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eanet 15 pfisbena 4 ‘anjos de swedenborg 16 animal sonhado por cs. lewis 18 jum animal sonbado por kafka 2 jum animal sonhado por poe 24 " animais esféricos 24 ‘animais dos espelhos 26 dois animais metafisicos 28 "os antilopes de seis patas 5° —_— oaplanador 51 o-asno de trés patas 5% re cre. antis Metairie can, ave fenix 34 bahamut 57 : paldanders 59 | Be ‘a banshee 4 ee ee a reservados & ebesibecs 4 rua Bandeira Paulista 702 cj. 52 ‘ os ap 104552-002 — Sao Paulo—sP : ae De jason jp Hines a (08 brownies 49 o burak 5° CHAM: 960(@2)-3 87321 REG 120129 toc: N BRA: RGoOTs49a13 fix (1) 5707-550 0 cio cérbero 52 ‘wwre.compannhiadasletras.com.br ocatoblepa 54 o cavalo do mar 56 ‘0 cem-cabegas 58 ocentauro 59 ocervo celestial 62 cila 65 crocotas e leucrocotas 64 cronos ou hércules 65 um cruzamento 67 demédnios do judafsmo 70 os deménios de swedenborg 7. o devorador das sombras z2 os djins 74 odragio 76 o dragao chines 79 © dragio no ocidente 82 oduplo 85 o elefante que previu o nascimento de buda 8 os elfos 88 105 eld e 0s morlocks 89 acsfinge go as fadas 92 fastitocalon 94 fauna chinesa 96 fauna dos estados unidos 99 a fénix chinesa 101 o filho de leviata 105 o galo celestial 104 garuda 105 0 gato de cheshire os gatos de kilkenny 107 05 gnomos 108 hochigan 124 Jetiocentauros 125 0 kraken 129 Jeujata 151 | os lamed wufniks 132 as lamias 155 ‘a lebre lunar 154 os lémures 136 Vilith ig7 ‘9 macaco da tinta 158 a mée das tartarugas 139 a mandrégora 4: a manticora 143 o minotauro 145, co mirmecoledo 147 os monéculos 149 ‘0 monstro aqueronte 15? 0s nagas 154 o nesnds 156 as ninfas 157 as nornas 158 odradek 159 6) © pissaro da chuva 163 “Opassaro roca 16, © pelicano 166 8 peluda de la ferté-bernard 168 © peritio 16, 9s pigmeus 172 porea acorrentada 175 a@quimera i74 4 raposa chinesa 176 um “ain eseu cavalo 178 um réptil lo por is oon Porc. lewis 18; 88 sétiros 187 Sereias 188 08 seres térmicos 190 Aserpente etippla sg2 O nome deste livro justificaria a inclusio do principe “Hamlet, do ponto, do trago, da superficie, do hipereubo, dle todas as palavras genéricas e, talvez, de cada um de ‘nds e da divindade. Em suma, de quase o universo intei- ‘ro. Ativerno-nos, contudo, ao que ¢ imediatamente suge- “ yido pela locugio “seres imagindrios", compilamos um | manual dos estranhos entes engendrados, a0 longo do tempo e do espago, pela fantasia dos homens. 8 silfos ig4 osimurg 195 | Tgnoramos 0 sentido do dragio, como ignoramos 0 © squonk 197 sentido do universo, mas em sua imagem existe alguma talos 199 ‘coisa que se coaduna com a imaginagao dos homens, ¢ as- sim 0 dragdo surge em diferentes latitudes e idades. ‘Um livro dessa indole é necessariamente incompleto; cada nova edigio ¢ 0 niicleo de edges futuras, que po- dem multiplicar-se ao infinito. Convidamos 0 eventual leitor da Colémbia ou do Pa- raguai a enviar-nos os nomes, a fidedigna descriglo ¢ 08 hébitos mais conspicuos dos monstros locais. Como todas as misceléneas, como os inesgotaveis-vo- Jumes de Robert Burton, de Fraser ou de Plinio,'O liero dos seres imagindrios nao foi escrito para ‘uma leitura 0 tao-tieh 201 9s tgres do and 202 0s trolls 204 © unicérnio 205 © unicérnio chinés 207 ourdboro 210 , as valquirias ais Youwarkee 214 Ozaratén 15 9 a Beene Rye Mie 8 a a ‘eonsecutiva. Gostariam: i 105 que 08 curiosos ‘sem. como quem brinea com as formas Soe ladas por um caleidoscépio. a Sao miltiplas as for as fontes desta “silva de varia liga” elas estfo registradas em cada artigo, Perdoe: ea ma omissio involuntaria, ee eee ILB~ MG. ‘Martinez, seembro de 1967 F pare conteraplar a paisagen misis maravilhoss do munde |g prociso chegar ao siltimo andar da ‘Torre da Vitoria, em Chitor Existe ali um terrago circular que permite domi- © nar o horizonte inteiro. Uma escada em caracol leva ao van 96 tam coragem de subir os que nao acted terrago, tam na fabula, que diz 0 seguinte: Na escada da ‘Torre da Vitéria vive desde o inicio do tempo 0 A Bao A Qu, sensivel aos valores das almas hu- ae Vive em estado letargio, no primeiro degratn € 5° strata de vida consciente quando alguém sobe a esci- chinesa: cavalo-marinho costuma aparecer no litoral em da fémea; as vezes 0 capturam. A pelagem negra ; a cauda 6 longa ¢ varre o