Sei sulla pagina 1di 24
A CIDADE COMO NEGOCIO valorizagio do espaco é central para o desvendamento da produgio do espaco urbano atual, haja vista que a valorizacéo do espaco urbano vem ganhando noves conteti- dos através das novas dinamicas do setor imobilidrio articuladas 4 financeirizagio mundial ¢ as novas agées estatistas. Sobretudo, buscamos refletir se 0 debate sobre a valorizacao do espaco se trata de um momento datado ¢ superado na geografia, procurando situar os limites e as possibilidades desse conceito diante dos processos urbanos contemporancos. ‘Um movimento a ser feito é 0 de pensar 0 processo que parte da valorizagio fundidria — do solo urbano ~, articula-se como momento necessdrio 4 valorizagao imobilidria — do espaco construido, dos bens iméveis, das edificagoes — para produzir a valorizagao do espago como condicio, meio e produto! das novas e futuras valori- zagGes que reproduzem o capital através da produgao continua de novos espagos. As novas mediacées financeiras e institucionais colocam a possibilidade de um mercado de garantias que tém na propriedade imobilidria (imével) um ativo flexibilizado e que impoem a realizacao da moradia como puro negdcio econdmico (leia-se imobilidrio- produtivo e financeiro). Fsse movimento produzido pela valorizagio fundidria/imo- bilidria/espacial/estatista permite entrever um caminho posstvel que vai da renda da terra 4 producao do espaco como forma especifica de producéo do valor, 0 que nos fandamenta para a compreensio dos contetidos atuais do processo de capitalizagao/ valorizacao dos espacos periféricos, que buscaremos desenvolver. Para tanto, iniciaremos com algumas colocagdes que visam situar 0 debate sobre a renda da terra e sua relagéo com a producdo do espaco urbano, e com isso estabeleceremos uma perspectiva de andlise sobre 2 questéo para em seguida analisar as transformagées recentes no sctor imobilidrio, ligadas 4 financeirizagio desse sctor € que repercutem na produgio de novas espacialidades e novos processos de valorizagéo do espago, os quais imprimem novas formas e contetidos aos espagos metropolitanos periféricos. Sobretudo, debrucamo-nos sobre a importincia de se pensar concrera- mente a valorizacao do espaco atualmente. AVALORIZACAO DO ESPACO URBANO EO DEBATE SOBRE A RENDA DA TERRA URBANA A anilise do processo de valorizacao do espaco nao ¢ tarefa simples; muitos autores se dedicaram e vém se dedicando de modo mais ou menos direto ao de- bate do papel da terta ¢ do espago na teprodugéo do capitalismo, entre os quais poderiamos citar Marx,* Lefebvre,? Castells, Topalov,” Lipietz, Gottdiener,’ Lojkine,’ Harvey,° Oliveira,"° Martins,"! Moraes e Costa,” Carlos." Nao se trata, evidentemente, de expor e analisar o modo como estes autores entendem o papel da terra eda renda. Partiremos de algumas consideracdes que a nosso ver avancam [98] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO na discussdo sobre o cardter da terra urbana e seu papel na acumulacio. Nosso interesse reside na reflexéo sobre o papel da terra ¢, mais do que isso, do préprio espaco na reprodugio social, que permite ler muitos dos conflitos emergentes nas cidades atualmente. De modo geral, a reflexio sobre a valorizacao do espaco através da perspectivada teoria marxista do valor compreende que o trabalho — vivo e morto - materializado nas construgées incorpora-se& terra, sendo que “a formagao territorial é também uma acumulacao desigual de trabalho no espaco”, e que “o valor criado, ao incorporar-se ao solo, transforma-se em valor do espaco, condicionando as valorizagées posterio- res”.'4 Gottdiener sintetiza da seguinte mancira a questao da compreensao marxista da renda da terra: A teoria marxista da renda deriva da nogio ricardiana da terra como fator material da produsao, Segundo essa nocéo, a terra possui uma fertilidade agricola intrin- seca, que [..] pode variat. Renda é o preco pago pelo uso desse recurso. Segundo ‘Marx, em contraste com Ricardo, a capacidade da terra de comandar essa renda surge do caréter classista da sociedade. Particularmente, os proprietirios de terra podem reivindicar uma porsao da mais-valia produzida pelo trabalho, em virtude da instituigio da propriedade privada [...]. Por conseguinte, para cle a renda da terra era diferenciada [...] pela natureza da propria posse da terra com relagao & organizagio social da producio capitalista. Além da concepgéo de Ricardo, que Marx denominou renda diferencial, foram previstos outros dois tipos de renda: renda absoluta e renda de monopélio.* Poderfamos pensar, baseados nessa viséo, que um aspecto central para a definigao do cardter da terra para a acumulagéo capitalista seria o entendimento de que o solo nao é produzido pelo trabalho humano, sendo dédiva, portanto, no se trata de algo que possuiria valor, mas que geraria rendas advindas do mo- nopélio/dominio sobre determinada porgao do espaco pelos seus proprietérios e da especulagao que estes fazem com a terra, Esse entendimento da terra como geradora de renda aponta uma perspectiva que a compreende como meio de producao, matéria-prima, ¢ que, pelo scu carter finito ¢ raro, 0 preco da terra setia definido a partir das disputas pelas possibilidades de uso e das vantagens da localizacéo paraa producio. Ademais, existiria um traco rentista da terra advindo da simples instituicéo da propriedade privada do solo, que é preciso considerar € que caracteriza um sentido patrimonialisca importante derivado do monopé- lio da terra. Entretanto, segundo alguns autores, como Carlos," para pensar 0 espago urbano temos que considerar as diferengas que a cidade coloca para a dinamica do solo, pois no urbano a terra néo poderia ser vista como simples meio de produg4o, mas como uma mercadoria produzida e reproduzida socialmente através da historia, em um processo assentado na produgao de valor ¢ de lucros. Gotrdiener escreve que: [99] A CIDADE COMO NEGOCIO Nesse estigio da discussio, devo mudar da anilise da terra como meio de produ- ‘ao para a andlise do espago como forsa de produgio, e mudar da determinagio do valor da terra ¢ seu retorno ~ renda ~ para a determinasio social do valor da localizagéo no espago e seu retorno —lucro. Se devemos tratar a questo dos valores da terra ¢ da localizago, devemos antes de tudo reintroduzir a teoria de Lefebvre e passar de uma andlise da terra per se para a dos bens iméveis, pois io estes que compreendem o espaco capitalista na medida em que esse se ope a0 pré-capitalisea.!” Lefebvre trata exatamente da necessidade de se considerar uma nova dimensio do espago como forca produtiva, que vai além do debate da terra (e das rendas fundiérias) como meio indireto de producio de valores & producio do espaco como mercadoria especifica, que se realiza como momento central da produgio do valor e da mais-valia: O desenvolvimento do mundo da mercadoria alcanga 0 continente dos objetos. Esse mundo nao se limita maisaos contetidos, aos objetos no espaco. Ultimamente © proprio espaco & comprado e vendido. Nio se trata mais da terra, do solo, mas do espaco social como tal, produzido como tal, ou seja, com esse objetivo, com essa finalidade (como se diz). O espago nao é mais simplesmente o meio indife- rente, a soma dos lugares onde a mais valia se forma, se rcaliza ese distribui. Ele se torna produto do trabalho social, isto é, objeto muito geral da produgao, ¢, por conseguinte, da formacéo da mais valia."* O solo urbano possuiria, portanto, um valor como resultado da sua incorpo- ragdo 4 dinimica da cidade, e esse valor é diferenciado pois representa o actimulo desigual de trabalho social no espaco — infraestruturas, espacos de consumo e lazer, equipamentos urbanos como hospitais, escolas etc. A mercadoria espago é, portanto, produzida histérica e socialmente e seu valor de troca é determinado pela constante possibilidade de transformagao do seu valor de uso, de construcao/destruig4o/recons- trugio dos iméveis ¢ infraestruturas. Com isso, a especulagao através da retengao da propriedade fundidria e da elevacio do seu preco —a capitalizacéo do espaco - é algo sempre presente e que compde 0 proceso de valorizagao do espago, assim como a desvalorizagao do espago cria novas possibilidades de mudangas futuras de valores de uso e com isso de futuras valorizagies. Podemos pensar que a financeitizacio da produgéo do espaco — pelo lado da produgao (crédito ao setor imobilidrio) e pelo lado do consumo (crédito aos compradores) dos iméveis—acentua processos de valorizacao do solo ¢ dos imévcis, sendo um momento importante da valorizagéo geral do espaco. A dinamica da terra e da renda possuem uma historicidade que constitui na Europa uma classe social, a dos proprietarios (senhores feudais), que ird se contrapor fortemente a classe capitalista burguesa. Dai a importancia