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Tomaz Tadeu da Silva DOCUMENTOS we IDENTIDA i introdugao as teorias do DE urriculo Tragar ‘ym mapa dos estudos sobre sriculo Ggsde sua génese, nos anog ate, at as fue teovias pos-ertias € 8 te se Poh Uo. Em capuog ros e redifdos em linguagem dizer or nos face um panorama s 20, mas abrafgente, das princi cectvas sobre Giffculo, 0 que encinar? 46,4 principio, as teoras do curiclo ten- tam responder. Conczbida nas perspect- 'tadicionais como uma questo simples- ent técnica ela se tomaria mag complex ‘medida em qué as teorasexticas pb ftcas pasavam a conceber 0 curtclo smo um eampo ético e moral. As perpesti: s tadicignais tomavam 1 respostt uestio “o que fisina” como dada € & sncentravaing questo do “como ends ve Pra ei etapectvas, “teria” veut sulo rsumfise em discutr as melhores ais eBcientes formas de organi constiuin nl qu As teorias criticas iriam contestar, de | ca radial, ease rcctio, Seu prim fovmento seria, ustiegte, ode quest aro conhecimentoy rificade no cur sahecimento fiz pare do curiculo © do outro? Porque algun conhetienton io considerados vilidos © nfo outros? Juais sio os interesses ¢ as relagdes de po ex que fazem com que deterniinados co hhecimentos acgbern fazendo parte do arriculo, enquanto outros slo excluidos? AoC eT Documentos de identidade Per ie CRC OR Mao) Aaa eC eZ Ler Mena CeL Cel PU Oe OR odica eee a) Copyright © 1995 Tomaz Tadou da Sa capa Jato Avarenge Fonseca, composigso sobre 2s pinturas “The teacher (sub a)” ¢ “ess ~ Serene”, de Mavene Dumas repreduedas cm autoneagao da risa, li Maene Oumas, de ons de Damnic van den B2egerd, Barbara Bloom eanena Cain pubis pele ecto Prager EOTORAGAO ELETRONICA Wialdsnia Alvarenga Santos ataie RevisAo Raber Arreguy Mla e Ceca Martins Todos os dios reservados pls Autics Ctra eran pre dest pubes poder ered serge 9 autora prada Er AUTENTICA EDITORA LTDA, ua Airores, 981, 8° andar, Runcionsios 30140071 Belo Horizonte. MG Tot (55 31) 3222 68 19, arses: 0800-283 13 22 se autenticaeditora.com be Sik, Tomar Tadeu da Sssi6a "Documentos de ientidade ; uma intodugo as terias do ‘uel / Tomas Tafeu da ike -— 3-ed.~ I. renp ~ Blo Horizonte: Auteatica 2010, 1560, Ison 978-85-66583-40-5 1. Educa 2. Curls acoares | To coua? snaai Rate, Manis ids ogi Agradecimentos Meu muito obrigado 4s pessoas que leram as primeiras versdes deste livro e me deram valiosas sugest6es: Alfredo, Antonio Flavio, Gelsa, Guacira, Sandra. Agra- deco, especialmente, Guacira, 0 estimulo e o apoio que me fizeram sobreviver as solitarias sess6es frente tela do computador. Agradego 4 Rejane, da Auténtica Editora, pelo apoie irrestrito 4 concepcio do livro. AraC PP eraltler Xo} et eee eee ee eee ae ee ene eee Rey eres eet eee ete ee eet Tol rod Dee ey eee a Ce eee ec tee ee © fim das metanarrativas: ¢ pOs-modernismo eee en ee Cen on ett feet ee eT cry Del Ree ee aoe Cte ace ee eee ee ce Para ooo Clery 1, INTRODUCAO “ot ereeernarmen TEESE Teorias do curriculo: o que é isto? © que é uma ceoria do curriculo? ‘Quando se pode dizer que se tem uma “teoria do, curricula"? Onde comega © como se desenvolve a historia das teorias do curriculo? O que distingue uma “teoria do curriculo” da teoria educacional mais ampla? Quais sio as principais teorias do curticulo? O que distingue as teorias tra dicionais das teorias eriticas do curricula? E 0 que distingue as teorias criticas do curriculo das ceorias pés-critcas? Podemos comecar pela discussio da prépria nogio de "teoria”. Em geral, esti implicta, na nocio de teoria, a suposi¢io de que a teoria “descobre” “real”, de que ha uma correspondéncia entre a “teoria” © a “reslidade”. De uma forma ou de outra, a no¢do envolvida é sempre representacional, especular, mimética: a teoria representa, reflete, espetha a reali- dade. A teoria @ uma representacio, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que ~ cronologicamente, onto- logicamente ~ a precede, Assim, para ja entrar no nosso tema, uma teoria do cur- Ficulo comecaria por supor que existe, “li fora", esperando para ser descoberta, descrita explicada, uma coisa chamada “curricule”. © currieulo zeria um objeto que precederia a teoria, a qual s6 entraria fem cona para descobri-lo, deserevé-lo, explicéto Da perspectiva do pés-estruturalis mo, hoje predominante na analise social cultural, 6 precisamente esse viés re- presentacional que corna problematico © proprio conceito de teoria. De acordo com essa visio, & impossivel separar a descrigdo simbélica, linguistica da reali= dade ~ isto 6, a teoria ~ de seus “efeitos de realidade”. A “teoria” ndo se limiaria, pois, a descobrir, a descrever, a explicar a realidade: a teoria estaria irremedia- velmente implicada na sua produgio, Ao descrever um “objeto”, a teoria, de certo ‘modo, inventa-o. © objeto que a t20: supostamente descreve ¢, efecivamente lum produto de sua criagio, Nessa direcio, faria mais sentido fala io em teorias, mas em discursos ou tex tos. Ao deslocar a énfase do conceito ae teoria para o de discurso, a perspectiva pés-escruturalista quer destacar precisa ‘mence © envolvimento das descricées lin- guisticas da “realidade” em sua producto. Uma teoria supostanente descobre e descreve um objeto que tem uma exis: téncia independence relativamente a teo- ria Um discurso, em troca, produz seu préprio objeto: a existéncia do objeto é inseparavel da trama linguistica que supos- tamente 0 descreve, Para voltar a0 nosso ‘exemplo do “curriculo”, um discurso so- bre © curriculo ~ aqulo que, numa outra cconcepgio, seria uma teoria ~ nfo se res- tringe a representar uma coisa que seria © “curriculo”, que existiria antes desse discurso e que esta ali apenas & espera de ser descoberto © descrito, Um discurso sobre 0 curriculo, mesmo que pretenda apenas descrevé-lo “talcomo ele realmente 6°, 0 que efetivamente faz € produzir uma nosgo particular de aurriculo. A suposta descricio ¢, efetivarrente, uma criacio. Do ponto de vista do conceito pés- ‘estruturalista de discurso, a “teoria” std ‘envolvida num processo circular: ea des- ‘reve como uma descoberta algo que ela propria criou. Ela primeiro cria ¢ depois descobre, mas’ por um artificio retérico, aquilo que ela cria acaba aparecendo ‘como uma descoberta. = Podemos ver como isso funciona num aso concreto. Provavelmente o curriculo aparece pela primeira vez como um ob- jeco especifio de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vinte. Em co- exo com 0 proceso de industrializa fo € os movimentos imigratérios, que Intensificavam a massifiagio da escolari- zaglo, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas sobretudo 4 administra- ‘lo da educagio, para racionalizar © pro- cesso de construgio, desenvolvimento € testagem de curriculos. As idelas desse grupo encontram sua méxima expresso no livro de Bobbitt, The curriculum (1918). Aqui, 0 curriculo é visto como um pro- ccesso de racionalizacio de resultados edu- cacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados © medidos. O modelo insti- tuscional dessa concepcio de curriculo a fabrica. Sua inspiracio “te6rica” 6 a “ad- rministragdo clentifca”, de Taylor. No mo- dele de curriculo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados como um pro- duto fabril, No discurso curricular de Bobbitt, pois, © curriculo é supostamente isso: a especificacio precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obten- Glo de resultados que possam ser pre- cisamente mensurados. Se pensamos no modelo de Bobbitt através da nocio tradicional de teoria, ele ceria descoberto @ descrito © que, verdadeiramente, € 0 surriculo”. Nesse entendimento, riculo” sempre foi isso que Bobbitt diz ser: ele se limitou a descobri-lo e a des lo. Da perspectiva da nogio de “dis- curso”, entretanto, nio existe nenhum objeto “lA fora” que se possa chamar de “eurriculo”. © que Bobbitt fez, como ou- tros antes © depois dele, foi criar uma no- fo particular de “curriculo”. Aquilo que Bobbiee dizia ser “curriculo” passou, efe- tivamente, a sero “curriculo. Para um rnlimero considerivel de escolas, de pro- fessores, de estudantes, de administrado- res educacionais, “aquilo” que Bobbite definiu como sendo curriculo eornou-se uma realidade. A nogio de discurso teria uma vanta- gem adicional. Ela nos dispensaria de fazer 0 esforgo de separar ~ como seria mos obrigados, se ficissemos limitados 4 nogio tradicional de teoria ~ assergbes sobre a realidade de assercdes sobre como deveria ser a realidade, Como sa bemos, as chamadas “teorias do curricu: lo”, assim como as teorias educacionais mais amplas. estio recheadas de afirma- ‘$605 sobre como as coisas deveriam ser. Da perspectiva da nogio de discurso, es- tamos dispensados dessa operagio, na medida em que tanto supostas asseroes sobre a realidade quanto assercdes so- bre comoa realidade deveria ser tm “efei- +08 de realidade” similares. Para dizer de ‘outra forma, supostas assergdes sobre a realidade acabam funcionando como se fossem assercdes sobre como a realida- de deveria ser. Eas tém © mesmo efeito: (0 de fazer com que a realidade se torne o que clas dizem que é ou deveria ser. Para retomar 0 exemplo de Bobbitt, é irrnle- vance saber se ele esti dizendo que 0 ccurriculo 6, efetivamente, um proceso industrial e administrativo ou, em vez dis so, que © curriculo deveria ser um pro- ‘cesso industrial e administrativo. O efeito final, de uma forma ou outra, é que 0 cur- riculo se torna um processo industrial administrative, Apesar dessas adverténcias, a utiizagio dda palavra “teoria” esti muito amplamen- te difundida para poder ser simplesmente abandonada. Em vez de simplesmente abandoni-la, parece suficiente adotar urna compreensio da nogio de “teoria” que nos mantenha atentos 20 seu papel ativo 1a constituicdo daquilo que ela suposta- mente descreve. E neste sentido que a palavra “teoria”, a0 lado das palavras “dis- curso” e “perspectiva’, ser utiizada a0 longo deste livro. A adogio de uma nosio de teoria que levasse em conta seus efeitos discursivos nos pouparia de uma outra dor de cabe- ai a das definicbes, Todo livro de curri- culo que se preze inica com uma boa discussio sobre o que & afinal, “curricu- lo". Em geral, comecam com as definicbes ddadas pelo dicionsrio para, depois, percor- rer as definigées dadas por uns quantos ‘manuals de curriculo. Ns perspectiva aqui adotada, que vé as “teorias” do curriculo a partir da nogio de discurso, as defini- .g8es de curriculo nio sto usilizadas para capturar,finalmente, o verdadero signi cado de curriculo, para decidir qual delas ‘mais se aproxima daquilo que o curricu- lo essencialmente 6, mas, em vez disso, Para mostrar que aquilo que 0 curriculo 4 depende precisemente da forma come le & definido pelos diferentes autores e tworias. Uma definicgo mio nos revela 0 que &, essencialmente, 0 curriculo: uma definicdo nos revela © que uma determi- nada teoria pensa 0 que o curriculo & A abordagem aqui & muito menos ontolbgi- 2 (qual é 0 verdadeiro “ser” do curricu- 102) © muito mais histdviea (como, em diferentes momentos, em diferentes te- orias, © curriculo tem sido definido. Talvez mais importante e mais inte- ressante do que a buses da definicio lilkima de “curriculo” seja a de saber quais questdes uma “teoria” do curri- culo ou um discurso curricular busca responder. Percorrendo as diferentes € diversas teorias do curriculo, quais questdes comuns elas tentam, explici- ‘ta ou implicitamente, responder? Além das questées comuns, que questées especificas caracterizam as diferentes teorias do curriculo? Como essas questoes especificas distinguem as di- ferentes teorias do curriculo? A questio central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do curricu- lo @ a de saber qual conheécimento deve ser ensinado. De uma forma mais sintéxiea 1 questio central & 0 qué? Para respon- der a essa questio, as diferentes teorias podem recorrer a discusses sobre a natureza humana, sobre 2 natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do co- inhecimento, da cultura @ da sociedade, As diferentes teorias se diferenciam, inclus!- ve, pela diferente énfase que dio a esses elementos. Ao final, entrecanto, elas tém que voltar & questio basica: o que eles ou ee las devem saber? Qual conhecimento ou saber & considerado importante ou valido ‘ou essencial para merecer ser considera- do parte do curriculo? A pergunta “o qué?", por sua vez, nos Fevela que as teorias do curricula estio, ‘envolvidas, explicita ou implicitamente, em desenvolver critérios de selacto que jus- tifiquem a resposta que darSo aquela ques- to. O curriculo 6 sempre o resultado de uma selegio: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona- se aquela parte que vai consttuir, preci- samente, 0 curriculo. As teorias do curriculo, tendo decidido quais conheci- ™mentos devem ser selecionados, buscam justfiar por que “esses conhecimentos” endo “aqueles” devem ser selecionados. Nas teorias do curriculo, entretanto, a Pergunta “o qué?” nunca esta soparada de ‘uma outra importante pergunta: “o que les ou elas devem ser?” ou, melhor, “o que eles ou elas devem se tornar?”. Afinal, lum curriculo busca precisamente modifi- ‘car as pessoas que vio “seguir” aquele ccurriculo. Na verdade, de alguma forma, ssa pergunta precede pergunta “o qué”, ra medida em que as teorias do curriculo deduzem 0 tipo de conhecimento consi- derado importante justamente a partir de 1s descrigdes sobre o tipo de pessoa que elas ‘consideram ideal. Qual 6 0 tipo de ser hu- ‘mano desejivel para um determinado tipo de sociedade? Sers a pessoa racional eilus- trada do ideal humanista de edueacio! Ser pessoa otimizadora e competitiva dos atuais modelos neoliberais de educagio? Ser a pessoa ajustads aos ideais de cida- dania do moderno estado-na¢io? Seri a pessoa desconfiada e critica dos arranjos socials existentes preconizada nas teorias ‘educacionais criticas? A cada um desses “modelos” de ser humano corresponders unt ‘ipo de conhecimento, um tipo de curriculo. No fundo das teorias do curriculo est, pols, uma questio de “identidade” ou de “subjetividade”. Se quisermos re- correr & etimologia da palavra “curricu- 0", que vem do latim curriculum, “pista de corrida", podemos dizer que no cur- s0 dessa “corrida” que 6 0 curriculo aca- amos por nos tornar 0 que somos. Nas discuss6es cotidianas, quando pensamos fem curriculo pensamos apenas em co- nhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui © curricu- lo esta inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa iden- tidade, na nossa subjetividade, Talvez ossamos dizer que, além de uma questo de conhecimento, © curriculo ¢ também tuma questdo de identdade, E sobre essa ‘questio, pois, que se concentram também as teorias do curricuo, Da perspectiva posestruturalista, po demos dizer que 0 curriculo & também luma questio de poder © que as teorias do curriculo, na medida em que buscam dizer © que o curriculo deve ser, nao podem deixar de estar envalvidas em uestoes de poder. Selecionar é uma ope- ragdo de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento € uma operagio de po- der. Destacar, entre as mulkiplas possibili= dades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal ¢ uma operacio de poder. As teorias do curriculo nio es- to, neste sentido, situadas num campo “puramente” epistemol6gico, de com- petigio entre “puras” ceorias, As teorias, do curriculo estio attamente envolvidas ra atividade de garantir 0 consenso, de ob- ter hegemonia, As teoras do curriculo es- {Bo situadas num gampo epistemol6gico social As teorias do curriculo estio no centro de um territério contestado, E precisamente a questio do poder que val separar as teorias adicionais das teo- tas criticas e pés-eriticas do curricula. As {eorias tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, cientficas, desin teressadas. As teorias criticas e as teorias, Pos-critieas, em coneraste, argumentam {que nenhuma teoria & neutra cientfea ov desinceressada, mas que esti, inevitavelmen- ‘ce implicada em relacbes de poder, As te- cofiastradicionais 0 aceirar mas facilmente © status quo, os conhecimentos e os sabe- res dominances, acabam por se concen- tear em questoes cécnicas. Em gera, elas ‘tomam a resposta a questio "o qué?” como dada, como ébvia e por isso buscam res- Ponder a uma outra questio: “como?” Dado que temos esse conhecimento (in- {questionavel?) a ser transmitido, qual & a melhor forma de transmit-lo? As teorias tradicionals se preocupam com questdes de organizagio, As teorias eriticas e pés- criteas, por sua vez, nio‘e limicam a per guntar “o qué?” mas submetem este “qué” ‘um constance questionamento. Sua ques- to central seria, pois, nfo canto “o qué?" mas “por qué?”