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1
Cf. os inúmeros autores que trabalham esse aspecto da secularização como mudança de prisma para
compreender e assimilar o religioso. J. MOLTMANN, God for a secular society. The public relevance of
Theology, Minneapolis, Fortress Press, 1999 .; V. WESTHELLE, Modernidade, mito e religião. Crítica e
reconstrução das representações religiosas, in Numen 3, n. 1, jan-jun 2000, pp 11-38; Dictionnaire
critique de théologie, organizado por J. Y. LACOSTE, Paris, PUF,1998; The Encyclopedia of Religion,
by Macmillan Publishing Company, a division of Macmillan, Inc., . Electronic edition produced by
Infobases, Inc., Provo, Utah. 1987, 1995; 4) Diccionario de las Religiones, organizado por P. POUPARD,
Barcelona, Herder, 1987; A TORRES QUEIRUGA, Fin del cristianismo premoderno. Retos hacia un
nuevo horizonte, Santander, Sal Terrae, 2000, Creio em Deus Pai O Deus de Jesus como afirmação plena
do humano, SP, Paulinas, 1993; J. DERRIDA e G. VATTIMO (org.)m A religião, SP, Estação Liberdade,
2000; S. MARTELLI, A religião na sociedade pós-moderna, SP, Pulinas, 1995 ; L.. A. Gomez de Sousa,
Secularização en dclínio e potencialidade transformadora do sagrado, in Religião e sociedade 132 (1986),
pp. 2-16; Secularização e sagrado, in Síntese 13 (1986), pp. 33-49; P. RICOEUR, L’herméneutique de la
sécularisation. Foir, idéologie, utopie, in E. CASTELLI, ed., Actes d’un colloque organisé par le Centre
International d’Études Humanistes et par l’institut d’Études Philosophiques de Rome, Paris, Aubier, 1976,
p.60; P. VALADIER, Catolicismo e sociedade moderna, SP, Loyola, 199....
2
Cf. as inúmeras obras que se detêm na análise deste fenômeno: J. DUPUIS, Rumo a uma teologia cristã do
pluralismo religioso, SP, Paulinas, 1999; F. TEIXEIRA, Teologia das religiões. Uma visão panorâmica,
SP, Paulinas, 1995; F. COUTO TEIXEIRA, A experiência de Deus nas religiões, in Numen 3, n. 1, jan-jun
2000, pp 111-148 M. HEBRARD, Entre Nova Era e Cristianismo, SP, Paulinas, 1997; L. AMARAL et
alii, Nova Era. Um desafio para os cristãos, SP, Paulinas, 1994 entre outros; J. L. SCHLEGEL, Retour
2
du religieux et christianisme. Quand de vieilles croyances redeviennet nouvelles, in Études 362 (1985), p.
92.
3
Cf. At 17, 1 ss: Paulo no areópago de Atenas, falando do Deus desconhecido a partir do politeísmo grego
4
Cf. nossos artigos ( com Rosemary Fernandes da Costa e Márcio Henrique da Silva Ribeiro) Violência e
não-violência na história da Igreja II, in REB 60 (2000) pp 111-144; ( com Rosemary Fernandes da Costa
e Márcio Henrique da Silva Ribeiro) Violência e não-violência na história da Igreja, in REB 59 (1999) fsc
236, pp 836-858.
5
Cf. J. MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus, Petrópolis, Vozes,1998
6
Sobre as imagens do campo religioso como “supermercado” e como “lugar de trânsito”, v. M. C.
BINGEMER, O impacto da modernidade sobre a religião,SP, Loyola, 1990
7
Cf. M. C. BINGEMER, Alteridade e vulnerabilidade. Experiência de Deus e pluralismo religioso no
moderno em crise, SP, Loyola, 1992; v. tb. J. B. LIBANIO,Fascínio do sagrado, in Vida Pastoral 41, n.