da explicagao da renda como tributo exigido pela propriedade (monopélio de uso) por parte de uma classe social especifica, revelando disputas pelo poder ea dominasao crescente dos capitalis- tas. O cardter patrimonialista da sociedade brasileira traz como exigéncia considerar, |100] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO como 0 fazem alguns autores,” a uniéo da propriedade fundidria com o capital na propria constituigao da sociedade brasileira, fuzendo com que a classe capitalista seja igualmente a classe proprietiria — além de base da constituicio histérica das elites politicas e do préprio Estado nacional -, 0 que permite entender parcialmente a grande concentracéo fundidria no campo brasileiro (auséncia da reforma agrétia) 0 enorme déficit habitacional em nossas cidades (auséncia da reforma urbana). Embora concentrada de modo geral em nossa sociedade, a propriedade do solo urbano também fragmenta o espaco em distintas formas de apropriacao social, a tal ponto que a coordenacio do Estado e do mercado imobilidrio-financeiro aparecem cotno 0 tinico meio capaz de promoveras transformagées mais intensas ¢ significativas no expaco, embora isso se trate de uma producao hegeménica e homogeneizante do espago, que entra em relagdo com a producio heterogénea, fragmentada, descen- tralizada e pouco valorizada do espaco pela sociedade como um todo —as iniimeras apropriagées sociais possfveis: ocupagées, autoconstrugées etc. Consideramos que a teoria da renda da terra tende a tratar a produgao do es- paco como “melhorias” no espaco, quando se trata de algo diferente. O conceito de producio do espago parece afastar constantemente a ideia do solo (urbano, sobre- tudo) como algo finito, néo reprodutivel, absoluro, ¢ mesmo a propriedade privada do solo nessa perspectiva dialetiza-se ao ser entendida como titulo negociavel de um espago construido e reconstruido, um espago-mercadoria que se valoriza de acordo com © processo socioespacial, sendo ainda (a propriedade privada do solo) o pilar das desigualdades. A questao da renda da terra urbana certamente é um debate aberto ¢ inconclu- so. Mas é possivel pensar que a renda do solo na cidade se transforma em valor do solo urbano pela sua continua produgio/reprodusio social, pelos processor espaciais particulares que a cidade engendra: a centralidade, a raridade, a concentragao de diferentes divisées do trabalho € das possibilidades de criagéo continua de novas divisécs do trabalho, bem como de trabalho novo, a diversidadc de valores de uso e das possibilidades de producio de novos valores de uso, a multiplicacéo do solo em altura pela verticalizacio, entre outros. Portanto, pensamos que a urbanizacio é também um processo de transformagao da renda do solo em valor do solo, valor dos iméveis ¢ valor do espaco urbano, dados pelo trabalho social e pela constituicéo de um mercado imobilidrio urbano — um mercado de espagos edificados ¢ de espagos com perspectivas de edificagao ou de alguma transformacéo presente ou futura — que certamente especula com essa valorizacio do espaco para clevar os precos seja da terra, scja dos iméveis construidos ou cm construgao, Sc a teoria da renda da terra ajuda a compreender o peso da propriedade privada do solo — inclusive mantendo a validade da interpretagao patrimonialista-rentista da terra transmudada em processos especulativos ¢ de capitalizacéo -, a andlise da produgao da cidade e da valorizagio do espaco urbano exige que se avance e se problematize tal teoria. [101] A CIDADE COMO NEGOCIO Hi também uma perspectiva de andlise da producio imobilidria que foi intro- duzida por Lefebvre ¢ que posteriormente foi trabalhada por muitos autores — entre eles David Harvey -, ligada & teoria das crises e da mobilidade do capital através de circuitos. Escreve Lefebvre: “imobilidric” [..] desempenha o papel de um segundo setor, de um circuito para- elo ao da produgio industrial [..]. Esse segundo setor absorve os choques. Em caso de depressio, para cle afluem os capitis. Eles comesam com lucros fabulosos, mas logo se enterram, [...] © capital imobiliza-se no imobilidrio. A economia geral[. logo sofre com isso. Contudo, 0 papel a funcio desse setor nao deixam de crescer. Na medida em que o setor principal, o da producio industrial corrente dos bens “mobilidrios”, arefece seu impulso, os capitais serio investidos no segundo setor, 0 imobiliério. Pode até acontecer que a expeculagio fundisria sc tcansforme na fonte principal, o lugar quase exclusivo de “formacao de capital’, isto &, de realizagao da mais-valia, Enquanto a parte da mais-valia global formada e reaizada na indistria decresce, aumenta a parte de mais-valia formada e realizada na especulagéo e pela construgio imobilidria” Como para muitos autores 0 investimento no setor imobilidrio pode ou néo representar uma saida a formacdo de capital, ou uma saida momentanea ~ jé que existe uma imobilizacdo grande de capital -, a financeirizacéo da produgao do espago representada pelos investimentos nos sctores imobilidrio ¢ da construgéo, bem como pela concessio de crédito 0s compradores, permitiria realizar esses fluxos entre os setores da economia, criando, inclusive, um mercado de garantias imobilidrias com a transformagao dos mecanismos de execugio das dividas dos inadimplentes que facilitam a passagem das propriedades imobilidtias dos morado- res devedores aos credores financeiros.”! Vejamos com mais profundidade como a chamada financeirizagdo imobilidria se realiza concretamente, ¢ que espacialidades ela tem (re)produzido. TRANSFORMAGOES RECENTES NO SETOR IMOBILIARIO: FINANCEIRIZAGAO E PERIFERIZAGAO/METROPOLIZAGAO Como analisado em trabalhos anteriores,” os dados do mercado imobilidrio permitem identificar dois momentos em que despontam ntimero de iméveis (sobretudo residenciais) lancados: 0 biénio 1996-1997 e o periodo 2007-2013. E necessirio refletir sobre quais so os motivos que podem explicar esses dois “salvos” na produgao imobilidria residencial em nosso pais. Em meados da década de 1990 ¢ dez anos depois, em meados dos anos 2000, ocorem importantes aproximagées entre 0 setor imobilidrio e o capital financeiro, que caminham no sentido de incluir cada ver mais os negécios imobilidrios no ambito dos negécios financeiros, como o surgi- |102] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO mento, de acordo com Botelho,” de novos instrumentos financeiros que permitiram a transformagio de bens iméycis em titulos mobiligrios: 0s Fundos de Investimento Imobilidrio (Fu) e os Certificados de Recebiveis Imobilidrios (cri). ‘Também nao podemos esquecer que, conforme Bonduki,* em 1995 h4 uma retomada dos financiamentos habitacionais a partir dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Servigo (rcs) apés um perfodo significativo de paralisagao. Ganha destaque, nesse momento, a atuagio das diversas cooperativas habitacionais. Jé a partir de 2006 ha um forte movimento de abertura de capital na Bovespa por parte das maiores incorporadoras, com significativa presenga de investidores estrangeiros. Podemos com isso dizer, de modo geral, que os dois “picos” de atividade imobilidcia coincidem de algum modo com uma intensificagio da relagio entre 0 setor imobilidtio € 0 mercado financeiro — bancério e aciondrio — em S40 Paulo. Mas o que fez. com que o mercado imobilidrio brasileiro dito de ponta - formado pelas grandes incorporadoras—, sempre t4o concentrado e centralizado em dreas valori- zadas ¢ jé bem equipadas das cidades, se dirigisse a espacos periféricos autoconstruidos € pouco valorizados? O que fez.com que tais incorporadoras dirigissem seus negécios para os estratos inferiores de renda da sociedade? De fato, é preciso avancar na com- preensio da valorizacéo dos espagos que passam a abrigar novos empreendimentos, 0 que nao é possivel sem avaliar as transformagées porque passa o setor imobilidrio na tiltima década. Este processo inclusive restabelece importantes movimentos de fusio € aquisig’o parcial ou total realizado pelas companhias imobilidrias, em processo de competigao acitrada. S4o fartos os exemplos de fusdes, aquisigées, montagem e desmontagem de parcerias que evidenciam o dinamismo desse setor, potencializado pelos recentes investimentos financeiros ¢ politicas de governo. Vale notar que hé uma mudanga significativa na tecnologia de construcao® de moradias para o chamado segmento de “baixa renda’, que ocorre no sentido de ace- lerar 0 ciclo de construcio ¢ com isso agilizar o inicio do retorno dos investimentos, possibilitando um alargamento da produgéo. Entre as novas técnicas construtivas que se pode verificar, estéo 0 uso de formas de aluminio, montadas na obra para o preen- chimento das paredes dos iméveis com concreto, garantindo que cada unidade — casa ou apartamento — seja montada em poucos dias. Um processo de padronizacao construtiva se desenvolve e entra crescentemente na concepgio dos projetos de grande parte das maiores incorporadoras. Também se deve notar a grande terceirizacao (subcontratacao) das construgdes no canteiro de obras — construcio efetiva realizada por construtoras menores ou constru¢io de partes da obra por empresas especializadas —, 0 que atua tanto como mancita de acelerar 0 ritmo de construgdo quanto como modo rdpido de entrar nos mercados locais— com as facilidades ¢ a expertite (experiéncia de mercado) de empresas locais—e expandir a presenca das grandes empresas em diversas cidades do pais. De acordo com entrevistas realizadas,* o contato ea parceria com os construtores locais possibilitam as grandes |103| A CIDADE COMO NEGOCIO incorporadoras adequar os projetos arquitetonicos de seus novos “produtos” deacordo com as caracteristicas de mercado ¢ as legislagées de cada cidade, em relacio, por exemplo, ao ntimero de vages de garagem, altura do pé direito etc. Mas tal regime de terceirizagdes, se facilitou a expansao nacional de muitas in- corporadoras em um primeiro momento, encontrou também alguns limites quando & padronizacao que deveria ser (e vem sendo) implantada, pois o controle geral da obra se enfraquece pela dependéncia de cumprimento de prazos por parte dos terceiros.”” Ainda assim, esse regime vem sendo adotado por grande parte do setor imobilidrio de ponta. Sobretudo, a padronizagio do projeto e da execucio da obra se faz necesséria no sctor da produgéo imobilidtia de edificagées para moradia das classes populares devidoa necessidade de um dimensionamento da obra que néo prejudique as margens menores de lucro dos “produtos populares” — comparadas com as margens maiores de lucro dos empreendimentos imobilidrios denominados de “alto padrao” —, nos quais (“produtos populares”) 0 maior volume requer maior velocidade e maior padroniza- go dos procedimentos de trabalho, aproximando o canteiro de obras de um regime industrial de producdo, com trabalhadores desempenhando fungoes especializadas ¢ utilizando materiais padronizados.”* Entre as especificidades das obras no “mercado popular” da habicagao, ¢ que ajudam na padronizacao que se busca atingit, esti a simplificacao das plantas e da estrutura geral da obra, das instalacées, do acabamento,” e que, so final, resul- tam também em uma redugao da qualidade dos materiais e métodos empregados ¢, consequentemente, em uma piora global da moradia. Nesse contexto, passa a ser importante que grandes incorporadoras adquiram empresas que operavam na construcio de moradias para segmentos sociais com faixas de rendimentos meno- res como estratégia de compra do modelo de distribuigao deste novo produto: a habitacao popular de mercado, evidenciando a estratégia de “queimar” etapas para ganhar posigées no mercado através da incorporacio da expertise de empresas que jévinham ha mais tempo desenvolvendo estruturas — de financiamento, marketing, vendas — para o “mercado popular”. Esse processo marca uma estratégia de diversificacao dos negécios das maiores incorporadoras, ¢ que elas de modo algum abandonam suas atividades voltadas a atender os estratos superiores de renda da sociedade, ou seja, as grandes incorporadoras seguem produzindo também para 0 mercado residencial em Areas mais valorizadas, cuja valorizacao carrega outras mediagoes e produz outros contetidos. Observa-se nessa estratégia de diversificagio espacial o grande ntimero de langamentos/construgées de empreendimentos residenciais horizontalizados constituidos por sobrados c/ou edi- ficios com menos de seis pavimentos em conjuntos que frequentemente apresentam um porte que varia de 100 a 500 unidades habitacionais, muitas vezes ultrapassando esse ntimero. Vale observar que as constantes crises ~ como a crise financeira inter- nacional de 2008 ~ acarretam reestruturagées no setor imobilidrio, que impdem as |104] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO empresas revisdes de suas metas de lancamentos. Foi central a articulacao politica de muitas empresas — com destaque para MRV, PDG, Gafisa, Cyrela, Rodobens, Rossi — em relagio a elaboracéo de um grande programa habitacional em conjunto com o governo federal - Minha Casa Minha Vida (mcav) — para revigorar os investimentos daquelas ¢ de muitas outras empresas do macrossetor da construcio. A forte expansio do setor imobilidrio verificado entre 2005 ¢ 2012 pode ser explicada, grosso modo, pelos seguintes processos: a) abertura de capital em bolsa de valores das principais incorporadoras brasileiras, quando passam a se capitalizar (re- ceber investimentos) ¢ se endividar (alavancar financeiramente) para expandir seus langamentos ¢ aumentar seus lucros; b) relativa estabilidade cconémica (inflagao ¢ taxa de juros mais reduzidas) com redugao do desemprego (em que pese os empregos subcontratados, terceitizados, temporirios, precarizados); c) execusao do programa habitacional Mcmv; d) flexibilizagao e ampliacao da concesséo de crédito imobilidrio aos compradores; e) alteracées na legislacéo do financiamento imobilidrio, com a consolidagéo da alienagio fiducidria de coisa imével. A estratégia de canalizar os investimentos imobilidrios para 0 atendimento das necessidades de moradia das milhdes de familias brasileiras que historicamente permaneceram excluidas do financiamento imobilidrio formal para a aquisigéo da casa propria esté relacionada ao fato de que esse mercado, além de muito amplo, apresenta a caracteristica de que para 0 segmento popular a moradia nao deve ser encarada como um bem de consumo, mas como um bem de necessidade, ¢ que na verdade se trata de trocar a “divida” do aluguel pela “divida’ do pagamento de prestagdes do financiamento da casa propria — com valores similares aos do alu- guel.°” Entao seria a necessidade da moradia em um pafs como o Brasil que poderia explicar os investimentos na produgio da habitag4o mais ou menos “popular” como uma saida as crises? Esta vem sendo uma hipstese importante. Além disso, esse mercado de habitacéo popular adquire, a partir de 2009 com 0 McMv, um meca- nismo de produgéo/financiamento subsidiado pelo governo federal, 0 que atesta a forte dependéncia desse setor em relacao 2 poder puiblico (ao Estado), sobretudo quanto ao atendimento das necessidades de moradia dos setores inferiores das classes médias e dos mais pobres. As diferencas entre os “produtos imobilidrios” em termos da rentabilidade, das caracteristicas dos projetos ¢ da escolha dos terrenos giram em torno da necessidade de se aumentar 0 volume de unidades habitacionais langadas quanto mais “popular” for o imével.>! Portanto, existem algumas caracteristicas urbanisticas necessatias & viabilizagio ccondmica dos empreendimentos do segmento dito popular: como a lucratividade de cada unidade desses empreendimentos é menor em relacdo & cons- trucéo de casas e apartamentos dealto padréo, impée-se uma alteragio nas dimensdes espaciais destes empreendimentos. Assim, os terrenos em geral devem ser maiores para abrigar o maior numero de iméveis (cujas metragens das unidades séo reduzidas). |105| A CIDADE COMO NEGOCIO Isso nos permite entender a necessidade de uma produtividade maior no segmento imobilidrio ¢ inclusive localizar a importancia das novas tecnologias construtivas vistas também em termos da necessidade de se aumentar a velocidade da execugio das obras. Em relagio ao processo de financeirizacao do setor imobilidrio e as ages dos investidores financeiros, é poss{vel observar mudancas constantes na forma como esses investidores avaliam cada incorporadora. De modo geral, os investidores observam apenas as variagdes numéricas relativas As oscilagées de prego das agées das empresas, avaliando principalmente o estoque de terrenos 0 landbank — ¢ 0 VGv —valor geral de vendas — potencial de cada incorporadora.?2 No mercado imobiliério, haveria a visio de que 0s investidores financeitos na verdade nao olham para o mercado imobilidrio t40 a fundo, o que significa que os resultados financeiros das incorporadoras — lucra- tividade, ntimero de langamentos, endividamento etc. - acabam por parametrizar as decis6es dos investidores financeiros. Os maiores empreendimentos imobilidrios s4o capazes de produzir profundas transformagées socioespaciais, implicando a necessidade de negociagao com érgaos piiblicos, associagées de bairro ¢ comerciantes a fim de viabilizar a atratividade para os compradores ¢ diminuir os impactos — aumento do fluxo de veiculos, da demanda por transporte puiblico, servicos de satide, escolas, saneamento, coleca de lixo etc. — causados pelo empreendimento. Nesse sentido, empreendimentos com milhares de unidades habitacionais que ocupam terrenos de dezenas de milhares (ou milhoes) de