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IMPERIO & IMPERIALISMO e Michaet Harot € ANTONIO NecRi} Atitio A. Boron Colegao de Ciéneias Sociais da Secretaria Executiva de CLACSO- Diretor da Colegio "A. Boron Area Academica de CLACSO io Taide jor: Sabrina Gonzslee Area de Ditusio Coordenadoe Jorge A. Frag ‘Arte e Diageamagao: Miguel A. Santsegslo Tradugior Lilian Koifman Euigio: Florencia Impressio Gricas © Servigos “Império & (uenos Altes: CLACSO, setembro de 2002), (C1025 AB Cidade Autdnoma de Buenos Aires, Argentina ‘6588 / 4814-2301 "4812-8859 ‘clacsoG@clacso.edu.ar Inp/iwwrw.clacso eduar ‘worw.clacso.org ISBN 950:9231-78.9 © Consetho Latino: Americano de Ciencias Sociais ‘Se pomos de vist do Conse AGRADECIMENTOS © autor deseja expressar sua gratido aos que, de uma ou de outra maneira, toraram possivel, com seu trabalho ¢ seus comentarios, a elaborag%io deste livre. Cabe fazer agradecimentos especiais a Ivana Brighenti, Florencia Enghel, Jorge Fraga, Sabrina Gonzdlez, Maria Alicia Gutiérrez. Lilian Koifman, Bettina Levy, Maria Marcia ‘Trigueiro Mendes, José Seoane, Emilio Taddei_e Andrea Viahusic, nenhum dos quai pelas afirmagdes contidas neste livro, obviamente, € responsavel CapiTuLo 3 MERCADOS, EMPRESAS TRANSNACIONAIS E ECONOMIAS NACIONAIS UMA CONFUSAO RECORRENTE maneira ingénua com que Hardt e Negri aceitam um aspecto crucial da ideologia de mercado mundial retrata de maneira clarissima as conseqiléncias de sua radical incompreensio do capitalismo contemporaneo. _Inexplicavelmente obstinados com o mito nada inocente de que os Estados nacionais esto préximos de sua completa desapariciio, nossos autores aceitam, como se fosse a verdade revelada por um profeta, a opinido do ex- Secretério de Trabalho dos Estados Unidos, Robert Reich, quando escreveu que “,enquanto quase todos os fatores de produgiio — dinheiro, tecnologia, fabricas ¢ equipamento ~ se movem sem esforgo através das fronteiras, a idéia mesma de economia (nacional) esté perdendo o significado. [No futuro] nao haverd produtos nem tecnologias nacionais, ou corporagées, ou industrias. Nao haveré mais economias nacionais, pelo menos como entendemos o conceito” (p. 169). as Imeéato & IMPERIALISMO Custa acreditar que um intelectual do calibre de Toni Negri, que no passado demonstrou um forte interesse pelos estudos econdmicos, possa citar uma opinitio como a precedente. Antes de mais nada, Reich astutamente fala de “quase todos os fatores da produgio”, uma maneira elegante de evitar referir-se ao fato embaracgoso de que ha outro fator crucial da producdo, a forga de trabalho, que “no cruza sem esforgos as fronteiras”. Essa crenga na_ livre mobilidade dos fatores produtivos encontra-se no nicleo fundamental da ideologia empresarial norte- americana, empenhada em embelezar as supostas virtudes dos mercados livres enquanto condena qualquer tipo de intervengao estatal que nao favorega ©s monopélios e oligopétios ou que nao introduza pelo menos um minimo grau de controle popular ou democratico nos processos econdmicos. H&N parecem ignorar, de sua plataforma na estratosfera, que Reich foi o Secretario de Trabalho de um governo que presidiu um dos perfodos mais dramiticos de reconcentragio de ingressos e riquezas em toda a histéria dos Estados Unidos, quando os assalariados viram se desmantelar algumas das pegas mais importantes da legislacao trabalhista, e a precariedade chegou a niveis sem precedentes nao s6 nos distritos rurais do Alabama e da Califérnia, como também no Upper West Side de Manhattan, onde centenas de lojas elegantes recrutavam imigrantes sem documentos para atender a seus clientes, pagando salérios que estavam muito abaixo do mfnimo legal. Talvez nossos dois académicos nao tenham podido perceber, a partir do sereno conforto de suas a6 ATILIO A. Boron: pibliotecas, que nenhum desses imigrantes ilegais transita sem esforgos pelas fronteiras norte-americana ou francesa. A hist6ria desses imigrantes € de violéncia e morte, de dor e miséria, de sofrimentos de humilhagées, e é uma hist6ria na qual 0 ator crucial & 0 que H&N descrevem como o declinante Estado- nagio. Teria sido conveniente que, antes de escrever sobre esses temas, os autores tivessem entrevistado algum trabalhador sem documentos procedente do México, de El Salvador ou do Haiti, para perguntar- Ihe 0 que significa a expresso “a migra”, nome da policia migratéria dos Estados Unidos, cuja simples mengdo aterroriza os imigrantes; ov que o interroguem acerca de quanto teve