CENTRO DE ENGENHARIA ELÉTRICA E INFOMRÁTICA - CEEI
Teoria da Norma Jurídica: Um Modelo Pragmático Por Tercio Sampaio Ferraz Jr.
Aluno:José Gildo de Araújo Júnior.
Matrícula: 20421007 Professora: Maria Lúcia. Disciplina: Direito e Cidadania 1. DIFICULDADES PRELIMINARES NA COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Neste esquema usual de captação da norma pela teoria jurídica
ocorre uma espécie de vácuo significativo, em que a norma não é nem a realidade, nem já situação à qual ela se aplica, mas uma entidade independente que faz, às vezes, da teoria da norma uma espécie de discurso vazio ou, pelo menos, equivocadamente abstrato. Denominemo-lo de modelo-analítico. O segundo, diante da mesma complexidade, se serve de instrumentos descritivos, subordinando a estes os recursos sistematizadores, procurando captar o objeto na sua pertinência inseparável ao contexto dentro do qual e só dentro do qual é capaz de possuir um sentido. Por esta preocupação com o sentido contextual vamos chamá-lo de modelo hermenêutico. O terceiro, posto diante da mesma questão, vale-se de recursos funcionais, subordinando a estes os sistemáticos e os descritivos, procurando captar o objeto pela função que ele desempenha no contexto. Ao assumirmos o modelo empírico, que encara a norma como um processo comunicativo, somos conduzidos aos fenômenos linguísticos, do ponto de vista pragmático.
2. A TEORIA DA NORMA COMO TEORIA (PRAGMÁTICA) DA DECISÃO
O modelo empírico e seus termos podem transparecer uma imagem,
atribuída ao jurista, de sociologismo, mas não é este o sentido que propomos ao modelo. O modelo empírico deve ser entendido como investigação dos instrumentos jurídicos de controle de comportamento. Não se trata de saber se o direito é um sistema de controle, mas, assumindo-se que ele o seja, como devemos fazer para exercer este controle. A grande dificuldade é que a teoria da decisão jurídica está ainda pra ser feita. Na mais antiga tradição, o termo decisão, está ligado aos processos deliberativos. Modernamente o conceito de decisão tem sido visto como o ato culminante processo que pode ser chamado de aprendizagem. Decidir, assim, é um ato de uma série que visa a transformar incompatibilidades indecidíveis em alternativas decidíveis, mas que, num momento seguinte, podem gerar novas situações até mais complexas. Por essas observações podemos perceber que a concepção do que poderíamos chamar de decisão jurídica é correlata de uma concepção de conflito jurídico. Conflitos correspondem a uma interrupção na comunicação ou porque quem transmite se recusa a transmitir o que dela se espera ou quem recebe se recusa a receber criando-se expectativas desiludidas. Toda questão conflitiva pressupõe uma situação comunicativa estruturada, isto é, dotada de certas regras. Que significa, pois, a afirmação de que as decisões jurídicas terminam conflitos? Isto significa que a decisão jurídica impede a continuação de um conflito: pondo-lhe um fim. Pôr-lhe um fim significa trazê-la para uma situação, onde ela não pode mais ser retomada ou levada adiante (coisa julgada).
3. O DIREITO COMO SISTEMA DE CONTROLE DO COMPORTAMENTO.
A possibilidade de uma teoria jurídica do direito enquanto sistema de
controle de comportamento nos obriga a reinterpretar a própria noção de sistema jurídico, visto, então, não como con-junto de normas ou conjunto de instituições, mas como um fenômeno de partes em comunicação. Admitimos que todo comporta-mento humano (falar, correr, comer, comprar, vender etc.) é ação dirigida a alguém. O princípio básico que domina este tipo de en-foque é o da interação. As partes referidas são seres humanos que se relacionam trocando mensagens. Interação é, justamente, uma série de mensagens trocadas pelas partes. Nesta troca, ao transmitir uma mensagem, uma parte não fornece apenas uma infor-mação, mas fornece, conjuntamente, uma informação sobre a in-formação que diz ao receptor como este deve se comportar perante o emissor. Denominando-se a informação contida na mensagem do relato e a informação sobre o modo de encará-la de cometimento, podemos dizer que o direito pode ser concebido como um modo de comunicar-se pelo qual uma parte tem condições de estabelecer um cometimento específico em relação à outra, controlando-lhe as possíveis reações.
4. DIMENSÃO PRAGMÁTICA DA NORMA JURÍDICA
Normas jurídicas são decisões. Através delas, garantimos que certas decisões serão tomadas. Elas estabelecem assim controles, isto é, pré- decisões, cuja função é determinar outras decisões. Embora isto não signifique uma redução da norma à norma processual, o ponto de vista pragmático não deixa de ressaltar este aspecto procedimental do discurso normativo. O objeto do discurso normativo não é propriamente o conjunto das alternativas, mas a decisão que, diante delas, deve ser tomada. Na terminologia pragmática, o comunicador normativo não apenas diz qual a decisão a ser tomada — pré-decisão — mas também como essa pré- decisão deve ser entendida pelo endereçado — informação sobre a informação. Respectivamente, temos o relato, e o cometimento do discurso normativo, que, no seu conjunto, formam o objeto do discurso.
5. OS OPERADORES PRAGMÁTICOS, CONTEÚDO E CONDIÇÕES DE
APLICAÇÃO DA INFORMAÇÃO NORMATIVA.
