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PROJETO DE PESQUISA
EMENTA
Enquanto na Europa o cristianismo definha, na América Latina assistimos a uma enorme
expansão de religiões de satisfação de desejos que, penetrando profundamente no protestantismo e
no catolicismo, fazem da esperança cristã apenas uma força para ajudar a satisfazer os desejos
ocultando a verdadeira mensagem de Jesus em sua forma radical. Em nossa pesquisa, após de
mostrar como tais formas religiosas sofrem à influência perniciosa da cultura dominante,
apresentaremos, seguindo Marco Vannini, a proposta de “uma volta à mística cristã ocidental”,
entendida, antes de tudo, como exercício de desapego do próprio “eu” e, sobretudo, como o
verdadeiro caminho de acesso à “experiência do divino”. No espírito dum diálogo filosófico inter-
religioso, sublinharemos também as afinidades profundas entre a mística cristã ocidental com o
budismo e o hinduismo, destacando, sobretudo, os grandes filósofos do nosso tempo que, abertos à
perspectiva tanto da filosofia quanto da mística ocidental e oriental, foram testemunhas e críticos da
cultura ocidental. Em nossa pesquisa nos remeteremos, sobretudo, a Schopenhauer, Nietzsche
Wittgenstein e Simone Weil. Na primeira parte, focalizaremos a “fonte grega” da mística ocidental
detendo-nos em Platão e o neoplatomismo. Na segunda, abordaremos as afinidades entre a mística
ocidental (Eckhart) e o budismo, mostrando que os ensinamentos de Buda aparecem como uma das
formas mais potentes e coerentes do “exercício da razão”, isto é, como um pensamento dos mais
profundos e amplos que a mente humana tenha produzido. Na terceira parte, estudaremos o
pensamento de Schopenhauer e de Nietzsche e sua relação com a mística ocidental (Eckhart) e
oriental (budismo, hinduismo). Na quarta parte, no deteremos nos aspectos místicos da filosofia de
Wittgenstein e de Simone Weil,. No final, como corolário, abordaremos a relação entre filosofia,
literatura e judaísmo em Emanuel Lévinas
PARTE I
UM EXCURSO SOBRE OS TEMAS A SEREM APROFUNDADOS
tornando-se formas de superstições que devem ser (hegelianamente) superadas a fim de deixar
emergir a mística como a verdadeira essência do cristianismo. Vannini, não tem alguma dúvida
que o mundo que hoje se declara cristão não entendeu a mensagem de Cristo, isto é, a boa nova
(evangelho) da “humanidade de Deus” e da “divindade do homem”. Segundo ele, as religiões
reveladas, os livros sagrados e as teologias construídas sobre eles, aparecem inaceitáveis ao homem
moderno, que conhecem suas origens e história. Tudo isso produz, de um lado, alienação e
superstição, do outro, ateísmo e relativismo e, sobretudo, um desarraigamento moral e social e os
conflitos que estão diante dos nossos olhos. Na verdade estamos numa crise de civilização ou, para
usar as palavras de Walter Benjamin, de “uma nova barbárie” As teses de Vannini se movimentam
ao interior da tradição místico-filosófica em que o a cultura ocidente e a cultura oriental se
encontram, individuando no liame com o ego e na sua vontade de auto-afirmação a origem da fé e
da religião como desvios e mentiras. Vannini mostra, também, como existe uma profunda
afinidade entre o budismo originário e a mística cristã, assim como também entre a mística cristã
e o hinduísmo. Com efeito, cristianismo, budismo e hinduismo fundamentam a verdadeira
identidade espiritual do homem na união com Deus e com o cosmo. Este livro de Vannini é
importante porque num modo provocatório abre um debate atual sobre a religião propondo uma
reforma religiosa que consiste numa profunda renovação do pensar e do ser, na descoberta
paradoxal do cristianismo como uma “religião” fundada, não num sentimentalismo edulcorado e no
pequeno eu egocêntrico, mas numa razão forte “especulativa” e “dialética” livre das constrições
autoritárias das burocracias institucionais, isto é uma religião fundada como “religião do espírito”.
idolatria do capital, do dinheiro e do mercado, num tempo em que precisa compreender a mística
por aquilo que é, ou seja, não como uma experiência irracional, mas como prática de essencialidade,
como domínio das paixões e de desfrute de suas energias enquanto exercício capaz de conduzir-nos
ao “fundo da alma” para descobrir ai, nessa “experiência radical”, que a criatura é tudo e que
coincide com Deus.
