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O ouro canibal e a queda do céu Uma critica xamdnica da economia politica da natureza (Yanomami) Bruce Albert” Prdélogo Territorialidade e etnicidade A ocupagao da Amazénia brasileira deu-se segundo uma série de ciclos baseados na ex portacao de produtos extrativos ¢ na exploracao feroz da mao-de-obra indigena: drogas éo sertao no século XVII, cacau no sécula XVII € borracha no século xix.' Depois do colapso do boom da borracha na década de 1910, a economia da regio calu na estagnacao, sendo pre- caviamente sustentada por frentes exirativistas, garimpeiras € pecuaristas (Velho, 1972) até o advento dos planos de integragao geopolitica dos gavernos militares dos anos 1960 e 1970 A partir de entao, a fronteira amazénica foi brutalmente rearticulada ao “sistema mundial por uma politica em grande escala de ocupacao demogratica, de desenvolvimento economico @ de redistribuicdo espacial promovida pelo Estado? Essa politica desencadeou um intenso movimento de competicao territorial centrada no controle dos recursos naturais € dos espa ‘cos produtivos, uma “segunda Conquista” que vem, mais uma vez, atingir em chelo os povos indigenas (Maybury-Lewis, 1984). Desde os anos 1970, dafrontamse na Amaz6nia brasileira mulhiplas estratégias antagont cas de territorializacao, ora conduzidas em conformidade com o planejamento estatal, ara 20 Tnotitut de Recherche pour le Developpement (RO). bruceabert@aolcom 1 Sobre ahistria da Amardnia brasileira e seus cls econdmicos, ver Farage (1991), Hemming (1987), Santos (1980), saveet (1974) @ Weinsten (1983) 2 Abertura de mala visa, construgho de hidrelettcas, ciagdo de programas de colonizagio, attagao de grandes (es mineral, agiopecuato € llorestal; ver Aubertin & Léa (1986), Becker (1982), CHASLa inyestimentos nas se 111 (1977), Bavis (1977), Mahar (1988), Schrink & Wood, org. (1984), 240 Pacificando o branco arrepio desta 3 Dentro desse espaco regional em gestagao, os grupos socials ameacados pe- las novas formas de apropriacdo engajaramse em movimentos de resistencia baseados na reivindicagao de reservas territoriais, "contra-espagos” diferenciados no interior da fronteira {terras indigenas, reservas extrativistas etc,).* O discurso reivindicativo dessa territorialidade local contrdise em referéncia ao quadro juridico e administrative imposto pelo Estado. A identi dade social e politica dos grupos que veiculam esse discurso na cena nacional forja-se, portanto, no campo de forgas @ categorias desse quadro, Tal processo de “resisténcia mimetica” € par ticularmente nitido ne caso dos movimentos indigenas surgidos a partir dos anos 1970.° Para além da diversidade dentro das caracteristicas ecolagicas # das coordenadas histérico-simbs- licas dos espacos que ocupam, os “indios" referern-se unanimemente a categoria genérica de “terra indigena” herdada do cédigo juridico da sociedade envolvente, mas reorientada como condigdo palitica de resisténcia e permanéncia de sua especificidade social.® A apropriagao indigena desse horizonte legal, imposto ¢ transgredido pelo avango da fronteira, € um meca- riismo essencial na formacdo das “etnias” da Amazénia atual e de sua organizacao politica.’ Emergéncia do discurso politico indigena Essa incorporagao do discurso do Estado fundamenta a etnicidade genérica e juridica que 05 povos indigenas reivindicam, a0 se referirem a sua condicao de expropriados, A inscri- {cdo de seu projeto de continuidade social diferenciada dentro do debate politico nacional s6 € culturalmente possivel a partir de tal registro,® registro esse que permite @ mobilizagao de aliangas e movimentos de opiniao favoraveis no seio da sociedade dominante a fim de contra balancar a pressdo dos interesses econdmicos sobre suas terras. Paralelamente, a retérica indigenista dos aliados do movimento indigena (Igreja e Orga nizagées nao-governamentais ~ ONGs) ea representacao de suas lutas na midia mundial tive- ram um efeito catalisador decisivo tanto no desenvolvimento quanto nas formas de expresso dessa auto-afirmagao étnica.’ Isso fica muito claro na recente “ecologizacao" do discurso politico 3 Fsvatégias dos militares, das Grandes empresas pblias eprivadas (empresas mineradoras, loess, hidreeticas, aqropecuarins), dos pequenas agricutores, dos gatimpeitos, dos seringvetras, dos indios. 4 Sobre a nagio de “contraespacc” ver Becker eta. (1290, p.165), sobre a liga dessas estratégias tertitriis, ver ‘Abert (1980 (Org), Becker (19808), Becker et al (1990), Léna & Olivera (1991) e Schmink & Vucod (1992), 5 Sobre a nogio de “Tessténcia mimética’, ver Augé (1889, » 47); sobre o movimento indigena dos anos 70, ver Alert (1982), Menget (1982) ¢ Presland (1978). 6 Ver Seeger & Vivetos de Casto (1979) sobee ese processo e Pacheco de Olveta (1985) sobre sua base, 0 Estatuto do incio de 1973. 7 Um resumo do debate sobre a nosio de etnia pode ser encontrada em Taytor (1991); sobre a formagio das orge rizagdesindigenas ne Bras ver Alber (19976), Caxneito da Cunt (1986, p.97-108), Cardoso de vera (1981) © eatdo (1991, 1995). 8 Ao conti das formas de resistencia antenores a esta face de tercitrialzagio da fronteia (Iuga, quetra ou smessiarismo). 9 Ver Jackson (1989, 1991), Ramos (1990a, p.142-6), Turner (19913, p.301, 1954, p.26) 241 O ouro canibal ea queda do ci «dos representantes incigenas que faz eco, por via das ONGs, 4 ascensao do ambientaliso na sensibilidade politica dos paises industrializados."@ Entretanto, seria um erro reduzir esse fe némeno apenas a efeitos ideoldgicos que perpassam o discurso dos indios, como se estes fossem, "por natureza’, inaptos & pasigio de sujeito politico @ eteramente condenados 20 papel de personagens em busca de um autor ou ao de ventriloquos oportunistas."’ Ao con trério, nos intersticios das formas canénicas da etnicidade, os novos representantes indigenas desenvolyem uma simbolizagao politica complexa e original que passa ao largo do labirinto de imagens dos indios construido tanto pela retérica indigenista do Estado quanto pela de seus prdprios aliados. Mesmo estreitamente articulada ao referencial emblematico da indianidade genética, essa simbolizagdo nunca se reduz a ela, mantendo sempre a especific. dade cultural de cada grupo indigena.'? Nao esquecamos também que, dentro de cada uma das sociedades que esses lideres representam, existem abordagens diferentes (variagGes reaio- nais) ou até antagénicas (facgoes politicas, individuos bilingiies versus monolingties, tradicio- nalistas versus "empresarios’, lideres versus seguicores) quanto 8 maneira de anelisaras situa- es de contato e de reagir a elas, Portanto, seria simplista considerar a g@nese das etnicidades contemporaneas na Ama- z6nia sob a luz de uma teatralidade alienada au cinica. Ela revela, longe disso, todo um pro cesso politico-cultural de adaptacio criativa que gera as condigSes de possibilidade de um campo de negociagao interétnica em que o discurso colonial possa ser contornado au subver- tido."