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Edição de 2001/2002
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Em resumo, os autores autorizam qualquer utilização desta obra que respeite as
regras básicas da honestidade, do bom-senso e da boa-educação.
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Índice
1 Introdução 1
1.1 A estrutura dos sólidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Breve resumo da Tabela Periódica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Resumo dos capı́tulos seguintes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2 Elementos de Cristalografia 7
2.1 Cristais ideais e cristais reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.2 A estrutura cristalina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.3 Tipos de redes cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.4 Exemplos de estruturas cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.5 Direcções e planos cristalinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.6 Distância interplanar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.7 Coordenadas fraccionárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.8 Defeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4 Vibrações em cristais 41
4.1 A aproximação harmónica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.2 Ondas mecânicas em meios contı́nuos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.2.1 Vibrações de um meio contı́nuo tridimensional . . . . . . . . 47
4.3 Vibrações de um meio cristalino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.3.1 Vibrações de uma cadeia monoatómica linear . . . . . . . . . 49
4.3.2 Vibrações de uma cadeia biatómica linear . . . . . . . . . . . 53
4.3.3 Vibrações de um cristal tridimensional . . . . . . . . . . . . . 55
4.4 A densidade de modos de vibração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.5 O problema do calor especı́fico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.5.1 Modelo Clássico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.5.2 Modelo de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
4.5.3 Modelo de Debye . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
i
ii ÍNDICE
Introdução
1
2 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
pequenos cristais, com orientações e dimensões arbitrárias. Qualquer que seja a sua
composição quı́mica, é possı́vel preparar uma amostra de sólido em qualquer destes
três estados. Por exemplo, a fase sólida da água é representada por cristais de neve
(forma cristalina), gelo (do que usamos para refrescar as bebidas) (forma amorfa)
ou neve comprimida (forma poli-cristalina).
Os electrões dos átomos que constituem os sólidos contribuem de forma deter-
minante para um um grande número das suas propriedades. Sendo partı́culas de
spin semi-inteiro, satisfazem a estatı́stica de Fermi-Dirac e, portanto, o Princı́pio
de Exclusão de Pauli: cada estado quântico não pode ser ocupado por mais que
um electrão. No estado fundamental, um átomo com N electrões tem os N estados
quânticos de menor energia todos ocupados (com um electrão cada) e os restantes
todos desocupados. Os electrões que ocupam estados de menor energia estão, em
média, mais próximos do núcleo do átomo a que pertencem do que os que ocu-
pam estados de maior energia. Assim, aqueles “sentem” com menor intensidade a
presença de outros átomos na vizinhança, e por isso praticamente não participam
nas ligações quı́micas responsáveis pelo agrupamento de átomos em moléculas. Ao
conjunto do núcleo e destes electrões vamos dar o nome de cerne iónico. As ligações
interatómicas envolvem então os electrões mais exteriores de cada átomo, os chama-
dos electrões de valência, e o tipo particular de ligação quı́mica estabelecida entre
dois átomos depende basicamente das propriedades dos estados quânticos ocupados
por estes electrões.
As ligações quı́micas que garantem a coesão dos sólidos são, fundamentalmente,
de quatro tipos diferentes: iónico, covalente, de van der Waals (ou forças de dis-
persão de London) e metálico. Nas três primeiras categorias, os electrões res-
ponsáveis pela ligação permanecem localizados em regiões limitadas do espaço, nor-
malmente na vizinhança do átomo a que originalmente pertenciam. Pelo contrário,
na ligação metálica os electrões de valência ficam muito fracamente ligados a cada
átomo, sendo relativamente fácil o movimento de átomo para átomo, após o es-
tabelecimento da ligação. As funções de onda destes electrões deixam de estar
localizadas em torno de cada átomo, estendendo-se por todo o volume do metal.
A estas funções dá-se o nome de orbitais metálicas. Esta deslocalização das orbi-
tais metálicas é responsável pelas elevadas condutividades térmica e eléctrica dos
metais, e por muitas outras das suas propriedades.
A disposição regular dos átomos nos sólidos cristalinos simplifica muito a sua
análise e por isso a Fı́sica do Estado Sólido avançou muito mais no estudo destes
sólidos que no dos sólidos amorfos ou poli-cristalinos. Neste curso, por esta razão,
abordaremos principalmente os sólidos cristalinos.
ligações quı́micas. Este facto pode ser ilustrado comparando os valores do raio
atómico de elementos de uma mesma linha da Tabela Periódica; com a excepção
da linha Hidrogénio-Hélio, os elementos que em cada linha apresentam os menores
valores do raio atómico são os da coluna VIII.
Os gases inertes assumem o estado sólido a temperaturas inferiores a ∼200 K. A
ligação quı́mica é efectuada, fundamentalmente, por meio de interacções de van der
Waals. Pequenas deformações da função de onda electrónica com momento dipolar
não nulo induzem dipolos eléctricos nos átomos vizinhos; os dipolos eléctricos assim
gerados atraem-se fracamente, aproximando os átomos até onde as interacções re-
pulsivas cerne-cerne o permitirem, formando cristais compactos em que cada átomo
tem doze átomos vizinhos. Por exemplo, enquanto que o hélio solidifica a 0,95 K, o
rádon necessita apenas de uma temperatura de 202 K para atingir o estado sólido, o
que é compreensı́vel, já que este último dispõe de uma nuvem electrónica significa-
mente maior, favorecendo o aparecimento de dipólos induzidos e forças de dispersão
de London mais intensas.
m
4p
15
ligações
covalentes
Figura 1.1: Diamante — Cada átomo de carbono estabelece quatro ligações covalentes
com átomos vizinhos, formando um tetraedro regular.
ligações
covalentes
142 pm
350 pm
ligações de
van der Waals
Elementos de Cristalografia
r 0 = r + ha + kb + lc, (2.1)
7
8 CAPÍTULO 2. ELEMENTOS DE CRISTALOGRAFIA
Vejamos o seguinte exemplo para nos ajudar a sedimentar este novo conceito. Na
Figura 2.1 está representado um cristal composto por três átomos diferentes. Este
cristal pode ser recriado colocando uma réplica do motivo de três átomos junto a
cada um dos pontos da rede.
motivo
ponto
da rede
cristal=rede+motivo
(a) (b)
Figura 2.1: (a) base de três átomos; (b) cristal. Em cada ponto da rede é colocado
a base de átomos de modo a formar o cristal.
b’
b a’
y
x a
(a) (b)
tura cristalina bi-dimensional, formada por átomos de duas espécies, “•” e “◦”. De
acordo com a definição apresentada, os vectores fundamentais são tais que qual-
quer combinação linear com coeficientes inteiros destes vectores é igual à diferença
entre as posições de dois pontos equivalentes no cristal. Logo, os vectores x e y
representados na figura não são vectores fundamentais, porque unem pontos não
equivalentes (a posição de um átomo “•” e de um outro “◦”). A figura da direita
representa duas possibilidades de escolha de vectores fundamentais (a, b e a0 , b0 ),
a rede cristalina por eles gerada e os motivos correspondentes.
Chamam-se vectores da rede cristalina aos vectores que unem dois quaisquer
pontos da rede. No exemplo que acabámos de apresentar, a, b, a0 , b0 são vectores
da rede, mas o mesmo não acontece com x ou com y. Se qualquer vector da rede
2.3. TIPOS DE REDES CRISTALINAS 9
puder ser escrito como combinação linear, com coeficientes inteiros, dos vectores
fundamentais, então estes dizem-se vectores fundamentais primitivos. No exemplo
apresentado, a0 e b0 são vectores fundamentais primitivos, ao passo que a e b não
o são. Para verificar esta última preposição basta ver que, por exemplo, o vector b0
é uma combinação linear de a e b, mas com coeficientes fraccionários:
1 1
b0 = a + b. (2.2)
2 2
Ao paralelogramo formado pelos vectores fundamentais dá-se o nome de célula
unitária. Se os vectores fundamentais forem, além disso, primitivos, a célula unitária
por eles formada chama-se célula unitária primitiva. Em rigor, esta definição dá-nos
apenas um exemplo de célula unitária primitiva. Uma definição formal é a seguinte:
Desta definição deduz-se facilmente que uma célula unitária primitiva contém um,
e apenas um, ponto de rede. Se n for a densidade espacial destes pontos (isto é, o
número de pontos por unidade de volume) e v for o volume de uma célula unitária
primitiva, então temos que nv = 1 e logo v = 1/n. Como este resultado é válido
qualquer que seja a célula unitária primitiva (isto é, quaisquer que sejam os vectores
fundamentais primitivos usados para a construir), concluı́mos que todas as células
unitárias primitivas têm o mesmo volume.
Acabámos de ver que podemos construir uma célula unitária primitiva com o
paralelogramo definido por um conjunto de vectores fundamentais primitivos. Uma
outra possibilidade é a seguinte: unimos com segmentos de recta um dado ponto de
rede a todos os seus vizinhos mais próximos; a região do espaço limitada pelos planos
bissectores destes segmentos é uma célula unitária primitiva. As células construı́das
desta forma chamam-se células unitárias primitivas de Wigner-Seitz. Note-se que,
para a definição da células de Wigner-Seitz, não é necessário escolher um conjunto
de vectores fundamentais primitivos; assim, a sua forma depende apenas do tipo de
rede, ao contrário do que acontece com as células unitárias mais usuais definidas
a partir do paralelogramo formado pelos vectores cristalográficos. A Figura 2.3
representa o processo de construção de uma destas células.
α
β
b γ
a
β
a=b=c (2.3) γ α
b
π
α = β= γ = . (2.4) a
c
2
Há três subespécies da rede cúbica: a rede cúbica simples, cujos pontos estão
dispostos como os vértices de cubos iguais, arrumados contiguamente; a rede cúbica
de corpo centrado, que, além dos pontos que constituem a rede cúbica simples,
contém ainda um ponto no centro do corpo de um dos cubos que referimos; e a rede
cúbica de faces centradas, que é formada pelos pontos que formam a rede cúbica
simples, e contém ainda um ponto no centro das faces daqueles cubos.
a = b 6= c (2.5)
π b
α = β= γ = . (2.6)
2 a
c
a 6= b 6= c (2.7) β
b
π γ α
α = β= γ = . (2.8) a
c
2
Este tipo de rede cristalina apresenta as três variantes simples, de corpo centrado
e de faces centradas, e ainda uma quarta, chamada rede de bases centradas, que é
formada por pontos nos vértices de paralelipı́pedos iguais dispostos contiguamente
e dois pontos, nos centros de duas faces opostas.As deformações que aplicámos até
agora à rede cúbica, para obtermos as redes tetragonais e ortorrômbicas, têm a
propriedade de manter os ângulos α, β e γ iguais a π2 . Vamos agora apresentar
outras possibilidades.
(d) Redes monoclı́nicas
Deformemos uma rede ortorrômbica, por forma a alterar o valor de γ, deixando
os outros parâmetros inalterados. Obtemos assim uma rede do tipo chamado rede
monoclı́nica, que apresenta apenas as variantes simples e de bases centradas. As
relações entre os parâmetros, neste tipo de rede, são:
a 6= b 6= c (2.9) α
π b γ β
α = β= 6= γ. (2.10) c
2 a
β
a 6= b 6= c (2.11)
γ α
π b c
α 6= β6= γ 6= . (2.12) a
2
Há ainda que considerar dois tipos particulares de rede, que são casos particu-
larmente importantes dos que já mencionámos.
(f) Redes trigonais
A rede trigonal pode obter-se por deformação da rede cúbica na direcção de uma
das diagonais principais. É caracterizada por
a=b=c (2.13)
2
α = β= γ < π. (2.14)
3
Tabela 2.1: Alguns compostos que cristalizam em redes cúbicas simples. Também é
apresentado o valor do parâmetro de rede a.
A C
B
A
C B B
B B
A A
C C
B
A
C A A
ABA ABC
b
a
a = b (2.17)
c = 1, 63a. (2.18)
R = ha + kb + lc, h, k, l ∈ Z, (2.19)
R = ha + kb + lc. (2.20)
cientes inteiros.
16 CAPÍTULO 2. ELEMENTOS DE CRISTALOGRAFIA
c/l
a/h
a b/k
Para o plano apresentado na Figura 2.8, os ı́ndices de Miller são (hkl), se os inteiros
h, k e l não tiverem divisores comuns. Também para os ı́ndices de Miller se segue
a convenção de colocar os sinais “-” sobre os ı́ndices negativos. Assim, se para uma
dada famı́lia de planos resultarem os valores 2, -3, 1 para os ı́ndices de Miller, o
resultado deve ser apresentado como (231). Se um dado plano é paralelo a um dos
eixos fundamentais, então não o intersecta, obviamente; o valor do ı́ndice de Miller
correspondente é, por definição, 0 (zero).
Por exemplo, a famı́lia de planos paralela ao plano definido pelos vectores funda-
mentais a e b tem ı́ndices de Miller (001); os ı́ndices de Miller da famı́lia de planos
paralela ao que contém as extremidades dos vectores a, b e c são (111); um plano
que contenha os pontos cujos vectores posição a, b/2(d) , 2c (ver figura 2.9) pertence
a uma famı́lia com os ı́ndices de Miller (241). Analisemos este caso em detalhe. O
plano em questão cruza os eixos fundamentais em pontos que estão a distâncias a,
b/2 e 2c da origem. Passa assim, em particular, num ponto de rede cujo vector
posição é 2c. Mas existem, nesta famı́lia de planos, elementos mais próximos da
origem. Com efeito, existe um plano cristalino, paralelo ao que estamos a conside-
rar, que passa no ponto cujo vector posição é c, e é este plano que, pela sua maior
proximidade à origem, deve ser usado na construção da definição dos ı́ndices de
Miller. Este plano cruza os eixos cristalográficos em pontos que estão a distâncias
a/2, b/4 e c da origem. Usando como unidades para estas distâncias os módulos
(c) Pode demonstrar-se que, se se usar na construcção dos ı́ndices de Miller o plano que mais se
em questão é de facto um plano de rede, pois contém os pontos da rede cujos vectores posição são
a, 2c, b − 2c.
2.6. DISTÂNCIA INTERPLANAR 17
a b
Figura 2.9: Dois planos da famı́lia (241). O triângulo maior representa o plano que
corta os eixos cristalográficos nos pontos a, b/2, 2c; o triângulo menor representa o
plano que deve ser usado na determinação dos ı́ndices de Miller.
c
c
P3
H
dhkl
P3
G’
θ P2
O P1 a
P1 F
a b
a G0
dhkl = · , (2.21)
h |G0 |
onde G0 pode ser qualquer vector perpendicular ao plano (hkl). Uma forma simples
de construir G0 é formando o produto vectorial de dois vectores não colineares deste
plano, por exemplo os vectores H e F representados na Figura 2.10 à direita. Estes
18 CAPÍTULO 2. ELEMENTOS DE CRISTALOGRAFIA
dois vectores, escritos como combinações lineares dos vectores fundamentais, são
b a
F = P2 − P1 = − (2.22)
k h
c b
H = P3 − P2 = − , (2.23)
l k
onde representámos por Pk os vectores posição dos pontos Pk (k = 1, 2, 3). Fazendo
o produto externo destes dois vectores resulta
1 1 1
G0 = F × H = a×b + b×c + c × a, (2.24)
hk kl lh
e, substituindo em (2.21), obtemos
a · (b × c)
dhkl = . (2.25)
hkl|G0 |
τ = A dhkl ,
(hkl)
d hkl
v
(hkl)
A
u
Figura 2.11: Construcção para o cálculo da densidade de pontos de rede nos planos
de uma famı́lia (hkl).
Estudámos até agora vários conceitos úteis no estudo das redes cristalinas, mas
pouco foi dito sobre os motivos, ou bases, que associados a estas redes, formam os
cristais reais.
