Sei sulla pagina 1di 12

In: OlhodaHistóriaNo.

3 PáginaPrincipal
Fonte: www.oolhodahistoria.ufba.br/o3rafael.html

Guerra, cinemaepropaganda

Por Rafael deEspaña

Ainda que o termo "guerra", no sentido estrito, refira-se


à confrontação violenta entre dois ou mais exércitos, o certo é
que as batalhas não se desenvolvem sempre no chamado
"campo de honra", mas também em terrenos não menos
respeitáveis como o da mídia: pelo rádio, pelo cinema e pela
televisão. Comentar o "cinema de guerra", pois, é falar
também do cinema como veículo de idéias políticas,
econômicas e sociais. Nos tempos, não tão distantes como
parece, em que a televisão não era o principal meio de
doutrinamentodas massas, ocinema era aarmamais poderosa
para convencer umpovoemguerra acerca daqueles princípios
indiscutíveis que tornam inevitável a vitória e que
permanecemsintetizados na absoluta superioridade técnica e
moral sobre o inimigo. Por outro lado, este necessita das
mínimas motivações quelegitimemsuaatitude.

Já na Primeira Guerra Mundial, deu-se início à


utilização do cinema como suporte do esforço bélico, todavia,
de forma bastante limitada e ingênua. Embora a sétima arte
começasse a sair da infância, ainda não gozava da confiança
dos poderes políticos e militares e nem detinha o atrativo
irresistível emrelação à grande parcela da população, como
ocorrerá alguns anos mais tarde. As fitas de propaganda que
circularam no período da Grande Guerra eram poucas e de
origemquase exclusivamente norte-americanas. Isto se deve,
basicamente, ao elevado nível industrial que o cinema dos
EUAhavia alcançado e sua grande capacidade de "seduzir" o
público, e, por outro lado, condicionar suas principais
características. Como os Estados Unidos demoraram muito
para entrar nessa disputa, percebemos que os primeiros filmes
dedicados à Guerra possuíam uma curiosa mensagem
pacifista: o exemplo mais conhecido é a produção de Thomas
H. Ince, Civilization (1916, estreada na Espanha como título
de La Cruz de la Humanidad), que poderia ser considerada
como um apoio tácito à candidatura isolada de Woodrow
Wilson. Seu antibelicismo primário e retórico encaixa com
perfeição na raiva antigermânica, igualmente irracional, que
pode ser apreciada emumfilme posterior à disputa, porém,
tambémproduzido por Ince: Bahind the Door (1920). Nesta
virulenta denúncia da barbárie tudesca, podemos ver como os
tripulantes de umsubmarinoalemãoviolame assassinamuma
enfermeira americana e depois se desfazem do cadáver
mediante umprático e original recurso como lança-torpedos.
Estabelecidaapremissadequeos alemães sãoumas feras sem
consciência, os autores nos preparam para a cena final, na
qual o marido da enfermeira (que tem a astúcia de se
apresentar como um imigrante de origem alemã) tem a
oportunidade de se vingar do capitão do "V-Boot", esfolando-
ovivo.

Emresumo, podemos dizer queos filmes depropaganda


contemporâneos à Guerra de 1914 não têm a sutileza,
complexidade —porque dizemtudo —e a efetividade que
teriamos produzido ao abrigo da Segunda Guerra Mundial,
mais mortífera e tambémmuito mais "ideológica". Por isso,
vamos limitar nossaexposiçãoaoperíodocompreendidoentre
1933 (marcado pela ascensão do nazismo na Alemanha) e
1945 (final oficial da Segunda Guerra), e àqueles países
europeus submetidos a umregime político totalitário, isto é, o
Terceiro Reich, a Itália fascista e a União Soviética. Isso não
quer dizer que os Estados Unidos não praticaram, através de
Hollywood, uma defesa consciente de seus interesses políticos
e, sobretudo, econômicos; porém, ao basear sua mensagem
em conceitos teoricamente "positivos", como são os de
repulsa à tirania, defesa da democracia e da autodeterminação
dos povos, etc., suas películas são menos ilustrativas do que
entendemos habitualmentecomopropagandabélica.