? A intertextualidade cultural do contato nutrese tanto dessa etnopolitica ciscursiva ‘quanto das formas ret6ricas (negativas ou positivas) pelas quais os brancos constroem “os Indios”. Porém, ela nao se limita apenas as imagens reciprocas de indios e brancos. A autodefinigao de cada protagonista alimentase nao so da representacao que constr6i do outro, mas também da representagao que esse outro faz dele: a auto-representagao dos atores interétnicos constrdise na encruzithada da imagem que eles tém do outro e da sua prépria imagem espelhada no outro,"3 10 Sobre odiacurso politico ndigena na Amazénia, ver Chau 1990}, Tikn Gallo (neste volume), Hendriks (1988, 1991), MeCallum (1880), Orlandi (1980, p.209:32), Ramos (1988), Rial (1990) e Turner (1988) 11 Aretérica vauia da “autentcidade” que assola 0 debate sobre a etnicidade tem por crigam a reiicagao simplista das nogdes de “culture” ou de “ieclogia” (ver Camsivo da Cunha (1886, p 103.7), Cliford (1988, introduce e ‘ap. 12) € Jackson (1989), Su marifestagdo na cena indigenista verficase ad nauseam ro fato de que os devs indigenas, tio logo se afastem do papel que thes & imposto s30fatalmente tomados por “insullados” ou por “ck 12. A wansformagha do enconta de indo @ ecolagitas ern pratesto contra as barragens do halxo Xingu (Alri, fevereo de 1989) em rito tradicional pelos indies Kayan6 € um bom exernpio disso (Turney, 1981, 5, 9 16055). Sobre as elagdes entre cosmelogia, ecologia politica, ver Whitten Junior (1878). 15 Na necessdace que tém os indios de utilzar a lingua do sociedade dominante para expressar as suas rivindica Ges, temas, num efsito especular, essa alimagao de alteridade nas categorias € no dspostivo de exclusso do utra (Oran, 1999, p.221-7), 14. Ver Abercrambie (1990) ¢ Taussig (1987, cap. 12) 242 Pacificando o branco O caso Yanomami CO discurso politico indigena das tltimas décadas se funda em um duplo enraizamento simbélico: numa auto-objetivacao por meio das categorias brancas da etnificagao ("“territd- rio", "cultura", “meio ambiente”) numa reelaboragao cosmoldgica dos fatos ¢ efeitos do contato. Nada nos autoriza a separar esses dois registros em nome de uma suposta “autenti cidade", nem a tomé-los por estanques ou antagdnicos. Tratase, ao contrério, de duas faces equivalentes e interdepencentes de um mesmo processo de construgao simbélica da historia imediata. 0 discurso étnico se legitima fazendo referéncias ao saber cosmoligico, e este por sua vez reconstréi a sua coeréncia a luz daquele. Se o discursa politico indigena se limitar & mera reproducao das categorias brancas, ele se reduzir a uma retérica oca; se, por outro lado, ele permanecer no ambito exclusivo da cosmologia, nao escapara do solipsismo cultu: ral. Em um caso como no outro, a falta de articulagao desses dois registros leva a0 fracasso politico. Ao contrario, & a capacidade de executar tal articulacao que faz os grandes lideres interétnicos. Sao esses efeitos de interacao e retroagao que dao ao discurso politico indigena contemporéneo um interesse etnogrético especial Em um trabalho anterior, analisei a historia de um conjunto de reflexdes yenomami so- bre os brancos, seus bens € seus poderes, desde os primeitos contatos até a construcao da rodovia Perimetral Norte, que atravessou seu teritério nos anos 1970 (Albert, 1992c). Busquel ali entender como a microrhistéria das primeiras fases do contato fora reduzida aos termos simb6licos da teoria da alteridade embutida na cosmolagia tradicional. Acompanhei assim os cesforgos especulativos de um pensamento sobre a mudanga histérica anterior ao engolfamenta dos Yanomami pela fronteira e o processo de etnificagao dele decorrente. Dez anos separam esse material etnografico do que examino aqui: o discurso politico de Davi Kopenawa, xama cuja trajetdria interétnica associada 20 universo das ONGs indigenistas e ambientalistas, to mou forma durante os anos 1980 na luta pela demarcagéo das terras yanomami, invadicas por uma feroz corrida do ouro, Esse intervalo de tempo revela uma verdadeira reviravolta na perspectiva yanomami de pensar sobre © contato interétnico: o abandono de uma simbolizacdo etnocéntrica € “as ce {g35", na qual 0s brancos aparecem como subhumanos, periféricos e ininteligiveis, em favor de Luma simbolizagéo relativista e dependente, que incorpora os dados da etnificacdo e os modelos brancos da indianidade. Tata se, em outras palavras, de uma passagem da “resisténcia espe culativa” (discurso sobre 0 outro pata si) a “adaptagao resistente” (discurso sobre si para 0 ou tro}: de um discurso cosmolagico sobre a alteridade a um discurso politico sobre a etnicidade; das categorias de yanomae thépé, "seres humanos’, e urihi teripé, *habitantes da terra-flo “povo da floresta”.'S resta", as de “indios Yanomami”, “povo da terra”, 15, Ver Ramos (1980b, cap. 10), Tumer (sc, 7.68). Esse processo efingdojuraca de um testi tomeu corpo durante a campanha langada pela Camis de Criacbo da Parque YYanomami (CCPY) contra © projeto de desimembramento das teas yanomami (1978-1992), Elo esd sendo pro ‘tessvamente retomacio pelos Yanamam desde os anos 80, A expressao ‘adaptacao resstene” vem de Stern (1987) einifcagao (a crstalizagao de um etndnimo @ 3 O ouro canibal e a queda do céu 243 Mas ¢ sobre os temas “ecoldgicos” do discurso politico de Davi que focalizarei minha ateng3o. Em primeiro lugar, porque eles tém ali un grande destaque - 0 que se explica, ab viamente, pela tragédia humana e cosmolégica que representa para os Yanomami a espanto- sa destruigdo do seu habitat pela atividade garimpeira. Em segundo lugar, porque, reforcan doa legitimidade do discurso legalista dos anos 1970 e ampliando o seu Ambito, o ambientalisno dos anos 1980 passou a ser 0 idioma politico dominante de movimento indigenista (Turner, 1993). Por fim, esse discurso tem interesse por seu efeito de desconstrucdo cultural da fran: tera: como critica xaménica do fetichismo do ouro, é claro, mas, o que é ainda mais interessante, como reverse anthropology (Wagner, 1981, p.31) do ecologismo pésmoderno. Assim, se 0 discurso da indianidade genérica adere a retérica e ao espaco politico do ambientalismo, as, sociedadles indigenas especificas esto muito longe de aceitar as suas premissas culturais histéricas. Terios aqui, portanto, um "makentendido produtivo” (Sahlins, 1981, p.72) entre as vitimas autéctones da destruicdo da Amazénia pelo “sistema mundial” ¢ citadinos do Oci- dente traumatizados pelas grandes catastrofes industriais das décadas de 1970-1980. Etnografia e turbuléncias!* Do London Metal Exchance a Paapitt Dos quase dez mil Yanomami que vivem no Brasil, mais de sete mil ocupam a parte oc: dental do Estado de Roraima. Regiéo amazOnica atipica, penosamente sustentada por verbas federais de 1965 a 1985, Roraima ndo passou durante muito tempo de uma anémica frontel ra de povoamento com objetivos geopoliticas, desprovida de bases econdmicas dignas desse nome: afligido por solos pouco férteis, com a capacidade pecudria de seus campos naturais saturada desde 05 anos 40, de riquezas minerais de acesso muito diff, 0 Estado airda cochilava em sua capital de 43.000 habitantes (1980), enquanto 0 resto da Amazénia ja se havia transformado em um campo de batalha econdmico e social em rapido crescimenta (Abers & Lourenco Pereira, 1992). Essa letargia preservou os Yanomami do pior até 1987."7 ‘A AmazOnia das malhas vidrias e dos projetos de colonizagao dos anos 1970 foi submersa, 2 partir do inicio da década seguinte, pela corrida aos garimpos de cassiterita, de pedras precio sas, ¢ sobretudo de ouro. Tudo comecou em 1979, com uma alta da taxa da anga de oure (31,1 gramas) que atingiu um recorde histérico de 850 délares na balsa de Londres no comego 16 Ver Levi Strauss (1983, p 1231) sobre a “etnolagia das turbuléncas” 17 © sil do tertitério yanomami fo, pore, atingido