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Origem dos antigos egipcios CHEIKH ANTA DIOP A aceitagao geral da hipétese da origem monogenética e africana da humani- dade suscitada pelos trabalhos do professor Leakey tornou possivel ‘colocar em termos totalmente novos a questio do povoamento do Egito, e mesmo do mundo. Ha mais de 150 mil anos, a Gnica parte do mundo em que viviam setes morfologicamente iguais aos homens de hoje era a regido dos Grandes Lagos, nas nascentes do Nilo, Essa nogio — e outras que nao nos cabe reca- pitular aqui — constitui a esséncia do ultimo relatério apresentado pelo dr. Leakey no VII Congresso Pan-Africano de Pré-Histéria, em Adis Abeba, em 19711. Isso quer dizer que toda a raga humana teve sua origem, exatamente como supunham os antigos, aos pés das montanhas da Lua. Contra todas as expectativas © a despeito das hipéteses recentes, foi desse Iugar que 0 homem partiu para povoar o resto do mundo. Disso resultam dois fatos de capital importancia: (a) necessariamente, os primeiros homens eram etnicamente ho- mogéneos e negrdides. A lei de Gloger, que parece ser aplicavel também aos seres humanos, estabelece que os animais de sangue quente, desenvolvendo-se em clima quente e tmido, secretam um pigmento negro (melanina)*. Por- tanto, se a humanidade teve origem nos tropicos, em torno da latitude dos Grandes Lagos, ela certamente apresentava, no inicio, pigmentacio escura, e foi pela diferenciagao em outros climas que a matriz original se dividiu, mais tarde, em diferentes ragas; (b) havia apenas duas rotas através das quais esses primeiras homens poderiam se deslocar, indo povoar os outros continentes: o Saara e o vale do Nilo. F esta ultima regido que serd discutida aqui. A partir do Paleolitico Superior até a época dindstica, toda a bacia do rio foi progressivamente ocupada por esses povos negrdides. Evidéncias da antropologia fisica sobre a raga dos antigos egipcios Poder-se-ia pensar que, trabalhando com evidéncias fisiolégicas, as descober- tas dos antropélogos poderiam dissipar todas as diividas por fornecerem ver- 1 PROCEEDINGS OF THE SEVENTH PAN-AFRICAN CONGRESS OF PrE-History aND QUATER- nary STupIEs, Dec. 1971. ?Montacu, M. F. A. 1960, p. 390, 40 A Africa antiga dades confidveis e definitivas. Isso nao é, de maneira nenhuma, o que acon- tece: a natureza arbitrdria dos critérios utilizados — para mencionarmos apenas um aspecto —, ao mesmo tempo que afasta qualquer possibilidade de uma conclusdo. ser aceita sem reservas, introduz tanta discussao supérflua entre os cientistas que as vezes nos perguntamos se a solugio do problema no teria estado muito mais préxima se nao semos © azar de abordd-lo sob esse Angulo. No entanto, embora as conglusGes desses estudos antropolégicos se dete- nham um pouco aquém da realidade, elas sio undnimes em mencionar a exis- téncia de uma raga negra desde as mais distantes épocas da Pré-Histéria até o periodo dindstico. Nio ¢ possivel, no presente capitulo, citar todas esas con- clusées. Elas estéo sumarizadas no Capitulo X de Histoire et Protohistoire d'Egipte (Institut d’Ethnologie, Paris, 1949), do dr. Emile Massoulard, Cita- remos apenas alguns itens: “Miss Fawcett acredita que os cranios de Negadah compéem uma cole- ¢éo com homogencidade suficiente para fundamentar a hipétese da exis- téncia de uma raga de Negadah. Quanto a altura total do cranio, altura auricular, do comprimento e largura da face, ao comprimento do nariz, ao indice cefdlico e ao indice facial, essa raga parece aproximar-se da raga negra; quanto & largura do nariz, a altura da érbita, ao compri- mento do palato e ao indice nasal, ela parece mais proxima dos povos germanicos; assim, os negadenses pré-dindsticos provavelmente se asse- melhavam, quanto a algumas de suas caracteristicas, aos negros e, quanto a outras, as ragas brancas” (pp. 402-3). & importante observar que os indices nasais dos etiopes e dos dravidia- nos os aproximariam dos povos germanicos, embora ambos pertengam a ra¢as negras. Essas medidas — que deixariam abertas alternativas possiveis entre os dois extremos, representados pelas ragas negra e germAnica — dao uma idéia da elasticidade dos critérios empregados. Eis um exemplo: “Tentando determinar com maior precisio a importaéncia do elemento negrdide nas séries de cranios de El-Amra, Abidos e Hou, Thomson e Ran- dall Maclver dividiram-nos em trés grupos: 1. cranios negréides (aqueles com indice facial abaixo de 54 e indice nasal acima de 50, isto ¢, face curta e larga ¢ nariz largo); 2. cranios nfo-negréides (indice facial acima de 54 € indice nasal abaixo de 50, face comprida e estreita e nariz estreito); 3. cranios intermediarios (podem ser atribuidos a individuos dos dois primeiros grupos, com base no indice facial ou nas evidéncias referentes ao indice nasal, e ainda a individuos marginais a ambos os grupos). A proporcéo de negrdides no inicio do periodo pré-dindstico parece ter sido de 24% de homens ¢ 19% de mulheres, ¢, no final desse mesmo periodo, de 25% de homens ¢ 28% de mulheres. Kieth contestou o valor dos critérios utilizados por Thomson e Randall Maelver para distinguir os cranios negréides dos nfo-negrdides. Sua opiniao & de que, se os mesmas critérios fossem aplicados para estudar qualquer série de crdnios ingleses contemporineos, a amostra conteria aproximadamente 30% de tipos negrdides* (pp. 420-1). Origem dos antigos egipcios 41 Pode-se afirmar também o reverso da proposigio de Kieth, isto é, que, se © critério fosse aplicado aos 140 milhées de negros que hoje vivem na Africa negra, no minimo 100 milhées deles apareceriam “branqueados”. Deve-se enfatizar também que a distingiio entre “negrdides”, “ndo-negréi- des" © “intermediérios” nfo é clara: “nfo-negréide” nao significa de raga branca, e “intermedidrio”, muito menos. “Falkenburger retomou o estudo antropolégico da populagdo egipcia num trabalho recente, no qual analisa 1787 cranios masculinos do periodo que se estende desde o Pré-Dindstico Antigo até nossos dias. Ele distingue quatro grupos principais” (p, 421). A classificagao dos cranios pré-dindsticos nesses quatro grupos da, para © total do perfodo pré-dindstico, os seguintes resultados: “36% de negréides, 33% de mediterranicos, 11% de cro-magndides e 20% de individuos que néio se enquadram em nenhum desses grupos, mas se aproximam dos cro-mag- néides ou dos negrdides”, A proporeao de negréides é definitivamente mais alta do que a sugerida por Thomson ¢ Randall Maclver, a qual, no entanto, Kieth considera muito elevada. “Os nimeros de Falkenburger refletem a realidade? Nao é nossa tarefa decidir. Se estiverem corretos, a populacao pré-dindstica, longe de representar uma raca pura, como disse Elliot-Smith, compreendia pelo menos trés elemen- tos raciais distintos: mais de um terco de negrdides, um tergo de mediterrani- cos, um décimo de cro-magnéides e um quinto de individuos mestigos em varios graus” (p. 422). O fundamental em todas essas conclusdes é que, a despeito das discre- pancias que apresentam, o seu grau de convergéncia prova que a base da populacao egipcia no periodo pré-dindstico era negra. Assim, todas elas sao incampativeis com a teoria de que o elemento negro se infiltrou no Egito em periodo tardio. Pelo contrdrio, os fatos provam que o elemento negro era pre- ponderante do principio ao fim da histéria egipcia, particularmente se obser- varmos, uma vez mais, que “mediterranico” nao é sinénimo de “branco”; esta- tia mais préximo da “raga morena