA PAULA união das sete casas franciscanas, um novo instituto Estas seriam seguidas por mais cinco candidatas que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA

partiram da Casa de S. Patrício em Janeiro de 1870, a 29 de Abril de 1864, tendo sido o funeral no dia Entre os nomes ligados ao estabelecimento da
a saber: Maria Cândida Santiago, Susana Maria 2 de Maio. A sua personalidade ficou evidenciada Congregação em Portugal, cumpre-nos sublinhar o
Gonçalves, Maria Libânia Galvão e outras duas na expressão que a mesma utilizou na sua primeira da Ir. Saint-Raphael (Émélie Stenne), primeira
senhoras que acabariam por não ser admitidas ao circular, datada de Junho de 1854, que ainda hoje Superiora Provincial do país. A Ir. Saint-Raphael
Noviciado de Calais. As três primeiras foram admitidas é um dos fundamentos da espiritualidade da nasceu em Neuville Saint-Waast (França), a 22 de
a 10 de Fevereiro de 1870 e contraíram os votos Congregação que fundou: “Sede todos membros Fevereiro de 1839. Entrou no Noviciado das
temporários a 14 de Abril de 1871. De volta ao país, de um mesmo corpo que se entreajudam e animam”. Franciscanas de Calais e tomou o hábito a 1 de
a Ir. Maria Clara do Menino Jesus (Maria Libânia Mons. Adolphe Duchenne é outra das figuras ligadas Março de 1859. Após ter passado por várias casas
Galvão) foi apresentada, com carácter provisório, às à fundação da Congregação. Nasceu também em (Saint-Pol-Sur-Ternoise, Berck-Sur-Mer e Saint-Omer),
recolhidas de S. Patrício como Superiora Local e Bologne-Sur-Mer, a 10 de Maio de 1813. Foi acabaria por ser enviada pela Superiora Geral da
Mestra de Noviças, isto porque, segundo as ordenado Sacerdote a 11 de Março de 1837 e, no Congregação a Lisboa, como responsável pela obra
orientações da Superiora Geral de Calais, continuava- ano de 1840, foi transferido para o Hospício de de Portugal, juntamente com outras três irmãs. No
-se a sentir a necessidade de enviar para Lisboa Calais onde passou a ter a seu cargo a direcção ano de 1876, em Ílhavo, fundaria a primeira casa
professas com votos perpétuos capazes de formar espiritual dos doentes e das religiosas franciscanas das Franciscanas de Calais em Portugal. Em 1877
aspirantes à vida religiosa. A 15 de Julho de 1871, que trabalhavam nesta casa. Dada a sua preocupação abriu a casa da R. dos Caldeireiros, na cidade do
as religiosas da Casa de S. Patrício trocaram o hábito com a formação religiosa das franciscanas existentes Porto, a qual viria a ser transferida, em 1878, para
azul de Franciscanas Concepcionistas pelo hábito na Diocese de Arras, veio a ser o principal responsável a Bandeirinha. Aí instalou-se com o Noviciado, que
preto das Franciscanas de Calais. A Casa de S. Patrício pela união das sete casas de franciscanas que estão já funcionava em Ílhavo sob a direcção da Ir. Branca
foi organizada de acordo com as Constituições dessa na origem da Congregação das Franciscanas de Maria. Após ter aberto outras casas, instalou-se
mesma congregação. Entre os anos de 1869 e 1871, Calais, hoje designadas por Franciscanas Missionárias juntamente com o Noviciado, em 1880, no Convento
daí partiram para Calais 12 aspirantes ao Noviciado, de Nossa Senhora. Depois de renunciar ao lugar de de S.to António das Águas Férreas, no Porto. Partiu
das quais apenas cinco professaram, tendo regressado Capelão do Hospício de Calais, viveu na Casa-Mãe para a Casa-Mãe, em Calais, para participar no
quatro a Portugal. Com o mesmo objectivo de das Franciscanas de Calais e durante 25 anos Capítulo de 1884 e não regressou mais a Portugal.
abraçarem a vida religiosa, continuaram também a consagrou-se a esta obra que ajudou a fundar. No Em 1886 foi enviada para Saint-Omer como Superiora
seguir para França algumas jovens da Diocese de ano de 1878, o Papa Leão XIII elevou este Cónego do Hospício de Saint-Jean. No Capítulo Geral desse
Aveiro. De entre estas, no ano de 1871, Calais Honorário de Arras (desde o ano de 1852) à mesmo ano, foi nomeada Conselheira Geral do
recebeu mais seis noviças, entre as quais Maria Emília dignidade de Camareiro de Honra da sua Cúria Instituto. Faleceu a 13 de Abril de 1892.
Ferreira Vidal, a qual viria a contribuir, de uma forma Pontifícia. Este homem seria ainda o responsável Não poderíamos deixar também de mencionar a
decisiva, para a expansão da Congregação no pela instalação dos Capuchinhos em Calais, em figura carismática da Ir. Maria Rita de Jesus. A 14
território nacional. A fundação das Franciscanas de 1879, embora estes mesmos tenham sido expulsos de Novembro de 1985, a Superiora Geral das
Calais em Portugal aproximava-se. Foi antecedida logo no ano seguinte. Faleceu a 14 de Janeiro de Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, a Ir.
pelo reconhecimento da Santa Sé, em 1876, das 1881. Maria Alice Portela, autorizou a abertura do seu
Irmãs Hospitaleiras da Ordem Terceira de São Dando continuidade ao carisma dos Fundadores, processo canónico de beatificação. Este processo
Francisco. No ano de 1875, as religiosas vindas de Louise Mabille e Adolphe Duchenne, registamos as ganhou uma nova projecção, em 1994, pela
Calais, para dirigirem as suas casas de Lisboa, superioras gerais da Congregação até ao presente: insistência dos casais colaboradores da Ir. Maria Rita
retiraram-se para o Convento de Sá, em Aveiro, e Françoise de Saint-Jean, francesa, 1864-1872; de Jesus, tendo a Superiora Provincial, Maria Helena
dali para Ílhavo, onde instituíram, em 1876, a primeira Scolastique des Anges, francesa, 1872-1886; Marie- Moreira, e o seu conselho apoiado firmemente esta
casa das Irmãs Franciscanas de Calais em Portugal, -Anne de l’ Aprésentation, francesa, 1886-1904; iniciativa. Florinda Rosa de Oliveira, mais tarde Ir.
o Estabelecimento de N. Sr.a das Dores. Em 1877, Marie Anna, francesa, 1904-1915; Anastasie de Jésus Maria Rita de Jesus, nasceu a 23 de Janeiro de 1885
a pedido de alguns membros da Associação Católica, Enfant, francesa, 1915-1919; Osmanne, francesa, na Freguesia da Vitória, no Porto. Em criança era
fixaram-se no Porto e, logo no ano seguinte, 1919-1945; Marguerite de la Croix, francesa, 1945- já devota de S.ta Rita de Cássia, de S. Miguel e de
transferiram para essa cidade o Noviciado, passando -1958; Marie Agathe Morris, irlandesa, 1958-1976; N. Sr.a de Fátima e já gostava de dar esmolas aos
aí a funcionar a sua Casa Provincial. Maria Alice Portela, portuguesa, 1976-1988; pobres e de falar com todos. Frequentou, em regime
Entre as figuras históricas mais relevantes ligadas à Margarida Maria Lima Vasques, portuguesa, 1988- de externato, o Colégio de S.to António das Águas
Congregação encontramos, inevitavelmente, a -1994; Brigitte des Haulles, francesa, 1994-2006; Férreas, no Porto, onde não terá ido além da 4.a
Fundadora e primeira Superiora Geral, a Ir. Louise Maria Helena Rodrigues Carvalho Moreira, portu- classe, uma vez que, para ajudar nas despesas
Mabille. Geneviève Mabille nasceu em Boulogne- guesa, Superiora Geral desde 2006. domésticas, viria a dedicar-se, na sua juventude, a
-Sur-Mer (França), a 22 de Maio de 1799. Entrou na trabalhos de costura. Manteve-se na casa dos pais,
Comunidade de Calais em Março de 1824 e tomou prestando-lhes cuidados até à sua morte. No dia 2
o hábito religioso a 29 de Setembro desse mesmo de Novembro de 1918, aos 33 anos de idade,
ano, tendo efectuado a sua profissão perpétua a 4 Florinda Rosa de Oliveira ingressou na vida religiosa,
de Outubro de 1825. Permaneceu durante 15 anos coincidindo essa data com o falecimento do seu pai,
no Hospício de Calais e no ano de 1851 tornou-se nesta altura já viúvo. Na primeira quinzena de Janeiro
Superiora dessa mesma casa. Nessa qualidade, de 1920, partiu para Calais, onde viria a fazer o seu
colaborou com o P.e Duchenne no projecto de união Postulantado e o Noviciado. Ainda em Calais, a 21
das sete casas de franciscanas existentes na Diocese de Novembro de 1921, com 36 anos de idade, fez
de Arras, já referido. A 30 de Maio de 1854, por a profissão temporária. No ano de 1924 foi enviada
voto unânime das religiosas, Louise Mabille foi eleita para a Argentina, onde cuidou de doentes terminais,
Superiora Geral das Franciscanas de Calais. Mabille a quem alimentava e prestava todo o apoio. A sua
consagrou o seu Instituto a N. Sr.a dos Anjos. Morreu Festa do encerramento jubilar dos 150 anos, Fátima (I) dedicação aos doentes traduziu-se na designação

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA

que lhe atribuíram: “Paloma”, ou “Pomba”. Em seu Bispo, D. Armindo, na presença do postulador, o número de casas e o número de religiosas passou
1926 regressou a Portugal e foi colocada no Colégio de todos os membros do tribunal para esta causa, de 190 para 224. Toda a Congregação participou
de S. Dinis, no Porto. Aí permaneceu durante 10 todos os peritos, religiosas e religiosos e de grande activamente no movimento de renovação pós-
anos e, a 21 de Novembro de 1927, com 42 anos número de admiradores e devotos da Serva de Deus, -Vaticano II e iniciou o processo de revisão das
de idade, fez os votos perpétuos de pobreza, Ir. Maria Rita de Jesus. No dia 17 do mesmo mês, Constituições, as quais viriam a ser aprovadas pela
obediência e castidade. Com 51 anos ingressou na foram entregues ao Cardeal José Saraiva Martins, Santa Sé, em 1984. Na Província Portuguesa, cuidado
Comunidade das Franciscanas de Calais do Hospital Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, posto na formação no campo da saúde, durante
de S.ta Maria, no Porto. Aqui se dedicou de alma e dois dossiês com todos os documentos relacionados esta fase, ficou atestado pelo funcionamento, por
coração à expansão da devoção das Sagradas com o processo de canonização da Ir. Maria Rita de exemplo, da Escola de Enfermagem, dirigida pelas
Infâncias de Jesus Menino e sua Mãe. Faleceu a 29 Jesus. Para este efeito, deslocaram-se a Roma o irmãs franciscanas de Calais, no Hospital de
de Maio de 1965, nessa mesma instituição. Foram, Cónego Carlos Azevedo (Postulador), a Ir. Maria S.ta Maria no Porto. No ano de 1961, esta escola
e ainda são, múltiplas as graças atribuídas à mediação Ludovina Martins Ferraz (Superiora Provincial) e a Ir. ministrava cursos de enfermagem geral (com a
da Ir. Maria Rita de Jesus, a qual é reconhecida por Maria Benilde Rangel (Vice-Postuladora). Como a duração de três anos) e de auxiliares de enfermagem
muitos pela santidade da sua vida. partir deste momento o Postulador deve residir em (com a duração de um ano, seguido de um estágio
A Conferência Episcopal Portuguesa, reunida em Roma, foi nomeado para Postulador Geral, a pedido de seis meses, após o exame final), ambos para o
Assembleia Plenária de 8 a 11 de Abril de 2002, da superiora provincial, o Fr. Florio A. Tessari, da sexo feminino. A frequência dos mesmos podia ser
aprovou a introdução do processo de beatificação Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, que, feita em regime de externato, semi-internato e
e canonização da Ir. Maria Rita de Jesus sob a com todo o interesse, tem acompanhado o desenrolar internato e as candidatas admitidas deveriam ter
proposta de D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do dos trabalhos relacionados com este processo. idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos.
Porto, e a pedido da Superiora Provincial, a Ir. Maria As Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora Hoje, é Escola Superior de Enfermagem de S.ta Maria
Ludovina Martins Ferraz. A pedido da mesma, D. destacaram-se, desde o seu estabelecimento no país, e admite alunos de ambos os sexos. Paralelamente,
Armindo nomeou Postulador desta causa o Cónego por prestarem serviços em hospitais e escolas assistiu-se ao alargamento da actividade missionária
Prof. Dr. Carlos Alberto de Pinho Moreira Azevedo, (salientem-se as Escolas Católicas e as Escolas de das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, que
hoje, Bispo Auxiliar de Lisboa, que, com a dedicação Jesus Maria José). Em finais de 1881, contavam já se traduziu pela abertura de uma primeira casa no
e a eficiência que lhe são peculiares, fez o pedido com 73 religiosas distribuídas por seis casas (4 no Brasil, a ampliação da sua acção em Moçambique
de introdução a 23 de Janeiro de 2003 e deu-lhe Porto, uma em Ílhavo e um em Avanca) e, em 1899, e o seu alargamento até à Alemanha e a S. Tomé.
grande impulso. Enviado o pedido para a Congre- o seu número havia aumentado para 178 religiosas Após 1974, coincidindo com a crise de vocações,
gação para a Causa dos Santos, em Roma, logo a e 23 noviças espalhadas por 17 casas, todas no verificou-se uma redução do número de religiosas
18 de Março do mesmo ano foi emitido o Nihil norte do país, à excepção de uma, em Setúbal. Em e o envelhecimento dos seus quadros, tendência
Obstare, dando origem à abertura oficial do processo 1907, eram já 199 religiosas. No momento da que apenas foi atenuada pelo regresso de muitas
de Beatificação e Canonização de Ir. Maria Rita de instauração da República, em 1910, o seu número religiosas de Moçambique após 1975 (em 1973
Jesus, que teve lugar no Paço Episcopal da Diocese tinha aumentado para 204 religiosas, 28 noviças e estavam aí estabelecidas 81 religiosas, número que
do Porto, presidida por D. Armindo Lopes Coelho 19 casas, apesar de terem sido obrigadas a dispersar havia aumentado significativamente desde 1950,
a 29 de Maio de 2004, comemorando o dia do seu o Noviciado que funcionava no Convento de S.to altura em que tinham apenas 28 elementos). Em
falecimento. A 27 de Junho do mesmo ano, foi António das Águas Férreas. Prestavam ainda serviço 1992, a Província Portuguesa contava com 310
celebrada na Q.ta da Azenha, em Gondomar, uma em 7 hospitais, 2 asilos e em 10 escolas e colégios. elementos e em 1995 tinham 33 comunidades em
Contudo, a legislação republicana anticongrega- Portugal, uma na Alemanha e uma em S. Tomé e
cionista viria a ditar a sua expulsão das casas em Príncipe, num total de 310 membros. Porém, como
que trabalhavam. Ficaram reduzidas a 50 membros, reacção a esta situação, a Congregação optou por
tendo muitas religiosas voltado para as suas famílias abrir-se mais ao exterior, acelerar o movimento de
e outras optado pelo exílio em França. As Franciscanas profissionalização das religiosas, diversificar o seu
de Calais só viriam a recuperar no período que apostolado e intensificar a formação religiosa
sucedeu à Primeira Guerra Mundial. A extinção do permanente dos seus membros. Após o II Concílio
Noviciado em Portugal e o exílio de muitas religiosas Vaticano, passaram a dedicar-se, para além do
haviam resultado na redução, falta de preparação trabalho em escolas e hospitais, a outras actividades
e envelhecimento dos seus quadros. Para o seu pastorais, nomeadamente em paróquias.
ressurgimento contribuiu a reabertura do Noviciado Actualmente, a Província Portuguesa das Franciscanas
em Tui, em 1927, mais tarde transferido para Portugal Missionárias de Nossa Senhora conta com 237
Q.ta da Azenha, Gondomar (I) (1936), dado que era urgente e prioritária a formação membros (número calculado em Julho de 2006),
em áreas para as quais tinham estado sempre distribuídos por 25 comunidades no país e por três
eucaristia solene em acção de graças presidida pelo vocacionadas, tais como a saúde e a educação. comunidades fora do território nacional: uma na
Cónego Prof. Dr. Carlos Azevedo. No ano seguinte, O crescimento da Congregação, neste período, fica Alemanha (Colónia), uma em S. Tomé e Príncipe e
precisamente no dia do seu aniversário, 23 de Janeiro, atestado pelo número dos seus elementos e das uma em Angola (Luanda). A distribuição geográfica
foi celebrada na Igreja Paroquial de N. Sr.a da Vitória, suas casas. Se em 1926 eram 63 irmãs distribuídas das religiosas é a seguinte: Diocese do Porto (9
no Porto, onde a Ir. Maria Rita de Jesus foi baptizada, por 10 casas, em 1945 já contavam com 205 comunidades, com um total de 128 religiosas),
uma eucaristia em acção de graças pela Clausura elementos, dos quais 190 trabalhavam em 16 casas Diocese de Braga (3 comunidades, com um total
do Processo, na Diocese do Porto, presidida pelo em Portugal e 15 em 4 casas em Moçambique, para de 19 religiosas), Diocese de Aveiro (2 comuni-
seu postulador. Esta clausura já estava prevista para onde tinham alargado a sua acção no ano de 1935. dades, com um total de 7 religiosas), Diocese de
o dia 7 de Fevereiro de 2005, como de facto se Já em 1911, abriram o primeiro colégio na Argentina. Viseu (uma comunidade composta por 4 irmãs),
efectuou, no Paço Episcopal, sendo presidida pelo Entre 1945 e 1974, a Província Portuguesa duplicou Diocese de Évora (uma comunidade composta por

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA

quatro irmãs), Diocese de Portalegre (uma comu- província para o trabalho espiritual, comunitário e segundo a proporção: membros de direito 1/5,
nidade composta por cinco irmãs), Diocese de individual a desenvolver e o segundo (em Julho) para membros eleitos 4/5. De 2 em 2 anos, a Superiora
Santarém (uma comunidade composta por cinco a avaliação do trabalho realizado. Nestas reuniões, Provincial faz a visita canónica às comunidades da
irmãs), Diocese de Vila Real (duas comunidades, com orientadas por um sacerdote da Família Franciscana, Província. No caso de impossibilidade, nomeia uma
um total de oito religiosas), Diocese de Lisboa (quatro tem assumido particular relevo a oração, condição Delegada. Membros do povo de Deus, as Irmãs, pela
comunidades, com um total de 41 irmãs) e Diocese necessária para a proclamação do Evangelho, e o sua profissão religiosa, querem viver mais plenamente
de Setúbal (uma comunidade composta por quatro convívio fraterno. Ao longo dos anos de 1991/1992 o seu Baptismo seguindo Cristo à maneira de S.
religiosas). A Província Portuguesa continua a ter e 1992/1993, o tema de reflexão foi, precisamente, Francisco de Assis. Assim, encontram na contem-
uma comunidade na Alemanha, com 3 irmãs, uma a “Dimensão Franciscana da Congregação”, tendo- plação, na conversão, na pobreza e na menoridade,
em S. Tomé e Príncipe, com 4 irmãs e uma em -se as religiosas empenhado em cursos de francis- a força da sua vida em fraternidade e o seu dina-
Luanda, composta por 5 irmãs. canismo, orientados por sacerdotes da família, e no mismo missionário. Estar onde a sua presença possa
estudo pessoal e comunitário das “Fontes Francis- ser uma ajuda é para elas uma preocupação
canas”. Anualmente, o tema da Formação Contínua constante que as encoraja a ir através do mundo.
é apresentado à Província Portuguesa para orientação A exemplo de Jesus Cristo, vieram “não para ser
comum das Irmãs a nível pessoal e comunitário. servidas, mas para servir”, particularmente os mais
Lado a lado com a formação religiosa, a província pobres. Abertas às necessidades reais do país,
tem-se preocupado com a dinamização da formação exercem o seu apostolado nos seguintes sectores:
técnico-profissional das religiosas. Neste sentido, saúde (hospitais, unidades de saúde e cuidados de
tem acolhido cursos de actualização nos domínios enfermagem ao domicílio), educação (jardins-de-
prioritários da sua intervenção, a saber: saúde, -infância, colégios, externatos, escolas de enfer-
educação e informática. magem, instituições privadas de solidariedade social,
Faltará apenas mencionar a activa colaboração das apoio à imigração e ensino da Língua Portuguesa a
Casa principal da Província Portuguesa (I) Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora para emigrantes), terceira idade (centros de dia, lares e
responder às necessidades da Igreja no mundo. As visitas a domicílios) e pastoral (animação da liturgia,
A Província das Franciscanas Missionárias de Nossa suas religiosas têm participado nas mais diversas religião e moral nas escolas, pastoral catequética,
Senhora, inspirada nas orientações do magistério acções, desde a preparação e apoio das jovens por pastoral juvenil e pastoral da saúde). As Irmãs seguem
da Igreja que preconizam a formação espiritual, parte das irmãs que constituem a pastoral vocacional a Regra e a vida dos irmãos e irmãs da Terceira
doutrinal e prática, durante toda a vida, dos membros e a orientação de cursos para catequistas, em Ordem Regular de São Francisco, bem como as suas
que constituem os institutos de vida consagrada, Portugal, França e Alemanha, até à participação na actuais Constituições. Consideram a Eucaristia, a
tem investido na formação das suas religiosas, Comissão Nacional das Comemorações “Cinco oração pessoal, a oração comunitária e a leitura
contemplando constantemente duas vertentes: a Séculos de Evangelização e Encontro de Culturas”, assídua da Sagrada Escritura como meios, por
sua formação religiosa e a sua formação técnico- ou na Federação Nacional dos Institutos Religiosos excelência, de aprofundamento da sua aliança com
-profissional. No que diz respeito à sua formação Femininos, hoje, CIRP (Conferência dos Institutos Deus, fonte e perfeição de todo o amor. Nas suas
religiosa, diversas têm sido as acções desenvolvidas. Religiosos em Portugal). Constituições, Maria é elevada a mãe e rainha da
Destaque-se, porém, o plano trienal de acção O carisma das Franciscanas Missionárias de Nossa Congregação, sendo considerada como modelo de
formativa lançado pelo conselho provincial, o qual Senhora enraíza-se no carisma franciscano. Procuram contemplação, modelo de atenção às necessidades
resultou na publicação de sete cadernos-guião viver como S. Francisco de Assis e Maria em total dos homens e modelo de acolhimento, de serviço
elaborados sob a orientação do P. e Dr. Joaquim fidelidade ao Evangelho (na contemplação, na e de disponibilidade. Por sua vez, à semelhança de
Monteiro, da Ordem dos Frades Menores conversão, na menoridade e na pobreza), em S. Francisco, que reconhecia em cada homem um
Capuchinhos, que deram origem a estudos de fraternidade (simples, acolhedora, alegre, aberta e irmão, as Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora
reflexão e de síntese apresentados no encontro de em comunhão com a Igreja), com uma alma estão atentas, particularmente, aos mais pobres.
Maio de 1989, na Q.ta da Azenha, em Gondomar. missionária e um espírito de família à maneira da É esse amor fraterno que as impele para o espírito
Estes cadernos visavam os seguintes temas espe- Fundadora e as tradições da sua história. O carisma missionário e a estarem presentes no mundo.
cíficos: “identidade da nossa vida religiosa”, “o missionário tem-se manifestado, desde a sua Dado tratar-se de uma congregação que tem a sua
projecto da vida religiosa”, “a nossa opção pelo fundação até à actualidade, pela sua intensa activi- Casa-Mãe em França, é fácil perceber que a
projecto da vida religiosa”, “identidade do Instituto dade junto dos doentes (hospitais e domicílios), das documentação existente em Portugal é escassa.
das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora”, pessoas idosas (asilos), no ensino (escolas) e nas O arquivo da província raras fontes conserva
“o projecto da nossa vida de oração”, “o projecto obras sociais. anteriores à Segunda Guerra Mundial. Por sua vez,
da nossa vida em fraternidade e o projecto da nossa A Congregação das Franciscanas Missionárias de o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo,
vida apostólica”. Com o mesmo objectivo, em Junho Nossa Senhora é um Instituto Religioso de Vida onde se encontra o fundo das congregações,
de 1990 ocorreu o Encontro da Fraternidade, no Apostólica, de Direito Pontifício. Está dividida em formado após a extinção e expulsão dos institutos
âmbito do qual se procedeu à mudança de hábito Províncias, Regiões e Distritos. O Capítulo Provincial religiosos, em 1910, revela-se pobre quanto às
da Província Portuguesa, tendo-se substituído o é o conjunto das irmãs representantes da Província Franciscanas de Calais. No entanto, o Arquivo da
hábito preto pelo hábito constituído pela saia azul que formam um colégio e actuam como tal. Neste Congregação, instalado na Casa Geral em Paris,
e camisa branca, o qual já era usado na maior parte pode tratar-se de eleições e de assuntos da vida da revela-se extremamente útil para reconstituir a história
das províncias e regiões da Congregação. Nesta Província. O Capítulo Provincial é composto por da Congreação em Portugal. É de notar que a Casa-
mesma reunião, a superiora provincial decidiu realizar, membros de direito (Superiora Geral ou sua Delegada, -Mãe em Calais foi totalmente destruída por um
anualmente, dois grandes encontros: o primeiro (no Superiora Provincial, Conselheiras Provinciais e bombardeamento, na noite de 26 para 27 de Maio
primeiro fim-de-semana de Novembro, coincidente Superioras de Distrito. O número de membros eleitos de 1940. As fontes impressas constituem-se como
com o Magusto) para motivar e consciencializar a é determinado pelo número de membros de direito, um núcleo documental fundamental para a

437
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRANCISCANAS REPARADORAS

construção da memória histórica do mesmo, apesar VIEIRA, Maria do Pilar S. A., “Franciscanas Missionárias
de nem sempre constituírem séries contínuas e de Nossa Senhora”, in Carlos Moreira Azevedo (dir.),
homogéneas. Entre as fontes impressas destaquem- Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol. C-I,
-se: os Annales de la Congregation des Religieuses Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 271-273.
Franciscaines de Calais, Rayon de Soleil, Petit Echo Digital: www.ppfmns.pt.
du Monastère et des Missions, Petit Echo de la
Maison-Mère et des Missions, Annales Franciscaines, ANA CRISTINA DA COSTA GOMES
Paix et Joie e Partage. Paralelamente, será importante
salientar uma publicação periódica portuguesa,
incontornável para traçar a evolução histórica das FRANCISCANAS REPARADORAS
Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora em Esta Congregação Religiosa, cujo nome oficial é Servas
Portugal, publicada no período compreendido entre Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado
os anos de 1872 e 1911: o jornal católico portuense (SFRJS), foi aprovada canonicamente a 15 de Agosto
intitulado A Palavra. de 1950, pelo Bispo da Diocese de Bragança-Miranda,
A Congregação publica Sinais de Vida e a Província D. Abílio Vaz das Neves. O decreto erigiu-a como
Portuguesa tem, com uma periodicidade trimestral, Instituto de Direito Diocesano.
o Jornal de Irmã Maria Rita de Jesus e publica ainda
a Fraternidade e, para os jovens, o Falcão.
Ao longo do ano de 2004-2005 decorreram as
celebrações comemorativas dos 150 anos da Ir. do Santíssimo Sacramento, Fundadora (I)
fundação da Congregação em vários países por todo
o mundo: Portugal, França, Bélgica, Alemanha,
Irlanda, América do Norte, Haiti, Brasil, Argentina,
S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, África do
Sul, Djibouti, Etiópia e Madagáscar. Foi com a saudação
“Alegrai-vos, no Senhor!” que a Ir. Brigitte des
Haulles, na altura Superiora Geral das Franciscanas
Missionárias de Nossa Senhora, anunciou a abertura
das comemorações do Ano Jubilar da Congregação.
Na Província Portuguesa foram muitos e variados os
momentos de celebração, mas o ponto mais alto
foi o dia de encerramento, a 30 de Abril de 2005,
em Fátima.

BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LMEIDA , Fortunato de,


História da Igreja em Portugal, vol. III, Porto Lisboa,
Livraria Civilização-Editora, 1970; Escola de
Enfermagem das Irmãs Franciscanas de Calais, Porto,
D. Abílio (I)
E.E.I.F.C., 1961; Estatutos da Província Portuguesa
das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, Alzira e Maria Augusta (I)

Porto, Imprensa Portuguesa, 1985; GOMES, Manuel A Fundadora oficial desta Congregação viria a ser
Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, D. Elisa Feyo, que receberia o nome religioso de Ir. carência de ordens religiosas naquela diocese. Teve
Paulinas, 1994, pp. 43-44; HUGHES (D’Angers), Les Maria do Santíssimo Sacramento, primeira Superiora conhecimento do trabalho efectivo daquelas mulheres
Franciscaines de Calais, 2.a ed., Paris, Letouzei, 1924; Geral das Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus através de uma visita realizada à aldeia de Pereira
LOPES, F. Félix, “Franciscanas”, in Verbo Enciclopédia Sacramentado. (1940), onde constatou as actividades que
Luso-Brasileira de Cultura, vol. 8, Lisboa, Editorial Alzira da Conceição Sobrinho e Maria Augusta desenvolviam, visíveis na direcção de um pequeno
Verbo, 1969; PEREIRA, Henrique Manuel Silva, Rita Martins, naturais da aldeia de Pereira, do Concelho orfanato, o Asilo das Florinhas do Sacrário, que
de Jesus: Paixão pela Infância de Jesus, Compaixão de Mirandela, desde 1917, sentiam o desejo de mantinham com os seus próprios recursos, e na
pela Dor Humana, Porto, FMNS, 1999; S OUSA , fundar uma congregação religiosa, totalmente dinamização de uma intensa vida espiritual, centrada
Fernando de, As Franciscanas Missionárias de Nossa dedicada à adoração e reparação de Jesus no na Eucaristia e fundamentada na espiritualidade
Senhora em Portugal (1868-1894), Sept. da Revista sacramento da Eucaristia. O seu ideal seguia o modelo franciscana. Tinham como Director Espiritual
da Faculdade de Letras, II Série, vol. VIII, Porto, 1991; franciscano e fundamentava-se na sua espiritua- o P.e Alfredo Rodrigues, ofm, que as orientava nessas
SOUSA, Fernando de, As Franciscanas Missionárias lidade. Dedicavam-se a obras de solidariedade até linhas espirituais.
de Nossa Senhora em Portugal (1868-1992), Porto, se lhes juntarem Florência do Carmo Pereira e Maria Esta Congregação surgiu da necessidade de ajudar
s.n., 1992; SOUSA, Fernando de, Um Instituto Religioso Elisa Feyo. o Bispo e os Sacerdotes da Diocese de Bragança-
na República: As Franciscanas Missionárias de Nossa O projecto que acalentavam viria a ser do -Miranda. D. Abílio decidiu apoiar e impulsionar as
Senhora (1910-1926), Sept. da Revista da Faculdade conhecimento do Bispo D. Abílio Vaz das Neves, iniciativas dinamizadas pelo grupo de senhoras ou
de Letras, II Série, vol. IX, Porto, 1992; S OUSA , acabado de ser transferido da Índia para a Diocese pelo Centro Eucarístico de Pereira, aproveitando-as
Fernando de, Hospital de Santa Maria: Uma de Bragança (1939). Pela sua riqueza evangélica, como embrião de uma nova ordem religiosa. Nesse
Instituição Centenária (1888-1988), Porto, 1988; seria integrado no seu plano diocesano, dada a sentido, seria realizado um retiro onde estiveram

438
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS FRATERNIDADE FRANCISCANA DA DIVINA PROVIDÊNCIA

presentes todas as pessoas ligadas àquela Obra, larmente devota do santo de Assis, e que vivia, na
tendo-se decidido erguê-la como Pia União, com a prática, uma espiritualidade inspirada naquele modelo
anuência do respectivo bispo. Seguiu-se um período de santidade. Por isso, desde cedo, Ana de Jesus
de formação ministrada pelas Irmãs Franciscanas foi influenciada por um modelo de vida que haveria
Missionárias de Maria (1941), na Casa do Menino de marcar as suas opções futuras. Órfã de ambos
Deus, em Barcelos, a D. Elisa Feyo e a D. Florência os pais aos 12 anos, foi viver com um tio sacerdote,
do Carmo Pereira. Receberiam o hábito em 1942 e pároco em Gondoriz, perto de Arcos de Valdevez.
seriam enviadas para Marmelos, em Mirandela, para Aí continuou a viver uma vida de fé, inspirada numa
darem início à vida comunitária. radicalidade de vida que pretendia imitar. Assim
A Congregação foi crescendo, com a admissão dos aconteceu quando, aos 24 anos, decidiu seguir a
primeiros elementos, e transfere-se para Chacim, vida religiosa, tendo ingressado, a 8 de Maio de
em Macedo de Cavaleiros. Em 1945, o bispo pediria 1920, na Congregação das Irmãs Franciscanas
à Sagrada Congregação dos Religiosos para erigir Missionárias de Maria, em Tuy, Galiza.
em Instituto de Direito Diocesano a, então, Pia União
das Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus
Sacramentado, agregada à Ordem Franciscana em
1948, e aprovada como Instituto em 1950. A Santa
Sé aprovaria as respectivas Constituições em 1965,
sendo reconhecida como Instituição de Direito
Pontifício a 1 de Novembro de 1992. Ir. Marta (I)
O carisma das Servas Franciscanas Reparadoras é

Actualmente, a Congregação tem a sua sede na


cidade de Bragança. É constituída, na sua totalidade,
por 171 religiosas de várias nacionalidades e está
radicada em quatro países. Em Portugal, conta com
19 comunidades, todas no Norte. Em Angola,
permanece desde 1962 e, apesar das muitas
vicissitudes vividas, hoje manifesta a sua presença
através de uma delegacia. No Brasil, a Congregação
chegou no ano de 1987 e, hoje, desenvolve a sua
actividade em três comunidades. Mais recente, o
S. Francisco e S.ta Clara, Fundadores
estabelecimento em Moçambique data de 1997,
da Família Franciscana, Assis (I)
contando hoje com duas comunidades.

Emblema da Congregação (I)


BIBLIOGRAFIA: Imprensa: Congregação das Servas Como é próprio da vida religiosa, o primeiro ano
Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado, seria para cumprir o Postulantado, tendo proferido
caracterizado pela adoração e reparação a Jesus no Macedo de Cavaleiros, Texto policopiado, s.d.; GOMES, os primeiros votos a 16 de Abril de 1921, passando
sacramento da Eucaristia e pela espiritualidade Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, a chamar-se Maria da Ascensão. Seguiu-se a profissão
franciscana. A sua acção divide-se entre o trabalho Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 111; VIEIRA, Maria temporária, a 13 de Junho de 1923, tendo feito os
pastoral e a solidariedade social. Realizam um do Pilar S. A., “Servas Franciscanas Reparadoras de votos perpétuos precisamente três anos depois.
trabalho paroquial específico em cada um dos locais Jesus Sacramentado”, in Carlos Moreira Azevedo Passou por várias casas do Instituto, sendo de
onde desenvolvem as suas actividades, de acordo (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, destacar, em Portugal, a sua passagem pelo Asilo
com as necessidades específicas de cada paróquia, vol. P-V, [Lisboa], Círculo de Leitores, 2000, pp. 225- de D. Pedro, em Braga, e pela Casa do Menino Deus,
mas, sempre, centrado na orientação litúrgica e -226; Servas Franciscanas Reparadoras: Bispo e em Barcelos, além de ter percorrido o país com o
comunhão de doentes. Para além disso, coordenam Fundador, Macedo de Cavaleiros, Texto policopiado, propósito de angariar donativos para apoiar a
e dinamizam um Movimento Eucarístico de Leigos, s.d. Digital: www.sfrjs.org educação de meninas pobres a cargo da sua
dividido em três grupos: Florinhas do Sacrário, para Congregação. Era este, aliás, o seu principal desejo
crianças, tendo como orgão de comunicação o ISABEL BALTAZAR como pessoa e que pretendia praticar como religiosa.
Boletim Crescendo; a Juventude Eucarística No entanto, não seria ouvido pelas superioras, que
Franciscana, para jovens, dinamizada pelo Boletim a enviaram para uma casa de Paris, que nada tinha
Semeando; os Visitadores do Sacrário, para adultos, FRATERNIDADE FRANCISCANA DA DIVINA a ver com esta vocação. Permaneceu naquela casa
catequizados pelo Boletim Lâmpada Viva. PROVIDÊNCIA durante cerca de quatro anos, até à data da ocupação
O trabalho de solidariedade depende do contexto Ana de Jesus Faria de Amorim nasceu a 25 de Março da capital francesa pelas forças nazis. Como
em que está inserida cada comunidade, tendo como de 1896, em Soutelo, Concelho de Vila Verde, Distrito aconteceu a todas as religiosas estrangeiras, Maria
tónica comum a opção pelos mais pobres e, como de Braga. Foi educada segundo sólidos princípios da Ascensão voltou para o seu país de origem.
acção específica, o trabalho em lares para crianças católicos, já que os seus pais pertenciam à Ordem Chegada a Portugal, continuou a sentir o mesmo
e jovens privados de meio familiar normal, em lares Franciscana Secular, também designada de Ordem apelo, pois a sua vocação em nada mudara: era sua
de idosos e a actuação nos domínios da Educação Terceira de São Francisco. Era uma família modesta missão ajudar os mais pobres, mas agora sentia,
e da Saúde. de recursos materiais mas muito cristã, particu- também, um interesse especial pela espiritualidade

439
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

de Fátima. Para poder seguir o seu chamamento, distribuírem sopas aos pobres e auxílios em tarefas Providência (FFVP). Foi elevada a Congregação
Ana de Jesus teve de pedir a dispensa de votos, o de enfermagem. Mas Fátima continuava a ser o local Religiosa de Direito Diocesano no dia 25 de Dezembro
que veio a acontecer em 1941. Nessa altura, voltou da Casa-Mãe da Obra e, por isso, a ser assistida por de 1998, por Decreto de D. Serafim de Sousa Ferreira
a usar o seu nome de baptismo e entregou-se à Ana, que para lá continuava a se deslocar. No e Silva, Bispo da mesma diocese.
protecção de N. Sr. a de Fátima, bem como aos Alentejo, o bispo e os párocos pretendiam a Actualmente, a principal obra da Congregação é a
pastorinhos Francisco e Jacinta, procurando imitar transferência definitiva da Obra, mas sem qualquer Casa do Bom Samaritano, situada na rotunda norte
o seu estilo e vida. No dia 15 de Setembro de 1942, consentimento da Fundadora. A Obra tinha sido da Cova da Iria, que se destina a acolher deficientes
foi-lhe, então, doada uma casa para acolher os mais inspirada para Fátima e ali teria de permanecer. Disso físicos e mentais, os privilegiados pela Fundadora,
pobres e necessitados. Como tudo lhe acontecia não tinha dúvidas Ana de Amorim, que assim primeira obra social implantada em Fátima. A Casa-
sem grandes apoios humanos, chamou à sua primeira respondia às autoridades que não a entendiam. Por -Mãe continua a ser a Casa da Divina Providência,
casa Obra da Divina Providência. isso, e com muita pena, acaba por abandonar Safara na mesma localidade, casa de formação da Congre-
É de salientar que a Obra que Ana de Jesus Amorim e Barrancos, deixando lá as irmãs que discordavam gação e onde repousa Ana de Jesus Amorim, cuja
funda em Portugal seguirá o modelo italiano de S. da sua decisão. beatificação se encontra em preparação.
José Bento Cottolengo. Pretende ter o mesmo espírito
e realizar as mesmas obras conseguidas pela Casa BIBLIOGRAFIA: Boletins Periódicos da Casa do Bom
da Divina Providência, existente em Turim e que Samaritano e Manancial, Fátima, Fraternidade
rapidamente se espalhou por outros países. Em Franciscana da Divina Providência, [s.d.]; GOMES,
Portugal, foi acolhida por Ana de Amorim, que para Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede,
isso invocou o santo padroeiro. Chamava a S. José Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 45; P EREIRA ,
Bento Cottolengo o pai dos pobres, pretendendo, Fr. Adelino, Ana dos Pobres e de Fátima, s.l., OFM,
também ela, ser sua filha espiritual. Tinha a certeza 2001; PEREIRA, Fr. Adelino, Os Lírios de Ana, Fátima,
de que queria viver como mãe dos pobres e só isso OFM, 1999; PEREIRA, Fr. Adelino, Liliodia, Fátima,
lhe bastava. OFM, 1998; PEREIRA, F. Adelino, As Três Paixões Duma
Toda a sua vida foi vivida na simplicidade e pobreza Mulher Providencial, Fátima, OFM, 1992.
material, aliada a uma grande riqueza espiritual.
Veio a falecer no dia 10 de Maio de 1976. ISABEL BALTAZAR
Para conseguir institucionalizar a Obra que idealizava,
Ana de Jesus Amorim teve de pedir autorização ao
bispo da diocese. Para tal, deslocou-se a Leiria, para HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO
falar com D. José Alves Correia da Silva, primeiro DE JESUS
Bispo da diocese restaurada. O processo de As Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus,
autorização passaria para os seus sucessores, D. João também conhecidas por Congregação das Irmãs
Pereira Venâncio e D. Alberto do Cosme Amaral. Hospitaleiras (HSC), são uma Congregação Religiosa
Entretanto, teve de enfrentar grandes dificuldades Apostólica feminina de Direito Pontifício (Santa Sé,
Santuário de Fátima (SMA)
e provações, sempre animada pela força do espírito 25 de Junho de 1892), fundada em Espanha,
e pela fé na providência. A nível terreno, contava Ciempozuelos (Madrid), a 31 de Maio de 1881, por
com o auxílio espiritual, entre outros, de Fr. Roque Em Fátima continuava as tentativas anteriores, apenas S. Bento Menni, por Maria Josefa Recio Martín e
do Amaral, ofm, do convento franciscano de suspensas com a sua ida para o Alentejo, de fazer por Maria Angústias Giménez Vera. As suas designa-
Varatojo, perto de Torres Vedras, e Fr. António Ribeiro, aprovar a Obra da Divina Providência. Solicitando a ções precedentes foram Congregação Hospitaleira
também da Ordem Franciscana Missionária, sucessivos bispos a sua aprovação canónica, das Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração
missionário em Moçambique e futuro Provincial da continuava a aguardar, mas a Obra não podia parar. de Jesus (1882) e Congregação Religiosa das Irmãs
Província Portuguesa da Ordem Franciscana. De facto, além das duas casas em Fátima, foi aberta Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e da
Ana de Amorim continuou o seu trabalho, apesar outra em Coimbra, que se destinava aos estudos Bem-Aventurada Virgem Maria Senhora Nossa (1895
das muitas incompreensões, mesmo dentro da própria das religiosas da Obra e onde funcionava um lar de e 1903).
Igreja. Auxiliava e acolhia, sempre que possível, senhoras idosas. Além disso, continuava, parale- A presença hospitaleira em Portugal data de 1894,
meninas pobres e desfavorecidas, mas a falta de lamente, a desenvolver o edifício espiritual da ano em que foi fundada a Casa de Saúde da Idanha
legalização levava a que muitas acabassem por ser Congregação, a sua disciplina e a pastoral vocacional.
transferidas para outras instituições. Os mais novos O carisma da Congregação compreende uma
constituíam a sua razão de viver, pelo que também espiritualidade providencialista, mariano-fatimista,
dedicou a sua vida a meninas deficientes, física e eclesial e franciscana. A sua missão desenvolve-se
mentalmente, grave e profundamente afectadas. pela adoração contemplativa, evangelização dos mais
Em Fátima encontrou-se com o Bispo de Beja, D. pobres e serviço e libertação dos mais necessitados.
José do Patrocínio Dias, que a convidou a ir até à Está, ainda, no seu projecto a missão Ad Gentes.
sua diocese, com mais duas companheiras. Viveram Ana de Jesus Amorim revelava-se uma mulher que
na Paróquia de Safara, no Concelho de Moura, e, aliava a contemplação à acção e a sua persistência
mais tarde, em Barrancos. A missão era a mesma: teve como resultado, embora já depois da sua morte,
estar ao lado dos mais desfavorecidos. Mas desta a aprovação da Obra como Pia União, a 25 de Março
vez o desfavorecimento era também, e sobretudo, de 1982, pelo Bispo de Leiria-Fátima, D. Alberto do
espiritual. Por isso, dedicaram-se à catequese e ao Cosme Amaral. Passou a designar-se, a partir de
apostolado em terras de Baixo Alentejo, além de então, como Fraternidade Franciscana da Divina Logótipo das Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

(Belas). Esta Congregação destaca-se pelo papel dos Fatebenefratelli, para transferir os feridos da observância das leis e deveres, espírito de oração,
preponderante no âmbito da psiquiatria moderna e Batalha de Magenta (Norte de Itália, 1859) da estação recolhimento, silêncio, serviço e uma grande devoção
da saúde mental. de Araceli para o Hospital dos Irmãos de São João aos Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Deus. A primeira notícia da sua presença em Portugal data
1. Contexto histórico da fundação. No séc. XIX de 13 de Maio de 1890, quando visitou a Santa
a Espanha sofria uma grave crise socioeconómica. Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo, e desde
A situação assistencial do país era precária e o auxílio logo lhe foi pedido para aqui permanecer. Esteve,
psiquiátrico atravessava sérias dificuldades, devido mais tarde, várias vezes em Portugal, com o objectivo
à situação económica geral provocada pelas de fundar estabelecimentos de saúde.
destruições das campanhas napoleónicas e pelas Bento Menni faleceu em Dinan, no dia 24 de Abril
guerras da independência das colónias da América de 1914. Em 1924, os seus restos mortais foram
Latina. A crise no sector da saúde era severa e a trasladados e depositados numa capela contígua à
administração pública não tinha meios económicos igreja da Casa-Mãe das Irmãs Hospitaleiras, em
suficientes para a resolver, reconhecendo que seria Ciempozuelos. A 10 de Fevereiro de 1964 foi
mais económico estabelecer acordos com instituições introduzida a causa da sua beatificação e a 23 de
privadas do que construir novas estruturas públicas Junho de 1985 foi declarado Beato pelo Papa João
ou melhorar as já existentes. Naquela época a Paulo II. A 21 de Novembro de 1999 foi canonizado
Medicina ainda não considerava os doentes mentais pelo mesmo Papa, que o proclamou “o Profeta da
na sua área de assistência sendo, até então, Hospitalidade”. Actualmente, na sequência de uma
acompanhados por pessoas sem quaisquer conhe- petição dirigida pelos Superiores Gerais da Ordem
cimentos técnicos e em estabelecimentos pouco Hospitaleira de São João de Deus e da Congregação
especializados. Uma estatística, publicada em 1879, das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus,
referia que os hospitais públicos da época espera-se que o Papa Bento XVI declare S. Bento
hospedavam doentes de ambos os sexos. No entanto, Menni Patrono dos Voluntários.
a Casa de Saúde de Ciempozuelos, pertencente à Madre Maria Josefa Recio Martín (1846-1883),
S. Bento Menni, Fundador (I)
Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, apenas Fundadora e primeira Superiora Geral das Filhas de
cuidava de homens. O estado de grande precariedade Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus, nasceu
na assistência às mulheres com doença mental A 1 de Maio de 1860 entrou para a Ordem no dia 19 de Março de 1846 em Granada, na Plaza
questiona seriamente Bento Menni, por estas também Hospitaleira dos Irmãos de São João de Deus, del Boquerón, no Barrio de Bucaralfaccin, perto da
merecerem cuidados especiais. Por outro lado, em recebendo a 13 de Maio o hábito de irmão Igreja de S. João de Deus, onde se conservam os
Espanha não existiam congregações religiosas hospitaleiro, e começou o Noviciado com o nome restos do Santo Fundador da Ordem Hospitaleira.
femininas dispostas a criar e a gerir manicómios, de Fr. Bento. A 15 de Maio de 1861 fez a profissão Filha de um casal de parcos recursos, mas que
sendo as Irmãs da Caridade de São Vicente de de votos temporários de consagração em pobreza, procurava viver uma vida digna, Victoriano Recio
Paulo as únicas a trabalhar em institutos públicos e castidade, obediência e hospitalidade e, a 17 de Angulo e Mamerta Martín Reguero, ficou órfã de
privados sem qualquer formação específica nesta Maio de 1864, a profissão solene, consagrando-se pai quando tinha pouco mais de dez anos de idade.
área. Face a todas estas condições, S. Bento Menni ao serviço da humanidade que sofre para sempre. Pepita, como carinhosamente era chamada, aprendeu
reconheceu a importância e o momento legítimo de No dia 14 de Outubro de 1866, foi ordenado o ofício de modista e mostrou habilidade no corte
fundar uma congregação feminina que se ocupasse Sacerdote e, no dia seguinte, celebrou a sua primeira e na confecção. Aos 16 anos dedicava-se à costura
prioritariamente de cuidar as mulheres com doença missa na Igreja do Hospital de S. João Calibita, na e ensinava já um bom grupo de jovens. Tinha uma
psíquica ou alteração do desenvolvimento mental. ilha Tiberina, Cúria Geral da Ordem Hospitaleira. numerosa clientela. Considerada uma pessoa
S. Bento Menni (Ângelo Hércules Menni, 1841-1914), A 14 de Janeiro de 1867, foi enviado pelo Superior trabalhadora, de carácter doce, afável, sereno e
restaurador da Ordem Hospitaleira de S. João de Geral, P.e João Maria Alfieri, com a bênção do Papa humilde, conquistou o coração, o afecto e a estima
Deus em Portugal, em Espanha e no México, Pio IX, para a difícil tarefa de restaurar a Ordem de quantos a conheceram. Estas características
Comissário Geral da Ordem em Espanha, Visitador Hospitaleira em Espanha, seu berço. valeram-lhe a confiança de algumas pessoas
Apostólico e Superior Geral da sua Ordem, nasceu S. Bento Menni era um homem de caridade ines- abastadas e generosas, que lhe confiaram a tarefa
em Milão no dia 11 de Março de 1841, no seio de gotável, de extraordinária generosidade, sensibilidade, das suas obras de piedade: fornecer frequentemente
uma família cristã onde se viviam os sacramentos, dinamismo, capacidade organizativa e metodoló- alimentos e vestuário às famílias mais necessitadas
a caridade e se rezava o rosário todas as noites. Foi gica, de excepcionais predicados de liderança e da zona, principalmente a viúvas e órfãos, atingidos
o quinto filho de Luís Menni e de Luísa Figini. administração, com uma forte identidade carismática, pela terrível epidemia de cólera de 1854 e pelos
Desde cedo demonstrou ser dotado de uma inte- espírito disciplinador e inabalável nas suas convicções efeitos da guerra contra Marrocos. Este momento
ligência privilegiada e de um forte sentido de e projectos. Foram o seu carácter, carisma e atitudes marcou o início de uma missão de caridade que a
honradez. Prova-o a demissão de um bom emprego que o transformaram numa personagem fascinante, acompanhará toda a vida.
como funcionário de um banco, em Milão, por capaz de levar a cabo dois grandes empreendi- No dia 3 de Fevereiro de 1864, ainda não tinha
testemunhar irregularidades e injustiças. Vários mentos considerados pioneiros naquele tempo: a completado 18 anos, casou-se com António
factores estiveram na origem da sua vocação religiosa restauração da Ordem Hospitaleira de São João Fernandez Amador, um jovem de bons costumes
hospitaleira: aos 17 anos, a realização de exercícios de Deus em Espanha, Portugal e México e a fundação empregado numa fábrica de chocolates; enviuvou
espirituais; os conselhos de um eremita da sua cidade da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado 15 anos depois, a 27 de Maio de 1879. Após o
natal; a oração diária à Santíssima Mãe de Jesus; e, Coração de Jesus. Ao fundar a Congregação exigiu matrimónio mudou-se para uma casa situada na
mais concretamente, o contacto com o mundo de às Irmãs que professassem uma vida marcada pela antiga R. de San Jerónimo el Viejo, tendo iniciado
sofrimento, fazendo-se maqueiro voluntário ao lado abnegação de si mesmas, humildade, obediência, desde essa data a sua amizade com Maria Angústias

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Giménez Vera. Destacam-se a sua abnegação, nova família religiosa – a Congregação das Irmãs uma congregação dedicada à assistência dos mais
honradez, simplicidade e humildade, a vivência da Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Maria carenciados, principalmente às mulheres com doença
caridade cristã, o espírito generoso aberto ao Angústias fez a sua profissão perpétua a 15 de mental. Maria Josefa e Maria Angústias acalentavam
próximo, o seu amor à santa pobreza e a sua Novembro de 1885 e faleceu no dia 2 de Agosto há algum tempo o desejo de dar à própria vida uma
dedicação infatigável ao trabalho. Maria Josefa de 1897, no Hospital de S. Baudílio de Llobregat. dimensão espiritual mais profunda e de se consa-
faleceu no dia 30 de Outubro de 1883, devido a No dia 27 de Outubro de 1893 procedeu-se à exu- grarem a Deus. Quando um dia encontraram Bento
lesões internas provocadas pela agressão de uma mação dos seus restos mortais e, no dia seguinte, Menni, na Igreja de S. João de Deus, puderam
doente a quem assistia, e foi sepultada em Ciem- foram trasladados para Ciempozuelos, para junto manifestar-lhe, em confissão, o seu desejo e puderam,
pozuelos. No dia 21 de Junho de 1991 iniciou-se o de S. Bento Menni e de Maria Josefa. mais tarde, sob a sua direcção espiritual, começar
seu processo de canonização. Ao longo dos sécs. XIX-XX foram várias as iniciativas a estudar as possibilidades de concretização do seu
de grande importância que permitiram a reconstrução sonho. Durante algum tempo, Bento Menni pôs à
de uma memória histórica ligada à Congregação prova as intenções e as qualidades destas duas
das Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. senhoras, concluindo que ambas o poderiam ajudar
Destacam-se a criação do Arquivo Histórico da na fundação de uma nova congregação religiosa
Província Espanhola, por S. Bento Menni, que destinada a assistir as doentes mentais. A 21 de
possibilitou a recolha de cartas, livros e documentos Junho de 1880 partiram a meio da noite para
antigos que viriam a ser preciosos para a recons- Ciempozuelos, uma aldeia situada a 30 km de
tituição da história dos três séculos da Ordem em Madrid, e instalaram-se num casebre muito humilde
Espanha; os escritos da Co-Fundadora Maria e com péssimas condições de habitabilidade, no
Angústias Giménez Vera, em Ciempuzuelos, durante n.º 5 da R. da Barrera. Mais tarde, juntaram-se algu-
os meses de Fevereiro e Março de 1887, compilados mas amigas, Maria Josefa foi nomeada Superiora e
em 1971 com o título Relación sobre los Orígenes a Maria Angústias foi confiada a parte disciplinar.
de la Congregación de Hermanas Hospitalarias del Em virtude da necessidade de uma casa maior e de
Sagrado Corazón de Jesús, que relatam toda a história formar o novo grupo para adquirir os conhecimentos
da fundação (a edição portuguesa foi publicada em assistenciais necessários para o tratamento e cura
1998); os primeiros registos sobre a fundação da das doenças mentais, Bento Menni, com a ajuda de
Casa de Saúde da Idanha, redigidos em 1907, por alguns benfeitores, adquiriu, em Fevereiro de 1881,
Josefa Trinidad Franqueza, a primeira historiadora um pequeno edifício na R. dos Jardins, “a casa das
desta casa, Relación sobre la Fundación de Idanha, romãzeiras”, que viria a ser a sede da Congregação.
título original, que se encontra hoje no AGHH Carp. No dia 1 de Maio receberam a primeira doente, no
6, n.º 15; a biografia de S. Bento Menni escrita por dia 31 foi fundado o Instituto de Nossa Senhora do
D. Manuel Martín e publicada em Madrid, em 1919; Sagrado Coração de Jesus e as dez postulantes
Maria Josefa Recio, Co-Fundadora (I) e a produção epistolar de S. Bento Menni durante vestiram o hábito religioso, iniciando o ano de
os 47 anos da sua actividade, que possibilitaram Noviciado. No dia 4 de Junho de 1882 as primeiras
Madre Maria Angústias Giménez Vera (1849-1897), actualmente analisar o seu relacionamento com as noviças emitiram os votos temporários de pobreza,
Co-Fundadora, nasceu em Granada, no dia 21 de religiosas da Congregação. Entre 1881 e 1913, S. castidade e obediência. Maria Josefa foi nomeada
Agosto de 1849, filha de Pablo Giménez e de Dolores Bento Menni escreveu, às Irmãs Hospitaleiras do Superiora Madre Josefa do Santíssimo Sacramento.
Vera, uma família de situação económica média que Sagrado Coração de Jesus, largas centenas de cartas, Maria Angústias não se encontrava neste grupo,
privava com os Irmãos de São João de Deus. De que foram compiladas e publicadas em Espanha e mas tomou o nome de Ir. do Coração de Jesus,
saúde fraca, afectada por uma doença cardíaca organizadas de forma temática e cronológica – uma quando fez a sua profissão com o segundo grupo
crónica, a sua família sempre teve cuidados e primeira versão em 1920 e uma segunda edição em de noviças, a 15 de Novembro de 1885. No dia 28
atenções especiais dando-lhe uma boa educação 1970. Cada carta englobava o nome da destinatária de Junho de 1882, foi inaugurada a capela, na
religiosa e instrução superior e a plena liberdade ou destinatárias e uma breve indicação dos assuntos presença do Superior Geral da Ordem de São João
desde jovem para que seguisse as suas inclinações nela contidos. Os originais destas cartas encontram- de Deus, o P.e Juan María Alfieri.
religiosas. Maria Angústias tinha um talento natural -se actualmente em Roma, no Arquivo Geral das A grande devoção do Fundador da Congregação à
e muita disposição para as coisas práticas e para o Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Santíssima Virgem e a sua invocação e intervenção
governo, planeava os seus projectos espirituais encadernados em oito volumes, por ordem temática. durante a restauração da Ordem de São João de
disposta aos maiores sacrifícios até à sua realização, A primeira carta data de 12 de Dezembro de 1883. Deus em Espanha e no México, onde viu várias vezes
lia muito e tinha facilidade em expressar os seus A edição portuguesa (2001) teve como base a edição a sua vida ameaçada, levou a que dedicasse a
ideais, tanto oralmente como por escrito. espanhola de 1975, Cartas do Servo de Deus, P. Congregação a N. Sr.ª do Sagrado Coração de Jesus.
As relações entre Maria Josefa e Maria Angústias Bento Menni O. H., às Irmãs Hospitaleiras do Sagrado As Constituições, sob o nome de Filhas de Nossa
surgiram por razões de vizinhança: ambas viviam no Coração de Jesus por Ele Fundadas (1883-1913), Senhora do Sagrado Coração de Jesus, foram
mesmo edifício desde 1871, pertenciam à Paróquia José Gonzalez Editore, Roma. aprovadas a 27 de Setembro de 1882, por um
dos Santos Justo e Pastor, frequentavam a Basílica período de cinco anos, pelo Cardeal Moreno,
de S. João de Deus e tinham como director espiritual 2. Historial e fundação da Congregação. A origem Arcebispo de Toledo, Ordinário de Ciempozuelos.
o Cónego da Catedral de Granada, José Martín desta Congregação remonta a Espanha, a Ciem- No dia 10 de Novembro de 1891, Bento Menni
Gutiérrez (prestigioso sacerdote que faleceu com pozuelos (Madrid), ao ano de 1881, quando Bento pediu a sua aprovação pontifícia, que foi rejeitada
fama de santidade a 25 de Novembro de 1873). Menni, sacerdote italiano da Ordem Hospitaleira por existir outra instituição com o mesmo título. Foi
A 21 de Junho de 1880, após convite do P.e Menni, de São João de Deus, apoiado pela iniciativa e então que a Superiora Geral pediu autorização para
ambas (Josefa e Angústias) partem para fundar uma persistência feminina de duas granadinas, fundou se servirem do título completo de Irmãs Hospitaleiras

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Aires), a 12 de Junho de 1972 para a Alemanha Em Portugal, a implantação da Congregação acom-


(Neuburg), a 9 de Janeiro de 1978 para o Chile (Viña panhou, tal como aconteceu na sua fundação (1881),
del Mare), a 13 de Janeiro de 1981 para a Guiné a obra de restauração da Ordem de São João de
Equatorial (Niefang), em 1985 para o Vietname, em Deus, realizada por Bento Menni em Espanha, em
1991 o regresso a Moçambique (Maputo) e a Portugal e no México. Após fundar, em Portugal, a
fundação nas Filipinas (Manila), em 1993 para o Casa de Saúde do Telhal, para homens, Bento Menni
Zaire (Kinshasa) e para a Polónia (Varsóvia), em 1995 apercebeu-se da grave lacuna do meio assistencial
para os Camarões (Yaoundé), em 1998 para o Peru português e da urgente necessidade em prestar
(S. Bartolo, Lima), e em 2001 para a Índia. assistência caritativa – cuidados gerais e de enfer-
Conforme consta do Arquivo Geral da Ordem Hospi- magem – a doentes mentais do sexo feminino, “até
taleira, Bento Menni fundou algumas sociedades então abandonadas na sua doença”. Numa segunda
anónimas para assegurar o êxito das suas iniciativas viagem a Portugal, em 1891, Bento Menni já havia
sociais e tutelar os bens dos Irmãos e das Irmãs em levado consigo para Espanha o primeiro núcleo de
Espanha e Portugal, em conformidade com as normas seis futuras hospitaleiras portuguesas, no qual se
das leis civis, registadas regularmente nos respectivos incluía a Ir. Maria da Luz Martins (natural de Vila
arquivos e de acordo com a autoridade eclesiástica Fernando, de 21 anos, considerada a mais prestigiosa
e civil. A 31 de Outubro de 1891 fundou, em Madrid, hospitaleira dos primeiros tempos, fiel colaboradora
a Sociedade Anónima Mercantil La Rosa, com a de Bento Menni na fundação da Casa de Saúde da
finalidade de assegurar os bens da Congregação e Idanha, onde faleceu a 7 de Março de 1952) e a Ir.
promover em Espanha, e fora dela, a fundação de Maria do Carmo Gil Manso (natural de Alfaiates, de
casas de saúde. 21 anos, fundadora da Idanha, onde faleceu a 7 de
Maria Angústias Giménez, Co-Fundadora (I) Outubro de 1953). Bento Menni solicitou, mais tarde,
ao Ir. Bernardo, Vice-Prior do Telhal da Casa dos
do Sagrado Coração de Jesus e de São João de Deus Irmãos de S. João de Deus, que acompanhou todo
que, novamente, foi recusado. A 25 de Junho de o processo de restauração em Portugal, que procu-
1892, com a recomendação do Arcebispo de Toledo, rasse e adquirisse uma casa com igreja perto e de
a Congregação foi reconhecida como Instituto de preço acessível, nos arredores de Lisboa. A 30 de
Direito Pontifício. O título foi então mudado para Janeiro de 1894, foi adquirida uma propriedade com
Congregação Religiosa das Irmãs Hospitaleiras do o topónimo de Convento de Baixo (conforme surge
Sagrado Coração de Jesus e da Bem-Aventurada na escritura), datada do séc. XVIII, constituída por
Virgem Maria Senhora Nossa. Em 1901, Leão XIII olival de 60 pés, rés-do-chão, primeiro andar e
emanava o decreto de aprovação da Congregação pequeno oratório privado, por 7500 pesetas/30 000
e das Constituições e, no dia 16 de Março de 1908, reais, que foi paga em prestações, sem juros, e com
as Constituições eram definitivamente aprovadas muitas dificuldades. Para esta compra, concorreu D.
sob o título de Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Mariana Pereira da Silva, benfeitora dos Irmãos de
Coração de Jesus. Depois do Concílio Vaticano II S. João de Deus, com 400$000 e uma pensão mensal
iniciou-se uma nova etapa na história contemporânea de 18$000 durante seis meses, para que a mesma
da Congregação, caracterizada por um movimento se tornasse habitável. No dia 28 de Fevereiro de
renovador da Igreja, que inspirou a adaptação das 1894 saíram de Ciempozuelos para Madrid, acom-
leis do Instituto; as novas Constituições foram panhadas por Bento Menni, pela Madre Geral, por
aprovadas no dia 10 de Junho de 1983. Sóror Gabriela e por algumas irmãs e meninas do
O crescimento e a expansão da Congregação foram Asilo de Madrid, as três Irmãs hospitaleiras que iriam
significativos ao longo dos tempos. Primeiro para fundar a sétima casa da Congregação e a primeira
outras províncias em Espanha e, mais tarde, além- em Portugal. Entre elas, duas portuguesas: a Ir. Maria
-fronteiras: a 28 de Abril de 1894 para França (Paris), do Carmo Gil Manso (1870-1953) – primeira
a 1 de Julho de 1894 para Portugal (Idanha, Belas), Superiora da Casa de Saúde do Funchal, Superiora
a 7 de Abril de 1905 para a Hungria (O’Beba), a 9 Hospitaleira (Tours) da Comunidade do Funchal no sexto Capítulo Geral
de Junho de 1905 para Itália (Roma), a 6 de Agosto e Capitular no sétimo Capítulo Geral como “Superiora
de 1920 para Inglaterra (Guernsey), a 16 de Agosto eleita pelas Comunidades do Hospital Espanhol em
de 1953 para a Colômbia (Bucaramanga), a 12 de Ao longo do crescimento da Congregação e da Paris e de Belas”; a Ir. Maria da Luz Martins (1869-
Fevereiro de 1959 para Moçambique (Marracuene), Ordem outras associações foram fundadas: em 1922, -1952) – Delegada da Casa de Saúde da Idanha no
a 11 de Maio de 1961 para o Uruguai (Montevideo), La Salud e, em data incerta, El Iris. A 28 de Outubro quinto Capítulo Geral e Delegada pela Casa de Belas
a 9 de Dezembro de 1963 para o Brasil (S. Paulo), de 2004 foi criada a Fundação Bento Menni, uma no oitavo Capítulo Geral; e uma espanhola: Sóror
a 23 de Fevereiro de 1965 para o Gana (Assin-Foso), organização de cooperação para o desenvolvimento, Trinidad Franqueza (1855-1936) – primeira Superiora
a 31 de Maio de 1966 para a Bolívia (Sucre), a 26 inscrita em Madrid no Registo de Fundações da Casa de Saúde da Idanha, Conselheira Geral no
de Dezembro de 1966 para a Libéria (Monróvia), a Assistenciais, cujo objectivo é o de levar a cabo primeiro Capítulo Geral e Delegada da Casa de
24 de Junho de 1967 para o Equador (Quito), a 15 acções encaminhadas à cooperação, ao desen- Palência no terceiro e no quarto Capítulos Gerais.
de Novembro de 1967 para a Irlanda (Carlow), a 4 volvimento e à ajuda humanitária, no âmbito nacional À partida do comboio, Bento Menni deu-lhes 25
de Abril de 1968 para o México (Tlalnepantla), a 3 e internacional, com especial atenção aos países e pesetas e um chapéu-de-sol, como última prova de
de Dezembro de 1971 para a Argentina (Buenos pessoas mais desfavorecidas. carinho e do testemunho da hospitalidade. Em Lisboa,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

esperavam-nas na estação do Rossio D. Mariana ameaçada, as irmãs espanholas foram obrigadas a protocolos específicos com várias entidades privadas
Pereira da Silva com o Ir. Bernardo. Permaneceram regressar à sua pátria e as que ficaram tiveram de e públicas. Em 2002 foi criado o Centro de Estudos
em Belas três meses, na residência do P.e Rosário, deixar o hábito religioso. A situação ficou resolvida Hospitaleiros com o objectivo de impulsionar a
que lhes havia emprestado a casa até que fosse quando, através da insistência do governo em realizar formação contínua, promoção da investigação e
possível fazer as reparações indispensáveis nos o inventário dos bens e a administração da casa, as estudo sobre a realidade assistencial hospitaleira,
edifícios da propriedade adquirida. Durante este Irmãs replicaram a sua origem, hasteando a bandeira apoio e colaboração no desenvolvimento de projectos
período, dedicaram-se à preparação de 45 crianças italiana. A Casa de Saúde da Idanha foi Sede do assistenciais e potenciamento do intercâmbio de
para a primeira comunhão e realizaram trabalhos Noviciado em Portugal, entre 1907 e 1972, data em recursos. Em Portugal foi fundado, a nível nacional,
de costura, com o apoio de benfeitores e com a que transitou para Braga. A Casa de Saúde da Idanha em conjunto com os Irmãos de S. João de Deus,
utilização dos recursos da comunidade local – sempre se destacou por um esforço de cultura um movimento de espiritualidade para leigos, a
lavandaria, forno e capela. Nos primeiros dias de científica e humanização em diversas medidas: cultura Juventude Hospitaleira, que vive da espiritualidade
Maio, as Irmãs receberam as chaves do Marquês de profissional, através de cursos de enfermagem para da Congregação e da Ordem.
Belas, seu foreiro, e puderam habitar as instalações as irmãs, inicialmente através do Decreto-Lei 19/060,
já melhoradas. No dia 1 de Julho de 1894, foi de 24 de Novembro de 1930, e, mais tarde, a 12 3. Condecorações e louvores. Em 1945, a
fundada a Casa de Saúde da Idanha, com o nome de Março de 1962, através do Ministério da Saúde, Associação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado
de Casa de Saúde de N. Sr.a do Sagrado Coração que autorizou a abertura de uma escola de Coração de Jesus foi agraciada pelo Governo
de Jesus. No dia 29 de Janeiro de 1895 nasceu a enfermagem psiquiátrica integrada na Casa de Saúde Português com a Comenda da Ordem da Bene-
comunidade canónica. O primeiro médico desta casa da Idanha; promoção vocacional, determinada pelo merência, pela sua obra de dedicação e abnegação
foi o Dr. António Lage, que mais tarde entrou na Capítulo Geral de 1932, com a criação de um colégio em favor das doentes mentais. A 8 de Março de
Companhia de Jesus. Com o aumento do número vocacional onde jovens aspirantes seriam instruídas 1989, em homenagem municipal, foi-lhe concedida
de doentes e do pessoal, aliado às dificuldades de ao nível da formação moral, humana e a Medalha de Mérito Municipal, primeiro grau, ouro,
admissão nos estabelecimentos do Estado e parti- congregacional; e cultura pastoral através de campos do Concelho de Sintra. Em 2003, a Congregação é
culares, e às especiais condições que rodeavam todo de férias hospitaleiros, fins-de-semana e retiros reconhecida com a atribuição do Prémio Genebra
este complexo – situação geográfica, amenidade do vocacionais. Ligados à instituição estiveram diversos 2002 para os Direitos Humanos em Psiquiatria.
clima, abundância de vegetação, largueza de espaços benfeitores, que em muito contribuíram para o A 18 de Fevereiro de 2006 foi agraciada com uma
e, sobretudo, a extrema dedicação das Irmãs, que desenvolvimento da mesma e entre os quais se Comenda do Estado Português, reconhecendo a sua
garantiam a segurança na continuidade de cuidados destacam: D. Mariana Pereira da Silva, que acom- acção centenária de serviço e cuidado às pessoas
–, houve a necessidade de aumentar o número de panhou as Irmãs desde o primeiro momento e que doentes mais necessitadas.
instalações e de estruturas de apoio, com a contribuiu para a compra, restauro e manutenção
construção de alguns pavilhões e espaços aprazíveis. da Casa de Saúde da Idanha; o Visconde da Idanha,
Os edifícios estavam rodeados de muita vegetação Francisco Moreira Freire Correia Manuel Torres de
e flores e tinham sido concebidos com o fim de Aboim, que constantemente salvou, com a sua
proporcionar às doentes as condições possíveis de influência, as Irmãs de diversos infortúnios, como o
conforto e tranquilidade, sendo simultaneamente e projecto de supressão da casa na primeira visita
também de forma progressiva instalados os indispen- generalícia; D. Maria Rosa Martins, de origem
sáveis serviços de apoio para o bom funcionamento brasileira, que comprou parte do terreno da Casa
de uma autêntica casa de saúde. Segundo o Decreto- de Saúde da Idanha, acompanhou com dedicação
-Lei de 18 de Abril de 1901 (publicado em Diário de as Irmãs, adquiriu lenha e géneros, deixou avultados
Governo, n.º 87, a 20 de Abril de 1901), a Casa de donativos em dinheiro e ofereceu o seu palácio em
Atribuição da Medalha de Mérito à Congregação (I)
Saúde da Idanha foi constituída como uma instituição Belas para casa de repouso; a rainha regente de
propriamente laical denominada Associação das Espanha, D. Maria Cristina, que, sabendo da
Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, perseguição de que eram alvo os Irmãos e Irmãs em
que, segundo o art. 1.º dos Estatutos, era uma Portugal, interpôs, junto do Rei D. Carlos I, o seu
“associação de carácter religioso e de beneficência valimento régio, colocando-os sob a sua protecção;
que tinha por fim manter, observar e propagar a e D. Maria Almeida (de Lisboa) e Senhorita Júlia (do
religião católica apostólica romana, procurando Porto), que, por afecto às Irmãs, ajudaram no arranjo
praticar as virtudes que ela ensina e como associação da casa e na confecção de roupa e objectos para a
benéfica praticar a caridade com os enfermos”. capela.
Os seus Estatutos de 8 de Outubro de 1901 foram Actualmente, os estabelecimentos em Portugal são
aprovados no dia 18 e publicados no Diário do geridos pelo Instituto das Irmãs Hospitaleiras do
Governo, n.º 237 desse mês. Bento Menni fundou Sagrado Coração de Jesus, com Sede em Lisboa –
na Idanha, a 16 de Agosto de 1909 – à semelhança Telheiras. Esta é hoje uma Instituição Particular de Medalha de Mérito concedida à Congregação (I)
das implementadas em Espanha –, a Sociedade Solidariedade Social, com Estatutos aprovados e
Anónima de Responsabilidade Limitada A Humani- registados nos termos do Decreto-Lei n.º 119/83 de
tária, com sede no Convento de Baixo, exclusiva- 25 de Fevereiro, com registo definitivo, efectuado 4. Padroeiros, devoções, missão e objectivos,
mente sobre a propriedade da Idanha, com a a 7 de Julho de 1986, sobre o n.º 02/86, no livro carisma, quotidianos, formação, meios de
finalidade de instalação e exploração de casas de 01 das Instituições com Fins de Saúde. Este Instituto sustentação, processos de eleição e nomeação,
saúde, manicómios e outros estabelecimentos desta está integrado na Rede de Referenciação de organização hierárquica, enquadramento
índole, destinados ao sexo feminino. Com a revolu- Psiquiatria e Serviços de Saúde Mental, enquanto institucional e estrutura organizativa. Esta
ção de 1910, a Casa de Saúde da Idanha esteve estrutura de prestação de serviços de saúde com Congregação tem como principal padroeira a SS.ma

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Virgem Maria, sob a invocação de N. Sr.ª do Sagrado -se com a primeira profissão religiosa e dura cinco outras situações em que se efectuam delegações de
Coração de Jesus, e como padroeiros secundários anos, sendo o seu principal objectivo consolidar a poder através de nomeações. A estrutura organizativa
o Arcanjo S. Rafael, S. José, S.to Agostinho, S. João fidelidade à vocação religiosa hospitaleira. Nesta da Congregação compreende o Governo Geral,
de Deus, S. Camilo de Lélis, S.ta Teresa de Jesus e fase, a jovem insere-se de forma mais intensiva na Províncias Canónicas, Vice-Províncias e Delegações.
S.ta Isabel da Hungria; como missão apostólica, a missão da Congregação e realiza estudos teológicos O Governo Geral é constituído por sete irmãs e tem
assistência aos doentes mentais, deficientes físicos e profissionais que favoreçam um crescimento como principal missão animar a vida e a missão
e psíquicos, idosos com problemas psíquicos e pessoal, espiritual e lhe dêem capacidade para realizar apostólica da Congregação no mundo. Existem 8
doentes com outras patologias, segundo as necessi- o serviço aos doentes com competência. Passados províncias canónicas: 7 na Europa – 3 em Espanha
dades dos diversos lugares, a evolução dos tempos estes cinco anos, realiza-se a profissão perpétua, em (Madrid, Palência e Barcelona), Portugal, França,
e o carisma fundacional; como missão, a concre- que a jovem se consagra para sempre. A partir desta Inglaterra e Itália – e uma na América Latina –
tização da Doutrina Social da Igreja na promoção fase, faz totalmente parte da Congregação. Em Colômbia. Existem a Vice-Província do Brasil e a
da Saúde e assistência na doença a pessoas no termos formativos, mantém o compromisso de Delegação da Argentina. Cada Província é
âmbito da Saúde Mental e Psiquiatria; como principal continuar o itinerário formativo de aprofundamento coordenada pelo Governo Provincial, um grupo de
objectivo, proporcionar às pessoas doentes uma e renovação pessoal/integral. cinco irmãs que, nas mais diversas áreas, dinamizam
atenção integral, englobando os seguintes parâ- e impulsionam a vida e missão que se realiza nos
metros: aspectos físicos, psíquicos, sociais e espirituais, diversos países onde a Congregação está presente.
uma atitude profundamente humana, esmerada A nível local, existe também um Órgão de Governo
qualidade de relação e o máximo respeito pelos que engloba a comunidade religiosa e nos centros
direitos fundamentais da pessoa; e como carisma o assistenciais mais complexos existe uma Direcção
exercício da hospitalidade, entendida no sentido própria. Existem ainda outros órgãos que se confi-
bíblico de misericórdia para com os mais pobres e guram como espaços de decisão, planificação e
doentes, vivida em estado de consagração religiosa, avaliação da vida e missão da Congregação: Capítulo
segundo o modelo de caridade perfeita, Cristo, e Geral, Capítulo Provincial e Conselho Plenário.
simbolizada no seu Coração sob o lema “orar, O Capítulo Geral e os Capítulos Provinciais realizam-
trabalhar, padecer, sofrer, amar a Deus e calar”, que -se de 6 em 6 anos. O Capítulo Geral representa
resume o espírito e a prática do Instituto. toda a Congregação e exprime colegialmente a
A vida espiritual das Irmãs engloba a participação participação de todos os membros na sua vida e
diária na Eucaristia, a recitação do Ofício Divino, a missão apostólica. O Capítulo Provincial é o órgão
meditação e outras práticas de piedade, a leitura da colegial que exerce, de modo extraordinário, a
Sagrada Escritura, das Constituições e demais escritos autoridade suprema da Província, em conformidade
congregacionais, bem como retiros mensais e anuais. com o estabelecido no direito próprio da Congre-
Para fomentar a formação espiritual, apostólica e gação. O Conselho Plenário é um órgão consultivo
caritativa das Irmãs, cada província mantém centros geral e realiza-se anualmente. Nele participam
de formação ou institutos similares, onde se irmãs de todas as províncias e vice-províncias: além
desenvolve a base da vocação religiosa. As religiosas do Governo Geral, estão presentes as Superioras
devem ter uma personalidade íntegra e serena e Provinciais e Conselheiras.
S. Bento Menni (I)
capacidade de juízo e equilíbrio. As superioras e as
formadoras são responsáveis pela formação segundo 5. Psiquiatria moderna e enfermagem.
três parâmetros: humano, espiritual e apostólico. Actualmente, os meios de sustentação da Congre- Efectivamente, foi à Congregação e à Ordem
As fases de formação inicial são três: o Postulantado, gação dependem, fundamentalmente, do trabalho Hospitaleira que se deveu o desenvolvimento da
o Noviciado, o Juniorado, sendo o seu principal das irmãs, das esmolas e de donativos. Em Portugal, assistência psiquiátrica em Espanha, na segunda
objectivo preparar a formanda para seguir a pessoa data de 9 de Outubro de 1895 o primeiro documento metade do séc. XIX, e a prática de uma enfermagem
de Jesus Cristo, encarnando os seus sentimentos no do Patriarcado conferindo à Casa de Saúde da Idanha especializada em Psiquiatria. S. Bento Menni, consi-
serviço aos doentes mentais, diminuídos físicos e autorização canónica para mendigar. Em relação aos derado uma figura de referência através da sua visão
psíquicos, com preferência pelos mais pobres e processos de eleição e nomeação, são cargos eleitos integral, humanizadora e unitária da pessoa,
marginalizados. Durante cada uma destas fases, a na Congregação os elementos do Governo Geral contribuiu para a implementação de um modelo
formanda é acompanhada pela irmã formadora. (Superiora Geral, Conselheiras Gerais, Ecónoma Geral assistencial, que abriu caminhos a uma perspectiva
O Postulantado, uma etapa de preparação para o e Secretária Geral) e do Governo Provincial (Superiora integral de cuidar a pessoa, para o progresso da
Noviciado, tem como objectivos proporcionar às Provincial, Conselheiras Provinciais, Ecónoma e medicina e para a humanização dos cuidados. Atribui-
jovens a continuidade do processo de discernimento Secretária Provinciais). As eleições para estes cargos -se-lhe a criação da primeira rede psiquiátrica em
vocacional, aprofundar a formação humana e cristã têm um mandato de seis anos e fazem-se por maioria Espanha, com princípios de gestão bem definidos,
e iniciar-se na missão hospitaleira. O Noviciado, um absoluta no primeiro e segundo escrutínios e por caracterizados pela eficácia e eficiência, pelo controlo
tempo privilegiado de iniciação ao género de vida maioria relativa no terceiro, excepto no caso da de despesas e pela prioridade de recursos humanos.
consagrada, virgem, pobre, obediente e miseri- Superiora Geral, que deverá ter maioria absoluta A sua obra foi pioneira na área da psiquiatria e da
cordiosa de Jesus, geralmente dura dois anos e tem também no terceiro escrutínio. São cargos nomeados: enfermagem, com contributos de vanguarda: intro-
como finalidades conhecer e aprofundar as exigências os de Superioras Locais (de cada comunidade), os dução definitiva e consolidação dos princípios da
da vida consagrada hospitaleira, experimentar o de Formadoras (de postulantes, noviças e junioras) Psiquiatria (instituída pelos teóricos franceses Pinel
estilo de vida da Congregação, conformar a mente e os cargos de direcção dos Centros – Director(a) e Esquirol), assistência em hospitais psiquiátricos,
e o Coração com Jesus e comprovar a recta intenção Gerente, Director Clínico, Directora Administrativa organizados segundo o modelo de “manicómio
e idoneidade vocacional. A fase do Juniorado inicia- e Directora de Enfermagem. Poderão existir ainda moral”, tratamento humanitário dos doentes,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS HOSPITALEIRAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

concepção da loucura como doença, superioridade vidade de 2800 camas de internamento, realizada Saúde Câmara Pestana, no Funchal (1925), Clínica
médica na decisão da terapia, importância da terapia quotidianamente por um grupo de 1800 profissionais Psiquiátrica de S. José, em Lisboa (1956), Casa de
ocupacional e da ergoterapia, atenção aos aspectos (colaboradores e irmãs) de diversas áreas técnicas: Saúde Rainha S.ta Isabel, em Condeixa-a-Nova (1959),
religiosos e espirituais, criação de hospitais psiquiá- médicos psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogos, Casa de Saúde N. Sr.ª da Conceição, em Ponta
tricos especializados ou monográficos (ou seja, assistentes espirituais, técnicos de reabilitação e psico- Delgada (1966), Casa de Saúde do Espírito Santo,
voltados para uma determinada patologia), e motricidade, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, em Angra do Heroísmo (1966), Casa de Saúde Bento
incorporação da mulher nas tarefas da assistência educadores sociais, animadores socioculturais e outro
(as primeiras enfermeiras psiquiátricas em Espanha, pessoal de apoio geral e administrativo.
formadas para esta especialidade, foram as Irmãs Quanto ao hábito inicial das religiosas, este era
Hospitaleiras). No plano social, contribuiu para a modesto, simples e pobre e consistia numa túnica
organização das profissões sanitárias e diferenciação preta com quatro pregas pela frente e por trás,
dos cuidados segundo os destinatários, no plano apertado na cintura por um cinto preto. As mangas
clínico distinguiu-se pela colaboração dada à eram largas e uma murça cobria os ombros até à
actividade assistencial e no plano científico destacou- cintura. O véu era formado por uma touca de tela
-se pelo contributo dado aos profissionais para o branca, à qual se sobrepunha um segundo pano
progresso da ciência e pelos meios científicos e que recaía sobre os ombros. Completava o hábito
técnicos para cuidar com qualidade. Actualmente, uma gola engomada em volta da murça. Os sapatos
a Congregação está presente em 24 países da Europa, eram de couro vulgar. Ao longo dos tempos, o hábito
Casa de Saúde Bento Menni, Guarda (I)
América, Ásia e África, com estruturas que oferecem sofreu algumas alterações, numa linha de simpli-
serviços diversificados: Atenção Psiquiátrica Intra- ficação. Actualmente, o hábito é preto ou cinzento
-Hospitalar (60 centros, 8702 lugares), Atenção e uniforme, com decote em bico. Tem como Menni, na Guarda (1994); Centros Psicogeriátricos:
Psiquiátrica Extra-Hospitalar – centros de dia, hospitais complementos um peitilho branco e o véu correspon- Casa de Saúde S.ta Rosa de Lima, em Belas (1921),
de dia e apartamentos terapêuticos (110 centros, dente. O distintivo próprio é um crucifixo pendente Centro Psicogeriátrico de N. Sr.a de Fátima, na Parede
8500 lugares), Psicogeriatria (18 centros, 863 lugares), de um fio.
Hospitais Gerais (425 lugares), Lesão Cerebral (3
centros, 425 lugares) e Deficientes Físicos – educação 6. Casas e membros da Congregação (1894-
especial, centro ocupacional e centro de emprego -2006). Em 2006 faziam parte da Congregação 1217
protegido (13 centros, 1457 lugares). irmãs e 7656 colaboradores leigos, presentes em
Em Portugal, a história moderna da Psiquiatria não quatro continentes – África, América, Ásia e Europa
podia ser escrita sem a Casa de Saúde da Idanha, – exercendo acção hospitaleira em 24 países –
que teve um papel preponderante no desenvol- Argentina, Bolívia, Brasil, Camarões, Chile, Colômbia,
vimento desta área. Por esta instituição passaram Equador, Espanha, Filipinas, França, Gana, Guiné
alguns especialistas: Dr. Rudolfo da Silva Telles, Dr. Equatorial, Índia, Inglaterra, Itália, Libéria, México,
Manuel de Almeida Amaral, Dr. António Tello Nunes Moçambique, Peru, Polónia, Portugal, República
da Costa, Dr. José Augusto Rosales Teixeira, Prof. Democrática do Congo, Uruguai e Vietname.
Dr. Almeida Lima, Prof. Dr. João Lobo Antunes, entre Em Portugal, a Congregação abriu cerca de uma Centro Psicogeriátrico N. Sr.ª de Fátima, Parede (I)

outros (pertencentes ao corpo clínico), e o Prof. Egas quinzena de casas. A Província Portuguesa de N. Sr.ª
Moniz e o Prof. Francisco Gentil, que se destacam de Fátima, actualmente com 226 irmãs, foi cons- (1948); os Centros de Saúde Mental da Infância e
como exemplos de alguns clínicos que prestaram tituída a 27 de Outubro de 1946, tem a sua Sede Adolescência e Psicopedagógicos: Centro Psicope-
amavelmente serviços a esta instituição. Na Idanha em Lisboa, Telheiras, e é formada por 15 comuni- dagógico da Sagrada Família, no Funchal (1950),
realizaram-se alguns dos trabalhos portugueses sobre dades religiosas, que desenvolvem a sua acção em Centro de Recuperação de Menores D. Manuel
as modernas terapêuticas das doenças mentais, como 13 estabelecimentos de saúde distribuídos pelo Trindade, em Assumar, Monforte (1968). Este último,
a leucotomia (a primeira em 1942) e a ergoterapia continente (8), Regiões Autónomas da Madeira (2) pertença do Estado, foi confiado à Congregação
(terapêutica pela ocupação do trabalho), que em e dos Açores (2) e Moçambique (1). Destes centros através de acordo específico e desde o seu início
muito contribuíram para a recuperação dos doentes próprios, ou geridos pela província, fazem parte os para gestão e administração).
do ponto de vista individual e colectivo. Ao longo seguintes centros de Psiquiatria e Saúde Mental: O Instituto celebra anualmente as seguintes datas:
dos anos, a lotação de camas da Casa de Saúde da Casa de Saúde da Idanha, em Belas (1894), Casa 8 de Março (Festa de S. João de Deus, Religioso,
Idanha sofreu várias alterações: em 1905 (73), em de Saúde do Bom Jesus, em Braga (1932), Casa de Padroeiro Secundário); 19 de Março (Solenidade de
1915 (156), em 1925 (295), em 1930 (371), em 1935 S. José, Esposo da SS. ma Virgem); 31 de Maio
(387), em 1940 (380), em 1945 (430), em 1954 (Solenidade de N. Sr.ª do Sagrado Coração de Jesus,
(560), nos anos 50/60 (mais de 700), em 1994 (500), Padroeira da Congregação); sexta-feira seguinte ao
e em 2006 (455 de Psiquiatria, 37 de Reabilitação e 2.º Domingo, depois de Pentecostes (Solenidade do
8 de Cuidados Paliativos). Sagrado Coração de Jesus, Titular da Congregação);
Actualmente, a missão hospitaleira portuguesa 14 de Julho (Memória de S. Camilo de Lélis,
desenvolve-se nas seguintes áreas – Psiquiatria, Presbítero), 2 de Agosto (Memória do falecimento
Psicogeriatria/Gerontopsiquiatria, Deficiência Mental, de Maria Angústias), 28 de Agosto (Memória de
Dependências, Reabilitação Psicossocial e Cuidados S.to Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja), 29 de
Paliativos. Os cuidados/serviços prestados orientam-se Setembro (Festa dos SS.mos Arcanjos: Miguel, Gabriel
pelas três fases de prevenção: primária, secundária e e Rafael), 15 de Outubro (Memória de S.ta Teresa de
terciária. A actividade assistencial tem uma representati- Casa de Saúde do Bom Jesus, Braga (I) Jesus, Virgem e Doutora da Igreja), 30 de Outubro

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DA GLÓRIA

(Memória do falecimento de Maria Josefa Récio) e Moreira de (trad.), Se o Grão de Trigo... Evocando Coração de Jesus, Braga, Oficinas Gráficas de Barbosa
17 de Novembro (Memória de S.ta Isabel de Hungria). a Vida da Madre Maria Josefa, Braga, Tipografia & Xavier Lda., 1986; SILVA, Manuel Ferreira da, No
Em 1906-1907 decorreu o 25.º aniversário do Barbosa & Xavier Lda., 1984; Anuário Católico de Mundo de S. João de Deus: S. João de Deus no
Instituto; em 1931 o 50.º aniversário do Instituto; Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Mundo, Uma Vida, Uma Obra, Uma Missão, Jornadas
em 1945 o 50.º da Casa de Saúde da Idanha; em Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 894- de História no Quíntuplo Jubileu das Ordens
1956 o 75.º do Instituto; e, em 1981, o centenário -895; BILBAO, Félix, Um Benfeitor da Humanidade: Hospitaleiras 1990-1995, Lisboa, Rei dos Livros,
da Congregação. Em 1994 decorreram as celebrações O Padre Bento Menni 1841-1914, Lisboa, 1956; 1992; SOROLDONI, Mário, E Continua a Amar: Vida
dos 100 Anos de Presença Hospitaleira em Portugal FILIPE, Nuno Ferreira Filipe, oh, GAMEIRO, João, oh, O de Maria Josefa Récio, Braga, Livraria Apostolado
e da Fundação da Casa de Saúde da Idanha. Em Padre Bento Menni, Sept. da Revista Hospitalidade, da Imprensa, 1987; VAZ, Francisco, Idanha: Cem
2006 a Congregação celebrou os 125 Anos de Telhal, Tipografia Ergoterápica, 1961; GOMES, Manuel Anos de Evangelho, Braga, Editorial Franciscana,
Fundação sob o lema “Hospitalidade – hoje, como Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, 1993; VERA, Maria Angústias Giménez, Relação Sobre
ontem e sempre”. A sessão de abertura realizou-se Paulinas, 1994, pp. 46-47; IGLESIAS, Manuel, sj, São as Origens da Congregação das Irmãs Hospitaleiras
em Ciempozuelos e durante esse mesmo ano foram Bento Menni: Profeta da Hospitalidade, Madrid, do Sagrado Coração de Jesus, Idanha, IHSCJ, 1998.
realizados vários eventos de carácter científico, IHSCJ, 1999; IGLESIAS, Manuel, sj, Padre Bento Menni: Digital: www.hospitaleiras.org.
cultural e carismático-religioso. O Homem e o Santo, 2.ª ed., Belas, Irmãs Hospi-
Periodicamente, as Hospitaleiras publicam os taleiras do Sagrado Coração de Jesus, 1994; IHSCJ, SARA MORAIS SARAIVA DE ANDRADE
seguintes títulos: Boletim Informativo (desde Março Cuidar com Ciência e Caridade, s.l., Claret –
de 1976), Hospitalarias (desde 1958) e Informaciones Companhia Gráfica do Norte, 2006; IHSCJ, Identidade
Psiquiátricas (desde 1955). Entre Janeiro de 1969 e e Missão, Lisboa, IHSCJ, 2006; IHSCJ, Regulamento IRMÃS DA GLÓRIA
até Março de 1976 publicaram a Revista Testemunho. Interno Geral, Lisboa, IHSCJ, 2006; IHSCJ, Pastoral De presença recente em Portugal, as origens remotas
Para finalizar, apresentamos dois elencos com o no Mundo do Sofrimento Psíquico: Documento de da actual Congregação de Assistência Social das
nome das religiosas que têm liderado este Instituto Orientações, Lisboa, IHSCJ, 2001; IHSCJ, S. Bento Irmãs de Nossa Senhora da Glória, também
Religioso até à actualidade. Primeiro as Superioras Menni, OH: Cartas às Irmãs Hospitaleiras do Sagrado conhecidas popularmente por Congregação das Irmãs
Provinciais: Ir. Soledade de Maria Brigas (1946-1949), Coração de Jesus (1883-1913), Belas, IHSCJ, 2001; de Nossa Senhora da Glória (INSG), ou Irmãs da
Ir. Maia Raquel de Góis (1949-1955), Ir. Eloísa de IHSCJ, Estatutos dos Centros Assistenciais, Idanha, Glória, só há pouco tempo vieram a ser esclarecidas
Jesus Pires (1955-1961), Ir. Honória de Jesus (1961- IHSCJ, 2000; IHSCJ, Missas Próprias da Congregação pela historiografia, envolvendo o Instituto na revisão
-1967), Ir. Elvira Brigas (1967-1973), Ir. Conceição das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, da sua história e carisma.
do Carmo Rodrigues (1973-1979), Ir. Zélia de Jesus Braga, Oficinas Gráficas de Barbosa & Xavier Lda., Os inícios do que veio a ser uma congregação religiosa
Gonçalves (1979-1985), Ir. Paulina da Conceição 1984; IHSCJ, Liturgia das Horas, Braga, IHSCJ, 1983; reportam-se à figura de Lourença do Rosário e à sua
Nogueira (1985-1991), Ir. Isabel Máxima Morgado IHSCJ, Constituições Ad Experimentum: Congregação acção à frente de um dos recolhimentos da Capitania
(1991-1997) e a Ir. Maria Anália Oliveira Antunes Religiosa das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, de Pernambuco, o de N. Sr.ª do Paraíso, no B.º dos
(1997-2006). Depois as Superioras Locais da Idanha: Lisboa, Oficinas de S. José, 1969; IHSCJ, Cerimonial Afogados, Recife, a partir de 1738. Os recolhimentos,
Sóror Trindade Franqueza (1894-1895), Sóror Maria das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, comunidades leigas sem clausura, eram destinados a
do Refúgio Garcia (1895-1908), Sóror Clotilde Telhal, Tipografia Ergoterápica, 1961; IHSCJ, Casa receber e educar mulheres órfãs, viúvas ou marginali-
Iribarren (1908-1917), Sóror Maria da Estrella (1917- de Saúde da Idanha das Irmãs Hospitaleiras do zadas e foram desde cedo cooptados pelas autoridades
-1920), Sóror Vicenta Irisarri (1926-1929), Irmã Sagrado Coração de Jesus: Memória Comemorativa civis e religiosas para um trabalho de pendor social,
Francisca de Deus (1933-1935), Sóror Maria do do Cinquentenário da sua Fundação (1895-1945), dada a renitência das mesmas em permitir a existência
Redentor (1935-1939), Sóror Maria da Circuncisão Lisboa, Tipografia da “União Gráfica”, 1946; MARTÍN, de congregações femininas na região.
(1939-1946), Irmã Maria do Val Florido Silva (1946- Manuel, San Benito Menni: Biografía Documentada, A segunda fase do percurso remete para a acção
-1949), Sóror Maria Edita Zandueta (1949-1955), Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2005; MARTÍN, de Ana Maria de Jesus, então regente do recolhi-
Sóror Maria Nicolasa Velaz (1955-1961), Ir. Eloisa Manuel, Esboço Biográfico da Madre Maria Josefa mento, e do seu encontro com os Irs. Manuel de
de Jesus (1961-1967), Ir. Antónia Maria (1967-1970), do Santíssimo Sacramento, Telhal, Tipografia Araújo Carvalho Gondim e Francisco de A. C.
Ir. Conceição do Carmo Rodrigues (Maria do Rocio) Ergoterápica da Casa de Saúde do Telhal, 1960; Gondim, sacerdotes do clero de Recife, que, a partir
(1970-1973), Ir. Maria Ilda (1973-1976), Ir. Luísa de MONTONATI, Angelo, O Preço da Coragem: São Bento de 1758, a auxiliaram na transformação do recolhi-
Cristo Rei (1976-1979), Ir. Carmela de Maria (1979- Menni, Milão, Ancora Editrice, 1999; ORTÍ, Vicente mento em convento professo, segundo a Regra da
-1982), Ir. Crisantina de Maria Nogueira (1982-1988), Cárcel, Historia de la Congregación de Hermanas Ordem das Carmelitas, procedendo ao estabele-
Ir. Conceição do Carmo Rodrigues (Maria do Rocio) Hospitalarias del Sagrado Corazón de Jésus, vol. I cimento da clausura. É dessa data a expulsão dos
(1989-1991), Ir. Maria Lisete do Curral (1991-1997), (El Beato Benito Menni y las Hospitalarias), Ciudad Afogados e a fixação do recolhimento no Lugar de
Ir. Josefina Pereira Alves (1997-2003) e Ir. Maria del Vaticano, Tipografía Políglota Vaticana, 1988; N. Sr.a da Glória, de onde tomaram o nome. Além
André (desde 2003). ORTÍ, Vicente Cárcel, Fidelidad a una Mision: El Beato do auxílio espiritual e de diligências várias junto do
Menni y las Hospitalarias, Ciudad del Vaticano, bispo e da Corte de D. Maria I, os irmãos Gondim
BIBLIOGRAFIA: Impressa: ALESSI, António M., Uma Tipografía Políglota Vaticana, 1985; PEREIRA, Teresa legaram em testamento todas as suas posses ao
Pepita de Ouro: María Josefa Recio Martín, Torino, Sancha, São Bento Menni: Humanista 1841-1914, recolhimento, tendo Manuel Gondim escrito uma
Editrice Elle Di Ci, 1986; AMARAL, M. Almeida, Vida Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa/Comissão regra que serviu de base ao primeiro Estatuto
e Morte de Soror Maria Josefa do Santíssimo Municipal de Toponímia, 2001; Província Portuguesa Religioso, publicado por D. Francisco de Araújo,
Sacramento: Discurso Pronunciado na Cerimónia das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Bispo de Olinda-Recife, em 1798.
Comemorativa do 75.º Aniversário da Fundação da 1.º Centenário: Irmãs Hospitaleiras do Sagrado A partir dessa data, o Recolhimento de N. Sr.a da
Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus em Portugal, Idanha/Belas, IHSCJ, Glória passou a ser conhecido na sociedade pernam-
Coração de Jesus, na Idanha (Belas) em 2 de Julho 1997; RIBEIRO, A. Pina, Vocação de Caridade: Carisma bucana como a Casa das Mestras de Ler, usualmente
de 1956, Braga, Editorial Franciscana, 1956; ANDRADE, da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado considerado como a primeira escola para mulheres

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA

da capitania de Pernambuco, sendo os seus ele-


mentos um misto de consagradas e professoras,
criando a usualmente considerada primeira profissão
feminina no Brasil.
As informações lacunares relativas ao séc. XIX indicam
um lento processo de decadência do recolhimento,
a que se seguiu a erecção canónica da Congregação
das Irmãs de Nossa Senhora da Glória, a 21 de Junho
de 1963, por D. Carlos Coelho. Foi adoptada a Regra
de S. to Agostinho por ter sido considerada mais
apropriada aos institutos de vida activa, sendo eleita
a Ir. Imaculada de Souza Leão primeira Superiora
Geral. Os Estatutos foram posteriormente revistos
em 1985, segundo a orientação de D. Hélder Câmara,
procurando responder às exigências do Concílio
Vaticano II e do novo Código de Direito Canónico.
Hoje em processo de revisão do carisma e ideário,
por força das recentes aclarações quanto à sua
história, as Irmãs da Glória têm-se dedicado à assis-
Beato Carlo Steeb, pintura de Angelo Recchia, 1856 (I)
tência aos mais pobres, procurando promover a sua
inserção social, destacando-se o trabalho nas áreas
Centro de N. Sr.ª da Boa Fé (I)
da educação e da saúde, de onde sobressai o trabalho Em seguida, vai para Verona, onde entrou em
com crianças e idosos. contacto com a língua italiana e fez amizades com
Sendo ainda uma Congregação de Direito Diocesano, Para a evolução e história do recolhimento e da pessoas que professavam convictamente a Fé católica,
as Irmãs da Glória assistiram no último meio século Congregação da Glória que daí surgiu, é relevante o que o fez questionar a problemática da Fé luterana.
à sua difusão pelo Brasil, através da implantação de a nota histórica de João Cavalcanti Valença sobre Após um período de longa e profunda reflexão,
nove comunidades em diferentes dioceses, com os arquivos do Convento da Glória e o actual converteu-se à Fé católica como sua convicção e
especial relevo para a do Rio de Janeiro, onde foi processo de busca das raízes que a Congregação tornou-se Sacerdote. Ao informar a sua família desta
criado um importante centro de auxílio aos invisuais. leva a cabo desde o início deste século. decisão, foi rejeitado por todos, que não o
A este desenvolvimento veio juntar-se a sua implan- reconheceram mais como filho, privando-o do direito
tação em Portugal, a convite do P. e Filipe de BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro, O hereditário e de qualquer comunicação com os seus
Figueiredo, no intuito de colaborarem no Centro Sexo Devoto: Normatização e Resistência Feminina familiares. A 8 de Setembro de 1796 foi ordenado
Pastoral S. Paulo, na cidade de Évora, a 19 de Março no Império Português – XVI-XVIII, Dissertação de Sacerdote.
de 2000. Não estando este concluído à data da Doutoramento em História apresentada à Uni- Movido pela misericórdia de Deus, assistiu os jovens
chegada, as Irmãs assumiram a missão no Lar de versidade Federal de Pernambuco, Recife, Ed. soldados feridos e doentes, por causa da guerra,
Idosos N. Sr.a de Fátima, no Alandroal. Depois de Universitária da UFPE, 2003; Anuário Católico de
terem decidido abandoná-lo, a Congregação perma- Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da
neceu em Portugal, a convite do P.e António Simões, Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 897.
e em 2006 possuíam já duas comunidades na referida
diocese, com três elementos cada uma, continuando SÉRGIO PINTO
o trabalho com a terceira idade no Lar S. Sebastião
da Giesteira e no Lar N. Sr.a da Boa Fé.
No que à organização hierárquica concerne, o IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA
Capítulo Geral elege, em cada triénio, além das O Instituto das Irmãs da Misericórdia de Verona foi
quatro Conselheiras, a Superiora Geral, a quem fundado em Verona, na Itália, a 2 de Novembro de
compete a escolha das Superioras Locais. São 1840 pelo Sacerdote Carlo Seeb e pela Madre
identificadas pelo hábito branco e pelo véu preto, Vincenza Maria Poloni, obteve aprovação governativa
contudo o seu uso é facultativo, devendo ser a 28 de Dezembro de 1847 e foi erigido canoni-
solicitado, por escrito, ao Governo Geral, a partir camente a 10 de Setembro de 1848.
do terceiro ano do Juniorado. Nesta etapa de O Fundador, o Beato Carlo Steeb, nasce a 18 de
formação, que se segue ao Noviciado de dois anos Dezembro de 1773, em Tübingen (Würtemberg,
e a um período de Postulantado mínimo de um ano, Alemanha), no seio de uma família de convicções
procede-se à formação teológica e catequética já profundamente luteranas, que lhe transmitiu o sentido
iniciada no momento anterior do arco formativo. de compaixão pelos pobres. Frequentou uma escola
Vivendo das rendas do extenso património legado de renome, de tradição humanista (Anatolicum) e
pelos irmãos Gondim e do auxílio dos benfeitores, fez um estudo sério e sistemático, que lhe permitiu
a Congregação procura firmar convénios com as dotar-se de agilidade na capacidade de reflexão. Aos
autoridades estatais, contratualizando com elas a 15 anos, o estudo na área do Comércio leva-o a
assistência prestada e auferindo daí uma parte dos deslocar-se a Paris, onde permaneceu por pouco
seus meios de sustentação. tempo devido à agitação da Revolução Francesa. Beato Carlo Steeb di Gigi Busato com um doente (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA

durante 18 anos. Cedo se manifestou como um de professar os votos religiosos. Este aconselhou-a
campeão na caridade, dedicando-se com amor a orar e a esperar para que se revelasse o desígnio
particular aos pobres, acolhidos no asilo de idosos do Senhor para a sua vida: ser Fundadora do Instituto
da cidade, e aos indigentes no hospital civil. Ao das Irmãs da Misericórdia. Assim, a 2 de Novembro
apoiar os mais pobres, contacta com Luigia Poloni, de 1840, deu início ao Instituto das Irmãs da
movida também pela mesma caridade com os mais Misericórdia. A 10 de Setembro de 1848, professa
desprotegidos, e com esta concretizou o seu sonho os votos definitivos e toma o nome de Vincenza
de fundar um instituto que confortasse todos os Maria Poloni. Desde então, dedica a sua vida a Deus,
irmãos em sofrimento, o Instituto das Irmãs da como educadora de numerosos jovens, consagrando-
Misericórdia. -se ao serviço dos pobres e enfermos, na humildade,
Em 1856, a 15 de Dezembro, morreu, recomen- simplicidade e caridade de Deus. Morreu a 11 de
dando, como seu testamento espiritual, “a união, Novembro 1855, deixando como testamento uma
a paz, a obediência”. Foi beatificado por Paulo VI só coisa: a caridade. O seu processo de beatificação
a 6 de Julho de 1975. ficou concluído e a Serva de Deus Vincenza Maria
Madre Vincenza Maria Poloni, nascida a 26 de Janeiro Poloni foi beatificada no dia 21 Setembro de 2008,
de 1802, filha de Gaetano e Margheritta Biadego, em Verona.
foi baptizada com o nome de Luigia Francesca Maria Pela história do Instituto, o seu carisma desde logo
Poloni. Na sua casa voltada para a Piazza Erbe, a se revelou como sendo o da misericórdia. A miseri-
sua família geria uma drogaria/farmácia e professava córdia é um dom de Deus que é representado pelas
a Fé cristã, na qual baseava a educação dos seus Irmãs por diversas formas visíveis de caridade. O
filhos, num ambiente estimulante e formativo. Instituto define “misericórdia” como um sentimento
A mãe foi a sua primeira formadora e o pai, exemplo profundo do coração que se comove perante o
da virtude cristã e social, era um membro estimado sofrimento e desânimo dos outros.
e influente da Confraria da Sagrada Fraternidade. O estilo de vida das Irmãs da Misericórdia é Imagem do Beato Carlo Steeb que é venerada pelas Irmãs (I)
A inteligência prática e perspicaz de Luigia, bem decorrente do seu carisma e caracteriza-se pela
como a sua cortesia e reserva, propiciavam um serviço humildade, simplicidade e caridade, de que foram
atento, sério e gratuito a quem ela acorria. Na sua exemplo os seus Fundadores. No seu vestuário, Albânia (1994). Dedicam-se a várias actividades,
juventude, muitos foram os que confortou e que a caracterizam-se pela presença obrigatória do hábito desde o apoio a enfermos, idosos e a obras de
consideravam como uma “mãe”. branco, preto ou acinzentado. A sua espiritualidade assistência social, como os seus Fundadores, ao apoio
é apostólica, que vê em Cristo o modelo da de reinserção social em colaboração com peniten-
verdadeira caridade, que confere às Irmãs a ciárias, em situações de combate à prostituição, ao
capacidade de um amor gratuito, acolhedor e abandono de jovens, apoio na formação dos jovens,
solidário para com todos, especialmente para com contribuindo com residências universitárias e escolas
os mais pobres. Daí advém o lema Charitas Christi de formação.
urget nos (“A Caridade de Cristo nos impele”). Em Portugal, as Irmãs da Misericórdia estão presentes
Alimenta-se assim das palavras de Cristo, da Liturgia desde Janeiro de 1971, inicialmente na Amadora.
e dos Sacramentos, com devoção a Maria, mãe da Em 1974, mudaram-se para a Parede e, mais tarde,
misericórdia, à Paixão de Cristo, ao Sagrado Coração criaram uma nova casa em S. João do Estoril (ambas
de Jesus, ao Coração Imaculado de Maria, a S. José com jardins-de-infância). A sua presença em Portugal,
e a S. Vicente de Paulo. no início, relacionou-se com a missão em Angola,
O seu símbolo traduz as suas convicções: ao alto pois Portugal permitia um primeiro encontro com a
vemos uma cruz dourada, símbolo da Redenção que Língua Portuguesa e facilitava as questões burocrá-
trouxe ao mundo a vida, em baixo da cruz, a chama, ticas, uma vez que Angola não era ainda indepen-
a qual reflecte dez raios, que simbolizam os dente. Após a independência de Angola, a missão
mandamentos de Deus, que contêm a essência da continuou em Portugal, dedicando-se à educação
caridade e cujo ardor deve inflamar o coração com dos mais jovens. Em 1975, inauguraram o Jardim
a verdadeira caridade, presente na palavra Charitas, Infantil Branca de Neve, oferecendo actualmente
que circunda a chama. Em torno deste mote está a um serviço educativo às crianças e famílias da zona
grinalda com dois ramos: um da palmeira, que e respondendo às exigências da escola católica na
simboliza o sacrifício que sempre se impõe na prática Igreja, com o espírito proveniente do carisma de
Imagem da Madre Vincenza Maria Polomi do bem, e outro do loureiro, dado que o exercício misericórdia. As Irmãs estão especialmente atentas
que é venerada pelas Irmãs (I) da caridade inspirado na cruz de Cristo e guiado e sensíveis aos menos favorecidos nos planos social,
pela luz conduz ao triunfo, cujo símbolo é o louro. cultural e espiritual. O jardim infantil é uma instituição
Após a morte do pai, Luigia viu-se a braços com a Em vida, os Fundadores assistiram ainda à expansão particular de solidariedade social sem fins lucrativos,
gerência do negócio da família, revelando os seus da sua comunidade por sete casas na sua região, dependendo do Estado como meio de sustentação
dotes administrativos, que, contudo, não a impe- as casas filiais. Mas após a sua morte, a missão das e do trabalho de voluntariado social.
diam de frequentar, como voluntária, o lar de idosos Irmãs da Misericórdia estendeu-se a várias regiões Actualmente, a comunidade na Parede conta com
onde prestava assistência na enfermaria dos doentes na Itália e no estrangeiro: Tanzânia (1933), Alemanha a presença de 4 irmãs e a comunidade em S. João
crónicos. É guiada pelo seu confessor, o então (1950), Argentina (1952), Angola (1954), Suíça do Estoril (na Creche-Infantário S. João Baptista)
Sacerdote Carlo Steeb, a quem confessou o desejo (1965), Portugal (1971), Brasil (1988), Chile (1993), conta com 3 irmãs. A formação das Irmãs da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DA SANTA CRUZ