duramente, ainda que provisorlamente, pela abertua aborada da Pesimetral Norte entre 1973 e 1976 (Ramos, 1979), 244 Pacificando o branco de 1980 (de 1943 a 1973, havia oscilado entre 35 e 42 dolares).1® Em poucos anos, a garim- Pagem passou ao status de atividade econdmica dominante na Amaz6nia, ocupando cerca de meio milhao de garimpeiros ¢ produzindo, em 1987, aproximadamente cento e vinte to- neladas de ouro, colocando o Brasil em terceiro lugar na producao aurifera mundial, depois da Africa do Sul e da exUniao Soviética. Essa cortida do ouro na Amazonia dos anos 1980 passaria a ser 0 boom extrativista mais importante da regido desde o auge da borracha. Apenas balbuciante em Roraima até 1986, a fronteira do oura acabou explodindo no coracao do territério yanomami em Paapidi, um posto indigena da Funai no alto rio Mucajai, Em agosto de 1987, os garimpeiros assassinaram quatro lideres indigenas que thes bloquea vam 0 acesso as jazidas de ouro da regiao, e a invasdo macica comecou. Em 1989, jd havia no territorio yanomami em Roraima de trinta a quarenta mil garimpeiros explorando cerca de cento € cinqiienta garimpos servidos por oitenta e duas pistas de pouso clandestinas.2° Como 5€ pode imaginar, o impacto epidemiolégico e ecoligico dessa invasio foi tragico para os Yanomami, cercadlos em suas préprias terras por aqueles a quem denominaram urihi vwapopé, “os comedores de terra, comedores de floresta": violencia e doencas (malaria, gripe, saram- Po, coqueluche, hepatite, tuberculose etc.) que provacaram mais de mil mortes: poluigao da rede hidrogréfica, caga e desmatamentos indiscriminados, que aniquilaram toda a atividade produtiva.2t Um genro estratégico Nascido no inicio dos anos 1950, Davi deixou a sua regio de origem, o alto rio Toototobi (Amazonas), depois da morte de sua mae (1967) numa epidemia de sarampo trazida para a rea pela filha de um casal de missionérios evangslicos da Novas Tribos do Brasil. Alfabetiza: do em sua lingua para ler a Biblia, Davi deixou entdo, com raiva no peito, “as palavias de Deus" (‘eosi thé 8) por aquelas da fronteira regional, tornando-se, nos anos 1979, intérprete da Funai. Um intérprete acossado desde a infancia por sonhos enigméticos que seu padras: 40.2? guerreiro e xama de grande reputagao, interpretou como apelos de uma vocacao xamanica promissora No fim dos anos 1970, Davi trabalhava no posto Demini, nova base no sul do territério yanomami que @ Funai insialara num acampamento recém-abandanado da Camargo Corréa, construtora da Perimetral Norte. O chefe desse posto estimulava vérias comunidades da re- Qiao a se mudar para as suas imediagSes. Uma dessas comunidades, situada no rio Mapulad, 18 Ver Gray (1986, p42°5) Lourengo Pareta (1990, p.148 54). 19. Ver Cleary (1980, ».25) e Abers & Lourenco Perera (1992, 8) 20. Ver CCPY (1989), Fajao & Pinto (1990) e MacMiln (1995) 21 Ver Albert (19908, 1994) 22. Davi perdeL o pai quand era ainda bebe e fo criado pelo segundo marido de sua mie. 0 onro canibal e a queda do eéu 245 comesou a se interessar pelas manobras de atragao, Seu isolamento havia acabado brutal mente em 1973 com uma epidemia que a reduzira a um terco. A partir dai, seu “grande homem” (ate t"é), Lourival ~ que jd havia tido contatos episédicos com agentes da Funai no ‘Mapulat -, entencleu que seria fundamental garantir a seu grupo acesso nao apenas as fer- ramentas, como no passado, mas também aos remédios dos brancos. A ctiagdo do posto Demini, onde Davi tinhe emprego permanente, pareceuthe a oportunidade que procurava. Deixou-se entao “atrair” e, estrategista sagaz, deu a Davi uma de suas filhas em casamento, antes de empreender a tarefa de inicid-Jo no xamanismo. Como a relagao hierarquica entre so- roe genro é o suporte e o modelo da autoridade politica yanomami, Lourival transformou Davi fem seu dependente, consequindo, assim, “capturar” o beneficio de seu papel de intérprete.2? Essa sutil subversio politica acabou por solapar as bases de autoridade dos chefes de posto, que se sucederam no Demini sem consequir controlar os Yanomami, A situacao chegou a tal ponto que a administrago regional da Funai decidiu nomear Davi como chefe do posto. A estratégia de Lourival foi, portanto, duplamente coroada de éxito. Conquistando 0 dominio dos termos da relagac interétnica por meio do jogo politico tradicional, garantira a seu grupo as vantagens de uma associagéio com um posto da Funai (trocas, medicamentos, transporte}, neutralizando ao mesmo tempo a estrutura de dependéncia paternalista que essa associagao geralinente implica, Além disso, gragas & iniciagao xaménica de David, abrira com este um espaco comum de interpretacao das realidades do contato e de elaboragio de um discurso de defesa dos interesses yanomami que fosse inteligivel fora do grupo. Essa alianga de competéncias cosmolgicas e interétnicas é uma manifestacao exemplar da dupla articu- lagao do navo discurso politico indigena, articulagao que, portanto, nao produz necessaria mente uma diuiséo entre lideres indigenas “antigos e modernos” Essa colaboragdo intelectual revelouse de uma notavel eficiéncia politico-simbdlica em um contexta internacional em que a Amazénia se tornou a cena emblematica @ fantasmatica da crise ecolégica planetaria do “desenvalyimento", e no qual o discurso ambientalista propa gedo pele midia assumiu cada vez mais tonalidades milenaristas e apocalipticas.2* As declara: ges de Davi contra os garimpeiros, sustentadas, de um lado, por sua experiéncia dos discur S05 brancos sobre a indianidade (missionérios, indigenistas oficiais e néo-governamentais, ambientalistas) e, do outro, pelo saber xaménico de seu sogro, foram difundidas, no fim dos anos 1980, pelos meios de comunicacao de massa no Brasil, Estados Unidos e Europa ociden: tal, a ponto de levar 0 governo brasileiro assinar um decreto de demarcacdo das terras yanomami, pouco antes da Conferéncia das Nagdes Unidas sobre 0 Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, er 1992 (Albert, 1992b) 23. Da mesma maneira, 08 “grandes homens” hur costumam transformar os monitors binges em genres depon dentes Taylor, 1981, » 661) 24. Sobre a mitologia amazénice do ambientalsme franc@s, ver pie (1990), Sobre 0 rrewimento ambientalsmo norte americano, ver Zencey (1989) © Howard (1992). arisma protestante do 246 Pacificando 0 branco Da observagio participante a “participagao observante”25 © proceso de emergéncia dos indios coma sujeitos de sua histéria e de sua imagem, ao longo das iltimas décadas, tem modificado notavelmente as perspectivas de analise © os campos de estudo da antropologia da AmazOnia (Taylor, 1992). Tem também subvertide — talve2 isso tenha sido menos enfatizado ~ as condicées do “campo” e da “situagao etnogré: fica’.?