solo; em terra firme como os outros cavales, é mujto décil e pode percor- ‘num dia centenas de milhas. Convém nao banha-le ‘io, pois assim que vé a Agua recupera sua antiga na- za e se afasta nadando.” (Os etndlogos procuraram a origem dessa ficgio islami- nna ficgdo greco-latina do vento que fecunda as éguas. livro iii das Geérgicas, Virgilio versificou essa crenga. is rigorosa é a exposiglo de Plinio (vit, 67): “Ninguém ignora que na Lusitinia, nas cercanias do lisipo (Lisboa) e das margens do Tejo, as éguas viram a ‘cara para o vento ocidental e sfo fecundadas por ele; 0s po~ tros assim engendrados mostram admiravel ligeireza, mas morrem antes de completar trés anos.” Ohistoriador Justino conjecturou que a hipérbole “fi- hos do vento”, aplicada a cavalos muito velozes, originou ‘essa fibula. © cem-cabegas O cem-cabegas ¢ um peixe criado pelo karma de umas pa lavras, por sua repercussio péstnma no tempo. Uma das biografias chinesas de Buda narra que este encontrou al- guns pescadores que forcejavam com uma rede. Ao cabo de infinitos esforgos, puxaram para a margem um enorme peixe, com uma cabega de macaco, outra de cachorro, ou- tra de cavalo, outra de raposa, outra de porco, outra de ti- gre, € assim até o mimero cem. Buda lhe perguntou: “Nao és Kapila?” “Sou Kapila”, responderam as cem cabegas antes de Buda explicou aos discfpulos que, numa encarnagio an- ‘terior, Kapila fora um bramane que se tornara monge e su- perara a todos no entendimento dos textos sagrados. As ve- zes 0s companheiros se equivocavam e Kapila lhes dizia “cabega de macaco”, “cabega de cachorro” etc. Quando ele ‘morreu, o karma dessas invectivas acumuladas o fez renas- cer monstro aquatico, sobrecarregado com o peso de todas as cabegas que havia dado a seus companheiros. cemtauro é a criatura mais harmoniosa da zoologia fan- tica. As Metamorfoses de Ovidio chamam-no “bifor- ie”, mas no custa esquecer sua indole heterogénea € sar que no mundo platénico das formas existe um ar- {tipo do centauro, assim como do cavalo ¢ do homem. A lescoberta desse arquétipo exigiu séculos; os monumentos imitivos e arcaicos exibem um homem nu que ¢ inco- ,odamente adaptado & garupa de um cavalo. No frontao ‘ocidental do Templo de Zeus, em Olimpia, os centauros j& ‘4ém patas eqiiinas; do ponto do qual deveria sair 0 pesco go do animal sai 6 torso humano. Txion, rei da Tessélia, e uma nuvem a que Zeus deu a forma de Hera engendraram os centauros; outra lenda dé conta de que sio filhos de Apolo. (Ja se disse que “centau 10” é uma derivagio de gandharva; na mitologia védica, 08 gandharvas so divindades menores que guiam os cavalos do Sol.) Como os gregos da época homérica desconheciam ‘a equitagdo, conjectura-se que ao ver um némade tenham pensado que ele formava uma unidade com seu cavalo; € © alega-se que os soldados de Pizarro ou de Herndn Cortés também foram centauros para os indios. “Um daqueles a cavalo veio abaixo; e como os indios viram aquele animal dividir-se ‘em duas partes, dando ‘Por certo que tudo era uma coisa s6, foi tamanho o medo que sentiram que deram as costas gritando para os seus, dizendo que havia virado dois e admirando-se daquilo; 0 que nio foi desprovido de mistério; porque, se isso nfo sucedesse, presume-se que teriam matado todos os cris- tos”, reza um dos textos citados por Prescott. Mas os gregos, diferentemente dos indios, conheciam © cavalo; 0 verossimil 6 conjecturar que o centauro foi uma imagem deliberada, e ndo uma confusio ignorante, A mais popular das fabulas em que os centauros apa- recem é a de seu combate com os lépitas, que os haviam convidado para um casamento. Para os héspedes, 0 vinho era novidade; na metade do festim, um centauro embria- gado ultrajou a noiva e deu infcio, derrubando as mesas, 4 famosa centauromaquia que Fidias, ou um de seus discipulos, esculpiria no Partenon, que Ovidio cantaria no livro xi da Metamorfose, e que inspiraria Rubens. Os centauros, vencidos pelos lépitas, tiveram que fugir da Tessélia. Hércules, em outro combate, aniquilou a estir- pea flechadas. A ristica barbarie e a ira esto simbolizadas no cen- tauro, mas “o mais justo dos centauros, Quiron” (Iléada, Xt, 832), foi professor de Aquiles e de Esculapio, tendo instrufdo ambos nas artes da mmisica, da cinegética, da guerra ¢ até da medicina e da cirurgia, Quiron figura memoravelmente no canto x11 do Inferno, que por con- senso geral se chama “canto dos centauros”. Vejam-se a ‘esse respeito as finas observagbes de Momigliano, em sua edigo de 1945, 6 Plinio diz ter visto um hipocentanto; conservado em pel, que mandaram do Egito para o inmperadlor. ‘Na Ceia dos sete sdbios, Plutarco conta com humor que m dos pastores de Periandro, déspota de Corinto, levara, fa ele numa sacola de couro uma criatura recém-nasel- Ja que uma égua havia dado a luz ¢ cujos rosto, pescoge fagos eram humanos ¢ 0 resto eqiiino. Chorava como crianga, ¢ todos acharam que se tratava de wm pres .0 terrivel. O sabio Tales olhou para ele, riu-se e disse : Periandro que realmente ndo poderia aprovar a condu- de seus pastores. ; No livro v de seti poema De rerum natura, Lucrécio aftr ‘a impossibilidade do centauro, porque a espécie eqiiina hega a maturidade antes da humana, e com trés anos 0 tauro seria um cavalo adulto e um menino balbuciante. se cavalo morreria cingiienta anos antes do homem.. ‘0 cervo celestial Nada sabemos da estrutura do cervo celestial (talvez por- que ninguém tenha podido vé-lo claramente), mas sabe- ‘mos que esses tragicos animais andam debaixo da terrae que no aspiram a mais nada seni sair para a luz do dia. Sabem falar e suplicam aos mineiros que os ajudem a sair. No inicio queriam suborna-los com a promessa de metais preciosos; quando falha esse ardil, os cervos perse- guem os homens e estes os emparedam firmemente nas galerias da mina. Fala-se também de homens a quem os cervos torturaram. A tradigao acrescenta que, se 0s cervos saem para a Juz, transformam-se num liquide pestilento que pode assolar o pais. Essa imaginagio é chinesa, e a registra o livro Chine- se Ghouls and Goblins (Londres, 1928), de G. Willough- by-Meade. ites de ser um monstro e um redemoinho, Gila era uma infa, por quem o deus Glanco se apaixonou. Este pedin a Circe, cujo conhecimento de ervas e magias era 1080, Circe se enamorou dele, mas como Glauco nio es- a Cila, ela envenenou as Aguas da fonte em que a ou- ‘costumava banhar-se. Ao primeiro contato com a agua, parte inferior do corpo de Cila se transformou em cies ladravam. Doze pés a sustentavam, e ela se-viu provida seis cabegas, cada uma com trés fileiras de dentes. Essa stamorfose a aterrorizou, e Cila se jogou no estreito que spara a Italia da Sicilia. Os deuses a transformaram em 1. Durante as tempestades, os navegantes ainda ouvem lo das ondas de encontro 4 rocha. . pe fabula esté nas paginas de Homero, de Ovidio de Pausanias. erocotas e leucrocotas Ctésias, médico de Artaxerxes Mnémon, recorreu a fon- tes persas para compor uma descricio da India, obra de valor inestimavel para saber como os persas do tempo de Artaxerxes Mnémon imaginavam aquele pais. O capitu- lo 52 desse repertorio oferece uma nota sobre o lobo-ca- chorro; Plinio (vin, 30) deu a esse hipotético animal nome de crocota e declarou que “nao havia nada que ele nao pudesse partir com os dentes e ato continuo digerir”. Mais precisa que a crocota é a leucrocota, em que cer- tos comentaristas viram o reflexo do gnu, e outros o da hiena, e outros uma fusio dos dois. E rapidissima e do ta- manho do burro silvestre. Tem patas.de cervo, pescoco, cauda e peito de ledo, cabega de texugo, cascos cindidos, boca até as orelhas e um osso continuo em vez de dentes. Vive na Etiépia (onde também hé touros selvagens, dota- dos de cornos méveis) e consta que arremeda com dogu- ra vor humana onos ou hércules Htratado Ditvidas e solugdes sobre os primetros principios, i neoplaténico Damascio, registra uma curiosa verstio la teogonia e cosmogonia de Orfeu, em que Cronos — ya Hercules — ¢ um monstro: segundo Jerénimo e Helénico (se & que os dois niio sto s6), a doutrina érfica ensina que no principio houve "Agua e lodo, com os quais a Terra foi amassada. Esses dois Principios aparecem como os primeiros: 4gua e terra. Deles ‘sain o terceiro, um dragio alado, que na frente exibia a ca: beca de um touro, atras a de um leo, e no meio o rosto de lum deus; chamaram-no ‘Gronos que niio envelhece’ e tam- bém ‘Héracles’. Com ele nasceu a Necessidade, que tam- bém se chama a Inevitavel, e que se dilatou sobre o univer- 's0 e tocou seus confins [...] Cronos, o drag, tirou de si uma tripla semente: o amido Eter, o ilimitado Caos e o ne- buloso Erebo. Debaixo deles pés um ovo, do qual sairia 0 mundo. 