ou mediterranica” de Elliot-Smith. “Elliot-Smith classifica esses protoegipcios como um ramo do que ele chama raga morena, que corresponde a ‘raga mediterraénica ou euro-africana’ de Sergi” (p. 418). © termo “moreno” neste contexto refere-se 4 cor da pele ¢ € simplesmente um eufemismo de negro *. Assim, fica evidente que toda a populagdo egipcia era negra, com exce- Gao de uma infiltragao de némades brancos no periodo protodinastico. O estudo de Petrie sobre a raga egipcia revela um elemento classificatério possivel muito fecundo, que nao deixaré de surpreender o leitor. “Petrie (...) publicou um estudo sobre as racas do Egito nos periodos pré- -dindstico e proto-dindstico, trabalhando apenas com representagdes. Além da raga esteatopigica, distinguiu seis diferentes tipos: um tipo aquilino, repre- 8Pelo método deserito, pode-se avangar o estudo da pigmentagao dessa raga. De fato, E.uor-Smit muitas vezes encontrou fragmentos de pele nos corps datando de épocas em que os métados de mumificagio que causavam a deterioragio da pele ainda no estavam em uso. 42 A Africa antiga sentante de uma raga libia de pele branca; um tipo ‘com barba trancada’, per- tencente a uma raga invasora, vinda provavelmente das costas do mar Wer- melho; um tipo ‘com nariz pontudo’, proveniente, sem divida, do deserta arabico; um tipo ‘com nariz reto’, do Médio Egito; um tipo ‘com barba protu- berante’, do Baixo Egito; e um tipo ‘com nariz fino’, do Alto Egito. Segundo as representagOes, teriam assim existido sete tipos raciais diferentes no Egito durante os perfodos que estamos considerando. Nas paginas seguintes, vere- mos que © estudo dos esqueletos parece conferir pouca validade a essas con- clusGes” (p, 391), Esse modo de classificagéo da uma idéia da natureza arbitraria dos cri- térios utilizados para definir as ragas egipcias. Seja como for, é evidente que a antropologia est longe de ter estabelecido a existéncia de uma raga egipcia branca e, pelo contrario, tenderia a sugerir 0 opasto. Nos manuais de maior divulgagao, entretanto, a questao é suprimida: na maioria dos casos, afirma-se simples e claramente que os egipcios eram bran- cos, ¢€ © leigo fica com a impressao de que uma afirmagao desse tipo deve necessariamente ter como base uma solida pesquisa anterior. Mas, conforme se mostrou neste capitulo, essa pesquisa nfo existe. E, assim, geragdes apés geragGes foram enganadas. Muitas autoridades no assunto contornam a difi culdade falando em brancos de pele vermelha e brancos de pele negra, sem que por isso se abale o seu senso de légica “Os gregos chamam a Africa de Libia, um nome equivocado ab initio, pois a Africa contém muitos outros povos além dos assim chamados libios, que estdo entre as brancos da periferia setentrional ou mediterranica e, por- tanto, muito afastados dos brancos de pele morena (ou vermelha) — os egip- cios.” 4 Num livro didatico destinado ao curso colegial, encontramos a seguinte frase: “Um negro se distingue menos pela cor da pele (pois existem ‘brancos’ de pele negra) do que por suas feigdes: labios grosses, nariz chato...” ® Apenas com tals distorgdes das definigdes basicas ¢ que se péde branquear a raga egipeia E importante ter em mente os exageros dos tedricos da antropossocialo- gia do século passado e do comeco deste século, que, em suas microanilises fisionémicas, descobriram estratificagdes raciais até mesmo na Europa, ¢ par- ticularmente na Franca, onde, na verdade, havia um tnico povo, hoje prati- camente hamogéneo *. Atualmente, os ocidentais que valorizam sua coesio 4 Peprats, D. P. de 1950, p. 6. ® GEOGRAPHIE. Classe de 5.*, 1950. ®Em seu Lutte des races (1883), L. GuMpioviez afirma que as diferentes classes que formam um povo sempre representam diferentes ragas, das quais uma estabeleceu. sua dominagio sobre as outras através da conquista. G. de LAPOUGE, em um artigo publi- cado em 1897, postula nada menos do que doze “leis fundamentais da antropossociolo- gia”, das quais pademos citar algumas que so tipicas: a “lei da distribuigéo da riqueza” postula que, em paises de populacao mista alpind-curopéia, a riqueza cresce em proporgao inversa ao indice cefdlico; a “lei dos indices urbanos”, destacada por AMMON ¢ ligada & pesquisa que realizou entre os prisioneiros de Badener, afirma que a freqiiéncia de doli- cocefalia entre os habitantes das cidades é maior do que entre os habitantes da zona rural adjacente; a “lei da estratificagéo” foi formulada nos seguintes termos: “em cada localidade, 0 indice cefalico € tanto menor, ¢ a proporgio de dolicocefalia tanto maior, Origem dos antigos egipclos a3 nacional evitam zelosamente examinar suas proprias sociedades sob a luz de hipsteses tao divisionistas, mas continuam, irrefletidamente, a aplicar os velhos métodos as sociedades ndo-européias. As representag6es humanas do periodo proto-histérico: seu valor antropoldégico O estudo das representagGes humanas realizado por Flinders Petrie, num outro plano, demonstra que o tipo étnico era negra; de acordo com Petrie, esses povos eram os Anu, cujo nome, que conhecemos desde a época proto- -hist6rica, era sempre “escrito” com trés pilares, nas poucas inscrigdes subsis- tentes do final do IV milénio antes da era cristé. Os nativos do pais sio sempre representados com inconfundiveis emblemas de chefia, que niio encon- \tamos entre as Taras representacGes das outras ragas, cujos elementos apare- cem todos como estrangeiros servis, que chegaram ao vale por infiltragao (cf. Tera Neter? e o rei Escorpiiio, que Petrie reine num mesmo grupo: “O rei Escorpido pertencia A raga anu, ja citada; além disso, adorava Min ¢ Seti™")*. Como veremos adiante, Min, assim como os principais deuses do Egito, era chamado, na propria tradigao egipcia, “o Grande Negro”. Depois de fazer um apanhado dos varios tipos humanos estrangeiros que disputaram o vale com os negros nativos, Petrie descreve estes iltimos, os Anu, nos seguintes termos: “Além desses tipos, caracteristicos do norte e do leste, existe a raga autéctone dos Anu, ou Annu (escrito com trés pilares), povo que constituiu parte dos habitantes da época histériea, O assunto se complica e dé margem a dividas se incluirmos todos os nomes escritos com um wnico pilar; mas, considerando apenas a palavra Annu, escrita com trés pilares, descobrimos que esse povo ocupava o sul do Egito e a Niibia; o nome também é utilizado no Sinai e na Libia, Quanto aos habitantes meridionais do Egito, temos o documento essen- cial: um retrato do chefe Tera Neter, rudemente modelado em relevo em faianga verde vitrificada, encontrado no mais antigo templo de Abidos. O enderego precede o nome, nesse primitivo cartéo de visita: ‘Palicio dos Anu na cidade de Hemen, Tera Neter’. Hemen era o nome do deus de Tuphium. Erment, do lado oposto, era o palacio dos Anu do Sul, Annu Menti. A pro- xima localidade ao sul é Aunti (Gefeleyn) e, depois, Aunyt-Seni (Esna)”*. Amélineau arrola, em ordem geogrdfica, as cidades fortificadas construi- das ao longo do vale do Nilo pelos negros anu. quanto mais alta é a classe social”, Em seu Séléctions Sociales, 0 mesmo escritor no hesita em afirmar que “a classe dominante na periodo feudal pertence quase exclusi- vamente & variedade Homo europaeus, de maneira que nfo é por mero acaso que os pobres ocupam as baixas posigdes na escala social, mas por sua inferioridade congenita”. “Vemos, portanto, que © racismo alemfo nfo inventou nada de novo quando Alfred Rosenberg afirmou que a Revolugio Francesa deve ser considerada como uma revolta dos braquieéfalos de matriz racial alpina contra os dolicacéfalos de raga nérdica.” COVILLIER, A. p. 155. TPerrie, W. M, F. 193% F SId., ibi . Representagao proto-histérica de Tera-Neter, um no- bre negro da raga dos Anu, primeiros habitantes do jop. ““Antériorité des Civili- é Historique?”