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EDUARDO LOURENGO UMA LITERATURA DESENVOLTA OU OS FILHOS DE ALVARO DE CAMPOS «Obedece-se, na vida Iterdrla, 20 costume dos naturals da Terra do Fogo: os Jovens matam e comem os velhoss. LEON CHESTOV O que ha meia diizia de anos era nebulosa, tornou-se nitida constelagao. Qualquer a pode ver ¢ examinar a olho nu. E um fenémeno digno de atengo € & primeira vista inesperado. Num certo sentido, também anacrénico, de um grato e magnifico anacronismo. £ no exacto momento em que por toda a parte a Literatura e o acto de fé e esperanga que a suportam se auto-des- troem que entre nés germina uma floragio jé extensa e qualitativamente preciosa. A sociologia desta desfasagem tem 0 seu interesse por estar em relagao com a aparéncia ¢ 0 sentido que essa nova constelagio literéria acabou por tomar. Mas interessa-nos mais ainda conhecer a extens’o do novo territério literdrio, a forma que ele desenha no nosso horizonte cultural, os deuses que consagra ou afasta, os valores que introduz, o sentido profundo que nele se inscreve, a sensibilidade nova que corporiza, a linguagem que transfigura, a mitologia que propée e o futuro que anuncia. Que hd de comum entre Bessa Luis e Almeida Faria? Ou entre Fernanda Botelho e Portela Filho? Ou entre Cardoso Pires e Abelaira? Ou Herberto Helder e Ruben A.? Ou mesmo, entre Natalia Correia e Maria Judite de Carvalho? As diferengas de idade, a diversa inteng4o das obras, o seu «peso» especffico, interditam o facil recurso & equivoca mas util categoria de «gera- Gao». Literalmente falando, Bessa Luis e Almeida Faria nao sao da mesma geracio, como 0 no so Ruben A. ¢ Abelaira. Mas talvez isso importe pouco quando se considera 0 tempo de eclosio das respectivas obras. Hé jovens tardios ¢ velhos precoces, no sentido préprio e figurado. O tempo do apare- cimento e da gestacgao das obras que contam basta muitas vezes para resta- belecer a um nivel de significaciio mais probante que o da idade dos autores, a2 v 924 EDUARDO LOURENGO uma comunidade e uma afinidade nas quais a famigerada subjectividade se subordina ao pouco discernivel mas imperativo «ar do tempo». Entre 1953 e 1963 (esta delimitacao sem ser arbitrdria, é simbdlica), isto é, concretamente, entre Sibila e Rumor Branco, sucedem-se de facto nao sé um némero conside- ravel de obras particularmente brilhantes, fenémeno ja de si singularfssimo, mas obras de um tom e de uma estrutura afins, cujo segredo é natural buscar-se na conformidade da sua expresso ao espfrito de época que as viu nascer, embora sem elas os seus leitores o nao tivessem apercebido claramente, ou Pporventura, de modo algum, Cémoda, a velhfssima referéncia ao herderiano «espfrito do tempo»? Cémoda, ou nAo, a critica liter4ria no péde ainda desfazer-se dela ou inventar outra téo luminosamente obscura. Afastemos somente a ideia de que esse «espfrito do tempo» seja um «em si» independente das formas que o mani- festam ¢ © transfiguram sem cessar, e ponhamos entre elas, como suprema- mente esclarecedoras, as da arte em geral, nas quais esse «espfrito» a si mesmo se auto-revela com uma forca e uma evidéncia, precdria sempre, mas incom- pardvel. £ um cfrculo, vicioso se se quiser, mas ninguém provou que a vida mesma no viva dessa «circulagdo» entre «o mesmo» «0 mesmo», O que seja «o espirito do tempo» entre 1953 e 1963 nao se nos revela magicamente mas através da meditaca’o e da consideragao, sempre contestdveis, do que nesse tempo nos apareceu como significativo, fecundo, especifico. Podemos enganar-nos, ou até inverter as perspectivas de toda uma época, mas pen- sd-la é autorizar-se essa implicita constituiggo de uma mitologia que no-la resume. Os caminhos da andlise séo longos e ao fim e ao cabo nunca des- troem por completo a mitologia que a contemplacio directa das obras, das realizagdes e dos acontecimentos marcantes e visiveis de um perfodo nos for- nece, Se o fazem, é muito tarde para que isso nos seja util, Hegel tinha razao em supor que a mitologia essencial de uma época se lé no jornal da manha. E que lemos nds de 1953 a 1963? Nés, queremos dizer, os portugueses? Na aparéncia, 0 mesmo que toda a gente, no chamado «mundo ocidental». Mas isto € j4 «une oue de Uesprit». De certo, nés «lemos» a morte de Estaline, © «milagre alemdo», 0 maior ainda americano, a ascensio dos foguetdes, a ronda dos satélites, as guerras da Indochina e da Argélia, o triunfo da elec- trénica e da televiséo, 0 novo teatro, 0 novo romance, 0 novo cinema etc. Tudo isto «lemos» mas tudo isto péde ser lido, sendo