Goebbels esuaHollywoodsobreoReno

Quando se apresenta o cinema alemão da época nazista


como modelo de propaganda política, não se faz outra coisa
senãorender umjustotributoa quemse pode considerar oseu
autênticoresponsável: JosephGoebbels. Apesar denãoser um
profissional da mídia, o brilhante ministro da Propaganda do
Reichdemonstroupossuir umasensibilidadeparaoespetáculo
fílmico e para a manipulação do espectador digna de Irving
Thalberg, Adolph Zukor, David O. Selznick ou Cecil B. De
Mille; é lastimável que tenha colocado suas inegáveis prendas
a serviço de objetivos infames e, de longe, menos rentáveis
que os grandes showbusiness de Hollywood. Os primeiros
filmes patrocinados pelos nazistas foramexaltações guerreiras
tipo SA-Mann Brand ("O despertar de uma nação", 1934),
Hitlerjunjge Quex ("O flecha Quex", 1935) e o célebre
documentário de Leni Riefenstahl Triumph des Willens
("Triunfo da vontade", 1934), cuja mensagem, tão
transparente quanto agressiva, poderia resumir-se na seguinte
frase: "quem não estiver conosco, que se sujeite às
conseqüências". Para Goebbels, este tipo de propaganda foi-
lhe parecendo contraproducente, sobretudo naqueles anos de
formação do novo Estado, dando instruções afiadas, a partir
de então, para que o ideal do Reich se filtrasse de forma mais
indireta e, ao mesmo tempo, mais convincente. Os tópicos
seguidos foram essencialmente dois: a exaltação do
caudilhamento (Führerprinzip) e a superioridade racial
germânica (o umbermensch frente às raças inferiores,
untermenschen).

Seguindo as astutas instruções do ministro, nenhum


desses dois princípios básicos foi posto em prática de uma
forma excessivamente direta, senão através de personagens e
situações exemplares que evocavam no espectador, sem
representá-lo literalmente, o modelo proposto. Isto se torna
especialmente evidente nas glorificações do Führer, já que
nunca foi pensada seriamente a produção de uma película, de
ficção ou documentária, sobre Hitler, embora tenha sido
produzida uma série de biografias de personagens ilustres do
passado alemão que, do seu pedestal, constituíamuma clara
premunição dogovernante atual. Para esta finalidade, serviam
poetas (Friedrich Schiller, como em Der Triumph cines
Genies, 1940), músicos (Friedemann Bach, 1941), escultores
(Andreas Schülter, 1942), médicos (Robert Koch der
Bekämpler des Todes, "Roberto Koch, o vencedor da morte",
1939, ou Paracelsus, 1943) e estadistas (Bismarck, 1940);
contudo, o curinga insuperável era o rei da Prússia, Federico,
o Grande, pois, muito antes da ascensão nazista, ele já era um
mito indiscutível do autoritarismo teutônico. Na realidade, as
películas sobre "o velho Fritz" eram moeda corrente no
cinema alemão desde o grande êxito, em 1923, da
superprodução (em quatro episódios) de Fridericus Rex,
quando o ator Otto Gebühr, intérprete principal do filme,
adquiriu uma sólida fama de personificação do monarca. Em
1942, Gebühr interpretou Der Grosse Köning ("O grande
rei"), sem dúvida o filme mais elaborado, tanto no plano
técnico como doutrinário, dedicado a este emblemático
personagem.