. Por que esse conhecimen- to e ndo outro? Quais incerestes fazem com que esse conhecimento € nio outro esteja no curriculo? Por que privilegiar um decerminado tipo de identidade ou sub- jetividade © ndo outro? As ceorias crti- cas © pos-criticas de curriculo estio preocupadis com as conexées entre sa ber, identidade poder. Como vimos, uma teoria define-se pe- los conceitos que utiliza para conceber a “realidade". Os conceitos de uma teria dirigem nossa atengio para certas coisas, que sem eles nio “Vveriamos". Os concei- tos de uma teoria organizam e estrucuram nossa forma de ver a “realidade”, Assim, uma forma itil de distinguirmas as dife- rentes teorias do curriculo € através do. ‘exame dos diferentes conceitos que elas ‘empregam. Neste sentido, as teorias crti= ‘as de curriculo, a0 deslocar a énfase dos conceitos simplesmente pedagégicos de ensino @ aprendizagem para os conceitos de ideologia © poder, por exemplo, nos Permitiram ver a educagio de uma nova perspectiva, Da mesma forma, a0 enfatiza- rem 0 conceito de discurso em vez do conceito de ideologia, as teorias pés-crti- cas de curriculo efetuaram um outro im= portante deslocamento na nossa maneira de conceber 0 curriculo. Por isso, A medi dda que percorrermos, nos tepicos a se- uir,as diferentes teorias do curriculo, pode ser ul ter em mente o seguinte quadro, que resume as grandes categorias de teo- ria de acordo com os conceitos que elas, respectivamente, enfacizam, TEORIAS TRADICIONAIS aprendizagem avaliagio metodologia didiciea organizagio planejamento cficiéneia objetivos TEORIAS CRITICAS ideologia reproducio cultural e social pode classe sccial capitalismo relacdes sociais de produgio. conscientizagio femancipacio e libertacio curriculo oculto resisténcia TEORIAS POS-CRITICAS identidade, alteridade, diferenca subjetividade significacio e discurso saber-poder representagio culeura género, raca, etnia, sexualidade smulticuleuralismo Il. DAS TEORIAS TRADICIONAIS AS TEORIAS CRITICAS Nascem os “estudos sobre curriculo”: as teorias tradicionais A existéncia de teorias sobre 0 curri- culo esta identificada com a emergéncia do campo do curriculo como um campo pro- fissional, especializado, de estudos e pes- guisas sobre o curriculo. As professoras € 05 professores de todas as épocas e luga- res sempre estiveram envolvidos, de uma forma ou outra, com © curriculo, antes mesmo que 0 surgimento de uma palavra especializada como “curriculo” pudesse designar aquela parte de suas atividades que hoje conhecemos como “curriculo”. A emergéncia do curriculo como campo de estudos esta estreitamente ligada a pro- ‘cessos tais como a formagdo de um corpo de especialistas sobre curriculo, a forma ‘eo de disciplinas e departamentos univer sitérios sobre curriculo, a institucionalizagio de setores especializados sobre curriculo nna burocracia educacional do estado € surgimento de revistas académicas espe- cializadas sobre curriculo. De certa forma, todas as teorias peda- _gogicas © educaciomais so também teorias sobre o curriculo, As diferentes filosofias ceducacionais e as diferentes pedagogias, em 2 stitucio- diferentes épocas, bem antes d: nnalizagao do estudo do curriculo como ‘campo especializado, no deixaram de fa- zer especulagdes sobre 0 curriculo, mes- mo que no utilizassem o termo. Mas as teorias educacionais e peda- g6gicas no sao, estritamente falando, te- orias sobre o curriculo. Ha antecedentes, na historia da educagio ocidental mo- derna, institucionalizada, de preocupa- Oes com a organizacio da ath educacional e até mesmo de uma aten- do consciente a questi do que ensi nar. A Didactica magna, de Comenius, & um desses exemplos. A prépria emer- géncia da palavra curriculum, no sentido que modernamente atribuimos ao ter- mo, esta ligada a preocupagées de orga- nizagio e método, como ressaltam as pesquisas de David Hamilton. O termo curriculum, entretanto, no sentido que hoje the damos, sé passou a ser utiliza- do em paises europeus como Franca, Alemanha, Espanha, Portugal muito re- centemente, sob influéncia da ra educacional americana. lade £ precisamente nessa literatura que © ‘terme surge para designar um campo es- pecializado de estudos. Foram talver as condigbes associadas com a institucional. zaglo da educaglo de massas que permiti- am que 0 campo de estudos do curriculo surgisse, nos Estados Unidos, come un ‘campo profissional especializado. Esto centre essas condicdes: a formacio de uma burocracia estatal encarregada dos negé- ios ligados 4 educa¢ao:; 0 estabelecimento da educagio come um objeto préprio de cestudo centfco; a extensto da educagio. cescolarizada em niveis cada vez mals altos a segmentos cada vez maiores da popula: lo: as preocupacSes com a manuten- Glo de uma idemtidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imi- gracio: © processo de crescente indus- tializagio e urbanizagao, E nesse contexto que Bobbitt escre- ve, em 1918, 0 livio que iria ser conside- rado 0 marco no estabelecimento do curriculo como um campo especializado de estudos: The curriculum. O livro de Bo- bbiee & escrito num momento crucial da historia da educagio estadunidense, num momento em que diferentes forcas eco- némicas, politcas e culturais procuravam. moldar os objetivos e as formas da edu- cago de massas de acordo com suas di- ferentes e partculares visdes, €nesse momento que se busca responder ques- tes crucs sobre as fralades e 0: con- tornos da escolarizagio de massas. Quai os objetivos da educagio escolarizada: formar 0 abalhador especialzado ov proporcionar uma educa geral acadé- ica, & populagio? © que se deve ensi rar: as hablidadesbiscas de excrever, ler ¢ contar; as dscptinas académicas hu- imanistias; as disciplias cienicas; as habilidades priticas necessarias para as, ‘ocupacdes profissionais? Quais as fontes principals do conhecimento a ser ensina- do: © conhecimento académico; as disci- plinas cientficas; os saberes profissionais do mundo ocupacional adulto? ©’ que deve estar no centro do ensino: os sabe~ res “objetivos” do conhecimento organ zado ou as percepcSes © as experiéncias “subjecivas” das eriancas e dos jovens? Em termes socials, quals devem ser as finali- dades da educagio: ajustar as criangas © 05 jovens a sociedade tal como ela existe ou preparé-los para transformi-la; a pre- paragio para a economia ou a prepara fo para a democracia? As respostas de Bobbitt eram claramen- te conservadoras, embora sua intervencio buscasse transformar radicalmente o siste- ‘ma edueacional. Bobbite propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou in- dustrial. Tal como uma indistria, Bobbit que~ ria que © sistema educacional fosse capa de expocificar procisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer ‘métodos para obté-los de forma precisa e formas de mensuragio que permitissem saber com precisio se eles foram realmen- te alcancados. O sistema educacional deve- Fla comegar por estabelecer de forma precisa quais sio seus objetivos. Esses ob- jetivos, por sua vez, deveriam se basear num ‘exame daquelas habilidades necessérias para exercer com eficiéncia as ocupagdes pro- fissionals da vida adulta, © modelo de Bob- bitt estava claramente voltado para a ‘economia. Sua palavra-chave era “eficién- cia” O sistema educacional deveria ser tio cficiente quanto qualquer outra empresa ‘econémica, Bobbitt queria transferir para a escola 0 modelo de organizagio proposto por Frederick Taylor. Na propasta de Bob- bic, a educagio deveriafuncionar de acor- do com os principios da administragio lentfiea propostos por Taylor A orientagio dada por Bobbitt iria ‘constituir uma das vertentes dominantes da educagio estadunidense no restante do século XX. Mas ela iria concorrer com vverventes consideradas mais progressisas, como a liderada por John Dewey, por exemplo. Bem antes de Bobbitt, Dewey ti- nha escrito, em 1902, um livro que tinha a palavra “curriculo” no tiulo, The child and tha curriculum, Neste livro, Dewey extava ‘muito mais preocupado com a constru- ‘glo da democracia que com 0 funciona- ‘mento da economia. Também em contraste ‘com Bobbitt, ele achava importante levar ‘em consideracio, no planejamento curri- ‘ular, os interesses e as experiéncias das criangas e jovens. Para Dewey, a educagio rio era tanto uma preparacio para a vida cocupacional adulta, como um local de vie véncia e pratica direta de principios democriticos. A influéncia de Dewey, en- tretanto, no Iria se refletir da mesma forma que a de Bobbitt na formacio do curriculo como campo de estudos. A atracio e influéncia de Bobbitt de- vvem-se provavelmente a0 fato de que sua proposta parecia permitir a educacio tor nar-se clentifica. Nao havia por que dis cutir abstratamente as finalidades ltimas a educacio: elas estavam dadas pela pro- pria vida ocupacional adulta, Tudo 0 que fra preciso fazer era pesquisar e mapear quais eram as habilidades necessérias para as diversas ocupagées. Com um mapa eS en preciso dessas habilidades, era possive, fentio, organizar um curriculo que per~ mitisse sua aprendizagem. A tarefa do es- pecialista em curriculo consistia, pois, em fazer o levantamenco dessas habilidades, desenvolver curriculos que permitissem que essas habilidaces fossem desenvol- vidas , finalmente, planejar e elaborar Instrumentos de redicdo que possibili- tassem dizer com precisio se elas foram realmente aprendidas. Na perspectiva de Bobbitt, a questio do curriculo se transforma numa ques: tho de organizagic. O curriculo € sim- plesmente uma mecinica. A atividade ‘supostamente cientfica do especialista em curriculo nao passa de uma atividade burocritica, Nao € por acaso que © con- ceito central, nessa perspectiva, é “desen- volvimento currieule”, um conceito que iria dominar a literatura estadunidense sobre curriculo até os anos 80. Numa perspectiva que considera que as finali- dades da educacio estio dadas pelas exi- géncias profissiomis da vida adulta, o curriculo se resume a uma questio de desenvolvimento, a uma questo técnica Tal como na industria, € fundamental, na educagio, de acordo com Bobbitt, que se estabelecam padrdes. O estabelecimen- to de padrdes ¢ tio importante na educa ‘glo quanto, digamos, numa usina de fabri- aco de ag0s, pois, de acordo com Bobbitt, 9 edueagio, tal como a usina de fabrica- co de aco, € um processo de moldagem' © exemple dado pelo préprio Bobbitt esclarecedor. Numa oitava série, lustra ele, algumas criangas realizam adicoes ritmo de 35 combinagées por minuto”, lenguanto outras, “ao lado, adicionam a um ritmo médio de 105 combinagdes por minuto”. Para Bobbitt, 0 estabelecimento cde um padrio permitiria acabar com essa variagio, Nas ikimas décadas, diz ele, os ‘educadores vieram a “perceber que € pos- sivel estabelecer padres definitivos para 08 varios produtos educacionals. A capa- cidade para adicionar a uma velocidade de 65 combinagées por minuto [..] é uma es- pecificagio tio definida quanto a que se pode estabelecer para qualquer aspecto do trabalho da fabrica de agos”.' © modelo de curriculo de Bobbitt iria encontrar sua consolidag3o definitiva num livro de Ralph Tyler. publicado em 1949, (© paradigma estabelecide por Tyler iria dominar © campo do curriculo nos Esta- dos Unidos, com influéncia em diversos paises, incluindo o Brasil, pelas proximas. quatro décadas. Com o livro de Tyler, 0s estudos sobre curriculo se tornam deci- didamente estabelecidos em torno da ideia de organizagio e desenvolvimento. Apesar de admitir a flosofia e a socieda- de como possiveis fontes de objetivos para o curricula, o paradigma formulado por Tyler centra-se em questées de orga- nizacio e desenvolvimento. Tal como no modelo de Bobbitt, o curriculo é, aqui, ‘essencialmente, uma questio técnica. Ve- jamos, de forma sintética, o modelo pro- posto por Tyler. A organizacio ¢ 0 desenvolvimento do curriculo deve buscar responder, de acor- do com Tyler, quatro questbes bisicas: “I que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir!; 2. que experiéncias ‘educacionais podem ser oferecidas que cenham probabilidade de alcancar esses propésitos?; 3. como organizar eficiente- mente essas experiéncias educacionais?; 4 como podemos ter certeza de que esses objetivos estio sendo alcangados?” As quatro perguntas de Tyler correspondem 8 divisio tradicional da atividade educa- cionat Rede Em termos estritos, pois, apenas a pri- Imeira questio diz respeito a “curriculo”. surriculo” (I), “ensino e instruglo" waliagio” (4) E pracisamente a esta questio que Tyler dedica a maior parte de seu livro. Tyler identifica erés fontes nas quais se deve buscar os objetivos da educacio, afirman: do que cada uma delas deve ser igualmen- te levada em consideracao: |. estudos sobre 0s préprios aprendizes; 2. estudos sobre a vida contemporsinea fora da edu- ‘cagio; 3. sugestdes dos especialstas das diferentes disciplinas. Aqui, Tyler expan- de 0 modelo de Bobbitt, a0 incluir duas fontes que nfo eram contempladas por Bobbitt: a psicologia e as disciplinas aca- démicas. A segunda fonte & uma de- monstragdo de certa continuidade relativamente 20 modelo de Bobbitt Essas fontes gerariam, entretanto, um namero excessive de objetivos, os quais poderiam, além disso, ser mutuamente contraditérios. Para consertar essa situa ‘ho, Tyler sugere submeté-los a duas es- pecies de “filtros": a filosofia social & feducacional com a qual a escola esté com: prometida ea psicologia da aprendizagem Tyler insiste na afirmagio de que os objetivos devem ser claramente definidos « estabelecidos. Os abjetivos devem ser formulados em termos de comportamen: 0 explicito. Essa orientacio comporta- ‘mentalist iria se radicalizar,alés, nos anos 60, com 0 revigorimento de uma tendén- cia fortemente tecnicista na educacio cestadunidense, representads, sobretudo, por um livro de Robert Mager, Andise de objedvos, eambém influence no Brasil na mesma época. E apenas através dessa for- mulagio precisa, dealhada e comporta- mental dos objetivos que se pode responder as outras perguntas que cons- tieuem 0 paradigma de Tyler. A decisio sobre qusis experéncias devem ser pro piciadas e sobre como organizé-las de- pende dessa especiicagio precisa dos objetivos. Da mesma forma, & impossvel avaliar, como adiontaa Bobbic, sem que se estabelecesse com precisio quai sio ot padres de releréncia. E inceressance observar que tanto os modelos mais tecnocriticos, como os de Bobbict © Tyler, canto os modelos mais progressisas de curriculo, come 0 de Dewey, que emerziram no inicio do sé- culo XX, nos Estados Unides, consttuiam, de cerea forma, ua reacho 20 currculo classico, humanists, que havia domina- do a educagio secundiria desde sua ins- titucionalizagio. Como se sabe, esse currieulo era herdeiro do curriculo das chamadas “ares libersis” que, vindo ds Antiguidade Classica, se estabelecera na ceducacio universiiria da Idade Média € do Renascimento, na forma dos chama- dos erivium gramicca, retérica,daltica) «© quadrivium (atronomia, geometra, sica,aricmédca). Obviamente, 0 curiculo cléssico humanist tna. impliitamente uma “teoria” do currculo. Basicamente, nesse modelo, 0 objetivo era ineroduir os estudantes 20 repertério das grandes cobras literdras ¢ aristicas das herancas clisscas grega latina, ineluindo © domi- no das respectvaslinguas. Supostamen- te, essas obras encarnavam as melhores realizagBes © 0 mais altos idesis do esp- rito humano, © conhecimento dessas ‘obras nio extava separado do objetivo de formar urn homer (sim, 0 macho da es- peécie) que encarnasse esses ideas. Cada um dos modelos curriculares contemporineos, 0 teenocritico € 0 pro- sressna, acca o modelo humansta por um flanco. O tecnocritico destacava 2 abstra- Gio e 2 supostainucidade - para a vide moderna e para as atvidades labora ~ das habilidades e conhecimentos cultivados pelo curiculo clistica, O latin 0 grez0 ~ e suas respectiaslteraturas ~ pouco servam como prefiracio para o trabalho dha vida proftsioal contemporinea. NEo se acetava, qui nem mesmo of argumentos que no século XIX tinham sido desenvol- vidos pela perspectiva do “exercicio men- tal", segundo a qual a aprendizagem de ‘matérias como 0 latim, por exemplo, ser~ via para exercitar os “musculos mentais", dde uma forma que podia se aplicar a ou- tos conteides. © modelo progressist, sobretudo aquele “centrado na crianca”, atacava 0 curricula clissico por seu dis- tanciamento dos interesses @ das experién- cias das criancas e dos jovens. Por estar centrado nas matérias clissicas, 0 curri- culo humanista simplesmente descon- siderava a psicologia infantil, Ambas as ccontestacbes s6 puderam surgir, obvia- ‘mente, no contexto da ampliagdo da es- colarizacio de massas, sobretudo da cescolarizacio secundiria que era 0 foco do curticulo clissico humanista. © eurriculo clissico 86 péde sobreviver no contexto de uma escolarizacio secundéria de aces- s0 restrito 4 classe dominante. A demo- cratizagio da escolarizagio secundaria significou também o fim do curriculo hhumanista classico, (Os modelos mais tradicionais de eur riculo, tanto os técnicos quanto os pro agressistas de base psicolbgiea, por sua vez, 6 iriam ser definiivamente contestados, nos Estados Unidos, a partir dos anos 70, OTE RN Tc See com © chamado movimento de “recon. ceptualizagio do curriculo”. Mas esta & ‘uma outra histéria, Leituras clase e curiam”. Teor wea 6, 1992 p33 KUIEBARD, Herbore M. "Os prncipios de Tyler In Rosemary G.Metsck, Lyra Paine Lis 8 RBastos (org). Curiculo:andlsee debate Rio: akar, 1980 p3952. KLIEBARD, Herbere M."Buraeraci eters do cur reul".In Rosemary G, Messick, Lyra Paado € Lia da R.Bastos org). Curia: asl edb fe: io: Zahar, 1980: p 107-126. MOREIRA, Anconio F.B.