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Este documento discute o uso da propaganda no cinema durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente na Alemanha nazista. Joseph Goebbels, ministro da propaganda do Reich, usou filmes sutis para promover a superioridade alemã e o Führerprinzip de Hitler de forma indireta. Os filmes mostravam outros povos como inferiores aos alemães e justificavam a eliminação de "elementos indesejáveis" como judeus e doentes mentais.
Este documento discute o uso da propaganda no cinema durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente na Alemanha nazista. Joseph Goebbels, ministro da propaganda do Reich, usou filmes sutis para promover a superioridade alemã e o Führerprinzip de Hitler de forma indireta. Os filmes mostravam outros povos como inferiores aos alemães e justificavam a eliminação de "elementos indesejáveis" como judeus e doentes mentais.
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Este documento discute o uso da propaganda no cinema durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente na Alemanha nazista. Joseph Goebbels, ministro da propaganda do Reich, usou filmes sutis para promover a superioridade alemã e o Führerprinzip de Hitler de forma indireta. Os filmes mostravam outros povos como inferiores aos alemães e justificavam a eliminação de "elementos indesejáveis" como judeus e doentes mentais.
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Ainda que o termo "guerra", no sentido estrito, refira-se
à confrontação violenta entre dois ou mais exércitos, o certo é que as batalhas não se desenvolvem sempre no chamado "campo de honra", mas também em terrenos não menos respeitáveis como o da mídia: pelo rádio, pelo cinema e pela televisão. Comentar o "cinema de guerra", pois, é falar também do cinema como veículo de idéias políticas, econômicas e sociais. Nos tempos, não tão distantes como parece, em que a televisão não era o principal meio de doutrinamentodas massas, ocinema era aarmamais poderosa para convencer umpovoemguerra acerca daqueles princípios indiscutíveis que tornam inevitável a vitória e que permanecemsintetizados na absoluta superioridade técnica e moral sobre o inimigo. Por outro lado, este necessita das mínimas motivações quelegitimemsuaatitude.
Já na Primeira Guerra Mundial, deu-se início à
utilização do cinema como suporte do esforço bélico, todavia, de forma bastante limitada e ingênua. Embora a sétima arte começasse a sair da infância, ainda não gozava da confiança dos poderes políticos e militares e nem detinha o atrativo irresistível emrelação à grande parcela da população, como ocorrerá alguns anos mais tarde. As fitas de propaganda que circularam no período da Grande Guerra eram poucas e de origemquase exclusivamente norte-americanas. Isto se deve, basicamente, ao elevado nível industrial que o cinema dos EUAhavia alcançado e sua grande capacidade de "seduzir" o público, e, por outro lado, condicionar suas principais características. Como os Estados Unidos demoraram muito para entrar nessa disputa, percebemos que os primeiros filmes dedicados à Guerra possuíam uma curiosa mensagem pacifista: o exemplo mais conhecido é a produção de Thomas H. Ince, Civilization (1916, estreada na Espanha como título de La Cruz de la Humanidad), que poderia ser considerada como um apoio tácito à candidatura isolada de Woodrow Wilson. Seu antibelicismo primário e retórico encaixa com perfeição na raiva antigermânica, igualmente irracional, que pode ser apreciada emumfilme posterior à disputa, porém, tambémproduzido por Ince: Bahind the Door (1920). Nesta virulenta denúncia da barbárie tudesca, podemos ver como os tripulantes de umsubmarinoalemãoviolame assassinamuma enfermeira americana e depois se desfazem do cadáver mediante umprático e original recurso como lança-torpedos. Estabelecidaapremissadequeos alemães sãoumas feras sem consciência, os autores nos preparam para a cena final, na qual o marido da enfermeira (que tem a astúcia de se apresentar como um imigrante de origem alemã) tem a oportunidade de se vingar do capitão do "V-Boot", esfolando- ovivo.