Misericórdia é feita integralmente em Itália, na Casa- Giuseppina, Beato Carlos Steeb: Educador de A primeira missão das Irmãs da Santa Cruz é a ado-
-Mãe em Verona, e estende-se a um período de oito Misericórdia, Verona, Instituto Irmãs Misericórdia de ração, ao professarem o Mistério da Cruz como o
anos, ao fim do qual são feitos os votos definitivos. Verona, 1998; RAPPO, Giuseppina, Irmã Vicenta Maria Caminho da Redenção, ideia explicitada no nome
Uma vez que a formação decorre em Itália, a docu- Poloni: Gratuidade Absoluta, Verona, Instituto Irmãs escolhido para serem designadas. Assumem, ainda,
mentação encontra-se aí organizada em bibliotecas. Misericórdia, 1998. Digital: www.brancadeneve.org; com traço constitutivo do seu múnus apostólico a
Algumas obras fundamentais para o Instituto são: www.istsorellemisericordia.it; www.radiovaticana.org/ ajuda aos sacerdotes, enquanto celebrantes desse
Le Frontiere della Misericordia, Un Cuore di Donna, por/Articolo.asp?c=232503. mesmo mistério, e de um modo muito especial aos
Nuovi Cenni Storici, A Aventura da Misericórdia e Cónegos Regrantes de Santa Cruz, aos quais estão
Seguindo o Fio da Misericórdia, estes últimos RITA ANGEJA agregadas, a fim de constituírem também uma ordem
traduzidos em português (encontram-se só na comu- religiosa. Assim, dão apoio à realização de retiros,
nidade das Irmãs). Em Portugal, a documentação à pastoral das crianças e jovens, e, em certos casos,
está restrita às comunidades aqui presentes, não IRMÃS DA SANTA CRUZ prestam ajuda em algumas paróquias.
tendo sido ainda publicada nenhuma das obras em Esta Congregação, de origem austríaca, nasceu de Encontrando-se espalhadas pela Áustria (St.
língua portuguesa. um movimento espiritual, a Obra dos Santos Anjos, Petersberg, Tirol e Scheffau), Alemanha (Schondorf
iniciada em Innsbruck, em 1949. Uns 15 anos mais am Ammersee), Holanda (Mechelen), Suíça (Flüeli),
tarde, sob o impulso de Gabriela Bitterlich (1896- Itália (Roma), Índia (Kalamasseru – Kerala), Brasil
-1978), vão-se formando pequenos grupos que (Anápolis e Belém), estão ainda presentes em
desejavam viver a mensagem cristã em conformidade Portugal, em duas localidades, Fátima e Braga. Num
com o espírito da então Obra dos Santos Anjos. universo de cerca de duas centenas de religiosas,
Redige, então, ela própria uma Regra para essas temos a viver em Portugal 30 irmãs, das quais 18
mulheres, que a passam a chamar de Mãe Gabriel. estão em Fátima e 12 em Braga, existindo 18
Aprovada a Regra para a Casa de Adoração em religiosas de nacionalidade portuguesa. A faixa etária
Scheffau, em 1967, está fundada a primeira média das irmãs situa-se nos 40 anos; a faixa etária
comunidade da Congregação das Irmãs da Santa média das irmãs de nacionalidade portuguesa nos
Cruz, a qual veio a ser erecta como Instituto de Vida 45. O Noviciado encontra-se, actualmente, em Roma,
Consagrada no dia 9 de Novembro de 2002, pelo apesar de já ter existido em Portugal.
Arcebispo da Diocese de Innsbruck, Aloís Kothgasser.
Agregadas à Ordem dos Cónegos Regrantes de
Santa Cruz, que fora restaurada na segunda metade
do séc. XX, as Irmãs da Santa Cruz constituem, com
os Crúzios, uma família religiosa alargada, vivendo
a mesma espiritualidade, e à qual estão ainda
associadas as Auxiliares Missionárias, que vivem o
carisma das Irmãs no mundo, individualmente ou
em comunidades, e exercendo uma profissão.
Presidindo ao seu carisma o modelo de Maria, es-
posa e serva do Senhor e dos Santos Anjos, as Irmãs
Pintura de Gigi Busato para o 150.º aniversário
levam uma vida de adoração. Unindo-se aos Santos
da fundação da Congregação (I)
Anjos, na continuidade da devoção ao Anjo da
Guarda, tomados como poderosos auxiliares, elas
As Irmãs da Misericórdia de Verona publicam, em imploram a protecção e ajuda Deles para elas e para
Itália, a Revista Caritas, que ainda não conta com todo o mundo.
uma versão portuguesa, mas que pode ser consultada
na Internet.
Comunidade em Braga (I)

BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal


2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Concebem o hábito, que usam, em conformidade
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 885; FRIZZARIN, C., et com a sua espiritualidade, razão pela qual a cor
alii, Nuovi Cenni Storici Sulla Vita di Madre Vincenza deste é o negro, cor associada à morte, percepcio-
M. Poloni, Verona, Istituto Sorelle della Misericordia, nando-se como mulheres que “estando neste mundo,
1999; INSTITUTO DAS IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA, não são dele”. Sobre o escapulário está colocada
A Aventura da Misericórdia: Para Conhecer a Irmã uma cruz de madeira. Além da aliança colocada, no
Vicenza Maria Poloni, Strasbourg, Éditions du Signe, momento da realização dos votos perpétuos, as
2002; INSTITUTO DAS IRMÃS DA MISERICÓRDIA DE VERONA, Irmãs da Santa Cruz, mudam de nome ao profes-
Foco de Caridade: Traços sobre Madre Vincenza M. sarem na Congregação, como sinal de início de uma
Poloni, Strasbourg, Éditions du Signe, s.d.; PELLOSO, nova vida, e passando a celebrar, além da data do
M. P., Un Cuore di Donna: Profilo Biografico di Madre seu aniversário, a festividade onomástica.
Vincenza Maria Poloni, Verona, Istituto Sorelle della
Misericordia, 2002; PRONZATO, Alessandro, Le Frontiere BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal
della Misericordia, Milano, Gribaudi, 2005; RAPPO, Fundadora Gabriela Bitterlich (I) 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DE MARIANNHILL

Em 1886, o percurso do abade cruza-se com o de O carisma da Congregação consiste em dar teste-
Josephine Emunds (Alemanha, 1865 – Holanda, munho do amor redentor de Cristo, venerando, de
1948). Nesse mesmo ano, Josephine toma o hábito modo especial, o Precioso Sangue de Cristo e
e recebe o nome de Ir. Paula. Vendo as suas fazendo-o frutificar através dos vários apostolados.
capacidades, o Abade Francisco Pfanner confia-lhe As Irmãs trabalham no ensino, no campo pastoral,
a formação religiosa das noviças. Em 1889, a Ir. social e caritativo, na saúde e na formação artística.
Paula parte para a Alemanha para dar início à A Congregação desenvolve a sua actividade missio-
primeira casa de formação na Europa e, depois, é nária na Europa (Alemanha, Áustria, Dinamarca,
transferida para um Noviciado recém-construído na Itália, Países Baixos, Portugal e Roménia), na Ásia
Holanda. Em 1892, o abade é suspenso por um ano (Coreia do Sul), na Oceânia (Papua Nova Guiné), na
devido a divergências na interpretação da Regra América do Norte (Canadá e Estados Unidos) e, de
trapista e retira-se para a missão de Lourdes (África modo especial, em África (África do Sul, Quénia,
Casa das Irmãs em Fátima (I)
do Sul), sendo, mais tarde, aceite a sua resignação. Moçambique, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe e Repú-
Em 1906, as Constituições das Irmãs são aprovadas blica do Congo), colaborando, em muitos casos,
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 898. Digital: pelo Papa Pio X e a Congregação torna-se com os Missionários de Mariannhill. Em 1909, esta
www.opusangelorum.org/pt/familiaOA/irmassanta independente da dos trapistas, continuando, no Congregação é separada da dos trapistas, surgindo
cruz.htm. entanto, a depender dela economicamente. Em então a Congregação dos Missionários de Mariannhill.
1907, em Mariannhill, no primeiro Capítulo Geral, Se, em 1888, as Irmãs Missionárias do Precioso
MARIA JOSÉ REMÉDIOS a Ir. Paula é eleita primeira Superiora Geral Canónica, Sangue contavam, em todo o mundo, com apenas
cargo que ocupou durante 25 anos. Só em 1929, 117 membros, no ano de 2004, sabe-se que
é conseguida a independência total das Irmãs. A 30 contavam com 910 membros, 35 noviças e 16
IRMÃS DE MARIANNHILL de Dezembro de 1918, a Congregação é elevada a postulantes, espalhados por 95 casas. Trata-se de
As Irmãs de Mariannhill, ou Missionárias de Instituição de Direito Pontifício, ficando sob a uma Congregação com independência financeira
Mariannhill, têm como nome oficial Congregação jurisdição da Sagrada Congregação de Propaganda conseguida fundamentalmente através do trabalho
das Irmãs Missionárias do Precioso Sangue. A sua Fide. das Irmãs.
sigla é CPS, que significa Congregatio Sororum No quotidiano, as Irmãs usam hábito (vestido e véu)
Missionum Pretiosi Sanguinis de Mariannhill. preto, nos países frios, ou branco, nos países quentes,
Em 1882, Francisco Pfanner (Áustria, 1825 – África e, num cordão vermelho, uma cruz com uma gota
do Sul, 1909), que havia sido pároco em gravada no centro (a cor do cordão é a cor do sangue
Haselstauden, em Vorarlberg (Áustria), director e é o que restou da inicial saia vermelha). A nível
espiritual de religiosas em Agram (Croácia) e, quando provincial pode ser usado um traje religioso alter-
já pertencia aos Trapistas de Mariawald (Alemanha), nativo. Têm como quotidianos a Eucaristia e a Liturgia
funda o Mosteiro Mariannhill (Colina de Maria Ana), das Horas. Mensalmente fazem um dia e, durante
em Natal, na África do Sul. É então que chama o ano, pelo menos cinco dias de retiro. Como
algumas auxiliares missionárias para ajudar na devoção têm a Via Sacra e o Rosário e, ainda, como
evangelização dos povos zulus, nomeadamente na rituais, a primeira profissão e a profissão perpétua.
educação e na promoção da mulher africana, Ir. Paula, desenho da Ir. M. Michael Kroemer (I) A celebração da tomada de hábito é agora uma
actividade que continua a ser praticada nos dias de cerimónia mais simples, na qual as noviças apenas
hoje. Com esta finalidade, funda, em 1885, a É de referir a morte violenta da Ir. Maria de Lurdes recebem as Constituições e o seu nome religioso.
Congregação Internacional das Irmãs Missionárias Gonçalves Granado, de nacionalidade portuguesa, No dia 1 de Julho celebram a sua festa principal, a
do Precioso Sangue, também chamadas Irmãs que foi assassinada perto de Namaacha, a caminho festa do Precioso Sangue.
Vermelhas, porque trajavam com uma saia vermelha, de Maputo, em 1992, no decorrer da sua actividade
um cinto preto, um avental cinzento, uma mantilha missionária. A vinda das Irmãs para Portugal prendeu- BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal
e uma touca branca, com o objectivo de fazer chegar -se precisamente com a necessidade de preparação 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
a mensagem pascal da esperança, salvação e alegria do apostolado em Moçambique, então colónia Episcopal Portuguesa, 2007, p. 904; BALLING, Adalbert
a todos. portuguesa, de forma a acolher e ajudar as irmãs Ludwing, Se Ninguém Vai, Vou Eu, Trad. por M.
vindas da Alemanha e da Áustria. Em 1958, chegam Antonia Jörg, Maputo, Tipografia Minerva Central,
as primeiras irmãs; um ano depois, começam a tra- 1997. Digital: home.deds.nl/~cps/preciososangue/
balhar no Hospital da Misericórdia, em Almeirim, e, portuguesmenu.html; www.newadvent.org/cathen/
em 1960, é fundada, em Lisboa, a primeira casa. 09661a.htm.
Nos dias de hoje, a Congregação conta, em Portugal,
com apenas dez membros, sete dos quais estão em JOANA BARREIRA
Lisboa e os outros em Lamego, onde existe casa
própria desde 1979. Actualmente, não existem casas
de formação no nosso país. A formação dos novos IRMÃS DE SÃO JOÃO BAPTISTA
membros é feita em comunidades de formação As Irmãs de São João Baptista e de Maria Rainha,
internacionais. As casas existentes no nosso país ou simplesmente, Irmãs de São João Baptista, são
dependem do generalado, que tem sede em Roma. uma congregação religiosa fundada em Leutesdorf,
A Congregação em Portugal é, no entanto, repre- Alemanha, onde têm sede. A sua aprovação canónica
Abade Francisco Pfanner (I) sentada pela Delegada, a Superiora Local de Lisboa. data de 12 de Junho de 1928. Têm por carisma e

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DE SÃO JOÃO BAPTISTA

missão o “empenho apostólico no campo pastoral foi eleito Presidente do Movimento Católico anti- A Congregação Irmãs de São João Baptista e de
sócio-caritativo e pedagógico”, segundo a missão -alcoólico da Alemanha. Como eram frequentes as Maria Rainha teve início com as primeiras
Ad Gentes. A Congregação tem por patronos S. João recaídas dos adolescentes, depois de saírem da Liga, colaboradoras do Instituto União de São João, que
Baptista e Maria Rainha, medianeira de todas as fundou, em 1919, o Lar de S. João (Johannesheim), foram, desde o início, tratadas por “irmãs”, viviam
graças. num antigo hotel denominado “Castelo dos Leões”, em comunidade e tinham por objectivo formar uma
em Leutesdorf, uma aldeia vinícola nas margens do congregação religiosa. O P. e Haw iniciou-as nas
rio Reno. O lar destinava-se a acompanhar e a práticas conventuais, tais como o silêncio, a oração
reabilitar rapazes e raparigas entre os 14 e os 18 das horas e o capítulo.
anos, em grupos separados. A tarefa de recuperação
era dificultada pela mentalidade da população,
constituída por produtores e trabalhadores que
tiravam o seu sustento do fabrico, venda e salário
das bebidas alcoólicas. Para o P.e Haw o fim último
do movimento era a recondução dos cristãos para
a fé e, para isso, organizava retiros espirituais e
cursos religiosos. As tarefas quotidianas eram
efectuadas pela Ir. Eva e uma governanta. Com a
crescente procura da Instituição, as duas colabo-
radoras eram insuficientes para manter o lar. O P.e
Haw tentou então angariar, junto de congregações
religiosas femininas, apoio para a Obra, mas as
Logótipo da Obra fundada pelo P.e João Haw:
vicissitudes decorrentes da Primeira Grande Guerra
Irmãs de São João Baptista e Missionários
dificultaram o recrutamento de irmãs. A 10 de Maio
de São João Baptista (cedido pelos Baptistas) Imagens do Baptismo de Jesus na Igreja de Queijas (RMO)
de 1919, entrou para a Instituição Margarida Maria
e, a 15 de Outubro, dia da festa de S.ta Teresa de
O P.e João Maria Haw, filho de Pedro e Bárbara Haw, Ávila, o P.e Haw já dispunha de um pequeno grupo Em 1919, estava traçado o trajecto da Congregação:
nasceu a 26 de Maio de 1871, em Schweich, de colaboradoras e sacerdotes e fundou a União de um Noviciado, ao qual estava associada uma instrução
pequena cidade a dez quilómetros de Trier, nas São João, com o fim específico de “propagação do específica das tarefas práticas da missão a que se
margens do rio Mosela, na Prússia, Alemanha. Reino de Cristo e a renovação da vida cristã”. propunham. Os proventos para a subsistência das
Descendente de uma família de agricultores, aos 13 A União englobava o lar, o Movimento de Tem- Irmãs provinham de dádivas e, nos anos difíceis do
anos entrou para o Liceu Frederico-Guilherme de perança e a editora da publicação A Manhã. Estava pós-guerra, chegaram a mendigar alguma comida.
Trier. Em 1885, recebeu o crisma na igreja paroquial criado o embrião de três instituições religiosas Actualmente, as Irmãs fazem profissão perpétua,
da sua terra natal e, um ano depois, entrou para o independentes: as Irmãs de São João Baptista e de após alguns anos de profissão temporária, deno-
seminário menor da mesma cidade. A 30 de Março Maria Rainha, os Missionários de São João Baptista minada de Juniorado. O Juniorado serve para
de 1895, foi ordenado Sacerdote e nomeado e, mais tarde, o Instituto Secular das Servas de Maria, aprofundar a vida religiosa, segundo os conselhos
Coadjutor da Igreja de Nossa Senhora, em Koblenz de que o P.e Haw foi o primeiro Superior de todas. evangélicos de pobreza, obediência e castidade
(1895). Depois de uma curta estadia na Suíça, para Em 1924, fundou, em Berlim, a Casa de S. João, celibatária, vividos em comunidade, e para se
tratar a tuberculose de que sofria, foi colocado como para os sem-abrigo e, pouco depois, a Instituição familiarizarem com a Regra de vida e as tarefas
pároco na zona mineira de Holz (1897) e, depois instalava-se nos arredores da cidade, em Doberitz, apostólicas. Pretendem, assim, a recíproca coorde-
em Wintersdorf (1900-1906), uma pequena e pobre um centro de reintegração social de ex-presidiários. nação entre oração e acção. Usam hábito próprio.
aldeia de agricultores e pedreiros, nas margens do Em 1926, a União de São João instituía, em Leutesdorf, Os membros da comunidade trabalham em
rio Sauer, onde fundou a Congregação Mariana o movimento do Apostolado dos Doentes. Em 1932, Moçambique (Iapala), Missão de Gilé (2005),
(1900) e as associações de S. Francisco Xavier (1901), inaugurava a Casa de Cristo-Rei de Berlim, onde Montenegro (2001), e em Kerala (União Indiana),
da Sagrada Família (1902) e a Irmandade do Rosário. dispunha de 230 camas destinadas aos sem-abrigo onde se dedicam à reinserção social de mulheres.
Inspirado nos movimentos que, desde o séc. XIX, e ministrava cursos anuais para leigos, e, em 1938, Em Portugal, a Congregação instalou-se em Gouveia,
vinham alertando para os malefícios do consumo a Casa de S. Judas Tadeu, em Mainz, para indigentes. a 14 de Outubro de 1956, por iniciativa do P.e Pedro
excessivo de álcool, tais como o Movimento de Em 1941, o regime nazi perseguiu a Obra e encerrou Appel, segundo Superior Geral dos Missionários
Sobriedade (1844) e o Movimento da Temperança, todas as casas, extinguindo as congregações das de São João Baptista, e da Madre Maria Inácia,
uma das grandes preocupações do P.e Haw foi a Irmãs e dos Missionários. Só depois da guerra, em segunda Superiora Geral das Irmãs de São João
luta contra o alcoolismo, pelo que fundou a Liga 1945, foram retomadas as actividades do Instituto. Baptista e de Maria Rainha.
do Anjo da Guarda, que se destinava a recuperar Em 1948, abria a Casa de S. João, em Colónia. Uma das Fundadoras da Obra em Portugal foi a Ir.
crianças alcoolizadas com menos de 14 anos. Em O P.e Haw faleceu a 28 de Outubro de 1949, na Casa- Norberta (1909-1989). Esta irmã exerceu diversas
1905, escreveu O Rei Álcool, uma brochura onde -Mãe do Instituto União de São João, em Leutesdorf. tarefas de apostolado, foi Superiora do Lar do
denunciava o número de alemães que entravam na Actualmente, os membros da União de São João Coração de Maria para mães solteiras e mulheres
marginalidade, endoideciam e morriam devido ao estão presentes na Alemanha, em Moçambique, na em situação difícil e da filial da União de São João,
consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Para apoiar União Indiana e em Portugal. fundada em Bona (1951), para abrigar jovens
a campanha, fundou, em 1907, o jornal A Manhã, A União de São João dispõe de uma publicação estudantes, operárias e emigradas da Alemanha de
que, a partir de 1920, passou a chamar-se O Arauto. trimestral denominada Caminhos Novos, que serve Leste, a que deram o nome de Haus Maria Königin
A partir de 1933 dedicou-se ao apostolado e à de boletim informativo e de elo entre os membros (Casa da Rainha do Mundo). A Ir. Norberta e um
formação apostólica de leigos. Em 1908, o P.e Haw das congregações e as comunidades locais. grupo de jovens portuguesas, que se associaram à

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CLUNY

primeira comunidade de irmãs alemãs, instalaram- Senegal, à Gâmbia e à Serra Leoa. À data da sua
-se, provisoriamente, na Casa do Outeiro. Em 1962, morte, a 15 de Julho de 1851, a Fundadora da
passaram a residir na actual Casa da Rainha do Congregação das Irmãs de São José de Cluny tinha
Mundo (mais conhecida por Convento de Gouveia), passado cerca de 14 anos em missões fora de França,
a sede da Delegação Portuguesa da Congregação, dando, sempre que podia, o seu contributo pessoal
onde se realizam iniciativas destinadas ao apro- e incarnando com determinação os princípios de vida
fundamento da Fé, tais como recolecções e retiros, cristãos orientadores da sua Congregação. Nesta data,
por vezes abertos a religiosas de outras instituições, a Congregação possuía cerca de 140 casas espalhadas
e onde instituíram um lar para raparigas que Monograma da Congregação (I) pelo mundo com um total de 1200 religiosas.
frequentam a escola oficial.
No que diz respeito à organização da Congregação, Anne Marie nasceu em Jallenges, na Borgonha, no
o Capítulo da Região de Portugal elege a Superiora seio de uma família burguesa abastada e desde cedo
Regional e quatro Conselheiras Regionais, por três revela vocação para a vida religiosa. Com o apoio
anos. da sua família, ajuda os padres perseguidos durante
A acção das Irmãs de São João Baptista tem vindo os anos conturbados que se seguiram à Revolução
a estender-se a outras localidades: fundaram uma Francesa de 1789, revelando dotes de audácia de
nova comunidade na Freguesia de Pedrógão, o espírito e inteligência, que mais tarde lhe serão
Centro de Bem-Estar Social, em Malhada Sorda generalizadamente reconhecidos. Aos 21 anos
Altar da Capela da Casa-Mãe, Paris (I)
(Concelho de Almeida), centros de assistência ingressa num instituto de vida consagrada,
paroquial em Loriga (Concelho de Seia) e Abrantes,
residências em Viseu e Pedrógão d’Aire. Também as O carisma das Irmãs de São José de Cluny assenta,
acções se têm diversificado: cuidam de crianças dos primordialmente, no apostolado e na missionação,
2 aos 6 anos no jardim infantil, dão apoio no ATL, conseguidos através de várias iniciativas humanitárias
orientam cursos de formação familiar, onde são e cristãs, nomeadamente o ensino e a assistência
ministradas as disciplinas de Puericultura, Trabalhos hospitalar e social, a par da permanente evange-
Manuais, Adorno do Lar, Cortesia Feminina e Pintura. lização e chamada para a Fé.
No campo pastoral, catequizam, colaboram na liturgia A história deste Instituto confunde-se, de certa forma,
e na pastoral dos doentes. Têm comunidades nas com a biografia da sua Fundadora. Apesar deste
Dioceses da Guarda, Viseu, Santarém e Lisboa. facto incontestável, a sua verdadeira dimensão
Em 1970, a pedido do Bispo de Nampula, um enquanto obra humanitária de mérito interna-
pequeno grupo de quatro irmãs partiu para Iapala, cionalmente reconhecido, mesmo em vida de Anne
no Norte da então colónia portuguesa de Moçam- Javouhey, vai muito para além da esfera de acção
bique. Adequando as suas actividades às necessi- Ana Maria Javouhey, Fundadora da Congregação (I) pessoal desta religiosa. É evidente que o impulso, a
dades locais, as irmãs ainda ali se mantêm, ajudando definição dos princípios da Congregação e a própria
no hospital, criando centros sociais, promovendo a abandonando-o, porém, pouco tempo depois. No audácia do projecto estarão sempre e justamente
escolaridade, organizando cursos de formação mês de Maio de 1807 é fundada a Congregação, relacionados a Anne Javouhey, no entanto não nos
familiar, catequizando e preparando a primeira na Igreja de S. Pedro, em Chalon-Sur-Saône, com a podemos esquecer do trabalho, muitas vezes
comunhão e crisma de membros da comunidade. profissão religiosa das quatro irmãs Javouhey, a par anónimo, de centenas de mulheres que, aceitando
de outras cinco jovens. Cinco anos mais tarde, em o desafio da Fundadora da Congregação, puseram
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, 1812, abre o primeiro Noviciado, no antigo convento a sua vida ao serviço de um ideal, contribuindo
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal dos “Recollets” de Cluny, classificado como imóvel decisivamente para garantir a esta Congregação o
Portuguesa, 2007, pp. 898-899; Caminhos Novos, de interesse nacional. Esta casa, oferecida pelo pai prestígio que se lhe reconhece e se reflecte cabalmente
Publicação trimestral de inspiração cristã, Gouveia, a Anne Javouhey, afirma-se como sede e ponto de na sua disseminação mundial. Apesar da grande
Ed. Escola Apostólica de Cristo Rei, 1988-2004; partida da obra apostólica e missionária das Irmãs expansão que esta Congregação já conhecia à data
GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde de São José de Cluny. O ano de 1816 fica marcado da morte da sua Fundadora, a aprovação canónica
e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 57; O SÓRIO , no percurso histórico desta Congregação como a das suas Constituições tardava em chegar.
Margarida Maria, O Seu Nome Era João, Gouveia, data em que Anne Javouhey funda, em Paris, uma
Edição Caminhos Novos, 1997; SCHULTHEIS, Joseph pequena escola para acolher e alfabetizar crianças
M., Novena a Pedir a Intercessão do Servo de Deus pobres, na sua maioria vítimas das sucessivas
Padre João Maria Haw, Leutesdorf/Guarda, Edições conturbações políticas e sociais da França da época.
da União de S. João, 1980. Os bons resultados obtidos pelas Irmãs de São José
de Cluny nesta tarefa dão-lhes o reconhecimento,
ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU por parte do Governo Francês, que não hesita em
propor-lhes uma extensão das suas tarefas de
Constituições, crucifixo, aliança (I)
assistência hospitalar e de alfabetização às possessões
IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CLUNY coloniais francesas. Imediatamente o desafio é aceite
As Irmãs de São José de Cluny (SJC) são uma por Anne Javouhey que, em Janeiro de 1817, em- Em 1854, a Congregação das Irmãs de São José de
congregação religiosa de origem francesa, fundada preende a primeira viagem missionária da Cluny foi reconhecida por Roma, mas as suas
por Anne Marie Javouhey (1779-1851) a 12 de Maio Congregação com destino à ilha Bourbon. A partir Constituições só seriam aprovadas em 1899,
de 1807. de 1822 expandem as suas casas e chegam ao sofrendo, posteriormente duas revisões: a primeira

453
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DE SÃO JOSÉ DE CLUNY

em 1924 e a segunda em 1983 – após o Concílio


Vaticano II. De suma importância no desenvolvimento
e evolução deste Instituto foi a criação, a partir dos
anos 90 do séc. XX, dos Associados da Congregação
das Irmãs de São José de Cluny, leigos que, após
concluírem um período de formação, comprometem-
-se a cooperar com as Religiosas nas suas acções
sociais. Segundo os últimos dados (de 1988), esta
Congregação contava com 102 casas na Europa,
104 na África e Oceano Índico, 102 na Ásia, 83 na
América e Antilhas e 24 na Oceânia.

Casa de Torres Novas (JEF) Irmãs da Congregação de São José Cluny (FF)

enfermeiras nos tão carenciados hospitais locais, A 1 de Janeiro de 2006 a Congregação de São José
quer como professoras de uma população ávida de de Cluny contava, a nível mundial, com 424
ensino, nomeadamente em Angola e Moçambique, comunidades, sendo 94 na Europa, 75 na América,
mereceu-lhes o reconhecimento oficial por parte do 22 na Oceânia, 126 na Ásia, 76 em África, 31 no
Governo Português, que, por diversas vezes conde- Oceano Índico, totalizando a cifra de 2890 irmãs.
corou irmãs desta Congregação, em gratidão pelos
serviços prestados, principalmente a nível hospitalar.
Associados de São José de Cluny (I) A mudança de regime político em Portugal, com a
Implantação da República no ano de 1910, originou
As Irmãs de São José de Cluny chegaram a Portugal, movimentos de desagravo para com as ordens e as
mais concretamente a Lisboa, em Setembro de 1881, congregações religiosas em geral. As Irmãs de São
sendo provisoriamente alojadas, num primeiro José de Cluny são expulsas do território português,
momento, no convento das Irmãs de São Vicente refugiando-se em França.
de Paulo e, posteriormente, no Convento das
Dominicanas, em Benfica. Alojamento mais definitivo
passa a ser o convento das Carmelitas Descalças,
em Carnide, posto à disposição das Irmãs de São
José de Cluny pelo governo da época, medida que
não agradou às duas irmãs carmelitas que ainda
residiam naquele espaço. Finalmente, em Janeiro de
1893, é publicado o decreto governamental que
lhes possibilita a legitima permanência naquele antigo
convento. A partir desta data, sucedem-se as Irmã Matilde Fanecas (I)
fundações de casas deste Instituto: em 1885 é
fundada a Casa de Tentúgal, dois anos depois a de
Braga, em 1889 é a vez de Viana do Castelo, em BIBLIOGRAFIA: Imprensa: A LMEIDA , Fortunato de,
1890 a de Guimarães, em 1891 é fundado o Instituto Sede Provincial da Congregação em Portugal, Fátima (I) História da Igreja em Portugal, vol. III, Barcelos,
de S. Patrício (uma vez mais em Lisboa), em 1893 a Livraria Civilização Editora, 1968; Anuário Católico
Instituição chega à ilha Terceira (mais concretamente Passados 11 anos, em 1921, a superiora geral recebe de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da
a Angra do Heroísmo), em 1896 chega a Coimbra, pedidos insistentes da parte dos bispos portugueses Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 899-
Convento de S.ta Clara-a-Nova e fundação de uma para que este Instituto religioso se instale novamente -890; Cerimonial para a Vestição, Profissão e Votos
nova comunidade em Angra do Heroísmo, em 1902. em Portugal e abra o Noviciado. No ano seguinte, Perpétuos das Irmãs de S. José de Cluny, Braga,
No que concerne às antigas colónias portuguesas após várias diligências levadas a cabo pela Madre Oficinas Gráficas “Pax”, 1942 (1.ª ed. 1889); DUFOURQ,
do Ultramar, as Irmãs de São José de Cluny chegaram Catarina d’Ornellas, antiga Dama de Honor da Rainha Elisabeth, Les Congrégations Religieuses Féminines
em 1885 a Humpata e Moçâmedes, em 1887 a D. Amélia, que apoiava entusiasticamente o regresso Hor’s d’Europe: De Richelieu à Nos Jours Histoire
Luanda e Huíla, em 1892 a Luali e Caconda, em ao país destas Irmãs, foi inaugurada uma comunidade d’une Diaspora, t. I, Paris, Librairie de L’Inde Éditeur,
1893 a Cabinda e a Malanje. A Moçambique chegam em Anadia, abrindo-se a Casa de Noviciado desta 1993; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii,
em 1890, instalando-se em Boroma e em Lourenço Congregação com cinco jovens. Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, pp. 58-59;
Marques. Em 1893 é fundado o primeiro hospital A partir desta data a sua expansão no nosso país VIEIRA, Maria do Pilar S. A., “Irmãs de S. José de
destas Religiosas no território, mais concreta- processa-se a um ritmo acelerado, existindo, em Cluny”, in Carlos de Azevedo (dir.), Dicionário de
mente em Lourenço Marques. Em 1895 chegam a Janeiro de 2008, 234 irmãs distribuídas por 26 História Religiosa de Portugal, vol. II, Lisboa, Círculo
Inhambane e a Cabaceira Grande, em 1897 servem comunidades espalhadas por Portugal continental de Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa
no hospital civil e militar de Moçambique, e em e regiões autónomas da Madeira e dos Açores. da Universidade Católica Portuguesa, 2000. Digital:
1899 instalam-se em Quelimane. Outras 45 irmãs portuguesas actuam noutros países, sjclunyportu gal.com.
A acção destas Religiosas nas antigas possessões a saber, em Angola, Moçambique, Brasil, Canadá
ultramarinas portuguesas, actuando quer como e França. SÍLVIA FERREIRA

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DO CAMPO

IRMÃS DO CAMPO mesma missão que lhes foi confiada pela Igreja: “Sœurs des Campagnes”, in Chronique des Frères
O instituto feminino Irmãs do Campo foi fundado levar o Evangelho ao mundo rural, principalmente et des Soeurs des Campagnes, Trimestriel, n.º 198,
em 1947, em França, por Ghislaine Aubé, na altura aos que crêem menos ou que estão mais afastados Mars, 1997.
presidente nacional das JAF (Jovens da Acção Católica da Igreja. Mas, mais do que anunciar Jesus Cristo,
Rural), e só é reconhecido pela Igreja, como ambas as congregações pretendem mostrá-Lo a partir ANA FILIPA ISIDORO DA SILVA
Congregação, no ano de 1962. do seu próprio testemunho, por meio de votos de
Aos 13 anos, Aubé terá lido um texto sobre as pobreza e simplicidade, por meio da partilha de
Dominicanas Missionárias no Campo, que a levou, trabalho, dos problemas e das alegrias do povo com IRMÃS DO CORAÇÃO DE JESUS
15 anos mais tarde, a querer dedicar-se à vida quem tomam contacto. Acreditam que é nesta SACRAMENTADO
contemplativa. comunhão fraternal que conseguirão fazer nascer A Congregação das Irmãs do Coração de Jesus
Em Fevereiro de 1944, o P.e Épagneul, durante a sua comunidades de Fé, incentivando as populações à Sacramentado foi fundada a 27 de Dezembro de
estadia em Flavigny, com as Irmãs Dominicanas, oração e à missão. 1918, pelo P. e José Maria Robles Hurtado.
convida Ghislaine Aubé a participar no seu novo Tendo como base de vida consagrada o Ofício Divino O Fundador nasceu a 3 de Maio de 1888 em Mascota,
projecto que seria a fundação da Congregação das e a Eucaristia, Irmãos e Irmãs do Campo juntam-se Jalisco (México), e nesse mesmo dia foi baptizado,
Irmãs do Campo (depois de já ter fundado o instituto duas a três vezes por semana (segundo a aproxi- por opção dos seus pais, António de Robles Mardueño
masculino Irmãos do Campo). Mas a decisão só é midade ou afastamento das comunidades), para e Petronila Hurtado Uribe.
tomada a 25 de Fevereiro. ouvirem a Palavra de Deus e rezarem em conjunto. A influência materna, profundamente cristã, foi
Relativamente à sua presença no mundo, sabe-se fundamental para a sua educação. Assim, em 1901,
que, até ao ano 2000, contavam com 17 comu- ingressou no Seminário de Guadalajara, onde sempre
nidades: 13 em França, 3 em África (Togo, Burkina se destacou pelo seu desempenho. Recebeu a tonsura
Faso, Benim) e uma em Portugal. em Janeiro de 1906 e dois anos mais tarde, ainda
As Irmãs chegaram a Portugal no ano 1972, a pedido como estudante de Teologia, foi convidado pelo
do P.e João Alves (na altura, Vigário Episcopal de Bispo de Tehuantepec a missionar em Oaxaca.
Setúbal), apreensivo com o estado de evangelização O seu sucesso académico viria a dar frutos, de tal
do meio rural, e permaneceram, até ao ano 2001, forma que em 1912 foi nomeado Vice-Reitor e
em Águas de Moura, numa casa anexada à igreja. Ecónomo do seminário.
Logótipo dos Irmãos e Irmãs do Campo (I)
Estiveram, ao todo, cinco irmãs no nosso país, mas O dia 22 de Março de 1913 marca a data da sua
nos últimos anos o número foi reduzido a dois ordenação como Sacerdote. Ficou, então, responsável
Cada uma das comunidades (Irmãs e Irmãos do membros. Professando uma vida simples, susten- por ser Capelão das Servas de Jesus Sacramentado
Campo) tem, geralmente, quatro a cinco membros. tavam-se por meio do seu trabalho: ou eram e do Instituto do Sagrado Coração. Contudo, foi
A denominação de “Irmãs” está directamente rela- trabalhadoras rurais, ou empregadas fabris, ou obrigado a regressar à sua terra natal devido às
cionada com o desejo de viverem em comunidades trabalhavam como domésticas. No entanto, procu- invectivas contemporâneas contra o clero. Este
fraternas, enquanto discípulas de Jesus, a quem ravam dispor do seu tempo para ajudarem aqueles contexto histórico fez com que desenvolvesse a
consagraram as suas próprias vidas, de tal modo que que pediam o seu auxílio e partilhavam a sua vida prática da escrita: os seus textos, marcadamente
partilham tudo entre si, quer sejam os seus bens, com a comunidade, em especial, com os mais religiosos, difundiam a Boa Nova e insurgiam-se
quer os dons, actividades ou experiências espirituais. carenciados e os mais pobres. Auxiliavam ainda os contra a maldade, opondo-a à piedade. Foi em
No entanto, há, de certa forma, uma hierarquia, visto Irmãos na preparação de pessoas que desejavam Mascota que recebeu a inspiração de fundar uma
que algumas irmãs têm a função particular de “guia” ser baptizadas (independentemente da idade). congregação, enquanto celebrava uma missa, a 11
para as irmãs que têm as primeiras etapas a percorrer, Dedicavam-se à evangelização, aculturando-se ao de Junho de 1915. Esta ideia concretiza-se no dia
antes do compromisso definitivo. meio e às pessoas. 27 de Dezembro de 1918, quando funda a
Estas irmãs, enquanto noviças, fazem um percurso Ainda hoje, as Irmãs do Campo contactam, de modo Congregação das Vítimas do Coração Eucarístico de
de aprendizagem que tem a duração de dois anos. periódico, com as populações do Distrito de Setúbal, Jesus (hoje chamada de Congregação das Irmãs do
Num desses anos, fazem um retiro em que se com as quais mantiveram uma ligação, num trabalho Coração de Jesus Sacramentado). Desde o início que
dedicam à oração, às leituras bíblicas, com uma de comunhão. o seu carisma consistia em amar e servir o coração
parte exclusiva ao trabalho manual e missionário, de Jesus na Eucaristia, mesmo que para isso fosse
trabalho este realizado em paróquias – no segundo BIBLIOGRAFIA: A Semente, n.º 33, Dezembro de necessário abdicar da própria vida, como aconteceu
ano de Noviciado. 2005; “Comunidade muito especial em Águas de com este Fundador.
Depois de um primeiro compromisso feito, segue- Moura, Irmãs e Irmãos do Campo de mãos dadas O P.e José Maria era conhecido pelos seus sermões
-se uma formação contínua em locais de acolhimento. com a população”, in Jornal do Concelho de Palmela: que inspiravam várias pessoas, de uma tal maneira
Aí, há um trabalho base que diz respeito ao estudo Semanário Regional de Informação, n.º 350, 13 de que conseguiu atrair diversos fiéis para o serviço da
teológico, concretizado por meio ora de cursos, ora Fevereiro de 1998; GOMES, Manuel Saturino da Costa, sua paróquia. Célebre pela sua perseverança e pelo
de sessões, ou mesmo de trabalhos pessoais. scj, et alii, Vinde e Vede: Formas de Vida Consagrada fervoroso amor que sentia pelo coração de Jesus,
São organizados encontros entre os Irmãos e as na Igreja, Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 61; foi uma figura que se destacou na luta pela liberdade
Irmãs, onde todos reflectem sobre a sua vocação. “Irmãos do Campo deixam Diocese”, in Notícias de religiosa em Tecolotlán (onde era pároco), afirmando
A sua formação, segundo a Ir. Anne Samson, é con- Setúbal, n.º 30, 14 de Junho de 2002., pp. 7-8; que Jesus era o rei. Através dos seus escritos, o
tínua, porque consideram que a sua vida é um “Missionários do Campo”, in Sociedade, Sem Mais padre difundia as suas ideias.
percurso ininterrupto. Jornal, 24 de Agosto de 2000, p. 7; “Na hora da Estas atitudes de contestação relegaram-no para a
Ainda que a Congregação Irmãs do Campo seja despedida Irmãs do Campo estão de abalada”, in clandestinidade e, em 1927, teve de se esconder
autónoma da dos Irmãos do Campo (e vice-versa), Jornal do Concelho de Palmela, Semanário Regional devido às perseguições religiosas. O P.e José Maria
ambas se completam, trabalhando em conjunto na de Informação, n.º538, 21 de Setembro de 2001; Robles Hurtado viria a ser capturado a 25 de Junho

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DO SANTÍSSIMO SALVADOR

a caridade é acção assistencial imediata, a compaixão na criação dos irmãos e a colaboração nos trabalhos
é a grande dimensão de descentramento de si e do campo pareciam confinar a vida de Elisabeth aos
atenção ao outro. Este sentido paulino de servir horizontes da domesticidade e ruralidade. Porém, a
Cristo servindo os outros constituiu o alicerce radical rotina das actividades domésticas era afectada por
e único lançado por Elisabeth Eppinger no momento interrupções periódicas. De 1831 a 1834, ou seja,
de erguer a Congregação. A sua determinação em dos 17 aos 20 anos, esteve doente. Algo sintoma-
estabelecer uma comunidade religiosa de carácter ticamente descrito como “nervoso”. Em 1835,
assistencial não recorreu a enquadramentos teoló- recuperou energias, voltou aos afazeres diários e
gicos nem expressou um sentimento religioso integrou-se num grupo paroquial fervoroso, no qual
subjectivo. Quase iletrada e com uma experiência se preparou para o ingresso na Terceira Ordem
de vida circunscrita ao perímetro da família e da Franciscana. Entretanto, intermitentemente, adoeceu
aldeia de Niederbronn, onde nascera, captou o de tifóide, permanecendo inactiva entre 1841 a
sentido de “assistência” como o meio de Jesus viver 1842, recuperou e, em 1845, voltou a adoecer com
e de se viver Nele. A fundação da Congregação, os tais sintomas “nervosos”. Procurou então apoio
resposta vital de Elisabeth a uma iluminação interior, junto do pároco Reichard, a quem confidenciou as
foi ao encontro de determinantes históricas e suas vivências ao nível da consciência vígil. Este,
climatéricas com grande impacto económico e social observando-a atenta e prudentemente, reconheceu
na Alsácia oitocentista, predominantemente rural. nessas vivências os sinais exteriores da transmutação
Em 1814, ano de nascimento de Elisabeth Eppinger, mística. Ao ter conhecimento sobre o caso, o Bispo
com a queda do Império de Napoleão e a restauração Raess, de Estrasburgo, dirigiu-se a Niederbronn, onde
Sagrado Coração de Jesus, Museu de S. Roque (CLS) do regime monárquico, as tropas dos poderes aliados permaneceu três dias para ele mesmo investigar e
ocuparam a Alsácia, cuja população se viu obrigada poder informar quer o Vaticano quer o Governo
de 1927, quando se preparava para celebrar uma a contribuir para a subsistência das tropas, provo- Francês. O relatório resultante, intitulado “A Extática
missa. Os soldados invadiram a igreja e levaram-no cando o empobrecimento generalizado da população. de Niederbronn”, constitui um interessante docu-
cativo para a prisão. A partir daí, começou a aceitar A situação agravou-se em consequência da incontida mento para a compreensão da tipicidade e diver-
o seu martírio: de noite, amarraram-lhe as mãos e sucessão de acontecimentos políticos. Em Julho de sidade da manifestação dos fenómenos místicos.
conduziram-no para o cimo da serra. Ele próprio 1830, deu-se a instauração da Monarquia Parla- A pouco e pouco desenvolveu-se uma popularidade
pegou na corda que o enforcou, para que os seus mentária com Luís Filipe I, registando-se, em Fevereiro pietista à volta de Elisabeth, cuja reacção gerou um
carrascos não manchassem as mãos de sangue. Na de 1848, uma crise política conducente à procla- tal criticismo que muitos compraziam em mimoseá-
madrugada de 26 de Junho de 1927, a morte do mação da segunda República, seguida, em Dezembro -la com calúnias. Neste contexto, em meados de
padre é consumada. de 1851, da constituição do segundo Império com 1848, aproveitou o facto de o Instituto das Irmãs
Contudo, a sua Obra não ficou esquecida. A Congre- Napoleão III. Esta instabilidade política fragilizante da Divina Providência de Ribeauvillé, fundado em
gação difundiu-se amplamente pelo México, EUA da economia combinou-se com epidemias e 1783 e dedicado ao ensino de meninas, ter uma
(Califórnia), Peru (Lima e Chimbote) e Angola (Luanda, intempéries que provocaram más colheitas (1816 e escola em Niederbronn, aberta em 1835, para solicitar
Cabiri, Saurimo). A fundação de uma comunidade 1817), frio (1829 e 1830) e seca (1846 e 1847). Em admissão como postulante. Foi aceite com reserva
em Portugal ocorreu a 10 de Maio de 1985, em consequência, o cenário social era dominado pela por parte do Bispo Raess, pois, por um lado, a sua
Lisboa. A missão destas Irmãs prendia-se com a miséria e mendicidade. Certamente impressionada iliteracia dispensava-a naturalmente da função de
educação, a assistência social, o apoio na área da pelo sofrimento dos outros, tal como na infância professora de meninas e, por outro, quer a
saúde e a pastoral missionária. Actualmente, a fora fortemente impressionada pelo sofrimento de instabilidade do seu estado de saúde quer a fama
Congregação já não apresenta membros em Portugal. Cristo crucificado, Elisabeth Eppinger compreendeu bífida que a perseguia – autêntica ou hipócrita mística
A última referência surge no Anuário Católico que que a assistência comunitária, nas dimensões – comprometiam a instituição. Com o nome de
abrange o período entre os anos 1995 e 1998. participativa e mitigante da dor do outro, constituía Afonso Maria de Ligório, a 20 de Dezembro de
Contudo, as Irmãs continuam a espalhar o ideário o elemento catalizador que mantinha a proximidade 1848, consagrou-se a Deus por votos privados
do seu Fundador por outras paragens do mundo. do ser humano a Cristo. Assim, com indefectível inspirados nas exigências da vida religiosa. Nos finais
decisão, acompanhada pelo P.e Reichard e por quatro de Setembro de 1848, no seguimento de uma
BIBLIOGRAFIA: www.sanjosemariaroblesh.org. jovens postulantes, funda um pequeno convento iluminação interior, Elisabeth manteve-se determinada
(Kloesterlé) em Niederbronn, no dia 28 de Agosto em fundar um instituto religioso de prestação de
PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA de 1849. Com a aprovação do Bispo de Estrasburgo, serviços domiciliários, projecto bem delineado, ao
Mons. Raess, as portas abriram-se para dar abrigo qual não foi despiciente a sua experiência pessoal
às vítimas de mendicidade e prestar cuidados e familiar. A 22 de Janeiro de 1849, o projecto
IRMÃS DO SANTÍSSIMO SALVADOR domiciliários, uma novidade na época. As Irmãs intitulado Congregação das Filhas do Divino Redentor,
A Congregação das Irmãs do Santíssimo Salvador distinguir-se-iam por anteciparem um estilo relacional para o cuidado dos doentes pobres e assistência a
(ISS), vulgarmente conhecida pela denominação Irmãs de intervenção social directa. outros pobres, erigido em honra do Divino Coração
de Niederbronn, foi fundada a 28 de Agosto de Até à fundação da Congregação, a biografia de de Jesus e do Coração Imaculado de Maria, sob
1849, em Niederbronn-les-Bains, França, por Elisabeth Elisabeth Eppinger recorta-se em duas secções: a invocação do S.to Afonso Maria de Ligório e de S.ta
Eppinger, em estreita colaboração com o P.e Jean- doméstica e a mística. Nascida em Neiderbronn-les- Teresa, foi submetido a aprovação episcopal. Recebida
-David Reichard, pelo que é unânime considerá-lo -Bains, Alsácia, no ano de 1814, era a mais velha autorização, no dia 28 de Agosto de 1849, Elisabeth
Co-Fundador. de 11 filhos de uma família de lavradores católicos. deixou as Irmãs de Ribeauvillé e instalou-se no novo
A Fundadora inspirou-se na caridade e na compaixão, O insucesso escolar, derivado da incapacidade em e pequeno Convento de Niederbronn. A 10 de
entendidas no sentido evangélico mais directo. Se reter na memória a informação transmitida, o auxílio Setembro de 1849, aos 35 anos de idade, recebeu

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DO SANTÍSSIMO SALVADOR

o hábito religioso, tomou oficialmente o nome de tério pastoral, atendendo particularmente aos mais
Ir. Afonso Maria e foi nomeada pelo bispo Superiora desfavorecidos e isolados.
Geral. Seguiu-se, a 27 de Dezembro de 1849, a O serviço assistencial decorrente do carisma das
formação do primeiro Noviciado e, dias depois, a 2 Irmãs de Niederbronn caracteriza-se pela diversidade,
de Janeiro de 1850, a profissão religiosa. A partir quer na modalidade de prestação de serviços de
deste momento, a biografia de Elisabeth Eppinger saúde ao domicílio quer em regime de internato.
confunde-se com o ideal de vida da Congregação: Inicialmente vocacionado para a área da saúde,
oração e missão. exercendo-se em clínicas, hospitais, maternidades,
Uma vez estabelecida, a Congregação conheceu dispensários, sanatórios e domicílios, depressa se
grande sucesso. Em Abril 1850 já contava com 60 estendeu a lares de terceira idade, orfanatos
membros e rapidamente se estendeu no perímetro (Niederbronn, Novembro de 1849) e paróquias.
do condado de Hanau-Lichtenberg, de religião A necessidade de dotar as irmãs com uma
protestante desde 1570, prestando um trabalho qualificação profissional ajustada às funções exercidas,
assistencial de grande seriedade e não discriminatório. levou a Congregação a fundar escolas próprias, que
O aumento de postulantes tornou inadiável a aqui- cedo começaram a admitir estudantes da comu-
sição de novas instalações, razão que justificou a nidade. Em 1919, foi criada a primeira Escola de
aquisição, a 17 de Dezembro de 1857, de uma casa Enfermagem, anexa à Clínica S. ta Odília, em
em Oberbronn, localidade a três quilómetros de Estrasburgo, e reconhecida oficialmente pelo
Nierderbronn, tendo o Instituto sido aí instalado no Ministério do Interior da Alsácia-Lorena. Em 1937,
Verão de 1858. foi fundada a primeira Escola de Educadores de
O reconhecimento da Congregação pelo Estado Infância no Orfanato de Thann, a qual estava filiada
francês foi dado por Decreto Imperial de Napoleão na Associação dos Centros de Formação de
III, em Novembro de 1854, enquanto o reconhe- Educadores de Infância. Pouco depois de 1926, na
S.to Afonso Maria de Ligório (FF)
cimento da Igreja foi obtido gradativamente. Assim, clínica de Colmar, foi aberta uma escola para
não obstante o Vaticano ter concedido, a 3 de Março formação de Assistentes Sociais. A qualidade do
de 1863, o Decreto de Louvor que ratificou o espírito místicos de Elisabeth, tendo enfrentado obrigações serviço assistencial, a disponibilidade e a mobilidade
e a orientação da Congregação, foram recomendadas e inconvenientes que o caso Eppinger suscitou, como foram, por certo, factores decisivos para o cres-
várias alterações, nomeadamente a mudança de também foi o primeiro colaborador da Obra e cimento e implantação territorial da Congregação.
nome Filhas do Divino Redentor, a fim de evitar primeiro superior eclesiástico. Mereceu por isso ser A implantação operou-se por três fases: a regional,
confusões com outro instituto existente. A partir de reconhecido como Co-Fundador. a europeia e a evangelizadora. Numa fase inicial,
então, a família religiosa da Madre Afonso Maria Para suceder à Fundadora, o Capítulo Geral de 22 como resposta a solicitações provenientes de párocos,
designar-se-ia Congregação das Irmãs do Santíssimo de Setembro de 1867 elegeu a Ir. Maria Adelinda a Congregação estende-se regionalmente em várias
Salvador. A 11 de Abril de 1866, foi publicado o (Oberbronn, 05.11.1835 – Niederbronn, 09.05.1885), direcções, surgindo, só durante o ano de 1850, oito
Decreto de Aprovação Provisória dos Estatutos em da Comunidade de Munique. Uma vez que se fundações no perímetro de Niederbronn, preci-
vigor, a chamada Regra Primitiva, o que desde logo impunha prioritariamante a revisão das Constituições, samente, Reichshoffen, Brumath, Mommenheim,
permitiu aceder a um lugar na Igreja, mas para a Ir. Maria Adelinda solicitou ao P.e Sattler, sucessor Andlau, Hochfelden, Haguenau, Wasselonne e
efeitos de reconhecimento dos Estatutos Definitivos de Reichard, essa tarefa de ordem institucional. Neunhoffen. A fase europeia da implantação decorreu
foi exigida a superação de lacunas relativas à O novo texto, produzido pelo P.e Sattler em conjunto entre os anos de 1953 a 1865 e deveu-se inicialmente
organização interna. Tal trabalho restruturante com Mons. Stumpff, Superior do Grande Seminário a dois factores determinantes: à cólera que em 1854
transitou para a segunda superiora geral, posto que de Estrasburgo, suscitou a forte oposição das Irmãs se abateu sobre a Alsácia e à Guerra da Crimeia
Elisabeth Eppinger e o P. e Jean-David Reichard, por estar inteiramente desajustado do espírito da (1854-1856). Ambos os acontecimentos exigiram a
redactores do documento original, faleceram pouco Congregação. Mons. Raess solicitou então ao Cónego presença dedicada das Irmãs nos hospitais ambulantes
tempo depois e com poucos dias de diferença: ele Jacques-Ignace Simonis, professor no Seminário de ou nos campos de batalha para tratamento imediato
a 24 de Julho de 1867 e ela uma semana depois, Estrasburgo, a redacção de Estatutos oficiais, cuja de feridos. Por solicitação de entidades seculares e
no dia 31. Elisabeth tinha 53 anos de idade e 18 estrutura organizativa decorresse da substância religiosas, a Congregação passou a estar presente
de vida consagrada. O funeral realizou-se a 1 de espiritual da Congregação. Depois de elaborados e nas grandes Dioceses de Wurzbourg (Alemanha),
Agosto, dia de S. to Afonso Maria de Ligório, apresentados, foram aprovados definitivamente por em 1854, de Viena de Áustria, em 1857, e de Raab
Padroeiro da Congregação. Por essa altura, segundo Decreto romano de Maio de 1870. Dois anos depois, (Sopron, Hungria), em 1863.
dados registados nos princípios do ano 1866, a em 1872, o Cónego Simonis (Ammerschwir, A dinâmica expansionista da Congregação foi
Congregação contava com 700 irmãs distribuídas 12.03.1831) seria nomeado para novo Superior afectada por um cisma determinado por três factores:
por 83 comunidades, estabelecidas em 15 dioceses Eclesiástico da Congregação, onde exerceu funções a inexistência de estatuto jurídico para os institutos
europeias. A tendência regressiva das vocações até 1903, tendo sido considerado, pela sua dinâmica femininos, o qual garantiria independência face aos
verificada na Europa durante os últimos decénios empreendedora, o segundo Fundador. Registe-se bispos locais durante o período de processamento
reflecte-se nos dados de 2004: 1776 irmãs. que a actual Regra de Vida, com aprovação romana do Decreto de Aprovação Definitiva; a dependência
Sobre Jean-David Reichard (Wasselonne, Alsácia, de 21 de Novembro de 1984, cumpre as recomen- económica dos bispos, os quais, ao suportarem as
17.10.1796), em nota biográfica mínima, há a referir dações do Vaticano II e reitera o carisma inicial: despesas das comunidades, consideravam natural o
a sua formação no Seminário de Estrasburgo, contemplar Cristo em todos os mistérios da Paixão, exercício da sua autoridade; a difícil comunicação
ordenação em Junho de 1819 e nomeação para viver em comunidades fraternas e colaborar com a com a Casa-Mãe a fim de solicitar recomendações
Padre de Niederbronn, a 20 de Fevereiro de 1823. Igreja na sua acção evangelizadora, comprometendo- atempadas, o que obrigou cada comunidade a
Não só foi testemunha privilegiada dos fenómenos -se nos serviços da saúde, da educação e do minis- procurar apoio local e a realizar alterações funcionais

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DO SANTÍSSIMO SALVADOR

pontuais relativamente à organização de base da comprometidas com o trabalho assistencial, a sua O caso de Portugal é ilustrativo da presente crise
Congregação. Estes factores, ao conjugarem-se, presença impôs-se nos hospitais. Em Março de 1938, de vocações na Europa, o que compromete o
concorreram para a separação de algumas comu- regista-se a sua participação na direcção do Hospital crescimento de estabelecimentos da Congregação
nidades de nível diocesano, que se metamorfosearam Central de Luanda e, em 1947, três irmãs foram e tem levado à reconfiguração de províncias e
em novas fundações, não obstante a fidelidade ao integradas no Hospital Regional de Benguela, delegações. Porém, este fenómeno não se regista
carisma assistencial, uma espécie de património espi- enquanto uma outra foi enviada para a estação de na Índia ou em África, onde o ritmo de admissão
ritual comum. Assim, entre 1864 e 1866, a fundação Quipeio. Novas fundações surgiram em Ganda e de noviças é positivo. Sem dados actualizados, a
de Viena deu nascimento à Kongregation der Galangue no ano de 1949. Assinale-se que, a 27 última estatística publicada data de 1949, por ocasião
Schwestern vom Göttlichen Erlöser, a fundação de de Setembro de 1947, abriram o Noviciado em da comemoração do centenário, e registava 691
Sopron originou a Kongregation der Schwestern Quipeio, na Diocese de Nova Lisboa. Contudo, o fundações e 5200 religiosas. De momento, existem
vom Göttlichen Erlöser, cuja sede se encontra em movimento de expansão missionária em Angola na Europa duas províncias: a francesa, que inclui a
Roma, e a fundação de Wurzbourg passou a interrompeu-se no período da Guerra Colonial de portuguesa, e alemã, que inclui a austríaca e a
designar-se como Kongregation der Schwestern des 1961-1974. Mas até essa data, a necessidade da holandesa. A província belga foi encerrada e fora
Erlöser. Anos mais tarde, em 1917, constituir-se-ia presença de mais irmãs em Angola levou, em 1956, da Europa a presença das Irmãs confirma-se em
um outro ramo, precisamente a Kongregation der à abertura de uma casa em Portugal para estudar Angola, Camarões, Índia e Argentina. Mais pertinente
Töchter vom Allerheiligsten Heiland, sediada em a língua e apoiar a missão angolana. Logo se que a apreciação da tendência retráctil das províncias
Bratislava. justificou a criação da Província Portuguesa, cuja europeias foi a reflexão, no último Capítulo Geral
Como se não bastasse o cisma, a Congregação das sede se localizou em Lisboa, onde a Ir. Ireneia, de (Oberbronn, Agosto de 1994), sobre a capacidade
Irmãs do Santíssimo Salvador esteve sujeita a um origem francesa, passou a dirigir um lar para jovens da Congregação em garantir, face às mundividências
processo de partilha territorial assaz perturbador. raparigas estudantes de enfermagem. A primeira contemporâneas e à complexa situação do ser
Em Julho de 1870 rebentou a guerra entre a França irmã do Santíssimo Salvador de nacionalidade humano e do mundo, a vitalidade assistencial
e a Alemanha, após este país ter tomado partido portuguesa foi Sofia de Oliveira Dias, que entrou na decorrente do seu carisma. Aí se considerou que
contra os interesses franceses na questão dinástica Congregação em França, na Casa-Mãe de Oberbronn, perante as três grandes determinantes do mundo
espanhola. Niederbronn ficaria no centro das batalhas logo após a Segunda Guerra Mundial, a 8 de Setem- actual – Mudança, Globalização e Marginalização –
em Agosto e as Irmãs, sem atenderem à naciona- bro de 1945. Com o início da Guerra Colonial, o se impunha garantir o discernimento evangélico na
lidade dos feridos, cuidavam prontamente de todos. Noviciado de Quipeio foi transferido para o Vale de acção de cuidar os outros e, para tal, firmar a
A derrota das tropas francesas levou à reconfiguração Santarém, no ano de 1965, o qual viria a ser importância dos votos de obediência, pobreza e
de fronteiras territoriais e a Alsácia, antes francesa, encerrado após 25 de Abril de 1974 devido, por um castidade.
foi integrada no estado alemão. Portanto, em Janeiro lado, à independência de Angola e, por outro, à Todo o espírito assistencial da Congregação está
de 1871, a Congregação passou a ser alemã e a falta de vocações portuguesas. A última noviça do expresso num logótipo circular constituído pelas
Casa-Mãe separou-se das comunidades situadas em Vale de Santarém foi a Ir. Maria Isabel Neto Carlos. figuras de dois semicírculos que servem de cercadura
França. Contudo, no final da Primeira Grande Guerra, Após o Movimento das Forças Armadas a 25 de a uma fonte a jorrar água. O semicírculo inferior é
por imposição do Armistício assinado a 11 de Novem- Abril de 1974, com a concessão de independência desenhado em linha simples e o superior é
bro de 1918, a Alsácia voltou a ser francesa e a a Angola (11.11.1975) e o encerramento do contornado por um listel com a frase Haurietis aquas
Casa-Mãe ficou, dessa vez, separada das comuni- Noviciado, o Capítulo Geral de 1976 decidiu a in gaudio de fontibus salvatoris (Is. XII, 3). Embora
dades situadas em território alemão. A postura de integração da Província de Portugal na Província de o logótipo possa potencialmente concentrar vários
independência adoptada pelas Irmãs evidenciou a França. A partir de então, e sempre por solicitação níveis de interpretação, há uma referência directa
sua capacidade de adaptação a contextos diversos de entidades várias, como bispos e párocos ou a ao facto de Nierderbronn ser uma conhecida
e a sua inquebrantável obediência ao espírito Federação Nacional de Institutos Religiosos, registou- localidade termal dos Vogues explorada desde os
assistencial da obra de Elisabeth Eppinger. -se a abertura de comunidades em Cinfães (1970- romanos. Se a água a jorrar da fonte simboliza
A fase evangelizadora da Congregação começou -1973), Rio Maior (08.09.1974 – 31.07.1977), vitalidade, determinação e partilha, significados
em 1926, com o apelo do Papa Pio XI lançado aos Santarém (26.9.1978), Foros de Salvaterra inerentes ao carisma assistencial da Congregação,
cristãos a favor da evangelização (Encíclica Rerum (04.12.1989 – Julho de 1999) e Tavira, esta de a frase vetotestamentária que encima anuncia, pelo
ecclesiae). O apelo encontrou eco na Congregação brevíssima duração (1988-1989). Entretanto, em prodígio que pode operar, “Tirareis com alegria
e a Madre Virgínia (1874-1950), a Superiora Geral, Braga, em Setembro de 1997, abriu-se uma casa águas das fontes da salvação”, um horizonte de
executou com perseverança e prudência os planos para irmãs estudantes provenientes de Angola, cuja esperança. Parte da frase latina, de fontibus salvatoris,
de instalação de comunidades, de modo que, em actual superiora é de naturalidade francesa. No é reproduzida no verso da cruz peitoral usada como
1931, partia um grupo de irmãs para a África do momento presente, e depois de encerrada a casa insígnia, cuja frente reproduz, numa estilização sóbria,
Norte, primeiro para a Tunísia e quatro anos depois de Lisboa, Santarém passou a sede a partir de 1 de Cristo crucificado. Outra insígnia é a aliança singela.
para a Argélia. Em 1936, um outro grupo dirigiu- Novembro de 2004. Aí residem três das quatro irmãs A Congregação há muito que renunciou aos austeros
-se em direcção aos Camarões e Angola, então do Santíssimo Salvador de nacionalidade portuguesa: hábitos pretos de véus brancos ou totalmente bran-
província ultramarina de Portugal, seguindo-se, em Maria Helena Tavares Caetano (27.02.1947), cos, estes usados em regiões quentes. Actualmente,
1952, o Senegal, Tanzânia e Togo. Em 1973 iriam Superiora da comunidade, Delegada das comuni- as Irmãs seguem modestamente as tendências das
para a Índia. Assim, de umas fundações ganhou-se dades portuguesas e enfermeira, Sofia de Oliveira roupas seculares ocidentais ou recorrem ao sari
balanço para outras e a obra de Elisabeth Eppinger Dias (13.01.1920), anterior Superior da Província e quando estão na Índia.
chegou a três continentes. da Comunidade de Lisboa, reformada, Maria Isabel Do ponto de vista organizacional, a Congregação
Relativamente a Angola, as Irmãs de Niederbronn Neto Carlos (04.01.1942), dedicada à animação compreende o Capítulo Geral e o Conselho. O pri-
começaram por se instalar em Bimbe, no dia 17 de pastoral, à catequese e ao voluntariado, e Ana Paula meiro é um órgão deliberativo e executivo constituído
Outubro de 1936, e, dois meses depois, criaram Frias Marques Cruz (12.01.1947), que se encontra por capitulantes eleitas e elegíveis, provenientes de
uma pequena comunidade em Cuando. Sempre a viver na Casa-Mãe como tradutora. todas as Províncias, e dirigido pela Superiora Geral,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DOS VELHINHOS

apoiada em secretárias, tradutoras e outras técnicas do Santíssimo Salvador, Trad. do francês, s.n., Porto, Jugan tomou o nome de Ir. Maria da Cruz e foi
adjuvantes. Reúne ordinariamente de 6 em 6 anos 1985; CHAEFFER, Chanone, Les Soeurs du Três Saint reconhecida pelas Irmãs como Madre Superiora, a
e a ele podem silenciosamente assistir as capitulantes Sauveur: Niederbronn, Lyon, Mce Lescuyer et Fils, quem fizeram votos de obediência. As iniciativas das
observadoras. No Capítulo Geral cabe pronunciar- 1949; G ALVÃO , Lúcilio N., “Elisabeth Eppinger, a associações femininas em favor dos desprotegidos
-se sobre o estado geral da instituição, tomar extática de Niederbronn e os grandes desafios da só eram aceites, em França, no séc. XIX, em regi-
conhecimento da situação de cada província, apreciar hora actual”, in Vida Consagrada, n.º 215, Ano 19, me de voluntariado. Os meios de subsistência da
a situação financeira e proceder a eleições. Cada s.l., Ed. FNIRF/CNIR, Julho de 1999, pp. 256-262. Comunidade e de 26 velhinhas e um velhinho
sessão capitular é precedida por um retiro. provinham da colecta de dinheiro, géneros, comida
O Conselho é uma instância presidida pela Superiora MARIA TERESA C. S. GONÇALVES DOS SANTOS e roupas que Jeanne Jugan e outras irmãs obtinham,
Geral, eleita de 6 em 6 anos, que conta com a mendigando em mercados e nos navios no porto
colaboração de quatro assistentes, uma secretária e de S. Malo.
uma ecónoma. Cumpre à Superiora Geral nomear IRMÃS DOS VELHINHOS
as Mestras de Postulantes, as Mestras de Noviças e As Irmãs dos Velhinhos, também denominadas
as Superioras Locais. Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados, são uma
A formação apostólica das Irmãs do Santíssimo congregação religiosa de Direito Pontifício fundada
Salvador distingue as fases do Postulado, Noviciado, a 27 de Janeiro de 1873, com aprovação definitiva
Junoriado e Profissão. A formação das postulantes das suas Constituições a 16 de Agosto de 1897,
tem a duração mínima de seis meses, a das noviças pelo Papa Leão XIII. Estas Irmãs têm por missão
decorre durante dois anos e o Junoriado demora específica e carisma “o exercício da caridade cristã
três a nove anos, porém todos estes períodos são no serviço, cuidado e assistência às pessoas idosas,
flexíveis para se poder atender ao ritmo de de ambos os sexos que sejam postos ao cuidado da
maturidade interior. A todas é exigido um período congregação, preferencialmente os pobres” (Const.
de permanência na Casa Mãe, a fim de interiorizarem n.º 4).
o espírito congregacionista e de se apurarem no A Congregação das Irmãzinhas dos Anciãos
francês, a língua oficial. Desamparados tem a sua origem e inspiração na
A Casa-Mãe é a sede oficial da Congregação, Congregação das Irmãzinhas dos Pobres, fundada
constitui o centro administrativo e nela residem a em França por Jeanne Jugan, aprovada por Decreto
Superiora Geral e as irmãs colaborantes. Também Pontifício de Pio IX, a 9 de Julho de 1854.
Livro Anales de las Hermanitas de los Ancianos Desamparados (I)
serve de lugar de encontro de todas as irmãs e aí Jeanne Jugan nasceu em Cancale (Bretanha) a 25
se realizam actividades de formação, reuniões de Outubro de 1792. Cresceu órfã de pai, num
internacionais e o Capítulo Geral. A Casa-Mãe ambiente de extrema pobreza, em que ela e os Em 1843, a Ir. Maria da Cruz foi reeleita Superiora,
ramifica-se em comunidades provinciais, onde se dá irmãos dependiam dos magros proventos angariados mas o P.e Pailleur decidiu, sem que se saiba porquê,
cumprimento ao voto da vida fraterna, e no caso pela mãe que trabalhava como lavadeira. Desde os anular a votação das Irmãs e colocar no lugar da
de Estrasburgo incorpora um grupo constituído por 16 anos que Jeanne Jugan, então empregada irmã superiora, Maria Jamet, uma jovem de 23 anos.
leigos que concretizam secularmente a vivência do doméstica, se dedicava a obras de caridade junto Jeanne Jugan tinha, então, 51 anos. A Ir. Maria da
carisma. O quotidiano de cada comunidade, despo- de idosos e doentes, tarefa que continuou durante Cruz, cumprindo o voto de obediência, aceitou a
jado de cerimonialismo, está marcado pela oração os seis anos que trabalhou no Hospital Rosais em ordem com humildade. Em 1844, a Associação
(laudes, vésperas e completas), pela meditação, Saint-Servan, uma pequena cidade da Bretanha passou a denominar-se Irmãs dos Pobres e, depois,
recitação do terço, participação diária na missa e defronte de S. Malo, onde a mendicidade era o Irmãzinhas dos Pobres. Fizeram votos privados de
devoção aos seus padroeiros, S. José, S.to Afonso único recurso das muitas mulheres e órfãos dos pobreza e hospitalidade e começaram a usar uma
e S.ta Teresa de Ávila. Além da liturgia, cada uma pescadores que desapareciam no mar. espécie de uniforme com um pequeno crucifixo e
das irmãs é mobilizada para actividades sociais Foi em Saint-Servan que Jeanne Jugan entrou para um cinto de couro. Em 1845, a Academia Francesa
diversas em função da sua formação de base e dos a Sociedade do Coração da Mãe Admirável, Ordem atribuiu a Jeanne Jugan o prémio anual Montyon,
seus locais de realização. Acresce ao quotidiano a Terceira Eudista (S. João de Eudes, 1601-1680) que, destinado a um francês pobre, autor da acção mais
consagração, pelo menos uma hora por semana, à tradicionalmente, se dedicava a socorrer mulheres digna de mérito. Com esse dinheiro puderam ampliar
formação religiosa, como seja, por exemplo, ler ou pobres e excluídas da sociedade. No apartamento a Obra. Reconhecida como Congregação Religiosa
assistir a uma conferência. Cumpre ainda participar que partilhava com outras associadas, albergou Ana pelo Ordinário de Rennes, a 29 de Maio de 1852,
em retiros, num mínimo de cinco dias por ano, e Chavin, uma viúva pobre e cega, a primeira de muitas o P.e Le Pailleur foi reconhecido como Superior Geral
colaborar na redacção de relatórios morais que, de outras indigentes que foram recolhendo. Graças a e Maria Jamet como Superiora Geral. A Ir. Maria da
acordo com uma grelha de reflexão, permite avaliar um pequeno pecúlio deixado pela eudista Cruz (Jeanne Jugan) foi remetida para trabalhos
a vida religiosa em comum. Mademoiselle Lecoq e ao trabalho de Fanchon menores dentro da comunidade e afastada dos
(Françoise Aubert), conseguiram alojar e proteger benfeitores, tinham-lhe “tirado a obra” como ela
BIBLIOGRAFIA: BICHO, Joaquim, FERREIRA, Domingos cada vez maior número de pessoas que as própria referiu. Em Julho de 1854, o Papa Pio IX
(coordd.), “Irmãs do Santíssimo Salvador”, in Diocese procuravam. O grupo foi crescendo e formou uma aprovou as Constituições ad experimentum e a
de Santarém 25 anos: Memórias, Vida e Projecto, comunidade religiosa que, com a ajuda do P. e aprovação definitiva das mesmas concretizou-se por
Santarém, Ed. da Diocese de Santarém, 2001, p. Auguste Marie Le Pailleur, formaram, a 15 de Breve de Leão XIII a 1 de Março de 1879. Quando
338; Instruções Madre Afonso Maria; Nas Fontes do Outubro de 1840, uma associação de caridade que a Ir. Maria da Cruz faleceu a 28 de Agosto desse
Salvador: Madre Afonso Maria e as Irmãs do adoptou o regulamento elaborado pelas Irmãs e ano, a Congregação contava 177 casas na Europa,
Santíssimo Salvador, Trad. de Véronique Balula et pelo pároco. A 29 de Maio de 1842, tornaram-se, América, África e Ásia. Em Espanha, as primeiras
al., Paris, Ed. Fleurus, 1991; Regra de Vida das Irmãs oficialmente, nas “Criadas dos Pobres” e Jeanne casas da Congregação das Irmãs dos Pobres foram

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃS DOS VELHINHOS

fundadas em Barcelona, Manreza e Granada, em desde a primeira hora, é considerada Fundadora do


1863. Em 1872, quando chegaram a Huesca já havia Instituto. Em 1876, quando ainda só tinham duas
dez casas no país. Em 1884, a Congregação casas, obtiveram o Decreto de Louvor do Papa
estabeleceu-se em Portugal: primeiro em Lisboa, Pio IX; a 19 de Agosto do ano seguinte, Roma
depois no Porto, Covilhã e Funchal. Esse ramo da aprovava o Instituto, e, a 16 de Agosto de 1897,
Congregação continua a estar sob a denominação as Constituições, redigidas pelo P.e Saturnino, foram
de Irmãzinhas dos Pobres, com casas na R. de aprovadas pelo Papa Leão XIII.
Campolide, 163, em Lisboa, e também na R. do Quando Teresa de Jesus Ibars faleceu, a 26 de Agosto
Pinheiro Manso, 217, no Porto. de 1897, a Obra contava 103 casas e 1090 religiosas
O P. e Saturnino Lopez Nóvoa (29.11.1830- e tinha 5 lares em Cuba, um na Colômbia, 2 em
-12.03.1905), natural de Sigüenza (Guadalajara – Porto Rico e 2 Noviciados. Oito anos depois, à data
Espanha), oriundo de uma família pobre e órfão de da morte do P.e Saturnino, havia 134 lares e a Obra
Vista anterior do edifício onde se localiza a Casa de Chaves (I)
mãe, era pároco diocesano, com larga experiência alargava-se ao Perú e ao México. Em 1889, Madre
pastoral e muito dedicado a obras de beneficência. Teresa de Jesus foi reconhecida como Primeira
Preocupava-se com a situação dos pobres e indigentes Irmãzinha Fundadora, beatificada a 27 de Abril de e peruanas. Começaram a desenvolver a sua activi-
de Barbastro, uma pequena cidade do Distrito de 1958 e canonizada a 27 de Janeiro de 1974, dade com 12 idosos e têm hoje 134, que esgotam
Huesca, nos Baixos Pirinéus, onde exercia, então, as encerrando com a canonização o centenário de a lotação da Casa de S.ta Marta, sita na R. Alferes
funções de Secretário do Bispo de Barbastro e Deão fundação do Instituto. João Batista, em Chaves. Durante estes anos, foram
da diocese. O apoio que o P.e Saturnino procurava Em 2005, o Instituto dispunha de 2105 irmãs, atendidas 1340 pessoas. O meio de subsistência da
para tratar os doentes, mendigos e moribundos distribuídas por 211 lares ao serviço de idosos, na comunidade e o desenvolvimento das obras de
enquadrava-se no carisma da Congregação das Alemanha, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, beneficência advinha, até há pouco tempo, de
Irmãzinhas dos Pobres, que ali fundaram, em 1872, Cuba, Equador, Espanha, Itália, México, Moçambique, esmolas recolhidas pelas religiosas, por doações e
a sua 126.ª casa. No ano seguinte, o P.e Saturnino Peru, Porto Rico, Portugal, República Dominicana e pela exploração de quintas pelas próprias irmãs, com
decidiu formar uma congregação especialmente Venezuela. Em 2008, contavam com lares também ajuda de alguns protegidos. Actualmente, para além
destinada aos anciãos desamparados e reuniu, a 12 nas Filipinas e em Guatemala. dos donativos, beneficiam de acordos de cooperação
de Outubro de 1872, o primeiro grupo de jovens Quanto à sua organização e hierarquia, a Congre- com a Segurança Social e recebem uma parte do
que, a 27 de Janeiro de 1873, tomaram o hábito gação é orientada pelas Constituições e pelo valor das aposentações dos idosos. A acção das
da nova Congregação. Entre essas jovens, encontrava- Directório, é regida pelo Conselho Geral, constituído Irmãzinhas foi reconhecida pela autarquia, a qual
-se Teresa Jornet e Ibars, nascida a 9 de Janeiro de por sete membros, eleito por nove anos, renovável concedeu a “Medalha de Mérito, grau ouro, pelos
1843, na pequena localidade catalã de Aytona por igual período. Conta com dez Conselhos
(Lérida). Teresa Ibars tinha sido professora e noviça Provinciais, constituídos por cinco membros, cujos
das Clarissas. Saiu desta ordem por doença, mas três primeiros são por nomeação do Conselho Geral
antes de ir para a clausura, tinha já colaborado, sem e os outros dois por eleição das irmãs da respectiva
compromisso, ou vínculo algum, na obra do P. e Província e por um prazo de seis anos, renováveis.
Palau, voltando a colaborar após a sua saída das Os Conselhos Locais têm cinco membros, sendo o
Clarissas. Entusiasmada com o projecto do P. e processo de nomeação igual ao dos Conselhos
Saturnino, decidiu entrar para a nova Congregação. Provinciais. O percurso de formação das Irmãzinhas
é regulado pela lei geral da Igreja e consta de um
período, sem tempo determinado, de Pré-
-Postulantado, que chega a ser de nove meses
quando as condições da aspirante o requerem, 2 Actividades ao ar livre, caminhadas (I)

anos de Noviciado e 7 anos para os votos tem-


porários. Os currículos e planos de formação são relevantes serviços à comunidade concelhia” e
elaborados pelo Conselho Geral e por uma equipa atribuiu os nomes de Madre Teresa Jornet, do P.e
formadora. Os Pré-Postulantados existem em países Manuel Pita e do Asilo a artérias da cidade.
onde são necessários para aferir vocações e/ou para
formação inicial das aspirantes. As restantes etapas BIBLIOGRAFIA: Imprensa: Anuário Católico de Portugal
centram-se em Espanha, México, Peru e Colômbia. 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
Conhecidas como Irmãs dos Velhinhos em Portugal, Episcopal Portuguesa, 2007, p. 901; AUBINEAU, León,
as Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados chega- Jeanne Jugan et les Petites Soeurs des Pauvres, 2ème
ram ao nosso país a 1 de Dezembro de 1936, por ed., Paris, Librairie Victor Lecoffre (Emile Colin),
particular diligência do P.e Manuel José Pita Lages 1895; AUBINEAU, Léon, História das Irmãzinhas dos
(Chaves, 1874 – Lisboa, 1951), que foi missionário Pobres, Extraída da Obra Intitulada Os Servos de
no Oriente. Sediaram-se em Chaves, Diocese de Vila Deus, Porto, Typographya da Palavra, 1885; GOMES,
Livro Santa Teresa de Jesus Jornet: Refúgio dos Anciãos (I) Real, prosseguindo o ideário das suas Constituições Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede,
“Ide por todo o mundo no serviço, cuidado e Lisboa, Paulinas, 1994, p. 67; MILCENT, Paul, Jeanne
Em Maio de 1873, a Comunidade estabeleceu a assistência espiritual e material das pessoas idosas”. Jugan: Fundadora das Irmãzinhas dos Pobres, Lisboa,
Casa-Mãe em Valência. Teresa Jornet, Ir. Teresa de A comunidade era formada, em 2005, por 12 Tipografia Coelho Dias, Lda., 1982; MURRAY, Bruno,
Jesus em religião, foi nomeada Superiora Local e, religiosas (duas de votos temporários) de diferentes As Ordens Monásticas e Religiosas, Mem Martins,
mais tarde, Madre Geral. Pelo seu empenhamento nacionalidades: portuguesas, espanholas, brasileiras Edições Europa-América, Lda., 1989; VASCONCELOS,

460
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃZINHAS DA ASSUNÇÃO

Evaristo de, sj, Religiosas: Selecção sobre os Institutos Num dia de Maio de 1864, Marie Maire e uma amiga receberam votos privados de pobreza, castidade e
Religiosos Femininos Existentes em Portugal, Braga, apresentaram-se no confessionário do P.e Pernet obediência em 1866. A Obra era, então, conhecida
Mensageiro do Coração de Jesus, 1957, pp. 197- para lhe pedir que lhes arranjasse emprego. Animado pelas Enfermeiras dos Pobres, ou pelas Pernettes
-199. Digital: http://chaves.blogs.sapo.pt/arquivo/ pela divisa apostólica da sua Congregação, que se (referência ao Fundador). A 15 de Agosto de 1867,
1054850.html. traduzia em restabelecer o Reino de Cristo, tanto por ocasião dos votos perpétuos da Madre Maria
entre os assuncionistas como entre os homens (o de Jesus, tomaram o nome de Irmãzinhas da
ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU próximo), o P.e Pernet propôs-lhes a tarefa de cuidar Assunção. A 24 de Junho de 1870, o P.e Pernet deu
de enfermos. Marie, então com mais de 30 anos, conhecimento da Ordem ao papa. Usavam, então,
reuniu mais três jovens dispostas a ocupar-se de um vestido negro de peregrino, um bonezinho negro
IRMÃZINHAS DA ASSUNÇÃO, doentes. Faziam-no gratuitamente em relação aos em tule de algodão e, de inverno, um casacão por
Congregação das pobres, e cobrando aos que tinham meios para pagar. cima. O sinal da Congregação era marcado por um
Com o nome oficial de Delegação Regional Portuguesa O número de pobres que procuravam ajuda era cada crucifixo à cintura. Em 1874, o hábito era formado
da Congregação das Irmãzinhas da Assunção, as vez maior e o pagamento que recebiam era pouco. por um vestido de pregas largas, um véu grande
Irmãzinhas da Assunção (IA) são uma congregação Decidiram, então, tomar como regra das futuras branco, touca e escapulário. O toucado, que passou
religiosa feminina de voto simples e de Direito Constituições que só aceitariam os mais pobres a a cingir a fronte, só foi somado ao hábito a 2 de
Pontifício, com aprovação definitiva das suas quem tratariam “a troco de nada”. O P.e Pernet Julho de 1875, dia em que Madre Maria de Jesus
Constituições em Julho de 1901, por Leão XIII. Esta cuidava da ajuda material do pequeno núcleo que e 30 das suas filhas foram admitidas a profissão
Congregação foi fundada em Paris, pelo P.e Etienne vivia, então, num pequeno quarto alugado na R. regular.
Pernet, religioso dos Agostinhos da Assunção, e por Vaneau. Apesar da vida edificante que levavam, No seguimento da petição “Meu Deus realizai a
Antoinette Fage, em 1865, e tem por lema a máxima nenhuma destas beneméritas raparigas foi unidade dos espíritos na verdade, e a união dos
agostiniana Adveniat Regnum Tuum. considerada com aptidões para fundadora oficial da corações na caridade”, que repetia vezes sem conta,
Etienne-Claude Pernet nasceu a 23 de Julho de 1824, Congregação. o P. e Pernet queria aproximar as classes sociais,
em Velloxon (alto Sâone), filho de Claude Louis Pernet, Em 1864, o P.e Pernet encontrou Antoinette Fage, acreditando que, assim, facilitaria o trabalho de
ferrador, e de Madeleine Cordelet, parteira, que que dirigia um orfanato no Boulevard Montparnasse, regeneração material e moral dos operários. Para
cuidava de enfermos, a quem chamavam Madeleine, n.º 28. Antoinette Fage, nascida em Paris a 7 de esse fim, incentivou, em Abril de 1876, a formação
a Santa, pela disponibilidade e desvelo para com os Novembro de 1824, tivera uma vida difícil, em que das Dames Servantes, uma associação de senhoras
necessitados. Aos 14 anos, órfão de pai, Etienne pobreza, orfandade e uma deficiência provocada que se juntou às Irmãzinhas da Assunção para as
iniciou a sua preparação para o seminário junto do por uma queda se tinham conjugado. Era muito ajudar nas suas tarefas evangelizadoras. Em 1880,
Abade Guillaume, Cura de Vellaxon, e terminou os a acção das Irmãzinhas estendia-se a toda a França
estudos no Seminário de Teologia de Besançon, aos e estabelecia o primeiro ramo da Congregação em
19 anos. A 2 de Junho de 1849 foi colocado, a seu Londres. Em 1881, a missão foi alargada a homens,
pedido, como vigilante no colégio de rapazes de leigos e chefes de família, que formaram a Frater-
Nîmes, dirigido pelo P.e Emanuel d’Alzon (1810-1880), nidade de Nossa Senhora da Assunção. O êxito desta
fundador da Congregação dos Agostinhos da associação permitiu o aparecimento das Filhas de
Assunção, que confiou a Etienne Pernet uma Santa Mónica, formadas pelas esposas dos homens
associação de beneficência que envolvia 200 crianças que integravam a Fraternidade. Quando a Madre
de famílias carenciadas, na maioria ligadas à tecelagem Maria de Jesus faleceu, a 18 de Setembro de 1883,
de tapetes, que não dispunham de tempo nem de a Congregação contava 14 casas, milhares de doentes
conhecimentos para tratar os seus doentes. Pensou, tratados, centenas de baptismos, primeiras
então, como seria útil àquelas famílias a presença de comunhões, confirmações e casamentos, que fizeram
uma religiosa que conjugasse o apoio social a uma Antonieta Fage (I) legitimar centenas de crianças. Quando o P.e Pernet
efectiva regeneração cristã da família operária. faleceu, em 1899, havia 24 casas em vários países
piedosa e ajudava os mais pobres com os magros da Europa e na América.
recursos adquiridos como costureira. Foi filha de Em 2005, a missão estendia-se a 24 países, nos 5
Maria e fez parte da Associação de Nossa Senhora continentes – com destaque para as recentes
do Bom Conselho, que agrupava raparigas para fundações na África do Sul, Madagáscar, República
visitar pobres e levar-lhes socorro. Antoinette Fage Democrática do Congo e Filipinas – e contava com,
pertencia à Terceira Ordem Dominicana, com o nome aproximadamente, 1800 irmãzinhas. Na linha
de Ir. de Santa Catarina de Sena, quando aceitou evolutiva da sua acção evangelizadora, reafirmada
entrar para o pequeno grupo do P.e Pernet. no Capítulo Geral de 1987, foi instituída uma
A pequena comunidade, para onde entrava, residia Comissão Internacional, a nível da Congregação, de
numa pobre casa da R. Saint-Dominique e subsistia que faz parte Antena da Rede África – Europa Fé e
dos alimentos conseguidos em cozinhas económicas. Justiça, em que está presente a sua acção em defesa
Em 1865, Antoinette Fage deixou a Terceira Ordem da Justiça e da Paz à luz do Evangelho.
P.e Étienne Pernet (I) Dominicana, a cujos compromissos não podia No que diz respeito a Portugal, nos anos 30 do
corresponder em função das novas atribuições. Nascia séc. XX, Joana Jardim Xavier, uma senhora portuguesa
Em Nîmes, Etienne Pernet entrou para a Congregação a Madre Maria de Jesus. Ficou decidido que, a partir preocupada com a degradação material e moral dos
da Assunção e, em 1863, foi para Paris, onde daí, todas as irmãzinhas tomariam o nome de pobres dos bairros da periferia das grandes cidades,
constatou a mesma miséria material e moral que o “Maria”. Madre Maria de Jesus e Marie Maire (que fez diligências para que as Irmãzinhas da Assunção
tinha chocado em Nîmes. recebeu o nome religioso de Marie de La Croix) estendessem a sua missão ao nosso país. Porém,

461
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃZINHAS DA ASSUNÇÃO

que contemplava um dispensário com serviço de prossecução dos fins deste instituto religioso.
enfermagem, de farmácia e apoio médico que O modo de subsistência da Congregação assentava
pudesse suprir as necessidades mais imediatas da na ajuda de benfeitores já que, conforme o espírito
população pobre, quando não havia Segurança Social inicial, o trabalho desenvolvido pelas Irmãzinhas era
no país. Este serviço comunitário era apoiado, ao gratuito. Depois do 25 de Abril de 1974 e na sequência
domicílio, com o “trabalho familiar” de irmãzinhas do novo regime político, a Congregação foi-se
que se haviam formado na Escola Profissional de emancipando, gradualmente, da generosidade dos
Trabalhadoras Familiares, em França, e que foram benfeitores, tornando-se autónoma pelo contributo
pioneiras, entre nós, do Serviço Familiar ao Domicílio, do trabalho remunerado das Irmãzinhas em
com o objectivo de estabelecer relações familiares organismos oficiais, sem que tivessem deixado de
de qualidade através da formação da mulher quanto lado a especificidade da sua intervenção: a construção
à gestão do lar e educação das crianças, com especial de um mundo onde todos serão “reunidos, na unidade
Irmãzinha da Assunção (I) incidência na formação religiosa da família. Na esteira dos filhos de Deus”. O Instituto Estêvão Pernet foi
da acção do Fundador, foram criadas as Fraternidades integrado na Associação Infanta D. Mafalda, por
por razões internas da Congregação, só foi possível Nossa Senhora da Assunção, que integravam as Despacho de 5 de Maio de 1975, publicado no Diário
a sua vinda para Portugal em 1949. Entretanto, famílias assistidas pelas Irmãzinhas e que se deviam do Governo n.º 158, III Série, de 11 de Julho de 1975.
Joana Jardim Xavier tinha fundado a Congregação apoiar mutuamente e colaborar na evangelização Decorrente da diversidade de rotinas, optaram por
das Servas dos Pobres, de Direito Diocesano, que dos que lhes estavam próximos; e as Senhoras Servas viver em pequenas comunidades e abandonar o hábito
cuidava de famílias que residiam no Casal Ventoso, que, tal como as Dames Servantes do séc. XIX, seriam em contextos locais e concretos. Actualmente, dispõem
Serafina e outros bairros pobres da cintura de Lisboa. parceiras solidárias da missão das Irmãzinhas. Como de casas em Fátima, Baião e a Sede na R. P.e Joaquim
Nesse mesmo ano, as Servas dos Pobres incor- a catequização de adultos estava implícita no carisma Faria, 42, 1.º esq., Vila Nova de Gaia.
poraram-se na Congregação das Irmãzinhas da da Congregação, foi implantado o catecumenato
Assunção e desapareceram enquanto Congregação. que, em colaboração com o Patriarcado de Lisboa, BIBLIOGRAFIA: Imprensa: ABINEAU, León, Jeanne Jugan
As Irmãzinhas da Assunção adequaram as obras já deu início à formação de leigos, participantes et les Petites Soeurs des Pauvres, 2.ème ed., Paris,
existentes nas Dioceses de Beja, Leiria, Coimbra e indispensáveis na acção evangelizadora. Foi imple- Librairie Victor Lecoffre (Emile Colin), 1895; Anuário
Lisboa ao seu carisma, através de um enérgico mentado um serviço de bibliotecas especialmente Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral
trabalho de formação profissional e espiritual das dedicado à formação de jovens. da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 901;
irmãs. A 25 de Novembro de 1949, D. Manuel BONNET, Henri-Marc, Histoire des Ordres Religieux,
Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, autorizou a Paris, PUF, 1955; DUCHET-SUCHAUX, Gaston, DUCHET-
erecção canónica da primeira casa religiosa da -SUCHAUX, Monique, Les Ordres Religieux: Guide
Congregação, em Campolide, Lisboa. Por Decreto Historique, Paris, Flamarion, 1993, pp. 28-30;
da Santa Sé de 15 de Março de 1950, foi oficializada DUHAMELET, Geneviève, A Pobreza ao Serviço dos
a fusão das Servas dos Pobres com as Irmãzinhas, Pobres: Resumo da História da Congregação das
instituindo-se a Delegação Regional Portuguesa da Irmãzinhas da Assunção, Lisboa, Império, [1945];
Congregação das Irmãzinhas da Assunção, em que GOMES, Manuel Saturino da Costa, et alii, Vinde e
a Delegada, portuguesa, é eleita por um mandato Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, pp. 81-82; IRMÃZINHAS
de três anos. A Congregação é teologal, cristo- DA A SSUNÇÃO DE L ISBOA , Irmãzinhas da Assunção:

cêntrica, apostólica, eclesial e mariana, atitudes que Enfermeiras Domiciliárias dos Pobres, Torres Novas,
se expressam: a) pela oração, seguindo a Liturgia Estátua do P.e Pernet (I) s.n., 1955; La Mère Marie de Jésus, Fondatrice des
das Horas; b) pela opção pelos mais pobres; c) pela Petites-Soeurs de l’Assomption: Garde-Malades des
evangelização; d) por ter em Cristo a forma de se O reconhecimento do trabalho realizado propor- Pauvres à Domicile, Paris, Maison de la Bonne Presse,
relacionar com a realidade e com Deus; e) pela cionou a fundação do Instituto Nossa Senhora da 1908; LICHERIE, Lucie, De Visage à Visage, Paris, Les
Eucaristia, que faz parte integrante das suas vidas. Assunção, no Porto, conforme Diário do Governo Éditions du Cerf, 1997; LICHERIE, Lucie, Que Vos Actes
As Irmãzinhas têm por carisma e missão realizar o n.º 142, III Série de 21 de Junho de 1955, com Parlent Jésus-Christ, Paris, Les Éditions Cana, 1997;
“grande anseio de ver reunir-se em Jesus Cristo, idênticas valências em locais onde as assimetrias LICHERIE, Lucie, Por Causa de Um Sim, Lisboa, Edições
Senhor do mundo e da História, todas as nações e sociais o justificavam. Nos anos 60 foi dada particular Paulinas, 1955; UMBERTE, Soeur Marie, De la Famille
todos os povos numa única família de Deus” (Regra relevância ao realojamento, no B.º P. e Cruz, de Humaine au Peuple de Dieu, Paris/Fribourg, Les Éditions
de Vida n.º 149). Para percussão do objectivo de famílias oriundas de bairros de lata, concretizado por Saint-Paul, 1980; VANNIER, Lucienne, Sur le Roc, Paris,
“procurar a glória de Deus pela salvação dos pobres instâncias da Congregação junto da Câmara Municipal Éditions Nouvelle Cité, 1975; VASCONCELOS, Evaristo
e dos pequenos”, através do trabalho comunitário e da Misericórdia de Lisboa. A par, foram fundadas de, Religiosas: Selecção sobre os Institutos Religiosos
ao serviço de operários e suas famílias, as Irmãzinhas novas comunidades: no Bonfim, Porto (1955), B.º do Femininos Existentes em Portugal, Porto, Mensageiro
da Assunção têm vindo a diversificar os meios, P.e Cruz, Carnide (1962), Barreiro (1969), Ramalde, do Coração de Jesus, 1957; VIEIRA, Maria do Pilar
ajustando, com eficácia e eficiência, a sua actividade Porto (1972), S.ta Leocádia de Baião (1979). Importa S. A., “Missionárias dos Pobres”, in Carlos Moreira
aos desafios da sociedade e do tempo. O primeiro ainda referir que anos antes, em 1953, tinha também Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de
passo foi fazer o levantamento dos apoios que, sido criada uma instituição para enquadrar leigas Portugal, vol. J-P, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro
institucionalmente, lhes deveriam ser disponibilizados consagradas que pretendiam viver no século a de Estudos de História Religiosa da Universidade
e, em conformidade, foi proposta ao Governo a espiritualidade apostólica das Irmãzinhas da Assunção. Católica Portuguesa, 2001, p. 203. Digital: www.ass
criação do Instituto Estêvão (nome que, em português Com o nome de Associação de Nossa Senhora da omption-psa.org.
foi dado a Etienne) Pernet, aprovado no Diário do Assunção, a Congregação passou a dispor de uma
Governo n.º 2, III Série, de 4 de Janeiro de 1955, espécie de ordem terceira, que colaborava na ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃZINHAS DE JESUS

IRMÃZINHAS DE JESUS vai dedicar-se a apoiar os nómadas mais pobres, (I RMÃZINHAS DE J ESUS , Rasgar Fronteiras…, p. 69).
A fundação da Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus, indo viver o ideal que o seu pai lhe tinha incutido As Irmãzinhas de Jesus tomam como hábito um
também chamadas Irmãs do Padre Foucauld (Petites em criança, quando como médico do exército francês vestido simples e um lenço feitos de um dos panos
Soeurs de Jesus – PSJ), remonta a um local dominado na Tunísia, com grande dedicação e estima por com menor valor comercial, o cotim, de cor azul,
pelo Islão, em Touggourt, na Argélia, em 1939, e aquele povo, chegou a arriscar a sua vida e compro- usado, em geral, pelos operários. Este lenço é
resulta da conjugação de duas formas de estar e meteu a carreira para salvar uma criança. Por substituído por um outro de cor vermelha, quando,
viver a Fé cristã: a do Ir. Carlos de Jesus, de nacio- sugestão de D. Nouet, Prefeito Apostólico do Saara, na sua caravana, acompanham os ciganos, se dirigem
nalidade francesa, denominado usualmente P.e de que desde a primeira hora apoiou o seu ideal, aos países europeus, chamados na altura de
Foucauld (15.09.1858-01.12.1916), e a da Irmãzinha Madalena vai fazer o seu Noviciado junto das Irmãs comunistas, ou, ainda, para a China, sob o regime
Madalena de Jesus (26.04.1898-06.11.1989). Apesar Brancas, em Argel, onde escreveu as Constituições de Mao e como sinal da sua fé, colocam sobre o
de o P.e Carlos de Foucauld ter desejado fundar para a nova Congregação a fundar, que considerava vestido, na região do peito, uma cruz de cor castanha
uma nova congregação religiosa de irmãos e irmãs corresponderem à vontade do Espírito e a que preside com um coração vermelho sobreposto, ambos em
– encerrando a possibilidade de viver uma vida a ideia de que a vida de Jesus pode ser vivida nos feltro. Para proteger os seus pés, quer faça frio ou
contemplativa no meio do mundo, enquanto viveu países do Islão em qualquer situação. A data da sua calor, escolhem sandálias de couro. Ao longo dos
como trapista ou como criado das Irmãs Clarissas profissão religiosa, 8 de Setembro de 1939, é tomada tempos, vão adaptando a sua maneira de vestir
em Nazaré (Palestina) ou, ainda, como sacerdote como a da fundação da Fraternidade das Irmãzinhas conforme os países ou meios em que se encontram,
em pleno deserto na Argélia, junto das populações de Jesus – designação adoptada –, tornando-se, sempre de acordo com a condição de vida dos mais
autóctones dos oásis do Saara – e ter escrito as todavia, conhecidos os seus membros pelo nome pobres. Como operárias estarão com os operários,
Regras que deviam presidir a essa nova forma de de Irmãs do Padre Foucauld ou Irmãzinhas de Jesus. como ciganas com os ciganos, como rurais com os
vida religiosa, até ser morto, só vê formada uma O processo para a canonização da Irmãzinha rurais, como empregadas domésticas com as
associação de 48 membros, integrando padres e Madalena, já deu entrada no Dicastério para a Causa empregadas domésticas. A sua atenção pelas minorias
leigos. A partir de 24 de Abril de 2001, por Decreto dos Santos, na Santa Sé. marginalizadas e pelas novas formas de pobreza
do Papa João Paulo II, foi declarado Venerável, tendo levá-las-á a partilharem da sua vida, não só pelas
sido decretada a sua beatificação pelo mesmo ocupações laborais desempenhadas, mas ainda habi-
pontífice. Esta veio a realizar-se a 13 de Novembro tando junto destas minorias e como elas, em tendas,
de 2005, no pontificado de Bento XVI. barracas, casas degradadas ou realojamento social.
Estando actualmente presentes nos cinco continentes,
em aproximadamente 70 países, as cerca de 1250
irmãzinhas de Jesus são originárias dos mais diversos
países, de diferentes raças, meios sociais e culturais
e vivem em, aproximadamente, 275 pequenas
comunidades, a que chamam Fraternidades, algumas
destas fazendo parte das Igrejas Orientais. Como
Congregação Internacional que é, a sua presença
nos vários países vê-se assegurada por irmãs não só
provenientes dos mesmos, mas ainda por religiosas
de outras nacionalidades. Existindo dez irmãzinhas
de Jesus de nacionalidade portuguesa, só uma delas
se encontra em missão num outro país, o Brasil; as
restantes vivem em Portugal, onde, actualmente,
estão também 3 irmãs de nacionalidade francesa,
uma de nacionalidade italiana e uma de nacionalidade
espanhola.
Se as fraternidades constituem pequenos grupos
Ir. Carlos de Jesus (I)
comunitários, elas são a base da fraternidade inteira
Irmãzinha Madalena de Jesus (I)
de uma mesma região, pelo que cada uma delas
A concretização da fundação da Fraternidade das deve exprimir de uma forma mais significativa um
Irmãzinhas de Jesus vai ficar a dever-se à também Erigida em Congregação Diocesana, a 13 de Junho dos vários aspectos da sua vocação. No cumprimento
cidadã francesa Madalena Hutin, que desde muito de 1947, pelo Arcebispo de Aix-en-Provence (França), do seu carisma, elas terão fraternidades operárias,
jovem pensou seguir a vida religiosa, e que, ao ler, torna-se Congregação de Direito Pontifício, pela rurais e artesanais, voltadas para o trabalho manual,
em 1925, a primeira biografia do P.e Foucauld, se Santa Sé, a 25 de Março de 1964. As Irmãzinhas ou consagradas a pessoas com problemas especiais,
reviu no seu ideal de viver o Evangelho numa pobreza de Jesus rapidamente se expandem pelo mundo como os presos, os doentes, as vítimas de prostituição,
total, inserindo-se junto das populações mais inteiro, na convicção de que o seu lugar é junto dos os feirantes, os ciganos, os nómadas, e outras inseridas
abandonadas dos países do Norte de África. Alguns mais desfavorecidos, participando da vida deles numa em meios mais carenciados, respondendo a necessi-
dos obstáculos que pareciam interpor-se à realização atitude marcada pela ideia de que o amor de Deus dades concretas existentes, assim como fraternidades
do seu projecto, como ser a única responsável pelo se comunica, através da solidariedade. Concretizam, particularmente orientadas para a oração ou de
sustento da mãe e padecer de uma artrite reuma- assim, as palavras da sua Fundadora: “De repente, formação e serviço, mais disponíveis às irmãs.
tóide, são superados em 1936, ao ser aconselhada adquiri a certeza, como se uma luz interior ma No seguimento das palavras da Irmãzinha Madalena
por um médico a escolher um clima seco para viver, impusesse, de que a Fraternidade deveria estender- de Jesus, “ireis de preferência aonde ninguém quer
o caso do Saara. Partindo com a mãe para a Argélia, -se ao mundo inteiro e tornar-se universal.” ir, aonde a Igreja não está ainda presente, prontas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃZINHAS DOS POBRES

actualmente, que a continuidade da presença das a infância de Jeanne ou Joana Jugan foi também
Irmãzinhas de Jesus no mundo seja afectada, num muito difícil e cheia de adversidades. Antes dos 5
futuro mais próximo, pela falta de novos membros, anos ficou órfã de pai, pescador, que desaparecera
devido à rarefacção das vocações na Europa (à no mar da Terra Nova. Tinha seis irmãos, dos quais
excepção da Polónia). Neste momento, o grande três morreram na infância. A pobreza em que se
continente de recrutamento de novos efectivos para encontrava a família, obrigou-a a trabalhar desde
esta Instituição é o continente africano, onde as muito pequena, como pastora e como ajudante de
vocações não param de aumentar. No entanto, a cozinheira. Aos 25 anos deixa Cancale, para ir para
Congregação presente em Portugal procura afrontar Saint-Servan, onde trabalha no Hospital dos Rosais,
Símbolo do Ir. Carlos (I)
a maré desfavorável de falta de vocações com a e, depois, como empregada doméstica. Esta mudança
abertura de novas comunidades, apesar da idade veio contribuir também para as grandes mudanças
a partir até ao fim do mundo para levardes aí a média das consagradas de nacionalidade portuguesa de rumo na sua vida.
mensagem do Evangelho e serdes as testemunhas ser de, aproximadamente, 58 anos.
de Cristo” (IRMÃZINHAS DE JESUS, Irmãzinhas de Jesus…,
p. 11), as Irmãzinhas de Jesus chegaram a Portugal BIBLIOGRAFIA: Impressa: A Fraternidade das Irmã-
em 1952, tendo já celebrado as bodas de ouro dessa zinhas de Jesus segundo o Irmão Carlos de Jesus,
sua presença, em 2002. Estiveram presentes na Irmãozinho Universal, Lisboa, s.n., 1959; Anuário
cidade de Lisboa, nos bairros pobres do Casal Ventoso Católico de Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado
(a partir de 1952) e da Curraleira (entre 1953 e Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, 2007,
1992), na zona histórica popular, como o Beco dos p. 901; I RMÃZINHAS DE J ESUS , Rasgar Fronteiras:
Apóstolos (entre 1955 e 1965), na R. do Sol a S.ta Irmãzinha Madalena de Jesus, Fátima, Edição do
Catarina (entre 1970 e 1998) e no Asilo da Mitra, autor, 2005; IRMÃZINHAS DE JESUS, Irmãzinhas de Jesus:
que abrigava centenas de homens, mulheres e 50 Anos de Presença em Portugal, Fátima, Edição
crianças carenciados, durante 1976. Presentemente do autor, 2002; SPINK, Kathryn, The Call of the Desert,
vivem no bairro social de Chelas (desde 1998) e nos London, Longman and Todd Ltd., 1993. Digital: Ícone de Joana Jugan (I)
subúrbios da cidade, nomeadamente numa zona de www.ecclesia.pt/irmazinhasdejesus; www.paroquia-
habitação clandestina do Concelho de Loures, a Q.ta sppv.pt/historia/irmazinhas.htm. É nesta localidade que, em 1817, ingressa na Ordem
da Serra (ao Prior Velho), tendo estado alguns anos Terceira da Mãe Admirável, fundada por S. João de
antes na zona industrial do Prior Velho. MARIA JOSÉ REMÉDIOS Eudes, e faz voto de castidade perpétua.
Na cidade do Porto marcaram presença, entre 1957 Por circunstâncias várias, nomeadamente por ter
e 1961, na Cadeia Civil. Estiveram também em trabalhado em casa de uma benemérita que em 1835
localidades tais como: Marinha Grande (1957-1977); IRMÃZINHAS DOS POBRES lhe deixou uma pequena herança, Mademoiselle
S. Romão, na Serra da Estrela (1978-2001); Figueira Jeanne Jugan, Fundadora das Irmãzinhas dos Pobres Lecoq, alugou um andar onde se instalou com uma
dos Cavaleiros (1978-1980; 1982-1984); Olhão (IP), nasceu a 25 de Outubro de 1792 numa pequena amiga e continuou a ajudar os pobres e, sobretudo,
(1972); Gafanha da Nazaré (1972); Passos de Lomba, localidade portuária francesa, Petites Croix, sob a os idosos.
Trás-os-Montes (1977); Galegos de S.ta Maria, Barcelos baía de Cancale, na Bretanha. A sua modesta casa, Esta Congregação conhece os seus primórdios na
(1977); Águas Belinhas, no Concelho de Coruche conservada tal qual como estava na época, coberta prática de solidariedade daquela que vai ser a sua
(1977); S. Romão e Juromenha, aldeias alentejanas de colmo e com chão de terra batida, é hoje local Fundadora, Jeanne Jugan. As memórias deste
(1993-1994). Desde 1952 estão em Fátima, onde de peregrinação, pois a sua memória é muito Instituto descrevem os seus inícios precisamente
têm a “casa de família”, lugar onde todas se podem venerada, tendo sido beatificada a 3 de Outubro de numa tarde de Inverno do ano de 1839, quando
reunir para tempo de silêncio, oração, formação e 1982, pelo Papa João Paulo II. Jeanne abre a sua casa para acolher e tratar uma
descanso. idosa cega e muito fragilizada fisicamente. Este gesto
Importa notar que, depois de um período de grande foi seguido por uma série de outros, que darão
expansão pelo mundo inteiro (de 1950 a 1970), o abrigo a dezenas de mulheres depauperadas física,
ritmo de crescimento da Congregação tem diminuído, moral e espiritualmente. Com a ajuda de mais três
mas as vocações, ainda que menos, continuam a jovens, Marie Jamet, Virginie Trédaniel e Madeleine
surgir um pouco por toda a parte, o que garante a Bourges, Jeanne vê-se rapidamente numa circuns-
sua presença no mundo, onde pretendem ser como tância de estar a assistir a mais de 40 pessoas pobres.
um “fermento na massa”. Com efeito, é missão É neste contexto que sentem a necessidade de
própria das Irmãzinhas de Jesus exprimir com toda institucionalizar esta actividade caritativa e espiritual,
a sua vida a fecundidade do mistério de Jesus em criando uma entidade associativa, que se afirmará
Belém e Nazaré e, para lhe permanecerem fiéis, como um alicerce do futuro instituto religioso, que
buscam o seu dinamismo na Eucaristia e na será reconhecido mais tarde pela Igreja.
simplicidade e esperança que brotam simbolicamente Logótipo (I) A 15 de Outubro de 1840, juntamente com Marie
do Presépio, i. e., do Mistério do Nascimento de Jamet e Virginie Trédaniel, formou uma associação
Jesus. À luz deste ideário, procuram ser solidárias O ano em que nasceu ficou assinalado também por com fins caritativos, seguindo de perto a Regra da
com toda a humanidade, qualquer que seja a sua ser o ano em que Luís XVI foi guilhotinado, 200 Ordem Terceira de São João de Eudes. O dia 1 de
raça ou religião e esforçam-se por fazer do amor padres foram massacrados em Paris e vários outros Outubro do ano seguinte marca uma nova etapa
fraterno e universal a obra de toda a sua vida. acontecimentos agitaram a vida de França em plena em que inauguraram uma casa maior, pois já era
É previsível, com os indicadores que dispomos ebulição revolucionária. No plano pessoal e familiar, impossível albergar o número crescente de idosos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS IRMÃZINHAS DOS POBRES

no espaço exíguo que até aí ocupavam. e depois por quase todo o mundo. Quatro décadas assim como uma faixa que aflora sob o véu cinzento,
Secundadas pelo P.e Le Pailleur, coadjutor de Saint- após a fundação, eram já quase 2400 irmãzinhas, sugerindo a antiga coifa. Nos climas quentes, o
-Servan, formam a 29 de Maio de 1842 a organi- distribuídas por 177 casas que albergavam cerca de vestido, o escapulário e o toucado são brancos.
zação que então designavam por Les Servantes des 20 500 idosos. Porém, só cinco anos após a sua Além das Constituições da Congregação, aprovada
Pauvres, atendendo ao seu carisma, pois viviam em morte, chegam a Portugal, instalando-se primeiro pontificiamente, a chamada Casa das Irmãzinhas
extrema pobreza ao serviço dos mais pobres e em Lisboa, em 1884, no Porto, em 1895, na Madeira, dos Pobres tem os seus Estatutos, reconhecidos pelo
abandonados, a que Jeanne chamava “les membres em 1900, e na Covilhã em 1902. Após a implantação Estado, com denominação, natureza, fins e sede
souffrantes de Jésus Christ”. Nesta ocasião, a da República, mais concretamente a 18 de Abril de própria em Portugal. É uma instituição particular de
Fundadora toma o nome de religião Soeur Marie de 1911, foram expulsas e enviadas para França, com solidariedade social sem fins lucrativos e tem como
la Croix e é, naturalmente, eleita Superiora. Em excepção das irmãzinhas da Casa do Porto, as quais, objectivo recolher, alimentar e cuidar em tudo as
pouco tempo conseguiu reunir um grupo de mulheres pessoas idosas pobres, de ambos os sexos, válidas
que cuidavam de 65 pessoas, sobretudo idosos, mas ou não e que não tenham recursos suficientes para
também algumas crianças desamparadas, enfermos viver, sendo dada preferência aos mais pobres, sem
e outros desvalidos. distinção de raça ou religião.