das mil maneiras como metaforicamente se supdc, ao menos segundo duas ou trés formas que sio a verdeira «eitura», a «des-leitura» e a «nio-leitura». Pela natureza das coisas a nossa «leitura» dessa mitologia comporta sempre uma «des«eitura» € uma essencial «ndo leitura» que € tecida do siléncio espesso do que habitual- mente nos diz respeito ¢ nés iludimos com a atengio hipertrofiada que pres- tamos ao alheio, Esta «des-leitura» tem uma relac&o quase tangfvel com o «ar do tempo» que na Nova Literatura respiramos. Os seus autores tomaram UMA LITERATURA DHSENVOLTA 925 uma consciéncia radical dessa «des-leitura», mas em vez de querer emendé-la, como vem sucedendo desde Verney, fizeram dela um pano de fundo sobre 0 © qual examinam e falam da nossa propria mitologia. Eles nao se situam num ponto exteriormente ideal, esse mesmo que as notfcias das primeiras paginas dos nossos jornais ilustram, como se nds mesmos nao exist{ssemos sendo como espectadores. Voltam-lhe costas, ignoram-no ou procedem a partir desse auto-isolamento vivendo-o a fundo, glosando-o e, melhor do que tudo, descrevendo-o. E bem a primeira vez desde ha muito tempo que a famosa osci- lag&o entre o «ld-fora» e 0 «c4-dentro» recebe uma solugio positiva. E isso deve-se ao ajustamento profundo entre a expressio literaria e 0 que realmente nos aconteceu entre 1953 e 1963. Ora 0 que nos aconteceu? Nada, quer dizer nada que féssemos tentados (ou pudéssemos ainda) traduzir no vocabuldrio dos outros, nada que possa comparar-se ao secular e fascinado didlogo entre «o interior» e o «exterior», entre a cultura universal (ou assim suposta) e a nossa propria, sempre em «déficit» do nosso lado, como é arqui-sabido. Nao significa isso que estejamos em face de «primitivos» ou que essa cultura universal (de costumeira referéncia) conhega um desinteresse por parte de autores como Bessa Luis, Abelaira, Cardoso Pires, Almeida Faria ou qualquer dos outros. Elase st%io «ao par», «a la page», como é de tradic&o e bom uso entre intelectuais lusfadas que se prezam, Mas jé no o estio com a consciéncia de usufruir um privilégio, nem com a inversa de softer por chegar a alcang4-lo. Nenhum deles conside- raria um gesto vital chegar com o ultimo nimero das actuais WV. R. F. as ter- tulias literérias de que fazem parte, como tio comoventemente no-lo contou de si um Joao Gaspar Simoes. Nem desinteresse pelo 14-fora cultural e liter4rio, nem idolairia, 6 0 que se acha «inscrito» no tecido mesmo das suas obras. Quem quer pode verificar lendo um bom ntimero delas que do «beatriquismo» ao «novo romance» as ondas literdrias do Ocidente se espraiam em boa ordem nas acolhedoras plagas lusitanas. Mas a novidade € que desta vez a ressonancia é de pura superficie, a imitagdo quase sé reduzida a certos aspectos formais nalguns, e que nio cabe nem da geito julgar realmente as Bessa Luis, 0s Cardoso Pires ¢ os Almeida Faria nos sempre antecipados ¢ mais perfeitos espelhos das grandes obras estrangeiras de referéncia, Até o que chamamos de magnifico anacronismo o impossibilitaria. Vale a pena determo-nos nele, Ha uma satde literdria, uma seiva, um gosto, um «optimismo» lingufstico na nossa Nova Literatura que n3o sao de €poca em nenhuma das grandes literaturas contemporaneas cujo grande tema € a desmontagem e a contestacHo ao nfvel mais radical o da lingua- gem mesma — do que a literatura foi ou quis ser. Basta sopesar os torren- ciais volumes de Bessa Lufs para nos sentirmos noutro mundo. Melhor satide liter4ria que a nossa sé a da vizinha Espanha pois nela fundo e forma so maravilhosamente «sos» e provocantemente anacrénicos,coisas que 926 EDUARDO LOURENGO uma tradigao de altanaria anfmica e cultural explicam, se se Ihes junta um isolamento histérico-politico de duas boas décadas. O nosso caso, tao pré- ximo, até nisto manifesta a situagio «outra» de Portugal e Espanha. Nés n&o estivemos cortados do exterior. Ao contrario, o exterior funcionou e funciona como 0 nosso mais tangivel interior. Sem metdfora nenhuma até nele nos empregdmos € os reclamos Iuminosos de Lisboa ensinam ao mais desprevenido que também no dominio das utilidades o interior é 0 exterior. O fantdsticamente novo € que esta «subversao» se tornou no natural e é aqui que a Nova Literatura encontrou genial e instintivamente o seu ponto de apoio. A totalidade do nosso projecto histérico enquanto determinagio colec- tiva intima é-nos inacessivel ou apresenta-se sob formas tais que a sua fungao de mascaras salta aos olhos de uma crianga do meses, quanto mais de um escri- tor. Esta situagao foi