Emresumo, podemos dizer queos filmes depropaganda
contemporâneos à Guerra de 1914 não têm a sutileza, complexidade —porque dizemtudo —e a efetividade que teriamos produzido ao abrigo da Segunda Guerra Mundial, mais mortífera e tambémmuito mais "ideológica". Por isso, vamos limitar nossaexposiçãoaoperíodocompreendidoentre 1933 (marcado pela ascensão do nazismo na Alemanha) e 1945 (final oficial da Segunda Guerra), e àqueles países europeus submetidos a umregime político totalitário, isto é, o Terceiro Reich, a Itália fascista e a União Soviética. Isso não quer dizer que os Estados Unidos não praticaram, através de Hollywood, uma defesa consciente de seus interesses políticos e, sobretudo, econômicos; porém, ao basear sua mensagem em conceitos teoricamente "positivos", como são os de repulsa à tirania, defesa da democracia e da autodeterminação dos povos, etc., suas películas são menos ilustrativas do que entendemos habitualmentecomopropagandabélica.
Goebbels esuaHollywoodsobreoReno
Quando se apresenta o cinema alemão da época nazista
como modelo de propaganda política, não se faz outra coisa senãorender umjustotributoa quemse pode considerar oseu autênticoresponsável: JosephGoebbels. Apesar denãoser um profissional da mídia, o brilhante ministro da Propaganda do Reichdemonstroupossuir umasensibilidadeparaoespetáculo fílmico e para a manipulação do espectador digna de Irving Thalberg, Adolph Zukor, David O. Selznick ou Cecil B. De Mille; é lastimável que tenha colocado suas inegáveis prendas a serviço de objetivos infames e, de longe, menos rentáveis que os grandes showbusiness de Hollywood. Os primeiros filmes patrocinados pelos nazistas foramexaltações guerreiras tipo SA-Mann Brand ("O despertar de uma nação", 1934), Hitlerjunjge Quex ("O flecha Quex", 1935) e o célebre documentário de Leni Riefenstahl Triumph des Willens ("Triunfo da vontade", 1934), cuja mensagem, tão transparente quanto agressiva, poderia resumir-se na seguinte frase: "quem não estiver conosco, que se sujeite às conseqüências". Para Goebbels, este tipo de propaganda foi- lhe parecendo contraproducente, sobretudo naqueles anos de formação do novo Estado, dando instruções afiadas, a partir de então, para que o ideal do Reich se filtrasse de forma mais indireta e, ao mesmo tempo, mais convincente. Os tópicos seguidos foram essencialmente dois: a exaltação do caudilhamento (Führerprinzip) e a superioridade racial germânica (o umbermensch frente às raças inferiores, untermenschen).
Seguindo as astutas instruções do ministro, nenhum
desses dois princípios básicos foi posto em prática de uma forma excessivamente direta, senão através de personagens e situações exemplares que evocavam no espectador, sem representá-lo literalmente, o modelo proposto. Isto se torna especialmente evidente nas glorificações do Führer, já que nunca foi pensada seriamente a produção de uma película, de ficção ou documentária, sobre Hitler, embora tenha sido produzida uma série de biografias de personagens ilustres do passado alemão que, do seu pedestal, constituíamuma clara premunição dogovernante atual. Para esta finalidade, serviam poetas (Friedrich Schiller, como em Der Triumph cines Genies, 1940), músicos (Friedemann Bach, 1941), escultores (Andreas Schülter, 1942), médicos (Robert Koch der Bekämpler des Todes, "Roberto Koch, o vencedor da morte", 1939, ou Paracelsus, 1943) e estadistas (Bismarck, 1940); contudo, o curinga insuperável era o rei da Prússia, Federico, o Grande, pois, muito antes da ascensão nazista, ele já era um mito indiscutível do autoritarismo teutônico. Na realidade, as películas sobre "o velho Fritz" eram moeda corrente no cinema alemão desde o grande êxito, em 1923, da superprodução (em quatro episódios) de Fridericus Rex, quando o ator Otto Gebühr, intérprete principal do filme, adquiriu uma sólida fama de personificação do monarca. Em 1942, Gebühr interpretou Der Grosse Köning ("O grande rei"), sem dúvida o filme mais elaborado, tanto no plano técnico como doutrinário, dedicado a este emblemático personagem.