Tal como as redes cristalinas, os motivos podem ser classificados em categorias
gerais, segundo as transformações geométricas que aceitam como transformações de
simetria. No entanto, este assunto é não será abordado neste curso, por não ser
absolutamente indispensável para o estudo que se segue. O que sim é necessário é
introduzir uma notação que permita a especificação das posições dos átomos que
formam o motivo. Esta questão surge porque porque os átomos que formam o mo-
tivo ocupam, em geral, posições não coincidentes com as dos pontos que formam a
rede cristalina; o seu vector posição não é pois, necessariamente, um vector da rede,
ou seja, uma combinação linear inteira dos vectores fundamentais. Independente-
mente deste facto, usamos a base dos vectores fundamentais da rede cristalina para
representar os vectores posição destes átomos, que, assim, podem apresentar coor-
denadas não inteiras, ou fraccionárias. Note-se que o mesmo acontece para alguns
pontos da rede cristalina, sempre que os vectores fundamentais escolhidos para a
representar forem não primitivos.
Por exemplo, usando vectores os fundamentais convencionais para a rede cúbica
de corpo centrado, as coordenadas do ponto central são ( 12 , 12 , 21 ). A rede cristalina
do diamante é cúbica de faces centradas. Os pontos de rede de uma célula unitária
convencional têm pois coordenadas (0, 0, 0), ( 12 , 12 , 0), ( 12 , 0, 21 ), (0, 12 , 12 ).
Quando se usam para especificar a posição de pontos de rede numa célula
unitária (não primitiva), as coordenadas fraccionárias têm origem num vértice da
célula unitária; mas, quando se usam para indicar as posições dos átomos que for-
mam o motivo, têm origem em cada ponto ponto da rede cristalina. Assim, por
exemplo para o diamante, o motivo é formado por dois átomos, com coordenadas
(0, 0, 0) e ( 41 , 41 , 14 ); para se obter um cristal de diamante, devemos sobrepor, em cada
um dos quatro pontos de rede que referimos no parágrafo anterior, dois átomos de
carbono, com estas coordenadas, relativamente a uma origem escolhida sobre cada
um daqueles pontos.
20 CAPÍTULO 2. ELEMENTOS DE CRISTALOGRAFIA
2.8 Defeitos
A descrição dos sólidos que foi apresentada neste capı́tulo é apenas uma idealização.
Os cristais reais apresentam as regularidades mencionadas apenas de forma aproxi-
mada, apresentando sempre um número apreciável de imperfeições ou defeitos, isto
é, de desvios à regularidade cristalina.
Há vários tipos de defeitos cristalinos. Por exemplo, um átomo de espécie
quı́mica diferente da dos que formam o cristal (como é o caso, muito útil, dos
semicondutores “dopados”, do tipo “p” ou “n”),uma posição de rede desocupada,
ou um átomo numa posição não definida pela rede. As próprias fronteiras do cristal
são defeitos cristalinos, na medida em que quebram a periodicidade do cristal.
Vamos agora estudar um pouco mais detalhadamente os principais tipos de
defeitos cristalinos.
(1) Vibrações dos átomos do cristal
Os átomos que formam os cristais encontram-se permanentemente animados de
um movimento de oscilação em torno de posições de equilı́brio, que correspondem
às posições definidas pela estrutura cristalina. A este movimento dá-se o nome
de agitação térmica. A amplitude destas oscilações diminui quando se baixa a
temperatura, mas não se anula nunca, mantendo-se mesmo no zero absoluto da
temperatura, como consequência do princı́pio de incerteza de Heisenberg.
(2) Imperfeições pontuais
Imperfeições pontuais são irregularidades que se verificam em pontos isolados, e há
três espécies principais. As lacunas, as imperfeições intersticiais e as impurezas.
Uma lacuna é uma posição da estrutura cristalina que se encontra desocupada. Uma
imperfeição intersticial corresponde a um átomo que ocupa uma posição não prevista
na estrutura cristalina. Um átomo de um cristal pode, sob certas circunstâncias(e) ,
abandonar a sua posição na estrutura cristalina (fazendo assim surgir uma lacuna)
e fixar-se numa posição intersticial. A estes pares lacuna-interstı́cio dá-se o nome
de pares de Frenkel.
Nos cristais iónicos, as lacunas devem sempre aparecer aos pares, por forma a
manter a neutralidade eléctrica do cristal. Estes pares de lacunas têm o nome de
pares de Shottky. (f)
As impurezas são átomos de espécie quı́mica diferente da dos que formam o
cristal. Os átomos contaminantes podem ocupar posições da estrutura cristalina,
substituindo assim os átomos originais, tomando o nome de impurezas substitucio-
nais, ou ocupar posições que não estão definidas na estrutura, sendo então conhe-
cidas como impurezas intersticiais. Por exemplo, o aço é uma solução de carbono
em ferro, constituindo os átomos de carbono impurezas intersticiais na estrutura
cristalina definida pelos átomos de ferro. Em contrapartida, o latão é uma liga de
cobre e de zinco, onde os átomos de zinco substituem os de cobre nalgumas posições,
constituindo assim impurezas substitucionais de um cristal de cobre.
O funcionamento dos dispositivos semicondutores comuns, como os transı́stores
ou os diodos, baseia-se na presença de impurezas substitucionais. Estes dispositivos
consistem num cristal, normalmente de silı́cio ou de germânio, dividido em duas
(no caso dos diodos) ou três (no caso dos transı́stores) regiões com impurezas subs-
titucionais de tipo “n” (que consistem em átomos com um electrão de valência a
mais do que os os átomos vizinhos) ou de tipo “p” (cujos átomos têm um electrão
de valência a menos).
Deslocaçao
PROBLEMAS
2.2 Considere a estrutura atómica plana ilustrada na figura, composta por átomos do
tipo A, B e C:
(b) Indique quantos átomos de cada tipo existem na célula unitária primitiva.
(g) Podem ser consideradas superfı́cies à escala macroscópica apenas, já que podem ter várias
’
Atomo tipo A ’
Atomo tipo B ’
Atomo tipo C
0 1/2
zinc blende
3/4 1/4
1/2 1/2
1/4 3/4
1/2
(a) (b)
wurtzite
0
5/8
1/2
1/8
Nas Figuras (a) estão representadas células convencionais, As Figuras (b) representam
projecções das respectivas células onde estão indicadas as posições verticais dos átomos
em relação à altura da célula em questão.
A estrutura zinc blende é constituida por a uma rede cúbica de face centrada
associada a cada tipo de átomo e separadas ao longo da diagonal do cubo da
célula convencional cúbica em ( 41 , 14 , 14 ). A estrutura wurtzite tem associada a
cada tipo de átomo uma estrutura hexagonal compacta separadas em 58 da altura
da célula hexagonal. Sabendo que os parâmetros das células são de a = 5, 41 Å
para célula cúbica, e a = 3, 81 Å e c = 6, 23 Å para a célula hexagonal calcule a
densidade de ambas as formas do sulfeto de zinco.
(h) A fracção de empacotamento é a fracção de volume da rede ocupado, supondo os pontos da
2.11 O Arsenito de Gálio cristaliza na forma de estrutura zinc blend. A ligação Ga−As
tem 2, 45 Å de comprimento.
2.12 Considere um cristal com estrutura tipo wurtzite. Determine três vectores funda-
mentais primitivos assim como a respectiva base indicando a sua posição relativa.
2.13 Determine o quociente c/a para uma estrutura wurtzite.
2.14 Considere um conjunto seguinte de vectores fundamentais primitivos de uma rede
tetragonal de corpo centrado:
1 1 1 1 1 1
a= a(ex + ey ) − cez , b = a(−ex + ey ) + cez , c = a(ex − ey ) + cez
2 2 2 2 2 2
onde a representa o lado da base quadrada da célula convencional e c a altura da
mesma. Considere que inicialmente temos c > a, e seguidamente imagine que a
célula é comprimida na direcção do eixo z.
(a) Para que valor de c a rede toma a forma de cúbica de corpo centrado?
(b) Para que valor de c a rede toma a forma de cúbica de face centrada?
Dê os seus resultados em termos do parametro a.
2.15 Se uma célula unitária de uma dada rede cristalina contém N pontos de rede,
então o seu volume é V = N Vp onde Vp é o volume das células unitárias primitivas
da mesma rede. Demonstre esta preposição.
2.16 Determine a separação entre os pontos de uma rede cristalina ao longo das di-
recções seguintes: (a) [110]; (b) [111]; (c) [320]; (d) [321].
2.17 Determine os ı́ndices de Miller de um plano que, numa rede cúbica simples, contém
a aresta de uma célula unitária primitiva e intersecta duas outras arestas da mesma
célula nos seus centros.
2.18 Compare a distância interplanar para os planos (210) numa rede cúbica simples,
cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas.
2.19 Demonstre que a fracção de empacotamento máximo para um cristal de estrutura
tetragonal de corpo centrado (com uma base composta por um único átmo) é
dada por:
√
(a) π3 ac se c > 2a;
π a 2 3 √
(b) 24 c
(2 + ac 2 ) 2 se c < 2a.
2.20 Determine a densidade de pontos nos planos (111) de uma rede cúbica de face
centrada. Compare com a densidade de pontos nos planos (110).
Capı́tulo 3
3.1 Generalidades
A análise da difracção elástica de radiação por cristais é um método poderoso no
estudo da sua estrutura. A informação que se obtém das experiências de difracção
resulta fundamentalmente de processos de interferência das várias porções do cristal;
assim, usa-se nestas experiências radiação com comprimento de onda próximo das
distâncias interatómicas tı́picas nos cristais, ou seja, alguns Angstrongs.
As experiências de difracção são realizadas com as seguintes três espécies de
feixes:
Raios-X Por ser muito simples a produção, detecção e manipulação (focagem, deflexão,
etc.) de feixes de radiação electromagnética, este tipo de radiação é o mais
frequentemente escolhido para experiências de difracção. A radiação interage
principalmente com as nuvens electrónicas dos sólidos, e portanto a sua uti-
lização permite a determinação da distribuição electrónica e, a partir daı́, da
estrutura cristalográfica e de outras propriedades relevantes dos sólidos. Nas
experiências de difracção com cristais, usa-se radiação electromagnética na
região do espectro dos raios-X, por ser a que apresenta os comprimentos de
onda na gama apropriada.
Electrões Podem também usar-se feixes corpusculares, já que, à luz da Mecânica Quânti-
ca, estes evidenciam também comportamentos ondulatórios. Os electrões, por
serem partı́culas carregadas e extremamente leves, sofrem muito fortemente
a interacção com a matéria; assim, os feixes de electrões não têm um grande
poder de penetração nos sólidos e, por esta razão, são usados apenas no estudo
das suas superfı́cies. Os electrões devem estar animados com uma energia
cinética de cerca de 150 eV(b) para que o comprimento de onda da sua função
(a) Por
W. Friedrich, P. Knipping e M. Laue
(b) 1
eV é a energia cinética adquirida por um electrão acelerado por uma diferença de potencial
de 1V, ou seja 1eV≈ 1.6 × 10−19 J.
25
26 CAPÍTULO 3. DIFRACÇÃO ELÁSTICA EM CRISTAIS
Neutrões Estas partı́culas, ao contrário dos electrões, têm um grande poder de pene-
tração nos sólidos, por serem mais pesadas e também por serem electricamente
neutras. Apesar da sua neutralidade eléctrica, os neutrões apresentam mo-
mento magnético não nulo e por isso sofrem interacções electromagnéticas,
principalmente com os electrões responsáveis pelas propriedades magnéticas
do meio em que se encontram. Estas interacções não são “mascaradas” pelas
forças coulombianas, que seriam dominantes se se usassem feixes de partı́culas
carregadas, como protões. Por esta razão, os feixes de neutrões são particular-
mente indicados no estudo da distribuição do momento magnético no interior
dos sólidos. A energia do feixe com que as experiências devem ser conduzidas
é de cerca de 0,1 eV.
θ θ
θθ d
θ l l θ
reflexão em dois planos consecutivos de uma dada famı́lia de planos cristalinos, que
fazem com a direcção dos feixes um ângulo de θ. A diferença entre os caminhos
percorridos pelos dois raios é 2l, ou seja, 2d sin θ, onde d é a distância interplanar.
Para que haja interferência construtiva, esta diferença deve conter um número in-
teiro, n, de comprimentos de onda, λ, da radiação envolvida no processo. Assim, a
condição para a existência de reflexão é
que é a famosa lei de Bragg. Quando radiação de comprimento de onda bem definido
incide num cristal, somente as famı́lias de planos que apresentam uma distância
interplanar e uma orientação relativamente à radiação incidente que satisfazem a
lei de Bragg participam na reflexão de radiação. Pode mesmo não haver reflexão (é
até o caso mais frequente, para uma orientação fixa do cristal e da fonte da radiação)
se não houver nenhuma famı́lia de planos nestas condições. Neste caso, a radiação
incidente é totalmente absorvida pelo cristal.
Cristal
Fonte de
raios-X
Écran
mentos de onda para os quais existem no cristal famı́lias de planos com distância
interplanar capaz de satisfazer a lei de Bragg. Estas componentes irão, após a
difracção, incidir num ecrã, usualmente uma placa fotográfica, ou um detector
eletrónico de raios-X, permitindo assim a análise. Os padrões de difracção con-
sistem numa série de pontos, dispostos de forma simétrica relativamente ao ponto
onde a direcção da radiação incidente intersecta o plano do écran.
Como já foi dito, ao se iluminar um cristal imóvel com radiação monocromática
poderá não se verificar qualquer difracção, por não haver no cristal nenhuma famı́lia
de planos orientada de forma a permitir a satisfação da lei de Bragg. Mas se se
rodar o cristal durante a exposição à radiação, verificar-se-ão várias difracções,
cujo ângulo se altera bruscamente com a rotação do cristal. Cada famı́lia de planos
“espera pacientemente” o instante em que a sua orientação relativamente à radiação
incidente permita, nos termos da lei de Bragg, a sua participação na difracção. Este
é o processo usado no chamado método do cristal rotativo. O cristal roda no interior
de um cilindro (ver a Figura 3.3) cujas paredes interiores estão revestidas com uma
pelı́cula fotográfica. Um orifı́cio na superfı́cie lateral do cilindro permite a entrada
do feixe incidente.
No método do cristal rotativo, em cada instante, apenas algumas famı́lias de
planos participa no processo de difracção, que são aquelas que estão correctamente
alinhadas, e que apresentam uma distância interplanar capaz de satisfazer a lei
de Bragg. Se, em vez de um único cristal, dispusessemos de um grande número
cristais na região de incidência do feixe, e cada cristal estivesse orientado de maneira
arbitrária, então, mesmo com a amostra fixa, qualquer famı́lia de planos teria,
28 CAPÍTULO 3. DIFRACÇÃO ELÁSTICA EM CRISTAIS
Écran
Cristal
Fonte monocromática
de raios-X ω
nalgum cristal, a orientação correcta para satisfazer a lei de Bragg, podendo assim
participar da difracção. É nesta ideia que se baseia o chamado método do pó ou
de Debye. Neste método, em vez de se usar um cristal inteiro na amostra, usa-se
um cristal fragmentado em pequenos grãos, cada um dos quais funciona como um
pequeno cristal(c) com as suas direcções privilegiadas de difracção (ver a Figura 3.4).
película
fotográfica
s
ti co
ma
cro
no amostra
mo
sX
Raio
n’
δ1 R
δ2
Figura 3.5: Dispersão elástica de radiação por duas células unitárias de um cristal.
dispersores, separados por um vector de rede R. Neles incide radiação com compri-
mento de onda λ, segundo a direcção definida pelo versor n̂ (ver a Figura 3.5). Para
que numa direcção definida pelo versor n̂0 se verifique interferência construtiva, é
necessário que a diferença entre os comprimentos dos caminhos ópticos seguidos
pelos raios que incidem em cada um dos dois centros dispersores considerados seja
igual a um múltiplo inteiro do comprimento de onda da radiação. A distância que
corresponde a esta diferença está realçada na Figura 3.5, sendo dada por δ1 + δ2 .