Sinos da Casa de Lisboa (I)

Jeanne Jugan nada escreveu, que se saiba, por isso


tornou-se particularmente difícil compilar elementos
para a sua beatificação, recorrendo-se inteiramente
Casa de Lisboa (I)
a testemunhos. Pelo mesmo motivo, da sua espiri-
tualidade conhecem-se apenas as obras que executou
protegidas pela população, conseguiram permanecer. ou inspirou e o que sobre ela escreveram contem-
Nessa altura, ou seja, em 1911 havia já registo de porâneos seus, nomeadamente um dos seus inter-
1735 pessoas idosas que tinham sido acolhidas e locutores mais próximos, Mons. Garrone, que
Estátua de Joana Jugan no jardim da Casa de Lisboa (I)
tratadas nestas quatro casas. publicou Ce que Croyait Jeanne Jugan: Une Vrai
Actualmente existem em Portugal duas casas, uma Pauvre. Com base nestes elementos, o P.e Michel
Jeanne Jugan teve sempre um papel activo na em Lisboa, na R. de Campolide, e outra no Porto, Lafon elaborou um livro de reflexões sobre a
Congregação e era chamada para qualquer local onde na R. do Pinheiro Manso, com um total de 26 irmãs. espiritualidade de Jeanne Jugan, traduzido para
houvesse um problema a resolver, uma nova casa a Existe também em Portugal, desde 1998, a português, com o título Orar 15 dias com Joana
fundar, ou algo que exigisse a sua presença, embora Associação Joana Jugan (AJJ), aprovada pela Igreja Jugan, Fundadora das Irmãzinhas dos Pobres. As
tivesse tido uma acção mais limitada a partir de 1843. e considerada como uma necessidade dos tempos Irmãzinhas editam também, trimestralmente, um
Nesta ocasião, o P.e Le Pailleur, que se pretendia arvorar actuais, cujo propósito é colaborar, em regime de boletim intitulado Découverte.
como fundador, por sua própria iniciativa, destitui voluntariado, com as Irmãzinhas dos Pobres, culti-
Jeanne de Superiora e escolheu Marie Jamet, situação vando também uma espiritualidade radicada no BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
que aceitou com humildade e resignação, tendo despojamento, no serviço e na oração. [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
passado os últimos anos de vida em La Tour Saint- À semelhança de Jeanne Jugan, que sustentava as Portuguesa, 2007, p. 902; AUBINEAU, Léon, História
-Joseph, Saint-Pern, que se tornara a Casa-Mãe e onde suas obras estendendo a mão à caridade, pedindo das Irmãzinhas dos Pobres, Porto, Tipografia da
se instalara também o Noviciado para acolhimento e mesmo em vez dos pobres, as Irmãs vivem hoje da Palama, 1885; LAFON, Michel, Orar 15 dias com Joana
formação das jovens candidatas à Congregação. colaboração dos benfeitores, de cuja generosidade Jugan Fundadora das Irmãzinhas dos Pobres, Lisboa,
No ano de 1879 o Papa Leão XIII aprovou as e espírito de partilha dependem. Paulus Editora, 2003; LECLERC, Éloi, O Deserto e a
Constituições da Congregação, cujo art. 14.º apela O hábito de Jeanne Jugan era um vestido negro Rosa: Vida de Joana Jugan, Fundadora das Irmãzinhas
à comunhão da Bem-Aventurança da pobreza, comprido e amplo, franzido na cintura, com uma dos Pobres, Lisboa, Paulus Editora, 2003; MILCENT,
pobreza essa que sempre orientou a vida e as obras coifa branca atada debaixo do queixo e capa negra, Paul, Joana Jugan, Fundadora das Irmãzinhas dos
de Jeanne Jugan e das suas filhas. Nesse mesmo ligeiramente mais curta, com capuz. Hoje em dia Pobres, Lisboa, s.n., 1982.
ano faleceu a Fundadora, com 86 anos de idade. mantém-se o hábito negro, embora mais simplificado,
Ainda em vida da Madre Fundadora, a Congregação que é composto por um vestido comprido, cintado, FILOMENA DE MELO BORJA
expandira-se com muita rapidez, primeiro na Europa e um escapulário da mesma cor. A gola é branca, RICARDO BASÍLIO

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS JESUS MARIA JOSÉ

JESUS MARIA JOSÉ, Instituto da família, nomeadamente dos pais, irmãs e do


Fundado a 24 de Setembro de 1880, o Instituto sobrinho Bernardino, que teve um papel fundamental
Jesus Maria José (JMJ), também conhecido como no reagrupamento das irmãs, após a extinção das
Congregação Jesus Maria José e por Associação ordens religiosas decretada em 1911, tornando possí-
Religiosa e Beneficiante Jesus Maria José, foi criado vel a fundação do Instituto no Brasil. Não obstante
por Rita Lopes de Almeida, cujo nome religioso é a oposição do seu director espiritual, aos 29 anos,
Rita Amada de Jesus. Rita Amada de Jesus ingressou no Colégio das Irmãs
Um colégio destinado a receber e educar crianças da Caridade, no Porto, que ao tempo era a única
e jovens pobres e abandonados, essencialmente do congregação religiosa autorizada em Portugal, por
sexo feminino, lançou os fundamentos do Instituto se dedicar exclusivamente ao serviço aos pobres.
que, com o passar dos tempos se foi desenvolvendo Visto que o carisma daquela Congregação não se
e espalhando. coadunava com o género de apostolado que dese-
Sagrada Família, Museu de S. Roque (CLS)
Através de trabalho apologético e educativo, este java, decidiu abandonar este colégio e entrar para
Instituto visa a educação de crianças, adolescentes um outro em S.ta Maria da Feira, onde aprendeu a
e jovens pobres e abandonados, instruindo-os na lidar com as exigências religiosas e estatais destas pois, fundado o primeiro colégio em Gumiei, na
doutrina cristã, como forma de prevenção contra a instituições e com o funcionamento dos internatos. Paróquia de Ribafeita, rapidamente o Instituto se
corrupção da família e a reabilitação de homens e Permaneceu pouco tempo neste local, mas a expe- espalhou por outras dioceses, nomeadamente pelas
mulheres de vida menos exemplares, elevando o riência aí adquirida foi decisiva e fundamental na de Lamego, Guarda, Portalegre e Porto, abrindo
nível cultural da mulher, considerada sujeito primordial fundação do seu Instituto. uma série de novas casas e promovendo uma série
da reforma cristã da sociedade. Os valores cristãos Em 1880, fundou em Gumiei, Diocese de Viseu, de vocações para a Igreja.
são incutidos através de uma pedagogia preventiva, aquele que viria a ser o primeiro colégio da Congre- Com a mudança de regime político, seguiram-se
nomeadamente de visitas domésticas, da catequese, gação e, três anos depois, transferiu o colégio de várias alterações, nomeadamente a extinção das
dos colégios, de obras assistenciais em prol dos mais Gumiei para Fareginhas (Castro Daire), Diocese de congregações religiosas, o que rapidamente se fez
necessitados, entre outras actividades similares. Lamego, seguindo-se uma série de novas fundações. sentir nesta Instituição, que já anteriormente tinha
A família de Nazaré, vista como modelo, testemunho Quando o Bispo da Guarda, D. Tomás Gomes de sido alvo de perseguições por parte das autoridades.
de fidelidade, de crescimento na Fé e de respeito Almeida, em 1886, a aconselhou a transferir o colégio No quadro político e religioso que então se vivia, a
mútuo, serve de carisma ao Instituto e incentiva o para Tourais, conheceu o P.e José Joaquim Udalrico Congregação viu-se na obrigação de abandonar as
seu trabalho na luta contra a corrupção moral e a da Lapa Rodrigues, jesuíta, natural da Índia, que, suas casas e propriedades, tendo de entregar as
desagregação da família, apelando ao zelo apostólico tendo sido convidado a assumir a direcção espiritual crianças que tinha a seu cargo aos pais e a outros
e ao apelo à conversão. da Madre Rita e do próprio Instituto, achou prudente indivíduos. O P. e José Joaquim Udalrico da Lapa
que esta escrevesse um breve texto em que esboçasse Rodrigues foi exilado e a Instituição desmoronou-
o seu percurso biográfico e os motivos que a levaram -se. No entanto, a Fundadora não desistiu e confi-
a fundar a Congregação. Após autorização do Padre denciou ao Cónego Manuel Damasceno da Costa,
Provincial da Companhia em Portugal, o P.e Lapa mais tarde Bispo de Angra do Heroísmo, que tinha
assumiu a orientação do Instituto Jesus Maria José, conhecimentos no Estado de S. Paulo, no Brasil,
em 1893. para onde pretendia enviar um grupo de irmãs que
Pela mesma altura, Rita Amada de Jesus terá sido continuasse com o trabalho que durante anos tinha
aconselhada pelo Bispo da Diocese da Guarda a fazer sido desenvolvido em Portugal, para que o Instituto
uns Estatutos, pois as autoridades voltaram a indagar não morresse. Assim, na sequência do envio de um
a legitimidade da Congregação, questionando a sua grupo de irmãs em Outubro, a 8 de Dezembro de
função, a existência de Estatutos e de hábito religioso. 1912 deu-se a última fundação de um colégio da
Em 1883, a Fundadora já andava ocupada com a Congregação, ainda que Rita Amado de Jesus não
sua elaboração e, dez anos depois, as primeiras Consti- o tenha feito pessoalmente. Após a recepção da
tuições estavam preparadas para serem apresentadas acta de cerimónia da abertura desse primeiro colégio,
em Roma, definindo com clareza e brevidade o carisma enviou um segundo grupo, que partiu logo a 2 de
da fundação, os seus fins e meios. Janeiro de 1913. Quatro dias depois, a Fundadora
Inicialmente, Rita Amada de Jesus contou com a faleceu, com 64 anos em Casalmendinho, sua terra
colaboração de um núncio apostólico para obter a natal, onde se encontrava refugiada desde a Implan-
aprovação dos Estatutos junto do papado, porém a tação da República.
decisão foi adiada. Uma vez mais aconselhada pelo Importante no desenvolvimento do Instituto no Brasil
Bispo da Guarda, decidiu deslocar-se pessoalmente foi o P.e José Lapa, que de 1914 até 1942, ano da
a Roma. Com a ajuda e o empenho de Mons. Jian sua morte, recomeçou a orientar a Instituição, dando-
Baptista Guidi, na altura Prelado Doméstico do papa, -lhe grande solidez religiosa. Pelo trabalho que
conseguiu que o Papa Leão XIII, a 10 de Maio de desenvolveu em prol da Instituição, na sua manu-
Sagrada Família (JEF) 1902, aprovasse os ditos Estatutos, sob a designação tenção e desenvolvimento, foi considerado por muitos
de “Pia União de Jesus, Maria, José”, de forma a um novo fundador.
Apesar das dificuldades por que as ordens religiosas evitar as perseguições políticas, passando assim a Em 1934, a Congregação regressa a Portugal, criando
passavam desde 1834, Rita Amada de Jesus decidiu, Instituto de Direito Canónico. uma comunidade em Trancoso, à qual se seguiram
desde cedo, que devia ter uma intervenção católica O período áureo do Instituto medeia entre a sua novas fundações. Desde então, tem vindo a espalhar-
activa na população. Sempre contou com o apoio fundação e a implantação da República em 1910, -se pelo mundo e a aumentar o número de colégios,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS JOSEFINAS DA SANTÍSSIMA TRINDADE

tendo para isso contribuído a promoção de vocações, As Províncias são organismos que possuem auto- Universidade Central de Madrid, onde completou o
considerada como prioritária no Capítulo Geral de nomia na governação, na formação e na economia, curso de Teologia, com distinção, em 1862. Foi
1989. A formação das irmãs do Instituto passa por que têm número suficiente de irmãs e que são ordenado em Madrid, a 1 de Abril de 1865, e
três etapas de formação: o Pré-Noviciado ou Postu- capazes de garantir o seu futuro, promovendo candidatou-se a uma cátedra em Teologia, para a
lantado, que dura entre um e dois anos, o Noviciado, vocações. As Vice-Províncias são organismos que qual não foi aceite. Tendo ido para Plasencia,
que se prolonga por dois anos consecutivos, ao fim ainda não possuem as características das Províncias, desenvolveu aí toda a sua actividade, até ao fim da
dos quais a irmã emite os votos de obediência, mas que o podem vir a ser. Por sua vez, as Delegações vida. Durante 15 anos foi pároco de San Nicolás,
pobreza e castidade e, por fim, o Juniorado, que Independentes são organismos formados por várias destacando-se pela dinâmica religiosa e pela
dura seis anos, após os quais faz a profissão perpétua. casas unidas sob a responsabilidade de uma intervenção caritativa e social que imprimiu à
Usam hábito religioso como sinal exterior de Superiora, que os governa com poder delegado pela paróquia. Foi professor do seminário da cidade e
consagração e pobreza. Este pode ser azul marinho, Superiora Geral. As Delegações Dependentes fun- capelão do Convento do SS.mo Cristo das Victorias,
beje ou branco desde que seja simples, discreto e cionam nas mesmas condições que as independentes, das Religiosas Augustinas Recoletas de Serradilla.
sóbrio. Confortável e prático, deve ser composto mas sob a dependência da Superiora Provincial. Desses anos, ficaram 547 cartas, de cariz teológico
por saia e blusa ou vestido, com ou sem véu. Nas A persistência de Madre Rita na divulgação e e espiritual, que estão na base da espiritualidade da
festas religiosas ou civis, as Irmãs devem usar um desenvolvimento dos trabalhos encetados pela Congregação que fundou. Depressa se afirmou
conjunto azul marinho: casaco e saia azuis e blusa Congregação que fundou, num período de pro- como homem de grande sabedoria e capacidade
branca. Por motivos especiais, a superiora pode fundas alterações políticas, sociais e religiosas, interventiva, sendo os últimos anos da sua vida
permitir o uso de outro vestuário, desde que simples levaram a que a Igreja a declarasse Bem-Aventurada, ocupados em cargos eclesiásticos de relevo na diocese
e modesto. Como distintivo, usam o crucifixo tendo sido beatificada na Sé de Viseu, a 28 de e na fundação da Congregação. Morreu a 18 de
aprovado pelo Instituto e, após a profissão perpétua, Maio de 2006, numa cerimónia presidida por um Março de 1897 e, em 1917, os seus restos mortais
usam a aliança como sinal da consagração. representante do Papa Bento XVI. O Cardeal Legado foram trasladados para a Casa-Mãe. Em 1994, foi
Actualmente, o Instituto Jesus Maria José é uma de Sua Santidade foi o Cardeal D. José Saraiva proclamado Servo de Deus, no âmbito de um
comunidade religiosa, com carisma próprio, cujo Martins, Prefeito para a Congregação da Causa dos processo diocesano de reconhecimento e mérito.
Governo Geral está sediado em S. Paulo, no Brasil, Santos. A sensibilidade do Fundador em certas matérias está
muito embora se encontre espalhado por vários na origem da fundação. Ele via a sociedade de então
pontos de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, BIBLIOGRAFIA: Impressa: Beata Rita Amada de Jesus, descristianizada, injusta e de laços quebrados com
Bolívia, Paraguai, Perú e Cabo Verde. Fundadora do Instituto Jesus Maria José: a Igreja tradicional. Tal lhe parecia particularmente
É uma instituição social, apoiada pela Igreja e regida Autobiografia, Águeda, s.n., 2002; Beata Rita Amada evidente na classe operária, para qual a família e a
pelo Direito Canónico e outras normas da Igreja. de Jesus, Mulher do Povo: Autobiografia, Águeda, escola estavam desligadas da Igreja. Politicamente,
Constituído por Províncias, Vice-Províncias e s.n., 2002; B RANDÃO , Domingos de Pinho, No Eládio Mozas ressentiu-se das manifestações públicas
Delegações (independentes e dependentes), o Centenário da Congregação Jesus, Maria, José (1880- anti-eclesiásticas que punham em causa concepções
Governo do Instituto encontra-se hierarquicamente -1980), 2.ª ed., Porto, s.n., 1981; Constituições do teológicas consideradas fundamentais, como a
organizado. No topo, encontra-se o Papa, que tem Instituto Jesus Maria José, S. Paulo, Edições Loyola, teologia trinitária, ridicularizada numa sessão das
autoridade máxima sobre todo o Instituto; segue- 1993; COSTA, Maria Madalena Frade da, Viseu, Cidade Cortes Constituintes.
-se a Superiora Geral, que tem jurisdição sobre os da Eucaristia: Espiritualidade de Madre Rita, Viseu, A viagem a Roma e a audiência privada com Pio IX,
membros do Instituto, respectivas Casas e Províncias; s.n., 2006; COSTA, Maria Madalena Frade da, Rita em 1876, em que Eládio Mozas apresenta de forma
depois as Superioras das Províncias, que têm Amada de Jesus, Apóstola da Família: Vida e Obra, clara o projecto de formar uma congregação ao
autoridade sobre a respectiva Província; as Superioras Viseu, s.n., 2004; Diretório do Instituto Jesus Maria mesmo tempo josefina e trinitária, é afirmação de
Delegadas, que governam com jurisdição depen- José, S. Paulo, Edições Loyola, 1992; P EREIRA , uma vontade de intervenção na sociedade, através
dente da Superiora Geral ou Provincial, e as Florentino Mendes Pereira, A Mulher do Povo e o de uma resposta religiosa. Com a espiritualidade
Superioras Locais, que têm autoridade sobre as irmãs Dragão: Rita Amada de Jesus, Águeda, s.n., 2006. josefina, quer recriar o ambiente da Família de
da Comunidade. Digital: http://institutojmj.org. Nazaré, atingindo claramente as famílias; com a
espiritualidade trinitária, quer afirmar a verdade
ISABEL RODRIGUES teológica da Trindade, o que tem as suas implicações
sociais. Nesta linha, adoptou para a sua Congregação
a máxima da cidade de Plasencia, desde a sua
JOSEFINAS DA SANTÍSSIMA TRINDADE fundação por Afonso VIII: “Para agradar a Dios y a
O fundador desta congregação foi Eládio Mozas los hombres”.
Santamera, segundo filho de José Mozas Martinez, Regressado de Roma, tentou, primeiramente e sem
cirurgião, e de Mónica Santamera Serrana. Nasceu êxito, criar a Fraternidade Josefino Trinitária, uma
em 1837, num pequeno povoado de Guadalajara, associação de sacerdotes, cultos e formados para
Miedes de Atienze. Ficou órfão de pai aos três meses, intervir na sociedade, com Regra e Constituições
vivendo depois com um tio padre, seu tutor, e com provisórias. Após este revés, começou a delinear-se
a mãe, até que esta veio a contrair segundo a ideia de uma congregação, que se concretiza
casamento. Mais tarde, quando a mãe adoeceu, o quando Margarida Delgado, uma ex-noviça do
jovem Eládio prestou-lhe cuidados até à morte, em Convento de Serradilla, adere ao projecto e se forma
1857. Entretanto, aos 11 anos, entrou para o um grupo de 15 candidatas, que se destacará no
seminário em Siguenza, destacando-se como aluno auxílio às vítimas da epidemia de cólera de 1885.
brilhante. Devido às divergências entre a Igreja As Constituições que dão origem oficial à
Sagrada Família (cedido pelo Instituto Secular da Sagrada Família) e o Estado, teve de revalidar os seus estudos na Congregação são aprovadas a 18 de Fevereiro de

467
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MALTESAS

Desde o início da fundação que a Congregação trativa do mosteiro, parece que, com o tempo, as
associa à sua acção os leigos, o que se compreende Religiosas Maltesas passaram a seguir a autoridade
pelo número de famílias e pessoas beneficiárias das da Ordem de São Francisco, afastando-se da
suas fundações. Essa ligação é feita pela revista da jurisdição do Grão-Prior.
Congregação Al Servicio de la Iglesia. Hoje, a Através de uma Bula de Bento XIV, datada de 29
Congregação dispõe de um sítio de divulgação na de Abril de 1748, tenta-se reforçar a ligação das
Internet bastante completo, www.josefinas-trinita Religiosas de Estremoz à entidade prioral.
rias.org, onde podemos encontrar uma relação O Infante D. Pedro, considerando que a Regra,
bibliográfica abundante, que abrange escritos do aprovada no tempo do Infante D. Luís, se encontrava
Fundador, estudos sobre o Fundador e estudos pouco consentânea com a situação real em que as
relativos à espiritualidade josefino-trinitária e ainda Religiosas se encontravam, promoveu a redacção de
relatórios pormenorizados sobre a evolução histórica uma nova Regra e de uns novos Estatutos. Estes
da Congregação. textos foram redigidos em 1761 e impressos e
Da presença da Congregação em Portugal, temos publicados em 1762. João Nunes da Silveira, o
notícia de que nos anos 30 tinha três casas, sem Provisor do Priorado do Crato, procedeu à divulgação
conseguirmos especificar onde e com que caracte- destes novos documentos normativos perante as
rísticas. Existe ainda referência a uma passagem por Religiosas, sendo a Prioresa, na altura, Soror Maria
Lamego, entre 1932 e 1943, onde foi fundado e Vicência da Purificação.
dirigido um colégio.

BIBLIOGRAFIA: Impressa: C ONGREGAÇÃO DAS I RMÃS


JOSEFINAS DA SANTÍSSIMA TRINDADE, Congregação das
Irmãs Josefinas da Santíssima Trindade, s.l., s.n.,
1935; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii,
Vinde e Vede, Lisboa, Edições Paulinas, 1994, p. 84.
Santíssima Trindade, Museu de S. Roque (CLS) Digital: www.josefinas-trinitarias.org.

FILOMENA DE MELO BORJA


1886. À morte do Fundador, a Congregação tem RICARDO BASÍLIO
duas comunidades fora do local de origem: Hervás
e Ceclavín. Hoje encontramos comunidades josefinas-
Igreja de S. João Baptista, Castelo de Vide (JC)
-trinitárias maioritariamente em Espanha, mas MALTESAS
também na América Latina, concretamente no Chile, Estas religiosas foram instituídas pela Bula de Paulo
Peru, México e Honduras. Em Portugal, actualmente, III, Regimi Universalis Eclesiae, datada de 16 de A reforma desencadeada pelo Grão-Prior do Crato
não há nenhuma casa, mas nos anos 30 existiram Novembro de 1539. Este documento pontifício foi parece ter suscitado alguma polémica dentro da
três. conseguido através das diligências efectuadas pelo comunidade das Religiosas. Em 1794, algumas freiras
As obras da Congregação incidem sobre duas áreas Infante D. Luís, na altura o possuidor da dignidade abandonaram o mosteiro porque haviam desres-
da vida social: a educação e a intervenção social. de Grão-Prior do Crato. Através desta bula, pretendia- peitado a regra de clausura, em protesto contra a
A oferta educativa é dada pelos colégios e residências -se validar e regulamentar a criação de uma comu- nova Regra e os novos Estatutos. O Desembargador
universitárias, incidindo essa formação em áreas nidade de religiosas, a maioria das quais oriunda da do Paço, António Henriques da Silveira, auxiliou a
ligadas à assistência social. A intervenção social está principal fidalguia do reino, estabelecidas no Mosteiro mudança das Religiosas para outros conventos da
bem expressa nas residências para a terceira idade, de S. João da Penitência de Estremoz e submetidas região.
em projectos de assistência social e nas missões da à jurisdição do Grão-Prior do Crato, como cabeça As Freiras recebiam várias rendas e benefícios,
América Latina. Neste contexto, destaca-se a recente da Ordem de Malta em Portugal. principalmente no espaço territorial do Priorado do
colaboração com a Cruz Vermelha de Madrid no A primeira Regra destas religiosas foi aprovada pelo Crato. Possuíam também uma capela da invocação
apoio aos doentes de HIV e o apoio a reclusos, em Papa Paulo III, a 7 de Fevereiro de 1541. Trata-se de S. João Baptista em Castelo de Vide.
Granada. A Congregação tem outras obras mais de um documento manuscrito que tem o título de Em 1834, os bens pertencentes ao Priorado do Crato
ligadas à formação religiosa. Mantém algumas Regula Monialum Ordinis Sancti Joannis Hospitalis foram incorporados na fazenda pública.
comunidades ligadas ao apoio de paróquias e alguns Hierosolymitani, de Penitencia nuncupatarum
centros de espiritualidade. confirmata a Paulo III. 7. Februai. an. 1541. BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Arquivo Nacional da Torre
A Casa-Mãe está estabelecida em Madrid, na Av. Ao longo dos séculos seguintes, estas religiosas terão do Tombo (Lisboa); Ministério do Reino, Conventos,
Osa Mayor, onde se encontra também o Postulantado mantido a sua actividade sob a alçada jurisdicional mç. 968; Ministério do Reino, liv. 514; Registo
e o Noviciado; estes percursos formativos podem do Priorado do Crato, mas, provavelmente, os laços Geral de Mercês, D. Maria I, liv. 4; Impressa: Estatutos
ser cumpridos também no Peru, nas Honduras e no institucionais foram-se esbatendo com o tempo. das Religiozas Maltezas de S. João da Penitencia da
México. Desta forma, na segunda metade do séc. XVIII, Villa de Estremoz Novamente Ordenados pelo
A Congregação é economicamente auto-suficiente, quando o Infante D. Pedro (futuro D. Pedro III) Serenissimo Senhor Infante D. Pedro, Grão Prior do
havendo circulação de meios económicos das obras assumiu a dignidade grã-prioral, bem como a posse Crato, Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal da
mais lucrativas, como os colégios e as residências, da Casa do Infantado, levou a cabo uma reforma Costa, 1762; Gabinete Historico que a Sua
para outras, que precisam de subsídios temporários profunda nos Estatutos e Regra das Religiosas Magestade Fidelissima o Senhor D. Miguel I. Em o
ou permanentes. Maltesas. Segundo alguma documentação adminis- dia dos seus Felicissimos Annos 26 de Outubro de

468
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MANTELATAS

1828 Offerece Frei Caudio da Conceição, t. XII (Desde a primeira mulher a vestir o hábito da Ordem Terceira s.n., 1958; FONTOURA, Otília Rodrigues, As Clarissas
31 de Julho de 1750 até ao fim do anno de 1754), das Servitas, ou Servas de Maria. Reunindo algumas na Madeira – Uma Presença de 500 Anos, Funchal,
Lisboa, Na Impressão Regia, 1829; Regra das condiscípulas, fundou a Ordem Terceira Feminina Centro de Estudos de História do Atlântico, Secretaria
Religiozas Maltezas do Real Mosteiro de S. João das Oblatas Servitas, designadas Mantelatas do Regional do Turismo e Cultura, 2000; JOCKLE, Clemens
Baptista, Chamadas da Penitência da Villa de Hábito Adoptado. Na hora da sua morte, pediu ao (dir.), Encyclopedia of Saints, Londres, Alpine Fine
Estremoz, Reformadas pelo Serenissimo Senhor padre que lhe trouxesse o cibório à sua cela, Art Books, 1995. Digital: http://louriceirense.blogs
Infante D. Pedro, Grão Prior do Priorado do Crato, estendeu-se no chão e, com os braços em cruz, quis .sapo.pt; www.istituto-suore-mantellate.it; www.lccm.
Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal da Costa, que um corporal fosse estendido sobre o seu peito edu.ph; www.planalfa.es; www.catholic-forum.com;
1762; e que a santa hóstia fosse aí depositada, desapa- www.dominicanos.com.it.
recendo misteriosamente. Quando se preparou o
SUSANA BASTOS MATEUS corpo para a cerimónia fúnebre encontrou-se sobre SUSANA PEDROSO
o coração da santa, a marca da hóstia, com a imagem
de Jesus crucificado. Em memória desse milagre, as
MANTELATAS Mantelatas trazem sobre o lado esquerdo do MARIAS NAZARENAS
O nome Mantelatas designa as senhoras piedosas escapulário a imagem de uma hóstia. Marias Nazarenas é o nome abreviado das Missio-
pertencentes a ordens terceiras seculares, as quais, nárias Eucarísticas de Nazaré (MEN), congregação
embora usando o hábito completo correspondente fundada por Manuel González García, em Málaga
à congregação que pertenciam, podiam fazer vida (Espanha), a 3 de Maio de 1921. Manuel González
comum em recolhimento ou nas suas casas. García (1877-1940), Bispo de Málaga e de Palencia,
Segundo o estudo de Otília Rodrigues Fontoura, é uma figura emblemática da igreja espanhola da
muitos mosteiros formaram-se a partir de recolhi- primeira metade do séc. XX.
mentos de Mantelatas. Nos sécs. XIV e XV, em
Amarante, na Guarda e no Real Mosteiro da
Conceição de Beja, as moradoras passaram em
conjunto à Ordem de Santa Clara. Situação idêntica
ocorre no século seguinte, com uma grande parte
de recolhimentos de Mantelatas, e, em 1667, com
o Mosteiro de N. Sr.a das Mercês do Funchal. Em
Portugal, sabe-se que no sítio da Igreja Menino Deus,
S.ta Juliana Falconieri (SF)
em Lisboa, se erguia uma igreja conventual das
Mantelatas da Ordem Terceira de São Francisco de
Xavier. No ano de 1861, as Irs. Elena Rossi e Marianna
Encontramos a referência mais antiga a Mantelata Ferrari fundaram uma congregação feminina deno-
na vida de S.ta Juliana Falconieri (c. 1270-1341). minada Le Mantellate Serve di Maria, que se expandiu
Juliana era descendente de uma família florentina por Espanha e África.
e sobrinha de S.to Aleixo. Com cerca de 14 anos, foi A Congregação das Irmãs Agostinhas de Nossa
Senhora da Consolação foi fundada em 1902, mas
teve início no Beatério das Mantelatas de Santo
Agostinho, de Barcelona, fundado em 1883 pelas
Irs. Rita e Consuelo Barceló y Pagés, oriundas de
Sarria, Catalunha.
O cuidado dos doentes, a educação e a instrução Beato Manuel González Garcia, Fundador (I)

são as causas primeiras desta Ordem Terceira.


Encontram-se espalhadas por todo o mundo casas Ordenado Sacerdote em Setembro de 1901, pelo
mantelatas com várias denominações, ligadas, Cardeal Marcelo Spinola, é destinado como capelão
principalmente, ao ensino e à instrução: França, para o Asilo das Irmãzinhas dos Pobres, onde fica
Inglaterra, Estados Unidos da América, Canadá, Itália até Março de 1905, ano em que é enviado para a
(Istituto Suore Mantellate), Espanha (Hermanas Paróquia de S. Pedro em Huelva. Um ano após a
Mantellate Siervas de Maria, que se expandiram por sua ordenação, Manuel González García foi enviado
Itália e África), Filipinas (Irmãs Agostinhas da Nossa a dar uma missão numa aldeia chamada Palomares
Senhora da Consolação, que se expandiram pelos del Rio (Sevilha). Ao chegar à igreja, deparou com
Estados Unidos da América, Tanzânia, Tailândia, Itália, uma triste desolação, “o abandono exterior e interior
Austrália e Japão), entre outras. por parte de todos em que se encontrava o
Santíssimo Sacramento”. Manuel ajoelhou-se diante
BIBLIOGRAFIA: Impressa: AZEVEDO, Carlos Moreira daquele Sacrário e descobriu a sua missão para toda
de (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, a vida. Foi um golpe de luz e de graça que deter-
4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos minou para sempre a sua decisão de entrega total,
de História Religiosa da Universidade Católica absoluta, cheia de realismo. Uma vez chegado a S.
Portuguesa, 2002.; C OULSON , John (dir.), Société Pedro em Huelva, ante uma situação considerada de
S. Francisco de Assis (cedido pela Ordem Franciscana Menor) d´Édition de Dictionnaires et Encyclopédies, Paris, indiferença religiosa, promove actividades, visando

469
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MERCEDÁRIAS DA CARIDADE

integrar a vida cristã na dinâmica da comunidade, BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal todas as lágrimas, não deixar, se possível, em todo
preocupando-se igualmente com os pobres e com 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência o mundo, um só ser abandonado, aflito, desam-
as crianças, para as quais criou escolas. O Fundador Episcopal Portuguesa, 2007, p. 903; AZEVEDO, Carlos parado, sem educação religiosa e sem recursos”.
foi sagrado Bispo na Catedral de Sevilha, a 16 de Moreira de (dir.), Dicionário de História Religiosa de A Congregação das Irmãs Mercedárias da Caridade
Janeiro de 1916. É autor de uma vasta bibliografia Portugal, 4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro estabeleceu uma delegação em Portugal a 10 de
e o primeiro dos seus livros, Lo Que Puede un Cura de Estudos de História Religiosa da Universidade Dezembro de 1985, instalando a sua comunidade
Hoy, tornou-se referência para os sacerdotes da época. Católica Portuguesa, 2000; GOMES, Manuel Saturino em Lisboa, na R. do Forte de S.ta Apolónia, lote 4,
O Sacramento da Eucaristia constitui a central da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 7.º D. A primeira Superiora Delegada foi a Ir. Dolores
expressão da sua acção pastoral, sendo disso bom 1994, p. 85. Digital: www.vatican.va/news_ser Babarro Barrio que, de início, dirigiu quatro religiosas.
exemplo a fundação, além das Irmãs Missionárias vices/liturgy/saints/ns_lit_doc_20010429_gonzalezgarc Seguiram-se-lhe a Ir. Francisca Calez Cano, a partir
Eucarísticas de Nazaré, da Obra das Marias dos ia_po.html. de 1991; em 2000, a comunidade portuguesa era
Sacrários Calvários (1910), da Reparação Infantil conduzida pela Ir. Elena Arahuetes Contreras, e já
Eucarística (1910), dos Missionários Eucarísticos ANTÓNIO ROCHA MARTINS tinha aumentado para sete membros; a última notícia
(1918), das Missionárias Auxiliares Nazarenas (1932) disponível, de 2004, apontava para seis irmãs
e da Juventude Eucarística Reparadora (1939). Esta acompanhadas pela Superiora Delegada, a Ir. Isabel
família tomou o nome de União Eucarística MERCEDÁRIAS DA CARIDADE Alfaro Tercero. O carisma da Congregação no nosso
Reparadora (UNER). Para demandar as origens mais remotas desta país é o mesmo do desenvolvido em Espanha, isto
O Fundador foi beatificado por João Paulo II, em Instituição é necessário recuar ao séc. XIII, altura em é, o serviço da caridade em ordem à plena libertação
Roma, a 29 de Abril de 2001. A Congregação fora que a Ordem de Nossa Senhora das Mercês foi do homem, realizado em vários campos: educação,
aprovada definitivamente como Instituto de Direito fundada na Catedral de Barcelona, a 10 de Agosto saúde, obras sociais, comunidades inseridas e
Pontifício a 30 de Agosto de 1960. No Capítulo de 1218, por Pedro Nolasco, com o propósito de geriatria. Para agilizar esta última área, em 2003,
Geral de 1969, adoptou o nome oficial de Missio- resgatar cativos cristãos em poder dos mouros. instalaram as Mercedárias um Lar/Escola de
nárias Eucarísticas de Nazaré, pretendendo assim Aprovada pelo Papa Gregório IX, em 1235, através Gerontologia na Delegação de Lisboa e na morada
indicar o seu modo de vida peculiar, bem como a da Bula Devotionis Vestrae, ficou instalada numa acima referida, com o nome Dr. Virgílio Lopes, sendo
sua missão no contexto da Igreja. dependência anexa ao palácio real, doada pelo Rei a casa propriedade da União das Misericórdias
A Congregação expandiu-se de forma significativa. Jaime I ao seu Fundador. Portuguesas.
Modernamente, mantendo-se a mesma espiritua-
lidade assente no culto da Virgem Maria como Mãe
da Mercê, a Congregação das Irmãs Mercedárias da
Caridade foi criada em Málaga, Espanha, no dia 16
de Março de 1878. Aí, as primeiras Mercedárias
iniciaram o grande itinerário da caridade guiadas
pela mão do seu fundador João Nepomuceno Zegrí
y Moreno.

As Três Marias contemplando a ascensão do Senhor,


Igreja de Queijas (RMO)

Presentemente, possui comunidades em Espanha,


Itália, Portugal, México, Venezuela, Equador, Peru e
Argentina, sendo constituída por cerca de 260
religiosas. No nosso país existem, actualmente, cinco
Fundador (I)
religiosas na Diocese de Fátima, sendo Superiora a
Ir. Maria da Conceição Silva de Almeida. O carisma
da Congregação, a “maior glória e reparação do O P.e Zegrí, hoje beatificado, nasceu em Málaga, no Monja mercedária (Tours)

Coração de Jesus ferido pela frialdade e abandono mês de Outubro de 1831, vindo a morrer no ano
dos homens para com a Sagrada Eucaristia”, realiza- de 1905. Adoptou como lema da Instituição, “tudo
-se no serviço à Igreja e na doação ao Sacramento para o bem da humanidade, em Deus, por Deus e A título informativo, podemos referir que existiram
da Eucaristia, memorial da Páscoa de Jesus. A Congre- para Deus”, ou, dito de outro modo: “um serviço e existem 23 congregações mercedárias, nascidas
gação oferece continuação ao legado da Obra das de caridade redentora em todas as suas formas, em sob a protecção da Ordem das Mercês, fundada por
Marias dos Sacrários Calvários, mantendo o seu ordem à plena libertação do ser humano”. O ideal S. Pedro Nolasco. Existem comunidades mercedárias
carisma caracteristicamente eucarístico. Actualmente, do Beato Zegrí era, pois, a utopia da caridade que com a vocação específica de missionação no Brasil,
as Religiosas trabalham em paróquias, na animação o próprio definia por estas palavras: “curar todas através da Casa Provincial de S. Paulo, e em
litúrgica, catequeses, colégios, jardins-de-infância, as chagas, remediar todos os males, acalmar todos Moçambique, em vários orfanatos distribuídos pelo
apoio a imigrantes, entre outras actividades. os pesares, desterrar todas as necessidades, enxugar país. No primeiro caso, a Congregação dedica-se à

470
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS CORDIMARIANAS

educação, saúde e geriatria, assim como à acção MISSIONÁRIAS CORDIMARIANAS sendo Superioras as Irs. Josefa Yuba e Iracilda
social junto da juventude. A Moçambique, a O nome oficial da Congregação é Missionárias Filhas Serapião, respectivamente. Em 1966, a Congregação
Instituição chegou em 1959, com o objectivo de do Coração de Maria, cuja sigla é MC (Missionárias foi aprovada como Instituto de Direito Pontifício.
acolher órfãos e de apoiar jovens de famílias de Cordimarianas). A Congregação foi fundada pela O seu carisma, o “seguimento de Cristo”, é essen-
condições sociais e económicas carenciadas. Durante cialmente apostólico e missionário, devendo exercer-
a guerra civil, muitas irmãs foram torturadas e -se na “caridade, simplicidade e humildade”. Este
assassinadas, por isso muitas dessas missões aca- carisma traduz-se no exercício apostólico da caridade
baram por ser encerradas. Só no início da década nas suas múltiplas expressões: cuidado de todo o
de 1990, decidiram levar em frente o projecto de tipo de doentes, serviços de assistência a idosos e
recolher órfãos vítimas do conflito. Com esse fim, a jovens carenciados, material ou espiritualmente,
a Ir. Carmen Acín percorreu incansavelmente o bem como na sua educação. Além disso, propõe-
território para recolher crianças que haviam perdido -se atender às necessidades de momento da Igreja
os familiares na luta fratricida. E assim começou a e do mundo, prestando apoios diversos (catequese,
funcionar o orfanato de Matacuane. Actualmente, tarefas sociais, ajuda paroquial e outras formas de
têm a seu cargo 41 meninas distribuídas por serviço). A espiritualidade da Congregação guarda
Inhamízua, Maputo e Catembe, sendo a Ir. Marquinha Escudo da Congregação (I) um carácter caracteristicamente afectivo, abrangendo
a responsável pelo Lar de Inhamízua, e a Ir. Palmira três dimensões: evangélica, apostólica e cordimariana.
a dirigente do Lar de Matacuane. Em todos estes Madre Maria Güell y Puig no Hospital de Cervera, A causa exemplar do seu carisma, como o indica a
lares-orfanatos, pretendem as Mercedárias combater Lérida, Diocese de Solsona (Catalunha), em 1899. própria designação “cordimariana”, é a Virgem, à
o analfabetismo, a corrupção, as doenças e as A Fundadora nasceu em Valls, Tarragona, a 24 de qual a Fundadora sempre esteve muito ligada na
injustiças que ainda proliferam no Moçambique do Julho de 1848, e, em 1872, aos 24 anos, ingressou referência à oração enquanto momento imprescin-
pós-guerra. na Comunidade das Irmãs da Caridade do Hospital dível de espiritualidade. A prática da oração, fenó-
de Cervera. Viveu sempre vinculada a esta instituição meno religioso por excelência, configura e estrutura
hospitalar, tendo falecido a 14 de Junho de 1921. toda a vida da Congregação.
A orientação da sua acção apostólica foi certamente
marcada pelo contexto histórico de Espanha na
segunda metade de Oitocentos. Havia a jovem
religiosa iniciado o Noviciado (1873) quando sucedia
no país a última guerra civil do séc. XIX, a Terceira
Guerra Carlista (1872-1876), com grandes reper-
cussões na Catalunha. A contenda, dirigida por
Carlos VII, fez acorrer inúmeros feridos ao Hospital

Postulantes, noviças e professas (I)

BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal


2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência
Episcopal Portuguesa, 2007; AZEVEDO, Carlos Moreira
de (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal,
4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos
Maria (I)
Capela do Noviciado em Cervera (I) de História Religiosa da Universidade Católica
Portuguesa, 2002; GOMES, Manuel Saturino da Costa,
BIBLIOGRAFIA: Impressa: ALBERTO, Edite, “Mercedários”, de Cervera, suscitando o aparecimento da varíola scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p.
in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História negra. É já enquanto noviça que Maria Güel y Puig 89. Digital: www.planalta.es/CORAZON%20DE%20
Religiosa de Portugal, vol. J-P, [Lisboa], Círculo de se vê na necessidade de acudir aos feridos e doentes MARIA/corazon.htm.
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da daquele hospital, serviço a que votará toda a sua
Universidade Católica Portuguesa, 2001, pp. 194- acção de missionária e que constituirá o teor essencial ANTÓNIO ROCHA MARTINS
-195; Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], da missão da Congregação Cordimariana, cuja
Secretariado Geral da Conferência Episcopal fundação leva a efeito na viragem do século.
Portuguesa, 2007, p. 895; GOMES, Manuel Saturino Expandiu-se a Congregação, primeiramente, a outras MISSIONÁRIAS CRUZADAS DA IGREJA
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Edições regiões de Espanha, e depois, a França, Itália, Brasil A Congregação das Missionárias Cruzadas da Igreja
Paulinas, 1994, p. 70. Digital: www.cimca.com.br/ e Peru. Chegou a Portugal em 1989, exercendo a (MCI) foi fundada por Nazaria Ignacia de Santa Teresa
zegri/index.htm; www.paisprotectores.com/orfana sua missão, presentemente, no Centro Paroquial de de Jesús March Mesa, em Oruro (Bolívia), a 16 de
to2.php. Canas de S.ta Maria, Tondela, e no Centro Sócio- Junho de 1925. Nazaria Ignacia nasceu em Madrid
-Pastoral da Diocese, em Viseu. Em 2004, as duas (Espanha) a 10 de Janeiro de 1889, tendo ingressado
MARIA EMÍLIA STONE comunidades eram constituídas por nove religiosas, nas Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados em 1908,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DA CARIDADE

de onde saiu para levar a efeito a fundação da de comunicação da vida religiosa feminina, El Adalid da sua paróquia, que trabalhavam em Bengala, na
Congregação das Missionárias Cruzadas da Igreja. de Cristo Rey, revista editada exclusivamente pela Índia, e através destes ela sentia um chamamento
Faleceu em Buenos Aires (Argentina), a 6 de Julho Congregação, e ainda várias associações, entre as para ir também para a Índia. Deixou a casa dos pais
de 1943, tendo sido beatificada por João Paulo II, quais o primeiro sindicato feminino da América em Setembro de 1928, com 18 anos, e entrou como
em Roma, a 27 de Setembro de 1992. A Congre- Latina, a Sociedad de Obreras Católicas e a Liga postulante para o Convento da Congregação do
gação foi erigida canonicamente a 12 de Fevereiro Católica de Damas Bolivianas. Loreto de Dublin, cujas irmãs, as Irmãs de Nossa
de 1927 e a 8 de Junho de 1935 recebeu o Decreto O carisma da Congregação preserva, pois, a harmonia Senhora do Loreto, conhecidas como Damas Irlan-
Laudatório, constituindo-se Instituto de Direito da vida contemplativa e da vida activa, concretizando- desas, trabalhavam em missão na Índia. Voltou para
Pontifício. Recebeu a aprovação definitiva da Igreja -se na educação (ensino da catequese a todos os a Índia em Novembro de 1928, enviada pela mesma
a 9 de Junho de 1947. níveis) e no trabalho social (hospitais, prisões, bairros, congregação, para o Noviciado do Loreto de
comunidades rurais, centros de acolhimento, entre Darjeerling. Aí, a 23 de Maio de 1929, iniciou o
outros locais), conforme as necessidades urgentes Noviciado e começou a leccionar. Ao concluir o
de cada lugar. Em síntese, é seu propósito contribuir Noviciado a 24 de Maio de 1931, adoptou
para a missão evangelizadora da Igreja, promovendo S.ta Teresa de Lisieux como padroeira e o nome de
o ser humano em todas as suas dimensões. Ir. Teresa. Foi enviada a St. Mary’s College, em
Calcutá, como professora de História e Geografia.
A 24 de Maio de 1937 completou a sua formação
e professou os votos perpétuos, em Darjeeling, após
o qual voltou para Calcutá, como Directora do
mesmo colégio. Cerca de dez anos depois, em
Setembro de 1946, durante uma viagem de Calcutá
para Darjeeling, recebeu uma inspiração e um chama-
mento de Deus para instituir a Congregação das
Nazaria Ignacia, com o primeiro hábito (I) Irmãs da Caridade. Tornou-se cidadã indiana em
1948. Nessa mesma data, vestiu o sari branco
A expansão da Congregação foi significativa: debruado a azul e deixou o Convento do Loreto
Argentina, Uruguai, Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, para prosseguir o trabalho junto dos pobres. Em
México, Honduras, Guatemala, Nicarágua, Cuba, 1971, recebeu do Papa Paulo VI o Prémio pela Paz
Espanha, França, Itália, Portugal, Camarões e Guiné. Monumento a Nazaria, na Casa de Fundação (I) João XXIII. Em 1979, recebeu o prémio Nobel da
No nosso país eram, em 2004, nove religiosas na Paz, que contribuiu para a projecção internacional
Comunidade do Centro de Assistência Social e Infantil BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal da Congregação e reconhecimento mundial da sua
de Vilar Formoso, sendo Superiora Provincial Lucilia 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência obra. Na sua constante peregrinação levou a men-
Choya Brezues. Episcopal Portuguesa, 2007; AZEVEDO, Carlos Moreira sagem da paz e do amor aos povos. Portugal foi
O carisma da Congregação, a “extensão do Reino de (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, visitado entre os dias 30 de Setembro e 2 de Outubro
de Deus”, é essencialmente apostólico e missionário, 4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de Estudos de 1982.
caracterizando-se pelo “amor e serviço à Igreja”. de História Religiosa da Universidade Católica A longa vida de Madre Teresa foi dedicada à defesa
Este carisma exprime-se no apoio concreto à vida e Portuguesa, 2002; GOMES, Manuel Saturino da Costa, da causa dos pobres em todo o Mundo. Como ela
vocação de todos os homens, especialmente dos scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, própria dizia “albanesa de nascimento, cidadã da
pobres e necessitados. A valorização da mulher p. 85. Digital: www.boliviaweb.com/hallfame/igna Índia, na fé freira católica, no trabalho pertenço ao
preenche igualmente um lugar proeminente: “a cia.htm; es.catholic.net/vocaciones/397/1260/ Mundo inteiro e no coração a Deus”. Morreu a 5
congregação assume como sua vocação realizar a articulo.php?id=12238. de Setembro de 1997. O Governo indiano prestou-
acção social da mulher com a maior perfeição -lhe homenagem concedendo-lhe honras de funeral
possível”. Visando a promoção da mulher, na defesa ANTÓNIO ROCHA MARTINS de Estado. Foi enterrada na Casa-Mãe das Irmãs
da sua profissionalização e dos seus direitos, estas Missionárias da Caridade. O seu túmulo tornou-se
religiosas criaram mesmo, na Bolívia, o primeiro meio local de peregrinação e oração para ricos e pobres.
MISSIONÁRIAS DA CARIDADE A Ir. M. Nirmala substituiu-a no lugar de Superiora
Instituída com o nome de Congregação das Irmãs Geral e o dia da sua morte foi escolhido para inscrever
Missionárias da Caridade (MC) no dia 7 de Outubro a celebração da sua festa no Calendário Litúrgico
de 1950, pela Arquidiocese de Calcutá, a mesma foi Diocesano. Dois anos após a morte de Madre Teresa,
fundada por Madre Teresa para responder a um iniciou-se o processo de canonização, sendo
chamamento divino e satisfazer o seu desejo de dedicar beatificada a 19 de Outubro de 2003 pelo Papa
a vida aos pobres e abandonados. À data da João Paulo II.
instituição, a Congregação integrava Madre Teresa e A Congregação responde ao apelo sentido por todos
12 irmãs, numa casa a que chamaram Nirmal Hridoy os que receberam o chamamento de Cristo e o
(“coração puro”), com as prioridades de matar a fome aceitaram. Apresenta-se como uma família religiosa
e de ensinar a ler os mais pobres entre os pobres. organizada em congregações distintas, nas quais
Madre Teresa nasceu em Skopje, ex-Albânia e actual existem membros activos e contemplativos e da qual
Macedónia, a 26 de Agosto de 1910. Foi baptizada fazem parte irmãs, irmãos, padres e voluntários.
P.e Tarin, sj, que exerceu uma grande influência com o nome de Gonxha Agnes Bojaxhiu. Durante As irmãs activas e contemplativas constituem a
sobre a vocação missionária da Fundadora (I) a sua juventude, leu testemunhos de missionários Congregação, enquanto os padres e irmãos integram

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DA CARIDADE

outros ramos da Congregação, mas todos eles de um carisma de abandono total, amor confiante com o trabalho que estão a desenvolver. No período
reconhecem e seguem o espírito de Madre Teresa. e alegria, numa dedicação inequívoca e incondicional de oração da manhã está incluída meia hora de
A Casa-Mãe das Irmãs está localizada em Calcutá, à chamada de Deus. meditação e meia hora de oração vocal. As orações
com a respectiva Superiora Geral e um Conselho de As Irmãs seguem um período de formação inicial da comunidade têm lugar na capela, uma divisão
quatro membros. A Madre Teresa foi Superiora Geral de três anos, que pode ser prolongado por mais um da casa muito despojada e sem mobiliário, tendo
até seis meses antes da sua morte, altura em que ano. Durante este tempo, as candidatas recebem apenas um tapete para sentar ou ajoelhar.
foi eleita a Ir. Nirmala para o mesmo cargo. Naquela formação nos centros da Congregação. O terceiro Nas suas casas recebem e dão abrigo a alguns pobres
altura, no ano de 1997, a Congregação contava ano é o ano canónico do Noviciado, vivido em clau- e abandonados escolhidos entre os mais pobres.
com 595 casas, distribuídas por 120 países, com sura, para aprofundar as suas vidas espirituais e para Dependem unicamente da Divina Providência para
3800 irmãs. As casas estão agrupadas por Regiões, se desapegarem da superficialidade. Terminados fazer face às suas necessidades e daqueles que
tendo cada Região uma Irmã Provincial, responsável estes anos, as Irmãs fazem os votos temporários, tomam ao seu cuidado, e esperam que os actos de
por estas casas. Uma Região pode englobar, no por um ano, renovados todos os anos, durante cinco amor que praticam toquem os corações e as menta-
máximo, cerca de 20 casas, sendo estas de um único anos. No sexto ano, fazem mais um ano de formação, lidades e se traduzam em ajudas.
país ou de países vizinhos. Cada casa tem uma Irmã findo o qual fazem os votos perpétuos. O crescimento e expansão da Congregação foram
Superiora, nomeada pela Casa-Mãe de Calcutá, Os votos são quatro: castidade, pobreza, obediência rápidos, desde 1946, data do chamamento para a
por um período de três anos, que se pode estender e um quarto voto de serviço livre e de todo o coração criação das Missionárias da Caridade: em 1949, a
por mais três anos. Em cada casa, o número mínimo aos mais pobres, material e espiritualmente, sem primeira irmã juntou-se a Madre Teresa; em 1950,
de irmãs é quatro, normalmente de diferentes olhar a raças, credos ou nacionalidades. Este conjunto deu-se o estabelecimento oficial da Congregação,
nacionalidades. de votos reflecte-se na ajuda imediata e efectiva com 20 membros; em 1953, as primeiras Missionárias
As Irmãs têm como missão activa transportar o amor daqueles que não têm mais ninguém para os ajudar, da Caridade pronunciaram os votos na Igreja de
de Deus, especialmente aos mais pobres entre os alimentando-os com comida e com a palavra de S.ta Maria, em Calcutá; em 1963, foi criado o ramo
pobres, para que o amor e o sorriso Dele toquem Deus, dando-lhes a beber água e o conhecimento dos Irmãos Missionários; em 1965, a Congregação
e aqueçam o coração de todos. A estes elas dão da paz e do amor, abrigando-os com um tecto, mas foi estabelecida como sendo de Direito Pontifício,
abrigo, protecção, amor, dignidade humana e compreendendo, cuidando e amando os doentes pelo Decreto de Louvor, concedido pelo Papa Paulo
compaixão. Desempenham esta missão para que e moribundos, os fracos e deficientes, no corpo e VI, estendeu-se por toda a Índia e foi inaugurada a
eles possam sentir que Deus vive e ama através deles no espírito. O voto de pobreza determina a maneira primeira casa na Venezuela; em 1967, abriram uma
e dos seus padecimentos. As irmãs contemplativas de trajar das Irmãs Missionárias da Caridade. Usam, casa em Roma, por desejo de Paulo VI; em 1968,
apoiam a missão activa com orações e vivendo a apenas, um simples hábito de algodão branco, estenderam-se a Ceilão, Itália, Bangladesh, Ilhas
palavra de Deus na adoração e contemplação apertado junto ao pescoço, e um sari de algodão Maurícias, Peru e Canadá, entre outros países; em
eucarística. branco, rematado por uma risca azul larga e duas 1970, inauguraram a primeira casa em Londres,
O objectivo supremo da Congregação é poder saciar mais estreitas. O sari é usado sobre o hábito, envol- onde se fixou o Aspirantado e o Noviciado para a
a infinita sede de Deus pelo amor do homem, através vendo-o, fixado com uma cruz no ombro esquerdo Europa e América; em 1973, inauguraram uma casa
do amor votado aos mais pobres e através da vida e cobre completamente a cabeça e esconde os em Gaza, na Palestina, para atender os refugiados e
de desapego aos bens materiais, consagrada à cabelos. É um traje muito solto e que permite grande celebrou-se a primeira Assembleia Internacional dos
castidade, à pobreza, à obediência e à disponibilidade liberdade de movimentos. Umas simples sandálias Colaboradores das Missionárias da Caridade; em
total para servir. de tiras completam o traje. 1976, fundaram o ramo das Irmãs Contemplativas,
Cada uma das irmãs, para além dos livros de notas em Nova Iorque, o local que, no entender de Madre
pessoais, livros de oração, Bíblia e Constituições, Teresa, mais precisava de oração, inauguraram centros
tem, unicamente, como pertences, um pires com no México e em Guatemala e fundaram os Missio-
caneca, um prato pequeno e as roupas de cama nários da Caridade Contemplativos, em Roma; em
que lhe são entregues quando chegam a uma casa. 1981, fundaram o Movimento Diocesano Corpus
O estilo de vida escolhido por Madre Teresa para a Christi, para padres diocesanos, e inauguraram
sua família religiosa assenta num quotidiano de uma casa em Berlim Oriental; em 1982, inauguraram
oração e de silêncio, porque no “silêncio do coração a primeira casa em Portugal, em Setúbal; em 1984,
é que se fala com Deus”. Da devoção eucarística e criaram o ramo dos Padres Missionários da Caridade;
da Eucaristia recebem o amor divino, a luz e a energia em 1986, inauguraram a segunda casa em Portugal,
para reconhecer Jesus nos mais pobres e para em Lisboa; em 1989, inauguraram a terceira casa
pedirem a Deus que as faça ser uma via para a sua em Portugal, em Faro e, ainda, a primeira casa em
paz. Têm vários períodos de oração ao longo do dia Moscovo, na Rússia. Em 1991, a Madre Teresa voltou
repartidos por: Laudes, Vésperas, um hora de ao seu país de origem, a Albânia, para abrir a primeira
adoração ao Santíssimo Sacramento exposto na casa.
capela, uma hora de oração pela manhã e outras Em 2007, a Congregação contava com 4800 irmãs
orações durante o dia. As orações são rezadas por de 94 nacionalidades, distribuídas por 134 países.
toda a comunidade e usam um livro de orações para São, no total, de 757 casas espalhadas pelo mundo.
cada uma das ocasiões. Rezam, especialmente, para A Congregação publicou uma novena, traduzida em
Irmã missionária da caridade em Chelas (JEF)
que possam concretizar a sua missão de levar o várias línguas, para comemorar a celebração da
amor, a fé e a alegria aos mais carenciados, e para primeira festa litúrgica da Beata Teresa de Calcutá,
O espírito da Congregação é transmitido pelas regras, se tornarem dignas de servir em qualquer lugar os que, através das suas próprias palavras, apresenta
que prevêem ajudar, servir e levar a alegria aos irmãos que vivem na pobreza e na fome. A estas sob a forma de meditações, para cada um dos nove
pobres para “fazer algo de belo por Deus” debaixo preces são acrescentadas intenções diárias de acordo dias anteriores a 5 de Setembro, os temas centrais

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DA CONSOLATA

MISSIONÁRIAS DA CONSOLATA A 29 de Janeiro de 1910, em Turim, por impulso


O Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata, cuja do Fundador e com a autorização do Papa Pio X,
sigla é MC, é o nome oficial desta Congregação procedeu-se à fundação do Instituto Missionário das
Religiosa-Missionária Internacional, consagrada à Irmãs da Consolata (Istituto delle Suore Missionarie
Missão Além-Fronteiras, que tem por finalidade della Consolata), com a missão de colaborarem com
específica a evangelização dos povos, a missão de os Irmãos em tarefas mais específicas do feminino,
primeiro anúncio e a missão de fronteira, com em especial no que se refere ao papel e ao
preferência pelos mais pobres e excluídos. comportamento da mulher na sociedade. Assim, em
Inicialmente, o Instituto assumia como sinal exterior 1913, partiam as primeiras 13 missionárias para as
de identificação um hábito cinzento (branco nas missões do Quénia, às quais se seguiram as missões
missões, por motivos climatéricos), todavia, actual- na Etiópia, na Somália, em Tanganyika e em
Sede das Missionárias da Caridade em Chelas (JEF) mente, aquele foi substituído por um crucifixo próprio Moçambique. O P.e José Allamano veio a morrer em
com a sigla da Congregação inscrita na parte de trás Turim, a 16 de Fevereiro de 1926, mas outra figura,
da vivência espiritual da Congregação. Elaborou deste, apesar de o uso do hábito se manter facultativo. também importante, continuou o seu trabalho de
também dois folhetos impressos: um fala do As razões do nome encontram-se na história da missionação, a Ir. Irene Stefani. Esta irmã nasceu em
chamamento e da missão de Madre Teresa e inclui génese do Instituto e na vida do seu fundador, o Anfo, na Província de Brescia, a 22 de Agosto de
uma oração para que na prática do dia-a-dia a sua P.e José Allamano, Reitor do Santuário de N. Sr.a 1981, com o nome de Mercedes Stefani. Em 1911,
mensagem e o Amor de Deus se espalhem pelo Consolata. Nascido em Castelnuovo, a 21 de Janeiro entrou para o Instituto das Irmãs Missionárias da
Mundo; outro, que contém uma mensagem de 1992 de 1851, diz, nos seus escritos, que idealizou os Consolata e, no ano seguinte, vestiu o hábito do
e é destinado aos jovens. A partir de uma citação dois Institutos (um feminino e outro masculino, o Instituto e adoptou o nome de Ir. Irene Stefani. Dois
de Madre Teresa foi igualmente impressa uma pagela Instituto Missionário da Consolata) aos pés da anos depois, a 29 de Janeiro de 1914, professou os
que ostenta uma imagem sua abraçando um recém- Consolata e que é a Consolata quem os envia pelo votos religiosos, partindo, no final do mesmo ano,
-nascido e contem, no reverso, uma oração pelo mundo todo a anunciar a Verdadeira Consolação para o Quénia, onde prmaneceu até à data da sua
respeito da dádiva da vida humana. (Jesus Cristo). A este sacerdote diocesano se deveu morte, a 31 de Outubro de 1930, vítima de Peste.
Existem representações que facilmente identificam o primeiro impulso da Congregação para as Missões. Desde o momento em que chegou a esta região
esta Congregação: as palavras “Tenho sede” inscritas A oficialização do Instituto Missionário da Consolata missionária até 1920, a Ir. Irene Stefani dedicou-se
nas paredes das suas capelas, que são as palavras (sediado em Turim), para padres e irmãos, aconteceu a prestar assistência nos Hospitais de Voi, Kilwa e
que Jesus disse na cruz lembram a imensa sede de a 29 de Janeiro de 1901, como resultado da grande Dar-es-Salaam, onde lavava e medicava os doentes
amor de Deus por cada um de nós; o logótipo cons- devoção do P. e José Allamano por N. Sr. a da e onde distribuía medicamentos e alimentos. Entre
tituído por uma vela acesa, que apresenta a Consolata e do seu desejo de missionação. De facto, 1920 e 1930, dedicou-se ao ensino escolar, na missão
bordadura ondulante e azul das barras dos saris e dois anos depois, partiam os primeiros quatro de Gekondi. Aqui, a irmã instruía outras jovens que
uma cruz, que representam Madre Teresa e Nossa missionários (dois padres e dois irmãos) para as vinham para as missões. Pouco antes da morte da
Senhora junto à cruz dos “calvários” suportados missões do Quénia, na África Oriental, uma região Ir. Irene, a 15 de Maio de 1930, o Instituto das Irmãs
pelos pobres, os doentes, os excluídos e os aban- que, até à data, ainda não havia sido evangelizada Missionárias da Consolata foi reconhecido pela Santa
donados do mundo moderno. e onde tiveram uma actuação meritória e inovadora, Sé. A 7 de Outubro de 1990, o P.e José Allamano
o que valeu ao Instituto a aprovação definitiva da foi beatificado, em Roma, pelo Papa João Paulo II.
BIBLIOGRAFIA: Impressa: 365 Dias Com Madre Teresa, Santa Sé, em 1909. Actualmente, as cerca de 900 Irmãs Missionárias da
Lisboa, Paulus Editora, 1995; B ALADO , José Luís Consolata estão presentes em quatro continentes:
Gonzalez, Madre Teresa do Mundo Inteiro, Lisboa, América do Norte (Estados Unidos), América do Sul
Paulus Editora, 1999; CAVALLO, Olímpia, As Asas da (Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Venezuela),
Santidade, Lisboa, Edições Paulinas, 2005; DOIG, África (Quénia, Tanzânia, Etiópia, Moçambique,
Desmond, Mother Teresa, Her People and Her Work, Libéria, Guiné-Bissau, Somália, Jibúti), Ásia (Mongólia)
New York/Hagerstown/San Francisco/London, Harper e Europa (Portugal, Itália, Espanha, Suíça e Inglaterra).
& Row, 1976; EGAN, Eileen, Mother Teresa, Her Spirit O Instituto Missionário da Consolata foi fundado
and Her Work, New York/London/Toronto/ Sydney/ em Portugal em 1943, por intermédio do P.e João
Auckland, Doubleday, 1989; G ERHARDS , Agnès, de Marchi, vindo de Roma com uma carta de
Dictionnaire Historique des Ordres Religieux, Poitiers, recomendação do Cardeal Maglione para o Bispo
Fayard, 1998; KOLODIEJCHUK, Brian, Jesus é o Meu de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal. Este,
Tudo em Tudo, Novena à Beata Teresa de Calcutá, por sua vez, enviou-o ao P.e Humberto Pasquale,
Tijuana, Missionárias da Caridade, 2004; SANTOS, Superior dos Salesianos, o qual pôs à disposição
Januário dos, Madre Teresa de Calcutá, Editorial do jovem missionário da Consolata uma pequena
Missões de Cucujães, 1985; ZAMBONINI, Franca, Madre moradia na Diocese de Leiria, em Fátima. Mas só
Teresa, a Mística dos Últimos, trad. de António Maia em 1964 é que foi fundado o Instituto das Irmãs
da Rocha, Lisboa, Edições Paulinas, 2005. Digital: Missionárias da Consolata em Portugal. Tendo como
www.heroesofhistory.com/page.html; www.leme. principais objectivos o apoio às diversas missões
pt/biografias/80mulheres/teresa.html; www.mother (especialmente, de língua portuguesa) e a animação
teresa.org; www.opf.pt/missãomp; www.vatican.va/ missionária, as Irmãs desenvolvem diversas actividades
holy/john_paul/letters/2000/documents. em instituições humantitárias.
Imagem de N. Sr.ª da Consolata na Residência Do ponto de vista da sua organização, como Instituto
LUÍSA DE OLIVEIRA GUIMARÃES das Missionárias da Consolata, Lisboa (PCC) de Direito Pontifício, o Instituto das Irmãs Missionárias

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

de animação missionária, e do trabalho que visa o il Futuro, Bologna, Editrice Missionaria Italiana, 1999;
crescimento do Instituto, com a pastoral vocacional, COLOMBO, Dalmazia, Vibrare Insieme, Mozambico:
o acompanhamento e a formação de novos 1964 – 1990, Bologna, Editrice Missionaria Italiana,
membros. Assume e enuncia como áreas específicas 1990; C OLOMBO , Dalmazia, C OLOMBO , Rosy,
da sua acção a evangelização e a catequese, a Mozambico: I Valori Religiosi del Popolo Makua,
educação, a saúde, a promoção humana (especial- Bologna, Editrice Missionaria Italiana, 1988; MANELLA,
mente da mulher e da criança) e a formação de Plácida, FORASACCO, Maria Luísa, La strada di Ângela,
lideranças, em escolas, paróquias, comunidades Lettere di Suor Rita Rosa Castelli, Bologna, Editrice
eclesiais de base e centros comunitários (urbanos e Missionaria Italiana, 1998; MANELLA, Plácida, Donna
rurais), dando sempre preferência aos mais pobres, delle Beatitudini, Suor Luisa Piera Soldati, Bologna,
índios, afro-americanos, agricultores, jovens, entre Editrice Missionaria Italiana, 1996; MINA, Gian Paola,
outros. As Missionárias da Consolata consideram Al Lume di una Lanterna, Suor Irene Stefani Scrive
herança do Fundador um grande amor à Eucaristia, ai suoi Ghekondesi (Kenya 1920 – 1930), Leumann
como fonte e ápice da missão, uma devoção filial (Torino), Editrice Elle Di Ci, 1993; MINA, Gian Paola,
a Maria sob o título de Consolata (Consoladora), o Uma Vida uma Mensagem, Prisca Groppo Medica
espírito de família, na convivência comunitária e a Missionaria em Africa, São Paulo, Edição Irmãs
estima e dedicação ao trabalho. Por tudo isso, este Missionárias da Consolata, 1987; MINA, Gian Paola,
carisma de doação total e gratuita exige dos seus In Africa con Amore, Profilo della Missionaria Medico
membros um grande amor à vida, a disponibilidade suor Prisca Groppo, Bologna, Editrice Missionaria
para ultrapassar as fronteiras da raça, da língua, da Italiana, 1986; MINA, Gian Paola, Gli Scarponi della
religião e da nação e a capacidade de amor universal. Gloria, Suor Irene Stefani, Leumann (Torino), Editrice
Na sede do Instituto, promovendo a fixação de uma Elle Di Ci, 1983; MINA, Gian Paola, Lungo il Cammino,
memória identitária, o Gabinete Histórico reúne Missionarie Cosí, Bologna, Editrice Missionaria Italiana,
Residência das Missionárias da Consolata, Lisboa (PCC) informação e bibliografia diversa sobre o Fundador, 1981; MINA, Gian Paola, Kenya: Palcoscenico sotto
a história do Instituto e das várias províncias e a il Sole, Bologna, Editrice Missionaria Italiana, 1979.
da Consolata depende directamente do Sumo experiência das primeiras irmãs, encarando-as como Digital: nyaatha.inter free.it; www.catolicanet.com;
Pontífice e é dirigido por um Governo Geral composto testemunhos e propostas de vida. Assim, são www.consolatasiste rs.org; www.dacb.org; www.ec
pela Madre e pelo seu Conselho, sendo este testemunhos de vida obras de Plácida Manella (Donna clesia.pt; www.fides. org; www.iserv.net; www.missio
nomeado pelo Capítulo Geral, que reúne de seis em delle Beatitudini, Suor Luisa Piera Soldati, 1996; em nariedellaconsolata.pcn.net; www.missionaricons
seis anos. O Instituto encontra-se dividido em colaboração com Maria Luísa Forasacco, La Strada olata.it/demo/index.asp; www.santiebeati.it.
Províncias, cada uma com a sua Superiora e respectivo di Ângela, Lettere di Suor Rita Rosa Castelli, 1998)
Conselho Provincial e com diversas Comunidades ou de Gian Paola Mina (Gli Scarponi della Gloria, ANNABELA RITA
dirigidas por Responsáveis. Suor Irene Stefani, 1983, In Africa con Amore, Profilo PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA
No âmbito do IX Capítulo Geral das Missionárias da della Missionaria Medico Suor Prisca Groppo, 1986,
Consolata, que decorreu em S. Paulo (Brasil), de 10 Uma Vida Uma Mensagem, Prisca Groppo Medica
de Abril de 2005 a 23 de Maio de 2005, a Madre Missionaria em Africa, 1987, Al Lume di una MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA DE
Gabriella Bono (Itália) foi reeleita Superiora Geral Lanterna, Suor Irene Stefani Scrive ai Suoi Ghekondesi FÁTIMA
do Instituto e foram também eleitas as Conselheiras (Kenya 1920 – 1930), 1993), dentre outras autoras. O Instituto das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora
Gerais: Anair Voltolini (Vice-Superiora Geral) (Brasil), O Instituto tem dois periódicos oficiais em língua de Fátima foi fundado a 26 de Julho de 1964, na
Jane Wambui Muguku (Quénia), Simona Brambilla italiana: Posta da Casa (bimestral de informação do Paróquia N. Sr.a de Fátima, em S. Gonçalo, Rio de
(Itália), Renata Conti (Itália). Em Portugal, a Superiora Instituto) e Andare alle Genti (mensário de informação Janeiro, Brasil. Foi aprovado nesta altura como
Provincial é a Ir. Genaide Angelina Deretti. e serviço missionário). No âmbito de cada província, Associação Pública por D. António de Almeida Moraes
A formação das Irmãs Missionárias da Consolata há uma publicação interna de informação e reflexão. Júnior. Teve como fundador o P.e Menceslau
segue várias etapas e é realizada progressivamente De entre a bibliografia, destaca-se a tese de Valiukevícius, brasileiro e nascido a 22 de Agosto de
.
a nível local, nacional e continental, com destaque doutoramento de Krystyna Elziebeta Janciów La 1954.
para a que se processa nas Comunidades de Spiritualità delle Suore Missionarie della Consolata. O Instituto foi erigido canonicamente a 11 de
Formação para irmãs no continente. Origine Storico-Spirituale – Sviluppo – Rilettura alla Fevereiro de 1995, por D. Carlos Alberto Etchandy
O Instituto dispõe de Constituições internas que Luce della Teologia Spirituale Contemporanea (Roma, Gimeno Navarro, com o processo n.º DD 2276-1/92.
orientam a vida de cada irmã, das comunidades e Editrice Pontifícia Università Gregoriana, 2004), As suas Constituições foram aprovadas a 7 de
do Instituto no seu conjunto, no que concerne a trabalho fundamental de síntese e sistematização Outubro de 1996 e o seu Directório foi aprovado
vida religiosa e apostólica. As comunidades procuram de uma memória identitária do Instituto com ad experimentum no segundo Capítulo Geral, a 24
garantir a sua independência económica através do minuciosa cronologia e importante bibliografia édita de Julho de 2002.
trabalho de algumas irmãs, a que juntam donativos e inédita. As Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima
individuais ou institucionais. celebraram o seu primeiro Capítulo Geral de 19 a
Relativamente ao seu ideário, pode dizer-se que o BIBLIOGRAFIA: Impressa: BONARDO, Brunalda, Semaforo 26 de Julho de 1996, presidido por D. Carlos Gimeno
carisma do Instituto se exprime através do primeiro Verde sul Marciapiede: Flashes su Realtà Colombiane, Navarro, no qual foi eleita como Superiora Geral a
anúncio nos países a serem evangelizadas, da Bologna, Editrice Missionaria Italiana, 1982; BONARDO, Ir. Dálida de Oliveira, mf, por seis anos. Até essa
colaboração temporária na igreja local, para o seu Brunalda, Una Strada un Cuore e Tanta Gente: altura, ocupava o cargo de Superiora do Instituto a
crescimento e consolidação, da sensibilização à Testimonianze, Bologna, Editrice Missionaria Italiana, Ir. Lúcia de Sousa, mf, desde há 32 anos. O segundo
dimensão universal da vocação cristã, com o trabalho 1978; COLOMBO, Dalmazia, Mozambico, Insieme Verso Capítulo ocorreu de 18 a 29 de Julho de 2002,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DE SÃO DOMINGOS

A palavra de Deus contida nos Evangelhos e a crianças do sexo feminino, abandonadas na China
Eucaristia são os seus outros alimentos espirituais. Continental: “Santas Infâncias”. Alargaram poste-
Na prática, dedicam-se a todos os que delas precisem, riormente a sua acção ao Japão, Filipinas e Formosa.
tanto os irmãos nas paróquias como os deficientes Desde 1933, a Congregação tornou-se autónoma
visuais, os doentes nos hospitais, os órfãos que vivem em relação aos Fundadores e, impulsionada pelo
em orfanatos, ou, simplesmente, as crianças nas espírito renovador do Vaticano II, alargou os seus
creches, jovens em lares ou colégios e seminários, campos de acção para o Chile, Estados Unidos da
ou os idosos nos Lares de Terceira Idade. América e Coreia do Sul e assumiu novos aposto-
O Instituto tem actualmente cerca de 113 irmãs. lados: colégios, creches, lares universitários, casas
Desse total, 102 têm votos perpétuos, 8 com licença, de oração, crianças de rua, lares de terceira idade,
uma exclaustrada e 11 com votos temporários. hospitais, pastoral paroquial e inserção.
As Religiosas são de nacionalidade brasileira (101), Devido à Guerra Civil de Espanha, em 1936, a
portuguesa (5) e cabo-verdiana (7). Congregação transferiu o seu Noviciado para a cidade
Encontram-se em formação uma noviça, 2 postu- do Porto. Foi então que assumiu a orientação do
lantes e 5 aspirantes. Colégio de Liverpool, na R. da Torrinha, dedicando-
O Instituto das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora -se à educação de crianças e jovens. As Irmãs
de Fátima está presente no Brasil (Rio de Janeiro, dirigiram, a partir de 1951 o Preventório de S.ta Cruz
S. Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe e da Trapa, para crianças filhas de tuberculosos; de
Pernambuco), em Portugal, na Itália e em Israel. 1957 a 1968 assistiram os doentes no Sanatório
Rodrigues Semide, no Porto; e de 1958 a 1966
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, trabalharam no Hospital de S. Bento, em Braga.
N. Sr.ª de Fátima na Igreja de Queijas (RMO)
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Durante alguns anos dirigiram o Lar da Misericórdia
Portuguesa, 2007, p. 885; GOMES, Manuel Saturino de Oliveira de Frades.
sendo reeleita a Ir. Dálida de Oliveira como Superiora da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
Geral por mais seis anos. 1994, p. 72.
A espiritualidade do Instituto segue a própria
denominação: é uma espiritualidade mariana e ISABEL BALTAZAR
eucarística. Tem como missão específica o combate
ao materialismo ateu, sob todas as formas. Como
principal texto doutrinário segue a mensagem de MISSIONÁRIAS DE SÃO DOMINGOS
Nossa Senhora aos Pastorinhos de Fátima, na Cova A Congregação das Religiosas Missionárias de São
de Iria, em 1917. É ela a principal fonte de inspiração Domingos foi fundada a 20 de Abril de 1891 em
e pedra angular da sua espiritualidade e, também, Ocaña, Espanha, pelos padres dominicanos da
da sua mensagem. Na oração e na vida, procuram Província do SS.mo Rosário das Filipinas, uma das
em tudo segui-la, amando a Deus segundo o exemplo Províncias da Ordem de São Domingos de Gusmão,
de Maria. Por isso, continuam na actualidade a especificamente fundada para as missões do Oriente.
cumprir e difundir a mensagem de Nossa Senhora A Congregação nasceu para colaborar na acção
aos pastorinhos, uma mensagem de todos os tempos. missionária dos Dominicanos, sobretudo com as

Colégio de Liverpool, Porto (JMF)

Santuário de Fátima – em Fátima está situada


a Casa Provincial da Congregação (SMA) S. Domingos da Paróquia do Reguengo Grande (AFIS) Escudo no Colégio de Liverpool, Porto (JMF)

476
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DE SÃO PEDRO CLAVER

Actualmente, estão apenas no Colégio de Liverpool, vez que em vida foi um poderoso defensor dos povos fez crescer o projecto da Fundadora. O boletim
onde recebem meninas, provenientes não apenas indígenas do Novo Mundo. Embora nunca tenha mensal dirigia-se a todos os meios, com preço
do país, mas também da população migrante. conseguido levar a cabo missões em África, é um acessível a todos, mesmo aos mais pobres. Como
As Irmãs dependem da Província de S. Luís Beltrão, digno representante do espírito missionário. meios de divulgação actual são utilizadas a animação
que tem a sua sede em Madrid, Espanha. Maria Teresa conseguiu para a sua Instituição o apoio missionária oral e escrita, para angariar apoios
A Cúria Geral da Congregação é em Roma. oficial da Igreja em 1894, com o auxílio dos jesuítas espirituais e financeiros para as Missões.
de Viena, com um plano esboçado sob a égide de Seguiram-se outras revistas para crianças e adoles-
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, S. Pedro Claver. O P. e Schwarzler, Provincial da centes, como o Négrillon (hoje Le Jeune Aficain),
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Província Austríaca da Companhia de Jesus animou que começaram a atingir com sucesso os meios
Portuguesa, 2007, p. 905; GOMES, Manuel Saturino a Fundadora a tomar este santo como Padroeiro. populares e a despertar o interesse pelos testemunhos
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, A 29 de Abril, dia do aniversário de Maria Teresa, dos missionários africanos. Maria Sorg continua hoje
1994, p. 101; V ILLARROEL , Fidel, op, Religiosas foi recebida por Leão XIII, que abençoou o seu plano. a ser a Casa-Mãe, dedicada ao retiro e à oração.
Misioneras de Santo Domingo: Un Siglo de Uma carta oficial do cardeal secretário de Estado Maria Teresa fez propaganda missionária por todos
Apostolado (1887-1987), Roma, Typografia Vaticana, veio confirmar a aprovação da Santa Sé. Apoiada os meios de que dispunha: conferências em diversos
1993. no mandato da Igreja, Maria Teresa encontrou-se países, museus itinerantes, diapositivos (foi ela uma
em Roma com Melânia Ernst, de 25 anos, que das primeiras a fazer uso desse meio nas conferências
RITA NICOLAU acompanhou a obra, sendo esta no início apenas religiosas), boletins publicados em cinco línguas,
uma piedosa associação, sem votos religiosos. pequenas brochuras e folhetos. Na imprensa
A Instituição situou-se primeiro na Igreja da Trindade, apostólica editou livros em línguas indígenas, como
MISSIONÁRIAS DE SÃO PEDRO CLAVER em Salzburgo. Mais tarde, chegaram aspirantes e o o cafre, vocabulários e dicionários. Em África,
As Irmãs Missionárias de São Pedro Claver são uma local teve de se dilatar. Em 1896 vieram sete surgiram três centros de apostolado pela imprensa:
congregação fundada pela Beata Maria Teresa aspirantes de “vida interna”. Desde o início, Maria em 1957, no Uganda (Marianum); em 1959, na
Ledochowska, a 29 de Abril de 1894. Maria Teresa Teresa escalonou os seus colaboradores em diversos Zâmbia (Teresianum); em 1960, na Nigéria
nasceu a 29 de Abril de 1863, em Viena de Áustria, grupos, constituídos por um núcleo permanente de (Claverianum). Os fundos que alimentam estes vastos
e era de ascendência nobre. Chegou a ser dama de consagrados à Obra e por membros externos empreendimentos provêm de duas fontes: por um
honor na Corte de Áustria, por vontade de seus comprometidos por uma simples promessa no serviço lado, da generosidade dos benfeitores e da gratidão
pais, embora cedo tivesse demonstrado vocação das missões da África, que seriam a guarda avançada de todos os que se sentem beneficiados pela
para a vida religiosa. Maria Teresa morreu em 1922. na invasão pacífica do mundo pela propaganda da Instituição; por outro lado, da rede de propaganda
Foi beatificada pelo Papa Paulo VI a 19 de Outubro literatura missionária, especialmente do Echo que a Fundadora lançou em vida, e que as suas
de 1975. d’Afrique, começado em 1900 a publicar-se em cinco filhas continuaram depois a manejar: o Eco das
línguas. Missões, a Juventude Africana, o Almanaque, entre
outros. Os boletins são publicados em italiano,
alemão, polaco, francês, espanhol, português, inglês
e holandês.

Madre Teresa Ledochowska, Fundadora (I)

O seu tio, o Cardeal Ledochowski, teve um papel


de primeiro plano na fundação do Instituto. Foi ele Missão na Nigéria (I)

que conseguiu à sobrinha muitas das audiências


decisivas, em Roma, para o trabalho do Instituto. A Sociedade dedicou-se também a despertar e
Outra figura histórica ligada à Congregação foi o encorajar as vocações missionárias. A formação inicial
Cardeal Lavigerie, que percorreu a Europa a denunciar foi dada por religiosas das Missionárias de Maria,
o escândalo da escravatura negra, na África e noutras a pedido de Maria Teresa, a fim de formar noviças Almanaque (I)
partes, e a despertar vocações ao serviço dos com sólida preparação religiosa.
missionários de além-mar. Maria Teresa fundou uma tipografia em 1897, em A Sociedade de São Pedro Claver (SSPC) procurou,
O Padroeiro da Instituição é S. Pedro Claver, o Viena, a fim de fazer publicações frequentes e no séc. XIX, ser um poderoso meio para abolir a
Apóstolo dos Escravos, émulo de S. Francisco Xavier divulgar a mensagem da Instituição. Só conseguiu escravatura, proclamando a vocação missionária de
e também N. Sr.a Mãe do Bom Conselho. S. Pedro autorização oficial a 13 de Junho de 1898, do todo o cristão, inscevendo o apostolado no centro
Claver nasceu na Catalunha, em 1581, e morreu na Ministro Thun, instalando a imprensa em Maria Sorg, das suas responsabilidades. A finalidade actual das
Colômbia, em 1654. Foi beatificado em 1851 e apesar da exaltada oposição dos sindicatos da Missionárias é enraizar e consolidar o Reino de Jesus
canonizado em 1888, emergindo do esquecimento imprensa. A imprensa apostólica foi uma arma eficaz Cristo nos países de missão e conduzir os mais pobres
em que tinha caído. Em 1896, foi proclamado na divulgação do Instituto e das missões. O Echo ao conhecimento de Deus como fonte de amor. As
Padroeiro de todas as missões entre os negros, uma d’Afrique e a correspondência com os missionários Irmãs praticam um despojamento total, levando uma

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO

vida de esforço e dedicação às missões. O lema da D. Manuela de Castro também manteve corres- MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO
Fundadora foi sempre sofrer e trabalhar. A origina- pondência com a Casa-Mãe de Roma. Depois da A Congregação das Irmãs Missionárias do Espírito
lidade da Sociedade está na sua universalidade sua morte prematura, substituiu-a a sua amiga Santo (CSSps), ditas Espiritanas, configurou-se institu-
católica, pois as missões não conhecem fronteiras. D. Maria Carlota Lobato Guerra. Foi ela que continuou cionalmente a 20 de Outubro de 1920, por ocasião
Em 1969 convocou-se um Capítulo especial para a o secretariado em Portugal e o apoio às missões. do encontro realizado em Paris entre Mons. Alexandre
adaptação das linhas do Instituto às do Concílio Em Setembro de 1922, após o falecimento de Maria le Roy, Superior Geral da Congregação do Espírito
Vaticano II. O Capítulo realçou fortemente “a Teresa Ledochowska foi eleita como Superiora Geral Santo, e Marie-Eugénie Caps, a fundadora, que se
prioridade do auxílio espiritual em favor das missões”. a Madre Maria Falkenhayn. fizera acompanhar pelo P.e Eich, seu director espiri-
As deliberações do Capítulo confirmaram a Só em 1933 é que foi possível a realização do grande tual, e por Lucie Lay, uma das suas companheiras.
continuação das novas formas de apostolado que desejo de Maria Teresa: a publicação do Eco de África A declaração oficial da existência da Congregação,
tinham sido recentemente empreendidas, como a em português. P.e António de Santa Maria colaborava inicialmente marcada para 8 de Dezembro de 1920,
catequese e os Exercícios Espirituais. nas traduções, correcções e orientações da revista. mas adiada por problemas relativos à instalação, foi
A Congregação tem representações em diversos Também nesta data chegaram a Lisboa as associadas feita a 6 de Janeiro de 1921, durante a missa da
países. Só em 1902 se implantou em Itália (Via Joana Ganster e Isabel Kerker, que ficaram hospedadas Festa da Epifania do Senhor. Entretanto, devido ao
dell’Olmata). Depois da morte da Fundadora (1922), em casa das Irmãs Doroteias até poderem vir as adiamento, a autorização fundacional, que se lhe
ficaram as Casas de Salzburgo, Maria Sorg, Roma e Irmãs, para comprarem uma casa para o Instituto. deveria seguir, antecipou-se naturalmente. Esta
Zug. Surgiram depois casas e postos de propaganda Em Portugal, a Congregação está representada em foi concedida a 12 de Dezembro de 1920, pelo
em França, Holanda, Polónia, Espanha, Inglaterra, Lisboa, sediada numa casa localizada na R. Eduardo Bispo da Diocese de Metz, Mons. Pelt, e nela se
Alemanha, Portugal, Estados Unidos da América e de Noronha, desde 1961. Esta casa é um centro muito refere Farschwiller (Moselle) como localidade de
Irlanda. Depois da Segunda Guerra Mundial estabelecimento.
suprimiram-se as casas da Roménia, Checoslováquia,
Hungia, Jugoslávia e Líbano. Em contrapatida,
criaram-se centros importantes no Canadá, Argentina,
Uruguai, Uganda, Zâmbia, Nigéria, Austrália, Nova
Zelândia, Índia e Colômbia – o país evangelizado
pelo Padroeiro do Instituto, S. Pedro Claver.
Actualmente, o Instituto conta com várias centenas
de religiosas de 24 nacionalidades.

Símbolo da Congregação (I)

Casa de Lisboa (I)

A tramitação do processo formal conducente à


activo de animação missionária. Actualmente passam obtenção da aprovação papal esteve sujeita a
ali diversos bispos e sacerdotes provenientes de várias demoras e alterações, ambas geradoras dos mar-
partes da missão que ajudam os trabalhos missionários. cantes equívocos verificados nos primeiros tempos
O trabalho das Missionárias de São Pedro Claver é a da Instituição. Primeiramente, em Março de 1922,
animação missionária através da palavra e da escrita, Mons. A. le Roy enviou ao Cardeal van Rossum,
através das publicações missionárias Eco das Missões Prefeito da Sagrada Congregação da Propaganda
(publicação mensal) e Almanaque S. Pedro Claver. O da Fé e residente em Roma, a versão original das
seu carisma religioso é a oração e trabalho como Informações, documento descritivo referente à
apoio à acção evangelizadora da Igreja, com os natureza, fim e espírito do Instituto, constituído
seguintes objectivos: informar e formar todos os pelas seguintes secções: I. A origem da fundação;
cristãos (adultos, jovens, crianças) e assumir a II. A fundadora; III. Razão de ser; IV. Nome e título;
responsabilidade missionária da Igreja Universal. V. Costumes das noviças e professas; VI. As obras;
VII. Os recursos. Posteriormente, mantendo-se o
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal pedido de aprovação sem resposta, Mons. A. Le Roy
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência enviou segunda versão datada de 1 de Março de
Jovens irmãs (I) Episcopal Portuguesa, 2007, p. 896; FONTES, A. Rocha, 1923, na qual se verifica a substituição da secção
Biografias de Santos: Resumo Histórico sobre a Vida relativa à Fundadora por uma outra, mais genérica,
Em 1921, Maria Teresa enviou duas irmãs a Portugal, dos Santos mais Conhecidos e Venerados em designada Fundação, e onde se omite o nome de
que, sob direcção do P.e Valério Cordeiro visitaram Portugal, Coimbra, Coimbra editora, 1993, pp. 186- Marie-Eugénie Caps. Porém, dias antes, precisamente
Lisboa e fizeram uma sessão na sala da Academia -188; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, a 26 de Fevereiro, o Secretário da Sagrada
Naval, à qual compareceu um público escolhido da Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 73; Congregação da Propagação da Fé, Franciscus
capital. Desta reunião resultou a fundação de um WINOWSKA, Maria, Mãe de África: Vida de Maria Marchetti-Selvaggiani, tivera uma audiência com o
secretariado. Foi então que D. Manuela de Castro, Teresa Ledochowska, Fundadora das Irmãs de S. Papa Pio XI, em que expusera a súplica de erecção
filha dos Condes de Nova Goa, se ofereceu para o Pedro de Claver, Braga, Livraria Apostolado da canónica com base na versão original. Recebido o
cargo de secretária. Conseguiu assinantes para o já Imprensa, 1975. Digital: www.irmasclaverianas.org. beneplácito papal, no dia 22 de Março, quando já
citado Eco de África, editado em francês, e logo de a segunda versão tinha sido enviada, fora remetido
seguida conseguiu alguns benfeitores. FERNANDA CRISTINA SANTOS de Roma o Decreto da Erecção Canónica que assumia

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO

a Congregação como Instituto Religioso Internacional Marie-Eugénie Caps compreendeu o seu destino e Béthisy-Saint-Pierre (Oise), o qual era inteiramente
de Direito Pontifício destinado à educação e instrução a vontade de o realizar, mas obrigações familiares, administrado pelo P.e Onfroy. Correlativamente, a 16
religiosa de jovens raparigas indígenas. No mesmo incompreensões, impasses e desencontros circuns- de Abril de 1923 formava-se um segundo grupo de
documento, atribuía-se a direcção a Marie-Eugénie tanciais fizeram-no adiar. Em Bouzonville, onde desde postulantes. A 5 de Outubro de 1924, teve lugar a
Caps, pertencente à Diocese de Metz. os 18 anos era funcionária do Banco Crédito primeira profissão religiosa: 22 irmãs, entre elas
Nascida a 3 de Junho de 1892, em Loudrefing, Bolonhês, conheceu o P. e Eich, que igualmente Marie-Eugénie Caps, professaram na capela de Béthisy
França, provinha de uma família com recursos alimentava o ensejo de fundar uma congregação, e 2 em Montana, na Suíça, onde recuperavam de
modestos (o pai era guarda ferroviário) que preservava embora com outros objectivos e outra amplitude. problemas de saúde. Logo a 11 de Novembro, 4
um ambiente católico, ao qual, por certo, não seria Eleito seu director espiritual, foi a ele que participou irmãs partiram em missão para Martinica e, semanas
estranha a memória espiritual do tio materno, o o seu projecto e foi ele quem, não sem hesitações depois, a 5 de Dezembro, partiram mais 8 para os
Beato Jean-Baptiste Martin Moye, missionário na quanto ao objectivo da obra, a encaminharia, nos Camarões. Marie-Eugénie foi mais uma vez excluída
China de 1771 a 1784 e fundador das Congregações finais de 1919, para os Espiritanos, com casa em e enviada para Mortain, a fim de prestar serviços
da Divina Providência de Portieux e de S. Jean de Neufgrange. Depois de alguma troca de corres- domésticos na casa dos Padres do Espírito Santo.
Bassel. Em Marie-Eugénie o apelo para a vida religiosa pondência entre ambos, a proposta de Marie-Eugénie
manifestou-se cedo e de forma algo impressionista, Caps encontrou o lugar próprio, também devido a
durante o período da escola infantil das Irmãs de uma oportunidade aberta pela necessidade do
S. Jean de Bassel, cujos relatos missionários não momento histórico. Quer dizer, após a Grande Guerra
foram despiciendos na formação do plasma onírico de 1914-1918, e por imposição da assinatura do
da sua vocação. A comunhão e a confirmação fazem Tratado de Versalhes, a 28 de Junho de 1919, todo
parte da trajectória da educação católica praticada o território francês deveria ser libertado e todos os
e constituem momentos de fortalecimento vocacional. territórios ocupados devolvidos à França. O cum-
Contudo, foi a uma visão que Marie-Eugénie Caps primento extensivo desta condição obrigava à retirada
atribuiu a mutação radical do seu horizonte de vida. das missionárias de origem alemã das colónias
No dia 25 de Abril de 1915, no momento de francesas. Importava, então, preencher as vagas com
recolhimento eucarístico, impôs-se-lhe a imagem de missionárias francesas, algo que se afigurava
uma assembleia de religiosas que se multiplicavam. impossível em período pós-guerra, uma vez que a
Sentiu-se inteiramente vocacionada a fundar uma urgência reconstrutiva e reestruturante dos países
nova obra de irmãs missionárias. Também as leituras afectados pela guerra não dispensava ninguém. Foi
foram estimulantes e determinantes. Há duas a neste contexto de indisponibilidade geral que Mons.
destacar: o poema Quero ser Missionário, da autoria Alexandre le Roy, Superior Geral da Congregação
de Alexandre le Roy, lido em 1912, conforme regista do Espírito Santo, teve conhecimento, a 16 de
no texto A Minha Vocação, e o livro Vida do Venerável Setembro de 1920, do projecto de Marie-Eugénie
Padre Libermann, comprado em 1919. A vida Caps, aceitando-o como resposta providencial. Dias
prototípica de Libermann, missionário espiritano, depois, precisamente a 20 de Outubro, conforme já
interpelou-a profundamente e fê-la exclamar: “eis foi referido, realizou-se o encontro decisivo para a
que encontramos o nosso espírito missionário”. Esta fundação da Congregação das Irmãs Missionárias do Quadro de Sr. Armel, ateliê nos Camarões (I)
descoberta confirmou-a na prossecução do seu ideal Espírito Santo, sob a invocação do Coração Imaculado
de serviço e amor, não obstante as dificuldades e de Maria. Em todo este percurso, Marie-Eugénie Caps Também nunca chegou a assumir a Direcção da
sacrifícios. deixou uma grande lição espiritual: aprender a acreditar Congregação. A função de Primeira Superiora Geral
na vida, quando o único desejo é servir os outros. não lhe foi atribuída no Primeiro Capítulo Geral
O primeiro grupo de postulantes instalou-se em realizado a 25 de Julho de 1927, tendo sido eleita
Farschwiller numa casa arrendada, mas a entrada a Ir. Michaël Dufay, que ocupou o cargo durante 18
de novos elementos e a exiguidade do espaço anos. E mesmo em relação à admissão a votos
obrigaram à aquisição de nova habitação, em Jouy- perpétuos, tomados em Outubro de 1930, houve
-aux-Arches, tendo-se efectuado a mudança a 12 de dificuldades. Em sua defesa esteve o seu director
Março de 1922. Nela se iniciou o Noviciado a 12 de espiritual, o P.e João da Cruz, espiritano natural da
Outubro desse ano, tendo sido indicada para Mestra Póvoa do Varzim (17.07.1883-20.04.1962). No ano
de Noviças a Madre Adelina Siefrid, da Congregação seguinte, a 16 de Março, a Ir. Marie-Eugénie falecia
de S. Jean de Bassel, e ficando como capelão o no Hospital de Sierre, em Montana, com 39 anos de
P.e François Onfroy. No período de Jouy-aux-Arches, idade e 10 anos de vivência na Congregação que
quando a Congregação começou a organizar-se, a fundara. Ao longo deste tempo, face às determinantes
Ir. Marie-Eugénie Caps foi ignorada como fundadora que contrariaram o seu entusiasmo activo, adoptou
e, inclusivamente, foi sugerida a sua dispensa. Esta uma exemplar postura de obediência e humildade.
exclusão confirma-se em várias ocasiões. Assim, Não foi protagonista, antes militante na causa da
quando, a 1 de Abril de 1924, Mons. le Roy instalou Congregação, que fundara para a Missão Ad Gentes.
uma Procuradoria da Congregação na R. Lhomond, A 22 de Julho de 1929, com a aprovação, por um
em Paris, escolheu as Irs. Michaël Dufay, Jeanne período de sete anos, das primeiras Constituições
d’Arc Lesur e Marthe Réaux. da Congregação das Irmãs Missionárias do Espírito
A contínua entrada de elementos levou, de novo, Santo pela romana Congregação da Propagação da
Eugénie Caps (I) à compra de um segundo edifício, desta vez em Fé, cessou a dependência jurídica relativa aos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO

Espiritanos. A aprovação definitiva das Constituições Dispensário de Alcântara e fez a consagração tempos foram de itinerância, tendo passado por
foi acordada a 19 de Maio de 1943 e renovada, em definitiva a 24 de Maio de 1942, no dia em que uma casa na Parede e pelo Pensionato de S.ta Clara,
cumprimento das recomendações do Vaticano II, a abriu o Noviciado português. Integrou a primeira uma dependência da Misericórdia (R. da Rosa,
19 de Março de 1985. missão angolana, instalando-se a 3 de Fevereiro de n.º 209). No dia 26 de Dezembro, fixaram-se
A razão de ser da Congregação integrou-se 1951 em Cuíma, na Província de Huambo, onde finalmente numa casa anexa ao Dispensário de
inteiramente na corrente missionária dos finais do permaneceu até 1974. A independência de Angola Alcântara, fundado pela Rainha D. Amélia, em 1893.
séc. XIX e princípios de XX, suportada pela Encíclica fê-la regressar a Portugal, tendo sido integrada no O trabalho no Dispensário, iniciado quatro dias
Maximum illud do Papa Bento XV, de 1919, e Serviço de Enfermagem do Hospital de Guimarães depois, no dia 30 de Dezembro, garantia a subsistên-
publicitada por livros, exposições e imagens que até 1978, ano de concessão da reforma. Contudo, cia e as instalações proporcionavam condições para
renovavam o espírito audacioso dos Apóstolos. Em manteve-se activa na comunidade espiritana em a formação de novas missionárias, tendo já entrado
concordância com esta razão de ser, as Irmãs Braga, dando continuidade ao desempenho de tarefas duas aspirantes, Maria Alcina da Costa Marques,
estabeleceram duas missões em 1924, como acima pastorais. (Ir. Jacinta) e Palmira Monteiro (Ir. Antonieta), ambas
foi referido. Contudo, o apelo do Papa Pio XI lançado provenientes da Beira Alta. A 24 de Maio de 1942
aos cristãos a favor da evangelização (Encíclica Rerum iniciou-se o Noviciado e a Ir. Maria José Felgueiras
ecclesiae), em 1926, não só facilmente encontrou fez a sua consagração definitiva.
eco na Congregação como também a mobilizou Até 25 de Abril de 1974, data a partir da qual se
para novas direcções dentro e fora da Europa. Por processou a independência das colónias, a implan-
conseguinte, logo em 1927, as Irmãs Espiritanas tação da Congregação em Portugal operou-se em
fixaram-se em Madagáscar, Gabão (1931), Congo dois espaços distintos: o europeu e o colonial. Assim,
(1937), Guadalupe (1940), Portugal (1941), Bélgica no espaço europeu, a Congregação estendeu-se às
(1945), Cabo Verde (1946), Holanda (1947), Itália Dioceses de Coimbra, Braga, Viana do Castelo e
(1949), Angola (1951), Canadá (1953), Senegal Porto. Segundo a ordem cronológica das movimen-
(1957), Nigéria (1975), Brasil e Haiti (1976), Espanha tações há, sumariamente, a registar o seguinte: o
(1982), Alemanha (1985), Guiné Bissau (1991), Gana Noviciado foi transferido de Lisboa para a
(2001) e Moçambique (2005). Q.ta das Alpenduradas, em Coimbra, e aberto a 3 de
As Espiritanas chegaram a Portugal no dia 26 de Junho de 1944; posteriormente, foi deslocado para
Agosto de 1941. Porém, já uma portuguesa havia Braga, numa primeira fase para a Q.ta de S.ta Tecla
ido para França fazer o Postulantado. Trata-se de (7 de Março de 1947) e numa segunda fase, em
Arminda Branca de Vasconcelos Felgueiras Outubro de 1950, para uma casa no L. de S. Tiago;
(22.01.1915-22.12.1993), natural de Caldas de em Maio de 1959 iniciou-se a construção de um
Ir. Maria José Felgueiras (I)
Vizela, Guimarães, filha de José Joaquim Baptista Noviciado em Fraião, de modo a resolver o problema
Felgueiras e de Maria de Araújo Pereira de de alojamento das aspirantes; a 9 de Abril de 1961
Vasconcelos, que teve conhecimento da Congregação O contacto para o estabelecimento das Irmãs surgiu uma comunidade em Alvarães, ocupando
através do seu irmão José Maria, padre espiritano. Missionárias do Espírito Santo em Portugal remonta uma parte do solar dos Mendes, que havia sido
A 5 de Setembro de 1933, com 18 anos, partiu para a Junho de 1934, uma iniciativa do P.e Clemente doada pelas proprietárias, D. Maria Amélia Duarte
França. Fez o Postulantado em Mirande, perto de Pereira da Silva, missionário espiritano, que propôs Mendes Araújo, D. Angelina e D. Adelaide, para
Lourdes, e abandonou o nome civil, passando a ser à Superiora Geral, Madre Michaël Dufay, um instalar uma obra para crianças; a 16 de Agosto de
conhecida por Ir. Maria José. Numa carta datada do Postulantado em Viana do Castelo. A vontade 1962 abriu uma comunidade em Silva (Barcelos),
ano seguinte (24.04.1934) e endereçada ao P.e João manifestada por Maria Alcina da Costa Marques, que foi encerrada a 4 de Julho de 1973; a 20 de
Cruz, a Superiora Geral escreveu sobre ela: “A irmã professora e membro activo da Acção Católica, em Agosto de 1963 foi inaugurada a casa de Fraião; a
Maria José é uma excelente noviça, que honra ingressar na Congregação e a impossibilidade de se 1 de Outubro de 1972 foi aberta uma casa no Porto,
Portugal, muito inteligente, já fala bem o francês e deslocar a França, para fazer o Noviciado, devido destinada à animação missionária.
é muito piedosa” (O Amor é Engenhoso, p. 8). às restrições de mobilidade impostas pela II Guerra A implantação da Congregação no espaço colonial
Realizou a primeira profissão religiosa a 10 de Abril Mundial, determinaram a vinda da Superiora a português começou pelo Arquipélago de Cabo Verde,
de 1936 e, 11 dias depois, já se encontrava na Portugal em 1941, onde permaneceu cerca de um a pedido do Bispo D. Faustino Moreira, espiritano.
missão Edea, no Sul dos Camarões, para leccionar mês (de 25 de Abril a 22 de Maio). No sentido de A 20 de Fevereiro de 1946 um grupo de quatro
na escola feminina. A partir de 21 de Janeiro de auscultar as sensibilidades políticas e religiosas, quer irmãs (Antonieta Monteiro, Fernanda Wicquart,
1938 passou a colaborar na comunidade Eseka, tra- quanto ao estabelecimento de uma nova comu- Margarida Ascensão Reis e Marie Julie Lavigne)
balhando numa escola de rapariguinhas. Meses nidade, quer relativamente à viabilização de missões fundou uma comunidade na cidade da Praia, na ilha
depois, em Maio, começou a dirigir uma casa de nas colónias portuguesas, a superiora visitou o de Santiago. O trabalho a realizar na missão com-
lavores. Doente, deixou a comunidade Eseka em Cardeal Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, o preendia a catequese, enfermagem, formação
Junho de 1939 para convalescer em Ngoiwayang, Secretário de Estado da Assistência Social, Dr. Dinis feminina, educação de infância e leccionação ao
tendo regressado à missão Edea a 10 de Janeiro de da Fonseca, e o Ministro das Colónias, Dr. Gentil. nível do ensino primário. Em 1970, acresceu a
1941, onde retomou a leccionação na escola Os contactos foram decisivos e, inclusivamente, coordenação da assistência maternal. A Cabo Verde
feminina. Entretanto, a superiora geral enviou-lhe preparatórios da instalação de uma comunidade. seguiu-se Angola, por solicitação do Bispo D. Daniel
um telegrama, a 21 de Julho de 41, solicitando-lhe Por conseguinte, passados três meses chegavam a Junqueira. De facto, a 3 de Fevereiro de 1951, um
que se dirigisse a Douala a fim de embarcar para Lisboa as Irs. Hélène Bricks, Christine Morel e grupo de quatro espiritanas (Agostinha Almeida,
Portugal, onde se preparava a fundação de uma Fernande Wicquart, as quais ficaram provisoriamente Jeanne Berkmans, Maria José Felgueiras e Thérèse
missão. Tendo partido a 8 de Agosto, chegou a instaladas nas Doroteias, numa residência na Kah) fixou-se em Cuíma, na Província de Huambo,
Lisboa no dia 30 de Agosto de 1941. Trabalhou no Av. Fontes Pereira de Melo (n.º 8). Os primeiros tendo-se dedicado à formação de professores da

480
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO ESPÍRITO SANTO

Escola do Magistério Primário. como objectivo a interiorização do carisma e a dida por um retiro. O Conselho Geral é uma instância
Com a descolonização impôs-se o conceito de espaço formação à vida consagrada e missionária. Os administrativa constituída pela Responsável Geral e
lusófono para designar os países falantes da língua respectivos períodos de duração não estão rigida- por quatro Assistentes. Reúne ordinariamente de
portuguesa, o que obrigatoriamente passou a incluir mente determinados para atender ao ritmo de três em três anos para tratar de assuntos relativos
o Brasil. Por conseguinte, depois de 25 de Abril de maturação interna de cada pessoa. O Postulantado à animação de todo o Instituto. A estrutura da
1974 as Irmãs Missionárias do Espírito Santo passaram tem a duração de um ano, mais ou menos, e orienta- Congregação reconhece Comunidades, com uma
a estar presentes em seis países lusófonos: Portugal, -se por três eixos: o aprofundamento da vocação Responsável Local e uma Ecónoma, e Distritos, com
Cabo Verde, Angola, Brasil e Guiné-Bissau. As diversas religiosa, a experiência da vivência comunitária e a uma Responsável de Distrito, um Conselho formado
comunidades têm em comum situarem-se em con- formação espiritual e doutrinária. As modalidades por quatro irmãs e uma Ecónoma.
textos desfavorecidos e desenvolverem projectos de Postulantado são duas: em grupo ou indivi- Todo o espírito missionário da Congregação está
adequados às prioridades de evangelização e pro- dualizado, o que significa uma integração directa expresso num logótipo formado por uma pomba
moção humana. no seio de uma comunidade espiritana. O Noviciado estilizada em posição de voo picado, enquadrada
Os dados recolhidos entre 1975 e 2004 permitem integra duas etapas, cada uma com duração aproxi- pela chama do Espírito Santo. São duas as insígnias:
traçar um quadro de presenças e actividades. Em mada de um ano: uma centrada no aprofundamento a cruz peitoral em marfim, uma reprodução da cruz
Portugal, em Março de 1976, as Espiritanas espiritual e outra orientada por estágios apostólicos. das catacumbas, e uma aliança de prata. Actualmente,
inauguraram um jardim-de-infância (Centro Pró Terminado o período de formação, solicita-se à as irmãs seguem modestamente as tendências das
Infância Espírito Santo) em Fraião para responder às Responsável Geral, por escrito e por intermédio da roupas seculares ocidentais, ou usam, simplesmente,
necessidades da população local; a 8 de Janeiro de Responsável Principal, a admissão à Primeira Profissão. hábito e véu.
1979, não só fundaram uma segunda comunidade Nos primeiros anos de vida missionária, a irmã é
em Lisboa (Olivais Sul), com o objectivo de participar ajudada a descobrir o meio cultural dos povos aos
no apostolado paroquial, a qual encerraria a 28 de quais é enviada, a estudar a língua e ao exercício
Dezembro de 1985, como também, a 13 de Outubro progressivo das responsabilidades apostólicas.
desse ano, sediaram a casa provincial na Cruz O Compromisso Perpétuo, última etapa no
Quebrada (Lisboa); em 1992, começaram a trabalhar aprofundamento do vínculo à Congregação, está
no Banco Alimentar contra a Fome. Em Cabo Verde, condicionado à experiência apostólica e às disposições
há a referir quatro comunidades e um Noviciado. internas: dar testemunho de entrega a Jesus Cristo;
Em Angola, não obstante a Guerra Civil, durante a ser pessoa vocacionada para viver em comunidade
qual faleceu a Ir. Maria Joaquim Henriques da Silva e, sobretudo, em comunidades internacionais; estar
(15.09.1928-14.01.1993), as Espiritanas conseguiram na disposição de perseverar na consagração a Deus
firmar presença e garantir sete comunidades e um pelos três votos: pobreza, castidade e obediência,
Noviciado. No Brasil, a fundação de uma comunidade específicos da vida religiosa, e dedicar-se inteiramente Insígnias da Congregação (I)
em S. Paulo, a 2 de Fevereiro de 1976, constituída ao serviço do Evangelho, segundo o carisma da
por quatro irmãs (Carmo Pires, Maria Filipa, Congregação. O Instituto, como o próprio nome traduz, é
Previdência e Rosa Leal), foi consequência do processo No término de cinco anos de votos temporários, no consagrado ao Espírito Santo e ao Imaculado Coração
de independência de Angola, em 1976, registando- mínimo, exige-se uma solicitação escrita à Responsável de Maria, modelo de docilidade ao Espírito, de amor
-se a existência de quatro comunidades e um Geral, apresentada por intermédio da Responsável e serviço. S. José é invocado como auxílio para a
Noviciado, cuja actividade se reparte essencialmente Principal. A resposta toma em consideração as vida e missão das irmãs, enviadas aos mais pobres,
entre animação paroquial e apoio às crianças opiniões escritas e os votos das irmãs da comunidade. no seguimento de Jesus, segundo a palavra da
carentes. Em Guiné-Bissau, assinalam-se duas A Formação Permanente corresponde a um exercício Escritura: “O Espírito do Senhor está sobre mim,
comunidades em Caió (1991) e Bajobe (1995), na contínuo de aprofundamento da espiritualidade e porque me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-
Diocese de Bafatá, inteiramente dedicadas à das competências profissionais em ordem à missão -me para proclamar a libertação aos cativos e, aos
promoção do ser humano. Registe-se a recente e realiza-se por recurso a sessões, estágios, cursos cegos, a recuperação da vista, a mandar em liberdade
partida (2004) de quatro missionárias, com formação e retiros. os oprimidos e proclamar a graça do Senhor” (Lc 4,
diversa, para instalarem uma comunidade em Do ponto de vista organizacional, a Congregação 18-19).
Moçambique (Itoculo, na Diocese de Nacala e compreende o Capítulo Geral e o Governo Geral, A sua actividade pastoral e promocional dimana do
Província de Nampula), cujo plano de intervenção ou Conselho Geral. O primeiro é uma assembleia imperativo do Evangelho – “Ide por todo o
visava o melhoramento das condições de vida do representativa, convocada ordinariamente, de seis mundo…” – e das necessidades concretas da vida
povo, relativamente à saúde, habitação, cuidados em seis anos, pela Responsável Geral e com o dos povos, das comunidades humanas.
primários, alfabetização e primeira evangelização. consentimento do Conselho Geral. Configura-se As Irmãs vivem em comunidades orantes, fraternas
Independentemente do local, a formação de uma como órgão deliberativo e executivo, constituído e apostólicas: orantes pela presença eucarística na
espiritana compreende dois modelos distintos: a por capitulantes de direito – a Responsável Geral, comunidade, pela participação diária na Eucaristia,
formação inicial e a formação permanente. No as Assistentes Gerais, a Ecónoma Geral e a Secretária sempre que possível, e ainda pelo tempo definido
contexto do mundo moderno, esta formação Geral – e delegadas eleitas e elegíveis, provenientes para oração pessoal e comunitária; fraternas pela
compreende três fases: a pré-formação, o Postu- de todos os distritos. Ao Capítulo Geral, cumpre partilha de bens, de tarefas e pela entreajuda a todos
lantado e o Noviciado. A pré-formação procura animar a Congregação, pronunciar-se sobre o estado os níveis; apostólicas pela inserção na igreja local,
assegurar a integração social mediante o alargamento geral da Instituição, tomar conhecimento da situação nos projectos pastorais, ou obras de educação e
do horizonte cultural, por um lado, e, por outro, de cada Distrito, aprovar alterações das Constituições, assistência, que o Instituto assume como próprias e
visa garantir a qualidade das intervenções comu- apreciar a situação financeira, traçar prioridades ou que delas é a entidade responsável.
nitárias através da aquisição de competências linhas de rumo e proceder à eleição da Responsável As Irmãs contam com o apoio na tarefa da evange-
profissionais. O Postulantado e o Noviciado têm Geral e Conselheiras. Cada sessão capitular é prece- lização e acolhem experiências de voluntariado