outrora ressentida como sofrimento ou revolta escrita por- que nada a compensava, mas a sua esséncia alterou-se na tltima década, radi- calmente. Nos nao tivemos quase necessidade de «ir» a esse eterno «La-Fora», ele veio ter connosco; sem participagéo profunda encontrdmo-nos de facto existindo (sentindo) no meio de um cendrio que nao € visceralmente dife- rente do de Paris ou Nova Iorque, A odisseia da nossa alma arcaica no meio deste labirinto que nos cafu do céu € Bessa Luts. Mas os outros desposam uma aventura diferente e porventura mais decisiva porque voltada toda para o futuro. Nas nossas j4 grandes cidades, a mesma alma arcaica teve de stibito de organizar a sua percepgao para sobreviver por entre as estruturas fascinantes, as velocidades, os ritmos que dela nao procederam mas a envolvem, a subor- nam, a maravilham, Enfim, a simples descri¢do, se ela esté A altura do Aero- porto ou da ponte sobre o Tejo, basta para situar no universal com uma evi- déncia que as geragdes anteriores n&o podiam conhecer. Neo-modernismo, repeticao noutro contexto do que foi em tempos a aventura de homens, como Anténio Ferro ou Homem Cristo, Filho? Quase 0 aposto. Essa franja do futu- rismo exaltou-se ao contacto do moderno como de um duplo milagre que era, em si, para eles, portugueses. A aventura maquinista era a dos outros. Os Portela Filho nasceram entre o milagre e nao podem vivé-lo sendo como natural. £ quase, apesar deles mesmos, que nés vemos através da perfeita desenvoltura com que os seus herdis evoluem num mundo que sé «por fora» nasceu das suas mios, a grande auséncia de nds a nds mesmos, por isso mesmo tio viva em toda a Nova Literatura. Assim paradoxalmente se resolveu a nossa oscilagao secular ¢ encontrou uma forma concreta a inconcilidvel oposigdo entre o sentimento da nossa realidade mais visfvel e o sentimento de auséncia de nds a nds mesmos, inscrito em formas espectaculares no nosso viver social ou no desinteresse por nés enquanto totalidade visada. A Nova Literatura ¢é uma enorme parabola da auséncia de ndés a nds mesmos, mas como esta auséncia pode efectivamente mascarar-se sob formas aceitaveis e até fascinantes, ela é a nossa verdadeira UMA LITERATURA DESENVOLTA 927 vida, Descrevendo-a tal qual é, essa Literatura cola a realidade portuguesa, ea cla sé, com uma propriedade e uma forca a que nao estavamos habituados. Sem contestago poss{vel somos nés quem fala nesses livros, quem af vive. Eles so um 36 nés exprimindo positivamente, num luxo de detalhes raro, @ ndo- -insergéo num projecto colectivo, a fuga estelar da realidade portuguesa, © seu fantastico e satisfeito irrealismo social, a convicg&o subterranea ¢ j4 triunfante de que nao vamos nem estamos indo para lado algum que mereca 0 fervor ¢ a pena da caminhada e de que é bem assim, 0 consumo de um pre- sente subitamente pleno de «gadgets» ¢ de aventuras erdticas compensando de sobra a auséncia de uma aventura animica comum. O mérito desses autores € que eles se limitam a mostrar ¢ 0 que nao dizem eleva o que mostram a altura de um simbolo. Para retraduzir em titulo de uma corajosa colectinea de Poetas, sto «noticias de bloqueio», ainda todos esses romances, mas de blo- queio tornado anénimo, invisivel, reconvertido quase no seu contrério ¢ pro- duzindo aquele assombroso fenémeno que permitiu aos aristocratas da Revo- lugio fabricar brinquedos com guilhotinas. Daf a proliferante ou regrada liberdade de todas essas escrituras, 0 seu tranquilo lcilao do conformismo moral e social portugués, o ar de juventude de um estilo voluntariamente cortado do inalteravel «classicismo» da prosa nacional, o seu desvario sem premedi- tag&o (ou to natural que € como se 0 fosse) enfim, a enorme DESENVOL- TURA destes jovens ¢ menos jovens autores, todos diferentes, mas todos unanimes na preparagio da prodigiosa e j4 bem avancada barrela de uma sensibilidade nacional de séculos e séculos. Nova esta contestacdo? Nova, exactamente. por nao o ser. A contestagio conserva o que derruba ou vive dele. Eca, como Pessoa — Alvaro de Campos e seu mandado de despejo aos mandarins da Europa. Decerto, decerto, a gera~ ¢4o de «Orpheu» e ela 86, retomada esotéricamente pelos nossos poucos surrea- listas, ousou pér as mos na tabua da lei da nossa sensibilidade, mas 0 «escan- dalo» por escandalo ser, advertia os eternos argus da «Ordem Moral» e tudo ficava na mesma. Tudo, excepto a esperanga de melhores dias e essa cinza sempre quente, esse terramoto espiritual em continua expansio que se chamou Alvaro de Campos, Nele ¢ nele sé teve lugar a contestacdo