Se a grandeza do Führer não era mostrada diretamente,
algo parecido se fazia coma superioridade da raça alemã, que se deixava implícita através da inferioridade dos demais países e etnias. É muito difícil que nos filmes alemães desta época seja apresentado umpersonagemestrangeiro sob uma ótica positiva, embora seja indubitável que alguns obtenham êxito. Os primeiros são, certamente, os judeus: sua intrínseca maldade é posta emrelevomediante a enganosa autoridade do documentário Der ewige jude ("O eterno judeu", 1940), por exemplo, que os mostra em contraste com os imaculados arianos, quando adquirem suas mais desprezíveis personificações; o filme que melhor ilustra esta tese é Jude Süss ("O judeu Süss", 1940), vagamente baseado em fatos históricos, nos quais os "bons alemães" dão um tratamento merecido a umjudeu que não só os havia usurpado o poder em sua comunidade e que, como cúmulo da abjeção, havia causado o suicídio de uma jovemariana depois de submetê-la aumadesonra"pior doqueaprópriamorte".
As etnias inferiores, contudo, não se esgotam nos
judeus. Polacos e tchecos sãoobjetos deinjúrias tantooumais agressivas, se bem que neste caso as conotações políticas estão acima das de cunho meramente ideológico. Com a desculpa de vingar os alemães oprimidos sob o domínio estrangeiro, o que perseguemé uma claríssima reivindicação territorial, posta em pratica em 1938 (invasão da Checoslováquia, Pacto de Munique) e 1939 (incidente de Danzing e declaração de guerra). Os polacos, por exemplo, são apresentados em duas ocasiões como torturadores de alemães: Feinde ("Inimigos", 1942) e Heimkehr ("De volta à barbárie", 1941). Ocaso dos russos é mais complexo. Ainda que considerados pela propaganda nazista como hordas de bárbaros sobre os quais o comunismo exacerba suas inatas tendências criminais, durante a vigência do Pacto Germano- Soviético, eles são apresentados sob uma perspectiva mais benévola. Um exemplo é a muito fantasiosa biografia de Tchaikovski, Es war eine rauschende Ballnacht ("Noite enfeitiçada",1939), e o comovente melodrama Der Postmeister ("Dunia, a noiva eterna", 1940). Relacionadocom os critérios de superioridade da raça e eliminação profilática daqueles elementos que pudessem contribuir para sua contaminação, devemos recordar Ich klage an! ("Eu acuso!", 1941), filme tambémpatrocinado pelo Estado e que, todavia, hoje poderia ser objeto de polêmica, já que é uma defesa da eutanásia. Os roteiristas fazemuma armadilha, certamente, já que apresentam uma mulher jovem e atraente a quem uma incurável enfermidade neurológica vai transformando, pouco a pouco, em uma inútil, fazendo com que a morte (proporcionada por seu próprio marido) seja o único remédio para seu sofrimento. Naturalmente, o que pretendia o regime com esta película era conscientizar a população da necessidade de eliminar todos aqueles "enfermos incuráveis" que a nação não podia manter, semnecessidade de precisar que nesse bolo estavam contidos, também, os retardados mentais, os homossexuais, os judeus, os ciganos, os comunistas ... enfim, todo aquele que tivera o atrevimento de afetar o belo quadro formado pelos ruivos sturmtruppen marchandocompassos deganso.