Se a grandeza do Führer não era mostrada diretamente,


algo parecido se fazia coma superioridade da raça alemã, que
se deixava implícita através da inferioridade dos demais
países e etnias. É muito difícil que nos filmes alemães desta
época seja apresentado umpersonagemestrangeiro sob uma
ótica positiva, embora seja indubitável que alguns obtenham
êxito. Os primeiros são, certamente, os judeus: sua intrínseca
maldade é posta emrelevomediante a enganosa autoridade do
documentário Der ewige jude ("O eterno judeu", 1940), por
exemplo, que os mostra em contraste com os imaculados
arianos, quando adquirem suas mais desprezíveis
personificações; o filme que melhor ilustra esta tese é Jude
Süss ("O judeu Süss", 1940), vagamente baseado em fatos
históricos, nos quais os "bons alemães" dão um tratamento
merecido a umjudeu que não só os havia usurpado o poder
em sua comunidade e que, como cúmulo da abjeção, havia
causado o suicídio de uma jovemariana depois de submetê-la
aumadesonra"pior doqueaprópriamorte".

As etnias inferiores, contudo, não se esgotam nos


judeus. Polacos e tchecos sãoobjetos deinjúrias tantooumais
agressivas, se bem que neste caso as conotações políticas
estão acima das de cunho meramente ideológico. Com a
desculpa de vingar os alemães oprimidos sob o domínio
estrangeiro, o que perseguemé uma claríssima reivindicação
territorial, posta em pratica em 1938 (invasão da
Checoslováquia, Pacto de Munique) e 1939 (incidente de
Danzing e declaração de guerra). Os polacos, por exemplo,
são apresentados em duas ocasiões como torturadores de
alemães: Feinde ("Inimigos", 1942) e Heimkehr ("De volta à
barbárie", 1941). Ocaso dos russos é mais complexo. Ainda
que considerados pela propaganda nazista como hordas de
bárbaros sobre os quais o comunismo exacerba suas inatas
tendências criminais, durante a vigência do Pacto Germano-
Soviético, eles são apresentados sob uma perspectiva mais
benévola. Um exemplo é a muito fantasiosa biografia de
Tchaikovski, Es war eine rauschende Ballnacht ("Noite
enfeitiçada",1939), e o comovente melodrama Der
Postmeister ("Dunia, a noiva eterna", 1940). Relacionadocom
os critérios de superioridade da raça e eliminação profilática
daqueles elementos que pudessem contribuir para sua
contaminação, devemos recordar Ich klage an! ("Eu acuso!",
1941), filme tambémpatrocinado pelo Estado e que, todavia,
hoje poderia ser objeto de polêmica, já que é uma defesa da
eutanásia. Os roteiristas fazemuma armadilha, certamente, já
que apresentam uma mulher jovem e atraente a quem uma
incurável enfermidade neurológica vai transformando, pouco
a pouco, em uma inútil, fazendo com que a morte
(proporcionada por seu próprio marido) seja o único remédio
para seu sofrimento. Naturalmente, o que pretendia o regime
com esta película era conscientizar a população da
necessidade de eliminar todos aqueles "enfermos incuráveis"
que a nação não podia manter, semnecessidade de precisar
que nesse bolo estavam contidos, também, os retardados
mentais, os homossexuais, os judeus, os ciganos, os
comunistas ... enfim, todo aquele que tivera o atrevimento de
afetar o belo quadro formado pelos ruivos sturmtruppen
marchandocompassos deganso.

Quando a Guerra chegava ao seu fime era preciso estar


muito cego para não se enxergar a iminente derrota do Reich,
o incansável Goebbels despejou grande quantidade de
dinheiro e trabalho emKolberg (1945), uma superprodução a
cores, ambientada nas guerras napoleônicas com a qual,
através da numantina resistência de uma cidade alemã diante
das tropas francesas, pretendia-se erguer a muito destroçada
moral nacional. Certamente, este objetivo não se concretizou,
entretanto, comprova que, em plena debacle, a maior
preocupação de um dos maiores responsáveis do país era
finalizar um mastodôntico "colossal" repleto de cenas
espetaculares, indicando o quanto o cinema era importante
para Goebbels. Nos últimos minutos de sua vida, depois de ter
eliminado friamente as suas filhas e esposa, quiçá, o nosso
homemtivesse tidouma tortura a mais: a de pensar que, vinte
anos atrás, poderia ter ido para Hollywood, como tantos
compatriotas seus (quase todos judeus; isto sim: ninguém é
perfeito!), e que, agora, estaria sentado na sala de uma
importanteprodutoracinematográfica.