radical nao de nomes ou «ideias», que sio mdscara, mas dos comportamentos viscerais da alma portuguesa, dos seus tabus milendrios, do seu medo de si mesma. Mas ao grande caddver, a permanente cretinizagio culturalista 0 cobriu depressa com a musica mais facil de Pessoa que, previdente por quatro e des- confiado por oito, também se entreteve a cobrir a urgente fome de séculos com a lagrima de Nobre, O grande mocinho de rezar da nossa poesia — sé em raros profundo — retomou o seu ritmo quando ele passou, como é costume, mas a velha musica celeste pouco a pouco se revelou anacrénica. E que ao seu lado, por debaixo das tabuas da velha lei, como no conto de Poé, cada vez se ouvia mais «o coragdo reveladorn de Alvaro de Campos. 928 EDUARDO LOURENGO Tudo o que de grande se ouve na poesia portuguesa deste meio-século repercute a infernal e salutar badalada insepulta. A poesia, porém, age em profundidade, sem pressa e por isso parece ineficaz, Até ao dia em que subverte tudo e j4 nao ha lugar para outra pala- vra viva sendo a sua. Com lentidao, mas com constancia, a imaginagao ¢ a sensibilidade profunda de geragdes sucessivas impregnou-se do vocabulario, da melancolia destruidora, do tumulto, da raiva hicida, da sua inconformidade radical com o farisafsmo da cultura e da vida, O resultado € esta prevista- -imprevista torrente de prosa nova, sem frio nos olhos, livre até da obsesséo da liberdade, supremamente desenvolta, através da qual nao se contesta isto ou aquilo, apenas, mas um comportamento organico que sob os nossos olhos se desarticula, a falsa sublimidade de uma Etica que era uma méscara e nessas paginas recentes nos aparece como o que é: puro caos de valores cobrindo a custo a nudez implacavel dos «interesses criados» e a desordem profunda da ordem sacrossanta, E apenas espelho esta Nova Literatura? Nao redifine ao mesmo tempo um novo espaco humano habitavel? O tempo de destruic&io, ou da mostragio no € o da construgdo, costuma dizer-se, mas nas grandes obras ¢-o sempre ou quase sempre. As famosas solugées positivas (felizmente iludidas muitas vezes na pratica...) do romance anterior ao desta vaga desenvolta nao eram positivas por nao ser solucées. Em Literatura néo hd «solugées» pois néo h4 «pro- blemas», O que foi considerado solugio positiva era um cheque em branco sobre o futuro que ainda ninguém pagou. A contestag&o (e sobretudo, a descrig&o) neo-realista, que teve, e tem o seu prego, perdeu muito passaro na mio pelos dois a voar. Era uma literatura ética, com o grave defeito de servir em grande parte exactamente a mesma ética do mundo que se pro- punha «transformar», A Nova Literatura é neste capitulo mais revoluciondria. Pouco importa que uma leitura do sentido imediato ou o comportamento ideolégico ostensivo de uma autora como Bessa Luis de sobra assinalem a sua obra como inequivocamente reacciondria. E caso para dizer que nao é reaccionério quem quer. A autora de Sibila pode mil vezes reenviar-nos ao paraiso arcaico da «roca e do fuso», uma tal conviccio, ingenuidade ou pen- sada e profunda provocagao so pouca coisa ao lado da descricao da desordem sentimental, da crueldade das «relagdes humanas», da visio demonfaca do dinheiro que das suas paginas se levanta desmentindo sem cessar a litania azul da celebérrima e tragica «brandura dos nossos costumes», O que Bessa Luis mostra importa mais do que o que ela «pensa». £ 0 visceral «amoralismo» da sua visio e 0 corte com toda a nossa tradigao literéria conventual, sempre presente, mesmo nos nossos autores mais complexos como Régio ou Vergilio Ferreira, que instaurou entre nds a Nova Literatura. Nao foi por acaso que a autora intitulou a sua primeira obra Contos Impopulares. Com ela terminou a vigéncia publica da Etica como referéncia suprema da nossa Literatura, UMA LITERATURA DESENVOLTA 929 e secundariamente findou o reinado da Ideologia como ética mascarada e «deus ex-machina». Nada-€ mais sintomatico que comparar um romance neo-realista classico com 0 admiravel ¢ recente Paixdo de Almeida Faria. Este «Alentejo por dentro» que tem os limites da nossa paixdo secular, que é em relagiio as excelentes novelas de Manuel da Fonseca o que uma radiografia é em relagdo a uma fotografia, esté empapado de Ideologia. Mas ela é «lida», «vista», captada na face das coisas, na trama das relagdes humanas, na sua linguagem mais ino- cente, € nao evocada ou presente como forma prévia, como «deus ex machina». Para a gerag’o que Almeida Faria representa tao brilhantemente, a Ideolo- gia (tal como o cenario fantastico em que deambula) j4 nao