Quando a Guerra chegava ao seu fime era preciso estar
muito cego para não se enxergar a iminente derrota do Reich, o incansável Goebbels despejou grande quantidade de dinheiro e trabalho emKolberg (1945), uma superprodução a cores, ambientada nas guerras napoleônicas com a qual, através da numantina resistência de uma cidade alemã diante das tropas francesas, pretendia-se erguer a muito destroçada moral nacional. Certamente, este objetivo não se concretizou, entretanto, comprova que, em plena debacle, a maior preocupação de um dos maiores responsáveis do país era finalizar um mastodôntico "colossal" repleto de cenas espetaculares, indicando o quanto o cinema era importante para Goebbels. Nos últimos minutos de sua vida, depois de ter eliminado friamente as suas filhas e esposa, quiçá, o nosso homemtivesse tidouma tortura a mais: a de pensar que, vinte anos atrás, poderia ter ido para Hollywood, como tantos compatriotas seus (quase todos judeus; isto sim: ninguém é perfeito!), e que, agora, estaria sentado na sala de uma importanteprodutoracinematográfica.
Telefones brancos e camisas pretas: o discreto encanto do
cinemafascista
Ao contrário doque temos visto na Alemanha nazista, a
indústria cinematográfica italiana, durante o chamado "ventennio nero", não sofreu um controle ideológico tão estrito, apesar de o Ministério da Cultura Popular (habitualmente chamado pelo engraçado termo "Minculpop") ter criado o InstitutoLuce, uma entidade dedicada à produção oficial, basicamente de noticiários, mas que, às vezes, colaborava com algum filme de ficção que tivesse significação política. Deixando de lado estes produtos claramente dependentes do Estado, o certo é que tanto os realizadores quanto as casas produtoras mantiveram sua independência e não se viram obrigados a realizar produtos abertamente propagandísticos. Apenas um personagem concreto, como o pitoresco diretor-roteirista-produtor Giovacchino Forzano, manteve, ao longo de sua obra cinematográfica, uma beligerante militância: de fato, a única película dedicada claramente a exaltar o fascismo, concretamente os vinte anos da "marcha sobre Roma", é a que Forzano produziu em 1933, por encargo do Instituto Luze, com o significativo título Camicia nera; junto comVecchia guardia ("Velha guarda", 1935), de Alessandro Blasetti, é um dos raros exemplos do cinema de guerra italiano. Como igualmente ocorreu no Terceiro Reich, nem um nem outro agradaramaos organismos estatais, que desaconselharampôr em marcha as novas epopéias "negras". Os produtores entenderam a mensagem e se dedicaram aplicadamente a comédias sentimentais semoutra preocupação a não ser a de desenvolvê-las em ambientes elegantes, e, para isso, nada melhor do que os telefones brancos, já que eles eram sinal clarodestatus.
Oquefoi ditoanteriormenteparece dar aentender que o
fascismo não tinha nenhum interesse ideológico no cinema. Istoé certo? Nãoexatamente, comcerteza. Oregime tinha um ideal de exaltação destinado a dar aos italianos uma imagem de si mesmos muito mais triunfal do que correspondia à realidade. Aimagemmais brilhante do italica gens tinha que ser buscada umpouco distante, no luxuoso Império Romano: então, os italianos haviamsido grandes, os donos do mundo, nem mais nem menos. Mas, curiosamente, estes tempos gloriosos brilham por sua ausência no cinema da época fascista, fenômeno mais chamativo, entretanto, se pensamos que os grandes êxitos italianos do cinema mudo haviamsido precisamente evocações da Roma antiga: Quo Vadis (1912) e Cabíria (1914) são os exemplos mais ilustres. Por que não se seguiu por esse caminho? Essencialmente, porque a temática já estava muito saturada; os últimos filmes de ambientação "romana" —estreitas versões de Quo Vadis (1925) e Gli ultimi giorni di Pompei ("Os ultimos dias de Pompéia", 1926, estreado na Espanha como La ciudad castigada) —haviam sido admiráveis fracassos econômicos. Somente após a conquista da Absínia, Mussollini começou a propor uma retórica imperial, e, então, apareceu, por fim, o mundo romano nas telas italianas com uma custosa produção financiada pelo Estado: Sapione l’Africano ("Cipião, o africano", 1937), no qual as Guerras Púnicas eram uma evidente cópia da recente aventura africana do moderno condottiero, oDuce.