metros quadrados, como aqueles desenvolvidos pela Odebrecht Realizagdes Imobilidrias,® realizam um processo complexo nio apenas de constru- g40 de iméyeis, mas de dotacao de algumas infraestruturas urbanas, o que, de um lado, permite desenvolver o processo de loteamento/incorpora¢4o/construgao em sua globalidade — auferindo lucros maiores —, mas de outro lado institui dificulda- des adicionais como as aprovacées dos empreendimentos, as negociacées com as prefeituras e com moradores etc. Conforme pesquisa realizada, nota-se que 0s novos moradores dos condominios habitacionais produzidos nesse processo sao procedentes em sua maioria de espagos jd periféricos, embora de periferias menos distantes, 0 que leva a crer que existe uma sujei¢ao desses grupos a um maior afastamento explicada pela tentativa de tornarem-se proprietérios formais de suas casas, 0 que apenas pode ocorrer em espacos distantes e menos valorizados. Os novos investimentos imobilidrios produzidos nos intersticios de tecidos periféricos ora mais ora menos consolidados reforsam as desigualdades no plano do lugar, pois destacam-se as melhores condigées de infraestrutura dos novos empreendimentos em tclagéo aos bairros onde estao localizados, trazendo impor- tantes consequéncias do ponto de vista da dinamica da valorizac4o do espago e do aprofundamento da segregacio socioespacial na periferia. Assim, é interessante reconhecer as estratégias da nova espacialidade requerida pelos empreendimentos desenvolvidos paraas “classes populares”, que envolvem uma |106] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO producao imobilidria em larga escala (elevacio do mimero de unidades habitacionais ¢ da area dos empreendimentos), padronizada, com custos reduzidos (do terreno e do produto final), 0 que implica uma expansao relativa da atividade imobilidcia em diregéo aos espacos metropolitanos periféricos e uma maior e mais complexa articulagéo institucional do setor privado com o poder piblico, inclusive com uma demanda crescente por investimentos ptiblicos em infraestruturas ¢ equipamentos urbanos em tais espagos. A partir de 2011, observa-se que a periferizacéo/metropolizagéo da atividade imobilidria significou, contraditoriamente, um processo particular de valorizagio do espago nas periferias, 0 que, do ponto de vista da dinamica das incorporadoras, tem representado uma elevagio dos custos de construgao — ligados também ao aumento do prego dos materiais e equipamentos utilizados bem como da prépria mio de obra -, que, somada ao clevado nivel de endividamento dessas compa- nhias,* redundou em uma série de atrasos em obras, cancelamentos de vendas e aumento dos estoques de iméveis. Isso fez com que houvesse, entre 2011 ¢ 2013, uma diminuicao do ritmo intenso dos langamentos gerais de iméyeis assim como um timido arrefecimento do processo de periferizacio/metropolizacao — observado pelos lancamentos imobilidrios em Sao Paulo ¢ na Regiéo Metropolitana de Sao Paulo (Rast) -, arrefecimento incapaz, entretanto, de significar uma reversao dessa metropolizagéo. Os dados que permitem visualizar esse processo estio sintetizados na tabela a seguir: ‘Tabela 1 —Nimero de langamentos de iméveis residenciais (verticais e horizontais) em Sao Paulo RMSP — 2006, 2007, 2010, 2011, 2012 ¢ 2013 2006 | 2007 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 ‘Sao Paulo (cidade) 25.689 | 38.990 | 38.199 | 38.149 | 28.517 | 33.198 RMSP (exclufda SP) 9.038 | 23.075 | 32.532 | 29.210 | 25.480 | 24.945 Langamentos SP (% do total) 73,98 | 62,82 | 53,96 | 56,64 | 52,81 | 57,10 Langamentos RMSP (% do oral) | 26,02 | 37,18 | 46,03 | 43,36 | 47,19 | 42,90 Total Geral Langamentos 34.727 | 62.065 | 70.781 | 67.359 | 53.997 | 58.143, Fonte: . Acesso em: 29 jul 2014. (Ela- boragio do autor) PENSANDO A REPRODUGAO DAS PERIFERIAS URBANAS A PARTIR DE COTIA, NA RMSP ‘Como compreender as novas temporalidades ¢ espacialidades do atual processo de reproducao metropolitana de S40 Paulo? Como os espacos periféricos das cidades metropolitanas sio integrados ’s novas estratégias do setor imobilirio articulado as |107] A CIDADE COMO NEGOCIO finangas globais? Que mediagées a cidade de Cotia, localizada na rvsp, nos fornece para a anilise dos processos em andamento na metrépole? A carta-imagem a seguit ajudaré a pensar alguns dos processos de reprodugao urbana de que estamos tratando: ‘Mancha urbana da RMSP, Rodovias Raposo Tavares, Régis Bittencourt, Rodoanel Mario Covas e vetor oeste da RMSP (Cotia) Legenda [ruse sao Paulo — Redoane! Mario Covas — Rodovia Régis Bittercourt — Redovia Raposo Tavares | ‘Eabereto: Danie Voueno € Pace Mera dos Santos Nb agen: Sate LANDSAT. Out: Vosnco de ago de 204, comeonsin: REGIA, Steno So Mejor’ Selrs te atrencsGeovtrnco pra semanas (SHAS) 2000 Some: Ree 102.1 |108| A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO A pesquisa de Carlos, realizada em Cotia na década de 1980. aponta a centra- lidade da reprodugio da industria paulistana na produgio do espaco cotiano: [..] 0 processo de produgao espacial do lugar vincula-se a uma produgio espacial mais ampla, ligada direta ou indiretamente pelo processo de industrializagio. Ll a expansio industrial passa a ocorrer a partir da capital em diregao 2 outros municipios, em busca de terrenos maiores, de menor prego, mao de obra barata, incentivos ¢ uma rede de comunicagao cficiente [...]. A auséncia de terrenos para a ampliagao de indtstrias instaladas, 0 processo de valorizagao da terra nas dreas urbanas mais densas [...] tém levado a um rearranjo da localizagio industrial [...]°° De acordo com o estudo feito por Carlos, nesse processo de expansio da metidpole: “[...] as indistrias se instalam devido as condig6es de infra-estrutura, fandamentalmente a partir da duplicacéo da Raposo Tavares, pela proximidade da capital metropolitana e mao de obra barata ¢ abundante”..” Antes desse trabalho e tomando como base outro contexto Langenbuch analisa as transformagées que passam. a existir nos entao “subiirbios rurais ¢ agricolas” (entre eles Cotia) com o crescimento metropolitano de Sao Paulo, que ia definindo “cixos de urbanizasao ombrionéria” 20 longo dos eixos rodovidrios. [..] 0 da rodovia Raposo Tavares, desde 0 municipio de Osasco até a vila Raposo ‘Tavares [...], cortando o distrito de Cotia. Este [...] € 0 “eixo de urbanizac4o em- briondria” mais evoluido. Provenientes de Séo Paulo, um pouco apés penetrarmos no distrito (c municipio) de Cotia, vemos o subtirbio Granja Viana [...]. Ao lado ha pequeno aglomerado operirio ¢ loteamentos destinados ao mesmo fim. Em. seguida temos um trecho de estrada, em que algumas fabricas pequenas ¢ médias se intercalam em meio a “subtirbios rurais”, caracterizando a zona como eventual embrio de “drea industrial de autoestrada”.* Nas décadas de 1970 ¢ 1980, foram se instalando indiistrias “mecdnicas, metaltir- gicas, de material elétrico e de comunicagao e de material de transporte”” no municipio de Cotia “sem qualquer planejamento global, acelerando 0 crescimento demogréfico ¢, consequentemente, 0 parcelamenwo da terra, que, do modo como foi realizado, con- tribuiu para piorar ainda mais as condigées de vida da classe trabalhadora’.”” A autora analisa detalhadamente as ages dos loteadores que acompanharam esse processo e pro- duziram espacos como a Granja Viana e também muitos outros loteamentos populares: [...] a produgao do espaco urbano cotiano que se desenvolve tendo como refe- rencial a Raposo Tavares resulta do parcelamento da terra pelo avango sobre éreas rrurais produtivas [...] mas na sua maioria ocupando éreas néo produtivas. Com 0 processa de valorizagio da terra - decartente da redefinigao do uso do solo e do processo de ocupacio da érea metropolitana — 08 terrenos que antes eram vendidos por hectare, passam a ser vendidos por metro quadrado."" |109] A CIDADE COMO NEGOCIO Foi nesse processo que surgiram os loteamentos que deram origem a muitos bairros de Cotia, nos cixos de ocupasao definidos pelas principais rodovias ¢ estradas. As més condigées em que estas éreas se encontram até os dias de hoje nos permite imaginar a precariedade no momento em que os loteamentos foram feitos. Para Carlos: [..] ideologia da casa propria para a classe trabalhadora, que prefere morar a dezenas de quilémetros do local de trabalho ~ o que Ihe custa preciosas horas de descanso ~a provisoriedade da situacio da casa de aluguel, aliada ao fato de que [..] 0 trabalhador nao tem estabilidade no emprego. Nao raro, paga-se por uma mercadoria e recebe-se outra. Os loteamentos populares sio vendidos, quase sempre, sem quaisquer dos itens de infra-estrucura, como por exemplo, égus, luz, ‘esgoto, arruamento, guia ou sarjeta[...]