é o habitual casaco talhado longe ¢ a pressa, vestido & forga, mas a respiracdo natural, a forma como as realidades sociais e as relagdes humanas se deixam apreender e interpretar. A Ideologia nao consistui écran entre criador e criaturas, entre criagdo ¢ leitura, Esta espécie de anonimato é um triunfo sempre, € «a impar- cialidade da neve» a que se referia Alvaro de Campos, Almeida Faria retoma-a ao nfvel das relagdes entre sonho e vida, tornando accitavel e simples o que no surrealismo aparece ainda sob a forma do insélito. A nova prosa deita-se na antiga cama da Literatura com o avontade supremo do gato de Pessoa. A Cultura mesma nao é objecto de reveréncia, nao é fdolo. A mitolo- gia cultural popular, 0 notério desprezo pelas referéncias «nobres» da tra- dicdo literdria é manifesto num Portela Filho e no fundo o bricabraquismo provocante de Bessa Lufs navega nas mesmas 4guas. HA um ante-gosto de literatura «pop» em certos aspectos da Nova Literatura, contrastando alids singularmente com o inegAvel refinamento de escrita que quase todos mani- festam, E, por exemplo, 0 caso de um Cardoso Pires, cuja particular «desenvol- tura» se acomoda ao mesmo tempo das mais classicas referéncias & prosa de «qualidade»,Laclos ou o seu bem amado Vailland. Em nenhum dos novos autores, porém, a desmitologizacio da Cultura como salio mortudrio da vida € tao radical como em Ruben A. Luxo de rico enquanto nos outros € reflexo de remediados? A desenvoltura espectacular de Ruben A. alcanga mais longe que o simples capricho, O comportamento arquétipo da socie- dade portuguesa ao seu nivel mais alto é nas suas obras objecto de um alegre ¢ eficacfssimo massacre e 0 scr em parte auto-massacre s6 0 torna mais sublime. Nao € mera satira, velha pecha ibérica de feridos por aquilo que flagelamos, & Quevedo. E alegre, desenvoltissima, saudavel certidio de dbito a cadé- veres vivos maravilhosamente vestidos ¢ a mais desopilante psicografia da nossa pseudo —e verdadeira alma nacional que as nossas letras registam. Certos «tics» de menor significado j4 tinham sido explorados por um Tomés de Figueiredo, mas tem-se a impress%io que sem perfeita consciéncia da meca- nica burlesca posta em jogo. Com Ruben A. passamos a outro plano. A sua 980 EDUARDO LOURENGO Torre de Barbela cumpre o que a Ilustre Casa de Ramires com meia audacia parecia prometer. £ 0 enterro memordvel ¢ de primeirissima classe, como se devia, de todo um mundo —o nosso mundo portugués — que Ruben A. salva numa ultima pirueta acaso imerecida. Erraréo os que n&o viram nos livros de Ruben A. sendo a aparéncia dessa desenvoltura. Torre da Barbela € uma magnifica histéria de amor, como 0 era Garanguejo, A «n’o-gravidade» da sua descontrafda ¢ irresist{vel escrita ¢ j4 por si a mais fecunda libertagao, uma machadada na hipécrita austeridade nacinal, mascara atraz ¢ abjecta de um privilégio secular ubuesco. De resto, uma das notas mais salutares da Nova Literatura ¢ a da reintrodugao do riso ou do sorriso no seu hori- zonte, normalizando o raro humor-satira surrealista, para portugueses, exces- sivo... A «graca», a ligeireza de Abelaira, o humor sardénico de Cardoso Pires, a assobiadela de Portela Filho, o gozo barroco de Ruben A., sio graus no processo implicito que a Nova Literatura instaurou ao comportamento nacional enquanto mitologia vazia. Que a Nova Literatura tenha redes- coberto o «humor» é j4 o sinal de uma perspicdcia e sem duvida corresponde a uma necessidade premente. Sem esta distanciagdo objectiva que o humor introduz, o «mau-s¢rio» da triste mitologia nacional estava em vias de mime- tizar as suas vitimas. Estavamos demasiado incrustados na tristeza que dis- solve, servindo quem a impée, para nfo saudar como convem estes lengos brancos em tempo de chuva. Eles nos ajudam a ver as justas proporgées da nossa Torre da Barbela, até que venha o tempo da visit-la de alto a baixo na companhia de um bom guia definitivamente esquecido de fan- tasmas e de horrores futuramente folcléricos. Do que deixamos dito poder4 concluir-se que é ainda, embora sob formas mais refinadas ou literariamente eficazes, a contestagdo, a mola real da Nova Literatura. Quer dizer, do nosso préprio ponto de vista, prevale- ceria nela ainda o negative. Se contestagio ha é de forma bem diversa da da nossa contestagio «moderna», da que toma consciéncia de si em Antero e Eca, ou mesmo em Garrett e Herculano, O processo da mitologia histé- rico-social ou espiritual aparece geralmente como derivado e para os lei- tores como conclufdo. E 0 que se «dd a ver» que «critica» ou