Mas
δ1 = R · n̂ (3.2)
δ2 = −R · n̂0 , (3.3)
onde m é um número inteiro qualquer. Multiplicando a Eq. (3.4) por 2π/λ e notando
que k = 2πn/λ é o vector de onda da radiação incidente(d) , resulta
R · (k − k0 ) = 2πm. (3.5)
Esta é a condição para que a radiação reemitida pelas duas células unitárias repre-
sentadas na Figura 3.5 interfira construtivamente na direcção do vector k0 . Claro
que, se considerarmos agora todo o cristal e não somente duas células unitárias,
obtemos uma condição semelhante a (3.5), mas que tem que se verificar para todos
os vectores da rede cristalina R:
(d) Define-se da mesma maneira o vector de onda da radiação difractada k0 = 2πn0 /λ.
30 CAPÍTULO 3. DIFRACÇÃO ELÁSTICA EM CRISTAIS
definir os vectores(e)
b×c
A = 2π (3.7)
a · (b × c)
c×a
B = 2π (3.70 )
a · (b × c)
a×b
C = 2π , (3.700 )
a · (b × c)
onde a, b e c são os vectores fundamentais do cristal em estudo (ou seja, da rede
definida pelos vectores R). É possı́vel provar que, se a, b, c não forem co-planares,
então A, B, C também não o são (o leitor é aconselhado a tentar fazer esta de-
monstração), e portanto servem como base do espaço. Assim, podemos concerteza
escrever
G = xA + yB + zC, (3.8)
onde x, y, z são três quantidades adimensionais, não necessariamente inteiras, que
são as componentes de G nesta base. Por outro lado, como R é um vector da rede
cristalina, pode escrever-se como uma combinação linear inteira dos vectores a, b,
c:
R = ha + kb + lc, (3.9)
com h, k, l inteiros. Vejamos quais os valores que x, y, z podem tomar para que se
verifique R · G = 2mπ, de acordo com (3.6). Note-se que, como o produto externo
de dois vectores é perpendicular a qualquer deles, a · B = a · C = 0, etc., logo,
R·G = (ha + kb + lc) · (xA + yB + zC)
= 2π (xh + yk + zl) . (3.10)
Para que se verifique a condição de Laue, é necessário que a soma dentro dos
parêntesis na Eq. (3.10) seja um número inteiro, quaisquer que sejam os inteiros
h, k, l. Isto só é possı́vel (quaisquer que sejam h, k, l) se x, y e z forem também
inteiros. O conjunto de vectores G = (k − k0 ) que satisfaz a condição de Laue é
pois da forma
G = pA + qB + rC, (3.11)
com p, q, r inteiros e A, B, C dados pelas equações (3.7). Ao variarmos os valores
de p, q, r em (3.11) geramos uma rede, diferente da gerada pelos vectores a, b, c,
chamada a rede recı́proca da rede gerada pelos vectores a, b, c. Esta última chama-
-se, para mais fácil distinção, rede directa. Os vectores A, B, C são os vectores
fundamentais da rede recı́proca.
A rede recı́proca é um conceito recorrente em Fı́sica do Estado Sólido. Foi
introduzido neste capı́tulo, mas surge também naturalmente no estudo de outros
tópicos, relativamente independentes da difracção de radiação.
Voltando agora à condição de Laue, podemos agora enunciá-la da seguinte forma:
Pode ocorrer interferência construtiva (e portanto difracção) se a va-
riação no vector de onda da radiação G = k0 − k, for um vector da rede
recı́proca.
Note-se que a condição de Laue (ou a de Bragg que, veremos, lhe é equivalente)
é uma condição apenas necessária, não suficiente, para a difracção. Se o motivo
cristalino não for trivial (isto é, se contiver mais do que um átomo), verificam-se
processos de interferência no interior de cada célula unitária primitiva, que podem
impedir a difracção numa dada direcção, mesmo que a condição de Laue (que diz
respeito à interferência entre diferentes células unitárias primitivas) a permita. Mais
à frente abordaremos este assunto.
(e) Note-se que, usando estas definições, a eq. (2.26) na Secção 2.6 pode reescrever-se como G
hkl =
hA + kB + lC .
3.5. EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES DE BRAGG E DE LAUE 31
G -k’
h0 = h/n (3.13)
0
k = k/n (3.130 )
l0 = l/n, (3.1300 )
u = (P 2 − P 1 ) × (P 3 − P 2 ) (3.14)
c
P3
P3 - P2
P2
b
a P1 P2 - P1
obtemos
1
u = (h0 b × c + k 0 c × a + l0 a × b)
h0 k 0 l 0 µ ¶
1 a · (b × c) 0 b×c 0 c×a 0 a×b
= h 2π + k 2π + l 2π
h0 k 0 l 0 2π a · (b × c) a · (b × c) a · (b × c)
1 τ
= (h0 A + k 0 B + l0 C) , (3.15)
h0 k 0 l0 2π
onde foram usadas as equações (3.7) e se introduziu o volume da célula unitária da
rede directa τ = a · (b × c). Finalmente, comparando este resultado com a definição
na Eq. (3.12) obtemos
2nπ
Ghkl = h0 k 0 l0 u. (3.16)
τ
Os dois vectores Ghkl e u são, como está patente nesta expressão, colineares; uma
vez que u é, por construção, perpendicular aos planos da famı́lia (h0 k 0 l0 ), também
Ghkl o é.
Posto isto, analisemos geometricamente a condição de Laue. Consideremos uma
onda plana incidente no cristal com vector de onda k, sendo difractada na direcção
do vector k0 (ver a Figura 3.8). Note-se que se a difracção é elástica, as radiações
incidente e difractada têm o mesmo comprimento de onda, ou seja, |k| = |k0 | =
k
α
θ α’
k’
θ’
k0 − k (de acordo com a condição de Laue, deve ser um vector da rede recı́proca) e
um plano que é perpendicular a G, que, como acabámos de ver, deve pertencer a
uma famı́lia de planos da rede directa. Uma vez que |k| = |k0 |, o triângulo formado
por k0 , G e k (na figura, o lado correspondente a k aparece a tracejado) é um
triângulo isósceles. Logo os ângulos α e α0 são iguais e portanto também θ = θ0
Mas θ e θ0 são os ângulos que as radiações as radiações incidente e difractada fazem
com a famı́lia de planos perpendicular a G. Fica assim justificada a suposição
de reflexão geométrica usada no tratamento de Bragg. Falta ainda verificar que a
distância interplanar destes planos é exactamente a requerida pela lei de Bragg.
Vimos há pouco que o vector da rede recı́proca Ghkl = hA + kB + lC é perpen-
dicular à famı́lia de planos da rede directa (h0 k 0 l0 )(g) . Por outro lado, no capı́tulo
anterior (eq. 2.27) vimos que a distância entre os planos desta famı́lia é
2π
d ≡ dh0 k0 l0 = (3.17)
|Gh0 k0 l0 |
2nπ
= . (3.18)
|Ghkl |
amostra
2θ
k
fonte
k’
r
detector
r’
possa ser tratada como uma onda plana. Para os efeitos que nos interessam nesta
discussão, esta onda plana pode ser caracterizada indicando apenas o seu vector de
onda, k, e sua frequência angular ω. O vector de onda tem módulo 2π/λ e a di-
recção da propagação da onda. Assim, usando notação complexa, podemos escrever
a onda plana incidente, φi , como(i)
eı(k |r −r|−ωt)
0 0
φd (r 0 , t) = A0 , (3.22)
|r 0 − r|
eı(k |r −r|−ωt)
0 0
mas antes uma medida vaga da capacidade da matéria numa dada região do espaço produzir
desvios na direcção do feixe incidente. Na difracção de radiação electromagnética e de electrões,
por capacidade dispersora deve entender-se densidade de carga; na difracção de feixes de neutrões,
magnetização.
3.6. AMPLITUDE DA DIFRACÇÃO. FACTOR DE ESTRUTURA 35
onde os integrais são agora extendidos apenas ao volume de cada célula unitária
Vcup , e Rhkl é um vector da rede, com componentes cristalográficas hkl. Mas a
densidade electrónica deve ser uma função com a periodicidade do cristal, de forma
que ρ (r 0 + Rhkl ) = ρ(r 0 ), e assim
X Z
0
H(∆k) = e−ı∆k·Rhkl d3 r 0 ρ (r 0 ) e−ı∆k·r . (3.27)
hkl Vcup
N −1
X £ −ı∆k·a ¤h NX
−1
£ −ı∆k·b ¤k NX
−1
£ −ı∆k·c ¤l
H(∆k) = F (∆k) e e e ,
h=0 k=0 l=0
com
sin2 ( 12 N x)
sN (x) = . (3.31)
sin2 ( 12 x)
∆k · a = 2πh
∆k · b = 2πk
∆k · c = 2πl, (3.32)
onde h, k e l são números inteiros quaisquer. Mas estas condições não são mais que
as condições de Laue para a difracção! Quando isolámos as contribuições do motivo
cristalino no factor de estrutura, os termos que não foram aı́ integrados tinham
que estar relacionados com a condição de Laue, que, ao fim ao cabo, considera
o processo de difracção fazendo simplificações apenas ao nı́vel dos processos que
ocorrem dentro do motivo cristalino.
3.6. AMPLITUDE DA DIFRACÇÃO. FACTOR DE ESTRUTURA 37
100
80 N=10
60
s(x)
40
20
−π 0 π 1
x= ∆ k·r
2
10000
N=100
8000
6000
s(x)
4000
2000
−π 0 π 1
x= ∆ k·r
2
Ao integral
38 CAPÍTULO 3. DIFRACÇÃO ELÁSTICA EM CRISTAIS
r’
Ri
r
Figura 3.11: Volume de uma célula unitária primitiva com três átomos, dividida nas
regiões próximas de cada átomo.
Z
=m (k) = d3 r ρ(r) e−ık·r , (3.36)
Vm
PROBLEMAS
3.1 Prove que os volumes das células unitárias de uma dada rede (τ ) e da sua rede
recı́proca (τ ∗ ) se relacionam através de
(2π)3
τ∗ =
τ
3.2 Prove que a recı́proca da rede recı́proca de uma dada rede é esta rede.
3.3 Mostre que a rede recı́proca de uma rede cúbica de faces centradas é uma rede
cúbica de corpo centrado.
3.4 Qual é então a recı́proca de uma rede cúbica de corpo centrado?
3.5 Determine e classifique a rede recı́proca de cada uma das seguintes redes
(a) hexagonal;
(b) ortorrômbica;
(c) tetragonal.
3.6 Considere uma rede trigonal. Seja θ o ângulo entre os seus vectores fundamentais
primitivos. Prove que a rede recı́proca também é trigonal e que o ângulo θ∗ entre
os seus vectores fundamentais primitivos é dado por
cos θ
cos θ∗ = − .
1 + cos θ
3.7 Determine os ângulos que a radiação difractada pode fazer com a incidente,
numa experiência de difracção de raios-X com comprimento de onda λ = 1, 04 Å,
incidindo numa rede rede cúbica simples, com parâmetro a = 4, 0 Å.
3. Problemas 39
0.8
0.6
2
|ℑ|
0.4
0.2
0
0 2 4 6 8
∆k R
k · G = − 1 |G|2 .
2
Capı́tulo 4
Vibrações em cristais
Nos capı́tulos anteriores foi apresentado um modelo dos sólidos cristalinos segundo
o qual os átomos que os formam encontram-se em repouso nas posições determi-
nadas pela rede e motivo cristalinos. No entanto, esta suposição da imobilidade é
uma simplificação grosseira da realidade que apresenta, entre outros, os seguintes
inconvenientes:
Muitos outros argumentos desta natureza poderiam ainda ser apresentados (ver,
por exemplo, o Cap. 21 do Ashcroft & Mermin). Independentemente destas razões,
devemos compreender que o modelo estático dos cristais é uma impossibilidade
teórica do ponto de vista quântico, por violar o princı́pio de incerteza de Heisenberg.
Com efeito, quanto maior for a precisão com que definimos as posições dos átomos
no cristal, menor é a precisão com que podemos conhecer as suas quantidades de
movimento, e portanto menos razoável é supô-los em repouso (p = 0).
Neste capı́tulo, vamos melhorar este modelo dos sólidos, abandonando a hipótese
da imobilidade atómica. Na nova descrição dos sólidos, considera-se que as posições
definidas pela sua estrutura microscópica são as posições de equilı́brio dos átomos
que lhes correspondem, mas supõe-se que são possı́veis pequenos deslocamentos
dessas posições, que são contrariados pelas forças interatómicas responsáveis pela
coesão do sólido.
41
42 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
X x
O primeiro termo, de ordem zero em δr, é uma constante, e como tal não desem-
penha qualquer papel na dinâmica do sólido; representa a contribuição do átomo
considerado para a energia de ligação do sólido. O termo de primeira ordem é nulo,
uma vez que é proporcional ao gradiente da energia potencial do átomo, calculado
na sua posição de equilı́brio, onde a energia potencial apresenta um valor mı́nimo.
Finalmente, o termo de segunda ordem pode ser escrito como
3 · 2 ¸
(2) 1 X ∂ φ
φ (r) = δxi δxj
2! i,j=1 ∂xi ∂xj R
3
1 X
= δxi Kij δxj , (4.2)
2 i,j=1
com
· ¸
∂2φ
Kij =
∂xi ∂xj R
A Eq. (4.2) é a expressão mais geral para a energia potencial num oscilador harmó-
nico tri-dimensional(a) . Assim, se limitarmos o nosso estudo às vibrações de pequena
amplitude, podemos tratar as interacções entre os átomos como interacções elásticas,
o que permite, como veremos, grandes simplificações.
Antes de iniciarmos o estudo das vibrações em cristais, vamos abordar o pro-
blema, mais simples, das vibrações em meios sólidos contı́nuos.
x u
F(x) F(x+δx)
x δx
Figura 4.3: Forças sobre uma porção de barra com comprimento δx.
∂u
²(x, t) = . (4.3)
∂x
Quando os deslocamentos são suficientemente pequenos é válida a aproximação
elástica, em que se verifica uma proporcionalidade simples entre a tensão σ(x, t) e
a extensão ²(x, t), em cada ponto da barra e em cada instante,
barra está sujeita a duas forças de tensão, cujas componentes segundo a direcção
longitudinal são dadas por
F (x, t) = Sσ(x, t)
∂σ
F (x + δx, t) = −Sσ(x + δx, t) ≈ −S[σ(x, t) + δx]
∂x
A resultante destas duas forças é
∂σ
δF (x, t) = −S δx
∂x
∂2u
= SY δx, (4.5)
∂x2
onde se usou já a lei de Hooke da Eq. (4.4). De acordo com a Lei Fundamental da
Dinâmica, esta força deve ser igual ao produto da massa da porção de barra em
estudo pela sua aceleração. A massa da porção considerada é facilmente calculada
a partir da densidade, ρ, como
dM = ρdV = ρSδx,
ao passo que a sua aceleração é, por definição, a dupla derivada temporal do deslo-
camento, ou seja, · 2 ¸
∂ u
a(x, t) = .
∂t2 (x,t)
Temos então, usando estas duas igualdades e a expressão da força [Eq. (4.5)], que
∂2u ∂2u
Y 2
=ρ 2. (4.6)
∂x ∂t
ou, finalmente,
∂ 2u 1 ∂ 2u
= , (4.7)
∂x2 vf2 ∂t2
com vf2 = Y /ρ, que é a conhecida equação de onda a uma dimensão(b) , que des-
creve uma onda que se propaga com velocidade vf . Podemos pois concluir que a
deformação se propaga longitudinalmente ao longo da barra, com uma velocidade
s
Y
vf = . (4.8)
ρ
u(x,t) U(x,t)
x x
0 L -2L -L 0 L 2L 3L
Figura 4.4: Continuação analı́tica de uma função definida no intervalo [0, L] a toda
a recta real.