. Paris, Présence Africaine, 1967. pr. XIV.) Estatuetas pré-dindsticas. (Fonte: C. A, Diop, 1967, pr. L¥I (4).) Origem dos antigos egipcios 45 aS = Ant (Esna) i ov Ye = An = “On” do Sul (hoje Hermonthis) ize =o = Denderah, tradicionalmente, a cidade natal de Isis 2e=s— Uma cidade também chamada “On”, no nomo de Tinis hha ou = A cidade chamada “On” do Norte, a célebre Heliépolis otc © ancestral comum dos Anu estabelecidos ao longo do Nilo era Ani ou An, nome determinado pela palavra s+ (khet), o qual, desde as primeiras versGes do Livro dos Mortos, é atribuido ao deus Osiris. A esposa de fj Qj 4,0 deus Ani, 6 a deusa Anet f(g} , que & também sua irma, da mesma forma que Isis 6 irma de Osiris. A identidade do deus An com Osiris foi demonstrada por Pleyte 1; deve- mos lembrar que Osiris € também cognominada o Anu: siris Ani”. O deus Anu é representado ora pelo simbolo fj , ora pelo simbolo fy . As tribos Anuak, que hoje habitam o Nilo superior, teriam alguma relagao com os an- tigos Anu? Pesquisas futuras traréo resposta a esta questao. Petrie acredita ser possivel distinguir entre 0 povo pré-dindstico, repre- sentado por Tera Neter ¢ pelo rei Escorpiao (que, j4 nessa época, é um farad, como mostram os enfeites em sua cabega) e um povo dindstico, que adorava 0 falcdo e que provavelmente é representado pelos faraés Narmer ™!, Kha- sekhem, Sanekhei e Zoser'*. Observando-se os rostos reproduzidos na ilus- tracdo, percebe-se facilmente que nao existem diferencas étnicas entre os dois grupos € que ambos pertencem 4 raca negra. ‘O mural da tumba SD 63 (Sequence Date 63) de Hieracémpolis mostra os hegros nativos subjugando os invasores estrangeiros, se aceitarmos a interpreta- cao de Petrie: “Abaixo, temos a embarcagdo negra em Hieracémpolis, perten- cente aos homens negros, que aparecem subjugando os homens vermelhos” '*. O cabo de faca de Djebel el-Arak também mostra cenas de batalhas simi- lares: “Ha também combates em que homens negros dominam homens ver- melhos” 4, Entretanto, o valor arqueolégico desse objeto, que nao foi encon- trado in situ, mas em poder de um mercador, 6 menor do que o dos itens anteriores, O que expusemos acima mostra que as representagdes dos homens do periodo proto-histérico, e mesmo do periodo dindstico, sao absolutamente incompativeis com a idéia de raga egipcia difundida entre os antropdlogos ocidentais. Onde quer que o tipo racial autéctone esteja representado com alguma clareza, ele & nitidamente negrdide. Em parte alguma elementos indo- -europeus ou semitas sio representados como homens livres, nem mesmo como cidaddos comuns a servigo de um chefe local, Eles aparecem invariavelmente MELINEAU, E., 1908, p. 174, ig. 19. TRIE, Ww. M. F. 1939, p. 67. 4 Fig. 3. 46 A Africa antiga coma estrangeiros submetidos. As raras representagdes encontradas trazem sempre marcas inequivocas de cativeiro: mdos atadas atras das costas ou amar- radas sobre os ombros'®, Uma estatueta protodindstica representa um prisio- neiro indo-europeu com uma longa tranga, de joelhos e as maos atadas ao corpo. As caracteristicas do proprio objeto mostram que ele devia ser o pé de um mével e representava uma raca conquistada '*, A representagao é, com fre- qiéneia, deliberadamente grotesca, como ocorre com outras figuras protodinds- ticas, mostrando individuos com o cabelo trangado & maneira que Petrie deno- mina rabo de porco (pigtail), Na tumba do rei Ka (I dinastia), em Abidos, Petrie encontrou uma plaqueta representando um indo-europeu cativo, acor- rentado, com as maos atras das costas. Elliot-Smith acha que o individuo representado ¢ um semita ‘7. ‘A época dindstica forneceu também os documentos reproduzidos nas figu- ras 4 e 5 das paginas 49 e 50, que mostram prisionciros indo-europeus € semitas. Em contraposicao, as feicdes tipicamente negrdides dos faraés Narmer, T dinastia, fundador da linhagem faraénica, Zoser, IIT dinastia, em cuja época todos as elementos tecnoldégicos da civilizagao egipcia ji eram evidentes, Quéops, 0 construtor da Grande Piramide, um tipo caracteristico da regiao da atual Republica de Camarées '*, Mentuhotep, fundador da XI dinastia, negro retinto , Seséstris I, a rainha Amédsis Nefertari, e Amendfis I mos- tram que todas as classes da sociedade egipcia pertencem mesma raga negra. As figuras de 11 a 15 foram incluidas deliberadamente para contrastar tipos semitas e indo-europeus com as fisionomias bastante diferentes dos faraés negros e para mostrar claramente que ndo ha trago de nenhum dos dois pri- meiros tipos na linhagem dos farads, se excluirmos as dinastias estrangeiras (libias e ptolomaicas). E comum contraporem-se as negras da tumba de Horemheb ao tipo egip- cio também representado. Na verdade, essa contraposigao é falsa: é social ¢ nao étnica; ha tanta diferenca entre uma aristocrata senegalesa de Dacar ¢ as camponesas da Africa antiga, de méos calejadas e pés angulosos, quanto entre estas Ultimas e uma senhora egipcia das cidades da Antigilidade. Existem duas variantes da raga negra: — os negros de cabelos lisas, representados na Asia pelos dravidianos e, na Africa, pelos ntibios e os tubbou ou Tedda, todos com pele negro-azeviche; — os negros de cabelo crespo das regides equatoriais Os dois tipos entraram na composigéo da populagio egipcia. Teste de dosagem de melanina Na pritica, ¢ possivel determinar diretamente a cor da pele, e, portanto, a filiagdo étnica dos antigos egipcios, através de andlises microscépicas de labo- ratério; duvido que a perspicacia dos pesquisadores que se dedicaram & questio tenha ignorado essa possibilidade. 15 Fig. 4 10 Fig. 18. ‘7 Fig. 6. Nao ignoro que “indo-curopeu” geralmente designa uma lingua, no uma raga, mas prefiro esse termo a “ariano", nos contextos em que nao suscitar confusdes. 18 Fig. 7 19 Fig. 8 Origem dos antigos egipcios 47 A melanina, substancia quimica responsdvel pela pigmentagao da pele, é, geralmente, insoltivel e preserva-se por milhGes de anos na pele dos animais fésseis °°, Portanto hd razées de sobra para que seja facilmente encontrada na pele das mimias egipcias, apesar da lenda persistente segundo a qual a pele das mtimias, tingida pelo material de embalsamamento, ja nao é susce- tivel de qualquer andlise 2". Embora a melanina se localize principalmente n= pele, os melandcitos que penetraram a derme no nivel da epiderme, mesmo onde esta tltima tenha sido praticamente destrufda pelos materiais de embal- samamento, indicam um nivel de melanina inexistente nas ragas de pele branca. As amostras que eu mesmo analisei foram colhidas no laboratério de antropo- logia fisica no Museu do Homem, em Paris, das mumias provenientes das esca- vacoes de Marietta, no Egito **. O mesmo método é perfeitamente utilizavel para as mimias reais de Tutmés III, Séti I e Ramsés TI, do Museu do Cairo, que estao em excelente estado de conservagaéo. Ha dois anos tenho pedido — em vio — ao curador do Museu do Cairo amostras similares para anilise. Nao seriam necessérios mais do que alguns milimetros quadrados de pele para compor um espécime, com preparagdes de poucos am de espessura clareadas com benzoato de etila. Elas podem ser estudadas a luz natural ou sob luz ultravioleta, que