antes (que nés estamos justa- mente fora do tradicional império da «critica»), é a prépria descrigéo que relega © existente para o informe, 0 grotesco 0 anacrénico, 0 vazio, sobretudo. Sem abrir a boca qudse, que no neo-realismo era corajosa, mas ainda ingénua. Sem estar prevenidos, os leitores da Muralha, da Cidade das Flores, de Pala- vras Poupadas, de Paixéo, de Qédigo de Hamurabi, de Héspede de Job ou de Torre de Barbela descobrem ou redescobrem homens ¢ mulheres, gestos aconteci- mentos que lhes sio préximos, que s&o os seus, sonham acordados os sonhos ébvios ¢ todavia imposstveis que lhes sfio propostos € tudo isso, gestos ¢ sonhos, UMA LITERATURA DESENVOLTA 981 anula a fico de pesadelo da «Ordem Moral», relega-a, mais que ao plano da contradicao, ao da sobrevivéncia. Ali somos vives e livres. Esta «ordem moral» quase j4 nem aparece ¢ isto distingue radicalmente a Nova Litera tura do neo-realismo, no qual a presenga e 0 peso de tal ordem desempenham © papel capital. E ela mesma «irrealista» esta volatizagio? Em parte, sem dhivida, mas uma nova maneira de ser, de agir, de julgar, de falar, de existir irrompe nessa Literatura, e tal como uma moda, demoda os antigos modelos e¢ ante- cipa sobre a sua morte. Para apreciar como convem e merece a novidade da Nova Literatura basta considerar atentamente 0 que advem nela o tema central (e obsessio quase nica do Ocidente na poesia e no romance) do amor, ou mais genéri- camente, da relagdo erética. Se h4 um plano em que a palavra desenvoltura se aplica € bem neste. A nossa Literatura desconhecia um comportamento amoroso e€ sexual tao despido de preocupagdo ética ¢ tio alheio A éptica mas- culina como o que nos apresentam as personagens de Fernanda Botelho, de Abelaira, de Cardoso Pires, de Almeida Faria e em menor grau, as de Maria Judite de Carvalho ¢ Bessa Lufs. Com a «agravante» (no Angulo mas- culino de «ordem moral») de que muitas dessas personagens sto femininas e de criagao feminina. A observagdo ganha mais relevo se a situamos na his- téria da expresso erdtica nacional que enquanto expressa em prosa é parti- cularmente ptidica. Mais importantes que as «cenas» ou os «actos» ou as «reflexdes» em tal matéria € o seu sentido. Ora para quem 1é com atengio essa Nova Literatura ¢ claro que ela termina (ao menos idealmente) uma longa histéria erética, aquela que vivemos no circulo de ferro do «pecado carnal» e mais, profundamente, 4 sombra do Pecado Original. Neste capftulo, como no resto, o contraste (mas também uma subterranea continuidade dialéctica) é grande entre 0 Neo-Realismo ¢ a Nova Literatura, De uma maneira geral, 0 romance neo-realista é extremamente piidico, ou sébrio, no capitulo do amor, ¢ mais sbrio ainda no das relagdes sexuais. O fenémeno ¢ tanto mais sintomatico quanto € certo que, tedricamente, esses romancistas nao cram particularmente respcitosas do «mito» do Pecado Original, como ¢ bem de ver. Mas em Literatura nao se faz o que se quer, mas 0 que se pode. O neo-realismo marca mesmo na auto-consciéncia do tema e na exploragao da sua complexidade um nitido recuo em relacio a tradi¢Zo erética desde Garrett, mas sobretudo em relac&o a t&o préxima e caracterts- tica obsessio na matéria, carcterfstica de Presenga, mormente de Régio. E possivel mesmo que o seu inegdvel simplismo crético esteja em relacdo com aquilo que Ihes devia parecer patolégica projeccio de uma subjectividade cortada dos «lacos sociais» ou incapaz de os viver «realisticamente». Con- firmaria esta hipdtese o facto de a preocupacio erética tomar maior relevo ¢ j4 uma boa dose de desenvoltura (no futuro sentido) no Fernando Namora ainda préximo de Presenga, 0 autor de As Sete Partidas do Mundo e Fogo na 932 EDUARDO LOURENGO Noite Escura assim como no autor injustamente esquecido de Rampagodos (Joaquim Ferrer) pouco ortodoxo em tudo. Acrescente-se ainda que o com- portamento amoroso, sem ser de classe, reflecte como poucos a situagao de classe. Ora as personagens de Namora sao estudantes (como eram as de Régio) como estudantes ou intelectuais seréo a maioria das personagens da Nova Literatura (Abelaira, Maria Judite de Carvalho, Almeida Faria) o que estabelece um laco sociolégico entre elas e as distingue da maioria das personagens frustres do neo-realismo. O comportamento destes uiltimos nio pedia «desenvoltura» ffsica nem moral, A tradig&o neo-realista nesta matéria é a do naturalismo, mas mais casto que o dos Brito Camacho, dos Sousa Costa e dos Aquilinos. O modelo mais préximo encontra-se num Torga cujas passagens mais signi- ficativas recriam