Assim, por forma a que a análise de Fourier das soluções seja simplificada, iremos
procurar soluções da Eq. (4.7), que satisfaçam, na fronteira do sólido, a condi-
ção (4.11). Condições fronteira do tipo da expressa em (4.11) chamam-se condições
fronteira periódicas. Com esta continuação analı́tica a toda a recta real, construimos
uma função periódica de perı́odo L, que pode, portanto, ser desenvolvida em série
de funções trigonométricas, através de(c)
X
u(x, t) = ak (t)eikx . (4.12)
k
Para que esta igualdade se verifique para todos os valores de x no intervalo de [0, L],
é necessário garantir que para todos os valores de k, se tenha exp(ikL) = 1, ou seja,
2π
k= n, n = 0, ±1, ±2, ... . (4.13)
L
(c) Note-se que nesta expressão k não é um ı́ndice inteiro, mas sim o número de onda da vibração
particular ak (t)eikx ; o lado direito desta expressão deve ler-se “soma para todos os valores possı́veis
do número de onda k, de ak (t)eikx ”.
46 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
∂ 2 u(x, t) X d2 ck (t)
= eikx
∂t2 dt2
k
∂ 2 u(x, t) X
= − k 2 ck (t) eikx
∂x2
k
d2 ck (t)
vf2 k 2 ck (t) + = 0.
dt2
Esta equação diferencial admite soluções do tipo
ck (t) = ak e−iωk t ,
A dedução da equação de onda [Eq. (4.7)] não é, de forma alguma, geral. Se
tivéssemos considerado deformações transversais, terı́amos obtido a equação de
onda para ondas transversais, que envolve outros coeficientes elásticos, diferentes
do módulo de Young Y . Assim, a velocidade de fase vf das ondas transversais pode
ser diferente da das ondas longitudinais.
Neste estudo, considerámos pequena a distância, δx, entre as duas secções que
limitam a porção de meio considerado, por forma a permitir a aproximação
F (x) − F (x + δx) ∂F
= , (4.16)
δx ∂x
4.2. ONDAS MECÂNICAS EM MEIOS CONTÍNUOS 47
que só é verdade se δx for pequeno quando comparado com as distâncias envolvi-
das em variações apreciáveis de F . Uma medida destas distâncias é, para ondas
monocromáticas, o comprimento de onda. Assim, a nossa dedução é válida se
δx ¿ λ. (4.17)
Supor a distância δx pequena não é, por si só, uma aproximação, uma vez que se
trata de um parâmetro arbitrário numa construcção abstracta. No entanto, neste
cálculo desprezou-se a estrutura atómica do sólido (uma vez que o tratámos como
um meio contı́nuo), e isto só é razoável se apenas se considerarem distâncias muito
superiores àquelas em que essa estrutura microscópica se torna evidente, ou seja,
distâncias muito superiores às distâncias interatómicas tı́picas. Assim, devemos
satisfazer
δx À a, (4.18)
1 ∂ 2 ul (r, t)
∇2 ul (r, t) − =0 (4.19)
vl2 ∂t2
1 ∂ 2 ut (r, t)
∇2 ut (r, t) − = 0. (4.20)
vt2 ∂t2
(d) Se o meio não for isotrópico, o problema complica-se ainda mais, uma vez que então há três
tipos fisicamente distintos de polarização das vibrações, e a própria velocidade de propagação de
cada tipo de vibração pode ainda depender da direcção de propagação.
48 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
o que resulta, ao nı́vel das ondas planas monocromáticas, numa discretização dos
vectores de onda, apenas se aceitando aqueles que verificam
2nπ
kx = , n = 0, ±1, . . . (4.26)
Lx
2mπ
ky = , m = 0, ±1, . . . (4.27)
Lx
2lπ
kz = , l = 0, ±1, . . . . (4.28)
Lx
Os vectores de onda dos modos de vibração possı́veis num sólido contı́nuo com
forma paralelipipédica dispõem-se assim numa rede cristalina ortorrômbica com
vectores fundamentais que, escolhendo uma base convenientemente orientada, se
podem escrever como
2π
A= ex (4.29)
Lx
2π
B= ey (4.30)
Ly
2π
C= ez . (4.31)
Lz
Recordemo-nos mais uma vez que por cada um destes vectores de onda permiti-
dos há três modos de vibração, que correspondem cada um a cada uma das três
polarizações possı́veis para uma vibração num sólido tridimensional.
Como no caso unidimensional, a aproximação de sólidos contı́nuos só é razoável
se se considerarem apenas distâncias muito superiores às distâncias interatómicas
tı́picas. Assim, este estudo só é válido no limite de grandes comprimentos de onda.
Vamos agora tentar descrever oscilações com comprimentos de onda da ordem de
grandeza das distâncias interatómicas.
4.3. VIBRAÇÕES DE UM MEIO CRISTALINO 49
-3a -2a -a 0 a 2a 3a
equilı́brio, e assim, em geral, as posições que ocupam não são coincidentes com as
suas posições de equilı́brio. É conveniente introduzir as variáveis un (t), que medem,
como função do tempo, as distâncias que separam os átomos das suas posições de
equilı́brio. A posição do n-ésimo átomo num instante arbitrário t é então dada por
De acordo com a segunda lei de Newton, estas força é igual à massa, m, do átomo
em estudo, a multiplicar pela sua aceleração que, tendo em conta a Eq. (4.33), é
dada por an (t) = d2 un /dt2 . Obtemos então, finalmente, a equação de onda para
meios cristalinos
d2 un α
= [un−1 (t) − 2un (t) + un+1 (t)] . (4.37)
dt2 m
Mais uma vez, tentamos obter soluções com a forma de sobreposições de ondas
monocromáticas
un (t) = ei(kXn −ωt) . (4.38)
Substituindo esta funções em (4.37), obtemos
α h i(kXn−1 −ωt) i
− ω 2 ei(kXn −ωt) = e − 2ei(kXn −ωt) + ei(kXn+1 −ωt)
m
α i(kXn −ωt) £ −ika ¤
= e e − 2 + eika , (4.39)
m
onde se usou (4.33). Recorrendo agora à fórmula de Euler,
é fácil provar que eiθ + e−iθ = 2 cos θ. A Eq. (4.39) pode pois escrever-se como
α
ω2 = 2 (1 − cos ka). (4.41)
m
Notemos agora que
ka ka ka
cos ka = cos2 − sin2 = 1 − 2 sin2 ,
2 2 2
de forma que, substituindo em 4.41, obtemos finalmente
r ¯ ¯
α ¯¯ ka ¯¯
ω=2 sin . (4.42)
m¯ 2 ¯
k| |
w=v
f
w
m
−2π /a −π /a 0 π /a 2π /a
Figura 4.7: Relação de dispersão para as vibrações num cristal monoatómico unidi-
mensional e limite para grandes comprimentos de onda.
Este facto não nos deve espantar, pois chegamos, no estudo das vibrações dos meios
contı́nuos, à conclusão que a análise só era válida para grandes comprimentos de
onda.
A frequência máxima permitida para as vibrações longitudinais numa cadeia
monoatómica linear é r
α
ωm = 2 . (4.44)
m
De forma semelhante, poderı́amos concluir que para as vibrações transversais há
também uma frequência máxima, se bem que com valor diferente (normalmente infe-
rior) do apresentado acima, caracterı́stico das longitudinais. Então, verificamos que
não é possı́vel a propagação de ondas vibracionais numa cadeia monoatómica uni-
dimensional com frequência acima de um certo valor limite. A cadeia monoatómica
linear comporta-se assim como um filtro passa-baixo, que corta as frequências supe-
riores ao valor máximo ωm .
Uma das principais caracterı́sticas das relações de dispersão em meios cristalinos
unidimensionais [Eq. (4.41)] é o facto de ω ser uma função periódica de k, de perı́odo
2π/a, ou seja, µ ¶
2π
ω k+ = ω(k). (4.45)
a
Assim, basta-nos conhecer a função ω(k) num intervalo de amplitude 2π/a, por
exemplo, i π πi
k∈ − , , (4.46)
a a
para determinar a função ω(k) para todos os valores de k. Analisando mais detalha-
damente esta questão, o próprio significado fı́sico de números de onda k superiores a
π/a deve ser posto em causa. Com efeito, ondas planas com valores de k superiores
a π/a, k > π/a produzem deslocamentos idênticos aos produzidos por ondas planas
com valores de k no intervalo (4.46), que se obtêm do primeiro somando-lhe ou
subtraindo-lhe um múltiplo inteiro de 2π/a. Por exemplo, na Figura 4.8 represen-
tamos duas ondas planas monocromáticas num cristal monoatómico unidimensional
de parâmetro a, com diferentes números de onda k e k 0 , mas que produzem os mes-
mos deslocamentos atómicos unidimensionais, sendo pois, do ponto de vista fı́sico,
indistinguı́veis. A primeira tem comprimento de onda λ = 4a, e portanto k = π/2a;
a segunda tem k 0 = k + 2π/a = 5π/2a, e portanto λ0 = 4a/5. Os deslocamentos
52 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
k= π /2a
λ = 4a
k´=5 π /2a
λ ´= 4a/5
Figura 4.8: Deslocamentos atómicos idênticos, produzidos por duas ondas planas com
diferentes valores do número de onda. Valores de k superiores π/a não têm significado
fı́sico.
atómicos são, como podemos verificar, os mesmos; assim as duas ondas são indis-
tinguı́veis e portanto nunca é necessário considerar o valor k 0 = 5π/2a, por este ser
equivalente a k = k 0 − 2π/a = π/2a.
Note-se que a rede recı́proca de uma rede unidimensional de parâmetro a é uma
rede unidimensional de parâmetro A = 2π/a. Uma célula unitária de Wigner-Seitz
(veja a Secção 2.2) da rede recı́proca deste cristal é uma porção de espaço-k compre-
endida entre −A/2 e A/2, ou seja, −π/a e π/a. Dá-se o nome de primeira zona de
Brillouin à célula unitária de Wigner-Seitz da rede recı́proca. O que acabámos de
ver foi que podemos restringir a relação de dispersão à primeira zona de Brillouin,
pois os valores de k no seu exterior produzem efeitos equivalentes, dada a perio-
dicidade da relação de dispersão. Esta periodicidade pode ser expressa na forma
un (t) = ei(kna−ωt)
= ei(±nπ−ωt)
= cos(nπ)e−iωt , (4.48)
que não é mais que a equação de uma onda estacionária onde átomos consecutivos
movem-se em oposição de fase, porque cos(nπ) = ±1 consoante o número inteiro
n é par ou impar. Como podemos verificar, não se distinguem os deslocamentos
produzidos por ondas com vector de onda k = −π/a e k = π/a, ficando assim
(f) “vector”aparece entre aspas porque temos estado a lidar com situações unidimensionais.
4.3. VIBRAÇÕES DE UM MEIO CRISTALINO 53
a/2
A B A B
Xn(A) = na
Xn(B) = (n + 1/2)a,
uB uA
n uB
n uA
n-1 n+1
(g) Esta suposição não é necessária para a presente discussão, mas simplifica ligeiramente o for-
ω (s )
-1
-π/a -π/2a 0 π/2a π/a
-1
k (m )
Figura 4.11: As relações de dispersão para os dois modos vibracionais (ambos longi-
tudinais) de uma cadeia biatómica linear. A curva que tem um máximo para k = 0
respeita ao modo óptico; a outra é a do modo acústico.
ou seja, se
µ ¶
ka
mA mB ωk4 − 2α(mA + mB )ωk2 + 4α2 1 − cos2 = 0,
2
ou ainda, recorrendo à igualdade fundamental da trigonometria,
ka
mA mB ωk4 − 2α(mA + mB )ωk2 + 4α2 sin2 = 0. (4.56)
2
Esta equação de segundo grau (em ωk2 ) admite as seguintes duas soluções:
sµ ¶2
m A + m b mA + mB 4 ka
2
ωk = α ±α − sin2 . (4.57)
mA mB mA mB mA mB 2
Vemos assim que para cada valor de k há em geral duas frequências possı́veis , cujas
representações gráficas estão esboçadas na Figura 4.11. Uma das soluções (a que se
anula para k = 0) tem o nome de ramo acústico; a outra (que apresenta um máximo
para k = 0) designa-se por ramo óptico. A existência de dois comportamentos
vibracionais distintos, com relações de dispersão diferentes, é uma caracterı́stica
dos cristais biatómicos reais.
un,k0 (t) = A ei(k·Rn +G·Rn −ωt) = A ei(k·Rn −ωt) = un,k (t), (4.62)
A
k =
Na
(Na + 1)
k0 = A + B,
Na
correspondem a modos de vibração idênticos. Quando escrevemos os deslocamen-
tos atómicos como conbinação linear de ondas planas monocromáticas, devemos ter
em atenção este facto e evitar, nos desenvolvimentos, este tipo de sobreposições.
Basta, para tal, considerar apenas vectores de onda, k, no interior de uma única
célula unitária primitiva da rede recı́proca, sendo a escolha mais usual a da célula
4.4. A DENSIDADE DE MODOS DE VIBRAÇÃO 57
2π
k= n, n = 0, ±1, ±2, ... . (4.63)
L
Estas condições fronteira foram pela primeira vez introduzidas por Born e Von
Kármán. Podemos mais facilmente interpretá-las se imaginarmos que a cadeia linear
de átomos e molas forma uma circunferência fechada em que o primeiro átomo da
cadeia coincide com o último.
Suponhamos que estamos interessados em determinar quantos valores de k,
aceitáveis nos termos que acabámos de referir, existem num intervalo dk do “espaço-
k”. De acordo com (4.63), a separação entre modos de vibração contı́guos (ou seja,
entre k 0 s vizinhos) é de δ = 2π/L. O número de modos no intervalo dk é pois,
dk L
dn = = dk. (4.64)
δ 2π
58 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
Assim, usando a relação de dispersão (4.14) (por simplicidade, vamos para já res-
tringir o estudo a grandes valores do comprimento de onda), este resultado pode
ser expresso em termos da frequência ω, já que
dk 1 1
dk = dω = dω = dω. (4.65)
dω dω/dk vf
Obtemos então dn = L/(2πvf )dω, mas este resultado ainda tem que ser multiplicado
por 2, já que a cada valor de ω correspondem dois valores de k, dados por k =
±ω/vf . Resumindo, obtemos,
L
dn = dω. (4.66)
πvf
Esta equação permite-nos calcular o número de modos de vibração, dn, existentes
no intervalo de frequência dω. Dá-se o nome de densidade de modos de vibração à
derivada dn/dω. Neste caso, a densidade de modos de vibração é
L
g(ω) = . (4.67)
πvf
Vejamos agora o caso tridimensional, aceitando ainda o limite de grandes com-
primentos de onda, em que o comportamento dos cristais é semelhante ao dos
meios contı́nuos. Consideremos um sólido com forma paralelipipédica como o da
Secção 4.2.1, com dimensões Lx , Ly e Lz . As condições fronteira periódicas para
este sólido resultam nas condições de quantização apresentadas nas equações (4.26)–
(4.28), segundo as quais os vectores de onda k permitidos formam um rede crista-
lina definida pelos vectores apresentados em (4.29)–(4.31). Esta rede cristalina tem
células unitárias primitivas com volume (2π)3 /V , onde V = Lx Ly Lz é o volume do
sólido considerado. Assim, cada ponto desta rede (ou seja, cada vector de onda k)
tem disponı́vel o “volume” de espaço-k
(2π)3
δ3 = . (4.68)
V
Numa esfera de raio k, cujo volume é 4πk 3 /3, existem
4 3
3 πk V 4π 3
n= 3 = 3k , (4.69)
(2π)
V
(2π) 3
V ω 2 dω
dn = ,
2π 2 vf vf
de onde resulta a seguinte expressão para a densidade de modos de vibração:
V ω2
g(ω) = . (4.70)
2π 2 vf 3
Note-se que nesta expressão apenas estamos a considerar que a cada valor do vector
de onda k corresponde apenas um modo de vibração. Em geral isto não é verdade,
4.4. A DENSIDADE DE MODOS DE VIBRAÇÃO 59
ky
kx
u1
u
uL
u2
k
3V ω 2
g(ω) = . (4.71)
2π 2 vf 3
Logo, devemos concluir que (4.71) não é, em geral, rigorosamente válida (ver o
problema 4 no fim deste capı́tulo).