212 (maio-junho de 2000) pp 2-7; F. DO COUTO TEIXEIRA, O sagrado em novos itinerários, in Vida
Pastoral 41, n. 212 (maio-junho de 2000) pp 17-22
3
O ser humano que viveu a crise da modernidade, ou que já nasceu em meio ao seu
clímax, e nada agora em águas pós-modernas, à diferença do adepto da religião
institucional, que adere a uma só religião e nela permanece; ou mesmo do ateu ou
agnóstico, que nega a pertença e a crença em qualquer religião é como um “peregrino”
que caminha por entre os meandros das diferentes propostas religiosas que compõem o
campo religioso, não tendo problemas em passar de uma para outra, ou mesmo de fazer
sua própria composição religiosa com elementos de uma e outra proposta. 8
. A questão da sacralidade apresenta, pois, uma outra face que convive com aquela
por nós analisada: a da secularidade moderna, geradora da suspeita e do ateísmo, onde a
Transcendência está submetida à constante e incessante crítica da razão e da lógica
iluminista. Esta outra face é a face da pluralidade . Face esta que, por sua vez, implicará
igualmente na existência de uma interface: a das diferentes tentativas do diálogo inter-
religioso , da prática plurireligiosa, da dupla ou tripla pertença espiritual e da religião do
outro como condição de possibilidade de viver mais profunda e radicalmente a própria
fé.9
Uma coisa que aparece clara neste quadro é que, por um lado, o
Cristianismo histórico percebe que perdeu a hegemonia que havia secularmente
adquirido, em países tradicionalmente católicos, onde a pertença cristã, mais que
escolhida livremente na idade adulta, era herdada desde o seio materno.10 Ser cristão
hoje não é mais evidente e o cristianismo é chamado a encontrar o seu lugar em meio a
uma pluralidade de outras tradições e confissões religiosas dos mais diversos matizes,
que proliferam sobretudo nos grandes centros urbanos.11
Por outro lado, essa pluralidade religiosa levanta para o Cristianismo algumas
interpelações bastante sérias quanto a conteúdos mesmo do depósito de sua fé. Para
realmente viver sua identidade dentro de um mundo pluri-religioso, há que estar
dispostos, da parte dos cristãos, a encontrar palavras novas para dizer coisas antigas e
tradicionais e assim fazer-se entender.
Assim é com relação, por exemplo, aos sacramentos e aos ritos cristãos,
defrontados com um sem número de expressões rituais outras que atraem as pessoas e
cujos elementos muitas vezes são introduzidos no culto católico ou protestante. Assim é
com a relação com a Bíblia como Livro Sagrado, questionada sobretudo por outras
religiões monoteístas como o Judaísmo e o Islã. Assim é com a concepção de liturgia
que oferece elementos diferenciados com os quais as pessoas de hoje se identificam mais
8
Cf., confirmando isto, D. HERVIEU-LEGER, Le pélerin et le converti. La religion en mouvement,
Paris, Flammarion, 1999; Cf. a reflexão que faz sobre o pensamento desta autora F. DO COUTO
TEIXEIRA, O Sagrado em novos itinerários, in Vida Pastoral 41 fsc. 212(maio-junho 2000), pp 17-22 . V.
tb, em termos mais brasileiros, a questão concreta do sincretismo e da dupla pertença. A bibliografia é
vasta e é impossível citá-la exaustivamente aqui. Remetemos , para a questão da dupla pertença, à tese de
J.G. DA ROCHA, .... dos APNs no Brasil, etc.
9
Cf. sobre os Novos Movimentos Religiosos, L. S. CAMPOS, Teatro, templo e mercado, SP, Vozes-
UMESP, 2000, 2ª edição; L.AMARAL LUZ, Carnaval da alma. Comunidade, essência e sincretismo na
Nova Era, tese doutoral, mimeo, Juiz de Fora, MNA, PPGAS, 1998; J. HORTAL, O que fazer diante da
expansão dos grupos religiosos não católicos? , col. Estudos da CNBB n. 62
10
Cf. a recente pesquisa do CERIS , O catolicismo na cidade, SP, Paulus, 2002
11
ibid
4
ou menos, preferindo às vezes cultos de outras religiões, apesar de sua pertença e origem
cristãs. 12
A questão de Deus e da experiência de Deus igualmente – e, portanto, a questão
da espiritualidade - é uma destas questões delicadas a ser tratada com atenção pela
teologia ao se deparar com o fato do pluralismo de experiências religiosas que
reivindicam para si o estatuto de verdadeiras experiências de Deus.