torna os graos de melanina fluorescentes. De qual- quer forma, queremos simplesmente afirmar que a avaliagio do nivel de mela- nina através de exames de microscépio ¢ um método de laboratérie que nos permite classificar os antigos egipcios inquestionavelmente entre as ragas negras. Medidas osteolégicas Dentre os critérios aceitos pela antropologia fisica para a classificagio das ragas, o das medidas osteolégicas (osteometria) talvez scja o menos engana- dor (por oposicaéo a craniometria) para distinguir um homem branco de um negro. Também segundo esse critério, os egipcios pertencem as ragas negras. Tal estudo foi realizado pelo eminente sdbio aleméo Lepsius, no final do século XIX, e suas conclusdes continuam validas: os progressos metodoldgi- cos subseqiientes, no campo da antropologia fisica, ndo invalidaram em nada aquilo que se conhece como “cfnone de Lepsius”, que estabelece, em nime- tos redondos, as proporgdes cotporais do egipcio ideal, de bragos curtos € 0 fisico negrdide ou negrito **. Grupos sangiiineos £ importante notar que, mesmo hoje, os egipcios, particularmente no Alto Egito, pertencem ao mesmo Grupo B que as populagées da Africa ocidental, no litoral atlantico, ¢ nféo ao Grupo Ay, caracteristico da raga branca antes de qualquer miscigenagao*!, Seria interessante estudar a extensiio da distri- 20 Niootaus, R. A. p. IL. 21 Perricrew, T. J. 1834, pp. 70-1. 2 Dror, C. A. 1977. 25Fonrane, M. E. pp. 44-5 (ver reprodugie: T). 24Monracu, M. F. A. p. 337. 48 A Africa antiga buiciio do Grupo A, nas mtimias egipcias, o que, alids, j4 ¢ possivel realizar mediante as técnicas atuais. A raca egipcia segundo os autores classicos da Antigandade Para os escritores gregos ¢ latinos contempordaneos dos antigos egipcias, a classificagao fisica desses iltimos nao colocava problemas: os egipcios eram negros, de lébios grossos, cabelo crespo e pernas finas; sera dificil ignorar ou subestimar a concordancia entre os testemunhos apresentados pelos autores com referéncia a um fato fisico tio evidente quanto a raga de um povo. Alguns dos testemunhos que se seguem sfo contundentes, (a) Herédoto, “o pai da Historia”, —480 (7) a — 425. Com relagao a origem dos Kolchu *, ele escreve: “B,'de fato, evidente que os colquidios sfo de raga egipcia (...) muitos eg{pcios me disseram que, em sua opinido, os colquidios eram descendentes dos soldados de Sesdstris. Eu mesmo refleti muito a partir de dois indicado- res: em primeiro lugar, eles tém pele negra e cabelo crespo (na verdade, isso nada prova, porque outros povos também os tém) ¢, em segundo lugar — e este € um indicador mais consistente — os egipcios e os etiopes foram os Wnicos povos, de toda a humanidade, a praticar a circuncisiio desde tempos imemoriais. Os préprios fenicios e sirios da Palestina reconhecem que apren- deram essa pritica com os egipcios, enquanto os sirios do rio Termodon e da regifio de Pathenios ¢ seus vizinhos, os macrons, dizem té-la aprendido, recen- temente, com os colquidias. Essas sio as umicas ragas que praticam a cir- cuncisdo, e deve-se abservar que a praticam da mesma maneira que os egipcios. Quanto aos proprios egipcios e aos etiopes, eu ndo poderia afirmar quem ensi- nou a quem essa pratica, pois ela é, evidentemente, muito antiga entre eles. Quanto ao fato de o costume ter sido aprendido através dos egipcios, uma outra prova significativa para mim € o fato de que todos os fenicios que comer- ciam com a Grécia param de tratar suas partes pudendas conforme a maneira egipcia e nao submetem seus filhos 4 circuncisio” Herédoto retorna varias vezes ao cardter negrdide dos egipgios, ¢ a cada vez o utiliza como dado de observagio para discutir teses mais ou menos 35No século V antes da era cristi, quando Herédoto visitou o Egito, um povo de pele negra, os Kolchus, ainda vivia na Célquida, no litoral arménio do mar Negro, a leste do antigo porto de Trebizonda, cercado por nagdes de pele branca, Os estudiosos da Antigilidade ficaram intrigados quanto & origem deste povo, ¢ Herddoto, em Euterpe, 0 segundo livro de sua histéria do Egito, tenta provar que os Kolchu eram egipcios; dai a argumentagio citada. Herdédoto, baseado nas estelas come- morativas erigidas por Sesdstris em paises conquistados, afirma que esse monarca alcan- sara a Tricia ec a Citia, onde, ao que parece, as estelas ainda subsistiam no tempo de Herddoto, (Livro II, 103.) 28 HeRdooto, Livro If, 104. As mulheres egipeias submetiam-se também excisfio do clitéris, como ocorre entre muitos povos da Africa negra. Cf. Estrasio. Geograjie. Livro XVIL, cap. 1. 3. Cabo da faca de Dje- bel el-Arak. Pré-Di- néstico Tardio. (Foto Giraudon, Musée du Louvre.) ‘Cativos semitas do tem- po dos faraés. Rocha do Sinai. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. LIX.) . Cativos indo-europeus, (Fon- te: C. A. Diop. 1967. pr. LVI (b).) 6. Cativo indo-europeu. (Fon- te: C. A. Diop. 1967. pr. LVI (a).) Origem dos antigos egipcios 51 complexas. Assim, para provar que 0 ordculo grego de Dodona, no Epiro, era de origem egipcia, um de seus argumentos € 0 seguinte: “e, quando eles acrescentam que a pomba cra negra, dio a entender que a mulher era egip- cia’ As pombas em questo — na werdade, eram duas, de acordo com o texto — simbolizam duas mulheres egipcias, que se dizia terem sido trazidas de Tebas, no Egito, para fundar ordculos respectivamente na Grécia (Dodona) ena Libia (oasis de Jupiter Amon). Herdédoto nao partilha da opinifio de Anaxagoras segundo o qual as enchentes do Nilo seriam causadas pelo degelo fas montanhas da Etiépia**. Apoiava-se no fato de que na Etidpia nao chove nem neva, “e 14 o calor torna os homens negros” ?°, (b) Aristételes, —384 a — 3232, cientista, fildsofo e tutor de Alexandre, o Grande. Num de seus trabalhos menores, Aristételes tenta, com surpreendente ingenuidade, estabelecer uma correlagdo entre a natureza fisica e a natureza moral dos seres vivos, e nos fornece evidéncias sobre a raga egipcio-etiope que confirmam o testemunho de Herédotd. Segundo Aristételes, “Aqueles que siio muito negros sao covardes, como, por exemplo, os egipcios e os etiopes. Mas 0s excessivamente brancos também sao covardes, como podemos ver pelo exem- plo das mulheres; a colora¢éo da coragem esta entre o negro e o branco” **, (c) Luciano, escritor grego, 4-125 (?) a +190. O testemunho de Luciano ¢ tao explicito quanto os de Herédoto e Aris- t6teles. Ele apresenta dois gregos, Licino e Timolaus, que iniciam um dié- logo: “Licino [descrevendo um jovem egipcio]: — Este rapaz nfo é simplesmente preto; ele tem labios grossos e pernas muito finas (...) seu cabelo trangado atras mostra que nao é um homem livre. Timolaus:; — Mas no Egito esse € um sinal das pessoas muito bem-nascidas, Licino. Todas as eriangas nascidas livres trangam o cabelo até atingirem a idade adulta. Esse é um costume exatamente oposto ao dos nossos ancestrais, que achavam conveniente, para os velhos, prender o cabelo com um broche de ouro, para mantélo em ordem” 3, (d) Apolodoro, século I antes da era cristi, filésofo grego. “Egito conquistou o pais dos homens de pés negros e chamou-o Egito, a partir de seu proprio nome.” #2 (e) Esquilo, —525(?) a —456, poeta tragico e criador da tragédia grega- Em As Suplicantes, Danaos, fugindo com suas filhas, as Danaides, e per- seguido por seu irmao, Egito, e os filhos deste, os Egitiados, que querem des- posar suas primas forga, sobe em uma colina, olha para o mar e descreve 21 Herépoto. Livro I, 57. 