um sujeito ou uma substância determinada que possa ser definido como “eu”. Este, pelo contrário,
configura-se como um “nada”, já que se perde numa quantidade infinita de conteúdos (volições,
sensações, pensamentos) que mudam continuamente, sem que se possa chegar a uma verdadeira
identificação. Entre os místicos encontramos os mais honestos indagadores da alma que poderíamos
definir como os verdadeiros “psicólogos do profundo”. Para esses místicos, os conteúdos
psicológicos, os pensamentos, os desejos e os instintos não são de forma alguma essenciais e
constitutivos da verdadeira realidade do homem, mas unicamente do “eu”, cuja natureza é a
vontade, absolutamente egoística, sempre em um incessante anseio de ser, de ter, de possuir. O
ponto essencial é que os místicos descobrem na vontade, com sua carga de mal, a raiz de todo o
mal. Os místicos, pois, vêem o “eu” como um aglomerado psicológico escravo duma vontade
egoística. Por isso eles pregam o desapego. Com efeito, é a prática do desapego que conduz o
homem para fora da servidão do querer, fora do pequeno eu psicológico, em busca duma região
de liberdade e do espírito. É essa região de liberdade do espírito que aparece como o verdadeiro ser
do homem e de Deus que se configura não mais como um ente, um dado, mas como puro espírito.
Tal é a experiência fundamental para o conhecimento de nós mesmos como inseridos num espírito
universal. A contraposição homem-psíquico e homem-espiritual nada mais é que a contraposição
psicologia-mística, sobre a qual é preciso, hoje, mais do que nunca, refletir. A marginalização da
mística ocorrida no final do século XVII teve, de fato, entre outras, a conseqüência do enorme
progressivo desaparecimento do espírito do terreno concreto das ciências humanas. O amor,
segundo a mística, é a divina potência que se move em direção ao infinito e só do infinito se
satisfaz, no momento que o próprio querer desaparece. A psique é toda outra coisa, radicalmente
egoística e condicionada pelo determinismo do espaço e do tempo. A perda da concreta noção de
espírito marca realmente a crise de uma civilização.
Schopenhauer
Numa perspectiva largamente inspirada ao budismo, Schopenhauer mostra que a vontade,
enquanto tal, é sempre egoísta, vontade de viver, de conservar si próprios e a espécie, e que porta
consigo a pena, pois é sempre dor. Como ensina o Budismo, “não existe dor igual àquele do ser”:.
Prisioneiro da vontade, o homem quer de forma incessante ser, e por isso produz sempre
sofrimento. É inútil, pois, e absurdo procurar a salvação na vontade, no mundo, na história que é
um campo de batalha dos egoísmos, o amor sexual é um instrumento cego da vontade para a
conservação da espécie, e – o que mais conta – tudo isso é sempre e somente fonte de sofrimento.
Para Schopenhauer, o fundamento da moral é a piedade, a compaixão, ou seja: o conhecimento da
dor aléia. O sofrimento dos outros, na medida que vem sentido como nosso e compartilhado, leva
à justiça e à caridade e instaura uma unidade espiritual entre todos os seres humanos, para isso
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porem precisa negar na raiz a própria vontade egoística. E é aqui, neste ponto, que o pensamento de
Schopenhauer se encontra em seus traços essenciais com a mística cristã. Ele releva que na mística
se encontra a sua própria doutrina e, junto, a essência verdadeira do cristianismo, afirmando com
clareza que “o que no Novo Testamento nos aparece como através dum véu ou duma neblina,
aparece com plenitude e evidência nas obras dos místicos” E por místicas ele entende e cita com
admiração vários autores e obras, entre os quais, Fénelon, madame Guyon, Mestre Eckhart, Tauler,
Ângelus Silesius que, todos eles ensinaram e praticaram a anulação da vontade e o desapego.
Schopenhuer foi o primeiro grande filósofo a compreender a fundo, no ocidente, o valor da
sabedoria indiana, seja na forma hinduísta, seja naquela budista. Porem, enquanto reconhecia o
grande valor da sabedoria indiana, recusava todavia as mitologias, como também sempre recusou o
conjunto mitológico do próprio cristianismo.