Para obtemos a densidade dos meios cristalinos, devemos usar a relação de
dispersão válida em cristais, ou seja, algo que esteja mais próximo de (4.42) do que
de (4.14). Mas adaptar simplesmente a relação de dispersão (4.42) é um método
“perigoso”, pois todo este formalismo supõe o meio isotrópico. Ora um sólido só se
pode considerar isotrópico caso se despreze a sua estrutura cristalina, como deve,
nesta altura, ser claro.
CV
3R
α T3
0 T
Note-se que, para além de átomos “presos” às suas posições de equilı́brio, os
sólidos podem também conter electrões práticamente livres no seu interior, de acordo
com o modelo clássico dos metais. Esta possibilidade introduz um termo adicional
na análise que vamos agora desenvolver, que não será tomada em linha de conta.
Assim, o que se segue é válido apenas para sólidos isoladores, e o problema do calor
especı́fico dos condutores será abordado mais adiante, no próximo capı́tulo destes
apontamentos.
Consideremos, então, cada átomo como um oscilador harmónico tridimensional.
É bem sabido que um oscilador harmónico tridimensional se pode descrever como
a reunião de três osciladores unidimensionais independentes. Podemos então, em
resumo, tratar um sólido com N átomos como um conjunto de 3N osciladores
harmónicos unidimensionais. Considerando o sólido em equilı́brio termodinâmico,
todos estes osciladores devem ter a mesma energia média hεi. A energia total do
sólido é então
E = 3N hεi. (4.73)
A energia de cada oscilador, ε, pode ser calculada recorrendo à fı́sica estatı́stica.
A probabilidade de que um oscilador harmónico unidimensional, em equilı́brio ter-
modinâmico com um ambiente à temperatura T , esteja num estado com energia
compreendida entre os valores ε e ε + dε é dada pela lei de Boltzman:
− k εT
dP (ε) = f (ε)dε = Ae B dε, (4.74)
Daqui resulta
1
A= . (4.76)
kB T
Podemos identificar a energia de cada oscilador no sólido com o calor expectável da
energia, ou seja
Z Z ∞
1 − ε
hεi = f (ε)εdε = dε εe kB T . (4.77)
kB T 0
hεi = kB T . (4.78)
E = 3N kB T . (4.79)
Refira-se que este resultado poderia ter sido obtido de forma equivalente usando o
Teorema da Equipartição da Energia, de acordo com o qual cada termo quadrático
na expressão da energia de um sistema de muitas partı́culas idênticas contribui com
kB T /2 para a energia média do sistema em equilı́brio termodinâmico à temperatura
T ; neste caso em que cada partı́cula do sistema é um oscilador harmónico, temos,
por cada uma, seis termos quadráticos na energia, três para a energia potencial
[k(x2 + y 2 + z 2 )/2] e outros três para a energia cinética [m(vx2 + vy2 + vz2 )/2], ou seja,
uma contribuição de 6 × kB T /2 = 3kB T para a energia média do sistema. Uma
(i) k = 1, 381 × 10−23 J/K
B
62 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
adamente naquele que aqui mais nos interessa, o problema do calor especı́fico dos
sólidos.
Suponhamos que, tal como o campo electromagnético, também o campo dos
deslocamentos dos constituintes de um sólido está quantizado, no sentido em que as
trocas de energia mecânicas entre estes constituintes só são possı́veis em quantidades
múltiplas de hν, onde ν é a frequência das oscilações com que estão animados. Esta
suposição parece indicar a existência de uma partı́cula à qual se dá o nome de fonão
que tem uma energia hν, e que é trocado entre os átomos do sólido, aumentando ou
diminuindo a energia das suas oscilações. De acordo com esta hipótese, a energia
mecânica de cada átomo já não pode ser considerada uma variável continua, antes
tomando valores de um conjunto discreto, distanciados entre si de ~ω (k) (ver a
Figura 4.15). O valor mı́nimo da energia, representado na Figura 4.15 por ε0 ,
ε o+nhw
ε o+3hw
ε o+2hw
ε o+ hw
ε o= 1 hw
2
E = 3N hεi. (4.81)
(k) ~ω = hν
64 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
ou seja,
∞
X
Be−βεn = 1, (4.84)
n=0
e portanto
1
B = P∞ −βεn
. (4.85)
n=0 e
O valor numérico desta constante não é um resultado particularmente interessante,
mas pode facimente ser determinado. Usando a expressão da energia, o somatório
no denominador em (4.85) pode ser escrito como
∞
X ∞
X
1
e−βεn = e− 2 β~ω (e−β~ω )n , (4.86)
n=0 n=0
CV (T) /3R
1
0.8
0.6
0.4
0.2
0 T/θE
0 0.5 1 1.5 2 2.5
nas secções 4.2 e 4.2.1. Os formalismos aı́ apresentados podem ser aplicados aqui,
considerando (mais uma vez) desenvolvimentos em série de Fourier dos deslocamen-
tos sofridos por cada átomo.
Consideramos os movimentos atómicos como uma sobreposição de ondas mono-
cromáticas, de frequência ω e vector de onda k que, seguindo o trabalho de Debye,
satisfazem a relação de dispersão das ondas de som em meios contı́nuos isotrópicos,
ω = vf |k| . (4.100)
A energia total de um cristal não é, neste caso, dada por E = 3N ε̄(ω) como no
modelo de Einstein, porque estão presentes várias frequências. Devemos antes cal-
cular a energia do cristal somando a energia de cada um dos modos de vibração
presentes no desenvolvimento em série de Fourier dos deslocamentos atómicos. Mas
cada modo de vibração, com uma dada frequência, tem a energia média igual à
do oscilador harmónico quântico unidimensional que “oscile”com essa frequência,
energia essa dada por (4.94). A energia total do sólido pode então ser calculada
como
X
E= ni ε̄(ωi ), (4.101)
ωi
O limite superior de integração ωD deve ser finito, pois substituindo g(ω) e ε̄(ω) pe-
las suas expressões obtemos em (4.102) um integral que, com ωD → ∞, é divergente.
Antes de prosseguirmos, vamos determinar o valor de ωD .
Um cristal com N átomos é um sistema com 3N graus de liberdade, que são as
3N componentes das posições de todos os átomos que o formam. Podemos, numa
abordagem microscópica, indicar o deslocamento de cada um dos átomos, através
do valor das 3N quantidades
onde n1 tem o significado que lhe foi atribuı́do em (4.101). A frequência de Debye,
ωD , que aparece em (4.102) é determinada de forma a assegurar que o número de
graus de liberdade macroscópicos (número de ondas planas permitidas) é igual ao
número de graus de liberdade microscópicos (3 vezes o número de átomos), como
acabou de ser discutido. Substituindo o somatório em (4.104) por um integral [como
na passagem de (4.101) para (4.102)] obtemos
Z ωD
dωg(ω) = 3N. (4.105)
0
CV = 3R, (4.112)
como esperado. Por outro lado, no limite oposto, em que T → 0, o limite superior
do integral em (4.110) tende para infinito. Podemos então escrever
µ ¶3 Z ∞
T x4 ex
CV ' 9R dx 2 (4.113)
θD 0 (ex − 1)
(l)
R ∞ Apesar
4 x x
desta informação não ser particularmente relevante para esta discussão, o seu valor é
−2 dx = 4π 4 /15.
0 x e (e − 1)
70 CAPÍTULO 4. VIBRAÇÕES EM CRISTAIS
25
20 Debye
-1
CV (T)/JK mol
Einstein
15
-1
10
0
0.25 0.5 0.75 1 1.25 1.5 1.75 2
T/θ
PROBLEMAS
4.1 (a) Deduza a densidade de modos de vibração para um meio contı́nuo isotrópico
tridimensional em que a velocidade de polarização longitudinal é diferente
da transversal, e indique (em função destes) qual seria a frequência máxima
de oscilação associada aos osciladores harmónicos no modelo de Debye.
(b) Determine a temperatura de Debye para o alumı́nio, sabendo que as ve-
locidades de polarização longitudinal e transversal das ondas acústicas no
meio são vL = 6374 m/s e vT = 3111 m/s respectivamente. Considere a
densidade do alumı́nio de 6, 02 × 1028 átomos por metro cúbico.
(c) Usando a tabela abaixo, determine a temperatura de Einstein e de Debye do
alumı́nio a partir do valor experimental de Cv = 13, 0 J K−1 mol−1 obtido à
temperatura de 100 K. Os valores apresentados estão expressos em unidades
T
SI, como função da temperatura adimensional Θ segundo o modelo de
Einstein e de Debye.
25 (E) (D)
T /Θ Cv Cv
∞ 24,94 24,94
1,000 23,75 22,96
20 0,500 20,59 18,06
Debye 0,333 16,53 12,38
0,250 12,55 7,58
15 Einstein
0,200 9,20 4,26
0,167 6,63 2,24
0,143 4,76 1,12
Cv
4.2 Como pode justificar o baixo valor do calor especı́fico do diamante à temperatura
ambiente?
4. Problemas 71
4.3 É possı́vel fazer um modelo das vibrações longitudinais de uma cadeia de polieti-
leno,
−CH = CH − CH = CH − CH =,
considerando uma cadeia de massas idênticas, m, ligadas por molas de constantes
alternadas α1 e α2 , conforme ilustrado na figura seguinte.
a
d
α1 α2 α1 α2
un = Aei(kXn −ωt)
Metais I: modelos de
electrões livres
No universo dos sólidos os metais têm uma importância prática especial. As suas
propriedades tornaram-nos particularmente úteis num grande número de aplicações,
ao longo de parte importante da história da humanidade. O estudo dos metais tem
pois um grande interesse, na área mais geral da fı́sica dos sólidos.
Entre as muitas propriedades interessantes dos metais, podemos referir: baixos
pontos de fusão; grandes condutividades eléctricas e térmicas; altas densidades de
massa; grande resistência estrutural; boa reflectividade óptica.
Vamos agora passar à descrição de algumas destas propriedades a partir dos
princı́pios da fı́sica. O facto de os metais conduzirem bem calor e electricidade
leva-nos a pensar que alguns dos electrões dos átomos que os constituem se podem
deslocar grandes distâncias no seu interior, quando comparadas com as distâncias in-
teratómicas tı́picas. Neste capı́tulo, vamos estudar estes electrões como sendo livres,
isto é, supondo que as interacções que sofrem (com outros electrões de condução e
com os iões que formam a rede cristalina) são tais, e de tal forma distribuı́das, que,
em média, se cancelam.
5.1 Introdução
As ligações quı́micas entre dois (ou mais) átomos são estabelecidas por deformação
das nuvens electrónicas desses átomos. Evidentemente, esta deformação é mais
pronunciada nos estados electrónicos mais fracamente ligados a cada um dos átomos,
de tal forma que podemos dizer (cometendo um erro que, na esmagadora maioria
das aplicações, é desprezável) que apenas estes estados participam na ligação. Aos
electrões que ocupam estes estados dá-se o nome de electrões de valência.
Nos metais, a ligação quı́mica envolve normalmente um grande número de
átomos (1020 , ou mais) e esta deformação das camadas exteriores da nuvem electró-
nica de cada átomo é particularmente pronunciada, ficando distribuı́das por toda a
extensão do metal. Os electrões que ocupam estas camadas podem assim mover-se
ao longo de distâncias com ordem de grandeza macroscópica.
Um cristal metálico consiste pois num arranjo periódico de iões positivos, imerso
num “gás” de electrões. Naturalmente, os electrões interagem uns com os outros e
com os iões da rede, mas podemos supor que as forças que sentem, estando mais
ou menos distribuı́das em todas as direcções, se cancelam globalmente, sendo nula
a sua resultante. Esta aproximação, apesar de claramente grosseira, permite, como
veremos, obter alguns resultados em bom acordo com os factos experimentais, pelo
menos a nı́vel qualitativo.
73
74 CAPÍTULO 5. METAIS I: MODELOS DE ELECTRÕES LIVRES
tem, a altas temperaturas, o valor definido pela lei de Dulong e Petit, ou seja 3R.
Veremos mais adiante que esta deficiência do modelo pode ser resolvida analisando
quanticamente as propriedades do gás de electrões.
j = σE. (5.8)
A lei de Ohm tem um aspecto que, à primeira vista, pode parecer perturbador. É
que a força exercida pelo campo eléctrico sobre os electrões vale −eE, onde e é o
módulo da carga do electrão; assim, o lado direito da equação (5.8) é proporcional
à força que actua sobre os electrões. Por outro lado, a densidade de corrente j é
dada por
j = ρl ṽ (5.9)
onde ρl é a densidade de carga livre e ṽ é a velocidade média das cargas, neste
caso, dos electrões; o lado esquerdo de (5.8) é então proporcional à velocidade
dos electrões. Mas então a equação (5.8) traduz uma proporcionalidade entre a
velocidade dos electrões e a força que neles actua, em contradição aparente com o
previsto pela segunda lei de Newton(b) (força proporcional à aceleração).
De facto, esta situação não constitui um paradoxo, e é até relativamente fre-
quente na natureza. Por exemplo, o movimento de queda de um paraquedista é,
segundos após o pára-quedas se abrir, uniforme (e não uniformemente acelerado) e
o valor da velocidade é tanto maior quanto maior for o peso do paraquedista, ou
seja, quanto maior for a força que o impele para o solo. Neste exemplo (e nou-
tros que poderiam ser citados) está presente, para além da força mais directamente
responsável pelo movimento (a força gravı́tica), uma resistência ao movimento por
parte do meio onde ele se realiza. No caso dos electrões nos condutores esse meio é
(a) A condutividade é o inverso da resistividade, e ambos os parâmetros são uma medida da
qualidade intrı́nseca (isto é, independente de factores geométricos) dos materiais como suportes da
condução eléctrica — Um material (como o cobre, por exemplo) com uma elevada condutividade,
ou baixa resistividade, é um bom condutor de electricidade, mesmo que uma amostra concreta
desse material (por exemplo, um fio muito longo e/ou muito fino) apresente um grande valor da
resistência eléctrica.
(b) Note-se que, num tratamento clássico como o presente, as leis da mecânica de Newton devem
o cristal. No seu movimento no cristal, os electrões podem por vezes sofrer colisões
com com os iões que o formam, comunicando-lhes parte da energia cinética que
obtiveram sob acção do campo.
Tentemos descrever quantitativamente este processo. Consideremos o movi-
mento dos electrões que formam o gás em equilı́brio termodinâmico na ausência,
para já, de campos eléctricos aplicados. A uma temperatura T 6= 0, a energia
cinética média dos electrões, correspondente ao movimento caótico de agitação
térmica, dada pelo teorema de equipartição da energia de Boltzmann, tem o va-
lor de ε = 3kB T /2. A média dos módulos das velocidades, ṽ0 , dos electrões que
compõem a nuvem condutora nos metais é pois
r
3kB T
ṽ0 = , (5.10)
me
E=0 E
deslocamento electrónico
(a) (b)
os sentidos, de forma que a sua média vectorial, ṽ 0 , é nula. A velocidade média dos
electrões sob a acção do campo eléctrico é pois
−eE
ṽ = τ. (5.12)
me
Multiplicando a velocidade média que acabámos de obter pela densidade de carga
de condução,
ρl = −ne, (5.13)
onde n é a densidade de electrões de condução, obtemos a densidade de corrente
eléctrica,
ne2 τ
j= E. (5.14)
me
Mas esta equação tem a forma da lei de Ohm (5.8), com a condutividade eléctrica
dada por
ne2 τ
σ= . (5.15)
me
Podemos estimar o tempo de relaxação de um metal usando valores tabelados da
condutividade eléctrica e da densidade electrónica. A Tabela 5.1 apresenta alguns
valores.