28 SENECA. Questdes Naiurais. Livro IV, 17. 2° Herdépoto. Livro I, 22. 30 ARISTGTELES, Fisionomia, 6, 31 Luctano. Navegagdes, paragrafos 2-3, 82 APOLopORO. Livro Il, “A familia de Inacos", pardgrafos 3 ¢ 4. 52 A Africa antiga nos seguintes termos os Egitiados que remavam ao longe lagao, com seus membros negros e suas ttinicas brancas" Uma descrigao similar do tipo egipcio aparece novamente poucas linhas abaixo, no verso 745, (f) Aquiles Técio de Alexandria. ‘Compara os guardadores de gado do Delta aos etiopes e explica que sao escuros, como mestigos. (g) Estrabio, —58 a aproximadamente + 25. Estrabao visitou o Egito e quase todos os paises do Império Romano. Concorda com a teoria de que os egipcios e os Kolchu sao da mesma raca, mas sustenta que as migragdes para a Etiépia e Célquida vieram apenas do Egito. “Os egipcios estabeleceram-se na Etipia e na Célquida.” ** Nao ha qual- quer divida sobre a concepcdo de Estrabéio a respeito da raga egipcia, pois ele procura, em outra parte, explicar por que os egipcios séo mais escuros do que os hindus, circunstincia que permitiria a refutagdo, se necessdrio, de qual- quer tentativa de confundir “a raga hindu e a raga egipcia™. (A) Diodoro da Sicilia, aproximadamente —63 a +14, historiador grego & contemporaneo de César Augusto. Segundo Diodoro, provavelmente foi a Etiépia que colonizou o Egito (no sentido ateniense do termo, significando que, devido superpopulagao, parte do povo emigrou para o novo territdrio). “Os ettopes dizem que os egipcios sao uma de suas colénias**, que foi levada para o Egito por Osiris. Eles afirmam que, no comeco do mundo, o Egito era apenas um mar, mas que o Nilo, transportando em suas enchentes grandes quantidades de limo da Etidpia, terminou por colmatd-lo ¢ tornau-o parte do continente-(...) Acrescentam que os egipcios receberam deles como de seus autores ¢ ancestrais a maior parte de suas leis.” °" (i) Didgenes Laércio. Sobre Zenao, fundador da escola estéica (—333 a —261), Didgenes escreveu o seguinte: “Zendo, filho de Mnaseas ou Demeas, era natural do Cicio, em Chipre, uma cidade grega que havia recebido alguns colonos feni- cios”. Em seu Vidas, Timdteo de Atenas descreve Zenfo como tendo o pes- cago torcida, Apolénio de Tiro diz que ele era fragil, muito alto e negro, dai o fato, citado por Crisipo no Primeiro Livro de seus Provérbios. de algu- mas pessoas o chamarem “broto de videira egipcio” *7. “Posso ver a tripu- #8 EsqUILO, As Suplicantes. versos 719-720. Ver também verso 745. 31 Estrapio. Geografia, Livro 1, cap, 3, pardgrafo 10. *Grifo meu, *© Dioporo. Historia Universal. Livro Il. A amtigitidade da civilizagio etiope é atestada lo mais antigo © respeitado escritor grego, Homero, tanto na /liada como na Odisséi oie, Jipiter, seguide por todos os deuses, recebe os suerificios das etiopes” (Itiada. 422). “Ontem, Jdpiter transportou-se para a beira do oceano, para visitar a santa Etiépia.” (liada, 1, 423.) ST Diécenes Latecio, Livro VII, I, Te Qibaps tarwo ear TW dinkatnycotalTeioe da “Grande Firtaide, (FOuESC A. Diop. 1967. pr. XVIII.) 8. Faraé. Mentuhotep I. (Fonte: C, A. Diop. 1967. pr. XXII.) Origem dos antigos egipcios 33 (i) Amiano Marcelino, aproximadamente +330 a +400, historiador latino ¢ amigo do imperador Juliano. _Com ele, atingimos o ocaso do Império Romano e o fim da Antigii- dade classica. Quase nove séculos se passaram entre o nascimento de Esquilo e Herédoto e a morte de Amiano Marcelino, nove séculos durante os quais os egipcios, em meio a um mar de ragas brancas, se miscigenaram constante- mente. Pode-se dizer sem exagero que, no Egito, uma casa em cada dez incluia um escrava branco, asiatico ou indo-europeu **. E notavel que, apesar de sua intensidade, a miscigenagéo nao tenha alte- rado significativamente as constantes raciais. De fato, Amiano Marcelino es- ereve: “...a maior parte dos homens do Egito s4o morenos ou negros, com uma aparéncia descarnada” **. Ele também confirma o depoimento ja citado sobre os Kolehu: “Além destas terras esté a patria dos Camarita *°, e o Fasis, com sua correnteza veloz, banha o pais dos Kolchu, uma antiga raga de origem egipeia” Esta répida revisio dos testemunhos apresentados pelos antigos escritores greco-latinos sobre a raga egipcia mostra que o grau de concordancia entre eles é impressionante, constituindo um fato objetivo dificil de subestimar ou ocultar. A moderna egiptologia oscila constantemente entre esses dois pélos Foge 4 regra o testemunho de um cientista honesto, Volney, que viajou pelo Egito entre 1783 e 1785 — isto é, em pleno periodo da escraviddo negra — e fez as seguintes observagGes sobre os coptas (representantes da verda- deira raga egipcia, aquela que produziu os faraés). “Todos eles tém faces balofas, olhos inchados e lébios grossos, em uma palavra, rostos realmente mulatos. juei tentado a atribuir essas caracteris- ticas ao clima, até que, visitando a Esfinge e olhando para ela, percebi a pista para a solucio do enigma. Completando essa cabega, cujos tragos sdo todos caracteristicamente negros, lembrei-me da conhecida passagem de Herddoto: “De minha parte, considera os Kolchu uma colénia do Egito porque, como os egipcios, eles tém a pele negra e o cabelo crespo’. Em outras palavras, os antigos egipcios cram verdadeiramente negros, da mesma matriz racial que os povos autéctones da Africa; a partir desse dado, pode-se explicar como a raca egipcia, depois de alguns séculos de miscigenacdo com sangue romano e grego, perdeu a coloragdo original completamente negra, mas reteve a marca de sua configuragiio. E mesmo possivel aplicar essa observagéo de maneira ampla, ¢ afirmar, em principio, que a fisionomia é uma espécie de documento, utilizivel em muitos casos para discutir ou elucidar os indicios da histéria sobre a origem dos povos. . Depois de ilustrar esta proposigdo com o caso des normandas, que, nove- centos anos depois da conquista da Normandia, ainda se assemelham aos dina- marqueses, Volney acrescenta: 88Os notiveis do Egito gostavam de ter uma escrava siria ou cretense em seus haréns. 8® AmiaNo ManceLino, Livro XXII, parégrafo 16 (23). 49Bandos de piratas que usavam pequenas embarcagées denominadas Camare. 4. AMIANO MarceELiNo. Livro XXIII, paragrafo 8 (24). 56 A Africa antiga “Mas, voltando ao Egito, sua contribuicio para’a histéria fornece muitos temas para a reflexiio filoséfica, Que temas importantes para meditacio: a atual barbarie e ignorancia dos coptas, considerados como tendo nascido do génio dos egipcios e dos gregos; o fato de esta raga de negros, que hoje sio escravos e objeto de nosso menosprezo, ser a mesma a quem devemos nossa arte, nossas ciéncias e mesmo o uso da palavra escrita; e, finalmente, a fato de, entre os povos que pretendem ser os maiores amigos da liberdade e da humanidade, ter-se sancionado a escravidaéo mais barbara e questionado se os negros teriam cérebros da mesma qualidade que os cérebros dos brancos!" #2 A esse depoimento de Valney, Champollion-Figeac, irméo de Cham- pollion, o Jovem, iria responder nos seguintes termos: “Os dois tragos fisicos apresentados — pele negra ¢ cabelo crespo — nao sao suficientes para rotular uma raga como negra, e a conclusao de Volney quanto a origem negra da antiga populacdo do Egito é nitidamente forgada e inadmissivel” + Ser preto da cabeca aos pés e ter cabelo crespo nao € suficiente para fazer de um homem um negro! Isso nos mostra o tipo de argumentagao cap- ciosa a que a egiptologia tem recorrido desde seu nascimento como