que pagar para ingressar ilegalmente nos Estados Unidos, quantos de seus amigos morreram tentando entrar, ou o que quer dizer a palavra “coiote” na fronteira californiana. Ouviram falar dos fracassados _ imigrantes abandonados no deserto fronteirigo, que morrem calcinados pelo sol mas reconfortados pelas palavras de Reich? Podem ignorar que na fronteira entre México e Estados Unidos houve um ntimero maior de vitimas humanas que no infame Muro de Berlim ao longo de toda a sua existéncia? Também seria conveniente que fossem formuladas perguntas similares aos imigrantes ilegais na Franga ¢ no resto da Europa. Um rapido passar de olhos por alguns dos documentos do PNUD ou da Organizagio Internacional do Trabalho (OIT) teria evitado que H&N cometessem erros graves como este. a Invenio & Claro que nao é sé isso. Nossos autores parecem crer que © dinheiro, a tecnologia, as fabricas e o equipamento também gozam dos favores da ilimitada mobilidade. O dinheiro 6, sem diivida, o mais mével de todos, mas mesmo assim estd sujeito a certas restrigGes. Nio sio extremamente estritas, mas existem. Mas 0 que pensar da tecnologia e de todo 0 resto? Acreditam realmente que ela e os demais fatores da produgio circulam tao livremente através da fronteira como apregoa Reich? E qual tecnologia seria essa? A de tltima geragdo? Isso € algo que até uma crianga da escola primaria ja sabe. E obvio que a tecnologia e seus produtos circulam, mas aquela que se move com tantas liberdades seguramente nfo é a ultima, nem a melhor. Os paises do Terceiro Mundo sabem que podem ter acesso sem problemas a tecnologias obsoletas, ou semi-obsoletas, verdadeiras reliquias j4 abandonadas pelas nagdes que lideram 0 pacto industrial do planeta. Se as melhores tecnologias fluiram, como garante 0 discurso empresarial, por que ha tantos casos de espionagem industrial, que envolvem todos os __ paises industrializados? Como explicar a pirataria industrial, as imitagdes e cépias ilegais de todo tipo de tecnologias e produtos? A aceitagdo por parte de H&N de alguns dos pressupostos centrais dos idedlogos da globalizagiio 6 extremamente preocupante. Sua crenca na desaparigio dos produtos, empresas e inddstrias nacionais é absolutamente indefensdvel A luz da evidéncia cotidiana que demonstra a vitalidade, principalmente nos paises mais desenvolvidos, de 48 Ariuio A. Boros tarifas alfandegdrias, barreiras ndo-tarifarias e subsidios especiais através dos quais os governos buscam favorecer de mil maneiras seus produtos nacionais, suas empresas e suas atividades econémicas. Nossos autores vivem em paises nos quais o protecionismo tem uma forca extraordinaria, € 6 pode ser ignorado por quem se empenhe em negar sua existéncia simplesmente porque 0 mesmo nao tem lugar em sua teoria, O governo norte-americano protege os habitantes de seu pais da concorréne! externa dos morangos mexicans, dos automéveis brasileiros, dos tubos sem costura da Argentina, dos téxteis salvadorenhos, das uvas chilenas e da carne uruguaia, enquanto que do outro lado do Atlantico os cidadios europeus encontram-se seguramente protegidos pela “Fortaleza Europa” que, enquanto apregoa hipocritamente as virtudes do livre comérci fecha hermeticamente suas portas & “ameag originada pelas vibrantes economias da Africa, América Latina e Asia. Com relagdo & declarada desaparigiio das empresas nacionais, bastaria um simples teste para demonstrar 0 iremediivel equivoco dessa tese. Por exemplo, H&N deveriam tentar convencer um governo amigo ou alguma multidio decidida a fazer qualquer coisa que exproprie a sucursal local de uma firma “global” - e, portanto, supostamente independente de qualquer base nacional — como, por exemplo, Microsoft, McDonald’s ou Ford; ov, se preferirem, podem indicar que se faga 0 mesmo com 0 Deutsche Bank ou a Siemens, ou com a Shell e a Unilever. Depois s6 falta sentar e esperar para ver quem aparece na cidade que é a capital de tio audaz Impéato & IMPeRt repiiblica para exigir uma revisdo da medida. Se as empresas fossem globais, caberia ao Sr. Kofi Annan, ou ao Diretor Geral da Organizagao Mundial do Comércio (OMC), aparecerem para pressionar 0 governo local por sua decisio, em nome dos mercados globais e da economia mundial. Porém, é muito provavel que em vez de tais personagens aparega 0 embaixador dos Estados Unidos, ou da Alemanha, ou do Reino Unido, para exigir, com a rudeza e insoléncia de costume, a imediata revisaio da decisiio, sob pena de castigar o pais com todo tipo de