¢ SILVA, Tomas T. da Sociloga ¢teora crea do curicle: unis introducto". la Anconi FB. Morera e Toma Td Siva (ngs) Curricula, sociedad ecuura Sto Paulo: Corte, 1999: 7-38 TYLER Ralph. Prinapior isco de cornice eons no. Porto Alegre: Globo, 1974 Note Refer bog fe Onde a critica comeg: ideologia, reproducao, resisténcia Como sabemos, a década de 60 foi ‘uma década de grandes agitacbes e trans formacées. Os movimentos de indepen dencia das antigas colonias europeias; os protestos escudantis na Franca e em vic Fos outros paises: a continuagio do mo- vimento dos direitos civis nos Estados Unidos; os protestos contra a guerra do Vieen’; os movimentos de contraculcura; ‘© movimento feminista; a liberacio sexual as lutas contra a ditadura militar no Brasil so apenas alguns dos importantes movi= mentos socials e culturais que caracteri= zaram os anos 60. Nio por coincidéncia fol também nessa década que surgiram livros, ensaios, teorizacbes que colocavam fem xeque © pensamento © a estructura educacional tradicionais, E compreensivel que as pessoas en: volvidas em revisar esses movie tendam 2 reivindicar a precedéncia para aqueles movimentos iniciados em seu proprio pais. Assim, para a literatura edu: cacional estadunidense, a renovacio tworizagio sobre curriculo parece ter sido cexclusividade do chamado "movimento de reconceptualizacio”. Da mesma forma, a a liveratura inglesareivindica prioridade para 1 chamada “nova sociologia da educagio ‘um movimento identificado com 0 socié- logo inglés Michael Young. Uma revisio brasileira no debvaria de assinalar 0 im- portante papel da obra de Paulo Freire, enquanto os franceses certamente n3o deixariam de destacar © papel dos ensaios fundamentais de Althusser, Bourdieu ¢ Passeron, Baudelot e Establet. Uma avalia- (Gio mais equilbrada argumentaria, entre ‘tanto, que © movimento de renovacio da ‘woria edueacional que iria abalar 2 teoria ‘educacional tradicional, tendo influéncia rio apenas tebriea, mas inspirando verda- deiras revolucses nas proprias experién- cias educacionais, “explodiu” em varios locais 20 mesmo tempo. As teorias critics do curriculo efetuam uma. completa inversio nos fundament: das teorias tradicionais. Como vimo ‘modelos tradicionas, como o de Tyler. pos ‘exemplo, nic estavam absolucamente pre cocupadas em fazer qualquer tipo de que thonamento mais radica arranjos edueacionais existentes, as forma dominantes de conhecimento ou, de modo mais geral, forma social dominan- te, Ao tomar 0 status quo como referéncia, desejavel, as teorias tradicionais se concen travam, pois, nas formas de organizacio & elaboracio do curriculo. Os modelos tra- dicionais de curriculo restringiam-se a at vidade tecnica de como fazer o curriculo. ‘As tearias criticas sobre © curriculo, em. contraste, come;am por colocar em ‘questo precisamente os pressupostos dos presences arranjos socials e educa- clonais. As teorias criticas desconfiam do status quo, resporsabilizando-o pelas de- sigualdades ¢ injusticas sociais. As teorias tradicionais eram teorias de aceitaca ajuste e adaptagio. As teorias eriticas sto teorias de desconfianca, questionamento @ transformagio radical. Para as teorias criticas © importante nao & desenvolver téenieas de como fazer © curriculo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender 0 que o curriculo faz. E preciso fazer uma distngéo, inci mente, entre, de um ldo, as teorizagiee critcas mais gerats como, por exemplo, 0 importante ensaio de Althusser sobre a ideologia uo lvr> conjunto de Bourdieu « Passeron, A reproducio, e, de outro, aquelas ceorizagdes centradas de forma mais loclizada em questbes de curricu- a0 lo, como, por exemplo, a “nova sociolo: dia da educagio” ou © "movimento de re- conceptualizagio” da teoria curricular. importante, de qualquer forma, revisar também aque toorias criticas mais ge~ rais sobre educacio pela influéncia que terlam sobre o desenvolvimento da t2o- ria critica do curriculo. Poderiamos co- megar por uma breve cronologia dos marcos fundamentais tanto da teoria edu ‘cacional critica mais geral quanto da teo~ ria critica sobre o curriculo: 1970 -Paulo Freie, A pedagogia do oprimido 1970 ~ Louis Althusser, A ideologia e os aparelhos ideoldgicos de estado 1970 ~ Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reproducio 1971 — Baudelot e Establet,L’école capita lisee en France 1971 ~ Basil Bernstein, Class, codes and control v. I Michael Young, Knowledge and con rolnew directions for the sociology of education 1976 . Samuel Bowles © Herbert Gintis, ‘Schooling in cpiealise America 1976 ~ William Pigar © Madeleine Gru: met, Toward poor curriculum 1979 — Michael Apple, deologia ecurriculo 1o7t © agora famoso ensaio do filésofo francés Louis Althusser, A ideologia e aparelhos ideologicos de Estado, iia for~ nnecer as bases para as criticas marxistas da educagio que se seguiriam. Particu: Iarmente, Althusser, nesse ensaio, iria fazer 9 imporeance conexio entre edu- cagio @ ideologia que seria central as subsequentes teorizagbes criticas da educacio e do curriculo baseadas na anilise marxista da sociedade. A referén- cia que Althusser faz 8 educacio neste breve ensaio bastante suméria. Essen- cialmente, argumenta Althusser, a perma- nnéncia da sociedade capitaista depende da reprodugio de seus componentes propriamente econdmicos (forca de trabalho, melos de producto) © da produgia de seus companentes Ideolé- zicos. Alem da continuidade das condigbes de sua producao material, 2 sociedade capitalista no se sustentaria se nfo how andas de garancir que contestado, Isso pode ser o tides are a forga ou do convencimente slo ou da ideologia. O primi smo esth a cargo das apatethos rapressivos de estado (a policia, 0 judistirio}: o segun do € responsabilidade dos apareihos u ideologicos de estado (a religito, a midi, 2 escela, a familia) Na primeira parte do ensato, Althusser 4a, implicitamente, uma definigéo bastante simples de ideologia. A ideologia é consti- tuida por aquelas crencas que nos levam a aceitar os estruturas sociais (capitalists) existentes como boas e desejivels, Essa dfinigio é substanclalmente modificada na segunda parte do ensaio, na qual o concei- 10 de ideologia se torna bastante mais com plexo, mas esta é uma outra discussdo. A producto e a disseminagio da ideologia & feita, como vimos, pelos aparelhos ideo- lagicos de estado, entre os quals se situa, cde modo privilegiado, na argumentacio de Althusser, justamente a escola. A escola ‘constitul-se num aparelho ideolégico cen- ‘ral porque, afirma Althusser, atinge pra- ‘icamente toda a populacio por um periodo prolongado de tempo. Coane a escola transmice a ideotogia? 2 sta idaologicamente através He de umn forma nis eta, ateavés das manérias mals 19 transporte de crengas explicitas sobi 2 deseiailidade das esrruburas sociis axis tentes, come swudlos Socials, Hist Geogratta, por cemplor seja ie ur fe» ima mais indireta, através de disciphnas mais “tenieas”, como Cigncias e Mace- _mitia, Além dso, ideologia atua de for- rma discriminatéria: ela incina as pessoas das classes subordinadas & submissio 4 obediéneia, enquanto as pessoas das cas- ses dominantes aprendem a comandar e a controlar, Ess diterenciagao € garanc 4a pelos mecanismos seletivos que fazem com que as criangas das classes domina- das sejam expelidas da escola antes de chegarem aqueles nivels onde se apren- dem os habitos ¢ habilidades préprios das classes. dominances. A problematica central da anise mar- xista da educacio @ da escola consiste, ‘como mostra o exemplo de Althusser, em buscar estabelecer qual & a igacio entre a escola ea economia, entre a educacio e 2 produco. Uma ver que, naanslise mar- xista, a economia e a producio estio no centro da dinirica social, qual € 0 papel da educagio e da escola nesse processo? Como a escolae a educacio contribuer para que a sociedade continue sendo capitalista, para que a sociedade conti rue sendo dividda entre capitalistas (pro- prietirios dos meios de producio), de um lado, e trabalhidores (proprietirios uni- camence de sua capacidade de trabalho), de outro? Althusser nos deu, como vimos, a tum tipo de resposta: a escola contribui para a reproducio da sociedade capi ta a0 transmitir, através das matérias es+ colares, as crengas que nos fazem ver os arranjos sociais existentes como bons desejiveis, Baudelot e Establet, num livro também agora cassico, A escola capreatista na Franca, iriam desenvolver, em detalhes, a tese althusseriana. Caberia, entretanto, 2 dois economistas estadunidenses, Sa- muel Bowles e Herbert Gints. fornecer uma resposta um pouco diferente aquela pergunta central sobre as conexées en- te producio © educacio. Em seu livro, A escola capitalisca na América, Bowles e Gints introduzem 0 conceito de correspondéncia para esta- belecer a nacureza da conexio entre es- cola e produgio. Como vimos, Althusser cenfatizava 0 papel do conceido das maté- Fas escolares na transmissio da ideologia capitalista, embora 2 definigio de ideoto- ia que ele dava na segunda parte de seu ensaio (a ideologia como pratia) apontas- se para a possibilidade de uma outra utll- sacio desse conceito, Em contraste com ‘es Gafase no conteiido, Bowles e Gintis enfatizam a apraridizagem, através da vi- vencia das relagdes sociais da escola, das atiuides necessérias para se qualificar como um bom crabalhador capitalist. AS relacdes sociais do local de trabalho capi talista exigem certas atiuudes por parte do trabalhador: obediéncia a ordens, pon= ‘unlidade, assiduidade, confabilidade, no ‘aso do trabalhador subordinado: capa cidade de comandar, de formular planos. de se conduzir de forma auténoma, no caso dos trabalhadores sieuados nos ni= veis mais altos da escala ocupacional ‘Como, no esquema de Bowles e Gintis, a escola garante que essas atitudes sejam incorporadas 4 psique do estudante, ou seja, do futuro trabalhador? A escola contribui para esse processo ‘no propriamente através do conteado ‘explicito de seu curriculo, mas a0 ost Ihar, no seu funcionamento, as relacées socinis do local de trabalho, As escolas di- rigidas aos trabalhadores subordinados tender a privilegiar relagdes sociais nas uais, a0 praticar papeis subordinados, os estudantes aprendem a subordinacio, Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalha dores dos escalbes superiores da escala ‘ocupacional tendem a favorecer relacdes sociais nas quais 0s escudantes tém a opor~ ‘tunidade de praticar atitudes de comande e autonomia. , pois, através de uma cor respondéncia entre as relagdes sociais da escola @ as relacdes sociais do local de Se EEO DETTE TE 2 2 PERS n n trabalho que a educagdo contribui para a reproducio das relacdes sociais de pro- ducio da sociedade capitalsta, Trata-se de um processo bidirecional, Num pri= -meiro movimento, a escola é um reflexo dda economia capitalsta ou, mais especi= ficamante, do local de trabalho capitalis- ta. Esse reflexo, por sua ver, garante que, ‘num segundo movimento, de retorno, © local de trabalho capitalista receba jus- tamente aquole tipo de trabathador de ‘que necesita. A critica da escola capitalista, nesse es- ‘gio inicial, ndo fcaria limitada, entretan- to, a anilise marxista. Os sociélogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron iriam desenvolver uma critica da educagio que, embora centrada no cconceito de “reproducio”, afastava-se da anilse marxista em virios aspectos. Além do concelto de “reproducio”, a anélise de Bourdieu e Passeron desenvolvia-se através de conceitos que eram devedo: res, embora apenas metafericamente, ¢e conceitos eeondmieas. Mas, conerars mente 3 analise marxisea, o funcionamen to da escola das instituigoes culnurat no € dedunido do fu nto dao nomia, Bourdieu e Passe! tanto, © funcionamento da escola e de cultura através de metiforas econdmicas. Nessa andlise, a cultura nao depende da ‘economia: a cultura funciona como uma economia, cono demonstra, por exem- plo, a utiizagio do conceito de “capical cultural” Para Bourdieu e Passeron, a dinmica da reprodugiosocial esta centrada no pro- cesso de repreducio cultural. através ds reprodugio da cultura dominante que @ reproducio mais ampla da sociedade fica garantida, A cultura que tem prestigio © valor social é justamente a cultura das clas ses dominantes: sous valores, seus gostos, seus costumes, sous habitos, seus modos de se comportar, de agir. Na medida em ‘que essa culta tem valor em termos so- ais; na medida em que ela vale alguma coi- sa; na medida em que ela faz com que a pessoa que a possui obtenha vantagens. ‘materials simbélicas, ela se consti como. capital cultural Esse capital cultural existe em diversos estados. Ela pode se manifes- tar em estado objetivado: as obras de arte, as obras literérias, as obras teatrals etc. A cultura pode 2xistir também sob a forma de titulos, cerificados ¢ diplomas: & 0 ca- pital cultural institucionalizado. Finalmen- te, 0 capital cultural manifesta-se de forma incorporada, introjetada, internalizada, Nessa ultima forma ele se confunde com (© habitus, precisamente o termo utilizado por Bourdieu e Passeron para se referir as estruturas socials e culturais que se cor snam incernalizadas. (© dominio simbélico, que é © dominio por exceléncia da cultura, da signficacao, atva através de um ardiloso mecanismo. Ele adquire sua forya precisamente a0 de- finir a cultura dominante como sendo 2 cultura. Os valores, os habitos e costumes, (05 comportamentos da classe dominante sfo aqueles que sio considerados como cconstituindo a cultura. Os valores habi- 10s de outras classes podem ser qualquer otra coisa, mas néo sio a cultura. Agora & que vem o truque. A eficicia dessa defi- nigio da cultura dominance como sendo 2 ‘cultura depende de uma importante ope- ragio, Para que essa definicio alcance sua rmixima eficécia € necessirio que ela nfo apareca como tal, que ela no aparesa jus- tamente como o que ala é, como uma de- finigSo arbitréria, como uma defnigio que ro tem qualquer base objetva, como uma definicio que esti baseada apenas na for- «6a (agora propriamente econémica) da classe dominante. E essa forea original que permize que a classe dominante possa de- finir sua cultura como a cultura, mas nes~ se mesmo ato’de definicio oculta-se orca que torna possivel que ela possa im- por essa definicio arbitréria. Ha, portanto, aqui, dois processos em funcionamento: de um lado, a imposicio e, de outro, a cocultagio de que se trata de uma imposi- ‘glo, que aparece, entio, como natural. & esse duplo mecanismo que Bourdieu & Passeron chamam de dupla violéncia do processo de dominagio cultural ‘Agora, onde entram a escola e a edu- ‘cago nese proceso? Em Bourdieu & Passeron, contrariamente a outras anéli- ses eritcas, a escola ngo awa pela incuk cagSo da cultura dominance 3s criangas jovens das classes dominadas, mas, 20 contrario, por um mecanismo que acaba por funcionar como um mecanismo de exclusio. O curriculo da escola esti ba- seado na cultura dominante: ele se ex- pressa na inguagem dominance, ele & transmitido através do cédigo cultural dominance. As criangas das classes domi- nantes podem facilmente compreender esse cédigo, pois durante toda sua vida clas estiveram imersas, 0 tempo todo, esse cédigo. Esse codigo ¢ natural para clas, Els se sentem a vontade no clima cultural e afetivo construido por esse codigo. E © seu ambiente nativo. Em contraste, para as criancas e jovens