ciéncia. Alguns estudiosos sustentam que Volney estava tentando desviar a discussio para um plano filos6fico. Mas basta reler Volney: ele simplesmente faz infe- réncias a partir de fatos materiais brutos que se impéem como provas aos seus olhos ¢ @ sua consciéncia, Os egipcios vistos por si mesmos Nao € perda de tempo conhecer o ponto de vista dos principais envolvidos. Como os antigos egipcios viam a si mesmos? Em que categoria étnica se colo- cavam? Como denominavam a si mesmos? A lingua e a literatura que os egipcios da época faraénica nos deixaram fornecem respostas explicitas a essas questées, que os académicos insistem em subestimar, distorcer ¢ “interpretar”. Os egipcios tinham apenas um termo para designar a si mesmos: OPH} = tomr = “os negros” (literalmente)!". Esse € 0 termo mais forte existente na lingua faraénica para indicar a cor preta; assim, ¢ escrito com um hieréglifo representando um pedago de madeira com a ponta carbonizada, © nao com escamas de crocodilo *, Essa palavra é a origem etimolégica da conhecida raiz kamit, que proliferou na moderna Hiteratura antropolégica. Dela deriva, provavelmente, a raiz biblica kam. Portanto foi necessdrio distorcer os fatos para fazer com que essa raiz atualmente signifique “branco” em egipto- logia, enquanto, na lingua-me faraénica de que nasceu, significava “preto- -carvao", 42VoLney, M. C. F. Voyages en Syrie et ea Egypte. Paris, 1787. v. I, pp. 74-7, 43 CHAMPOLLION-FIGEAC, J. J. 1839, pp, 26-7, 44 Essa importante descoberta foi realizada, do lado africano, por Sossou Nsougan, que deveria compilar esta parte do capitulo. Para o sentido da palavra, ver Worterbuch der Aegypiischen Sprache. Berlim, 1971. v. 5, pp. 122, 127. 18 Worterbuch..., p. 122. 9, 10, fl ee ne _ a _- 10 Ramsés [I ¢ um Batutsi moderno, (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XXXV.) A Esfinge, tal como foi encontrada pela primeira missio cientifica francesa no séoulo XIX. Presume-se que esse perfil, tipicamente negréide, represente o faraé Khafre ou Quéfren (cerca de —2600, IV dinastia), construtor da segunda pirfimide de Gisé. O perfil nfio € nem helénico nem semita: é bantu. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XIX.) il, 15 12, 13 ¢ 14. Quatro tipos indo-euro- peus (Zeus, Ptolomeu, Serdpis, Traja- no). Compare com os grupos egipcios Tl e TIL. E possivel fazer-se confusiio? (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. LVII.) Dois semitas. O tipo semita, assim como o indo-europeu, inexiste na classe dominante egipcia; ambos entravam no Fgito apenas como prisioneiros de guerra. Origem dos antigos egipcios 59 Na lingua egipcia, o coletivo se forma a partir de um adjetivo ou de um substantive, colocado no feminino singular. Assim, kmt, do adjetivo O}= km = preto, significa rigorosamente “negros”, ou, pelo menos, “homens pretos”. O termo é um coletivo que descrevia, portanto, o conjunto do povo do Egito faraénico como um povo negro. Em outras palavras, no plano puramente gramatical, quando, na lingua faraénica, se deseja indicar “negros”, nao se pode usar nenhuma outra palavra sendo a que os egipcios usavam para designar a si mesmos. Além disso, a lingua nos oferece um outro termo, 2° RY! = kmijw = os negros, os homens pretos (literalmente) = os égipcios, opondo-se a “estrangeiros”, que vem da mesma raiz, km, e que os egipcios também utilizavam para descrever asi mesmos como um povo distinto de todos os povos estrangeiros **. Esses $0 os inicos adjetivos de nacionalidade usados pelos egipcios para designa- rem a si mesmos, ¢ ambos significam “negro” ou “preto” na lingua faradnica. Qs académicos raramente os mencionam ou, quando o fazem, traduzem-nos por eufemismos, tais como “os egipcios”, nada dizendo sobre seu sentido eti- molégico ‘7. Eles preferem a expressio =h9! Ge = Rmt kmt = os homens do pais dos homens negros ou os hémens dépais negro. Em egipcio, as palavras sio normalmente seguidas de um determinante, indicando seu sentido exato; para essa expressiio particular, os egiptélogos su- gerem que 2§\ = kn = preto e que a cor qualifica o determinante © que 0 segue e que significa “pafs”. Assim, eles alegam que a tradugdo deveria ser “a terra negra”, a partir da cor do limo ou “o pais negro”, e ndo “o pais dos homens negros”, como tenderiamos a interpretar hoje em dia, tendo em mente a Africa branca ¢ a Africa negra. Talvez estejam certos; mas, se apli- carmos essa regra rigorosamente a SYAi! = kmit, seremos obrigados a “admitir que aqui o adjetivo ‘preto’ qualifica o determinante, que significa todo 0 povo do Egito, representado pelos dois simbolos de ‘homem’ é ‘mu- Iher’ ¢ os trés tragos embaixo, designando plural”. Assim, se é possivel levan- tar alguma diivida sobre a expressio “le — kme, nao é possivel fazé-lo no caso dos dois adjctivos de nacionalidade 28g} kmt ¢ kmtjw, a menos que se estejam escolhenda os argumentos sem nenhum critério. E£ interessante notar que os antigos egipcios nunca tiveram a idéia de aplicar esses qualificativos aos nibios e a outras populagdes da Africa, para distingui-las deles mesmos, da mesma forma que um romano, no apogeu do Império, nfo usaria um adjetivo de “cor” para se distinguir dos germanicos da outra margem do Dandbio, que eram da mesma matriz étnica mas sé encon- travam ainda num estadio de desenvolvimento pré-histérico. Nos dois casos, ambos os lados pertenciam ao mesmo universo, em termos de antropologia fisica; portanto os termos usados para distingui-los relaciona- vam-se ao grau de civilizacdo ou tinham sentido moral. Para 0 romano ci lizado, os germanicos, da mesma matriz étnica, eram barbaros. Os egipcios 491bid., p. 128. 47 Fautaner, R. 0. 1962, p. 286. 60 A Africa antiga usavam a expressio “Rf = nahas para designar os nibios; e nahas *, em egipcio, é 0 nome de umi povo, sem conotagiio de cor. Trata-se de um equivoco deliberado traduzi-lo como “negro”, como aparece em quase todas as publicagées atuais. Os epitetos divinos Finalmente, preto ou negro € 0 epiteto divino invariavelmente utilizado para designar os principais deuses benfeitores do Egito, enquanto os espiritos malé- volos sio qualificados como desrét = vermelho. Sabemos que, entre os afri- canos, esse termo se aplica 4s nagGes brancas; € quase certo que isso seja ver- dade também para o Egito mas, neste capitulo, quero ater-me ao plano dos fates menos sujeitos a controvérsias. Os deuses recebiam os seguintes epitetos: obey = kmwr = 0 “Grande Negro” para Osiris 4°; i Pi RM wM = bon = negro + 0 nome do deus ™; 2 = kmt = negro + 0 nome da deusa ®t © qualificativo km (negro), Of . € aplicado a Hator, Apis, Min, Tot, ete. [¥O7w setkmt = a mulher negra = Isis 2, Por outro lado, seth, © deserto estéril, € qualificado pelo termo desrét vermelho *, Os animais selvagens, que H6rus combateu para criar a civilizacfio, s30 qualificados como desrét = vermelhos, especialmente o hipopétamo “!, Analogamente, os seres malévolos expulsos por Tot sao des = 29! = desrtiw = os verme- Ihos. Esse termo é o inverso gramatical de Kmijw, e sua construgao segue a mesma regra que a da formacao de nishés. Testemunho da Biblia A Biblia nos diz: “...0s filhos de Cam [foram] Cush, e Mizraim (isto é, Egito), e Fut, e Canad. E os filhos de Cush, Saba, e Hevila, ¢ Sabata, ¢ Regna, e Sabataca” °°. De maneira geral, toda a tradig&io semitica (judaica ¢ drabe) classifica o antigo Egito entre os paises dos negros. A importancia desses depoimentos nado pode ser ignorada, porque os judeus eram povos que viviam lado a lado com os antigos egipcios e, algumas. 