sangdes e penalidades. Mas se este exemplo hipotético parecesse demasiado rebuscado, H&N deveriam perguntar-se, por exemplo, quem foi o representante da Boeing Corporation nas duras negociagdes com os funciondrios da Unido Européia, com relagao a & concorréncia comercial com o Airbus. Acreditam que os interesses da primeira foram defendidos por um descafeinado CEO nascido em Bangladesh e que realizou seus estudos de pés- graduacao em Administragio de Empresas em Chicago? Ou pelos mais altos funcionérios do governo norte- americano, com a ajuda de seu embaixador em Bruxelas atuando em direta comunicagiio com a Casa Branca? No mundo real, ¢ ndo na nebulosa reptiblica imaginada pelos fildsofos, o tiltimo caso é o que realmente ocorre, e isto qualquer estudante de Introdugao & Economia sabe no primeiro periodo do curso de graduagio, jé na segunda semana de aula. Podem H&N desconhecer que o total combinado de vendas das duzentas megacorporagdes que sobressaem nos mercados mundiais 6 maior do que o registrado pela totalidade dos paises do planeta, ATILIO A. BORON exceto 0s nove maiores? Seus ingressos totais anuais alcangam 7,1 bilhdes de délares, e sto tdo grandes como a riqueza combinada de 80% da populagao mundial, cujos ingressos mal alcangam 3,9 bilhdes* ‘Apesar disso, esses gigantescos leviatas da economia mundial empregam menos de um tergo de 1% da populagio mundial (Barlow, 1998). A retérica dos jdedlogos da globalizagao neoliberal nao consegue dissimular 0 fato de que 96% dessas duzentas empresas globais e transnacionais tém suas casas matrizes em oito paises, esto legalmente inscritas nos registros de sociedades andnimas de oito paises, € suas diretorias tém sua sede em oito paises do capitalismo metropolitano. Menos de 2% dos membros de suas diretorias sio estrangeiros, enquanto que mais de 85% de todos os desenvolvimentos tecnolégicos das firmas se originam dentro de suas “fronteiras nacionais”. Seu alcance € global, mas sua propriedade e seus proprietérios tém uma clara base nacional. Seus lucros fluem de todo o mundo para a sua matriz, € os créditos necessdrios para financiar suas operagdes mundiais so obtidos convenientemente por suas sedes centrais nos bancos de sua sede nacional a taxas de juros impossfveis de se encontrar nos capitalismos periféricos: com isso, podem vencer facilmente seus competidores (Boron, 1999: p. 233; Boron, 2000[b: pp. 197-209). 8. Lembramos que um bilho, em portugués, equivale a um mithao de milhoes. ImpéRio & IMPERIALISMO Noam Chomsky cita, como exemplo, um artigo recente da revista de negécios Fortune na que se informa que, em uma pesquisa feita com as cem maiores empresas transnacionais de todo 0 mundo, a totalidade das firmas, sem nenhuma excegio, reconheceram haver-se beneficiado, de uma maneira ou de outra, das intervengées feitas a seu favor pelos governos de “seus paises”, ¢ 20% delas admitiram que haviam evitado a bancarrota gragas aos subsidios e empréstimos de resgate que Ihes haviam sido oportunamente concedidos por ‘seus governos’ (Chomsky, 1998; Kapstein, 1991/2). Em suma: apesar do que € afirmado pelos autores de Império, os Estados-nagdo ainda continuam sendo atores cruciais, na economia mundial, e as economias nacionais continuam existindo SOBRE A LOGICA POS-MODERNA DO CAPITAL GLOBAL, Na linha do argumento desenvolvido na segio anterior, H&N afirmam que, com a constituigio do império, se produziu uma profunda transformagio na légica com a qual o capital global opera. A légica que predomina em nossos dias é a do pés-modernismo, com sua énfase na exaltag3o do instanténeo, nos perfis sempre cambiantes dos desejos, no culto & escolha individual, “o perpétuo fazer compras e 0 consumo de mercadorias e imagens transformadas em. mercadorias (...) de diferenga e multiplicidade (...) do fetichismo e de simulacros, seu fascinio continuo pela novidade e pela moda” (pp. 169-170). Tudo isso leva OS nossos autores a concluir que as estratégias do 32 An 10. A. Boron marketing seguem uma légica pés-moderna, de vez que trata-se de uma pritica empresarial destinada a thaximizar as vendas a partir do reconhecimento e exploragao comercial das diferengas. A medida que as populacées se tornam cada vez mais hibridas, as possibilidades de criar novos “mercados alvos” proliferam de forma incontrolivel. A conseqiiéncia é que 0 marketing abre um leque infinito de estratégias comerciais: “uma para gay s de dezoito a vinte e dois anos, outra para adolescentes sino-americanas, ¢ assim por