. Isto sem considerar a existéncia de escolas, pronto-socorros, farmécias, transporte, lazer ete,[..J. ‘Muitos terrenos onde vieram a se instalar empreendimentos imobilidrios acuais eram propriedades inscritas como rurais ~ 4reas de terras, sitios, glebas. Os bairros vizinhos a tais empreendimentos se constituiram, em sua maioria, como espacos autoconstruidos pelos trabalhadores, seja em loteamentos regulares ou irregulares, os quais expressavam, em seu bojo, uma projegio de ocupagio ligada a um grande crescimento demogrifico das classes populares. A Granja Viana, por outro lado, estava sendo efetivada enquanto lugar de moradia de classes bem mais abastadas de Séo Paulo que buscavam um “afastamento” dos problemas urbanos. ‘Mas se Cotia foi se configurando como um espaco marcado em grande parte pela reproducio industrial da metrépole paulistana nas décadas de 1970 ¢ 1980 — que produziu muitas formas de ocupagao do solo, como os loteamentos — hoje isto ocorre do mesmo modo? Como pensar nas formas atuais da articulagao entre o setor produ- tivo e 0 setor de servicos, da dependéncia do setor de servigos em telagio 4s atividades industriais em seus desdobramentos contemporaneos ou ao trabalho sem forma, um trabalho terceirizado, subcontratado, tempordrio? Qual é 0 papel das transformagées trazidas pela globalizacao para o plano da reprodugao espacial do setor imobilidrio? Como a financeirizagao da economia repercute em uma reestruturagio imobilidria? Como 0 Estado se (re)coloca neste processo? E preciso avangar nessas questées, ¢ 0 estudo no plano do lugar permite coletar elementos concrews que subsidiem nossas formulagées tedrico-analiticas. prdprio trabalho de Carlos jé sinaliza uma tendéncia a perda relativa da im- portancia da atividade industrial em relacao ao setor tercifrio na economia paulista. Em 1980, segundo Carlos, 43,1% da populacao trabalhadora de Cotia estava empre- gada em atividades industriais; em 2012, esse percentual cai para 29,02%, “ nimero ainda relevante. Se parece correto que os novos empreendimentos imobilidrios néo esto intimamente inseridos em uma dinimica socioespacial ligada 3 industrializagio como antes (década de 1980), também é certo que parte dos moradores desses novos espagos trabalha em indtistrias. |110] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO O que exté posto no horizonte da producio dos novos condominios habita- cionais — enclaves formalmente construidos em meio a reas, em sua maioria, au- toconstruidas ~ é uma reproduco, permitida pela dinamica urbana, justamente da valorizacio do capital no plano imobiliério e financeiro, enredando certas camadas sociais e mobilizando-as para novos espagos habitacionais nas periferias. Se 0 proceso em tela se liga de um lado & recente expansio imobilidria diretamente engatada no movimento de intensificagio da relagéo com o capital financeiro ¢ com as politicas estatistas, € possivel afirmar que a produgao dos novos condominios néo visa atender trabalhadores que se deslocam seguindo uma atividade econémica especifica, mas uma populasao urbana constituida por trabalhadores sem acesso a0 financiamento imobilidrio e & propriedade privada formal do solo, Esse processo de reproducéo urbana desloca camadas da populasio entre periferias menos mais discantes. A ideologia do crescimento econdmico ilimitado se redireciona para a produgio do espaco urbano metropolitano. A relacao da atual produgo habitacional com a industria ndo desaparece sob hipétese alguma, mas muda de sentido. Assim, se antes a industria estava presente como um forte elemento de atracio de trabalhadores que por sua vez se instalavam em lotes sem equipamentos urbanos e autoconstrufam suas casas nos loreamentos “populares” periféricos ou entdo viviam de aluguel, 0 processo atual repée a importncia industrial na sua articulacio necesséria com o setor da cons- trugio visando uma verdadeira fabricagio habitacional, uma produgio imobilidria que segue escalas e métodos crescentemente industrializados, e que se apoia na retorica de um (deturpado) déficit habicacional como poder de barganha para stas estratégias. ‘Uma das caracterfsticas da globalizagao — entre as reformas neoliberais ¢ a fle- xibilizacdo do sistema de planejamento urbano — seria a passagem de um regime de produgéo fordista para um regime flexivel. No caso da produgio do espago, restaria saber se se poderia pensar que se trata de uma tendéncia, colocada pela prépria fi- naneeitizacio, de alavancar uma producio industrializada da habitagio nos espacos metropolitanos ¢ nas periferias urbanas como espago-tempo que articula tanto a reproducio capitalista mundial como os capitais mais locais, no plano da metrépole. [Nessa hipdtese, seria necessério atentar para os limites desse processo colocados pelas constantes crises financeiras. Como hipdtese, o municipio de Cotia, pelo seu caréter de “subtirbio rural” até a década de 1980, conservou muitos terrenos de origem agricola, de tamanhos maiores, que foram sendo absorvidos por loteamentos ~ para os ricos (Granja Via- na) ¢ também por loreamentos (muitos clandestinos) para as “classes populares” ¢ que se presta hoje & rcinscigao dos lotcamentos ¢ dos condominios nia reprodugéo habitacional contemporinea. Em um primeiro momento, a expansio metropolitana se concretizou no bojo do processo de loteamento/parcelamento de glebas rurais analisadas por Carlos ¢ Langenbuch,** em um processo de reprodugao da metrépole paulistana. Hoje, traca-se bem mais de uma nova reproducao do espaco metropo- [1111 A CIDADE COMO NEGOCIO litano periférico, inserido em novas dinamicas imobilidrias, financeiras (articuladas a rentabilizagées internacionais) ¢ politicas, m uma nova dinamica social ¢ urbana (espacial) que agrega novos contetidos aos espacos periféricos, desafiando-nos a compreender os novos termos do processo de valorizagio do espago. Verifica-se, por exemplo, a existéncia de areas privilegiadas para a localizacao dos noves langamentos imobilidrios: espagos de desindustrializacao, 4reas periféricas com grandes terrenos ¢ ptéximas a vias rapidas, ¢ cidades da rosp. Entio, seem um primeiro momento as periferias urbanas e os espagos metropo- litanos constituem a formasao do valor pela mudanga de uso com a passagem da terra de rural para terra urbana, em que ocorre jd um processo de valorizagéo Fundiatia a0 incorporar virtual ou fisicamente atributos urbanos aos terrenos que serio loteados — rede clétrica, de agua, de esgoto, arruamento, entre outros —, nos tiltimos anos as grandes empresas do setor imobilidrio, juntamente com as finangas externas € nacionais através de agGes estatistas, vém impulsionando a produgio habicacional em grande medida em reas (mais) periféricas, Trata-se de um momento de reproducio espacial das metrépoles ¢ cidades que vem sendo definido pelas necessidades econdmicas de acumulagio através da reproducao que se dé pela capitalizacao/valorizacao do valor do solo formado nas cidades, seja em Areas jé altamente valorizadas seja, principalmente, nos tiltimos anos, em éreas menos valorizadas. CRISES FINANCEIRAS E PRIVATIZACAO DA POLITICA URBANA ‘Tomando como base as consideragées de Harvey" a respeito das crises do capitalismo, podemos entender a crise em geral como um mecanismo interno e contraditério do processo do capital, que caminha sempre para crises de superpro- dugio, superespeculagao ¢ superacumulagao em seu processo reprodutivo. De modo semelhante, Grespan lida com 0 conceito de crise “como negatividade imanente do capital, enquanto manifestagio de uma contradicio constitutiva do capital”. Assim, a crise financeira originada no sistema imobilidrio norte-americano em 2008 espraia- se para os mercados do mundo em uma tentativa de salvar investimentos atrelados as instituigdes que estavam no epicentro da crise ¢ que mantinham investimentos ao redor do mundo. A dominancia da esfera financeira na valorizacao do capital nas tiltimas décadas expéc as possibilidades ¢ limites encontrados pela circulagéo do capital-dinhciro entre 0s diferentes espacos-tempos representados pelos paises e regides, o que amitide ope- ra transformacées e reestruturacées produtivas. O regime de valorizacao financeira baseado no par crédito-juros tende a expandir as fronteiras da acumulagio, inclusive estabelecendo redes bastante complexas e integradas que asseguram a circulacso do [112] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO capital. E é na conformagio dessas estruturas institucionais ¢ juridicas que entra em ccna um sujeito central para 0 processo de regulagio ¢ coordenagio capitalista: 0 Estado, Ora, o papel do Estado no processo de circulagio capitalista parece se tornar mais evidente nos momentos de crise. Para Harvey," é 0 Estado que desenvolveri ¢ coordenard novos arranjos entre os capitais e que tentard administrar as contradices internas ao capital, produzindo