Em geral, pode-se dizer que a vinculação estatal na
produção italiana anterior a 1939 tem um caráter escassamente politizado e demonstra uma louvável preocupação pelo aperfeiçoamento da infra-estrutura oficial. Noinstante da declaraçãode guerra, ocinema italianopossuía umexcelente nível técnico, comos formidáveis estúdios de Cinecittà recém-inaugurados e uma bem dotada escola de formação cinematográfica no Centro Sperimentale di Cinematografia. Quando, no pós-guerra, os críticos se extasiavam com as obras neo-realistas, não viam, e não queriamver, que De Sica, Rossellini, De Santis, Visconti, etc. haviam aprendido o ofício graças aos esforços do extinto regime e suas películas se apoiavam na estrutura de base criadanos anos anteriores.
Ao se iniciarem as hostilidades, aparece um cinema
mais abertamente propagandístico, se bem que, às vezes, a preparação bélica é apresentada de forma bem oblíqua, sobretudo através da Guerra Civil Espanhola. Ocurioso é que as alusões aoconflitoibériconãose apoiavamna exaltaçãoda ajuda fascista à Espanha — senão em um alarde de generosidade (ou melhor, emumintento da indústria italiana de abrir mercados em uma época em que estes se haviam reduzido drasticamente) —, mas promovem diretamente as vitórias das armas franquistas. Umdos filmes de maior êxito deste momento é L’assedio del’Alcazar ("O cerco de Alcaçar",1940) em que participaram elementos espanhóis dentro do marco de co-produções que funcionou entre 1939 e 1943.
Ampliando este aspecto da colaboração Mussollini-
Franco, recordemos que foi precisamente um espanhol, EdgardNeville, queminaugurouumgêneroque irá alcançar o auge nesse período do cinema italiano: o panfleto anticomunista. Ofilme de Neville, intitulado Santa Maria na Itália e La muchachade Moscúna Espanha (ondeestreoucom muitos cortes), foi exibido, em1941, como "o primeiro filme italiano antibolchevista", porém, foi, rapidamente, desbancado, no plano ideológico, pela adaptação que Goffredo Alessandrini fez, em1942, da novela de Ayn Rand Los que vivimos (e sempagar os direitos autorais, emfunção da situação bélica, certamente): dividida emduas partes, com mais de três horas de duração total —Noi vivi ("Nós que vivemos") e Addio, Kira ("Adeus, Kira") —gerou o curioso paradoxo de não agradar muito as hierarquias do partido que, aoque parece, detectaramna descriçãoque se fazia doEstado totalitáriobolchevistaalguns paralelos comoprópriosistema.
Por mais que se seguisse fomentando o cinema de
evasão, agora especialmente centrado nas histórias de ambientação oitocentista, como emUn colpo di pistola ("Un tiro en reserva", 1941, segundo um conto de Puschkin), os cineastas foramanimados a realizar películas ambientadas em pleno conflito. Para alguns, esta função era obrigatória, como no caso de Francesco de Robertis que era oficial da Marinha. Contudo, para outros, esta sintonia como esforço bélico não deixa de ser chocante: o caso mais ilustrativo é o de Roberto Rossellini. Ele que, em1945, fizera o grandioso documento ao heroísmo comunista contra os nazistas, Roma città aperta ("Roma, cidade aberta"), estreou como diretor com três veículos de propaganda a favor do Eixo: La nave blanca (produção do Ministério da Marinha, supervisionada por De Robertis), Un pilota ritorna (com roteiro e supervisão de Vittorio Mussollini), ambas de 1941 e Lúomo della croce (1941) de forte conteúdo anti-soviético e comumsacerdote como protagonista, se bem que, do lado oposto, havia o personagem, encarnado por Aldo Fabrizi, que revelaria seu diretor como umconvencido antifascista. Diferentemente de Rossellini, o outro grande nome do neo-realismo, Vittorio de Sica negou-se redondamente a favorecer a guerra de Mussollini e contrariouprofundamente oregime aoapresentar em I bambini ci guardano (1942), uma amarga e desmistificadora visão da instituição familiar, algo que a propaganda oficial considerava como um dos pontos sacrossantos danação.