Telefones brancos e camisas pretas: o discreto encanto do


cinemafascista

Ao contrário doque temos visto na Alemanha nazista, a


indústria cinematográfica italiana, durante o chamado
"ventennio nero", não sofreu um controle ideológico tão
estrito, apesar de o Ministério da Cultura Popular
(habitualmente chamado pelo engraçado termo "Minculpop")
ter criado o InstitutoLuce, uma entidade dedicada à produção
oficial, basicamente de noticiários, mas que, às vezes,
colaborava com algum filme de ficção que tivesse
significação política. Deixando de lado estes produtos
claramente dependentes do Estado, o certo é que tanto os
realizadores quanto as casas produtoras mantiveram sua
independência e não se viram obrigados a realizar produtos
abertamente propagandísticos. Apenas um personagem
concreto, como o pitoresco diretor-roteirista-produtor
Giovacchino Forzano, manteve, ao longo de sua obra
cinematográfica, uma beligerante militância: de fato, a única
película dedicada claramente a exaltar o fascismo,
concretamente os vinte anos da "marcha sobre Roma", é a que
Forzano produziu em 1933, por encargo do Instituto Luze,
com o significativo título Camicia nera; junto comVecchia
guardia ("Velha guarda", 1935), de Alessandro Blasetti, é um
dos raros exemplos do cinema de guerra italiano. Como
igualmente ocorreu no Terceiro Reich, nem um nem outro
agradaramaos organismos estatais, que desaconselharampôr
em marcha as novas epopéias "negras". Os produtores
entenderam a mensagem e se dedicaram aplicadamente a
comédias sentimentais semoutra preocupação a não ser a de
desenvolvê-las em ambientes elegantes, e, para isso, nada
melhor do que os telefones brancos, já que eles eram sinal
clarodestatus.

Oquefoi ditoanteriormenteparece dar aentender que o


fascismo não tinha nenhum interesse ideológico no cinema.
Istoé certo? Nãoexatamente, comcerteza. Oregime tinha um
ideal de exaltação destinado a dar aos italianos uma imagem
de si mesmos muito mais triunfal do que correspondia à
realidade. Aimagemmais brilhante do italica gens tinha que
ser buscada umpouco distante, no luxuoso Império Romano:
então, os italianos haviamsido grandes, os donos do mundo,
nem mais nem menos. Mas, curiosamente, estes tempos
gloriosos brilham por sua ausência no cinema da época
fascista, fenômeno mais chamativo, entretanto, se pensamos
que os grandes êxitos italianos do cinema mudo haviamsido
precisamente evocações da Roma antiga: Quo Vadis (1912) e
Cabíria (1914) são os exemplos mais ilustres. Por que não se
seguiu por esse caminho? Essencialmente, porque a temática
já estava muito saturada; os últimos filmes de ambientação
"romana" —estreitas versões de Quo Vadis (1925) e Gli
ultimi giorni di Pompei ("Os ultimos dias de Pompéia", 1926,
estreado na Espanha como La ciudad castigada) —haviam
sido admiráveis fracassos econômicos. Somente após a
conquista da Absínia, Mussollini começou a propor uma
retórica imperial, e, então, apareceu, por fim, o mundo
romano nas telas italianas com uma custosa produção
financiada pelo Estado: Sapione l’Africano ("Cipião, o
africano", 1937), no qual as Guerras Púnicas eram uma
evidente cópia da recente aventura africana do moderno
condottiero, oDuce.