das lasses dominadas, esse cédigo 6 sim- plesmente indecifrivel. Eles no sabem do que se trata, Esse cédigo funciona como uma linguagem estrangeira:6incom- preensivel. A vivéncia familiar das crian- fas € jovens das classes dominadas no os acostumou a esse cédigo, que thes apa- rece como algo estranho ¢ alheio. O re- suktado & que as criancas e jovens das clarees dominantes #50 bern-rucedidas na escola, © que lhes permite 0 acesso aos _graus superiores do sistema educacional ‘As eriancas @ jovens das classes domina- das, om troca, s6 podem encarar fra- casso, ficando pelo caminho. As criangas ce jovens das classes dominantes veem seu capital culeural reconhecido e fortalecide, As criangas e jovens das classes domina- das tém sua culuura nativa desvalorizada, ao mesmo tempo que seu capital cultural, jf inicialmence baixo ou nulo, no sofre ‘qualquer aumento ou valorizagio, Com- pleta-se 0 cielo da reproducio cultural. € essencialmente através dessa reproducao cultural, por sua vez. que as classes socials, se mantém tal como existem, garantindo © processo de reprodugio social Em geral, tem-se deduzido da andlise cde Bourdieu e Passeron (e, particularmen- te, das anslises individuais de Bourdieu) uma pedagogia e um curricula que, em oposicio ao curriculo baseado na cultura dominante, se centrariam nas culturas do- rminadas, Trata-se, provavelmente, de um mal-entendido. Sua andlise no nos diz que a cultura dominante é indesejivel ¢ que a ceulura dominada seria, em troca, desejé- vel. Dizer que a classe dominance define arbitrariamente sua cultura como deseji- vel nfo 6 a mesma coisa que dizer que a ‘cultura dominad: € que € desejavel. © que Bourdieu e Passeron propéem, através do conceito de peaagogia racional, 6 que as criangas das classes dominadas tenham ‘uma educaglo que Ihes possibilite cer —na ‘escola - a mesma imersio duradoura na ‘culeura dominante que faz parte — na fami- lia ~ da experiéncia das criangas das clas- ses dominantes. Fundamentalmente, sua proposta pedagegica consiste em advogar uma pedagogia e um curriculo que repro- duzam, na escola, para as criangas das clas ses dominadas, aquelas condicbes que apenas as criancas das classes dominantes ‘em ma fara, Em seu conjunto, esses textos formam a base da teoria educacional critica que iia, se desenvolver nos anos seguintes. Eles podem ter sido amplamente criticados © ‘questionados na explosio da literatura cti= ‘ea ocorrida nos anos 70 e 80, sobretudo por seu suposto determinismo econémi- co, mas, depois deles, a veoria curricular se- a radicalmente modiicada. A teorizagio, curricular recente ainda vive desse legado, Leituras ALTHUSSER, Lous. Aparlosideoigicas de Estado, ic: Gr. 1983. BOURDIEU, Pierre © PASSERON. Jean-Claude ‘A reprodugi Ro: Francis Awe, I975. [BOURDIEL, Pierre, Excras de edveacta Petropolis: Voxws, 1999 (Orgracto de Marin Alice No= ‘pir e Afnio Catan) BOWLES. Samuel eGINTIS, Herbert. La inserccion ‘excoaren América capita Moen: Sido XX, 198 SILVA TomazTadeu dh O quepredize0 que rerodiz ‘em adicagdo Porto Alegre: Artes Medias, 1992. | noreene r Ey Contra a concepcao técnica: os reconceptualistas No final dos anos sessenta. podia-se jt dizer que a hegemania da concepeio téc- rica do curriculo estava com seus dias meter o entendimento que normalmente temos do mundo cotidiano a uma sus- Pensio. A investigacto fenomenolésica comeca por colocar os signficados ordi- nirios do cotidiano “entre parénteses” ‘Aqueles significados que tomames como naturais constituem apenas a “aparéncia” das coisas. Temos que colocar essa apa- réncia em davids, em questio, para que possamos chegar & sua “esséncia", A in- vestigacio fenomenolégica coloca em questo, assim, as categorias do senso co- mum, mas elas no sio substituidas por categorias te6ricas e cientificas abstratas. Ela esta focalizada, em vez disso, na expe- rigncia vivida, no “mundo da vida", nos significados subjetiva e intersubjetivamen- te construidos. © conceito de “significa do” ndo tem, para a fenomenologia, 0 mesmo sentido que, depois, teria para ‘uma semiologia estruturalista, 2 qual sur g¢ € se desenvolve, de certa forma, pre~ cisamente em reacio e oposi¢éo a ela (O “significado”, para a fenomenologia, nfo pode ser simplesmente determinado por seu valor “objetivo” numa cadeia de opo- sig6es estruturais, como na semiologia, © significado 6, a0 invés disso, algo pro- fundamente pessoal e subjetivo. Sua co» exo com 0 social se da ndo através de cestruturas sociais impessoais e abstratas, ‘mas através de conexdes intersubjetivas. Para a fenomenologia, 0 significado mani- festa-se na linguagem, através da lingua gem, mas & também aquilo que de certa forma escapa & linguagem ordinaria, 20 senso comum implantado na linguagem Os verdadeiros significados de nossas ‘experiéncias cém de voltar a linguagem para encontrar sua expressio, mas eles tém, antes, de certa forma, de ser recu= perados embaixe da linguagem, naquilo que foge A linguagem, no seu substrato, Intelectuais como Max van Mannen, ‘Ted Aoki (ambos do Canada) e Madelei- re Grumet (Estados Unidos), que estive- ram centralmente envolvidos, naqueles paises, no desenvolvimento de uma com- preensio fenomenologica do curriculo, rio estavam preocupados tanto com os aspectos filosoficos da fenomenologia ‘quanto com as possibilidades que a feno- menologia apresentava para 0 estudo do curriculo, A perspectiva fenomenol6gica de curriculo 6, em termos epistemologi- cos, a mais radical das perspectivas criti~ cas, na medida em que representa um rompimento fundamental com a epis temologia tradicional. A tradicio feno- menolégica de andlise do curriculo aquela que talvez menos reconhece a estruturagio tradicional do curricula ‘em disciplinas ou matérias. Para a pers- pectiva fenomenologica, com sua énfa- se na experiéncia, no mundo vivido, nos significados subjetivos e intersubjetivos, pouco sentido fazem as formas de com- preensio técnica ¢ clentifica implicadas na organizacio e estruturagio do cur- riculo em torno de disciplinas. As disci- plinas tradicionais est#o concebidas em torno de conceitos cientifices, instru mentais, isto é, do mundo de segunda ‘ordem dos conceites € nfo do mundo de primeira ordem das experiéncias di- retas, No maximo, as disciplinas e maté- tias tradicionais aparecem como categorias a serem questionadas, a se- rem “colocadas entre parénteses” Na perspectiva fenomenolégica, 0 cur- riculo no é, pois, constituido de fatos, nem mesmo de conceitos teéricos ¢ abstratos: © curriculo € um local no qual docentes & aprendizes tém a oportunidade de examni- nar, de forma rendvada, aqueles signfica- dos da vida cotididna que se acostumaram a ver como dades © naturals. O curriculo 4 visto como experiéncia e como local de interrogacio © questionamento da expe- rincia, Na perspectiva fenomenologica,si0, primeiramence, as préprias categorias das perspectivas tradiciomais sobre curriculo, sobre pedagogia e sobre ensino que sio submetidas a suspensio e a reducio feno- rmenolégicas. “Objetivos”,"aprendizagem” “avaliagio", “metodologia” so todos con: celtos de segunda ordem, que aprisionam a experincia pedagégica © educacional do mundo vivido de docentes e estudantes. Depois, é a prépria experiéncia dos estu- dantes que se torna objeto da investiga ‘eo fenomenologica. Assim, enquanto no curriculo tradicional os estudantes eram encorajados a adotar a atiude supostamen- te cientifiea que caracterizava as disciplinas académieas, no curriculo fenomenologico ‘eles sto encorajados a aplcar a sua pro- pria experincia, 20 seu proprio mundo vivido a atiuude que caracteriza a investix gagio fenomenolégica, A atitude fenomenolégica envolve, primeiramente, selecionar temas que pos- sam ser submetides 4 analise fenomeno- Logica. Em geral, esses temas, come se depreende dos exemplos desenvolvidos na literatura educacional de anilise feno- rmenoldgica,,sio temas que fazem parte een aene da vida cotidiana, rotineira, seja da pro- pria pessoa que fax aanalise, seja das pes- soas envolvidas na situagio analisada Assim, para dar um exemplo pedagozico, ‘uma professora iniciante poderia analisar sua propria experiéncia a0 dar suas pri- meiras aulas. Ela procuraria evitar, ances dde mais nada, uma descri¢ao que se limi tasse a0 signifieado comumente atribuido 8 uma situaglo como essa, assim como bbuscaria fugir de uma descricio demasia- damente dependente de categorias abs- trats ou cientificas. Ela se centraria, a0 invés disso, na singularidade do significa do que essa experiéncia tem para ela. Ela buscaria a “esséncia” dessa experiéncia, rio no sentida de uma “esséncia” ance- rior, pré-existente, mas no sentido de uuma “esséncia” que esteja para além das categorins tanto do senso comum quan- te da ciéncia, Além de uma demorada introspeccio, a professora, transforma. dda em analista fenomenolegica, poderia Iangar mio dos significados que outras pessoas atribuem a essa situacio, bem ‘como dos significados com que a situacio possa ter sido descrita na literatura ena arte, A anilise fenomenolégica termina numa eserita fenomenolégica, na qual a analista reconstitu, através da linguagem (sempre uma experiéncia de segunda order). a experiéncia vivida por ela ou por outras pessoas envolvidas na situagio. (Os cemas submetidos & anilise na lite- ratura fenomenolégica sobre curriculo parecem quase sempre “banal mente porque sio retirados da experién- cia banalzada da vida cotidiana. Em certo sentido, © que a anilise fenomenolégica precisa procura é desbanalizi-los, torné-los, outra ver, significativos. Assim, por exemplo, um ‘conjunto de textos fenomenolégicos di- vulgados recentemente pelo canadense Max van Manen, na Internet, focaliza os seguintes temas. entre outros: a espera: o sentir.se em casa; a saudacio “como vai vvocs?"; a experiéncia de ser madrasta; a “malhagio” (exercicio fisico); bem como temas nem tio banais como a morte, a doenca e a expariéncia de se receber um diagndstico médico. Algumas vezes o ‘objeto da andlise fenomenol6gica coincide com 0 objeto de outros tipos de andlise, mas a abordagem 6 radicalmente diferen- te. Um dos textos mencionados focaliza, por exemplo, a nocio de tempo da crian- ‘ca. Pode-se comparar, aqui, essa anslise com aque andlises de inspiraclo piageta- nna da mesma temitica. A andlise piagetia- na estaria centrada, provavelmente, numa descrigio objetiva,abstrata, universalizada, dos conceitos de tempo utlizados pela cri ana. Uma alse enomenlégica, em con- waste, procuraria destacar 0s aspectos subjetivs,vividos, concretos, situados, da cexperiéncia de tempo da crianca E precisamente 0 carster situacional, singular, nico, concreto da experiéncia Vivida -'0 aqui e © agora - que a anise fenomenolégica procura destacar. A ané- lise fenomenologiea foge dos unversis © abstratos do conhecimento cientifico, conceitual, para se focalizar no concreto ‘eno histérico do mundo vivido. A anal se fenomenolégica é, assim, profunda- mente pessoal, subjetiva,idiossincrétia Em seus momentos mais reveladores, ela € comovedoramente poética. Ela revela mais por evocar e sugerir do que por mostrar @ convencer Na teorizagio sobre curriculo, a ani se fenomenolozia tm sido requentemen- te, combinada com duas outras estratégias de investgacio: a hermenéutica e a auto- biograia. Por exemplo, Max van Manen, jt citado, pratica aquilo que ele chama de “hermenéutica fenomenologica”, uma abordagem que’ combina as estratégias da descrigho fenomenoldgica com as es- tratégias imerpreeatvas da hermenéutica a” De forma geral, a hermendutica, tal como desenvolvida modernamente por autores como Gadamer, destaca, em contraste ‘com a suposta existéncia de um significa: do Unico e deverminado, a possbilidade de miltipla interpretacdo que tam os textos ~ entendidos, aqui, no apenas como © texto escrito, mas como quale {quer conjunto de significados. Embora a fenomenologia, tal como definida origi- nalmente por Husserl, estoja centrada numa descrigdo das coisas tais como elas fo, ela também envolve, em citima and lise, a utilizagio de uma gama de estraté- gias incerpretativas. ia autobiografia tem sido combinada com uma orientagio fenomenolégica para enfatizar os aspectos formativos do cur- riculo, entendido, de forma ampla, como experiéncia vivida. Em alguns autores, como Wiliam Pinar, por exemplo, recor- esse também a recursos analiticos da psicanalise. Nessa perspectiva, o método autobiogrifico nos permitiria investigar as formas pelas quais nossa subjetividade identidade sio formadas. William Pinar ecorre etimologia da palavra curriculum para darclhe um sentido renovado. Ele destaca que essa palavra, significando ori- Binalmence “pista de corrida”, deriva do “a verbo currere, em latim, correr. €, antes de tudo, um verbo, uma atividade © no tuma coisa, um substantive, Ao enfatizar © verbo, deslocamos a énfase da “pista de corrida” para 0 ato de “percorrer a pista’. E como atividade que 0 curriculo deve ser compreendido - uma atividade ue nao se limita a nossa vida escolar. edu- cacional, mas & nossa vida inteira Em oposicio tanto is perspectivas tra- dicionais quanto as perspectivas criticas macrossociolégicas, o método autobiogr’- fico, na visio de Pinar, permite focalizar © concrete, o singular, 0 situacional,o hist rico na nossa vida. Ele permite conectar 0 individual 20 social de uma forma que as utras perspectivas nio fazem. O método autobiogrifico nko se limita a desvelar os momentos @ 0s aspectos formativos de nossa vida, sobretudo de nossa vida edu: cacional © pedagogica: ele proprio cem tuma dimensio formativa, autotransfor~ maciva, Em ultima andlise, ac menos na linguagem dos anos iniciais de desenvo: vimento da perspectiva autobiogrifica, 2 aurobiografia tem um objetivo libertador, emancipador. Ao permitir que se fagam conexdes entre © conhecimento esco: lar, a historia de vida eo desenvolvimento incelectual e profissional, a autobiografia contribui para a transformagio do pré- prio ev. Na perspectiva da autobiogra- fia, uma maior compreensao de si implica lum agit mais consciente, responsivel © comprometido. Tal como a perspectiva mais gerat de anilise fenomenolégica do curriculo, a au- ‘tobiografia, como uma visio epistemolbgi- cc que vai contra as formas racionalistas de conhecer das ciéncias socials, nfo com= bina bem com a forma como © curriculo oficial esta organizado, isto &, em torno de _matérias ou disciplinas. Talvez seja por isso. que os exemplos dados nessa literacura tendam a se referir a area de formacio docente. William Pinar, por exemplo, su gere que se examine autobiograficamente nossa vida escolar e educacional: como foi nossa experiéncia educacional quando tentramos na escola; quais episédios lem- bramos: quais nossos sentimentos nesses episédios: quais as conexdes entre nosso ‘eu e 0 conhecmento formal? Por seu ‘cariter aucotransformativo, essa inves tigacio autobiogréfica seria extremamen- te importante ro processo de formacio. docente, A literatura autobiografica é menos clara no que se refere & aplicacto, do método autobiogrifico & educagio de criangas e jovens. Pode-se imaginar como, a autobiografia poderia ser utiizada como lum recurso educacional nesse nivel edu- ccacional, mas fica dificil pensar na auto- biografia como uma abordagem dnica do processo curricular. Leituras MARTINS Joel Un efoqueenamenokipc do cr- ‘uo: educaczo como poess. So Palo: Cores, 1992 DOMINGUES, José Lote “Intrestes humanes & paradigms curcures", Revises brass do stds pacigicos 67158) 986: p 351-46. A critica neomarxista de Michael Apple (© inicio da critica neomarxista 4s teo- rias tradicionais do curriculo e a0 papel Ideoldgico do curricula esti fortemente Identifcado com o pensamento de Michael ‘Apple. Trabalhos anteriores, como os de Althusser e Bourdieu, por exemplo, titham estabelecido as bases de uma critica radi- ‘al educagio liberal, mas nfo tinkam pro- priamente tomado como foco de seu questionamento 0 curriculo e © conheci= ‘mento escolar, Apple aproveita-se dessas critcas € de outras tradicoes da teoriza- ‘¢lo social critica mais ampla (Raymond Williams, por exemplo), para elaborar uma anilise critica do curriculo que iria ser rmwico influente nas décadas seguintes. Apple toma como ponto de partida os ‘elementos centrais da critica marxista da sociedade. A dinamica da sociedade capi- talista gira em torno da dominacio de classe, da dominacio dos que detém o con- ole da propriedade dos recursos mate- rials sobre aquoles que possuem apenas sua forga de trabalho. Essa caracterstica «da organizacio da economia na sociedade ‘apitalista afeta tudo aquilo que