O tempo de vida livre dos electrões nos metais é, como podemos verificar a partir
da Tabela 5.1, extremamente curto. Durante um intervalo de tempo tão pequeno,
a variação no módulo da velocidade dos electrões provocada pela acção de campos
eléctricos tı́picos (de alguns volts por metro) é, certamente pequena. Podemos
pois considerar que o valor do módulo da velocidade dos electrões é, em média, o
calculado a partir do princı́pio de equipartição da energia, ṽ ≈ 105 m/s. Durante
um intervalo de tempo τ ≈ 10−14 s, os electrões percorrem uma distância(d) de cerca
de 10−9 m= 10 Å, que é da ordem de grandeza das distâncias interatómicas. Este
resultado apoia a suposição de Drude de que os electrões sofrem colisões com os
iões.
De acordo com o princı́pio de equipartição da energia, o valor médio do módulo
da velocidade de agitação térmica, ṽ, diminui com a temperatura. Supondo que
o caminho médio livre, λ̃, não depende fortemente da temperatura, o tempo de
relaxação, τ = λ̃/ṽ, deve crescer com a diminuição da temperatura. Assim, con-
cluimos que a condutividade dos metais depende da temperatura de acordo com
ne2 λ̃
σ=√ . (5.16)
3me kT
Ou seja, a condutividade dos metais é maior a baixas temperaturas, o que de facto
se verifica experimentalmente, com a excepção de uma classe importante (em vista
das aplicações industriais) de materiais — os semi-condutores.
(d) Esta distância tem a designação habitual de “caminho médio livre”.
78 CAPÍTULO 5. METAIS I: MODELOS DE ELECTRÕES LIVRES
Devemos reconhecer agora que este acordo com resultados experimentais é, ape-
nas, qualitativo, já que, para a maioria dos metais, a condutividade depende da
temperatura de forma mais pronunciada do que a patente na Eq. (5.16).
i
B
FM
- +
- +
- +
- v +
- +
-
EH +
(à direita na figura), numa região onde está definido um campo magnético B,
perpendicular ao plano da placa condutora. A velocidade dos electrões (oposta ao
sentido da corrente) está representada na figura como v. Ao moverem-se numa
região onde está definido um campo magnético, os electrões sentem uma força F M ,
dada por
F M = −ev × B, (5.17)
e como tal, sofrem uma aceleração para a esquerda (na figura), acumulando-se assim
carga de sinal negativo deste lado da placa. Em contrapartida, no lado direito
sente-se um defeito de carga de sinal negativo, ou seja, o lado direito fica carregado
positivamente. Em resultado desta assimetria na distribuição de carga, no interior
da placa metálica estabelece-se um campo eléctrico E H , chamado campo de Hall.
Atinge-se uma situação estacionária quando a força eléctrica, F H = −eE H , for
igual (e, claro, oposta) à força magnética, ou seja quando
T1 T2
T1 T2
+ v -
+ -
T1 > T2 + ET -
Vc V
A
++ − − Vc
nA nB
+ + − −e
nA > nB A B
Figura 5.4: Potencial de contacto na junção de dois metais com diferentes concen-
trações electrónicas nA e nB e gráfico (à direita) do potencial electrostático na zona
da junção.
eléctrico criado por esta redistribuição de cargas contraria a sua contiuação in-
definida, estabelecendo-se um estado de equilı́brio dinâmico em que o gradiente
da concentração electrónica (que favorece a continuação do processo de difusão)
é compensado pelo campo eléctrico resultante. Chama-se potencial de contacto à
diferença de potencial associada a este campo eléctrico. A grandeza do potencial de
contacto depende das concentrações de carga resultantes deste processo de migração
electrónica. Ou seja, o potencial de contacto é tanto maior quantos mais electrões
tiverem sido difundidos do metal com maior concentração electrónica para o outro.
Ora, quanto maior a temperatura, maior a energia cinética média dos electrões de
condução, logo, maior o número de electrões com energia suficiente para ultrapassa-
rem a barreira de potencial na junção. Ou seja, quanto maior a temperatura, maior
o potencial de contacto na junção dos dois metais.
Este efeito é aproveitado para a construcção de termómetros, chamados termó-
metros de termopar. Um esquema simplificado da construcção destes termómetros
encontra-se representado na Figura 5.5. Basicamente, estes termómetros consistem
num circuito constituido por dois ramos de metais diferentes. Nas duas junções (A e
80 CAPÍTULO 5. METAIS I: MODELOS DE ELECTRÕES LIVRES
A B
VA C D VB
V
modelo clássico têm origem nas particularidades estatı́sticas dos objectos quânticos,
e, mais em particular, dos fermiões, classe de partı́culas que engloba os electrões.
A classe dos fermiões é constituı́da pelas partı́culas com momento angular intrı́n-
seco (ou spin) semi-inteiro (isto é, 1/2, 3/2, etc.) e que satisfazem o Princı́pio
de Exclusão de Pauli, segundo o qual dois fermiões idênticos não podem ocupar
simultaneamente o mesmo estado quântico(e) . O Princı́pio de Exclusão de Pauli é
incompatı́vel com a distribuição de Maxwell-Boltzmann, verificando-se antes que os
fermiões satisfazem uma distribuição diferente (sendo a diferença particularmente
notória a baixas temperaturas), com o nome de distribuição de Fermi-Dirac.
~2 2
− ∇ φ (r) + V (r)φ (r) = εφ (r) , (5.20)
2m
onde φ (r) é a parte da função de onda que depende da posição dos electrões, v (r)
é a sua função de energia potencial, ε é a energia do estado definido pela função de
onda φ e ∇ é o operador gradiente, que, como é bem sabido, é dado por
∂ ∂ ∂
∇ = ex + ey + ez ,
∂x ∂y ∂z
2 2 2
∂ ∂ ∂
∇2 = + 2 + 2,
∂x2 ∂y ∂z
usando coordenadas cartesianas. Uma vez que neste tratamento os electrões são
considerados livres, a sua energia potencial deve ser constante(f) , e podemos escolhê-
-la igual a zero. Assim a equação (5.20) reduz-se a
~2 2
∇ φ (r) + εφ (r) = 0. (5.21)
2m
As soluções desta equação são da forma
estados quânticos diferentes apresentam um mesmo valor de energia electrónica, então esse nı́vel
pode estar ocupado por dois electrões.
(f) Ao nı́vel quântico, as forças são sempre conservativas, isto é, podem ser obtidas como gradiente
p = ~k. (5.25)
1 1
φk (r) = √ eik·r = √ eik·[(x+L)ex +yey +zez ]
V V
1 ik·[xex +(y+L)ey +zez ]
= √ e
V
1 ik·[xex +yey +(z+L)ez ]
= √ e ,
V
de onde resultam as equações de quantização para o vector de onda, k,
2π
kx = n
L
2π
ky = m (5.27)
L
2π
kz = l,
L
com n, m, l inteiros arbitrários. Só os vectores de onda k cujas componentes
satisfazem (5.27) são permitidos para os electrões de condução no metal. Estes
vectores definem uma rede cúbica simples, de parâmetro 2π/L.
Lx
U=∞
Lz
U=0
y
x Ly
Os estados quânticos dos electrões são identificados pelos valores das componen-
tes do vector de onda k, e pela orientação do seu spin, que, neste caso(i) , só pode
tomar dois valores, com os nomes “para cima” (ou up, do inglês) e “para baixo” (ou
down). O princı́pio de exclusão de Pauli proı́be que dois fermiões idênticos ocupem
o mesmo estado quântico, de forma que pode haver, no máximo, dois electrões com
o mesmo vector de onda k: um com spin up, o outro com spin down.
4πk 2 dk
dn = 2 ×
(2π)3 /V
k2
= V dk. (5.28)
π2
A relação de dispersão (ou seja, a relação entre a energia e o vector de onda) é a
expressa em (5.24), de onde obtemos por diferenciação
~2
dε = k dk. (5.29)
m
Substituindo em (5.28) resulta
V m
dn = k dε
π 2 ~2
V √ 3
= 2m ε dε, (5.30)
π 2 ~3
onde se usou (5.24) para substituir k. A função densidade de estados é então
V √
g(ε) = 2m3 ε. (5.31)
π 2 ~3
caracterizado por um dado vector de onda k e uma dada orientação de spin, estado
esse a que corresponde uma certa energia, ε, do electrão que o ocupa. O conjunto
dos electrões de valência num metal define o gás de fermiões de condução, gás esse
que também é caracterizado por estados, mas que são agora estados colectivos, no
sentido em que as suas propriedades se podem determinar a partir das dos estados
individuais ocupados por cada um dos electrões que formam o gás.
O estado fundamental do gás de electrões é aquele que, de entre todos os esta-
dos possı́veis, apresenta o menor valor para a energia. Logo, neste estado, todos
os electrões que formam a nuvem de condução devem ocupar estados individuais
com uma energia o menor possı́vel. Do ponto de vista clássico, estes estados são
aqueles em que os electrões se encontram imóveis, e portanto apresentam o valor
mı́nimo para a sua energia cinética, ou seja, zero. No entanto, quanticamente esta
situação é impossı́vel. Com efeito, estando todos os electrões imóveis, todos apre-
sentam vector de onda k = 0. Ora, já notámos que o princı́pio de exclusão de Pauli
não permite mais do que dois electrões com o mesmo vector de onda, cada um com
sua orientação de spin. O quadro clássico para o estado fundamental de um gás de
electrões é pois, à luz da mecânica quântica, uma impossibilidade. Sendo assim, o
estado fundamental de um gás de fermiões deve ser construido ocupando, com os
electrões de condução, estados quânticos individuais de energias progressivamente
mais elevadas, começando pelos de menor energia, até que todos os electrões de
condução estejam desta forma “estacionados”. Uma vez que a energia dos estados
electrónicos depende apenas do módulo do vector de onda, devemos, nesta cons-
trução, preencher primeiro estados caracterizados por vectores de onda de módulo
menor.
O conjunto dos estados electrónicos ocupados no estado fundamental de um gás
de electrões define, no espaço-k, uma região com a forma de uma esfera: todos
os estados electrónicos com módulo do vector de onda, k, menor que um certo
limiar kF estão ocupados; os restantes, com k ≥ kF , apresentam-se desocupados.
A esta esfera, que representa o estado fundamental de um gás de fermiões (neste
caso, electrões de condução num metal) dá-se o nome de esfera de Fermi ; ao raio
desta esfera, dá-se o nome de raio de Fermi ; chama-se energia de Fermi ao valor
da energia dos electrões que ocupam estados na superfı́cie da esfera de Fermi, e,
evidentemente, relaciona-se com o raio de Fermi através de
~2 2
εF = k ; (5.32)
2m F
já que no lado esquerdo temos o número total de electrões e, à direita, o número
total de estados electrónicos ocupados. Substituindo em (5.33) o resultado (5.31),
5.4. O MODELO DE SOMMERFELD 85
Tabela 5.2: Valores das grandezas “de Fermi” para alguns elementos.
obtemos
√ Z
N 2m3 εF √
n≡ = 2 3
dε ε
V π ~ 0
p
2 2m3 ε3F
= , (5.34)
3 π 2 ~3
onde se representou por n a densidade electrónica. De (5.34), podemos determinar
o valor da energia de Fermi (supondo conhecido valor da densidade electrónica),
a partir do qual se calcula facilmente o valor de kF , TF , etc. Para a maioria dos
metais, a energia de Fermi apresenta valores de cerca de alguns eV(j) .
O estado fundamental do gás de electrões de condução só pode ser produzido
experimentalmente a uma temperatura de zero Kelvin (ou muito próxima deste
limite) uma vez que, a temperaturas mais elevadas o número de fonões no metal
é elevado, e estes podem comunicar energia à nuvem electrónica, excitando alguns
electrões para fora da esfera de Fermi.
lim µ = εF . (5.37)
T →0
1
6000 K
3000 K
600 K
0 K
0.8
0.6
0.4
0.2
0
0 2 4 6 8 10
·Z εF ¸ ·Z ∞ ¸
N= dε g(ε) = dε f (ε) g(ε) . (5.38)
0 T =0 0 T >0
O cálculo do primeiro termo de (5.38) já foi efectuado atrás em (5.34). O segundo
termo pode ser calculado usando a aproximação de Sommerfeld. Nesta aproximação
começamos por calcular o integral
Z ∞
N= dε f (ε) g(ε), (5.39)
0
(k) ε (T ), corresponde ao nı́vel de fermi para T > 0 K, que por definição é o nivél energético com
F
50% de probabilidade de ocupação.
88 CAPÍTULO 5. METAIS I: MODELOS DE ELECTRÕES LIVRES
1 T=0K
f(ε) g(ε )
0.6
0.4
T>0K
0.2
0 ε ε
F
em que
Z
G(ε) = dε g(ε)
ε
V 3
= (2mε) 2 (5.40)
3~3 π 2
é a primitiva da função densidade de estados. Atendendo às propriedades da função
de distribuição de Fermi-Dirac, temos que quando a energia ε → ∞ a função
f (ε) → 0, e quando a energia ε = 0 a a função f (ε) = 1 e G(ε) = 0. Deste
modo (5.39) reduz-se a Z ∞
N =− dε G(ε) f 0 (ε). (5.41)
0
A derivada da função de Fermi-Dirac, f 0 (ε), vai ter um papel importante neste
cálculo, pois vai-nos permitir fazer um aproximação bastante razoável. Vejamos,
derivando (5.36) obtemos
(ε−εF )
0 e kB T
f (ε) = − (ε−εF )
. (5.42)
kB T (e kB T
+ 1)2
A função (5.42) tem a forma de função delta-Dirac, δ(εF ), quando T → 0 K (de-
rivada da função degrau) e é aproximadamente uma função delta-Dirac de largura
finita quando T > 0 K (ver Figura 5.9). Tendo em conta que o nı́vel de Fermi é
ordens de grandeza superior que às energias disponı́veis para os fermiões poderem
mudar de estado, a função (5.42) só tem valor expressivo na vizinhança da energia
de Fermi. Assim, será válido fazer uma aproximação em série de Taylor da função
G(ε) em torno da energia de Fermi, εF , que desenvolvida até à segunda ordem pode
ser escrita do seguinte modo,
1
G(ε) = G(εF ) + (ε − εF )G0 (εF ) + (ε − εF )2 G00 (εF ) + O(ε − εF )3 , (5.43)
2
5.4. O MODELO DE SOMMERFELD 89
f( ε ) -f´( ε)
1
T=0 K
T>0 K
1/2
εF ε εF ε
(a) (b)
onde O(ε−εF )3 representa os termos de ordem superior que vamos nesta abordagem
desprezar. Aplicando (5.43) em (5.41) resulta,
Z ∞ Z ∞
0 0
N = −G(εF ) dεf (ε) − G (εF ) dεf 0 (ε)(ε − εF )
0 0
Z ∞
1
− G00 (εF ) dεf 0 (ε)(ε − εF )2 . (5.44)
2 0
porque εF >> kB T .
O segundo integral em (5.44), após a mudança de variável (5.45) pode ser escrito
da seguinte forma, Z ∞
ex x
kB T dx x =0 (5.47)
−∞ (e + 1)2
o que é esperado já que a função de Fermi-Dirac é assimétrica em relação ao nı́vel
de Fermi, εF , e consequentemente o resultado da integração da sua derivada, f 0 (ε)
com qualquer função impar, como é o caso da função integranda e em (5.47) e de
todos os termos de ordem impar da expansão de Taylor (5.43), é nulo.
Finalmente para o terceiro integral em (5.44) obtemos, após a mudança de
variável (5.45), um valor que é função da temperatura,
Z ∞
2 ex x2 2π
2
(kB T ) dx x = (kB T ) (5.48)
−∞ 2(e + 1)2 6
logo o número total de electrões, N , em (5.51) anula-se e ficamos com uma expressão
que relaciona, o nı́vel de Fermi no zero absoluto, com o nı́vel de Fermi a uma
temperatura diferente de zero,
π2 0
[εF − εF (0)] g(εF (0)) + (kB T )2 g (εF (0)) = 0. (5.52)
6
Para efectuarmos o cálculo (5.52) é conveniente redefinir a expressão densidade de
estados em função do nı́vel de Fermi no zero absoluto, εF (0), usando (5.31) e (5.34),
da seguinte forma,
3 ε1/2
g(ε) = N . (5.53)
2 (εF (0))3/2
Assim, substituindo
3
g(εF (0)) = N (εF (0))−1
2
3
g 0 (εF (0)) = N (εF (0))−2
4
em (5.52) obtemos, finalmente, a variação do nı́vel de Fermi com a temperatura:
" µ ¶2 #
π 2 kB T
εF = εF (0) 1 − . (5.54)
12 εF (0)
Podemos usar de novo a aproximação de Sommerfeld. Para esse efeito vamos definir
a função, h(ε), tal que,
h(ε) = ε g(ε).