A República de Saló, o ultimo ato do melodrama
fascista, quis tambémconstruir sua indústria cinematográfica com alguns técnicos e atores que não quiseram trocar de jaqueta (oupara ser mais exato, de cor de camisa) depois de 8 de setembro de 1943. Improvisaramna Giudecca veneziana uns estúdios e rodaramalguns filmes, todos bastante pobres, tanto emconteúdo quanto emseu aspecto formal. Odetalhe mais ilustre desses esquecidos produtos é sua absoluta falta de significação política e sua imponente reclusão em antigos clichês quejánãoenganavamaninguém.
Josef Stalin, oherói docinema
Ainstauraçãodocinema sonorona URSScoincide com
a aplicação, neste meio artístico, do realismo socialista, fórmula narrativa teoricamente herdada do novelista Maxim Gorki e que, em linhas gerais, postulava o seguinte: exemplaridade da história, quer dizer, esta deveria servir ao espectador como modelo a ser imitado; heróis positivos, sem ambigüidades; repulsa ao individualismo e ao sentimentalismo burguês, isto é, nada de anedotas sentimentais segundo a linha americana boy-meets-girl; e, finalmente, absoluta clareza expositiva, realizada certamente sem devaneios formalistas que afetassem a compreensão da mensagem. Estes postulados ficaram esboçados na primeira reunião sobre matérias especificamente cinematográficas que o Partido Comunista convocou em março de 1928, precisamente como resposta às críticas que alguns setores faziam aos filmes considerados demasiadamente experimentais e, portanto, semvalor educativo; ao longo da década seguinte, essas opiniões ficariam firmemente consolidadas, convertendo, poucoa pouco, ocinema soviético emumcontínuosermãoque lembrava aos cidadãos oque eles deveriam ou não fazer, além de explicar-lhes os fatos históricos por uma perspectiva claramente tendenciosa. Ademais, devemos lembrar que, diferentemente dos italianos e com um critério todavia mais intervencionista que os alemães, na recém-criada URSS, o Estado faz-se responsável, de forma absoluta, pela produção de películas, de modo que estas não necessitassem se preocupar com a vil bilheteria como nos degenerados países capitalistas, senão apenas obedecer aocomandodas instruções dokomissar deturno.
Estas receitas cinematográficas interditariam os
sucessos formais alcançados pelo cinema revolucionário dos anos vinte que, mediante as obras de Eisenstein, Pudovkin, Dovzenko, etc., havia conseguido o raro milagre de converter a propaganda política emarte, criando obras cinematográficas que hoje, todavia, apesar dos avatares sofridos pela ideologia que as animou, continuam sendo clássicos indiscutíveis do cinema. De qualquer modo, é necessário considerar que a passagemdo cinema mudo para o cinema sonoro favoreceu tambémas novas orientações, já que os aparatos de montagem e o barroquismo visual não se ajustavammuito bemcomo primitivo cinema falado, tanto no plano técnico como no estético: a montagem e os movimentos de câmara estavam estritamente sujeitados à conquista do som, visto que a preponderância do diálogo tornava inevitável umtratamento mais naturalista. Quandose fala dos problemas que tiveramos grandes mestres da época muda para prosseguir com seus trabalhos, devem-se considerar estas premissas, pois elas agiram como complementos essenciais das imposições da censura.