0 tiltimo principio foi um deus que era homem ¢ mulher, com asas de ouro nas costas e cabegas de touro nos flancos, e sobre a cabega um desmedido dragaoyigual a todo tipo de feras [...]” ‘Talver porque o violento e monstruoso parece menos proprio da Grécia que do Oriente, Walter Kranz atribui a essas invengdes uma procedéncia oriental. 10 um animal curioso, metade gatinho, metade cor- E uina heranga de meu pai. Em meu poder ele se de- Iveu por completo: antes era mais cordeiro que gato. ra é meio a meio, Do gato tem a cabega e as unhas, do iro 0 tamanho ¢ a forma; de ambos, 0s olhos, que sio jivos ¢ faiscantes, a pele suave e ajustada ao corpo, os \entos ao mesmo tempo dangarinos ¢ furtivos. Deita- ao sol, no vao da janela, vira um novelo ¢ ronrona; no 1po corre como louco e ninguém o alcanga, Foge dos ga ‘€ quer atacar 0s cordeiros. Nas noites de lua, seu passeio ito é a canaleta do telhado. Nao sabe miar ¢ tem hor- de ratos, Passa horas e horas de tocaia diante do gali- \eiro, mas jamais cometeu um assassinato. _ “Alimento-o com leite; é 0 que Ihe cai melhor, Sorve 0 jite em grandes goles entre seus dentes de animal de rapi- ‘ha. Naturalmente é um grande espetaculo para as criangas. "A hora da visita ¢ aos domingos pela manha. Sento-me om 0 animal sobre os joelhos, ¢ todas as criangas da vizi- "nhanga me rodeiam. “Formulam-se entio as perguntas mais extraordind- ias, que nenhum ser humano pode responder: por que 6 ‘existe 56 um animal assim, por que seu possuidor sou eu e ‘nfio outro, sera que antes j houve um animal semelhante, ‘© o que acontecerd depois de sua morte, serd que se sente 's6, por que nfo tem filhos, como se chama etc. Nao me dou ao trabalho de responder; limito-me a exibir minha propriedade, sem maiores explicages, As vezes as criangas ‘trazem gatos; uma vez chegaram a trazer dois cordeiros, Contrariando suas esperangas, nfo se produziram cenas de reeonhecimento. Os animais se olharam com mansidao com seus olhos animais e se aceitaram mutuamente como ‘um fato divino, Sobre meus joelhos, o animal ignora 0 te- mor e o impulso de perseguir. Aninhado contra mim, ¢ como melhor se sente. Apega-se A familia que o criou. Essa fidelidade nao é extraordinaria; é o reto instinto de um animal que, embora tenha na Terra iniimeros lagos politi- cos, ndo tem um timico consangiiineo, e para quem 0 apoio que encontrou em nds 6 sagrado. “As vezes tenho de rir quando ele resfolega ao meu re- dor, enreda-se nas minhas pernas e no quer se afastar de mim. Como se nio lhe bastasse ser gato e cordeiro, também quer ser cachorro. Uma vez — isso acontece com qualquer um — eu nao via como sair de dificuldades econémicas, estava a ponto de acabar com tudo, Com essa idéia na cabe: ga, me embalava na poltrona de meu quarto com o animal sobre os joelhos; tive a idéia de baixar os olhos e vi lagri- ‘mas gotejando sobre seus grandes bigodes. Exam dele ou eram minhas? Sera que esse gato com alma de cordeiro tem 0 orgulho de um homem? Nao herdei muita coisa de meu pai, mas vale a pena cuidar desse legado. “Tem a inquietude dos dois, do gato e do cordeiro, em- bora sejam inquietudes muito diferentes. Por isso seu cou- 68 _ sta. As veres salta para a polttona, apéia as patas da ‘em meu ombro e aproxima o focinho de meu ouvi- ‘como se falasse comigo, e de fato vira a eabega e me respeitoso para observar o-efeito de sua eommunicagao: agradi-lo, fago de conta que entendi e moyo a cabega. ‘salta para o chiio e brinca ao meu redor. "Talver a faca do agougueizo fosse a redengfo para esse al, mas devo recusé-la porque ele é uma heranga, Por terd de esperar até que seu alento acabe, embora as: ‘me olhe com razoaveis olhos humanos, que me ins- ao ato razodvel.” Kafka 69 deménios do judaismo Entre o mundo da carne e o do espirito, a superstigao ju- daica pressupunha um orbe habitado por anjos e demé- nios. O censo de sua populago excedia as possibilidades da aritmética. Egito, Babilénia e Persia contribuiram, ao longo do tempo, para a formagao desse orbe fantastico. ‘Talvez por influéncia crista (sugere Trachtenberg), a de- ‘monologia ou ciéncia dos deménios foi menos importan- te do que a angelologia