Em geral, pode-se dizer que a vinculação estatal na


produção italiana anterior a 1939 tem um caráter
escassamente politizado e demonstra uma louvável
preocupação pelo aperfeiçoamento da infra-estrutura oficial.
Noinstante da declaraçãode guerra, ocinema italianopossuía
umexcelente nível técnico, comos formidáveis estúdios de
Cinecittà recém-inaugurados e uma bem dotada escola de
formação cinematográfica no Centro Sperimentale di
Cinematografia. Quando, no pós-guerra, os críticos se
extasiavam com as obras neo-realistas, não viam, e não
queriamver, que De Sica, Rossellini, De Santis, Visconti, etc.
haviam aprendido o ofício graças aos esforços do extinto
regime e suas películas se apoiavam na estrutura de base
criadanos anos anteriores.

Ao se iniciarem as hostilidades, aparece um cinema


mais abertamente propagandístico, se bem que, às vezes, a
preparação bélica é apresentada de forma bem oblíqua,
sobretudo através da Guerra Civil Espanhola. Ocurioso é que
as alusões aoconflitoibériconãose apoiavamna exaltaçãoda
ajuda fascista à Espanha — senão em um alarde de
generosidade (ou melhor, emumintento da indústria italiana
de abrir mercados em uma época em que estes se haviam
reduzido drasticamente) —, mas promovem diretamente as
vitórias das armas franquistas. Umdos filmes de maior êxito
deste momento é L’assedio del’Alcazar ("O cerco de
Alcaçar",1940) em que participaram elementos espanhóis
dentro do marco de co-produções que funcionou entre 1939 e
1943.

Ampliando este aspecto da colaboração Mussollini-


Franco, recordemos que foi precisamente um espanhol,
EdgardNeville, queminaugurouumgêneroque irá alcançar o
auge nesse período do cinema italiano: o panfleto
anticomunista. Ofilme de Neville, intitulado Santa Maria na
Itália e La muchachade Moscúna Espanha (ondeestreoucom
muitos cortes), foi exibido, em1941, como "o primeiro filme
italiano antibolchevista", porém, foi, rapidamente,
desbancado, no plano ideológico, pela adaptação que
Goffredo Alessandrini fez, em1942, da novela de Ayn Rand
Los que vivimos (e sempagar os direitos autorais, emfunção
da situação bélica, certamente): dividida emduas partes, com
mais de três horas de duração total —Noi vivi ("Nós que
vivemos") e Addio, Kira ("Adeus, Kira") —gerou o curioso
paradoxo de não agradar muito as hierarquias do partido que,
aoque parece, detectaramna descriçãoque se fazia doEstado
totalitáriobolchevistaalguns paralelos comoprópriosistema.

Por mais que se seguisse fomentando o cinema de


evasão, agora especialmente centrado nas histórias de
ambientação oitocentista, como emUn colpo di pistola ("Un
tiro en reserva", 1941, segundo um conto de Puschkin), os
cineastas foramanimados a realizar películas ambientadas em
pleno conflito. Para alguns, esta função era obrigatória, como
no caso de Francesco de Robertis que era oficial da Marinha.
Contudo, para outros, esta sintonia como esforço bélico não
deixa de ser chocante: o caso mais ilustrativo é o de Roberto
Rossellini. Ele que, em1945, fizera o grandioso documento
ao heroísmo comunista contra os nazistas, Roma città aperta
("Roma, cidade aberta"), estreou como diretor com três
veículos de propaganda a favor do Eixo: La nave blanca
(produção do Ministério da Marinha, supervisionada por De
Robertis), Un pilota ritorna (com roteiro e supervisão de
Vittorio Mussollini), ambas de 1941 e Lúomo della croce
(1941) de forte conteúdo anti-soviético e comumsacerdote
como protagonista, se bem que, do lado oposto, havia o
personagem, encarnado por Aldo Fabrizi, que revelaria seu
diretor como umconvencido antifascista. Diferentemente de
Rossellini, o outro grande nome do neo-realismo, Vittorio de
Sica negou-se redondamente a favorecer a guerra de
Mussollini e contrariouprofundamente oregime aoapresentar
em I bambini ci guardano (1942), uma amarga e
desmistificadora visão da instituição familiar, algo que a
propaganda oficial considerava como um dos pontos
sacrossantos danação.