diante” (p. 170). Conscientes de que, ao pretender inferir a légica global do capital a partir das estratégias de marketing se encontram em um terreno muito escorregadio, H&N dao um passo A frente para assegurar que a mesma légica pos-moderna é a que impera no coragio da economia capitalista: a esfera da produgiio. Para isso, repetem alguns desenvolvimentos recentes no campo da administracio de empresas, onde se afirma que as corporagées tém que ser “méveis, flexiveis capazes de lidar com a diferenga” (p. 171). Como era previsfvel, a aceitacdo ingénua desses supostos avangos na “ciéncia da administragdo” — na verdade, estratégias para potencializar a extragio da mais-valia — conduziu H&N a uma visio completamente idealizada das corporagdes globais de nossos dias. Estas aparecem como “muito mais diversas ¢ fluidas do ponto de vista cultural do que as corporagées modernas paroquiais de anos passados”. Uma conseqiiéncia dessa maior diversidade ¢ fluidez é evidenciada pelo fato de que, segundo nossos autores, “as velhas formas modemnistas de teoria racista 33 IupeRio & IMPERIALISMO tas dessa nova cultura s globais sexista sio inimigas expli corporativa” (p. 171). Por isso, as empresa esto ansiosas por incluir a diferenga dentro dos seus dominios, e com isso visam a maximizar a criatividade, a liberdade de ago ¢ a diversidade no local de trabalho. Pessoas de todas as ragas, de ambos os sexos e de todas as orientagdes sexuais devem, potencialmente, ser inclufdas na corporacio; a rotina diaria do trabalho precisa ser rejuvenescida com mudangas inesperadas e uma atmosfera de diversio. Derrubem-se as velhas fronteiras e deixe-se uma centena de flores vicejarem!” (p. 171). Depois de ler estas linhas, ndo se pode deixar de perguntar até que ponto as corporagdes sao o lugar de TelagGes de produgiio onde se explora os assalariados, ou se, ao contrario, nao sao verdadeiros paraisos terrestres. Nao parece necessério ser um expert no campo da administraciio de empresas para concluir que a résea descrigdo feita por nossos autores guarda pouca relago com a realidade, pois o sexismo, 0 racismo e a homofobia so praticas que ainda gozam de invejével satide na corporagdo global pés- moderna. Talvez esta atmosfera _empresarial melhorada tenha pouco a ver com 0 fato de que, assim como noticiara 0 New England Journal of Medicine durante © apogeu da prosperidade norte-ame: ana, ‘os homens negros no Harlem tinham menos probabilidades de chegar a idade de 65 anos que os homens em Bangladesh” (NEJM, 1990). H&N voltam a cair recorrentemente nas sutis armadilhas da 34 Amitio A. Borox literatura empresarial e dos idedlogos do livre mercado. Se féssemos aceitar seus pontos de vista — na verdade, os pontos de vista dos gurus das escolas de administragiio de empresas! — todo o debate em torno do despotismo do capital na empresa perderia sua significagdo, da mesma forma que as cada vez mais intensas demandas a favor da democratizagio das firmas, propostas nos tiltimos anos por teéricos do calibre de Robert A. Dahl (Dahl, 1995: pp. 134-135). ‘Aparentemente, a tirania estrutural do capital tem se desvanecido na medida em que os assalariados acorrem a seu trabalho nfo para ganhar 0 pio, mas para entreter-se em um clima distendido e agradavel que Ihes permite expressar seus desejos sem nenhum tipo de restrigdes. Este retrato dificilmente se reconcilia com as hist6rias divulgadas inclusive pela imprensa mais vinculada ao capital, com relagio & extensio da jornada de trabalho na corporagao global, ao impacto devastador da flexibilizagao do trabalho, & degradagio do trabalho, A crescente facilidade para despedir trabalhadores, & precariedade do emprego, as tendéncias a uma reconcentrag’o regressiva dos ordenados e saldrios dentro da firma, para nao mencionar historias de horror tais como a exploragao de criangas em muitas corporagGes globais, Pareceria desnecessario insistir, perante dois autores que se identificam como comunistas ¢ bons eitores de Marx, sobre o fato de que a légica do capital, seja global ou nacional, pouco tem a ver com a imagem projetada pelos te6ricos das escolas de negécios ou pelos ecléticos filésofos pés-modernos. © capital se mobiliza por uma inexordvel légica de 35 Iurério & Imperiaiss geragiio de lucros, quaisquer que sejam os custos sociais ou ambientais que isto demande. A fim de maximizar os lucros e aumentar a seguranga de longo prazo, © capital viaja pelo mundo todo e € capaz de estabelecer-se praticamente em qualquer