on ciéncia dos anjos. Citemos, contudo, Keteh Meriri, Senhor do Meio-Dia e dos Verdes Calorentos. Uns meninos a caminho da esco- Jase encontraram com ele; todos morreram, exceto dois, Durante o século xi a demonologia judaica se povoou de intrusos latinos, franceses ¢ alemiies, que acabaram por eonfundir-se com os que registra o Talmude. ;deménios de Emanuel Swedenborg (1688-1772) no ‘ituem uma espécie; proceilem do género humano. individuos que, depois da morte, escolhem 0 inferno. esti felizes naquela regidio de pantanos, desertos, vas, aldeias arrasadas pelo fogo, lupanares e escuras ‘mas no céu seriam mais desditosos. As vezes desce re eles um raio de luz celestial; os demnios 0 sentem 10 uma queimadura e como um cheiro fétido, Acham- Donitos, mas muitos tém rostos bestiais ou rostos que meros pedagos de carne, ou no tém rostos. Vivemn no fo reciproco @ na armada violéncia; quando se unem -m-no para destruir-se ou para destruir alguém, Deus be:aos homens e aos anjos-desenhar um mapa do in- mo, mas sabemos que sua forma geral é a de um dem6- ,. Os infernos mais sérdidos e atrozes esto no oeste. , nao ter retirado o leite da boca da eriaingay nto do os animais do pasto, néo ter aprisionade os 8 dos deuses. mente, 0s quarenta e dois juizes o entregam ao Devo- “que pela frente ¢ crocodilo, pelo meio lef e, por. ‘ipopotamo”. ff ajudado por outro animal, Babai, a do qual sabemos unicgmente que é horrendo & Mhutarco o identifica com um tita, pai da Quimera. 0 devorador das sombras Existe um curioso género literario que ocorreu indepen- dentemente em diversas épocas e nagGes: o guia do morto nas regides ultraterrenas. O céu e o inferno de Sweden- borg, as escrituras gndsticas, o Bardo Thédol dos tibetanos (titulo que, segundo Evans- Wentz, deve ser traduzido por “Libertagdo por intermédio da audigo no plano da pés- morte”) e 0 Livro egipcio dos mortos nao esgotam os exe- plos possiveis. As “semelhangas e diferengas” dos dois til- ‘timos mereceram a atengao dos eruditos; baste-nos aqui repetir que para o manual tibetano 0 outro mundo é tao ilusbrio quanto este, e para o egipcio ¢ real e objetivo. Nos dois textos encontramos um tribunal de divinda des, algumas com cabega de macaco; nos dois, uma ponde- ago das virtudes e das culpas. No Livro egipcio dos mor- tos, uma pena e um coragdo ocupam os pratos da balanga; no Bardo Thedol, pedrinhas brancas e pretas. Os tibetanos tém demdnios que agem como furiosos verdugos; os egip- cios, 0 Devorador das Sombras. morto jura nao ter sido causa de fome nem causa de choro, nao ter matado e niio ter mandado matar, nao ter roubado 0s alimentos funerérios, nao ter falsificado as 8 Segundo a tradigao islamica, Alé fez os anjos com luz, os djins com fogo e os homens com pé. HA quem afirme que ‘a matéria dos segundos é um fogo escuro sem fumaga Foram criados dois mil anos antes de Adio, mas sua estir- pe nao chegara ao dia do Juizo Final. Al-Qazwini os definiu como “vastos animais aéreos de corpo transparente, capazes de assumir varias formas”. No infcio aparecem como nuvens ou como altos pilares inde- finidos; em seguida, conforme queiram, assumem a forma de um homem, de um chacal, de um lobo, de um leo, de um escorpido ou de uma cobra. Alguns sio fiéis; outros he- reges ou ateus. Antes de destruir um réptil devemos pedir The que se retire, em nome do Profeta; é licito mata-lo se no obedece. Os djins s4o capazes de atravessar uma pare- de macica ou de voar pelos ares ou de tornar-se brusca- mente invisiveis. E comum chegarem ao céu inferior, onde supreendem a conversa dos anjos sobre acontecimen- tos futuros; isso Ihes permite ajudar magos e adivinhos. Gertos doutores thes atribuem a construgio das piramides ‘ou, por ordem de Salomio, filho de Davi, que conhecia 0 ‘Todo-poderoso Nome de Deus, do Templo de Jerusalém. ™ jionados em varandas ou balledes, jogam pedras nas também tém o habito de raptar mulheres bonitas. itar suas depredagSes, convém invoear 0 nome de “Misericordioso, o Apiedado, Sua moradia mais fre- do as ruinas, as casas vazias, as cisternas, 05 105 © 0s egipcios afirmam que sto a causa das tem- de areia. Acreditam que as estrelas cadentes sito Jangados por Alé contra os maléficos djins, lis é seu pai e seu lider. O dragao possui a faculdade de assumir