uma atmosfera de brusquidao e rusticidade amorosa, cujo pano de fundo sao padrées da moralidade mais arcaica, como o documenta 0 tdo justamente célebre conto A Paga, dos Novos Contos da Montanha. A liber- dade «erética» em Torga, como em geral no neo-realismo, confina-se sobre- tudo no uso mais livre do vocabuldrio, mas esta «auddcia» nao tem corres- pondéncia alguma no comportamento propriamente erético das personagens. Nada que se parega com O Primo Bazilio, O Crime ou Os Maias, cuja audacia real sublinha ao mesmo tempo o peso da presso social ¢ moral sem a qual ela n&o tem sentido. Seria mais natural descobrir uma antecipacio do novo comporamento erético ilustrado pela Nova Literatura em autores como Urbano Tavares Rodrigues, José-Augusto Franca ou até em Vergflio Ferreira. Hé de facto nas novelas de Urbano Tavares Rodrigues uma «desenvoltura» erética afim da que tém lugar na Nova Literatura. Concretamente ha nelas formas de compor- tamento erético mais «ousadas» até, mas integradas num mecanismo «ético» que as neutraliza, Na realidade, estamos nao sé bem longe das passagens dos English Poems como do Jogo da Cabra Cega, centrado com um profundeza nunca mais alcangada na matéria, na tentagao demonfaca do que o Erotismo € expressio, De forma mais intelectual ainda, mas a um nfvel de profundeza similar, no vemos ser&o as paginas invulgares da Histéria do Peixe Pato de Jorge de Sena no seu Andangas do Deménio, livro todo ele notavel, mas particular- mente na exploracio implicita do labirinto erético. O erotismo nas novelas de Urbano Tavares Rodrigues é expresso de uma fascinag&o profunda mas, literalmente falando, epidérmica. O autor de Pedrada no Charco, como se temesse a sua audacia, sublinha o horizonte ético, assinala ao leitor o nojo ou horror moral (cenas de «ménage a trois» por exemplo) e assim perde, até literaria- mente, o beneficio da sua ousadia. Simultaéneamente aberto para preocupagdes que tocam o neo-realismo, o existencialismo e o surrealismo, José-Augusto Franga cria em muitas das suas p4ginas um clima de «amoralismo» tranquilo e ébrio como o da Nova Literatura, mas muito «problema» jaz nas entrelinhas para poder falar a seu UMA LITERATURA DESENVOLTA 933 respeito de «desenvoltura erdtica». E o mesmo se pode dizer com maioria de razio de Vergilio Ferreira, em cuja obra romanesca a problematica especifi- camente erdtica se desdobra em problematica da incomunicabilidade e por fim em questo da «realidade» prépria e vest{gio puro da existéncia, abissal e original «alarme». No tinico autor em que nos parece afirmar-se a presenga de uma inegdvel desenvoltura erética similar 4 da Nova Literatura é David Mourao-Ferreira. Mas ha nele uma componente esteticista, uma maneira de dominar 0 jogo que como jogo propde, que o afastam da imediata ¢ impreme- ditada desenvoltura erética, ta! como ela aparece configurada nos livros de Fer- nanda Botelho, de Abelaira, de Cardoso Pires, e em menor grau, de Almeida Faria ou Maria Judite de Carvalho. Que esta evaporagao da ética tradicional sob 0 plano erético seja sobre- tudo obra de mulheres parece-nos duplamente significative, como o é, claro est4, que tenha sido uma escritora a assumir a responsabilidade da nossa primeira Antologia consagrada ao erotismo. A libertagao (se é uma) procede naturalmente do lado mais fraco mas no momento em que a sempre instavel «relagéo de forga» se rompe a seu favor. E inttil epilogar sobre a sdlida Cartilha de Marialva que nos serve a todos, portugueses, de brevidrio erético. José Cardoso Pires no-lo relembrou recentemente com invulgar sucesso, ao que nos consta. Porventura se engana ao supor que o modelo de libertaco continua sendo sobretudo a linhagem dos «homens de qualidade» ¢ de «olhar frio» que ele identifica um pouco abusivamente A espécie «libertina» de que so flor tardia e suspeita, A essa libertacao superlativa por «via masculina» opée-se esta natural assumpgio da «desenvoltura» feminina, esta autonomia erética similar da unica concebivel pela «ordem moral» que a mesma Cartilha tdo gostosamente ironiza. Que um tal fenémeno tenha sido possivel, que ele exista enquanto realidade portuguesa nada tem de comum com os labéus da sem- -vergonhice e do escndalo antigos que téo boa-consciéncia davam aos «mode- los» intocdveis ¢ reservados dessa mesma «ordem». E um fenémeno novo € Literatura Nova — embora no s6 por isso — a que tranquilamente o exprime. Dir-se- que essa auséncia de preocupagdo ética de novo contetido € fenémeno t{pico de um certo ¢ bem delimitado sector da vida portuguesa: o estudantil