481
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

missionário. Logo a 2 de Abril de 1931, surgiu o missão, na abertura a novos horizontes de leitura e qual se inspira para o seu nome depois da
ramo secular das Oblatas, em França, e em Portugal de resposta. Nesta senda, o XIII Capítulo Geral das ordenação), é solicitada a sua presença no Abrigo
existem três grupos de leigos associados às Irmãs Missionárias do Espírito Santo decorreu de 2 da Providência, que amparava as órfãs de Codogno,
Espiritanas, que colaboram diversamente na acção a 25 de Agosto de 2007, no Seminário da Torre de como professora. O Bispo de Lodi dissolveu esse
apostólica. No seu conjunto, designam-se por Amigos Aguilha, Cascais. Foi a primeira vez que aconteceu instituto em 1880 e, como consequência, Maria
da Missão e de Eugénia Caps (AMEC) e, segundo fora de França. Nele participaram delegadas de 17 Francisca Cabrini abandonou o instituto acom-
os objectivos, cumpre-lhes conhecer o carisma e a países (da Europa, África e América), onde as panhada de algumas jovens que visavam segui-la
espiritualidade missionária do Instituto, através dos Espiritanas desenvolvem a sua acção missionária. As em busca do longínquo horizonte dos seus sonhos,
escritos dos Fundadores; aprofundar a Palavra de múltiplas experiências partilhadas confirmam o a China. O referido Bispo de Lodi, ao saber dos seus
Deus, fundamento da vida cristã e missionária; pensamento da Fundadora: “mil pequenos nadas anseios missionários, propôs-lhe, então, a fundação
comungar as preocupações missionárias da Igreja e se apresentam no dia-a-dia, de que podemos fazer de um instituto feminino missionário, o que aceitou
do Instituto, pela informação da actividade das mil gestos de amor pelos outros”. com a mais profunda alegria. Em 1881, ano em que
missionárias no exterior; apoiar, pela oração e oferta Procedentes de várias nações, as Espiritanas aprendem a Madre Cabrini redige as Regras da Congregação,
da própria vida ao Senhor, o trabalho missionário; a viver na abertura à universalidade dos povos e das o Bispo de Lodi tinha aprovado a nova Congregação
promover acções e iniciativas que ajudem as missões culturas. das Missionárias do Sagrado Coração, cujo o nome
confiadas ao Instituto das Irmãs Missionárias do suscitou alguma agitação visto que o conceito de
Espírito Santo. BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Archives des Spiritaines. “missionárias” era algo inédito e singular, na época,
A actividade publicitária da Congregação é modesta Impressa: AAVV, Uma História de Doação e Serviço, para uma congregação feminina.
mas testemunhal. Existem escritos da Fundadora, Braga, s.n., 1991; F ERNANDES , Josefa Maria, “Les Maria Francisca Cabrini renuncia ao sonho do Oriente
como cartas a Catherine Frentz, o Diário Espiritual Soeurs Missionnaires de Saint-Esprit. Fondation”, a pedido do Bispo Scalabrini, de Placência, e do
e A Minha Vocação. Folhas informativas e desdo- Texto policopiado, 1995, pp. 27-40; FERNANDES, Sr. Papa Leão XIII, que lhe diz: “Não ao Oriente, mas
bráveis divulgam sumariamente dados históricos, Josefa Maria, “Les Soeurs Missionnaires de Saint- ao Ocidente”. A situação dos emigrantes italianos
irradiam a dimensão missionária do Evangelho e a -Esprit: histoire d’une fondation”, Mémoire Spiritaine: no Novo Continente (América do Norte, América
espiritualidade libermaniana e disponibilizam Histoire-Mission-Spiritualité, n.º 1, Paris: Congregation Central e América do Sul) é muito precária nos finais
contactos. Aquando do aparecimento da Internet, du Saint-Esprit, Avril 1995, pp. 27-40; Irmãs do séc. XIX, sobretudo nas metrópoles industriais,
o Instituto criou um sítio, spiritaines.cef.fr, e procura Missionárias do Espírito Santo, s.l., s.n., s.d.; Irmãs onde centenas de italianos se instalavam em casas
dispor dos modernos meios de comunicação, nas Missionárias do Espírito Santo: Ao Serviço do sem as mínimas condições de habitação, fugindo à
comunidades e obras, para o serviço da missão. Evangelho, s.l., s.n., s.d.; Irmãs Missionárias do crise que se vive no seu país de origem. A 31 de
A constituição e preservação da memória histórica Espírito Santo: Vocações, s.l., s.n., s.d.; Notre Vie Março de 1889, as primeiras sete missionárias do
da Congregação foi uma tarefa gizada desde o início. Spiritaine: Constitutions des Sœurs Missionnaires du Sagrado Coração chegam a Nova Iorque. A sua
Mons. Le Roy, em carta redigida a 17 de Novembro Saint-Esprit, Saint-Brieuc, s.n., 1985; O Amor é primeira preocupação foi prestar auxílio aos emi-
de 1925 e enviada à Ir. Marie Eugène Caps, recomenda Engenhoso: História da Fundação das Irmãs grantes italianos, criando escolas, dando apoio ao
a redacção de diários e o registo de memórias e pede Espiritanas em Portugal, s.l., s.n., s.d.; Origens: domicílio e, mais tarde, prestando serviços de saúde,
cópias das cartas por ele enviadas. Não se trata de Campos de Trabalho, São Paulo, s.n., 1985; Ritual pelos quais se tornaram célebres (sendo o primeiro
um mero exercício arquivístico, mas antes da vivificação de Profissão Religiosa, s.l., s.n., s.d.; Spiritaines, hospital denominado Columbus Hospital, em virtude
das razões de ser e de um percurso bem escorado Spiritans, Espiritanas, s.l., s.n., s.d.; Digital: do famoso navegador que descobriu a América do
no carisma e missão do Instituto. spiritaines.cef.fr; www.espiritanos.org/espiritanos. Norte), mas logo se estendeu a outros povos
emigrantes que se encontravam em situações muito
MARIA TERESA C. S. GONÇALVES DOS SANTOS semelhantes, inclusivamente em outras cidades dos
Estados Unidos da América (Chicago e Seattle). E
logo as expedições de Maria Francisca Cabrini se
MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO estenderam à Nicarágua, Cordilheira dos Andes,
DE JESUS Argentina, Brasil e vários outros países, nomea-
O nome oficial deste instituto é Congregação das damente na Europa (França, Espanha e Inglaterra),
Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus nos quais teve oportunidade de implantar missões
(MSC), sendo também conhecidas por todo o mundo que levavam a palavra de Cristo e assistência
como Irmãs Cabrinianas, derivando do nome da sua humanitária, tendo fundado orfanatos, hospitais e
fundadora, S.ta Francisca Xavier Cabrini. escolas para todos. Ficou famosa por ter atravessado
A Congregação foi fundada por S.ta Francisca Xavier 24 vezes o oceano.
Cabrini (1850-1917) a 14 de Novembro de 1880, As suas forças pereceram a 22 de Dezembro de
em Codogno, Itália, na sequência de um sonho 1917, quando faleceu. Em 1946, o Papa Pio XII
presente desde a infância da sua Fundadora: dilatar proclamou-a Santa e Patrona dos Emigrantes e, no
o Reino de Cristo no Oriente, onde Jesus ainda não ano do Jubileu, o Papa João Paulo II nomeou-a
era conhecido. “Mulher da Nova Evangelização”.
Eugénie Caps (I) Maria Francisca Cabrini nasceu a 15 de Julho de As Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus
1850, em Santangelo Lodigiano, Norte de Itália, e são consagradas a Deus através dos votos de
Este carisma, acolhido nas origens por Marie Eugène foi educada no seio de uma família profundamente castidade, pobreza e obediência e vivem em
Caps, como dom do Espírito dado à Igreja, em cristã. Após ter concluído os estudos no Colégio de comunidade, seguindo o exemplo da Fundadora.
sucessivos contextos históricos, permanece a fonte Arluno, mantido pelas Filhas do Sagrado Coração, O carisma missionário cabriniano caracteriza-se
donde emana a energia da entrega à causa da e com inspiração em S. Francisco Xavier (a partir do pela espiritualidade do Coração de Jesus (amor

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Alentejo. Em 1994, surge uma solicitação por parte Loyola, 1993. Digital: www.cabrinifoundation.org;
dos párocos da comunidade paroquial de N. Sr.a de www.madrecabrini.org.br; www.mothercabrini.org/
Fátima, da Diocese de Évora, que apelaram ao around_the_world/central.html; www.vatican.va/
carisma cabriniano, visto que Portugal é um país de roman_curia/pontifical_councils/migrants/pom2002_8
fortes tradições migrantes e com “amplos espaços 8_90/rc_pc_migrants_pom88-89_deluca.htm.
de missão”. As Irmãs inseriram-se em todos os
sectores e grupos da paróquia, contribuindo para o RITA ANGEJA
desenvolvimento e coordenação do lar de idosos,
do serviço domiciliário, das actividades de tempo
livre dos jovens, da educação religiosa dos jovens MISSIONÁRIAS DO SANTÍSSIMO
em idade escolar, da pastoral da juventude e da SACRAMENTO
S.ta Francisca Xavier Cabrini com emigrantes: pastoral vocacional. Às irmãs de origem espanhola A fundação da Congregação religiosa das Missionárias
azulejo em Évora que identifica a casa das Irmãs (A)
e brasileira juntou-se uma irmã portuguesa em 2003, do Santíssimo Sacramento e Maria Imaculada (MSS)
sendo em 2005 quatro as missionárias presentes na ficou a dever-se ao desejo e dedicação da sua
misericordioso por toda a humanidade), pela missão portuguesa. fundadora: Maria Emilia Riquelme e Zayas, nascida
espiritualidade do amor eucarístico, pela missiona- O lema cabriniano Ad Majorem Gloriam em Granada, a 5 de Agosto de 1847, sob o ponti-
riedade, pela reparação (formando um ser humano Sacratissimum Cordis Jesus, “A Maior Glória do ficado de Pio IX e o reinado de Isabel II.
novo, restaurando a sua dignidade para que todos Sagrado Coração de Jesus”, está representado no Filha de um Coronel de Cavalaria do Exército
tenham uma vida melhor), pelo amor a Maria (como seu símbolo, onde podemos observar vários barcos Espanhol, Joaquim Riquelme e Gomes, e de D. Maria
modelo de fé e formação) e por ser sensível às a navegar, iluminados por uma estrela à direita, e Emilia Zayas de la Vega, de nobre ascendência e
necessidades da Igreja e do mundo. A Regra das por um coração ao centro, rodeado por uma coroa abastada condição económica e social, cedo Maria
Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus de espinhos e no qual se sobrepõe uma cruz. Emilia se dedicou aos outros, renunciando a uma
revela um equilíbrio entre o ardor missionário, a sua Os barcos simbolizam os missionários que percorrem vida frívola e superficial e vivendo segundo valores
ânsia de contemplação e o seu espírito prático, não os mares por amor a Cristo, a estrela representa a como a humildade, a sensibilidade, o trabalho e a
se pretendendo um ascetismo de mortificações luz de Maria que ilumina as costas onde os oração, seguindo, para tal, exemplos de inspiração
corporais, pois a Fundadora estava convencida de missionários desembarcam e o coração rodeado pela como os de S. Francisco de Assis, S.ta Catarina de
que: “a obediência sempre pronta, a aceitação fiel coroa de espinhos representa o amor de Cristo, que Sena e S. José.
de todas as fadigas, e sobretudo a renúncia total ilumina todo o mundo com o seu amor.
de si mesma, no desprendimento da comunidade,
teriam permitido às suas Irmãs se assinalarem na
cruz de Cristo”.
Actualmente, estão presentes em: Itália, Suíça,
Espanha, França, Inglaterra, Portugal, Estados Unidos,
Nicarágua, Guatemala, Brasil, Argentina, Filipinas,
Austrália, Sibéria, Swazilândia e Etiópia, com a
presença de cerca de 400 irmãs pelas diversas
missões. As Irmãs são consagradas após o Noviciado
em Itália, na sede do Instituto, em Roma. A Madre Selo da Ordem, com o lema Ad Majorem

Geral é responsável pela nomeação das Madres Gloriam Sacratissimum Cordis Jesus (A)

Provinciais (estando presente uma Madre Provincial


por país). Estas são responsáveis pela nomeação das As Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus A jovem Maria Emília (I)

Superioras Locais (por missão). A Congregação, para trajam um hábito de cores cinzenta e branca, embora
além de religiosas, acolhe igualmente os missionários esta regra não seja contemplada no Brasil e nos Aos sete anos de idade ficou órfã de mãe, facto
leigos, que abraçam o seu ideário e que divulgam Estados Unidos, onde as Irmãs se vestem como a determinante na sua aliança com a Santíssima
no Mundo o amor de Cristo. Existem leigos cabri- restante população. Contudo, em contextos formais Virgem, e aos 12 anos fez voto de castidade. A sua
nianos presentes por todas as missões internacionais. de assembleias internacionais, esta regra é respeitada vida decorreu entre Granada, Sevilha, Madrid e
Em Portugal, existe apenas uma missão, que por todas. mesmo Lisboa, sujeita que foi às movimentações
presentemente se encontra em Évora. As Irmãs Publicam os seguintes periódicos, distribuídos à constantes provenientes da carreira militar do pai.
Cabrinianas chegaram a Portugal em Novembro de missão portuguesa: Vita Cabriniana, publicada em Foi educada para ser uma senhora da alta sociedade,
1985. Foi feito o convite pela Diocese de Beja e as Roma, impressa e distribuída pelas várias províncias como era o desejo de seu pai, daí que este tenha
Irs. Anita Perez e Beatriz Martin foram enviadas pela em várias línguas (é uma revista quadrimestral sido o grande opositor à sua entrada na vida religiosa
Província da Europa Ocidental, sendo a última a formativa e informativa acerca de todas as missões e Maria Emilia só o tenha feito após a sua morte.
actual Superiora Local da Missão em Évora. A primeira e acontecimentos a nível internacional) e Boletim Só em 1892, aos 45 anos de idade, é que Maria
missão implantou-se em Vila Nova de Baronia e tinha Informativo da Província Brasileira, uma publicação Emilia se consagrou e fundou em Granada um
como prioridade o apoio aos mais idosos, desenvol- bimestral, elaborada em S. Paulo. instituto consagrado à adoração do Santíssimo e,
vendo igualmente a catequese paroquial e o ensino três anos mais tarde, fundou então a Congregação
religioso e moral nas escolas. Em 1986 transferiram- BIBLIOGRAFIA: Impressa: GOMES, Manuel Saturino das Missionárias de Maria Imaculada, depois cha-
-se para Alvito, onde residem na casa paroquial, da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, mada de Missionárias do Santíssimo Sacramento e
alargando a sua acção a zonas vizinhas: Cuba, 1994, p. 86; MAIA, P.e Pedro A., Francisca Xavier Maria Imaculada, juntamente com sete missionárias.
Albergaria dos Fusos, Vila Ruiva, Vila Alva e Faro do Cabrini: A Navegante do Século, São Paulo, Edições As missionárias da Congregação eram chamadas,

483
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS DOS POBRES

por um lado, a trabalhar em missões e, por outro Assim se estabeleceu a primeira comunidade de A Congregação está hoje espalhada pelos continentes
lado, a dedicar-se à adoração e culto do Santíssimo Missionárias do Santíssimo Sacramento e Maria americano (4 casas nos Estados Unidos da América,
Sacramento. É este o carisma da Congregação: o Imaculada em Portugal. Fundou-se aí um colégio uma casa em Porto Rico, 9 casas na Colômbia, 5
anúncio, proclamação e difusão de Jesus, a adoração para raparigas desfavorecidas, que foi sobrevivendo casas na Bolívia e 11 casas no Brasil), africano (uma
de Maria e uma vida de consagração pessoal plena graças à ajuda de pessoas amigas, dentre as quais casa em Angola) e europeu (3 casas em Portugal e
em comunidade. se destacou D. Elisa Marques Pinho. O colégio 11 casas em Espanha), unida por um mesmo ideal
Em 1900 abriu a segunda casa. Já se contavam adquiriu grande prestígio e atraiu muitas jovens para de vivência eucarística, mariana, missionária e pastoral
então mais de 40 missionárias. Surge assim a Casa o Postulantado, mas a falta de alunas que gradual- Inter e Ad Gentes, segundo os princípios da Fundadora.
de Sarriá, mais tarde movida para Gracia. Nessa mente se foi fazendo sentir acabou por levar à Maria Emilia Riquelme morreu em 1940, com 93
altura, em Granada, insurgiram-se contra a Obra e, supressão da Casa da Foz do Douro em 1960. anos, na Casa de Granada. As informações acerca
sobretudo, contra a Fundadora, o que criou uma Os terrenos de Gueifães (Maia) que haviam sido das suas experiências espirituais são retiradas dos
certa rebelião entre as religiosas. Movimentos a favor doados por D. Elisa Marques Pinho foram o berço seus diários e das cartas que dirigia às suas religiosas.
e contra foram de resto surgindo intermitentemente da nova comunidade. Foram efectuadas obras de Estes documentos constituem os Cuadernos
ao longo da vida da Ordem e de Maria Emília. restauração na casa que aí existia e em 1948 esta Espirituales, que cobrem períodos limitados da sua
A terceira casa, em Barcelona, data de 1903 e a foi inaugurada, com a presença das autoridades civis vida.
quarta, em Madrid, de 1911. e eclesiásticas. Durante um longo período, as dificul-
A vida da Superiora Geral repartia-se, entretanto, dades económicas na casa foram-se sucedendo. BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
entre Granada, Barcelona e Roma. O Decretum Todavia, os auxílios que foram chegando de diversas [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
Laudis, que converteu a Congregação em Instituto entidades, entre as quais a Câmara Municipal, Portuguesa, 2007, p. 905; GOMES, Manuel Saturino
de Direito Pontifício, é de 1909. Após várias tentativas juntamente com o trabalho das Missionárias, na da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
de Maria Emilia junto do Cardeal Vives i Tutò, em agricultura e na recta administração dos recursos, 1994, p. 87; NIETO, P. Juan Manuel Lozano CMF,
Roma, saiu a aprovação definitiva do Instituto, em suplantaram a crise e foi então possível ampliar o Estudo Teologico sobre la Vida y Obra de la M. M.ª
1912. A aprovação definitiva das Constituições da colégio, com o auxílio do Ministério das Obras Emilia Riquelme y Zayas, Granada, s.n., 1994;
Congregação, todavia, só saiu em 1938. Públicas do Porto. Esta continua hoje a ser a casa Simplesmente Amar, Parias, Les Editeurs du Rameau,
principal em Portugal, à qual estão associadas 11 1996.
missionárias, entre as quais a Superiora Geral, Maria
Alice Robalinho. PAULA XAVIER
Em 1979, o Arcebispo de Beja, D. Manuel dos Santos
Rocha, e o P.e António Augusto de Sousa Moreira
deram à Congregação o trabalho de evangelização MISSIONÁRIAS DOS POBRES
da Pastoral de Albernoa (Beja). Inicialmente, o O Instituto das Missionárias dos Pobres (MP) nasceu
trabalho missionário esteve essencialmente virado numa casa em ruínas da Freguesia de Cadima,
para a formação de rapazes. Mais tarde, centrou- Concelho de Cantanhede, Diocese de Coimbra, a
-se no acompanhamento de idosos. Juntamente com 31 de Maio de 1950. Viu os seus primeiros Estatutos
o apostolado paroquial e a catequese, esta é a missão aprovados a 25 de Março de 1963 e as Constituições
principal das missionárias da Casa de Albernoa. obtiveram o decreto de aprovação do Bispo de
A quarta comunidade a ser fundada em Portugal Coimbra, D. João Alves, na festa de Natal do ano
Profissão de Maria Emília (I) foi a de Loivo, em Vila Nova de Cerveira, em 1984, de 1983. Sendo uma Congregação de Direito
a pedido do Bispo de Viana do Castelo, Armindo Diocesano, acrescido aos votos de pobreza, castidade
A saúde de Maria Emilia começou a dar sinais de Lopes Coelho. Aí, as Missionárias dinamizam encon- e obediência, as Religiosas têm ainda um voto parti-
fragilidade, ao mesmo tempo que as insurreições e tros cristãos, sendo no entanto a sua tarefa principal cular de doação total ao serviço dos pobres. Por
desentendimentos, interna e externamente, se foram leccionar aulas de Religião no Instituto e nas escolas isso, simbolicamente, o selo branco das Missionárias
acentuando. Em 1930, o vigário das religiosas de oficiais. Além deste trabalho formativo, têm a seu é um pelicano que arranca a carne do próprio peito
Madrid declarou a Fundadora incapacitada. Esta cargo a direcção de grupos de oração e a visita a para dar alimento aos filhos. Os membros da Congre-
passou então a habitar a Casa de Gracia e Amanda hospitais e a lares de idosos. gação, cujo número tem variado ao longo do meio
Arderiu foi eleita Superiora Geral. século de existência, dividem-se em duas categorias:
A quinta casa foi fundada em 1934, no Brasil, em irmãs com votos perpétuos e irmãs associadas ou
Caetité. leigas que residem fora da comunidade, mas se
Com o início e decorrer da Guerra Civil de Espanha obrigam a viver de acordo com o espírito do Instituto
instalou-se um clima de instabilidade e insegurança e a colaborar nas suas obras.
e Amanda Arderiu, antecipando os perigos que os A Fundadora desta obra meritória, Ir. Rosa da
religiosos e religiosas corriam, dado o sentimento Encarnação Brandão Matias, nasceu na Freguesia
anti-religioso que se ia instalando por toda a Espanha, de S. Julião de Setúbal, a 26 de Março de 1918.
pensou fundar uma casa para as Missionárias em A sua primeira comunhão, realizada a 3 de Junho
Portugal. Dirigiu-se então ao Porto, em 1936, de 1928, marcar-lhe-ia toda a vida, pois aí sentiu,
juntamente com outras missionárias, tendo sido pela primeira vez, o apelo à consagração. Aos 12
acolhida pelo Bispo do Porto, D. António Augusto anos de idade ficou órfã de mãe. Durante quatro
de Castro Meireles. A nova comunidade instalou-se anos, de 1933 a 1937, sofreu uma penosa e grave
numa casa na Foz do Douro e em 1937 foi firmado doença que a levou à decisão de devotar a existência
o decreto de erecção canónica pelo mesmo bispo. Pintura em pastel da Madre Fundadora (I) a Deus e à salvação das almas. Na juventude, iniciou

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS REPARADORAS

o serviço aos pobres e aos doentes, inicialmente nos meses, hoje engenheiro e pai de duas filhas. A obra dedicar-se à Juventude Católica e a uma Casa de
bairros carenciados de Setúbal e, mais tarde, nos vive de generosidade e compreensão dos benfeitores Trabalho para Raparigas. Com a morte do pai, vai
arredores de Lisboa. Como professora numa insti- e amigos, do trabalho das Missionárias e do de para o Carmelo de Echavacoys, em Navarra, onde
tuição, sofria ao ver que as raparigas ali internadas voluntariado. A “Esperança Viva” confronta-se com entra a 28 de Outubro de 1928. No entanto, a sua
eram obrigadas a deixar a dita instituição ao atingir casos difíceis de crianças com deficiências graves e saúde não correspondia às exigências da vida
a idade estabelecida para tal, precisamente na altura profundas. Por via disso, colaboram com as contemplativa daquela congregação: o rigor da Regra
em que mais precisavam de apoio, acabando muitas Missionárias dos Pobres alunas de várias faculdades Carmelita exigia uma sólida robustez física e psíquica.
por enveredar pelo caminho da prostituição. Assim da Universidade de Coimbra, designadamente de Decidida a encontrar outro caminho, escreve ao
se foi abrindo no espírito da Ir. Rosa Matias o desejo Psicologia, Serviço Social e Ciências da Educação, P.e Moisés, com quem já tinha falado, manifestando-
de fundar a Congregação das Missionárias dos assim como o Instituto de Apoio à Criança. -lhe a sua disponibilidade para colaborar na nova
Pobres, cujo carisma é “viver a oblação de Jesus ao Actualmente, a casa principal da Congregação e da congregação, aceitando a sua anterior sugestão.
Pai pelos homens, na entrega da própria vida ao Fundação está sediada na R. Dr. António de Entraria nas Missionárias a 28 de Fevereiro de 1929,
Senhor”, e “servir e promover os pobres, sem Vasconcelos, n.º 10, e a filial na R. de Montarroio, passando a chamar-se Madre Maria da Santíssima
qualquer discriminação sob todas as formas que a n.º 24, ambas na cidade de Coimbra. Trindade. Foi-lhe confiada a direcção daquela comu-
pobreza se apresente, dando prioridade ao amparo A Ir. Rosa Matias continuou a desempenhar o cargo nidade e a solidificação do grupo, ficando a cargo
de crianças e jovens carenciadas”. de Coordenadora Geral, para o qual foi reeleita em de ambos os Fundadores a definição das linhas de
2002, iniciando um novo mandato de seis anos. No espiritualidade da Congregação, o seu espírito e
entanto, veio a falecer no dia 1 de Outubro de 2004, vida prática.
após uma vida de doação total ao serviço dos D. Moisés continuaria como Superior Eclesiástico
mais desfavorecidos, sucedendo-lhe no cargo de das Missionárias até à sua partida para Angola como
Coordenadora Geral a Ir. Felicidade Assunção Matos Visitador das missões dos Espiritanos (1931) e
Cardoso. posterior eleição como Bispo de Angola e Congo e
S. Tomé (1932). Nessa altura, a Congregação das
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, Missionárias Reparadoras do Sagrado Coração de
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal Jesus já estava aprovada e erecta canonicamente,
Portuguesa, 2007, pp. 88-89; VIEIRA, Maria do Pilar desde 25 de Março de 1931, por D. António Augusto
S.A., “Missionárias dos Pobres”, in Carlos Moreira de Castro Meireles, o Bispo que iria suceder a
Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de D. Barbosa de Leão. Em Janeiro de 1932, seriam
Ir. Rosa, Fundadora (I) Portugal, vol. J-P, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro aprovadas as Constituições, professando votos as
de Estudos de História Religiosa da Universidade primeiras religiosas da Congregação em Abril
São vários os campos de actividade a que se Católica Portuguesa, 2000, p. 203. seguinte. É eleita Superiora Geral a Madre da
entregam as Missionárias dos Pobres: lares Santíssima Trindade, após os votos perpétuos a 15
estruturados à maneira de uma família para a MARIA EMÍLIA STONE de Setembro do mesmo ano, com licença de Roma,
reeducação e promoção integral de crianças e jovens, ficando assim à frente das Missionárias durante 33
com continuidade de apoio até á sua completa anos. D. Moisés continuaria a acompanhar em espí-
integração na vida, sempre que a família biológica MISSIONÁRIAS REPARADORAS rito a Congregação, como seu pai espiritual, através
o não possa fazer; apoio domiciliário a doentes e As Missionárias Reparadoras do Sagrado Coração de cartas-circulares, que enviava regularmente às
pobres; catequese e actividades pastorais; de Jesus, ou simplesmente Missionárias Reparadoras Religiosas e de encontros quando vinha a Portugal.
contemplação, adoração e acção apostólica. (MR), nasceram a 29 de Fevereiro de 1929, no Porto, Após a resignação como Arcebispo de Luanda e
Agregada ao Instituto, e com o intuito de melhor numa casa situada na R. Oliveira Monteiro, adquirida Bispo de S. Tomé (1966), mantém-se num acom-
agilizar as actividades desenvolvidas por este, foi por D. Sílvia Cardoso, uma benemérita da Congre- panhamento à distância até 1975, altura em que,
constituída, a 25 de Março de 1981, a Fundação gação. São fundadores Maria das Dores Paes de por razões políticas, regressaria a Portugal, podendo,
“Esperança Viva”, também designada por Obra das Sande e Castro (1885-1975) e D. Moisés Alves de então, acompanhar de perto a vida da Congregação
Missionárias dos Pobres. Erigida canonicamente pelo Pinho (1883-1980). que ajudara a nascer, até 27 de Junho de 1981,
Bispo de Coimbra, é uma instituição particular de D. Moisés Alves de Pinho nasceu a 17 de Julho de data da sua morte.
solidariedade social. Assim surgiram os lares-família, 1883, em Fiães, Diocese do Porto. Era Provincial dos A Congregação surgiu num contexto histórico
isto é, um pequeno conjunto de pessoas, vivendo Padres Espiritanos quando é indigitado para a marcado pela proclamação da República e, social-
em família cristã, constituído por uma pequena função de Orientador das Missionárias Reparadoras mente, por fortes tendências anticlericais que leva-
equipa de responsáveis, com a função maternal, e do Sagrado Coração de Jesus. Tinha chegado recen- ram a uma certa hostilidade para com a Igreja, ou,
um pequeno número de crianças, adolescentes e temente a Portugal, após viver no exílio, pelas pelo menos, a uma indiferença e diminuição dos
jovens que, por falta de meio familiar, a Fundação vicissitudes políticas decorrentes da instauração da fiéis. Era necessário reagir às perseguições que se
assumiu como seus. Não se trata de um internato, República, com a finalidade de restaurar a sua própria faziam sentir com bastante intensidade e reorganizar
nem de um lugar de “passagem”, mas sim de uma congregação. As suas ocupações eram imensas e a Igreja, ela própria a viver momentos de crise interna.
casa para ficar em “sua casa”. Aquele que aí é não podia dedicar todo o tempo necessário às Seria perante tais circunstâncias que surgiria, dentro
recebido é acolhido na família e assim fica Missionárias. Nessa altura vivia em Lisboa D. Maria da Instituição, um movimento de restauração capaz
considerado para sempre, com todos os direitos e das Dores Paes de Sande e Castro, uma aspirante de responder aos desafios que se colocavam à Igreja:
deveres, como se vivesse numa “família natural”. à vida contemplativa e com um grande gosto pela inserir-se no novo contexto político, servindo a
Desde o início, a criança e a jovem frequentam a vida missionária. Sonhara ser carmelita mas adiara sociedade e respondendo aos apelos de reparação
escola e demais actividades. O primeiro lar-família esse desejo para poder acompanhar o pai, que feitos a partir de Fátima. Pouco a pouco, a ordem era
foi inaugurado com seis jovens e um menino de 17 necessitava de cuidados permanentes. Decide, assim, restabelecida no país e as congregações religiosas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS REPARADORAS

jovens e adultos, um prolongamento natural da vida Missionários Reparadores, ainda em fase de lança-
interior das religiosas. Foram as Missionárias mento e estruturação (2002). Este movimento tem
Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus que de- como fim aprofundar o espírito reparador e
ram um grande impulso na renovação da catequese apostólico, associando todos aqueles que partilhem
em Portugal. A própria Fundadora tomava como sua a sua vocação. A Congregação, que desenvolve um
essa missão, escrevendo vários catecismos e livros apostolado de “cariz missionário e catequético, deve
de meditação, além de dirigir a revista Rasgando realizar-se, predominantemente, como resposta aos
Trevas, dedicada à Catequese. Preparou ainda para apelos de evangelização sentidos na Igreja Universal,
as missões, em África, uma série de diapositivos e particular ou local e nestas, integrando através da
escreveu a obra As Sete Nascentes e Uma História comunhão efectiva com os nossos pastores e segundo
sem Fim. Transmitia pela escrita o que tinha mais os planos pastorais e apostólicos aprovados”, como
dificuldade em comunicar pela oralidade, dada a está expresso no Directório da Congregação. Este
sua deficiência auditiva, que parecia não a limitar. “apostolado de cariz catequético” é posto em prática
Maria da Santíssima Trindade acreditava ser possível pela catequese, a todos os níveis, aulas de Religião
transmitir de uma forma atraente o Evangelho. e Moral Católicas nas escolas, Missões Populares e
Grande impulsionadora de uma nova forma de formação de catequistas nas aldeias, em conjunto
catequese em Portugal, pretendia comunicar com com a Acção Católica, e pela Catequese Infantil
vida o Evangelho, vertente apostólica que a Congre- transmitida pela Rádio Renascença. As Missionárias
gação mais desenvolveria, seguindo as palavras da trabalham em colaboração e articulação com os
Fundadora quando dizia que “a propagação da fé Secretariados Diocesanos de Educação Cristã. É no
católica está na medula dos ossos da congregação”. Centro Catequético N. Sr.a de Fátima que realizam
Responsável pelo Apostolado da Federação Nacional acções de formação, desde 1957, primeiro no Porto,
Fundador (I)
dos Institutos Religiosos Femininos, a Madre da depois em Fátima, onde se encontra actualmente,
podiam, também, regressar a Portugal. Com elas Santíssima Trindade viveria toda a sua vida tentando sempre cumprindo o objectivo de difundir e desen-
surgiam novas devoções, entre as quais a devoção conciliar a comunicação do Evangelho a uma pro- volver a catequese.
ao Sagrado Coração de Jesus e o culto da Reparação funda espiritualidade, desejo que ficou expresso no As Missionárias são conhecidas pelas “Irmãs da
que lhe estava associado. Difundia-se entre os crentes seu Testamento Espiritual, feito na altura em que Catequese”, embora se dediquem a outras actividades,
a ideia de que era necessário restaurar a anterior vivia na comunidade do Noviciado e lido após a sua ligadas à esfera social, nomeadamente a jardins-de-
influência da Igreja, não só fisicamente, mas espiri- morte, na Casa-Mãe do Porto, a 21 de Novembro -infância, apoio domiciliário à terceira idade e auxílio
tualmente, muito particularmente através da oração de 1975, com 90 anos. aos pobres. Em qualquer campo de acção, o seu
reparadora. Assim nasceu a ideia de criar esta objectivo é sempre evangelizar: “Como Missionárias,
congregação. Um grupo de senhoras, empenhadas as Irmãs sentir-se-ão enviadas a todos os povos,
naquele fim, decide viver de forma comunitária. sujeitando-se e adaptando-se às condições sociais e
D. António Barbosa de Leão, Bispo do Porto, aderindo culturais dos diferentes ambientes”. A sua vida de
à ideia, escolhe para seu Orientador Espiritual o religiosas deve unir a vertente contemplativa com a
P. e Moisés Alves de Pinho, que traçará as linhas vertente activa, numa unidade de vida: o apostolado
fundamentais da Congregação em embrião. vem na sequência da vida religiosa em comunidade
O carisma das Missionárias do Sagrado Coração de e ambos se completam harmoniosamente. Como dizia
Jesus caracteriza-se pela Reparação. Tem a sua inspi- a Fundadora, que “saiba cada irmã exercer o apos-
ração original no Coração de Jesus, a quem se sente tolado pela oração, pelo sacrifício e pelo interesse,
especialmente consagrada. Esse amor ao Coração vivendo com perfeição a vida religiosa”.
de Jesus, revelado e comunicado no Mistério Actualmente, a Congregação tem cerca de 160
Eucarístico, exige que seja dada especial atenção à religiosas, distribuídas por seis países: Portugal, Itália,
Eucaristia. Para uma Missionária, a vida espiritual Cabo Verde, Angola, Moçambique e Brasil.
está centrada na participação na Eucaristia e na
Adoração Reparadora. Uma Missionária Reparadora BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
entende que o conceito de reparação “pretende ser [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
o do Evangelho, inspirando-se no exemplo do Portuguesa, 2007, p. 904; C ASTRO , Maria da
salvador que por todos sofreu, reparou e expiou, de Santíssima Trindade Paes de Sande e, Cartas da
preferência a qualquer inspiração de natureza Nossa Fundadora, Porto, M.R.S.C.J., 1992;
diferente”, segundo as palavras do Fundador, que CONGREGAÇÃO DAS MISSIONÁRIAS DO SAGRADO CORAÇÃO
acrescenta, ainda, que uma Missionária Reparadora DE JESUS, Breves Apontamentos sobre a Nossa Acção

deve ser como “uma lâmpada viva a arder diante Madre Fundadora (I)
Catequética em Portugal desde as Origens da
do SS. para glória de Deus e salvação dos homens”. Congregação, Porto, M.R.S.C.J., s.d., Texto
É esta a essência da sua espiritualidade, a que está As Missionárias do Sagrado Coração de Jesus não policopiado; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj,
associada uma vertente prática apostólica, que nas vivem afastadas da comunidade social em que se et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 90;
Missionárias Reparadoras do Sagrado Coração de inserem, abrindo-se aos leigos de qualquer idade e PINHO, Moisés Alves de, Cartas do Nosso Fundador,
Jesus se traduz, acima de tudo, por uma dedicação condição social, que desejem viver o seu dia-a-dia Porto, M.R.S.C.J., 1993.
à catequese. A Reparação tem, assim, uma expressão segundo o espírito da Congregação. Nesse caso,
apostólica através da evangelização de crianças, podem ser integrados no Movimento de Leigos ISABEL BALTAZAR

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS SERVAS DO ESPÍRITO SANTO

MISSIONÁRIAS SERVAS DO ESPÍRITO Irmãs influenciavam decisivamente as famílias, ao contribuímos para que os filhos de Deus dispersos
SANTO contribuírem na formação das jovens, futuras mães se congreguem no único povo de Deus, e se aproxime
No dia 8 de Dezembro de 1889, em Steyl, na cristãs. Helena Stollenwerk tinha 28 anos quando, a hora em que todos adorarão o Pai em espírito e
Holanda, nascia a Congregação das Missionárias em carta dirigida ao P.e Janssen, manifestou o seu verdade”. Impulsionadas pelo lema “Viva Deus Uno
Servas do Espírito Santo (SSpS), com a participação desejo de ser missionária. Em Dezembro de 1882, e Trino nos corações de todas as pessoas”, as futuras
decisiva do P.e Arnaldo Janssen, Helena Stollenwerk aceitou o convite do P.e Janssen para colaborar como missionárias dedicavam-se à formação e, inspiradas
e Hendrina Stenmanns. doméstica na Casa Missionária de Steyl. pelo carisma e pela espiritualidade, foram
Arnaldo Janssen, nascido em Goch, na Alemanha, contribuindo com a sua vida para tornar Deus
em 1837, passou a participar em movimentos “conhecido, amado e glorificado por todos os
missionários europeus a partir de 1875, quando povos”.
fundou a Sociedade dos Missionários do Verbo
Divino (SVD), com “a finalidade de espalhar a palavra
de Deus no mundo”. O P.e Arnaldo foi canonizado
em Roma, em Outubro de 2003. Considerando que
os resultados evangelizadores obtidos com a acção
dos missionários poderiam ser multiplicados com a
participação de mulheres, Arnaldo Janssen decidiu- Beata Helena Stollenwerk, ssps (I)
-se pela criação de um ramo feminino da sua recém-
-fundada ordem masculina. Hendrina Stenmanns nasceu em Issum, na Alemanha,
a 28 de Maio de 1852. Desde muito jovem que
Hendrina demonstrava interesse pelas pessoas desfa-
vorecidas economicamente e pelos doentes. Aos 19
anos, ingressou na Ordem Terceira de São Francisco,
ao mesmo tempo que auxiliava a prestar cuidados
aos irmãos mais novos. Quando Hendrina visitou
Steyl, em 1883, encontrou-se com Helena Beata Hendrina Stenmanns, ssps (I)

Stollenwerk. No ano seguinte, em correspondência


enviada ao P.e Arnaldo Janssen, manifestou o seu As 12 noviças realizaram a sua primeira profissão
desejo de se juntar às jovens que trabalhavam como religiosa a 12 de Março de 1894. Nessa época, a
domésticas na Casa Missionária de Steyl. Em Fevereiro comunidade já contava com mais de 30 candida-
de 1884 seria admitida como auxiliar de cozinha. tas à vida religiosa. Em Agosto do mesmo ano, a
A 7 de Dezembro de 1889, as futuras noviças foram Ir. Maria seria reconduzida ao cargo de Superiora e,
instaladas num convento que anteriormente tinha em Março de 1895, a Ir. Josefa foi nomeada Mestra
S.to Arnaldo Janssen, svd (I) pertencido aos capuchinhos franceses, localizado de Postulantes.
nos arredores de Steyl. No dia seguinte, seria fundada Durante os primeiros anos de existência da
Helena Stollenwerk nasceu na Alemanha, em a Congregação das Missionárias Servas do Espírito Congregação, não havia da parte das Irmãs grandes
Novembro de 1852. Quando criança, participava nas Santo e algumas empregadas tornaram-se pos- preocupações com o sustento material das casas,
actividades da Associação da Santa Infância, entidade tulantes. Quando, em Setembro de 1890, o número pois o mesmo era garantido pela Sociedade do
que se dedicava à evangelização de crianças. Jovem de postulantes alcançou uma dezena, sentiu-se a Verbo Divino. Em contrapartida, as Irmãs actuavam
ainda, proferiu em segredo o voto de castidade, necessidade da presença de uma coordenadora para na Casa Missionária de Steyl e na gráfica dos
como forma de consagração a Deus. Com 19 anos o grupo. A escolhida para ocupar o cargo de Supe- Missionários do Verbo Divino. Com o tempo, as
manifestou o desejo de dedicar a sua vida às missões riora foi Helena Stollenwerk. Hendrina Stenmanns diferentes províncias passaram a cuidar do sustento
na China, porém, a situação política desfavorável à seria sua Assistente. Enquanto a primeira se dedicava, material das suas comunidades, geralmente, com
Igreja postergou o seu sonho. A política da prioritariamente, à formação das postulantes, a recursos oriundos das actividades prestadas nas
Kulturkampf implantada pelo governo de Bismarck segunda coordenava as actividades externas e o missões e nas instituições de diferentes países.
desagradou amplos sectores do clero cristão, na acolhimento dos grupos que procuravam a casa das O programa de formação das noviças e postulantes
medida em que interferia nas suas acções e submetia Irmãs para retiros e encontros de espiritualidade. incluía estudos de Teologia, Espiritualidade, História
as igrejas da Alemanha ao Estado. Depois de várias Quando, a 17 de Janeiro de 1892, foi realizada a Sagrada e Catecismo e ainda o estudo de idiomas.
tentativas para encontrar na Alemanha uma congre- Primeira Vestição, Helena e Hendrina receberam os Com o tempo, novas disciplinas foram acrescidas às
gação feminina que a preparasse para a vida seus hábitos azuis, dando, assim, início ao seu tempo mencionadas, de modo especial direccionadas à
missionária, Helena leu na revista O Pequeno de formação como noviças da nova Congregação formação de professoras, enfermeiras, assistentes
Mensageiro do Coração de Jesus que o P.e Janssen missionária, juntamente com outras 14 postulantes. sociais e agentes de saúde. Música, jardinagem,
desejava dar início a uma congregação missionária A primeira recebeu o nome religioso de Ir. Maria e pomicultura, culinária, confeitaria, corte e costura,
feminina, ligada à Sociedade do Verbo Divino, que a segunda de Ir. Josefa. No ano seguinte, as Consti- arte de paramentos, desenho e pintura foram
instituíra. Considerava que as mulheres, com a sua tuições das Missionárias Servas do Espírito Santo também acrescidas ao currículo das Missionárias.
simpatia e habilidades, conseguiam ingressar em foram aprovadas, destacando-se entre os seus artigos Convicto da necessidade da oração e da contem-
locais vedados aos homens, conquistavam a confiança a disposição de entrega à acção missionária: “Como plação para o sucesso do trabalho evangelizador
dos colonos e não despertavam suspeitas de serem Servas do Espírito Santo, temos a intenção de dos missionários e missionárias pertencentes à sua
representantes das potências imperialistas. Por outro anunciar a todos os homens o amor salvífico de obra, o P.e Janssen decidiu-se pela criação de um
lado, constatava que os trabalhos missionários das Deus Uno e Trino. Por nosso serviço missionário, ramo contemplativo feminino da Congregação. Com

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS MISSIONÁRIAS SERVAS DO ESPÍRITO SANTO

a escolha de sete irmãs missionárias, fundou, a 8 Janeiro de 1903, recebeu a Unção dos Enfermos. terminaram a sua acção pastoral na Diocese de Viseu.
de Dezembro de 1896, a Congregação das Servas Em Maio do mesmo ano, quando faleceu, a Congre- Transcorria o ano de 1996, quando uma nova
do Espírito Santo da Adoração Perpétua (SSpSAP), gação já contava com, aproximadamente, 300 irmãs. comunidade das Irmãs Missionárias Servas do Espírito
com o objectivo de “rezar e trabalhar” pelas grandes Arnaldo Janssen solicitou às companheiras que a Santo foi fundada em terras portuguesas. Desta vez,
necessidades da humanidade, pela maior glória de chamassem de Reverenda Madre Superiora e des- o local escolhido foi Casal de Cambra, Concelho de
Deus e pela conversão do mundo. creveu-a como uma pessoa simples, humilde, obe- Sintra, na Urbanização Camarária. Convidadas pela
Quando, em 1898, a Comunidade das Missionárias diente, fiel, dedicada a Deus e exemplar nas suas Câmara, receberam a missão de colaborar com o
Servas do Espírito Santo contava com 120 candidatas atitudes de consagrada. Programa Especial de Realojamento (PER), destinado
à vida religiosa, o P.e Janssen percebeu que a Ir. Maria Imitando o exemplo da Mãe de Jesus, o hábito a acomodar famílias deslocadas de áreas urbanas
manifestava virtudes para a vida contemplativa e tradicional da Congregação das Missionárias Servas degradadas e sem condições de abrigar pessoas.
decidiu convidá-la a ingressar na recém-fundada do Espírito Santo é azul celeste. Sobre o hábito A maior parte destes realojados são imigrantes da
Congregação das Irmãs Servas do Espírito Santo da usavam o escapulário, sustentado por um cordão África e América. Com o objectivo de promover a
Adoração Perpétua. Alegando que ingressara no vermelho, símbolo do Espírito Santo. A partir de dignidade cristã junto dos mais desprotegidos, jovens,
Instituto impulsionada pelo desejo de ser missio- 1968, decisões tomadas pelas Superioras da Congre- crianças, mulheres, doentes, idosos e famílias, as
nária, relutou em aceitar o convite, no entanto, gação permitiram que o hábito original fosse três irmãs residentes em Casal de Cambra dedicam-
reconhece na mudança uma manifestação da vontade substituído por um hábito mais simples. Em Capítulo -se à catequese de crianças e adultos, à formação
de Deus e aceitou o desafio. No dia 8 de Dezembro, realizado em 1996, definiu-se que cabia às provín- de catequistas, à coordenação de grupos de oração
a Ir. Maria recebe o hábito cor-de-rosa das Irmãs de cias decidir pela utilização, ou não, do hábito. e convívio, à animação da liturgia e acção nas escolas,
Clausura de Steyl, iniciando, assim, o Noviciado, e A morte das Fundadoras não representou crise às visitas a famílias carentes, ao acompanhamento
passou a chamar-se Maria Virgo. Na época, a Comu- significativa para a Congregação. Fundaram-se ca- espiritual dos frequentadores do lar da terceira idade,
nidade já contava com, aproximadamente, 130 sas e centros de formação na Alemanha, ex- à orientação de dias de retiro para jovens e adultos,
religiosas. Desde o início do seu Noviciado, a -Tchecoslováquia, Suíça, Inglaterra, Itália, Polónia, ao atendimento e orientação individualizados de
Ir. Maria Virgo já apresentava sintomas de encefalite Áustria, Espanha e Irlanda. Nos países de missão pessoas, à promoção da justiça e da paz, à formação
tuberculosa. Por este motivo, a 31 de Janeiro de também surgiram vocações, como na Argentina e de lideranças e à promoção da mulher. Por outras
1900, foi autorizada a fazer os votos religiosos no Brasil, países nos quais algumas centenas de palavras, as Irmãs Missionárias tentam estar presentes
provisoriamente, os quais, caso recuperasse a saúde, jovens vocacionadas receberam formação religiosa na evangelização, na educação, entre as minorias
seriam revogados. A Ir. Maria Virgo veio a falecer e tornaram-se Irmãs Missionárias. Vinte e cinco anos étnicas, nas famílias, junto aos menores carentes e
apenas três dias depois, a 3 de Fevereiro de 1900. após a fundação, a Congregação das Missionárias entre os jovens.
O P.e Janssen solicitou às companheiras de Maria Servas do Espírito Santo já contava com, aproxima- O espaço físico oferecido pelo pequeno apartamento
Virgo que a venerassem como co-Fundadora da damente, 1000 religiosas, reunidas em 63 comuni- de Casal de Cambra tornou-se inadequado para
Congregação, sendo-lhe dado “um maior destaque dades, sendo 9 na África, 18 na Ásia e Oceânia, 9 abrigar as seis irmãs que o habitavam em 2003, pois
por causa do seu testemunho de fé e vida entre as na América do Norte, 19 na América do Sul e 8 na não permitia a realização de reuniões e encontros,
irmãs”. A Ir. Maria Virgo foi beatificada em Maio Europa. Nas celebrações do Jubileu de Ouro, contava nem oferecia ambiente para os estudos das irmãs
de 1995. com 4300 irmãs, actuando em 23 países e 237 que frequentavam a Universidade. Em Novembro de
Nas crónicas e publicações das Missionárias Servas comunidades. Na década de 90, as Missionárias 2003, a Congregação das Missionárias Servas do
do Espírito Santo, encontram-se referências à Servas do Espírito Santo estiveram presentes em Espírito Santo adquiriu uma moradia em Odivelas.
Ir. Josefa, que a descrevem como uma pessoa natural, novas frentes de trabalho, em Moçambique, Zâmbia, A comunidade das missionárias servas do Espírito
simples e atenciosa, especialmente com os doentes Cuba, Rússia, Ucrânia e Roménia. Santo de Odivelas dedica-se ao trabalho de promoção
e com as companheiras. Durante o tempo em que No dia 12 de Setembro de 1989, ano em que se de Justiça e Paz, à missão com imigrantes, à cate-
foi Superiora, dedicou os seus esforços à expansão celebrava o centenário da fundação da Congregação, quese, à animação litúrgica e à pastoral da juventude.
das actividades missionárias, enviando as primeiras chegaram a Portugal as duas primeiras irmãs Em Fevereiro de 2004, sete missionárias servas do
irmãs para a Argentina (1895), Togo (1899), Estados missionárias servas do Espírito Santo, para darem Espírito Santo actuavam nas duas comunidades
Unidos da América (1901), Brasil (1902), China início a uma nova comunidade. Portugal apresentava- existentes em Portugal. Aparentemente, o carácter
(1905), Japão (1908), Filipinas e Moçambique (1912). -se como um celeiro de vocações e um local propício internacional da Instituição definido pelos Fundadores
Nos anos que se seguiram, foram criadas novas para a aprendizagem da Língua Portuguesa, neces- foi preservado, pois as Irmãs são oriundas de seis
comunidades na África (Ghana, Angola, Botswana), sária para o bom desempenho missionário em várias países diferentes, como Áustria, Portugal, Angola,
Ásia (Taiwan, Indonésia, China, Coreia e Índia), regiões da África e do Brasil. Vieram de Espanha a Brasil, Timor Leste e Indonésia.
América do Sul (Chile, Paraguai e Bolívia), Austrália Ir. Pompéya Martinez Garcia e Ir. Olga Alonso Quanto à formação das Missionárias Servas do
e Papua-Nova Guiné. A Ir. Josefa optou pela Fernandez, tendo-se estabelecido na Casa de Retiros Espírito Santo, com pequenas variações, submetem-
continuidade entre as Irmãs Missionárias, sendo da Terra de S.ta Maria, Diocese de Viseu. A Ir. Ângela -se a uma caminhada que iniciam como aspirantes
nomeada sua Superiora. Furian viria a juntar-se à Comunidade de Viseu e que pode durar entre três meses e um ano, tempo
Nos primeiros anos do séc. XX, o antigo Convento poucos meses depois. Durante 12 anos actuaram dedicado às primeiras experiências de vida comu-
de Steyl já não oferecia condições adequadas para na Instituição, colaborando nos mais diferentes nitária. Em seguida, vem o Postulantado, por um
acomodar todas as irmãs, noviças e postulantes, sectores da pastoral diocesana, como missões período mínimo de seis meses, dedicado ao ama-
exigindo a construção de uma nova morada. populares, animação missionária e pastoral juvenil. durecimento humano e espiritual, bem como ao
O lançamento da pedra fundamental marcou tam- A antiga casa de retiros foi vendida no ano 2000 e conhecimento da Congregação. Segue-se o Novi-
bém o início da manifestação dos problemas de as Irmãs foram transferidas para o centro social ciado, que pode durar dois anos, ou mais, durante
saúde de Ir. Josefa. A asma importunava-a de maneira localizado na Sé. Em Junho de 2001, depois de um o qual há uma preparação mais intensiva para os
crescente e foi-lhe diagnosticada, ainda, anemia e processo de discernimento por parte da Congregação, votos temporários. O período decorrente entre os
hidropisia. O seu quadro clínico complicou-se e, em as Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo primeiros votos e os votos perpétuos (Juniorato)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS OBLATAS

pode ir de um a nove anos. Os votos perpétuos após exercícios espirituais nas comendadoras, Antónia
realizam-se depois de seis a nove anos de votos decide colaborar com aquele padre abrindo, em
temporários, sendo, normalmente, precedidos de Ciempozuelos, o Lar de N. Sr.a do Consolo, a 1 de
uma preparação intensiva de vários meses. Junho de 1864. Nem o P. e Serra nem a própria
Paralelamente aos Estudos Teológicos, muitas irmãs Antónia pensavam fundar uma nova congregação.
buscam formação profissional e académica. Tinham por objectivo entregar a formação da sua
A Congregação das Missionárias Servas do Espírito obra a religiosas. Por isso, no ano seguinte compram
Santo contava, em 2008, com aproximadamente 3700 o antigo convento dos Frades Alcantarinos e em
membros, actuando em 43 países dos cinco conti- Dezembro desse ano chegam as Terciárias Capu-
nentes, como catequistas, professoras, psicólogas, chinhas da Divina Pastora, que lá permanecem por
médicas, enfermeiras, parteiras, assistentes sociais pouco mais de dois anos. Em 1866 é inaugurada a
e dirigindo escolas, orfanatos, leprosários e centros igreja.
médicos. Os migrantes, as mulheres, os prisioneiros
e os dependentes de álcool e drogas e os portadores
de HIV/SIDA são os grupos aos quais as Missionárias
Servas do Espírito Santo, a nível internacional, opta-
ram por dar prioridade. O motivo desta opção deve-
-se ao facto de estas pessoas se encontrarem em
situações de grande vulnerabilidade a todos os níveis.
Assim, tentando participar da vida das pessoas menos
favorecidas, as Missionárias Servas do Espírito Santo
procuram realizar a missão de testemunhar o amor
de Deus, servindo Cristo através do serviço à huma-
nidade, ajudando as pessoas a procurar caminhos Santíssimo Redentor (I)

que superem as trevas e a indiferença, conduzindo-as


à luz, à liberdade e à segurança do amor de Deus. Antónia Maria de Oviedo e Schonthal nasceu em
Entre as publicações mais conhecidas da Congregação Lausana, em 1822, de mãe suíça e pai espanhol.
das Missionárias Servas do Espírito Santo, destacam- Recebe a primeira comunhão em 1835, ano da morte
-se: Notícias do Mundo, por tratar de temas de de seu pai, e no ano seguinte ingressa no pensionato
interesse de todos os institutos, e a revista Eslabón, de Friburgo. Em 1838, sai desse pensionato e escreve
publicada pela Província Espanhola da Congregação. a sua regra de vida. Segue para Genebra e torna- P.e Serra (I)

A Casa Geral de Roma e a Casa de Steyl abrigam -se preceptora de Rosália Caro, filha dos Marqueses
a maior parte da documentação que constitui a de La Romana. Dois anos depois, regressa a Friburgo Antónia Maria recebe o diploma de Oblata do
memória histórica das Servas do Espírito Santo. e abre um pensionato para meninas. Com o início Santíssimo Redentor, dado pelo P.e Mauron, Superior
da guerra, as famílias afastam as suas filhas dos Geral dos Padres Redentoristas, a 9 de Junho
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal colégios, que passam tempos de penúria. Em 1847, de1867. A ligação àquela congregação missionária
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência o Embaixador de Espanha em Berlim solicita os seus fundada por S.to Afonso Maria de Ligório era forte
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 905; GOMES, Manuel serviços como preceptora das infantas filhas de Maria e constituía a sua base espiritual. Tinham em comum
Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Cristina de Bórbon. A corte da Polónia faz-lhe o a missão de anunciar aos pobres a Boa Nova de que
Paulinas, 1994, p. 90; HALATERMANN, Udo, “Vida de mesmo convite. Aceita o contrato com Espanha e Deus os ama. Antónia sentia pertencer à Família
Helena Stollenwerk, Madre Maria, S. Sp. S., co- vai para o palácio no mesmo ano em que perde a Redentorista e viria a adaptar o seu carisma às
-fundadora das irmãs Missionárias Servas do Espírito mãe. Em Madrid, conhece o P.e José Bento Serra. Oblatas. Entretanto, as Terciárias deixam a obra e,
Santo”, in Vida em Missão, Viseu, s.n., s.d.; À medida que viaja com a família real por Aranguez, dois anos depois, acabaria por receber o hábito e
HALATERMANN, Udo, “Vida de Hendrina Stenmanns, Suíça e Londres, vai escrevendo. Em 1854, com a o nome de Antónia Maria da Misericórdia. A 2 de
S. Sp. S.”, co-fundadora das irmãs Missionárias Servas revolução, dirige-se com Maria Cristina para o Fevereiro de 1870 nascia a Congregação das Oblatas
do Espírito Santo”, in A Tarefa Missionária do Bom desterro em França, onde conhece o P.e Hermann do Santíssimo Redentor. A Fundadora escreve as
Coração, Viseu, s.n., s.d.; REUTER, Jakob P.e, Arnaldo Cohen e deseja fazer-se carmelita. Viaja a Roma Regras para a sua obra, “dedicada exclusivamente
Janssen: Cativado e Enviado pelo Espírito, Braga, com a família real e nessa altura visita o P.e Nicolau à moralização das mulheres arrependidas”. Em 1873
Editorial Verbo Divino, 2000. Digital: www.ssps.org.br. Mauron, Superior Geral dos Redentoristas. recebe das mãos do P.e Serra a profissão religiosa.
Entretanto, quando as suas discípulas se casam, Três anos depois, escreve as regras para o Noviciado.
VALMIR FRANCISCO MURARO Antónia deixa o palácio e fica a viver em Roma. Em Em 1880 solicita a Roma a aprovação do Instituto,
1861, recebe a bênção especial do Papa Pio IX. No em audiência com o Papa Leão XIII. No ano seguinte,
ano seguinte torna-se a Vice-Presidente da obra ao receber o decreto de louvor, faz os votos perpétuos
OBLATAS apostólica do P. e Serra para ajuda das missões. e redige as Constituições.
Esta congregação religiosa, cujo nome oficial é Irmãs A pedido do Papa, Antónia escreve El Misionero. Após os 72 anos de vida, está cansada e doente.
Oblatas do Santíssimo Redentor, foi fundada em O P. e Serra renuncia à sua diocese e regressa a Deixa de poder agir mas não de orar, o que faz
Madrid, Espanha, a 1 de Junho de 1864, por José Madrid, onde, em contacto com prostitutas doentes, permanentemente, sempre “junto ao poço”. Uma
Bento Serra, frade beneditino e primeiro Bispo de decide dedicar a sua vida a essas mulheres margi- fundadora escolhida para educadora da família real,
Puerto Victoria, na Austrália, e por Antónia Maria de nalizadas. Convida Antónia a cooperar naquele pela sua educação e preparação pedagógica, acaba
Oviedo, educadora das filhas da Rainha de Espanha. projecto, o que, a princípio, não a seduz. Contudo, por preferir estar ao serviço das mulheres prostituídas.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS OBLATAS

Cega, mas olhando para dentro, contempla a Fazer da vida oblação é o princípio fundamental
plenitude da luz: a oblação. Essa seria total a 28 de desta Congregação, assim como a entrega aos mais
Fevereiro de 1898. Nessa altura, são 285 as irmãs pobres dos pobres. A oblação de si mesma, como
professas. gostava de dizer a Fundadora quando escrevia “Sou
Em 1927, inicia-se o seu processo de beatificação, Oblata e fiz Oblação de mim mesma”, não passa,
que chega a Roma em 1932, mas só em 1962 o neste caso, por fazer beneficência, por muito
Papa João XXIII assina o decreto sobre a heroicidade caritativa que seja. Esta oblação consiste em recusar
de virtudes. os esquemas sociais estabelecidos e ir mais além,
Em 1876, a Congregação já possuía Noviciado com às camadas fora das margens, às mulheres margi-
16 candidatas. A Obra ia crescendo e sendo chamada nalizadas. Por isso, a opção pelo sacrifício e pelo
para outras localidades, primeiro para Vitória e depois holocausto. Trata-se de uma Congregação que sente
para Benicasim, em 1876, a que se seguiu Valência, Antónia da Misericórdia, Fundadora (I) que Deus também chama para si os que não são
uma cidade com acentuada prostituição, ficando a de “boa família” e que quer seguir a preferência
casa situada em Alacuás. Outras fundações haveriam de outro tipo de estruturas de apoio, como centros de Jesus pelos que são socialmente desprezados.
de continuar, nomeadamente em Tortosa, Saragoça, ocupacionais e profissionais, casas de família para As Oblatas do Santíssimo Redentor conseguem
Santander, Valladolid, Tarragona, Múrcia, Santiago, mulheres gestantes e mães solteiras, participação realizar, pelo seu pioneirismo, ainda no séc. XIX,
Godellla e San Sebastián. Antónia Maria não vacilava, em projectos de promoção e desenvolvimento uma obra de recuperação da dignidade da pessoa
sempre apoiada pelo P.e Serra até 1885. Seguiram- comunitário (ONG, Cáritas, entre outros). Contudo, humana e do respeito pelos seus direitos funda-
-se Alicante, Jerez, Madrid e Barcelona, cidade da antes de as integrar na obra da Congregação, as mentais, actualmente tão proclamados por orga-
sua última fundação. Irmãs Oblatas vão ao seu encontro, penetrando no nizações internacionais como a ONU, que, em 1983,
Como escrevia nas Constituições a própria Fundadora, seu contexto envolvente, principalmente nos bairros declara que “todos os seres humanos querem amar
“O Instituto das Oblatas do Santíssimo Redentor foi onde trabalham. e ser amados, dar-se e não vender-se”, a constatação
fundado unicamente para que as Irmãs que o A formação que recebem tem que ver com conteúdos de um direito natural defendido um século antes
compõem, realizem a sua própria santificação, informativos básicos, noções de cultura mas, também, pela Fundadora das Oblatas do Santíssimo Sacra-
acolhendo, instruindo e promovendo as mulheres com uma reorientação moral que as faça desejar mento e continuado na actualidade por todas as
marginalizadas, abrindo para elas lares em que não regressar à anterior vida. Aproveitando as natu- suas discípulas.
possam ser recebidas sem qualquer restrição. rais aptidões e capacidades de cada uma, o objectivo
Ninguém jamais poderá acrescentar-lhe qualquer é tentar reintegrar estas mulheres social e profis-
outra obra, por caritativa que seja, que possa distrair sionalmente. Para isso muito contribui o acom-
em qualquer coisa as Irmãs deste fim único do seu panhamento psicossocial, a orientação e o apoio
Instituto e da sua vocação”. Saliente-se a novidade profissional, dando-lhes os recursos humanos e finan-
desta obra, tanto mais pioneira por ser criada em ceiros necessários à mudança de vida. O objectivo
pleno séc. XIX, constituindo um desafio para uma é libertar a mulher mais humilhada e oprimida da
congregação religiosa e para a própria Igreja. sociedade, tornando-a capaz de sair dos subúrbios
Este Instituto destinou-se, desde o início, a reabilitar da marginalidade para ser plenamente pessoa.
as mulheres prostituídas, integrando-as em casas de Para além destes projectos, as Oblatas empenham-
acolhimento, onde podiam refazer a sua vida. -se, ainda, na ajuda à mulher traficada sexualmente,
A primeira casa foi aberta na Vila de Ciempozuelos, fazendo parte de uma rede internacional de apoio
em Madrid. Achavam-se, então, na época da a estas mulheres, principalmente nos países da
industrialização e da saída das pessoas dos campos Europa, América Central e nas Ilhas Filipinas. Casa-Mãe, Ciempozuelos (I)
para a cidade. Este êxodo rural teve consequências A pedagogia das Oblatas do Santíssimo Redentor
sociais penosas, sendo uma delas o aumento do fundamenta-se no exemplo de vida de Jesus de
número de marginalização e exploração da mulher. Nazaré, nas suas atitudes perante as mulheres Actualmente, a Congregação encontra-se espalhada
Havia, em Madrid, 12 000 prostitutas, num universo “pecadoras” e excluídas do seu tempo. Por isso, em 15 países espalhados pela Europa (Espanha, Itália
com 400 000 habitantes. A Fundadora cedo escrevia longe de qualquer juízo de valor, é uma pedagogia e Portugal), América (México, Uruguai, Argentina,
que deviam, precisamente, “escolher” para as suas da aceitação do outro a partir do que ele é em si Brasil, EUA, Venezuela, Colômbia, Porto Rico,
casas as consideradas piores, porque as “que não mesmo, promovendo, a partir da sua situação República Dominicana e Guatemala), Ásia (Filipinas)
servem para nada mais do que para o pecado, têm concreta, a sua recuperação como pessoa. A peda- e África (Angola).
uma alma criada à imagem de Deus como as mais gogia dos Fundadores parte do amor, da misericórdia No caso particular de Portugal, as Oblatas do
bonitas e aptas para tudo. E não se esqueça (a entranhável e de uma atenção individualizada que Santíssimo Redentor estão em Lisboa, desde 1987,
superiora) de que essas são mais nossas do que se exprime em acolhimento e em profundo respeito a pedido do Cardeal Patriarca. Este, preocupado
nenhuma outra”. e aceitação da mulher na sua situação concreta, com a notícia da rápida difusão da prostituição
A admissão nas casas da Congregação tinha como pois, segundo a sua Fundadora “perderam-se pelo e toxicodependência na zona do Intendente, con-
condições a decisão das prostitutas de mudarem de coração e é pelo coração que há que recuperá-las. tactou as diferentes ordens e congregações religio-
vida, sem distinção de idade ou condição social, e As oblatas são mães e mestres destas mulheres e sas, que partilhavam da sua inquietação, às quais
com a liberdade de poderem deixar as casas com a para fazer melhor estas tarefas nos fazemos religiosas. solicitou sugestões de actuação. Como resposta, os
mesma liberdade com que tinham entrado. As casas Que as Oblatas amem a estas mulheres, que se Padres Redentoristas lembraram-se das Irmãs
mudaram de designação, passando a se chamar acostumem a estar com elas, que saibam ter Oblatas do Santíssimo Redentor. O seu carisma era
Centros de Acolhimento e Orientação, mas mantendo paciência mas uma paciência dulce, amorosa, que precisamente esse: o acolhimento e o apoio à mulher
as mesmas condições. Além destes centros, dispõem percebam que há muito amor”. marginalizada pela prostituição. Com o acordo da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS OBLATAS DO CORAÇÃO DE JESUS

diocese, a Província dos Padres Redentoristas propôs de 25 de Setembro. Em 1992 era estabelecido um OBLATAS DO CORAÇÃO DE JESUS
à Província de Madrid das Irmãs Oblatas a abertura, acordo com a Misericórdia de Lisboa. A fundadora das Oblatas do Coração de Jesus,
em Lisboa, de uma casa da referida Congregação As equipas de rua desenvolvem a sua acção no Louise-Thérèse de Montaignac, nasceu a 14 de Maio
para actuar nas freguesias em questão. A proposta Intendente, Pr. da Figueira, Parque Eduardo VII, Restelo de 1820, no Havre, onde o seu pai era funcionário
foi aceite e foram, seguidamente, accionados os e suas envolventes. As utentes foram aumentando das finanças. Com as revoluções de 1848, a sua
mecanismos necessários para a vinda das Irmãs. progressivamente e tornava-se necessário encontrar família, de origem bourbónica, estabeleceu-se na
Assim chegaram a Portugal para darem o seu uma estrutura que lhes oferecesse assistência, apoio região de Montluçon. Era uma família particular-
testemunho de acção e o apoio possível por meio na procura de um emprego sério, protecção aos mente crente, que lhe dará um exemplo de uma
do seu apostolado. filhos, além de higiene e alimentação adequadas. vida de fé. Mas será uma experiência como pen-
A chegada a Lisboa da primeira equipa das Irmãs Assim surgia a necessidade de criar um centro de sionista no Convento das Fiéis Companheiras de
Oblatas do Santíssimo Redentor, constituída pelas acolhimento. Mais uma vez com a ajuda dos Padres Jesus, em Châteauroux, que a marcará profunda e
Irs. Lurdes, Margarida e Teresa, aconteceu no dia Redentoristas, a Congregação funda o Centro de decisivamente. Perante o simples presépio que lá
17 de Novembro de 1987. Chegaram a um Acolhimento de N. Sr. a da Saúde, sediado na contempla, no Natal de 1827, sentir-se-á chamada
ambiente desconhecido, sem dominarem a língua R. Antero de Quental, em Lisboa. No CAOMIO por aquele Deus-Menino. Aos dez anos foi confiada
e “sem túnica, alforges e mantimentos” e tinham (Centro de Acolhimento e Orientação da Mulher pelos pais a uma tia e madrinha, M.me de Raffin,
apenas os Padres Redentoristas como apoio. Aí Irmãs Oblatas), desenvolvem o projecto de integração que vivia em Nevers. Dela recebeu uma educação
ficaram instaladas durante os primeiros tempos e Ser Mulher, onde diariamente têm à disposição um e formação humana profundas, fundamentadas
por seu intermédio conseguiram fazer face às gabinete de atendimento na área psicológica e social, numa espiritualidade cristã. Como fontes funda-
despesas de manutenção. Para isso, obtiveram aulas de alfabetização, costura, culinária, iniciação mentais, refira-se o Evangelho e os Salmos, que
postos de trabalho de acordo com as possibilidades à informática, dança, yoga, sessões de grupo de acompanharam a sua vida, juntamente com os escritos
de cada uma: mulher-a-dias, costureira, empregada promoção da auto-estima, competências sociais, de S.ta Teresa d’Ávila. Ali viveu de 1830 a 1845,
de balcão e educadora de infância. Trabalhavam a formação cultural e espaço de opinião pública, tempo durante o qual teve várias vivências espirituais,
meio tempo para poderem, afinal, cumprir a sua distribuição de sacos com bens elementares, desde a primeira comunhão à frequência do Mosteiro
missão. Assim, dirigiam-se à zona degradada onde satisfação de necessidades básicas e serviço de da Congregação de Notre Dame (Convento des
habitavam as prostitutas e percorriam as ruas e os lavandaria. A inserção de mulheres em situação de Oiseaux) em Paris, pertencendo ao Movimento das
bairros mal frequentados, onde encontravam risco ou exclusão social, com e sem filhos, é feita Filhas de Maria. Ali estava presente a influência dos
mulheres, de todas idades, que praticavam a na Residência Antónia Maria da Misericórdia. Jesuítas e a devoção ao Coração de Jesus.
prostituição. As irmãs timidamente aproximavam-
-se delas e sorriam causando-lhes estranheza a sua
presença. Quando percebiam a sua intenção, que
vinham para partilhar as suas dores e dificuldades
e oferecerem outra vida, a maior parte das vezes
aceitavam a ajuda.
Passados quatro meses, a pequena comunidade
instalava-se num apartamento na R. Canada. Era a
habitação de uma “ex-mulher da rua”, que, radicada
em Espanha, fez questão de oferecer a sua casa
mobilada. Aceitando a generosa oferta, aquela casa
serviria de dormitório. Mais tarde conseguiriam a
Reunião de trabalho na Residência
sua própria casa, um segundo andar na R. Álvaro
Antónia Maria da Misericórdia (I) Logótipo da Congregação (I)
Coutinho, comprado com o auxílio dos Padres
Redentoristas. Era um grande passo para melhor
exercer a sua acção: uma casa onde podiam partilhar Em 2007, eram uma comunidade formada por seis Louise-Thérèse desde cedo sentiu-se atraída pelo
refeições, acolher lágrimas e escutar as suas irmãs, sediadas na Freguesia dos Anjos, na zona do amor de Deus que, na juventude, foi cultivando com
destinatárias. Intendente. Formam uma IPSS, designando-se de mais intensidade, aumentada pela doença óssea que
A primeira equipa foi alterada. Em Setembro de Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor começa a experimentar aos 22 anos e que se
1992 passaram a fazer parte da Comunidade as e desenvolvem projectos no âmbito da problemática prolonga até ao fim da sua vida. Entrega-se, então,
Irs. Lourdes, Mercedes e Carmen (depois substituída da mulher prostituída (acolhimento e integração), ao Coração de Jesus, comprometendo toda a sua
por Conceição, que se tornaria a Superiora). Pouco ex-prostituída e ex-toxicodependente ou em risco vida em oblação. Paralelamente, acompanhava sua
a pouco, as irmãs espanholas eram aceites e inte- (comunidade de inserção). tia nos apelos missionários que sente em espalhar
gradas na paróquia, onde apareciam voluntários a a devoção ao Coração de Jesus, numa França em
ajudá-las, apesar de trabalharem com pessoas BIBLIOGRAFIA: Antónia de Oviedo Y Shonthal, Madrid, crise espiritual. Mas M.me de Raffin morreu preco-
marginalizadas. Bannò Francesco editore, s.d.; RIOS, Manuel Gomes, cemente, a 4 de Dezembro de 1845, numa altura
Institucionalmente, é de referir que as Oblatas Antónia Maria da Misericórdia: Oblação e Serviço em que Louise, pensava entrar no Carmelo, mas
obtiveram personalidade jurídica a 28 de Setembro das Mais Pobres, Barcelona, Editorial Claret, 1997; mudará rapidamente de planos, por influência do
de 1998, concedida pelo Governo Civil e Patriarcado. RIOS, Manuel Gomes, Junto ao Poço: Antónia Maria seu director espiritual, fixando-se em Montluçon,
Os seus Estatutos foram aprovados a 30 de Junho de Oviedo y Shonthal, Porto, Editorial Perpétuo em Fevereiro de 1848, para executar o plano da sua
de 1990 e foram declaradas uma Instituição Privada Socorro, 1994. tia de fundar a Associação das Mulheres Cristãs.
de Solidariedade Social (IPSS) a 18 de Agosto de As dificuldades eram muitas, numa época em que
1991, por despacho publicado no Diário da República ISABEL BALTAZAR o plano da sua tia era demasiado arrojado. Tenta

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS OBLATAS DO CORAÇÃO DE JESUS

entregar a associação a vários institutos religiosos, primeiro revelado em Jesus Cristo: é esse o significado
mas sem resultados. de oblação. Como Ele, querem seguir o Seu caminho,
Assim, de 1848 a 1874, vai conhecendo pessoas numa vida simples e de coração aberto a todos,
influentes a quem fala da oblação, a nível espiritual, correspondendo ao chamamento do Evangelho:
e com quem conseguirá, apesar das limitações físicas “Como o Pai me enviou, assim eu vos envio” (Jo
(que a imobilizaram numa cadeira de rodas), pro- 20, 21). A Eucaristia é o centro da sua vida e “o
mover iniciativas em termos de assistência consubs- espírito contemplativo é a essência da nossa vocação”
tanciada em orfanatos e em didáctica catequética (Louise-Thérèse de Montaignac). Por isso, querem
para os mais abandonados, em obras nas igrejas ser no meio do mundo testemunhas do Amor e fer-
pobres, na prática da Adoração Perpétua e em retiros mentos de unidade e pretendem dar a conhecer aos
espirituais abertos a todos. Em Julho de 1863, por homens o Deus de ternura.
Capela da Casa-Mãe, Montluçon, França (I)
ocasião da morte da irmã, acolheu os seus sobrinhos, As linhas do Instituto definem-se todas a partir da
saboreando a experiência de “mãe”, e continuou a oblação. Esta é praticada segundo a disponibilidade
sua acção apostólica, no desejo de “atrair sem cessar daqueles que a aceitam como atitude de vida. Se (1894) e para Nicarágua (1903). Actualmente, as
o amor do Coração de Jesus”. são casadas, continuam a sua vida em oblação, Oblatas do Coração de Jesus estão presentes na
Dando continuidade aos esforços da sua tia de partilhando a sua experiência em reuniões (eram Europa (França, Bélgica, Polónia e Portugal, em
cultivar, também, as vocações sacerdotais, criou para inicialmente designadas de Oblatas de Reunião). Lisboa, Porto e Vila Nova de Gaia), na América Latina
esse fim, em 1882, a obra dos Samuéis, que, for- São, hoje, as Oblatas Seculares e as Filiadas. As Obla- (Brasil, El Salvador, Guatemala, México, Honduras,
mando os jovens cristãos do ensino primário, tas Professas vivem uma vida consagrada, em Nicarágua e Panamá) e em África (República
pretendia despertá-los e encaminhá-los para o comunidades, dando apoio espiritual aos outros dois Democrática do Congo e República da África Central).
seminário, sempre que fosse esse o chamamento. ramos. Estas professas dedicam-se à acção pastoral A implantação da Congregação das Oblatas do
Continuou sempre activa até ao fim da sua vida e socioeducativa. Sagrado Coração de Jesus em Portugal foi conseguida
terrena, tendo particular cuidado em dar a formação O Instituto reúne, portanto, três tipos de oblatas, em 1892. As primeiras oblatas portuguesas foram
necessária às Oblatas que haveriam de continuar a de acordo com a vocação de cada pessoa, o seu Carolina de Miranda e a sua mãe, Maria Emília
sua missão. Veio a morrer no dia 27 de Junho de estado de vida e a sua disponibilidade. As Oblatas Bolhemann, holandesa e de religião luterana, mas
1885. Religiosas são as consagradas que vivem a missão convertida ao Catolicismo. Tomaram conhecimento
Após a proclamação do decreto de heroicidades das em comunidade e que respondem às necessidades desta Congregação, cujos fundamentos e espírito
virtudes de Louise-Thérèse de Montaignac pelo Papa da igreja local, conforme as suas possibilidades, pela correspondiam ao que procuravam, por intermédio
João Paulo II, foi decretada a aprovação do milagre catequese, educação, participação na pastoral e de um sacerdote jesuíta francês, P.e Biailez. Em 1887,
a 28 de Março de 1988. Uma vez declarada Bem- acção caritativa e social. As Oblatas Seculares são sob a orientação de um jesuíta português, P.e Borges,
-Aventurada, a sua beatificação aconteceu no dia 4 as leigas consagradas e chamadas a penetrar o entraram em contacto com a Superiora Geral da
de Novembro de 1990. mundo com os valores evangélicos, vivendo essa Congregação em França, Madre Claire Thérèse. Três
A 21 de Dezembro de 1874, Louise de Montaignac missão inseridas na vida familiar, profissional e social. anos depois, morreu Emília Bolhemann e ficou
realizou o desejo de ver aprovada a associação como As Oblatas Filiadas e Casais Filiados são os leigos Carolina com a responsabilidade de abrir a primeira
Pia União das Oblatas do Sagrado Coração, tendo que, identificando-se com o espírito do Instituto, casa em Portugal. Em 1892, esse desejo foi realizado,
sido fixadas as suas primeiras regras. A Fundadora vivem esse espírito da oblação, mas sem compro- com a aprovação do Cardeal de Lisboa e do Provincial
foi, também, nomeada Secretária-Geral do Apostolado misso de votos. dos Jesuítas: era inaugurada a primeira comunidade
da Oração, dirigido pelo P.e Ramière, sj. O primeiro Capítulo foi realizado a 17 de Maio de das Oblatas em Portugal, numa casa de Campolide.
As Oblatas surgiram para serem testemunhas de 1880, ainda em vida de Louise-Thérèse, que foi eleita A licença para a criação do Noviciado chegou de
uma entrega a Deus, em resposta ao seu Amor, Superiora Geral do Instituto. A Fundadora conseguiria Roma em 1894 e, no ano seguinte, foi criado um
dar o impulso decisivo para implementar o espírito Centro de Oblatas Seculares, no Porto. Em Vila Nova
da Obra, numa filial unidade de todos os seus de Gaia foram implantadas as Oblatas Religiosas,
membros, respeitando e encorajando a diversidade no Lugar de S. Paio, Casa de S.ta Isabel, para onde
de acções a desenvolver. O seu lema era, precisa- foi transferido o Noviciado. Em 1899, a Casa de
mente, “Unidade na Diversidade”. Campolide foi transferida para a Lapa, funcionando
O Papa Leão XIII reconheceu o mérito das Oblatas aí um atelier de costura e bordados, a Casa de
do Coração de Jesus, atribuindo-lhes, simbolica- Lavores de S. José.
mente, um Breve laudatório, a 4 de Outubro de Em 1903, no Porto, foi criada uma Casa de Oblatas
1881. religiosas, hoje situada na R. da Alegria. Destinando-
A fonte fundamental de orientação das Oblatas são -se, inicialmente, a uma obra de assistência com
as suas Constituições, datadas de 24 de Setembro internato, presentemente funciona como pré-escola
de 1883, que atribuem, consoante as categorias, as e como escola do primeiro ciclo. Com a proclamação
respectivas competências de vida, tendo em comum da República, as Oblatas refugiaram-se em Ponte-
“reconhecer o Amor do Coração de Jesus, e recordá- vedra (Espanha) durante dois anos. Regressando em
-lo sem cessar aos homens”. A oração é o seu ali- 1913, instalam-se na R. dos Navegantes, onde se
mento espiritual e o espírito contemplativo é a dedicam ao ensino.
essência da sua vocação. Mais tarde, em 1971, surgiu, em Penafiel, o Patronato
Com a morte da Fundadora, o Instituto rapidamente da Sagrada Família, destinado a receber raparigas
se expande, saindo das fronteiras de França, primeiro de aldeias vizinhas que pretendiam frequentar as
Louise-Thérèse de Montaignac, Fundadora (I) para Portugal (1887) e depois para Salvador e Polónia escolas.

492
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS OBLATAS DO DIVINO CORAÇÃO

A Congregação em Portugal tem cerca de 20 profanada; não tinha rendimentos económicos e


religiosas. encontrava-se com falta de clero para assistir à
maioria das paróquias, extensas e com população
BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, rural muito dispersa. Entretanto, para coroar o estado
[Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal da situação, D. José viu negado o apelo que fez a
Portuguesa, 2007, p. 906; FERNAY, Philippe, A força diversas congregações religiosas para que se Casa Beatriz Gamboa, Boavista dos Pinheiros, Odemira (I)
da Fé: Itinerário Espiritual de Luísa Teresa de instalassem na diocese. Perante tal estado de coisas,
Montaignac, Braga, Livraria A. I., 1990; G OMES , D. José é obrigado a reagir e decide recomeçar:
Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, restaura a vida religiosa através da sua pregação, (Casa do Divino Coração), e em Almada (Santuário
Lisboa, Paulinas, 1994, p. 93; Uma Missão na Igreja: direcção espiritual, visitas pastorais e fundação de do Cristo-Rei).
Louise-Thérèse de Montaignac e as Oblatas do obras de assistência e de apostolado; para a activi- A Congregação tem os seguintes órgãos de
Coração de Jesus, Lisboa, Edição das Oblatas do dade episcopal procede à adaptação da catedral, governo: Capítulo Geral, Governo Geral e Governo
Coração de Jesus, s.d. criação do Cabido, aquisição do Seminário de Serpa Local. O Capítulo Geral é o órgão que mais
e construção de outro, o Seminário de N. Sr.a de plenamente representa a Congregação, exprime a
ISABEL BALTAZAR Fátima; para a ajuda social, além da criação do B.º sua unidade na caridade, e realiza a participação
de N. Sr.a da Conceição, orienta a Obra do Amparo de todos os seus membros nas grandes decisões
dos Pobres. Sentindo a necessidade de apoio perma- sobre a sua vida interna e acção apostólica. Nele
OBLATAS DO DIVINO CORAÇÃO nente nos esforços do ministério sacerdotal quer reside a suprema autoridade da Congregação. Por
A Congregação das Oblatas do Divino Coração (ODC) pela oração quer pelos trabalhos de apostolado, a exemplo, de entre as inúmeras competências, é ao
foi fundada a 15 de Maio de 1926, em Beja, pelo 15 de Maio de 1926 constituiu um grupo de Capítulo Geral que compete, por voto secreto, a
Bispo D. José do Patrocínio Dias, com o objectivo senhoras (com o objectivo de promover entre si e eleição da Superiora Geral e demais membros do
de auxiliar e acompanhar o esforço do ministério noutras almas uma cruzada de reparação pela seu Conselho (o Governo Geral). A Superiora Geral
sacerdotal quer nas comunidades cristãs quer nos oração, sacrifício e apostolado) e orientou-as como detém, fora do Capítulo Geral, a autoridade maior
trabalhos pastorais (serviços diocesanos, catequese Pia União das Oblatas do Divino Coração da Diocese na Congregação, a qual será exercida com a
e educação da infância e juventude, visitas aos de Beja. Foram pioneiras: Maria José Raposo, Maria assistência do seu Conselho na prossecução dos
doentes, apoio a idosos, e formação cristã através Henriqueta Fernandes Cid, Maria da Luz Mendes, objectivos da Congregação. O Conselho é
da preparação de espaços de encontro, reflexão e Beatriz Bandeira de Mello Gamboa, Mariana Dionísio constituído por cinco membros: a Superiora Geral,
retiros espirituais). Sá Ferreira e Maria Durão Sá Ferreira; e, num duas Assistentes Gerais, a Secretária Geral e a
D. José do Patrocínio Dias nasceu na Covilhã, no segundo momento, Maria Luísa Cordes da Ponte, Ecónoma Geral. O Governo Local de cada casa ou
dia 23 de Julho de 1884, estudou no colégio jesuíta Maria da Cruz Cordes Piçarra, Maria de Piedras comunidade é nomeado pela Superiora Geral,
de S. Fiel, seguindo depois para Coimbra, onde Albas Peres Martins, entre outras. Destaca-se Madre ouvido o seu Conselho, e detém as competências
se formou em Teologia, no dia 21 de Dezembro Beatriz Bandeira de Mello Gamboa (ou Madre Maria próprias para o serviço e autoridade em determinada
de 1907. Nesse mesmo ano, foi ordenado do Divino Coração), primeira coordenadora das casa ou comunidade.
Sacerdote na Diocese da Guarda, onde permaneceu Oblatas do Divino Coração. Natural de Castelo Em Setembro de 1949, o Bispo de Beja, D. José do
até 1915, momento em que se ofereceu para servir Novo, Fundão, pessoa de relação familiar e próxima Patrocínio Dias apresentou à Santa Sé (Congregação
em França, como capelão militar do Corpo de D. José, a quem lhe terá lançado o desafio de dos Religiosos) um conjunto de normas pelas quais
Expedicionário Português, na Primeira Grande estruturar uma grande missão em Beja (terreno se regia a Pia União, que aspirava tornar-se congre-
Guerra. Obteve várias condecorações nacionais e para uma cruzada de Salvação, pela missão orante gação religiosa. A Congregação dos Religiosos
internacionais, entre as quais se destacam a Cruz e reparadora das ofensas à Majestade Divina na respondeu ao bispo, solicitando que este elaborasse
de Guerra, a Comenda de Palma de Ouro da Ordem Diocese de Beja), deteve um papel determinante as Constituições, acto que D. José concretizaria de
de Cristo (Classe Militar), a Medalha Militar de na constituição do primeiro grupo organizado de imediato. Em Dezembro de 1950, a Santa Sé aprovou
Bons Serviços em Campanha e a Cruz de Oficial senhoras na cidade de Beja, seguindo orientações o projecto das primeiras Constituições que viriam a
da Legião de Honra do Governo Francês, tendo do bispo, tendo sido co-responsável pela génese ser entregues à Congregação no dia 15 de Maio de
sido também nomeado Chefe dos Capelães da Congregação nascente. De espírito atento e 1951, conjuntamente com o decreto de erecção
Militares. sensível, desenvolve esforços pela pedagogia da canónica da Congregação das Oblatas do Divino
Na sequência da implantação da República, em formação/acção: obras de caridade, liturgia, cate- Coração da Diocese de Beja. Na sequência do
1910, a Diocese de Beja viveu um clima de grande queses, retiros, organização de missões populares Concílio Vaticano II, em 1970, com D. Manuel dos
instabilidade social e religiosa: por um lado, o Bispo e vida paroquial. Santos Rocha, Bispo de Beja, procedeu-se a uma
D. Sebastião Leite de Vasconcelos fora obrigado a As Oblatas do Divino Coração estiveram presentes revisão das primeiras Constituições com o objectivo
refugiar-se em Espanha, de onde seguiu para o exílio durante largos anos em Moura (Casa de N. Sr.a do de actualização de algumas disposições, tais como
em Roma; por outro lado, as consequências sociais Carmo), em Lisboa (Lar Alentejano/Residência a simplificação da linguagem e a inclusão de reco-
da decadência da vida eclesiástica na diocese Universitária Feminina) e em Beja (no Paço Episcopal, mendações exigidas pelo novo estilo de vida da
conduziram ao enfraquecimento do espírito religioso. no Seminário Diocesano e na Mansão de S. José/lar Igreja. Contudo, não consta que o texto daí resultante
D. José foi nomeado Bispo de Beja em Dezembro de terceira idade). Actualmente, além da sua tenha sido aprovado por decreto episcopal. Seria a
de 1920, sagrado Bispo em Junho de 1921 e deu participação em diversos serviços pastorais da Diocese 15 de Maio de 1990, 20 anos mais tarde, com
entrada na diocese em Fevereiro de 1922. D. José de Beja, catequeses paroquiais, ensino e missões D. Manuel Falcão, Bispo de Beja, que as Constituições
depara com uma diocese sem estruturas ao nível populares, as Irmãs mantêm missão estabelecida em pós-conciliares da Congregação vieram a ser apro-
institucional, social e económico. Beja não tinha Sé, Beja (Casa-Mãe, Patronato de S.to António/jardim- vadas. Trata-se de uma nova redacção orientada
paço episcopal, Cabido, seminário, nem boletins ou -de-infância), em Odemira (Jardim-de-Infância de N. pelos documentos mais recentes do Magistério da
jornais católicos; grande parte das igrejas havia sido Sr.a da Piedade e Casa Beatriz Gamboa), em Fátima Igreja: Concílio Vaticano II, Código de Direito

493
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PASSIONISTAS DE SÃO PAULO DA CRUZ

Canónico (1983) e documentos das várias Congre- Uma vez por semana cumprem um dia de desagravo, PASSIONISTAS DE SÃO PAULO DA CRUZ
gações Romanas acerca da vida religiosa e da vida indo à confissão. Fazem retiro mensal e, uma vez A Congregação das Irmãs Passionistas de São Paulo
consagrada e da sua missão na Igreja e no mundo. por ano, uma semana de exercícios espirituais. Com da Cruz foi fundada a 17 de Março de 1815, em
De seguida, em Julho de 1991, a Assembleia Geral frequência, procedem à adoração do Santíssimo Florença, por Maria Madalena Frescobaldi Capponi.
(com poderes de Capítulo Geral) da Congregação Sacramento e à reza da Via Sacra e do Terço. Quanto A Fundadora nasceu em Florença, a 11 de Novembro
das Oblatas do Divino Coração elaborou e aprovou à missa, podem participar dela na igreja da paróquia de 1771, no seio de uma família nobre próspera,
o Directório: instrumento regulamentar que a onde vivem. pois os seus pais eram os Marqueses Frescobaldi-
Congregação, a partir das Constituições, pormenoriza As primeiras Oblatas viviam em casa de família e -Quaratesi. A sua educação cristã foi grandemente
e adapta às circunstâncias variáveis de tempos e vestiam o traje comum. A partir do momento em transmitida e influenciada pela mãe, que desde cedo
lugares, as normas e orientações fundamentais das que adquirem a posse da Casa de S.ta Maria (Casa- incutiu, nas três filhas, o hábito de oração e de
Constituições, que por natureza própria adquirem -Mãe), em 1944, e passaram a viver em comu- serviço aos mais necessitados. Frequentou com as
maior estabilidade. nidade, surgiu o desejo de tomar hábito (sinal irmãs o Colégio “Le Quiete”, acabando por casar
O seu carisma consiste em tornar propício o Divino exterior de consagração a Deus) que viria a com o Marquês Pedro Roberto Capponi, de quem
Coração para a conversão da humanidade através acontecer a partir de Fevereiro de 1949. Actual- teve três filhas, que morreram precocemente, e um
da oblação total de si mesmas e da sua vida, reparar mente, usam hábito de cor negra, fechado no filho varão.
e evangelizar, auxiliando os sacerdotes no seu pescoço com debruado de cor branca, em casa e
ministério e no contacto directo com as populações, no exterior; ou, por conveniência e devidamente
numa ligação íntima orante, de devoção e entrega, aprovado, hábito de cor branca, a menos que
das suas acções ao Sagrado Coração de Jesus. determinadas circunstâncias recomendem o uso de
A Congregação tem por divisa as palavras de Jesus: traje comum. Com o hábito, as Oblatas usam,
Omnia traham ad me ipsum (“atrairei a mim todos pendente do pescoço por um fio, uma placa com
os corações”). a imagem gravada do Divino Coração, tendo em
redor a divisa da Congregação; e, no dedo anelar,
um anel de esposas do Senhor, com a efígie do
mesmo Divino Coração.