Nossa época é uma época onde a experiência – o conceito e aquilo que ele encerra -
encontra-se novamente na linha de frente do pensar. O conhecimento nestes tempos de
crise de modernidade e advento da pós-modernidade se dá por experiência antes que por
razão refletida e comprovada. O rigor do conceito e a bênção unicamente da razão
comprovada e verificada vai adquirir uma posterioridade crítica e discernente em relação
à experiência que, antes que qualquer outra coisa, irá tomar o proscênio do debate
hodierno.
A teologia não foge a essa regra e também vai mais e mais adotando a
experiência como uma categoria fundamental para o seu objeto maior, que é o pensar
sobre Deus. Por outro lado, diante das velozes transformações pelas quais passou e passa
o campo religioso, que hoje apresenta uma certa nebulosidade nos contornos do que se
convenciona chamar e se chama – mais ou menos acuradamente - de experiência
religiosa ou sede espiritual ou ânsia pelo Transcendente, não identificadas essas
expressões com os terrenos da confessionalidade ou mesmo da tradição pertencente a
uma instituição, é mais do que nunca urgente pensar a experiência e seu lugar dentro do
pensar teológico. Mais ainda: é mais do que nunca urgente pensar a experiência em seus
diversos níveis de distinção com relação à inteligência da fé que é a teologia.
Pois o conceito de experiência está entre aqueles que, em virtude de sua
fundamental importância, foram utilizados na história do pensamento em grande escala e
aos quais se associam um passado rico e complexo em termos filosóficos. “Se o teólogo
desconhecer este passado, corre o risco ou de restringir o conceito ou de banalizá-lo, pois
se lhe ameaça perder a plenitude da elaboração intelectual aí contida, ou , o que é ainda
mais grave, entrega-se irrefletidamente ao contexto de sistemas filosóficos, dos quais
doravante o conceito recebe um de seus significados principais, cujas implicações todas
ele não pode como teólogo aceitar. “ 13
12
Sobre a questão das liturgias inculturadas e identificadas com uma raça ou etnia, v. o exemplo concreto
da Missa da Terra Sem Males e da Missa dos Quilombos, compostas por Dom Pedro Casaldáliga, com
parceria de Pedro Tierra e Milton Nascimento. Sobre a questão da dupla ou tripla pertença e a
incorporação de elementos de outras tradições na liturgia, cf. a tese de doutorado de J.G. da ROCHA,
defendida na PUC-Rio em 1997, Teologia e negritude. Um estudo sobre os agentes de pastoral negros,
publicada depois pelas Paulinas.
13
B.QUELQUEJEU e J.P.JOSSUA, Experiência, in P. EICHER (org.) Dicionário de conceitos
fundamentais de teologia, SP, Paulus , 1993, pg 298
5
resulta, assim também como da experiência adquirida pela simples prática da vida e da
experimentação dirigida por determinadas interrogações ou hipóteses.
No sentido mais amplo, experiência significa a totalidade do que ocorre ao
homem na sua vida consciente: o conceito designa, pois, o fato de aproximar-se de algo e
sentir algo a partir daí; ou ainda receber uma impressão a partir do sentido, impressão
essa não efêmera e fugidia mas forte e que permanece. Algo, em suma, que constitua em
permanente alargamento da consciência humana. 14
Alguns autores (Jankélévitch, M. Dufrenne) propõem a distinção entre
experiência como empiria e como meta-empiria. A primeira designaria o curso
cotidiano da vida; a segunda o instante da inspiração que furtivamente instaura uma
ruptura no cotidiano e nele irrompe. 15
Como contato, a experiência é consciente de uma relação com o mundo, com o
outro, com Deus. Ou seja, é o encontro de uma alteridade. Mais do que um simples
conhecimento, a experiência portanto, implica em pressentir, sentir, ressentir. A
experiência abrange, portanto, a totalidade do que a razão adquire no exercício de sua
atividade. Uma pessoa “experimentada” ou “experiente” é alguém que conseguiu
apropriar-se, no decorrer da vida, de uma sabedoria prática e verdadeira da qual nem ac
mera sensibilidade nem apenas a razão podem dar conta, mas que vai permitir a esta
pessoa enfrentar outras e futuras provas e provações, além de habilitá-la a aconselhar e
orientar outros no direcionamento da própria vida. 16
Parece-nos, no entanto, importante, neste primeiro momento da reflexão,
distinguir entre experiência do mundo e das coisas e experiência do outro, do ser humano
enquanto meu semelhante. Pois enquanto o mundo está inconsciente dele mesmo e de
mim, sendo experimentado apesar de si mesmo, a experiência do outro – humano como
eu - implica reciprocidade das consciências encarnadas e introduz na consciência a
categoria fundamental da alteridade .