Dos modelos genéricos do realismo socialista,
acrescentar-se-á um ingrediente que, no futuro, terá uma importância capital, oque posteriormente será denominadode "culto da personalidade" de quem, durante quase vinte anos, será o dono absoluto do destino da URSS, aquele que, muito antes de Superman, já adotava o pseudônimo de "homemde ferro": Josef Stalin. Coma morte de Lenin, em1924, impôs- se uma drástica concentração de poder, já que entre os líderes da revolução havia critérios divergentes para conduzir o país. Não trataremos aqui das lutas internas pela divisão de poderes, uma vez que estas encontram-se muito bemdescritas em alguns livros da história da Revolução Russa; apenas recordaremos que, desse confronto, saiu umgrande perdedor —Trotsky —, e umvencedor, que foi Stalin. Caso alguém duvide desse resultado, que vá ao cinema: na película de Eisenstein, comemorativa das jornadas de 1917, Oktiabr ("Outubro", estreada em março de 1928), as cenas em que Trotsky aparece são cortadas da montagem definitiva. Em finais de 1934, o assassinato de umfiel colaborador de Stalin, Serguei Kostrikov, conhecido como Kirov, foi atribuído a elementos trotskistas e utilizado para eliminar, de forma mais ou menos legal, todos aqueles que discutiama autoridade do ditador edasuacamarilha.
De forma semelhante ao que ocorria no Terceiro Reich,
a figura de Stalin serviu como modelo para uma série de filmes biográficos, sendo que, neste caso, apenas se recorria a políticos e militares que haviam engrandecido a "Grande Pátria Russa". Curiosamente, Stalin não era russo e sim georgiano; entretanto, issonãooimpedira de ser umfervoroso centralizador e inimigo de qualquer atitude nacionalista que ameaçasse a unidade do Estado soviético. Em Bogdan Jemelnitski (1940), homenageava-se um capitão cossaco, como defensor da independência da Ucrânia frente aos polacos, mas não contra o czar de Moscou, de quemele se reconhecia como o mais fiel servidor; logicamente, a beligerância antipolaca estava totalmente justificada pelo ano de realização do filme, quando Stalin e Hitler repartiram amigavelmente os despojos desse infortunado país (em relação à divisão da Polônia, convém lembrar que já havia sido produzido, um ano antes, um outro filme, intitulado Chors, de umnível artístico muito superior ao acima citado, por ter sido realizado pelo ilustre Alexandr Dovzenko, mas igualmenteabjetoemsuamotivaçãoprimordial).
Oczar Pedro, o Grande, fundador de São Petersburgo e
figura de inegáveis ressonâncias patrióticas, foi objetode uma mastodôntica produção, intitulada precisamente de Piotr Pervi, ou seja, "Pedro I", emduas partes, a primeira estreada em1937, ea segundaem1939, que aindatinhaumcertonível formal, mas que aponta para um horizonte (do medíocre Vladmir Petrov) um tanto grosseiro, com o protagonista principal, Nikolai Simonov, atuando sempre com os olhos arregalados, exagerandomuitona encenação. Muitomais feliz foi o resultado alcançado por Alexandr Nevski (1938), outra biografia de intenções similares, mas que contou, por trás das câmaras, coma presença dogrande Serguei Eisenstein: graças a ele, essa película não permaneceu como mais ummemorial propagandístico, mas como uma autêntica obra de arte, apesar da presença de concessões à retórica oficial. O autor de Potemkin tentou repetir o golpe, emplena guerra, comuma nova evocação de um herói do passado, Ivan, o Terrível. Contudo, tal manobra não funcionou. A primeira parte, estreada em1944, foi favoravelmente acolhida, entretanto, a segunda parte, que incluía uma revolucionária seqüência em cores (esteticamente falando) —o Agfacolor roubado dos derrotados alemães —foi arquivada até nova ordem, por dar uma visão "inconveniente" do personagem e das circunstâncias, enãoconseguiuvir àluzatéfinais de1958.