muitas formas, mas essas formas sao inescrutaveis. Em geral o itaagi- nam com cabega de cavalo, cauda de serpente, grandes asas laterais e quatro garras, cada qual equipada com quatro unhas. Fala-se também de suas nove semelhangas: seus chifres se assemelham aos de um cervo, sua cabega & do camelo, seus olhos aos de um deménio, seu pescoco ao da serpente, sua barriga & de um molusco, suas escamas as de um peixe, suas garras as da Aguia, as plantas de seus pés as do tigre e suas orelhas as do boi. Ha exemplares desprovidos de orelhas e que escutam pelos chifres. E ha bitual representa-lo com uma pérola, que esté pendura- da em seu pescogo e que simboliza o Sol. Nessa pérola esta seu poder. Se a tiram dele, é inofensivo, A historia Ihe atribui a paternidade dos primeiros im. peradores. Seus ossos, dentes e saliva gozam de virtudes medicinais. Pode, conforme sua vontade, ser visivel ou invisivel aos homens. Na primavera sobe aos céus; no ou- tono afunda na profundeza das aguas. Alguns enzecern da asas € voam com impulso préprio. A ciéncia distingue di- versos géneros. O dragao celestial transporta nas costas os 6 10s das divindades e nao deixa que’eles eaiam sobre a; o dragio divino produz 0s venitos @ as chuvas, ra o bem da humanidade; o dragao terrestre determi ‘6 curso dos arroios e dos rios; o dragdo subterraneo conta dos tesouros vedados aos homens. Os budistas am que 08 dragSes nfo so menos abundantes do (0s peixes de seus muitos mares concéntricos; em al- lugar do universo existe uma cifra sagrada para ex sar seu numero exato. O povo chinés acredita mais dragées do que em outras deidades, porque os vé com a freqiiéncia nas nuvens cambiantes. Paralelamente, speare havia observado que hé muvens com forma le dragio (sometimes we see a cloud that’s dragonish). dragao governa as montanhas, vincula-se & geoman- mora perto dos sepulcros, est associado ao culto de nnfiicio, é 0 Netuno dos mares e aparece em terra firme. reis dos drages do mar vivem em palécios resplande- ites sob as Aguas e se alimentam de opalas e de pérolas. IA cinco desses reis: o principal esta no centro, os outros juatro correspondem aos pontos cardeais. Tém uma légua comprimento; quando mudam de posig&o, provocam jlisdes entre as montanhas. Esto revestidos de uma ar- dura de escamas amarelas. Sob 0 focinho tém uma bar- as pernas e a cauda sao peludas. A testa se projeta sobre olhos chamejantes, as orelhas sio pequenas ¢ grossas, a ‘boca estd sempre aberta, a lingua ¢ comprida e os dentes 0 afiados. 0 halito faz ferverem os peixes, as exalagbes do corpo os assam., Quando sobem a superficie dos oceanos ‘produzem redemoinhos e tufdes; quando voam pelos ares ‘causam tormentas que destelham as casas das cidades jmundam 0s campos. Sao imortais e podem comunicar-se 2 entre si apesar das disténcias que os separam e sem neces ‘sidade de palavras. A cada trés meses fazem seus informes anuais aos céus superiores. ‘cosmogonia chinesa ensina que 0s dez mil seres (o mun~ )) nascem do jogo ritmico de dois principios complemen. ¢€ eternos, que sio o yin €0 yang. Correspondem ao ‘a concentragio, a obscuridade, a passividade, os nu- ‘os pares e o frio; ao yang, 0 crescimento, a luz, 0 im- Iso, os niimeros impares ¢ 0 calor. Simboles do yin sitio sulher, a'Terra, a cor laranja, 0s vales, os leitos dos rios 0 tigre; do yang, o homem, o céu, @ azul, as montanhas, pilares, o dragao. (0 dragao chinés, o Lung, é um dos quatro animais gicos. (Os outros so 0 unicérnio, a fénix e a tartaru- } No melhor dos casos, 0 dragiio ocidental ¢ aterrador, ‘no pior, ridiculo; o Lung das tradigdes, em compensa ,, tem divindade e é como um anjo que fosse também 0. Assim, nas Memérias histéricas de Ssu-Ma Ch’ien 108 que Conficio foi corisultar 0 arquivista ou biblio~ -ario Lao 'Tsé e que, depois da visita, manifestou: “Os pissaros voam, 0s peixes nadam ¢ os animais cor- ‘O que corre pode ser detido por uma armadilha, 0 que la por uma rede e 0 que voa por uma flecha, Mas ai esté 7” © dragao; nao sei como cavalga no vento nem como chega 40 c6u. Hoje vi Lao Tsé e posto dizer que vi o dragio.” ‘Um dragio ou um cavalo-dragio surgiu do rio Ama- Telo e revelou a um imperador 0 famoso diagrama circu- lar que simboliza 0 jogo reciproco do yang e do yin; um rei tinha em seus estabulos