Distinguimos, igualmente, entre experiência a nível individual e experiências
coletivas, entendendo-se por isso as diversas experiências da humanidade transmitidas
por tradição cultural como língua, educação, conhecimentos práticos, modelos de
comportamento, símbolos, etc. 17
Como saber adquirido, a experiência, nascida de percepções múltiplas reunidas, é
memória18 . Condensa as “ vivências conscientes”, ultrapassa a duração do tempo,
antecipa o evento, o reconhece instantaneamente, volta para ele por memória e
pensamento. Não existe experiência verdadeira senão pela possibilidade do retorno
reflexivo. Portanto, a morte, enquanto mergulho na não consciência e supressão da
reflexão possível, não é experiência (enquanto o morrer sim, pode se-lo) 19.
Uma das notas características da experiência humana é, pois, sua possibilidade de
imediatez, produzindo um conhecimento que não procede em primeira linha do pensar
discursivo, mas do perceber imediato de uma impressão ou vivência. Esta imediatez, no
14
Ibid
15
Cf. J.Y.LACOSTE (ORG), Dictionnaire critique de théologie, Paris, PUF,1998, verb. “expérience
religieuse”
16
Cf. B.QUELQUEJEU e J.P.JOSSUA, op. Cit., art. Cit., pg 299
17
ibid
18
Assim o define Aristóteles, na Metafísica I
19
Neste sentido, adquirem imensa importância as reflexões hoje tão conhecidas da ilustre tanatóloga E.
KÜBLER ROSS, Sobre a morte e o morrer, ............. e outros.
6
entanto, não está isenta da presença daquele que faz a experiência, do sujeito que
experimenta, o que em si já é uma mediação. O sujeito humano é um ser corpóreo,
condicionado, situado historicamente e datado no tempo. Todos esses condicionamentos
particulares, portanto, fazem parte da sua experiência e dela não podem ser excluídos.
Por nossa corporeidade estamos inscritos na duração do tempo. A experiência
corpórea própria a cada ser humano ( seu gênero, sua idade cronológica, as sensações
diversas, o prazer, a dor, etc.) subjaz e condiciona toda experiência que tal sujeito possa
fazer do outro, do mundo e mesmo de Deus. Mais profunda condição ainda de toda
experiência é a presença de si a si que constitui a consciência, ou seja, a tomada de
conhecimento da experiência e dos efeitos que ela produz na vida do indivíduo ou da
comunidade . Mas esta consciência não é dada desde o começo como perfeita e acabada.
Pelo contrário, não cessa de crescer , alterada pelos estímulos externos e também pelos
acontecimentos diversos que a vão modificando. É sem dúvida a alteridade – ou seja, a
diferença do outro ao mesmo tempo que sua manifestação e proximidade – aquilo que
acaba por promover consistentemente a consciência de si. 20
Portanto, e especificamente devido ao fato de que o experimentar, sendo um ato
constitutivamente humano, não isola o ser humano, mas pelo contrário, supõe a alteridade
e a relação, a experiência não é nem pode ser um simples padecer, um sofrer, ou um
receber em estado puro. Se, em termos opostos, optamos pela definição do idealismo,
tenderíamos a não ver nela senão uma espontaneidade, uma criação do espírito. Ora, see
apenas o real é o espírito, a experiência se reduziria à experiência do eu e suas
representações, e a alteridade constituiria então um problema insolúvel. De fato, não é
assim, já que a experiência é, ao mesmo tempo, recepção e criação, acolhimento e
espontaneidade, em proporções indefinidamente variáveis. 21
Após esse breve percurso pelos caminhos de uma tentativa de definição da
experiência humana, parece-nos poder apontar sete pontos que não podem ser deixados
de lado quando se fala em experiência humana:
- a) Toda experiência é um processo mas é também a condição que dele resulta e a
condição que o torna possível de acontecer.
- b) Toda experiência põe o sujeito em contato direto com o objeto
- c) A imediatez não significa, porém, que as experiências careçam de pressupostos.