Diferentemente do cinema nazista, o chefe maior do
país não aparecia no filme apenas refletido nos heróis do passado, mas tambémpessoalmente, ainda que encarnado por umator, quase sempre umtal de Mijail Guelovani, que fez da sua caracterização de Stalin uma especialidade similar à de Otto Gebühr comFederico da Prússia. Desta forma, todos os filmes que reconstruíam aspectos da Revolução não descuidavam nunca de apresentar o papel chave desempenhadopor Stalinnesse acontecimento. Nas produções dos anos 30, Stalin ainda não aparecia, freqüentemente, como protagonista, já que esta categoria era atribuída galantemente a Lenin (que já estava morto e de sua tumba poderia oferecer perdão a todas as trapaças de seu astuto discípulo), em elaboradas evocações como Lenin y Oktiabre ("Lenin em Outubro", 1937); Viborgskaia storona ("Obairro de Viborg", 1939) ou Lenin v 1918 godu ("Lenin em 1918", 1939). Durante a Segunda Guerra, a indústria cinematográfica se esqueceu de Lenin e Stalin, concentrando-se emumagressivo discurso patriótico e convertendo as críticas ao nazismo — anteriores ao Pacto Germano-Soviético —emautêntica fobia antialemã. O filme de Mark Donskoi, Raduga ("Arco-íris", 1943), recria as atrocidades nazistas na Ucrânia de uma forma que poderíamos chamar de hiper-realista, dada a doentia complacência do roteiro nos aspectos mais repulsivos, como, por exemplo, cenas de tortura de crianças e de uma camponesa grávida, que após o parto, vê seu bebê ser assassinado comumtiro de pistola por umsádico oficial. No campo dos documentários, também é fixada a evidência da infinita crueldade das hordas nazistas, desta vez baseada na ligação de imagens aparentemente desconectadas, como o gesto grotesco de umsoldado alemão guardando a pistola no cano da bota seguido por umplano de cadáveres de crianças, cena que pode ser vista no filme Bitva za nashu Sovietskuiu Ukrainu("Alutapor nossaUcrâniasoviética", 1943).
Finalizada a Guerra e consolidado seu poder absoluto
até níveis inacreditáveis, Stalin já não tinha nenhum empecilho para promover custosas produções nas quais lhe era atribuído o papel principal, sobretudo no que se refere a sua atuação na denominada "Grande Guerra Pátria" que foi exibida emcelulóidecomotriunfopessoal dodirigente. Como Stalin não se achava capacitado para exercer as funções de diretor, procurou umcúmplice, seu patrício Mijail Chiaureli, que montou uma série de panegíricos ambientados tanto na Guerra como no período de formação do Estado soviético: Kliatva ("Apromessa", 1946); Padenie Berlina ("Aqueda de Berlim", emduas partes, 1949); Nezavibaimi 1919 god ("O inesquecível 1919", 1950), os dois últimos acores.
Para a desgraça dos historiadores, essas obras, que
refletemo auge da megalomania de Stalin, foramretiradas de circulação depois da morte do ditador, quando sua figura foi objeto de uma total revisão pelas mãos da equipe de Kruschev. Aoinvés da conseqüência mais oumenos lógica do devir histórico, Stalinse converteuemuma incômoda cova no limpocaminhotraçadopelograndiosoLenin.
Em uma operação tão radical como havia sido a
anterior, o papel de Stalin na história da URSSfoi reduzido a nada, nãode maneira simbólica e simabsolutamente literal: se as películas em que exercia o papel de protagonista foram vergonhosamente escondidas, as que aparecia em funções secundárias foram meticulosamente remontadas a fim de eliminar omenor indíciode sua presença, inclusive a custode complicados trabalhos de laboratório nos quais se chegou ao extremo de se retocar diretamente à mão os fotogramas nos quais se reconhecia o inconfundível bigode do proscrito personagem, oantigoditador.
Rafael de España é professor da Universidade de
Barcelona e editor da revista Film-historia do Centre for CinematicResearchFilm-Historia(Barcelona).