BIBLIOGRAFIA: A PARÍCIO , António, A Congregação


Logótipos da Congregação (I)
das Oblatas do Divino Coração, Beja, Texto
dactilografado, 2001; Constituições das Oblatas
do Divino Coração, Beja, s.n., 1990; Constituições O ano de 1796 marca a entrada das tropas
das Oblatas do Divino Coração da Diocese de Beja, napoleónicas em Florença. Na sequência deste
Braga, Livraria Cruz, 1951; Decreto de Erecção acontecimento, Maria Madalena vê-se forçada a
da Congregação das Oblatas do Divino Coração exilar-se em Viena de Áustria com a sua família. Aí
da Diocese de Beja, Beja, 1951; Directório da continuou a fomentar a sua devoção cristã, voltando
Congregação das Oblatas do Divino Coração, Beja, à terra natal apenas em 1803. A conjuntura que se
s.n., 1991; FALCÃO, Manuel Franco, As Constituições vivia em Itália era de miséria provocada pela guerra.
da Congregação das Oblatas do Divino Coração Além de toda a pobreza e mendigagem, assistia-se
da Diocese de Beja, Beja, Texto dactilografado, a um movimento de migração do campo para a
2001; G OMES , Manuel Saturino da Costa, scj, et cidade de pessoas que procuravam uma alternativa
Brasão das Oblatas do Divino Coração (I) alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 94; melhor. Chegavam muitas jovens raparigas que,
G UERREIRO , Jacinto Salvador, “Beja, Diocese de”, numa situação de desespero, acabavam por se
in Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de prostituir. Foi neste contexto que Maria Madalena
No seu quotidiano, as Oblatas cultivam os diversos História Religiosa de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], Frescobaldi Capponi começou a visitar hospitais,
actos litúrgicos, a oração da Igreja, a dedicação à Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História onde ajudava a tratar dos feridos. Sensível à situação
Igreja, ao papa e ao bispo diocesano, uma especial Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, das raparigas desamparadas, fundou, em 1812, uma
devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a N. Sr.a de 2000, pp. 183-200; P ETTIANI G., “Oblate del Divin casa de retiro para as apoiar. Através da educação
Fátima e S. José e às memórias litúrgicas dos santos Cuore, Oblatas do Divino Coração”, in Guerrino escolar e religiosa, Maria Madalena pretendia tirá-
protectores ou guias espirituais da Congregação: Pelliccia, Giancarlo Rocca, Dizionario degli Istituti -las da rua, reabilitando-as e mostrando-lhes um
S. João da Cruz, S.to Inácio de Loyola, S. Francisco di Perfezione, vol. VI, Roma, Edizione Paoline, outro caminho a seguir.
de Sales, S.ta Teresa de Ávila, S.ta Margarida Maria 1980, col. 573-574; S ERPA , C. J. Gonçalves, D. A sua obra cresceu e produziu os primeiros frutos.
e S.ta Teresinha do Menino Jesus. José do Patrocínio Dias, Bispo Soldado, Lisboa, As jovens que acolhia manifestaram a vontade de
União Gráfica, 1959; V IEIRA , Maria do Pilar S. A., dedicar a sua vida a Jesus. Assim, a 17 de Março
“Oblatas do Divino Coração”, in Carlos Moreira de 1815, Madalena Frescobaldi Capponi fundou a
Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa Congregação das Irmãs Passionistas, cujo carisma
de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], Círculo de residia precisamente na crença, partilhada pela
Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa Fundadora, de que a Paixão de Cristo transmitia
da Universidade Católica Portuguesa, 2000, uma força tal que poderia ajudar e reabilitar pes-
p. 319. soas desorientadas ou mesmo de má índole. Em
1817, contacta o P.e Tomás Albesano (Geral dos
Jardim-de-Infância N. Sr.a da Piedade, Odemira (I) JACINTO SALVADOR GUERREIRO Passionistas) no sentido de unir as duas instituições

494
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PAULINAS

que tinham a mesma ideologia espiritual. Assim e paulina fundamentam-se na vida e acção de Jesus
depois de ter passado uma temporada junto das Cristo (Mestre, Caminho, Verdade e Vida), da Virgem
Monjas Passionistas de Clausura de Tarquínia, Maria Maria (Rainha dos Apóstolos) e de S. Paulo (Apóstolo)
Madalena traz para a nova Congregação algumas e entretecem toda a simbólica religiosa da Família
das suas regras. A instituição daquelas monjas havia Paulina.
sido fundada por S. Paulo da Cruz, o que acabou
por influenciar a extensão do primeiro nome para
Irmãs Passionistas de São Paulo da Cruz.
A preocupação de Maria Madalena Frescobaldi
Capponi direccionou-se, então, para as crianças.
Sempre com a ideia de educar os futuros adultos,
para que pudessem encontrar a felicidade e tornarem-
Centro Social em S.ta Maria da Feira (I)
-se pessoas autónomas, inaugura uma escola em
1832. Apesar de ter falecido no dia 8 de Abril de
1839, a sua obra foi continuada pelas Irmãs. A sua missão é da maior importância, pelo apoio
A Congregação recebe a aprovação definitiva das social, educativo e pedagógico que promovem estas
Constituições a 21 de Março de 1939, contudo a irmãs, seguindo os caminhos que a sua Fundadora
sua expansão começara anteriormente. As Irmãs, começou por trilhar.
movidas pela mesma crença que a sua Fundadora
tinha no poder regenerador da memória da Paixão, BIBLIOGRAFIA: GOMES, Manuel Saturino da Costa,
chegaram ao Brasil, em 1919. Ainda no continente scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994,
americano, estabeleceram comunidades em Cuba, p. 74; PELLICCIA, Guerrino, ROCCA, Giancarlo (dirs.),
Peru, Paraguai e Bolívia. Em 1959, foram para Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. 6, Roma,
Espanha e daí para Portugal. Actualmente, podem Edizioni Paoline, 1980; VASCONCELOS, Evaristo de, sj,
encontrar-se comunidades das Irmãs Passionistas de Religiosas, Porto, Depositária Magnificat, 1957.
São Paulo da Cruz na Bélgica (1969), Indonésia Ícone grego de S. Paulo, o Padroeiro das Paulinas (I)

(1974), Colômbia (1979), Canadá (1981), Filipinas PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA
(1987), Costa do Marfim (1989), Panamá (1990), Segundo as Constituições, o Instituto Missionário
Polónia (1990), Tanzânia (1995), Coreia (1996), Filhas de São Paulo define-se como Instituto Religioso
Equador (1999), Bulgária (1999), Nigéria (2003), PAULINAS Feminino de Direito Pontifício, com a mesma origem,
França e Bielorrússia. O Instituto Missionário Filhas de São Paulo, também o mesmo espírito e mantendo os fins convergentes
Importa aqui focarmos mais a sua presença em designado por Filhas de São Paulo (FSP) ou, de todos os institutos que compõem a Família Paulina:
Portugal. Chegaram ao nosso país em 1984, onde simplesmente, Paulinas, foi fundado em Alba (Itália), “viver e comunicar Jesus Cristo ao mundo”. Os seus
se instalaram numa casa doada pelos Padres a 15 de Junho de 1915, pelo P.e Tiago Alberione, membros, mulheres consagradas, atentas aos sinais
Passionistas. Aí fundaram o Centro Social de adjuvado pela dedicada acção da Ir. Tecla Merlo, dos tempos e sob o “impulso apostólico dos inícios,
S.ta Cruz (em S.ta Maria da Feira), que viria a ser reconhe- mais tarde eleita primeira Superiora Geral da para responder aos apelos de salvação da huma-
cido com o estatuto e registo de Instituição Particular Congregação e designada como sua “Primeira nidade”, dispõem-se “a assumir, para a evange-
de Solidariedade Social, em 1987. O trabalho destas Mestra”. Teve beneplácito do Bispo de Alba, D. José lização, os meios mais rápidos e eficazes que o
irmãs começou por se limitar ao apoio de idosos, Francisco Re, como Congregação de Direito progresso fornece, e as necessidades e as condições
funcionando como centro de dia. Mais tarde, Diocesano, a 15 de Março de 1929, e obteve de dos tempos exigem”.
acolheu também crianças em situação de risco, como Pio XII a aprovação pontifícia, a 15 de Março de A formação das Filhas de São Paulo processa-se em
centro de acolhimento temporário. Posteriormente, 1953. três etapas “sucessivas e complementares”, a que
respondendo à necessidade de algumas famílias de Foi a segunda Congregação a ser fundada pelo Beato se acede através de pedido, por escrito, dirigido à
trabalhadores que não tinham possibilidades de Tiago Alberione e, juntamente com outras quatro Superiora Provincial ou Delegada: o Postulado (dura
permanecer com as crianças no período de não congregações (Sociedade de São Paulo, Discípulas entre um e dois anos, podendo, em casos excep-
frequência escolar, as Irmãs abriram ainda um grupo do Divino Mestre, Irmãs de Jesus Bom Pastor e cionais, ser alargado a três anos, e a ele acedem as
de actividades de tempos livres. Actualmente, man- Irmãs da Rainha dos Apóstolos), quatro institutos aspirantes. Este período é aproveitado para esta-
têm apenas os organismos que se dedicam à edu- agregados (Jesus Sacerdote, São Gabriel Arcanjo, belecer contacto mais estreito com a Comunidade,
cação e apoio das crianças. Nossa Senhora da Anunciação e Santa Família) e assimilando os conteúdos de exigência apostólica
Em 2001, este centro renovou um acordo com o a União dos Cooperadores Paulistas, constitui a da Vida Religiosa); o Noviciado (com a duração de
Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social Família Paulina, que está presente em 62 nações, 22 a 24 meses, totalmente dedicados ao estudo dos
de Aveiro. Assim, como centro de acolhimento num total de 673 comunidades com cerca de 17 500 princípios programáticos e constituintes da Instituição,
temporário, as Irmãs recebem crianças maltratadas membros. à clara apreciação das motivações de cada uma para
(seja por terem sido abandonadas, seja por o seu a aceitação dos votos de comprometimento com a
crescimento ter sido negligenciado), por autorização 1. Espiritualidade, objectivos apostólicos e vida comunitária que se pretende seguir e às activi-
do Tribunal. organização. Em conformidade com o pensamento dades de experiência apostólica, em que for
A Congregação é financeiramente autónoma, rece- do Fundador, Tiago Alberione, cujos propósitos integrada), terminando depois do parecer favorável
bendo comparticipações do Centro Distrital de Solida- apostólicos estão condensados na sua obra testa- da Mestra de Noviciado, com a cessão de admissão
riedade e Segurança Social de Aveiro e donativos de mentária de referência, Abundantes divitiae gratiae da noviça aos votos temporários (castidade, pobreza
entidades particulares e de organismos institucionais. suae, os elementos estruturantes da espiritualidade e obediência); o Juniorado (período de cinco anos,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PAULINAS

em que a professa – anualmente renovando os seus 2. Contextos da emergência institucional. O -a em dois grandes corpos: uma congregação mas-
votos –, se dedica ao desempenho das tarefas que contexto histórico-sócio-político em que emergiu a culina e uma congregação feminina, segundo os
lhe são confiadas, ao estudo e à reflexão, num Congregação das Filhas de São Paulo, e cujos mesmos moldes. A ideia era muito perturbadora,
trabalho profundo de discernimento que antecede aspectos se revelaram mais determinantes, quer tendo em conta o lugar e os tempos. E Alberione
a Profissão Perpétua, a que é admitida pela Superiora como adjuvantes e motivadores quer como obstá- sentia-o bem, mas firme nos propósitos fundacionais
Geral, após o “voto deliberativo do seu Conselho”). culos sérios e condicionadores, estão descritos de que, segundo a sua intuição, radicavam na imperiosa
Com a Profissão de Votos Perpétuos atinge-se a forma mais extensa na entrada sobre os Paulistas. necessidade de fazer corresponder as dinâmicas da
integração plena na comunidade religiosa, após a Tendo presente a tumultuosa envolvência aí descrita, Igreja às dos tempos modernos, amadurecia o modo
qual cada membro, além das tarefas que lhe são impõem-se acrescidas explicações acerca de alguns de levar à prática – no seio do Catolicismo – essa
cometidas pela sua directa superiora, e a que deve particulares aspectos presentes na fundação deste tão estranha inovação. A batalha pelo reconhe-
corresponder com total disponibilidade e diligência, instituto congregacional, também para melhor se cimento pontifical era de tal forma árdua que prendia
manterá uma permanente e afável disposição para entenderem as curiosas razões que determinaram o Fundador a um permanente trabalho de persuasão
acolher todas as iniciativas que visem o seu uma certa semiclandestinidade dos inícios. e de argumentação acerca da bondade dos fins que
aperfeiçoamento, quer espiritual quer profissional, Domenico Agasso, biógrafo de Tecla Merlo, referindo- perseguia e da forma de tornear as dificuldades e
em espírito de abertura a uma formação contínua, -se à heroicidade de que se mostravam revestidas os perigos que lhe apontavam. A crítica mais
que comportará “conteúdos, métodos e meios as pioneiras, ao aderirem a um projecto absolu- veemente com que era confrontado residia no
diferentes, de acordo com as pessoas e as circuns- tamente novo de vida religiosa – idealizado por um inconveniente de transformar comunidades de vida
tâncias de tempo e de lugar”. “louco”, como alguns chamavam a Alberione –, diz religiosa em autênticas empresas industriais e
A estrutura hierárquica da Congregação das Filhas que parecia que essas jovens estavam a escolher “o comerciais, com os perigos que isso comportava,
de São Paulo está organizada por níveis: Local (casas, nada, a não-vida. Não eram leigas e, à primeira vista, pois, como seria de prever, segundo as leis de
se possível, com cinco membros); Provincial (em país, nem religiosas. E carregavam o peso das duas mercado, mais cedo ou mais tarde, defrontar-se-iam
com pelo menos três casas e cerca de 50 professas); diferentes condições: trabalhar como quaisquer com uma capitalização que as tornariam ricas, com
Delegação (em país ou região onde não se reúnem mulheres, e fazer penitência como monjas austeras. o risco de se subverterem os princípios evangélicos
ainda os requisitos para erigir uma província); Casa Viam-se como costureiras de linha grossa e, pouco da pobreza. Nunca faltavam argumentos ao
directamente dependente do Governo Geral a pouco, como carregadoras e serventes de pedreiro, P.e Alberione, que os forjava para qualquer situação;
(comunidade recente com dificuldades particulares oleiras, operárias de fábrica de papel”, propagandistas assim, para este perigo de enriquecimento adiantava
de inserção por razões contextuais); Comunidade e tipógrafas. “E nenhum nome, nenhum hábito, que poderia ser evitado, facilmente, se, nas futuras
Geral (união de todas as casas, províncias e nenhuma casa em concreto, oficialmente reconhe- Constituições, fossem contemplados dois princípios
delegações); Capítulo Geral (autoridade suprema da cida, mas… clandestinidade”. Um outro biógrafo, básicos: as casas deveriam reinvestir sempre quaisquer
Congregação, é um órgão colegial que, obriga- António Ugenti, define o aparecimento das Paulinas ganhos, de forma que as suas tesourarias fossem
toriamente, se reúne, de 6 em 6 anos, para eleger com as seguintes palavras: “As Filhas de São Paulo permanentemente devedoras; e deveriam ainda
a Superiora Geral, o Conselho Geral, a Secretária e nasceram sem nome, sem casa, sem divisa. Só em assumir o comprometimento dos saldos positivos
a Ecónoma gerais). 1916 é que assumiram uma fisionomia própria”. momentâneos na ajuda aos párocos e missões,
Qualquer destes níveis tem uma Superiora: no nível Estas palavras revelam não só as dificuldades por imprimindo folhetos, catecismos, entre outras coisas.
Local, nomeada pela Superiora Provincial ou de que passou o processo inicial de reconhecimento da
delegação com o voto do seu Conselho, para um Congregação, mas mais ainda a forma velada e de 3. Nota biográfica do Fundador e o seu
mandato de três anos, só renovável uma vez carácter aparentemente furtivo de que se socorreu pensamento. Tiago Alberione nasceu a 4 de Abril
consecutiva; nos níveis Provincial e Delegação, são o Fundador até estarem criadas as condições mínimas de 1884, na pequena povoação de San Lorenzo di
nomeadas pela Superiora Geral, com o voto do seu para o surgimento institucional. Fossano, na região de Cúneo (Norte da Itália), e
Conselho, para um mandato de três anos, também As primeiras formulações que Tiago Alberione emitiu faleceu em Roma, a 26 de Novembro de 1971,
só renovável uma vez; a Casa directamente depen- acerca da futura Família Paulina aludiam a uma minutos depois de ter recebido, no seu leito de
dente do Governo Geral, governada como uma Casa “corporação de escritores, impressores e difusores morte, a visita do Papa Paulo VI que muito admirava
Local, é dirigida por uma irmã nomeada directa- católicos”. Mas, algum tempo depois, supõe-se que a sua obra e que o distinguira, em 1969, com a
mente pela Superiora Geral, em estreita comunhão fruto de uma análise e reflexão mais ponderadas, condecoração Pro Ecclesia et Pontifice. Foi beatifi-
e dependência do Governo Geral, durante o tempo surgiram redefinidas como: “Congregação religiosa, cado, por João Paulo II, a 27 de Abril de 2003.
que este entender necessário; e o nível Geral tem a com regra e votos, de homens e mulheres, com o Era o quinto de sete filhos do casal Teresa Alloco e
Superiora Geral, eleita no Capítulo Geral, por uma fim de escreverem, publicarem e difundirem a Boa Miguel Alberione. Foi criado no seio de uma vulgar
maioria de 2/3 dos votos, para um mandato de seis Nova”. A concretização deste projecto, nos aspectos família de camponeses do Piemonte rural, cuja
anos, também só renovável uma vez consecutiva, e relativos à formação e encaminhamento de futuros quotidianidade era entretecida por uma religiosidade
um Conselho (de seis membros), a Secretária e a sacerdotes e discípulos para o trabalho manual em tradicional muito intensa, a que se submetiam os
Ecónoma gerais, que são nomeadas pelo Governo oficinas gráficas, apesar da invocação dos nobres ritmos temporais e os espaços relacionais. Na família,
Geral. Todas as Superioras são adjuvadas por uma fins da evangelização moderna, escandalizaram os a transmissão dos costumes e valores tradicionais
Vice-Superiora, escolhida de entre os membros do sectores mais tradicionalistas da Igreja, que demons- aos mais novos, os tempos para as tarefas domésticas
seu Conselho, que as representam em situações de travam grande dificuldade em conciliar as tarefas e os dedicados ao labor nos campos eram regulados
impedimento ou ausência. Os Conselhos, as Secretárias sagradas da missionação com as actividades profanas na mais perfeita conformidade com as determinações
e as Ecónomas são co-responsáveis e subsidiariamente do mundo do trabalho, e moveram fortes influências, da doutrina da Igreja. O dia começava e findava
ligadas às Superioras a quem adjuvam no governo e junto das hierarquias eclesiásticas, a fim de obstarem invariavelmente com momentos de oração propi-
na condução dos destinos das diversas Casas, e cessam a sua concretização. Avolumaram-se, ainda, as re- ciatória familiar, “para que o pensamento sempre
as suas funções com a Superiora a que estão adstritas, servas e a oposição, logo que Alberione manifestou estivesse em Deus” e d’Ele se colhesse a bênção,
e, da mesma forma, a Vigária-Geral. a intenção de diversificar a Instituição, projectando- para o dia-a-dia.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PAULINAS

Aos 8 anos, Alberione, questionado acerca das suas membro da Comissão Catequética Diocesana, a sentir-se um forte apoio de inúmeros simpatizantes,
preferências de vida para o futuro, manifestou a Director dos terciários dominicanos, bibliotecário e dos mais variados sectores sociais, que acarinhavam
vontade de ser padre. E, segundo os biógrafos, a membro da Associação da Boa Imprensa. a Instituição e a ela faziam chegar muitas doações,
partir de então, a sua vida pareceu ter sofrido uma A proximidade dos livros e as actividades desen- especialmente contagiados pela inesperada audácia
profunda modificação. Em conformidade com essa volvidas na Associação da Boa Imprensa terão e viva acção das primeiras Filhas de São Paulo, como
vontade, aos 12 anos, entrou no Seminário de Bra. contribuído sobremaneira para uma clara definição lhes chamavam, com quem se familiarizavam nas
O seu amor pela leitura declarou-se desde cedo e, dos caminhos a eleger. E, em 1913, um inesperado paróquias, onde elas desenvolviam um valioso
no ambiente estudantil, viu-se exacerbado por uma convite para dirigir o semanário diocesano Gazzetta trabalho de ajuda aos párocos, na dinamização e
avidez de conhecimento que lhe mereceu vários d’Alba e a consequente e fortuita oportunidade de, na evangelização, e que admiravam também pelo
reparos de reprovação por parte dos seus superiores, quatro meses depois, se tornar seu proprietário, seu árduo trabalho de porta a porta, na distribuição
pois parecia pouco escrupuloso no discernimento haveria de ser o tão almejado primeiro passo para das publicações que saíam da Escola Tipográfica. O
das leituras que privilegiava. Em consequência disto concretizar os sonhados objectivos de uma envol- P.e Alberione atento a essa disponibilidade carinhosa
ou, segundo opinião de alguns biógrafos, pela vência definitiva no mundo da Comunicação Social, dispersa, que alastrava com um autêntico espírito
perniciosa influência que algumas dessas leituras lhe para, finalmente, poder “fazer da imprensa o seu paulino, decidiu dar-lhe corpo social e, a 30 de Junho
teriam provocado no seu espírito, entre os 15 e os púlpito e escola de novos futuros pregadores”. Um de 1917, instituiu a União dos Cooperadores da Boa
16 anos teve de abandonar o seminário, tendo-se ano após, adquiriu uma pequena tipografia, onde Imprensa, como verdadeiro ramo da Família Paulina.
seguido um período de maturação psicológica, junto passou a ser impresso o semanário, e que seria a Com as crescentes adesões, o espaço tornou-se
da família. Vencida a crise vocacional, Alberione, a primeira escola e residência dos primeiros “paulistas”, muito exíguo e, entre 1919 e 1921, o P.e Alberione
conselho e pela mão do seu pároco, ingressou no tomando o nome de Escola Tipográfica Pequeno encetou diligências para adquirir um novo local,
Seminário de Alba, donde só sairia alguns anos de- Operário. onde pudesse instalar um complexo apostólico.
pois da ordenação sacerdotal. Esta obra, iniciada com os rapazes, a 20 de Agosto Conseguidos os terrenos que desejava, em Alba,
Pouco tempo após o seu regresso à carreira de 1914, foi complementada, no ano a seguir, a 15 começou, de imediato, a construção. Sabendo, por
eclesiástica, concretamente na noite de 31 de Dezem- de Junho, com a fundação do Laboratório Feminino, formação e experiência, o valor da vida espiritual
bro de 1900, Tiago Alberione encontrava-se na embrião das futuras Filhas de São Paulo, que se como apoio das acções em que se empenhava, e
Catedral de Alba, juntamente com outros semina- propunha dar continuidade ao trabalho começado percebendo a importância do empreendimento que
ristas, correspondendo ao apelo do Papa Leão XIII na Escola Tipográfica e ainda dar formação a um agora começava, para o futuro da instituição paulina,
para que essa noite da passagem do séc. XIX para corpo feminino de catequistas e difusoras. Das três entendeu que urgia valer-se das orações de pessoas
o séc. XX fosse passada em vigília de oração pela primeiras adesões ao Laboratório, conta-se a da que se disponibilizassem de uma forma consagrada
Humanidade e pelas necessidades da Igreja. Horas jovem Teresa Merlo, que, alguns anos mais tarde, à adoração do Santíssimo. Este foi um plano muito
antes, tinha assistido ao comício de encerramento haveria de ser a primeira Superiora Geral das Paulinas. acarinhado, e a criação de uma comunidade com
de um congresso social católico, onde as palavras Com esta nova vertente, completava-se o ciclo de estas características começou a tomar corpo a 21
do papa tinham sido invocadas, por um acalorado produção editorial (a que se passou a chamar de Novembro de 1923, quando anunciou à comu-
orador, como um convite mobilizador “contra os “Apostolado”) de criação, execução e difusão: os nidade feminina que as duas Filhas, Ursulina Rivata
novos instrumentos do mal” e “do dever de opor residentes na Escola Tipográfica escreviam, imprimiam e Matilde Gerlotto, deveriam ser destacadas e
a imprensa, a fim de fazer passar a mensagem e editavam, e as Filhas de São Paulo faziam a pro- colocadas à parte, a fim de darem início a uma nova
evangélica” e penetrar as massas sociais, no novo paganda e a difusão. família que se dedicaria à oração eucarística perpétua,
século. Após a celebração litúrgica da meia-noite, a que juntaram, a 10 de Fevereiro de 1924, outras
durante o período de adoração ao Santíssimo que seis companheiras. A nova congregação tomou o
se seguiu, e ainda no rescaldo do efeito perturbador nome de Pias Discípulas do Divino Mestre, mas o
que as palavras ouvidas no congresso lhe haviam seu reconhecimento eclesiástico enfrentou também
provocado, Tiago Alberione foi assaltado por uma muitas dificuldades, e até alcançarem autonomia
inquietação mística muito intensa – como um apelo suficiente e terem instalações próprias, durante
sobrenatural, “uma luz particular veio da hóstia”, alguns anos tiveram de partilhar as das Filhas de
segundo as suas notas autobiográficas – que lhe São Paulo, donde eram oriundas.
suscitava respostas vigorosas para as grandes Estavam assim alicerçados os quatro grandes pilares
questões que se punham à vida da Igreja. A inquie- que haveriam de garantir a eficácia da implantação
tação mística de que ficou prisioneiro com a paulina: o Instituto Missionário Pia Sociedade de
experiência “daquela” noite foi-se interiorizando e, Casa Paulinas Editora (I) São Paulo (homens) e o Instituto Missionário Filhas
a pouco e pouco, foi sendo interpretada como apelo de São Paulo (mulheres) escreveriam, imprimiriam e
sobrenatural para concretizações a que a sua mente A evolução e crescimento destes “ramos” paulinos difundiriam a Boa Imprensa; a União dos Coope-
correspondia com imagens de “serviço à Igreja e acabou por determinar neles uma autonomia cada radores garantiria os meios de difusão e apoio; e as
aos homens do novo século”. Este episódio ficará vez maior e por transformá-los em colunas de Discípulas do Divino Mestre rezariam pelo bom
para sempre na memória histórica da Família Paulina realização religiosa apostólica separadas – Instituto êxito do trabalho de todos.
como um marco de sentido fundador. Missionário Pia Sociedade de São Paulo (homens) e As reacções que o P.e Tiago Alberione colheu junto
A 29 de Junho de 1907, Tiago Alberione, com 23 Instituto Missionário Filhas de São Paulo (mulheres), da hierarquia diocesana e de certos sectores influentes
anos, foi ordenado Presbítero e colocado na Paróquia mas sob o mesmo impulso carismático: a difusão da Igreja, assim que esboçou as suas intenções de
de Narzole como coadjutor. A par das suas novas do Evangelho pelos modernos meios de comunicação fundar uma família congregacional de consagrados
funções eclesiásticas, desenvolveu uma intensa social. de ambos os sexos, empenhados directamente na
actividade social que acumulava com as de Director Logo após a fundação e à medida que iam sendo laboração industrial e comercial, na área da
Espiritual e professor no Seminário de Alba, de ultrapassadas muitas das reservas iniciais, começou Comunicação Social, foram tão violentas e avessas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PAULINAS

ao projecto, além de lhe acarretarem o rótulo de E, aí, as pessoas e os meios a utilizar seriam os que no Norte de Itália, e faleceu a 5 de Fevereiro de
irresponsabilidade e de perigo de demência, que o melhor servissem o propósito – “penetrar todo o 1964, no Hospital Regina Apostolorum, que ajudou
levaram a redobrar cautelas e a adoptar métodos pensamento e saber humanos com o Evangelho. Não a fundar, em Albano (Itália), assistida pelo Fundador
mais discretos como forma a evitar o escândalo e a falar apenas de religião, mas falar de tudo cristãmente” P.e Tiago Alberione. A 22 de Janeiro de 1991, o Papa
exacerbação dos comentários e das oposições. Era – com homens e mulheres, igualmente João Paulo II, reconhecendo a virtuosa heroicidade
inimaginável, então, pensar-se em padres e irmãos comprometidos, fazendo uso dos “mais modernos da sua vida, proclamou-a Venerável.
tipógrafos, ou “irmãs a dirigir estabelecimentos meios de comunicação social”. A urgência dessa tarefa
comerciais. Religiosas comerciantes! Onde é que está bem explícita, nesta sua afirmação: “O mundo
vamos parar?”, apesar de Alberione explicar, até à transforma-se rapidamente. […] Quem pára, ou se
exaustão, que “por detrás duma livraria paulina, atrasa ou é ultrapassado”. Ainda em vida, haveria de
não há uma empresa, e sim, uma pequena comu- ter a alegria de ver reconhecido pela Igreja, pelo
nidade religiosa com a sua superiora”. Decreto Conciliar Inter mirifica, o valor da pregação
Um dos caminhos seguidos foi o de, empenha- pelos meios de comunicação social como equivalente
damente, se associar ao ainda embrionário movimento à pregação feita a partir do púlpito das igrejas.
feminino católico italiano. E, em 1911, participou Alberione defende, ainda, a ruptura com a tradicional
activamente no debate público com o texto, A Mulher barreira das tarefas laborais dos sexos, denunciando,
Associada ao Zelo Sacerdotal, que, em 1915, seria de forma continuada, tanto no discurso como na
Tecla Merlo, Co-Fundadora (I)
editado em livro, e em que explanava o seu prática, os seus propósitos de esbater os preconceitos
pensamento acerca do papel que entendia dever ser sexuais, sempre que se trate de objectivos a alcançar
reservado à mulher, na sociedade e no seio da Igreja. no campo apostólico. “Mulheres também na Maria Teresa Merlo era filha de pequenos pro-
Embora se reconheça que, na sua essência, a luta de imprensa? Sim, sem dúvida alguma! Constituiria um prietários rurais que viviam do cultivo das suas
Alberione não era da mesma natureza da dos erro deixá-las de lado!”. Para ele “não existe próprias terras. No ambiente campesino piemontês
movimentos feministas da época, que conquistavam momento, fase ou função em que a acção feminina nasceu e cresceu, enformada pela vivência de uma
espaços significativos no campo social e político e tenha de ficar de fora”, e muito menos quando a quotidianidade, intensamente impregnada dos valores
que, porventura, favoreciam a emergência de outros mulher é culta e competente. E nesse trabalho – de tradicionais da família e no escrupuloso cumprimento
olhares para as justas reivindicações e para o contribuir para a sua cultura e de lhe permitir meios dos mandamentos da religião. Tal como as outras
reconhecimento pleno dos direitos das mulheres, no para a aquisição de competências – se empenhará crianças, desde pequenina acompanhava a sua família
entanto, deparamos com sérias dificuldades para logo nos primeiros tempos, assim que foi criado o aos actos de culto da igreja da sua paróquia, onde
justificar o sucesso do projecto alberioniano se nos embrião dissimulado da futura Sociedade das Filhas também frequentou a catequese, assimilando a
ativermos só à capacidade dos seus esforços sem o de São Paulo, denominado Laboratório Feminino. O doutrina da Igreja e os rudimentos do Cristianismo.
contributo dessa ambiência de abertura e tolerância Laboratório surgia como um lugar onde se formavam Fez a sua Primeira Comunhão aos oito anos e recebeu
que, embora a custo, ia alastrando e enformando as catequistas e se aprendia e desempenhavam tarefas o Crisma aos 13. Já mais crescida, “era de missa e
mentalidades no dealbar do séc. XX. femininas, como costura, bordados e outras acti- comunhão diárias, animadora de canto na igreja e
O registo em que se movia Alberione, porém, era vidades domésticas, não levantando, por isso, catequista precoce…”, qualidades que pareciam
o da comunidade dos crentes e não o da esfera inicialmente, qualquer suspeita. Simultaneamente, denunciar propósitos ou intenções de abraçar a vida
particular do feminino. As suas intervenções vincavam constituía um privilegiado alfobre para seleccionar religiosa que não terá concretizado por ser consi-
a necessidade urgente de mobilizar o imenso capital e motivar jovens com perfil adequado para futuras derada de estrutura física muito frágil e de saúde
energético e de fé femininos “dentro e fora do Paulinas. Foi para trabalhar ali, como mestra de débil.
santuário, na família e fora dela”, para um “reju- costura, no ambiente do Laboratório, que o Assim como tantas outras famílias daquele meio,
venescimento moral e religioso da sociedade”. P.e Alberione convidou, 12 dias depois da sua funda- também os Merlo partilhavam entre si as tarefas
No pensamento alberioniano, o conceito de ção, a jovem Teresa Merlo. E seria ali que ela, depois quotidianas: os afazeres domésticos (mulheres) e a
“sacerdócio”, não se confina à dimensão sacramental de uma entusiástica e pronta adesão ao projecto lavoura (homens), bem em conformidade com os
(no seu sentido ministerial mais restrito), mas fundador das Paulinas, repensaria a sua vocação de modelos culturais e tradicionais do lugar. Os projectos
readquire ou vê reabilitados alguns aspectos que, celibatária, reciclaria as suas competências profis- de vida e os sonhos dos jovens oriundos destas
não sendo novos na teologia católica, se encontravam sionais e das suas aprendizas e companheiras, famílias reduziam-se, frequentemente, ao seguimento
um pouco difusos, muito velados ou esbatidos pela transformaria o Laboratório em Instituto Missionário, dos passos dos seus progenitores, pois, apesar de
pragmática eclesial de séculos, especialmente consagraria a sua vida ao apostolado da comunicação auto-suficientes, pelo sustento que retiravam da
naqueles aspectos que se referiam à aceitação e e, por singular nomeação, seria empossada como terra, a ela viviam subjugados, numa permanente
uso, para fins de difusão evangélica, de muito do Primeira Mestra das Filhas de São Paulo. indisponibilidade monetária, só tenuemente ame-
avanço científico, assim como a participação de O esforço de actualização apostólico-sacerdotal, nizada pelos mercados sazonais, o que lhes con-
mulheres, de forma activa e autónoma, nas tarefas visando estabelecer um comprometido equilíbrio dos dicionava o acesso a outros bens de consumo,
apostólicas: “O homem e a mulher não devem géneros, terá sido uma das grandes preocupações contendo-os numa vida parcimoniosa e sóbria. Maria
apenas ser complementares na família, mas também do P.e Tiago Alberione, e isso pode bem depreender- Teresa Merlo, no entanto, favorecida por uma certa
no Apostolado. O sobrenatural não destrói a natu- -se da sua obra institucional: 10 institutos, dos quais protecção paterna, que a poupava ao trabalho duro
reza: eleva-a, aperfeiçoa-a, sublima-a. É, pois, vosso 5 são de mulheres, 2 mistos e 3 de homens. da lavoura, por razões da sua fragilidade, haveria
dever participar no ministério sacerdotal”. de ser encaminhada para tarefas mais suaves e de
Alberione, bem à imagem do Apóstolo S. Paulo, que 4. Nota biográfica de Tecla Merlo, “Co-Fundadora” menos exigência física, mas que se revelariam,
tomou por patrono, alargou o campo litúrgico da das Paulinas. Maria Teresa Merlo, segunda de quatro posteriormente, aos olhos das suas seguidoras, como
acção sacerdotal, distendendo a sacralidade do “altar” filhos de Heitor Merlo e de Vincenza Rolando, nasceu passos e resoluções numa economia com desígnios
até aos locais “profanos” da actividade quotidiana. a 20 de Fevereiro de 1894, em Castagnito (Cúneo), de mistério.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PAULINAS

Depois dos três anos de ensino básico elementar gráficas da Escola Tipográfica (futura Sociedade São jornal. Elas organizaram a redacção, compuseram-
que frequentou na sua aldeia natal, e a que os pais Paulo), à preparação para o professorado e à -no, imprimiram-no e distribuíram-no. Ali perma-
quiseram acrescentar a 4.ª e 5.ª classes, com aulas formação catequética, numa ambiência acalorada neceram até 1922, em condições muito árduas e
particulares, Teresa foi para Alba aprender costura de intensa prática religiosa e de exercícios espirituais, difíceis, mas ganhando a simpatia daquela comu-
e bordados para um colégio de religiosas, o Retiro como prelúdio de uma consagração que se avi- nidade e contribuindo para diluir muita suspeita,
da Divina Providência. Em 1912, então com 18 anos, zinhava. Teresa Merlo dividia-se, tentando atender, principalmente por parte de alguns sectores eclesiais
depois de, numa escola de Turim, ter aperfeiçoado satisfatoriamente, tanto aquelas que só estavam ali mais tardos em aceitar inovações os quais, paula-
os seus conhecimentos de bordados, abriu, na casa para aprender costura e bordados como as que já tinamente, se foram rendendo a tanta tenacidade
paterna, uma oficina-escola de costura e bordados, davam os primeiros passos numa aventura de vida e a tantos frutos e passaram a engrossar a fila dos
onde acolhia e ensinava outras jovens. Tudo indica que, aos menos avisados e suspeitosos, surgia que, cada vez mais, assediavam o P. e Alberione,
que se sentiria realizada, pois dedicava-se àquilo de indefinida e muito velada. solicitando o trabalho das Paulinas.
que gostava e via-se recompensada pelas atenções Não tardaram as reacções de muitas famílias que se No mês de Julho de 1922, assegurada a continuidade
e delicadezas das jovens que a rodeavam. Além da sentiam surpreendidas nas suas boas intenções por do jornal La Valsusa, o grupo de Susa regressou a
actividade de mestra no seu pequeno atelier, dedicava verem as suas filhas encaminhadas para fins que Alba. Aqui, alguns factos iriam marcar de forma
também algum do seu tempo à função de catequista, não esperavam nem adivinhavam. O P.e Alberione indelével a história das Paulinas. Na manhã do dia
na paróquia. passa a ser visto por muitos “como um aventureiro 22, fizeram votos perpétuos as primeiras nove Filhas
O empenho e o brilho com que desempenhava as que é preciso impedir a qualquer custo”, pois arrebata de São Paulo. Entre elas estava Teresa que, no acto
tarefas a que se dedicava mereceram-lhe reparos rapazes aos seminários diocesanos, para os de consagração, tomou o nome de Tecla. E, na tarde
para além dos limites de Castagnito, a ponto de o transformar em tipógrafos, e, agora, atrai moças desse mesmo dia, o P.e Alberione convocou a primeira
P.e Alberione ter diligenciado junto do seu irmão para o mesmo fim, “tiradas das suas famílias ou, “assembleia geral” da Congregação. Como curio-
seminarista, Constâncio Leão, para que este eventualmente, de ordens religiosas” e paróquias, sidade, o registo do lugar em que se congregou a
conseguisse de sua mãe autorização para a irmã onde poderiam ficar muito bem. Teresa Merlo, no comunidade indica a cozinha, por não haver espaço
dirigir o Laboratório Feminino que tinha aberto em meio da agitação que se criou, sente-se aturdida, mais amplo na casa. Ali, nesse insólito lugar,
Alba. Como resposta ao interesse do teólogo, no mas, curiosamente, tanto ela como as jovens respirando-se ainda a ambiência do grande
dia 27 de Junho de 1915, um domingo, justamen- mostram-se confiantes e decididas a enfrentar o acontecimento da manhã, o Fundador dirigiu as
te 12 dias depois da abertura do Laboratório, desafio que, misteriosamente, as deslumbra. Teresa seguintes palavras às presentes: “Vós não sereis
D. Vincenza Merlo acompanhada de sua filha, dirá, mais tarde: “Em certos momentos, as coisas chamadas “irmãs” ou “madres”, mas “mestras”,
encontraram-se com o P.e Alberione, na Igreja de pareciam tão escuras que não se entendia absolu- seguindo o exemplo de Jesus Mestre devereis ser
S. Cosme e Damião, a fim de esclarecerem melhor os tamente nada”, mas a paz e a tranquilidade que se luz e guia para as almas que vos forem confiadas.
motivos da pretensão. Tratava-se, para já, de Teresa sentiam eram indescritíveis e motivadoras. A partir deste momento, a vossa Superiora Geral é
dirigir um grupinho de raparigas, cuja tarefa era de Enfrentando muitos obstáculos, recheados de boatos, a Mestra Tecla. Elejo-a por 12 anos. Depois… vós
costurarem fardas para o Exército (estava-se em mentiras, atoardas, difamações, prosseguiu o trabalho decidireis”.
plena I Grande Guerra). Sensibilizada pelas razões das pioneiras do Laboratório, que, a pouco e pouco, Este desafio lançado pelo Fundador à Mestra Tecla
invocadas pelo P.e Alberione (o irmão mais velho foram garantindo a atenção, o respeito e a admi- será correspondido por esta com uma dedicação
também estava alistado), Teresa anuiu imediatamente ração, pelos profícuos frutos que apresentavam nas sem limites, apesar de, por vezes, ter também sofrido
e já não voltou a casa com a mãe, tendo ficado em comunidades em que investiam. A ajuda e a com- os salpicos de algumas humanas e mútuas incom-
Alba, hospedada em casa da Sr.a Boffi, que também preensão de alguns responsáveis da diocese, de que preensões ou indefinições do teólogo, sempre
já dedicava algumas horas de colaboração ao se destacam numerosos párocos beneficiados pela resolvidos com silêncios, refúgios na oração e entrega
Laboratório. A competência profissional de Teresa, acção das Filhas de São Paulo, e de uma forma confiante. Esta sua postura era de tal forma visível
acrescida da dedicação e da grande capacidade de especial o Cónego Chiesa, entusiasta da primeira que lhe mereceu, por parte do P.e Alberione, reparos
organização e direcção, mereceram-lhe um reconhe- hora do projecto alberioniano, permitiram que, a como este: “Parece-me que a Mestra confia dema-
cimento generalizado, e, em pouco tempo, depois 29 de Junho de 1918, embora ainda de uma forma siado no Teólogo; confie somente em Deus”. Mas
de resolvidos os compromissos com o Exército, viu- quase clandestina, Ângela Boffi, Teresa Merlo e Clélia Tecla, com seus modos sábios, responsabiliza-o
-se inteiramente absorvida pela responsabilidade de Calliano pudessem renovar os seus votos. Destas superiormente, com respostas como esta: “Claro
dirigir toda a actividade do Laboratório Feminino, três primeiras Filhas de São Paulo, só Teresa perma- que tenho muita confiança no senhor Teólogo, e à
embora acautelada pela constante vigilância do necerá para viver essa grande aventura das Paulinas. sua orientação me confio tranquilamente, sem medo
P.e Alberione. O Laboratório, cumprindo em perfeição Clélia Calliano será vitimada, alguns meses depois, de errar, porque vejo nele um consagrado enviado
o plano do Fundador, passou a trabalhar a dois aos 26 anos, pela “gripe espanhola”; Ângela Boffi, por Deus”. Esta forma de entender a obediência e
ritmos e em dois registos paralelos. Como escola de quatro anos depois, retirar-se-á, seguindo um impulso a simplicidade como desígnio, nem sempre claro,
“corte, costura e bordados”, em ambiente de antigo que a atraía para a vida de clausura. de uma vontade maior, será um dos seus maiores
seriedade, honestidade e prática religiosa, prestava Ainda em 1918 (18 de Dezembro), ver-se-á respon- testemunhos espirituais, legado às gerações de Filhas
um serviço social precioso, junto das comunidades sabilizada pela execução e publicação do jornal La de São Paulo que se lhe seguiram, e que se revelará
de Alba, que lhe confiavam as suas jovens para Valsusa. Correspondendo a um apelo do Bispo da como esteio de arrimo e como arma eficientíssima
aprenderem a ser competentes donas de casa, Diocese de Susa, o P.e Tiago Alberione enviou Teresa para enfrentar as dificuldades, quer as dos relacio-
dedicadas esposas e boas mães de família. e mais seis aspirantes para aquela cidade para, ali, namentos quer as das situações.
Simultaneamente, porém, muitas daquelas jovens, durante três anos, restaurarem a publicação daquele Os frutos da capacidade de organização e condução
atraídas pelo projecto do P.e Alberione que pretendia órgão diocesano. Felizes por aquela incumbência, inovadoras destas personalidades gemelares – do
transformá-las em apóstolas da Boa Imprensa, forjaram competências e inventaram entusiasmos e, Primeiro Mestre e da Primeira Mestra –, actuando
entregavam-se com muito fervor às tarefas de ajuda nos primeiros dias de Janeiro de 1919, deram à em perfeita sincronia e no entendimento da confor-
e divulgação daquilo que era produzido nas oficinas estampa 500 exemplares do primeiro número do midade dos seus esforços com a vontade de Deus,

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já eram surpreendentes, 15 anos depois da fundação. o permitiam, em conjunto com o Primeiro Mestre, neamente, sendo abertos centros de difusão ou
A actividade paulina, num balanço apresentado pelo em visitas de trabalho e acompanhamento das livrarias, para onde é escoada a produção editorial,
Fundador, em 1931, está assim descrita: “As Filhas inúmeras casas e centros de difusão paulinos, não só das revistas e periódicos, mas também de
de São Paulo visitaram 246 dioceses, onde implan- implantados nos cinco continentes. Viveu os entu- livros, minimedia e audiovisuais, além das inúmeras
taram 3000 bibliotecas, angariaram um milhão e siasmos e as privações dos inícios. Serviu, em diversas iniciativas de animação que cada centro oferece às
trezentos mil assinaturas de publicações paulinas, épocas e com as limitações de cada contexto e lugar, comunidades envolventes, sempre num esforço subsi-
distribuíram 50 mil exemplares da Bíblia o que, em todos os sectores em que se desenvolvia a diário das actividades catequéticas ou de pastoral que
juntando os Evangelhos, Cartas de São Paulo e Vida actividade apostólica. Passou pelos dois maiores as instituições da Igreja desenvolvem em cada lugar.
de Jesus, corresponde a um milhão de exemplares conflitos mundiais (I e II Grandes Guerras) – com a Em 1994, o Conselho Geral, determinado em
distribuídos”. sua pátria, familiares e amigos directamente incrementar a acção apostólica, numa corres-
envolvidos na guerra – e sofreu os bombardeamentos pondência ajustada às exigências de marketing dos
intensos, a falta de energia, de água, de transportes novos tempos, decidiu impulsionar a informatização
e de qualquer tipo de comunicações e, também, a dos serviços institucionais e renovar a imagem pública
ocupação estrangeira, sem desfalecimentos e sem da Congregação. Dentre os diversos esforços
abrandamento da acção missionária. Por vezes empreendidos, destaca-se a criação de um símbolo
temerosa, mas sempre confiante, foi o grande motor universalizado, cujo logótipo passou, a ser usado,
no reavivamento da esperança para os novos tempos desde então, por todas as Comunidades, mudando
de paz e de dinamização dos projectos de missão. somente a legenda Paulinas, em conformidade com
Foi a animadora incansável das Filhas de São Paulo a língua de cada país.
que partiam e o olhar recompensador e de
acolhimento das que chegavam. Tudo isto no curto
espaço de uma vida consagrada de 50 anos.

As Paulinas na Feira do Livro em Frankfurt (I)


5. Meios de difusão apostólica. Os meios de
difusão das Filhas de São Paulo, no início, eram
Todos estes números, que serão exponenciados nos comuns aos da restante Família Paulina. Corres-
anos seguintes, serão também resultado de acção pondendo aos intentos do Fundador, as casas de
laboriosa, muito personalizada e de delicada atenção cada congregação, tanto femininas como masculinas,
da Superiora Geral junto de cada Filha de São Paulo. deveriam ser separadas, mas o Apostolado deveria
Desde cedo, compreendeu a importância do relacio- ser comum. Desta forma, nos tempos de fundação,
namento individualizado, porque cada pessoa é um todas as publicações eram consideradas fruto do
ser único. Sempre que atendia uma filha, fazia-o trabalho de todos, em que cada um participava,
Lançamento do livro Capuchinho Cinzento, de M. Rosa Araújo (I)
com uma disponibilidade total, como se esse encontro com a colaboração que lhes competia: redacção,
fosse a coisa mais importante da Congregação, composição, impressão, acabamentos, difusão. Em
naquele momento. Não reservava, porém, para si, Itália, foram muitos os órgãos periódicos fundados 6. Expansão das Filhas de São Paulo no Mundo.
essa sabedoria da gestão das relações humanas. Em pela Família Paulina, cujas imitações tiveram larga Passado o teste de Susa, logo em 1922, de Alba,
circular, publicada nos Ecos da Casa-Mãe (órgão difusão em países de implantação. Destaca-se a as Filhas de São Paulo irradiaram para toda a Itália
interno, instituído em 1924), Mestra Tecla alertava Gazzeta d’Alba (órgão de informação da Diocese (hoje, com cerca de 48 casas) e, em 1931, foi a vez
para a necessidade de se dedicar especial atenção de Alba muito ligado aos tempos de fundação); a de se lançarem à conquista do Mundo, tendo-se
às particularidades de cada filha, que devia encontrar Vita Pastorale, com subsídios pastorais, enviada a instalado na Argentina (8 casas) e no Brasil (25
sempre nas outras companheiras, a ajuda necessária todas as paróquias de Itália (ainda hoje se publica, casas); em 1932, em plena grande recessão
para ultrapassar as suas naturais inquietações e com grande difusão, no Brasil); os folhetos litúrgicos americana, desembarcam nos Estados Unidos (13
limitações pessoais, desdramatizando os temores e Una Buona Parola e La Domenica (fundados em casas), fixando-se em Nova Iorque; em 1935, França
demonstrando que são perniciosas as tentativas de 1921, e este último editado em Portugal, pelos ramo (2 casas) e Polónia; 1936, Egipto (encerrada mais
uniformização de comportamentos. “Para educar masculino, nos primeiros tempos da fixação); os tarde); 1937, China (obrigada a encerramento,
para a vida religiosa, não é necessário reprimir todos jornais juvenis l’Aspirante e Il Giornalino (fundados posteriormente); 1938, Filipinas (18 casas); 1946,
os hábitos e costumes, mas somente os hábitos e em 1924); o semanário La Voce di Roma (1926); a Suíça e Espanha (6 casas); 1948, Chile (3 casas),
costumes maus; nem sequer a repressão das ten- revista Famiglia Cristiana (fundada em 1931, que é Colômbia (9 casas), México (9 casas) e Japão (14
dências naturais, nem a uniformização da linguagem; a revista católica de maior tiragem no mundo – com casas); 1950, Portugal (4 casas); 1951, Índia (15
é preciso, só, inculcar o espírito religioso, a vida de um milhão e meio de exemplares semanais, em Itália casas); 1952, Canadá (4 casas); 1955, Austrália (3
fé e de sacrifício, o amor a Deus, ao Apostolado, e – e que, ainda hoje, sob o título Família Cristã, tem casas) e Grã-Bretanha (4 casas); 1956, Venezuela (8
aceitar todos os meios de santificação. É unicamente edição em português e chancela da Paulus Editora, casas); 1958, Zaire, República Democrática do Congo,
isto o necessário; tudo o resto é enfeite.” com periodicidade mensal, mas que, no Brasil é (4 casas); 1959, Taiwan (3 casas); 1960, Peru e Coreia
Tecla Merlo que, no leito de doença, se entregou a editado pelas Paulinas); a revista trimestral (16 casas); 1961, Malásia (3 casas); 1963, Bolívia (2
Deus como oferenda pela santificação das Filhas de Cooperador Paulista (editado desde 1918 e, em casas); 1964, Uganda, Alemanha (3 casas), Uruguai
São Paulo, jamais será dispensada das suas funções Portugal, desde 1950); e inúmeras outras publicações, e Nigéria; 1965, Paquistão (3 casas); 1967,
carismáticas de guia, conselheira e mestra. O acom- editadas desde a fundação, correspondendo às Moçambique e Porto Rico; 1969, Macau; 1970,
panhamento personalizado das suas filhas está solicitações das paróquias e dioceses das regiões Tanzânia; 1975, Equador (2 casas); 1976, Quénia;
patenteado nas 8000 cartas do seu espólio. Percorreu onde a Família Paulina está implantada. Com a 1978, Hong Kong; 1983, Madagáscar; 1989, Papua-
o mundo e, muitas vezes, sempre que as agendas expansão e criação de novas casas, foram, simulta- -Nova Guiné; 1993, Roménia e República Checa;

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PEQUENAS MISSIONÁRIAS DE MARIA IMACULADA

1994, Paraguai, República Dominicana, Rússia, uma especial atenção à necessidade de reestruturação Filhas de Paulo que exerceram as funções de Supe-
Zâmbia, África do Sul, Tailândia e Singapura; 1995, generalizada dos serviços de difusão da Congregação, riora (Local até 1964 e de Delegação a partir dessa
Costa do Marfim; 1999, Angola; 2004, Guiné a Casa de Lisboa criou, em 1994, o Departamento data) são as seguintes: Ir. Maria Nives Mechis (1950-
Equatorial; 2008, Sudão. Actualmente, são cerca de de Artes Gráficas, com secções de Fotocomposição -1955); Ir. Lorenzina Davico (1956-1964); Ir. Battistina
2500 as Filhas de São Paulo que vivem nestes 53 e Design, e reforçou o Departamento Editorial com Pisoni (1964-1970); Ir. Dolores Baldi (1970-1973);
países, em 249 comunidades e dirigindo cerca de a secção de Redacção e Revisão; e, em 1996, o Ir. Miriam Rotta (1973-1980); Ir. Mariana Pereira
300 centros apostólicos. Sector Comercial assumiu a distribuição própria e (1980-1984); Ir. Miriam Rotta (1984-1990); Ir. Eliete
directa dos produtos Paulinas e criou as secções de Duarte (1990-1996); Ir. Mariana Pereira (1996-1999);
7. Implantação em Portugal. A Portugal chegaram, Marketing e Vendas. Em 1999, a Delegação Ir. Adriana Zucchetto (1999-2005); Ir. Miriam Rotta
em Setembro de 1950, a Ir. Nathalia Assis Martins, Portuguesa foi anfitriã, em Fátima, do Encontro (2005).
brasileira, e a Ir. Maria Nives Mechis, italiana, que Europeu das Paulinas, sob o lema “Apostolado e
se instalaram na cidade do Porto, na R. do Amial, Economia”. As temáticas abordadas neste encontro BIBLIOGRAFIA: Impressa: AA. VV., Caminho da Fé
onde ficou sediada a comunidade (2 de Outubro), viam-se, de certa forma, substanciadas e fortalecidas de Padre Tiago Alberione (O), Trad. por Maria de
mais tarde transferida para a R. dos Bragas. Desde pelos resultados patenteados pela Casa de Lisboa Lourdes Belém, Ilustr. por Glória Lanzoni, São Paulo
a chegada até 1954, dedicaram-se essencialmente que, num esforço persistente e fiel às directrizes de (Brasil), Família Paulina, s.d.; ALBERIONE, Giacomo,
à difusão do Evangelho e de outros livros de reestruturação, se apresentava com um forte Abundantes Divitiae Gratiae Suae, Roma, Società
formação, num trabalho de porta a porta, com visitas incremento editorial e perspectivas de alargamento San Paolo, 1998; Anuário Católico de Portugal 2007,
também a escolas, animação de encontros de jovens, do seu âmbito de evangelização, com apoio às casas [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
apoio a idosos e doentes. Passado algum tempo, de África e de Macau. Um antigo sonho de se criar, Portuguesa, 2007, p. 897; COLACRAI, Angelo, A Voz
com a chegada de mais irmãs italianas e brasileiras a partir da raiz, um espaço, pensado e destinado dos Tempos Novos: Tiago Alberione, Trad. Maria de
e as primeiras postulantes portuguesas, diversificaram ao apostolado paulino, parecia cada vez mais próximo Lourdes da Silva Assis, Lisboa, Ed. Paulistas, 1984;
a sua actividade, apoiando ainda iniciativas de da realização, pois as dinâmicas que se imple- COMISSÃO CENTRAL DA FAMÍLIA PAULISTA (coord. edit.),
divulgação e formação bíblica, primeiramente na mentaram foram determinantes para que, em pouco CIBIEN, Carlo, SPINUCCI, Ida (colabs.), P. Tiago Alberione
Diocese do Porto e mais tarde em outras dioceses tempo, o espaço adstrito aos serviços e armazéns, É Beato, Trad. Adérito Lourenço Louro, Fotog.
do Norte. A 16 de Junho de 1953, em Alba, toma junto da Comunidade, fosse considerado exíguo. Giancarlo Giuliani, Severino Marcato, Luca Marchi,
o hábito das Filhas de São Paulo a primeira vocação Impôs, por isso, a decisão de se procurar um terreno Ed. trilingue (port., ital., ingl.), Roma, Società San
portuguesa, Ir. Tecla Roma. A 2 de Abril de 1955, onde se construíssem as novas instalações da Casa Paolo, 2004; Constituições e Directório da Pia
inauguraram, no Porto, a Livraria S. Paulo (hoje, das Paulinas. Encontrado um terreno, no Prior Velho Sociedade Filhas de São Paulo, São Paulo (Brasil),
Paulinas Multimédia), na R. de Cedofeita. (R. Francisco Salgado Zenha), em localização ade- Ed. Paulinas, 1984; Cooperador Paulista, Revista
A 1 de Março de 1957, foi a vez de Lisboa, com a quada, ali se iniciou a construção, a 26 de Novembro trimestral da Família Paulista, n.º 1, Ano 52,
chegada das Irs. Paola Macalli e Costanza Bianciotto de 2001, e para ali se transferiram os serviços de Apelação, Paulus, 2003; GOMES, Manuel Saturino da
para a fundação da segunda comunidade em Paulinas Editora e Paulinas Difusão, definitivamente, Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
Portugal. Ficou sediada na Av. 5 de Outubro, tendo em Agosto de 2003. 1994, p.75; MARTINI, Caterina A., Le Figlie di San
sido transferida para Q.ta de Marvila, em Camarate, Paolo: Note per una storia (1915-1984), Roma, Figlie
em 1965, e, mais tarde, em Abril de 1979, para a di San Paolo, Casa Generalizia, 1994; PERINO, Renato,
R. Alexandre Rey Colaço, em Lisboa, onde ainda se Necesitamos Santos Comunicadores para la Nueva
encontra, e que passou a ser a Sede da Delegação Evangelización, Santiago do Chile, San Pablo, 1994;
Portuguesa. A 23 de Janeiro de 1973, deu-se abertura ROLFO, Luís, Padre Tiago Alberione: Anotações para
da segunda livraria, Livraria Apóstolo Paulo, na uma Biografia, 2.ª ed. rev., São Paulo (Brasil), Paulus,
Av. Almirante Reis, em Lisboa, tendo dali saído para 2001; SASSI, Sílvio, Beato Tiago Alberione, Apóstolo
novas instalações na R. Morais Soares, com o nome da Comunicação, Sup. da revista Família Cristã,
Paulinas Multimédia, a 25 de Novembro de 1991. n.º 4/2003, Apelação, Paulus, 2003; UGENTI, António,
A chegada ao Funchal seria a 23 de Agosto de 1972, Padre Tiago Alberione, Apóstolo da Comunicação
e a abertura de uma livraria naquela cidade, na Social, Adapt. e Red. Por Mário Santos, Lisboa, Ed.
R. Dr. Fernão de Ornelas, deu-se, alguns meses Paulistas, 1983. Digital: www.paulinas.pt.
depois, em Março de 1973. Congresso Nova Evangelização, Lisboa, 2005 (I)

Na sequência das determinações emanadas dos RUI A. COSTA OLIVEIRA


Capítulos Gerais de 1989 e 1995, que dedicaram Em 1996, no dia 25 de Janeiro, foi a chegada ao
Algarve, com a abertura da Paulinas Multimédia, na
cidade de Faro, na R. do Município; a que seguiu, PEQUENAS MISSIONÁRIAS DE MARIA
a 11 de Outubro, a Paulinas Multimédia, na Pr. de IMACULADA
Teófilo Braga, em Setúbal. A origem do Instituto das Pequenas Missionárias de
Em 2005, é a vez do Alto Alentejo, com a abertura Maria Imaculada (IPMMI), uma congregação católica
da Paulinas Multimédia, em Portalegre. brasileira, está intimamente ligada à cidade de S. José
O Instituto Missionário Filhas de São Paulo, em dos Campos, S. Paulo, à jovem Dulce Rodrigues
Portugal, constitui uma Delegação, desde 1964. dos Santos e ao Bispo de Taubaté, D. Epaminondas.
A Delegação Portuguesa, com uma Superiora No seio de uma família paulistana, no dia 20 de
Delegada e um Conselho de Delegação com três Janeiro de 1901, nasceu Dulce Rodrigues dos Santos,
membros, tem quatro casas (Lisboa, Porto, Faro e de “personalidade marcante, vontade férrea, lideran-
O grupo das Paulinas em Portugal (I) Funchal), cada uma com a sua Superiora Local. As ça sem autoritarismo, administradora nata”. O seu

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PEQUENAS MISSIONÁRIAS DE MARIA IMACULADA

físico frágil e delicado “escondia uma alma ardente de fundar uma associação religiosa que cuidasse Dezembro, quando sete irmãs receberam o hábito
e apostólica”. Os primeiros estudos de Dulce foram deles. O P.e Ascânio Brandão, sacerdote que atendia branco, com uma faixa azul na cintura, e assumiram
realizados no Externato S. José, onde também fez aos chamados de Dulce quando alguma das enfermas nomes de religiosas. Dulce Rodrigues dos Santos
a sua Primeira Comunhão. Na Escola Normal Caetano necessitava de cuidados espirituais, informou o bispo, passou a chamar-se Madre Maria Teresa de Jesus
de Campos, em 1919, recebeu o Diploma de Profes- que um grupo de jovens já realizava acções apos- Eucarístico e foi nomeada Superiora Geral. O novo
sora e passou a actuar no magistério. A saúde frágil tólicas junto às pensões. Dulce e suas companhei- hábito, colocado em uso depois de 1972, por
impediu-a de realizar o sonho de se tornar carmelita, ras foram convocadas para uma audiência e questões de higiene e saúde, foi simplificado. Tecidos
pois um exame clínico constatou que era portadora D. Epaminondas propôs que apresentassem as suas leves e pouco volumosos passaram a ser utilizados
de tuberculose pulmonar, doença incurável na época. ideias sobre uma possível instituição que cuidasse na sua confecção e a faixa azul foi suprimida. Um
Ainda nas primeiras décadas do séc. XX, muitas dos enfermos. A 16 de Fevereiro de 1932, em “escapulário fixo ao hábito, de cor branco-perolado
pessoas referiam-se a S. José dos Campos como a carácter provisório, o Regulamento de Vida Comum para se assemelhar à cor da Hóstia Sacrossanta”,
Cidade Esperança. As condições climáticas que das Filhas de Maria Imaculada foi aprovado, com completa o vestuário. Foi preservado o direito ao
oferecia, destacando-se entre outros factores naturais, validade até que fossem redigidas a Constituições. uso do modelo antigo. Durante o ritual da Profissão
a altitude e os índices de humidade, tornavam-na Em Março do mesmo ano, o bispo fundou a Pia Perpétua as Irmãs recebem a aliança, sinal consu-
o local indicado para o tratamento de pessoas Associação de Maria Imaculada, futura Congregação mado da união com Cristo.
portadoras de tuberculose. Entre 1920 e 1950, a das Pequenas Missionárias, com a participação de A 19 de Janeiro de 1935, as Constituições foram
cidade abrigava sanatórios e pensões, tornando-se Dulce Rodrigues dos Santos, Dulce Monteiro encaminhadas a Roma. O Papa Pio XI, em Junho de
o principal centro brasileiro de tisiologia. Os doentes Machado, Maria da Conceição Portugal e Sousa, Ida 1936, assinava o Decreto de Beneplácito que
e acompanhantes quase sempre eram acolhidos em Cavaton e Francisca Corrêa. Em Junho de 1932, na autorizava a Congregação e aprovava as Constitui-
pensões sanatoriais, locais que favoreciam a promis- Capelinha do Pensionato, aconteceu a exposição ções do Instituto como nome de Congregação
cuidade. “Muitas jovens que vinham para recuperar solene do Santíssimo Sacramento para a Hora da Religiosa Pequenas Missionárias de Maria Imaculada.
a saúde do corpo, acabavam por se perder”. Oração. O Brasil vivia um momento político sensível As religiosas que pertenciam há cinco anos à
Com 21 anos de idade, acompanhada da mãe e do com a chamada Revolução de 32, envolvendo os Associação foram dispensadas do Noviciado e
irmão, Dulce chegou a S. José dos Campos, no dia brasileiros numa guerra fratricida. A Adoração que obtiveram licença para a Profissão Perpétua. D. André
7 de Junho de 1922, hospedando-se numa das tinha como objectivo a pacificação do país trans- Arcoverde, o novo Bispo, realizou, “aos oito dias do
pensões disponíveis. A sua saúde apresentava formou-se em prática diária que perdura até aos mês de Novembro de 1936, a Ereção Canónica da
melhoras contínuas permitindo o retorno a S. Paulo, nossos dias. O mês de Agosto do mesmo ano foi Congregação das Pequenas Missionárias de Maria
a fim de cuidar da mãe adoentada, actividade que especialmente marcante para a Comunidade, pois Imaculada”. Madre Maria Teresa de Jesus Eucarístico
despertou a sua vocação para a enfermagem. Dulce ocorreu o ritual da Vestição. Dulce informa que as proferiu os seus Votos Perpétuos e foi empossada
retornaria a S. José dos Campos após a morte da associadas se prepararam “com indizível emoção, no cargo de Superiora Geral. Seguiu-se à posse a
mãe, em 1926. Enquanto transcorriam os dias de por meio de um Retiro de três dias […]. Os uniformes, imposição do véu em 12 postulantes, que deveriam
tratamento, Dulce passou a preocupar-se com as já preparados excitavam o nosso desejo, pois parecia- iniciar o Noviciado Canónico, entre elas, Dulce
companheiras enfermas, que enfrentavam dificul- -nos que recebendo-os, já seríamos semi-religiosas Monteiro Machado. Assim, a Congregação iniciava
dades nos ambientes das pensões. Quando se sentiu consagradas a Nosso Senhor […]. Fizemos priva- a sua caminhada com a instalação do Governo Geral
restabelecida passou a visitar os enfermos trans- damente os nossos votos, já revestidas de nossa a 15 de Janeiro de 1937. Quando, um ano mais
mitindo-lhes mensagens de esperança, “mas veste cândida”. A 24 de Dezembro de 1932, o tarde, a Congregação das Pequenas Missionárias
sobretudo levava-lhes a caridade transbordante do Instituto assumia personalidade jurídica no Cartório contava com 9 professas perpétuas, 12 professas
seu coração”. A adesão de outras jovens ao apos- de Registos de Imóveis de S. José dos Campos, de votos temporários, 21 noviças e uma postulante,
tolado foi quase imediata. Dulce, Ziza e Euricêmia, tendo os seus Estatutos sido aprovados no último o Bispo D. André aprovou as Constituições da
duas companheiras que buscavam a cura e dia do mesmo mês. Trinta e cinco doentes habitavam Congregação das Pequenas Missionárias, que
comungavam dos mesmos ideais, deixariam o mundo a Pensão da Dona Dulce. definem com clareza o carisma e a espiritualidade
das pensões quando, em Janeiro de 1927, conse- O bispo zelava pelas novas filhas religiosas auxiliando- que norteiam as acções das suas filhas. Estabelecem
guiram alugar uma pequena morada que, no futuro, -as materialmente, orientando-as através de corres- que o “Seu fim é a glória de Deus e a santificação
se transformaria no Pensionato Maria Imaculada, pondência frequente e com as providências neces- de seus membros, pela observância dos votos religioso
local de acolhimento de moças tuberculosas, no qual sárias para a oficialização do Instituto junto à Santa e das Constituições, no serviço do irmão doente,
as jovens encontravam um ambiente sadio, fraternal Sé. Crescia o número de doentes, juntamente com pobre, desamparado, através de todas as obras de
e cristão. Quando, em 1928, Dulce recebeu a notícia a necessidade de espaço físico. Assim surgiu a ideia caridade espiritual e corporal em favor dos menos,
que poderia ingressar no Carmelo, uma dúvida de se fundar um sanatório. Com recursos oferecidos especialmente dos tuberculosos, bem como no auxílio
passou a atormentá-la, pois teria que abandonar as por amigos e com uma herança que Dulce recebera a outra formas de evangelização para que forem
suas companheiras do pensionato. O P.e Henrique da família, foi adquirida uma quinta próxima do solicitadas, especialmente a catequese”. A espiritua-
de Barros ajudou-a na decisão ao dirigir-lhes as centro da cidade de S. José. O Sanatório Maria lidade das Pequenas Missionárias pode ser sintetizada
seguintes palavras: “Seu lugar é aqui, junto das Imaculada seria inaugurado em Agosto de 1933, nos seguintes termos: “Profunda vida Eucarística,
moças tuberculosas”. As visitas consoladoras e os com a transferência das primeiras doentes do através de um contínuo oferecimento de Jesus Cristo
auxílios esporádicos levados por Dulce e pelas suas pensionato. Actualmente, na área ocupada pelo e de si mesma, unida a Ele, à Santíssima Trindade,
companheiras foram substituídos, em 1931, quando antigo sanatório, localiza-se a Casa Generalícia da principalmente no Santo Sacrifício da Missa e nas
foi inaugurado o Asilo S.ta Teresinha, destinado ao Congregação. Entre Fevereiro e Novembro de 1934, suas horas diárias de adoração ao Santíssimo
acolhimento de pacientes pobres. Dulce reescreveu as Constituições. A 14 de Outubro Sacramento, pelas vocações sacerdotais e pela
O Bispo D. Epaminondas, preocupado com o aban- de 1934, o bispo transformou a Associação das santificação dos Sacerdotes. Ardente e particular
dono espiritual dos doentes e com a situação moral Filhas de Maria Imaculada em Congregação Religiosa. devoção à Virgem Imaculada, sua dilectíssima
que enfrentavam, já tornara pública a sua intenção O ritual de Vestição foi realizado no dia 8 de Padroeira, cujo culto deve propagar. Espírito de

502
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS PIAS DISCÍPULAS

Sacrifício levado até o heroísmo e velado sob uma uma Província, mantinha vínculos estreitos com a Em relação aos funcionários, priorizam as reuniões
alegre, humilde e amável aparência de simplicidade, Casa-Mãe do Brasil, pois tratava-se de uma periódicas de formação humana e religiosa, o
segundo o Caminho da Infância Espiritual”. experiência única no exterior. As informações apostolado do terço, o testemunho, a boa leitura e
Entre os acontecimentos significativos para as recebidas pela Madre Maria Celina da Apresentação, as celebrações litúrgicas. Junto aos médicos, que
comunidades das Pequenas Missionárias de Maria Superiora Geral da Congregação, de que a Fundação atendem os idosos nos asilos ou consultórios,
Imaculada, a partir da década de 1940, destacam- Antero Gonçalves pretendia fundar um lar para desempenham papéis de enfermeiras religiosas, com
-se a realização do Primeiro Capítulo Geral, com a idosos na aldeia de Envendos foi decisiva para a atitudes que revelam os valores da fé e o carisma
eleição da Madre Teresa como Superiora Geral presença das Pequenas Missionárias em Portugal. da Congregação. Quando se trata de pacientes
(Novembro de 1942); a presença da madre superiora No acordo celebrado entre as duas instituições, as idosos, às vezes com mais de 80 anos, ouvir as suas
em Roma, a fim de proceder à revisão das Consti- Religiosas assumiriam a administração do futuro lar. histórias já envolve um esforço evangelizador, assim
tuições e a audiências públicas com Pio XII (Agosto Quatro irmãs partiram para constituírem a como o incentivo à participação em actividades
e Setembro de 1954); a inauguração do Hospital Comunidade da Casa Imaculada Conceição de lúdicas, ocupacionais e religiosas. Porém, nos lares
Pio XII em S. José dos Campos (Outubro de 1955); Envendos, oficialmente fundada em Abril de 1988. sob a responsabilidade das Pequenas Missionárias,
e o início das actividades na Casa Imaculada A Ir. Paula Verónica de Maria foi indicada Superiora a evangelização dos pacientes manifesta-se no bom
Conceição em Envendos, Portugal (Abril de 1988). Local, cargo que ocupa ainda em 2004. Além dos atendimento dado pelas irmãs aos idosos, no que
No território brasileiro multiplicaram-se as comu- cuidados com os idosos do lar, as Pequenas se refere aos cuidados médicos, higiene, alimentação
nidades nos Estados de S. Paulo, Minas Gerais, Rio Missionárias atendem pacientes externos, enca- e actividades de lazer. Observa-se a preocupação
de Janeiro, S.ta Catarina e no Distrito Federal. Em minhados pelo Centro de Saúde de Envendos, das Pequenas Missionárias com consolo espiritual
Portugal, duas comunidades prestam serviços em prestando serviços de enfermagem e apoio dos internos, com o incentivo à participação das
Lisboa e Santarém. Com a política de desactivação psicológico e espiritual. Preparam crianças da vila cerimónias religiosas, na preparação para a Confissão,
dos sanatórios, implantada pelo governo brasileiro para a Eucaristia e jovens para o Crisma. Proferem na Unção dos Enfermos e na oração do terço. Sem
na década de 1970, as Pequenas Missionárias conferências dirigidas aos pais e catequistas, além dúvida, os visitantes dos lares dirigidos pelas Pequenas
decidiram reorientar as suas funções, dando de participar de celebrações litúrgicas da paróquia. Missionárias em Portugal percebem que na
prioridade aos cuidados com os idosos, crianças e Instaladas na Casa S. José, no Restelo, em Lisboa, cordialidade, no tratamento afectuoso e na alegria,
camponeses. Analisando os escritos já publicados sete irmãs administram o Lar Margarida Gonçalves, presentes no atendimento aos idosos e aos seus
de Madre Maria Teresa representados por 295 cartas, inaugurado em Julho de 1995, e cuidam do bem- familiares, manifestam-se reflexos da vivência do
266 conferências e inúmeros textos espirituais, -estar físico e espiritual de mais de duas dezenas de Evangelho.
verifica-se a relevância que a Fundadora atribuía à pessoas idosas. A instituição foi criada por solicitação
formação de suas filhas espirituais. Dizia que as do Sr. Antero Gonçalves com o objectivo de minimizar BIBLIOGRAFIA: Impressa: Atividades Apostólicas das
Pequenas Missionárias estão neste mundo para “viver a solidão dos idosos. A Madre Celina deslocou-se Pequenas Missionárias nas Diversas Comunidades:
da Eucaristia, para a Eucaristia e pela Eucaristia”. para Lisboa, a fim de assumir as funções de Superiora Rumo ao Novo Milénio, São José dos Campos, s.n.,
Sem sacerdotes “não há Santa Missa, não há presen- Local da Comunidade, cargo que ocupava ainda em 1997; RUTH, Madre Maria (compil.), Nossas Datas,
ça eucarística, não há comunhão”. S.ta Teresinha foi 2004. As sete irmãs que actuam no Lar de Margarida São José dos Campos, s.n., 2002; Tempo e
o modelo de vida a ser seguido pelas Pequenas Gonçalves estão inscritas no quadro de funcionários, Eternidade, Informativo sobre o processo de
Missionárias. atendendo a legislação trabalhista do país. Participam Canonização da Serva de Deus Madre Maria Teresa
Madre Maria Teresa viveu o privilégio de receber a ainda das actividades pastorais da Paróquia S.ta Maria de Jesus Eucarístico, São José dos Campos, Instituto
notícia, a 11 de Novembro de 1952, de que a Santa de Belém, bem como de celebrações significativas, das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada, 1998-
Sé emitira um Decreto de Louvor que tornava a como Ordenações Sacerdotais, Semana Santa, Páscoa -2008; Digital: www.pequenasmissionarias.org.br.
Congregação Pontifícia. Certamente, a sua felicidade e Natal.
foi ainda maior quando, a 8 de Dezembro de 1964, VALMIR FRANCISCO MURARO
o Papa Paulo VI expediu a aprovação definitiva da
Congregação confirmando que “seu espírito, suas
obras, suas actividades e objectivos” estavam em PIAS DISCÍPULAS
perfeita sintonia com o espírito da igreja, com as As Irmãs Discípulas do Divino Mestre (IDDM), também
necessidades do mundo temporal e com as exigências conhecidas por Pias Discípulas, são a terceira con-
da evangelização. Após um curto período de gregação da Família Paulina, fundada pelo P.e Tiago
enfermidade, Madre Maria Teresa viria a falecer no Alberione, em Alba (Itália), no dia 10 de Fevereiro de
dia 8 de Janeiro de 1972, deixando como testamento 1924, obtendo aprovação definitiva a 30 de Agosto
às suas filhas espirituais as seguintes palavras: “Sejam de 1960, concedida pelo Papa João XXIII.
santas! Sejam fiéis ao Papa, à Igreja e às Constituições! O seu fundador, P.e Tiago Alberione (4 de Abril de
Amem muito o Santíssimo Sacramento e Nossa 1884 – 26 de Novembro de 1971) nasceu em
Senhora! Sejam unidas e assim serão felizes!” Em acto S. Lourenço de Fossano (Itália), frequentou o Semi-
Lar Margarida Gonçalves das Pequenas Missionárias
solene realizado na Igreja de S. Dimas, Diocese de nário de Alba e foi ordenado Sacerdote no dia 29
de Maria Imaculada, no Restelo (PCC)
S. José dos Campos, a 17 de Agosto de 1997, o Bispo de Junho de 1907. Alberione deu início à Família
D. Nelson Westrupp constitui o Tribunal Diocesano Paulina, sendo esta actualmente constituída por
responsável pelo Processo de Canonização da Madre De modo geral, as comunidades das Pequenas cinco congregações, quatro institutos seculares e
Teresa de Jesus. Os volumes enviados ao Vaticano Missionárias que actuam em Portugal encontram no uma associação de cooperadores leigos, a saber:
foram aceites plenamente, a 2 de Maio de 2003. testemunho de vida, no anúncio da Palavra e nos Sociedade de São Paulo (Paulistas); Filhas de São
Portugal contava, em 2004, com duas comunidades serviços profissionais feitos com alegria, carinho e Paulo (Paulinas), Irmãs Discípulas do Divino Mestre;
das Pequenas Missionárias. Por não constituírem caridade as formas mais adequadas de evangelização. Irmãs de Jesus Bom Pastor (Pastorinhas); Instituto

503
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS RELIGIOSAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ

Rainha dos Apóstolos (Irmãs Apostolinhas); Instituto petição de aprovação canónica da sua Congregação, RELIGIOSAS DA INSTRUÇÃO CRISTÃ
de Jesus Sacerdote; Instituto Nossa Senhora da aprovação que chega a 3 de Abril desse mesmo A criação do Instituto das Religiosas da Instrução
Anunciação (Anunciatinas); Instituto São Gabriel ano. Por vontade expressa do Fundador, Madre Cristã ocorre na Bélgica, a 25 de Março de 1823,
Arcanjo (Gabrielinos); Instituto Santa Família e Escolástica é conduzida como primeira Superiora e fica a dever-se à determinação da Madre Agathe
União Cooperadores Paulistas. A 27 de Abril de Geral da Congregação das Discípulas do Divino Verhelle (1786-1838). Ela retoma a antiga comu-
2003 foi beatificado pelo Papa João Paulo II. Mestre. Em Janeiro de 1948, a Congregação recebe nidade de Doorsele, em Gand, fundada por religiosas
Neste projecto de Tiago Alberione, todas as a esperada aprovação pontifícia e, nesse mesmo ano francesas que aí se haviam instalado em Maio de
instituições estão empenhadas no apostolado da e mês, no dia 24, a Madre recebe o cargo de Mestra 1808, a pedido do bispo da diocese, a fim de
comunicação: a Sociedade de São Paulo e as Filhas das Noviças da casa na Argentina. Em 1963 regressa fundarem um colégio. Estas religiosas haviam sido
de São Paulo, com dedicação total; as Irmãs definitivamente a Itália, vindo a falecer a 24 de criadas em Paris por Madalena Sofia Barat, a 21 de
Discípulas, vocacionadas para a oração; as Março de 1987. Novembro de 1800, e, tendo sido inicialmente
Pastorinhas, operando com actividade paroquial; As Irmãs Discípulas do Divino Mestre, dedicam a sua conhecidas pela designação de Sacré Coeur, ao
as Apostolinhas, na descoberta de novas vocações; vida ao apostolado litúrgico, no serviço sacerdotal consagrarem-se ao Coração de Jesus, adoptaram,
os institutos agregados, exercendo o seu carisma e no suporte da Missão Paulina, com a adoração posteriormente, o nome de Damas da Instrução
no ambiente de vida sacerdotal ou profissional; e eucarística e a oração. Jesus, o Divino Mestre une- Cristã, assim sendo reconhecidas oficialmente por
os Cooperadores, nas famílias, nas paróquias e nos -as no ideal, na vocação e na missão. Honram, amam Decreto do Imperador Napoleão, a 10 de Março de
grupos sociais em geral. e servem Jesus, o Cristo Mestre, presente na 1807. Às religiosas oriundas de França juntaram-se
Para além da figura central do seu Fundador, as religiosas de nacionalidade belga.
Irmãs Discípulas do Divino Mestre contam ainda com O processo que conduz à fundação do actual Instituto
a figura da primeira Madre, Escolástica (1897 - 1987). das Damas da Instrução Cristã não pode ser visto
A 12 de Julho de 1897, nasce em Guarene (Alba) desligado da própria história do povo belga,
Orsola Maria, primogénita de Antonio Rivata e de nomeadamente do domínio da Bélgica pela França
Lucia Alessandri. Em 1921, em Alba, numa livraria em 1793, o qual cessa em 1813, quando Napoleão
que costumava frequentar, encontra o P.e Alberione, Bonaparte é derrotado na Batalha de Leipzig, ou da
que a convida a juntar-se à Família Paulina. Em 1923, dominação holandesa exercida a partir de 1819.
com a Ir. Matilde Gerlotto, foi escolhida a formar Inês Margarida Verhelle, nascida a 23 de Fevereiro
uma família que se dedicasse ao recolhimento, à de 1786, em Bruges, tendo crescido sob o domínio
oração e ao culto do Mestre Eucarístico, recebendo francês, foi educada em sua própria casa, sob a
a sua missão resumida em três palavras: “Silêncio, orientação de uma tia. Sentindo o chamamento para
Silêncio, Silêncio”. A 10 de Fevereiro de 1924, dia de consagrar-se à vida religiosa, resiste, todavia, ao
S. ta Escolástica, dá início, com as primeiras oito Sagrada Família (cedido pelo Instituto Secular da Sagrada Família) impedimento imposto pelos pais durante seis anos,
postulantes, à Congregação das Pias Discípulas do ingressando com 29 anos de idade, designadamente
Divino Mestre. Orsola é investida por Tiago Alberione Eucaristia, participando activamente, com toda a no dia 18 de Julho de 1815, no Noviciado de Gand,
como Responsável do grupo. Igreja, na celebração dos Divinos Mistérios e per- o qual já se havia separado da Casa-Mãe em Amiens
manecendo em adoração incessante. Contribuem (França). Com a expulsão de Napoleão, em 1813,
para que cada acção litúrgica e celebração eucarística tornara-se impossível a presença das irmãs francesas
seja preparada e vivida na verdade, na beleza e na em Gand, pelo que haviam regressado a França, e
santidade que lhe é própria. O amor à pessoa de as religiosas belgas ficam em regime de total
Jesus Mestre faz com que ajudem sacerdotes, independência. Margarida Verhelle, a 15 de Agosto
Irmãos Paulistas ou não, jovens e idosos, na saúde de 1815, toma o hábito e recebe o nome de Agathe,
e na doença, enfim, nas diversas necessidades, pela no Instituto das Damas da Instrução Cristã, dirigido
caridade que brota da Eucaristia celebrada e adorada. então por uma das fundadoras, belga de descen-
A fundação da Congregação das Irmãs Discípulas dência espanhola, a Madre de Peñaranda.
do Divino Mestre em Portugal deu-se em 1947, Contudo, com o início da dominação holandesa, a
contando hoje com 16 membros espalhados pelas partir de 1819 enceta-se um processo que conduz
suas casas de Lisboa, Fátima e Porto. à dissolução do Instituto das Damas da Instrução
Actualmente, as Irmãs Discípulas do Divino Mestre Cristã pelo Decreto do Rei Guilherme I (7 de Julho
têm casas de oração espalhadas por todo o mundo: de 1822), que exigia o encerramento das duas escolas
Madre Escolástica (SF)
Itália (Camaldoli, Roma, Thiene), Argentina, México, católicas que as Damas da Instrução Cristã dirigiam,
Coreia, Japão e Austrália. as Casas de Gand e Audenarde, sendo dado 15 dias
A 25 de Março desse mesmo ano, faz a profissão às religiosas e às alunas para retornarem às famílias
religiosa perante o Fundador. Orsola Maria recebe BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal desocupando os imóveis.
o nome de Escolástica, à semelhança do da irmã de 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Extinto o Instituto das Damas, 11 religiosas cons-
S. Bento. Entre 1933 e 1934, Madre Escolástica é Episcopal Portuguesa, 2007, p. 890; GOMES, Manuel tituem um grupo e dão uma procuração à Madre
nomeada Mestra das Noviças, continuando a seguir Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Agathe Verhelle, para que esta interceda junto do
todas as Irmãs Discípulas. Dois anos mais tarde, é Paulinas, 1994, p. 76. Digital: www.alberione.org; rei a fim de ser revogado o decreto que extinguia
exonerada do cargo e enviada para o Egipto, www.ecclesia.pt; www.paulinas.pt; www.pddm.org; as Damas da Instrução Cristã. O seu pedido foi
regressando em 1938, a pedido de Alberione, pois www.pddm.org/esp/escola. aceite, sendo celebrada uma missa a 25 de Março
a sua ausência havia debilitado o caminho progres- de 1823, a qual assinala a fundação do Instituto
sivo das Irmãs. Em 1947 procede-se de novo a uma SUSANA PEDROSO das Damas da Instrução Cristã. Eleita a Madre Agathe

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS RELIGIOSAS DE MARIA IMACULADA

Superiora do Instituto, torna-se, a partir de 1826, das Damas. A sua acção no Brasil não vai parar e, o Signo do Fogo, Belo Horizonte, Ed. Paulinas, 1965;
a Superiora Geral vitalícia. As Damas da Instrução ao expandir-se por diversos estados, cria uma autêntica MESQUITA, Tarcísia, As Damas Cristãs no Brasil, 1896-
Cristã vão obter, passados alguns meses após a sua rede de ensino confessional, a qual se estende do -1996, Recife, Editora Litteris, 1996; S IMENON ,
fundação, a 6 de Agosto de 1823, o reconhecimento pré-escolar ao ensino superior. Na actualidade, integra Guillaume, La Congrégation des Dames de
diocesano, vindo a ocorrer a aprovação pontifícia, dez colégios espalhados pelos Estados de Pernambuco l’Instruction Chétienne: Notice Histórique, Liége,
dada pelo Papa Leão XII, passados quatro anos, a (3), Paraná (2), Mato Grosso (2), Ceará (1), Paraíba H. Dessain Imprimeur, 1927.
10 de Agosto de 1827. (1) e Alagoas (1). Estes estabelecimentos de ensino
A Madre Verhelle, conjuntamente com um grupo permitem, ainda, sustentar, em zonas carenciadas, MARIA JOSÉ REMÉDIOS
de irmãs, obteve do governo holandês, a partir de escolas gratuitas para meninos e meninas desfavo-
1824, a certificação de professoras, após se terem recidos, do pré-escolar ao elementar, assim como
sujeito a rigorosos exames, começando a partir de escolas profissionais para jovens. RELIGIOSAS DE MARIA IMACULADA
então a expandir a sua acção educativa. Uma fé A sua acção missionária em África estende-se à A Congregação das Religiosas de Maria Imaculada
inabalável associada a uma inteligência privilegiada República do Congo (cinco casas), ao Ruanda (uma (RMI) foi fundada por S.ta Vicenta María López Y
e a um espírito empreendedor permitiram que, em casa) e a Togo (uma casa), não se restringindo à Vicuña, a 11 de Junho de 1876.
vida, a Madre Agathe fundasse seis casas para acolher instrução, mas abarca uma acção social educativa A Fundadora nasceu na cidade de Cascante (Navarra,
a juventude e educá-la cristãmente, contrariando a mais alargada, respondendo às necessidades do meio Espanha), a 22 de Março de 1847. Foi sempre uma
tendência para uma educação laica que informava e atendendo às possibilidades das irmãs. Nas suas criança viva e alegre, mostrando uma inteligência
a sociedade belga desde a presença napoleónica. Constituições expressam que a obra educativa das favorecida por um acompanhamento constante de
São elas: Vracene (1827), Audenarde e Bruges (1829), Damas da Instrução Cristã, tal como se revestiu no seus pais, um tio sacerdote e uma tia, mais tarde
Renaix (1832), Anvers (1834) e Liège (1838). passado de certas formas em desuso, pode vir a religiosa. Vivendo num ambiente muito cristão (foi
A fundadora das Damas da Instrução Cristã morre adoptar novas modalidades, atendendo a que as baptizada no dia seguinte ao do seu nascimento),
a 1 de Dezembro de 1838, com 52 anos, tendo exigências e as prioridades mudam com a dinâmica dele herdou, certamente, a sua vocação religiosa.
poucas semanas antes desta data redigido uma carta da História. Assim, sem abandonar os colégios, o Mostrava-se muito devota ao culto mariano,
às noviças, a qual vai ser considerada o seu Testa- Instituto tem fundado centros socais e nutricionais, particularmente à Virgem do Romero, santuário
mento Espiritual dirigido à Congregação. Continuando espaços de evangelização e pequenas fraternidades protector da localidade de Cascante. Assim vai
o seu carisma, “revelar a Face de Cristo educador”, no meio dos pobres. crescendo na fé, na esperança e na caridade até aos
o Instituto das Damas da Instrução Cristã vai expandir- Na Bélgica, possuem uma prestigiada escola de dez anos de idade, quando os seus pais decidem
-se pelos continentes Sul-Americano e Africano, além ensino misto, a qual é frequentada por, aproxi- levá-la para casa de seus tios, Maria Eulália e Manuel
do Europeu. madamente, 400 alunos no nível pré-escolar e Maria, que viviam em Madrid, a fim de adquirir uma
primário e 800 distribuídos pelo ensino secundário formação cultural mais completa. A par de uma
geral e técnico de ciências sociais (o Institut de instrução exigente, é também continuada a sua sólida
l’Instruction Chrétienne), em Flône, e que integra formação cristã, já que os seus familiares lhe dão
um moderno internato dirigido ao sexo feminino, exemplo de uma vida de imitação de Jesus Cristo,
o que acontece, igualmente, em Bruges e também especialmente na sua dedicação aos mais pobres.
em Liège. Na Europa, a sua presença estende-se, Ambos pertenciam à Congregação da Doutrina Cristã.
ainda, a Inglaterra, Polónia e Portugal. Por isso, nos tempos livres, vai acompanhando a sua
Na actualidade, as Damas da Instrução Cristã, ou tia nas obras de caridade a que se dedica,
simplesmente Damas, como por vezes são conhe- contactando, assim, com o mundo da pobreza, miséria
cidas, são aproximadamente 400, integrando material e espiritual, ignorância, dor e insegurança
religiosas de nacionalidade belga, inglesa, polaca, em que vivem muitos seres humanos. Visita órfãs
brasileira, ruandesa e congolesa. A média de idades e empregadas domésticas na Pr. de S. Francisco.
é muito discrepante: na Europa ronda os 60 anos,
enquanto no Brasil e em África domina a juventude.
O grupo das quatro religiosas do Instituto das Damas
da Instrução Cristã presentes em Portugal, desde 25
de Março de 1994, é constituído por irmãs de
nacionalidade brasileira, as quais fazem partem da
Província Belga. Elas prestam serviço apostólico na
Christos Pantocrator no Mosteiro Agios Stephanos Diocese de Leiria-Fátima, incidindo na catequese
(S.to Estêvão), em Meteora, Grécia (arquivo particular) paroquial, na formação cristã de jovens, na parti-
cipação em movimentos pastorais, na orientação de
Alargando a sua acção apostólica à Inglaterra, onde grupos de oração e dirigindo “oficinas de oração”
vêm a fundar três importantes colégios (Effinghm, ou fazendo atendimento e orientação religiosa a
Sherborn e Leweston), a sua primeira missão fora pessoas que as procuram.
da Europa vai ser no Brasil. Um grupo de oito
religiosas, acompanhadas de uma leiga, chegam ao BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
Recife a 15 de Outubro de 1896, estabelecendo-se [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
em Olinda, no Convento de S. Francisco, onde criam Portuguesa, 2007, p. 907; LANTSCHOOT, Paula Van,
um internato, e vêm a fundar, a partir de 1921, o CALIFICE, Monique, Uma Semente que Germinou,
Colégio do Recife, ao qual dão o nome de Colégio Fortaleza, Ed. OfinArtes, 1996; LATGÉ, Bianchini, Sob S.ta Vicenta María López y Vicuña (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS RELIGIOSAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA

Desde 1857 que se vai apercebendo da existência de 1950 e seria canonizada a 25 de Maio de 1975,
de um mundo marcado pela industrialização que pelo Papa Paulo VI.
atrai muitas jovens que saem dos campos para as Tendo herdado a Obra Social da sua tia Eulália, a
cidades, à procura de melhores condições de vida, ela dará continuidade, convertendo-a na fundação
e que, muitas vezes, acabam por deparar com uma de um instituto religioso e abrindo a primeira de
dura realidade. Um mundo aparentemente desen- muitas casas que pretende fundar pelo mundo.
volvido, mas onde, a par de muitos ricos, (con)vivem A 11 de Junho de 1876, com duas outras religiosas,
cada vez mais pobres. Essa pobreza, que impres- vestirá o hábito de religiosa. A 8 de Dezembro de
sionava Vicenta María, era, sobretudo, espiritual. 1878, proferirá os votos temporais e, a 18 de Abril
Muitas raparigas saiam das suas aldeias natais para de 1888, a Santa Sé promulgará o Decreto
trabalhar e, encontrando novos atractivos de vida, Laudatório. Os Votos Perpétuos seriam feitos a 31
rapidamente eram expostas a perigos vários que as de Julho de 1890, juntamente com mais nove
levavam a enveredar por uma vida moralmente companheiras. No dia 26 de Dezembro desse ano,
duvidosa, perdendo muitas vezes o trabalho. Estas Vicenta María morreu, em Madrid, com 43 Anos.
Angela Tomassi, rmi, Quem és tu? (I)
jovens sem trabalho, solitárias e sem recursos A Congregação seria aprovada pelo Papa Leão XIII
materiais eram ajudadas pela sua tia Maria Eulália, a 13 de Janeiro de 1899.
que lhes disponibilizou uma pequena casa, na qual A espiritualidade da Congregação seguia, de perto, gregação desenvolve o trabalho em lares para
se sentiam acolhidas. Esta passaria a ser designada o estilo de vida da Fundadora. Como Superiora, trabalhadoras e estudantes, centros sociais, centros
por “Casita” e acolhia as empregadas domésticas, Mestra e Directora da Obra, vivia sempre tentando culturais, escolas profissionais, na ajuda a emigrantes,
quer aquelas que acabavam de chegar à cidade, seguir a voz de Deus. Dizia que podia perder-se em missões e na organização de actividades de
quer outras que, impossibilitadas de trabalhar, se tudo, mas não Deus, e procurava viver unida a Ele, tempos livres. No campo das missões, as Religiosas
encontravam convalescentes ou, simplesmente, tendo como base uma vida contemplativa, a partir de Maria Imaculada estão presentes na Índia,
estavam sem trabalho. Mas a obra era pequena para da qual encontrava a força e a inspiração para a Brasil, México e Malí. Contam já 132 anos de vida
tantas necessidades. A associação de senhoras que acção. Toda a sua vida espiritual estava centrada em congregacional.
a dirigia não tinha recursos suficientes para as Cristo, unindo contemplação e acção a partir do A Congregação encontra-se, actualmente, em
necessidades e, apesar do seu mérito indiscutível, Espírito de S.to Inácio. Espanha, Argentina, México, Chile, Cuba, Brasil,
resultava em fracasso. Todos os anos escrevia os seus apontamentos Itália, França, Peru, Inglaterra, Portugal, Uruguai,
Vicenta María encontra a sua vocação no contacto espirituais, onde acentuava as características da sua Colômbia, Índia, Estados Unidos da América, Malí,
com a experiência anterior. Pretende orientar a sua espiritualidade, fundamentada na busca contínua Venezuela, Filipinas, Paraguai, Equador e Burkina.
vida de dedicação a Deus servindo aquelas jovens da vontade de Deus e na sua plena adesão. Tudo São 129 comunidades espalhadas pelo mundo: 54
que tinha conhecido por intermédio da sua tia. Sente o que Deus queria era também vontade própria. na América, 54 na Europa, 15 na Ásia e 6 em África,
que tem uma missão bem definida: acolher e orientar Para realizar com mais eficácia tais propósitos, a com cerca de 1350 irmãs.
as que precisam de uma formação humana, religiosa Eucaristia era a fonte da fortaleza necessária.
e cultural. Quer formar jovens que sejam capazes A devoção profunda e filial a Maria dava ânimo nas BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
de enfrentar as dificuldades da vida, afastando-se dificuldades. Por isso, seriam conhecidas por [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
dos caminhos do mal. Com esse propósito, entrará Religiosas de Maria Imaculada. Esse Amor a Deus e Portuguesa, 2007, p. 907; CANÓS, Maria Teresa de
no Convento da Visitação, em Maio de 1868, a Nossa Senhora era vivido, na prática, pelo amor Jesus, Rasgos Espirituais de Santa Vicenta María
confirmando a sua disponibilidade em abraçar uma aos outros, muito particularmente às jovens a quem López y Vicuna, Braga, Livraria A.I., 1989;
vida religiosa dedicada àquelas jovens. Para isso, se dedicavam. Constituições das Religiosas de Maria Imaculada,
muito contribuíram os Exercícios Espirituais de Vicenta María soube viver em íntima comunhão com s.l., Edição das Religiosas de Maria Imaculada, 1976;
S.to Inácio, que a ajudarão a ver com clareza o caminho Cristo, exercendo uma actividade apostólica, na qual GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde
a seguir. Esse caminho não é seu, mas, apenas, a a caridade era entendida como um serviço àquelas e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, pp. 97-98; NOTÁRIO,
resposta a um chamamento de Deus, encontrado que necessitavam. Soube, assim, interpretar os sinais Concepción, rfm, Caminho de Amor, Braga, Livraria
no exemplo vivido pela sua tia, o qual pretende dos tempos e adaptar o Evangelho à Vida, respon- A.I., 1990; Plano Pedagógico Pastoral, s.l., Edição
continuar. Mas as coisas grandes quase nunca são dendo a questões sociais que não podiam dissociar- das Religiosas de Maria Imaculada, s.d.; VICUÑA, Santa
fáceis e Vicenta María encontrou numerosos -se do Amor a Deus. É isto que comunica às religiosas Vicenta María Lopez, Cartas, 4 vols., Madrid, Editora
obstáculos, entre os quais a oposição dos seus pais. que comungam da sua espiritualidade. Trata-se de Fareso, 1989.
De facto, o pai opõe-se firmemente à obra que uma congregação mariana que procura responder
Vicenta María quer realizar, não à sua vida como às necessidades da sociedade e, particularmente, do ISABEL BALTAZAR
religiosa, mas àquilo que nesse estado pretende papel da Igreja no mundo.
alcançar. Quer, antes, que ela escolha um instituto A Madre María Teresa Orti, segunda Superiora Geral
“seguro”, onde possa realizar a sua vocação. Um da Congregação, continuaria o aprofundamento da RELIGIOSAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE
instituto já aprovado pela Igreja e que não tenha mesma, expondo, em 1922, os seus novos horizontes. MARIA
como fim dedicar-se àquelas jovens e aos perigos As Religiosas de Maria Imaculada são tradicio- O Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de
que ela própria terá de enfrentar. Mas Vicenta María nalmente chamadas “do serviço doméstico”, por se Maria, Virgem Imaculada, é também conhecido por
não desiste, pois sente que é um projecto de Deus dedicarem à defesa da dignidade da mulher jovem. Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria
e só isso lhe basta para lhe dar forças inabaláveis. A par das actividades de formação, dedicam-se, (IRSCM).
Quer viver o Evangelho de uma forma viva e nele também, à ocupação de tempos livres, dimensão Fundado a 24 de Fevereiro de 1849, em Bezièrs,
reconhece a inspiração para realizar o seu projecto. muito querida à Fundadora. Continuando a sua França, teve como fundadores um padre diocesano,
Pio XII declararia a sua beatificação a 19 de Fevereiro dedicação às jovens dos primeiros tempos, a Con- Antoine Pierre Jean Gailhac, e Apollonie Pélissier

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS RELIGIOSAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA

Cure, viúva, cujo nome de religião é Mãe Saint-Jean. e foi ordenado com 24 anos. Depois de alguns anos
Dedicado à recuperação de raparigas saídas da como professor de Filosofia no seminário, pede para
prostituição e à educação de crianças órfãs e se dedicar inteiramente à capelania do hospital da
abandonadas, encontra-se integrado no movimento sua terra natal, onde vai encontrar, fundamen-
geral das fundações de comunidades religiosas da talmente, idosos, soldados e prostitutas. Percebe
época, numa tentativa de resposta às carências que muitas destas desejavam mudar de vida e funda,
existentes no país, por parte da Igreja, através de em 1834, o Refúgio, em Béziers, com o nome de
instituições sociais e educativas. Bom Pastor. Algum tempo depois, a actividade do
Bom Pastor alarga-se a crianças abandonadas, dando
origem a uma outra obra: o Orfanato. De início, Capa das Constituições (I)

pede colaboração a um grupo de senhoras para a


direcção e administração e, mais tarde, à Congre- tempo, a expansão do Instituto fora de França. Assim,
gação das Dames de Saint-Maur. Divergências na em 1870, é fundada a segunda casa das Religiosas
forma e conceito de educação levaram o P.e Gailhac do Sagrado Coração de Maria em Lisburn (Ulster).
a pensar numa nova congregação que assumisse Logo a seguir (1871), uma outra aparece no Porto,
não só os mesmos objectivos, mas também o espírito a pedido da Directora do Colégio Inglês desta cidade,
orientador em todos os trabalhos do Refúgio e do Margaret Hennessy; em1872 em Bootle (Liverpool);
Orfanato. A sua grande preocupação era continuar em 1876 em Braga; e em 1877 em Sag Harber
a missão de Jesus Cristo, bom pastor, que “veio (EUA). Todas estas casas dependiam directamente
para que todos tenham vida e vida em abundância”. da Casa-Mãe (Béziers) em todas as circunstâncias e
As “suas” religiosas tinham de encarnar essa missão. para qualquer iniciativa, o que provocou algumas
No grupo de amigos e benfeitores do Bom Pastor, dificuldades com a hierarquia local. Em Portugal,
existia um casal sem filhos especialmente dedicado: seguiram-se as fundações de Chaves, 1885, fechado
P.e Jean Gailhac, Fundador (I)
Eugène Cure e Apollonie Pelissier Cure. Em 1848, em 1894; Viseu, em 1892; e Penafiel, em 1904,
Eugène morre e a viúva, Apollonie Pellissier, resolve tendo anexado o Noviciado que ali se manteve
O séc. XIX é, para a França, um período crítico da dedicar a sua vida e os seus bens às obras do Bom secretamente entre 1910 e 1917, ano em que passou
pós-revolução. As carências, as confusões e as tensões Pastor. Ligando-se a duas outras senhoras com para Tuy. Com a Implantação da República, os cinco
(políticas, sociais e religiosas) alastram por toda a experiência, respectivamente, no ensino e no cui- colégios existentes em Portugal tiveram de fechar
parte. São muitos os órfãos, muitos os pobres e dado dos mais necessitados, Eulalie Vidal e Rosalie com a excepção do Porto, dado que a direcção ainda
doentes e muitas as raparigas que se entregam à Gibbal, às quais se juntaram mais três, Rose Jeantet, era atribuída a Miss Hennessy e as irmãs não usavam
prostituição como forma de sobrevivência. Cécile Cambon e Marie Roques, formaram um grupo o hábito. Mesmo assim, em 1912, tiveram de deixar
capaz de dar corpo ao sonho do P.e Gailhac. E assim o colégio e habitar uma pequena casa na R. da
aconteceu no dia 24 de Fevereiro de 1849: estava Cedofeita. Em 1917, mudaram-se para a R. dos
fundado o Instituto das Religiosas do Sagrado Bragas e, em 1926, para a Av. da Boavista, onde
Coração de Maria, Virgem Imaculada, com a missão ainda existe hoje, embora em instalações novas. Em
de “continuar a Obra de Jesus Cristo”, assumindo 1910, as Religiosas espalharam-se pelos outros países
“todos os trabalhos que possam contribuir para a onde já havia casas e, em 1912, foi aberto um
glória de Deus e a salvação das almas”, segundo as colégio em Tuy com algumas religiosas e mais de
primeiras Constituições de 1850 (de Direito 60 alunas internas vindas dos colégios portugueses
Diocesano). Em 1899, as Constituições são aprovadas que, entretanto, fecharam. Um grupo foi para o
pela Santa Sé, já depois da morte do P.e Gailhac, Brasil, onde fundou uma nova província. A partir de
explicitando que se trata de uma congregação 1920 reabriram-se alguns colégios e abriram-se
religiosa “dedicada à educação cristã das meninas outros, assim como lares e patronatos. Colégios:
nos seus colégios, externatos, orfanatos e escolas Espinho (1920); Braga (1921); Porto (1926), embora
Apollonie Cure, Mère Saint-Jean, Co-Fundadora (I)
gratuitas” (Const. 1899). A última revisão das nunca tenha fechado totalmente; Guarda (1927);
Constituições (1983) diz que a sua missão “é Aveiro (1928); Guimarães (1932); Penafiel (1934);
A Igreja Católica em França atravessa um período conhecer a Deus e torná-lo conhecido, amar a Deus Lisboa (1941); Fátima (1951); Portalegre (1955); e
de forte divisão: a “Igreja constitucional” (galicana) e fazê-lo amado, proclamar que Jesus Cristo veio Covilhã (1963). Lares: Lisboa e Guarda (1934);
e a “Igreja refractária” (ultramontana), uma com para que todos tenham vida e que se expressa numa Coimbra (1936); Braga (1944); Viseu (1953);
clero que jura a Constituição Civil do Clero e a outra diversidade de ministérios (Const. 7), ao serviço da Portalegre (1962); e Guimarães (1966). Patronatos:
com clero que não jura, conotado, por isso, como justiça evangélica” (cf. Const. 8). Guarda (1928); Lamego (1933); Penafiel (1934);
refractário e ligado a Roma. Mas é também uma A ausência de ensino público para raparigas, por Évora (1936); Braga (1937); e Guimarães (1944).
época de renovação eclesial, principalmente no um lado, e a necessidade de recursos financeiros Depois do Concílio Vaticano II, a Congregação
campo das obras de misericórdia para fazer face aos para a manutenção do Refúgio e Orfanato, por diversifica a sua acção, não só em meios urbanos
problemas sociais. A Lei de 1825 proporciona o outro, levou o grupo inicial a abrir uma escola para como em zonas rurais. Fecha a maior parte dos
aparecimento de congregações francesas por todo as filhas das classes mais abastadas, também com colégios, existindo, actualmente, apenas três, em
o país, assumindo instituições de saúde, assistência o objectivo de formar elites católicas. Depressa se Lisboa, Porto e Fátima. Na década de 70, em
e educação. Neste contexto, o P.e Gailhac, nascido espalhou a notícia e, em 1951, surgem as primeiras substituição dos patronatos, é criada a Obra Social
em Béziers, uma pequena cidade do Sul de França vocações irlandesas que terão um papel prepon- do Sagrado Coração de Maria com dois equi-
(1802-1890), frequentou o Seminário de Montpéllier derante neste campo, proporcionando, ao mesmo pamentos, Braga e Guimarães, cada um com as

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS REPARADORAS DE FÁTIMA

valências de creche, educação pré-escolar e Tem como distintivo, não um hábito, mas uma cruz Coração de Maria, 2 vols., s.l., Ed. RSCM, 1994 e
actividades de tempos livres (ATL). Em finais dos com a seguinte expressão gravada: Ut Vitam habeant. 1997; GAILHAC, P.e Jean, La Vie Religieuse, Lille, SILIC,
anos 90, abriu mais um equipamento com a valência O meio de sustentação é o trabalho de cada religiosa, 1937; MARQUES, A. H. de Oliveira, History of Portugal,
de Centro de Acolhimento Temporário (CAT), para cujo salário ou remuneração pertence à comunidade 2.ª ed., 2 vols, New York, Columbia University Press,
crianças dos 0 aos 12 anos, em regime de internato. que, em conjunto, faz face a todas as despesas 1976; MAYMARD, Henri Victor, R. P. Gailhac… Sa Vie
Muitas irmãs trabalham em centros sociais perten- necessárias das que auferem um salário, assim como et Ses Œuvres, Béziers, Librairie Bénézech-Roques,
centes a entidades particulares de bairros suburbanos das que não auferem, devido à idade, saúde ou 1895; M ILLIGAN , Mary, Para que Tenham Vida,
e aldeias, colaboram também na pastoral paroquial trabalho gratuito a tempo inteiro. Constituem lugares Coimbra, Ed. RSCM, 1982; Por Caminhos Não
e leccionam em escolas públicas. de referência a Casa-Mãe, em Béziers, e a Casa Andados: Sessenta Anos de História 1871-1931, 2
A chamada Província Portuguesa tem, actualmente, Generalícia, em Roma. vols., Lisboa, Ed. RSCM, 1970; PRIVAT, Maurice, Sacré
318 religiosas, que vivem nas 39 comunidades A partir de 13 de Novembro de 2004, está ligada Coeur de Marie… Notre Histoire…, Béziers, s.n.,
existentes em Portugal e numa no Mali. No mundo, oficialmente ao Instituto, com Estatutos próprios, a 1970; S AMPAIO , Rosa do Carmo, rscm, Uma
são 886, presentes em França, Irlanda, Portugal, Família Alargada do Sagrado Coração de Maria, Caminhada na Fé e no Tempo: A História das
Reino Unido, EUA, México, Brasil, Moçambique, agregando leigos que aderem à espiritualidade do Religiosas do Sagrado Coração de Maria 1, Braga,
Zâmbia, Zimbabwe, Mali e Itália. Instituto. Ed. RSCM, 1990.

MARIA JULIETA DIAS

REPARADORAS DE FÁTIMA
A Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa
Senhora das Dores de Fátima foi fundada pelo
P. e Manuel Nunes Formigão, por decisão do XII
Capítulo Geral da Congregação, homologada por
Decreto do Bispo de Leiria-Fátima, a 6 de Janeiro de
2010. O Instituto adoptou o nome de Congregação
das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima.

Distintivo das Religiosas do Sagrado Coração de Maria (I)

O Instituto é governado por uma Superiora Geral,


eleita em Capítulo Geral, por Superioras Provinciais,
nomeadas pela Superiora Geral depois de consulta
à respectiva Província, e por Coordenadoras Locais, Imagem do Imaculado Coração de Maria (SMA)
nomeadas pela Superiora Provincial. A Superiora
Geral é assistida por, pelo menos, duas Conselheiras, Pode ser identificado pelas siglas: IRSCM (Instituto
eleitas em Capítulo Geral, e as Superioras Provinciais, das Religiosas do Sagrado Coração de Maria) ou,
por Conselheiras, nomeadas pela Provincial depois simplesmente, RSCM (Religiosas do Sagrado Coração
de consulta à Província. Até 24 de Fevereiro de 2008, de Maria). Ultimamente, existe a da Família Alargada:
cada Província tinha uma casa de formação, o FASCM (Família Alargada do Sagrado Coração de
Noviciado, onde as candidatas passavam dois anos Maria).
sob a responsabilidade de uma irmã, nomeada
expressamente pela Superiora Geral, para transmitir BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato, História da Igreja
aos membros mais novos o espírito do Instituto e em Portugal, vol. III, Porto-Lisboa, Livraria Civilização,
acompanhar o seu crescimento na vida e missão do 1970; AUBERT, Roger, “Jean Gailhac”, in Dictionnaire
mesmo (Const. 60). A partir desta data, há apenas d’Histoire et Géographie Ecclésiastiques, vol. XIX,
um Noviciado para todo o Instituto, localizado em Paris, Letouzey et Ané, 1981, pp. 672-673;
Estátua do Fundador no átrio da Casa de N. Sr.ª das Dores,
Belo Horizonte, no Brasil. Uma equipa internacional C ARVALHAES , M. de Chantal, rscm, Vidas Vivas,
em Fátima (SMA)
é responsável por esta primeira etapa de formação, Coimbra, Ed. RSCM, 1948; CONNELL, Kathleen, rscm,
de modo a proporcionar, desde o início, uma vivência Uma Caminhada na Fé e no Tempo: A História das
intercultural, experimentando, no quotidiano, que Religiosas do Sagrado Coração de Maria, 2, O P.e Manuel Nunes Formigão, nasceu a 1 Janeiro
as diferenças podem ser uma fonte de riqueza. Braga, Ed. RSCM, 1995; Écrits du Père Gailhac, de 1883, em Tomar, e faleceu a 30 de Janeiro de
O Centro Provincial encontra-se na R. Fr. Tomé de Prêtre du Diocèse de Montpellier: Montispessulan 1958, em Fátima. Foi baptizado a 18 Fevereiro de
Jesus, n.º 12, em Lisboa. É regido por Constituições Beatificationis, 13 vols., Montpellier, s.n., 1949; 1883, sendo seus pais Manuel Nunes Formigão,
aprovadas pela Santa Sé e qualquer alteração tem Escritos do Padre Gibbal Relativos ao Padre Gailhac, Segundo Sargento de Infantaria, e D. Maria da
de ser decidida em Capítulo Geral, entrando em Redações A, B, C, D e folhas dispersas, s.l., s.n., Piedade Mendes Dias, que na altura do seu nasci-
vigor depois de aprovação específica da Santa Sé. s.d.; GAILHAC, P.e Jean, Cartas às Religiosas do Sagrado mento habitavam no Convento de Cristo em Tomar,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS REPARADORAS DE FÁTIMA

na ala destinada a residência dos oficiais do Exército. nas Dioceses de Lisboa, Bragança (1934-1943), Évora e sacerdotes e, por fim, da Congregação que ele
Teve dois irmãos: Artur e Maria Antónia. (1943-1944), Porto (1944-1954), Leiria. Nas três fundou. Toda a sua criatividade pastoral desenrolou-
O local do nascimento não ficará esquecido na vida primeiras desenvolveu o seu apostolado na formação -se na Igreja e com a Igreja.
do P.e Manuel Formigão: evocava muitas vezes o de seminaristas, tendo sido Reitor dos Seminários O fenómeno de Fátima vai surpreendê-lo e alterar
convento e por sua inspiração se deixava guiar para de Bragança e de Évora. a sua vida. Vejamos o que ele descreve numa
tomadas de posição em favor dos genuínos valores “Homem de Deus” é a expressão utilizada por vários carta ao Cardeal Cerejeira: “De 13 de Maio a 13
da pátria portuguesa. bispos (Patriarca de Lisboa, Arcebispo de Évora, Bispo de Outubro de 1917 verificaram-se as aparições de
A partir de 1895-1896, Manuel Formigão vai iniciar de Bragança, Bispo de Leiria), sacerdotes e leigos Fátima. A princípio não acreditava na sua sobre-
um percurso, bastante positivo, no estudo, na para definir a figura do P.e Formigão. “Homem de naturalidade nem na sua realidade. Lourdes enchia-
formação, na espiritualidade, nos seminários do Deus”, não por ser unicamente uma “boa pessoa”, -me a alma e o coração. Não havia numa e noutro
Patriarcado, que culminará na ordenação presbiteral mas porque se deixava plasmar pela santidade. o mais pequeno espaço para Fátima. Todo o meu
em 4 Abril 1908, na Cidade Eterna. Em Outubro de O reputado P.e Joaquín María Alonso, na biografia empenho era provar a inanidade das aparições
1903, terminado o curso de Teologia, chegará a que escreveu – O Dr. Formigão-Homem de Deus e anunciadas pelos pastorinhos da Serra d’Aire. Mas
Roma, mandado pelo seu Bispo, o Cardeal Patriarca Apóstolo de Fátima – atesta essa realidade: “Mas isso obrigou-me a estudar de perto os acontecimentos
D. José Sebastião Neto, a fim de se especializar em o Senhor Cónego Nunes Formigão foi, antes de que se desenrolaram na Cova da Iria e esse estudo
Teologia e Direito Canónico na Universidade tudo, um Homem de Deus. A vida exemplar de acabou por me convencer da sinceridade dos videntes
Gregoriana. Com sucesso, obtém, a 13 Julho de seminarista; de universitário estudioso e atento na e da verdade das suas afirmações. Entendi a partir
1906, a láurea em Direito Canónico e, a 4 de Julho Alma Roma; de sacerdote cheio de zelo pelas almas desse momento que o meu dever era substituir a
1909, o doutoramento em Teologia. no mais variado e intenso labor apostólico; a sua posição de Lourdes pela posição de Fátima. Tinha
Terminados os estudos, o P.e Formigão regressa a dedicação sem desmentido à Santa Igreja, que amou como certo ser esse o desejo de Nossa Senhora”.
Portugal, com uma paragem de algum tempo em entranhadamente e o levou a sacrificar-se física e O P.e Formigão foi progressivamente entrando no
Lourdes, por cujo santuário mariano nutria veneração, materialmente quando chamado a servi-la; a visão seu espírito e aceitando a mensagem da Virgem
prestando aí os mais variados serviços. Queria divulgar sobrenatural dos problemas da hora em que viveu Santíssima. A 13 de Setembro de 1917, visitou Fátima
mais em Portugal a mensagem das aparições de e trabalhou – hora das mais difíceis e cruciantes por pela primeira vez, movido mais pela curiosidade e
Lourdes, o que depois não vai acontecer, por causa que passou a Causa de Deus na nossa Terra – só vontade de desmitificar o que então sucedia. Tendo
das aparições de Fátima. podem ter uma explicação: é que o Senhor Cónego todavia estudado de perto os acontecimentos, chegou
Aí passou todo o mês de Agosto como sacerdote Formigão era um Homem de Deus. Parece-me ser à conclusão de que as aparições eram autênticas,
servita, empenhando-se em vários serviços: liturgia, esta a nota característica que explica todo o seu tornando-se em seguida um grande defensor de
acompanhamento de peregrinos, assistência aos longo caminhar” (ALONSO, O Dr. Formigão, p. 446). Fátima. Mais tarde, foi apelidado de “quarto vidente
doentes, serviço de maqueiro, entre outros. Para ele O seu intenso amor à Igreja e a sensibilidade eclesial de Fátima”. O seu primeiro artigo, assinado a 14
foi um dos melhores estágios da sua vida, tanto a para a interpretação e aceitação de determinadas de Setembro de 1918, intitulava-se “Lourdes e
nível espiritual, enquanto experiência de Deus na situações são uma constante na vida deste sacerdote. Fátima”.
oração e contemplação, como de trabalho pastoral O respeito pela liturgia, em especial na celebração O diálogo intensivo e objectivo com os pastorinhos,
e caritativo. da Eucaristia, a obediência ao papa e aos bispos, a a presença no local das aparições, as incumbências
Chegado a Portugal, pôs-se logo à disposição do começar pelo pastor da própria diocese, o rigor com
seu novo Patriarca, o Sr. Cardeal D. António Mendes que cumpria as ordens dos seus superiores, a entrega
Belo. É nomeado professor no Seminário Patriarcal total às diversas responsabilidades que lhe foram
de Santarém, onde lecciona Teologia e outras confiadas, dentro e fora da diocese, são um exemplo
cadeiras. de como se deve servir a Igreja, sem pretensão de
Professor supranumerário do Liceu Sá da Bandeira, protagonismo pessoal e sem espírito de crítica
em Santarém, entre 1918 e 1929, desempenhou a destrutiva. Ele não abdicou da sua capacidade de
sua missão com grande competência, granjeando reflexão, mas soube distinguir a posição da Igreja
simpatias e admiração por parte de colegas e alunos. das suas opiniões pessoais.
Aqui, dedica-se à prática efectiva da caridade, à O seu apostolado foi diversificado e variado. Para
recristianização da juventude e à direcção espiritual. além do já referido, pense-se na originalidade ao
As aparições de Fátima vão marcar a vida do criar a famosa Associação Nun’Álvares para jovens
P.e Formigão, pois começa a interessar-se por elas a do liceu e da Escola de Regentes Agrícolas de
13 de Setembro de 1917, aquando da quinta Santarém, precursora da Acção Católica. Quis ele,
aparição, estando presente de forma discreta, talvez assim, revitalizar o espírito patriótico e católico,
por incumbência oficiosa, e até com uma atitude inflamar a juventude, dar-lhe uma verdadeira
algo céptica. No contacto com os pastorinhos e na instrução de valores, construir personalidades para
reflexão pessoal que irá operar-se em si, mudará de a vida. O seu apostolado estende-se ainda aos
opinião e tornar-se-á no grande “Apóstolo de doentes, aos mais pobres, aos marginalizados,
Fátima”. Houve até quem o chamasse de “quarto ajudando também alguns colegas sacerdotes que
vidente de Fátima”. Os interrogatórios feitos aos precisavam de apoio económico.
pastorinhos, os seus escritos e a acção na comissão Apostolado/oração, sempre um binómio que forma
nomeada a 3 de Maio 1922 para o respectivo uma unidade. Interpelado pelas situações difíceis do
processo canónico vão ser decisivos para a aprovação tempo em que vivia, o P.e Formigão teve intuições
eclesiástica, a 13 de Outubro de 1930. pastorais que o levaram a estar mais próximo dos
O P.e Formigão desenvolverá o ministério sacerdotal jovens, dos pobres, dos doentes, dos seminaristas Casa Cónego Formigão, Fátima (AJ)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS REPARADORAS DE FÁTIMA

recebidas da autoridade eclesiástica, sobretudo a cuida e ama o próprio Jesus Cristo” (Const., cap. I).
sua nomeação para a comissão canónica para o As Religiosas realizam a sua vocação reparadora nos
estudo dos acontecimentos, a vivência da mensagem locais onde vivem e trabalham, seja em obras de
e a sua divulgação, as várias iniciativas tomadas, educação e assistência aos mais pobres e neces-
fizeram dele o “Apóstolo de Fátima”. O seu papel sitados, seja em serviço directo de evangelização.
foi fundamental para a aprovação das aparições pela No Santuário de Fátima, a que se sentem particu-
autoridade eclesiástica diocesana a 13 de Outubro larmente ligadas, colaboram em diversas actividades:
de 1930. “Notabilíssima foi a sua acção em favor no movimento da mensagem de Fátima, na pastoral
de Fátima: sem ele, Fátima não seria o que é presen- dos doentes, no acolhimento aos peregrinos, na
temente”, diria mais tarde o Sr. Cardeal Patriarca, adoração com crianças, e na adoração perpétua no
D. António Ribeiro. Sagrado Lausperene, iniciada a 1 de Janeiro de 1960
Fundou ainda a Obra Reparadora de Fátima, uma e que ainda hoje mantêm.
associação de leigos e leigas para viverem a espiri- Porém, a actividade e missão da Congregação não
tualidade reparadora e eucarística da Mensagem de se restringe à Diocese de Leiria-Fátima, mais propria-
Fátima, grupo esse que congrega muitas pessoas de mente à Cova da Iria, pois tem casas em diversas
todo o país. dioceses do país – Leiria-Fátima, Porto, Braga,
Embora o P.e Formigão afirmasse repetidamente que Bragança-Miranda, Lisboa –, onde se dedica à
Revista Stella, publicação das Reparadoras de Fátima (I)
não era o Fundador da Congregação das Religiosas evangelização. A sua acção estende-se a crianças,
Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima jovens e idosos, em creches, jardins de infância,
(o que é natural, atendendo à sua humildade), Obra (1931), O que é Fátima (1936), Fé e Pátria (1936), internatos para crianças e jovens necessitados de
iniciada por ele a 6 de Janeiro de 1926, certo é que Paráfrase da Ladainha Lauretana (sonetos escritos apoio moral, afectivo e assistencial, lares e centros
ele foi o grande inspirador e impulsionador do de 1936 a 1949). de dia.
Instituto, apesar da colaboração de outras pessoas. Pela imprensa, o P.e Manuel Formigão exercia um
As Constituições da Congregação foram aprovadas grande apostolado: transmitia a Fé e fomentava o
a 11 de Abril de 1949 pela Sagrada Congregação espírito cristão e cultural entre os leitores. A revista
dos Religiosos. A 15 de Agosto de 1949, o Bispo Stella e o Almanaque ainda hoje existem e estão a
de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, decretou a cargo das Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora
erecção canónica da Congregação e determinou que das Dores de Fátima.
as primeiras profissões se realizassem no dia 22 No dia 15 de Setembro 2001, Festa de N. Sr.a das
desse mês, festa litúrgica do Imaculado Coração de Dores, deu-se início, em Fátima, nas instalações da
Maria, cerimónia que decorreu na Basílica do Cúria Geral das Irmãs Reparadoras, à abertura solene
Santuário de Fátima. do processo de canonização do Servo de Deus,
Um sacerdote que bebeu o espírito evangélico da P.e Manuel Nunes Formigão. A 16 Abril 2005, no
mensagem da Senhora de Fátima sentia-se “obri- mesmo local, o Bispo de Leiria-Fátima encerrou o
gado” a incutir uma dimensão reparadora e euca- processo diocesano, tendo seguido para Roma toda
rística à nova fundação. A participação na Eucaristia, a documentação. A 28 de Outubro 2005, o Cardeal
na celebração da missa e na adoração ao Santíssimo José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para
Sacramento, é o pilar da sua espiritualidade. as Causas dos Santos, decretava a validade do
O P.e Formigão achava que a Obra da Reparação em processo, isto é, tudo estava conforme ao Direito
Portugal só estaria completa com a criação de uma Canónico. As Constituições da Congregação apre-
A Ir. Eva e a Ir. Ana da Conceição, religiosas reparadoras
congregação masculina. Elaborou os Estatutos do sentam logo no início a intenção do seu Fundador de Fátima na Casa de N. Sr.ª das Dores, em Fátima (SMA)
novo Instituto Missionário Reparador, enviou-os para e a sua resposta ao pedido de Nossa Senhora,
Roma em 1950, tendo recebido encorajamento e enviado através de Jacinta: “A Congregação das
estímulo para os executar. Esse projecto nunca Religiosas Reparadoras de Nossa Senhora das Dores Correspondendo a um desejo antigo do Fundador
chegou a concretizar-se. de Fátima teve a sua origem na resposta do e da Congregação, iniciou-se o apostolado nas
É plurifacetada a sua actividade literária: escreveu venerando Fundador, Pe Manuel Nunes Formigão, missões Ad Gentes, na Diocese de Lichinga,
crónicas, artigos para jornais e revistas, foi fundador ao pedido de reparação de Nossa Senhora, trans- Moçambique, desde 2001. Na sequência das decisões
da revista Stella (1 Janeiro 1937), do Mensageiro de mitido particularmente pela Jacinta: ‘É preciso que do XI Capítulo Geral, ocorrido em Junho de 2005,
Bragança (1 Janeiro 1940), do Almanaque de Nossa haja quem faça reparação’. Tem por fim especial que renovou o incentivo à vida missionária fora de
Senhora de Fátima (1942), colaborador insigne da reparar as ofensas que se cometem contra Deus e Portugal, a Congregação abriu uma missão na
Voz da Fátima. o Seu Amor para com os homens, promovendo de Diocese de Benguela, Angola, para onde partiram
De Setembro 1918 a Maio 1922 escreveu uma série modo particular o culto e as riquezas da Eucaristia, três irmãs no dia 30 de Março de 2006.
de artigos, sob os títulos “Os Episódios de Fátima” o amor e devoção à Mãe de Deus e obras de O mesmo Capítulo Geral decidiu que se iniciasse o
e “O Atentado de Fátima”, sobre as aparições de evangelização, atraindo assim graças de misericórdia processo em ordem à passagem da Congregação a
Nossa Senhora em Fátima. e perdão” (cap. I, Contituições de 1994). Direito Pontifício, pois tem-se mantido na confi-
O seu primeiro livro, Os Episódios Maravilhosos de A Eucaristia é central na vida das Reparadoras: “A guração jurídica de Direito Diocesano.
Fátima, impresso a 19 Maio 1921, descreve as Eucaristia e a adoração a Jesus Sacramentado são As Religiosas vestem hábito de cor azul.
aparições de Fátima. Outras obras de referência são: fontes onde a Reparadora de Fátima aufere luz, força A Congregação, que conta neste momento com
As Grandes Maravilhas de Fátima (Março 1928), e coragem necessárias para viver a sua entrega cerca de 90 religiosas, tem a sua Casa-Mãe na Casa
Fátima, Paraíso na Terra (1930), A Pérola de Portugal generosa em amor a todos os irmãos, onde sente, N. Sr.a das Dores (R. Francisco Marto, Fátima) e a

510
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS REPARADORAS MISSIONÁRIAS DA SANTA FACE

Cúria Geral na Casa Cónego Formigão (R. de S.to seguindo uma dinâmica própria de formação. Estavam esboçados os princípios de uma nova
António, n.º 71, Fátima). Tem um site disponível na Anualmente, realiza-se uma peregrinação ao congregação, cujo pedido de aprovação seria, ainda,
Internet: www.reparadorasfatima.pt. Santuário de Fátima, com religiosas da Congregação, submetido pela própria ao Papa Pio XI, através de
membros da Obra, familiares e benfeitores. D. Teotónio Vieira de Castro, Patriarca de Goa. Era
comunicado ao papa o desejo de fundar uma obra
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Constituições das Religiosas religiosa cujas bases fundamentais eram a expiação
Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima, e o apostolado. O seu pedido seria encaminhado
Fátima, s.n., 1995; ALONSO, Joaquín Maria, O Dr. para o Arcebispo de Braga, que aceita o projecto.
Formigão: Homem de Deus e Apóstolo de Fátima, No entanto, as dificuldades de se tornar realidade
Fátima, [s.n.], 1979; ESTEVES, Maria da Encarnação eram muitas, e o futuro instituto teria de aguardar
V., Apóstolo de Fátima: Cón. Manuel Nunes a sua oficialização. Maria da Conceição decide,
Formigão, Fátima-Braga, A.O., 1993; F ORMIGÃO , então, começar a divulgar o seu ideário através da
Cónego Manuel Nunes, Vida Espiritual: formação de um grupo de pessoas simpatizantes,
Pensamentos, Fátima-Braga, A.O. 1995; FORMIGÃO, enquanto aguardava que o processo de fundação
Cónego Manuel Nunes, Sonetos-Paráfrase da decorresse. A sua espiritualidade era difundida e
Ladainha Lauretana, Lisboa, [s.n.], 1956; PETTINATI, recebida com muito interesse, que contrastava com
G., “Formigão, Manuel Nunes”, in Guerrino Pelliccia, os obstáculos à sua aprovação, que ia sendo adiada,
Giancarlo Rocca (eds.), Dizionario degli Istituti di não obstante uma segunda adesão, pelo Papa Pio
Perfezione, vol. IV, Roma, Ed. Paoline, 1977, XII, em 1951.
Casa-Mãe – Casa de N. Sr.a das Dores, Fátima (AJ)
pp. 145-146; PETTINATI, G., “Riparatrici di Nostra Maria da Conceição Pinto da Rocha não chegaria a
Signora dei Dolori di Fatima”, in Guerrino Pelliccia, ver erigida a Obra, cujas bases doutrinais fundara,
Giancarlo Rocca (eds.), Dizionario degli Istituti di pois a sua doença não o permitiria. Faleceu a 2 de
A Congregação não está dividida em Províncias e Perfezione, vol. VII, Roma, Ed. Paoline, 1983; SILVA, Outubro de 1958, na mesma cidade natal, ainda
Delegações. A autoridade na Congregação é exercida Lúcio Craveiro da, Caminho Espiritual do Padre sem ver realizada aquela sua vontade, mas que viria
de forma extraordinária pelo Capítulo Geral, que Manuel Nunes Formigão, Fátima-Braga, A.O., 1998. a ser realidade.
tem a autoridade suprema. De forma ordinária, o Digital: www.reparadorasfatima.pt. Após a morte da Fundadora, a Obra conhecerá dias
Governo é presidido pela Superiora Geral, eleita em difíceis, de desorientação, devido à ausência de
Capítulo Geral, de acordo com as normas das MANUEL SATURINO COSTA GOMES coordenação e de alguém que representasse os seus
Constituições. O Conselho Geral, formado por quatro interesses e que lhe desse continuidade. Faltava,
irmãs, apoia a Superiora Geral nos termos do Direito sobretudo, o estabelecimento de Regras, mas, no
próprio. Há ainda a Ecónoma e Secretária Gerais, REPARADORAS MISSIONÁRIAS DA SANTA entanto, o essencial mantinha-se: uma mesma
eleitas em Capítulo. O mandato do Governo Geral FACE espiritualidade comungada por pessoas que, pouco
tem a duração de um sexénio, que pode ser renovado A Congregação das Irmãs Reparadoras Missionárias a pouco, tinham surgido em todo o país. Será o
ou não. da Santa Face foi aprovada a 2 de Fevereiro de 1969, irmão de Maria da Conceição que conseguirá, de
As Constituições e o Directório são aprovados em pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves novo, congregar um grupo de discípulas e orientá-
Capítulo Geral, obtendo as primeiras a confirmação Cerejeira, já depois da morte da sua Fundadora, -las segundo aquele modelo de espiritualidade. Em
do Bispo de Leiria-Fátima. Há ainda normas sobre Maria da Conceição Pinto da Rocha. Esta nasceu a 1964, Sebastião Pinto da Rocha, decidindo continuar
a administração dos bens temporais e plano de 16 de Dezembro de 1889, em Viana do Castelo. o trabalho da sua irmã, e com a aprovação do
formação. As Superioras das comunidades são Era uma pessoa simples e com pouca instrução, mas Provincial da Companhia de Jesus, o P. e Lúcio
nomeadas pela Superiora Geral por um período de sentia o apelo para a vida espiritual. A sua espiri- Craveiro, irá continuar as diligências no sentido de
um triénio renovável. tualidade era fundamentada numa vida de reparação obter a formalização e aprovação da Congregação.
Sendo um Instituto de Direito Diocesano, o Bispo e de expiação, diferente do modelo de espiritualidade A primeira casa ficaria situada em Lisboa, na zona
de Leiria-Fátima nomeia um Assistente Eclesiástico oferecido pelas outras congregações. Movida por de Alvalade, onde iriam viver as duas primeiras irmãs,
que assiste a Congregação. esse desejo, decide abraçar a sua vocação e erigir a que se juntaria, também, a antiga empregada de
O P.e Manuel Formigão concebeu uma associação as bases de uma nova ordem religiosa. A sua Obra Maria da Conceição. Em Fevereiro do ano seguinte,
de fiéis, a Obra Reparadora de Fátima (ORF), em será designada, pela própria, de Obra de Reparação, obteriam a aprovação do Cardeal Patriarca, com
resposta aos apelos de Nossa Senhora, dirigidos aos e começará a ser edificada em 1917. Em 1921, autorização para viverem de forma comunitária,
três pastorinhos na Cova da Iria e mais concretamente escreve, com esforço, dada a sua pouca preparação iniciando o Noviciado sob a orientação de uma
a Jacinta. Por circunstâncias alheias à sua vontade, intelectual, o Tratado de Direcção das Almas Vítimas, religiosa do Sagrado Coração de Maria, a Madre
não lhe foi possível implementá-la e difundi-la, como que será a obra lapidar para definir os princípios S. José. Em Agosto de 1965, seriam redigidos os
era seu desejo. doutrinais da sua espiritualidade. Esta obra será Estatutos que levariam à aprovação da Obra como
Os Estatutos da Obra foram aprovados pelo Bispo submetida à apreciação do seu irmão, Sebastião Pia União, sendo erecta canonicamente como
de Leiria-Fátima, a 15 de Dezembro de 1992, e dela Pinto da Rocha, jesuíta, que a apresentará à Instituto em 1969, pelo Cardeal Cerejeira. Era o
fazem parte leigos e leigas que se identificam com Companhia de Jesus. Nesse contexto, receberia o princípio da vida oficial da Congregação, que se
o carisma do P.e Manuel Formigão. Os seus fins são: pedido que escrevesse uma Autobiografia, que daria expandia, anos depois, para Fátima (1973). Ali seria
a difusão e vivência da Mensagem de Fátima; a o título à obra escrita no ano seguinte (1922). instalado o Centro de Formação do Instituto, local
vivência da espiritualidade reparadora; a devoção A sua riqueza de ideias e inspiração espiritual era de Noviciado e de vivência do período de vida
mariana; a participação na acção pastoral da Igreja. tão grande que o seu confessor a entusiasma a contemplativa, próprio de todas as religiosas,
Neste momento está espalhada por vários lugares, continuar a escrever. Assim, e alguns anos depois, orientadas, inicialmente, por uma carmelita descalça,
sobretudo à volta das comunidades da Congregação, estaria concluída a Maternidade Espiritual (1927). Prioresa do Carmelo de Faro. De seguida, e a pedido

511
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SALESIANAS

do Bispo de Viana do Castelo, o Instituto radicar-


-se-ia naquela cidade, sendo a terceira comunidade
da Congregação, que, mais tarde, se alargou a Ponta
Delgada.