também contradi¢6es no plano de sua relacio com 0s proprios capitalistas financeiros ¢ industriais. A partir de meados de 2008, os efeitos da crise comegaram a ser sentidos de modo mais contundente também no Brasil. E, neste momento que observamos re- vis6es de meta quanto aos langamentos imobilidrios, © que se refletiuem uma saida dos investidores financeiros desse setor, ocasionando desvalorizagées das ages das incorporadoras listadas na Bovespa. Nesse contexto turbulento de crise, muitas in- corporadoras reavaliam suas parcerias e estratégias de mercado, optando por arriscar menos. Maso grande motivo que leva as incorporadoras a levar adiante a periferizacdo/ metropolizagio da produgéo imobiliéria da moradia foi o modo como o Estado propés lidar com a crise no Brasil: privatizando a politica urbana no dia 25/03/2009 com © langamento do Programa McMv, que conta com intensa participacto de grandes incoxporadoras em todas as fases. Através do Programa McMV, 0 Estado viabiliza a reproducao imobilidria e financeira facilitando a valorizago ¢ produgao de fragmentos espaciais de dreas metropolitanas periféricas e assegurando a continuidade das estratégias privadas. A condicio de pobreza ¢ em parte de déficit habitacional ¢ entio amarrada pelo Estado a acumulagio capitalista, que fica assim cada vez mais encarregada da produgio da urbanizacio. Com o Programa MCMV, o Estado canaliza os recursos piblicos para aquela produgio/acumulagio capitalista ocupada com a satisfagao de parte das neces- sidades da reproducao da forca de trabalho: a moradia, mas sobretudo para reproduzir 0s capitais presentes na sua realizagéo como mercadoria. ‘Apés mais de cinco anos de andamento do programa, as criticas convergem para © seguinte ponto: quando se observa o quadro do déficit habitacional® no Brasil, vé-se que 89,6% desse déficit diz respeito as familias com renda mensal entre 0 e3 salirios minimos, faixa para a qual tém sido contrarados menos financiamentos. A arquiteta Etminia Maricato diz que 0 Mcmy retrocede os avangos conquistados pelo Estatuto da Cidade ¢ entrega ao setor privado 0 poder sobre realizagio da habitagao popular. Poder-se-ia dizer que a crise est posta como momento interno e constitutivo do processo de reprodusao do espaco urbano, na medida em que o espaco revela os conflitos entre o econdmico, o politico ¢ o social na espacializagao de suas estratégias. Do ponto de vista da anilise tedrica, a crise situa uma apreensio dialética da producio do espago, porque pée em evidéncia sua natureza contraditéria. Dessa maneira, do ponto de vista da reproducao do capital, poderfamos dizer que a producao dos novos empreendimentos imobilirios residenciais nas periferias expressa a um sé tempo uma [113] A CIDADE COMO NEGOCIO crise da reproduc espacial do capital ~ a grande valorizacao do espaco na cidade de Sio Paulo contribui para a produgao de uma raridade uma sobrevalotizagio do espago em areas centrais —e uma possibilidade de sua superacéo através da producéo de novos empreendimentos em espagos metropolitans periféricos, que iio recolocar essa contradi¢4o novamente, em um outro patamar. VALORIZACAO FUNDIARIA, IMOBILIARIA E ESTATISTA: A CAPITALIZAGAO/VALORIZACAO DE ESPACOS METROPOLITANOS PERIFERICOS Pensamos ser necessdrio fazer uma separa¢do momentinea, tao somente como recurso analftico, entre diferentes momentos do processo de valorizasao do espago. Com efeito, estes quatro momentos ~ a valorizacéo fundisria, imobilidria, estatista ¢ espacial — nao se separam, integram-se uns aos outros no contraditério processo de valorizagio capitalista do espago, constituindo-se um através do outro, no outro, pelo outro. A necessidade de distinguir tais momentos se dé pela constatagio de que o processo de periferizagao/metropolizagao da produgio formal capitalista do espago da moradia no Brasil coloca novos contetidos ao processo de valorizagao do espaco, que devem ser analisados concretamente com vistas a superar muitas gene- ralizagées. O estudo concreto da valorizagao do espago se daria, a nosso ver, a partir de uma pesquisa que envolva estudos sobre as trajetérias fundidrias dos terrenos-alvo dos novos investimentos — 0 que significa a necessidade de entender 0 processo € as estratégias de incorporagio urbana e imobilidria desses terrenos, retomando as andlises sobre as dinamicas fundidrias de transformacao de solo rural em solo urbano, parcelamento (desmembramentos de glebas), loteamento, verticalizasio—, 08 processos construtivos dos novos iméveis - 0 espaco-tempo da construcéo, suas fases e etapas, tecnologias empregadas, os projetos urbanisticos e arquiteténicos —, as estratégias de comercializagéo e a relagao dessas novas producées com os bairros onde séo produzidos, no sentido de entender o alcance da valorizacdo enquanto um processo de transformagao mais amplo ¢ global do espaco social, obscrvando também a temporalidade dessa valorizacgo além dos processos de deslocamento de populagées pobres. O sentido da nossa argumentagdo ¢ o de que ndo é possfvel tratar a valorizagio do espaco de modo genérico, o que significa queestudar a valorizacéo envolve iralém da constatagéo de que “os precos dos terrenos ¢ dos imévcis subiram também nas periferias” ou de que “os lancamentos imobilidtios se voltaram as periferias”. Outra questo central éa de que tal estudo envolveriaa necessidade de partirmos da escala do lugar como reveladora dos momentos a que nos referimos anteriormente, bem como reveladora da prética socioespacial (re) produzida. Ainda, essa tarefa é também aquela [114] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO de dialetizarmos o processo de valorizagao enquanto constitui¢ao do espaco abstrato, confrontando-lhe a produgao do espaco contraditério, aquele do espaco social. Se 0s novos negécios sao a espacializagio da forma légica da mercadoria imobilidrio- financeira, essa espacializagao carrega contetidos particulares em sua tealizago nas periferias. Hé uma valorizagio diferenciada do solo urbano que expressa estratégias imobilidtias e podem contribuir para o debate das novas formas de segregacio em curso, do reforco de algumas centralidades (valorizacao de reas jé valorizadas) e da ctiagao de novos espacos de valorizacao. A légica espacial da valorizagao fundidria urbana é comandada pela condigéo de mercadoria — ancorada na propriedade privada do solo como forma social, politica ¢ juridica — que envolve virtualmente o espago inteiro, e pelas agées que se desenrolam no sentido de materializar essa condi¢ao de mercadoria geradora de valor e de lucros. A valoriza¢ao do solo urbano e dos imédveis obedece a processos socioespaciais complexos, nos quais miiltiplos elementos sociais estio imbricados € no qual a localizagéo participa de modo importante. A mudanga de uso do solo € um primeiro ¢ central processo que esta na base do aumento dos pregos, uma ver que a propriedade passa a integrar uma nova articulacio com o espago cons- trufdo, possuindo um valor de uso urbano/metropolitano ¢ no caso da construgao de iméveis residenciais adquire um valor de uso para a moradia. Se antes a terra possufa um valor de uso ligado muitas vezes 2 especulagéo — ou ligado a outras atividades, como a industrial -, a incorporagio efetiva de trabalho humano que se materializa na edificagao dos novos iméveis e suas ligagdes com o restante do espaco urbano — conexao & rede elétrica, vidria, de sancamento, ao comércio, As centralidades diversas etc. — permite realizar um salto qualitativo em termos do valor de uso desse terreno, 0 que tealiza a valorizagao do solo incorpotado a esse novo valor de uso que socializa as positividades do urbano. Essa valorizacéo fundidria ligada 4 mudanca de uso do solo e que estabelece um valor de uso potencializado faz com que no mercado fundidrio cssc solo aprescntc um valor de troca elevado relativamente a outros terrenos que nao possuem essas articulagées as infraestruturas ¢ equipamentos urbanos. O prego do solo, assim, se eleva.