Nietzsche
Também Nietzsche, como a mística cristã e budista, tem a coragem de olhar sem medo a
radical não permanência do “eu” e das “coisas” e a sua ausência de valor chegando com isso a um
pleno desapego de todas as opiniões. Essa liberdade de opinião e do espírito, que se configura,
evangelicamente, como “não julgar” e de ser como o sol que “esplende dobre os justos e os
injustos”, é outro traço significativo que o remete à grande mística. Precisa distinguir nele sua
polêmica contra a moral cristã e o seu respeito para a figura do homem Jesus e por o seu
ensinamento que, segundo ele, é oposto daquele da Igreja. Igual a Schopenhauer Nietzsche quis ser
um ateu honesto mais do que um crente despudorado, só que, como em Schopenhauer, a recusa da
imagem bíblica de Deus e da teologia cristã acaba por tornar-se uma negação total de Deus. Mas,
sem Deus considerado enquanto espírito e amor infinito (além de cada representação mítica e
religiosa), o espírito decai em utilitarismo egoístico do qual vive a psicologia. Isto é: Schopenhauer
e Nietzsche não conseguiram reconhecer plenamente na mística a essência do cristianismo, como,
de resto, também as Igrejas institucionais. Com efeito, estas continuaram a apresentar o
cristianismo não como verdade, mas como uma mitologia. Não é de se maravilhar que, depois, o
positivismo (odiado tanto por Schopenhauer e por Nietzsche) tenha triunfado, opondo de forma
vulgar a “ciência” à fé e criando a imagem da mística como uma patologia psíquica. Nietzsche, nas
suas surpreendentes páginas de O Anticristo, ao separar a práxis religiosa de Jesus daquela
empreendida por seus “seguidores”, denuncia de que modo a experiência da moral cristã distorce a
mensagem originária de Jesus, sustentada por uma axiologia imanente, na qual não haveria qualquer
conotação moralista em seu discurso; pelo contrário, a dinâmica sagrada da beatitude crística é de
âmbito prático, e compreendendo-se unificado com “Deus”o indivíduo alcança em sua existência
uma alegria efetiva; mais ainda, os efeitos degenerativos do ressentimento são suprimidos, pois a
experiência evangélica de Jesus promove o amor e o perdão.
Wittgenstein
Mostra em sua obra como a ciência, a técnica e a cultura positivista contemporâneas são pobres
e incompletas. Ainda se a religião tradicional não é em condição de oferecer respostas adequadas,
todavia a própria a inteligência pode encontrar, apesar de tudo, a via que ele próprio define do
“místico”,. O místico, para ele, e compreender o mundo na perspectiva do eterno. Para
Wittgenstein, pois, a ciência da natureza, cujas regras vem estudadas pela lógica, não tem nada
haver com os valores. Isto é, o bem, como em Platão, está acima do ser, fora do âmbito dos fatos,
que são todos sob o domínio da necessidade. Leitor atento de Schopenhauer, de Silésius e dos
poetas Tralk e Rilke, com simpatia por Agostinho, Wittgenstein extraordinário filósofo da ciência,
da lógica e da matemática, tem porem a consciência que a solução do enigma da vida está fora do
espaço e do tempo e do alcance das ciências lógicas e da linguagem. Acreditar em Deus significa,
para ele, compreender a questão do sentido da vida, isto é, ver que a vida tem um sentido e entender
que os fatos do mundo não são tudo.
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Simone Weil
Vinda duma família da alta burguesa judaica, Simone Weil recebeu uma educação humanista
profunda num horizonte agnóstico. Em 1933-1934 trabalhou como operária na Renault com
participação às lutas operárias; em 1936, durante a guerra civil espanhola, se ligou a um grupo
internacional de anarquistas, e combateu na coluna Durrití. A partir dessas experiências ela
entendeu que tanto o mundo liberal capitalista quanto o mundo sonhado pelos revolucionários é
substancialmente igual, pelos menos, acerca da idêntica adoração da força. O estender-se da
adoração da força, do dinheiro, da técnica, da alienação no mundo moderno é interpretado por
Simone como desenraizamento e afastamento do bem, que é Deus. Deriva daqui a sua contundente
crítica ao mito do progresso, visto como, também, o verá Walter Benjamin, com uma catástrofe. A
crítica que ela dirigiu ao marxismo revolucionário e, depois, ao cristianismo institucional, está fora
da ortodoxia comum, mas é conduzida com uma probidade intelectual fora do comum. Nunca
ingressou no partido comunista, apesar de que durante tantos anos se sentiu muito próxima dele,
tampouco aceitou de se batizar. O pensamento de Simone Weil, que não pode ser reivindicado
integralmente nem no horizonte ético-político, nem no filosófico ou metafísico, foi, sobretudo, de
alcance místico e religioso. Em seus estudos, absorveu profundamente a grande cultura grega de
Platão, de Homero e dos trágicos, considerando Platão o cume de toda a espiritualidade do mundo
antigo e suas culturas, onde ela descobriu e salientou, também, intuições pré-cristãs. Com efeito, na
sabedoria contida nessas tradições, ela vê a mesma sabedoria que se encontra no próprio evangelho.