Casa Geral das Reparadoras Missionárias da Santa Face,


Lisboa (PCC)
Ir. Maria Lurdes Araújo (JEF) D. Bosco (A)

A espiritualidade da Obra caracteriza-se pela oferta


reparadora e pelo apostolado missionário da Trimestral da Causa da Canonização da Serva de e masculina, recebem os dois sectores juvenis nas
misericórdia, comungando, por estas vias, da obra Deus Maria da Conceição Pinto da Rocha, Viana do instituições educativas da Família Salesiana, prati-
redentora de Jesus. A primeira é vivida de forma Castelo, C.C.S.D.M.C.P.R., 1991-; Irmãs REPARADORAS cando a co-educação.
contemplativa, tendo como base a Oração; a MISSIONÁRIAS DA SANTA FACE, A Semente, Braga, A.O., Como facilmente se pode reconhecer, o carisma
segunda, pela vida activa de assistência aos mais s.d.; PEDROSO, Dário, A Semente Escondida, Braga, salesiano feminino é similar ao masculino, sendo as
necessitados e de promoção espiritual de todos os A.O., 1994; ROCHA, Maria da Conceição Pinto da, linhas de força iniciais a promoção de obras
que o desejarem. O seu carisma fundamenta-se na A Reparação Expiadora: Autobiografia da Fundadora, assistenciais, suprindo dificuldades da juventude
ideia “do amor de compaixão de ver a Deus ofendido Lisboa, Reparadoras Missionárias da Santa Face, feminina mais carenciada; o espírito de missão, que
e a humanidade perder-se, longe d’Ele, vivendo num 1967; VIEIRA, Maria do Pilar S., “Irmãs Reparadoras se concretizou em Portugal e que se manifestou,
anseio de atrair o mundo para Deus e a todos recon- Missionárias da Santa Face”, in Carlos Moreira entre outras acções, na constituição da actual
duzir a Ele, comungando os mesmos sentimentos Azevedo (dir.), Dicionário de História Religiosa de Província Moçambicana de S. João Bosco; e o
do Coração de Jesus”. Portugal, vol. C-I, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro empenho nas actividades de cunho pastoral e
Actualmente, o Instituto é composto por duas secções: de Estudos de História Religiosa da Universidade catequético, consubstanciado na divisa “educar
as Religiosas e as Agregadas. As primeiras são cerca Católica Portuguesa, 2000, pp. 473-474. evangelizando e evangelizar educando”. Sendo uma
de 16 (2002), espalhadas pelas comunidades de Congregação vocacionada para o ensino, é esse
Lisboa, Fátima, Viana do Castelo e Ponta Delgada. ISABEL BALTAZAR trabalho profissional que garante os meios econó-
As Agregadas são as leigas, unidas à Obra por um micos de sustentação do Instituto.
compromisso espiritual e que se obrigam a viver, na Maria Domingas Mazzarello, nascida a 9 de Maio
família e na sociedade, segundo o espírito e as SALESIANAS de 1837, foi a primeira Superiora, mas referia que
normas das Reparadoras Missionárias da Santa Face. Esta Congregação feminina, denominada Instituto a verdadeira Superiora era Nossa Senhora. Os seus
Assumem, ainda, o carisma da Congregação e reali- das Filhas de Maria Auxiliadora, é de forma mais pais eram agricultores, sendo ela a mais velha de
zam a sua missão pelo apostolado missionário da corrente designada por Salesianas e identificada dez irmãos. O pai era um homem piedoso que
misericórdia, nos lugares onde vivem. Há, ainda, pelas iniciais FMA. O Instituto foi fundado a 5 de influenciou decisivamente a sua personalidade. Maín,
grande número de pessoas ligadas ao Instituto apenas Agosto de 1872, pelo P.e João Bosco, tendo por Co- como era carinhosamente tratada por familiares e
pela oração: são os Adoradores. Estes últimos par- -Fundadora Maria Domingas Mazzarello. A fundação amigos, trabalhava no campo, revelava grande
tilham do mesmo espírito de Oração e Reparação, ocorreu em Mornese, aldeia situada no Piemonte, amor à Sagrada Eucaristia e pertencia às Filhas
pela Adoração Eucarística no primeiro domingo de na Itália, onde S.ta Maria Mazzarello vivia. S. João da Imaculada, grupo de leigas fundado pelo
cada mês. Nela podem participar todos os que o Bosco nasceu em 1815 e faleceu em 1888. Foi P.e Pestarino. Em 1860 ocorreu uma violenta epidemia
desejarem, muito particularmente os doentes, que ordenado Sacerdote em 1841 e, em 1859, fundou de tifo e Maria, ao cuidar de alguns familiares,
são convidados a oferecerem o seu sofrimento pela a Sociedade de São Francisco de Sales, congregação contraiu a doença, que a deixou incapaz de continuar
reparação missionária. Uma circular com as orien- masculina sinteticamente designada por Salesianos, a trabalhar no campo. Entretanto, Petronila, uma
tações propostas e a intenção da oração do mês palavra que vertida no feminino transitou para as amiga de Maria Mazzarello, aprendeu costura e
serve de ligação entre todos. FMA, bem como o seu ideário específico e inicial, resolveram abrir um ateliê, onde também ensinavam
do qual se destaca a educação da juventude, espe- catequese, incentivando as aprendizas a ganharem
BIBLIOGRAFIA: A BRANCHES , Juvenal, D. Maria da cialmente de condição social menos favorecida, a vida honestamente. Começaram a chegar pedidos
Conceição Pinto da Rocha, Braga, A.O., 1992; consagrando-se, sobretudo nos primeiros 100 anos, para receberem meninas órfãs e surgiu, assim, o
Anuário Católico de Portugal 2007, [Lisboa], ao ensino de artes e ofícios. Nos anos 50 do séc. primeiro internato. Anteriormente, o P.e João Bosco
Secretariado Geral da Conferência Episcopal XX, passaram a dedicar-se principalmente ao ensino fundara, em Turim, uma obra para rapazes e o papa
Portuguesa, 2007, p. 989; Grão de Trigo: Boletim liceal. Actualmente ambas as congregações, feminina intimou-o a fazer pelas raparigas o que já fazia pelos

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SALESIANAS

jovens do sexo masculino. Numa viagem de comboio, de Ciências da Educação Auxilium, em Roma. No
D. Bosco encontrou o P.e Pestarino e, ao trocarem ano 2000, foi editado para todo o Instituto o Projecto
impressões sobre o trabalho em favor da juventude, Formativo, que faculta orientações para a formação
João Bosco foi convidado a visitar Mornese. Ao das irmãs, valorizando e pondo em prática a for-
entrar em contacto com Maria Mazzarello e suas mação contínua e não apenas a inicial.
colegas, compreendeu que eram estas as raízes que Foi o Arcebispo de Évora, o Servo de Deus D. Manuel
fariam iniciar o trabalho em prol da juventude Mendes da Conceição Santos, quem se empenhou
feminina. Maria Mazzarello faleceu a 14 de Maio no estabelecimento das Salesianas em Portugal, o
de 1881 e foi canonizada em 1951. que ocorreu em Janeiro de 1940. Foram cinco as
irmãs fundadoras, todas de origem italiana: a Ir. Rina
Fasola, a Ir. Guilhermina Polo, a Ir. Adele Rabolini,
a Ir. Josefina Cerruti e a Ir. Natalina Corno. Em Imagem de S. João Bosco, perto do Colégio

primeiro lugar, dedicaram-se à direcção da Casa Pia dos Salesianos de Lisboa (JEF)

Feminina de Évora e, a 17 de Abril de 1943, passaram


igualmente a trabalhar na “Secção 28 de Maio” da (Estoril) e em Paranhos da Beira; e 2 presenças
Casa Pia de Lisboa, localizada no Monte da Caparica. pastorais em Ponte de Vagos e Paderne.
A primeira salesiana portuguesa foi a Ir. Arminda A Associação de Antigas Alunas, a Associação de
Alves. Entretanto, foram surgindo novas fundações Cooperadores Salesianos e a Associação de Maria
em Setúbal, em 1947, Freixedas, no mesmo ano, Auxiliadora, animadas por irmãs delegadas, não
Golegã e Porto, em 1951, e em Aguda, em 1952, e sendo organismos directamente fundados pelas
estiveram ainda em funcionamento três obras que Salesianas, constituem associações de leigos perten-
vieram a encerrar: Vila Seca, em Poiares da Régua, centes à Família Salesiana que conservam e desen-
Instituto Condessa de Rilvas, em Lisboa, e o Hospital volvem essa espiritualidade específica e funcionam
de Pinhel. Em 1952, foram enviadas as primeiras nas casas do Instituto.
missionárias para Moçambique e no ano seguinte No início dos anos 50 do séc. XX, quatro salesianas,
abriu-se no Estoril a Casa Provincial. três portuguesas e uma italiana pertencentes à
S.ta Maria Mazzarello (A)
As casas das Salesianas em Portugal e em Província Portuguesa, ainda em fase de separação
Moçambique estiveram agregadas à Província da Província de Madrid, foram as primeiras missio-
Presentemente, o Instituto das Filhas de Maria madrilena de S.ta Teresa durante 14 anos. Contudo, nárias do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora
Auxiliadora conta com 14 900 religiosas, 1533 casas no Ano Mariano de 1954, centenário da proclamação destinadas a Moçambique competindo-lhes a gestão
e 79 províncias, distribuídas por 90 nações. Desde do dogma da Imaculada Conceição, foi erigida a de uma obra assistencial: o Instituto João de Deus
1969 que a sede, a Casa Geral, se situa em Roma. Província Portuguesa dedicada a N. Sr.a de Fátima, da Namaacha. Essas quatro pioneiras foram a
No topo da organização hierárquica do Governo com sede no Monte Estoril, onde se instituiu Ir. Carla Bajetta, a Ir. Francelina Pinho, a Ir. Maria
Geral encontra-se a Madre Geral, estando igualmente o Noviciado. Estabelecida a Província Dolorinda Ferreira e a Ir. Palmira Fonseca. Tal como
actualmente em funções a Madre Antónia Colombo, Portuguesa N. Sr.a de Fátima das Filhas de Maria a congregação masculina, chegaram a Moçambique
de origem italiana. Esta é eleita pelas Irmãs Auxiliadora, deu-se a consolidação e expansão das em 24 de Setembro de 1952, tendo o grupo sido
Representativas em Assembleia Capitular, que reúne Salesianas em Portugal. Abriram-se alguns lares, dois reforçado a 8 de Novembro do mesmo ano pelas Irs.
de 6 em 6 anos, só podendo ser reeleita uma vez. colégios liceais (um no Estoril e outro em Vendas Caterina Schiavi e Maria Isabel Coutinho. Em 1963
A Madre Geral constitui para as Salesianas vínculo Novas), várias escolas primárias em Cascais, Porto, foi-lhe confiada a missão da Macomia e em 1964
de comunhão e centro de unidade, sendo auxiliada Setúbal e Viana do Castelo, seis escolas infantis e, tomaram a cargo a Casa Maria Auxiliadora na actual
por Conselheiras que desempenham tarefas con- a partir de 1955, as Salesianas trabalharam cidade de Pemba, capital de distrito. Em sinal de
cretas. Mensalmente, envia às Irmãs uma circular igualmente no Hospital do Barreiro. Promoveram, gratidão e alegria, o bispo atribuiu o orago de Maria
que ajuda a afiançar a fidelidade e a aprofundar o também, actividades de tipo profissional: cursos Auxiliadora à segunda igreja edificada na cidade,
espírito específico dos Fundadores. No topo do diurnos e nocturnos de corte e costura, bordados, sendo a primeira vez que tal facto ocorreu no con-
Governo Provincial encontra-se a Provincial, que, dactilografia, entre outros, em cinco externatos tinente africano. O trabalho foi-se desenvolvendo
nomeada pelo Governo Geral, é igualmente coadju- localizados em Cascais, Évora, Freixedas, Golegã e e quando foi proclamada a independência do
vada por um conjunto de Conselheiras. Neste Paranhos da Beira. país estavam no território 61 irmãs da Província
momento, a Provincial portuguesa é a Ir. Rosa Teixeira. Actualmente, as Filhas de Maria Auxiliadora têm a Portuguesa: 44 portuguesas, 9 italianas, 6 espanholas,
As Salesianas regem-se pelas Constituições e seu cargo 15 casas implantadas em oito dioceses, uma irlandesa e uma norte-americana. A partir de
Regulamentos do Instituto das Filhas de Maria trabalhando em 9 escolas infantis em Arcozelo, 1965, o trabalho missionário estendeu-se igualmente
Auxiliadora, documento revisto em 1982. Areosa, Cascais, Bairro do Rosário (igualmente em à África do Sul, nomeadamente a Brentwood-Park,
As etapas de formação de uma Salesiana são as Cascais), Monte Estoril, Paranhos da Beira, Évora, junto da comunidade emigrante.
seguintes: um período de discernimento e orientação Setúbal e Vendas Novas; em 6 escolas do 1.º Ciclo Para a construção da memória histórica, destaca-se,
demorando, normalmente, um ano; o Postulado, em Arcozelo, Viana do Castelo, Cascais, Monte em Portugal, o arquivo que se conserva na sede,
que decorre geralmente durante dez meses; o Estoril, Setúbal e Vendas Novas; em 3 escolas do embora o arquivo mais substancial se encontre em
Noviciado, de dois anos; e a preparação para os 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico: o Externato N. Sr.a Roma. Em todas as casas se escreve anualmente a
votos perpétuos, que se prologa por seis anos. Para do Rosário em Cascais, o Colégio Laura Vicuña em Crónica da Casa, que é enviada para Roma. Quando
um aprofundamento em ciências religiosas e psico- Vendas Novas e o Externato Maria Auxiliadora na falece uma irmã, a Secretária Provincial tem a
-pedagógicas e sociais, o Instituto oferece aos seus Areosa; em 3 internatos: Convento Novo em Évora, responsabilidade de redigir o seu perfil biográfico,
membros e a quem o desejar a Faculdade Pontifícia no Porto e em Setúbal; em 2 centros sociais, na Galiza socorrendo-se de testemunhos das outras irmãs, da

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SCALABRINIANAS

família, de alunos e, de uma forma geral, das pessoas de Teologia no Seminário Fino Mornasco Como, foi acolhimento quer para estrangeiros, deslocados
com as quais conviveu. Essa memória é enviada para ordenado Sacerdote em Maio de 1863, quando internos, refugiados ou exilados. Expandiu-se primei-
a Casa Central, em Roma, editando-se anualmente contava apenas 24 anos de idade. Dotado para falar ramente no Brasil, em seguida na Europa (1936),
os Facciamo Memoria. Das publicações periódicas línguas estrangeiras, chegando também a falar na América do Norte (1941), e, em décadas mais
do Instituto, sobressaem o Jornal da Província, que português, dirigiu-se para Milão com a finalidade recentes, disseminou-se por todo o mundo.
é bimensal, e o News. Publicam-se igualmente outros de ingressar no Pontifício Instituto das Missões Depois do II Concílio do Vaticano e com as novas
volumes, predominando as biografias como exempla. Estrangeiras (PIME), disposto a anunciar o Evangelho condições políticas, constata-se a tendência de criar
Na Província Portuguesa, o hábito é facultativo, às regiões mais distantes. Porém, viu o sonho adiado pequenas comunidades de inserção, realçando o
sendo este de cor cinzenta. ao ser nomeado Vice-Reitor, e depois Reitor, e valor da profissionalização e da formação permanente
O Instituto Filhas de Maria Auxiliadora tem produzido professor de História e de Grego no seminário da dos membros, procurando responder às novas
vários frutos de santidade dos quais se destacam, diocese, onde permaneceu durante sete anos, solicitações que se colocam às congregações de vida
além da sua Fundadora, a Beata Laura do Carmo assumindo com dedicação a missão de formar os activa, nomeadamente na intensificação do trabalho
Vicuña, aluna das Salesianas na Argentina e futuros sacerdotes. Tornou-se, depois, Pároco da junto de populações que sofrem o impacto da migra-
beatificada em 1988, a Madre Madalena Morano, Igreja de S. Bartolomeu, na periferia de Como, onde ção e da integração.
salesiana beatificada em 1994, a Venerável Ir. Teresa os seus talentos para comunicar, nomeadamente A Congregação veio para Portugal em 1982, onde
Pantellini, a Cooperadora Doroteia Chopitea, a Serva com crianças surdas-mudas, para quem preparou criou três comunidades: duas na Diocese de Setúbal,
de Deus Ir. Eusébia Palomino, a Ir. Laura Meozzi, a um Pequeno Catecismo, redigido de acordo com o localizadas em Paivas e na Cova da Piedade, e uma
Ir. Cármen Moreno, a Ir. Amparo Carbonell, Maria método silábico, então considerado uma novidade, na Diocese de Leiria, em Fátima. Como a maioria
Troncatti e Maria Romero Meneses. o levou a ser convidado para um projecto mais vasto dos institutos fundados no séc. XIX, a organização

BIBLIOGRAFIA: Impressa: AGASSO, Doménico, Maria


Mazzarello: O Mandamento da Alegria, Porto, Edições
Salesianas, 1995; ALMEIDA, Fortunato de, História da
Igreja em Portugal, Nova edição preparada e dirigida
Emblema Humilitas (I)
por Damião Peres, 4 vols., Porto-Lisboa, Portucalense
Editora, 1967-1971; ANJOS, Amador, “Salesianos”, in
Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de História de implantação da doutrina cristã nas escolas.
Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, Naquela região do Norte de Itália, os recursos
2001; ANJOS, Amador, Centenário da Obra Salesiana económicos provinham, essencialmente, da indús-
em Portugal 1894-1994, Lisboa, Província Portuguesa tria da seda que os paroquianos laboravam em casa.
da Sociedade Salesiana, 1995; Anuário Católico de A partir de meados do séc. XIX, a transição do Imigrantes brasileiros celebram a Festa de N. Sr.ª Aparecida,
Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da sistema de trabalho artesanal para o industrial Amora, Portugal (I)
Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, pp. 879- provocou uma grave crise de subsistência e as famílias
-880; AZEVEDO, Carlos Moreira de (dir.), História Religiosa empobrecidas viram-se obrigadas a deixar o seu país interna tem um Governo Geral constituído pela
de Portugal, vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores/Centro em busca de melhores condições. Scalabrini, orde- Superiora Geral e o seu Conselho, dos quais depen-
de Estudos de História Religiosa da Universidade nado Bispo da Diocese de Piacenza, Itália, por Pio dem, directa ou indirectamente, as várias casas.
Católica Portuguesa, 2002; BERTETTO, Domingos, Santa IX, em Janeiro de 1876, sendo sensível às carências A Direcção Geral da Congregação das Scalabrinianas,
Maria Domingas Mazzarello, Porto, Edições Salesianas, espirituais e sociais dos migrantes, apelava à com sede na Via Monte del Gallo, em Roma, é com-
1961; BOSCO, Mariano, Laura Vicuña: a Flor dos Andes, intervenção da Igreja na vida pública, tanto nas posta pela Superiora Geral e quatro Conselheiras.
Porto, Edição do Cavaleiro da Imaculada, 1995; LUBICH, conferências que proferia como nas cartas pastorais, Está dividida em seis Províncias, de acordo com a
Gino et alii, A Primeira Sempre!, Estoril, Edição do servindo-se de todos os meios lícitos para encontrar presença numérica das Irmãs e a expansão missio-
Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, s.d. Digital: a justiça. Com o objectivo de prestar assistência aos nária, encontrando-se distribuídas geograficamente
www.cgfmanet.org; www.salesianas-por.net. migrantes, em nome da Igreja, apoiou a formação por todo o mundo, com sedes locais nas cidades de
de Associações de Trabalhadores, Círculos Operários, Piacenza (Itália), S. Paulo, Caxias do Sul, Várzea
SANDRA LEANDRO Caixas Rurais, Caixas de Poupança e Sociedades de Grande e Porto Alegre (Brasil) e Chicago (Estados
Socorro Mútuo. Procurando dar respostas adequadas Unidos da América). A Direcção Provincial, à
aos problemas da mobilidade humana, foram fun-
SCALABRINIANAS dadas as seguintes instituições: Congregação dos
Com o nome oficial de Congregação das Irmãs Missionários de São Carlos (1887), Sociedade de
Missionárias de São Carlos Borromeu (MSCS) e o São Rafael (movimento leigo) e Congregação das
nome comum de Scalabrinianas (mas também Irmãs Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeu (1895).
Missionárias Scalabrinianas), este Instituto de Vida Mais tarde, o carisma scalabriniano passou também
Consagrada foi fundado pelo Beato João Baptista a ser adoptado pelas Missionárias Seculares Scala-
Scalabrini (Como, 08.07.1839 – Piacenza, brinianas (1961) e pelos Leigos Missionários Scala-
01.06.1905), a 25 de Outubro de 1895. S. Carlos brinianos. O Bispo João Baptista Scalabrini foi
Borromeu, exemplo de paciência, constância e beatificado pelo Papa João Paulo II, a 9 de Novembro
caridade na catequese e na intervenção social em de 1997.
favor dos humildes, é o patrono e protector das A principal missão da Congregação das Irmãs
congregações missionárias scalabrinianas. João Missionárias consiste em prestar serviço evangélico
Baptista Scalabrini, após os estudos de Filosofia e e missionário aos migrantes, criando espaços de Governo Geral 2007-2013, Roma-Itália (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA CARIDADE

semelhança da Direcção Geral, é composta por uma da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
Superiora Provincial e por quatro Conselheiras. 1994, p. 105. Digital: www.scalabriniane.org/por/
Procurando responder às exigências actuais, a for- chi_siamo.html.
mação religiosa das Irmãs Missionárias consiste em
várias etapas formativas. A primeira etapa, deno- TERESA AMARO
minada de Aspirantado, é um período de conhe-
cimento mútuo, com duração variável, de acordo
com a candidata; segue-se o Postulantado, durante SERVAS DA CARIDADE
um ou dois anos, em que a postulante conhece o As Servas de Jesus da Caridade são uma
carisma da Instituição e realiza algumas experiências Congregação Religiosa de Vida Consagrada fundada
apostólicas; vem depois o Noviciado, que precede em Bilbao (Biscaia), a 25 de Julho de 1871, por
os votos temporários de pobreza, castidade e obe- Josefa del Corazón de Jesus Sancho de Guerra,
diência, em que a jovem se inicia na vivência dos beatificada a 27 de Setembro de 1992, pelo Papa
mesmos, e que demora cerca de dois anos; o João Paulo II (1978-2005), e canonizada a 1 de
Juniorado, que se prolonga pelo menos por cinco Outubro de 2000, pelo mesmo papa. A Congre-
anos após os votos temporários, até que a irmã gação obteve o Decretum laudis a 31 de Agosto
emite os votos perpétuos. Além disso, a formação de 1880 e a aprovação definitiva pela Santa Sé a
das religiosas é permanente, continuando durante 8 de Janeiro de 1886. Tem por lema e carisma
toda a vida missionária, em comunhão na comu- “Amor e Sacrifício”, que se expressa no serviço
nidade, através de requalificação e de autoformação. aos enfermos, idosos, crianças e, em geral, a todos S.to Inácio de Loyola, azulejo na Casa de Soutelo,
No que concerne ao aspecto económico, as Irmãs quantos sofrem material e espiritualmente. A Con- da Companhia de Jesus (JAM)
Scalabrinianas vivem do próprio trabalho e em gregação usa as iniciais SdeJ e manifesta a sua
comunhão de bens, seguindo o exemplo da primeira inspiração inaciana num emblema com a sigla da
comunidade cristã, onde todos tinham tudo em Companhia de Jesus, circundado pelo lema Cor progresso espiritual dos seus semelhantes”. As
comum. Quanto ao hábito religioso oficial, as Irmãs Jesus Salus Infirmorum. Servas, tal como a sua Fundadora, são devotas do
vestem um conjunto azul-marinho ou preto com A Congregação tem por Fundadora a Beata Maria Sagrado Coração de Jesus, da Virgem Imaculada e
blusa branca, apenas em algumas circunstâncias Josefa del Corazón de Jesus Sancho de Guerra, de S. José. Da Congregação faz parte o Instituto
especiais. nascida na R. Herreria, n.º 82, em Vitória (Espanha), Secular Servas de Jesus, que partilha da espi-
A comunicação entre os membros da Congregação a 7 de Setembro de 1842, filha de Barnabé Sancho ritualidade e do projecto de caridade, e um Noviciado
faz-se através de boletins informativos que circulam e de Petra Guerra. Juntamente com outras duas masculino na Colômbia. Em 2004, contavam 87
internamente, tanto a nível geral como provincial. jovens, fundou a Congregação em que o próprio casas e cerca de 1100 religiosas. Em Espanha,
O Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios nome, Servas de Jesus da Caridade, indicava a sua estavam presentes em Cantábria, Valladolid, Burgos,
(CSEM), sediado em Brasília, mantém um serviço missão: Servas (ao serviço) de Jesus (evangelização) Alava, Leão e Astúrias. Na Europa, encontram-se
permanente de pesquisa e de informação, através da Caridade (apoio material e espiritual) aos seus em Espanha, França e Portugal. Pelas suas caracte-
da publicação de estudos, documentos e notícias semelhantes. A nova Congregação diferenciava-se rísticas próprias de apostolado, a Congregação
relacionados com a acção missionária e a mobilidade das congéneres pela disponibilidade em mitigar o estendeu a sua acção à Argentina, Chile, Colômbia,
humana, particularmente centrados nos jovens, tal sofrimento humano independentemente da condição Cuba, Equador, Filipinas, México, Paraguai, Peru,
como as publicações periódicas e sistemáticas social e económica de quem as procurava, isto é, República Dominicana e está prestes a implantar-
intituladas In Camino e Informativo MSC-S tanto os pobres como os ricos eram assistidos nos -se no Brasil.
(Missionárias São Carlos – Scalabrinianas), emitidas seus domicílios e em clínicas. A 9 de Junho de 1874, A Casa Geral encontra-se em Roma e a Casa-Mãe,
pela Sede Geral e distribuídas por toda a comunidade foi aprovada pelo Bispo de Vitória e as suas Cons- em Bilbao. As notícias das actividades da Congre-
dos membros da Congregação. tituições foram, definitivamente, aprovadas a 8 de gação chegam a todos através da revista Velar.
Fiel ao carisma, adoptando como Regra de vida a Janeiro de 1886, pelo Papa Leão XIII. A sobrevivência A Congregação entrou em Portugal em 1936, onde
expressão “tornar-se migrante com os migrantes era, e continua a ser, assegurada por dádivas. Durante nove irmãs continuam a sua missão e carisma
para reunir numa só comunhão o povo de Deus 41 anos, a Fundadora dirigiu o Instituto e, durante cuidando de doentes, ao domicílio. Encontra-se
disperso” e atenta aos desafios da mobilidade a sua vida, foram fundadas 42 casas. Depois de 14 sediada na R. de S. Domingos, n.º 140, Braga.
humana, a Congregação procura realizar as palavras anos de sofrimento, faleceu a 20 de Março de 1912,
do Evangelho: “Era peregrino e me acolhestes” (Mt em Bilbao, na Casa-Mãe da Congregação, onde se BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
25, 35). encontra sepultada. [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
A hierarquia da Congregação é constituída por uma Portuguesa, 2007, p. 870; GOMES, Manuel Saturino
BIBLIOGRAFIA: Impressa: Anuário Católico de Portugal Delegação Geral, com sede em Roma, dirigida pela da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Madre Geral, eleita em Capítulo Geral, que nomeia 1994, p. 101; “Siervas de Jesús de la Caridad”, in
Episcopal Portuguesa, 2007, p. 896; AZEVEDO, Carlos as cinco Delegações Provinciais, com sedes em Gran Enciclopedia de España, t. XX, Barcelona,
Moreira de (dir.), Dicionário de História Religiosa de Madrid, Saragoça, Argentina, Bogotá e México, Enciclopedia de España, 2004, p. 9828; VASCONCELOS,
Portugal, 4 vols., [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro dirigidas, cada uma, por uma Madre Provincial, que, Evaristo de, sj, Religiosas: Selecção sobre os Institutos
de Estudos de História Religiosa da Universidade por sua vez, nomeia as Superioras Locais. Religiosos Femininos Existentes em Portugal,
Católica Portuguesa, 2000-; FRANCESCONI, Mário, O A Congregação tem cinco Noviciados. Animadas Porto, Ed. Mensageiro do Coração de Jesus, 1957,
Servo de Deus João Baptista Scalabrini Pai dos pela espiritualidade de S.to Inácio de Loyola, além pp. 246-247.
Emigrantes: Perfil Biográfico e Espiritualidade, Amora, das práticas quotidianas exigidas, as Irmãs votam
Seminário Scalabrini, 1988; GOMES, Manuel Saturino “defender e proteger a fé, trabalhando para o ILDA MARIA A. S. SOARES DE ABREU

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA DIVINA PROVIDÊNCIA

SERVAS DA DIVINA PROVIDÊNCIA Círculo de Leitores/Centro de Estudos de História


No ano de 1942, o Bispo de Beja, D. José do Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000,
Patrocínio Dias, no decorrer de um retiro, em Fátima, pp. 183-200; PEREIRA, Adelino, Ana de Fátima e dos
para o clero da sua diocese, encontrou-se com Ana Pobres: Uma História de Encantar, Fátima,
de Jesus Faria de Amorim e mostrou-se muito Fraternidade Franciscana da Divina Providência, 2001;
interessado em levar para a sua diocese a recém- PEREIRA, Adelino, As Três Paixões de uma Mulher
-criada Obra da Divina Providência, da qual proveio Providencial, Fátima, Casa da Divina Providência,
a actual Fraternidade Franciscana da Divina 1992; PEREIRA, Adelino, Uma Mulher Providencial,
Providência. Fátima, Casa da Divina Providência, 1979; ROCCA,
Giancarlo, “Serve della Divina Providenza di Maria
Ausiliatrice e del Prossimo”, in Guerrino Pelliccia,
Giancarlo Rocca, Dizionario degli Istituti di Perfezione,
vol. VIII, Roma, Edizione Paoline, 1988, col. 1323;
SERPA, C. J. Gonçalves, D. José do Patrocínio Dias,
Bispo Soldado, Lisboa, União Gráfica, 1959; VIEIRA,
Maria do Pilar S. A., “Servas da Divina Providência,
de Maria Auxiliadora e do Próximo”, in Carlos Moreira
Capa do livro do P.e J. Guerreiro Barbas,
Ao Serviço dos Pobres: Doutrina e Acção (JG) Azevedo, (dir.), Dicionário de História Religiosa
de Portugal, vol. P-V, [Lisboa], Círculo de Leitores/
Centro de Estudos de História Religiosa da
trabalho, apoio à infância, assistência à família e Universidade Católica Portuguesa, 2001, p. 225;
aos idosos. Actualmente, existe uma comunidade, VIEIRA, Maria do Pilar S. A., “Fraternidade Franciscana
Brasão das Servas da Divina Providência (JG)
em Safara, com cinco irmãs, que tem a seu cargo da Divina Providência”, in Carlos Moreira Azevedo
o Lar de Terceira Idade. (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal,
Na sequência do convite formulado pelo Prelado de Na ausência de Constituições, a sua Regra de vida vol. C-I, [Lisboa], Círculo de Leitores/Centro de
Beja, Ana de Amorim, sensibilizada pelas clamorosas pauta-se pelas instruções gerais deixadas pelo seu Estudos de História Religiosa da Universidade Católica
necessidades espirituais e materiais expostas, viu aí Fundador e pelas orientações dos sucessivos prelados Portuguesa, 2000, pp. 280-281.
a vontade e um chamamento da divina providência, diocesanos, que desde o inicio têm acompanhado
aceitou o convite e partiu para o Baixo Alentejo com a Congregação. Vivem uma prática de vida e oração JACINTO SALVADOR GUERREIRO
duas companheiras. Instalou-se em Safara, no comunitária, através da oração e liturgia da Igreja
Concelho de Moura, e desenvolveu uma acção social (diárias), de um retiro mensal e da adoração do
e cristã intensa, através da catequese, da visita e Santíssimo Sacramento todas as quintas-feiras. As SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA
assistência aos doentes, aos pobres e às famílias e Irmãs renovam anualmente os seus votos de Foi a 7 de Março de 1904 que, em Portugal, na
noutras actividades apostólicas e pastorais. D. José religiosas. aldeia da Miuzela do Côa, Concelho de Almeida e
prometeu-lhe a erecção canónica da Obra da Divina Constitui seu carisma a santificação dos seus Distrito da Guarda, nasceu Purificação dos Anjos
Providência em Pia União se a Casa de Formação membros e a prática das obras de misericórdia Silva, Fundadora da Congregação das Irmãs Servas
fosse transferida de Fátima para Beja. Esta proposta espirituais e temporais, apenas nos meios rurais mais da Sagrada Família (ISSF), erecta como Congregação
foi recusada por Ana de Amorim, que sempre viu pobres e abandonados, em ordem à sua promoção Religiosa de Direito Diocesano a 2 de Fevereiro de
que a sede da Obra seria em Fátima. Apesar deste humana, profissional, moral, intelectual, social e 1980, pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António
sentimento, continuou a trabalhar em Safara, junto religiosa. O seu ideal é dar a vida nos meios rurais Ribeiro. O documento oficial do nascimento da
do jovem pároco, o P.e Joaquim Guerreiro Bárbora e abandonados e a inserção paroquial pela catequese, Fundadora, na Conservatória do Registo Civil de
(Barbas), e estenderia a sua acção a Barrancos e a apostolado e apoio à pobreza, enfim, “dar de comer Almeida, anota o dia 17 de Março, respeitante ao
Beringel, no Concelho de Beja. Em 1950, acentuam- e vestir”. Têm como divisa do seu emblema a assento paroquial da Freguesia da Miuzela, e o
-se os desentendimentos entre este sacerdote e Ana expressão “Ao serviço de Deus e do próximo”. registo de entrada no Convento de Tortosa, Espanha,
de Amorim: esta retira-se para Fátima e a separação Como patronos principais, têm a Divina Providência a 17 de Janeiro, desconhecendo-se a razão do
das comunidades alentejanas – dita Cisão de Safara e N. Sr. a Maria Auxiliadora, e, de entre outras desacerto. Na Congregação, celebra-se a primeira
– tornou-se uma realidade. Assim, em 1950, na devoções, refira-se S. José, S. João Bosco, S. José data, 7 de Março (cf. Relação Autobiográfica).
Comunidade de Safara, sob a responsabilidade do Bento Cottolengo, S.ta Teresinha do Menino Jesus. Maria Luísa da Silva e Francisco de Almeida Nave
P. e Joaquim Guerreiro Barbas e a colaboração da As Irmãs usam hábito de cor cinza e véu preto. No foram os pais de Purificação. A mãe enviuvou cedo
Ir. Maria de Jesus Rebelo nascia a Congregação das que diz respeito a publicações, refira-se a existência do primeiro casamento com José Marcos, deixando
Servas da Divina Providência, de Maria Auxiliadora do boletim O Servo de Todos, editado a partir de um filho com cerca de dois anos, Daniel. Purificação
e do Próximo, Congregação de Direito Diocesano. 1947 pela Casa da Divina Providência e Maria foi a primeira filha do segundo casamento, o que
Em Dezembro de 1987 faleceu o Fundador Auxiliadora, sob a direcção do P.e Joaquim Guerreiro indica serem ao todo sete irmãos: 5 rapazes e 2
P.e Joaquim Guerreiro Barbas, tendo ficado à frente Barbas. raparigas, por esta ordem; Daniel, António, José,
da Congregação o novo pároco, P.e Joaquim Pereira Purificação, Georgina e Avelino, o mais novo.
de Sousa, que muito ajudou a desenvolver a Obra BIBLIOGRAFIA: BARBAS, Joaquim Guerreiro, Ao Serviço O ambiente familiar era simples, humilde e de
com a Casa da Divina Providência, a favor dos pobres dos Pobres: Doutrina e Acção, Safara, s.n., 1952; formação cristã. Como o pai, Francisco, tinha uma
e idosos. GUERREIRO, Jacinto Salvador, “Beja, Diocese de”, in saúde débil, era Maria Luísa, a mãe, quem tinha de
As Irmãs estiveram presentes em Safara, Moura e Carlos Moreira Azevedo (dir.), Dicionário de se entregar ao trabalho com afinco, pegando no
Barrancos, desenvolvendo e orientando casas de História Religiosa de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], que houvesse e lançando mão, sobretudo, às acti-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA

vidades mais condizentes com a educação recebida União pelo Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade
da sua família: a costura e o ensino. A seiva do Salgueiro, vindo a realizar-se, nessa diocese, o
religioso, bebida da sua mãe, penetrou muito cedo primeiro Capítulo, a 14 de Março de 1970, sendo
na alma de Purificação, levando-a a viver absorvida eleita Superiora Geral a Fundadora, Purificação dos
no halo do divino, a tal ponto que começou cedo Anjos Silva.
a apaixonar-se pelo Jesus do Sacrário e a dialogar
com Ele, na Igreja, onde passava horas a fio, sozinha,
entregue à oração ou ajudando a mãe na catequese.
Aos 18 anos, com grande espanto de todos, quis
ser religiosa e, a conselho das amigas que com ela
frequentaram exercícios espirituais na Casa de
Formação da Cerdeira do Côa, Rochoso, dirigidos
pelo piedoso Bispo Coadjutor da Guarda, D. João
de Oliveira Matos, procurou pôr-se em contacto com
uma conceituada professora da Cerdeira, para
escrever uma carta de apresentação desse seu desejo
às Irmãs Teresianas de Elvas, que eram conhecidas
na zona pelas visitas de angariação de vocações.
Esperou confiante a ajuda de Deus, mas como
tardava, pôs-se a caminho, sem ter aguardado sequer
a resposta à carta que escrevera, apoiada nas palavras
do Evangelho: “Quem põe os pés ao caminho e Capa de um livrinho das Servas da Sagrada Família (I)

volta para trás, não é digno de mim”.


Na Casa das Irmãs Teresianas, em Elvas, como Guerra Civil de Espanha, que obrigava todas as irmãs
postulante, era muito apreciada, ao ponto de a a uma vida clandestina de refúgio permanente, de
reterem por mais tempo que o devido, até ser enviada casa em casa, situação perigosa e insustentável. Foi
para o Noviciado da Companhia de Santa Teresa, em 1942, já no Colégio das Irmãs Teresianas, em
na Província da Catalunha (Tortosa, Espanha), onde S.to Tirso, que a Madre Purificação se abriu ao seu
Hábito inicial das Servas da Sagrada Família (I)
entrou a 15 de Outubro de 1928, tendo tomado Director Espiritual, o padre jesuíta José Maria Alves,
hábito a 21 de Abril de 1929 e onde fez votos que acreditou nela e falou com as respectivas
temporários, na companhia de mais oito noviças superioras, que actuaram junto da Santa Sé, a fim Daí por diante, foi um autêntico milagre a multi-
espanholas, a 22 de Abril de 1931, com o nome de de poderem obter a sua dispensa de votos para sair plicação de vocações, tendo-se juntado à Fundadora
Purificação de Santa Teresa de Jesus dos Anjos Silva. da Congregação das Teresianas e pôr em prática várias senhoras, dedicadas às crianças, sobretudo as
Desde 17 de Junho até 23 de Dezembro de 1928, o pedido do Céu, que estava sendo adiado inde- mais desprotegidas, pois viviam-se tempos difíceis,
haviam entrado no convento 16 postulantes, tendo vidamente, como ela refere nos seus escritos. Uma o que deu azo, posteriormente, à fundação de mais
saído apenas uma, a 17 de Agosto de 1930. Todas vez recebida a dispensa, saiu da Congregação no 13 casas da Congregação, que adiante enumeramos.
as outras fizeram votos temporários, uma em dia 30 de Agosto de 1942, dirigindo-se para Lisboa, Entre elas, destacam-se dois colégios e várias missões:
Dezembro de 1930, outra a 5 de Maio de 1931 e local que julgou ser o mais apropriado e necessitado em Dili, Timor-Leste, desde 1967, e em Quelimane,
quatro a 26 de Junho de 1931, segundo documento da sua acção e onde poderia receber alguma ajuda Moçambique, a partir de 1969. Estas obras foram
ali encontrado, em que figura em branco a coluna de uma irmã de família que ali vivia, tendo logo de obrigadas a encerrar, devido às guerras civis que
dos votos perpétuos, o que nos permite supor terem início a colaboração da sua mãe e de uma sobrinha. ocorreram, após a retirada das tropas portuguesas,
sido feitos na Casa Provincial de Barcelona (da autoria O mundo estava agora envolvido na II Guerra Mundial em 1976, aquando da descolonização desses
de Gaudi, hoje classificada Monumento Nacional) e, embora Portugal não tomasse parte como beli- territórios. Em 1987, foi fundada uma outra missão
antes de 1936, ano da aliança dos vários partidos, gerante, sofria enormes carências, reflectidas na Ilha do Príncipe – República Democrática de
em Espanha, desde os Republicanos aos Comunistas, sobretudo nas crianças que, em grande número, se S. Tomé e Príncipe – que está em pleno funcionamen-
em que se manifestou a maior violência da Guerra viam pelas ruas de Lisboa, especialmente em Arroios, to, dado ser também uma Corporação Missionária.
Civil espanhola, através de incêndios, sobretudo em local onde criou, a 12 de Novembro de 1942, uma Tornava-se urgente erigir em Congregação Religiosa
igrejas e conventos. A Ir. Purificação passou cerca Obra de Crianças, na R. Actor Isidoro, n.º 27, sendo esta obra tão vasta que, de início, não chegara a
de vinte anos entre as casas de Elvas, Tortosa e em número de 12 as primeiras favorecidas, filhas ter a licença prévia da Santa Sé, por omissão
Barcelona. dos vendedores do mercado da zona. Em pouco involuntária de documentos. Surgiram entretanto
Foi na cidade de Tortosa que, logo após a tomada tempo a Obra foi alargada ao aluguer de uma outra alguns problemas e a Ir. Purificação foi então convo-
de hábito, numa tarde do mês de Dezembro, a meio casa, na R. Carlos Mardel, n.º 96, onde já foi cada para uma reunião, no Patriarcado, em 1968,
da recreação com duas colegas espanholas, sentiu necessário ocupar três partes do edifício, com rés- em que participaram todas as superioras das casas
o misterioso apelo divino, confessando ter ouvido -do-chão e primeiro andar, direito e esquerdo. Um existentes. Para que tudo se clarificasse, o Bispo de
distintamente estas palavras: “Quero que me fundes ano depois, aconteceu a inauguração, com a Évora, D. David de Sousa, nomeou Visitador de todas
uma Congregação muito pobre, muito humilde e aprovação do Patriarca de Lisboa, D. Manuel as casas da sua diocese, o P.e António Pedro da
muito observante”. Este segredo, como lhe chamava, Gonçalves Cerejeira, que lhe concedia autorização Anunciação, que certificou “estarem todas as
guardou-o muito tempo e só o revelou passados para abrir uma casa com o nome de Casa de Comunidades formadas à maneira de vida religiosa”,
vinte e poucos anos, quando já se encontrava em Caridade das Irmãs Servas da Sagrada Família. “que havia grande zelo apostólico”, “que a sua
Portugal, para onde veio por causa da já referida A 24 de Março de 1962, a Obra foi elevada a Pia missão era oportuníssima na Igreja” e “que se

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA

desconhece o Prelado a cuja Autoridade a Entidade de direito diocesano, do Patriarcado de Lisboa”


está sujeita”. (Decreto de Erecção). O sonho levara 38 anos a se
Dada a personalidade da Fundadora, a Obra tinha- realizar.
-se difundido mais rapidamente do que se esperava,
por outras dioceses do país. Foi por isso convocada
uma nova reunião, em Fátima, para o dia 16 de
Junho de 1969, com o Conselho Geral da Obra e
os Prelados de Aveiro, Évora e Lisboa. Faltava
consultar as comunidades, em separado, para que
decidissem em que diocese desejariam radicar a
Casa-Mãe, o que foi feito em segunda reunião,
tendo-se optado por Évora, em cuja cidade possuíam
uma comunidade, na Q.ta do Pio. Foi ali que teve
lugar, a 14 de Março de 1970, o primeiro Capítulo
Geral, em que foi eleita como Superiora Geral a
Madre Fundadora, Ir. Purificação dos Anjos Silva.
Com a nomeação de um novo Visitador, o P.e António
Monteiro, pelo Núncio Apostólico, Mons. José Maria Capa do livro de Álvaro Terreiro,
Sensi, o rumo dos acontecimentos mudou, A Semente Floriu em Terras da Beira (I)
procedendo-se ao trabalho da Visitação Geral às
casas da Congregação, para a obtenção do apresentar: Ir. Maria Alice Neves (1981, 4.ª Superiora
documento em falta, o Nada Obsta, segundo as Geral, com 2.º mandato); Ir. Teresa Lopes de Sousa
normas da Santa Sé. A 19 de Dezembro de 1974, (1987, 5.ª Superiora Geral, com 2.º mandato);
a Madre Fundadora, a pedido do Arcebispo Madre Purificação dos Anjos Silva com o Cardeal Patriarca Ir. Maria Amélia Pereira Aguiar (1985, 6.ª Superiora
resignatário de Évora, formalizou o seu pedido de de Lisboa, D. António Ribeiro (I) Geral, com 2.º mandato; Ir. Alzira da Conceição
resignação, como Superiora Geral, convocando um Moura (Dezembro de 2003, 7.ª Superiora Geral,
segundo Capítulo Geral que veio a realizar-se tam- Como mulher de Fé, cheia de compreensão e cumpre ainda o 1.º mandato).
bém em Évora, nos dias 16 a 18 de Julho, onde foi humildade, a Ir. Purificação, já com 76 anos, ratificou Damos a conhecer, por dioceses, as dez casas que
eleita Superiora Geral a Ir. Maria dos Anjos Gaspar os seus votos, prometendo obediência à primeira a Congregação hoje orienta, embora conte apenas
Rocha. Bem depressa foi convocada por esta Superiora Geral e ao Superior Eclesiástico, ficando com 59 irmãs, responsáveis pela sua dinamização.
Superiora Geral uma reunião no Sameiro, donde se entregue à oração e a ditar as suas memórias e Assim, no Patriarcado de Lisboa, a Congregação
dirigiu um pedido à Madre Fundadora para escolher respectivo historial da Obra, que serviria, mais tarde, orienta o Lar de S. José (Casa Geral), na Av. Almirante
a comunidade que entendesse, onde iria residir e de precioso documento. Foi aos 22 dias do mês de Gago Coutinho, n.º 72, em Lisboa; o Externato
onde se dedicaria a transmitir o espírito que a animou Janeiro de 1988, que Madre Purificação dos Anjos Miguel Arcanjo, na Av. Dr. Alfredo Bensaúde,
na fundação da Obra. Silva adormeceu suavemente nos braços do Senhor, Olivais Norte, em Lisboa; a Casa do Imaculado
Ainda não tinha passado um mês quando o P.e Abílio na Casa da Divina Providência, no Restelo, aos 84 Coração de Maria (anexa ao Externato S. Miguel
Pina Ribeiro (claretiano) foi nomeado como Assistente anos. Sobre ela escreveu um dos antigos visitadores Arcanjo); a Casa da Divina Providência, na R. Pedro
Eclesiástico da Congregação e, oito meses mais tarde, apostólicos, eleito pouco depois Bispo de Viseu, Barcelos, n.º 11, em Lisboa; e o Externato N. Sr.a da
Visitador Apostólico Ad Nutum Sanctae Sedis, o qual D. António Monteiro, no prefácio da biografia A Apresentação, R. José Relvas, n.º 1, Agualva, no
renovou também o mesmo pedido à Madre Fun- Semente Floriu em Terras da Beira, publicada no Cacém. Na Diocese de Angra do Heroísmo, orienta
dadora, libertando-a ainda das tarefas de Superiora Cinquentenário da Fundação da Obra: “Foi a Casa de Trabalho Jesus, Maria e José, em Capelas,
Local. Surgiram então algumas complicações dentro verdadeiramente a mulher forte da Bíblia... Tive a S. Miguel. Na Diocese de Aveiro, orienta a Casa do
da própria Congregação, que culminaram com o graça de a conhecer pessoalmente. Impressionava!... Imaculado Coração de Maria, na R. das Flores, em
abandono de seis irmãs, juntamente com a superiora Era a expressão, a incarnação do coração do Mestre… Anadia. Na Arquidiocese de Évora, orienta a Casa
geral, criando em toda a Congregação uma das Bom seria que esta biografia fosse o presságio alegre do Sagrado Coração de Jesus, na Estrada da Chainha,
situações mais dolorosas da sua existência. Procedeu- e feliz de um dia vermos esta alma de eleição a ser Q.ta do Pio, em Évora. Na Diocese de Leiria e Fátima,
-se, de imediato, à nomeação de uma Pró-Superiora venerada nos nossos altares”. orienta a Residência para Encontros e Formação
Geral, tendo recaído a escolha na Ir. Alzira da Foi então feito um estudo aprofundado da sua Permanente – Irmãs Servas da Sagrada Família, na
Conceição Moura, que foi posteriormente nomeada pessoa, do seu carisma e da sua obra pelo professor R. do Rosário, em Fátima. Na Diocese e Estado de
Superiora Geral, a 17 de Fevereiro de 1979, após e teólogo especializado P.e Agostinho Moreira Ferraz, S. Tomé e Príncipe, orienta a Casa de Maria de
ter sido feita uma consulta prévia a toda a Congre- sj, a que deu o título Espiritualidade e Origens: Nazaré, Missão Católica das Irmãs Servas da
gação. Depois de um novo relatório enviado à Documento Base, onde se encontra, de acordo com Sagrada Família, na Ilha do Príncipe. A Congregação
Sagrada Congregação, a Santa Sé comunicava a documentação da Fundadora, a maior parte da teve também casas em Timor (Dili, 1967) e em
finalmente, a 19 de Junho de 1979, ao Patriarca de história da Obra, desde o início até ao período áureo Moçambique (Quelimane, 1969), mas foram ambas
Lisboa, o ansiado Nada Obsta, para a erecção da sua expansão. Este perito tem sido o conselheiro/ abandonadas após a revolução de 1974, devido à
canónica, ao mesmo tempo que o nomeava também orientador da Congregação ao longo de várias Guerra Civil.
seu executor. Só em Fevereiro de 1980, oito meses décadas, inclusive na condução directa de alguns Quanto a trajectos e currículos, referimos o Postu-
após o comunicado, o Patriarca de Lisboa, D. António Capítulos. lantado, de 6 meses a 2 anos (introdução à vida da
Ribeiro, procedeu à “erecção da Pia União das Irmãs Até ao presente, apenas se seguiram mais quatro Congregação, formação humana e doutrinal e
Servas da Sagrada Família em Congregação Religiosa, governos, cujas superioras gerais passamos a descoberta das verdadeiras motivações por parte

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA SANTA IGREJA

devoções específicas a Sagrada Família, S. José, a Assistência, da Santa Casa da Misericórdia, entre
Sagrada Eucaristia, Nossa Senhora e o Patrono de outros. A partir do funcionamento do Externato N.
cada casa. Deve ser focado, ainda, o carisma e o Sr.ª da Apresentação (Cacém, 1958), a Congregação
ideário da Congregação, citando as Constituições: passa a depender cada vez menos das ajudas
“O serviço dos mais pobres, assistidos num especial exteriores e a contar com receitas próprias, a fim
ambiente de família” (cf. Directório, n.º 1); “A de manter as suas obras, tendo deixado de recorrer
Congregação faz uma clara opção pelos pobres: às cotizações em 1976.
pobres de pão ou de carinho, de saúde ou de cultura, A Congregação esteve presente no Sexto Congresso
de fé ou de esperança. Dedica-se em particular à Internacional sobre a Sagrada Família, em Begues
libertação humana e espiritual de crianças e jovens, (Barcelona), de 6 a 9 de Setembro de 2002, com a
provenientes das classes mais desfavorecidas, sua sexta superiora geral e secretária, onde foi relata-
assistindo-as em infantários, colégios e lares, alargando da, na sexta sessão, a vida da Fundadora, publicada
o seu raio de acção a obras missionárias e outras nas Actas.
Casa de Cristo-Rei (I) actividades apostólicas, nomeadamente a pastoral
familiar” (cf. Const. e Directório, n.º 1 e n.º 3). BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: SILVA, Madre Purificação
das candidatas), o Noviciado, de 2 anos (estudo da dos Anjos, Relação Autobiográfica, Arquivo da
Teologia da Vida Religiosa, Constituições e Directório, Congregação. Impressa: AGUIAR, Ir. Maria Amélia, e
Liturgia, Bíblia, história da Igreja, Movimentos outros, “Madre Purificação dos Anjos Silva, Um
Católicos, Instituições Religiosas, e assuntos da Exemplo para os Nossos Dias”, in Actas del Sexto
actualidade) e o Juniorado, de 4 a 6 anos (preparação Congreso Internacional sobre la Sagrada Família,
para as actividades apostólicas, confrontadas com Barcelona, Ed. Claret, 2003, pp. 349-361; Carta
a experiência da vida da Congregação: encontros Familiar (periódico bimensal), s.l., s.n., 1975; FERRAZ,
periódicos com a Mestra; continuação dos estudos P. e Agostinho, Espiritualidade e Origens, Artipol,
teológicos e doutrinais). Nos últimos dois meses, Águeda, 1990; Germinar: Jornal Vocacional, s.l., s.n.,
recolhem à Casa de Formação ou de Noviciado, 1989; IRMÃS SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA, Mulher de Fé,
como preparação imediata para a profissão perpétua. Coração de Oiro, Lisboa, Ed. Paulinas, 2005; IRMÃS
Os locais de formação são a Casa da Fátima SERVAS DA SAGRADA FAMÍLIA, Constituições e Directório,
(Formação Permanente), Casa da Divina Providência Lisboa, s.n., 1980; Lembrança da Aprovação, Braga,
(Noviciado) e Casa do Coração de Maria (Postu- Artipol, s.l., s.n., 1990; NEVES, Ir. Maria Alice, Extractos
lantado). Os manuais de formação são as fontes, a das Cartas da Madre Fundadora, Águeda, Artipol,
bio-bibliografia e os livros recomendados pelos 1987; TERREIRO, Álvaro, A Semente Floriu em Terras
especialistas. Quanto à organização hierárquica e da Beira, Águeda, Artipol, 1992.
processos de eleição e nomeação, há a mencionar
a Superiora Geral e quatro Conselheiras (eleitas pelo ÁLVARO TERREIRO
Capítulo por voto secreto), sendo uma delas a Vice-
-Superiora Geral, a Ecónoma Geral, a Secretária
Cópia da medalha que é utilizada juntamente
Geral, as Superioras Locais e seu Conselho, formado SERVAS DA SANTA IGREJA
com o hábito por cada elemento da Congregação (I)
por uma Vice-Superiora Local e pela Ecónoma Local A Congregação das Servas da Santa Igreja (SSI) foi
(nomeadas pelo Conselho Geral), as Mestras de fundada em 1945, por D. Manuel Mendes da
Postulantes, de Noviças e de Junioras, as Irmãs, as Como enquadramento institucional, a Congregação Conceição Santos. A sua aprovação data de 22 de
Junioras e as Noviças. integra-se na obra social designada Obra de Abril de 1981.
Quanto aos órgãos da Congregação, registamos o Promoção Social da Sagrada Família, com três casas D. Manuel Mendes da Conceição Santos nasceu a
Capítulo Geral (constituído pela Superiora Geral e nas IPSS, com Estatutos aprovados pela Hierarquia 13 de Dezembro de 1876, na Freguesia de Olaia,
seu Conselho, pelas Superioras Locais, pelas Mestras da Igreja e pelo Estado Português, “alargando o Concelho de Torres Novas, Distrito de Santarém. Foi
de Postulantes, de Noviças e de Junioras, pelas seu raio de acção a obras missionárias e outras naquela capital distrital que estudou, frequentando
Delegadas das várias casas e por duas irmãs, con- actividades apostólicas, nomeadamente a pastoral o Seminário Patriarcal, sendo sempre um aluno
vidadas pela Superiora Geral e seu Conselho), que familiar”. Neste momento, a Congregação tem dois brilhante. Fez o doutoramento em Teologia no
reúne de 6 em 6 anos; o Conselho Geral (constituído externatos em Lisboa, que cuidam das crianças desde Ateneu de S.to Apolinário, em Roma, sendo condis-
pela Superiora Geral e por quatro Conselheiras, o berçário ao 1.º Ciclo, um, e ao 2.º Ciclo, outro; cípulo de Eugénio Pacelli, futuro Papa Pio XII, com
assistindo a Secretária Geral), que reúne uma vez uma casa de acolhimento de jovens em situação de o qual manteria uma amizade para toda a vida.
por mês; os Conselhos Locais (constituídos pela risco, em Évora, com berçário, infantário e serviço Já em Portugal, D. Manuel Mendes Santos será
Superiora Local, pela Vice-Superiora Local e pela de ATL; e um berçário e infantário em Anadia (Aveiro) ordenado Presbítero a 27 de Maio de 1899, em
Ecónoma Local), que reúnem sempre que necessário. e na Ilha de S. Miguel (Açores). A nível de projecção Santarém. A sua primeira missa seria celebrada a 4
Em relação ao vestuário, o hábito é composto por internacional, a Congregação tem uma missão, na de Junho desse ano, na Igreja do Salvador, Torres
um vestido preto, de gola branca, véu preto com Ilha do Príncipe (República Democrática de S. Tomé Novas. Paralelamente à sua actividade pastoral, foi
vivo branco, podendo também ser utilizado o vestido e Príncipe), desde 1987. professor no Seminário e no Liceu de Santarém e,
creme, em situações de trabalho. Como meios de sustentação, a Congregação, no posteriormente, seria destacado para a Guarda, a
No quotidiano, cumprem a Liturgia das Horas (Laudes, início (entre 1942 e 1963), era sustentada com pedido do bispo daquela diocese, para assumir o
Vésperas e Completas), a meditação e leitura da recurso à ajuda de benfeitores (por cotizações mensais cargo de Vice-Reitor do Seminário daquela cidade,
Sagrada Escritura, a Eucaristia e Terço, tendo como e anuais), subsídios do Ministério da Saúde e onde leccionaria Teologia. Conjugando a vida

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DA SANTA IGREJA

sacerdotal com a vida académica, levaria a cabo de fundar um novo instituto religioso, a que deu o natários, respondia a necessidades muito concretas,
uma grande acção apostólica em defesa da Igreja, nome de Servas da Santa Igreja, de Direito Diocesano, como a de ministrar a catequese, ou a de organizar
numa época marcada por ataques anticlericais. cuja missão seria o exercício do espírito missionário, palestras e retiros, segundo a população-alvo daquela
Vivendo em pleno liberalismo e em vésperas da pela colaboração com os sacerdotes e a assistência região. A evangelização passava também pela palavra
República, os tempos não eram fáceis para a Igreja, às paróquias sem pároco. escrita, difundida pela imprensa regional, e pela
enquanto instituição, como, também, para aqueles A sua vida terrena terminaria de forma repentina, oralidade concretizada pelas Missões Rurais. Este
que a serviam. D. Manuel Mendes Santos era um em pleno exercício pastoral, a 30 de março de 1955. último meio de evangelização era considerado, pelo
homem sem medo e continuava a assumir a sua A Congregação seria aprovada em 1981. O seu Fundador, como um meio privilegiado de evangeli-
condição de homem da Igreja, de uma forma frontal. processo de canonização foi introduzido a 22 de zação, já que possibilitava a atenção a cada um dos
Esse mérito levaria à sua nomeação como Cónego Novembro de 1982, ficando a instrução do processo seus destinatários; era uma evangelização perso-
da Sé da Guarda e, posteriormente Bispo de a cargo do Arcebispo D. Maurílio de Gouveia, que nalizada e que complementava o tradicional meio
Portalegre, pelo Papa Bento XV (1915). Naquela o remeteu à Congregação para a Causa dos Santos, eclesial, que esperava que as pessoas procurassem
cidade, continuaria a sua vida apostólica, intensa após o parecer favorável da Conferência Episcopal a paróquia indo, pelo contrário, ao seu encontro.
como sempre fora, mas, desta vez, com outros Portuguesa. Estas missões eram tanto mais importantes em meios
poderes executivos. O cargo que ocupa permitia- já de si desfavorecidos de estruturas e, também,
-lhe reorganizar aquela diocese, procurando uma com pouca apetência religiosa.
comunicação mais efectiva entre o clero, através do
Boletim Diocesano, que cria para o efeito. Esse
boletim, além de servir de elo, serve, também, de
órgão de informação e formação do clero. O próprio
D. Manuel dele se servirá para publicar artigos de
carácter doutrinal e de orientação pastoral. Em 1920,
seria nomeado Coadjutor do Arcebispo de Évora,
D. Augusto Eduardo Nunes, mas, em virtude da
morte daquele, assumiria o seu próprio cargo. Foi
nomeado Arcebispo a 11 de Fevereiro de 1921.
A bula de transferência de Portalegre para Évora
tem a data de 24 de Julho de 1920 e a entrada
solene na arquidiocese deu-se a 11 de Fevereiro de
Basílica de S. Pedro, Vaticano (CLS)
1921.
D. Manuel Mendes da Conceição Santos, Arcebispo de Évora
A sua acção apostólica foi de tal forma intensa, que (1921-1955) e Fundador das Servas da Santa Igreja (I)
terá sido uma das mais importantes figuras do As Servas da Santa Igreja surgiram num contexto
Episcopado Português. São de salientar as suas específico, numa época marcada por um forte anti-
missões no Alentejo, onde se destacou pelo seu A Congregação surgiu num contexto de dificuldades clericalismo, por falta de estruturas dentro da própria
apoio espiritual e apostólico na instalação de institutos de vária ordem: uma sociedade marcada por valores Igreja, que vivia momentos difíceis a nível interno,
religiosos masculinos e femininos. Na área social, anticlericais, sem meios de evangelização, muito com falta de párocos e de unidade institucional,
foi um grande entusiasta das Conferências Vicentinas, particularmente no Alentejo, e uma população com numa região já de si desfavorecida. Tudo parecia
que apoia desde a primeira hora, organizou a Sopa pouca instrução. D. Manuel da Conceição Santos adverso e essa era a razão de ser do surgimento de
dos Desempregados, criou a Cozinha Económica da sentia que faltavam meios humanos para contrariar uma nova congregação religiosa, que pretendia
Sagrada Família e fundou a Mutualidade Escolar a corrente contra a Igreja, ou, simplesmente, para minorar as dificuldades, pela complementaridade
Católica. Mas a sua actividade não se circunscreveu levar os indiferentes a crescerem na Fé. A população com o trabalho dos párocos. Após consulta ao Papa
à actividade apostólica: exerceu, também, o jorna- alentejana era muito específica no contexto nacional, Pio XII, antigo colega de D. Manuel Santos, que o
lismo, escrevendo na imprensa regional e nacional, muito heterogénea entre ela e muito dispersa do anima a avançar com a criação de um instituto
particularmente no periódico Novidades; e fundou, ponto de vista geográfico. Por isso, não era fácil religioso feminino, sem hábito, o projecto seria reali-
ainda, o jornal A Defesa, com o propósito de ultrapassar tantas contingências, que só uma congre- dade e a Obra nasceria marcada por uma espiri-
defender os valores da Igreja e os seus direitos, e gação criada para o efeito podia ultrapassar. Era tualidade específica, determinada pelo seu Fundador:
onde anunciaria os valores da justiça, liberdade e necessário criar uma pastoral diferente, adaptada à grande Amor a Deus e à Igreja, confiança sem limites
igualdade entre os homens. A sua evangelização idiossincrasia dos seus habitantes, e que substituísse nos desígnios de Deus, imitação de Maria,
pela palavra escrita levaria à criação da Gráfica a ausência de pároco nalgumas circunstâncias. especialmente na sua humildade, serviço e dinamismo
Eborense. O panorama da diocese era lamentável: além da missionários, oração e sacrifício como as forças
Foi uma das figuras mais importantes do Concílio ausência de conhecimentos religiosos, a intensa ocultas para dar vigor ao apostolado. O dia 24 de
Plenário Português e redactor da Pastoral Colectiva propaganda anti-religiosa e a ausência de párocos Setembro de 1945 ficaria marcado pelo início das
do Episcopado Português. Esteve, ainda, ligado à em muitas paróquias favorecia o número crescente suas actividades no Lar Académico, no L. da Sé, em
fundação do Centro Católico Português. A sua faceta de descrentes. A juventude não tinha qualquer Évora. A 11 de Outubro desse ano, as Servas rece-
de político era evidente e misturava-se com a de orientação, o próprio clero estava desunido e muitos biam os seus Estatutos, ficando como Directora a
religioso. Era um homem da Igreja que assumia as membros não obedeciam à disciplina e aos costumes Ir. Maria Leonilde Gonçalves Cidraes, posteriormente
suas convicções políticas, evidentes na ampla da Igreja. A solução era reorganizar a Igreja e criar eleita como a primeira Superiora Geral da Congre-
correspondência com D. Manuel II e com a Rainha uma nova forma de evangelizar, segundo as gação. Como responsável pela formação foi nomeada
D. Amélia. necessidades locais. A acção pastoral pensada por a Ir. Maria Plácida de Lourdes, franciscana hospitaleira.
De toda a sua experiência pastoral, resultaria o desejo D. Manuel Santos, indo ao encontro dos seus desti- Cerca de um mês depois, a 14 de Novembro, seriam

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE MARIA

inauguradas as novas instalações, no L. Dr. Alves -Branco Cordovil. Em 1979, foi introduzido em Roma
Branco. Actualmente, a sede da Congregação está o processo para aprovação da Congregação, que
situada na R. das Fontes n.º 68, em Évora. viria a ser aprovada a 22 de Abril de 1981, e seria
A 28 de Novembro de 1948, foi nomeada Superiora D. David de Sousa que assinaria a 7 de Junho desse
Geral da Congregação a Ir. Maria Plácida, sob licença ano a erecção canónica das Servas da Santa Igreja
especial da Sé Apostólica. A Instituição ia crescendo como Congregação Religiosa.
e ficando mais sólida. Como Pia União existia desde Para além das religiosas, a Congregação tem
24 de Setembro de 1945, data que ficaria consi- associado um movimento de leigos, empenhados
derada como dia da fundação. Anos depois, a 26 em seguir o mesmo espírito na sua vida comum.
de Agosto de 1952, seria a vez da sua erecção Para isso, existem Estatutos próprios que lhes dão
canónica e, de acordo com a solicitação de D. Manuel uma orientação espiritual e uma unidade de vida.
Mendes, era aprovado um instituto secular. Este tipo Já tinham sido previstos pelo Fundador, sendo desde
de designação e natureza institucional era recente: a primeira hora considerados fundamentais para
datava de 1947 e tinha surgido por iniciativa do secundar os trabalhos das Servas. Estes leigos têm
Papa Pio XII, através da Constituição Apostólica como acção principal participar nas comunidades
Provida Mater Eclesia. Este documento vinha paroquiais e colaborar nos trabalhos apostólicos,
consagrar um novo tipo de instituição, que corres- muito particularmente nas Missões Populares, para
pondesse às necessidades dos novos tempos. Também além da oração. Estes membros recebem uma
o Fundador das Servas da Santa Igreja pretendia que formação própria, ministrada pelas Servas da Santa
aquela instituição se enquadrasse num contexto Igreja.
Maria Saúde dos Enfermos, Padroeira das Servas de Maria (I)
socioeclesial muito específico. Daí a opção pela Em 1995, a Congregação era formada por 27
nova forma canónica, que pensava corresponder a religiosas, distribuídas pela Casa Geral, Casa do
uma instituição actualizada, como pretendia. No Noviciado e Casa N. Sr.a das Graças, em Évora, Casa
entanto, viria a reconhecer que não era a nova D. Manuel Mendes, em Fátima, e Casa de N. Sr.a da
denominação que se adaptaria a uma congregação Anunciação, em Macieira (Fornelos, Cinfães).
religiosa com novas características, dinâmica e que
respondesse aos tempos exigentes em que vivia. BIBLIOGRAFIA: Antologia de Pensamentos do Servo
Mas não chegaria a ter tempo de formalizar a de Deus D. Manuel Mendes da Conceição Santos,
rectificação da petição feita a Roma, que apenas Évora, Gráfica Eborense, 1977; Anuário Católico de
seria conseguida em 1979, após o necessário Portugal 2007, [Lisboa], Secretariado Geral da
discernimento orientado pelo P.e Agostinho Moreira Conferência Episcopal Portuguesa, 2007, p. 911;
Ferraz, sacerdote jesuíta. No mesmo ano seria, GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii, Vinde
também, aprovado um documento-base contendo e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 107; Postulação
a espiritualidade e o carisma da Congregação, que, da Causa de Beatificação do Servo de Deus D. Manuel
Insígnia da Congregação (I)
após a assinatura do Prelado da Arquidiocese, D. Mendes da Conceição Santos: Um Arcebispo
David de Sousa, seguiu para a Santa Sé para constar Apóstolo dos Nossos Dias, Évora, Gráfica Eborense,
do processo de Erecção Canónica em Congregação 1972; S ANTOS , Manuel Mendes da Conceição, Servitas. As primeiras fundadoras foram Trindade do
Religiosa. Após a morte do Fundador (1955), todo Documentos de uma Vida Apostólica, Évora, Edição Socorro, Maria Providência, Josefa Alegria, Maria
o trabalho de solidificação da Instituição seria do Centro de Estudos D. Manuel Mendes da Felisa, Purificação, Pilar Pavés e Manuela Torres
continuado pelo Cónego Dr. Francisco Maria da Silva, Conceição Santos, 1959; S ERVAS DA S ANTA I GREJA , Acosta, que veio a tomar o nome de Maria Soledad.
que, para além da orientação espiritual das Servas, Semente na Planície, Évora, Servas da Santa Igreja, Os primeiros anos da Congregação foram muito
organizou e compilou os escritos de D. Manuel, 1996. difíceis: o reduzido número de servas tornou mais
publicados com os títulos de A Alma do Arcebispo penoso o seu trabalho, especialmente com o
Apóstolo e Coragem e Confiança. O primeiro ISABEL BALTAZAR aparecimento de epidemias, como a da cólera-morbo
continua ainda hoje a ser uma referência funda- asiática, o que fez aumentar o número de doentes.
mental, pela sua excelente biografia, para além de Das sete fundadoras apenas uma se manteve no
conter uma antologia de textos e cartas de direcção SERVAS DE MARIA trabalho, com aquelas que gradualmente foram
espiritual do Fundador. D. Manuel Trindade Salgueiro, A Congregação das Servas de Maria Ministras dos entrando na Congregação. De facto, das seis primeiras,
o seguinte Arcebispo de Évora, protegeu as Servas Enfermos (SdeM) nasceu da vontade do P.e Miguel 4 abandonaram o Instituto e 2 morreram. Além disso,
da Santa Igreja e pediu à Santa Sé, a 10 de maio Martinez y Sanz, Pároco de Chamberí (um bairro de o ambiente sociopolítico em Espanha era muito
de 1957, o Nihil Obstat para erecção canónica da Madrid), quando, em Junho de 1851, teve a ideia desfavorável à Igreja. Após a exclaustração de 1835,
Pia União em Congregação Religiosa. Desde de associar um grupo de senhoras com a finalidade extinguiram-se muitas congregações e houve muita
1966, foram assistentes eclesiásticos das Servas de ajudarem as famílias pobres da paróquia no incompreensão quanto ao papel dos institutos
Mons. Dr. José Filipe Mendeiros e o Dr. Augusto Silva, tratamento dos doentes, para que estes não aban- religiosos por parte das autoridades políticas, pelo
sj. As Constituições viriam a ser revistas no Capítulo donassem os seus lares e aí pudessem morrer que algumas autoridades eclesiásticas acarinharam
Especial, em 1969, assistido por D. David de Sousa dignamente. Com esse intuito, escolheu, nos círculos as novas congregações que conjugavam a oração e
e pelo padre jesuíta Dr. Lúcio Craveiro da Silva. No de beneficência madrilena, sete candidatas, pois este contemplação com as acções caritativas.
primeiro Capítulo Ordinário Electivo, realizado em era o número que pretendia para as Servas Maria Torres Acosta ou Maria Soledad, aquela que
1971, sob a presidência daquele jesuíta, foi eleita Fundadoras. Inspirou-se na Ordem Mendicante dos fora a sétima fundadora, tornou-se a mais importante
Superiora Geral a Ir. Maria Helena Caldeira Castel- Servos de Maria, escolhendo o hábito dos Terciários de todas. Nasceu em Madrid, a 2 de Dezembro de

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE MARIA REPARADORAS

tência esmerada, gratuita e ao domicílio. Os enfermos BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
são a imagem visível de Cristo sofredor, sendo a Ele [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
que as Irmãs se consagram, servindo o semelhante, Portuguesa, 2007, p. 909; GOMES, Manuel Saturino
de maneira a que eles descubram Jesus em qualquer da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas,
Serva de Maria, que visita e cura os doentes. Tal 1994, p. 107.
carisma assistencial realiza-se no serviço diurno e
nocturno nos domicílios, em clínicas, hospitais, MARIA DO CÉU DE BRITO VAIRINHO BORRÊCHO
dispensários, ambulatórios e nos centros para doentes
crónicos e convalescentes. A espiritualidade das
Servas de Maria descreve-se como contemplativa na SERVAS DE MARIA REPARADORAS
Acção, abandonada à Divina Providência e coopera- As Servas de Maria Reparadoras (SMR) existem
dora com Cristo e Maria na salvação dos homens. oficialmente desde 1900, sendo o dia 12 de Julho
Madre Soledad faleceu em Madrid, a 11 de Outubro o seu dies natalis. Mas tiveram a sua origem em
de 1887, tendo realizado 43 fundações em Espanha finais do séc. XIX, em Vidor, Província de Treviso,
e 2 nas Antilhas. O Papa Paulo VI canonizou-a em Itália, e tiveram como Fundadora a Madre Elisa
1970. Andreoli. Nascida no dia 11 de Julho, em Agugliaro
As Servas de Maria estabeleceram-se em Portugal, (Vicenza, Itália), desde pequena que Elisa revelara
a 23 de Março de 1899, com a fundação de uma vocação religiosa, estudando em colégios de freiras
casa no Porto. Implantada a República, a perseguição e passando por várias congregações religiosas. Neste
religiosa moveu-as a abandonar o país, a 15 de percurso, foi decisivo o encontro com o P.e João
Outubro de 1910. Em plena Guerra Civil de Espanha, Maria Dalla Costa, dos Servos de Maria de Monte
A Fundadora S.ta Maria Soledad Torres Acosta (I) regressaram a Portugal, fundando uma casa no Porto, Bérico, em 1891, no Santuário de N. Sr.a do Monte
a 8 de Julho de 1936, e depois, a 17 de Outubro Bélico, em Treviso. Este terá orientado espiritualmente
1826, sendo a segunda de cinco filhos do casal desse ano, uma outra em Lisboa. Essas duas e aconselhado a Fundadora a seguir para Vidor, para
Manuel Torres e Antónia Acosta. Grande devota de comunidades mantêm-se ainda hoje com um total se juntar a um grupo de jovens reunidos por Mons.
Nossa Senhora, frequentou o colégio pertencente de 22 irmãs, exercendo a sua acção carismática na Mander, que pretendiam formar uma nova comu-
ao Hospital dos Incuráveis, dirigido pela Filhas da assistência aos doentes durante a noite, normalmente nidade religiosa.
Caridade. A menina inteligente, modesta, dócil, nas suas casas, e nas visitas domiciliárias diurnas.
trabalhadora, obediente e piedosa manifestou sempre Actualmente (em 2008) existem 2007 servas de
o desejo de ser freira. Em 1856, foi nomeada Maria, presentes em casas espalhadas por quatro
Superiora Geral da Congregação das Servas de Maria, continentes: na Europa (2 casas em Portugal, 50 em
delineando, nessa altura, um primeiro ensaio de Espanha, 5 em França, 4 em Itália e uma na
organização, moldando-se assim o Instituto ao espírito Inglaterra), na América (7 casas no México, 6 nos
de Madre Soledad. A mesma foi escolhida para trazer Estados Unidos, 6 em Porto Rico, 6 na Bolívia, 4 em
um carisma novo, que conduzisse a Congregação a Cuba, 4 na República Dominicana, 3 no Equador, 3
servir Cristo nos que sofrem. Este foi o carisma que na Argentina, 3 no Brasil, 2 no Uruguai, 2 no Peru,
a Congregação recebeu, cristalizado na missão de 2 no Panamá e uma na Costa Rica), em África (2
serviço aos doentes, que a eles se dedica em assis- casas nos Camarões) e na Ásia (2 casas nas Filipinas).

Madre Maria Elisa Andreoli, Fundadora (I)

Posteriormente, a 11 de Fevereiro de 1891, aquele


pároco nomeia Madre Elisa Andreoli Superiora da
Comunidade de Vidor. A ela juntar-se-ia a mãe,
Margarida Ferraretto, e mais duas companheiras,
Inês Vimercati e Carmela Regonesi. Com autorização
do Bispo de Ceneda, de 20 de Fevereiro de 1894,
acabariam por agregar-se à Ordem Terceira Secular,
a 9 de Julho de 1899, e por receber o hábito de
Terciárias Servas de Maria, na presença do Pároco
de Vidor, P.e Vitorino Costa. No dia 12 de Julho de
A Fundadora S.ta Maria Soledad Torres Acosta (I) Convento situado na R. Forno do Tijolo, 3, em Lisboa (I) 1900, as quatro primeiras irmãs fariam a profissão

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

religiosa de viver em pobreza, castidade e obediência educação de crianças e jovens e, posteriormente, afinidade com a sua própria espiritualidade, escolhe-
e assim se iniciava, formalmente, a nova Congregação. em virtude da guerra, estender-se-ia à Saúde. ram aprofundar aqui os ensinamentos marianos,
No dia 2 de Junho de 1901, a pequena família Colaboraram, em 1921, com Mons. Bernardi no seu muito particularmente a reparação. Junto dos pere-
religiosa passa para a jurisdição de Mons. António projecto missionário Escola e Família, no Acre. grinos na capelinha do Santuário de Fátima, vivem
Polin, Bispo de Ádria, tendo tomado posse da herança A nível da Saúde, administraram durante 70 anos com eles a “hora de reparação” diária, dando, assim,
da Sr.a Oriani e por este motivo se transferiu naquela a Casa de Saúde da Santa Casa de Misericórdia de pleno cumprimento a uma devoção adoptada pela
cidade. A 19 de Março de 1903, o Bispo António Rio Branco. Também aí trabalharam no Instituto Fundadora.
Polin aprova as Constituições e a 31 de Março do S.ta Juliana, mais tarde transformado em colégio. No À Argentina chegaram em 1977 e à Costa do
mesmo ano concede à Congregação a instituição Estado do Rio de Janeiro, passaram, em 1932, pelo Marfim, África, em 1984. Enquanto no Brasil os seus
canónica como família religiosa. Seria o Prior Geral trabalho num orfanato e, no ano seguinte, foram projectos não paravam de crescer a todos os níveis,
dos Servos, Fr. José M. Lucchesi, a vincular a para a Casa de Saúde N. Sr.a Aparecida, em Botogá, as Servas continuaram a expandir o seu trabalho a
Congregação à Ordem, a 19 de Janeiro de 1910. destinada a mulheres com problemas mentais. outros espaços geográficos. De facto, a 16 de
Pio XI atribuir-lhe-ia o Decreto de Louvor e aprovaria O trabalho no Brasil continuou a desenvolver-se, Novembro de 2000, a Congregação marcou a sua
ad septemnium as Constituições, definitivamente com a ida de 4 irmãs para um hospital, em S. Paulo, presença nas Filipinas.
confirmadas por Pio XII a 17 de Junho de 1941. e 7 para o Rio de Janeiro. Por divergência adminis- Actualmente, as Servas de Maria Reparadoras
A 31 de Maio de 1982, a Sagrada Congregação trativa, as irmãs que trabalhavam na Casa de Saúde encontram-se na Europa (Albânia, Itália e Portugal),
para os Religiosos e os Institutos Seculares voltaria referida saíram e abriram o Sanatório S.ta Juliana, na América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil e Peru),
a confirmar as Constituições, entretanto refor- posteriormente Casa de Saúde S. ta Juliana. na Ásia (Filipinas) e em África (Costa de Marfim).
muladas de acordo com as orientações do Concílio As irmãs viviam em Méier, também Sede Provincial.
Vaticano II. Em 1944, começaram a colaborar no Orfanato BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007,
Unida espiritualmente à Ordem dos Servos de Coração de Maria, na cidade de Xapuri, e quatro [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal
Maria, a Congregação feminina segue a Regra de anos mais tarde iniciaram o seu trabalho no Colégio Portuguesa, 2007, p. 900; Constituições das Irmãs
S.to Agostinho e as Constituições da congénere mas- Divina Providência. Em 1945, foi fundada a Servas de Maria Reparadoras, s.l., Edição das SMR,
culina. Em 1911, a Fundadora aproveitaria, também, Comunidade N. Sr. a do Rosário, convertida em 1982; GOMES, Manuel Saturino da Costa, scj, et alii,
traços da espiritualidade da Reparação Mariana, colégio com mesmo nome, e que tem, actualmente, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 109.
iniciada em Rovigo, por Maria Ignese, que mais tarde cerca de 1500 alunos. Sendo o seu trabalho
se juntaria à Congregação. Assim, a Congregação reconhecido em Itália, as Servas de Maria Repara- ISABEL BALTAZAR
das Servas de Maria Reparadoras é uma união entre doras, a pedido dos Padres Capuchinhos, foram
a espiritualidade dos Servos de Maria e da Reparação trabalhar para Capinzal, S.ta Catarina, na área da
Mariana. Ambos entram no seu património espiri- Saúde. Nessa cidade foi fundada a Comunidade SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
tual. Daí a sua designação como Servas de Maria Mater Dolorum e, paralelamente, iniciaram uma Servas de Nossa Senhora de Fátima (SNSF) é o nome
Reparadoras. Pertencem à grande família dos Servos escola. Em Campo Grande iniciou-se um orfanato oficial da Congregação, de Direito Pontifício desde
de Maria, testemunhando o Evangelho em comunhão e todas as outras actividades continuaram a se 1981. Foi fundada a 15 de Outubro de 1923 por
fraterna. Vivem ao serviço de Deus e dos homens, expandir. Na década de 60, chegaram a Barreiros, Luiza Andaluz, em Santarém, Portugal. Surgiu num
inspirando-se em Maria e procurando colaborar na S.ta Catarina, para fundar a Escola Stella Maris, depois contexto histórico de grande instabilidade política
obra de redenção/reconciliação. Procuram, pela chamada Elisa Andreoli. e de perseguição religiosa. A 5 de Outubro de 1910
oração, reparar os danos morais na sociedade. tinha sido implantada a República em Portugal, a
Como missão, a Congregação, salvaguardando a qual trouxe violência contra a Igreja católica. Depois
sua espiritualidade específica, está aberta à plura- de expatriadas as ordens e congregações religiosas,
lidade de vida e de serviço. Por isso, algumas comu- o governo procurou laicizar a vida pública, suprimindo
nidades dão mais importância à contemplação e nas escolas o ensino da doutrina cristã, anulando
outras à acção no campo educativo, sócio-sanitário as matrículas na Faculdade de Teologia de Coimbra,
e de promoção humana. extinguindo a cadeira de Direito Eclesiástico da
As actuais Constituições, fruto da renovação conciliar, Faculdade de Direito e abolindo os feriados religiosos.
foram redigidas com atenção à história e à vida. Foi anulado o decreto que, em 1901, tinha permitido
Estas incluem a herança de Madre Elisa e evidenciam a acção das congregações religiosas e foi revogada
a tradição espiritual e o carisma da Congregação a lei que, em 1907, proibia a liberdade de imprensa.
que, em síntese, pode ser expresso da seguinte for- Em 1911, além de outras medidas que teste-
ma: “Nos empenhamos a testemunhar o Evangelho munhavam uma política anticlerical, foi promulgada
em comunhão fraterna, e a colocar-nos a serviço de a Lei da Separação da Igreja e do Estado, que, entre
Deus e dos irmãos, inspirando-nos constantemente outras, permitiu a confiscação dos bens da Igreja
em Maria, Mãe e Serva do Senhor. Da participação por parte do Estado. De 1910 a 1926, os governos
da Mãe na missão redentora do Filho, Servo sofredor não se mantinham no poder e sucediam-se as revoltas
de Javé, colhemos inspiração e motivo para aquele e contra-revoltas, nada progredia, não havia paz, o
empenho de reparação que nos leva a transformar desastre era completo. A sociedade portuguesa sofria
N. Sr.ª das Dores de Murillo (I)
toda a vida em oblação de amor redentor”. de um grave atraso económico e cultural intimamente
As Servas de Maria Reparadoras davam testemunho relacionado com a fragilidade do quadro político. O
de uma vida fraterna, de oração e devoção à Maria Em 1973 seria a vez de Fátima acolher as Irmãs, analfabetismo grassava por todo o país, sendo as
Santíssima e, assim, começaram a atrair outras irmãs. aqui dedicadas à Oração de Grupos. Conscientes classes rurais e a população feminina as mais
O seu projecto apostólico era concretizado na da especificidade do lugar onde são inseridas e da afectadas. Apesar das lutas do movimento feminista

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

republicano, a mulher continuava excluída da partici- crianças turbulentas como são as da rua. Em 1895 fundara e poder, assim, entrar no Carmelo. Em 1922,
pação social, nomeadamente sem direito a voto. entrou para a Associação das Filhas de Maria no encontrando-se em retiro espiritual no Carmelo da
É neste contexto que a Fundadora da Congregação, Convento das Donas da Segunda Ordem de São Imaculada, percebeu claramente que Deus a chamava
herdeira de uma tradição cristã, assume a sua fé Domingos. Em 1902, colaborou com a irmã na a fundar uma congregação e a ficar nela. Regressa
católica e opta por uma postura crítica face à reorganização das associações de leigos e leigas, a Lisboa e tenta certificar-se da autenticidade do
realidade social e eclesial. A acção de Luiza Andaluz Apostolado de Oração e Filhas de Maria, que vieram seu apelo interior, recorrendo, para isso, ao seu
insere-se num período de profundas mudanças a exercer um papel decisivo na restauração da vida director espiritual e a alguns bispos da Igreja em
socioculturais e acompanha também a evolução que cristã. Após a revolução de 1910, tomando a seu Portugal. A 17 de Abril de 1923, recebeu a comu-
a própria Igreja viveu entre o Primeiro e o Segundo cuidado obras da Igreja, Luiza Andaluz, com um nicação do Arcebispo de Évora de que podia começar
Concílio do Vaticano, num processo de abertura ao grupo de senhoras, começou a trabalhar de alma e a “Obra” quando quisesse. A 13 de Maio do mesmo
mundo moderno. Luiza foi protagonista de uma coração em obras sociais abandonadas, como escolas, ano, dirigiu-se a Fátima com o primeiro grupo de
intervenção cristã na sociedade, que viria a ser asilos e patronatos, onde recebia, indistintamente, senhoras, que a vinham acompanhando, para aí
reconhecida, mais tarde, como tarefa própria dos filhos de monárquicos, de republicanos e de consagrar a congregação nascente à protecção de
cristãos no mundo, e inovou uma forma de vida carbonários, pois, segundo dizia, nas instituições N. Sr.ª de Fátima. No mesmo ano abriu, no palácio
religiosa que realiza a consagração total a Deus não se faz política, mas caridade. Em 1914, após a que herdara dos seus pais, o Colégio de N. Sr.ª dos
numa existência próxima das pessoas, partilhando expulsão das religiosas Capuchas e da confiscação Inocentes para educação de meninas. O colégio e
as condições da sua vida quotidiana. do seu convento e dos seus haveres, a escola foi o asilo-creche dariam razão de ser a tantas senhoras,
Luiza Maria Langstroth Figueira de Souza Vadre Santa transferida para o L. de S. Julião. Em 1917, esta que iriam aparecer junto dela e que causariam reparo
Martha da Mesquita e Melo, Viscondessa de Andaluz, escola, designada por Externato de N. Sr. a dos num meio pequeno como o de Santarém. E era
mais conhecida por Luiza Andaluz, nasceu em Inocentes, começou a funcionar no Palácio necessário manter o projecto bem escondido naqueles
Santarém, a 12 de Fevereiro de 1877, filha de Braamcamp, na R. da Amargura, em Santarém. Entre tempos tão conturbados, política e religiosamente.
António Júlio de Souza Vadre Santa Martha da 1915 e 1921/1922, Luiza Andaluz colaborou na Também pretendia, com este colégio, angariar fundos
Mesquita e Melo, terceiro Visconde de Andaluz, e Direcção da Obra das Escolas, ou Escolas das Filhas para as meninas do Asilo Creche de N. Sr.ª dos
de Ana Joaquina Langstroth Figueira, natural de de Maria de S. Luís ou, ainda, Escolas da Condessa Inocentes. De 1923 a 1939, Luiza Andaluz dedicou-
Filadélfia. Luiza Andaluz foi baptizada a 15 de Março de Sabugosa, em Lisboa. Estas não se dedicavam -se intensamente a fundar e a consolidar novas
apenas à formação de raparigas para os serviços obras, assim como à estruturação da Congregação.
domésticos, mas exerciam também uma acção A 11 de Outubro de 1939, a Congregação foi
apostólica no seio das famílias. Em 1918, quando aprovada canonicamente de Direito Diocesano e
começou a alastrar uma epidemia que dizimava Luiza Andaluz, com algumas das suas companheiras,
muita gente, designada por pneumónica, Luiza emitiu os primeiros votos. Luiza Andaluz foi nomeada
Andaluz organizou um serviço que permitiu visitar Superiora Geral da Congregação, pelo Cardeal
todas as famílias atingidas pelo flagelo, de modo a Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira.
que fossem distribuídos, gratuitamente, medica- A 31 de Março de 1940, Luiza Andaluz emitiu os
mentos, mercearias e outros donativos, juntamente votos perpétuos e, em 1946, foi eleita Superiora
com o amparo moral e religioso possível. No mesmo Geral no primeiro Capítulo Geral da Congregação.
ano, fez constar que aceitaria na sua escola todas Em 1953, ainda cheia de vigor para continuar a
as meninas do distrito, que ficassem órfãs, recebendo presidir ao governo da Congregação, dispôs-se a
cerca de 60 meninas. Em 1924, Luiza Andaluz entregar o cargo e convocou o segundo Capítulo
conseguiu comprar o Convento das Capuchas, que Geral, do qual saiu eleita a Ir. Louïse Marie Groëtz.
foi vendido em hasta pública, e, em 1925, depois Luiza Andaluz entregou-se a uma vida simples e
Luiza Andaluz (I)
das obras de restauro, para ali foram transferidas laboriosa, dedicando-se, enquanto pôde, ao serviço
as crianças internadas e a casa de trabalho, que de acolhimento e informações aos peregrinos do
de 1877; a 20 de Março de 1884 fez a primeira funcionava na R. da Amargura. Esta instituição passou Santuário de Fátima e, mais tarde, a pequenos
confissão; com cerca de oito anos recebeu o a ser designada por Asilo Creche de N. Sr.ª dos trabalhos manuais, para apoio das catequeses. Deus
sacramento da Confirmação; e a 12 de Abril de 1889 Inocentes, vindo, em 1943, a ser chamada Instituto chamou-a à sua glória aos 96 anos de idade, como
recebeu, pela primeira vez, a Comunhão. Luiza de N. Sr.ª dos Inocentes. De 1917 a 1922, Luiza fruto amadurecido de santidade, no dia 20 de Agosto
Andaluz teve uma esmerada educação humana e Andaluz fez visitas regulares ao Carmelo da Imaculada de 1973, na Casa Geral onde residia, situada no L.
cristã. “Do ponto de vista religioso, o ambiente de Barañain (Espanha), não só para visitar a sua irmã de S. Mamede, em Lisboa. Durante a sua vida, Luiza
familiar marcou profundamente a personalidade de Eugénia, que era carmelita, mas ainda com a intenção Andaluz foi agraciada com algumas distinções.
Luiza Andaluz. Para além das práticas religiosas dos de renovar a autorização para, também ela, entrar Citamos, entre outras, as seguintes: medalha Pro
pais, Luiza recebeu, desde os seis anos, a influência nesse Carmelo. Entretanto, Luiza Andaluz ia-se Ecclesia et Pontifice (1928), Grã-Cruz de Beneme-
espiritual do Cardeal D. José Neto, Patriarca de prendendo pelo afecto, pela dedicação e pelo rência (1930), medalha de ouro da cidade de
Lisboa” (M ANIQUE , Luiza, p. 17), que visitava trabalho ao Instituto de Santarém e aos de Lisboa, Santarém (1966) e medalha de homenagem de
frequentemente a família. Aos 14 anos de idade, que continuavam a desenvolver-se e a progredir. Em catequista (1967).
assumiu, a pedido do Cardeal Neto, a missão de Lisboa, iam-se abrindo novas escolas ou casas de A história da Congregação conta com grandes figuras
ajudar a incrementar uma obra social para crianças trabalho, quer por iniciativa das Filhas de Maria, históricas da Igreja, entre as quais podemos citar o
pobres e abandonadas, sediada no Conservatório quer a pedido dos párocos. À medida que as obras Cardeal José Neto, já referido, que foi o catequista
de N. Sr.a dos Inocentes, vulgarmente conhecido iam crescendo, crescia também em Luiza Andaluz da Fundadora, e D. Manuel Mendes da Conceição
por Convento das Capuchas, dado que estas o desejo de vida contemplativa e pensou fundar Santos, Arcebispo de Évora, Director Espiritual de
religiosas não estavam preparadas para educar uma congregação para se ocupar das obras que Luiza Andaluz, que, mais tarde, a autorizou a iniciar

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

a Obra e acompanhou, espiritualmente, o primeiro do Rosário, em Évora (1927-1939?); Casa de


grupo de senhoras, companheiras de Luiza Andaluz. Protecção e Amparo de N. Sr.ª das Dores e um
Em 1924, aproximou-se da Congregação nascente colégio, em Portalegre (1927-1936); uma escola em
o Cónego Dr. Manuel Nunes Formigão, como capelão Alcanena (1928); uma escola ou casa de trabalho
e confessor na Capela de N. Sr.a dos Inocentes, com em Alenquer (1928); Asilo da Infância Desvalida,
quem veio a fundar a Casa de Adoração e Reparação, em Coimbra (1929-1936); um semi-internato para Casa-Mãe, Santarém (A)

em Lisboa, na R. Arriaga, a 6 de Janeiro de 1926. meninas pobres, em Caldas da Rainha (1930-1935);