A República de Saló, o ultimo ato do melodrama


fascista, quis tambémconstruir sua indústria cinematográfica
com alguns técnicos e atores que não quiseram trocar de
jaqueta (oupara ser mais exato, de cor de camisa) depois de 8
de setembro de 1943. Improvisaramna Giudecca veneziana
uns estúdios e rodaramalguns filmes, todos bastante pobres,
tanto emconteúdo quanto emseu aspecto formal. Odetalhe
mais ilustre desses esquecidos produtos é sua absoluta falta de
significação política e sua imponente reclusão em antigos
clichês quejánãoenganavamaninguém.

Josef Stalin, oherói docinema

Ainstauraçãodocinema sonorona URSScoincide com


a aplicação, neste meio artístico, do realismo socialista,
fórmula narrativa teoricamente herdada do novelista Maxim
Gorki e que, em linhas gerais, postulava o seguinte:
exemplaridade da história, quer dizer, esta deveria servir ao
espectador como modelo a ser imitado; heróis positivos, sem
ambigüidades; repulsa ao individualismo e ao
sentimentalismo burguês, isto é, nada de anedotas
sentimentais segundo a linha americana boy-meets-girl; e,
finalmente, absoluta clareza expositiva, realizada certamente
sem devaneios formalistas que afetassem a compreensão da
mensagem. Estes postulados ficaram esboçados na primeira
reunião sobre matérias especificamente cinematográficas que
o Partido Comunista convocou em março de 1928,
precisamente como resposta às críticas que alguns setores
faziam aos filmes considerados demasiadamente
experimentais e, portanto, semvalor educativo; ao longo da
década seguinte, essas opiniões ficariam firmemente
consolidadas, convertendo, poucoa pouco, ocinema soviético
emumcontínuosermãoque lembrava aos cidadãos oque eles
deveriam ou não fazer, além de explicar-lhes os fatos
históricos por uma perspectiva claramente tendenciosa.
Ademais, devemos lembrar que, diferentemente dos italianos
e com um critério todavia mais intervencionista que os
alemães, na recém-criada URSS, o Estado faz-se responsável,
de forma absoluta, pela produção de películas, de modo que
estas não necessitassem se preocupar com a vil bilheteria
como nos degenerados países capitalistas, senão apenas
obedecer aocomandodas instruções dokomissar deturno.

Estas receitas cinematográficas interditariam os


sucessos formais alcançados pelo cinema revolucionário dos
anos vinte que, mediante as obras de Eisenstein, Pudovkin,
Dovzenko, etc., havia conseguido o raro milagre de converter
a propaganda política emarte, criando obras cinematográficas
que hoje, todavia, apesar dos avatares sofridos pela ideologia
que as animou, continuam sendo clássicos indiscutíveis do
cinema. De qualquer modo, é necessário considerar que a
passagemdo cinema mudo para o cinema sonoro favoreceu
tambémas novas orientações, já que os aparatos de montagem
e o barroquismo visual não se ajustavammuito bemcomo
primitivo cinema falado, tanto no plano técnico como no
estético: a montagem e os movimentos de câmara estavam
estritamente sujeitados à conquista do som, visto que a
preponderância do diálogo tornava inevitável umtratamento
mais naturalista. Quandose fala dos problemas que tiveramos
grandes mestres da época muda para prosseguir com seus
trabalhos, devem-se considerar estas premissas, pois elas
agiram como complementos essenciais das imposições da
censura.