Fatores corpóreos, de gênero, sociais, históricos e religiosos de todo tipo condicionam e
configuram a experiência humana.
- d) Em algumas experiências, o sujeito é mais ativo ( por ex., experimentos
controlados cientificamente); em outras, mais passivo ( por ex., momentos de graça
poderosa) Porém, os elementos ativos e passivos estão inseparavelmente presentes em
todas as experiências.
- e)A evidência e a autoridade da experiência são claras e diretas. Não obstante,novos
elementos e novas experiências podem modificar e corrigir o que já se aprendeu e alterar
a interpretação que da experiência se possa fazer.
20
Cf. J.Y.LACOSTE (ORG), op. Cit.
21
Cf. o que sobre isso dizem Cf. J.Y.LACOSTE (ORG), , op. Cit., ; B.QUELQUEJEU e J.P.JOSSUA, op.
Cit., art. Cit, pp 299 ss; cf. tb. O que diz magistralmente K. RAHNER, em sua obra Curso Fundamental da
fé, SP, Paulinas, 1989, pp 37-59, capítulo intitulado “O ouvinte da palavra”, onde define o ser humano
como paciente mesmo quando agente.
7
Jean Mouroux, em 1954, escreve uma obra clássica sobre a experiência cristã,
onde vai distinguir na mesma diversos graus de profundidade.22 Esses diversos níveis ou
graus nos permitem a aproximação a uma conceituação de experiência religiosa,
distinguindo-a daquilo que não é.
O nível empírico - segundo o Autor - designa a experiência vivida sem
“repetição” pela reflexão crítica. Com o experimental acede-se à experiência provocada:
ela coordena os elementos da experiência para constituir a ciência. O experiencial marca
o engajamento e compromisso mais completo da pessoa; ela se entrega com seu ser e seu
ter, sua reflexão e sua liberdade; ela se doa a si mesma, numa significação singular face
ao evento, e este “sentido” novo pode fornecer matéria de testemunho. 23
“Neste sentido, diz Mouroux, toda experiência espiritual autêntica é de tipo
experiencial.” Assim, nascida com o simplesmente vivido, a experiência se eleva, na
ciência, até o nível racional, se levanta, em tal momento privilegiado, ao existencial – ou
meta-empírico. É deste último tipo que releva a experiência religiosa. 24
Seguindo a reflexão com o material que nos fornece Mouroux, aquilo que em
teologia podemos chamar de experiência religiosa nos traz, portanto, ao mesmo tempo
que a abertura de um vasto campo de reflexão – hoje mais que nunca, uma vez que o
campo religioso sofreu profundas mudanças e apresenta uma série de áreas veladas mais
que reveladas – uma série não menor de ambigüidades que tornam a definição do
conceito uma tarefa nada fácil nem simples.
No entanto, devemos recuar mais longe, antes da obra de Mouroux, para tocar na
raiz do que vai influenciar o pensamento teológico a respeito da assim chamada
experiência religiosa. É, na verdade, no começo do século XX (mais concretamente em
1917) que o célebre livro de Rudolf Otto (Lo santo)25 vai tentar uma definição mais
rigorosa do que seria a experiência religiosa sem entrar diretamente nos domínios mais
confessionais de uma determinada instituição. Segundo ele, a experiência religiosa traz
consigo uma incomensurabilidade entre tudo que releva do entendimento ou da razão e o
22
J. MOUROUX, L´expérience chrétienne, Paris, Aubier, 1954
23
Cf. ibid, pg ........
24
25
R. OTTO, Lo Santo, Lo Racional y Lo irracional en la idea de Dios, Madrid, Allianza Editorial,
1980, esp. pp 14-21.
8
igualmente deixar de levar em conta as contribuições deste Autor. Não pode, porém, do
mesmo modo, ignorar alguns elementos que trazem outras ciências quando dialogam com
a teologia e a filosofia a respeito deste tema. E ertamente a principal destas ciências seria
a psicologia.
26
Nas reflexões que se seguem, estaremos acompanhando de perto a reflexão de C. DOMINGUEZ
MORANO, , Creer después de Freud, Madrid, Paulinas, 1992; assim como sua outra obra traduzida no
Brasil Orar depois de Freud, SP, Loyola, 1998
27
Cf. ....Vida Pastoral
28
Cf. sobre isso o excelente capítulo de autoria do Pe. H. DE LIMA VAZ, Experiência de Deus, in L.