ocorre em 45 coutras esferas sociais, como a educagio © a cultura, por exemplo. Hi, pois, uma re- Iagfo estrutural entre economia @ educa. ‘fo, entre economia e cultura, Nos termos da terminologia introduzida por autores como Bernstein e Bourdieu, his um vincu- Jo entre reproducio cultural e reprodu- ‘elo social. Mais especificamente, hi. uma clara conexio entre a forma como a eco- ‘nomia estd organizada e a forma como 0 ‘curriculo estd organizado. Para Apple, entretanto, essa igacio no 6 uma ligagio de determinagéo simples & direta, A preocupacio em evitar uma con= copcio mecanicista ¢ determinista dos vineulos entre producto @ educagio [a cestava presente em seu primeiro livro, Ideologia e curriculo, publicado pela primet- +a ver nos Estados Unidos em 1979, mas ‘la ira se cornar ainda mais forte nos seus livros posteriores. Basicamente, para ele, io € suficiente postular um vinculo en- tre, de um lado, as estruturas econémi- case sociais mais amplas e, de outro, a educacdo € o curriculo. Esse vinculo & mediado por processos que ocorrem no campo da educagio e do curriculo e que sho a ativamence produzidos. Ele é me- diado pela agiohumana, Aquilo que ocor- re na educagio e no curriculo ni pode ser simplesmente deduzido do funciona- mento da economia, E essa preocupacio que leva Apple 2 recorrer ao cenceito de hegemonia, tal ‘como formulado por Antonio Gramsci ¢ desenvolvide por Raymond Williams. Eo conceito de hegemonia que permite ver ‘© campo social como um campo contes- tado, come um campo onde 0s grupos dominantes se veem obrigados 2 recor- rer a.um esforco permanente de conven cimento ideolégico para manter sua dominagao. € precisamente através des- se esforgo de convencimento que a do- minagio econdmica se transforma em hegemonia cultural, Esse convencimento atinge sua maxima eficicia quando se transforma em senso comum, quando se naturaliza. © campo cultural nfo 6 um sim- ples reflexo di economia: ele tem a sua propria dinimica. As estruturas econd- micas nfo sio suficientes para garantir a cconsciéneia; a consciéneia precisa ser con- ‘uistada em seu préprio campo. E com essas elementos, acrescidos de elementos tomados de empréstimo a autores como Pierre Bourdiou, Basil Bernstein e Michael Young, que Michael Apple vai colocar 0 currculo no centro das teorias educacionats crticas. Con- crapondovse 3s perspectvaseradcionis sobre currlculo, Apple vé 0 eurrieulo O carticulo esta esretamente relaciona- do as estruturas econémicas @ sociais mais amples. © curriculo no 6 um corpo neutro, inocencee desiteressado de co- mentos. Contrariamente 20 que {upBe o modelo de Tyler, por exemplo,o currieulo ndo 6 organizado através de um processo de seleqio que recorre 4 fon- tes imparcais da flosofa ov dos valores supostamente consensual da socedade. © ‘conhecimento corperficado no eure- culo € um conhecimento pareuar. A se- legio que constitui 0 curriculo 6 0 resultado de um processo que reflete os inceresses parcclares das estes gru- os dominantes Na andlse de Apple, a preocupacio ro 6 com a valdade epistemoligca do onhecimento corporiicado no curveuo [A questio nfo 6 saber qual conhecimen- to € verdadeiro, mas qual conhecmento considerad verdadero, A preocupacio é com as formas ls quai carts conhe- timentos sio considerados como legit tmos.em dewimento de outros, tos como he iegtimos. Nos modelor traticionais, o conhecimento existente € comado como ado, como inquestionivel. Se existe al um questionamento, ele nio vai além de critriosepistemolégicos extreitor de ver~ dada @ kidade. Camo consaquincia, os modelos técnicos de curricula limiam- se. questio do “como” organizar 0 cur- riculo. Na perspectva politica postulada por Apple, a questio importante é, a0 in- ves disso, a questdo do “por qué" Por que esses conhecimentos ¢ no outros? Por que esse conhecimento & considerado importante @ aio outros! E para evitar que exze “por que” seja respondido sim- plesmente por critérios de verdade efal- sidade, € extremamente importante perguntar: “trata-se do conhecimento de quem? Quaisinteresses garam a sele- Go desse conhecimento particular? Quais so a8 relagBes de poder envolvidas no processo de selecio que resulou nesse curriculo particular? No que concerne ao papel do curricu- lo no processo de reproducto culsural sol es cia incl do currcul este- ve frequantamentedividids entre dae én- fases. De um lado, esavam aquelascrtcas que evfatizavam 0 papel do chamado “cur- rieulo oculto" nessa reproducio. € 0 caso, oar por exemplo, de Bowles © Gintis, que cha- rmaram a atencio para o papel exercido pelas relagdes socials da escola no pro- cesso de reprodugio social. E 0 caso tam- bem de Bernstein, que centrou sua andlise menos naquila que & transmitide, « mais ra forma como é transmitido, De outro, situam-se aquelas criticas que deram mais importincia a0 curriculo expl to, oficial, 20 “contatido” do curricul. Pode-se dizer que este foi o caso de Althusser, a0 menos na primeira parte de seu ensaio sobre a ideologia e os apa- relhos ideolégicos de estado. Apple pro- cura realizar uma andlise que dé igual Importancia aos dois aspectos do curri= culo, embora se possa notar uma énfase ligeiramente maior no seu contetido ex plicito, naquilo que ele chama de “curri= culo oficial”, Ele considera necessirio examinar tanto aquilo que ele chama de “regularidades do cotidiano escolar” quanto © curriculo explicito; tanto 0 ens 1no implicito de normas, valores @ disposi= gBes quanto os pressupostos ideologicos @ epistemolbgicos das disciplinas que cons: tituem © curriculo oficial ‘Como boa parte da literatura sociolo ica critica sobre curriculo desse periodo inical, Apple colocava uma grande énfase, ‘em Ideologia e curriculo, no processo quea escola exerce na distribuigo do conheci- mento oficial. A suposigio € de que a es- cola simplesmeree transmite e distribu 0 conhecimento que & produzido em algum ‘outro lugar. Apple, entretanto, concede um papel igualmenceimportante d escola como produtora de conhecimento, sobretudo daquilo que ele chama de “conhecimento téenico”, O “coahecimento técnico” relar dlona-se diretamente com a estrutura e ‘0 funcionamento da sociedade capitalis- ta, uma vez que se trata de conhecimento relevance para 2 economia e a producio. CObviamente, essa producio se dé princi- palmente nos niveis superiores do siste- ma educacional isto é, na universidade. Mas na medida em que os requisitos de entrada na universidade pressionam os curriculos dos outros niveis educacionais, esses curriculos refletem a mesma énfa- 0”. E esse se no “conhecmento téc tipo de conhedmento que acaba sendo visto como tendo prestigio, em detri- mento de ouwras formas de conheci- mento, como © conhecimento estético ¢ artistico, por exemplo, Trata-se de mais um dos mecanismos pelos quais 0 curriculo se liga com 0 proceso de re- producio cultural e social Em seu primeiro lio, Ideologiae cur- riculo, Apple, em consonsncia com 0 pa- radigma mardsta adotado, enfatzava 35 relagées soca de classe, embora admi- tindo, talver secundariamente,aimportin- cia das relagoes de género € raga no processo de reprodugio cultural e socal exercido pelo curriculo. A importancia atribuida a essa diferentes dinimicas ria se tornar mais-equilbrada nos livros pos- teriores. © que se manteria,entretanto, era uma comum preocupacio com 0 poder. © que torna sua andlise “politica” 6 precisamence essa centralidade atri- buida as relagdes de poder. Curriculo © poder ~ essa € a equacio basica que es- cruura a critica do currculo desenvoli- da por Apple. A questio bisica é a da conexio entre, de um lado, a producto, Aistribuigio e consumo dos recursos materials, econémicose, de outro, a pro- ducto, distribuigio e consumo de recur. sos simbélicos como a cultura, 0 conhecimento, a educagio € 0 currcule, Como vimos, ji em seu primeiro lvro Apple procurava construir uma perspec- tiva de anise critica do curriculo que inchisse as meddsées, a coneradicdes € ambiguidades do processo de reprodu- co cultural e social, Eneretanto, apenas 48 com 0 desenvolvimento posterior da tao- ritacho crea & que as contradicdese re. siseéncias iriam ganhar um papel mats destacado, Ao dar énfase 20 conceto de hegemonia, Apple chama atencio para o fato de que a reproducio social nfo ¢ um processo tranquilo © garanddo. As pes. Sas precisam ser convencidas da dese. inbilidade @ legltimidade dos arranjos soci extents. Mas esse convencimen- to ro sedi sem oposicio, confito e re sistencia, € precisamente esse eariter conflagrado que caracteriza um campo cultural como 0 do currcuio, Como uma luta em torno de valores, signifeador © propésitos soci, o campo socal ecu tural € feito nfo apenas de imposicio ¢ dominio, mas também de resistencia @ posi, A descrgio do curricula como sendo também um campo de resisténea estd apenas exbocada em Ideologae cur- riculo. El sera ceforcada posteriormente por influénea,principalmente, da pesquisa de Paul Wilisrelatadanolvro Aprenden- 0a ser trabahador. fim suma, na perspectia de Apple, 6 currculo nso pode ser compreendido -¢ transformado = se no fermos pergun- tas fundamentals sobre suas conexées com relagBes de poder. Como as formas 9 de divisio da sociedade afetam 0 curri= culo? Como a forma como @ curriculo processa 0 conhecimento e as pessoas ccontribui, por sua vez, para reproduzir aquela divisio? Qual conhecimento - de quem ~ ¢ privilegiado no curriculo? Quais grupos se beneficiam e yusis grupos sto Prejudicados pela forma como o curricu- 4o esti organizado? Como se formam re- sisténcias e oposigdes 20 curriculo oficial? Ao enfatizar essas questOes, Michael! Apple ccontribui, de forma importante, para poli- tizar a teorizacio sobre curriculo, Letturas APPLE, Michao.Ideologi e curiculo. Sto Paulo Brasense, 1982 APPLE, Michael. "Vendo a educscio de forma ‘elicional clase eeaeora ma seciclogia do co nhecimento escolar (1), 1986: 19-34, Edueacio ¢ resldade APPLE, Mchas. “Curriculo © poder” Educacto-€ realidad, 142), 1989p. 46-57. APPLE, Michael. Edcaclo e poder, Porto Alegre Artes Médias, 1989, MOREIRA Antonio Flavio B. A contrbuicio de Michael Apple para desenvolvimento de una teoria curricular erica no Bras. Frum educa onal, 1985, 13 (4), 17-20, © curriculo como politica cultural: Henry Giroux Entre os autores que, nos Estados Unidos, ajudaram a desenvolver uma ceo- rizaglo critica sobre curriculo, destaca-se, sem divida, a figura de Henry Giroux. Embora iniciando um pouco mais tarde do que Michael Apple, Giroux contribuiu de forma decisiva para tracar 0s contor- nos de uma teorizagio critica que iria, depois, florescer de modo talver ines- perado. Tal como fizemos com Michael ‘Apple, vamos nos restringir aqui a fazer uma sintese das teorizagées © conceitos desenvolvidos em sua primeira fase. Giroux tem se voltado, desde entio, para teméti- cas @ diregdes que algumas vezes pare- ‘cem um canto distantes daquelas nas ‘quais se concentrava inicialmente, nisso diferindo bastante de Apple. Nos seus Lkimos livros, Giroux tem se preocupa- do cada vez mais com a problemitica da cultura popular tal como se apresenta no cinema, na misica e na televisio, Embora sempre em conexio com a questio pe- ddagégiea © curricular, suas analises pare- ‘cem ter se tornado crescentemente mais, ceukurais do que propriamente educacio- nals. Além disso, seus Gltimos escritos incorporam, embora de forma limitada € contida, as recentes contribuigées do pos-modernismo e do pos-estruturaismo. A sintese que se segue baseia-se, pois, nos seus primeiros livros: (deology, culture, and the process of schooling (1981) e Theory and resistance in education (1983) Tal como ocorreu com outros auto- es dessa fase inicial, também a critica de Giroux esteve centrada, nesse momen- to, numa reacdo as perspectivas empiri- eas @ técnicas sobre curriculo entio dominantes. Utilzando-se de conceitos de- senvolvidos pelos autores da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Marcuse), Giroux ataca a racionalidade técnica © utlitaria, bem como 0 positivismo das perspectivas dominantes sobre curricu- lo, Na anilise de Giroux, as perspectivas dominantes, 20 se concentrarem em cri- trios de efciéncia e racionalidade buro- critica, debeavam de levar em consideracao © eariter histérico, ético e politico das agbes humanas e sociaise, particularmer: 12, no caso do curriculo, do conhecimen- to. Como resultado desse apagamento do cariter social € histérico do conhecimen- to, as teorias tradicionais sobre curriculo, assim como © préprio curricula, contr buem para a reproduclo das desigualda- des e das injusticas sociais. (© desenvoivimento das teorias criti- cas sobre curriculo, como vimios, esteve estreitamente igado ~ em contraposicio. ‘a0 empiricismo e a0 pragmatismo vulgar das perspectivas tradicionais ~ a usliza- ‘io da teoria social critica mais ampla Giroux foi, entretanto, talvez um dos pou- cos autores a se utlizar, nessa fase, dos insights tedricos dos investigadores da Escola de Frankfurt. Giroux se inclinava, esse momento, para uma posisio que ‘era claramente tributiria do marxismo, mas ele queria evitar, a0 mesmo tempo, ‘uma identifieagao com a rigidez econo- micista de certos enfoques marxistas, A produgio teérica da Escola de Frankfurt, ‘com sua énfase na dindmica cultural e na critica da razio iluminista € da racionali- dade técnica, ajustava-se perfeitamente a esse objetivo A Escola de Frankfurc for- rrecia uma critica 4 epistemologia implici- 1a na racionalidade técnica que podia ser prontamente aplicada 4 critica tanto das perspectivas dominances sobre curricu- To quanto 20 préprio curriculo existente. No momento em que Giroux comeca ‘a escrever js estavam em circulacio as teo- rizagBes que teriam, depois, tanta influén- cia sobre a teoria educacional critica: a critica da ideologia de Althusser: a critica cultural de Bourdieu e Passeron; o princi- pio da correspandéncia de Bowles © Gintis. Giroux, tal como Apple, nfo estava satisfeito com a rigidez estrutural € com ‘as consequéncias pessimistas dessas teo- rizagbes, Seu trabalho inicial iria se con- entrar, em boa parte, no desenvolvimento de uma cuidadosa critica dessas perspec- tivas, bern como no esbogo de alternati- vas que pudessem superar aquilo que ole via como falhas © omiss6es dessas ceorias, Assim, por exemplo, ele criticava Bowles € Gintis pelo carater mecanicista e deter rminista de seu principio da correspondén- cia que nfo deixava nenhum espaco para a mediagio e a agio humanas. Nesse mo- delo, aquilo que ocorria na escola e no curriculo estava determinado, de antemo, pelo que acontecia na economia € na pro- dugio. Por outro lado, a teorizacio que Bourdieu @ Passeron faziam do processo de reproducio cultural e social dava um peso excessive.& dominagio e a cultura dominante, eff detrimento das culturas dominadas e de processos de resistencia, 52 Giroux ¢ igualmente critico, entre- tanto, daquelas vertentes da critica educacional que se inspiravam mais na fenomenologia e nos modelos interpre ativos de teorizacio social do que nos diversos estruturalismos. Come deserevi outro capitulo, uma das correntes do movimento de reconceptualizacio da teorizagio curricular, nos Estados Uni- dos, estava centrada no estudo fenome- nolégico das compreensées que as préprias pessoas que participam da cena ‘educacional tém de seus atos e significa dos. Na Inglaterra, uma parte importan- te da chamada “nova sociologia da educagao” também estava preocupada fem desenvolver anilises que levassem fem conta as formas pelas quais estudan- tes @ docentes desenvolvem, através de processos de negociacio, seus préprios significados sobre 0 conhecimento, 0 ‘urticulo ¢ a vida educacional em geral. © que estava em jogo, na perspectiva dessas anslises, era a construcio social desses significados pelos préprios agen- tes no espaco da escola e do curriculo, Giroux critica essas anilises por nio da- rem suficiente ou nenhuma atencio as conexées entre, de um lado, as formas ‘como essas construcées se desenvol- ‘vem no espaco restrito da escola e do curricula e, de outro, as relagdes sociais ‘mais amplas de controle e poder. E no conceit de resisténcta, entre- tanto, que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma teorizacio critica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o curri- culo. Giroux esteve preocupado, nessa fase inicial, em apresentar uma alterna- iva que superasse 0 pessimismo e 0 imobilismo sugeridos pelas toorias da reproducio. Ele ja fala aqui numa "peda- ‘gogia da possibiidade” — um conceito que vai se tornar central as teorizagbes de sua fase intermedidria. Contra a dominacdo rigida das estruturas econémicas ¢ sociais sugeridas pelo nicleo “duro” das ceorias critcas da reproducio, Giroux sugere que existem mediagSes e aces no nivel da escola e do curriculo que podem traba- lhar contra os designios do poder e do controle. A vida social em geral e a peda- .gogia e 0 curriculo em particular nio sio feitos apenas de dominagio e controle. Deve haver um lugar para a oposigio e = resistencia, para a rebelifo e a subversio. Como outros autores, Giroux 6 ample ‘mente influenciado, nesse aspecto, pela pes quisa do socidlogo inglés, Paul Willis Exaluno do importante Centre for Con: temporary Cultural Studies, da Universidade Birmingham, Paul Wills ira se tornar cox nhecido pela pesquisa relatada no livro ‘Aprendendo azertrabalhador, ambi tntisfeito com © determinismo econémi- co das teorias da reprodugio, Wills quer saber 0 que leva jovens de classe ope: riria 4 yoluntriamente excolher empre- 0s de classe operiria. Para isso, Wilis acompanha um grupo de jovens de cla se operiria de uma escola secundaria em suas atvidades tanto a escola quanto no trabalho, Basicamente, © que Wills argu rmenta € que 0 encaminhamento desses iovens para ocupagBes de classe operd- ra ndo @ 0 simples resultado passvo de uma lei econbmica ou social. Essa des nagéo € ativamente eriada na prépria cultura juvenil operéria, aravés, sobre- tudo, da celebrasto, nessa cultura, de uma masculinidade fortemente associa- da com a culura operiria do chio de fabrica. Infelamente, o resultado final & © mesmo, mis o que Wills vslumbra ai nessa cultura, € um momento ¢ um es- paco de criagio auténoma e atva que poderia ser explorado para uma resis- téncia mais potticamente informada, € essa posiblidade da resisténcia que Giroux vai deserwolver em seus prime!