ou mais totalmente, o intelectual. Ja seria imenso e extraordindrio. Mas 6 certamente mais que isso. A linha de fuga do movimento social no é a prole- tarizag&o mas a intelectualizagao cada vez mais rapida da massa da Nagao. Os famigerados costumes «académicos» — alias em atrazo sobre o de certas camadas burguesas — s4o ou serao o médulo de todos os demais. Neste mo- mento a «desenvoltura» tem ainda um cardcter ambiguo e longe de poder ser lido apenas como indice positive, mas a recusa massiga da abissal hipocrisia que significa, j4 Ihe fazem jus a que se sublinhe o lado libertador. H4 uma gratuidade e ainda um cheiro a provocagao em muito comportamento «desen- volto» como a leitura de Fernando Botelho testemunha, a que sé o futuro 934 EDUARDO LOURENGO poderé dar a face de uma conquista. Mas entiio no serd apenas experiéncia de estudantes ou de burgueses mais ou menos ociosos, mas terd a sua réplica na gama inteira da sociedade portuguesa. Nés limitémo-nos a uma espécie de constataco: uma Literatura Nova se criou nesta ultima duizia de anos e a sua caracteristica prépria é a de uma neutralidade ética inegavel, ou antes, indiferenca ética profunda, espécie de des- conhecimento ou surdez elementar diante dos chamados valores que informam a nossa efectiva e ainda actuante mitologia espiritual portuguesa, Como exemplo demos 0 comportamento erético tal como nessa Literatura se mani- festa, por ser o maior relevante, espectacular, e tradicional tema. Mas podfa- mos ter escolhido o tema da familia, o da Patria, ou de Deus e mostrar como a habitual problematica ou a contestagao a que costumava dar lugar foi subs- tituida por uma descrigdo hicida, implacdvel, anti-sentimental, anti ou ndo- -ideolégica, anti-demagégica, do comportamento actual de um mundo preciso, limitado sem dtivida, mas representativo como nenhum outro do terramoto invistvel que subverteu ja, no essencial, a tabua de «valores» dessa famosa mitologia portuguesa. Implicitamente, esse quadro da Literatura Nova exclui, senao a Cultura, ao menos a forma e o sentido daquela que suporta a estrutura dessa mitologia. Na contestag&o desse sentido parece, alids, residir hoje a tnica unanimidade espiritual entre nés, pois, paradoxalmente, nela convergem cspiritos tao diversos como a maioria dos autores citados e homens como José Marinho ¢ Anténio Quadros. A imagem que propdem é que nao é a mesma. £ manifesto que enquanto Literatura, aos novos romances basta ser 0 que so para cumprir o seu destino. Sdbia, ou brutalmente fora do dominio proprio da «contestagio», € intitil alisté-los mesmo simbdlicamente. Mas «0 que sfio» basta para que neles se leia a par de uma organica expresso do subconsciente de uma época, a implicita denuncia nao menos funda da Cul- tura que a revela. Esta brilha neles, por assim dizer, por auséncia, uma vez que a sua ineficacia, irrealismo e anacronismo outra coisa nao podiam oferecer. E claro que esta espécie de virgindade (relativa) da Nova Literatura, tanto quanto a indiferenga ética que a caracterizam, poem também uma questio. Como a pée igualmente a liminar boa-consciéncia lingufstica em que a nova visdio se manifesta ¢ que tanto contrasta com o processo global que essa Lite- ratura instaura ao conjunto da existéncia nacional. Naturalmente chegar4 0 tempo em que a vertigem dos puros comegos, a fascinacao da tdbua rasa, para- lizem do interior o instrumento dtictil habitualmente feliz que serve a Bessa Lufs, a Abelaira, a Almeida Faria ou Herberto Helder para povoar bri- Jhantemente o deserto dos valores mortos. Em Almeida Faria e Herberto Helder a escrita treme j4 desse terramoto futuro, que algures esté sendo passado e talvez por isso nao seja uma pura fatalidade. UMA LITERATURA DESENVOLTA 935 Como Ulises, os jovens da préxima literatura terdo porventura de fechar 08 ouvidos & auto-critica, & Circe da pura Linguagem a que tudo os convida. Entretanto, e qudse miraculosamente, um tempo de aceleragées histéricas € metamorfoses espirituais apenas criveis, encontrou entre nés obras-espelhos adequadas & sua fulguragdo destruidora. DESENVOLTAS? Sem diivida, mas se o nao fossem teriam sido devoradas vivas pelo cadaver florido da «ordem moral» que elas enterram de vez no 0 nomeando. Epvarpo Lourengo GRANDES AUTORES PORTUGUESES Fernando Namora — «Didlogo em Setembro» Alves Redol -—— «Teatro I» Mario Dionisio — « Poesia Incompleta» Trés obras notaveis da moderna literatura portuguesa PUBLICAGOES EUROPA-AMERICA APARTADO 8—MEM MARTINS RUA DAS FLORES, 45—LISBOA

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