* © processo de auto-objetivacao cultural que os povos indigenas desencadearam para sustentar Seus projetos de territorializagao e autonomia social faz hoje do discurso etnogratico lum meio, 4s vezes decisivo, de viebilizacao desses projetos (Turner, 19912, p.304-12). Os an tropdlogos e suas campeténcias de mediagao interétnica ~ além de seu papel habitual de fonte de bens de troca e de informagdes ~ aparecem para os indios, nesse contexto, como canals privlegiados de uma estratégia politica de controle das representagdes de si por meio do espelho cultural da fronteira (Tilkin Gallois, 1991, p.22). Essa “mediacaa etnagratica” da etnicidade opera, geralmente, em dois registros: como modo de resttuigao da especificidade cultural do discurso politica indigana e como teste da comunicabilidade interétnica dos temas que veicula, Seu dialogismo politico certamente contribui para catalisar a reflexividade cultu ral que subjaz a auto-afirmacao étnica propagada pelos lideres indigenas. Para os antropélo- 908, por sua vez, ela traz a possibilidace de subverter a mitologia cientificista da “observagao Participante” (Albert, 1995, 1997a), oferecendo novas perspectivas tedricas ao abrir a analise do simbolismo (“cultura”, “tepresentaces") para o politico e a historia Os ditos de Davi, produzidos aqui como “material etnografico", tém sua origem numa tal situag2o em que passel de “observador participante” a "participador observante” acompa nhando sue luta pela demarcacéo da terra indigena yanomami ao longo dos anos ¢ assesso. rando 0 projeto de satide que ele criou na area, com a CCPY, a partir de 1990, Depois de uma ‘tese consagrada ao sistema ritual yanorami (Albert, 1985), meu interesse etnografica orien. touse para as representacoes associadas ao contato interétnico. Constando, entre 1985 ¢ 1989, o espago cada vez maior que os temas cosmoligicos ocupavam no discurso politico de Davi, decid entrevista4o sobre o assunto. Na época, visitas 0 campo na rea do Projeto Ca 'ha Norte estavam interditadas aos antropdlogos pelos militares (Albert, 1992a). As primeiras fitas me foram gravadas por Alcida Rita Ramos durante uma visita de Davi a Brasilia, em de- Zembro de 1989, quando ele assistiu a uma edigao do Globo Repérter focalizando o contra- bando de ouro de Roraima, de sua extracao nos garimpos nas terras yanomami & rede inter nacional de seus compradores. Essa gravagao era um longo relato em yanomami das tragicas conseqiiéncias da corrida do ouro, entrecortado por uma veemente profecia xamanica. Davi pediame também para 25 Sabre a nocto de ebservant participation, ver Tumer (199, p.308) e Albert (1995,19970). 26 Sobre a noc de “situagao etnograica”(alusdo a “siuagio colonial” de Balandie|, wer Zemolén’ (1984) ouro canibal ea queda do céu 247 divulgar as suas palavras e participar em seu projeto de satide.?” As gravacdes continuaram nos anos seguintes, ao sabor de vérias intempéries politicas, feitas em malocas e acampamen: tos na mata, em escritorios de ONGs ¢ em corredores de reparticdes puiblicas em Brasilia. Nesse trabalho de campo conduzido aos trancos e barrancos, Davi rapidamente uitrapassou meu projeto etnogréfico inicial ao me recrutar para conferir a8 suas palavras 0 poder de um lio. As reflexdes de Davi que comento aqui foram extraidas do primeiro manuscrito oriundo esse trabalho, flas so, de um lado, 0 produto de uma inversao do processo de tradugao antropolégica (da informagao etnogratica 4 mensagem politica) e, de outro, de uma reelaboraco das concepcdes xamanicas tradicionais (do saber cosmoligico ao discurso étnico}. A etnografia que e365 reflexdes nos propem é, portanto, um sinal dos tempos, a resultante de um dilogo triangular entre um “grande homem” tradicional, um porta-voz do movimento indigena e um antropélogo. Davi, mediador intercultural por exceléncia, esta no vértice deste dispositivo politica de representacao interétnica, dispositive esse que resulta de um duplo des: vio de interpretagao no qual ele ocupa, simultaneamente, a posizéo de objeto ~ como intér: prete desencaminhado pelo xamanismo - e de sujeito - como desencaminhador do etndgrafo pelo ativismo. Ecologia cosmoldgica e predagéo mercantil Demarcar a terra, proteger a floresta Todo 0 discurso de Davi, que reivindica o direito dos Yanomemi a manter 0 uso exclusiva de seu territ6rio tradicional definido como “terra indigena”, apdiase na expressao urihi noamai, que significa tanto “recusarse (a entregar)" como “proteger” (noaméf) “a terra, a floresta” (urihi). Em geral, ele traduz essa expresso em portugués, dandodhe ora uma conotagao juridica (“demarcar a nossa terra indigena’), ora ums ressonancia ambientalista (‘proteger a nossa floresta”) Além dessas adaptagoes aos imperatives da comunicagao interétnica, 0 campo semanti- co de urihi inclui uma série de denotagoes histérico-polticas inclusivas e contextuais: regido natal ou de residéncia do individuo (ipa urihi), regido de origem cu area de ccupacao de uma comunidade (kami yamaki urihipé), habitat dos “seres humancs" (yanomae ¢épé urihipé) oposto ao dos “estrangeiros, inimigos, brancos” (napé t*8oé urihipg). Esse campo semantico tem também uma indissociével conotagao metafisica. Todos os héspedes e constituintes des- sa “terraloresta” so dotados de uma “imagem essencial” (wiupé) que os xamas podem 27 Fizernos depovs uma entrevista fmada em video, concensando os temas dessasgrimetas fits, em margo de 1980, para 0 CEDI (Kopenawa & Albert, 1991), 248 Pacificando © branco “fazer descer" (ittomaé) sob a forma de espiritos auxiliares (xapiripa) responsaveis pela ordem cosmologica dos fenémenos ecoldgicos € metearoligicos (migracao da caca, fertiidade de plantas silvestres, controle da chuva, alternancia das estacies...) Para Davi, portanto, "proteger a floresta” ou "demarcar a terra” nao significa unicamen te garantir a perenidade de um espaso fisico imprescindivel para a existéncia fisica dos ‘Yanomami. £ também preservar da destruigéo uma trama de coordenadas sociais e de inter- cambios cosmolégicos que constituem e asseguram @ sua existéncia cultural como “seres humanos" (yanomae thépg), Nesse sentido, a atividade dos garimpeiros representa uma sub- versio mortifera da ordem do mundo ¢ da humanidade estabelecida por Omama, o demiurgo yanomami2® apés o ciclo de transformagdes descontroladas cos ancestrais animais da pri meira humanidade (yarorip8) Eu sou Yanomami, um filo de Omama que nos eu, fa? muita tempo, quando os broncos no estavam aqui. Criou a nés e ciou afloresta com os tios @ 0 cu .. Antes, os ancestras animals se smetamorfoseavamn sem paver. 0 que eu sei sto as palavras que ele debeou .. Omama ciou nossa floresta, mas os brancos a maltratam, & por sso que queremos protegéla. Se nao fzermos iss, va sos desaparecer.E iso que eu pienso. Fu ces, torneime adulto © aprend a lingua des brancos.€ Bor isso que eu [hes falo, para defender a foresta @ impedir que a gente desapareca Ver, saber A avidez dos garimpeiros pelo ouro ~ chafurdando dia e noite na lama, “camendo a ter ra da floresta como espiritos queixada” (waréripe)?? ~ ¢ as febres mortais que espalham pro- pdem um tragico enigma para os Yanomami. Davi atribui essa violencia predatéria, em pri- meiro lugar, a ignarancia dos brancos, a “escuridao confusa” de seu pensamento “plantado nas mercadlorias’. Desa maneira, ele sublinha 0 antagonismo irredutivel entre dois modos de conhecimento, odos “estrangeiros, inimigos”, que tem suas raizes na escrita, 0 dos Yanmar, fundamentado na visdo ~ conhecimento xaménica: Nos, Yanomami, que somos xamas, sabernos. Vernos a floresta, Depois de tomar 0 poder aluci nogeno de suas arvores, nds vemos, Fazemos os espiites da floresta, os espiritos xeménicos, danger rem suas dancas de apresentago. Vemos com nossos olhos. Depois de “marter” sab 0 poder do 2B. Sobre 0 cklo mioligico Consagrado @ Omama e a seu inmdo malvado, Yous, ver Albert (19900). 