dragées de sela ¢ de tiro; ou: tro se alimentou de dragGes e seu reino foi prospero. Um grande poeta, para ilustrar os riscos de sua eminéncia, péde escrever: “O unicérnio acaba como fiambre, o dra gfe como empadio de carne”. No I Ching (Livro das Mutages), 0 dragio costuma significar 0 sabio. Durante séculos, 0 dragio foi o emblema imperial. O trono do imperador foi denominado Trono do Dragao; seu rosto, 0 Rosto do Dragao. Para anunciar que o impe- rador havia morrido, dizia-se que havia subido ao firma- mento montado num dragio. A imaginagio popular associa o dragio as nuvens, & chuva t4o desejada pelos agricultores e aos grandes rios, “A terra se une ao dragio” & uma locugio habitual para fazer referéncia & chuva. Por volta do século v1, Chang Seng-Yu executou uma pintura mural em que figuravam quatro dragées. Os espectadores 0 censuraram porque omaitira os olhos. Chang, aborrecido, voltou a empunhar 98 pincéis ¢ completou duas das sinuosas imagens. Entao “oar se povoou de raios ¢ trovées, o muro se fendeu e os dragdes subiram ao céu. Mas os outros dois dragdes sem olhos nao safram do lugar”. O dragio chinés tem chifres, garras e escamas, ¢ seu espinhago é todo erigado de pontas agudas. & comum 80 senté-lo com uma pérola, que tem olhdbite de engo- ya cuspir; nessa pérola esta seu poder. Se a tiram dele, eae nos fala de um homem temaz que, 80 cabo trés anos extenuantes, dominou a arte de matar ara: , ¢ pelo resto de seus dias ndo topou com urna tiniest runidade de exercé-la. o dragao no ocidente ‘Uma serpente grossa ¢ alta com garras e asas talvez seja a descrigao mais fiel do dragio. Pode ser negro, mas con: vém que também seja resplandecente; a0 mesmo tempo se costuma exigir que exale baforadas de fogo e fumaga. O que antecede se refere, naturalmente, a sua imagem atual; 05 gregos parecem ter aplicado seu nome a toda serpente de bom tamanho. Plinio relata que no verao 0 dragiio tem desejo de tomar sangue de elefante, que é in- crivelmente frio, Ataca-o de repente, enrola-se nele e lhe crava os dentes. O elefante exangue cai no chao e morre; 0 dragio também morre, esmagado pelo peso do adversa. rio, Lemos ainda que os dragées da Etiépia, em busca de melhores pastos, costumam atravessar o mar Vermelho emigrar para a Ardbia. Para executar essa faganha, qua- tro ou cinco dragdes se abragam e formam uma espécie de embarcagao, com as cabegas fora da Agua. Outro capt tulo é dedicado aos remédios extraidos do dragao. Ali se 16 que seus olhos, secos e batidos com mel, produzem um linimento eficaz contra os pesadelos. A gordura do cora- go do dragiio guardada na pele de uma gazela e amarra da.ao brago com os tenddes de um cervo assegura 0 éxito 8 0s litigios; também os dentes, amarrados ao corpo, tor- 08 senhores indulgentes e os reis bem-humorados. O sxto menciona com ceticismo um preparado que torna, homens invenciveis. f, elaborado com pélo de leo, com medula desse animal, com a espuma de um cavalo que de ganhar uma corrida, com as unhas de um ea- horro e com a caudae a cabega de um dragio. _ No livro xt da Miada lé-se que no escudo de Agame- mn havia um dragio azul e tricéfalo; séculos depois os \tas escandinavos pintavam dragées em seus escudos € iipiam cabegas de dragdo na proa das embarcages. ‘0s romanos, o dragiio foi insignia da coorte, como'a a da legidio; essa ¢ a origem dos atuais regimentos de ages. Nos estandartes dos reis germanicos da Inglater- havia dragdes; 0 objetivo de tais imagens era infundir terror aos inimigos. Assim, no romance de Athis 1é-se: Ce souloient Romains porter, Ce nous fait moult @ redouter No Ociderite, o dragio sempre foi considerado malvado. jo Miguel, sao Jorge) era vencé-lo € maté-lo. Nas lendas Anicas, 0 dragio ¢ sentinela de objetos preciosos. As- do século vin, hé um dragio que durante trezentos anos ‘0 guardido de um tesouro. Um escravo fugitivo se escon- ‘de em sua caverna ¢ furta um jarro. O dragao desperta, dé- conta do roubo e resolve matar o ladrdo; de vez em #00 romanos costumavam portar/Iso nos torua extremamente temiveis, 85 ‘quando desce até a caverna e a revista cuidadosamente (Admirivel idéia do poeta, atribiuir ao monstro essa insegu- Yanga tio humana.) O dragdo comega a devastar o reino; Beowulf persegue, Iuta com ele e o mata. As pessoas acreditaram