Daí surgiu um novo ramo que daria origem à uma escola primária no Redondo (1930-1939?);
Congregação das Religiosas Reparadoras de Nossa uma comunidade no Hospital de Leiria (1933-1936); do serviço em casas de retiro e seminários, em
Senhora das Dores de Fátima, que ele fundou. Pode- uma obra em Almeirim (1933-1939?); Asilo-Creche centros sociais e paroquiais, na divulgação da im-
-se, ainda, referir outras figuras de relevo, dentro e de Viana do Alentejo (1933-1941); uma casa de prensa cristã, nas paróquias com e sem pároco
fora da Congregação, como as Irs. M. José Falcão, trabalho em Muge (1939-1943?); uma casa de residente, nas missões e na emigração. Actualmente,
M. da Conceição Santos, M. de Jesus Rodrigues, trabalho na Golegã (1941-1949); uma escola e casa a Congregação, continuando a desenvolver o mesmo
M. das Dores Vitorino e M. Isabel Lopes, do primeiro de trabalho no Porto (1946); Centro de Assistência tipo de actividade e com o mesmo propósito, tem
grupo de irmãs, e D. João da Silva Campos Neves, Social Paroquial, na Benedita (a partir de 1946); investido mais nas missões e conta com um total
que redigiu as primeiras Constituições, Mons. Freitas Centro de Assistência Social, na Ericeira (a partir de 219 irmãs, distribuídas por 37 comunidades (24
Barros, D. António Ribeiro, Cónego D. João de Castro, de 1947); Centro de Assistência Social, em Valado em Portugal e 13 no estrangeiro), servindo em 17
Cónego Figueiredo Sarmento e D. Manuel dos Santos dos Frades (a partir de 1947); e Centro Social, no dioceses, assim distribuídas: uma na Diocese de
Rocha, que, de diversos modos apoiaram a Congre- Entroncamento (a partir de 1947). De 1933 a 1955, Angra; uma na Diocese de Aveiro; 2 na Diocese de
gação no decurso da sua existência. fundaram-se as seguintes comunidades de serviço Beja; uma na Diocese de Bissau (Guiné-Bissau); uma
à Igreja e ao mundo: Casa Véritas (Guarda), Casa- na Diocese de Bruxelas (Bélgica); 2 na Diocese de
-Mãe (Santarém), União Gráfica, Q.ta do Candeeiro Campanha (Brasil); uma na Diocese de Coimbra;
e Museu Saldanha (Lisboa), casa de retiros do uma na diocese da Guarda; uma na Diocese de
Santuário de Fátima (Fátima) e Gráfica de Lamego Inhambane (Moçambique); uma na Diocese de
(Lamego). Nesta data, a Congregação servia em 14 Lamego; 2 na Diocese de Leiria-Fátima; 9 na Diocese
casas e contava com 159 religiosas. Em 1989, nos de Lisboa; uma na Diocese de Luanda (Angola);
50 anos de aprovação canónica da Congregação, uma na Diocese do Luxemburgo (Luxemburgo); uma
esta contava com 260 irmãs, distribuídas por 37 na Diocese de Maputo (Moçambique); duas na
comunidades (32 em Portugal e 5 no estrangeiro), Diocese de Nampula (Moçambique); 5 na Diocese
em 13 dioceses: 14 comunidades na Diocese de de Santarém; uma na Diocese de Setúbal; uma na
Lisboa (Casa Geral, Casa do Noviciado, Q. ta do Diocese de S. Mateus (Brasil); uma na Diocese de
Candeeiro, Q.ta das Tílias, R. Silva Carvalho, Av. do Sumbe (Angola); e uma na Diocese de Viana
Brasil, Casa de Retiros do Bom Pastor, S. João das (Angola).
Lampas, Ericeira, Penafirme, Freiria, S. Tomé de A Superiora Geral é a suprema autoridade dentro
Logótipo das Servas de Nossa Senhora de Fátima (I) Lamas, Benedita e Valado dos Frades); 7 comu- da Congregação. É coadjuvada pelas Conselheiras
nidades na Diocese de Santarém (Casa-Mãe, Gerais (Assistente, Coordenadora da Formação
Fundação Luiza Andaluz, R. Vasco da Gama, Ereira, Permanente e Actividades, Secretária e Ecónoma),
A Congregação das Servas de Nossa Senhora de Tremez, Chancelaria e Entroncamento); 3 comu- pelas Superioras Regionais e pelas Superioras Locais.
Fátima nasceu, simultaneamente, com a criação do nidades na Diocese de Leiria-Fátima (Seminário A Superiora e as Conselheiras Gerais são eleitas
Colégio de N. Sr.ª dos Inocentes (Colégio Andaluz) Diocesano de Leiria, Santuário de Fátima e Casa em Capítulo Geral, de 6 em 6 anos, por escrutínio
e manteve, durante alguns anos, as obras iniciadas Luiza Andaluz); 2 comunidades na Diocese de secreto. As Irmãs Capitulares, por sua vez, são
pela Fundadora. Estendeu-se, com a criação de Lamego (Casa de Retiros de S. José e R. Eugénio eleitas por todas as irmãs da Congregação, repre-
diversas obras, não só na Diocese de Lisboa, mas do Vale); uma comunidade na Diocese da Guarda sentando as diversas idades, regiões, culturas,
também, desde o início, em outras zonas do país (P. Mons. Joaquim Alves Brás); uma comunidade na áreas de formação e de trabalho, à excepção da
e, mais tarde, noutras partes do mundo. Assim, sob Diocese de Évora (Seminário de S. José, em Vila Superiora Geral e das Conselheiras Gerais em
a direcção de Luiza Andaluz encontram-se as Viçosa); uma comunidade na Diocese de Beja exercício, que são Capitulares por direito próprio,
seguintes casas, por ordem de fundação: Escola das (R. S. Sebastião); uma comunidade na Diocese de assim como os Superiores Regionais. A Assistente
Capuchas (1881-1910), S. Julião (1914-1917), Palácio Aveiro (S. Bernardo); uma comunidade na Diocese Geral é sugerida pelas Capitulares e nomeada pela
Braamcamp (1917-1925), Convento das Capuchas de Setúbal (Mesquitinha, em Santana); uma comu- Superiora Geral, após a sua eleição. As Superioras
(a partir de 1925), Colégio Andaluz (1923-1975) e nidade na Diocese de Angra do Heroísmo (S.ta Cruz Regionais são nomeadas pela Superiora Geral com
Escola Masculina e Patronato Nun’Álvares (1929- das Flores); duas comunidades na Diocese de o consentimento do seu Conselho, após ausculta-
-1932), em Santarém; Escolas das Filhas de Maria Nampula, em Moçambique (Nampula e Mecubúri); ção às irmãs da região, e animam a vida das
de São Luís (1915-1923), Asilo da Infância Desvalida uma comunidade na Diocese de Bruxelas, na Bélgica comunidades de uma determinada região da
do Lumiar (1921-1939?), Colégio de N. Sr.ª da (R. d’Andenne); e uma comunidade na Diocese de Congregação, coadjuvadas pelas Conselheiras
Conceição (1929-1932), Casa de Trabalho da Sagrada Montréal, no Canadá (R. Rachel, Ouest). Estas Regionais. As Superioras Locais animam a vida das
Família (1933-?), Casa de Protecção à Rapariga (1930- comunidades destinavam-se quer à formação das comunidades locais, com o apoio dos Conselhos
-1931), Casa de Protecção e Amparo de S.to António Irmãs e à revitalização interna da Congregação, Locais, e são nomeadas pela Superiora Geral, com
(1931-1935), Pensionato da Escola do Magistério quer à acção pastoral da Igreja, cooperando no o consentimento do seu Conselho, após aus-
Primário (1946-?), em Lisboa; um colégio em ministério do anúncio da Palavra, da celebração da cultação às irmãs das comunidades para as quais
Estremoz (1925-1926); Casa de Trabalho de N. Sr.ª Liturgia e da condução do Povo de Deus, através são nomeadas. Na estrutura da Congregação têm,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

ainda, lugar as Delegadas da Superiora Geral, por 1979, que aprovou a revisão das Constituições da Lampas, de Turquel e de S.ta Cruz das Flores (Açores).
ela nomeadas, com o fim de a representar em Congregação, o item relativo às Agregadas foi Em 1972, partiu o primeiro grupo de irmãs rumo a
alguma parte do globo. Podem existir também substituído pelo item “Os leigos e o nosso carisma”. Mecubúri (Moçambique), a pedido do Bispo
comissões e grupos de trabalho que prestem um Aí se afirma que a Congregação há-de proporcionar Diocesano D. Manuel Vieira Pinto, com o fim de
serviço de apoio na dinamização da vida e das toda a formação possível aos leigos e leigas, através serem aí “sinal da vida nova em Cristo”. Deste
actividades da Congregação. das Irmãs e das comunidades, de modo a levá-los primeiro local de missão fora de Portugal, a
O carisma da Congregação define-se por uma ao compromisso cristão na comunidade paroquial, Congregação estendeu-se a Nampula, Maputo e
participação especial no sacerdócio de Cristo, que em comunhão com o ministério sacerdotal. Em 1996, Mavila, em Moçambique, e, desde 1997, encontra-
se enraíza no baptismo e é vivida de forma peculiar. iniciou-se um primeiro movimento de leigos e leigas, -se, também, em Luanda e, posteriormente, em
As Irmãs têm a missão de ser para os cristãos e designado por Família Andaluz, constituído por Viana e em Cassongue (Angola). Como serviço
cristãs um sinal de que existe este valor do Reino homens e mulheres cristãs, de todas as condições missionário, as Irmãs trabalham nos hospitais e nos
e que vale a pena consagrar toda a vida por ele, e idades. Esta família tem vindo a crescer em Portugal centros de saúde, como enfermeiras, em centros de
de modo a que muitos conheçam e amem Jesus e, e nos países onde a Congregação está implantada, promoção da mulher africana, em lares de acolhi-
por Ele, sejam conduzidos à comunhão com Deus. tendo em vista a partilha do carisma por leigos e mento às jovens estudantes e em escolas fundadas
Este espírito sacerdotal torna-se compromisso e leigas. pelas próprias Irmãs e entregues à população local.
exigência de participar no sacerdócio de Cristo e Os aspectos mais relevantes da relação da Congre- Em 2002, a missão da Congregação alargou-se a
de viver em estreita cooperação com o Bispo gação com o país situam-se na linha da educação, Três Pontas (Campanha, Brasil) e a partir daí a Três
Diocesano, no exercício da sua tríplice missão de do ensino, da imprensa, do serviço social, das missões Corações e S. Gabriel da Palha, no mesmo país.
serviço ao povo de Deus: ensinar, santificar e e da emigração. Em 1914, Luiza Andaluz abriu um O serviço dos imigrantes portugueses tem sido uma
pastorear. Oferecem a sua vida para glorificar o Pai, externato, em Santarém, para crianças pobres; em outra área de missão da Congregação. É de salientar
à maneira de Cristo sacerdote, colaborando nas 1918, Luiza Andaluz recebeu cerca de 60 crianças que, desde a sua origem, as religiosas “que unem
obras da Igreja, ao serviço do mundo. Este carisma do distrito, que tinham ficado órfãs devido à epidemia a vida activa à vida contemplativa, têm cooperado
tem a sua fonte no mistério da encarnação e da designada por pneumónica, que dizimou sobretudo na obra missionária, segundo as circunstâncias”
redenção de Cristo, que foi sacerdote em toda a as classes pobres; em 1932, esta instituição albergava (Ornaverunt, p. 76). Esta obra missionária deve
sua existência, tendo, para isso, de assumir a 100 crianças internas e outras tantas externas; em entender-se, também, dentro do próprio país. Desde
condição humana com todas as suas consequências. 1949, Luiza Andaluz acolheu 70 crianças, na sua os alvores da Congregação, as Irmãs consideram
Por isso, para as irmãs da Congregação, a dispo- maioria órfãs e abandonadas, cuidando da sua como sua missão primordial o serviço da evan-
nibilidade, a doação, a obediência, a compaixão e educação integral, vestuário e alimentação; em 1924, gelização, catequização e cultura religiosa de crianças,
a solidariedade são palavras-chaves, inspiradas no a Obra passou a ser designada com o nome de Asilo jovens e adultos, quer através de “missões
mistério da kenose de Cristo e celebradas na Creche de N. Sr.ª dos Inocentes, albergando, em populares”, nas zonas mais descristianizadas de
eucaristia, centro da sua vida. As Irmãs olham para 1953, 80 crianças internas; em 1962, a Instituição Portugal, quer no quadro de uma pastoral organi-
Maria de Nazaré como a exímia serva, que descobriu, passou a chamar-se Fundação de N. Sr.ª dos zada, em paróquias com e sem pároco residente,
viveu e serviu o sacerdócio de Cristo, como sua Inocentes e, desde 1982, é designada por Fundação em escolas e em outros serviços diocesanos. Desde
primeira discípula, que comungou, de forma singular, Luiza Andaluz. Esta obra acolhe, neste momento, há largos anos, as Irmãs lideram comunidades
nos sentimentos sacerdotais de seu filho e que cerca de 30 crianças e jovens internas. Em 1923, paroquiais, promovendo o seu desenvolvimento
participou, fielmente, nas alegrias e dores da sua Luiza Andaluz inaugurou o Colégio de N. Sr.ª dos humano e cristão a todos os níveis.
actividade messiânica, até à morte na cruz. Como Inocentes, mais tarde designado por Colégio Andaluz, A memória histórica da Congregação tem sido
sinal da vinculação pastoral da Congregação à Igreja, destinado à educação e ensino de meninas abastadas. “aflorada” através de publicações, tais como:
a Superiora Geral, uma vez eleita, em seu nome O seu primeiro alvará de aprovação data de 1941. Ornaverunt Lampades: no Jubileu Patriarcal e
pessoal e de toda a Congregação, faz voto de Em 1943, o colégio tinha 100 alunas internas e Cardinalício de D. Manuel Gonçalves Cerejeira; Bodas
obediência ao Papa nas mãos do Bispo Diocesano, externas; em 1960, passou para novas instalações, de Prata 1923-1948; Luiza Andaluz, História da
onde se realizou a eleição. onde funcionou até 1975, data em que foi vendido Congregação (manuscrito), publicada sob o título O
Os membros da Congregação orientam-se pelas suas ao Ministério da Educação e Cultura, para aí serem Itinerário de Luiza Andaluz; 50 Anos ao Serviço do
Constituições, aprovadas pelo Capítulo Geral, pela instalados vários sectores do ensino oficial. Hoje é Reino de Deus; Luiza Andaluz, Pedagogia e
competente autoridade da Igreja e pelo Directório designado por Complexo Andaluz. A União Gráfica, Benemerência nos Contornos de uma Vida; Luiza
Geral, que é uma aplicação concreta e actualizada tipografia e livraria, surgiu no patriarcado de Lisboa, Andaluz: Um Marco na História de Santarém; Luiza
das Constituições e é aprovado, também, em Capítulo em 1923, para responder à necessidade de uma Andaluz, uma Mulher Feliz; Audácia e Serviço. Além
Geral. imprensa católica em Portugal, nomeadamente à destas publicações, no arquivo da Congregação
A Congregação manteve, entre 1944 e 1979, uma criação de um jornal diário, Novidades. “A União encontra-se numerosa documentação, da qual se
espécie de terceira ordem das Servas de Nossa Gráfica e as Novidades devem muito à congregação pode destacar: bases enviadas à Santa Sé, decretos
Senhora de Fátima, a que chamou Agregadas. das SNSF, muito que sabemos e decerto muito mais e rescritos diocesanos e pontifícios, actas dos capítulos
Continuavam a viver no seio da família, mas recebiam que só Deus sabe” (Ornaverunt, p. 71). Entre as gerais, documentos capitulares, actas do governo
formação nas casas da Congregação. Nelas deviam obras de índole social estão os centros sociais e geral, relatórios da vida e actividade, relatórios de
permanecer alguns dias em retiro espiritual, a fim paroquiais, instituições que visam a promoção contas, relatórios das visitas canónicas, relatório
de interiorizarem a espiritualidade das Servas e a humana e a interajuda entre as pessoas, para o anual das casas e comunidades, orçamentos gerais
chama do seu zelo apostólico. Das Agregadas faziam crescimento e vivência da solidariedade humana e da Congregação e das comunidades, dados estatís-
parte jovens e senhoras, solteiras, casadas ou viúvas, cristã. Desde 1947, a Congregação desenvolve a ticos, documentos produzidos pelas comissões e
as quais podiam fazer alguns dos três votos, quando sua acção social no Centro Social da Ericeira, de equipas, correspondência diversificada, apresentados
o seu estado assim o permitia, e usar um distintivo Valado dos Frades, da Benedita, do Entroncamento, nos Capítulos Gerais, e actas das sessões dos mesmos.
semelhante ao das Irmãs. Com o Capítulo Geral de da Ereira, do Castelo de Sesimbra, de S. João das É internacional a projecção da Congregação, dada

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS DOS POBRES

a sua presença, não só na Europa, como também não fosse conveniente. Porém, percebeu que “não Fernanda, INÁCIO, Helena, 50 Anos ao Serviço do
nos continentes africano e americano. A partir de é o vestir que importa, o que importa é fazer tudo Reino de Deus: Dados Históricos e Âmbito Eclesial
1972, a Congregação começou a estender-se às na graça de Deus” (TAVARES, O Itinerário, p. 85). “As das Comunidades da Congregação, Lisboa, Ed. SNSF,
seguintes dioceses: Bruxelas (Bélgica), Luxemburgo irmãs vestem-se segundo as normas da modéstia 1989.
(Luxemburgo), Montréal (Canadá), Nampula, Maputo cristã, sem nenhum sinal externo que as distinga no
e Mavila (Moçambique), Luanda (Angola), Campanha seu vestuário, de modo que facilmente se possam DEOLINDA SERRALHEIRO
(Brasil) e Bissau (Guiné-Bissau). Este é um movimento confundir com as pessoas da mesma condição social
imparável, dado que o dinamismo universal é próprio e de bons sentimentos cristãos que vivem no mundo”
à Igreja e à vida religiosa e, portanto, também à (Bases enviadas à Santa Sé para obter o placet SERVAS DOS POBRES, Congregação das
Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima. n.º 25). Como sinal de consagração, as Irmãs usam Sob a designação de Congregação das Servas dos
Desde a origem da Congregação, há irmãs que um distintivo próprio e uma aliança, símbolo da sua Pobres, existem e existiram várias denominações de
recebem os seus salários das instituições ao serviço união com Cristo e com a Igreja. Intimamente unidas instituições religiosas a nível internacional, direccio-
das quais trabalham, tanto das que pertencem à à oração sacerdotal de Cristo, com os ministros nadas para o serviço da solidariedade em perspectiva
Igreja como ao Estado. São diversificadas as suas ordenados e o povo de Deus, as Irmãs cantam ou cristã. Recorde-se que esta denominação foi um dos
profissões e ocupações: enfermeiras, professoras do recitam a Liturgia das Horas, em comunidade, rezam cognomes da Congregação das Filhas da Caridade
ensino básico, secundário e superior, administradoras, a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17), nas primeiras de São Vicente de Paulo, hoje conhecidas por
educadoras da infância, técnicas de serviço social, quintas-feiras de cada mês, em tempo de adoração Vicentinas.
modistas, cozinheiras, secretárias, contabilistas, diante do Santíssimo Sacramento, participam em No entanto, houve porém uma Instituição que, apesar
empregadas de balcão, etc. Algumas irmãs não cada dia na Eucaristia, na igreja paroquial, e rezam, da sua existência efémera, assumiu o nome próprio
recebem remuneração pelo trabalho que realizam. diariamente, pelo papa, bispos, presbíteros, pelas de Congregação das Servas dos Pobres, em Portugal.
Isto é possível pela inteira circulação de bens existente vocações sacerdotais, religiosas e laicais e por todo Apesar de dispormos de informações exíguas sobre
na Congregação. Quando às mulheres ainda não o povo. Como devoções específicas, oferecem o seu esta Obra religiosa, sabemos que foi pela liderança
era permitido trabalhar fora dos seus lares, Luiza dia com uma oração própria, recitam o rosário e de Joana Jardim Xavier, uma senhora da sociedade
Andaluz autorizou as religiosas da sua Congregação manifestam, ainda, com diferentes modalidades, a portuguesa, preocupada com o cuidado das famílias
a passarem todo o dia fora de casa, quando disso sua devoção a Maria. desprotegidas das periferias das grandes cidades.
tivessem necessidade, e também devido a empregos As publicações da Congregação são: a revista Para esse fim, chegou a criar uma Instituição, que
particulares ou públicos. Andaluz, sobre a vida e actividades da Congregação, acabou por ser reconhecida pelo Direito Diocesano
e o boletim Ressonâncias, dedicado à causa de do Patriarcado de Lisboa, com o nome de Congre-
canonização de Luiza Andaluz. gação das Servas dos Pobres. Uma das acções desta
Instituição orientava-se para o apoio às famílias
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: ANDALUZ, Luiza, História desfavorecidas do Casal Ventoso, Serafina e outros
da Congregação (1951-1954), Arquivo Geral da bairros de Lisboa.
Congregação (Lisboa); Impressa: “Bases enviadas à Todavia, esta Obra acabou rapidamente por ser
Santa Sé para obter o placet”, in Constituições das incorporada na Congregação das Irmãzinhas da
Servas de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, Ed. SNSF, Assunção, cujo carisma estava de acordo com o
1981; Constituições das Servas de Nossa Senhora projecto de vida idealizado por Joana Jardim Xavier.
de Fátima, Lisboa, Ed. SNSF, 1981; MANIQUE, António Foi mesmo por iniciativa desta senhora que aquela
Pedro, Luiza Andaluz: Pedagogia e Benemerência congregação francesa acabou por se instalar em
nos Contornos de uma Vida, Santarém, Ed. Instituto Portugal. A fusão das Servas dos Pobres com as
Politécnico, 1999; M ARTINS , Rosária Cardoso, “A Irmãzinhas da Assunção acabou por ocorrer
Fundadora da Congregação das SNSF”, in Andaluz, oficialmente por Decreto da Santa Sé, de 15 de
ano I, n.º 1, Lisboa, Ed. SNSF, 1996, pp. 2-6; Março de 1950. A partir desta data, a história destes
Ornaverunt Lampades: No Jubileu Patriarcal e dois institutos religiosos passou a ser uma só, em
Cardinalício de D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Lisboa, Portugal.
Ed. SNSF, 1955; PEDROSO, Dário, Audácia e Serviço:
Vida de Luiza Andaluz, Braga, Ed. AO, 1989; BIBLIOGRAFIA: I RMÃZINHAS DA A SSUNÇÃO DE L ISBOA ,
P OLICARPO , José, “Luiza Andaluz: Perfil de uma Irmãzinhas da Assunção: Enfermeiras Domiciliárias
Personalidade”, in Obras Escolhidas: O Anúncio da dos Pobres, Torres Novas, s.n., 1955.
Esperança, vol. 3, Lisboa, Ed. UCP, 2003, pp. 439-
Casa Luisa Andaluz, em Fátima (JEF)
-459; RODRIGUES, Maria Isabel, Intuições de Luiza JOSÉ EDUARDO FRANCO
Andaluz (1877-1973) no Catolicismo Português do
A sigla que indica o nome da Congregação a que Seu Tempo, Lisboa, Dissertação de Licenciatura em
a irmã pertence e que pode ser acrescentada à Teologia Pastoral apresentada à Universidade Católica SERVAS FRANCISCANAS
assinatura de cada irmã é SNSF. Portuguesa, Lisboa, texto policopiado, 2001; As Servas Franciscanas, de nome oficial Congregação
As Irmãs nunca tiveram hábito especial, desde o SERRALHEIRO, Deolinda, “Situação histórica, socio- das Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças,
início da fundação, diferenciando-se apenas pela política e religiosa em que nasceu e viveu Luiza têm por carisma glorificar a Virgem Maria como
sua simplicidade e dignidade. Luiza Andaluz pensava Andaluz”, in Andaluz, Ano I, n.º 1, Lisboa, Ed. SNSF, medianeira de todas as graças, como bem expressa
que não seria fácil usarem hábitos, para melhor 1996, pp. 8-14; TAVARES, Fernanda, O Itinerário de o lema desta Instituição: Ad Iesum per Mariam (“a
passarem despercebidas, numa época conturbada Luiza Andaluz, a partir do seu Manuscrito “História Jesus, por Maria”). A Congregação das Servas
como era a da I República, mas receava que isso da Congregação”, Lisboa, Ed. SNSF, 1997; TAVARES, Franciscanas de Nossa Senhora das Graças possui,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVAS FRANCISCANAS

na generalidade, uma vocação assistencial, socio- O ano de 1957 foi uma data fundamental para a de Dezembro do mesmo ano, agregou-se à Ordem
caritativa e pastoral, sendo a sua actividade domi- história subsequente da Obra da Ir. Maria das Graças Franciscana. No mês de Março do ano imediato teve
nantemente orientada para o apoio a crianças pobres Rosa. Com o apoio do P. e Manuel de Araújo, lugar a profissão solene das primeiras 30 religiosas.
e abandonadas, a qual surge já bem expressa no professor no Seminário Conciliar de Braga, e do Em Outubro de 1980 os restos mortais da Ir. Maria
discurso e na prática da sua Fundadora, a Ir. Maria P.e António Pedro d’Anunciação (1922-2000), frade das Graças – até então sepultados no cemitério da
das Graças Rosa (1901-1960), que contou, para a franciscano licenciado em Direito Canónico pela Ajuda, em Lisboa (cidade onde também haviam
concretização da sua tarefa, com a colaboração do Universidade de Salamanca e então professor no decorrido as suas exéquias fúnebres, na Basílica da
P.e Fr. António Pedro d’Anunciação, ofm. Seminário da Luz, de Lisboa, é recebida pelo Estrela) – foram trasladados para a capela privada
Trata-se de uma Congregação de fundação recente Arcebispo de Braga, D. António Bento Martins Júnior, das Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças,
– datando a sua aprovação de 8 de Dezembro de que autoriza a transferência para a Diocese de Braga na Q.ta de Real.
1967 –, que desenvolve a sua actividade nas Dioceses da Obra até então desenvolvida na capital. Inicia- Quanto ao Fundador desta Congregação, o P.e Fr.
de Braga, Porto e Leiria-Fátima: em Braga conta com -se, assim, o percurso conducente à erecção canónica António Pedro d’Anunciação nasceu em Lisboa, na
o Centro Social de N. Sr.ª das Graças, que inclui um desta Congregação religiosa. No mês de Outubro do Freguesia da Lapa, a 14 de Fevereiro de 1922. Era
lar de jovens carenciados, um lar de idosos, apoio mesmo ano procede-se então, nos arredores de filho de António Paulo d’Anunciação e de Rosa
domiciliário, centro de dia, creche, pré-escolar, Braga, à inauguração do Patronato de N. Sr.a das Marques Damião. Terminados os seus estudos
1.º e 2.º ciclos); no Porto conta com a Casa de Graças na Q.ta de Real (propriedade solarenga, com primários e completos os dez anos de idade, os seus
S.ta Clara, lar residencial para estudantes do ensino mais de 300 anos, à altura algo degradada, que é pais decidiram mandá-lo para o seminário menor
secundário e superior; em Leiria-Fátima assegura a arrendada por 900$00 mensais). Em Maio do ano franciscano português, sito em Montariol, na cidade
Casa de N. Sr.ª das Graças, onde as irmãs residentes seguinte, dá-se início à formação das primeiras de Braga, no dia 28 de Setembro de 1932. Durante
garantem acolhimento aos peregrinos. candidatas, as quais tomam hábito no mês de cinco anos, até 14 de Julho de 1937, fez os seus
Setembro, concedida que fora a respectiva autori- estudos secundários no Colégio Seráfico de
zação do Arcebispo para o início do Noviciado da Montariol. A 7 de Setembro de 1937 iniciou o
Fundadora e suas companheiras. Noviciado em Tuy (Espanha), na Província de
Em Abril de 1959 o Arcebispo-Primaz de Braga, Pontevedra, cuja casa estava integrada no complexo
D. António Bento Martins Júnior, erige a Pia União do Colégio de S.to António, e no ano seguinte emitiu
das Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças, votos temporários, na Ordem Franciscana.
aprovando, dias depois, os respectivos Estatutos, No dia 30 de Setembro de 1940, Fr. António Pedro
redigidos por Fr. António Pedro d’Anunciação. No deixou Tuy e deu entrada no Seminário da Luz, em
dia 29 do mês de Setembro de 1960 efectuam-se Lisboa, onde conclui os estudos superiores de Filosofia
as primeiras profissões religiosas, escassas três e de Teologia e onde emitiu, no dia 19 de Março
semanas antes da morte da Fundadora, ocorrida a de 1943, os seus votos solenes na Ordem dos
Fundador na Casa-Mãe, Q.ta de Real, Braga (I) 22 de Outubro, em Lisboa. Frades Menores. A 21 de Setembro de 1944 foi
sagrado Presbítero e no dia 4 de Outubro do mesmo
A Fundadora, Ir. Maria das Graças Rosa, nasceu na ano foi ordenado Sacerdote.
Freguesia do Espírito Santo, na vila de Nisa, a 13 No dia 20 de Outubro de 1944, Fr. António Pedro
de Novembro de 1901, em cuja igreja paroquial (da partiu para Espanha, para a Universidade Pontifícia
invocação de N. Sr.ª da Graça) foi baptizada no dia de Comillas, na Província de Santander, a fim de
de Natal, tendo por madrinha precisamente Nossa cursar Direito Canónico. Nesta universidade obteve
Senhora. Era filha de Agostinho Pires da Rosa e de o grau de Bacharel, tendo terminado os restantes
D. Teresa Piedade Beato, ambos agricultores. Cedo anos na Universidade Pontifícia de Salamanca, onde
ficou órfã de mãe. Após a morte da mãe, a família se licenciou em 1947. No mesmo ano começou a
mudou-se para Coruche, na expectativa de um futuro sua docência de Direito Canónico, Liturgia e Pastoral
melhor, e depois para Lisboa, onde a Ir. Maria das no Seminário da Luz.
Ir. Maria de São Francisco, primeira Superiora
Graças efectuou os seus estudos. Em Dezembro de 1947, teve o primeiro contacto
Geral da Congregação (I)
Com 39 anos ingressou no Instituto das Religiosas com a Casa de Nazaré e conheceu a Ir. Maria das
Reparadoras de Nossa Senhora das Dores, em Fátima Graças Rosa. Deste contacto, a vida pastoral tomou
(com o nome de Ir. do Preciosíssimo Sangue de Seguiu-se um momento particularmente delicado, um rumo que absorveu Fr. António Pedro e que o
Jesus), onde permaneceu, porém, apenas por um na sequência do prematuro desaparecimento da impediu de se introduzir no campo da investigação.
breve período, regressando depois a Lisboa (1940), Ir. Maria das Graças Rosa, sobretudo pela ausência A Ir. Maria das Graças solicitou a sua ajuda quer no
onde dá início a uma actividade assistencial junto (súbita e inesperada) de uma figura tutelar e caris- desenvolvimento da Casa da Nazaré quer na estruturação
de crianças abandonadas. mática como era a da Fundadora. A 26 de Novembro e consolidação da futura Congregação que se propusera
A 12 de Agosto de 1943 a Ir. Maria das Graças Rosa de 1960 D. António Bento Martins Júnior nomeou fundar em louvor de Nossa Senhora, medianeira de
fundou as Florinhas de N. Sr.ª das Graças e de Superiora e representante legal da Pia União a todas as graças, com sede na Arquidiocese de Braga.
S. Francisco de Assis, sob a designação jurídica de Ir. Maria da Soledade, de nome religioso Ir. Maria de Fr. António Pedro encorajou a Ir. Maria das Graças a
Casa de Nazaré, e aprovada pelo Cardeal Patriarca São Francisco de Assis. A Pia União progrediu graças apresentar a sua ideia de uma nova Congregação ao
de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Esta Obra, ao empenhamento do P.e António Pedro d’Anunciação, Arcebispo-Primaz de Braga, D. António Bento Martins
instalada numa casa que possuía, na confluência da da Ir. Maria de São Francisco de Assis e do próprio Júnior. Este, após alguns encontros, anuiu apoiar essa
R. de S.ta Marta com a R. Prior Coutinho, tinha por Arcebispo de Braga. Obra.
primeira finalidade a protecção e promoção de A 8 de Dezembro de 1967 a Pia União foi erecta Após a morte da Ir. Maria das Graças, o Arcebispo-
meninas pobres, órfãs e abandonadas. Congregação Religiosa de Direito Diocesano e, a 22 -Primaz de Braga insistiu que Fr. António Pedro

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS SERVIDORAS DE JESUS

substituísse por inteiro a Fundadora dentro daquela Nossa Senhora das Graças, 2002; JALÔTO, Maria José
Pia União, que a desenvolvesse e que a conduzisse Marques, Servas Franciscanas de Nossa Senhora das
até à sua elevação a Congregação Religiosa, em Graças: História e Carisma da Congregação, Braga,
trabalho atento de estruturação e consolidação nos Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças,
seus vários níveis: jurídico, económico, espiritual, 2002; VIEIRA, Maria do Pilar S. A., “Franciscanas de
apostólico, de admissão e formação religiosa dos Nossa Senhora das Graças, Congregação das Servas”,
seus membros e de condução da Pia União e das suas in Carlos M. Azevedo (dir.), Dicionário de História
comunidades constituídas e a constituir. Fr. António Religiosa de Portugal, vol. A-C, [Lisboa], Círculo de
Pedro aceitou o desafio e, para assegurar um melhor Leitores/Centro de Estudos de História Religiosa da
acompanhamento espiritual e formativo, fixou a sua Universidade Católica Portuguesa, 2000, p. 273.
residência na Q.ta do Real. Digital: www.cnossasenhoradasgracas.pt.
Apesar do contínuo trabalho no apoio espiritual à
Comunidade, Fr. António Pedro foi ainda Assistente TERESA LEONOR M. VALE
Religioso do Instituto da Sãozinha (sito em Abrigada,
Alenquer), Vice-Postulador da Causa da Beatificação
da Serva de Deus Maria da Conceição Pimentel, a SERVIDORAS DE JESUS
Sãozinha, e juiz no tribunal eclesiástico de Braga, As designadas Servidoras de Jesus do Cottolengo
tendo falecido a 11 de Agosto de 2000. do Padre Alegre e conhecidas, habitualmente, por
Como se referiu, a 8 de Dezembro de 1967, aquela As servas franciscanas Ir. Judite e Ir. Maria de Jesus Irmãs do Cottolengo do Padre Alegre, ou, de forma
que era até então uma Pia União, foi erecta Con- em Fátima (AJ) mais breve, por Servidoras de Jesus, têm por Funda-
gregação Religiosa de Direito Diocesano – sob a dores o P. e Jacinto Alegre Pujals (24.12.1874 –
designação de Congregação das Servas Franciscanas acolhimento aos peregrinos, a denominada Casa de 10.12.1930) e a Madre Dolores Permanger Volart
de Nossa Senhora das Graças –, tendo a mesma N. Sr.ª das Graças (R. do Anjo de Portugal, n.º 7, (15-01-1886 – 03-09-1970). Foram instituídas como
sido agregada, a 22 de Dezembro do mesmo ano, Fátima), e do Lar de S.ta Clara (R. de Cedofeita, n.º Pia União, em Barcelona, a 23 de Outubro de 1939,
à Ordem Franciscana. Neste sentido, nas Consti- 239, Porto), destinado a estudantes do ensino secun- erigidas Congregação Religiosa de Direito Diocesano
tuições, pelas quais a Comunidade se rege, encontra- dário e superior. Distribuídas por estas três casas a 24 de Setembro de 1969, e receberam, finalmente,
-se claramente definido que S. Francisco de Assis é contam-se 18 religiosas (10 na Casa-Mãe, 5 na Casa a 16 de Maio de 1985, a aprovação de Direito
padroeiro e modelo, pelo que as Servas Franciscanas de Fátima e 3 no Lar do Porto), às quais se juntam Pontifício.
de Nossa Senhora das Graças seguem a Regra da uma noviça e 2 postulantes (na Q. ta de Real). Foi a partir de 1989 que se fixaram em Portugal.
Ordem Terceira Regular de São Francisco de Assis. As Servas Franciscanas de Nossa Senhora das Graças Inicialmente, eram três as irmãs que vieram residir
Com fidelidade ao ideal franciscano, procuram estas constituem-se como exemplo paradigmático da para a R. do Passadiço, n.º 26, passando a viver na
Religiosas continuamente a ascese espiritual, até à situação actual das congregações religiosas: erectas Ameixoeira, à data de 1993, numa casa (Casa da
configuração total com Cristo: fazem-no, porém, canonicamente após o Concílio Vaticano II, inserem- Divina Providência, como se denominam as suas
com equilíbrio, conscientes de que, na sociedade -se no grande movimento de renovação da vida casas) que melhor se adaptava ao desempenho do
actual, a vivência plena dos três Conselhos consagrada que se lhe seguiu; as suas comunidades seu múnus apostólico.
Evangélicos (guardando com seriedade e rigor o são relativamente pequenas, mas unidas na busca O serviço por elas prestado focaliza-se no aten-
conteúdo dos votos professados) é, por si, uma de uma comunhão verdadeira e de uma vida fraterna, dimento, quer material quer espiritual, aos enfermos
verdadeira penitência. testemunhal da presença de Deus em cada ser incuráveis e pobres, especialmente os que se
As Constituições exprimem igualmente, com clareza humano; a sua média de idades ronda os 60 anos; encontram mais necessitados e marginalizados,
e sem ambiguidades, a forma como os três Conselhos a Casa Generalícia não teve nunca completamente presidindo, segundo o seu carisma, uma forma de
Evangélicos hão-de ser vividos, por amor a Cristo. preenchidos os seus espaços destinados à formação, estar marcada pelo modelo de vida familiar e que
Ao procurarem, de forma continuada, viver na mais mas manteve sempre uma actividade regular (na se alicerça numa atitude de abandono total na
completa pobreza material e de espírito, na mais última década chegaram ao Noviciado seis candidatas, Providência de Deus Pai e na Adoração constante a
absoluta caridade e em perfeita castidade, com total das quais duas permanecem na Congregação, com Cristo, através do Mistério da Eucaristia. Este
obediência à Vontade Divina, realizam o ideal ascético profissão temporária de votos e aguardando o tempo modo de servir Jesus, proposto pelo seu Fundador,
de amar como Cristo amou. devido para a Profissão Perpétua, e uma realizando o P.e Alegre, inspira-se numa obra italiana por ele
Na identidade franciscana tem igualmente origem o Noviciado). conhecida, a Obra de S. José Cottolengo, e que vai
a dedicação ao serviço dos mais necessitados, do tornar-se explícito no nome escolhido para a
ponto de vista material e espiritual, o que as Servas BIBLIOGRAFIA: Anuário Católico de Portugal 2007, Congregação. O P.e Jacinto Alegre, sacerdote jesuíta,
Franciscanas de Nossa Senhora das Graças concre- [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência Episcopal ao deparar com a existência de muitos doentes
tizam, ocupando-se da infância desprotegida, da Portuguesa, 2007, p. 873; “Franciscanas de Nossa pobres que não eram atendidos, com especial inci-
velhice desvalida e dos peregrinos. Senhora das Graças”, in Paz e Alegria, n.º 69, Lisboa, dência para o caso dos incuráveis, circundando a
Finalmente, um último aspecto da espiritualidade s.n., 1988, pp. 25-28; GOMES, Saturino da Costa, acção divina e conhecendo a Obra de S. José
franciscana deve ser referenciado: a porfia nas mani- scj, et alii, Vinde e Vede: Formas de Vida Consagrada Cottolengo, em Turim, ao regressar a Espanha come-
festações mútuas de fraternidade, pelo que as Servas na Igreja, Lisboa, Paulinas, 1994, p. 40; Irmã Maria ça a divulgá-la junto de um grupo de pessoas. Tendo
Franciscanas de Nossa Senhora das Graças promovem das Graças Rosa, Frei António Pedro da Anunciação, sido instituída a causa da sua beatificação, até à
a criação de relações humanas calorosas e apoiadas O.F.M., Braga, Servas Franciscanas de Nossa Senhora data, já foi reconhecido como Servo de Deus.
em verdadeira caridade. das Graças, s.d.; JALÔTO, Maria José Marques, Irmã Em resposta ao seu carisma, as Servidoras de Jesus
Para além da Casa-Mãe de Real, a Congregação Maria das Graças Rosa: Uma Vida ao Serviço da do Cottolengo do Padre Alegre, fundadas em
assegura ainda o funcionamento de uma casa de Vontade de Deus, Braga, Servas Franciscanas de Espanha, ainda estão, actualmente, presentes em

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TERESIANAS

doentes ou abandonados; e por outras pessoas que Matemática ainda como subdiácono e exerceu essas
“desejosas de colaborar para que o divino desígnio funções como sacerdote durante 11 anos, até 1876,
de Salvação alcance todos os homens”, consagram altura em que fundou a Companhia de Santa Teresa
toda a sua vida cooperando na sua tarefa de serviço de Jesus e passou a dedicar-se mais à Companhia,
ao doente mais pobre, e assim “participam zelosa- às Associações Juvenis por ele fundadas e ao trabalho
mente na obra salvífica da Igreja”. de escritor, formador e publicista do jornal O Amigo
do Povo e da revista Santa Teresa de Jesus. Continuou
a trabalhar na catequese, partindo da experiência
já adquirida nos anos de seminarista, mas assumindo
a partir desta altura a responsabilidade de toda a
catequese da cidade de Tortosa, onde, nos anos de
Casa da Divina Providência, Lisboa (JAM) 1870 a 1871, as oito secções catequísticas tinham
inscritas 1200 crianças. A catequese e a escola eram
Portugal e na Colômbia. Em Espanha, onde a sua para Henrique de Ossó os dois meios mais impor-
presença é mais significativa, têm seis casas criadas, tantes para renovar a sociedade e salvar a sua pátria.
nomeadamente, em Barcelona (1939), Valência Destacou-se ainda como pregador e formador
(1943), Madrid (1948), Santiago de Compostela religioso de seminaristas e catequistas, para quem
(1951), Hurdes – Cáceres (1952) e Alicante (1963). escreveu, em 1869, o Regulamento da Associação
À Colômbia chegaram em 1984, fundando a casa Casa da Divina Providência, Lisboa (JAM)
do Ensino Metódico e Constante da Doutrina Cristã
de Buenaventura e, posteriormente, desde 1998, para os Catequistas e o Regulamento para as Crian-
estão ainda presentes em Popayán. ças. Em 1872, escreveu o Guia Prático do Catequista
Na denominada Casa da Divina Providência, em Esta Instituição da Igreja é constituída actualmente no Ensino Metódico e Constante da Doutrina Cristã.
Portugal, as quatro religiosas aí existentes vivem, tal por cerca de 80 religiosas de vida consagrada, das Em 1870, fundou a associação religiosa dos
como nas outras casas, com os doentes, 16 no caso quais quatro vivem em Portugal, que, ao professarem, Associados da Puríssima Conceição com um grupo
português, procurando oferecer-lhes a ajuda vestem um hábito de cor branca com um véu azul de rapazes camponeses de Tortosa. Para as raparigas,
apropriada ao seu desenvolvimento integral, daí e trazem suspenso ao peito, por um simples cordão criou em 1873 a Associação das Filhas de Maria e
contemplarem-se, a par dos aspectos físicos, os azul, um crucifixo de metal. Teresa de Jesus e escreveu o Regulamento e Orações
espirituais e respeitar-se sempre o ideal filosófico e de Visita da Arquiconfraria de Jovens Católicas Filhas
religioso do doente, ao tratar-se de uma pessoa BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Cottolengo do Padre de Maria Imaculada e Santa Teresa de Jesus. Para
consciente deles ou dos seus representantes legítimos, Allegre: Casa onde se Experimenta a Presença ajudar as jovens a rezar segundo o modelo de Santa
em caso de incapacitados mentais. Deste modo, as Amorosa e Previdente de Deus, acervo documental Teresa de Ávila, em 1874 escreveu o livro O Quarto
Irmãs do Cottolengo do Padre Alegre não só se da Casa da Divina Providência das Servidoras de de Hora de Oração, cujo sucesso foi tão grande
preocupam em proporcionar-lhes alimentação, ves- Jesus do Cottolengo do Padre Allegre, Lisboa, s.d; que ainda em vida do autor conheceu 15 edições.
tuário e cuidados médicos, mas concentram, também, Cottolengo do Padre Alegre (trifolio), acervo Para as crianças, fundou, em 1875, uma associação
a sua acção na oferta de uma educação apropriada, documental da Casa da Divina Providência das com o nome de Rebanhito do Menino Jesus e
em certos casos, formação geral, reabilitação física Servidoras de Jesus do Cottolengo do Padre Allegre, escreveu os livros Viva Jesus!, o Regulamento e
ou instrução religiosa, conforme as necessidades de Lisboa; Impressa: H ERNÁNDEZ , Luís Gonazález, A Preces do Rebanhito do Menino Jesus de Teresa
cada um e no respeito pela sua dignidade pessoal. Semente que Cresceu… Auto-biografia do P. Jacinto (1881) e Tesouro da Infância (1892). Para os homens
Sintetizando, pode-se recorrer a um dos folhetos Alegre Fundador do Cottolengo, Barcelona, de qualquer profissão e condição social, fundou, em
escritos pelas irmãs portuguesas para divulgação da L’Hospitalet de Llobregat, 2000; VIVES, Bernardino 1875, a Irmandade Josefina, sob a protecção de S.
sua Congregação e afirmar que, impulsionadas por Llorca, El Padre Jacinto Alegre Pujares: Iniciador y José, e escreveu para eles o livro O Devoto Josefino.
um carisma que se define na “atenção ao doente Fundador del Cottolengo del Padre Allegro, Barcelona, Foi fundador e director da revista Santa Teresa de
mais pobre e necessitado”, no “abandono total e Pasajesa Sagrada Família, 1989. Jesus, que dirigiu durante 24 anos ininterruptos, até
confiado na paternal e amorosa providência de Deus” à morte. Destacou-se ainda como pregador. Mas é
e na “adoração constante a Cristo na Eucaristia”, MARIA JOSÉ REMÉDIOS com a fundação da Arquiconfraria Teresiana
elas definem-se como membros de uma família. (abreviatura da Associação das Filhas de Maria
Cottolengo é “uma família congregada por Deus e Imaculada e de Teresa de Jesus, actualmente,
unida pelo amor”, sendo esta constituída pelas TERESIANAS Movimento Teresiano de Apostolado, ou MTA) e da
irmãs que se propõem viver com toda a radicalidade, A Companhia de Santa Teresa de Jesus (STJ) Companhia de Santa Teresa de Jesus que, não sem
como dom do Espírito Santo e com a Sua força, a (conhecida por Irmãs Teresianas) foi fundada em dificuldades, crises internas e mesmo atritos com as
característica da sua vocação, que é a entrega da 1876 pelo P.e Henrique de Ossó e Cervelló (1840- autoridades eclesiásticas, o P.e Ossó deixará a sua
própria vida ao serviço de Jesus na pessoa dos pobres -1896), em Tarragona, com espiritualidade teresiana marca mais perene.
e doentes mais necessitados, com uma atitude de de vida activa. Natural de Vinebre, na região de De todas as suas obras, a mais importante foi, com
abandono total e confiadas na amorosa Providência Tarragona, filho de agricultores moderadamente efeito, a fundação de uma Congregação religiosa
de Deus Pai e em adoração constante a Cristo, o desafogados, Henrique de Ossó foi um incansável dedicada à educação da infância e da juventude,
Senhor, no Mistério da Eucaristia; pelos doentes sacerdote diocesano, ordenado em 1867. Destacou- formada por mulheres que livremente quisessem
muito pobres que não podem ser atendidos noutras -se como sacerdote educador multifacetado, porque seguir o modelo de santidade de S.ta Teresa de Ávila.
instituições, sempre com preferência por aqueles foi professor, catequista, pregador, periodista, escritor Daqui nasce a denominação de Teresianas. A con-
que não têm nenhuma providência humana a velar formador religioso e fundador de congregações. cepção da ideia que gerou a fundação da Companhia
por eles, isto é, os mais carenciados economicamente, Iniciou as funções de professor de Física e de de Santa Teresa de Jesus, a 23 de Junho de 1876,

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TERESIANAS

teresiano em Espanha, quer de carisma contem- Ossó, sete jovens portuguesas se dirigiram ao
plativo, quer de carisma activo. Se por um lado é Noviciado teresiano de Tortosa. “Bienaventuradas
visível a marca do exemplo teresiano – Ossó quis esas almas tan esforzadas, primicias del suelo católico
que as suas religiosas fossem, se possível, “outras portugués!”, exclamará mais tarde o Fundador das
Teresas de Jesus” –, o carisma da Congregação, por Teresianas. Em Agosto de 1883, Ossó recebera uma
outro lado, dá importância nuclear à figura de Cristo. carta de Coimbra, do P.e Almeida Silvano, doutor
“Não ameis ninguém mais do que a Jesus, e a Jesus em Teologia e Director do jornal católico A Ordem,
não O ameis senão por Ele”, nas palavras de Henrique manifestando interesse em que as Teresianas se
de Ossó. O cristocentrismo do carisma teresiano instalassem em Portugal e transmitindo igualmente
manifesta-se nos planos da oração, do ensino e do a informação de que uma senhora se dispunha a
sacrifício. As Teresianas consideram a escola o lugar contribuir financeiramente para a realização de tal
Escudo das Teresianas (I) privilegiado de evangelização, mas possuem uma projecto. Em Novembro, o P. e Henrique de Ossó
concepção ampla do “apostolado educativo”, no dirige-se a Portugal e o ambiente que encontra é o
contexto do qual são desenvolvidas outras actividades de uma sociedade confrontada pela laicização, pela
formou-se no P. e Henrique de Ossó a partir da pastorais compatíveis com o seu carisma. A peda- supressão de congregações religiosas, por fortes
Arquiconfraria e do ensino escolar das crianças, após gogia teresiana, segundo os Apontamentos, com- críticas à religião e por ataques anticlericais. Podia-
a realização de exercícios espirituais em Tarragona. pilados na segunda metade do séc. XX a partir dos -se contar com a fé simples do povo, que, ajudado
A 1 de Janeiro de 1879, as oito fundadoras da ensinamentos de Henrique de Ossó, assenta em por alguns sacerdotes zelosos, despertavam as
Companhia emitem os votos religiosos por três anos, ideias como as da identidade de objectivos entre vocações religiosas. Em 1884, enquanto as jovens
na Capela de S. Paulo, em Tarragona. Em Outubro educação e religião, já que ambas concorrem para portuguesas se preparam em Espanha, cinco
desse ano, as carmelitas de Tortosa apresentam um a perfeição integral da pessoa, do papel decisivo da teresianas espanholas vêm para Portugal, acom-
recurso ao Provisorado de Tortosa pelos “graves mulher, da educação moral positiva, da convergência panhadas da superiora geral e do missionário
danos” que alegam ser provocados pela Casa-Colégio inalienável entre religião e moral, da importância da português P.e Lourenço Gonçalves, instalando-se no
(Noviciado) de El Jesús, entretanto construído num formação intelectual e estética e, bem assim, da antigo convento franciscano do S.to Cristo, em Fraga
terreno cedido por uma benfeitora da Companhia educação física e da civilidade. As prioridades (Viseu).
e no qual também se encontrava o dito convento didácticas eram a doutrina cristã, a religião e moral, Durante a vida do Fundador, as Teresianas fundaram,
das carmelitas. Assim se inicia um longo processo a pedagogia, a gramática e aritmética, a leitura e a em Portugal, colégios em Fraga e em Torres Novas.
judicial, que passa pela imposição do interdito ao escrita. A Companhia desenvolve a sua acção O de Fraga funcionou de 1884 a 1897. Foi “o
Noviciado de El Jesús (1884) e pela sentença do evangelizadora carismática ao nível da educação, Montserrat de Portugal”, como lhe chamou uma
Tribunal Eclesiástico de Tarragona, que, em 1886, quer esta seja desenvolvida na escola ou noutros das teresianas espanholas que chegaram ao nosso
ordena a demolição desse Noviciado. âmbitos, principalmente junto de crianças e jovens. país em 1884. Dois anos depois, Henrique de Ossó
Entretanto, a Companhia crescia em número de A pedagogia teresiana é hoje entendida e desen- empreende uma segunda viagem a Portugal, entre
irmãs e de obras, estendendo-se por diversas terras volvida como um projecto global que aponta directa- Outubro e Novembro de 1886. Escreverá ao seu
e povoações. Em 1887, o P. e Henrique de Ossó mente o núcleo da pessoa e do seu processo amigo Juan Bautista Altés dando-lhe conta do
converte a sua casa natal em colégio da Companhia formativo. Pretende que os sujeitos do acto educativo aumento das internas, vindas de Viseu e até de
e as Irmãs Teresianas passam a estar presentes desenvolvam as suas capacidades e sejam agentes Lisboa, e do apoio das populações às “Senhoras
também em Vinebre. Em Abril de 1890, é inaugurada de transformação social, comprometendo-se com a Espanholas da Fraga”, como eram conhecidas na
a Casa-Mãe da Companhia de Santa Teresa de Jesus promoção da liberdade, da paz e da justiça. região. Ossó falará de uma “fome de fundações
em Ganduxer (Barcelona), edifício da autoria do religiosas em Portugal” e, não por acaso, em pouco
arquitecto Antonio Gaudí. Henrique de Ossó faleceria tempo as Teresianas abririam outros estabelecimentos
vítima de um ataque cerebral a 27 de Janeiro de de ensino: o Colégio de Torres Novas (1887); o
1896, com apenas 55 anos, no convento franciscano Colégio de S. ta Cristina do Couto, em S. to Tirso
de S. to Espírito del Monte (Gilet, Valência). Será (1897); o Colégio do Porto, na R. de Cedofeita
beatificado a 14 de Outubro de 1979, em Roma, e (1907); e a Escola Paroquial de S. Martinho do
canonizado em Madrid, por João Paulo II, a 16 de Campo, em S.to Tirso (1907). A legislação de Hintze
Junho de 1993. No ano da morte do Fundador, a Ribeiro de 1901, que obrigava ao registo das
Companhia estava já espalhada por diversos países congregações religiosas, conduziu à constituição da
da América e em Portugal. No entanto, o P.e Henrique Associação de Santa Teresa de Jesus, fundada na
de Ossó deixaria por realizar dois dos seus sonhos. Freguesia de S. ta Cristina do Couto, Concelho de
Um deles seria o dos Missionários Teresianos, Primeiro grupo de noviças e pré-noviças, Fátima, 1971 (I) S.to Tirso, Distrito do Porto. O número de Teresianas
integrado por sacerdotes. Estes Missionários foram até 1910, segundo os dados aproximativos de Artur
fundados no México, cerca de um século após a As Teresianas expandem-se rapidamente. Em 1899, Villares, não eram muito expressivos, sobretudo se
morte do P. e Henrique de Ossó, pela mão do 13 anos após a fundação da Companhia, existiam comparados com os de congregações de maior
P.e Carlos Rogel. Outro seria a Irmandade Teresiana 32 fundações, especialmente na Catalunha, mas dimensão, como as Doroteias. Assim, registam-se
Universal, uma confederação de carácter universal também noutros lugares de Espanha: Aragão (La 19 religiosas em 1902, 16 em 1903, 17 em 1904,
cuja espiritualidade se centraria na figura de Almunia), Valência, Alcira, Salamanca, Ciudad 18 em 1905, 17 em 1906, 17 em 1907, 28 em
S.ta Teresa de Jesus. Rodrigo, La Rioja (Calahorra) e Madrid. Portugal foi 1908, 32 em 1909 e 31 em 1910. É de assinalar o
A criação da Companhia inscreve-se no contexto do o primeiro campo de acção da Companhia fora de crescimento ocorrido nos anos finais do regime
terceiro centenário da morte de S.ta Teresa, ocasião Espanha. As suas origens entre nós remontam a monárquico, relativamente diminuto mas em todo
em que se verifica uma renovação do movimento 1884, quando, por orientação do P.e Henrique de o caso expressivo no difícil contexto da época: as

531
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TERESIANAS

Teresianas quase duplicam em número no período hábito. Alguns anos mais tarde, em 1955, teve de Cristo-Rei (Nicarágua, Costa Rica, Cuba, Guatemala),
1908-1910 em relação ao período 1902-1907. Com encerrar. No ano de 1937, abriu o Pensionato de a Província da Virgem do Carmo (Chile), as Províncias
a implantação da República e a extinção das ordens Coimbra para estudantes universitárias. Foi o Cónego do P.e Henrique de Ossó e de N. Sr.a de Guadalupe
e congregações, as Teresianas abandonam Portugal, António Ramalho que solicitou à superiora geral que (México), a Província do Sagrado Coração (Espanha),
dirigindo-se para a América do Sul (sobretudo para a Companhia estabelecesse uma casa-pensionato a Província de S.ta Teresa (Espanha-Costa do Marfim
o Brasil) e para Espanha. Regressariam em 1924, a para estudantes na cidade de Coimbra, a fim de e França), as Províncias da Virgem da Esperança e
pedido do Arcebispo de Évora, D. Manuel Mendes apoiar ali mesmo, e com mais facilidade, uma escola do Pilar (Espanha), a Província de S. Francisco de
da Conceição Santos (antigo aluno do Colégio de de ensino primário completamente gratuita. A escola Sales (Estados Unidos), a Província de N. Sr.a Aparecida
Torres Novas), e, nesse mesmo ano, fundam um primária, passados alguns anos, teve de fechar, mas (Brasil), a Província de S. José (Argentina, Bolívia e
colégio na cidade de Elvas. Dada a hostilidade do a residência universitária continua na Av. D. Afonso Uruguai), a Província de N. Sr.a de Caacupé (Paraguai),
regime – e a consequente necessidade de ocultar o Henriques, para onde mudou no ano de 1955. Em a Província de Maria Rainha (Angola, S. Tomé e
carácter religioso daquele estabelecimento de ensino 1941, a obra na Foz do Douro foi fechada e foi Moçambique) e a Província de Maria Mãe da Igreja
–, o colégio foi denominado “Sociedade de Educação aberta uma residência universitária no Porto. Em (Itália), as casas dependentes da Direcção Geral
e Ensino do Colégio Luso-Britânico”. As religiosas 1945, com a erecção canónica, nasce em Portugal (Filipinas) e a Delegação da Costa do Marfim e
vestiam secularmente e o ensino da Religião e Moral a Província da Imaculada Conceição, com a primeira Burkina Faso.
era feito de modo clandestino. No ano de 1932, foi superiora provincial portuguesa, e a expansão das Actualmente, as Irmãs Teresianas em Portugal
fundado, em Braga, um colégio, com o nome de comunidades em Portugal e em Angola. Em 1947, formam 19 comunidades espalhadas por dez
Colégio Teresiano de Jesus, Maria e José, por três abriu-se uma residência universitária em Lisboa, na dioceses. Prestam variados serviços: em colégios
irmãs que tinham estado no Colégio de S.to Tirso, R. Gomes Freire. Após o 25 de Abril de 1974, (Braga, S. to Tirso e Elvas); em pastoral social e
formaram-se comunidades em várias vertentes, paroquial (Arcos de Valdevez, Almendra, Foz Côa,
nomeadamente na da obra paroquial: Centro Social Alpalhão, Torres Vedras e Lisboa); em pastoral
Paroquial de Almendra (1975); na Lourinhã (1975); universitária (Coimbra, Porto e Lisboa); em casas
Centro Social Teresiano de Verim, na Póvoa de de acolhimento e de espiritualidade (Braga, Fátima
Lanhoso (1980); em S. to António dos Cavaleiros e Elvas); e comunidade de inserção em bairros da
(1980); Centro Social Paroquial de Alpalhão, em periferia (Lisboa).
Portalegre (1980); em Arcos de Valdevez (1988); O Movimento Teresiano de Apostolado (MTA) é
Centro Social Paroquial em Vila Nova de Foz-Côa constituído por leigos e leigas que desejam viver o
(1996); Escola Superior de Educação de Torres Novas Cristianismo com a espiritualidade de S.ta Teresa de
(1979); casa de oração e exercícios, em Fátima (1969); Jesus, partilhando do mesmo carisma que as Irmãs
e Q. ta de S. João, em Elvas (1990). Mais recen- Teresianas. Trata-se de um movimento internacional
temente, foram formadas comunidades, na vertente com autonomia e com estruturas próprias, formado
Alunas do Colégio Teresiano num campo de férias, da obra social, em Alcântara e em Telheiras. por três ramos: para crianças, para jovens e para
Braga, 1968 (I)
A Província Portuguesa da Companhia de Santa adultos.
Teresa de Jesus, em 1949, alarga o seu campo de Actualmente, formam a Família Teresiana: a Com-
com a ajuda das senhoras Conceição e Maria José acção a África, dando início, em Angola, a diversas panhia de Santa Teresa de Jesus; a Comunidade
Morais de Miranda, antigas alunas de S.ta Cristina obras na linha educativa e sanitária. Educativa Teresiana (para professores, funcionários,
(S.to Tirso), que lhe prepararam a casa. Quando a pais e alunos), o Movimento Teresiano de Apostolado
Guerra Civil rebentou em Espanha, as noviças e as (MTA), os Irmãos de Companhia (com carta de
irmãs professas portuguesas repatriadas que irmandade) e os Associados Teresianos (movimento
constituíram a comunidade do Noviciado ficaram de leigos, homens e mulheres, casados e solteiros,
durante algum tempo nas instalações do colégio. que decidiram viver a sua condição de cristãos
No dia 22 de Setembro de 1933 abre uma nova vinculados à espiritualidade da Companhia de Santa
fundação, na Freguesia de S. João da Foz (Foz do Teresa de Jesus).
Douro), com escola/obra social, com o nome de
Escolas Jesus, Maria e José. Havia aulas gratuitas e BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: ALMEIDA, Fortunato de,
leccionação paga com alunos de ambos os sexos. História da Igreja em Portugal, 4 vols., Nova edição
Após 10 anos da sua fundação, teve de fechar, mas de Damião Peres, Porto-Lisboa, Livraria Civilização,
sem que as Teresianas tivessem de sair do Porto. No 1970-1971; Companhia de Santa Teresa de Jesus,
mês de Setembro de 1936, a pedido das mesmas Trad. portuguesa, Barcelona, Edições STJ, s.d.;
antigas alunas, do Colégio de N. Sr. a do Carmo MOLINS, Maria Vitória, Assim Era Henrique de Ossó,
(S.ta Cristina), foi novamente aberto o Colégio de Braga, Editorial A. O. – Irmãs Teresianas, 1996;
S.to Tirso, instalado numa parte da sua própria casa. OSSÓ, Henrique de, Apontamentos de Pedagogia
Irmãs com crianças da Cruzada Eucarística, Fátima, 1970 (I)
As duas antigas alunas apoiaram as irmãs, dando- Teresiana, Trad. portuguesa, s.l., s.n., s.d.; VILLARES,
-lhes tudo de que precisavam. No mesmo ano de Artur, As Congregações Religiosas em Portugal
1936, abriu o Colégio de N. Sr.a do Rosário, em As Teresianas encontram-se hoje implantadas em (1901-1926), Lisboa, Fundação Calouste Gul-
Portalegre, a pedido do Sr. Laureano Sardinha e da várias partes do mundo, com claro predomínio da benkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
sua esposa, grandes amigos das Irmãs Teresianas. América Latina, tendo, de certo modo, Espanha 2003; Digital: www.teresianas.org; www.stjteresia
O Bispo D. Domingos Frutuoso, religioso dominicano, como centro irradiador. Assim, é possível elencar a nas.pcn.net.
devoto de S.ta Teresa de Jesus, recebeu bem as Irmãs Província do Coração de Maria (Colômbia), a Província
Teresianas e permitiu-lhes que andassem com o de N. Sr.a de Coromoto (Venezuela), a Província de ANTÓNIO DE ARAÚJO

532
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TRABALHADORAS MISSIONÁRIAS DA IMACULADA

TRABALHADORAS MISSIONÁRIAS mente ao Vietname, Saigão e Filipinas, e à América de 1987, pelo decreto assinado pelo P.e John Malley,
DA IMACULADA latina, também em 1960 (Argentina, Peru, Brasil, Prior Geral da Ordem.
A Congregação das Trabalhadoras Missionárias da México). No que respeita à Oceânia, em 1966 são A presença da Congregação em Portugal não é ainda
Imaculada foi fundada a 11 de Fevereiro de 1950, enviadas trabalhadoras para a Nova Caledónia, mas uma realidade. Todavia, as Trabalhadoras Missioná-
na Diocese de Besançon, em França. O responsável só em 1992 é que abriram um restaurante “Eau Vive” rias ficarão instaladas em Braga, no Mosteiro
pela fundação desta nova entidade foi o P.e Marcel na ilha de Wallis, localidade onde ensinam catequese de S. Martinho de Tibães – antiga Casa-Mãe dos
Roussel. Nascido a 8 de Junho de 1910 em Franche- nas escolas. Beneditinos portugueses. Foram feitas obras para
-Comté, Marcel Roussel-Galle recebe dos pais a base Os estabelecimentos que iam inaugurando construir uma zona nova de clausura e reformar
da sua educação cristã. Com a tenra idade de 11 espalharam-se por vários sítios. Estes restaurantes outras partes do prédio histórico, com o objectivo
anos entra para o Seminário da Consolação, onde pretendem ser centros de acolhimento e prece. Ao de serem instalados uma albergaria e um restaurante
fomenta o seu amor por Jesus. Aos 16 anos, é incitar a oração num local que se consideraria abertos ao público. De momento, estão ainda em
confrontado com a morte da mãe, que adoecera estranho, elas transmitem a ideia de que não se Roma, onde se encontra o Centro de Direcção da
repentinamente, não sem antes incentivar o seu filho deve rezar apenas na igreja, mas fazer de cada dia Família Missionária Donum Dei.
a terminar o seminário. Assim, com 18 anos de uma prece. Por outro lado, estes centros são também
idade, Marcel entra para o Seminário de Filosofia o principal meio de subsistência destas mulheres. BIBLIOGRAFIA: www.fmdonumdei.org/mot_fr.htm.
de Faverney, seguindo posteriormente para Besançon. A sua influência foi tal que outras pessoas, fartas
Já nessa altura demonstrava uma grande sensibilidade da vida medíocre que levavam, se lhes juntaram. PAULA CRISTINA FERREIRA DA COSTA CARREIRA
relativamente aos pobres e estava atento às O P.e Marcel Roussel alertava para o facto de todos
necessidades de uma missão evangelizadora por os homens serem chamados por Jesus para a
toda a Humanidade. santidade. Assim, devido a estas circunstâncias, cria- TRINITÁRIAS
Poucos meses depois de o seu pai falecer, Marcel -se em 1982 uma fraternidade, composta por famílias, O ramo feminino da Ordem da Santíssima Trindade,
foi ordenado Padre, a 22 de Dezembro de 1934. jovens e todos aqueles que quisessem entrar. À fra- conhecido por Trinas, dedicou-se à educação e vida
Por esta altura, o desejo de espalhar a Boa Nova ia ternidade e ao conjunto das Trabalhadoras Missio- de piedade. As Trinas, ou Trinitárias, tiveram um
ganhando forma e, para tal, associou-se ao Cardeal nárias da Imaculada, o P.e Marcel Roussel dá o nome convento em Guimarães (1653), dois em Lisboa, o
Suhard, ao P. e Godin e ao P. e Geri, entre outros de Família Missionária Donum Dei. Mosteiro de N. Sr.a da Soledade do Mocambo (1657)
seguidores. Estas personalidades partilhavam o mes- Considerando a dimensão do seu movimento, o e o de N. Sr.a dos Remédios em Campolide (1633),
mo sentimento: a necessidade de travar a crescente mesmo padre decide juntar a Congregação das e em 1768 fundaram um recolhimento em Braga.
desmoralização e perda de Fé das sociedades Trabalhadoras Missionárias da Imaculada à Terceira Resultam todos de uma renovação pastoral pós-
modernas. O P.e Godin escreveu um livro intitulado Ordem Secular do Carmelo. Porém, faleceu antes -tridentina e não se incluindo neste elenco o supos-
France, Pays de Mission? onde expõe esta preo- de ver concretizado este desejo, a 22 de Fevereiro to Recolhimento das “Emparedadas Trinas” de
cupação. Desta maneira, o ponto de partida para de 1984. Por causa desta sua vontade, a Família Santarém, de princípios do séc. XIII, como entende
receber a missão a que se propuseram foi Paris. Missionária Donum Dei viria a ser um membro da o cronista dos Trinitários, Fr. Jerónimo de São José,
Contudo, o P.e Marcel Roussel sentia que era fulcral Terceira Ordem Carmelita Secular a 22 de Fevereiro por a historiografia consagrar essas reclusas Donas
criar um grupo de raparigas dispostas a votar a sua Dominicanas.
virgindade a Jesus. Tendo como modelos a Virgem
Imaculada, Teresa de Lisieux e Joana d’ Arc, o padre
decide reunir jovens mulheres para executarem esta
missão evangelizadora. Não estariam circunscritas
às paredes de um convento, mas transmitiriam a
palavra no mundo do trabalho, mediante actividades
quotidianas e sem costumes religiosos. Em 1950,
surgem, então, as primeiras trabalhadoras missio-
nárias da Imaculada.
Com base neste ideário, começaram a trabalhar em
bares e fábricas, veiculando e lembrando o encontro
da samaritana com Jesus. No Evangelho de S. João,
Fachada do Mosteiro de Tibães (PCC)
Jesus responde-lhe: “se conhecesses o Dom que
Deus tem para dar a quem é que te diz: ‘dá-me de
beber’, tu é que pedirias, e Ele havia de dar-te água
viva!” (Jo 4, 10). Exercendo a sua influência junto
das pessoas que as rodeavam, as Trabalhadoras
Missionárias conseguem tirar raparigas da prostituição
e difundir a misericórdia de Jesus.
Este serviço missionário prolifera pelos restantes
continentes. As Trabalhadoras chegam a África em
Trinitária (Tours)
1958 (Burkina Faso, República do Congo, Camarões,
Quénia, Nairobi, Madagáscar, Gana, Ruanda, Congo
Brazzaville). Por terras africanas, é fundado o primeiro O Convento de Guimarães foi instituído pelo
restaurante “Eau Vive”, em 1961. Continuando a sua Dr. Paulo de Mesquita Sobrinho, Desembargador da
missão, chegaram à Ásia em 1960, mais propria- Pormenor do interior do Mosteiro de Tibães (PCC) Relação de Braga, por contrato celebrado com a

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TRINITÁRIAS

Irmandade da Misericórdia local, a 20 de Abril de D. Maria I, em 1778, 1782, 1784, 1785 e 1790,
1653, para seis mulheres, eleitas pelo provedor e pelo dia da Santíssima Trindade, sendo, todavia, de
mais irmãos da Mesa da Santa Casa. “Anciãs de assinalar que, de todas as obras realizadas no
virtude e exemplo”, viúvas ou órfãs desamparadas, convento, nenhuma se atribui ao mecenato régio.
estas recolhidas de hábito branco com o escapulário De acordo com o cronista da Ordem, foram prioresas
da Santíssima Trindade tinham obrigações pias – deste mosteiro, até à data de publicação da sua
oração e visita a enfermos. Governado por uma Historia Chronologica da Ordem da SS. Trindade,
regente, nomeada trienalmente, e sujeito à dita em 1794: Soror Catarina de Santo António (1661-
Irmandade, neste convento terão florescido “em -1687), Soror Maria da Soledade (1687-1690), Soror
virtude e Santidade” Soror Ana da Conceição, Soror Maria de São José (1690-1693), Soror Úrsula dos
Maria de Santa Ana, Soror Ana Maria de Jesus e Santos (1693-1696 e 1699-1701), Soror Branca de
Soror Angélica Teresa de São José, todas sepultadas Jesus Maria (1696-1699), Soror Antónia de São Félix
na Igreja da Misericórdia. (1701-1704), Soror Maria da Visitação (1704-1707
Em 1620 houve um projecto para fundar em Lisboa, e 1710-1713), Soror Francisca das Chagas (1707-
na Ermida dos Fiéis de Deus, um Recolhimento da -1710 e 1713-1716), Soror Maria Madalena (1716-
Santíssima Trindade, tendo sido, porém, negada a -1719), Soror Isabel da Conceição (1719-1722 e
licença régia. Mas foi na capital que se instituíram 1728-1731), Soror Catarina Maria do Sacramento
duas comunidades femininas de Trinitárias. O mos- (1722-1725), Soror Mariana do Espírito Santo (1725-
Convento das Trinas (JEF)
teiro das Religiosas Trinas de N. Sr.a da Soledade do -1728), Soror Antónia Maria (1731-1734), Soror
Mocambo (designação relativa ao pequeno bairro Catarina Maria (1734-1737 e 1740-1743), Soror
de pescadores negros aí existente, a Santos) teve a Mariana da Trindade, Soror Francisca das Chagas e Antónia Josefa (1737-1740), Soror Maria Josefa
sua origem numa capela que, sob a mesma invo- Soror Isabel de Santo António. A 18 de Setembro (1743-1746), Soror Vicência Micaela (1746-1752,
cação, tinham fundado na sua casa do B.º de desse ano, a costumada Procissão dos Trinitários, 1755-1758 e 1761-1764), Soror Brisida Maria (1752-
Mocambo, Cornélio Vandali e sua mulher, Marta de em solenização do Santíssimo Nome de Maria, dirigiu- -1755 e 1758-1761), Soror Teresa Luísa (1764-1767,
Bós, ambos de nação flamenga. Vandali deixara em -se para este novo mosteiro, em aparatosa função, 1775-1779 e 1785-1788), Soror Justa de Jesus Maria
testamento o lugar da ermida para aí se construir depositando-se o Santíssimo no Sacrário, onde (1767-1775), Soror Leonor Antónia (1779-1782),
um mosteiro de religiosas professas da Ordem da permaneceu até 18 de Novembro de 1713, quando Soror Maria do Coração de Jesus (1782-1785), Soror
Santíssima Trindade, tendo as obras começado em foi trasladado para a nova igreja. Para a “perfeição” Micaela Teresa (1788-1790), Soror Catarina Joaquina
1657, provavelmente sob direcção arquitectónica de destes altares concorreram várias religiosas (Soror (1790-1793) e Soror Teresa de Jesus (que principiou
Mateus do Couto. O Alvará de 24 de Março de Vicencia Micaela de Santa Maria, Soror Úrsula dos o seu governo em 1793, ainda em curso aquando
1660 autorizava a fundação e a subsequente Bula Santos, Soror Catarina Maria de São José, Soror da edição da dita obra). Algumas destas prioresas
de 29 de Outubro dava a necessária licença para a Mariana do Espírito Santo, Soror Teresa Luísa de São constam da galeria de “heroínas ilustres em virtude
extracção das fundadoras do Convento do Livra- José), enriquecendo-os no ornato diversos nobres e penitência”. Apesar da extinção das ordens reli-
mento, ao Calvário, da Ordem Seráfica. Por escritura (como José Ramos da Silva, Provedor da Casa da giosas em 1834, com dificuldades financeiras que
pública de 4 de Julho de 1662, o Duque de Cadaval, Moeda), sendo alguns desses benfeitores familiares levaram, em 1873, à hipoteca de alguns bens, aí
D. Nuno Álvares Pereira, doou ao novo Convento de recolhidas (tal o caso de Salvador Franco Rainho, permaneceram as Trinas até ao falecimento da última
das Trinas a “Cerca Grande” e outros bens, com a tio de Soror Josefa Helena de Jesus, e do Tenente religiosa (1878), passando, a partir de 1876, a par-
cláusula de reversão, caso fosse extinto. O que veio General da Artilharia, Manuel Gomes de Carvalho, tilhar o edifício com as Irmãs Hospitaleiras, que se
a acontecer, quando, na sequência da ordem régia Cavaleiro da Ordem de Cristo, pai de Soror Justa dedicavam à educação de crianças e à assistência
de 6 de Outubro de 1864, pela qual se mandava de Jesus Maria). Muito contribuiu para o alargamento hospitalar. O mais recente e profundo estudo sobre
ao Patriarca de Lisboa proceder à supressão do do primitivo dormitório D. Maria Madalena de Távora,
Convento das Trinas, por falta de número legal e Condessa de Redondo, que aí se recolheu, aquando
canónico de freiras – havia então apenas quatro da realização de obras de vulto, em 1745, por
religiosas –, D. Maria da Piedade Caetano Álvares ameaça de ruína, e assim se inaugurando “o
Pereira de Melo, requereu, a 1 de Março de 1864, dormitório grande com todas as suas oficinas” a 11
ao Ministério da Fazenda, a tomada de posse do de Junho de 1748, em luzida cerimónia. Impôs a
Casal da Boavista e Buenos Aires, que constituíam destruição do terramoto de 1755 que as religiosas
a chamada Cerca Grande e anexos. A 21 de Agosto se retirassem para a cerca, onde permaneceram
de 1661 entraram as primeiras religiosas: Soror abarracadas durante dez dias, até se mudarem para
Catarina de Santo António, sobrinha da padroeira o sítio da Portela, para a quinta de Francisco da Silva
Marta de Bós, Soror Ana de São Francisco e Soror Lima. Aqui ficaram 14 meses enquanto se reparou
Maria da Natividade, acompanhadas pelos prelados o mosteiro, e a ele se restituíram no dia 8 de Janeiro
das duas religiões – Fr. Manuel da Esperança, da de 1757. Estabelecido inicialmente com 16 religiosas R. das Trinas, em Lisboa (AH)

Ordem Seráfica, e Fr. Gaspar Nogueira, da Ordem – 13 de véu preto e 3 de véu branco –, obteve a
da Trindade – e por damas da Corte – D. Brites de Fundadora concessão pontifícia para recolher as Hospitaleiras, em que se incluem largas páginas
Vilhena, Marquesa de Niza, D. Leonor de Meneses, educandas professas, entre os 7 e os 25 anos, vivendo sobre as Trinas, é da autoria do P.e Henrique Pinto
Condessa de Atouguia, e D. Brites Mascarenhas, apartadas e não excedendo o número de metade Rema, da Ordem dos Frades Menores. Aí analisa,
Condessa de S.ta Cruz. No novo Instituto trinitário das religiosas. Em 1683, tinha já o mosteiro concessão numa revisão crítica, o processo que ficou conhecido
encontravam-se já quatro súbditas vestidas com o para 33 religiosas, a saber: 27 do coro e 6 conversas. como “o caso das Trinas”. Em 1891, uma educanda
próprio hábito: Soror Maria de São Francisco, Soror Honrou este mosteiro com as suas visitas a Rainha deste convento, Sara de Matos, de 14 anos de idade,

534
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS TRINITÁRIAS

foi vítima de estupro e dada por envenenada, a Campolide, alcançou Manuel Gomes de Elvas todas Francisca de Borja (1733-1736, 1739-1742 e 1751-
intencionalmente, por uma das Irmãs Hospitaleiras. as licenças necessárias, em princípios do séc. XVII. -1754), Soror Angélica Micaela (1736-1739 e 1748-
O escândalo, exponenciado pelos republicanos, teve Falecido em 1620, os testamenteiros iniciaram as -1751), Soror Joana da Madre de Deus (1742-1745),
repercussões de vulto na sociedade lisboeta de então, obras em 1633, obtendo no ano seguinte bula de Soror Joana da Conceição (1745-1748, 1754-1757
como bem testemunha a literatura da época. Na erecção, pela qual o convento terá o título de e 1760-1763), Soror Úrsula da Conceição (1757-
sequência do encerramento dos mosteiros e con- N. Sr.a dos Remédios. Conforme se lê numa lápide -1760, 1763-1766 e 1766-1768), Soror Teresa da
ventos do país, em 1910, já então só ocupado pelas sobranceira ao portal maneirista da ala esquerda do Santíssima Trindade (1768-1772), Soror Josefa de
Irmãs de Caridade, profanado e secularizado nos edifício com a data de 1637, esta piedosa instituição Santa Inês (1772-1775, 1779-1782 e 1782-1785),
anos subsequentes à Primeira República, o edifício foi fundada por esse fidalgo para recolher 40 Soror Vitória da Santíssima Trindade (1775-1779),
serviu para habitação de viúvas de oficiais e de gente mulheres nobres: “Este Convento de Freiras da Ordem Soror Ana da Conceição (1785-1788), Soror Teresa
pobre, acolhendo várias instituições (um hospital de da Santíssima Trindade mandou edificar Manoel de Jesus Maria (1788-1791) e Soror Maria de Nossa
doentes de tifo, a Federação Nacional das Associações Gomes Delvas fidalgo da Caza de Sua Magestade Senhora do Vale (a partir de 1791 e em exercício
de Socorros Mútuos, a Escola Elementar de Comércio o qual dotou com tres mil e quinhentos cruzados aquando da edição referida). Também muitas figuram
Ferreira Borges, a Escola Preparatória Rodrigues de renda cada anno para nele se receberem quarenta como insignes em virtude e nascimento e de vida
Sampaio e o Arquivo da Direcção-Geral de Obras molheres nobres cujo padroado deixou a sua sobrinha contemplativa. Com a expulsão das ordens religiosas
Públicas e Minas), com destaque, desde 1912, para Dona Francisca Coronel e a seu filho Luis Nunes e a morte da última freira em 1880, o edifício foi
o Arquivo de Identificação, que aí permaneceu até Coronel e a seus netos Luis Gomes e Menezes, remodelado para outros fins. Aí se instalou, desde
1947. Nesta década, com a transferência deste Francisco de Sá e Menezes e seus descendentes. 1895, o Asilo de N. Sr.a da Conceição, da Casa Pia,
serviço e dos inquilinos, o convento foi sujeito a Começou-se a edificar no anno de 1637”. Pela outra partilhando ainda hoje o espaço do antigo convento
incriteriosas obras de conservação e restauro, dirigidas lápide, da ala direita, em que está lavrado “Esta com a Direcção-Geral da Segurança Social, um
por Manuel dos Santos Estevens, Secretário do obra mandou continuar Manoel Correa de Lacerda posto da Polícia de Segurança Pública (22.ª esquadra)
Director-Geral da Fazenda Pública, com sugerida padroeiro que oje he deste Mosteiro e Administrador e a Associação Portuguesa de Deficientes. Serviu
mas não aprovada orientação da Direcção-Geral dos dele em o qual se não avia trabalhado desde o anno também como arrecadação da Imprensa Nacional.
Edifícios e Monumentos Nacionais, com polémicas de 1654 athe o de 1672 em que o sobredito applicou As Religiosas Franciscanas Missionárias de Maria,
intervenções, mesmo à revelia dos serviços, e numa a que se fizesse a dita obra e este portal se pos no responsáveis do Asilo, mantiveram o culto na igreja
sucessão de querelas institucionais. A partir de 1969 anno de 1675”, fica-se a saber que a obra esteve até 1992, quando deixaram essa direcção, sendo
aí se estabeleceu o Instituto Hidrográfico, que ainda interrompida entre 1654 e 1672, por míngua de então confiado aos padres carmelitas com residência
se mantém actualmente. Sob a égide desta instituição réditos, sendo completada por Manuel Correia de na área da Freguesia de S.ta Isabel, onde se situa o
realizaram-se melhoramentos e investigações com Lacerda, segundo patrono deste convento das Trinas Recolhimento.
vista à preservação da memória do rico acervo do Rato, epíteto que deriva da alcunha de Luís
artístico da Casa das Trinas do Mocambo (o ciclo Gomes de Sá e Meneses, “o Rato”, a cujo nome
de telas barrocas que decoravam a capela-mor, o está também ligada a construção do edifício e o
corpo da igreja, o coro baixo e outras dependências). topónimo do largo fronteiro, sendo também de
Pode o leitor encontrar no estudo de João Miguel relevar o zelo e dispêndio do primeiro Cardeal-
Simões, por iniciativa do Instituto Hidrográfico da -Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, no
Marinha, as intervenções e adaptações efectuadas acabamento do convento, cujo traçado arquitectónico
até à actualidade, assim percebendo as perdas e se deve a Baltasar Álvares. A descrição do que resta
descaracterizações sucessivas, mas também as formas do relevante património da antiga igreja e da reforma
deste majestoso cenóbio (de clausura), outrora de operada no séc. XIX pelo arquitecto Luís Caetano
opulento recheio, à R. das Trinas (também já crismada Pedro de Ávila encontra-se no estudo de Vítor Serrão
entre 1911 e 1937 de R. Sara de Matos), esquina sobre o Mosteiro das Trinitárias, no Rato. Construção
com a R. de Garcia de Orta. lenta e largas contendas sobre a posse do mosteiro Azulejo na entrada do Convento das Trinas do Mocambo (PCC)
Para fundar um mosteiro de Religiosas da Santíssima levam a que as primeiras religiosas – quatro fun-
Trindade, em Campolide, em terrenos contíguos aos dadoras vindas do Mosteiro de S.ta Marta de Jesus
da extensa quinta dos Padres Oratorianos, da – apenas entrassem a 25 de Junho de 1721. A 2
Congregação de São Filipe de Néri, que ia do Salitre de Julho foram recebidas as primeiras 15 noviças,
com a honrosa assistência da Rainha D. Mariana de
Áustria e de muitos fidalgos da Corte, tendo
professado em Agosto do ano seguinte. Sobressal-
tado o convento por inexplicáveis sucessos –
enfermidades e danos – e sujeito a muitas benzeduras
e diversos exorcismos, mudaram-se as religiosas, por
causa do terramoto de 1755, para o sítio de Val-
-de-Pereiro, onde estiveram abarracadas na Q.ta dos
Padres da Congregação, regressando a 8 de Outubro
Claustro do Convento das Trinas, Lisboa (JEF)
de 1756. Foram prioresas, conforme indicação de
Fr. Jerónimo de São José, até à data do prelo da
sua Crónica: Soror Isabel Maria das Montanhas (1721- Do Recolhimento da Caridade de Braga pouco se
Pormenor da porta do Convento das Trinas do Mocambo, -1725), Soror Maria Josefa de São Filipe (1725-1732), sabe. Em 1768, por iniciativa do professor estatutário
em Lisboa (PCC) Soror Maria do Nascimento (1732-1733), Soror António Pinto, aí se fundou, na R. do Lameiro, um

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS URSULINAS

convento de Religiosas Trinitárias, com a obrigação de Lisboa em 1833, Prefaciado por A. Vieira da Silva, na educação das filhas das classes mais elevadas,
de educarem meninas pobres, ensinando-as a “ler, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, sustentando internatos pagos e, simultaneamente,
escrever, fiar, rendilhar, coser, fiar seda e bordar”. 1927; PORTUGAL, Fernando, MATOS, Alfredo de (eds.), assegurando aulas diurnas gratuitas, onde as meninas
Em 1794 eram já 41 as recolhidas, que, em clausura, Lisboa em 1758: Memórias Paroquiais de Lisboa, dos meios populares circundantes podiam aprender
mas sem votos solenes, viviam à sua custa ou de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1974; SÃO JOSÉ, a ler, escrever e contar, a doutrina cristã e os trabalhos
esmolas. Tinha a capela, de altar único, a invocação Jerónimo de, História Chronologica da Esclarecida manuais próprios da sua condição. Foram os colégios
de S. João da Mata. Ordem da SS. Trindade, Redempção de Cativos, da desta Ordem as primeiras instituições de ensino
Província de Portugal, t. II, Lisboa, Na Officina de feminino a receber um apoio estatal português para
BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Institutos dos Arquivos Simão Thaddeo Ferreira, 1794; REMA, Henrique Pinto, pagamento das suas professoras e, por isso, a respon-
Nacionais/Torre do Tombo, Arquivo das Congre- ofm, Crónica do Centenário da Congregação das sabilizar-se pelo funcionamento de aulas públicas
gações, Convento das Trinas, várias caixas; Arquivo Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada estatais.
da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Conceição: 1876-1976, vol. II – Das Origens até à
Nacionais, Processo do Convento das Trinas do República (1871-1910), [s.l., s.n.], 1979; SANTA ANA,
Mocambo. Impressa: A Propósito do Caso das Trinas: Estêvão de, Auspícios Encomiasticos Declamados na
Resposta ao Livro de Manoel Borges Grainha sobre Profissam de Soror Rosa Margarida de Santa Thereza,
os Jesuítas e as Congregações Religiosas em Portugal no Mosteiro das Trinas do Mocambo de Lisboa
nos Últimos Trinta Anos, Coimbra, J. J. Reis Leitão, Manifesto o Santíssimo Sacramento, Lisboa, Na
1892; ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Officina Joaquinianna da Musica de D. Bernardo
Portugal, Nova edição preparada e dirigida por Gayo, 1743; SERRÃO, Vítor, “Mosteiro das Trinitárias
Damião Peres, vols. II e III, Porto-Lisboa, Livraria do Rato”, in M. Maia Ataíde (coord.), Monumentos
Civilização-Editora, 1968-1970; BRITO, J. J. Gomes e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, t. III, [Lisboa],
de, Ruas de Lisboa, vols. 1 e 3, Lisboa, Livraria Sá Assembleia Distrital de Lisboa, 1988, pp. 70-73;
da Costa, 1935; CAEIRO, Baltazar Matos, Os Conventos SILVA, Manuel Ferreira da, “Convento das Trinas do
de Lisboa, Sacavém, Distri Editora, 1989; CASTRO, Rato”, in Francisco Santana, Eduardo Sucena (dirs.),
Eugénio Augusto Ribeiro de, O Caso das Trinas: Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, [s.n.], 1994,
História de um Crime Célebre, Lisboa, Typ. do pp. 950-951; SIMÕES, João Miguel, O Convento das
“Portugal”, [1891]; CASTILHO, Júlio de, A Ribeira de Trinas do Mocambo: Estudo Histórico-Artístico,
Lisboa, vol. 5, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, [Lisboa], Instituto Hidrográfico, 2004; S UCENA ,
1948; CASTRO, João Baptista de, Mappa de Portugal Eduardo, “Mocambo”, in Francisco Santana, Eduardo
Antigo, e Moderno, t. II, Lisboa, Na Officina Patriarcal Sucena (dirs.), Dicionário da História de Lisboa, Lisboa,
de Francisco Luiz Ameno, 1763; COSTA , António [s.n.], 1994, p. 584; TEIXEIRA, Maria Francisca Assis,
Carvalho da, Corografia Portugueza, e Descripçam O Convento das Trinas, Sep. dos Anais do Instituto
Ursulina (Tours)
Topográfica do Famoso Reyno de Portugal […], Hidrográfico, Lisboa, Instituto Hidrográfico, 1990.
t. III, Lisboa, Na Officina Real Deslandesiana, 1712;
FREITAS, Bernardino José de Senna de, Memorias de MARIA DE FÁTIMA REIS Em Portugal, as Ursulinas instalaram-se, pela primeira
Braga Contendo Muitos e Interessantes Escriptos vez, na Vila de Pereira, situada próximo de Montemor-
[…], t. III, Braga, Imprensa Catholica, 1890; GONÇALVES, -o-Velho (Coimbra). D. Miguel da Anunciação, Bispo
António Manuel, “O Convento das Trinas do URSULINAS de Coimbra, sabendo que a Rainha D. Mariana de
Mocambo”, in M. Maia Ataíde (coord.), Monumentos A Congregação Religiosa das Ursulinas foi introduzida Áustria pretendia introduzir no país a Congregação
e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, t. III, em Portugal em meados do séc. XVIII, muitos anos das Ursulinas, aproveitou um pequeno recolhimento
[Lisboa], Assembleia Distrital de Lisboa, 1988, pp. depois de ter sido criada em Itália. Foi fundada em existente naquela vila, inaugurado em 1748; conse-
44-45; GRAINHA, Manuel Borges, A Propósito do Caso Brescia (1535) por Ângela Nérici, membro da Ordem guiu que lhe fizessem chegar os Estatutos da Ordem
das Trinas: Os Jesuítas e as Congregações Religiosas Franciscana, tendo desde logo por objectivo a das Ursulinas de Tolosa e por eles fez instruir as
em Portugal nos Últimos Trinta Annos, Porto, Typ. assistência a enfermos e o ensino do sexo feminino. recolhidas de Pereira, que seguiam até então a Regra
da Empreza Litteraria e Typographica, 1891; LIMA, O nome da Congregação deve-se ao facto de ter da Ordem Terceira de São Francisco. A primeira
Durval Pires de (ed.), História dos Mosteiros, sido colocada sob o patrocínio da S. ta Úrsula. profissão das recolhidas, em número de 27, deu-se
Conventos e Casas Religiosas de Lisboa […], 2 t., Segundo a respectiva Regra, aprovada pelo Papa no dia de Natal de 1753. A rainha-mãe faleceu no
Lisboa, Na Imprensa Municipal de Lisboa, 1950- Paulo III, estas religiosas não tinham, no início, vida ano seguinte, sem que tenha fundado um verda-
-1972; M AIA , Abílio, A Irmã Collecta: Traços comum; continuavam em suas casas e apenas se deiro colégio. Mas, para isso, deixou em testamento
Biographicos – A Propósito do Caso das Trinas, Braga, reuniam em determinados dias para exercícios de 40 000 cruzados e os bens que pertenceram ao Desem-
Typ. Sá Pereira, 1892; M ENEZES , Tomás Eugénio piedade. Proferiam votos de pobreza, obediência e bargador António de Macedo Velho. O Conde de
Mascarenhas de, O Caso das Inscripções das Trinas: castidade. Em 1572, o Papa Gregório XII concedeu- S. Lourenço, membro do Conselho do Rei, em parecer
Bens de Congregações, Lisboa, Centro Typographico -lhes o estatuto de Congregação, a qual cresceu emitido com vista à publicação em português das
Colonial, 1914; MIRANDA, António, “Convento das rapidamente seguindo a Regra de S.to Agostinho. Constituições das Ursulinas, referia que D. Mariana
Trinas do Mocambo”, in Francisco Santana, Eduardo Alguns anos depois (1592), passaram para França, de Áustria ordenara no seu testamento que o colégio
Sucena (dirs.), Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, onde a sua expansão foi notável. fosse erigido na Corte; porém, foram as religiosas
[s.n.], 1994, pp. 949-950; OLIVEIRA, Eduardo Freire Em finais do séc. XVIII, em Portugal, poucas ordens de Pereira e o Bispo de Coimbra que encarregaram
de, Elementos para a História do Município de Lisboa, religiosas femininas se dedicavam ao ensino. Tendo- os Jesuítas de aplicar aquele legado.
ts. XIV e XVI, Lisboa, Typographia Universal, 1904- -se estabelecido no reino expressamente para esse Em 1755, a Companhia de Jesus mandou imprimir
-1910; PEREIRA, Luís Gonzaga de, Monumentos Sacros fim, as Ursulinas desempenharam papel relevante as Constituições das Ursulinas, a cuja publicação se

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS URSULINAS

juntaram os pareceres de dois censores, revelando seguinte, D. Maria I confirmou a fundação do Colégio um recolhimento de Ursulinas na Ermida dos Santos
que os meios governamentais se mostravam das Chagas da Vila de Pereira, ao verificar “os úteis Mártires, no sopé do monte de S.ta Luzia. A 4 de
receptivos à educação feminina ministrada pela e virtuosos progressos” que as religiosas Ursulinas Abril do mesmo ano, o Visconde de Vila Nova de
Ordem. Um, datado de Outubro de 1754, da autoria realizaram, “com exemplar zelo e pública utilidade Cerveira ordenou ao provedor da Comarca de Viana
de Francisco Gião, doutor em Teologia, lente da na educação das meninas que lhes são confiadas”. que procurasse “averiguar a instituição da referida
Universidade de Évora e qualificador do Santo Ofício, No mesmo ano, foi nomeado Director Espiritual e Ermida” e a quem ela pertencia. Da resposta nada
mostrava-se favorável ao ensino ministrado nos Temporal Fr. Alexandre do Espírito Santo Palhares sabemos, mas há notícia de que a rainha obteve do
colégios ursulinos, afirmando que qualquer das suas (1749-1811), quando o colégio estava próximo da Arcebispo de Braga, D. Gaspar de Bragança, a ermida
religiosas “não só não deixará de ser uma Santa, sua ruína, na iminência de encerrar. Mas, este novo e as casas anexas. Pouco depois, a Mesa do Desem-
mas será uma grande Mestra de santidade, e junta- director, franciscano da Província de Portugal e bargo do Paço emitia parecer sobre a instalação,
mente de todas as boas artes”, como também pregador célebre, permaneceu no Colégio até ao considerando-a de grande utilidade, pois “não haverá
prepararão “discípulas virtuosas e dotadas, “que fim dos seus dias, prestando os melhores serviços à vila, nem cidade, que não deseje uma Casa destas
constituem uma mulher de todo perfeita”. O outro educação das raparigas. Nas tardes de domingo Religiosas para a educação da Mocidade feminina”.
parecer, emitido em Setembro de 1755, julgava a explicava-lhes o Catecismo, o Evangelho do dia, ou Atendendo às dificuldades financeiras, parecia à
Regra muito útil ao país, porque a boa educação qualquer outra matéria religiosa, e interrogava-as Mesa que não fosse construída de raiz uma casa,
da mocidade portuguesa depende em especial da sobre alguns pontos de doutrina. E ainda examinava mas que se efectuassem trabalhos de reparação, de
formação das mães, pois delas recebe ”as primeiras semanalmente os progressos das educandas, por forma a ficar pronta uma dependência para receber
impressões”. meio de sabatinas, com o fim de lhes fornecer conhe- as religiosas fundadoras, concluindo-se poste-
As Constituições, no seu cap. I, inscreviam os objec- cimentos, que não estavam ao alcance das próprias riormente o dormitório, com uns 24 cubículos, e os
tivos da Congregação: ensino, educação e formação mestras. Além disso, suprimiu o antigo uso dos outros espaços necessários. O orçamento respeitante
das raparigas, “ensinando a Doutrina Cristã, a devo- hábitos de lã, passando as educandas a vestir-se a estas obras seria pago pelos sobejos das rendas
ção, e bons costumes, exercitando, quanto lhe normalmente, como se estivessem em suas casas, da Câmara e pelo Cofre do Subsídio Literário.
permite a sua vocação, as obras de piedade, e miseri- para tomarem prática de cuidar das suas roupas e A utilização deste imposto era sugerida pela Mesa,
córdia espiritual para com o próximo”. A primeira de se apresentar no meio social. Com o mesmo fim, que o considerava “importantíssimo, donde saem
Directora e verdadeira reformadora do novo Real ensinava-lhes, igualmente, preceitos de civilidade, os ordenados dos Mestres que ensinam os filhos”,
Colégio das Chagas, na Vila de Pereira, foi D. Leocádia desde as formas de cumprimento e termos de pelo que julgava não haver “coisa mais natural, nem
Vaia. Segundo ela, a educação feminina devia ter urbanidade às boas maneiras de comportar-se no mais própria, que sair também dele alguma aplica-
por finalidade a formação moral e cristã. “Não que- seu quotidiano e na relação com os outros. ção para a Educação das filhas”. E sugeria, ainda,
remos a mulher escrava; mas também a não que- No que diz respeito ao plano de estudos do ensino que pelo Subsídio Literário fosse paga uma
remos licenciosa”, afirmava, “e para isso é preciso em Pereira, este reduzia-se à leitura, à escrita e ao determinada quantia para servir de fundo ao colégio.
educá-la e instruí-la. Mulher livre é somente aquela cálculo, à tradução do Francês, à Doutrina Cristã e Este parecer teve concordância régia, por despacho
que, educada e instruída no amor de Deus e do princípios de moral e civilidade, aos trabalhos de 20 de Outubro de 1777; quanto ao Subsídio
próximo, sabe ser donzela honesta, filha obediente, manuais próprios do sexo feminino – fazer meia, Literário, ficava para posterior decisão.
irmã extremosa, esposa fiel, e mãe carinhosa. coser, marcar, talhar vestidos, confeccionar luvas, Com as obras a cargo exclusivo da câmara, surgiram
Enquanto essa, que corre solta e sem pejo pela fazer renda, bordar em variadíssimos pontos, naturalmente dificuldades financeiras, pois a Mesa
estrada do vício, é escrava do pecado e do demónio, trabalhar tapetes e peças de lã – e à aprendizagem do Desembargo do Paço apresentou mais tarde o
que são os maiores tiranos da alma e do corpo”. do piano e do canto. parecer Sobre a Fundação do Colégio das Ursulinas
Seguindo os Estatutos de Tolosa, criaram-se aulas Porém, nas primeiras décadas do séc. XIX, o colégio da Vila de Viana que o Senado da Câmara da Mesma
para as diferentes matérias necessárias à educação viveu uma fase de dificuldades dada a conjuntura Vila tem Requerido. Concordava com a utilização
das raparigas, com mestras adequadas. política, chegando a ter apenas três educandas. Foi de uma verba pertencente à Câmara, no montante
No entanto, devido ao facto de o Colégio de Pereira transferido, provisoriamente, para um convento de cerca de 400 000 réis e que estava reservada
ter contactos estreitos com os Jesuítas, o Marquês em Coimbra devido à existência de epidemias pro- para a reparação do cais, para que avançassem os
de Pombal pretendeu encerrá-lo. Mas, depois de longadas e à falta de condições de habitabilidade trabalhos de recuperação do antigo recolhimento,
ouvir pessoalmente duas das suas responsáveis, veio do seu edifício primitivo. Pouco depois, tendo sido onde existia já instalações para cinco ou seis religiosas.
a dotá-lo com os bens de outros recolhimentos definitivamente instalado em um outro local (S. José A aprovação régia foi obtida a 6 de Abril de 1778.
extintos. Segundo Fortunato de Almeida, foi neste dos Marianos), o Real Colégio das Chagas conseguirá No seu primeiro parecer relativamente à instalação
momento difícil da vida da Instituição que as sobreviver e, na segunda metade de Oitocentos, do colégio, a Mesa do Desembargo do Paço sugeria
educandas substituíram o hábito que usavam, de lã conhecerá de novo o seu prestígio. Procurando que cada educanda pagasse 40$000 réis anuais à
azul, pelo de S.to Agostinho, de lã branco e de cogula adaptar-se às novas realidades políticas e sociais, as semelhança do que se praticava no Colégio da Vila
preta. Religiosas Ursulinas procedem então a uma actua- de Pereira. Propunha ainda que a rainha entregasse
A este colégio acorreram muitas raparigas de todas lização dos seus planos de estudo, repartidos por ao Bispo de Coimbra a escolha das fundadoras deste
as partes do reino, que pagavam de pensão 40$000 três grandes áreas: ensino religioso, moral e civil; novo colégio, regido igualmente pela Regra e
réis anuais. No início, este estabelecimento funcio- ensino literário; e ensino artístico. Relativamente ao Estatutos da Ordem. E, por último, recomendava
naria unicamente como internato, uma vez que as ensino voltado para o exterior e destinado a meninas que a casa ficasse “bem clausurada com janelas de
Constituições não previam mais do que o ensino da pobres, o novo plano é inteiramente omisso. A partir rotular, por onde vejam sem serem vistas, e conhe-
Doutrina Cristã às meninas externas ao convento, de finais do século, o colégio teria sido encerrado, cidas as educandas”. Foi ainda nesse ano de 1778
as quais não tinham autorização para penetrar na pois sobre ele não foi encontrada mais documen- que a Superiora do Colégio de Pereira, D. Luísa
clausura, mas apenas ficavam pelas portarias e nos tação. Botelho, partiu para Viana com mais 16 compa-
dias e horas determinados pela Superiora. Em 1778, No início do ano de 1777, a Câmara de Viana dirigiu nheiras, ficando instaladas em espaço muito reduzido
viviam em Pereira 70 religiosas. No início do ano à rainha um pedido de autorização para estabelecer e alojadas em dormitório térreo.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VERBUM DEI

Embora fossem considerados de grande utilidade das fundadoras, de acordo com a confiança por ele s.n., 1853; Regra de Santo Agostinho, e Constituições
na educação das raparigas não só em regime de depositada, para instituição tão importante e tão das Religiosas de S. Úrsula, Coimbra, Real Colégio
internato como de aulas públicas, tanto este colégio útil. da Companhia de Jesus, 1755; ROCHA, M. I. F., O
como o de Pereira viviam, em finais do séc. XVIII, A 20 de Janeiro de 1785, chegaram a Braga religiosas Real Colégio das Chagas do Convento das Ursulinas:
uma situação difícil do ponto de vista financeiro. vindas do Colégio de Viana: “A recepção foi honrosa, Instrução de Meninas em Viana, Viana do Castelo,
Por esta razão, em 1780, requerem a concessão de pois todas as igrejas, por onde passavam, repicavam Governo Civil, Centro de Estudos Regionais, 1996;
uma ordinária através do Cofre do Subsídio Literário, os sinos; e o senhor Arcebispo D. Gaspar, durante SOUSA, G. V., “Religiosas Ursulinas do Colégio das
tendo em atenção os serviços que prestavam. A Real 3 dias, mandou-lhes viandas, e tudo quanto para Chagas de Vila de Pereira: subsídios genealógicos”,
Mesa Censória aceitou a petição por considerar que matença poderiam carecer”. Por volta de 1786, as in Revista de Genealogia & Heráldica, Porto, n.º 7/8,
os dois colégios eram merecedores de côngruas portas do colégio foram franqueadas a alunas 2002, pp. 245-327; VAQUINHAS, Irene, “O Real Colégio
suficientes que não só correspondessem a um prémio externas. Um mês depois da sua chegada a Braga Ursulino das Chagas de Coimbra. Notas para a sua
pelos serviços prestados, “mas também de incentivo, (onde entrara a 17 de Setembro de 1790), Fr. Caetano história”, in Revista Portuguesa de História, Coimbra,
para que com maior desvelo continuem as louváveis Brandão solicitava à rainha uma ordinária para o vol. XXXI, n.º 2, 1996, pp. 427-447.
fadigas a que se têm aplicado”. Com base nos cri- colégio, à semelhança do que se passava com os
térios estabelecidos para os montantes dos ordenados outros colégios irmãos, a qual não lhe foi concedida. ÁUREA ADÃO
dos mestres nas sedes de comarca, a Real Mesa Dois anos depois, o Arcebispo volta a pedir a MARIA JOSÉ REMÉDIOS
propôs uma ordinária anual de 50$000 réis para o subvenção por considerar extraordinária a afluência
Colégio da Vila de Pereira e de 60$000 réis para o de meninas externas. Não há notícia de que este
de Viana, enquanto as religiosas se ocupassem do novo pedido tenha sido satisfeito. Contudo, o próprio VERBUM DEI
ensino público. A petição das Ursulinas mereceu Fr. Caetano Brandão contribuiu pessoalmente para A Fraternidade Missionária Verbum Dei (FMVD) é
aprovação régia a 6 de Junho, data a partir da qual a reparação das salas de aula que se encontravam um Instituto de Vida Consagrada da Igreja Católica.
começaram a receber os valores estipulados, incluídos em estado de ruínas. Foi fundada nos anos 1963-1969 em Maiorca
nos livros dos vencimentos pagos pelo Subsídio Neste colégio, tal como nos outros da Congregação, (Espanha), pelo Sacerdote Jaime Bonet Bonet, e foi
Literário. além da Doutrina Cristã, as meninas aprendiam a reconhecida e aprovada pela Santa Sé, pelo Decreto
O Colégio de Pereira foi beneficiado, alguns anos ler, escrever e contar e exercitavam-se nos trabalhos da Congregação para os Institutos de Vida
depois, com mais 200$000 réis anuais para serem manuais próprios do seu sexo. Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de 15
aplicados “ao mesmo fim de ensino público de de Abril de 2000. A finalidade, o ideário e a forma
meninas”. No entanto, as Ursulinas de Viana nunca BIBLIOGRAFIA: Manuscrita: Arquivo Nacional da de vida da Fraternidade foram definidos pelo seu
receberam mais do que os 60$000 réis anuais, porque Torre do Tombo, Livro n.º 128 do Ministério do Reino, Fundador, o P.e Bonet, quando interveio na Congrega-
não tinham número de alunas externas que fl. 22v; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro ção Geral da IX Assembleia Geral do Sínodo dos
justificasse o aumento da ordinária. Fr. Caetano n.º 250 do Ministério do Reino, fls. 4-4v; Biblioteca Bispos “A Vida Consagrada e a Sua Missão na Igreja
Brandão chegou a informar a rainha de que da sua Geral da Universidade de Coimbra, Códice n.º 2529, e no Mundo”, celebrada em Roma em Outubro de
visita ao colégio concluíra que ele não tinha doc. 88. Impressa: ADÃO, Áurea, Estado Absoluto e 1994. Para a Verbum Dei o ministério da Palavra é
necessidade de mais religiosas porque não era Ensino das Primeiras Letras: As Escolas Régias (1771- fundamental na sua vida e missão. A evangelização
frequentado por alunas externas, contando assim -1794), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, e a proclamação da Palavra devem ser feitas numa
com um número suficiente. Serviço de Educação, 1997; A LMEIDA , Fortunato, dedicação exclusiva e a tempo inteiro à oração,
A conjuntura política do séc. XIX não lhe foi muito História da Igreja em Portugal, vol. IIII, Porto-Lisboa, ajudando os outros a que, também eles, possam
favorável, vendo a sua frequência progressivamente Livraria Civilização Editora, 1970; AMARAL, António experimentar o gozo da comunhão com Deus.
mais reduzida. Em 1867, nele viviam ainda 17 Caetano, Memórias para a História da Vida do O nome Verbum Dei evoca o duplo aspecto do
educandas e 4 religiosas. A existência de escola Venerável Arcebispo de Braga D. Fr. Caetano Brandão, próprio carisma: reproduzir e revelar, em comunidade
pública está comprovada documentalmente até 1881, vol. II, Lisboa, Impressão Régia, 1818; Ceremonial e através da vida pessoal, o rosto de Deus.
tendo tido lugar a sua extinção provavelmente três das Ursulinas, Approvado e Confirmado pelo
anos depois. Embora de dimensões mais reduzidas, Excellentissimo e Reverendissimo Senhor D. Manoel
o plano de estudos deste colégio não seria muito Bento Rodrigues [...] para Uso das Religiosas Ursulinas
diferente do de Pereira. da Sua Diocese, Coimbra, Imp. da Universidade,
A pedido de D. Maria Luísa das Chagas e com o 1852; Descripção da Visita, que o Excellentissimo e
apoio do Arcebispo-Primaz de Braga, D. Gaspar de Reverendíssimo Senhor [...] D. Manoel Bento
Bragança, a rainha autorizou, a 8 de Setembro de Rodrigues Fés ao R. Collegio Ursulino das Chagas,
1784, a fundação de um outro colégio de Ursulinas em S. José de Coimbra, s.l., s.n., 1853; F REITAS ,
na cidade de Braga. A decisão régia baseou-se nos Bernardino José, Memórias de Braga, vol. 2.º, Braga,
bons resultados dos colégios de Pereira e Viana, Imprensa Católica, 1890; Introdução aos Sermões
cujas religiosas punham, de facto, “em prática o do P.e Mestre, t. I, s.l., ed. por José Lourenço Tavares
seu instituto de cristã e civil educação, com que de Paixão e Sousa, 1855; LEMOS, J. M., Provisão
formam as pessoas do seu sexo, inspirando-lhes uns Pastoral e Directiva para as Ursulinas de Coimbra,
costumes dignos de nossa santa religião, e prepa- Coimbra, Imp. Litteraria, 1862; PINTO, Basílio Alberto
rando-as com exercícios próprios do estado a que de Sousa, Memória sobre a Fundação e Progressos
podem destinar-se”. Para a instalação deste novo do Real Colégio das Ursulinas de Pereira, Coimbra,
colégio, D. Maria I fez doação perpétua (1784) do Imprensa da Universidade, 1850; Programmas para
antigo colégio jesuítico de S. Paulo, deixando ao os Exames das Meninas Educandas d’Este R. Collegio
critério de seu tio, o arcebispo-primaz, a escolha Ursulino das Chagas em S. José de Coimbra, s.l., Cristo de Vale de Lobos (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VERBUM DEI

Jaime Bonet Bonet nasceu em Alquería Blanca dar resposta. Neste contexto, o Papa João XXIII
(Maiorca), Espanha, no dia 21 de Maio de 1926. convoca o Concílio Vaticano II, o 21.º da Igreja, que
Formou-se no Seminário Diocesano de Maiorca e começou em 1962 e acabou em 1968, conduzido
recebeu a ordenação sacerdotal no Congresso então por um novo papa, Paulo VI. Este concílio
Eucarístico Internacional de Barcelona, a 31 de Maio provocou grandes mudanças na Igreja, entre as quais
de 1952. Nesse mesmo ano, o Bispo de Maiorca, uma maior participação dos leigos, uma maior
D. Juan Hervás, nomeou-o Pároco de Mancor del aceitação da participação da mulher, uma Igreja
Valle (Maiorca) e Director da Casa de Retiros de menos centralizada e mais envolvida na realidade
S.ta Lucía, situada na mesma paróquia. Durante oito dos povos. Temos como exemplo a Igreja da América
anos desenvolveu o trabalho pastoral na sua paróquia Latina, que levantou a sua voz defendendo os mais
e pregou missões populares em diversos lugares. pobres, e bispos, como D. Helder Câmara, conhecido Grupos (I)
Dedicou-se também à direcção de exercícios espi- como Bispo Vermelho, que foram a voz dos sem
rituais a comunidades de religiosos e religiosas, voz. É neste mundo e nesta Igreja que surge a crescimento e expansão desta, o Fundador desejava
seminaristas e grupos de leigos. Em 1960 foi Fraternidade Missionária Verbum Dei, com um que a Fraternidade tivesse reconhecimento canónico
designado para o Conselho Diocesano da Acção carisma necessário para estes sinais dos tempos. além da Pia União e que fosse aprovada pela Santa
Católica com o propósito específico de impulsionar Com o lema dos primeiros discípulos de Jesus Sé como “família única“ de vida consagrada. Não
o espírito evangélico e apostólico nas diferentes “Orationi et ministerio verbi instantes” (Act 6, 4), estando então ainda suficientemente amadurecida
secções, através de exercícios espirituais, retiros, e com o espírito da primeira comunidade cristã, a a dita possibilidade, a Congregação para os Institutos
convívios, encontros de oração, formação às famílias, Fraternidade concretiza e centra a sua missão de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
entre outros. Para melhor cumprir estes objectivos específica na Palavra de Deus. A pregação dos exer- Apostólica emitiram o seu Nihil obstat para que, no
e para preparar leigos comprometidos, formou cícios espirituais em completo retiro de silêncio é o dia 25 de Janeiro de 1993, o Cardeal D. Angel Suquía,
diversas escolas apostólicas de homens e mulheres método de evangelização mais profundo para o Arcebispo de Madrid, aprovasse o ramo clerical e o
que, pouco a pouco, se foram preparando para a desenvolvimento do ministério da Palavra. ramo das mulheres consagrados como dois institutos
evangelização a tempo inteiro e se ofereciam para separados. A 30 de Maio do mesmo ano ficou
anunciar o Evangelho onde houvesse maior aprovado um estatuto de federação da Fraternidade
necessidade. Assim nasceu a Verbum Dei (1963), Verbum Dei, após terem sido criadas separadamente
que actualmente possui cerca de 600 missionárias, os seus distintos ramos: o ramo masculino como
250 missionários (dos quais 60 são sacerdotes) e 90 Instituto Religioso Clerical e o ramo feminino como
casais-missionários. A Fraternidade está presente em Instituto Religioso. Também os Casais-Missionários
32 países dos cinco continentes, espalhada por 105 foram aprovados como Associação Pública de Fiéis.
dioceses. Sua Santidade o Papa João Paulo II deu consen-
timento para que se declarasse a Fraternidade
Missionária Verbum Dei como uma única Fraternidade
de Vida Consagrada e assim foi ratificado pela Santa
Sé em Decreto de Aprovação Pontifícia, a 15 de
Abril de 2000.
Oração (I)
A intenção inicial do P.e Bonet não foi a fundação
da Verbum Dei, mas, à medida que o espírito missio-
A estrutura da Verbum Dei foi-se construindo nário e a pregação se foram expandindo, muitas
gradualmente. Actualmente, faz parte da Família pessoas foram colaborando e o seu entusiasmo fez
Fundador (I) Missionária Verbum Dei, à qual pertencem outros crescer o número de actividades apostólicas. Inspirado
fiéis que partilham a mesma espiritualidade e missão. no apotegma bíblico do Novo Testamento, “A
A Verbum Dei surgiu no contexto histórico dos anos A Fraternidade configura-se numa estrutura única colheita é grande, mas poucos os operários! Pedi,
60, um tempo de inconformismo e de contestação, e unificada que compreende dois ramos: o masculino pois, ao Senhor da colheita que envie operários para
o tempo de Sartre e de Simone de Beauvoir, o tempo e o feminino. O ramo dos Missionários é constituído a sua colheita” (cf. Mt 9, 37-38), o referido padre
dos hippies, dos Beattles, do Maio de 68. Foi também por membros masculinos celibatários, clérigos e leigos decidiu lançar bases para edificar uma nova instituição
o tempo do assassinato de J. F. Kennedy em 1963, e o ramo das Missionárias é constituído por membros evangélica. Deste modo, o P. e Bonet começou a
da implantação do comunismo na China em 1966, femininos celibatários. Quer uns quer outros dirigir a sua actividade apostólica criando Escolas de
das guerras do Vietname e do Ultramar em Portugal. consagram-se a Deus por meio de profissão pública Apóstolos, ou seja, escolas de pregação de homens,
No campo da medicina, três cientistas receberam o de votos de pobreza, castidade e obediência e vivem mulheres e jovens que queriam dedicar-se a pregar
prémio Nobel por terem descoberto o código em comunidade a sua total disponibilidade missio- e a evangelizar, na medida das suas possibilidades.
genético e fez-se também o primeiro transplante de nária. A Fraternidade conta, ainda, com o ramo dos Passando para a vida prática, os homens podiam
coração humano. Foi a época do lançamento do Casais-Missionários, que se associam temporal ou dedicar-se ao ministério sacerdotal e as mulheres,
primeiro satélite para comunicações transatlânticas perpetuamente à Fraternidade com o compromisso sentindo-se chamadas a uma consagração, encon-
e da chegada do homem à Lua em 1969. A nível de se dedicarem à missão que lhes é destinada, traram o seu caminho em institutos religiosos já
populacional, houve uma explosão demográfica segundo o seu estado. existentes. Contudo, um grupo delas decidiu
mundial. Todas estas conquistas provocam no homem A primeira aprovação canónica da Verbum Dei teve consagrar-se por inteiro ao estilo de vida que até
deste tempo uma grande confiança em si próprio. lugar a 18 de Setembro de 1969, pelas mãos de então tinham vivido por intermédio das escolas
A Igreja sente em si mesma o reflexo destas alterações Mons. Rafael Alvarez Lara, Bispo de Maiorca, que de evangelização. Este primeiro grupo de vida em
e movimentações sociais e tem necessidade de lhes aprovou a Fraternidade em Pia União. Dado o comum, com o nome de Missionárias Diocesanas