Dos modelos genéricos do realismo socialista,


acrescentar-se-á um ingrediente que, no futuro, terá uma
importância capital, oque posteriormente será denominadode
"culto da personalidade" de quem, durante quase vinte anos,
será o dono absoluto do destino da URSS, aquele que, muito
antes de Superman, já adotava o pseudônimo de "homemde
ferro": Josef Stalin. Coma morte de Lenin, em1924, impôs-
se uma drástica concentração de poder, já que entre os líderes
da revolução havia critérios divergentes para conduzir o país.
Não trataremos aqui das lutas internas pela divisão de
poderes, uma vez que estas encontram-se muito bemdescritas
em alguns livros da história da Revolução Russa; apenas
recordaremos que, desse confronto, saiu umgrande perdedor
—Trotsky —, e umvencedor, que foi Stalin. Caso alguém
duvide desse resultado, que vá ao cinema: na película de
Eisenstein, comemorativa das jornadas de 1917, Oktiabr
("Outubro", estreada em março de 1928), as cenas em que
Trotsky aparece são cortadas da montagem definitiva. Em
finais de 1934, o assassinato de umfiel colaborador de Stalin,
Serguei Kostrikov, conhecido como Kirov, foi atribuído a
elementos trotskistas e utilizado para eliminar, de forma mais
ou menos legal, todos aqueles que discutiama autoridade do
ditador edasuacamarilha.

De forma semelhante ao que ocorria no Terceiro Reich,


a figura de Stalin serviu como modelo para uma série de
filmes biográficos, sendo que, neste caso, apenas se recorria a
políticos e militares que haviam engrandecido a "Grande
Pátria Russa". Curiosamente, Stalin não era russo e sim
georgiano; entretanto, issonãooimpedira de ser umfervoroso
centralizador e inimigo de qualquer atitude nacionalista que
ameaçasse a unidade do Estado soviético. Em Bogdan
Jemelnitski (1940), homenageava-se um capitão cossaco,
como defensor da independência da Ucrânia frente aos
polacos, mas não contra o czar de Moscou, de quemele se
reconhecia como o mais fiel servidor; logicamente, a
beligerância antipolaca estava totalmente justificada pelo ano
de realização do filme, quando Stalin e Hitler repartiram
amigavelmente os despojos desse infortunado país (em
relação à divisão da Polônia, convém lembrar que já havia
sido produzido, um ano antes, um outro filme, intitulado
Chors, de umnível artístico muito superior ao acima citado,
por ter sido realizado pelo ilustre Alexandr Dovzenko, mas
igualmenteabjetoemsuamotivaçãoprimordial).

Oczar Pedro, o Grande, fundador de São Petersburgo e


figura de inegáveis ressonâncias patrióticas, foi objetode uma
mastodôntica produção, intitulada precisamente de Piotr
Pervi, ou seja, "Pedro I", emduas partes, a primeira estreada
em1937, ea segundaem1939, que aindatinhaumcertonível
formal, mas que aponta para um horizonte (do medíocre
Vladmir Petrov) um tanto grosseiro, com o protagonista
principal, Nikolai Simonov, atuando sempre com os olhos
arregalados, exagerandomuitona encenação. Muitomais feliz
foi o resultado alcançado por Alexandr Nevski (1938), outra
biografia de intenções similares, mas que contou, por trás das
câmaras, coma presença dogrande Serguei Eisenstein: graças
a ele, essa película não permaneceu como mais ummemorial
propagandístico, mas como uma autêntica obra de arte, apesar
da presença de concessões à retórica oficial. O autor de
Potemkin tentou repetir o golpe, emplena guerra, comuma
nova evocação de um herói do passado, Ivan, o Terrível.
Contudo, tal manobra não funcionou. A primeira parte,
estreada em1944, foi favoravelmente acolhida, entretanto, a
segunda parte, que incluía uma revolucionária seqüência em
cores (esteticamente falando) —o Agfacolor roubado dos
derrotados alemães —foi arquivada até nova ordem, por dar
uma visão "inconveniente" do personagem e das
circunstâncias, enãoconseguiuvir àluzatéfinais de1958.