48 Weirterbuch.... p. 128. “Ibid, p. 124. 80 Ibid., p. 125 51 Ibid., p. 123, #2 Note-se que set = kem = esposa negra em walaf. Werterbuch..., p. 492 S! Worterbuch..., p. 493. ' Desrét = sangue, em eeipcio; derer = sangue, em walaf. Ibid., p. 494. 5 Génesis, 10: 6-7. Origem dos antigos egipcios é1 vezes, em simbiose com estes, ¢ nada tinham a ganhar apresentando uma falsa imagem étnica dos mesmos. Da mesma forma, neste caso nao se sustenta a nogao de uma interpretagdo errénea dos fatos Dados culturais Dentre os intimeros tracos culturais idénticos documentados no Egito ¢ na Africa negra dos nossos dias, vamos referir-nos apenas A circuncisio e ao totemismo. Segundo o excerto de Herddoto citado anteriormente, a circuncisdo é de origem africana. A arqueologia confirmou a opinido do Pai da Historia: Elliot-Smith péde comprovar, a partir do exame de mimias bem conservadas, que a circuncisdo ja era praticada, entre os egipcios, em tempos que remon- tam A era proto-histérica °7, isto é, a antes de — 4000. O totemismo egipcio manteve sua vitalidade até o perfodo romano *, & Plutarco também o menciona. As pesquisas de Amélineau “*, Loret, Moret e Adolphe Reinach demonstraram claramente a existéncia de um sistema toté- mico no Egito, refutando os defensores da tese da zoolatria. “Se reduzirmos a nogdo de totem 4 de um fetiche, geralmente animal, representando uma espécie com a qual a tribo acredita ter lagos especiais, renovados periodicamente, e que € carregado para a batalha como um estan- darte; se aceitarmos essa definic¢do de totem, minima mas adequada, pode-se dizer que nao ha outro pais onde o totemismo tenha tido um reinado mais brilhante do que no Egito, e nenhum outro lugar onde ele possa ser mais bem estudado” °°, Afinidade lingiistica O walaf *', lingua senegalesa falada no extremo oeste da Africa, na costa atlan- tica, €, talvez, tao proximo do egipcio antigo quanto o copta. Recentemente foi feito um estudo exaustivo sobre essa questo %*. Neste capitulo, apresenta- mos apenas o suficiente para mostrar que o parentesco entre as linguas do antigo Egito ¢ as da Africa nfo é uma suposigiio, mas um fato demonstravel e impossivel de ser ignorado pelos circulos académicos. Como veremos, 0 parentesco ¢ de natureza genealdgica, S0Dnop, C. A., 1955, pp. 33 et seqs. 51 MASSOULARD, E. 1949, p. 386. 'SJuvENAL. Sdtiras, XV, v. 1-14, 8) Auétineau, E. Op. cit. 80 Reach, A. 1913, p. 17. ®1Grafa-se, freqiientemente, wolof. "Diop, C. A. 1977 {a). 16, Estrangeiro. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. LVI q@).) 17. Fechadura de porta, de Hieracimpolis, I dinastia egipcia. (Fonte: Universi- ty Museum, Philadelphie.) 18, Prisioneiro libio. (Fonte: C. A. Diop, 1967. pr. LVI (2).) 18 19, Um fatad da 1 dinastia egipcia. Segundo J. Pi- renne, tratar-se-ia de Narmer, o primeiro faraé da Histria. (Fonte: C. A. Diop. 1967. pr. XVI) 20. (A direita) Zoser, tipica negro, faraé da TM di nastia, inaugurou a grande era da arquitetura em pedra revestida: a pirimide em degraus eo com- plexo funerério em Sacaré. Em seu reinado, todas as caracteristicas tecnolégicas da civilizagao egip- cia ja estavam desenvolvidas. (Fonte: C. A. Diop. 1967, pr. XWIT.) 64 A Africa antiga Verbos Egipcio Copta Walaf S = kef = agarrar, (dialeto saidico) kef = apanhar uma pegar, despojar (de keh = domesti- presa alguma coisa) ear PRESENTE PRESENTE PRESENTE kef i keh kef na kef ek keh ek kef nga kef et keh ere kef na kef ef kef ef kef ef kef es keh es kef es | ™ kef n keh en kef nanu kef ton keh etetii kef ngen kef sen * keh ey kef nanu PASSADO PASSADO PASSADO kef ni keh nei kef (on) na kef (0) nek keh nek kef (on) nga kef (0) net keh nere kef (on) na kef (0) nef keh nef kef (on) ef ne kef (0) nes keh nes kef (on) es kef (0) nen keh nen kef (on) nanu kef (0) n ten keh netsten kef (on) ngen kef (0) n sen keh ney °7 kef (on) nafhu Egipcio Walat Oa = feh = partir Jeh = partir precipitadamente Temos as seguintes correspondéncias entre as formas verbais, com iden- tidade ou semelhanga de significados: todas as formas verbais egipcias, com excegao de duas, também sao encontradas no walaf. EGIPCIO WALAF feh-ef feh-ef feh-es feh-es feh-n-ef feh-6n-ef feh-n-es feh-6n-es © Lampert, R. 1925, p. 129. 4 MALLON, A. pp. 207-34. ® Buck, A. de. 1952. “6 Id, 67 MALLON, A. pp. 207-34. Origem dos antigos egipcios 65 Sia = 98 Por extensio, = amar intensamente (de onde, feh-w feh-w-ef feh-w-es feh-w-n-ef feh-w-n-es feh-in-ef feh-in-es EGIPCIO feh-t-ef feh-t-es feh-tyfy feh-tysy feh-tw-ef feh-tw-es feh-kw(i) feh-n-tw-ef feh-n-tw-es feh-y-ef feh-y-es EGiPCIO mer = amar mer-ef mer-es met-n-ef mer-n-es mer-w mer-w-ef mer-w-es mer-w-n-f mer-w-n-es mer-in-ef mer-in-es mer-t-ef mer-t-es mer-tw-ef mer-tw-es feh-w feh-w-ef feh-w-es | feh-w-6n-ef feh-w-6n-e3 feh-il-ef feh-il-es WALAF feh-t-ef feh-t-es feh-ati-fy feh-at-ef feh-at-es mar-tw-ef mar-tw-es fahi-kw feh-an-tw-ef feh-an-tw-es feh-y-ef fey-y-es WALAF mar = lamber ** mar-ef mar-es mar-dn-ef mar-6n-es mar-w mar-w-ef mar-w-es mar-w-6n-ef mar-w-6n-es mar-il-ef mar-il-es mar-t-ef mar-t-es mar-tw-ef mar-tw-es 9 verbo mar-maral), tal como a fémea que lambe o filhote que ela acabou de parir, Esse sentido nio se opde & idéia de um homem levando a mao A boca, que pode ser evocada pelo determinative. 66 A Africa antiga mer-t-tysy { mer-tyfy mer-kwi mer-y-ef mer-y-es, mer-n-tw-ef mer-n-tw-es mar-at-es mar-aty-sy mar-aly-sy mari-kw mar-y-ef mar-y-es { mar-at-ef mar-an-tw-ef mar-an-tw-es mar-tw-6n-ef mar-tw-6n-es Demonstrativos egipcios e walaf Entre os demonstrativos egipcios e walaf existem as seguintes correspandén- cias fonéticas: EGIPCIO o} = pw (ipw) o}s = pwy (ipw) 2 = pa Cipn) J =pt (ipf) oR = pS i = pfy Cipfy) KA = p3 (2% = iptw WALAF ep bw Pp w Pp bwy w y bané p n balé Pp n bafe Pp f bafa Pp f 3 Pp bafy f i ba P 3 batw p L w 88 Veja, em seguida, a explicagio desta importante Ici. mo sae t en ere pmo} gc° oe eres Origem das aniigos egipcias 67 (2— = jpn batné | Pp b t t Batalé {> n n 1 Qte = iptt batafé P 5 1 t f f Essas correspondéncias fonéticas nado podem ser atribuidas a afinidades elementares ou a leis gerais do espirito humano, visto tratar-se de correspon- déncias regulares, em pontos relevantes, que se estendem por todo o sistema: os demonstratives, nas duas Ifnguas, e as formas verbais. Foi através da apli- cago de leis como essas que se tornou possivel demonsirar a existéncia da familia lingiiistica indo-européia. A comparacao poderia ir ainda mais longe, mostrando que a maioria dos fonemas se mantém inalterados nas duas linguas. As poucas mudancas de grande interesse so as seguintes: (a) A correspondéncia n (E) ——e | (W) EGIPCIO WALAF 0 1 Stog = nad = perguotar lad = perguntar TY = nah = proteger lah = proteger J—J3 = ben ben = jorrar bel bel = jorrar 29) = teni = envelhecer talé = importante 2.99 = teinwi = a deusa nascida | tefnit = “cuspir” um ser humano da saliva de Ra | seffi = saliva [= = aquele que cospe TA, = nebt = wanga fet = tranca nab = trancar o cabelo tempora- riamente (b) A correspondéncia h (E) —— g (W) EGiPCIO WALAF g {&— = hen = falo gen = falo o' = hwn = adol job wn dolescente ont | = adsiaseate goné 1233 = hor = Horus gor = vir (vario?) ROL EAS shor gwn = 0 jovem Horus gor gwné = homem jovem (m.a.m) 68 A Africa antiga Ainda é cedo para se falar com precisio sobre os acompanhamentos voci- licos dos fonemas egipcios. Abre-se, porém, um caminho para a redescoberta do vocalismo do antigo Egita a