lugar. As condigdes politicas sio um assunto da maior importancia, especialmente se se atende a necessidade de manter a forga de trabalho obediente e disciplinada, A chantagem empresarial também desempenha um papel muito importante, de vez que as firmas globais, com 0 apoio de “seus governos”, procuram ser beneficiadas com concessdes extraordindrias feitas pelos sedentos Estados da periferia empobrecida. Essas concessdes vio desde generosas isengdes impositivas de todo tipo, até a mplantacio de uma legislacao trabalhista contraria aos interesses dos trabalhadores, ou que desencoraje a militincia sindical e debilite a ago dos sindicatos de esquerda capazes de perturbar a atmosfera normal dos negécios. No mundo desenvolvido, por outro lado, sto muito maiores as dificuldades para desmontar as conquistas dos trabalhadores e da_ legislagaio progressista, sancionada na época de ouro do Estado keynesiano. Porém, a impossibilidade de apelar para expedientes que facilitem a super exploragio dos trabalhadores € compensada com o maior tamanho dos mercados, em sociedades nas quais 0 progresso social criou uma pauta de consumo de massas dificilmente disponfvel nos pafses da periferia. 56 10 A. Boron ASE © Capitulo 14 do livro € dedicado ao tema da constituigaio mista do império. Contudo, ele se inicia com um epigrama surpreendente, que reflete a inusitada penetragdo dos preconceitos burgueses inclusive nas mentes de dois intelectuais tio Iticidos ¢ cultos como Hardt e Negri. O epigrama em questao & uma afirmago que nao € feita por um grande fildsofo nem por um ilustre economista. Tampouco ela foi formulada por um estadista de renome ou por um lider popular. Trata-se de algumas palavras pronunciadas por Bill Gates, que dizem 0 seguinte: PRESAS TRANSNACIONAIS E 0 ESTADO-NACAO, “Uma das coisas mais belas da superestrada da informagao é que a justiga virtual € muito mais facil de conseguir do que a justiga real ... Todos sfio iguais no mundo virtual” (p. 325) Dois breves comentarios. Em primeiro lugar, ninguém compreende a razio pela qual um capitulo destinado a examinar os problemas da constituigio mista do império comega por uma citagao banal de Bill Gates sobre a suposta eqiiidade das auto-estradas da informagao. Talvez porque citar Gates tenha se tornado moda para alguns intelectuais progressistas da Europa e dos Estados Unidos. O leitor, mesmo aquele com boa predisposigao, nio pode deixar de sentir-se incomodado diante deste tributo prestado ao homem mais rico do mundo e & personificagdo mais genuina de uma ordem mundial que, supde-se, H&N desejam fervorosamente mudar. 7 IvpeRio & IMPERIALISMO Em segundo lugar, ¢ ainda mais importante, Gates esté equivocado, profundamente equivocado. Nem todos fomos criados iguais no mundo da informagio e no fantasioso universo da virtualidade. Certamente Gates jamais lidou com alguma dente os trés bilhdes de pessoas que no mundo fizeram ou receberam uma ligacao telefonica. Tanto ele como Hardt e Negri deveriam lembrar que em paises muito pobres, como o Afeganistio, por exemplo, sé cinco em cada mil pessoas tém acesso a um telefone. Esse nGmero, horripilante, esté longe de ser exclusivo desse pais. Em muitas dreas do sul da Asia, na Africa ao sul do Saara, e em algumas regides muito atrasadas da América Latina e do Caribe, as cifras nao sio muito methores (Wresch, 1996). Para a maioria da populagao mundial, os comentarios de Gates sao uma brincadeira, quando nao um insulto a sua miseravel € desumana condigio. Deixando de lado este infeliz comego, o capitulo introduz uma periodizagdo do desenvolvimento capitalista que consta de trés fases: a primeira, que se estende ao longo dos séculos XVIII e XIX, € um periodo de capitalismo competitivo caracterizado, segundo H&N, por uma “necessidade relativamente pequena de intervengao estatal, internamente e no exterior” (p. 327). Para nossos autores, as politicas protecionistas da Inglaterra, dos Estados Unidos, Franga, Bélgica, Holanda e Alemanha, além das politicas imperialistas de expansio colonial Ppromovidas e implementadas pelos respectivos governos nacionais, ndo se qualificam a ser consideradas como “intervengio estatal”. Da mesma 38 Ani A. Boron maneira, a legislagio destinada a reprimir os trabalhadores, sancionada com diferentes graus de jntensidade em todos esses paises durante um longo periodo histérico, tampouco seria um exemplo de jntervengdo do Estado na vida econdmica ¢ social. Leve-se em conta que esses corpos legais incluem casos tio