BOFF et alii Experimentar Deus hoje, Petrópolis, Vozes, 1974, pp
29
Neste sentido, v. a obra de F. VARONE, El Dios “sádico”. Ama Dios el sufrimiento? , Santander, Sal
Terrae, 1988, além de todas as outras obras do antropólogo francês R. GIRARD, sobre a questão do
sacrifício na experiência religiosa La violence et le sacré, Paris, Grasset, 1972 (trad. Br., A violência e o
sagrado, Rio de Janeiro, Paz e Terra,, 1990; Le bouc émissaire,Paris, Grasset, 1982; Des choses cachées
10
depuis la fondation du monde, Paris, Grasset, 1978 ; La route antique des hommes pervers, Paris,
Grasset, 1985
30
Cf. C. DOMÍNGUEZ MORANO, Creer después de Freud, op. Cit., pg 14 ss
31
32
Cf. sobre isso nosso livro Alteridade e vulnerabilidade. Experiência de Deus e pluralismo religioso no
moderno em crise, SP, Loyola, 1993
33
Sobre isso cf. A. TORRES QUEIRUGA, Creio em Deus Pai. O Deus de Jesus como realização do
humano, SP, Loyola, 19.....
34
Cf. os temores gerados pelos acontecimentos de um ano atrás, no dia 11 de setembro. Sobre os perigos
do fanatismo religioso, v. Concilium.... V. tb M.C.BINGEMER (org) Violência e religião. Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo. Três religiões em confronto e diálogo2, SP, Loyola, 2001
35
Cf. ...
36
Cf. C. PALACIO, A fé em Jesus Cristo em tempos de religiosidade “light”, in Revista de Itaici, ....
11
A experiência mística
Se algo se pode dizer da mística, certamente passa pelo caminho da
38
experiência. Não se trata de uma teoria sobre o outro, nem muito menos de um
discurso construído e rigoroso sobre o outro. Tudo que possa haver de discurso e
teoria neste particular emerge e se faz inteligível a partir de uma experiência . 39 E esta
experiência é fundamentalmente experiência de relação. Neste sentido e somente à
luz deste fato primeiro é que se pode falar então de conhecer e conhecimento. 40 A
mística é, sim, um conhecimento, porém um conhecimento que advém da experiência e
onde a inteligência e o intelecto entram apenas no sentido de compreender não a
experiência abstratamente falando, mas o que sente o sujeito concreto que está no
centro do ato mesmo de experimentar.41 E este sentir é um sentir que implica em uma
alteridade e uma relação.
No evento místico, que se desenrola entre o ser humano e o ser
divino, está, portanto, não apenas o sujeito que conhece, ou seja, o eu, mas o outro,ou
seja, o tu ou ainda o ele ou ela. Portanto, aquele ou aquela que, por sua alteridade e
diferença, movem o eu em direção a uma jornada de conhecimento sem caminhos
previamente traçados e sem seguranças outras do que a aventura da descoberta
progressiva daquilo que algo ou alguém que não sou eu pode trazer. Esse ou essa que
não sou eu, também não é isso (algo coisificado ou reificado)42 e sim, alguém que a mim
se dirige, que me fala e a quem respondo. Um "outro"sujeito, cuja diferença a mim se
impõe como uma epifania43 , uma revelação.
No caso da mística, essa relacionalidade com a diferença do outro cobra
dimensões diferenciadas na medida em que coloca no processo e movimento da relação
um parceiro de dimensões absolutas, com o qual o ser humano não pode sequer cogitar
37
Estamos supondo aqui que quando falamos de experiência mística, nos referimos à autêntica experiência
de Deus, que consiste na experiência do Sentido Radical e não de um Sagrado difuso que possa gerar
ambiguidades ou rejeições parecidas com as que elencamos acima.
38
Cf. H. L. VAZ, A mística na tradição ocidental, in M.C.BINGEMER e R.S. BARTHOLO Jr, Mística e
política, SP, Loyola, 1992, pp........