29. Os gatimpeios desestuturam 05 solos de sluviao com jatos de qua de alta pressia e sugam 0 cascalho com mato ‘pombe, Para uma descigao detalhada das técnicas de garimpagem na Amazénia, ver Felie & Pinto (1990, p.9) ¢ Cleary (1950, p19). O ouro canibal e a queda do céu 249 alucinégeno, vemos a “imagem essencial” da floresta. Veros 0 céu sobrenatural. Nossos ancestrais ‘0 viam antes ends continuamas a v@lo. Nés no estudamos nem vamos & escola, Voces, brancos, vocés mentem, Nao conhecem as coisas. Vocas acham que as conhecem, mas so véem os desenhos de sua escrita Aeescrita é, pois, um simulacto de “visio” que 6 remete ao dominio dos manufaturados das maquinas do qual os Yanomami estao excluidos. € um saber desprovido do "ver" xamanico da “imagem essencial” (utupé), do "sopro” (wixia) e do “principio de fertidade” (né rope) que fazem a “beleza” da floresta, Este “saber-ver", 36 alcangavel pelo efeito dos alucinégenos © ampliado pelo sonho, apae-se ao savoir faire predatorio dos brancos, para quem a floresta nao passa de cenario inerte, “criado 4 toa’, diante do qual eles se comportam como “inimi: 0s”. A opacidade e 0 mutismo cosmologico dessa “floresta morta” sao 0 que Davi quer des: mentir pelo politica xamanica é, antes de mais nada, a de denunciar 0 pensamento “esquecido” e morti urso xamnico que legitima suas reivindicacdes ‘tertitoriais. A vocacio dessa fero dos brancos: (0s garimpsiros sao hostis a nds porque so como espititos maléficos; sae filhos de comedores, de terrafioresta, Eles dizem que nés somos ignorantes, mas estao errados. E 0 contraia, Somos nés que sabemos das coisas e que protegemosa floresta, Somos amigos da floresta porque nossos espi- Fitos xamanicos 80 05 seus quardiaes .. So eles que nas fazem pensar diteitoe ficar hicidos, Quan. do estao perto de nds, faze crescer nossa mente, fazern-na irlonge. Nosso pensamento nao ¢ fixa- do em outras palavras. € fixado na floresta, nos espiritos xaménicos ....Os brancos no contiecem cesses espiritos, nem a imagern do principio de fertilidade da floresta. Eles acham que ela sO existe & 10a, por isso a destroem, Mitologia metélica © que Davi revela por trds da ignordncia dos "comedores de terra-floresta” & a relag3o cosmolégica entre a extrago do ouro nas tertas yanomami e as epiciemias que despovoam a floresta. 0 ouro, “coisa escondida no interior da terra, embaixo da dgua dos rios” matéria quente e perigasa, um antialimento. Essa caracterizagao xaménica do ouro funda- menta-se numa breve referéncia mitokigica que relata como Omama, 0 demiurgo, escondew (5 metais embaixo da terra, a fim de proteger os humanos de suas propriedades patogénicas: é uma cura ¢ 9s outros minérios que no conhego Omama encontrou ¢ depois escondeu embaixo da terra pare que ninguém mexesse com eles, Sa0 coisas que no se comem, $6 deixou de fora aquilo 30 Sobre uma oposigio semelhante no discutso politico Shuar, ver Hendricks (1981). 0 alucinageno em questao Lyakdsna) é thado ds resina de érvores Vira sp, cristalzada € pulverizada, Para designar a escrita, Dav usa 0 temo, ani, que se reparta a um motivo de pintura corpora furmade de pequens ragos sucesivos 250 Pacificando 0 branco: que comemes ... Estes minérios ninguém os come, s80 coisas perigosas. $6 provocam doencas que s2 alastram e matam todo mundo, nao somente os Yanomami, mas os brancos também. Essa extensio mitolGgica retoma e renova uma associagdo, sem diivida muito antiga, entre as fertamentas de metal e Omama. Os fragmentos metalicos usados no passado remo. to pelos Yanomami para fabricar machadinhas (haowatima) era, de fato, considerados como objetos abandonados por mama em sua fuga (Albert, 1990b, p.302). Para tomar coerenie e558 inovacdo mitolégica relativa aos metais patogénicos, Davi reelabora assim, ao longo de seu discurso contra 2 garimpagem, um mito que associa mame a origem das plantas cult vadas e das ferramentas aaricolas.° Nesse mito, mama pesca a filha do monstro aquatic Tepirésik# (3s vezes associado a sucuri) € casa com ela, Tépérésiki decide ensinarhe o uso das plantas cultivadas para que possa alimentar sua filha.*? Assustado com o barulho que 0 sogto faz a0 se aproximar da casa, Omama escondese, tomando a forma de uma barra de ferro, metal (pooxiki) encontrado no chao da mata sob a forma de “fragmentos do céu caido nos primeiros tempos”. € com uma tal barra de ferro que mais tarde ele vai furar a terra para fazer jortar agua, criando, assim, a rede hidragraifica que banha as tertas yanomami.3? Mas Omama acabara enterrando esse metal perigoso nas profundezas da terra, com excegio de algumas ferramentas que fez com ele e deixou para os ancestrais yanomami. O metal que Omama enterrou € 0 "pai do minério”, “a ossatura da terra”, “os pés/raizes da <éu", um tipo de axis mundi metalico. O ouro e a cassiterita s8o formas fracas desse “minério forte". © verdadeiro “metal de Omama”, que os brancos procuram além dos minerios de superficie, 56 6 acessivel aos napé wakaripd, os “brancos espiritos tatu-canastra’, ou seja, as companhias mineradoras. A légica retrospectiva € as operagdes estruturais desses processos de extensdo e de reconfiguracao mitoldgica so muito caracteristicos da criatividade analégice que permite aos xamas amaz6nicos atualizar constanternente a mitologia de seu grupo, em fungao das novi dades e contingéncias da historia imediata* Esse trabalho simbdlico nao €, de modo algum, uma forma do que, por convencao, se costuma chamar de “mudanga cultural”, Ao contrétio, trata-se do que ha de mais “tradicional” nas tradicoes das saciedades indigenas da Amazonia. Longe de ser um corpus canénico, 2 mitologia desses grupos @ um saber narrative contia a entropia, um perpétue tecer da legitimidade cosmologica do real (Overing, 1990). Trata-se de lum processo de construcao permanente da relevéncia da experiéncia a partirdo "ver" xamanico da cena primitiva das origens da Lei (social, césmica). Nesse sentido, poderseia dizer da mi tologia yanomami o que foi dito da cosmologia araweté: que ela é, em grande medida, 0 31. Bastao de caver € machado de peda, ver Abert (19908, p 398). 32.0 tems da aquisgao das plantas eulvadas de um sogra aqustico enconirase na Amazinia, das Guianas (Riére 1968, p25951) 20 alto Rio Negio (HuginJones, 1979, p26 7), 33 Sobre uma versio anterior desse mito, em que 0 instrumento umm bastao de cava feito de lenho de palmeira, ver Albert (19900, p 4057) 34 Sobre 50, ver HughJones (1988, p.1489) © Townsley (1988, p.1513). 0 ouro canibal ¢ a queda do céu 251 resultado contingente, fitrado pelos limites da memorizacao coletiva, da criatividade xamanica (Viveiros de Castro, 1992b, p.87). Febres do ouro e efeito estufa A caracterizagao das propriedades patogénicas do ouro (¢ dos outros metais)"® reporta- nos a uma tenatica conhecida do pensamento yanomami sobre os efeitos epidemiolégicos do coniato: © que temem destas “coisas da escuridae da terra” sdo, antes de tudo, suas emanagoes deletérias, as “epidemias-fumaca’ (xawara wakéxi) que s8o suscetiveis de emitir € propagar. Ja analisel longamente a histéria dessa associagéo simbdlica entre objetos dos brancos e a fumaga/chelro patogénico que esté sempre presente nas tepresentacdes yanomamni do contato (Albert, 1992¢). Apenas lembrarei aqui que esta associacdo surgiu a partir da co: incidéncia entre aquisicéio dos abjetos metalicos e epidemias de infecgao respiratéria, sob a forma de “fumaga do metal (dos tergados)’.