relevantes como o anti-combination act da Inglaterra, a lei Le Chapellier na Franga, a legislagio anti-socialista do Chanceler Bismarck na Alemanha, que condenou ao exilio milhares de trabalhadores, & as normas legais que tornaram possiveis as préticas brutalmente repressivas contra os trabalhadores nos Estados Unidos, simbolizadas na matanga de 1° de maio de 1886, em Haymarket Square, em Chicago. Em sua época, Gramsci formulou algumas observagées muito precisas sobre a “questio meridional”, nas quais demonstrava que 0 complexo sistema de aliangas que tornou possivel a unificagiio italiana se baseava em um conjunto de sofisticadas politicas econédmicas que permitiam sustentar, de fato, a coalizio dominante. Foi este autor quem assinalou 0 “erro te6rico” das doutrinas liberais que celebravam a suposta prescindéncia do Estado em relagio ao processo de acumulagdo capitalista. Nos Quaderni, Gramsci escreveu que: “0 laissez-faire também € uma forma de ‘regulagio” estatal, introduzida e mantida por meios legislativos e coercitivos. E uma politica deliberada, consciente de seus proprios fins, e ndo a expresso espontanea e automitica dos —_fatos__ econdmicos. Conseqiientemente, 0 liberalismo de laissez-faire € um programa politico” (Gramsci, 1971: p. 160). 39 Imperio & A raz&io desse enorme erro deve estar na incapa berais de reconhecer 0 fato de que a distingdo entre sociedade politica ¢ sociedade civil, entre economia € po! é feita e apresentada como se fosse uma distingdo organica, quando se trata de uma distingdo meramente metodolégica” (Gramsci, 1971: p. 160). A “passividade” do Estado quando a raposa ingressa no galinheiro nao pode ser concebida como a inagio propria de um ator neutro. Essa conduta se denomina cumplicidade ou, em alguns casos, conspiragao. Estes breves exemplos sto suficientes para comprovar que ‘© saber convencional nao tem capacidade de fornecer guias adequadas para explicar algumas caracteristicas centrais do primeiro periodo identificado por H&N. E certamente a prescindéncia estatal néio foi um deles. E verdade que, por comparacio com 0 que ocorreria no perfodo posterior a Grande Depressio, os niveis de intervencdo estatal eram menores. Mas isto nao significa que nao houve intervengao, ou que a necessidade da mesma foi muito menor. Ao contrério, havia uma grande necessidade dela, ¢ os diversos governos burgueses responderam adequadamente & mesma. Naturalmente, depois da Primeira Guerra Mundial e da crise de 1929 essas necessidades aumentaram extraordinariamente, mas isto nio deveria levar-nos a crer que anteriormente a essas datas © Estado nao desempenhou um papel de primeira ordem na acumulagao capitalista. dade dos escritore Mas 0 problema mais sério com a interpretagaio de H&N surge quando eles se dirigem a “terceira fase” na histéria do casamento entre o Estado € 0 capital 60 A. Borox Em suas préprias palavras: “Hoje a terceira fase dessa rel amadurecida, e nela grandes empresas transnacionais de fato ultrapassaram a autoridade e a jurisdigao dos Estados-nagio, Pode parecer, portanto, que essa dialética secular chegou ao fim: 0 Estado foi derrotado e as corporagées finalmente governam 0 mundo! — (pp. 327-328, itélico no original). Esta afirmagao nfo s6 é errénea como também expe nossos autores a novos inconvenientes. Preocupados por terem ido demasiado longe em seu entusiasmo anti-estatal, advertem que € necessirio “fazer um exame muito mais cauteloso das mudangas havidas na relagio entre Estado e capital” (p. 328). O curioso no caso € que depois de escreverem essa frase ndo agiram com a mesma convicgo para apagar a anterior, 0 que confirma a suspeita de que a primeira representa bastante adequadamente o que pensam sobre o tema. Para eles, um dos tragos cruciais da época atual € 0 deslocamento das fungdes estatais e das tarefas politicas para outros niveis e dominios da vida social. Revertendo 0 processo histérico pelo qual o Estado-nagio “expropriou” as fungées politicas e administrativas até entio detidas pela aristocracia € pelos magnatas locais, nesta terceira fase na historia do capital tais tarefas e fungdes foram reapropriadas por alguém mais. Mas quem? Nao sabemos, porque na argumentagio de H&N se produz um significativo siléncio quando se chega a este ponto. Eles comegam de um modo axiomitico, asseverando que 0 conceito 61 IMpERIO & IMPERIAL de soberania nacional esté perdendo sua efetividade, sem preocupar-se em fornecer algum tipo de referéncia empirica que confirme esta tese; e 