%° Avelorizagio imobilidria tem como premissa a valorizagio fundidria; na verdade, €o setor imobilidrio — nao apenas as grandes incorporadoras — em articulacéo com © poder puiblico que vai realizar as mudangas de uso ¢ a produgio de novos valores de uso € de troca do espaco, portanto, a valorizagao fundidria & condicao, meio ¢ produto da valorizacéo imobilidria. Do ponto de vista do Estado, ele ser4 responsavel pela construcéo das infraestruturas bésicas ¢ de equipamentos urbanos, jé os incor- poradores/construtores ser4o responsiveis pela elaboracdo dos projetos dos novos empreendimentos, viabilizacio do financiamento das obras, regulamentacio das obras as leis urbanas e ambientais ¢ cédigos urbanisticos, edificacao e comercializacao das novas unidades habitacionais. [115] A CIDADE COMO NEGOCIO E importante notar que a valorizacao imobilidria vai se articular & valorizacdo fundidria através da construgao efetiva ¢ das formas ¢ caracteristicas dessas constru- es, dos materiais ¢ métodos empregados, das caracteristicas arquiteténicas, das formas de representagao ideolégica dos novos produtos ~ moradias pretensamente “sustentaveis” e “seguras”. A quest4o que colocamos ¢ que 0 proceso de valorizagio fundidria/imobilidtia nas/das periferias produz uma valorizacdo do espago que nao se realiza do mesmo modo como em regides centrais j4 amplamente valorizadas, sendo necessario pensarmos nos termos de uma capitalizagao do espago como momento da valorizacao do espago. Se existe uma superelevagio dos pregos da terra e dos iméveis nas petiferias, a valotizagéo desses espagos como um todo se realiza de modo mais fragmentado e mais lentamente, uma vez que nao sio atendidos de imediato e em sua totalidade pelos investimentos do Estado, 0 que é central para realizar de modo mais pleno a valorizacao do espago e transformar alguns espacos periféricos em uma escala mais ampla. Podemos pensar que os trajetos que culminam na construgao dos condominios no so outra coisa que um processo de sucessivas valorizagies, necessdrias para atingir um patamar que torne vivel a Incratividade do empreendimento. Alguns terrenos nfo edificados, parcial ou totalmente desocupados, que estejam localizados préximos aos novos empreendimentos podem apresentar uma elevacao considerdvel dos precos, uma vex que podem abrigar novos empreendimentos ou um novo comércio para atender aos novos moradores. Também existe alguma elevacio geral dos precos dos iméveis contiguos aos novos empreendimentos, que nao possuem, a princfpio, 0 ritmo mais intenso da clevag4o dos pregos dos grandes terrenos. A valorizagio fundidtia ¢ imo- bilidtia produzida no e a partir do processo de incorporacao ¢ construgao de novas moradias produziria uma capitalizacao geral dos espagos metropolitanos periféricos, sendo um momento necessario para a futura valorizagéo do espago. ‘As valorizagées fundiaria e imobilidria entrariam, juntamente com uma neces- sdria valorizagao estatista — investimentos pblicos em infraestruturas, equipamentos € servigos urbanos ~, como condicao, meio e produto do proceso de valotizaco do espaco. Nas periferias, esse proceso de valorizagio do espago é fragmentado, néo atinge de modo contiguo (e nao estabelece necessariamente contiguidades) nos espa- os empobrecidos. Vale notar que o proceso de valorizacéo fundidria/imobilidria vai se colocando contraditoriamente como uma possibilidade ¢ ao mesmo tempo uma barreira ao proprio setor imobilidrio, j4 que eleva os custos de construgao (prego dos terrenos), 0 que significa diminuigio das margens de lucro. Dai a importancia de programas como o Memy, que, na verdade, subsidiam o setor imobilidrio diminuindo tributos, facilitando a aquisi¢éo de terrenos, entre outros. No plano da financeirizacio, existe uma capitalizagéo das incorporadoras (via Bolsa de Valores e langamento de acdes) assim como das familias (via crédito bancério). Mediadas por politicas como 0 MCMV, essas capitalizagées se colocam [116] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO como condicao da realizacéo a um sé tempo de uma valorizagio fundiaria (do solo) ¢ imobilidria (dos iméveis). Mas o setor imobilidrio tem que se ver com 0 processo local ¢ concreto de valorizagéo do espaco para realizar seus lucros atuais ¢ futuros, demandando a valorizagéo estatista. Além disso, a capitalizagio como produto das valorizagoes fundidria ¢ imobilidria (e parcialmente da valorizacéo estatista) ¢ como possibilidade de valorizacao esté ligada em medida crescente ’s ideologias envolvidas, comp a da casa prépria, da sustentabilidade, da seguranga, que funcionam como uma capitalizacao simbdlica assess6ri: Portanto a valorizagéo do espago se torna mais complexa. No plano imediato do lugar, quando 0 novo condominio possui uma vizinhanga ja consolidada por dreas de antoconstrugio, a valorizacio fica mais restrita ao interior do grande empreendi- mento, cercado que esté o novo condom{nio por bairtos periféricos cujas extensbes de desvalorizacao ele nao poderia valorizar como um todo e tio rapidamente. Quando © condominio é construido em meio a bairros autoconstruidos porém mais centrais, ladeados por outros terrenos vazios, novos investimentos podem ser atraidos para esses terrenos vazios. Numa escala mais ampla, se a regido possuir grandes glebas terrenos localizados préximos a rodovias e que estejam disponiveis este espaco inteiro se capitaliza ficticiamente pela simples compra de terras ou pela simples perspectiva das incorporadoras construfrem nesses locais. Essa valorizacao do espaco atualizaria a contradicao entre a necessidade de ampliagio dos grandes ganhos imobiliétios ¢ financeiros ¢ a necessidade de produzir habitagées mais baratas para uma populacao com recursos financeitos limitados. Essa contradigo é em parte resolvida pelo Estado (através do cmv), que paga ao setor privado a capitalizacdo do espaco e garante a demanda. Pa- ralelamente a acao das grandes incorporadoras, loteadores, pequenas ¢ médias construtotas, 0 préprio Estado — Companhia de Habitagio Popular (conas), Companhia de Desenvolvimento Habitacional ¢ Urbano (cpu) — ¢ as familias atuam na produgio do espaco metropolitano periférico, produzindo loteamentos, iméveis, condominios fechados, conjuntos habitacionais. Essas ag6es constituem a trama da valorizagio do espaco ¢ devem ser analisadas concretamente para que se afastem os riscos das generalizasées. CONSIDERACOES FINAIS A periferizagao/metropolizacao da produgao habiracional integra uma das mo- dalidades do processo de valorizacao do espago, que se coloca como uma das possibi- lidades de aumento da base social da acumulacio capitalista através da produgio do urbano, Outros processes de produgio do espago a cla se somam: as revalorizagées das reas dos centros urbanos, os novos investimentos em areas de desindustrializacio, a [117] A CIDADE COMO NEGOCIO producéo do espaco agririo vinculado ao desenvolvimento do chamado agronegicio, a produgio de grandes infracstruturas no territério nacional, a produgao do espago ligado & realizacéo do turismo e dos denominados megaeventos (Copa do Mundo e Olimpiadas), entre outros. A moradia vem sendo amplamente produzida como negocio urbano financei- rizado sobretudo através das grandes incorporadoras, que rasgam a politica urbana ¢ contribuem para 0 aprofundamento dos processos valorizagio do espago, espoliagio € segregacéo, reproduzindo periferias produzindo novas periferias, O desenvolvi- mento desse processo aponta como horizonte o afastamento dos mais pobres entre os empobrecidos para mais longe, agudizando e aprofundando a segregacdo socioes- pacial, a fragmentagao hierarquizacao nas periferias. Assim, podemos concluir que 08 novos contetidos da valorizacao do espaco periférico integram a atual reproducio capitalista - imobilidtio-financeiro-estatista—, que produz.o espaco abstrato da mora- dia homogénea e novas priticas socioespaciais como condigio € meio de sua propria reproducio. Mas as contradigoes desse processo nfo param de emergir, seja no plano da reprodusio do capital, sja, principalmente, pelos processos de luta urbana que vém, incorporando a perspectiva da totalidade do urbano na moradia, como possibilidade de realizacio do direito a cidade. NOTAS + CEAna Fani Alessandsi Carlos, A (e)produgie do exparo urbano, S4o Paulo, Edasp, 2008. 2» Karl Mars, Farmacionesecondmices pré-epitaias, México, Siglo Veintiano E¢iotes, 2004; Grundrisee: manusritas conbmico: de 1857-1858, Sao Paulo, Boitempo, 2011 > Henri Lefebvre, Deo rarala lo urbano, Barcelona, Ediciones Peninsula, 1973;A revolusio urbana, Belo Horzonte, Ed, ums, 2004; Eipagoe politica, Belo Horizonte, Ed. urMs, 2008. Manuel Castells, A questée urbana, Rio de Janeiro, Paz ¢ Tera, 2006. Christian Topalow, Le profi, de rent et la ville: element de shéore, Pati, Economica, 1984, Alain Lipietz, Le sribus foncler urbain, Paris, Fangols Maspero, 1974. Mark Goudienes, A produrdo social do espace urban, Sto Paulo, Edusp, 2010. Jean Lojkine, O Eitado capitalists ea questéo urbana, Sto Paulo, Martins Fontes, 1997. David Harvey A jutipa sociale a cidade, Sto Paulo, Hucites, 1980s Les limites del capisalioe y le teoria marsiss México, Fondo de Culeura Econémica, 1990 4© Ariovaldo Umbdino de Oliveta, “Renda da terra’, em Oriontupi Sio Paulo, Universidade de Séo Paule/Inst- tuto de Geografia, n. 5, out, 1984, pp. 94-95; “Renda da tcrra diferencial Le Renda da tera diferencial II”, em Orientagéo, Sio Paulo, Universidade de So Paulo/lasticuro de Geografis,n. 5, dez. 1985, pp. 93-104; “Renda da term absohuea, Renda da terra de monopélio, enda da terra pré-capitalista ¢ Prego da Tetra’, em Orientaydo, Séo Paulo, Universidade de Sio Paulo/Instinuto de Geografia,n. 7, dez. 1986, pp. 77-85, 1 José de Souza Martins, O cativei da terra, Séo Paulo, Concexso, 2010. 