* Depais de meio século de transformagoes di versas, essa associagao reaparece no discurso de Davi como “fumaga do ouro” (oru wakéx), “fumaca do minério/metal" (minerio wakéx? ou pooxik? wakéxi) e, por fim, “doenca do miné: rio", Sua forga é ainda tao grande que ele chega, muitas vezes, a usar a palavra xawara (epi demia) como sindnimo de minério (pooxiki) Enquante for conservedo no frio das profundezas da terra, 0 ouro ¢ inofensivo. Mas, nao contenies em extrailo, 0s gerimpeiros ainda © queimam ¢ 0 expdem ao sol em latas de me tal” Esse aquecimento “mata” 0 ouro € 0 faz “exalar” uma fumaca pestilenta que se propa ga em todas as diregOes. Esse calor patogénico afeta nao s6 as seres humanos, mas também a floresta, que vé seu “sopro” esvair-se e seu "principio de fertilidade" fugir, tornando-se ina bitével para seus donos, os espiritos xamSnicos (que “possuem'" a floresta), Para Davi 0 uso do ouro pelos brancos é meramente ornamental (dentes, anéis € cor- dées). Trata'se, portanto, essencialmente, da matéria-prima de certas matihipé (objetos pre- ciosos, manufaturados). Por essa via ele associa a fumaga do ouro 3s emanagdes de outras matérias-primas (minérios e combustiveis) que os brancos tiram do subsolo € transformam, por fusio ou combustao, em matihipé nos fornos de suas fabricas, Enquanto a fumaca do ‘ure manipulado in sity provoca uma contaminacaa local, a fumaca das outras matérias»pr ‘mas espalha suas exalacdes patogénicas (minerio wakéx) até queimar o “peito do céu", 0 qual, sendo atingido em sua esséncia sobrenatural, “morte de epidemia, como os Yanomami, 35 Ver as eaboragbes conmolgicas sebve “doenga do outo” na Nova Guné analsadas por Crk: (1993), 36 O tema dos manulaturados patagénica, combinado au nao a0 da fumaga do metal, 6 muito frequents na Am zonia, Ver neste volume Erikson @ Tikin Galli, respectivamente sche os Matis © Waiap, © Hil & Wright (1988, 12.93), sobre os Wakuéna. 37 Os gatimpeiws recclhern 0 po de aura cam merciio © queimam 0 amélgama para aber pepilas, Esse processo liber um gis esbranquigado extremiamente toca (Cleary, 1990, 9.20.1) Pacificando o branco como a floresta”.3* A concepcaa de tal contaminagao generalizada desemboca numa exten: so maxima do campo semantico de urihi, “terra-floresta", que, associado & nogao xamanica de “céu-espago cosmolégico" (hutukara) ~ a terra é também um “céu” que caiu nos primeiros tempos -, torna'se usihi pata "grande floresta, univers”, que Davi traduz em portugués como “mundo inteiro" Esta fumaca-epidemia atinge 0 “mundo inteiro” ... 0 vento leva.a até a céu. Quando chega li, seu calor quelma-9 pouco a pouco ¢ ele fura. O “mundo inteiro” € entao ferido como se estivesse queimado, como um saco de pléstico derretendo no calor Pela primeira vez na histéria do contato yanomami, esse novo avatar do motivo da “fu: maga do metal” foi produzido num proceso de cotejo € confronto com o discurso dos bran. cos. Nao se reduz, portanto, a um simples efeito de permutagao simbélica que o assimilaria {5 suas transformagbes anteriores (Albert, 1992c). 0 sentido de “epidemiatumaca” (xawara wakéxi), oriundo da idéia précontato de fumaca de feiticaria querteira, chegou até a nogao de fumaca das ferramentas e depais a de furnaca dos objetos manufaturados em geral. No discurso de Davi ele ten um novo desdobramento sob @ forma de “fumaga do ouro”. Mas essa aparente continuidade, posta a prova pela retérica ambientalista dos seus interlocutores brancos, dissimula uma mutago intema radical. “Epidemiafumaga” passou a incorporer, primeiro, 2 nogao de “fumaga do ouro”, em seguida, a de “fumaca do minério", depois en- globou a idéia de “fumaga das fabricas" e, por fim, chegou a assimilar 0 conceito de "polui- 20". A extensao do campo seméntico de xawara wakéxi, de poder patogénico a poluigéo industrial, envolveu essa expressao num deslizamento neolégico que a conduziu de uma in- terpretagao epidemiolégica da alteridade dos brancos - que ainda persiste - a uma critica cosmoligica de sua atividade econémica: de uma metéfora tradicional da hiperpredacao pela feiticaria guerreira (associada aos efeitos do timbé na pesca) a uma tradugo xamanica do efeito estufa, O canibalismo da mercadoria ‘As fumacas patogénicas da “doenga do minério” constituem apenas a aparéncia visivel a0s “olhos de fantasma” da "gente comum” (kuapéra thépa). Por tras dela, desenrola-se a aca canibal do “espirito da epidemia”, Xawarari.29 que 36 pode ser detectada pelos espiritos auxiliares dos xan 38. Dav abibuid exraqie de mingios outios eletos ecaligicos ecosmolégicos: desestuturacao do slo, desestabiizagao 60 “peito do céu", mutag do minéro, no serda abordads neste vabaho, sciatica ete. Estes temas, que tem menos televo em suas falas do que oda "doerea 39, aware vale aqui pars uma classe de espites, os xawaranpe, “espinitos da epidemia® O ouro canibal ¢ a queda do céu 253 Aeepidemia xawara é um espitito maléfico que mata e come nossos filhos ... Ele tem fone de carne humana ... Mata as pessoas e as come ... Moqueia.as como se fossem macacos. $6 para de ‘matar depois que juntou bastantes vitimas, Entao, mal acaba de comer toda essa gente, todas essas, criangas, comeca a atacar outras. E faminto de carne humana, ndo quer nem caga nem pee, $6 gosta mesmo @ da banha do Yanomami. Xawarari, como bem se pode imaginr, tem a aparéncia de um branco, e todos os deta: Ihes de suas macabras expedigoes ressaltam essa identidade: tem capangas para capturar suas vitimas, corta suas gargantas com tercado, arranca a pele para fazer rede, frita-as em grandes, fornos de farinha, joga as entranhas a seus ces de caga, moqueia os cadaveres e os guarda em caixas de madeira ou em latas de conserva. A figura dos brancos como espititos canibais, onipresente na Amazénia, assombra o imaginério yanamami sobre o contato interétnico des. de suas origens, por meio de diversas transformacdes simbélicas e conforme diferentes graus de literalidade. Ela tem suas ralzes numa concepcao tradicional de alteridade ontolégica ¢ social formulada em termos de relagdes de predacao, também classica na regiéo (Albert, 1992c), Nao voltarei aqui este ponto; deter-me-ei apenas no enigma que subjaz a esse siste- ma, enigma que @ metafora insistente dos brancos canibais ~ retomada sem trégua desde os primeiros contatos travados 8 sombra das manufaturas patogénicas ~ se esforga em resolver. © termo matthipé, hoje aplicado essencialmente aos objetos dos brancos, referia-se mais especificamente, no passado, aos ornamentos de plumas e ossos dos mortos (ou cabacas contendo cinzas martuarias) ~ a bens cerimoniais preciosos, portanto. Os bens manufatura dos, par sua semelhanca superativa com objetos yanomami ou por seu extremo exoismo, foram subsumidos sob essa designacao e logo a colonizaram quase totalmente. Matihipé passou a equivaler a “mercadorias". ‘As matihipé tradicionais so bens trocados durante os grandes ritos intercomunitarios realy quando as formas de reciprocidade desses interc&mbios instituem os participantescomo parceiros cerimoniais e politicos (Albert, 1985, cap. 12). Fora das relagGes sociais construidas por esses intercdmbios, as matihipé s80 apenas o significante de uma auséncia, @ ausércie de uma relagio que se deve obliterar. Os ornamentos @ 05 outros bens dos mortos, por cerrega rem em vao 0 “rastro de seu toque”, sdo meticulasamente destruidos durante o fune’al. As cinzas dos mortos so ingeridas ou enterradas para serem “postas no esquecimento”, no ano- nimato do cho da floresta, A nenhum desses "objetos preciasos” é dada a legitimidade de se livrar desses vinculos para se tornar valor auténomo: excluidos da circulagao que thes confere eficécia social intra e intercomunitara (aliancas matrimoniais e/ou politicas), eles sao fadacios ac aniquilamento. 