O discurso normativo não é apenas constituído por uma mensagem,
mas, também, por uma definição das posições de orador e ouvinte. A lógica deôntica costuma definir as "proposições nor-mativas" como prescrições, isto é, proposições construídas mediante os operadores ou funtores obrigatório, proibido e permitido, apli-cados a ações. Naturalmente, não às "ações mesmas" (plano em-pírico), mas à sua expressão linguística. As ações, diz-nos von Wright, são interferências humanas no curso da Natureza. O que uma pessoa descreve como um ato pode ser descrito por outra como uma omissão e vice-versa. Isto quer dizer que atos também exprimem uma relação de que foi, em função de como poderia ter sido. Assim, por exemplo, se alguém entra num quarto escuro e acende a luz, há um ato do ponto de vista do agente, mas uma omissão do ponto de vista do fotógrafo, que revelava chapas fotográficas. Dada uma condição de ação, é possível tanto realizar um ato como uma omissão, sendo diferente o resultado, num e noutro caso. Von Wright fala, em suma, que as normas são compostas de um operador normativo (permitir, obrigar), de uma descrição de ação e de uma descrição da condição de ação.
6. RELAÇÃO ENTRE NORMA E SANÇÃO
Existe uma ambigüidade entre norma e sanção. Para esclarecer, do
ângulo pragmático, esta questão vamos inicialmente definir sanção como um fato empírico, socialmente desagradável, que pode ser imputado ao comportamento de um sujeito. Trata-se de uma reação negativa contra um determinado comportamento, portanto, avaliada como um mal para quem a recebe. Normas não são discursos indicativos que prevêem uma ocorrência futura condicionada — dado tal comportamento ocorrerá uma sanção — mas sim discursos que constituem de per si uma ação: imposição de comportamentos como jurídicos (qualificação de um comportamento e estabelecimento da relação metacomplementar). A sanção, do ângulo linguístico, é, assim, ameaça de sanção; trata-se de um fato linguístico e não de um fato empírico. As normas, ao estabelecerem uma sanção, são, pois, atos de ameaçar e não representação de uma ameaça. A ameaça de sanção não deve ser confundida com fórmulas premiais, através das quais o editor normativo pode motivar um comportamento qualificado como indiferente por uma norma permissiva. Mas o problema é saber se toda norma ameaça de sanção. Ora, há normas que prescrevem comportamentos e estabelecem a metacomplementaridade autoridade-sujeito, sem fazer ameaça. Assim, a ameaça pode ou não estar presente, admitindo-se, então, que ela esteja em outra norma. Em outras palavras, a relação metacomplementar não é constituída pela sanção, mesmo numa norma que se esgote em prescrevê-la. Neste sentido, ela é argumento de persuasão, consistindo para o endereçado — o sujeito normativo — uma indicação do comportamento do editor — a autoridade em determinadas circunstâncias.
7. A VALIDADE DAS NORMAS DO ÂNGULO PRAGMÁTICO
Da exposição anterior, podemos perceber que a validade não é
(apenas) uma propriedade sintética dos discursos normativos, em respeito ao aspecto-relato, mas se revela peculiarmente como pro-priedade pragmática. Através da expressão norma válida, queremos referir-nos à relação entre discursos normativos, tanto no aspecto-relato, quanto no aspecto-cometimento. O princípio que guia a análise pragmática é o da interação, a relação da validade inclui também a provável reação do endereçado, e, desta forma, tanto o aspecto-relato como o aspecto-cometimento. Para precisar nosso pensamento, vamos chamar esta conexão pragmática entre os discursos normativos, de imunização. A imunização do discurso normativo jurídico se caracteriza por ser conquistada a partir de outro discurso normativo, o que faz da validade uma relação pragmática entre normas, em que uma imuniza a outra contra as reações do endereçado, garantindo-lhe o aspecto-cometimento metacomplementar.Como a validade é relação entre normas, vamos chamar uma de norma imunizante e a outra de norma imunizada. A norma é válida. Esta técnica de imunização é bastante apropriada para os procedimen-tos de delegação de poderes e o controle da validade se resolve com a constituição de sistemas hierárquicos, donde o estabelecimento de conjuntos normativos que guardam entre si uma coordenação vertical de superioridade e inferioridade. Neste sentido podemos dizer que a norma inferior tem seu fundamento de validade em norma superior.
8. A EFETIVIDADE DAS NORMAS JURÍDICAS
Existem dois conceitos diferentes relacionados à efetividade das normas. Do ângulo lingüístico, podemos dizer que há concepções meramente sintáticas da efetividade, no sentido de que a efetividade está ligada à capacidade de o relato de uma norma dar-lhe condições de atuação ou depender de outras normas para tanto. Por outro lado há concepções meramente semânticas da efetividade, no sentido de que se estabelece como critério a relação entre o relato da norma com o que sucede na realidade referida. Do ângulo pragmático, há uma combinação dos sentidos anteriores. Efetiva é a norma cuja adequação do relato e do cometimento garante a possibilidade de se produzir uma heterologia equilibrada entre editor e endereçado. O sentido semântico liga diretamente efetividade e obediência de fato, não prevendo, os casos de desobediência de normas eficazes. No nível semântico da análise, uma norma será tanto mais efetiva quanto mais as ações ou omissões exigidas ocorram. O sentido jurídico da efetividade, contudo, atende mais ao plano pragmático, podendo dar-se, como dissemos, uma norma eficaz que não seja de fato obedecida e aplicada. A distinção entre efetividade plena, contida e limitada, revela o aspecto sintático, mas reflete no cometimento.