2 “Anibnio Carlos Robert Moraes e Wanderley Messias Costa, A valorizaio de espaze,Sio Paulo, Hucitec, 1999. 1» Ana Fani Alessandri Carls, A Gejpreducdo do espaco urbane. Sio Paulo, Edusp, 2008. ¥ Anténio Carlos Robert Moraes ¢ Wanderley Messias Costa, A valorizario do expaso. Sto Paulo, Hucitec, 1999, pp126-7. 1 Mark Goutdienes, A preduro social do expaco urbano, Sto Paulo, Edusp, 2010, pp.176-7.. % Ana Fani Alessandri Carlos, A (re)producdo do esparo urbane, Sio Paulo, Edusp, 2008. 1 Mark Gortdienes, A predurdo socal do spaco urbano, Sio Paulo, Edusp, 2010, p.185. 1 Henri Lefebvre, A rvolucéo urbana, Belo Horizonte, Ed. urs, 2004, p.142. [118] A MORADIA COMO NEGOCIO £ A VALORIZAGAO DO ESPACO URBANO METROPOLITANO 1 JosédeSouza Martins, O poder do atraso, Sto Paulo, Hucitec, 1999; igla Oséro Silva, Teras devluteeltifinio, Campinas, Ed. Unicamp, 2008. ® Henri Lefebvre, A revoluio urbana, Belo Horizonte, Ed. URMC, 2004, pp.146-7. 2. A partir da instituigio da Alienacio Fiducifria de Bens Iméveis, discutida em outros trabalho. 2 Nos remetemos 20s estudos realizados em nossa tse de doutorado. % Adriano Botetho, O urbano em fragmentas.a producto do epazo ¢ da menadia pels pritcas do sear irobilidrio, Sao Paulo, Annablume/Fapesp, 2007, p.166. % Nabil Georges Bondulki, ‘Politica habitacional e inclusio social no Brasil: revisio histérica € novas pe ‘no governo Lula’, em Arg.urb: revista elevOnica de arquterura e urbanismo, S40 Paulo, n. 1, 2008, pp. 78-79. Disponivel em: chup://wwwasjubrlarguib>. Aeesso em: 18 out. 2011. % Nos uabalhos de Shimbo (2012) e Tone (2010) encontia-se uma anilise das inovagSes das tecnologia de cons- trugio no canteiro de obras (processo de trabalho). ‘As entrevistas a que no: referimos foram feitas em nossa pesquisa de dourorsdo. Idem. Idem. Idem. Conforme entrevista realizadas na tese de doutorado. 3 Idem. Idem. % Através da empresa Bairro Novo, estudada em nossa rese de doutorado. A alavancagem financeia elevada representa uma relacéo em que a dvida liquida das empresas por veresexcede 20 pattiminio liquido das mesmas, 2 AAlém do trabalho de Langenbuch (1971), tomamos o trabalho de Carlos (2008) como possbilidade de aprender as relagGes contraditérias entre a reprodugso da metrépole e a producio atual do expaco em Cota. % ‘Ana Fani Alessandti Carlos, (reprodupio do espago urbane, Sio Paulo, Edusp, 2008, pp. 101-3. 2 Idem, p-112. * C& Langenbuch, 1971, pp. 300-1, » Cf. Carlos, 2008, p14. © Idem, p. 125. Idem, p. 137; 143. Idem, p. 153. © Idem, p. 125. + Fonte: Minisiétio do Trabalho e Emprego ~ mre. Relagéo Anual de Informag6es Socials ~ nas 2012. Disponivel cm: cheep//produtas.scade.gov-b/produtes/perfi/perfiMunEstado.php>. Aceso em: 27 jul. 2014 % CE Carlos, 2008, p. 1015 102-3; Langeabuch, 1971, p. 216. 4 David Harveys Los lites del capitalisms y la troria marvstes México, Fondo de Cultura Econémica, 1990, © Jorge Grespan, O negative do capital: o conceit de crise na erica de Maret economis pollica, Sto Paulo, Hucitee! Fapesp, 1999, p.27. 4 David Hervey, Lor limites del capitaliomo y la troria marsvta, México, Fondo de Culeura Bconémics, 1990 © *Déficit” cuja dfinigSo guarda um amplo debate de metodologiat que nio iremos aqui aprofundar. Atemo-nos A definigéo da Fundacio Joo Pinheiro (7). % O atudo da valorizacio deve considerar os movimentos de compra e venda de terrenos (eos valores negociados), seu patcelamento, uso do solo e transformacées. eUENE ® é BIBLIOGRAFIA Bonovra, Nabil Georges. “Politica habicacionale inclusio social no Brasil: revisio histbrica e novas pespectvas no sgovemo Lula”. Arg.urbs revina electronica de arquitenura ¢ urbanisna, Sto Paulo, n. 1, 2008, Dispontrel em: -cheepi/wwrw.usje br/arq.arb>. Accsso cm: 18 out. 2011. Boretito, Adriano. O urbane em fragmentes:« produgie do espaso e da mozadia plas priticas do setorimobilitio. Séo Paulo: Anrablume; Fapesp, 2007. ‘Cantos, Ana Fani Alessndri. A (r)produpto do spare nrbano. Séo Paulo: Edusp, 2008. Casrms, Manuel. A queso urkans. Rio de Janeiro: Pax e Terra, 2006. Gorrorener, Mark. A pradugio racial do epaco urbano. Séo Paule: Fdusp, 2010. ‘Gresmun. Jorge. O negativw do capital o conceito de crise nacritica de Marx 3 economia politica. Séo Paulo: Huci Fapesp, 1999. [119] A CIDADE COMO NEGOCIO Hanver, David. A justiga cal ea cidade, Sto Paulo: Hucitec, 1980. - Los limites dl capitalismo y a teorka marsiia. México: Fondo de Cultura Econémica, 1990. Laxcensvcs, Juergen Richard. A estruturagio da Grande Sdo Paulo-estudo de Geografia Utbana, Riode janeiro: Insti- tuto Brasileiro de Geografia, Departamento de Documentacio e Divulgacdo Geogréfica e Cartogrdfica, 1971. Leteovre, Henri. A Revoligés Urbana. Belo Horizonte: Ed. UrMG, 2004 De lo rural a to urbano, Barcelona: Ediciones Fen‘asula, 1973. pac e politica Belo Horizonte: Ed. UM, 2008, Liner, Alain. Le ributfoncier urbain. Pats: Frangois Maspero, 1974. Lojkins, Jean. O Eade capitaisa ea queso urbana. Sio Paulo: Martins Fontes, 1997. Max, José de Souza. O cutivero da tern, Sao Paulo: Contexto, 2010. -O poder de asase. io Paulo: Hucite:, 1999. Manx, Karl. Formaciones cconémicas precapitalises México: Siglo Veintiuno Editores, 2004. » Grandrise manuseritos econémicos de 1857-1858. Séo Paulo: Boitempo Editorial, 2011. Morais, Anténio Carlos Rober Costa, Wanderley Messis. A valoricarao do espero. Séo Paule: Hucitec, 1999, Ouivuins, Ariovaldo Umbelino de. Renda da terra. Orientepdo, Séo Paulo: Universidade de Séo PauloInsttato de Grografia,n. 5, out. 1984, pp. 94-5, Renda da terra diferencialt e Renda da terra diferencia. Orientagio, Séo Paulo: Universidade de Sio Paulo/Instituto de Geografz.n. 5. dex. 1985. pp. 93-104 . Renda da terra absoluta, Renda da terra de monopilio, renda da terra pré-copitalisa ¢ Prego da Terra. Orientacio, Sao Paulo: Universidade de Sio Paulo/Instiuto de Georafia,n. 7, de2. 1986, pp. 77-85. Stans, Liicia Zain, Habitapéo social de mercado. a confluéncia entre Estado, empresas construtoras e capital financeito, Belo Horizonte: C/Arte, 2012, ‘Sua, Ligia Osério. Terras devolutas¢ latifindio. Campinas. Unicamp, 2008. ‘Tone, Beatriz Bezerra. Notas sobre a valorizacio imobiligria em Séo Pauls na ent do capital ficticio. Sao Paulo, 2010. 158 p. Disseragio. (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) ~ Faculdade de Arquitetura ¢ Urbanismo, Universidade de io Paulo. ‘Toratov, Christian. Le profs la rent et la ville: etéments de théorie, Pais: Economica, 1984. Votoctito, Danilo. Nover epacesecovidiano desigual nas perferias da metrdpole Sio Paulo, 2012. Tese (Doutorado ‘em Geografia Humana) ~ Faculdade de Filosofia, Letras Citncias Humanas, Universidade de Séo Faulo. [120] AS ESCALAS DE ACUMULAGAO NA PRODUGAO DAS CIDADES Daniel Sanfelici Nas tltimas duas décadas, a pesquisa académica em geografia! ¢ em outros campos das ciéncias sociais avancou consideravelmente na teorizacéo das dimensées escalares dos processes socioespaciais. Enquanto que o predominio, durante a maior parte do século xx, do Estado-nacéo como unidade espacial bisica de contengéo, disciplinamento ¢ transformacio das relagbes sociais fundamentais do capitalismo concedeu ao conecito de tertitério um prestigio considerdvel no discurso geogréfico, pode-se afirmar que as forcas de reestruturacéo econémico-politicas desatadas apds a crise do capitalismo fordista na década de 1970 tém dirigido a atengio de um niimero crescente de pesquisadores para o cardver multiescalar da espacialidade da acumulacio capitalista ¢ da regulagio estatal. Com efeito, é reconhecido, hoje, que a dissolugio dos arranjos institucionais e mecanismos reprodutivos que garantiram a expansio acelerada do capitalismo do pés-guerra engendrou um reordenamento das hierarquias escalares constitutivas da espacialidade social, colocando, efetivamente, em questio o predominio da escala nacional como nivel prioritario de estruturagéo ¢ regulagéo das relagées sociais, ‘Ao enfocar as transformagées que se abateram sobre as cidades brasileiras na esteira da expansdo imobilidria iniciada em meados da década de 2000, prevende- se, nesta contribuigdo, colocar em relevo as dimensdes escalares da producao das cidades brasileiras nos anos recentes. A proposigao central deste capitulo é a de que as transformagoes recentes das cidades brasileiras tém raizes em uma articu- lagdo nova e essencialmente contraditéria entre agentes, processos ¢ estratégias que priorizam diferentes escalas espaciais de agdo. Esse entrelagamento escalar € um alicerce basico da intensificacao do proceso de acumulagao na produgao das

Potrebbero piacerti anche