0 destina das mercadorias dos brancos é selado do mesmo modo. Portanto, 0 valor de intercdmbio simbélico das matihipé determina:se, literalmenie, em relagdo a morte: “dase porque se morre”.*® Inversamente, 20 destrutlas, frisa-se que é a pers pectiva insustentavel de sua autonomia post mortem que as destina a uma circulagao WO Sobre a noqao de intercambio simballco que me inspira aul ver Baudhilard (1972, p.01-3, 148, 267) 254 Pacificando 0 braneo ininterrupta entre os vivos: diz-se que nao se pode "possui-las com firmeza” porque “elas no mortem e ficam sozinhas no chao depois da morte”. £ como se, circulando, assumissem por antecipacéo a morte de seus donos, frustrando, assim, 0 destino de obliteragao que esta encerra ("nao se as leva consigo quando se morre", elas sao "Jogadlas aos outros"); como se, a0 no circular, quisessem negar em v4o @ mortalidade humana (diz-se “vocé é avarento, mas vai marrer do mesmo jeito”). Dai a perplexidade dos brancos ante o aparente paradoxo da avidez ‘com que os Yanomami procuram adquirir suas matihips (chocados, na verdade, com a acurnut- aco) e, a0 mesmo tempo, do pouco caso com que tratam suas posses (atados, como esto, 20 dever de trocélas continuamente) Contrapondo-se a essa ordem da reciprocidade simbélica em que a morte ¢ a destruiga de bens alicerca a troca, est a ordem do valor e da acumulagao da economia privada (Mauss, 1967, p.131). Como salienta Davi, enquanto os garimpeiros se matam uns aos outros para ossuir 0 ouro € atiram os cadaveres ao frio da terra, os Yanomami fazem guerra para vingar (5 seus mortos, cujas cinzas funerarias eles dao aos seus aliados para enterrar na fogueira doméstica:*? “Os Yenomami pranteiam os homens generosos porque as suas cinzas valem mais do que ouro”. Talvez seja a estranheza inquietante dessa alteridade radical diante da mor- te @ do abjeto que vemos refletirse nas macabras cacadas do espilito Xawarari que assombram as visdes dos xamas yanomami. Essa figura do ouro canibal seria, assim, uma forma de critica xamanica do fascinio etal daquilo que Marx designou como “o deus das mercadorias" Apocalipse xamanico Aconseqiiéncia da propagagio generalizada da “epidemniafumnaca” do ouro é, para Davi, © exterminio dos xamas, reduzidos a impoténcia e aniquilados pela captura de seus espiritos auxiliares Nossos espiritos auniiares tentam atacar © afugentar a epidemia xawara, mas ela 59 se afasta ‘um pouco e depois volta rapido .. nés tentamos destrutla, mas € muito dura, resistente como bora: cha. Quando é atacada, nem sente 0s golpes. Ao contatio, ela se apodlera dos espiritos xaménicos que tentam atingila e com isso destrdi os pais deles, os xamas. 0 fracasso do xamanismo diante dos paderes patogénicos liberados pelos brancos defi- ne a verdadeira magnitude das conseqiiéncias da corrida do ouro ~ a instauragao de uma crise escatolégica e de um movimento brutal de entrapia cosmolégica: ‘AT Ver sobre isto Hugh ones (1992, p23) 42. Ou para babe, se forem creas de ciancas, 43, Man (1957, 9.91), Sobre esta idéta de cic indigena do Fetchirno da metcadovi, ver Taussig (1980, cap. 1) Wagner (1981, cap, 2) O ouro canibal ea queda do céu 255 Quando todos nés tivernos desaparecido, quando todos nés, xemas, tivermos morrido, acho que 0 céu vai cair Eo que dizem nossos grandes xamas. A floresta sera destruida e © tempo ficara ‘escuro, Se nao houver mais xamas pare segurar o céu, ele nao ficard no lugar Os brancos sio apenas, lengenhases, eles ignaram 0 xamanismo, ndo sao eles que poderdo segurar 0 céu ... Nao sa0 $0 0s ‘Yanomami que marrerao, mas todos os brancos também. Ninguém ascaparé a queda do céu, Se morterem os xamas que @ mantém no lugar, ele cara mesma. £ 0 que dizem nossos ancidos. Nossos ‘grandes xamas e nossos ancidios esto marrendo umn apés cutro, isso me desespera. Os brancos des ‘troem nossa floresta € nossos ancigos morrem todos, pauco @ pouco, de epidemia. Isso me dé raiva Essa profecia apocaliptica constréise a partir da inversao de varios mitos yanomami que associam a queda do “céu dos primeiros tempos" (que deu origem a terta atual) a morte dos grandes xamas ancestrais, quando sous espiritos auxiliares “6rfdos", enfurecidos por esse lute, retalharam 0 céu com suas armas sobrenaturais, até que ele cedeu sob 0 proprio peso (Albert, 19906, p.35-6). Uma nova vinganga dos espititos xamanicas, amplificada pela aniquilagao dos xamas, ameaca dessa vez provocar um cataclismo que trara o fim & humanidade atua!: Meus espititos xaminicos me dizem: "Nao se desesperem, nds vingaremos vocés! Vamos are. bentar o céu e todos morrerdo!. Se todos os Yanomami desaparecerem, eles cortardo 0 céu que cara, Entao, todos os brancos ~ 0s garimpeiros, © governo, os militares ~ desaparecerao também! Jd aconteceu, 0 céu caiu nos primeiros tempos. Quem vivia naquela epoca desapareceu e nds tomamos 0 seu lugar © unico meio de evitar a queda do eu é continuar com o trabalho xamanico: somente 05 espiritos dos xamas vivas padem deter a violancia dos espiritos dos xamas mortos. Legado de Omama, o xamanismo é um ver-saber estratégico para a contengao dos poderes entrépicos da alteridade cosmologica e social; para isso, socializa certas figuras dessa alteridade sob a forma de entidades ausiliares, numa espécie de homeopatia simbdlica generalizada.“# Sua derrocada levara inexoravelmente a sociedade @ 0 universo de volta 20 caos pré-humano. O colapso do cosmos sob 0 golpe dos espiitos xamanicos sem “pais”, evocado por Davi, apan- ta para essa entropia como resultado do excesso de poder predatério da alteridade branca.* A corrida do ouro representa, pois, uma irrupc3o de forcas destrutivas to incontrolaveis no interior da floresta e do universo que s6 podem ser associadas & meméria mitica das transfor- macées erréticas dos ancestrais animais (day, talvez, a denominacio dos garimpeiros como “espiritos queixada” € das mineradoras como “espiritos tatu-canastra”) JA Os vamds podem, por exemple, “lazer desces” como espiites aunares raptip) as “agers” (utupé) dos ances: tras animais (yaronpe) na cura de dovncas provocadas pelos espittas maléficos da floresta (ne wpe, ou captar 15 “imagens" dos brancos (napénapérié) na curs de doengas epidémicas, Sobre a intypretagto yanomami da doenga, ver Abort (1985) e Albert & Gomez (1997) 45. Sobre a assocngao entre 0 fim do xamariem e o fim do mundo entee os Baniwa, ver Wight (1992, p25) Pacificando 0 branco: Essa simbolizacdo € caracteristica de uma concepgao indigena da historia que toma a mudanga mais sob o aspecto de metamorfoses radicais do que como um processo de trans. formagao progressiva.*° Trata-se de uma interpretacao traumatica que aqui se apresenta sob @ forma de uma reviravolta escatolégica na qual a génese se reproduz como ameaca de apocalipse. Inserido numa releitura politica em registro de futuro anterior, o mito da queda do céu v@, assim, a autoridade de seu simbolismo fundador transferida para um projeto de resisténcia étnica que toma a forma de urn milenarismo de baixa intensidade. A Natureza como mal-entendido interétnico Depois dessa incursao pela ecologia xaménica da fronteira garimpeira, voltemos 4 ecologizagao do discurso étnico. Voltemos, mais precisamente, as divergéncias culturais subjacentes @ alianga entre ambientalistas e povos indigenas que ha alguns anos vem domi: nando a cena amazénica — divergéncias sobre as quais os indios parecem-me mais liicidos que os ecologistas. As reflexdes de Davi sobre a “natureza", o “meio ambiente” e a “ecolo- gia" serviréo aqui de base para esta etnografia comparative Indios naturalistas e Natureza produtiva Muitos antropélogos que trabalham na Amazénia mostraram, ao longo da tltima déca- da, um desconforto perante 0 alastramento da ideologia que representa as sociedades indi genes da Amazdnia como “papulagdes” em parfeita continuidade com seu meio ambiente @ cujos membros, ecologistas espontaneos, dever ser “preservados” por serem os detentores de saberes naturals fora do comum.