5.4. O MODELO DE SOMMERFELD 91
que pode após subistituição do valor da energia do gás de fermiões no zero absoluto,
obtemos finalmente
" µ ¶2 #
3 5 2 kB T
E = N εF (0) 1 + π . (5.61)
5 12 εF (0)
oposta à direcção do campo (recordemos que a carga dos electrões é negativa). Este
efeito, conjugado com a possibilidade de colisões com a rede cristalina, com defeitos,
com fonões, tem como resultado que cada electrão atinge uma velocidade limite, e
a diferença (vectorial) entre este limite e a velocidade inicial é a mesma para todos
os electrões. Dada a relação entre as velocidades v e os vectores de onda k dos
electrões, tudo se passa como se a esfera de Fermi, inicialmente centrada na origem
do espaço-k, sofresse um deslocamento δ na direcção oposta à do campo aplicado
(ver a Figura 5.10).
ky ky
kx kx
Se designarmos por τ o tempo médio de colisão, cada electrão vai sofrer uma
modificação na sua velocidade de cerca de −eτ E/m(m) , uma variação de momento
(p = mv) de −eEτ e uma variação de vector de onda (k = p/~) de −eEτ /~, que
deve agora ser o valor médio do vector de onda. Uma vez que todos os electrões vão
sofrer esta transição de estado, o princı́pio de exclusão de Pauli não se aplica.
A média das velocidades dos electrões deve agora ser < v >= ~/m < k >=
−eτ /mE. A densidade de corrente, j = ρ < v >= −ne < v >, vem então
ne2 τ
j= E,
m
onde n é o número de electrões de condução por unidade de volume. Comparando
esta expressão com a da lei de Ohm (j = σE), obtemos a forma da condutividade
eléctrica:
ne2 τ
σ= .
m
Este foi o resultado obtido no estudo clássico (ver a Secção 5.2.2). Apesar das
diferenças importantes entre as duas abordagens ao problema da condução eléctrica,
a expressão da condutividade como função das caracterı́sticas do material em que
se processa, apresenta a mesma forma nas descrições clássica e quântica.
O livre caminho médio dos electrões de condução pode ser obtido multiplicando
o módulo da sua velocidade pelo tempo médio de colisão. Nesta descrição quântica
que temos vindo desenvolver, os electrões apresentam valores muito dı́spares de ve-
locidade. Com efeito, os electrões que estão próximos da superfı́cie de Fermi ocupam
(m) Esta expressão é simplesmente a que resulta do estudo do movimento uniformemente acelerado
de uma partı́cula de massa m, sob a acção de uma força constante −eE , durante um intervalo de
tempo τ .
94 CAPÍTULO 5. METAIS I: MODELOS DE ELECTRÕES LIVRES
estados com vectores de onda cujos módulos são muito superiores aos daqueles em
estados mais profundamente enterrados na esfera de Fermi. Sendo assim, haverá
electrões com diferentes valores para o livre caminho médio. Por exemplo, para o co-
bre, σ = 5, 8×107 Ω− 1 m− 1 e n = 8, 4×102 8 m− 3, de onde resulta τ = 2, 5×10−14 s.
A velocidade dos electrões que ocupam estados no nı́vel de Fermi pode ser calcu-
lada a partir da densidade electrónica, n, obtendo-se vF = 1, 6 × 106 m/s. O livre
caminho médio para um electrão no nı́vel de Fermi de um cristal de cobre é então
λ ≈ 390 Å, ou seja, cerca de 100 vezes as distâncias interatómicas tı́picas!
Vemos assim que o problema do livre caminho médio de que enfermava o modelo
clássico de electrões livres não é eliminado nesta descrição quântica. De facto, este
problema não é eliminado senão quando se consideram as interacções dos electrões
de condução com a rede cristalina.
PROBLEMAS
5.1 Relacione a probabilidade de colisão por unidade de tempo, γ, com o tempo médio
de colisão τ .
5.2 Prove, a partir da definição de densidade de corrente, j = ρl v , que a corrente
total que passa através de uma superfı́cie S é igual ao fluxo de j através de S,
Z
i= j · n̂dS,
S
Deve ser evidente que alguns inconvenientes (de entre os que foram apresentados no
final do capı́tulo anterior) das teorias de electrões livres têm origem exactamente no
facto de se considerarem os electrões “desligados” de quaisquer interacções com o
meio onde se deslocam; o facto de a condutividade da grafite, por exemplo, depender
da direcção da corrente mostra bem que deve existir alguma interacção entre os
electrões e o cristal, que torna mais fácil o movimento em certas direcções que
noutras. É também evidente que uma teoria de electrões livres só se pode aplicar a
condutores, sendo portanto incapaz de explicar a razão de alguns sólidos o serem e
outros não.
Estas considerações são evidentes e poderiam ter sido feitas ainda antes de ter-
mos desenvolvido a teoria de electrões livres. Parece assim natural que um modelo
tenha em linha de conta a influência do meio cristalino sobre os electrões possa
resolver estas dificuldades. A teoria que vamos passar a descrever, não só classifica
estas questões, como explica as restantes, discutidas no Capı́tulo anterior, como os
elevados valores do livre caminho médio a baixa temperatura ou as colocadas pela
existência de sólidos cuja condutividade aumenta com a temperatura, que apresen-
tam coeficientes de Hall positivos, etc.
6.1 Introdução
Nesta nova abordagem continuaremos a desprezar as interacções electrão-electrão.
A razão principal para esta aproximação é a complexidade da teoria completa, que
torna impraticável a sua resolução sem recorrer aos métodos, aproximados, da te-
oria quântica de muitos corpos. Com efeito, o problema é o seguinte: queremos
determinar a função de onda dos electrões, resolvendo a equação de Schrödinger.
Mas antes temos que determinar o potencial a que estão sujeitos. Ora, considerando
interacções electrão-electrão, só podemos conhecer o potencial depois de conhecida
a função de onda. Considerando, além disso, que a função de onda deve depender
das 3N coordenadas de posição dos N electrões, sendo N da ordem de 1020 , fica-se
com uma ideia da complexidade do problema. Felizmente, o modelo que iremos
desenvolver é notavelmente preciso, demonstrando-se assim, a postriori, que as in-
teracções electrão-electrão são, de facto, pouco significativas na maior parte das
aplicações(a) .
Não considerando as interacções electrão-electrão, apenas as interacções com a
rede cristalina contribuem para a energia potencial dos electrões. Cada electrão
move-se numa região onde está definida uma função de potencial independente dos
(a) Uma excepção importante desta afirmação é o caso da supercondutividade.
97
98 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
x
a a a
E
V(x)
2p
2s
1s
destes nı́veis subdivide-se em dois, sendo a separação tanto maior quanto maior for
a energia do nı́vel original (ver Figura 6.3). Se aproximarmos 3 átomos cada nı́vel
subdivide-se em 3 e assim sucessivamente. Se considerarmos agora um cristal, que
consiste num número elevado de átomos na vizinhança uns dos outros, cada nı́vel
atómico subdivide-se em tantos subnı́veis quantos forem os átomos que formam o
cristal. Estes subnı́veis estão tão próximos (em termos energéticos) uns dos outros
(b) Usou-se a notação espectroscópica (a mais habitual) para indicar os estados electrónicos. O
número inteiro representa o número quântico principal; a letra que o segue representa o momento
angular, de acordo com s → l = 0; p → l = 1; d → l = 2; etc. Assim, o estado 2p é o estado com
número quântico principal n = 2 e número quântico de momento angular l = 1.
6.1. INTRODUÇÃO 99
V(x)
2p
2s
1s
que não é possı́vel detectar a sua separação. Cada nı́vel subdivide-se então um
número enorme de vezes, criando assim uma banda de energias permitidas, como
mostra a Figura 6.4. Este desdobramento dos nı́veis atómicos pode ser ilustrado
E
V(x)
2p
2s
1s
onde uk (r) é uma função periódica do cristal, isto é, que verifica
uk (r + R) = uk (r), (6.3)
qualquer que seja o vector da rede cristalina R. É evidente que funções com a forma
definida na Eq. (6.2) gozam desta propriedade. Com efeito,
ψk (r + R) = eik·r eik·R uk (r + R)
= eik·r eik·R uk (r)
= eik·R ψk (r).
k·a = χ(a)
k·b = χ(b)
k·c = χ(c).
uk(x)
-2a -a a 2a
0
ψk(x)
-2a -a a 2a
0
ψk (r + R) = eik·R ψk (r)
0
ψk0 (r + R) = eik ·R ψk0 (r).
Recordemos agora que, por definição de vector da rede recı́proca, se tem que
eiG·R = 1, para todos os vectores, G, da rede recı́proca e para todos os vectores, R,
da rede directa. Então a função de onda ψk+G tem, sob translacções segundo vecto-
res de rede, um comportamento idêntico ao da função ψk ; logo, estas duas funções
são indistinguı́veis, ou seja, representam o mesmo estado electrónico. Para se evi-
tar, no cálculo das propriedades da nuvem electrónica, a contabilização repetida da
contribuição de um dado estado, devemos ter cuidado com este tipo de indistingui-
bilidade escondida das funções de onda. A forma mais simples de assegurar que
não se cometem erros relacionados com esta questão é considerar apenas vectores k
pertencentes todos a uma mesma célula unitária primitiva da rede recı́proca. Como
se sabe, é sempre possı́vel escolher para qualquer rede uma grande diversidade de
formas para as células unitária primitivas. Neste caso, escolhe-se sempre a célula de
6.3. PROPRIEDADES DOS ESTADOS DE BLOCH 103
Wigner-Seitz (ver a Secção 2.2, e a Figura 2.3) da rede recı́proca, mais usualmente
conhecida como primeira zona de Brillouin.
Uma consequência importante da indistinguibilidade de dois estados de Bloch
cujos vectores k diferem entre si por um vector da rede recı́proca é que todas as
propriedades fı́sicas dos estados electrónicos devem ser funções periódicas de k, com
a periodicidade da rede recı́proca. Com efeito, seja X(k) o valor da propriedade X
para um electrão num estado cuja função de onda é ψk ; uma vez que o mesmo estado
pode ser representado por qualquer das funções ψk+G , com G vector arbitrário da
rede recı́proca, o cálculo da propriedade X deve produzir o mesmo valor quando
realizado a partir de qualquer destas funções, isto é,
~2 2
− [∇ + ik] uk (r) + V (r)uk (r) = ε(k)uk (r). (6.9)
2m
Esta equação, formalmente semelhante à equação de Shrödinger, é uma equação de
valores próprios para o operador
~2 2
Hk = − [∇ + ik] + V (r),
2m
que depende de um parâmetro vectorial que é o vector k. Para cada valor de k,
este operador deve apresentar um conjunto de funções próprias, u1k (r), u2k (r), . . .,
unk (r), . . ., às quais correspondem os valores próprios (nı́veis de energia) ε1 (k),
ε2 (k), . . ., εn (k), . . ., e tanto aquelas como estes devem ser funções contı́nuas do
parâmetro k. Mais ainda, como vimos na Secção 6.3.1, os diversos nı́veis de energia
εn (k) devem ser funções periódicas de k. Ora, funções contı́nuas e periódicas são
necessariamente funções limitadas, pelo que devemos ter cada nı́vel de energia εn (k)
a tomar valores num intervalo bem limitado de energias. O espectro energético
dos electrões num metal deve pois ter um aspecto que pode, qualitativamente, ser
representado como mostra a Figura 6.6. Chama-se banda ao conjunto de estados
electrónicos unk (r) para cada valor de n. Nesta figura apenas estão representados
os valores de k pertencentes à primeira zona de Brillouin porque, como já vimos,
vectores k fora desta região representam estados que já têm correspondência nalgum
vector k no seu interior e portanto, neste sentido, são redundantes. Na Figura 6.6
as bandas de energia estão separadas por um intervalo de energias proibidas: esta
situação corresponde ao que de facto se passa em muitos sólidos, mas é possı́vel
(se bem que pouco frequente) que duas bandas de energia se sobreponham. Ao
intervalo de energias proibidas entre duas bandas dá-se o nome de hiato energético,
mas é mais usual a utilização da expressão, “aportuguesada” do inglês, “gap de
energia”.
Dentro de cada banda, a energia dos estados electrónicos é uma função periódica
do vector k. Esta função é, em geral, muito mais complicada do que a que carac-
teriza os estados de electrões livres. A sua forma depende da estrutura cristalina
do sólido em que se movem os electrões, que está representada, na equação que de-
fine a energia [Eq. (6.9)], pelo termo correspondente ao potencial electrónico V (r).
Em geral, a energia de um estado depende também da direcção do vector k e não
apenas do seu módulo, como acontece com os estados de electrões livres. Mas esta
dependência não é de todo arbitrária. Vamos de seguida demonstrar que a energia
104 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
ε ε
n n
ε
n=3
3k
ε
n=2 2k
ε
n=1 1k
− π /a π /a k
(a) (b)
εn (k) = εn (−k),
não podemos identificar ~k com o momento linear dos electrões no estado de Bloch
ψk , como fizemos no estudo dos electrões livres. Esta conclusão é ainda reforçada
pela aplicação do operador quantidade de movimento ao estado ψk . De acordo
com as regras da Mecânica Quântica, os estados caracterizados por valores bem
determidados do momento linear são os estados próprios do operador associado a
este observável, P̂ = −i~∇. Ora, com ψk dado pela Eq. (6.2), temos
expressão que não corresponde a uma equação de valores próprios. Assim, as funções
de Bloch não são funções próprias do operador do momento linear e, portanto,
um electrão num estado de Bloch não apresenta um valor bem determinado deste
observável. No entanto, o vector ~k tem, como veremos já de seguida, um papel
importante na dinâmica dos electrões de condução nos metais, muito semelhante ao
do momento linear de electrões livres. Para realçar esta semelhança formal, dá-se o
nome de momento linear cristalino de um electrão no estado de Bloch ψk ao vector
~k. Usaremos também a expressão “vector de onda cristalino” para nos referirmos
ao vector k.
ky
v
k
k kx
v
dω(k) 1 d²(k)
v(k) = = ,
dk ~ dk
onde se usou a bem conhecida igualdade de Plank ² = ~ω. Introduzindo agora o
operador gradiente no espaço recı́proco, dado por
∂ ∂ ∂
gradk ≡ î + ĵ + k̂ ,
∂kx ∂ky ∂kz
1 ∂2ε
ai = Fj . (6.17)
~2 ∂ki ∂kj
é, de facto. Mas note-se que a aceleração a em (6.17) é a derivada do valor expectável da velocidade
que, de acordo com o teorema de Ehrenfest, satisfaz uma expressão formalmente semelhante à lei
fundamental da dinâmica de Newton.