Diferentemente do cinema nazista, o chefe maior do


país não aparecia no filme apenas refletido nos heróis do
passado, mas tambémpessoalmente, ainda que encarnado por
umator, quase sempre umtal de Mijail Guelovani, que fez da
sua caracterização de Stalin uma especialidade similar à de
Otto Gebühr comFederico da Prússia. Desta forma, todos os
filmes que reconstruíam aspectos da Revolução não
descuidavam nunca de apresentar o papel chave
desempenhadopor Stalinnesse acontecimento. Nas produções
dos anos 30, Stalin ainda não aparecia, freqüentemente, como
protagonista, já que esta categoria era atribuída galantemente
a Lenin (que já estava morto e de sua tumba poderia oferecer
perdão a todas as trapaças de seu astuto discípulo), em
elaboradas evocações como Lenin y Oktiabre ("Lenin em
Outubro", 1937); Viborgskaia storona ("Obairro de Viborg",
1939) ou Lenin v 1918 godu ("Lenin em 1918", 1939).
Durante a Segunda Guerra, a indústria cinematográfica se
esqueceu de Lenin e Stalin, concentrando-se emumagressivo
discurso patriótico e convertendo as críticas ao nazismo —
anteriores ao Pacto Germano-Soviético —emautêntica fobia
antialemã. O filme de Mark Donskoi, Raduga ("Arco-íris",
1943), recria as atrocidades nazistas na Ucrânia de uma forma
que poderíamos chamar de hiper-realista, dada a doentia
complacência do roteiro nos aspectos mais repulsivos, como,
por exemplo, cenas de tortura de crianças e de uma
camponesa grávida, que após o parto, vê seu bebê ser
assassinado comumtiro de pistola por umsádico oficial. No
campo dos documentários, também é fixada a evidência da
infinita crueldade das hordas nazistas, desta vez baseada na
ligação de imagens aparentemente desconectadas, como o
gesto grotesco de umsoldado alemão guardando a pistola no
cano da bota seguido por umplano de cadáveres de crianças,
cena que pode ser vista no filme Bitva za nashu Sovietskuiu
Ukrainu("Alutapor nossaUcrâniasoviética", 1943).

Finalizada a Guerra e consolidado seu poder absoluto


até níveis inacreditáveis, Stalin já não tinha nenhum
empecilho para promover custosas produções nas quais lhe
era atribuído o papel principal, sobretudo no que se refere a
sua atuação na denominada "Grande Guerra Pátria" que foi
exibida emcelulóidecomotriunfopessoal dodirigente. Como
Stalin não se achava capacitado para exercer as funções de
diretor, procurou umcúmplice, seu patrício Mijail Chiaureli,
que montou uma série de panegíricos ambientados tanto na
Guerra como no período de formação do Estado soviético:
Kliatva ("Apromessa", 1946); Padenie Berlina ("Aqueda de
Berlim", emduas partes, 1949); Nezavibaimi 1919 god ("O
inesquecível 1919", 1950), os dois últimos acores.

Para a desgraça dos historiadores, essas obras, que


refletemo auge da megalomania de Stalin, foramretiradas de
circulação depois da morte do ditador, quando sua figura foi
objeto de uma total revisão pelas mãos da equipe de
Kruschev. Aoinvés da conseqüência mais oumenos lógica do
devir histórico, Stalinse converteuemuma incômoda cova no
limpocaminhotraçadopelograndiosoLenin.

Em uma operação tão radical como havia sido a


anterior, o papel de Stalin na história da URSSfoi reduzido a
nada, nãode maneira simbólica e simabsolutamente literal: se
as películas em que exercia o papel de protagonista foram
vergonhosamente escondidas, as que aparecia em funções
secundárias foram meticulosamente remontadas a fim de
eliminar omenor indíciode sua presença, inclusive a custode
complicados trabalhos de laboratório nos quais se chegou ao
extremo de se retocar diretamente à mão os fotogramas nos
quais se reconhecia o inconfundível bigode do proscrito
personagem, oantigoditador.

Rafael de España é professor da Universidade de


Barcelona e editor da revista Film-historia do Centre for
CinematicResearchFilm-Historia(Barcelona).

Traduçãodoespanhol deCatherineAlmeida.

Potrebbero piacerti anche