*” Sabemos que essa imagem goza de uma vasta platéia, que vai desde certos antropdlogos defensores da etno-ecologia até as industrias farmacéuti cas interessadas na biodiversidade amazdnica, pasando pelas classes médias urbanas de sensibilidade ambientalista, Esses autores tm demonstrado como essa “naturalizagio” po: sitiva dos indios nada mais é do que a imagem invertida da naturalizagao negativa produzida para um outro “pUblico” ~ 0 da tecnoctacia e da franteira regional ~ que vé os indios, na melhor das hipsteses, como remanescentes da pré-historia fadados a assimilacdo e, na pior, como seb vagens bestiais destinados a extingao (Viveiros de Castro & Andrade, 1990, p.67). Esses estu- diosos retracaram também as peripécias historicas dessa passagem “do indio naturalizedo 20 46. Sobre esse ponto ver Hill (1988, p:7), Bowen (1991, p.390, 407 nota 5) ¢ Brown & Femmander (1991, p.216-7, 243, rota 9) 47. Ver Colchester (1981), Seeger (1982), Descola (1985), Hil (1989), Vieicos de Castro & Andrade (1990), Vivevos de asto (1992), nv b Nossa inteligéncia da alteridade nao vai além a figura dos “indios naturalistas" (a “naturalizacao” da cultura). A negociacao que os indios fazem de sua identidade ndo ultrapassa os moldas da ecologia xaménica (2 “culturalizagao” da natureza), Do discurso politico indigena (continuagao e fim) © discurso politico de Davi éncontra sua coeréncia num duplo trabalho de retomada das coordenadas cosmoldgicas de sua tradicao e dos quadros discursives que Ihe so impostos pelas ideologias indigenistas (do Estado e das ONGs). 0 exercicio dessa intertextualidade cul- tural realiza'se por meio de mecanismos simbdlicos e semanticos especificos que serao ressal tados aqui a guisa de conclusio. Em primeiro lugar, devese notar que o contexto interétnico desse discurso neolégico induz uma visada estratégica que redireciona suas referéncias cosmolégicas para uma leitura de legitimacao politica. Tal leitura passa por um duplo balizamente temporal - etiolégico e esca toldaico ~ que se apéia na légica mitica para formular o presente dos desafios da etnicidade.* Certos episddios miticos sao, assim, objeto de extensdes retrospectivas que estabelecem as bases da resisténcia territorial ynomamni, a0 reinscrevé-las no tempo das origens (o tema mitico dos metais patogénicos fundamentando, por exemplo, a oposicao politica ao garimpo). Ou tros episédios estao submetidos @ uma inversao prospectiva que legitima essa resisténcia em negativo, pela imagem profética do cataclismo que ela procura evitar (a oposicdo aos garim- pos impedindo, por exemplo, a morte dos xamas e a queda do céu) A légica estrutural dessa mitologia politica pde em movimento operacdes de correlacao, ‘oposigao e derivacdo das mais cléssicas do “pensamento selvagem”. Entretanto, & possivel pensar que tais transformacdes nao se limitardo a simples remanejamentos combinatorios, Essa mitologia, assim extraida de si mesma, lanca-se, em razao dessa abertura para a histéria, no caminho de mudangas profundas cujos contornos ainda nao se podem antever. Mas sabe- mos que essa utllizacao politica dos mitos resultara, a longo prazo, na formagao de géneros narrativos em que a ligica historica vai, definitivamente, sobrepujar as regras € os objetivos do pensamento mitico (LéviStrauss, 1984), As limitagdes impostas pela politizagao intercultural das categorias cosmolégicas produ: zem, em contrapartida, processos de transformagao muito mais répidos. Tais processos atetem ‘© campo semantico das categorias em jogo dentro da fricgo discursiva do contato, nas duas vertentes (yanomami e portuguesa) da tradugéo. Essas mutacées visam superar os defeitos 55 Ver Taussg (1980, p37, 127), 56. Ver também o caso des dscusos palticos interétncos waidp!analsado por Tikin Galles neste volume. O ouro canibal ¢ a queda do céu 263 de homologia das categorias culturais em confronto, com a ajuda de ajustes obtidos seja por contracio (como no caso de uri, que se torna “terrefloresta’), seje por dilatagao (cco no caso de “natureza”, que se torna o equivalente de “cosmos xamanico"), Teis adaptacSes lin gliisticas desembocam, as vezes, em verdaceiras neologismos seménticos, como no caso de xawara ("epidemia”, que se toma “poluigdo") ou de matinipé (“‘ormamentos de plumas/cin- 205 funerarias", que se tornam “mercadorias"), Esse fenémeno vale igualmente no sentido inverso (em poriugués), como no caso de “ecologia”, categoria reinterpretada come poder de prategao dos espit Em sua anélise de tais mecanismos de deslizamento seméntico, Sahlins chamou a aten- (¢do para aquilo que eles as vezes devem & criatividade de certos individuos excepcionais.®” O discurso de Davi lembramnos que esses processos operam num horizonte lagico e estratégico de negociagao intercultural e que, portanto, afetam tanto as categorias indigenas como as categorias emprestadas dos brancos. Essa microfisica linguistica, instaurada pels comunica- <0 € pela politica interétnicas, tende, assim, a produzir (Grmulas semantices de meio termo, cuja dialética ao mesmo tempo contorna e reafirma as incompatibilidades simbélicas em con. fronto; férmulas nas quais a tradicao tanto ajusta os empréstimes a sua légica quanto é, ela mesma, modificada por eles, ‘A constatagao dessa interdependéncia produtiva entre cosmologia e etnicidade lizerta a anélise dos fendmenos de inovacao cultural do maniqueismo das antinomias que habitual mente a esterilizam (assimilacao versus resistencia, aculturacdo versus tradicao, manipulagao versus autenticidade etc). A cri na remete a um espaco de relagées ¢ referéncias interétnicas por detinigdo. Seu projeto de repraducao cultural e de registro simbélico da historia em curso 56 tem sentido no bojo des- sas novas totalidade e intertextualidade socieis. Excelente convite, parece me, a se repensar © substancialismo que nos faz considerar, com excessiva freqiiéncia, as “Culturas” e as “Socie- dades” amazénicas como ménadas metafisicas (com historia degenerativa) ou como satélites sociolégicos da fronteira (com histéria induzida). jos xaménicos. idade politica dos lideres de contato na Amazonia indige- Agradecimentos Esta verso em portugues corresponde, com algumas alteragGes, a0 original em francés publicado om Homme (Paris), 126/128, p.249-78, 1993. Agradeco a Alcida Ramos por sua ajuda na realizacao desta traducéo. Agradeco também a Eduardo Viveiros de Castro por sua revisao final do texto. 57 Sahin (1988, p43). Esses mecansmmos de reavaliagdo parecem, entetanto, pouco operativs na fase de contato anterior ao processo de cerca etniicante; ver Albert (19926) 58. Ver Babedzan (1982, p85, 276°) para ums reavaliaglo da nogio de "sincretismo” 264 Pacificando © branco Referéncias bibliograficas ABERCROMBIE, T. 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