- ros trabalhos. Ele acredita que 6 poss vel canalizar 0 pocencial de resisténcia demonstrado por estudantes © professor res para desenvlver uma pedagogia eum cureulo que tenham um conteido cae ramente politico © que sein crtco das trengas e dos arranjos socials dominan- tes. Ao menos nesta fate, Giroux com- preende 0 curieuo fundamentalmente través dos concetor de emancpacso lberagdo. Novamente, sob fort infuén- cia dos tebricos da Escola de Frankfurs, tle veo processo de emancipagio como um dos objetivos de uma ago social po- lidzada € através de um processo peda- gOgico que perica s pessoas se torarem Consclentes do papel de controle « po- der exercido peas instiuigoes © pelas estraturas sociis que elas poder se tor- nar emancipadas ou libertadas de seu poder e controle “Trés concetos so centrale a esta con- cepcto emancipadora ou Hsertadors do turriculo e da pedagogis:exfera piblca, intelectual transtormador, vor. Tomando de empréstino a Habermas 0 conceit de “esfera publica", Giroux argumenta aque a escola eo currculo devem funcio- far como uma “esfera publica democri- ties” A escola e 0 currculo devem ser locas onde os éstudantestenham a opor- tunidade de éxercer as habiidades de- mocriticas da discussioe d patcpasto, de questionamento dos pressupostos do senso comum da vida social. Por outro lado, 0s professores e as professoras nio podem ser vistos como técnicos ou bu- ocratas, mas como pessoas ativamente envolvidas nas atividades da critica e do questionamento, a servigo do processo de emancipagio e libertagio. Tomando como base a no¢do de “intelectual orgi- nico” de Gramsci, Giroux vé os profes- sores e as professoras como “intelectuais transformadores”, Finalmente, © concei- to de “vo2", que Giroux desenvolveria na {fase intermediiria de sua obra, aponta para a necessidade de construgdo de um espa- 0 onde os anseios, os desejos e os pensa- rmentos dos estudantes e das estudantes possam ser ouvidos e atentamente consi- derados, Através do conceito de “vor”, Giroux concede um papel ative & sua par- ticipagio - um papel que contesta as rela- ‘goes de poder através das quais essa voz ‘tem sido, em geral, suprimida Hi uma reconhecida influéncia de Paulo Freire na obra de Henry Giroux Por um lado, a concepcio libertadora de educagio de Paulo Freire e sua nocio de acio cultural forneciam-the as bases para o desenvolvimento de um curricu- loe de uma pedagogia que apontavam para 55 posses que estavam ausenes nas t= oriascritcas da reproducio entio predo- minances, Por outro lado, embora Paulo Freire salletasse a importincia da part cipagio das pessoas envolvidss no ato pedagosico na construséo de seus pré- Brios sgnificados, de sua propria cura, tle mio deixava de enfatizar tambérn as extreits conexdes entre a pedagogia © 2 politica, entre a educacto e poder. A critica que Freire faz da “educagfo ban- ciria® @ sua concepgio do conhecimen- to como um ato avo e daltico também combinavam com os esforgos de Giroux em desenvolver uma perspectva de cur- rleulo que contestase os modelos técni- cos entio dominant. Para sintetizar: numa tendéncia que iia ganhar mais impulso posteriormen- te, Giroux vé a pedagogia e 0 curriculo através da nocto de “poltica cultural”. © curriculo envolve a construcio de sighi- fieados e valores culturais. O curriculo ‘io esti simplesmente envolvido com a transmissio de “fatos” e conhecimentos “objetivos”. © curriculo é um local onde, ativamente, se produzem e se criam sig nificados socials, Esses significados, entre- tanto, nio sio simplesmente significados que se situam no nivel da consciéncia pessoal ou individual. Eles estio estreita- mente ligados 2 retagbes sociais de poder fe desigualdade. Trata-se de significados fem disputa, de significados que sao im postos, mas também contestados, Na vistio de Giroux, ha pouca diferenga en- tre, de um lado, 0 campo da pedagogia & do curriculo ¢, de outro, © campo da ‘cultura, © que ests em jogo, em ambos, 6 uma politica cultural Leituras GIROUX. Henry. cos nine pots cutral Sto Paulo: Cortex, 1987, GROUX Henry. Pedigoi raeal Subst Sto Pa vo: Corte, 1983, GIROUX Henry, Teor era eesti em edi ‘fo, Peerdpol: Vores, 1986, 56 Pedagogia do oprimido versus pedagogia dos conteddos Parece evidente que Paulo Freire nio desenvolveu uma teorizacio especifica sobre curricula, Em sua obra, antretanto, como ocorre com outras teorlas peda- gogieas, ele discute questbes que estio relacionadas com aquelas que comumen- te estio associadas com teorias mais pro- priamente curriculares. Pode-se dizer que seu esforgo de teorizagio consiste, 20 ‘menos em parte, em responder a ques- do curricular fundamental: “o que ensi- nar?". Em sua preocupacio coma questio cepistemolégica fundamental (“o que sig nifica conhecer?”), Paulo Freire desen- volveu uma obra que tem implicagdes importantes para a teorizagio sobre 0 curriculo. Além disso, € conhecida sua influéncia sobre as teorizagdes de auto- res e autoras mais diretamente ligados 20 desenvolvimento de perspectivas mais ropriamente curriculares. ‘Aqui, como fizemos com outros auto res, vamos nos restringir aos seus livros inicials, particularmente Educagio como Dritca da iberdade (1967) e Pedagogia do ‘oprimido (1970). Na verdade, € 0 livro s7 Pagosa do oprimido que melhor repre- Senta 0 pensamento pelo qual ele iria se tornar intarmacionalmente conhacido wre conhecido, Edvcaeo como prada hiber- dhe st ainda muito liga 30 pensamento da chamada “ideologia do desenvolien- to" que caracterizva o pensamento de esquerda da época. Em seu primeiro tro, a palavra-chave 6 precisamente, “deren- volvimento", No segundo, a centralidade do conceito de “desenvolvimento” & des- locada pelo de “revolugio". Além disso, of clementos propriamente pedagigicor do pensamento de Freire estio ai pouco de- senvolvidos: metade do lvro & dedicada a uma anise da formagio social bras. Pedagogia do oprimido, por outro lado, difere, em aspectos fundamen, das ov tras teorizagbes que iriam constitur as bases de uma teoria educacional critica (Althusser, Bourdieu e Passeron, Bowles «@Gincs). Em primeiro lugar, dferenteren- te daquelas teorizagaes, sua anise deve muito mais flosofia do que a sociologia #4 economia politica. E verdade que » anilise que Freire faz da formagio social brasileira na primeira parte de Educagio ‘como pritica da berdade ¢ profundamente historia e sociologiea. Jf aandlise que Freire {faz do processo de dominagio em Pedago- ‘gi do oprimidoesta baseada numa dialética hegelana das relagdes entre senhor e servo, ampliada e modticada pela letura do “pri- rmeiro Marx", ¢o marxismo humanista de Erich Fromm, da fenomenologia existen- cialisea e ristd e de crticos do processo de dominagio colovial (Memmi, Fancn). 0 foco est, aqui muito menos na dominagio como ‘um reflexo das relacdes econémicas © mul ‘to mais na dinimiea propria do processo de dominagao. Em segundo lugar, as eriticas sociol6- gicas da educagio tomam como base a estrutura e 0 funcionamento da educa- ‘do institucionalizada nos paises desen- volvidos. Esta implicita na anilise de Freire, por sua vez, uma critica & escola tradicio- nal, mas sua preocupagao esti voltada para 0 desenvolvimento da educagio de adultos em pakes subordinados na ordem mundial. Na verdade, em Pedagogia do oprimido, Freire adia a transformacio da educagio formal para depois da revolu- ‘eo, Pode-se dizer ainda que 0s concei- tos humanistas utllizados por Freire em sua andlise esdio claramente ausentes de andlises mais estruturalistas da educagio. Nao se pode imaginar Althusser ou Bourdieu e Passeron falando, como faz Freire em Pedagogia do oprimido e em vos posteriores, de “amor”, “fé nos ho- mens”, “esperanca” ou Finalmente, a teorizagao de Freire & claramente pedagégica, na medida em ‘que ele nfo se limita a analisar como so a educagio e a pedagogia existentes, mas apresenta uma teoria bastante ela- borada de como elas devem ser. Essas diferencas refletem-se inclusive nos ti- tulos dos respectivos livros: enquanto (© de Freire ressalta 0 termo “pedago- gia", 0 livro de Bowles e Gintis, por exemplo, sugere uma anélise da escola nna sociedade capitalista estadunidense, € 0 de Baudelot Establet propée-se, claramente, a analisar a “escola capi- talista na Franca’ A critica de Freire a0 curriculo exis- tente esté sintetizada no conceito de “educagio banciria”. A educagio bane’- ria expressa uma visio epistemologica {que concebe o conhecimento como sen- do constituido de informacbes e de fatos 1 serem simplgsmente transferidos do. professor para’o aluno, O conhecimento se confunde com um ato de depésito - bancario, Nessa concep¢io, 0 conh mento é algo que existe fora e indepen- dentemente das pessoas envolvidas no ato pedagégico. Refletindo aqui a critica mais cientificista ligada a “ideologia do de- senvolvimento”, bem como as criticas & ‘escola tradicional feltas pelos idedlogos da “Escola Nova", Freire ataca o caréter ver~ balista, narrativo, dissertativo do curricu- lo tradicional. Na sua énfase excessiva ‘num verbalismo vazio, oco, © conhecimen- to expresso no curriculo tradicional esté profundamente desligado da situacio exis- tencial das pessoas envolvidas no ato de conhecer. Na concepcio bancéria da edu- eagio, 0 educador exerce sempre um papel ativo, enquanto 0 educando esta li- mitado a uma recepcio passiva. Através do conceit de “educacio problematizadora”, Freire busca desenvol- ‘ver uma concepcio que possa se consti= tuir numa alternativa a concepgic bancéria que ele critica. Na base dessa “educacdo problematizadora” esti uma compreen: sho radicalmente diferente do que sig: ‘ifiea “conhecer”, Aqui, a perspectiva de Freire é claramente fenomenologica, Para ele, conhecimento @ sempre conheci- mento de alguma coisa. Isso significa que ‘do existe uma separacio entre o ato de 59 conhecer aquilo que se conhece. Utili- zando 0 conceito fenomenolégico de “in- tengo", © conhecimento, para Freire, & sempre “intencionado”, isto 6, esti sem- pre dirigido para alguma coisa (© mundo, pois, ndo existe a niio ser como “mundo para nds", como mundo para a nossa consciéncia. Freire esté aqui longe das concepcdes pés-estruturalistas recentes que concebem © conhecimen- to como estreitamente relacionado com suas formas de representagio no texto e no discurso, A representacio implicada ra perspectiva de Freire & a do mundo nna consciéncia. O ato de conhecer en- volve fundamentalmente o tornar “pre~ sente” © mundo para a consciéncia (© ato de conhecer nio &,entretanto, para Freire, umn ato tslado, individual Conhecer evolve intercomunicagdo,in- tersubjetividade, Essa Incercomnicagio € mesinda pelos objtos a serem conhe- cidos. Na concepcio de Freire, 6 através dessa intercomumiagio que o: homens mutuamente se educam, intermediados pelo mundo copnoscivel ess incersub- jetvdade do conhecimenco que permite 2 Freire conceber 0 ato pedagogico como tm ato dilbgice. A edueagao banciris tora desnecessirio o dlogo, a medida ‘em que apenas 0 educador exerce algum papel ativo relativamente ao conhecimen- to. Se conhecer é uma questio de dep6- sito e acumulagio de informacées ¢ fatos, © educando € concebido em termos de falta, de carénca, de ignorancia, relaiva- mente aqueles fatos e Aquelas informagoes. (© curriculo e a pedagogia se resumem 20 papel de preenchimento daquela carén- cia. Em vez do dislogo, hi aqui uma co- municagio unilateral. Na perspectiva da educagéo problematizadora, 20 invés dis- 0, todos os sujeitos estio ativamente envolvidos no ato de conhecimento. O mundo ~ 0 objeto a ser conhecido ~ nto © ato 6 simplesmente “comunicado”’ pedagégico ndo consiste em simplesmen- te “comunicar o mundo”. Em ver disso, educador e educandos criam, dialogica- mente, um conhecimento do mundo, E sobre essas bases que Freire vai desenvolver seu famoso “método". Ele nto se limita a crticar © curriculo implicit no conceito de “educagio bancéria". Freire fornece, i em Pedagogia do oprimido, ins- trucées detalhadas de como desenvolver tum curriculo que seja a expressio de sua concepsio de “educacio problematizado- ra, E curioso observar que Freire utiliza nesse livro express6es e conceitos bas- tante tradicionais, tals come “conteudos” fe “contetdos programiticos”, para falar sobre curriculo. Ele esté bem conscience, centretanto, da necessidade do desenvol- vimento de um curriculo que esteja de acordo com sua concepgio de educacto fe pedagogla, A diferenca relativamente 3s perspectivas tradicionais de curriculo ests nna forma como se constroem esses “con- tetidos programaticos”. Pode-se comparar, nesse aspecto, © método sugerido por Paulo Freire, com fos métodos seguidos por modelos mais tradicionais, como o de Tyler, por exem- plo. Tyler sugeria estudos sobre os apren- dizes e sobre a vida ocupacional adulta ‘bem como 2 opiniso dos especialstas das diferentes disciplinas como fontes para 0 desenvolvimento de objetivos educacio- nals, tudo iss0 fitrado pela filosofia e pela psicologia educacionais. Na perspectiva de Freire, 6 a prépria experiéncia dos edu- ‘eandos que se torna a fonte priméria de busea dos "temas significativas” ou “eernas geradores” que vio constituir © “conte do programitico” do curriculo dos pro- gramas de educagio de adultos. Freire no nega © papel dps especialistas que, inter disciplinarmente, devem organizar esses a . -_ “contetide” @ sempre resultado de uma pesquisa no universo experiencial dos pré- prios educandos, os quais sio também ati- ‘vamente envolvidos nessa pesquisa Contrariamente & representacio que comumente se faz, Paulo Freire concede uma importancia central, em seu “méwo- do", a0 papel tanto dos especialstas nas diversas disciplinas, 20s quais cabe. 20 f ral, elaborar os "eemas signficativos” efa- zer 0 que ele chama de “codificagio”, ‘quanto aos educadores diretamente en- volvidos nas atividades pedagogicas. Ao menos em Pedagogia do oprimido, Paulo Freire acredita que 0 “conteiido progra- matico da educagio nfo & uma doacio 0 imposi¢io, mas a devolucio organiza- da, sistematizada e acrescentada a0 povo daqueles elementos que este the entre- gou em forma desestruturada”. © que ele destaca 6 a participagio dos educandos nas varias etapas da construcdo desse “eurriculo programatico”. Numa opera- Glo visivelmente curricular, ele fala em escolha do "contedido programatico”, que dove ser feita em conjunto pelo educa dor © pelos educandos. Esse contetido programatico deve ser buscado, con- junamente, naquela realidade, naquele mundo que, segundo Freire, constitul 0 ‘objeto do conhecimento intersubjetivo Vimnos que a epistemologia que funda mena a perspectva curricular de Freire est centrada numa visio fenomenolog- ca do ato de conhecer como “conscién- cia de alguma coisa", essa conscénci, qa Incl a conseiéncia no apenas das coisas e das préprasatvidades, mas