108 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
matricial variável que substitui a massa dos electrões de Bloch, chamado tensor da
massa efectiva, que se representa por m∗ e é a matriz inversa da matriz
−1 1 ∂2ε
[m∗ ]ij = . (6.18)
~2 ∂ki ∂kj
(h) A função delta só é diferente de zero num único ponto, mas o seu integral em qualquer intervalo
que contenha esse ponto é 1. Mais rigorosamente, a função delta define-se através das seguintes
propriedades:
δ(x − a) = 0, se x 6= a
Z a+²
f (x)δ(x − a) = f (a), ∀² > 0.
a−²
110 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
V(x)
V
x
a
l
V(x)
x
-2a -a 0 a 2a
onde λ é um parâmetro adimensional que pode ser usado para regular a intensidade
do potencial cristalino. Podemos até estudar o limite de electrões livres escolhendo
λ = 0. Este potencial é um caso particular dos potenciais contı́nuos por intervalos
que se constumam estudar nas disciplinas de introdução à Mecânica Quântica. A
resolução da equação de Schrödinger nestes casos é feita separadamente em cada
região de continuidade do potencial, impondo-se em seguida condições de continui-
dade da função de onda nos pontos em que o potencial é descontı́nuo. Vamos então
dividir a recta real em regiões de continuidade da função potencial, que designare-
mos por R0 , R±1 , R±2 . . . , sendo Rn o intervalo (n − 1)a < x < na. Em qualquer
destas regiões, a equação de Schrödinger escreve-se como
~2 d2
− ψ = ²ψ
2m dx2
e, para ² positivo, admite soluções do tipo (tomamos a região Rn para concretizar
a discussão)
ψ (n) (x) = Xn eikx + Yn e−ikx
ou, equivalentemente (basta tomar An = Xn eikna , Bn = Yn e−ikna ),
ψ (n) (x) = An eik(x−na) + Bn e−ik(x−na) . (6.20)
Nestas expressões, k está relacionado com a energia do estado, ², através de
2m²
k2 = . (6.21)
~2
Na região contı́gua Rn+1 , e usando as mesmas convenções, a função de onda escreve-
se
ψ (n+1) (x) = An+1 eik(x−[n+1]a) + Bn+1 e−ik(x−[n+1]a) . (6.22)
A solução da equação de Schrödinger é a união das diferentes funções ψ (n) , união
essa que deve ser feita de modo a satisfazer certas comdições de continuidade. Antes,
porém, de estudarmos a continuidade da função de onda, devemos notar que, sendo
o potencial uma função periódica da posição, estamos nas condições do teorema de
Bloch. Logo, as soluções da equação de Schrödinger devem satisfazer a condição
ψq (x + a) = eiqa ψq (x),
6.4. MODELO DE KRÖNIG-PENNEY 111
ou seja,
h i
An+1 eik(x−na) + Bn+1 e−ik(x−na) = eiqa An eik(x−na) + Bn e−ik(x−na) .
que só pode ser satisfeita para todos os valores de x se se anularem os coeficientes
das exponenciais, isto é, se
An+1 = eiqa An
(6.23)
Bn+1 = eiqa Bn
Faremos uso destas relações mais adiante. Vamos agora estudar as condições fron-
teira a satisfazer pela função de onda. Em primeiro lugar, a função de onda deve
ser uma função contı́nua. Assim, num ponto x = na que é partilhado pelas regiões
Rn e Rn+1 , devemos ter ψ (n) (na) = ψ (n+1) (na), ou seja,
~2 d2 ψ
− + V (x)ψ(x) = ²ψ(x),
2m dx2
num pequeno intervalo centrado num ponto x0 , com largura 2δ. Temos então
Z x0 +δ 2 Z x0 +δ Z x0 +δ
~2 d ψ
− + V (x)ψ(x)dx = ² ψ(x)dx.
2m x0 −δ dx2 x0 −δ x0 −δ
ou ainda µ ¶ µ ¶ Z x0 +δ
dψ dψ 2m
− = 2 lim V (x)ψ(x)dx, (6.25)
dx x0 + dx x0 − ~ δ→0 x0 −δ
onde (F )x0 ± representa o limite de F quando o seu argumento tende para x0 por
valores superiores a x0 (sinal +) ou por valores inferiores a x0 (sinal -). Esta
condição de continuidade para a derivada da função de onda tem validade geral,
112 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
Por outro lado, as duas derivadas obtêm-se facilmente a partir das expressões
[eqs. (6.20) e (6.22)] da função de onda nas duas regiões separadas pelo ponto
de abcissa x = na:
dψ (n)
= ikAn eik(x−na) − ikBn e−ik(x−na)
dx
dψ (n+1)
= ikAn+1 eik(x−[n+1]a) − ikBn+1 e−ik(x−[n+1]a) .
dx
Então, podemos escrever a condição geral da Eq. (6.25) como
µ ¶ µ ¶
−ika ika iλ iλ
An+1 e − Bn+1 e = An 1 − − Bn 1 + . (6.26)
ka ka
Usando agora a Eq. (6.23) para eliminar os coeficientes An+1 e Bn+1 das eqs. (6.24)
e (6.26), obtemos o seguinte sistema de duas equações homogéneas:
h i h i
ei(q−k)a − 1 An + ei(q+k)a − 1 Bn = 0
· ¸ · ¸
i(q−k)a iλ i(q+k)a iλ
e −1+ An − e −1− Bn = 0.
ka ka
x=ka
0
2 4 6 8 10 12
-1
Figura 6.9: Gráfico da função no segundo membro da Eq. (6.27). Para os valores
da abcissa (x = ka) nas regiões sombreadas, não existem soluções da equação de
Schrödinger; correspondem aos gaps de energia.
ε(k) ε(k)
3a banda
2a banda
1a banda q q
- π/a 0 π/a - π/a 0 π/a
Nc c
c Na a
b
a
Nb b
mensões lineares desta região são Na |a|, Nb |b| e Nc |c| onde Na , Nb e Nc são números
inteiros, tais que o número de células unitárias, N , presentes no volume considerado
é dado por
N = Na Nb Nc .
As condições fronteira periódicas podem então ser expressas como
De acordo com o teorema de Bloch, a primeira das equações em (6.28) pode ainda
ser escrita na forma
eiNa k·a ψnk (r) = ψnk (r)
ou ainda
eiNa k·a = 1.
6.6. O ESTADO FUNDAMENTAL DA NUVEM ELECTRÓNICA 115
eiNb k·b = 1
eiNc k·c = 1.
Ω = |A · B × C|. (6.30)
Por outro lado, o volume de espaço-k ocupado por cada um dos vectores k permi-
tidos é o volume da célula unitária primitiva da rede por eles definida, de acordo
com a Eq. (6.29),
¯ ¯
¯A B C ¯¯
τ = ¯ ¯ · ×
Na Nb Nc ¯
1 Ω
= |A · B × C| = .
Na Nb Nc N
O número de vectores k que “cabem” numa célula é então o volume disponı́vel, Ω,
a dividir pelo volume ocupado por cada um, τ , ou seja, N . Considerando ainda
que para cada valor de k existem dois estados electrónicos (spin up ou spin down),
concluimos que o número total de estados numa banda é 2N , onde, recorda-se, N
é o número total de células unitárias primitivas que formam a região considerada
para a imposição das condições fronteira. Este facto também se pode entender
recordando que, no aparecimento das bandas de energia no processo de formação
dos sólidos, não aumenta o número de estados electrónicos. A banda de valência
resulta de combinações lineares de um grande número (seja N esse número) de
orbitais atómicas (uma por cada átomo). Cada orbital atómica pode acomodar
dois electrões (com orientações de spin opostas), logo, o conjunto deve conter 2N
estados electrónicos.
< 2N electrões
2N electrões
2N electrões
ky
1ª zona de Brillouim
kx
Figura 6.13: Forma possı́vel da superfı́cie de Fermi para um cristal quadrado 2D.
Note-se que outras formas são possı́veis, pois a apresentada é apenas um exemplo.
Note-se também que esta superfı́cie de Fermi corresponde a uma banda não totalmente
preenchida, porque há ainda espaço disponı́vel na primeira zona de Brillouin para
“albergar” outros electrões.
E =0
ky E ky
kx kx
pois explicar porque é que alguns sólidos são condutores e outros isoladores: em
princı́pio, se a banda de valência de um sólido estiver totalmente preenchida, o
sólido é isolador; caso contrário, é condutor. Esta regra tem algumas excepções, já
que nalguns sólidos a banda de condução sobrepoem-se com a banda de valência,
permitindo a condução mesmo estando esta totalmente preenchida.
Considerando apenas sólidos cristalinos monoatómicos com um átomo por célula
unitária primitiva, podemos apresentar este critério a um nı́vel mais fundamental.
Os electrões presentes na banda de valência de um sólido são os que, nos átomos
isolados, ocupam o nı́vel de valência. Se N for o número total de átomos no sólido,
então porque consideramos apenas sólidos com um átomo por célula unitária primi-
tiva, N é também o número de células unitárias no sólido, e o número de estados na
banda de valência é então 2N . Logo, se os N átomos que formam o sólido tiverem
apenas um electrão de valência, dos 2N estados disponı́veis na banda de valência,
apenas N estão ocupados e portanto o sólido é um condutor. Em contrapartida,
se os átomos em questão tiverem dois electrões de valência, a banda de valência do
sólido ficou totalmente preenchida e portanto o sólido é isolador.
damental.
(k) Não consideramos aqui o fenómeno de supercondutividade.
6.9. LACUNAS 119
6.9 Lacunas
A densidade de corrente eléctrica global de uma banda totalmente preenchida é, de
acordo com o que já se disse, nula. Assim, representando por j k (r) a densidade de
corrente de um electrão no estado ψk (l) e por J B (r) a densidade de corrente total
da banda, podemos escrever
X
J B (r) = j k (r) = 0, (6.32)
banda
carga e v velocidade das cargas. Numa descrição quântica, a densidade de corrente associada a
uma partı́cula com carga q é j (r ) = q g (r ), onde g é a densidade de fluxo de probabilidade, dada
~ r r
por g = (ψ ∗ ψ − ψ ψ ∗ ) /(2im) (ver qualquer livro elementar de Mecânica Quântica, p. ex.
S. Gasiorowocz, ”Quantum Mechanics”.)
120 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
Banda de
condução
f
Banda de
valência
onde as iniciais “e. o.” significam que para o somatório apenas se tomam os estados
ocupados. De acordo com a Eq. (6.32), devemos ter
X X
j k (r) + j k (r) = 0,
e.o. e.d.
onde as iniciais “e. d.” indicam que a soma respectiva é feita apenas sobre os
estados desocupados. Mas isto significa que os dois somatórios são simétricos, e
portanto podemos escrever a densidade de corrente de uma banda parcialmente
preenchida como X
J (r) = − j k (r), (6.34)
e.d.
Eg
+
Átomos de Silício
Banda de
valência
Átomo de Arsénico
Figura 6.17: Cristal de silı́cio com uma impureza substitucional de arsénico (es-
querda) e nı́veis de energia resultantes (direita).
Banda de condução
Lacuna resultante da
captura de um electrão Eg
+ pelo átomo de boro
Átomos de silício
- Nível aceitador
Ea
Banda de
valência
Átomo de boro
Figura 6.18: Cristal de silı́cio com uma impureza substitucional de boro (esquerda)
e nı́veis de energia resultantes (direita).
Fe
n p
e-
l+
Ve
Vc0
n p
rezas deste tipo aceitam os electrões da banda de valência, e por isso chamam-se
impurezas aceitadoras, ou impurezas de tipo-p. Na Figura 6.18 representa-se esque-
maticamente o papel de uma impureza de tipo-p e o nı́vel intermédio, que agora
aparece imediatamente acima da banda de valência, chamado nı́vel aceitador.
A capacidade para variar independentemente as concentrações de lacunas e de
electrões de condução num cristal semicondutor tem uma enorme aplicação prática,
no fabrico de ı́numeros dispositivos usados na indústria electrónica, como os diodos
e os transistores. É até possı́vel, num único cristal de silı́cio, implantando diferentes
contaminações em diferentes regiões, construir circuitos inteiros, contendo vários
milhões daqueles elementos individuais. Vamos, de seguida, estudar o funciona-
mento do mais simples destes dispositivos, o um diodo rectificador.
VB VB
n n
Vc0 Vc V
p p
VA VA
Figura 6.20: Quedas de potencial por contacto num curto-circuito da junção p-n (à
esquerda) e polarização de uma junção p-n por uma fonte de tensão V .
Vc + Va + VB + V = 0,
Vc = Vc0 − V. (6.36)
Quando o terminal positivo da fonte de tensão está ligado à região-p a junção diz-se
polarizada no sentido directo; se o terminal positivo da fonte estiver ligado à região-
n, falamos de polarização inversa. Quando a junção está em polarização directa,
V tem sinal idêntico ao de Vc 0, e, portanto, o potencial de contacto fica diminuı́do
6. Problemas 125
VB VB
n n
p p
VA i VA
Figura 6.21: Polarização directa (à esquerda) e polarização inversa de uma junção
p-n.
pela polarização (ver a Figura 6.21, à esquerda). Logo, nestas condições, aumenta
bastante a corrente de recombinação porque diminui a grandeaza da barreira de
potencial que impede o fluxo por difusão. Em contrapartida, a corrente de geração
mantém-se essencialmente constante, já que depende da taxa da criação de pares
lacuna-electrão de condução. Então, as duas correntes deixam de se compensar, e
verifica-se, portanto, um fluxo lı́quido de carga através da junção, no sentido p-n.
Em resumo, a junção p-n permite a passagem de corrente quando se encontra em
polarização directa.
Em contrapartida, quando se inverte a polarização, aumenta o valor do potencial
de contacto, diminuindo, consequentemente, o valor da corrente de recombinação.
A corrente de geração permanece essencialmente a mesma, mantendo o seu valor de
cerca de 10−6 A. Assim, para muitos efeitos práticos, podemos dizer que a junção
semicondutora p-n não permite a passagem de corrente em polarização inversa.
Uma vez que a fracção dos transportadores que tem, a uma certa temperatura
T , uma energia superior ao valor do potencial de contacto (e que portanto está em
condições de ultrapassar a barreira de potencial na junção) é dada pelo factor de
Boltzmann e−βeVc , onde β = 1/kB T , a razão entre as correntes de recombinação
em polarização directa e em vazio (sem qualquer fonte externa) é dada por
Jr e−βeVc
= −βeVc0 = eβeV .
Jr0 e
A corrente total é a soma das correntes de geração e de recombinação, J = Jr + Jg ,
mas a corrente de geração permanece sensivelmente constante, com o seu valor de
vazio Jg0 que, por sua vez, é o simétrico da corrente de recombinação, também em
vazio. Então, a funçao corrente tensão de uma junção p-n é
PROBLEMAS
6.1 À luz da teoria das bandas determine, justificando, o número total de estados
electrónicos existentes por banda de energia.
6.2 Justifique qualitativamente a condutividade, térmica e eléctrica, a zero graus
Kelvin, dos sólidos cristalinos. Dê alguns exemplos.
126 CAPÍTULO 6. METAIS II: TEORIA DE BANDAS
200
150
100
I (A)
50
0
-2 -1.5 -1 -0.5 0 0.5
V (V)
r = ||r ||, não pode ser a função de onda de um electrão num potencial periódico.
Bibliografia
• D. A. Davies, Waves, Atoms and Solids, Longman Scientific & Techical (1978).
Esta é uma boa introdução, tanto à fı́sica dos fenómenos ondulatórios como
à mecânica quântica. Põe mais ênfase nas aplicações do que no formalismo,
principalmente nas aplicações ao estudos dos electrões nos sólidos.
Nı́vel: Elementar.
127
128 Bibliografia
• C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, John Wiley & Sons, Inc. (1996).
É uma das referências clássicas da Fı́sica do Estado Sólido. A edição de
1996 é a sétima! Cobre a matéria dada, noutra ordem. Os capı́tulos sobre
cristalografia e difracção de raios-X devem ser particularmente úteis.
Nı́vel: Avançado.
• N. W. Ashcroft e N. W. Mermin, Solid State Physics, Saunders College Pu-
blishing (1976).
Outra das referências clássicas da Fı́sica do Estado Sólido. Tem aqui tudo o
que pode querer saber sobre Fı́sica do Estado Sólido e mais ainda.
Nı́vel: Muito avançado.
• S. V. Vonsovsky e M. I. Katsnelson, Quantum Solid-State Physics, Sringer-
Verlag (1989).
Texto muito avançado sobre a descrição quântica dos solidos.
Nı́vel: Muito avançado.