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VERBUM DEI

da Palavra de Deus e com o lema “Orationi et espirituais em S.ta Lucía pediu-lhe para se organizar
ministerio verbi instantes” (Act 6, 4), recebeu a no mesmo espírito e forma de vida das missionárias,
aprovação de Mons. D. Jesús Enciso Viana, Bispo o mesmo acontecendo com um casal que quis
de Maiorca, a 17 de Janeiro de 1963, ou seja, pouco também unir-se à comunidade nascente e viver, de
depois do início do Concílio Vaticano II, a 11 de forma adequada ao seu estado, o mesmo estilo de
Outubro de 1962. Em Outubro do mesmo ano, este vida. Em relação ao casal, depois de obtida a autori-
grupo de missionárias diocesanas fizeram um mês zação do bispo da diocese, iniciou a sua formação
de exercícios espirituais em completo retiro de missionária e teológica em Deusto (Bilbao, Espanha)
e Roma, lançando assim a semente do que é hoje
o ramo de Casais-Missionários Verbum Dei. Devido
à dimensão deste trabalho, a 18 de Setembro de
1969, D. Rafael Alvarez Lara aprovava em Pia União
Peregrinação (I)
o Instituto Apostólico Verbum Dei, unindo numa
única estrutura os três ramos: Missionários, Missio-
nárias e Casais-Missionários. Para favorecer o de- em pequenos grupos de pessoas sobre a vida à luz
senvolvimento do Instituto e facilitar o acesso dos da Palavra de Deus), Acompanhamento Espiritual,
seus membros aos estudos teológicos, a Direcção Escola de Apóstolos (formação de pessoas fortemente
transferiu-se para Madrid em 1971, por iniciativa empenhadas na evangelização), Escola da Palavra
do próprio Bispo Alvarez Lara que solicitou ao então (oração, partilha e discussão centrada na Palavra de
Arcebispo de Madrid, Cardeal Vicente Enrique y Deus), Grupos de Jovens e Grupos de Profissionais
Tarancón, o seu apoio e ajuda no processo do (grupos de oração, partilha e discussão de vários
Instituto. No decurso dos anos 1984-1985 começou temas à luz da Fé cristã), Pastoral Universitária, Grupos
a funcionar no Centro Internacional Católico de de Famílias e Namorados (oração e partilha comu-
Evangelização de Siete Águas (Valência-Espanha) o nitária da Fé e da vida, centrada na vida familiar),
princípio do que viria a ser o Instituto Teológico Preparação para os Sacramentos do Baptismo, Crisma,
Verbum Dei (afiliado à Universidade Pontifícia Eucaristia e Matrimónio (grupos formados por pessoas
Escultura da Trindade (I)
Urbaniana de Roma desde 1987). No ano de 1986, de todas as idades que preparam e aprofundam o
o Instituto Teológico Verbum Dei transferiu a sua sentido destes sacramentos), Grupo da Peregrinação,
silêncio, o que foi decisivo e marcou a vida do recém- sede para os arredores de Madrid, onde funciona Fundos Fraternos (grupo responsável pelos assuntos
-criado Instituto. Esta atitude passou a ser um dos actualmente o Centro Internacional Católico de económicos da comunidade, como a angariação e
pilares da vida contemplativa-missionária da Verbum Evangelização Verbum Dei de Loeches (Madrid). distribuição de fundos), Grupo Transversal (Coro e
Dei e os seus membros praticam-no invariavelmente A configuração da Fraternidade Verbum Dei realizou- Equipa Litúrgica, com participação responsável e
todos os anos, sendo este o meio habitual de viver -se gradualmente com um fim nitidamente apostólico- activa na assembleia eucarística a partir do aprofun-
e propagar a sua espiritualidade. Depois da morte -missionário no qual participam todos os fiéis cristãos, damento da Fé na liturgia dominical). A Família
de Mons. D. Enciso Viana em 1964, o seu sucessor cada um segundo o seu estado, dando lugar à Verbum Dei tem ainda publicações, um site na
na sede episcopal, D. Rafael Alvarez Lara, continuou configuração da Família Missionária Verbum Dei. Internet e diversas actividades. Como publicações,
a dar apoio incondicional a esta Obra, até à sua Em Portugal, a Fraternidade Missionária Verbum Dei tem o Caderno de Oração (pistas de oração
morte. O primeiro Curso de Formação das missio- foi fundada por missionárias em Lisboa, em Junho comunitária para ajudar a rezar durante os períodos
nárias teve lugar no Santuário de S. ta Lucía em de 1977, em estreita ligação com a Paróquia do litúrgicos mais significativos) e formações escritas
1965, sob a direcção do P.e Bonet e com a partici- Campo Grande, com a qual trabalha ainda hoje. por membros da comunidade inseridos em grupos
pação dos melhores teólogos da Diocese de Maiorca. Aos poucos foram-se criando novas comunidades específicos (por exemplo, formações específicas para
Em 1967, para facilitar o acesso das missionárias em Portugal, nomeadamente em Coimbra (Outubro casais no âmbito do Grupo de Namorados e Famílias
aos estudos superiores, um grupo de missionárias 1983), no Funchal (Madeira, Janeiro 1991), em Verbum Dei). As actividades são retiros de silêncio
transferiu-se para uma casa de exercícios, perto de Campo Maior (1995) e no Porto/Aveiro (1995) e ain- (espaços tranquilos dedicados unicamente ao
Madrid, que lhes tinha sido emprestada para ser da pólos apostólicos em Paço d’Arcos e Sesimbra. encontro com Deus); retiros/encontros para jovens,
utilizada como centro de formação e expansão A Fraternidade tem uma casa de retiros onde efectua universitários e adultos (fins-de-semana mais intensos
missionária. Nesse mesmo ano, a Universidade encontros, formações e retiros de silêncio, locali-
Pontifícia de Comillas (Madrid) permite, pela primeira zada em Vale de Lobos, no Sabugo (Pêro Pinheiro).
vez em Espanha, que as mulheres possam estudar Os seus membros vivem de donativos particulares,
Teologia, o que foi seguido gradualmente pelas residem em habitações sem qualquer especificidade
restantes Faculdades de Teologia. Por sua vez, – muito longe de vivências conventuais – e o seu
criavam-se comunidades missionárias em diversas vestuário em nada os distingue do cidadão comum.
cidades de Espanha e a Verbum Dei abria-se à A Família Verbum Dei portuguesa é constituída por
dimensão universal e missionária. Um grupo de missionárias e missionários e por leigos, quer sejam
missionárias partiu para Roma para estudar no jovens estudantes, adultos profissionais, casais de Grupos de Jovens (I)

Instituto Pontifício Regina Mundi, acabado de ser todas as idades ou ainda pessoas seniores.
criado para a formação teológica de religiosas, e A organização da chamada Família Verbum Dei de aprofundamento de Fé, partilha e convívio,
outro grupo partiu para fundar uma comunidade assenta em diversos grupos que se vão encontrando usualmente em espaços mais calmos que convidem
em Piura (Peru). Entretanto, em 1968, um grupo de na medida das suas necessidades e objectivos: a um ambiente mais oracional); pistas diárias de
rapazes que tinha feito com o P.e Bonet exercícios Revisões de Vida (partilha e discernimento semanal oração (orientação testemunhal de apoio à oração,

540
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VICENTINAS

baseada na Palavra de Deus); Eucaristia da comu- e podia dizer às primeiras irmãs: “Quem teria pensado que, sob a orientação de Vicente, havia já mais de
nidade (lugar de encontro de fé e celebração da que haveria Filhas da Caridade?... eu não pensava… um ano, visitava as Confrarias de Caridade, reunia
comunidade e de todos aqueles que os acom- Deus pensava nisso por vós”. os seus membros e encorajava os vacilantes, vai ser
panham); ponto de encontro da Família Verbum Dei A fundação por Vicente de Paulo de Confrarias da chamada por Deus a orientar Margarida Naseau e
(espaço de oração comunitária); vigílias de oração Caridade em Paris revelou que as condições de as outras jovens que se foram oferecendo para o
para universitários (educação na fé para interagir funcionamento não podiam ser aí exactamente as serviço dos pobres. Apareciam assim impercep-
no próprio meio universitário); diplomado (aprofun- mesmas da Caridade de Châtillon. No meio rural, tivelmente as Filhas da Caridade, como resposta
damento teológico para a evangelização); Páscoa as camponesas davam a resposta que se impunha, cristã à grande miséria que havia na França desse
fraterna (vivência em oração e comunidade do mas no meio urbano as senhoras da aristocracia, tempo.
momento litúrgico essencial da vida cristã); retiros por razões de ordem social e familiar, não podiam Luísa de Marillac nasceu em Agosto de 1591, em
de vida consagrada (retiros para religiosas e religiosos). assegurar convenientemente o serviço aos pobres. Paris. Pertencia à alta sociedade francesa e, além
Era preciso encontrar “moças do campo” que se de profundamente religiosa e mística, possuía uma
BIBLIOGRAFIA: Impressa: A Bíblia de Jerusalém, [S. disponibilizassem para realizar as tarefas mais simples cultura muito superior à das mulheres do seu tempo.
Paulo], Edições Paulinas, 1985; Os Grandes e humildes junto do pobres, como limpar uma Desejou entrar num convento de religiosas contem-
Acontecimentos do Séc. XX, Lisboa, Selecções do mansarda, tratar um doente no próprio domicílio, plativas, mas acabou por casar. Após a morte do
Reader’s Digest, 1979; Anuário Católico de Portugal cuidar da higiene pessoal e doméstica, confeccionar marido, Luísa encontrou-se com Vicente de Paulo,
2007, [Lisboa], Secretariado Geral da Conferência refeições. que a ajudou a dar sentido à vida, levando-a a
Episcopal Portuguesa, 2007; GOMES, Manuel Saturino dedicar-se aos pobres, visitando e organizando as
da Costa, scj, et alii, Vinde e Vede, Lisboa, Paulinas, Confrarias da Caridade, fazendo visitas domiciliárias
1994, p. 91. Digital: www.verbumdei.org. aos necessitados, e fundando e mantendo escolas
para crianças e jovens. A partir de 1630, por indicação
MARIA ODETE SOARES MARTINS de Vicente de Paulo, já começava a orientar,
coordenar e supervisar as jovens das Confrarias da
Caridade que, por impossibilidade das Senhoras da
VICENTINAS Caridade, as substituíam, assegurando o serviço dos
O nome oficial deste Instituto é Companhia das pobres. Estavam a formar-se as primeiras filhas da
Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, Servas caridade animadas pela generosa e firme vontade
dos Pobres. No passado, também foram conhecidas, de bem servir a Deus e ao próximo, e Luísa de
em Portugal, por Irmãs da Caridade. Hoje, é corrente Marillac identificava-se com a nova Companhia.
tratá-las por Irmãs Vicentinas, ou simplesmente, A formação era personalizada e global, incluindo
Irmãs de São Vicente de Paulo. A sigla que identifica formação espiritual centrada na Santíssima Trindade
a Filha da Caridade é FdaC, ou simplesmente FC. e no exemplo de Cristo, e formação profissional
A Companhia das Filhas da Caridade foi fundada destinada a bem servir os pobres com espírito de
em França, no séc. XVII, por S. Vicente de Paulo humildade, simplicidade e caridade. Vicente de Paulo
(1581-1660) e S.ta Luísa de Marillac (1591-1660). acompanhava o grupo, falando frequentemente às
As primeiras irmãs reuniram-se a 29 de Novembro Irmãs e indicando qual o melhor caminho a seguir
de 1633, em Paris. O seu início foi muito simples e para serem verdadeiras discípulas e seguidoras de
inesperado, pois Vicente de Paulo não se julgava Jesus de Nazaré.
um fundador, mas apenas “desejava seguir passo a Finalmente, a 29 de Novembro de 1633, reuniram-
passo a Providência e ser dócil ao Espírito Santo”, -se sob a direcção de Vicente e Luísa para viver o
seu ideal em comunidade fraterna. De início, cuida-
vam dos pobres doentes, visitando-os no domicílio,
tanto nas cidades como nas aldeias. Depois, em
Vicentinas, Servas dos Pobres (A) resposta às necessidades, começaram a ocupar-se
dos doentes nos hospitais, a cuidar da formação das
jovens, a socorrer crianças abandonadas, a dar
Em 1630, depois de uma missão pregada por Vicente assistência aos condenados às galés, aos soldados
de Paulo, veio ter com ele uma jovem pastora, feridos, aos refugiados, às pessoas idosas, aos doentes
Margarida Naseau de Suresnes, que lhe apresentou mentais e a muitos outros carenciados. A aprovação
um projecto auspicioso. Tratava-se de juntar jovens eclesiástica foi dada a 18 de Janeiro de 1655, pelo
voluntárias que “poderiam contribuir com o seu Cardeal de Retz, Arcebispo de Paris. Luísa de Marillac
trabalho para cuidar dos pobres e servi-los. faleceria a 15 de Março de 1660. Canonizada em
Efectuariam as tarefas mais pesadas e repugnantes 1934, foi pelo Papa João XXIII, em 1960, declarada
e não receberiam qualquer remuneração”. Nesta “Padroeira de todos os que se dedicam às obras
proposta estava o germe da Companhia das Filhas sociais cristãs”.
da Caridade. Com amor genuinamente evangélico, A aprovação pontifícia da Companhia das Filhas da
Margarida Naseau fez-se a serva dos mais aban- Caridade pelo Papa Clemente IX data de 8 de Junho
donados, o que levaria Vicente de Paulo a dizer mais de 1668. Dócil à inspiração divina e usando de muita
tarde: “ela foi a primeira Irmã que teve a felicidade prudência e audácia, Vicente de Paulo legou à Igreja
Brasão das Vicentinas (A) de mostrar o caminho às outras”. E Luisa de Marillac, e à sociedade uma companhia de mulheres consa-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VICENTINAS

gradas a Deus para o serviço dos pobres, mulheres Ao longo dos séculos, muitas irmãs se notabilizaram faziam os seus votos na capela da casa da R. de S.ta
sem clausura, mas que, como ele afirmava, hão-de em obras de natureza religiosa, educacional, Marta, que lhes havia sido cedida por decreto das
ter por mosteiro as casas dos doentes, por cela um assistencial. Podemos assinalar, entre estas, a Cortes Constituintes de 28 de Dezembro de 1821.
quarto de aluguer, por capela a Igreja da paróquia, Ir. Maria Teresa Milcen (1855-1927) que, a partir de
por claustro as ruas da cidade, por clausura a 1902, fundou os primeiros sindicatos femininos
obediência, por grade o temor de Deus, por véu a (Sindicato das Professoras do Ensino Particular,
santa modéstia”. A “Pequena Companhia” deu Sindicato das Empregadas de Comércio e da Indústria,
fruto, multiplicou-se, e está, actualmente, em mais Sindicato das Costureiras, entre outros) que
de 93 países. contribuíram para melhorar a condição da mulher.
As boas obras praticadas pelas Filhas da Caridade No séc. XX, e em particular entre 1940 a 1945,
conhecem-nas Deus e os pobres. Seguindo a tradição foram numerosas as irmãs vítimas de bombar-
da Família Vicentina, praticam o bem discretamente deamentos e de campos de concentração na Polónia,
e sem esperar em troca as lisonjas da fama. Mas os Hungria, Itália, França, Alemanha, Indonésia,
bons exemplos merecem ser lembrados e podem Vietname, entre outros. Digno de especial referência
servir a outros de estímulo. Por isso, desde os tempos é o episódio que envolve a Ir. Helena, uma irmã
da fundação, costumavam reunir-se para partilhar francesa que, com os meios ao seu alcance, libertou
o que na vida das irmãs falecidas podia servir de centenas de judeus. Os serviços secretos procuraram-
Medalha miraculosa da Imaculada (A)
edificação espiritual. E não faltam histórias de filhas -na em vão. A Gestapo decide então, em 1943,
da caridade que se impuseram pelo carácter heróico deportar para a Alemanha a Ir. Laura Decq, Superiora
da dedicação aos outros e pela santidade. Entre Geral da Companhia, que aí foi encarcerada, sujeita Em 1824 já havia 7 irmãs a prestar serviço nas
estas, algumas foram elevadas às honras dos altares, ao regime geral dos outros prisioneiros. Passados enfermarias da Casa Pia (Asilo de Crianças), 13 no
como por exemplo S. ta Isabel Ana Bayley Seton, meses, libertaram-na. A Ir. Helena foi, depois, conde- Hospital de S. José, e ainda mais algumas numa
(1774-1821), primeira santa dos Estados Unidos da corada a título póstumo pelo Governo de Israel. casa da R. da Caridade, em Lisboa. A sua existência
América, canonizada em 1975. Foi uma das mulheres No Concílio Vaticano II, a Ir. Susana Guillemin (1906- no Patriarcado foi reconhecida, a 24 de Julho de
católicas americanas mais notáveis e influentes nos -1968) foi das primeiras auditoras do Concílio e das 1827, pelo Patriarca D. Fr. Patrício da Silva. Mas a
inícios do séc. XIX. Dedicou-se generosamente primeiras mulheres a ser membro da Cúria Romana. situação política não era favorável às congregações
aos pobres, à instrução e educação das jovens. Exerceu extraordinária influência na vida eclesial e religiosas. Ainda assim, as Filhas da Caridade foram
Fundou as Filhas da Caridade na América do Norte. religiosa, contribuindo para valorizar o papel da a única excepção às medidas de extinção contidas
S.ta Juana Antida Thouret (1765-1826), canonizada mulher no seio da Igreja e para promover a renovação no Decreto de 24 de Maio de 1834. Este não foi
em 1934, foi a fundadora das Irmãs da Caridade da Vida Religiosa Feminina. aplicado às Filhas da Caridade, dada a respectiva
de Besançon. Estas são actualmente cerca de 4000 Não se conhecem em pormenor as circunstâncias singularidade “em virtude dos seus votos temporários
irmãs espalhadas pelos cinco continentes, onde que rodearam a fundação da Companhia das Filhas e do carácter humanitário da sua missão”. Mas ao
prestam os mais variados serviços aos pobres. da Caridade em Portugal. Parece ter sido sob o ficarem privadas de ligação aos Superiores Maiores
S.ta Catarina Labouré (1806-1876) foi canonizada impulso e orientação do P.e José António da Silva e da orientação dos Padre da Congregação da
em 1947. Quando fazia o Noviciado em Paris, em Rebelo (1779-1846), Visitador dos Padres da Missão, sobreviveram com enormes dificuldades e
1830, foi favorecida com as manifestações da Virgem Congregação da Missão entre 1819 e 1826, que se alguma desorientação.
Imaculada, a Medalha de Nossa Senhora das Graças fizeram as várias diligências destinadas a introduzir A vinda de irmãs francesas só ocorrerá em 1857.
(Medalha Milagrosa), e outras revelações místicas, no país o Instituto das Filhas da Caridade. Por um No seguimento da epidemia de febre-amarela e de
como Cristo presente na Eucaristia, o poder da lado, um grupo de senhoras da mais alta aristocracia cólera-morbo que fez inúmeras vítimas, foi solicitada
oração, N. Sr.a Co-redentora na obra da salvação, dirigiu a D. João VI, então residente no Brasil, uma a D. Pedro V a autorização para a entrada das irmãs
Maria Medianeira de Todas as Graças. As Bem- súplica para que fosse autorizado o Instituto. em Portugal, destacando-se nessas diligências a
-Aventuradas Maria Ana Vaillot, Odília Baumgarten, O monarca respondeu, a 14 de Abril de 1819, com Sociedade Protectora dos Órfãos, fundada pela
Maria Francisca Lanel, Maria Madalena Fantou e um despacho em que concede “as precisas facul- Imperatriz do Brasil, D. Amélia Augusta, Princesa de
Joana Gérard nasceram em França, aí serviram os dades para que possam fundar em Lisboa a Leuchtenberg, viúva de D. Pedro IV, e patrocinada
pobres e deram a vida pela Fé, durante a Revolução Congregação das Servas dos Pobres denominadas pelas Infantas D. Maria Ana e D. Antónia, irmãs do
começada em 1789. também Irmãs e Filhas da Caridade, segundo as rei. O Cardeal Patriarca de Lisboa deu parecer
A Bem-Aventurada Rosália Rendu (1786-1856) nasceu Regras e Direcções dadas por S. Vicente de Paulo.” favorável, e a 9 de Fevereiro de 1857, um alvará
e faleceu em França. Era a Ir. Rosália bem conhecida Ao mesmo tempo, solicitou-se aos Superiores régio dava a devida autorização. A 23 de Outubro
em toda a cidade de Paris, sobretudo pelos pobres. Maiores, em Paris, para que fossem enviadas quatro de 1857 chegavam de França cinco irmãs, quatro
A sua vida de Filha da Caridade foi consagrada ao irmãs francesas. Por ser difícil a situação política francesas e uma portuguesa, e com elas dois padres
serviço dos necessitados, no B.º de Mouffetard. vivida em França e por estar, então, o governo da da Missão. Se o meritório serviço aos pobres e
Apoiou Frederico Ozanam na fundação, organização Congregação a ser bastante afectado, o pedido não doentes, que logo começaram a desenvolver, lhes
e consolidação da Sociedade de São Vicente de foi correspondido. Nesta situação, foi decidido granjeou a simpatia e reconhecimento da sociedade
Paulo, as vulgarmente chamadas Conferências proceder à fundação com irmãs portuguesas portuguesa, mobilizou também a oposição de sectores
Vicentinas, que têm actualmente 930 000 membros recrutadas e formadas pelos Padres da Missão. radicais do Liberalismo e da Maçonaria. Nos jornais,
espalhados por todo o mundo. Em 1852, Napoleão III Através do Visitador, ficavam as Irmãs na dependência no parlamento e na rua, a presença das irmãs
condecorou-a com a Cruz da Legião de Honra, dos Superiores Maiores. Assim se formou o primeiro francesas, alvo de calúnias e de ignóbil campanha,
homenagem da França por toda a acção sócio- núcleo de Filhas da Caridade em Portugal, tendo as tornou-se o centro de uma questão política a que o
-caritativa e de promoção humana por ela realizada. duas primeiras irmãs portuguesas tomado hábito a governo francês pôs termo, mandando expressamente
Foi beatificada em 2003. 25 de Março de 1821. No ano seguinte, já 12 irmãs a Lisboa a fragata de guerra L’Orenoque, que, no

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VICENTINAS

dia 9 de Junho de 1862, retirava de Portugal as Irmãs. e obediência. São emitidos pela primeira vez, após
Com esta saída, foram fechadas 12 casas então cinco a sete anos de vocação. São votos “não
existentes, restando apenas o Asilo (depois Hospital) religiosos”, anuais, sempre renováveis conforme as
de S. Luís, em Lisboa, com quatro irmãs francesas. Constituições e Estatutos. Só o soberano Pontífice
Entretanto os ânimos serenaram, a campanha contra e o Superior Geral da Congregação da Missão podem
as Irmãs foi sendo esquecida e voltaram os pedidos dispensar as Filhas da Caridade dos respectivos votos.
de novas fundações. As Irmãs regressaram, as obras Sob o ponto de vista institucional, a Companhia
ressurgiram, e a Província das Filhas da Caridade era das Filhas da Caridade é uma Sociedade de Vida
restabelecida a 6 de Agosto de 1881, mantendo-se Apostólica, em comunidade, que assume os
até ao rude golpe trazido pela implantação da conselhos evangélicos mediante um vínculo definido
República, em 1910. Colégio das Vicentinas, Campo Grande, Lisboa (JAM) pelas Constituições. É de Direito Pontifício e isenta.
A actual Província Portuguesa teve início em 1930. Desde o início, tem apenas uma categoria de
Até esta data, as irmãs portuguesas que faziam a membros chamados Irmãs. É internacional, divide-
sua formação noutros países e que ao serviço dos A formação espiritual, humana, apostólica e -se em Províncias, sendo estas formadas por certo
pobres se encontravam dispersas por França, Espanha, profissional de cada irmã é contínua e feita a todos número de Casas ou Comunidades locais.
Inglaterra, América Latina e continente africano, os níveis, visando “o crescimento na fé, de modo
foram convidadas a regressar a Portugal e a reto- que animada pelo Espírito Santo e o carisma dos
marem aqui as suas actividades, cuja falta tanto se Fundadores adquira convicções que, em todo o
fazia sentir. Dada a mobilidade própria da Companhia tempo e lugar a tornem mais firme no dom total a
e o seu espírito missionário, com elas vieram colaborar Deus, de ser serva de Cristo nos pobres e dos pobres
irmãs de outras nacionalidades. Seguiu-se uma fase em Cristo, de viver vida fraterna em comunidade
de despertar de vocações que conduziu à abertura, para a missão”. O percurso de formação processa-
a 13 de Outubro de 1938, do Seminário (Noviciado), -se em várias fases, em conformidade com o Direito
no antigo Colégio Feminino de S. ta Quitéria, Canónico e o Direito Particular da Companhia.
Felgueiras, casa de que tinham sido espoliadas pela O Postulantado é uma etapa com a duração mínima
República. de doze meses, durante a qual a candidata faz a
Entretanto, iam sendo abertas novas fundações, experiência da vida de Filha da Caridade. A sua
tais como o Hospital de Águeda; o Sanatório da organização varia segundo as pessoas e as culturas.
Q.ta dos Vales, Covões (para tuberculosos do sexo O Seminário ou Noviciado têm igualmente a duração
masculino), em Coimbra; o Hospital Colónia Rovisco mínima de 12 meses, sem incluir os estágios
Pais (leprosaria para doentes de ambos os sexos), apostólicos. É o tempo em que a irmã faz o verda-
na Tocha, tendo anexa a Creche e Preventório para deiro discernimento evangélico e vocacional. Além
filhos dos doentes; a Casa de Saúde de Carnaxide, de formação bíblica e teológica, deve adquirir bons
Regra das Vicentinas (A)
Lisboa, para doentes do foro psiquiátrico; o Hospital conhecimentos de História da Igreja, das Constituições
de S. Luís dos Franceses; a Sociedade Espanhola de e dos Estatutos da Companhia e outros. Ao iniciar
Beneficência, que acolhia crianças e famílias refu- o Seminário, a postulante é integrada na Companhia, No princípio, as Irmãs regiam-se apenas por um
giadas da guerra de Espanha, entre outras. Em todo realizando-se então um compromisso mútuo: a pos- regulamento interno. Datam de 1645 as Regras e
o país procuraram servir Santas Casas da Misericórdia, tulante assume viver o ideal vicentino e a Companhia Constituições. E se, hoje, as Regras ainda são funda-
com todas as suas valências, e ainda dar apoio a declara-a admitida com direitos e deveres, acedendo mentalmente as mesmas do tempo de S. Vicente
reclusos. Além de serviços de pastoral e catequese, a estes de maneira progressiva. Terminada esta fase, de Paulo, em 1954 foram aprovadas e promulgadas
as Irmãs têm-se ocupado de áreas de saúde e dá-se o envio em missão. A jovem irmã é inserida novas Constituições. Em 1968-1969, na Assembleia
enfermagem, educação, ensino, apoio às famílias, numa comunidade local, onde tem oportunidade Geral, único órgão legislativo da Companhia,
lares de crianças e jovens com problemas socio- de unir intimamente oração, serviço e vida fraterna, procedeu-se à revisão e aprovação das Constituições
familiares, jardins-de-infância e escolas de Ensino continuando a sua formação inicial, preparando-se e Estatutos que foram submetidos a aprovação da
Básico, lares de Terceira Idade, centros de dia, apoio para a emissão de votos na Companhia e dando Santa Sé. Desde então, já foram revistas mais três
domiciliário, entre outros. Cada casa tem procurado continuidade a uma especialização profissional. vezes. A interpretação autêntica das Constituições
ser uma presença de evangelização e serviço no seio A actividade pastoral e as múltiplas áreas de serviços é competência reservada à Santa Sé. As Constituições
da sociedade. A obra de Deus na reconstução da a prestar exigem que a formação das irmãs seja e Estatutos visam toda a Companhia. Cada Província
província e a pujança do seu espírito vicentino deveu- completa e constante, de forma a conferir-lhes a determina o seu projecto provincial segundo o espírito
-se à generosidade e empenhamento de todas as qualificação que as torne eficientes, sem deixarem da Companhia, propondo também normas provinciais
irmãs. Mas deve registar-se, de modo particular, a de ser animadas pelo espírito de serviço dos pobres. para favorecer a inculturação e a subsidiariedade.
dedicação empreendedora da Ir. Sousa Prego (1897- Para isso deverão obter os respectivos graus Cada Comunidade local elabora o seu próprio projecto
-1981), ligada para sempre à obra das Casas de S. académicos e a adequada habilitação profissional comunitário para garantir a vitalidade do seu serviço
Vicente de Paulo. (Ciências Religiosas, Saúde e Enfermagem, Serviço a Cristo nos pobres, atendendo sempre à missão
Em começos de 2005, são 157 as Filhas da Caridade Social, Ensino, Ciências da Educação, Educadoras que lhe foi confiada pela Igreja local e pela Província.
em Portugal, distribuídas por 24 casas (comunidades de Infância, Animadoras Socioculturais, entre outras). A autoridade na Companhia exerce-se como um
locais), presentes nas Dioceses de Aveiro (2), Coimbra Os pobres têm esse direito e as estruturas em que serviço. Os cargos são considerados como serviço
(1), Évora (1), Guarda (1), Funchal (3), Leiria (1), elas intervêm assim o exigem. temporário de duração determinada. Cada irmã tem
Lisboa (9), Portalegre e Castelo Branco (2), Porto (3) As Filhas da Caridade fazem quatro votos: serviço o direito e o dever de participar no governo da
e Vila Real (1). dos pobres (o voto específico), castidade, pobreza Companhia, o que implica informação, subsidia-

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VICENTINAS

riedade, partilha e co-responsabilidade. O Superior (FMI) surgiu como resposta ao pedido de Nossa
Geral da Congregação da Missão, sucessor de Senhora a S.ta Catarina Labouré, em 1830. A sua
S. Vicente de Paulo, é, desde a fundação, aquele a existência em Portugal remonta a 1859, pouco depois
quem as Irmãs reconhecem autoridade e poderes, da chegada das irmãs francesas. Os seus membros
sendo ainda o garante da Companhia na Igreja. procuram viver em espírito de consagração a Maria,
A Assembleia Geral (Capítulo Geral) é o órgão dinamizando e participando em actividades
legislativo e electivo da Companhia. Nela participam paroquiais. A Juventude Mariana Vicentina (JMV)
todas as Visitadoras (Provinciais) e Delegadas eleitas tem por lema “viver, contemplar, servir”. Fundada
pelas irmãs de cada Província. É convocada pelo em 1847, com características de associação laical,
Superior Geral que preside à mesma. eclesial, mariana, missionária e vicentina, abrange
A Superiora Geral é eleita pela Assembleia Geral e toda a categoria de jovens, muitos dos quais partem Escola Superior de Enfermagem de S. Vicente de Paulo,
Lisboa (JAM)
o seu mandato tem a duração de seis anos. Tem a para vários países em Missão Ad Gentes. Em
colaboração das Conselheiras Gerais, também eleitas Moçambique, participam activamente na evan-
em Assembleia Geral para um sexénio e formam o gelização e desenvolvimento das populações mais S. Vicente de Paulo, a funcionar na Av. Marechal
Conselho Geral. A Visitadora (Provincial) é designada atingidas pela guerra. Craveiro Lopes, n.º 10, em Lisboa. Atendendo às
para um mandato de seis anos pela Superiora Geral Entre os aspectos mais relevantes da relação da grandes necessidades que nessa área se faziam
e o seu Conselho, após consulta a todas as irmãs Companhia com o país contam-se a missionação, o sentir, as Irmãs criaram uma Escola de Serviço Social
da Província. No exercício das suas funções é ajudada ensino, a assistência e solidariedade social. - Curso de Auxiliares Sociais, mais tarde Educadoras
por um Conselho Provincial, constituído por quatro O grande campo de missionação tem sido Sociais, que em 1948 recebia as primeiras alunas.
irmãs. A Irmã Servente (Superiora Local) é nomeada Moçambique, para onde partiram as primeiras irmãs, O Curso com a duração de três anos, preparou
pela Visitadora e seu Conselho, após consulta às em 1942. Até 1968, foi esse o destino missionário numerosas técnicas, que exerceram acção notável
irmãs da Província. É nomeada por três anos, mas de cerca de meia centena de irmãs portuguesas. na assistência, na promoção, dinamização e desen-
pode ser nomeada de novo, após consulta à O desenvolvimento das comunidades e das obras volvimento social das populações, quer em Portugal
Comunidade local. O nome de Irmã Servente vem locais deu origem à formação da Província de quer no Ultramar.
desde os primórdios vicentinos, coadunando-se com Moçambique, onde permaneceram muitas irmãs O público reconhecimento pelos serviços prestados
a atitude de serva dos pobres. portuguesas. A estas juntaram-se novas vocações ao país tem-se traduzido em várias condecorações
Na Companhia há três tipos de assembleias: de jovens moçambicanas e também irmãs vindas de que, no decorrer dos tempos, foram atribuídas às
Doméstica, Provincial e Geral, que têm a função de outros países e continentes. Desde 28 de Janeiro de Irmãs pelo seu trabalho abnegado e heróico a bem
avaliar e promover a fidelidade ao carisma e a 1998, as Filhas da Caridade também se encontram da sociedade e, de modo especial, das classes mais
vitalidade apostólica. Segundo o parecer dos em Angola (Balombo, Lobito e Luanda), onde tentam desfavorecidas.
Fundadores, “reunimo-nos e pedimos o parecer das minorar as enormes situações de pobreza. A memória histórica das Filhas da Caridade encontra-
Irmãs”. É um método essencialmente democrático, As Irmãs sempre se têm dedicado à educação e -se no Arquivo da Casa-Mãe, sediada na Rue du Bac,
participativo e consultivo. A Assembleia Geral é ensino, seja em escolas próprias seja em escolas de n.º 140, na cidade de Paris, França, e dispersa por
legislativa e electiva. outras instituições de solidariedade social, trans- algumas obras referidas na bibliografia. No mensário
O carisma das Filhas da Caridade consiste na mitindo o espírito que as anima aos que lhes são Mensageiro de S. Vicente de Paulo, publicado pela
disponibilidade para, fiéis ao baptismo e em resposta confiados. Sentem-se, por isso, agradecidas ao Senhor Congregação da Missão, desde 1941 até 1970,
ao apelo de Deus, se entregarem inteiramente e em por contarem entre as suas antigas educandas a encontra-se informação abundante sobre a presença
comunidade ao serviço de Cristo nos pobres, seus Ir. Maria Clara do Menino Jesus, da família Galvão das Filhas da Caridade em Portugal.
irmãos, com espírito evangélico de humildade, Mexia Telles e Albuquerque, fundadora da A Companhia das Filhas da Caridade tem na
simplicidade e caridade. Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras actualidade 25 000 membros, presentes nos cinco
As Filhas da Caridade pertencem à grande Família da Imaculada Conceição, e a Ir. Isabel de Sá, que, continentes e em 93 países. Em Portugal existem
Vicentina, com a qual colaboram e estão em íntima ingressando na Congregação das Irmãs Franciscanas 157 irmãs, das quais sete são espanholas. Fora do
comunhão. Merecem-lhes particular carinho e serviço de Nossa Senhora das Vitórias, sucedeu como país encontram-se, como missionárias, várias irmãs
os seguintes movimentos e organizações de que se Primeira Superiora Geral à Ir. Wilson. portuguesas, a maior parte em Moçambique, mas
sentem muito próximas em S. Vicente. A Associação Para melhor exercerem a sua acção social e de também no Egipto e na República Dominicana.
Internacional das Caridades (AIC), estruturada como assistência, através dos tempos e em território As Filhas da Caridade vivem do seu trabalho no
organização internacional em 1971, é a herdeira do português, as Irmãs criaram a Associação de exercício de actividades profissionais. Os bens são
espírito das Caridades fundadas por S. Vicente de Beneficência Casas de S. Vicente de Paulo, Instituição comuns e elas servem-se dos bens materiais para
Paulo em 1617. Após o Vaticano II, os seus membros Particular de Solidariedade Social, aprovada confor- realizar a sua missão junto dos pobres. Gozam de
são conhecidos como Voluntárias da Caridade. Têm me Alvará do Governador Civil de Lisboa, no dia 20 personalidade jurídica, possuindo capacidade para
o estatuto de organização consultiva na UNESCO e de Abril de 1939. adquirir bens temporais. No plano internacional, os
no Parlamento Europeu. São membros de várias Além das obras de assistência e solidariedade em bens da Companhia tornam possível o serviço dos
organizações e participam em todas as formas de que trabalham, servindo as populações mais caren- pobres e a manutenção das Irmãs.
mobilização e exercício da caridade, justiça, alfabe- ciadas, foram criando escolas e instituições de for- Em 1821, os governantes puseram à disposição das
tização, desenvolvimento, promoção social, evan- mação especializada nas áreas da saúde e do serviço Irmãs um antigo hospício de Carmelitas Descalços
gelização, entre outros. A Associação da Medalha social. A 13 de Novembro de 1937, a Ir. Eugénia de Pernambuco, também chamados Carmelitas do
Milagrosa (AMM), fundada em 1909, está aberta a Tourinho, brasileira, fundou em Lisboa, na R. de S.ta Ultramar, sito na R. de S.ta Marta, 32, em Lisboa.
todos os que nela desejem participar. A sua espiri- Marta, n.º 32, a Escola de Enfermagem de S. Vicente Depois de várias vicissitudes, essas instalações
tualidade assenta no propósito de “orar, reflectir, de Paulo. A partir de Julho de 1990, esta passou serviram, a partir de 1932, de Casa Provincial das
agir”. A Associação das Filhas de Maria Imaculada oficialmente a Escola Superior de Enfermagem de Irmãs e sede de outras actividades. Quando se

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VISITANDINAS

Publicam as seguintes revistas (impressa a primeira, dos Pobres Enfermos, Lisboa, Na Tipografia de
policopiadas as outras): Ecos da Companhia das António Rodrigues Galhardo, 1822; Semana
Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo, editados Vicenciana de Salamanca (Vols. 1 a 23), Tormes/
em Lisboa pela Casa Provincial (tradução portuguesa Salamanca, Editorial CEME, 1972-1997; Um Raio de
de Echos de la Compagnie, Bulletin Bimestriel des Luz para a Terra: A Mensagem de Maria a Santa
Filles de La Charité de Saint Vincent de Paul, publicado Catarina Labouré, Trad. de Lucy Cunha, Strasboug,
pela Casa-Mãe, em Paris); Ecos da Província Ed. du Signe, [s.d.]. Digital: www.chapellenotredame
Portuguesa das Filhas da Caridade de S. Vicente de delamedaillemiraculeuse.com; www.filhasdacarida
Paulo, editado em Lisboa pela Casa Provincial (revista de.org; www.filles-de-la-charite.org.
bimestral, formativa e informativa, iniciada em 1947);
Correio JMV – Juventude Mariana Vicentina (revista LUÍS MACHADO DE ABREU
de jovens e para jovens, que começou em 1985,
tratando-se de uma publicação trimestral do
Secretariado Nacional da JMV, sito na já referida Av. VISITANDINAS
Marechal Craveiro Lopes); e Fonte de Graças – Boletim A Ordem da Visitação de Santa Maria, uma das
da Associação da Medalha Milagrosa (publicação últimas ordens religiosas estabelecidas, foi fundada
editada pela Congregação da Missão e pelas Filhas em Annecy, na Sabóia, em 1610, em honra da
da Caridade, com sede na Av. Marechal Craveiro Visitação de Nossa Senhora a S.ta Isabel, sua parente,
Lopes). relatada no Evangelho de S. Lucas.
Inicialmente fundada sem a necessidade do voto de
BIBLIOGRAFIA: Impressa: A LADEL , Jean Marie, A clausura (destinava-se a permitir às mulheres que,
Medalha Miraculosa: Sua Origem, Difusão e por motivos de saúde ou pela idade avançada, não
Capela do Colégio das Vicentinas, Lisboa (JAM)
Resultados ou Nossa Senhora das Graças e os Actos podiam entrar em reclusão e, consequentemente,
da Sua Misericórdia, Ed. prefaciada e vertida em estavam afastadas de uma vida de perfeição), em
empreendeu a construção da nova Casa Provincial, Português por Francisco Teixeira d’Aguilar (Conde que a vida contemplativa seria acompanhada de
foi esse prédio vendido para ajudar a custear as de Samodães), Porto, Imprensa Comercial, 1884; visitas aos doentes nos seus próprios lares com o
despesas feitas entretanto. CALVET, Jean, Santa Luísa de Marillac Auto-Retrato: objectivo de os tratar e consolar, em 1615, Mons. de
A Infanta D. Isabel Maria, tia de D. Pedro V, comprou Estudo Psicológico, Trad. das Filhas da Caridade, Marquemont, Arcebispo de Lyon, concluiu que, de
o Convento de S. Domingos de Benfica, desafectado Lisboa, Ed. Evangelizare, [s.d.]; Casas de S. Vicente acordo com as disposições do Concílio de Trento,
desde a Lei de 28 de Maio de 1834, e doou-o à de Paulo: 50 Anos em Missão de Serviço, Lisboa, seria impossível a existência de uma verdadeira
Companhia para servir de Casa Provincial e estabe- s.n., 2000; CHARPY, Ir. Elisabeth, Um Caminho de comunidade de monjas sem votos solenes e clausura
lecimento para as actividades próprias do Instituto. Santidade, Luísa de Marillac, Trad. A. Ornelas, Lisboa, rigorosa. As Visitandinas receberam então do Papa
Em 1910, o Governo da República apoderou-se da Companhia das Filhas da Caridade, s.d.; CRISTÓVÃO, Paulo V as Constituições definitivas, tornando-se
casa e nela instalou o Instituto dos Pupilos do Exército. Maria do Céu, A Questão das Irmãs de Caridade: uma ordem religiosa votada à contemplação e ao
A actual Casa Provincial encontra-se instalada, desde Estudo de Opinião Pública – 1858-1862, Lisboa, ensino, seguindo a chamada Regra de S.to Agostinho.
8 de Setembro de 1949, na Freguesia do Campo Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1977; Na sua fundação estão nomes como S. Francisco de
Grande, na Av. Marechal Craveiro Lopes, n.º 10, em Escola de Enfermagem de S. Vicente de Paulo: Sales e S.ta Joana Francisca de Chantal.
Lisboa. Cinquentenário 1937-1987, Lisboa, [s.n.], 1987; S. Francisco de Sales nasceu a 21 de Agosto de
O emblema da Companhia apresenta um coração FERNANDEZ, Celestino, cm, Sacramento y Profecia: Las 1567, no Castelo de Sales, perto de Thorens, na
em chamas sobre o qual se destaca a figura de Cristo Hijas de la Caridad en el Mundo y para el Mundo Sabóia (então estado independente), no seio de uma
Crucificado, tendo à volta a divisa Caritas Christi de Hoy, Tormes/Salamanca, Editorial CEME, 2002; grande família da velha nobreza: a Sr. a Boisy e
urget nos, isto é, “A Caridade de Jesus Crucificado F ORJAZ , Conselheiro A., Irmãs da Caridade em Francisco, Senhor de Nouvelles. Durante a gravidez,
nos impele”. Benefício do Asilo da Infância Desvalida de Coimbra, a sua mãe, pondo os olhos no Santo Sudário,
Os Fundadores não quiseram as Irmãs com hábito Coimbra, Imprensa da Universidade, 1857; GIORNELLI, ofereceu o bebé que estava para nascer como forma
ou véu para não se assemelharem a religiosas. Giuseppe, cm, Luísa de Marillac: A Longa Marcha de agradecimento ao Senhor por todo o sofrimento
Vestiam como as moças do campo. Essa maneira de para a Santidade, Lisboa, Editorial Evangelizar, 1989; em prol da humanidade. Ao fim de sete meses de
trajar foi-se modificando com o andar dos anos. No GUIMARÃES, P.e Bráulio, cm, Apontamentos para a gestação, o bebé nasceu. A sua frágil saúde levou
séc. XIX, eram identificadas pela veste de cor azul- História da Província Portuguesa da Congregação os pais a baptizá-lo de imediato, recebendo o nome
-cinza e a coifa branca muito engomada, chamada da Missão, 8 vols., Lisboa, Casa Central dos Padres de Francisco Boaventura.
cornette, que inspirou poetas, dramaturgos e pinto- da Missão, 1959-1963; La Compagnie des Filles de A sua primeira educadora e catequista foi a sua
res e foi símbolo da Filha da Caridade, a Irmã la Charité aux Origines: Documents, Paris, Compagnie mãe. Além de lhe transmitir a doutrina católica,
Hospitaleira. A cornette entrava nos tugúrios, acon- des Filles de la Charité, 1989; MEZZADRI, Luigi, Vicente ensinou-o a dar valor a tudo, a fazer sacrifícios e
chegava crianças abandonadas, sanava misérias, de Paulo uma Caridade sem Fronteiras, Trad. de A. mortificações, a rejeitar a mentira, o vício e as más
levava esperança a presos e condenados. Deixou de Ornelas, Lisboa, Família Vicentina, 1990; Question companhias.
ser usada a partir de 20 de Setembro de 1964. As des Sœurs de la Charité en Portugal (1857-1862): Destinado a suceder ao pai, o jovem Francisco fez
Filhas da Caridade passaram a usar véu azul muito D’après la Presse et les Documents Officiels, Lisbonne, uma brilhante carreira como estudante, nomea-
simples, que se assemelha a um lenço, e vestido ou Société Typographique Franco-Portugaise, 1863; damente no Colégio de la Roche, em 1574, depois
saia azul com blusa da mesma cor ou branca, RIQUET, Michel, La Charité du Christ en Action des em Annecy, em 1576, e, por fim, em Paris, no colégio
vestuário muito sóbrio, prático e higiénico, que as Origines à Saint Vincent de Paul, Paris, A. Fayard, jesuíta de Clermont. Seguiu-se uma fase de grande
continua a aproximar dos pobres. 1961; Regras Comuns das Filhas da Caridade e Servas desespero, provocado pelas leituras teológicas que

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VISITANDINAS

o colocaram em conflito com a sua própria noção com a ajuda de Francisco de Sales, seu director Margarida ficou órfã de pai aos oito anos e com a
de predestinação. Os estudos prosseguiram, agora espiritual desde 1604. O seu apoio permitiu-lhe mãe gravemente doente. Fez a Primeira Comunhão
da área de Direito, em Pádua, uma vez que o pai apaziguar a angústia interior, que a atormentou toda com apenas nove anos, após ter frequentado o
pretendia que ele seguisse a carreira de magistrado. a vida, e amenizar a sua vocação religiosa, acentuada Convento das Ursulinas, e, perante a situação fami-
Contudo, o jovem que já aos 11 anos planeava pela promessa feita ao marido: em caso de morte liar em que se encontravam, a mãe pediu-lhe que
entrar na Igreja, não renunciou ao seu projecto e, de um deles, o que cá ficasse consagraria a sua vida casasse, escolhendo um dos bons pretendentes que
em 1593, foi nomeado Bispo de Genebra. Uma das ao serviço de Deus. Sem a pressionar a tomar uma se apresentavam. Contudo, a jovem não o podia
suas primeiras missões foi a conversão dos decisão ou negar a sua vocação, foi-lhe falando do fazer: queria ser religiosa e, anos antes, quando
protestantes calvinistas de Chablais, na Suíça, onde seu sonho de fundar uma comunidade religiosa de estivera gravemente doente, prometera à Virgem
havia apenas uma centena de católicos numa estrutura simples, em que a finalidade seria a que, se recuperasse a saúde, consagrar-se-Lhe-ia.
população de 25 000 habitantes. contemplação. A pressão familiar para integrar as Ursulinas foi
Ao longo da sua vida, o escritor e pregador católico A partir da fundação da primeira Comunidade das grande: o convento ficava perto e ela tinha lá
realizou muitas viagens, contactou com muitos nomes Filhas da Oração, em 1610, Joana de Chantal familiares. Margarida, contudo, sentia que pertencia
da política e da sociedade francesas, sendo sempre consagrou toda a sua vida à Ordem, fundando ela a outro lugar e orava, pedindo a Deus que lhe
bem acolhido e escutado. Tornou-se conselheiro própria 74 mosteiros até à sua morte, em 1641. mostrasse o local onde a queria. A escolha recaiu
espiritual, em presença e até através da escrita, de A sua festa celebra-se a 12 de Dezembro. sobre o Mosteiro de Paray-le-Monial, para onde
personalidades como o presidente do parlamento A primeira comunidade de Irmãs Visitandinas, cujo entrou em 1671 e onde fez a sua profissão a 6 de
de Dijon, Madame Charmoisy e Joana Francisca de selo distintivo era a humildade e a simplicidade, Novembro de 1672. Porém, a sua presença não foi
Chantal. Escreveu, entre outras, as obras Introdução começou com três religiosas: Joana Carlota de bem aceite por todas as irmãs: era contrariada e
à Vida Devota e Tratado do Amor de Deus. Bréchard, Maria Jaqueline Favre e a própria Joana desprezada, sendo as suas visões consideradas fruto
S. Francisco de Sales faleceu a 28 de Dezembro de de Chantal, todas pertencentes a famílias distintas, da sua imaginação.
1622, foi canonizado em 1665, nomeado o 19.º às quais se juntou também Ana Jaqueline Costa, a Quando o P.e Cláudio la Colombière foi designado
Doutor da Igreja a 17 de Julho de 1877 e é, desde primeira irmã conversa da Congregação. Superior da casa dos jesuítas de Paray-le-Monial, a
1922, padroeiro dos escritores e jornalistas católicos. A Congregação instalou-se inicialmente numa casa jovem encontrou finalmente alguém que a tentou
Joana Francisca Frémyot de Chantal, avó de Madame particular, a Casa da Galeria, e deve o seu nome às compreender e que, como seu orientador espiritual,
de Sévigné, era oriunda de uma importante família muitas orações realizadas pelos Fundadores. S. geriu as suas revelações e impulsionou a devoção
da Borgonha e nasceu em Dijon em 1572. Desde Francisco de Sales começou por lhe chamar ao Sagrado Coração de Jesus. S.ta Margarida Maria
muito jovem que a futura Baronesa de Chantal Congregação de Santa Marta devido aos serviços faleceu aos 43 anos e foi canonizada em 1920.
demonstrou possuir as qualidades que fariam dela prestados aos doentes. Contudo, S. ta Joana de A sua comemoração litúrgica realiza-se a 16 de
um exemplo de fortaleza e bondade. Aos 20 anos, Chantal sentia uma certa pena por esta não estar Outubro.
desposou o Barão Cristóvão de Chantal e, durante totalmente sob protecção da Virgem Santíssima. Um Em Portugal, o primeiro Mosteiro da Visitação foi
nove anos, desfrutou de um casamento feliz, do qual dia, S. Francisco disse-lhe que mudara de opinião: fundado em Lisboa, mais precisamente em Belém,
nasceram seis filhos, tendo sobrevivido apenas quatro: passariam a chamar-se Filhas da Visitação, não só a 28 de Janeiro de 1784, apesar da perseguição
três meninas e um rapaz. Esta união abençoada por a sua missão ser visitar pobres e enfermos, mas movida às ordens religiosas por parte do Marquês
terminaria com a morte do barão, provocada também por se tratar de um Mistério oculto (nos de Pombal. Encontrando-se o P.e Teodoro de Almeida
acidentalmente por um familiar durante uma caçada. Evangelhos, quase não se fala da Virgem e, contudo, por essa altura exilado em França, não conseguia
D. Joana, viúva inconsolável, viveu tempos de as suas virtudes são imitadas: a obediência, o sacrifício pôr de lado a ideia de fundar, em Portugal, um
profunda crise espiritual, que viria a ser ultrapassada e a caridade) e por não ser celebrado pela Igreja. mosteiro desta Ordem. De regresso ao seu país em
Além destes motivos, parece que todas as jovens 1777, procurou imediatamente os apoios necessários:
que eram chamadas para a integrarem eram-no a licença da Rainha D. Maria I, obtida sem difi-
através de uma secreta visita de Nossa Senhora que culdades (Alvará de 30 de Janeiro de 1782); o
deixava nelas a certeza de uma vocação religiosa dinheiro para avançar com a obra, conseguido em
para a Visitação. Em suma, a Ordem honra a Virgem parte por doações de damas da rainha, como
Maria no seu mistério da Visitação. D. Leonor da Câmara e D. Maria Arriaga, entre outros
Seis anos após a sua fundação, a Ordem viria benfeitores; o apoio do próprio confessor da rainha,
a sofrer grandes alterações ao nível da sua estru- o Arcebispo de Tessalónica, que se declarou encan-
tura externa. O Arcebispo de Lyon, Mons. de tado com o projecto; o espaço, uma casa hipotecada
Marquemont, que pedira uma casa da Congregação pertencente à viúva do Sr. Manuel Diogo Parreira;
para França, não concordava com a saída das Irmãs e, talvez mais difícil de conseguir, a vinda de irmãs
para visitar os enfermos. Estas passaram então a de Annecy para fundarem o mosteiro. Após muita
fazer votos solenes, a recitar o Ofício de Nossa insistência, foram nomeadas para a fundação do
Senhora e a viver sob clausura papal. mosteiro português a Madre Teresa Augusta de
A Ordem teve grande aceitação, como se pode ver Bernex como Superiora, a Ir. Maria Josefa Ferre como
pelos mosteiros que entretanto foram fundados: em Assistente e as Irs. Josefa Rosália Greyfié, Josefa
1622 eram 13; em 1641 já eram 86, estando vários Vitória Vallet e Maria Felicidade Vallet. À chegada
outros em perspectiva. a Portugal, onde foram solenemente recebidas,
Outra personalidade ligada às Visitandinas é S.ta instalaram-se uns dias no Real Convento da
Margarida Maria Alacoque, a humilde confidente Encarnação, entrando no seu mosteiro a 28 de
do Sagrado Coração. Nascida a 22 de Junho de 1647, Janeiro de 1784. Este acabou por se fixar na Batalha,
Visitandina (Tours) em Verosvres, região de Saône-et-Loire, França, em 1936.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

Em Julho desse ano, deu-se a abertura do pensionato- se organiza o dia-a-dia da visitandina, segundo um Santa Maria, 2000; Vida de Santa Joanna Francisca
-colégio com a entrada das primeiras meninas horário bem definido: 6h30 – levantar; 7h – oração; Fremiot, Baroneza de Chantal, Fundadora da Ordem
portuguesas, sendo que a primeiríssima inscrição foi 8h – Laudes; 8h15 – Eucaristia; 8h45 – Tércia, da Visitação de Santa Maria, Lisboa, Na Regia Off.
feita por Maria do Carmo da Gama, que acabou pequeno-almoço e trabalho; 11h45 – Sexta; 12h – Typ., 1782; VILARES, Artur, As Congregações Religiosas
por entrar na vida religiosa. A educação dada às almoço e recreio; 14h – ofício leituras, Noa e trabalho; em Portugal – 1901-1926, Lisboa, Fundação Calouste
jovens era de tal forma apreciada que havia mesmo 16h – leitura espiritual, merenda e trabalho; 17h10 Gulbenkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
lista de espera. Dessas jovens, algumas seguiram a – convívio; 18h – Vésperas, oração e trabalho; 19h30 2003.
vida religiosa, outras faleceram relativamente jovens – jantar e recreio; 21h30 – Completas e deitar.
e outras casaram e foram esposas e mães exemplares. Apesar de serem contemplativas por vocação, as VIRGÍNIA DIAS
Em 1789, foram pedidas algumas religiosas para a Irmãs da Visitação fazem todos os trabalhos domés-
fundação de um mosteiro em Madrid. Em Portugal, ticos, tratam da horta, dos jardins e dos animais,
apenas um século depois, em 1887, foi fundado o consertam sapatos, assim como realizam algumas VITORIANAS
segundo mosteiro da Ordem no Porto, a pedido de actividades compatíveis com a sua vocação: pintura, Conhecida no passado por Irmãs de Santa Cruz,
algumas senhoras da cidade que tinham dificuldades bordados, confecção de paramentos e de roupa de Irmãs Hospitaleiras, ou ainda Irmãs Franciscanas, a
em encontrar um estabelecimento de ensino para altar, traduções, processamento de texto, entre outros, Congregação adoptou, a 4 de Setembro de 1970 e
as suas filhas. Ficou conhecido como Mosteiro de encarando-as como uma oração contínua de amor em razão da universalização da sua acção apostólica,
Vilar e teve como primeira Superiora a Madre Mariana e louvor a Deus. Fiéis à clausura papal, só podem a designação oficial de Congregação das Irmãs
Josefa da Costa. O colégio que aqui funcionava deixar temporariamente o mosteiro por motivos de Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias (cuja
tinha, em 1901, 38 meninas oriundas de famílias saúde ou outros aprovados pela Santa Sé. sigla é FNSV), evocando o carisma franciscano que
abastadas; o asilo era frequentado por 120 crianças A vida quotidiana das Visitandinas passou por duas a inspira bem como uma pequena imagem de
pobres. Também aqui os pedidos eram tantos que fases distintas ao longo dos dois séculos de existência N. Sr.a das Vitórias intimamente associada à conversão
a Ordem se viu forçada a aumentar a casa do lado em Portugal: começaram sem clausura, embora com da sua Fundadora à Igreja Católica.
do pensionato. Nesse ano, as irmãs do Mosteiro do votos, dedicando-se à oração e à ajuda ao próximo;
Porto registaram-se como Associação de São por fim, as Irmãs optaram por se retirar comple-
Francisco de Sales. tamente do mundo, levando uma vida de reclusão
Com o advento da Primeira República, começou o total, de mortificações e sacrifícios como forma de
exílio das Visitandinas com destino aos mosteiros melhor viverem o espírito visitandino e assim cola-
dispersos por outros países – Espanha, França, Bélgica borarem com as suas orações na salvação da
e Inglaterra – e à casa de familiares. Algumas chegaram humanidade. Existem actualmente em Portugal cerca
mesmo a tirar o hábito e a vestir-se como qualquer de seis dezenas e meia de visitandinas.
outra senhora, como forma de passarem despercebidas. Os mosteiros encontram-se agrupados em federa-
Porém, a esperança do regresso ao Mosteiro de Vilar ções, o que reforça a fraternidade e o espírito de
só terminou em 1922, quando este espaço foi cedido entreajuda, apesar de manterem a sua autonomia.
à Diocese do Porto para dar lugar a um seminário. Existem 18 federações espalhadas pela Europa, Ásia,
A Guerra Civil espanhola forçou as Salésias (assim África e América que agrupam cerca de 165
conhecidas em Portugal devido ao apelido do seu mosteiros. À federação portuguesa pertencem três:
fundador) a nova deslocação, desta vez sem lar para Batalha, Braga e Vila das Aves.
onde regressarem. Depois de muito procurarem, O brasão da Ordem tem a seguinte configuração:
alugaram uma casa na periferia de Braga, a Q.ta de um coração trespassado por duas flechas e rodeado
Logótipo da Congregação (I)
Real, onde permaneceram durante 25 anos, até que, por uma coroa de espinhos; o referido coração serve
em 1956, adquiriram na cidade um solar em ruínas de pedestal a uma cruz que o sobrepuja e tem nele
que, devidamente restaurado, é hoje o seu mosteiro. gravados os nomes de Jesus e Maria. A história da Congregação acompanha de perto a
O terceiro mosteiro foi fundado em 1887, em Vila dimensão biográfica da sua carismática Fundadora,
das Aves (S.to Tirso), por um grupo de religiosas do BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, Fortunato de, História da Mary Jane Wilson, futura Ir. Maria de São Francisco.
Porto, a pedido de José Maria de Almeida Garrett. Igreja em Portugal, 4 vols., Nova edição de Damião Nascida em Hurryhur, região de Mysore, Índia, a 3
Foi transferido para Coimbra em 1953 e, posterior- Peres, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1970-1971; de Outubro de 1840, filha de pais ingleses e
mente, regressou ao local de origem. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, anglicanos e órfã desde cedo, Mary Jane Wilson foi
Actualmente, com as suas Constituições de acordo 1991; Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, educada em Inglaterra por uma tia com quem vi-
com o Concílio Vaticano II (se bem que mantenham Edição Séc. XXI, Lisboa, São Paulo, Editorial Verbo, veu até à conversão à Igreja Católica. Baptizada,
como base fundamental as Constituições atribuídas 2003; GERHARDS, Agnès, Dictionnaire Historique des sob-condição, em Boulogne-sur-mer (França), em
por S. Francisco de Sales), a Ordem da Visitação tem Ordres Religieux, Paris, Fayard, 1998; Grande 1873, no ano seguinte entra na Ordem Terceira
como Superior Máximo o Santo Padre e cada mos- Enciclopédia Universal, Lisboa, Ed. Correio da Manhã, Franciscana Secular, com o nome de Josefina Francisca
teiro está sob a autoridade eclesiástica do Ordinário s.d.; Mestre e Apóstolo: S. Francisco de Sales, Bispo de Jesus, e inscreve-se em várias associações de
da zona a que pertence. Trata-se de um Instituto e Doutor da Igreja e Fundador da Ordem da Visitação piedade, nomeadamente na Arquiconfraria do
Religioso de Direito Pontifício, em que os seus de Santa Maria, Batalha, Mosteiro da Visitação, Coração Imaculado de Maria, com sede na Igreja
membros se dedicam particularmente à contem- 1954; Para... O Adorar em Espírito e Verdade: Dois de N. Sr. a das Vitórias em Paris. A mudança de
plação, fazendo votos solenes e mantendo-se fiéis Séculos da Ordem da Visitação de Santa Maria em confissão religiosa determinou uma ruptura
ao espírito religioso dos seus Fundadores. Portugal – 1787-1984, Leiria, O.V.S.M., 1983; temporária com a sua família. Cursou Enfermagem
No interior da comunidade, o Ofício de Nossa PROENÇA, Maria José, A Ordem da Visitação de Santa em França e trabalhou no Hospital de S. Jorge em
Senhora foi substituído pela Liturgia das Horas. Assim Maria em Braga, Braga, Mosteiro da Visitação de Londres.

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

A 26 de Maio de 1881, Mary Jane Wilson chega à consagração, decidem, como ficou registado em idade ao permitido para entrada no Postulantado.
ilha da Madeira acompanhando, como enfermeira, anotação da Ir. Wilson feita numa agenda no dia Por outro lado, também as Franciscanas Hospi-
uma senhora inglesa. Impressionam-na a beleza 15 de Janeiro de 1884, dar início a uma família taleiras não dispunham de irmãs em número
natural da ilha, uma comunidade inglesa em religiosa. Esta é, portanto, a data de fundação da suficiente para preencherem as necessidades do
emergência, mas também a conjuntura social e Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Hospital da Madeira.
económica da ilha, marcada por um generalizado das Vitórias, assinalando-se o Colégio de S. Jorge Em 1895, o Bispo do Funchal abandona o projecto
subdesenvolvimento da maioria da população. como o seu primeiro e decisivo passo. Novos membros de fusão e, no ano subsequente, concede às irmãs
A deficiente alimentação, precárias condições se vão juntando à embrionária família, iniciando o de S.ta Cruz autorização para usarem hábito religioso
habitacionais, higiénicas e outras consequências da Postulantado em 1886 e o Noviciado em 1887, sob e poderem emitir votos públicos anuais. Não deixa
pobreza faziam vítimas fáceis da doença, as quais orientação do vicentino P.e Pedro Varet. de ser curioso registar que da erecção canónica da
se viam sem cuidados, remédios e hospitais. A perse- Em 1891, ano em que o Colégio de S. Jorge é Congregação, na Diocese do Funchal, há registo
guição liberal deixara marcas profundas no zelo encerrado por razões de ordem financeira, nove desde 4 de Outubro de 1893.
apostólico do clero, com reflexos numa catequese irmãs constituíam a comunidade, a qual foi trans- O ano de 1897 assinala o início do período de
quase nula ou rudimentar. ferida para S.ta Cruz, para se ocupar do Hospital consolidação, realizando-se, por proposta da Ir.
da Misericórdia, então em ruínas. O cuidado dos Wilson, as primeiras eleições para Superiora Geral.
doentes é confiado a Mary Wilson, única enfermeira, É eleita a Ir. Elizabete de Sá, assumindo a Ir. Wilson
à época, diplomada na Madeira. Em 15 de Julho (que, pelo menos, desde 1900 até 1909 será
daquele ano e na Capela do Hospital, fazem profissão sucessivamente eleita Superiora Geral) o cargo de
religiosa as três primeiras irmãs: Mary Wilson, que Mestra de Noviças e a Ir. Madalena Jordan o de
professa com o nome de Ir. Maria de São Francisco Secretária.
Wilson; Amélia de Sá, sua mais directa colaboradora, Com olhos no futuro e preocupada com a formação
com o nome de Ir. Elizabete de Sá; e Maria Antónia das suas irmãs, contando embora com a colabora-
Pereira Camacho, com o nome de Ir. Maria de Santo ção do P.e Fernando Augusto de Pontes, entretanto
António. nomeado Assistente pelo Bispo, a Ir. Wilson não
A nova família religiosa carecia, no entanto, de hesita em enviá-las para alguns conventos de Portugal
aprovação eclesiástica e governamental. O decreto continental e Inglaterra. Por esta via, e com o eco
anticongregacionista de 1834 estava ainda em vigor de vivências semelhantes, a Ir. Wilson elabora uns
e havia liberais activos e atentos na ilha. Acresce Estatutos para a Congregação. Vigorariam, a nível
que também o Bispo do Funchal, embora concor- interno, até 1910. Em 1901, graças ao trabalho
dante com a legalização, recebera instruções de desenvolvido nas áreas da assistência educativa e
Roma no sentido de usar de prudência no que dizia beneficência social e mediante os necessários ajustes
respeito à aprovação de novas congregações. De às exigências dos decretos lançados por Hintze
forma a ultrapassar estes entraves, surge a ideia de Ribeiro, a irmã inglesa consegue ver aprovados, a
unir a nova comunidade a uma das congregações 26 de Dezembro desse ano, os Estatutos da
religiosas já aprovadas e igualmente com inspiração Associação de Nossa Senhora das Vitórias, adquirindo
Mary Jane Wilson, Fundadora (I)
franciscana. Por conseguinte, em 1891, estabele- assim a Congregação personalidade jurídica nos
cem-se contactos entre o Bispo, por meio do seu termos da lei civil.
Em face desta realidade, Mary Wilson começa por Secretário, P. e Leão Xavier Prévot, vicentino, de
ensinar catequese às crianças em vários centros dos origem francesa, e o Provincial dos Franciscanos,
arredores da cidade (Livramento, Monte, S. Roque Fr. Domingues Sanches, no sentido de unificarem a
do Funchal). Ensina costura e bordados, visita comunidade da Ir. Maria de São Francisco Wilson à
doentes, ampara crianças órfãs e pobres. Em 1882, Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras
tem já definido e organizado o Dispensário de Portuguesas, actuais Franciscanas Hospitaleiras da
S. Jorge, hospital para crianças e adultos, com capa- Imaculada Conceição. Uma vez integradas, respei-
cidade para internamento e uma farmácia para tando a Regra das Hospitaleiras e reivindicando
pobres. No ano seguinte, a pedido do Bispo D. autonomia perante o continente, as irmãs de
Manuel Agostinho Barreto e visando dotar as filhas S.ta Cruz receberiam, em contrapartida, as irmãs ali
das principais famílias da ilha de uma educação mais residentes e outras candidatas que viessem a solicitar
categorizada, nasce o Colégio de S. Jorge, situado a admissão. Dois anos volvidos, as negociações
no Palácio de S. Pedro. Para arrancar à rua crianças passam a ser dirigidas pelo P.e Prévot, na qualidade
órfãs e abandonadas, em anexo àquele edifício de Delegado do Bispo, e pela Ir. Maria Clara do
institui-se, em 1883, a Orfandade de S.ta Isabel. Menino Jesus, Superiora Geral e Fundadora das
Todo este labor educativo e sanitário preludiava a Franciscanas Hospitaleiras. Ultrapassam-se algumas
grande obra a nascer. As solicitações eram muitas dificuldades, a Ir. Wilson chega a enviar para o
e Miss Wilson procura colaboradoras. Entre as que Convento das Trinas as suas irmãs ou candidatas
se lhe associam, contratadas umas, outras, como para formação. Ela própria ali se desloca, mas o
ela, dedicadas em absoluta generosidade, conta-se projecto acaba por revelar-se infrutífero. Aos pro-
Amélia Amaro de Sá, jovem órfã de 17 anos blemas de reivindicação de autonomia acresce o
orientada pelas Filhas da Caridade de São Vicente facto de as irmãs de S.ta Cruz não terem dote, no
de Paulo. Irmanadas ambas no mesmo ideal de momento da entrada, e algumas terem excesso de N. Sr.ª das Vitórias (I)

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

Entretanto, em 1897, o P.e João Quirino Gonçalves Decorridos três anos, faltando apenas a construção podendo contar, como Congregação Diocesana, com
cria uma escola primária na sua Paróquia de Santana, da capela, a implantação da República e o radica- a assistência eclesiástica do Cónego Francisco
freguesia do Norte da ilha, e solicita que a sua lismo do célebre Decreto de 8 de Outubro de 1910 Fulgêncio de Andrade como Delegado do Prelado.
direcção seja assumida pelas irmãs da Congregação do então Ministro da Justiça, Afonso Costa, faz com Sob a direcção da Ir. Elizabete, em exercício nesse
da Ir. Wilson, o que vem a suceder a 8 de Dezembro. que as congregações religiosas sejam proibidas e as cargo até 8 de Dezembro de 1935, e fruto da
Santana será a primeira de uma rede de escolas, Irmãs Vitorianas expostas à humilhação pública. conjugação de diversos factores, designadamente o
conhecidas por Salesianas, as quais, sob orientação Detida no Recolhimento do Bom Jesus, a Ir. Wilson aumento de vocações, entre os anos de 1916 e
da Congregação, foram sendo paulatinamente é conduzida para as caves da Fortaleza de S. Lourenço 1935 a Congregação conheceu uma expansão
alargadas a toda a ilha: Porto Moniz (1898), S.to da onde aguardou quatro dias pelo barco que a levaria significativa, abrindo ou reabrindo várias obras, como
Serra (1899), Machico e Arco de S. Jorge (1905), exilada para a Inglaterra. Sucedeu-se a inevitável sejam: escolas – Convento de S. Bernardino (1916),
Curral das Freiras (1912) e Convento de S. Bernardino dispersão das Irmãs, sempre sob vigilância apertada Boaventura (1919), Camacha (1920), S.ta Cruz (1924),
(1916), em Câmara de Lobos. Particular referência da polícia, procurando algumas abrigo nas suas famí- Porto Moniz (1924), Machico (1927), Ribeira Brava
exige a Escola-Capela do S.to da Serra, criada pela lias consanguíneas, trabalhando outras, já secu- (1928), S. João da Ribeira (1928), Colégio de
Ir. Wilson para responder a um centro de culto larizadas, como enfermeiras e em casas de bordados. S.ta Teresinha (1929), Santana (1930), Arco de S. Jorge
metodista entretanto constituído. Com grande rele- Lenta e clandestinamente, outras se foram organi- (1932); assistência a crianças pobres e órfãs –
vância, a partir de 1900 ali funcionou uma escola zando e vivendo a sua vida consagrada em pequenos Orfanato do S.to da Serra (1917), Lactário do Funchal
diurna e nocturna, um centro de culto e de catequese grupos, sempre acompanhadas, à distância, pela (1920), Colégio da Preservação (1923), Abrigo Infantil
de adultos e crianças, um núcleo da Ordem Fundadora. (1925), Patronato de N. Sr. a das Dores (1925);
Franciscana Secular e, posteriormente, um orfanato. A 1 de Novembro de 1911, aos 71 anos de idade, assistência ao clero – Seminário Diocesano (1922),
A pedido do bispo, as Irmãs assumem, a 3 de depois de ter redigido uma história da Congregação, Paço Episcopal (1925), Seminário da Encarnação
Setembro de 1906, a direcção do Recolhimento do ter feito testamento em seu favor e um pedido de (1934); assistência aos pobres – Asilo dos Velhinhos
Bom Jesus da Ribeira. Nesta casa, sofreu a Ir. Wilson agregação à Ordem Franciscana, a Ir. Wilson, na (1926), Cozinha Económica (1927); assistência
a ingerência interna e a acção persecutória por parte qualidade de cidadã britânica, regressa à Madeira, de enfermagem – Hospital da Misericórdia do
dos Liberais, o que não a impediu de usá-la também recolhendo-se na Casa do S.to da Serra. Sem o vigor Funchal (1922), Cruz Vermelha (1927), Dispensário
como casa de formação e retiro espiritual. A 29 de de outros tempos, dedica-se sobretudo à reflexão e Antituberculose (1932).
Janeiro de 1908, as Irmãs assumem a Casa dos à escrita, configurando um inestimável legado Entre 1916 e 1928, a Congregação teve sede em
Pobres ou Asilo de Mendicidade, actualmente espiritual às gerações vindouras, e empreende a Câmara de Lobos, adquirindo naquele último ano
conhecido por Abrigo de N. Sr.a da Conceição, onde reestruturação da Congregação. Pese embora os a Q.ta das Rosas, sua primeira casa própria, para
se recolhiam cerca de 200 pessoas pobres e alguns entraves, e na condição de secularizadas, algumas onde transferiram a sede, melhorando assim
doentes. irmãs continuam a dirigir a escola e a dar catequese significativamente as suas condições de vida humana,
Grande importância e notabilidade mereceu a acção no Arco de S. Jorge, passando depois, por incom- espiritual e apostólica.
desenvolvida pelas Irmãs Vitorianas no combate ao patibilidades com o pároco, para o Curral das Freiras. Interdito em 1910, o hábito religioso foi lentamente
surto epidémico de varíola que assolou a Madeira Aqui, em meio algo hostil pela presença de uma retomado pelos anos 30. Em 28 de Agosto de 1935,
nos inícios de 1907, atingindo parte da população. escola móvel protestante, abrem uma escola que na sequência da visita canónica do P.e José Rolim,
Fruto de conturbadas razões, e pese embora a funcionaria até 1919, data em que as Irmãs a seu Delegado, D. António Manuel Pereira Ribeiro
manifesta disponibilidade das Irmãs para nele abandonam para abrirem uma outra em Boaventura. aprovou novas Constituições, sugerindo o uso pro-
trabalhar, o Hospital do Lazareto encontrava-se Beneficiando de uma crescente diminuição da pressão gressivo do hábito bem como a passagem de votos
encerrado. Em face da epidemia e a instâncias da anti-religiosa republicana, decorrente da própria temporários a perpétuos. As Constituições seriam
Ir. Wilson junto do governador para que fosse liberalização das leis da República, a comunidade oficialmente aceites no Capítulo Geral, realizado a
reparado e apetrechado de condições mínimas, as normaliza, pouco a pouco, as suas actividades e 8 de Dezembro desse ano, em conformidade com
Irmãs deram entrada no Lazareto a 30 de Abril e a a 8 de Maio de 1916 o novo Bispo do Funchal, o Código de Direito Canónico em vigor. No dia
1 de Maio acolheram os primeiros 30 doentes. D. António Manuel Pereira Ribeiro, aprova interina- anterior, apercebendo-se da falta de um decreto
O foco de epidemia manteve-se activo até Setembro mente as Constituições das Irmãs Vitorianas, redigidas formal de erecção canónica diocesana, o Bispo
de 1907, pelo que chegaram a ser ali acolhidos pela Ir. Maria de São Francisco, bem como o respectivo exara-o, fazendo rasgado elogio quer à Fundadora
centenas de doentes. A desmedida dedicação das Instituto. No mesmo ano, com abertura marcada quer às Irmãs Vitorianas. O hábito religioso passou
Irmãs Vitorianas não podia deixar de suscitar uma para 23 de Outubro, o novo prelado confia à então a ser regularmente usado, mantendo-se
intensa e prolífera cadeia de solidariedade entre Ir. Wilson o projecto de uma escola pré-seminário, a inalterado até à renovação conciliar. Em 1973,
pessoas e instituições. Entre Julho e Agosto, e embora criar no antigo convento franciscano de S. Bernardino, procedeu-se à sua remodelação.
circunscrita à Freguesia de S.to António, também a em Câmara de Lobos. Vencendo as limitações da Decorrente dos sinais e exigências dos tempos, o
peste pneumónica atacou a ilha, e também para aí idade, lança-se em campanha vocacional por onde texto das Constituições foi sendo objecto de
a Ir. Wilson enviou irmãs a debelar a doença. Vencidas passa e orienta os trabalhos necessários à abertura sucessivas revisões e edições em 1951 e 1959,
as doenças, e dado o relevante serviço prestado, a da escola. Todavia, aquela que por muitos era passando por várias fases, aquando da renovação
Ir. Wilson e suas irmãs mereceram pública home- apelidada de “Boa Mãe” vem a falecer a 18 de conciliar, até ser definitivamente aprovado pela Santa
nagem por ocasião de um dos muitos festejos Outubro de 1916, vítima de congestão cerebral. Sé em 1981. Foi revisto no X Capítulo Geral,
ocorridos pela ilha. Com idêntico reconhecimento, Sepultada no cemitério de Câmara de Lobos, em celebrado em Agosto de 1996, e essa revisão foi
o Rei D. Carlos condecorou a Ir. Wilson com a 1939, o seu corpo foi transladado para a capela da aprovada a 25 de Abril de 1997. Em fidelidade ao
Ordem da Torre e Espada. Q.ta das Rosas, então Casa-Mãe da Congregação. seu carisma fundacional, o texto das Constituições
Acedendo ao pedido do Governador da Madeira, a Após o funeral, por nomeação do bispo, a Ir. Elizabete define como carisma da Congregação das Irmãs
Ir. Maria de São Francisco Wilson assumiu a de Sá assume o cargo de Superiora Geral e a Ir. Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias “unir o
transformação do Lazareto num hospital moderno. Maria do Cenáculo Menezes o de Mestra de Noviças, serviço da caridade ao serviço evangélico, com vista

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

abrindo ali, entre 1938 a 1958 as seguintes obras: Posto Clínico (1945), Noviciado da Levada (1953),
Missão de S. Roque, em Maputo (1938); Missão de Lar de N. Sr.ª da Assunção (1956). No mesmo
S. Luís Gonzaga de Malatane, em Angoche (1938); período, expandem-se para Portugal continental,
Missão de N. Sr.ª das Vitórias de Malhangalene, em abrindo: Residência para Estudos em Lisboa (1952),
Hospital de Reguengos de Monsaraz (1953), Hospital
de Trancoso (1953), Casa de Saúde da Covilhã (1955),
Instituto Antónia da Conceição Vaquinhas, em
Assumar (1955), Hospital de Oliveira do Hospital
(1955), Hospital de Seia, na Guarda (1955), Residência
em Fátima (1956), Centro Paroquial, Infantil e
Hospital, em Oliveira do Conde (1960) e Casa de
Formação da Cruz de Morouços (1961). Algumas
destas casas, bem como outras das anterior e
subsequentemente referidas, foram, entretanto,
sendo encerradas.
Escola de Moçambique (I) Em Outubro de 1954, as Irmãs Vitorianas expandem-
-se para os Açores, dando entrada no Asilo dos
Maputo (1939); Missão de S. Miguel Arcanjo, em Velhinhos da Ribeira Grande, na ilha de S. Miguel.
Manhiça (1939); Missão de N. Sr.ª de Fátima, em Em Setembro de 1964, abrem a Clínica Bianco na
Hábito actual (I) Nametil, Mecutamala (1940); asilo e creche na ilha zona EUR, em Roma, e em Novembro de 1966,
de Moçambique (1941); Colégio de N. Sr.ª das chegam a Inglaterra, país de origem da Fundadora.
à promoção humana e espiritual dos homens, Vitórias, em Nampula (1942); Missão de S.to António, São as suas primeiras comunidades na Europa, fora
especialmente dos pobres, sejam-no eles de pão ou em Unango, Lichinga (1942); Missão de N. Sr.ª de de Portugal, e configuram um alto significado
de cultura, de amor ou de saúde, de justiça, de fé Fátima, em Ile, Nampula (1942); Missão de S. Mateus, simbólico para a Congregação. Em finais da década,
ou de esperança”, definindo igualmente que a em Mirrote, Nampula (1943); Hospital da Beira abrem uma comunidade em Dortmund, Alemanha,
Congregação seja “governada por uma Superiora (1943); Missão de S. ta Teresinha, em Mutuáli, logo seguida de outra, em Frondenberg, Alemanha,
Geral, por Superioras Provinciais e Regionais, por Nampula (1943); Missão de S.to Condestável, em onde as Irmãs se dedicavam aos idosos, em lares, e
Superioras Delegadas, Gerais e Provinciais e por Alto Moloque, Quelimane (1943); Missão de S. aos imigrantes, na pastoral e num jardim-de-infância.
Superioras Locais, cada uma com o seu respectivo Benedito da Manga, Beira (1945); Hospital Regional Além disso, assumem, também, um centro de
Conselho”. Franciscana desde a sua origem, a 21 de Magude, com Escola de Enfermagem (1945); Assistência Social Infantil em zona degradada dos
de Novembro de 1940, a Congregação foi agregada Missão de S.ta Bárbara, em Moginqual, Nampula arredores de Lisboa.
à Ordem dos Frades Menores, seguindo “a Regra (1945); Asilo de S.to António, em Malhangalene, Em Maio de 1975, dá-se início a nova geografia
e Vida dos Irmãos e Irmãs da Terceira Ordem Regular Maputo (1947); Instituto Leão XIII, em Cabaceira de expansão da Congregação com actividades de
de S. Francisco de Assis, aprovada pelo Papa João (1949); Tipografia do Diário de Moçambique, na pastoral e promoção humana na Missão de S. João
Paulo II a 8 de Dezembro de 1982”. Beira (1952); Missão dos Santos Anjos, em Coalane, Baptista, em Itaim, S. Paulo, e, em Outubro do ano
A 20 de Novembro de 1940, ao abrigo dos arts. 3.º Quelimane (1952); Missão de Cristo Rei, em seguinte, com a inauguração de uma casa no
e 4.º da Concordata de 7 de Maio de 1940, celebrada Mualama, Beira (1954); Missão de S.ta Filomena, Ipiranga, S. Paulo, destinada a sede das Vitorianas
entre a Santa Sé e o Governo Português, a Congre- em Meconta, Nampula (1955); Casa do Noviciado no Brasil. Em resposta a insistentes apelos, um
gação readquiriu a sua personalidade jurídica. No da Namaacha, em Maputo (1955); Hospital de grupo de irmãs enfermeiras prestaria serviços no
dia 21 de Novembro do mesmo ano, a Congregação Malatane (1956); e Hospital Regional de Vila Pery, Hospital Mons. Horta, em Mariana, Minas Gerais.
recebeu a agregação à Ordem Franciscana. Por em Chimoio, Beira (1958). Após duas décadas de Entre 1975 e 1976, foram ainda abertas as casas
despacho de 13 de Abril de 1945, e em virtude do presença em Moçambique, contavam-se ali cerca de do Arco de S. Jorge (1974), Missão de S.to António
facto de se encontrar abrangida pelo Decreto de 5 200 irmãs distribuídas por mais de 20 comunidades dos Portugueses em Joanesburgo (1974), Hospital
de Abril de 1941, o qual colocava os Institutos a em várias dioceses. Contudo, com a celebração da de S. Pietro e Pontíficio Colégio Português, ambas
trabalhar no Ultramar Português ao abrigo do art. Independência e decorrente programa de naciona- em 1975. No mesmo ano, a Casa da Moita, em
38.º do Regulamento do Acordo Missionário, pôde lizações, a Congregação sofre um duro golpe: embora Fátima, passaria a ter uma comunidade permanente.
assumir-se como “Congregação Missionária”. algumas das irmãs permanecessem ainda naquele Em 1979 foi adquirida uma casa para irmãs
Todavia, só a 18 de Maio de 1967, e na sequência território regista-se um significativo êxodo para estudantes, em Roma, onde muitas têm feito
do Decreto de Louvor de 1959, a Congregação das Portugal. A missão em Moçambique pôde continuar estudos em várias áreas, particularmente nas de
Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias graças às missionárias que lá permaneceram, mas teologia, pastoral, espiritualidade e educação/
receberia definitiva aprovação da Santa Sé, como também, em grande parte, à força carismática do formação. Além desta, foi adquirida uma outra
Instituto de Direito Pontifício, vendo confirmada a grupo nascente e crescente de irmãs nativas. casa para estudos, mas em Coimbra, na Cruz de
sua existência transdiocesana e a sua expansão A saída de grande número de irmãs em finais da Celas, em 1982.
internacional. O “Espírito Missionário”, já sublinhado década de 30 para Moçambique não impediu que A 30 de Abril de 1981, transferem a Cúria Geral do
em 1935, materializa-se na resposta à solicitação, a Congregação prosseguisse, em Portugal, a expansão Funchal para a sede da R. da Palmira em Lisboa,
feita em 1937, por D. Teodósio Clemente de Gouveia, iniciada, enfatizando particularmente as casas de tendo procedido em 1985, a uma estruturação da
Bispo de Moçambique, ao Bispo do Funchal, no formação. Na Madeira, entre 1935 e 1967, abrem Congregação, na sequência da qual são criadas as
sentido de para ali enviar irmãs vitorianas. as seguintes casas: Paúl do Mar (1940), Porto Santo Províncias do Coração de Maria (Madeira e Porto
Assim, a 13 de Junho de 1938, a Congregação em- (1940), reabertura do Recolhimento do Bom Jesus Santo), N. Sr.ª de Fátima (Moçambique) e Cristo-Rei
preende a sua expansão missionária em Moçambique, (1942), Ponta do Sol (1945), Parque Infantil (1945), (Portugal continental, Açores, Europa e Joanesburgo).

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ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

abriu uma outra comunidade na Tanzânia, Diocese 125 anos de Fundação, que se completam a 15 de
de Songea. Janeiro de 2009.
Destaque merece a Índia, terra natal da Fundadora A 13 de Abril 2002, a Congregação para os Institutos
e sonho antigo. A Congregação chega ali no ano de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica
de 1997, criando a Comunidade Mary Wilson em aprovou os Estatutos da Associação dos Amigos da
Cochim, procedendo, em 2001, à erecção de um Irmã Wilson, entendida como extensão secular do
Noviciado homónimo. A iniciativa e a administração carisma da Congregação, que também faz parte de
são do Governo Geral, mas as pessoas são cedidas vários organismos de vida religiosa, como sejam a
pelas províncias, constituindo uma experiência de Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos
Cúria Geral, Lisboa (I)
comunidade intercultural. Em 2006, a Congregação (FNIRF), hoje Conferência dos Institutos Religiosos
abriu nova casa em Santhampara, Munnar, Diocese em Portugal (CIRP) logo desde a sua fundação, em
Nesse mesmo ano, é erecta a Delegação de N. Sr.ª de Vijayapuram. Ambas as comunidades têm objec- 1954, bem como a Família Franciscana Portuguesa
Aparecida (Brasil), criando cada província, como tivos pastorais, formativos e sociais. (FFP) e a União Internacional de Superioras Gerais
estratégia de unificação, o seu boletim informativo. Durante este longo e profícuo período, o carisma e (UISG), com sede em Roma.
No sexénio de 1984 a 1990, foram abertas pelas espiritualidade da Congregação foram também No que a publicações diz ainda respeito, e além das
respectivas províncias as seguintes casas: N. Sr.ª de dimensões que mereceram particular incremento. já referidas e das citadas no fim, assinale-se que,
Fátima – Comunidade do Chibuto, em Xai-Xai (1985), A 18 de Agosto de 1991, em cerimónia presidida em 1954, a Congregação iniciou a publicação da
Casa de Formação em Quelimane (1986), Casa de pelo Bispo do Funchal, D. Teodoro de Faria, na Igreja revista À luz do Teu Olhar, mudando depois o nome
Formação em Maputo (1987); Coração de Maria – de S. Pedro, Funchal, tem lugar a abertura oficial do para Gaudete. Suspensa esta em 1967, publicou,
Casa do Noviciado em Vale Formoso (1986); Cristo Processo Diocesano de Canonização da Ir. Wilson, igualmente a nível interno, um boletim informativo
Rei – residência e serviço pastoral e social, em tendo sido encerrado a 30 de Abril de 1993. sob o título Caritas Vinculum Perfectionis, frase
Alcanena (1985), residência e serviço pastoral, na Enviado para a Congregação para a Causa dos Santos expressiva da unidade da Congregação que a adopta
Ribeira Seca, S. Miguel (1987), Hospital Ortopédico a 5 de Maio de 1993 e declarado válido pela por lema. Actualmente, e desde 1989, publica
Infantil, em Montemor-o-Novo (1987), Comunidade Congregação Romana a 28 de Janeiro do ano também um pequeno jornal trimestral intitulado A
do Paço Episcopal, em Évora (1989), Centro Social seguinte, dá-se início à Positio sobre a vida, as Boa Mãe, tendo em vista o processo de beatificação
Infantil, em Portalegre (1989) e Lar de Idosos da virtudes e a fama de santidade da Serva de Deus da Fundadora. Em 2001, lançou um pequeno
Misericórdia, em Cabeceiras de Basto (1989). Também Irmã Wilson, tendo ficado concluído em 20 de opúsculo contendo algumas fórmulas de oração,
a Delegação N. Sr.ª Aparecida prosseguiu a sua Outubro de 1997. A 27 de Outubro de 1998, a para uso das suas comunidades. Com fins divul-
expansão, abrindo a Fundação Porphyria, em Comissão de Historiadores da Congregação da Causa gativos, os pensamentos e máximas da Fundadora
Barbacena (1986), a Casa do Noviciado, em dos Santos deu-lhe voto favorável, aguardando-se têm sido editados em livros, postais e blocos-carta;
Barbacena (1988) e o Lar de Santa’Ana, em Abre agora a vez da Positio ser examinada. É, portanto, a sua imagem, bem como a de N. Sr.a das Vitórias,
Campo (1988). No mesmo período, a Congregação com justificada expectativa que a Congregação das tem sido cunhada em medalhas e outros objectos.
adquiriu alguns imóveis para residência das Irmãs: Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias Em 2000, a propósito da Ir. Wilson e da sua
Casa da Travessa do Nogueira (1985) e Casa do aguarda a beatificação da sua Fundadora. Congregação, foi produzido o vídeo A Força do
Aspirantado, em Barbacena (1986), ambas por Conscientes da importância simbólica das efemérides, Testemunho.
legado; construiu a residência das Irmãs em Santana esta Congregação celebrou, em 1973, o I Centenário Actualmente com sede na Q.ta S.ta Isabel, na Apelação,
(1986) e adquiriu a Casa de Reguengos de Monsaraz da conversão da sua Fundadora, tendo-se empe- arredores de Lisboa, inaugurada a 4 de Setembro
(1987) e a Q.ta S.ta Isabel, na Apelação (1990), tendo nhado, em 1984, na celebração do seu centenário de 1994, também ali, em Dezembro de 1999,
em vista a instalação da Cúria Geral. Esta, inaugurada de fundação, aproveitando a oportunidade para inaugurou dois significativos espaços, um arquivo e
a 4 de Setembro de 1994, serve também como casa aprofundar as suas raízes. Inserido no programa um museu, tendo projectada a elaboração de uma
de retiros, formação e outros encontros. comemorativo, foi inaugurado o Museu da Irmã História da Congregação.
Em Setembro de 1994, por expansão da sua Província Wilson (nas novas instalações da Q.ta das Rosas), a Presente em 13 nações (Portugal, Itália, Alemanha,
do Coração de Maria, a Congregação instalou-se R. Mary Jane Wilson (que dá acesso a uma das Inglaterra, Moçambique, Angola, República Demo-
em Angola, Luanda, comprando na mesma cidade, entradas da referida quinta), cunhada uma medalha crática do Congo, África do Sul, Tanzânia, Brasil,
no ano de 1997, uma casa mais central para apoio de bronze comemorativa, realizada uma montagem Índia, Filipinas e Timor-Leste) distribuídas por quatro
a jovens vocacionadas. Na mesma linha de formação televisiva para o programa Setenta Vezes Sete, sendo continentes, a Congregação está organizada em três
de candidatas, em 2002 abriu nova comunidade no igualmente editada uma colecção de postais. Províncias (duas em Portugal e uma em Moçambique)
Lubango. Relativamente ao museu, em 2003 foi tranferido e uma Região (no Brasil). As suas áreas de acção
Em Janeiro de 1995, por extensão da Província de para um edifício construído para o efeito na mesma
Cristo Rei, chegam às Filipinas, abrindo em Manila Q.ta das Rosas, constituindo um conjunto – museu,
uma comunidade. Criada, entretanto, a Comunidade arquivo, biblioteca e secretariado – chamado Núcleo
S.ta Teresinha do Menino Jesus, no Nordeste dos Açores Museológico da Irmã Wilson, com entrada pela R.
(1998) e a de N. Sr.ª da Ternura, em Abação, Guimarães do Carmo, n.º 61. A nível interno, produziram-se
(2001), esta província abre comunidade em Baucau, alguns números de um boletim informativo intitulado
Timor-Leste (2003), tendo já criado no Congo, em O Primeiro Centenário. Destaque mereceram tam-
2000, a Comunidade de N. Sr.ª do Perpétuo Socorro. bém, em 1990, os 150 anos do nascimento da
Em Moçambique, duas novas presenças são abertas Fundadora, e, em 1998, os 125 anos sobre a sua
em 1997 pela Província N. Sr.ª de Fátima: Unango conversão, bem como os 60 anos da actividade
e Ruace, Dioceses, respectivamente, de Lichinga missionária da Congregação. Em 2008, a Congre-
Gurué. Mais recentemente, em Março de 2005, gação proclamou um ano jubilar para celebrar os Timor (I)

551
ORDENS E CONGREGAÇÕES FEMININAS VITORIANAS

abrangem espaços tão diversificados como paróquias, Apelação, Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, 1999;
seminários, asilos, lares estudantis, hospitais, escolas Vitórias, 2004; Carisma e Espírito da Congregação à RIBEIRO, Abílio Pina, Irmã Wilson, Vida, Testemunhos,
e campos de missão. Luz da Fundadora, 3.ª ed., Apelação, Irmãs Cartas, 2.ª ed. revista e actualizada, Apelação, Irmãs
Registando, em termos vocacionais, resultados mais Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, 1996; Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, 2000;
visíveis nos países da África e da Ásia, e em face da Constituições das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora RIBEIRO, Abílio Pina, História Breve da Irmã Wilson,
sua situação geográfica tão dispersa, com as decorren- das Vitórias, Apelação, Irmãs Franciscanas de Nossa Apelação, Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das
tes diferenças linguísticas, históricas, culturais e outras, Senhora das Vitórias, 1997; Estatutos da Associação Vitórias, D.L., 1993; TOMÁS, Ilda Ribeiro Gomes Tomás,
a Congregação assume como desafio a incarnação Amigos da Irmã Wilson (AIW), Apelação, Congregação Breve História da Congregação, Apelação, Irmãs
do seu carisma de harmonia com as idiossincrasias de das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, 2003.
cada uma das realidades em que se encontra presente. 2002; FERNANDES, Abel Soares, Mary Jane Wilson: Digital: www.cifnsv.com/2009/
Roteiro, Funchal, Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora
BIBLIOGRAFIA: Impressa: A ZEVEDO , David de, O das Vitórias, 2003; F ERNANDES , Abel Soares, Nos HENRIQUE MANUEL S. PEREIRA
Evangelho entre os Humildes: Mary Jane Wilson, Caminhos da Irmã Wilson, Apelação, Irmãs

552
Ordens Religiosas Militares

Coordenação de José Varandas

INTRODUÇÃO

Século IV depois de Cristo. A Europa Cristã vive tempos conturbados e que anunciam uma
nova forma de estar, um novo espírito, novas maneiras de relacionamentos com outras sociedades,
com outras civilizações. A Europa constrói, nos estertores do Império Romano, novos caminhos.
Um deles será o das cruzadas.
O que resta dos exércitos imperiais já faz um uso da simbologia religiosa nas suas insígnias.
Incluem Deus nas suas preces pela vitória sobre o inimigo. Invocam-no, convidam-no a “estar”
presente e a participar, rogam-lhe a suprema protecção e a máxima represália sobre os “outros”.
Na Europa constrói-se, segura e definitivamente, a ideia de que a guerra pode ser “santa”.
Imperadores como Carlos Magno e Otão I incentivaram a ideia de que as suas guerras eram
“sagradas”, quer fossem para a defesa das suas fronteiras, e por isso da Cristandade, quer
contribuíssem para o seu alargamento. As devastações levadas a cabo por vikings, sarracenos
e húngaros em muitas regiões cristãs europeias, ao longo dos sécs. IX e X, acentuam e legitimam
o pensamento de que o exercício das armas em defesa dos cristãos não só é justo, como
também santo e meritório. Começou-se a introduzir na liturgia a bênção das armas, a dar cada
vez mais espaço nos altares à veneração de santos guerreiros, como o Arcanjo Gabriel. Papas
como João VIII concediam absolvições especiais dos pecados a quem estivesse disposto a
combater contra os sarracenos, que ameaçavam Roma. Alexandre II, em 1063, renova as medidas
de João VIII, que apoiavam especialmente a Reconquista Cristã na Península Ibérica; e Gregório
VII, após a Batalha de Manzikert (1071), onde os exércitos bizantinos foram aniquilados pelos
turcos, pensou mesmo em chefiar uma expedição de auxílio aos cristãos do Oriente.
Assim se forjam as causas remotas que levam os europeus às cruzadas, e que se descobrem
no secular conflito entre a Cristandade e o Islão no Mediterrâneo, em território ibérico e na
península da Anatólia. As causas mais próximas e determinantes firmam-se no despertar
económico, social, demográfico e político da Europa após o ano 1000 (acompanhado por uma
mobilidade crescente que se manifestou num nomadismo difuso) e, noutro caminho, por uma
política de renovação espiritual e de reforço hierárquico da Igreja, introduzida por papas
reformadores e apoiada pelas ordens monásticas, como Cluny ou Cister. Em Itália, os
reformadores da Igreja estavam ligados às burguesias nascentes e a movimentos religiosos
populares como o dos patarinos, para derrotar as forças ainda fiéis ao imperador. Em França,
a consolidação do poder do rei e dos grandes senhores limitava cada vez mais as liberdades
dos estratos intermédios do feudalismo e sobretudo dos cavaleiros, que encontravam uma razão
de vida e fonte de riqueza nas guerras intestinas e nos ataques contra os clérigos, os camponeses
e os mercadores. No final do séc. X irradiara da França centro-meridional o movimento da
“paz” e da “trégua de Deus”, onde a Igreja condenava as guerras privadas e os actos de
banditismo dos cavaleiros. Muitos membros desta classe (sobretudo os “filhos-segundos”, que
a indivisibilidade do feudo franco deixava na miséria) foram encorajados pela Igreja a procurar
riquezas e a redenção dos pecados combatendo os mouros de Espanha e libertando os caminhos
Cruz de Cristo no manto de entrada da igreja do Mosteiro
da peregrinação para Santiago de Compostela. A Península Ibérica e a ilha da Sicília, dominadas
dos Jerónimos (PCC) pelos sarracenos, são alvo de ataques cristãos, quase ao jeito de “pequenas cruzadas”.
À conquista normanda da Sicília sarracena (1061-1091) juntam-se as lutas entre as cidades
marítimas do Tirreno e as flotilhas corsárias que tinham o seu centro nos pequenos estados
piratas muçulmanos das Baleares e do Pequeno Atlas. O papado, que saíra reforçado da reforma
e da luta pelas investiduras, não tarda em assumir a direcção deste “novo” movimento.
E tudo começa com o Papa Urbano II (1088-1099), que ao procurar responder a um pedido
bizantino de mercenários ocidentais para a frente da Anatólia, incitou, nas cidades de Piacenza
(Março) e de Clermont-Ferrand (Outubro), no ano de 1095, os cristãos a abandonar as guerras
intestinas e a correr para o Oriente para travar a ameaça muçulmana. O apelo do papa dirigia-
-se essencialmente aos feudatários e profissionais das armas cuja turbulência era um obstáculo
ao restabelecimento da paz no Ocidente. Mas esse apelo foi também acolhido pelos “pregadores”,
que o associaram aos angustiantes relatos dos vexames que os peregrinos sofriam em Jerusalém
por parte dos infiéis. Daí nasceu uma propaganda de carácter profético, que tinha os traços

553
do mito social: os pauperes aspiravam à conquista de Jerusalém, pois nela identificavam a
cidade celeste do Apocalipse, a terra prometida em que se instauraria um novo reino de justiça.
Mas não acaba aqui a descrição exaustiva das cruzadas europeias, mas sim importa
introduzir a razão da existência das ordens monástico-militares, que adiante serão tratadas.
Estas são frutos do espírito da Cruzada. São exponências de um processo de organização, que
se queria sistemático. São a resposta a dificuldades objectivas colocadas pelo inimigo. São a
ideia da “guerra santa” tornada “profissional”. E são militares. Acima de tudo são militares.
Os pontífices consideraram sempre Cruzada como uma expedição militar provida de
características espirituais e de penitência do iter Hierosolymitanum, ou seja, da peregrinação
ao Santo Sepulcro. Tal como o peregrino, o cruzado recebia, no momento da partida, uma
bênção especial que acompanhava a entrega do bordão e da escarcela. Beneficiava, agora, de
uma protecção específica da Igreja (privilegium crucis), pela qual a sua pessoa, a sua família e
os seus bens eram invioláveis até à dissolução do voto. A cruz que ostentava cosida ou bordada
nas vestes era justamente o sinal dessa condição de privilegiado. A única diferença relevante
em relação ao peregrino tradicional é que ao cruzado era permitido o porte de armas.
A Constituição Ad liberandam Terram Sanctam, do IV Concílio de Latrão (1215), que
definia a instituição e a prática da Cruzada, dá-lhe contornos precisos. Era proclamada por bula
pontifícia especial que expunha os seus motivos, estabelecia tempos e lugares para o ajuntamento
das tropas, declarava quais seriam os privilégios espirituais e temporais reservados a quem partia
e quais as penas para quem quebrasse injustificadamente o voto; nomeava os Legados Pontifícios
e os Pregadores e, a partir de finais do séc. XIII, também um Comandante-em-Chefe, o
Capitaneus.
Aspecto nuclear era o que dizia respeito ao financiamento dos cruzados (e da Cruzada)
sendo providenciado de diversas maneiras: o Direito Feudal, por exemplo, estabelecia que os
vassalos tinham de prestar um auxilium extraordinário ao seu senhor quando este envergasse
a cruz; mas era sobretudo o Papa que, através de Cobradores por ele nomeados, geria a recolha
do dinheiro necessário, por vezes obtido através de contributos voluntários (esmolas, doações
testamentárias) e outras através de medidas fiscais específicas (troca de votos por dinheiro,
impostos especiais chamados “dízimas”). Recrutados desta maneira, na perspectiva de obterem
indulgências para os seus pecados e espólios legítimos nas ricas terras sarracenas, os combatentes
cruzados eram na realidade pouco eficientes: indisciplinados, armados e treinados (quando o
eram) de forma inadequada para o clima e as técnicas de guerra orientais, e desejosos de voltar
para trás pouco depois de terem desembarcado, deixando a Terra Santa novamente indefesa.
Não eram um exército profissional e esse facto era muitas vezes funesto para uma campanha.
A Igreja procurou obviar a estes inconvenientes criando as ordens militares religiosas, uma
espécie de milícia permanente que guardava os lugares santos e defendia os peregrinos.
O núcleo dessas ordens era constituído por Cavaleiros, os quais – muitas vezes como penitência
para os seus pecados passados – se reuniam na observância comum de uma regra religiosa
que previa, entre outras coisas, a obrigação da guerra contra o infiel.
As ordens monástico-militares aparecem como instituições promovidas pela profunda
reforma eclesiástica iniciada pelo movimento cluniacense na transição do séc. XI para o XII.
Surge assim, a Oriente, a Ordem dos Hospitalários de São João (que depois se chamou Ordem
de Rodes e mais tarde de Malta) promovida por mercadores da cidade de Amalfi, que resolvem
estabelecer na Terra Santa uma albergaria de suporte aos peregrinos, sob o orago de S. Bento
e dependendo directamente do Mosteiro de S.ta Maria Latina. Estes Cavaleiros, destinados à
protecção daqueles que peregrinavam, passam a depender da Igreja e seguem escrupulosamente
a Regra de S.to Agostinho até 1113. A partir daí o Papa Pascoal II confere-lhes modelo próprio
através da Bula Piae postulationis. Pouco tempo depois, e pelas contingências da instituição
de um modelo de segurança activa sobre a presença cristã na Terra Santa, era instituída a
Cruz Manuelina (AH) Ordem do Templo. Esta ordem, definitivamente institucionalizada no Concílio de Troyes,
apresentava-se com um cunho militar mais definido e conforme com as exigências do ideal de
Cruzada. As suas origens remontam às intervenções dos Cavaleiros Hugo de Payns e Godofredo
de Saint-Omer no quadro da defesa dos peregrinos que viajassem entre o Porto de Jaffa e
Jerusalém, institucionalizando-se, depois, por ocasião do Concílio de Troyes. A Europa assiste,
assim, ao nascimento de um novo paradigma militar, social e espiritual – a guerra total contra
o Islão e, nesse paradigma, como elementos determinantes, vemos acorrer aos campos de
batalha, onde a Cristandade quer perseverar, freires hospitalários, cavaleiros templários e a
Ordem Teutónica. A Igreja instituía o Miles Christi, peregrino e penitente, que pretendia viver
à semelhança de Cristo, mas sem dar a outra face. Fundamentalmente, fazia uso das armas
como instrumento de propagação de uma crença que conduzia à Salvação. Soldado de Cristo,

554
este tipo de Cavaleiro, desempenhará um papel primordial na construção de uma nova Europa,
quer seja na sua dinâmica geográfico-espacial, quer na configuração de um novo arquétipo
sócio-religioso. Ordens semelhantes surgirão nos reinos cristãos da Hispânia para a luta contra
os mouros. Todavia, as ordens militares religiosas, após uma feliz estreia, revelaram muitos
aspectos perigosos. Enriquecidas em excesso graças a heranças e depósitos, entraram muitas
vezes em luta entre si e perseguiram quase exclusivamente uma política particularista. Isso
tornou-as malvistas para a opinião pública, sobretudo depois de o desaparecimento do reino
dos cruzados as ter privado da sua principal razão de ser.
Ocupada pelos muçulmanos desde 711, a Península Ibérica tinha assistido ao aparecimento
de novas monarquias cristãs, que, num esforço constante e persistente, arrastavam para sul o
inimigo. Mas a guerra peninsular é difícil, o inimigo tenaz e reforçado por contingentes oriundos
do outro lado do Estreito de Gibraltar e subordinados à ideologia almorávida. Estes cavaleiros
islâmicos acrescentaram uma nova dinâmica à forma de fazer a guerra. Avassaladores, intolerantes,
impiedosos, os batalhões de cavaleiros almorávidas esmagaram, em várias ocasiões, as pequenas
cavalarias de reinos e condados do Norte peninsular. Para um perfil de fundamentalismo religioso
e militar tinha de se encontrar resposta à altura. Duas das ordens internacionais criadas para
combater na Terra Santa correspondiam ao perfil requerido. Hospitalários e Templários estão
na mira dos desejos das monarquias ibéricas, que, desde cedo, percebem a eficácia do modelo
em curso na Terra Santa e, por isso, apelam à Santa Sé, no sentido de que esta envie contingentes
daquelas ordens para as suas terras. A luta pelo domínio do espaço era vital no contexto da
guerra contra os mouros na Península Ibérica e os recursos militares muito limitados. Territórios
como o cada vez mais “autónomo” Condado Portucalense necessitavam daquelas unidades.
E é neste espírito que grupos de cavaleiros franceses chegam à Península Ibérica, integrando-
-se na dinâmica da Reconquista e recebendo para isso, e por isso, importantes doações. É, por
exemplo, o que acontece com D. Teresa, que, percebendo a importância de ter no território
por si gerido aqueles cavaleiros, manda doar o mosteiro e as terras de Leça do Bailio aos
Freires Hospitalários e, em 1128, o Castelo de Soure à Ordem do Templo.
Desde cedo, o território portucalense conheceu a presença deste tipo de guerreiro: o
Monge-Cavaleiro. Cinquenta anos depois estabelecem-se ordens de cariz eminentemente
peninsular. Em 1172 surgem, no território, os primeiros estabelecimentos de cavaleiros da
Ordem de Santiago e, nos anos de 1175-1176, sempre por iniciativa régia, os Freires Militares
da Ordem de Avis recebem as suas primeiras doações fundiárias. Estas doações e o conjunto
de privilégios atribuídos às diversas ordens militares seguem um propósito bem definido e que
é o de garantir a defesa e a consolidação dos territórios conquistados, garantindo neles também
o início de modelos de desenvolvimento e povoamento, que em tudo seguem as perspectivas
das casas monásticas tradicionais, em especial as cistercienses e as dos priores da Regra de
S.to Agostinho.
Cada uma destas ordens, ao longo deste processo, seria responsável por uma determinada
área geográfica estratégica, definindo-se desde muito cedo zonas de influência claramente
demarcadas e complementares entre si. A Ordem do Hospital implanta-se inicialmente na
Região de Entre-Douro-e-Minho; enquanto a do Templo, ocupará a linha do Mondego,
consolidando-se ambas na Beira Interior, garantindo aí, também, alguma protecção face às
tradicionais investidas leonesas. As Milícias dos Freires de Santiago e de Avis ocupam as
áreas a sul do Tejo, conquistadas aos muçulmanos. Os Freires Espatários ocupam todo o vale
do Rio Sado, dominando, desta forma, toda a Estremadura, e abrindo caminho para uma futura
presença maciça no Algarve, cabendo aos Freires Militares de Avis o domínio e a defesa de
toda a área alentejana com uma grande incidência na linha de fronteira com Castela.
Os serviços que prestam ao esforço da Reconquista não passam despercebidos e são
Torre de Belém (PCC)
“recompensados” pelos reis da Primeira Dinastia, que lhes entregam um vasto conjunto de
doações, entre as quais importantes castelos, ricas vilas, inúmeros lugares, igrejas e direitos,
entre outros, que, se aparentemente se restringem à área a que se circunscrevem, na verdade
acabam por adquirir uma outra dimensão, uma vez que a sua posse implica o desenvolvimento
de estruturas senhoriais. E, neste sentido, os Mestres destas milícias podem conceder (e fazem-
-no consistentemente) cartas de foral, dotando as localidades em causa com as condições
indispensáveis ao seu povoamento, tendo em vista o fomento económico dessas áreas. Estas
doações, e a sua vocação para o desenvolvimento das terras, coincidiam com a vontade dos
reis portugueses, mas a sua implantação jurisdicional e a sua crescente riqueza e poder fundiário
tornar-se-iam, algumas vezes, num obstáculo ao exercício do poder régio. Contudo, a dinâmica
da Reconquista chama incessantemente as milícias e os reis precisam daqueles militares
profissionais, disciplinados e bem armados para expulsar definitivamente os mo

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