tam bém a consciéncia de si mesmo, que distingue © ser humano dos animas. € igualmence central 4 sua epistemologi, entretanto,aquilo que ele chama de “eon- cto antropolégco de culnura, Iso sig nica entender 3 cultura, em oposigio § natureza, como criagio e producio hu: mana, Nessa concepcio de cultura, no se faz uma distingdo entre cultura erud 12 ¢ cultura popular, entre “ala” e “bai 1a” cultura. A cultura no & defnida por qualquer critrio estétco ou filosdfico. A cultura € simplesmente o resultado de qualquer crabalho humano, Nesse senti do, faz mas sentido falar nio em “cul ra, mas em “cukuras. © desenvolvimento dessa nocio de cultura tem importantes implicagoes cur- rieuares. Embora Freire nio desenvolva esse tema, 0 curriculo tradicional ~ hu tmanista,clissico ~ que dominow a edu cagio dos grupos dominantes por um fongo tempo, esch baseado precisamente numa definigdo da cultura como © conjun- to das obras de “exceléncia” produzidas no ‘campo das artes visuals, da liceratura, da m= sca, do teatro. Mesmo que implicitamente cera erties de conceito de cultura permite 4 Paulo Freire desenvolver uma perspecti- va curricular que, antecipando-se a influén- cia posterior dos Estudos Culturais, apage as fronteiras entre cultura erudita e cultura popular. Essa ampliagso do que constitu cultura permite que se veja 2 chamada “euleura popular” como um conhecimen to que legitimamente deve fazer parte do curriculo. Se Paulo Freire se antecipou, de certa forma, 4 definigio cultural do curriculo {queria caracterizar depois ainfluéncia dos Estudos Culturais sobre os estudos cur- riculares, pode-se dizer também que ele inicia © que se poderia chamar, no pre gente contexte, de uma pedagogia pos- colonialista ou, quem sabe, de uma perspectiva pos-colonialsta sobre curri- culo. Como se sabe, a perspectiva pos- ‘colonialist, desenvolvida sobretudo nos testudos lteririos, busea problematizar as relagdes de poder entre os paises que, ra sievagio anterior, eram colonizadores feaqueles que eram colonizados. Essa pers- pectiva procura privilegiar a perspectiva epistemolégica dos povos dominados, sobretudo da forma como se manifesta fem ua literatura. Ao se concentrar na perspectiva de grupos dominados em paises da América Latina e, mais tarde, nos paises que se tornavam independentes do Fominio portugues, Paulo Freire anceci- pana pedagogia€ no curriculo, alguns dos ‘temas que iriam, depois, se tornar centrais 4 teorla pos-colonialista. A perspectiva de Freire era ja em Pedagogia do oprimido, cl ramente pés-colonialista, sobretudo em ‘ua insisténcia no posicionamento episte- mologicamente privilegiado dos grupos dominados: por estarem em posicio do- iminada na estrutura que divide a socieda- dde entre dominantes e dominados, esses ‘grupos tinham um conhecimento da do- minagSo que os grupos dominantes no podiam ter. Numa era em que 0 tema do mnulticuleuralismo” gana tanta centratidar de, essa dimensio da obra de Paulo Freire pode talvez servir de inspiracio para o de- Senvolvimento de um curriculo pés-colo~ rilista que responda as novas condigbes de dominacio que caracterizam a “nove ‘ordem mundial © predominio de Paulo Freire no cam po edueacioréil brasileiro seria contesta- fo, no inicio dos anos 80, pela chamada “pedagogiahisbrico-crtca” ou “pedago- gia critico-social dos contetidas”, desen- volvida por Dermeval Saviani. Tal como Freire, Saviani no pretendia estar ela borando propriamente uma teorla do curriculo, mas sua teorizagio focaliza questées que pertencem legitimamente a0 campo doz extudos curriculares. Em ‘oposicio a Paulo Freire, Saviani faz uma nitida separagio entre educacio e polit ca, Para ele, uma pritica educacional que rio consiga se distinguir da politica per- de sua especificidade. A educacio tora se politica apenas na medida em que ela permite que as classes subordinadas se apropriem do conhecimento que ela transmit como um instrumento cultu- ral que sera usiizado na luta politica mais ampla. Assim, para Saviani,a tarefa de uma pedagogia critica consiste em transmitir aqueles conhecimentos universais que so considerados como patriménio da humanidade e no dos grupos socials que deles se apropriaram. Saviani critica tan- to as pedagogias ativas mais liberals quan- to a pedagogia libertadora freireana por enfatizarem no a aquisicio do conheci- ‘mento mas os métodos de sua aquisicio. Hi, na teorizagio de Saviani, uma evi- dente ligacio entre conhecimento e po- der. Essa ligagdo limita-se, entretanto, a “ eefaizar 0 papel do conhacimenco amuse efortlecineno do poder das Chaser sobordinaas. Neste sentido, a peda de Savani aparece como n= ta derveas petgopes cries dar dover qulqerconerio vise tre cocina poder, Prs Sv o conhesimonto& 0 cure do poder A ands de Savini do salsa em mes tro com as andes maxis, dota tum dyes, que enftizvar o carter necesaramenes dorado eolico go conhemeto, de modo geal 0 Conecimento escolar, de md part cular. No contexto das ane Sunda, segundo Fouts, un nex qaefo curricular de Savian parece Vetvemente deca, No ite exc ttandose ua evident ieee crea, ate ver como ator cra dt chamadn"pedaggi dos condos po. petigngh Iberador ria, ci tow doar no aor do carpe ec do carrcl. Embora sua tne thames diminio, comin ineivelnent,inporane Leituras FREIRE, Paulo, Agio cultural para a iberdade. Ri: Paz Terra 1976 REIN, Paulo, Edueso como pritca d iberdade Rio Pave Terra, 967. FREE Paulo, Pedagri do oprimido Ro: Paz Te 12,1970, ‘GADOTT Moacir. Paulo Freire. Uma biobibografs ‘Sho Pauo: Cortelinsituco Paulo Freire. 1996, MOREIRA, Antonio flavio® Curlculs programas ‘po Bras Campinas Paps, 1990 SAVIANIL Dermeval Escola edomocracia Sto Pale ‘CortexiAucores Assoriados, 1983 © curriculo como construcao social: a “nova sociologia da educacéo” A critica do curriculo na Inglaterra, di ferentemente do que ocorria nos Estados Unidos, dava-se a partir da sociologia. O livro Knowledge and control, publicado em 1971, marea 0 inicio dessa critica, através daquilo que passaria a ser conhecido como “Nova Sociologia da Educagio” (NSE). Este livro, organizado por Michael Young, que seria, reconhecidamente, 0 lider desse “movimento”, reunia, além de um ensaio do préprio Michael Young, ensaios eseri- 106 por Pierre Bourdieu © Basil Bernstein, bem como ensaios de outros autores, vé- Fios dels ligados ao Instituto de Educacio dda Universidade de Londres. Se nos Estados Unidos a critica tinha como referéncia as perspectivas tradicio- rais sobre curriculo, na Inglterra a re- feréncia era a “antiga” sociologia da ‘educacio. Essa sociologia seguia uma tra- digio de pesquisa empirica sobre os re sultados desiguais produzidos pelo sistema ‘educacional, preocupando-se, sobretudo, ‘com 0 fracasso escolar das criancas e jo- vyens da classe operiria, Por sua énfase lempirica e estatistica, essa sociologia era chamada, pelos criticos, de “aritmetia". A principal critica que a NSE fazia a essa so- ciologia aritmética era que ela se concen- tava nas variéveis de entrada (classe social, renda, situacio familar) e nas varidvels de salda (resultados dos testes escolares, su- cesso ou fracasso escolar), debxando de problematizar 0 que ocorria entre esses dois pontos. Mais particularmente, a anti 4a Sociologia nio questionava a natureza do conhecimento escolar ou o papel do proprio curriculo na produgio daquelas desigualdades. O curriculo tradicional era simplesmente tomado como dado ¢, por- tanto, como implicitamente aceitivel. © que importava era saber se as criancas @ jovens eram bem-sucedides ou nio nes: se curriculo. Nos termos da NSE, a preo- cupagio era com © processamento de pessoas € no com 0 processamento do conhecimento. ANSE, entretanto,impliciamente tam. bem desafiava uma outra tradicio do pen: samento educacional briténico, aquela representada pela filosofia educacional analitica de autores como P. H. Hirst © R.S. Peters. Esses autores defendiam uma posicio basicamente racionalista do cur- lo, argumentando em favor de um curriculo que estivesse centrado no de- senvolvimento do pensamento conceitual Para essa finalidade, © curriculo deveria se centrar om "formar de compreensio” ‘que, embora nio fossem definidas exata- mente em termos das disciplinas acadé- micas, coineidian, em grande parte, com elas. A perspectiva de Hirst e Peters cen- trava-se num conhecimento universalis- ta, conceptual e abstrato. Ao enfatizar 0 carter arbitrério daquilo que passa por conhecimento, a NSE colocava em ques ‘Ho também essa concepsio filosofica da educagio e de curriculo. (© programa da NSE, tal como formu- lado por Mickael Young, na introducio a0 livre Knowledge and control, tomava como ponto de partida o desenvolvimen- to de uma sociologia do conhecimento. A tarefa de uma sociologia do conhe mento, nessa visio, consistria em desta- car 0 carater socialmente construido das formas de consciéncia e de conhecimen- to, bem como suas estreitas relagoes com estruturas socials, institucionais & econémicas. Nesse sentido, no quadro teérico tracado por Young, a sociologia do conhecimento escolar praticamente coincidiria com a sociologia mais geral do conhecimento, ‘A tarefa mais imediata de Knowledge and control consistia, entretanto, em deli- near as bases de uma “sociologia do cur- rieulo”. Young critica, na intraducko, a tendéncia a se tomar como dadas, como. naturais, as categorias curriculares, peda~ agogicas e avaliativas utiizadas pela teoria ‘educacional e pelos educadores. A tarefa de uma sociologia do curriculo consisti- ria precisamente em colocar essas cate~ gorias em questio, em desnaturalizé-las, ‘em mostrar seu cardter histérico, social, contingente, arbitrério. Diferentemente de uma filosofia do curriculo centrada em questdes puramente epistemolégicas, ‘questio, para a NSE, nfo consiste em sa- ber qual conhecimento € verdadeiro ou falso, mas em saber 0 que conta como cconhecimento, fm contraste com a psi- cologia da aprendizagem, a NSE tampou- co esté preacupada em saber como se aprende, Como argumenta Schaffer, ci tado por Young, a “questio de saber como as eriancas aprendem macematica pressupde respostas 4 questio prévia de ‘quals so as bfses sociais daquele conjun- +0 de signficados que sto designados pelo termo ‘matemética’.” Ao contrério de pers- pectivas criticas mais propriamente peda- _gosicas sobre o curriculo, a NSE tampouco se preocupari em elaborar propostas al- ternativas de curriculo. Seu programa esté centrado na critia sociol6gica e histérica dos curriculos existences. ANSE, no breve programa tragado por Young na introduglo ao livre Know= edge and control, deveria comecar por ver ‘© conhecimento escolar ¢ o curriculo cexistentes como invencdes sociais, como © resultado de um processo envolvendo conflicos @ disputas em torno de quais, conhecimentos deviam fazer parte do curriculo, Ela deveria perguntar como essa disciplina e nfo outra acabou entran- do no curriculo, como esse t6pico e nto outro, por que essa forma de organiza- io © nio outra, quais os valores e os inceresses sociais envolvides nesse pro- 2550 seletivo. De forma mais geral e abs- tata, a NSE busca investigar as conexdes entre, de um lado, os principios de sele- Ho, organizagio e distribuiglo do co- nhecimento escolar e, de outro, os principios de distribuicio dos recursos econdmicos e sociais mais amplos. Em suma, a questio bisica da NSE era a das conexdes entre curriculo © poder, entre “7 a organizag3o do conhecimento e a dis- tribuicdo de poder. ‘As perspectivas apresentadas pelos di- ferentes autores reunidos em Knowledge and control estavam longe de serem homo- géneas, Enquanto as contribuigbes do. préprio Young, de Bourdieu « Bernstein ‘eram claramente estruturalistas, 0s ensaios de Geoffrey Esland e Nell Keddie inspira- vam-se, sobrewdo, na fenomenologia so- iolégica © no interacionismo simbélico. Essa divisio ira se resolver, posteriormen- te, em favor da vertente mais estruturalis- ‘a que se tornaria, allis, crescentemente neomarxista. A perspectiva derivada da fencomenologia ¢ do interacionismo sim- bélico iria perder importancia e visibili- dade, embora continuasse presence como, por exemplo, no trabalho, inspira- do no interacionismo simbélico, de Peter Woods. Young demonstra, em seu proprio ensaio, como se poderia desenvolver ima sociologia do curriculo inspirada nas con cepgées de Marx, Weber e Durkheim Embora ressalte, na introducio ao livre, as conexdes entre os principios de dls tribuigso de poder e as varias fases do proceso de construcio curricular (sele- ‘0, organizacio, distribuigio, avaliacio), Young concentrs-se nas formas de orga~ nizagio do curriculo. A questio, para Young, consiste em analisar quais os prin- cipios de estratificacio e de integracio que governam 3 organizacio do curri- culo. Por que se atribui mais prestigio a certas disciplinas do que a outras? Por que alguns curriculos $0 caracterizados por uma rigida eparacio entre as diver- sas disciplinas enquanto outros permite ‘uma maior integragao? Quais séo as rela- bes entre esses principios de organiza- do eprincipios de poder? Quaisinteresses de classe, profissionais e institucionais es- tio envolvides nessas diferentes formas de estruturacio e organizacio? Mexer nessa organizacio significa mexer com © poder. £ essa estreita relagdo entre orga- nizagdo curricular ¢ poder que faz com ‘que qualquer mudanga curricular impli- que uma mudanga também nos prin- cipios de poder. Em contraste com essa andlise est tural de Young, os ensaios de Geoffrey Esland e Nell Keddie adotam uma postu ra mais fenomenoldgica, De acordo com a tradigio fencmenologica, Esland ataca a Visio objesvists do conhecimento que esta pressuposta nes perspectivas tradicionais sobre o currieulo, Para a perspectiva objetivista, na qual se baseia a divisio do curriculo em matérias ou discipinas, 0 €0- inhecimento esti organizado em “zonas" que correspondem a tpos diferentes de objetos que teriam existéncia indepen dente dos individuos cognoscentes. Na analse fenromenolégiea de Esland, essa vie sio ignora a “ineencionalidade e a expres- sividade da aco humana e todo 0 complexo processo de negociacao inter subjetiva dos significados; ela disfarca como dado um mundo que tem que ser ccontinuamente interpretado”, Esland desenvolve 0 argumento de que 0 curriculo nio pode ser separado do ensino e da avaliagio. Fundamentan- do-se na saciologia fenomenclogica de Mead, Schutz e Luckmann, Esland con- centra-se na forma como 0 conhecimen- to & construido intersubjetivamente na interacao entre professor e alunos na sala de aula, Tal como ocorre em outros lo- ais, a “realidade” € constituida daqueles significados que sio inversubjetivamente construidos na interacio social. & por isso que uma pessoa de “fora” sente-se como um estrangeiro. Assim, na situagio edu- cacional, qualqyer mudanca curricular “objetiva” deve passar por esse proceso. de interpretacto © negociagio em torno dos signficados em que estio envolvidos professores e alunos na sala de aula. na descrigio ¢ explicagio desse conhecimen: {0 intersubjetivo que, na opiniio de Esland, deveria se concentrar uma sociologia do ‘curricula, Embora Esland destaque a im- portincia de ze analizar az vieSer subjeti- ‘vas tanto dos professores quanto dos alunos, ele se concentra, nesse ensaio, no conhecimento dos professores. O proble- sma para ele consiste em tencar compre tender quais sio as perspectivas,entendidas aqui como “visbes de mundo”, que 0s pro- fessores trazem para a sala de aula, bem come aquelas que eles af desenvolvem Dentre os estudos aqui mencionados, © de Nell Keddie € 0 Gnico que tem uma base empirica. A partir de uma perspectiva fenomenolbgica, Keddie argumenta que © ‘conhecimento prévio que os professores tém dos alunos determina a forma como cles irdo tratilos. A capacidade intelectual dos alunos tal como avalads pelos profes- sores acaba sendo decerminada pela epi caglo que os professores fazem doles. Essa ‘ipificacio é determinada, em grande parce, pela classe social dos alunos. Em sua pes- quisa, Keddie chega a conclusdes similares quelas que foram deservolvidas pelas cha rmadas “teorias da rotulacio Embora a NSE nio estivesse preocu: pada em desenvolver as implicacoes pe- dagogicas de seu programa sociol6gico. cessas implicagées so, entretanto, eviden tes. Em primeiro lugar, uma perspectiva ‘curricular inspirada pelo programa da NSE buscaria construir um curricule que refletsse as tradigdes culturais e episte- ‘molégicas dos grupos subordinados e no apenas dos grupos dominantes. Da mes- rma forma, procuraria desafiar as formas de estratificagia e atribui¢io de prestigio ‘existences, como, por exemplo, a que di- vide as ciéncias eas artes. Alem disso, um curriculo que se fundamentasse nos prin- cipios da NSE deveria transferir esses principios para o seu interior, isto é a perspectiva epistemolgica central do conhecimento envolvido no curriculo deveria ser, ela propria, bascada na ideia de “construgio social” © prestigio e a influéncia da NSE, que tinham sido excepcionalmente grandes até © inicio da década de oieenta, dirmi ri bastante a partir dai. Por um lado. © programa mais “forte” de uma “pura” so: lologia do curriculo cedeu lugar a pers pectivas mais ecléticas que misturavan analises sociologicas com teorizagGes mais propriamente pedagogicas. Por outro. a teorizagio critica da educagio que nesse momento se concentrava em torno da NSE iria se dissolver numa variedade de perspectivas analicas © teéricas: feminis- mo; estudos sobre género, raca e etnia, estudos culturais. pés-modernismo: pos- estruturalisme. Além disso, © contento social de reforma educacional e de demo- cratizagio da educagio que tinha consti- tuldo a inspiragio da NSE transformava-se radicalmente, com 0 triunfo das politicas neoliberais de Ronald Reagan, nos Esta- dos Unidos, ¢ de Margareth Thatcher, na Inglaterra. Na verdade, até mesmo o prin- cipal teérico da NSE, Michael Young, aban- donava gradualmente suas pretensoes sociol6gicas anteriores para adotar uma posicio cada ver mals técnica e burocr’- flea, A idela inical da NSE, representada nna nogio de “construcio social”, conti- nua, entretanto, atual ¢ importante. Ela encontra continuidade, por exemplo, nas anilises do curriculo que hoje sio feitas com inspiragio 10s Estudos Culturais © no Pés-estrucuralismo. Leituras FORQUIN, esn-Clasde Escola e cultura. As bases soci epee do contacimart exobr- Porto Alegre: Ares Médias, 1993 KEDDIE, Nel. "O saber na sala de aul. n ergo {Grid eStephen toe (org). Socilaga da ce ek. Aconsocio soc ds pris ebcatvas Lisbos: Horizonte, 1982: p205-244 MOREIRA, Antonio Five B. "Sociologia do curi- culo: origens, desenvolvimento ¢ contribu bes” Em aberte, 1990, 46 p. 73-83. ‘YOUNG, Mica. “Uina abordagem do estudo dos programas enquantofenémenos do conheckrn. te sochimente organiado”. In Sérgio Grico © Stephen Ser (ngs) Scoop d cach [A construgio sacl dapat educates Lsbox. Horizonte, 1982: p.151-87. YOUNG, Michael. "A propésito de una sociologia critica da edveagto” Revie bral de estudos pedagsacos, (157), 1986:p 53237. rc Cédigos e reproducio No contexto da sociologia critica da educagio que se desenvolveu na Inglater- ra. partir dos anos retenta, a obra de Basi Bernstein ocupa uma posiglo singular. Na verdade, embora.o terceiro volume de seu livro Class, codes and control, onde ele ret ne os ensaios tedricos que desenvolvem as bases de sua sociologia da educacko, s6 tenha sido publicado em 1975, ele vinha desenvolvendo as atividades que deram lorigem a esse livro desde 0 inicio da dé- cada de sessenta. Nesses anos todos, Bernstein se manteve fiel a0 seu projeto de desenvolver uma sociologia da educa- lo que girasse em torno de alguns con- ceitos que ele considera fundamentals. Tudo © que ele tem feito & refinar esses conceitos, tornando sua teoria cada vez mais complexa e sofisticada Para Bernstein, o conhecimento edu- ‘eacional formal encontra sua realizagao através de trés sistemas de mensagem - © curriculo, a pedagogia e a avaliacio: "o curticulo define © que conta como co- nhecimento valido, a pedagogia define 0 que conta como transmissio vilida do cultural: Basil Bernstein ‘conhecimento, e a avallagio define o que ‘conta como realizagao valida desse conhe- cimento de parce de quem 4 Embora alguns de seus primeiros ensaios enham se concentrado especificamente no curriculo, este nfo 6, entretanto, seu foco. Na verdade, Bernstein val cres- centemente deixando de mencionar © terme “curriculo”, embora ele esteja im plicico em varias das fases de sua teoria dos “cédigos” ensinade” Sua teoria 6, entretanto, 20 menos em parte, uma teoria sociol6gica do curricu- lo, Mas Bernstein nio esti preocupado com 0 “conteiido” propriamente dito do curriculo, Ele no pergunta por que se tensina esse tipo especifico de conheci- ‘mento © no outro, nem tampouco por que esse conhecimento particular & con- siderado valido © aquele outro nao. Ele esta mais preocupado com as relacdes estruturais entre os diferentes tipos de conhecimento que consticuem © curri culo. Bersntein quer saber como 0 curr: culo esta estruturalmente organizado. Alem disso, ele pergunta como os diferentes ipos de organizagio do curriculo estio, ligados a principios diferentes de poder © ‘controle, Por exemplo, nos seus prime ros ensaios, Bernstein distinguia dois tipos fundamentals de organizacio estru- tural do currieulo: 0 curriculo tipo cole- fo € 0 curriculo integrado. No curriculo tipo colegio, as areas e campos de co. rnhecimento so mantidos fortemente iso- Iados, separados Nio hi permeabilidade centre as diferentes reas de conhecimen- to, No curricula integrado, por sua vez, as distingdes entre as diferentes éreas de conhecimento sio muito menos nitidas, ‘muito menos marcadas. A organizacio do curriculo obedece a um principio abran- gence 20 qual se subordinam todas as reas que © compéem. Bernstein cunhou um termo para se referir ao maior ou menor grau de isola- mento e separagio entre as diversas areas de conhacimento que constituem 0 cur Fieulo: “classifieagio”. Quanto maior o isotamento, maior a classificacao. A classif- cago & uma questio de frontairas. A clas- sifieagio responde, basicamente,d questio: {que coisas podem ficar juntas? Um curri culo do tipo tradicional, marcadamente organizado em torno de disciplinas acade- micas tradicionais, seria, no jargio de Bernstein, fortemente classificado. Um curriculo interdisciplinar, em contraste, seria fracamente clasifcado. Bernstein insiste, entretanto, que nic se pode separar questoes de curriculo de questées de pedagogia e avaliacio, Nao se pode separar, em outras palavras, a and- lise do que constieui uma organizacao valida do conhecimento daquilo que constituem Formas vilidas de transmissio e avaliagio do conhecimento. Ele concede particular avengio a questio da pedagogia, a ques tho da transmissio, Independentemente dda forma como 0 conhecimento é orga- nizado ~ se de uma forma mais classifica- da ou menos classificada ~ ha variagées na forma como ele é transmitido, © es- tudante pode ver maior ou menor con- trole sobre © ritmo da transmissio, por ‘exemplo. Os objativos a serem atingidos. podem ser mais ou menos explicitos. A divisio do espaco pode ser mais ou me- nos rigida, Os critérios de avaliagio po- dem ser mais ou menos explicitos, Podemos imaginar uma sala de aula tradi- clonal, por exemplo. Aqui, 0 professor decide o que ensinar, quando ensinar, em {que ritmo: decide os critérios pelos quais, se pode dizer se © estudance aprend ou no. © espacg,da transmissao é tam= bem rigidamenge limitado. Compare- mos essa situagio com uma sala de aula centrada-no-aluno, com uma sala de aula construtivista, por exemplo. Aqui, a or- ganizagio do espaco € muito mais livre (s estudantes tém um grau muito maior de controle sobre o tempo @ 0 ritmo da aprendizagem. Em compensagio, os objetives a serem alcancadas @ 0 erie terios para saber se esses objetivos fo- ram alcangades $30 muito menos explicitos. Essa caracteristica do pro- cesso de transmissio @ designada por uum outro termo especializado do jar- g80 de Bernstein: “enquadramento” Quanto maior o controle do processo de transmissio por parte de professor, maior 6 0 enquadramento. Assim, 0 fensino tradicional tem um forte enqua- dramento, enquanto 0 ensino-centra- do-no aluno é fracamente enquadrado. Bernstein faz. uma importante distin- fo entre poder e controle. O poder est essencialmente ligado 4 classificagao. Como vimos, a classificagio diz o que & legitimo ou ilegiimo incluir no curvieul. A classificagdo & uma expressio de po- der. Se estamos falando de coisas que podem e coisas que nio podem, estamos falando de poder, Por outro lado, 0 con- tole diz respeito essencialmente a forma da transmissio. O controle esta associado a0 enquadramento, a0 ritmo, a0 tempo, a0 espaco da transmissio. ‘As noces de poder e de controle de Bernstein sio bastante distineas daquelas de outras perspectivas criticas sobre © curriculo, sobretudo as marxistas. Elas festdo, em um certo sentido, mais prix mas da nogio de poder de Foucault. Para Bernstein, 0 poder nio é algo que distor- ce 0 curriculo ou a pedagogia (a trans- missio). Essa nogio do poder camo um fator de distorcio impli vislumbrar uma situagio de nao-poder e, portanto, no dis torcida, no espiria, Na concepeio de Bernstein, trata-se simplesmente de dife- entes principios de poder e controle, Um curriculo com fraca clasiicacao, por exem- plo, no qual as fronteiras entre os diferen- {es campos S30 pouco nitidas no significa auséncia de poder, mas simplesmente que esta organizado de acordo com principios diferentes de poder. Do mesmo modo, nio se pode dizer que numa forma de trans: misao em que os estudantes tém um poder maior de decisio sobre as diversas dimensbes da pedagogia (ritmo, tempo, ‘espago) 0 controle esteja ausente. Simples mente estdo em ago outros principios de controle, mais sutis, mas nem por isso menos eficazes, Na verdade, na medida em {que implicam una maior visibilidade de estados subjetivos do educando, podem até ser mais eficazes. ‘Agora, a questio crucial para Bernstein & como se aprerdem as posicbes de clas- se? Como as estruturas de classe se tra- duzem em estruturas de consciencia? € aqui que entra o importantissimo concei- to de “codigo”, O cbdigo é precisamente a gramatica da chsse, O codigo € a grama- tica implicta e diferencialmente adquiri- da plas pessoas das diferentes classes ~ ‘uma gramética que thes permite distin- guir entre os diferentes contextos, dis- tinguir quais sio 0s significados relevantes ‘em cada contexto @ como expressar pu blicamente esses significados nos contex- tos respectives. Numa conferéncia dada fem Santiago do Chile, Bernstein fornece ‘um exemplo bastante ilustrativo do con- ceito de cédigo. Embora seu exemplo nio se refira propriamente a um cédigo de classe, mas a um e6digo nacional, pode- ‘mos facilmente imaginar um exemplo six milar ligado a classe. Bernstein di o ‘exemplo do ritual de beijar a face nos en- contros socials Como estrangeiro no Cle, ele achava muito dificil saber quan- do baijar, quem beijar, como beijar. Bejar 36 mulheres ou homens também? Em unis situagées beiar? Quais lados da face beijar? Quantas vezes? As pessoas chile- ras sabiam distinguir entre os diferen- tes contextos (aqui cabe beiar, ali nfo), sabiam quais eram as formas de beijo apropriadas em cada contexto e sabiam como expressiclas aim cada um desces contextos. la tinham o cédigo: um con- junto de regras implica. E, pois, o cédigo que faz a ligacio entre as estruturas macrossociol6gicas da das- se social, a consciéncia individual e as inte- ragbes sociais do nivel microssociol6gico Bernstein no tem uma definigio muito clara do conceito de classe social. Seu con- ceito de classe social esté muito ligado a0 conceito de dlvisio social do trabalho de Durkheim. A classe social € simplésmen- te a posigio que as pessoas ocupam na em matéria de educagio e curriculo @ iunglo de outras dindmicas, como as de ginero, raca © se- ualidade, por exemplo, que ndo podem ser reduzidas 2 dinammica de classe. Alem disso, 0 multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade nio pode ser obtida sim plesmente através da igualdade de acess 20 curriculo hegeménico existente, como nas reivindicagdes educacionais progres- sistas anteriores. A obtengio da igualdade depende de uma modificagio substancial do curriculo existente. Nao haverd “just- curricular", para usar uma expresso de Robert Connell, se 0 canon curricular rio for modificado para refleti as formas pelas quaisa diferenca & produzida por re- Iag6es socials de assimetria Leituras DAYRELL jure org) Mupos ores sobre ed aczo e cultura. Belo Horizonc: Editora da UFMG, 1996, HALL Snuare. “Ientidie cota e elispora” Re via do Patni Hive Aras Nacoal 4 1996: 68-75 HALL, Stuart. A ideneidade culeural aa poe modernidade Rio: OPBA, 1998. GONCALVES, Lut A, e SILVA. Perrniha BG. CO jag das cfreneas:o muldeuturalimi eeu concertos Bato Horizonte: Aunt, 1998. As relacées de género Inicialmente, a teorizacto critica sobre a educagio e © curriculo concentrouse ra andlise da dinamica de classe no pro: cesso de reprodugio cultural da desi- gualdade @ das relacoes hiersrquicas na sociedade capitalista. A crescente visibi- lidade do movimento e da teorizacio fe ‘minista, entretanto, forcou as perspectivas papel do génere © da 1 2 no process de produgio e reproducéo da desiguat dade. O feminismo vinha mostrando, corr forca cada vez maior, que as linhas 4 poder da sociedade estio estruturada: ‘fo apenas pelo capitalismo, mas tamber pelo patriarcado. De acardo com essa tworizacio feminista, hi uma profunda de- sigualdade dividindo homens e mulheres, com 08 primeiros apropriando-se de uma parte gritantemente desproporcional dos recursos materiais ¢ simbélicos da socie- dade. Essa reparticio desgual estende-se, cebviaments, & educagio « 20 curriculo Tal como ocorreu com a andlise da de- sigualdade cencrada na clesse social, a ana lise da dinimica do género em educagio esteve preocupada, jnicialmente, com questOes de acesso. Estava claro, para essa anilise, que 0 nivel de educagio das mu- Theres, em muitos paises, sobretudo na- ‘queles situados na periferia do capitalismo, cera visivelmente mais baixo que 0 dos ho- mens, refletindo seu acesso desigual as instiuig6es educacionais. Mesmo naque- les paises em que © acesso era aparente- mente igualitario, havia desigualdades internas de acesso aos recursos educa cionais: os curriculos eram desigualmen: te divididos por género. Certas matérias € disciplinas eram consideradas natural imenee masculinas, enquanto outras eram cconsideradas naturalmente femininas. Da mesma forma, certas carreiras © profis: sdes eram consideradas monopélios ‘masculinas, estando praticamente veda- das as mulheres. Nesse tipo de anilise, considerava-se que 0 acesso diferencial das mulheres 4 educacio devia-se a crencas ¢ atitudes profundamente entranhadas nas pessoas ‘© nas instituigées, Particularmente, ques tionavam-se os esteredtipos ligados a0 género como responsiveis pela relegacio das mulheres a certos tipos “inferiores” de curriculos ou de profissoes. Os este- reétipos de género estavam nio apenas amplamente disserninados, mas eram par- ‘te integrante da formacao que se dava nas, ppréprias institulgdes educacionais. O cur- riculo educacional refletia e reproduzia os ‘estereétipos da sociedade mais ampla. A literatura evitica concentrou-se em anali- sar, por exemplo, os materiais curricula: tres, tais como os livros didaticos, que ‘caracteristicamence faziam circular e per petavam esses estereétipos. Um lio di- ditico que sistermaticamente apresentasse ‘as mulheres como enfermeiras e os ho- ‘mens como médicos, por exemplo, esta- va claramente coneribuindo para reforcar esse esteredtipo e, consequentemente, dificultando que as mulheres chegassem as faculdades de Medicina. De forma si- imilar, 05 estereétipos © os preconceitos de género era internalizados pelos pré~ prios professores © professoras que conscientemente esperavam coisas diferentes de meninos e de meninas, Es sas expectativas, por sua vez, determina vam a carreira educacional desses meninos e dessas meninas, reproduzin- do, assim, as desigualdades de género. A anilise dos esteredtipor de género J prenunciava, entretanto, uma questio ue iria dominar aquilo que se poderia cchamar de segunda fase da andlise de gé- nero no curriculo. Nessa segunda fase, a Enfase desloca-se do acesso para o qué do acesso. Nao se traca mais simplesmente de ganhar acesso as insttuigoes ¢ formas de conhecimento do patriarcado mas de transformé-tas radicalmente para refletir (05 interesses @ as experiéncias das mu theres. O simples acesso pode cornar as mulheres iguais aos homens ~ mas num ‘mundo ainda definido pelos homens, As anilises feministas mais recentes enfatizam, de forma crescente, que © mundo social esti feito de acordo com ff interesses as formas masculinas de pensamento © conhecimanto. Pademos utilizar uma comparagse para no ajuday ‘a compreender 2 mudanca radical que est’ envolvida nesse deslocamento Vamo: transferir, por um momento, * questio

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