0 mesmo ocorre com a famosa tese da “autonomia da politica”. Se em relacio A primeira tese a evidéncia esta completamente ausente, e tudo 0 que se pode dizer € que se trata de um_ lugar comum da ideologia burguesa contempordnea, no que diz respeito a segunda tese H&N estio completamente equivocados. Para respaldar sua interpretagiio, nossos autores sustentam que “hoje a nogdo de politica como esfera independente da determinacio de consenso e como esfera de mediagao entre forcas sociais conflitantes tem pouca razdo de existir” (p. 328). Pergunta: quando e onde a politica foi essa “esfera independente” ou essa simples “esfera de mediagio”? Frente a qual se poderia responder que o que esta em crise nao € tanto a politica — que pode estar, mas por outras razdes -, € sim uma concepgio schmittiana da politica, uma concepgio que muitos intelectuais progressistas na Europa e nos Estados Unidos cultivaram com desordenada paixao por muitos anos. Produto desta viciosa dependéncia, as confusas construgées doutrindrias de um teérico nazista como Carl Schmitt — ndo apenas um académico, como também um dos mais altos magistrados do Terceiro Reich — foram entendidas como uma contribuigio de primeira ordem para a teoria politica ¢ capaz de encontrar a via de escape para a tantas vezes apregoada “crise do marxismo”. Mas, contrariamente aos ensinamentos de Schmitt, a politica nas sociedades capitalistas nunca foi uma esfera aut@noma das demais. Esta discussao é demasiado conhecida e gerou rios de 62 AmiLI A. Boros, tinta nos anos setenta e oitenta do século passado, para tentar resumi-la agora. para 0s objetivos deste trabalho, fazer uma breve referéncia a alguns estudos que abordam de maneira direta esta problemitica (Meiksins Wood, 1995: pp. 19-48; Boron, 1997: pp. 95-137). Em todo caso, nossos autores se aproximam mais da verdade quando afirmam, poucas linhas abaixo, que “a politica nao desaparece; 0 que desaparece é a nogio de autonomia do politico” (p. 329). Entretanto, uma vez mais: 0 problema aqui é menos com a politica ~ que, sem divida, mudou — do que com a absurda nogio da autonomia da politica e do politico, alimentada durante décadas por académicos e intelectuais raivosamente antimarxistas e desejosos de sustentar, contra toda evidéncia, a visio fragmentiria do social, tipica do que Gyorg Lukécs caracterizou como 0 pensamento burgués (Lukadcs, 1971). Na interpretagdo de H&N, 0 declinio experimentado pela autonomia da politica deu lugar a uma concepgao ultra-economicista do consenso, “determinado, mais significativamente, por fatores econémicos, como os equilibrios das balangas comerciais € a especulagio sobre o valor das moedas (p. 328). Deste modo, a teorizagao gramsciana, que via © consenso como a capacidade da alianga dominante de garantir uma direciio intelectual e moral que a estabelecesse como a vanguarda do desenvolvimento das energias nacionais, é completamente abandonada na anélise que nossos autores efetuam do Estado na fase atual. Em seu lugar, 0 consenso aparece como 0 reflexo mecanico das noticias econémicas, como um cs ERIALISMO, somatério de cillculos mereantis sem nenhum espago para as mediagSes politicas, perdidas todas elas na noite dos tempos. Seu reducionismo e economicismo desfiguram por completo a complexidade do processo de construgo do consenso nos capitalismos contemporaneos €, por outro lado, niio resistem ao rigor da andlise que demonstra como, em inumeraveis ocasides, se produziram significativas comogGes politicas em momentos em que as_varidveis econémicas se moviam na “diregiio correta”, como o exemplifica a hist6ria européia e norte-americana nos anos sessenta do século passado. Por outro lado, pocas de profunda crise econémica nao se traduziram necessariamente no répido desmoronamento dos consensos politicos preexistentes. A passividade e a anuéncia populares foram notdveis, por exemplo, na nefasta década de 1930 na Franga ¢ na Inglaterra, ao contrério do que por essa mesma época estava ocorrendo na vizinha Alemanha. Em conseqiiéncia: é indiscutivel que, uma vez que a politica nio € uma esfera auténoma da vida social, existe uma {intima conexdo entre os fatores econdmicos e os de ordem politica, social, cultural e internacional que, em um momento determinado, cristalizam na construgio de um consenso politico duradouro. Por isso mesmo, qualquer esquema conceitual reducionista, seja do tipo que for, economicista ou politicista, € incapaz de dar conta da realidade. O final da andlise