A reflexão religiosa de Simone se funda, como nos filósofos estóicos, na aceitação da condição
humana, considerada como a única realidade significante. Embora marcada pela contradição, a
condição humana é, para Simone, a só realidade entre a qual é possível experimentar o que não é
concebível: o belo, o bem, Deus, o divino, o sobrenatural. Trata-se, pois, não só de aceitar, mas
também de amar a condição humana assim com ela é, com suas contradições, realidade oposta e em
contraposição aos nossos desejos. Em outras palavras, para Simone crer significa aderir àquela
parte de verdade sobrenatural que cada autêntica expressão humana contém em si e que, se
estivermos atentos, nos abre ao mistério religioso e ao mistério da cruz. Seus autores são Platão,
Kant, Marx, Homero, os trágicos, os evangelhos, os textos sagrados do hinduismo e do budismo.
Nos últimos anos aparecem no centro de sua reflexão o símbolo da cruz e a imitação de Cristo que
se apoderam totalmente de sua existência. Condenou asperamente como forma de idolatria a cultura
da força, tanto no judaísmo quanto na cultura romana antiga dos imperadores, culturas, essas duas,
que segundo ela, afetaram negativamente também o cristianismo. Não existe conhecimento
sobrenatural, experiência mística, num cristianismo que não se libertou completamente dessas
influências. Por isso ela não quis receber o batismo. Só libertado da mitologia e da idolatria social e,
pois, reconduzido à sua fonte grega, o cristianismo se configura, para Simone Weil, como abertura
ao sobrenatural e à graça. Segundo ela, os pontos essenciais da experiência mística, isto é do
“conhecimento sobrenatural”, são os mesmos da grande tradição do Ocidente e do Oriente. Ela viu
no hinduismo e no budismo duas espiritualidades próximas ao verdadeiro cristianismo e
continuamente repete duma forma insistente o ensinamento de Eckhart que ao homem compete só
uma ação “negativa” de purificação, de esvaziamento na finalidade de transformar o homem, de
sujeito egoísta, em espírito universal. E, nisso, sua consonância com o platonismo é total. Sua tese
da coincidência entre platonismo e cristianismo significa que a essência do cristianismo se encontra
na mística, de que Platão é o pai no Ocidente, enquanto o judaísmo, com seu espírito teocrático, é o
oposto.´
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PARTE II
CORRESPONDÊNCIAS ENTRE PENSAMENTOS DO ORIENTE E DO OCIDENTE
A importância do diálogo com a filosofia budista para uma reforma religiosa hoje
Introdução
Segundo Marco Vannini, a mística especulativa cristã se encontra em modo surpreendente igual
com a aquela budista. Com efeito, tomando em sua originalidade e autenticidade, o budismo é uma
doutrina essencialmente do desapego como a de mestre Eckhart, ou seja: “Buda capta a ligação
profunda entre amor e desapego, aonde amor não é a paixão, como a comum ignorância e a
concupiscência supõem, mas [...] compreensão e compaixão” (p. 184). Foram muitos os estudiosos
que sublinharam afinidades entre a mística de Mestre Eckhart e a do budismo e do hinduismo, entre
eles Rudolf Otto, e Daisetz Teitaro Suzuki, especialmente em sua obra, “Misticismo Cristã e
Budista”. Importante foi também, também, o diálogo entre Suzuki e de Tomas Merton um dos
grandes místicos do nosso tempo. Em geral com sua mística especulativa, mestre Eckhart aparece
como a figura cristã mais exemplar do diálogo entre o oriente e o ocidente. O ponto crucial deste
diálogo e relação é o desapego e a superação do “eu psicológico” de seus laços. Também Simone
Weil , exemplar figura de mística em nossos dias, entrou em diálogo com o budismo zen, lendo e
copiando, em seus cadernos, textos de Suzuki que tiveram influência nela na elaboração de alguns
conceitos decisivos de sua própria reflexão espiritual (apego, desapego. imaginação, ilusão
compensação e ação não agente). O diálogo entre a mística cristã e budista é de suma relevância
para os nossos dias do ponto de vista dum enriquecimento e aprofundamento recíproco duma sólida
vida interior. A posição de Buda é duma modernidade que surpreende. Ele não pretende que as
religiões nos dêem soluções, mas que o homem simples compreenda a “não permanência” de tudo
o que existe, não excluso si mesmo, a partir se sua própria experiência e não se apoiando em
nenhuma resposta predeterminada. Por isso, todo esforço de Buda e do budismo põe em primeiro
lugar não a especulação ou uma doutrina, mas a meditação, a contemplação, a quietude da mente e
o silêncio interior para que o homem, por si próprio, através de sua meditação e experiência chegue
a vislumbrar a “não permanência” e a contingência de tudo o que existe. Os ensinamentos de
Buda colocam, no centro da reflexão, o sofrimento como característica da contingência humana que
se quer eliminar. A problemática de Buda não é a duma elucubração racional, mas a intuição da
existência humana como algo antropológico e propondo indicações práticas, em particular, a prática
do desapego, como meio para superar as causa profundas que provocam o sofrimento. É aqui,
nessas propostas práticas, que se assemelham às posições de mestre Eckhart e do budismo visando
com isso chegar a uma sábia disposição de benevolência em relação a todos os seres humanos. A
seguir vamos pontuar alguns princípios básicos do budismo.
