Não faz muito tempo: quando me formei pela Poli (Mecatrônica 1993), a internet ainda era um assunto restrito à academia. Havia o tal de BBS, mas quem quisesse acessar a rede mundial, é bom que estivesse com a senha do CCE (Centro de Computação Eletrônica) em dia. E o que havia na web? Nada de interessante. Os jornais impressos eram a principal ferramenta de trabalho do analista vagabundo (hoje, claro, é a internet): no começo da década de 90, ler jornais significava trabalhar (embora até hoje haja quem entenda que se debruçar até às 11h da matina nos jornais é sinal de inteligência e dedicação: jornal se lê em casa, ou no banheiro, e deve-se demorar, no máximo, 2 minutos para consumi-lo). O bom analista buscava visitar as empresas e estudar o material fornecido pelas Bolsas. Dos jornais, ele apenas aproveitava as (lacônicas) publicações de balanço. Mas o mais importante: era imprescindível, àquela época, que se fizesse parte de um grupo de estudos sobre ações. Dada a escassez de informações, era importantíssimo que houvesse o debate de ideias entre analistas, e entre investidores. Muitos se reuniam, uma vez por semana, no escritório de um dos membros deste grupo, comiam salame, tomavam uísque, viravam-e-reviravam cases. Dizia-se que fulano de tal era especialista em Paranapanema, e que o grupo X entendia muito de Inepar, e que a turma Z é que “mandava” em Cimento Itaú. Havia uma espécie de divisão natural dos trabalhos. O sell side de ações era uma indústria inócua (eu gostava dos relatórios do Garantia e do Brascan) posto que Bolsa era tido como algo para excêntricos, “pois nada bateria o CDI e o dólar”. Eu me sentia um colecionador de selos, especializado em húngaros.
Hoje, ao acionar meu Outlook às 6h30 da manhã, vejo-me recebendo quase
duas centenas de emails. A vasta maioria, inútil e repetido, mas é assim que começo meu dia: vasculhando os assuntos sobre os quais tratam os emails que me são enviados. Depois clico no ícone da internet e vou para a página do UOL. Daí sigo meu itinerário: wsj, nyt, usatoday, edge.org, morningstar, fooledbyrandomness, timesonline, washingtonpost, estadao, jb, jornaldocommercio, seekingalpha, ft, economist, aljazeera e valor. Não me ocupo por mais de 10 minutos com isso tudo. E assim começo meu dia virtual, que se estende de forma igualmente virtual. Não há mais cafés entre analistas, nem almoço que trate do assunto, e isto porque, no meu entender não há mais analistas de fato: no Brasil, o sujeito é analista até ficar rico, depois compra roupa apertada, uma BMW, faz um corte de um palmo nas costas da cabeça, implanta cabelos na frente, e vira trader ou gestor. O que se entende hoje por “analista” é um rapaz/menina de 22-25 anos, com visual de private banker, craque em google (e em trocar reports com membros da mesma espécie) e que te oferece bons almoços e nenhuma inteligência. Vejam o porquê: para que um sujeito mediano, inserido neste mundo moderno, de grandes corporações (o que emburrece tudo!) e de alta tecnologia (o google deu asas às cobras!), consiga manter-se ocupado, trabalhando (com inteligência!) por 8 horas seguidas, todos os dias, é preciso que tenha muita criatividade para passar o tempo. Hoje, sem medo de estar errado, afirmo que 2/3 de todo o tempo de trabalho da Faria Lima é TERAPIA OCUPACIONAL: reports, emails, meetings, almoços, jantares, cafés etc., e isso se dá por motivos simples, sintetizados pelo relato de um velho amigo meu (diz aí,Tony!):
“Como cara inteligente e bem treinado, consigo - sozinho - desenvolver um
panorama, absolutamente artificial, mas que tenha business sense, de uma empresa listada, em menos de duas horas. Mas ainda tenho uma equipe de análise sob a minha responsabilidade, e preciso dar-lhes algo para fazer: eles também são muito treinados nesta arte de produzir essays sem qualquer inteligência mas que receberia 5/5 se fosse um trabalho de graduação de Harvard. Acho que, de fato, eles trabalham 2 horas por semana ou por mês. Hoje, gasto 50% do meu tempo agradando o meu chefe, e os outros 50%, agradando o chefe do meu chefe”.
Há 20 anos (imaginem a cena!), um sujeito de 22-23 anos era contratado para
ser analista de empresas listadas e era sentado em uma mesa, com outros 10 caras, e um único telefone (que ficava com o head da turma). No computer, no email, no internet, no reports: “vai lá, me analisa Telergipe aí!”, diria seu chefe. Ele te dá duas semanas para isso. Você não tem carro (“vá de ônibus!”), nem a empresa tem motoboy (cuja concepção se deu pós-google). O que você faz? Mesmo que seu QI beire os 200 pontos, você ficará por muitos dias se parecendo com um idiota, até que consiga os balanços da companhia e os entenda (não havia Novo Mercado, não havia Corporate Governance) e identifique um grupo que queira conversar contigo sobre a empresa.Ao final de duas semanas, você não terá muito a dizer. Ou você cria inteligência sobre o assunto, de fato, ou não terá nada, porque o mundo não te dá a infra para maquiar um report superficial.
Como a internet está mundando o pensar do analista de ações?
Assim ó: um pouquinho de pensamento, o google te dá. Mas quem quer insights?