39
Entendemos por experiência , e concretamente por experiência religiosa, aquilo que se percebe de modo
imediato e se vive antes de toda análise e de toda formulação conceitual. Trata-se da vivência concreta do
homem que se encontra, graças a uma força que não controla ou manipula, frente a um mistério ou um
poder misterioso. Cf. sobre isso Diccionario de las Religiones, Barcelona, Herder, 1987, verb. experiencia
cristiana e experiencia religiosa.V. tb. J. MOLTMANN,.The Trinity and the Kingdom of God, London,
SCM Press, 1981, pg 4, ; L BOFF (ORG) Experimentar Deus hoje, Petrópolis, Vozes, 1975,
especialmente o capítulo escrito pelo Pe. H.L. VAZ; J. A.ESTRADA, A experiência cristã de Deus,
Petrópolis, Vozes, 2001, M. GELABERT, Valoración cristiana de la experiência, Salamanca, Sígueme,
1990.
40
Cf. o sentido de conhecer bíblico, que é inseparável de amar. Cf.J.MOLTMANN, op. cit. pg 9
41
Cf. sobre isso o que diz Santo Tomás de Aquino:"Non intellectus intelligit sed homo per intellectum "
Ou seja, é o homem concreto na sua polivalência intencional que é o sujeito do ato de abrir-se ao seu
objeto, movimento que caracteriza a experiência. Abrindo-se, esse homem torna-se capaz de acolher o ser
na riqueza analógica de sua absoluta universalidade. Summa Theologiae 1a., q. 72 ad 1m, cit. por
H.L.VAZ, Mística e política. A experiência mística na tradição ocidental, in M.C.BINGEMER e
R.S.BARTHOLO (org.) Mística e Política, Col. Seminários Especiais Centro João XXIII, SP, Loyola,
1994, pg 10. Cf. tb. H.L.VAZ, Antropologia Filosófica II, Col. Filosofia, SP, Loyola,1992, pg 37, n. 8.
42
Cf. M. BUBER, Eu e Tu, SP, Moraes, 1977, 2a. ed., pp XLV- LI
43
Cf. E. LEVINAS e todo o seu discurso sobre a alteridade. V. notadamente a obra Autrement qu'être ou
au-delà de l'essence, Paris, Folio, 1996
12
44
V. o que sobre isso digo em meu livro Alteridade e vulnerabilidade. Experiência de Deus e pluralismo
religioso no moderno em crise, Sp, Loyola, 1993 especialmente no capítulo IV: Experiência de Deus.
Possibilidade de um perfil?
45
Cf. H.L.VAZ, op. cit., pp 11-12
46
V. J. MARITAIN, L'expérience mystique naturelle et le vide, in Oeuvres (1912-1939), Éd. H. BARS,
Paris, Desclée, 1975, pp 1125-1158, cit. por H.L.VAZ, op. cit., pg 12, n. 4.
47
Cf. F.C.TEIXEIRA, op. Cit., pp 130-132. Cf. tb. M. HENRY, L´incarnation, Paris, DDB. 20001.
40
Ibid pg 39
13
corresponder uma resposta e uma entrega igualmente totais por parte do ser humano.
Quanto a esta exigência, não existe distinção de categorias,segmentos ou níveis de
pertença dentro do povo de Deus. Oferecer-se inteira e totalmente, "oferecer seu corpo
como hóstia viva ,santa , imaculada e agradável a Deus" (cf. Rom 12,1) é o culto
espiritual de todo e qualquer cristão, seja ele quem for e pertença ele a que estamento da
organização eclesial pertença.48
Há que ver, no entanto, como esse desejo e essa entrega feita de totalidade
se configurará na vida de cada um. Segundo o gênero de vida ou espaço onde está
situado, o cristão deverá viver a oblação de sua vida com ênfases,destaques e tendências
diferentes. No entanto, há alguns elementos comuns que estarão presentes sempre, desde
que a espiritualidade vivida seja aquela que se revela nas estruturas neo-testamentárias
como experiência de vida movida pelo Espírito, no seguimento do Filho, buscando e
praticando a vontade do Pai.