“coisa” que pretenda existir em forma independente das outras. A teoria do “não eu”, não só recusa
que o “eu” tenha uma substância, mas sublinha também que a própria idéia do eu é uma ilusão. Em
outras palavras, o que pelo senso comum se chama de “eu” ou de “consciência” é algo complexo e
que sempre muda. Isto significa que a consciência não existe numa forma pura, incondicionada,
mas sempre enquanto consciência de alguma coisa. Isto é, a consciência nunca é totalmente
absoluta, desligada de cada condição. A consciência e o eu são, pois, sempre relativos e sempre em
mutação. A consistência puramente nominal e convencional do eu é um tema que será depois
amplamente retomado por Nietzsche. A teoria budista da “não substancialidade do eu” abre a uma
visão das coisas e das idéias que são sempre constituídas por relações. Essa teoria tem
conseqüências importantes: no nível psíquico não aceita a separação entre mente e corpo; no nível
ético e político acaba com a ideologia fundada no individualismo; e no nível ecológico justifica a
inter-relação de cada ente com o outro. A segunda teoria da “não permanência” das coisas mostra
que cada momento da existência é, na realidade, um evento transitório que passa. Isto é: não existe
uma realidade constituída, mas em processo e sempre em mudança. Com outras palavras a
permanência e a não permanência são sempre relativas: o que denominamos de “ser” é sempre em
“devir”, em movimento, isto é a permanência e sempre também não permanência.
Com o tempo nos tornaremos velho perdendo vitalidade e saúde e, no fim, morreremos. Mudar
esse estado de coisas seria como procurar impedir que o sol resplandeça ou impedir o suceder-se
das estações em seu ciclo desde milênios. Todavia, resulta difícil aceitar esta verdade. Nos
deslocamos sem trégua de uma experiência a outra, procurando o prazer e tentando de evitar o
sofrimento, mas os sentimentos prazerosos são instáveis e acabam cedo. Em cada situação, ao
prazer segue, enfim, a desilusão. O que temos de mais precioso perde gradualmente a sua atrativa.
Uma nova relação amorosa torna-se desagradável não apenas conhecemos os defeitos pessoais da
pessoa amada. Até os filhos, pelos quais nutrimos tantas esperançais, acabam por traírem nossas
expectativas. Podemos procurar o bem-estar e o sucesso, na esperança de resolver os nossos
problemas e serem atraídos por projetos, pensamentos e emoções que gastam energias e tempo, mas
as nossas fantasias se realizam raramente. Ainda que nós façamos muitos sacrifícios, chegando a
atingir nossas metas, nos parece que falte ainda algo. No fim, aparece claro que nossas vidas não
são produtivas para nós mesmos e para o mundo. Como animais num sonho, corremos no deserto
perseguindo uma miragem. Mas mais que corremos, mais nos sentimos acalorados, mais nossa
energia é exaurida e mais vivido se faz nossa miragem, pois, uma vez que todas as coisas são
transitórias e que são compostas, elas se desintegram constantemente. Não existe, pois, coisa
alguma digna de apego neste mundo, onde cada um de nós é feito para sofrer toda espécie de dores
e pesares. Como escapar, pois, dos sofrimentos ou como conseguir vencê-los?
aspiração ao mais nobres ideais da vida. Esse ideal de equilíbrio corresponde á escolha de todas as
escolas budistas para uma “via de meio” em cada circunstância, seja prática que teórica. Demócrito
deixou escrito que “A sabedoria imperturbável vale todos os bens, pois é a coisa mais preciosa que
existe”; e que é “difícil combater o próprio desejo, mas o domínio o consegue só o homem que
saiba fazer o reto uso da razão”. E Epicuro, na esteira de Demócrito, diz de forma exemplar:
PARTE CONCLUSIVA
ATUALIDADE DA FILOSOFIA DE EM MANUEL LÉVINAS:
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como representação. São Paulo: Edusp, 2005.
_______________. Sobre o Fundamento da Moral. São Paulo: Martins Fontes, 2003.