partir de estudos comparativos com outras linguas da Africa. Conclusao A estrutura da realeza africana, em que o rei é morto, real ou simbolicamente, depois de um reinado de duragdo variével — em torno de oita anos —, lembra a ceriménia de regeneragéo do faraé, através da festa de Sed. Os ritos de circuncisio j4 mencionados, 0 totemismo, as cosmogonias, a arquitetura, os instrumentos musicais, ete. também sao reminiscéncias do Egito na cultura da Africa Negra™. A Antigiiidade egipcia é, para a cultura africana, o que € a Antigiiidade greco-romana para a cultura ocidental, A constituicao de um corpus de ciéncias humanas africanas deve ter isso coma base. Compreende-se como é€ dificil escrever um capitulo como este numa obra dest® £énero, onde o eufemismo ¢ a transigéncia, via de regra, prevalecem. Por isso, na tentativa de evitar o sacrificio da verdade cientifica, insistimos na realizac&o de trés sess6es preliminares 4 preparacdo deste volume, o que foi aceito na sesso plenaria realizada em 1971 7*'. As primeiras duas sessdes levaram a realizagéo do simpdsio do Cairo, de 28 de janeiro a 3 de fevereiro de 1974 72, Gostaria de mencionar algumas passagens do relatério desse sim- posio. O professor Vercoutter, que fora encarregado pela Unesco de escrever © relatério preliminar, reconheceu, depois de uma discussio exaustiva, que a idéia convencional de que a populacdo egipcia se dividia eqilitativamente em brancos, negros ¢ mestigos nao podia ser mantida: “OQ professor Vercoutter concordou que néo se deve tentar estimar por- centagens; elas nada significariam na medida em que nao se dispde de dados estatisticos confidveis para calculd-las”. Sobre a cultura egipcia consta no relatério: “O professor Vercoutter observou que, de seu ponto de vista, o Egito era africano quanto A escrita, 4 cultura e 4 maneira de pensar” Q professor Leclant, por sua vez, “reconheceu o mesmo carater africano ne temperamento e mancira de pensar egipcios”. Quanto 4 lingiiistica, afirma-se no relatério que “este item, ao contrério dos outros discutidos anteriormente, revelou um alto grau de concordancia entre os participantes. O relatério claborado pelo professor Diop e o relatério do professor Obenga foram considerados muito construtivos”. Da mesma maneira, o simpésio rejeitou a idéia de que o egipcio faraénico era uma lingua semitica. “Abordando questées mais amplas, o professor Sau- neron chamou a atengfo para o interesse do método sugerido pelo professor Obenga, seguindo © professor Diop. O egipcio manteve-se como uma lingua 70 Ver Dior, C. A. 1967. 11 Ver Unesco. Relatéria Final da Primeira Sessio Plendria do Comité Cientifico Inter- cional para a redacdo de wna Histéria Geral da Africa. 30 mar-/8 abr. 1974. Simpésio sobre “O povoamento do Antigo Egito e a decifragio da escrita meroltica”’ Cf. Unesca, Studies and Documents, 1, 1978. Grigem dos antigos egipcios 0 estdvel por um perfodo de, pelo menos, 4 500 anos. O Egito situa-se no ponto de convergéncias externas, ¢ seria de se esperar, portanto, que se fizessem em- préstimos de outras linguas; mas as raizes semiticas se reduzem a algumas cet tenas, para um total de muitos milhares de palavras. A lingua egipcia na pode ser isolada de seu contexto africano, e sua origem nao pode ser total- mente explicada a partir das linguas semiticas. Portanto é natural que se espere encontrar na Africa linguas aparentadas ao egipcio”. A relacio genética — isto é, nao acidental — entre o egipcio e as lin- guas africanas foi reconhecida: “O professor Sauneron observou que © método utilizado era muito interessante, uma vez que a similaridade entre os sufixos dos pronomes da terceira pessoa do singular no egipcio antigo ¢ na lingua walaf nfo poderia ser mera casualidade;, ele espera que se tente no egfpcio antigo e na lingua walaf reconstituir uma lingua paleoafricana, tomando como ponto de partida as linguas atuais”. ‘Na conclusao geral do relatério, afirmava-se: “a despeito das especifica- gdes constantes do texto preparatério distribuido pela Unesco, nem todos os participantes prepararam comunicagdes comparaveis as dos professores Cheikh Anta Diop ¢ Obenga, meticulosamente elaboradas. Conseqiientemente, houve uma consideravel falta de equilibrio nas discussées”. ‘Assim, esereveu-se no Cairo uma nova pagina da historiografia africana © simpésio recomendou que se fizessem novos estudos sobre o conceito de raga, Tais estudos tém sido realizados desde entéo, mas nao trouxeram nada de novo & discussao histérica. Dizem-nos que a biologia molecular ¢ a gené- tica reconhecem apenas a existéncia de populagdes, e que o conceito de raga ja nao tem qualquer significado, No entanto, sempre que aparece alguma ques- to sobre a transmisséo de doengas hereditarias, © conceito de raca, no sen- tido mais classico do termo, reaparece, pois a genética nos ensina que “a anemia fauciforme ocorre apenas entre os negros”. A verdade € que todos estes “antropdlogos” ja esquematizaram em suas mentes as conclusdes deriva- das do triunfo da teoria monogenética da humanidade, sem ousar dizé-lo expli- citamente, pois, se a humanidade teve origem na Africa, foi necessariamente negrdide antes de se tornar branea através de mutagdes e adaptagdes, no final da iiltima glaciagao na Europa, no Paleolitico Superior. E agora compreen- de-se muito melhor por que os negréides grimaldianos ocuparam a Europa 10 mil anos antes do aparecimento do Homem de Cro-Magnon, protétipo da taca branca (por volta de — 20000) © ponto de vista ideoldgico também é evidente em estudos aparentemente objetivos. Na histéria e nas relagdes sociais, o fenétipo — isto é, © individuo ou 0 povo tais como sao percebidos — € 0 fator dominante, em oposigao ao genétipo. A genética atual nos autoriza a imaginar um Zulu com o “mesmo” gendtipo de Vorster. Isso significa que a histéria que testemunhamos colo- card esses dois fenétipos — isto é, os dois individuos — no mesmo nivel em todas as suas atividades nacionais e sociais? Certamente nio — a oposigao continuaré sendo étnica, e nao social. Este estudo torna necessdrio que se reescreva a histéria da humanidade a partir de um ponto de vista mais cienti- fico, levando em conta o componente negro-africano, que foi, por longo tempo, 70 A Africa antiga preponderante. Assim, ¢, doravante, possivel constituir um corpus de ciéncias humanas negro-africanas apoiado em bases histéricas sélidas, ¢ nao suspenso no ar. Finalmente, se é fato que sé a verdade é revoluciondria, deve-se acres- centar que sé um rapprochement realizado com base na verdade sera dura- douro, Nao se contribui para a causa da progresso humano langando um véu sobre os fatos. A redescoberta do verdadeiro passado dos povos africanos nao devera ser um fator de divisiio, mas contribuir para uni-los, todos ¢ cada um, estrei- tando seus lagos de norte a sul do continente, permitindo-lhes realizar, juntos, uma nova missao histériea para o bem da humanidade, e isto em consonin- cia com os ideais da Unesco **_ ™ Nota do coordenador: As opinides expressas pelo Professor Cheikh Anta Diop neste capitulo siio as mesmas que ele apresentou e desenvolveu no simpdsio da Unesco sabre “O povaamento do antigo Fgito”, realizado no Cairo, em 1974, Um sumario dos resul- tados desse simpésio se encontra no final do capitulo. Os argumentos apresentados neste capitulo nia foram aceitos por todos os especialistas interessados no problema (Cf. Introdugie, acima). Gamal Mokhtar

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