realizada por nossos autores é extraordinariamente importante ¢ pode ser resumida da seguinte maneira: a decadéncia da politica como esfera auténoma “indica 0 declinio, também, de 64 Arto A. Boron qualquer espaco independente onde a revolucdo possa surgir no regime politico nacional, ou onde o espago social possa ser transformado com o uso de instrumentos do Estado” (p. 329). As idéias tradicionais de construir um contrapoder ou de opor uma resisténcia nacional contra o Estado foram perdendo cada vez mais relevancia nas presentes circunstancias. As principais fungdes do Estado migraram para outras esferas e dominios da vida social, principalmente para os “mecanismos de comando em nivel global das empresas transnacionais” (p. 329). O resultado desse processo foi algo assim como a autodestruigdo ou 0 suicidio do Estado capitalista democratico nacional, cuja soberania fragmentou-se e dispersou-se por uma vasta colegio de novas agéncias, grupos e organizagées, entre os quais sobressaem “bancos, organismos internacionais de planejamento, ¢ assim por diante (...) 0s quais cada vez mais se voltam para o nivel de poder transnacional em busca de legitimidade” (p. 330). Com relagdo as possibilidades que se abrem diante desta transformago, 0 julgamento de nossos autores é radical ¢ inapelvel: “o declinio do Estado- nagdio nao é simplesmente resultado de uma posigio ideoldgica que possa ser invertida por um ato de vontade politica: € um processo estrutural e irreversivel” (p. 358). Os fragmentos dispersos da velha soberania estatal e sua capacidade inerente de encontrar obediéncia para seus mandatos foram recuperados e reorganizados por “uma série de corpos juridico-econémicos globais, como o GATT, a Organizagado Mundial do Comércio, 0 Banco Mundial 65 ImpERio & Ive e 0 FMI” (p. 358). Como a globalizacao da produgao e a circulagio de mercadorias ocasionaram’ a progressiva perda de eficicia e efetividade das estruturas politicas ¢ juridicas nacionais, impotentes para controlar atores, processos € mecanismos que excediam em grande medida suas possibilidades e que desdobravam seus jogos em um tabuleiro alheio as fronteiras nacionais, nfo tem nenhum sentido tentar ressuscitar 0 defunto Estado-nagio. Nada poderia ser mais negativo para as futuras lutas emancipatérias, asseguram nossos autores, do que ser vitima da nostalgia dos velhos tempos dourados. Mas, se ainda fosse possfvel ressuscitar 0 Estado-nacio, como Lazaro dentre os mortos, existe uma razio ainda mais importante para desistir_ desse empreendimento: essa instituigdo “carrega consigo toda uma série de estruturas e ideologias repressivas, © qualquer estratégia baseada nela deveria ser rejeitada com base nisso” (p. 358). Suponhamos, por um momento, que consideramos este argumento valido. Neste caso, nao sé deverfamos nos resignar a contemplar a irremedidvel decadéncia do Estado- nagio, como também a da ordem democritica, produto de séculos de lutas populares, que inevitavelmente repousa sobre a estrutura estatal H&N nio se estendem sobre este tema, de capital importancia. Talvez néo o fagam porque supdem, erroneamente, que € possivel “democratizar” os mercados ou uma sociedade civil estruturalmente dividida em classes. Sabemos que isto nao é possivel, conforme examinamos detidamente em outro lugar (Boron, 2000[b:] pp. 73-132). Qual é a saida, entio? 66 ” CapiteLo 4 VISOES ALTERNATIVAS DO IMPERIO © IMPERIO ETICO, OU A MISTIFICAGAO POS-MODERNA DO IMPERIO “REALMENTE EXISTENTE™ esta altura do percurso H&N transpassaram, A claramente, um ponto sem volta, e sua andlise do império realmente existente” cedeu lugar a uma construgdio entre poética e metafisica que, por um lado, mantém uma leve semelhanga com a realidade, e por outro, € exatamente devido a essas caracteristicas, oferece pouca ajuda as forgas sociais interessadas em transformar as estruturas nacionais ¢ internacionais do capitalismo mundial. © diagndstico geral & equivocado, devido aos fatais problemas de anilise € interpretagio que infestam © esquema te6rico de nossos autores, ao que se agrega uma série de observacées pontuais e comentarios extremamente infelizes que um leitor paciente poderia colecionar sem grande esforgo, © que, caso tratasse de refuté-los um a um, 0 obrigaria a escrever uma obra de extraordindria magnitude. Como niio é esta a nossa intengio, prosseguiremos com nossa andlise centrada nas debilidades do esquema tedrico interpretativo geral or

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