Após tudo que foi dito em termos da identidade da espiritualidade cristã, não
poderíamos terminar esta reflexão sem enfrentar o grande e novo desafio que interpela
esta espiritualidade no coração mesmo de sua identidade: a necessidade de, em um
mundo plural , multicultural e plurireligioso, estar muito atento a duas prioridades
fundamentais:
1. A primeira seria resgatar e voltar àquilo que constitui a riqueza mais original
da identidade e tradição cristãs. Voltar a orientar o estilo de viver a vida no Espírito
enquanto Aliança com um Deus pessoal que se propõe como Amor e manda
imperativamente ser amado. Assumir as consequências dessa Aliança, que supõe um sair
de si, um êxodo de si mesmo em direção ao outro e que constitui, juntamente com o
Deus Criador e Libertador, o outro pólo da espiritualidade, da maneira de viver que
corretamente pode ser chamada “espiritualidade”. A transcendência de quem a
modernidade ensaiara o banimento foi resgatada pela pós-modernidade. Mas foi
resgatada com uma configuração diferente: sem absolutos, sem pessoalidade, sem
alteridade dialogal. A espiritualidade cristã é chamada, portanto, hoje, a fazer visível no
difuso mundo pós-moderno aquilo que é o centro de sua identidade: a fé na existência de
um Absoluto pessoal, que interpela e cuja palavra , convocadora e eficaz, configura toda
a existência. Um Absoluto que tem rosto e nome, que fala e se dá a conhecer, remetendo
no entanto, constantemente, ao outro humano , sobretudo ao mais pobre e carente , na
face de quem Ele pode ser encontrado em epifânica manifestação que faz apelo à
compaixão.
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Há que ver, a esse respeito, a frase do célebre jesuíta brasileiro Pe. Leonel Franca SJ, cujo centenário ora
celebramos e que resume bem o que acabamos de dizer: "Com o absoluto não se regateia. Quem não deu
tudo ainda não deu nada.Todo sacrifício tem que ser holocausto." V. tb. o que sobre isso diz B. FORTE, op.
cit., pg 31 comentando LG 10.
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2. Por outro lado, a espiritualidade cristã hoje deve estar disponível para o diálogo
com outras tradições religiosas, com espírito desarmado e aberto. O pluralismo no qual
estamos mergulhados no mundo de hoje nos ensina que para viver plenamente segundo o
Espírito de Deus, é preciso voltar-se atenta e respeitosamente às maravilhas que Ele
realiza no outro, mesmo aquele ou aquela pertencente a outra tradição religiosa. A escuta
do outro tornou-se um imperativo inarredável para se poder viver a própria identidade. .
Há muitas coisas nas outras religiões que nos parecem difíceis de aceitar. Difíceis
inclusive de entender. Mas poderíamos pelo menos dispormo-nos a escutar. A escuta é
em si mesma e ao mesmo tempo uma exigência de Deus ao seu povo ("Escuta, Israel!"),
sendo portanto, algo constitutivo da experiência judaico-cristã da fé e da vida no Espírito.
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Neste sentido, o dogma da “comunhão dos santos” é extremamente inspirador.
15
50
Neste ponto, podemos aproveitar a sabedoria dos mestres ocidentais. Por exemplo, Santo Inácio de
Loyola, que escreve no proemio do livro de seus Exercícios Espirituais que "é sempre melhor estar disposto
a salvar a proposição do outro que a condená-la" (EE.EE. 21-22)
16
51
Cf os dois textos do Pe. Vaz nos livros: M.C.BINGEMER (org) O impacto da modernidade sobre a
religião , SP, Loyola, 1992, e M>C>BINGEMER e R>dos SANTOS BARTHOLO (org) Mística e
política, SP, Loyola, 1994
52
Cf. J. SOBRINHO, Espiritualidade e Teologia, In Liberación con Espíritu, Santander, Sal Terrae, 1985,
pg 60 (trad. port., Vozes, 1987)
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seu nascedouro, tão antigas quanto as experiências que as originaram .53 E ao mesmo
tempo , trazendo de volta o vigor e a consistência da teologia para dentro da vivência da
espiritualidade, ajudará a esta a não se diluir e perder na tentativa de viver uma
transcendência sem absolutos e vazia de referências, mas sim aprender a conjugar espírito
e carne, barro e sopro, história e transcendência, Deus e o ser humano, em amorosa e
inseparável síntese, renovando a face da terra e prometendo tempos melhores às gerações
contemporâneas , sedentas de transcendência e de gratuidade.
53
Cf. H.U.VON BALTHASAR, Teologia y Espiritualidad, In Selecciones de Teologia 13 (1974) pg 142