na realidade do dragio. Em meados do século xv1, ele foi registrado na Historia ani- ‘malin, de Conrad Gesner, obra de carater cientifico. O tempo desgastou consideravelmente o prestigio dos dragses. Acreditamos no leao como realidade e como sim- bolo; acreditamos no minotauro como simbolo, jé que nfo acreditamos nele como realidade; o dragio talvez seja 0 mais conhecido, mas também © menos afortunado dos ani- mais fantasticos. Parece-nos pueril e costuma contaminar de puerilidade as historias em que est presente, Convém niio esquecer, contudo, que se trata de um preconceito moderno, talvez provocado pelo excesso de‘dragdes exis- tentes nos contos de fadas. Porém, no Apocalipse de so Joao, fala-se duas vezes no dragao, “a velha serpente que éodiabo e é Satanés”, Analogamente, santo Agostinho es- reve que 0 diabo “6 ledo e dragio; leXo pelo impeto, dra- go pela insidia”. Jung observa que no dragio estio a ser pente e 0 pissaro, os elementos da terra e do ar. erido ou estimulado pelos espelhos, pelas Aguas e pelos néios gémeos, o conceito do duplo é comum a muitas na~ E verossimil supor que sentengas como “Um amigo é ‘outro eu”, de Pitigoras, ou o “Conhece-te a ti mesmo” nico se inspiraram nele. Na Alemanha chamaram-no Doppelganger: na Escicia, fetch, porque vem buscar (fetch) homens para levé-los para a morte. Encontrar-se consi- @ mesmo é, por conseguinte, funesto; a tragica balada Ti- onderoga, de Robert Louis Stevenson, fala de uma lenda bre esse tema. Recordemos também o estranho quadro How They Met Themselves, de Rossetti; dois amantes se sncontram consigo mesmos no crepisculo de um bosque. Seria 0 caso de citar exemplos andlogos de Hawthorne, toiévski e Alfred de Musset. | Para os judeus, contudo, o aparecimento do duplo ni era ppressigio de morte proxima, Era a certeza de ter alcangado o estado profético, Assim 0 explica Gershom Scholem. Uma tradigao recolhida pelo Talmude narra o caso de um homem busca de Deus que se encontrou consigo mesmo. No relato “William Wilson”, de Poe, o duploé a cons- jéncia do heréi, Este o mata e morre. Na poesia de Yeats, 85 9 duplo é nosso anverso, nosso contrério, aquele que nos ‘complementa, aquele que nao somos nem seremos. Plutarco escreve que os gregos deram o nome de “ou- to eu” ao representante de um rei. \entos anos antes da era crit, a rainha Maia, no Ne~ ‘sonhou que um elefante branco, vindo da Montanha de , entrava em seu corpo. Esse animal ontrico tinha seis, que correspondem as seis dimensdes do espago hin- ico: em cima, embaixo, atris, a frente, esquerda e di- . Os astrologos do rei previram que Maiadaria é luz um. \ino, que seria imperador da Terra ou redentor da espé- humana. Confirmou-se, como se sabe, a tiltima hipétese. Na india, o elefante é um animal doméstico. A cor bran- significa humildade e o ntimero seis ¢ sagrado. Sao de estirpe germanica. De seu aspecto pouco sabemos, exceto que sifo sinistros e diminutos. Roubam gado ¢ rou- bam criangas. Além disso, divertem-se com diabruras me- nores. Na Inglaterra deu-se o nome de elf lock (cacho de elfo) a um cabelo emaranhado, pois se acreditava que fos- se obra de elfos. Um exorcismo anglo-saxao atribui-lhes a faculdade malévola de arremessar de longe mimisculas flechas de ferro, que penetram na pele sem deixar rastro e que causam dores nevralgicas. Em alemio, a palavra para pesadelo é Alp; os etimologistas derivam essa palavra de “elfo”, dado que na Idade Média era comum a crenga de «que 0s elfos oprimiam 0 peito dos que dormiam e lhes ins- piravam sonhos horrorosos. eléi e os morlocks. hheréi do romance The Time Machine (A maquina d6 :po), que o jovem Wells publicou em 1895, viaja, me- te um artificio mecinico, para um futuro remoto. cobre que o género humano se dividiu em duas espé- .s: 08 eldi, aristocratas delicados e inermes que moram ociosos jardins e se nutrem de fruta, e 08 morlocks, es- 1e subterrdnea de proletarios que, & forga de trabalhar 10 escuro, ficaram cegos, e que continuam pondo em mo- .ento, instados pela mera rotina, méquinas enferruja complexas que nada produzem. Os dois mundos si jidos por pogds com escadas em espiral. Nas noites sem 1, os morlocks surgem de sua clausura ¢ devoram os e/6i 0 heréi consegue fugir para o presente. Como timico feu traz uma flor desconhecida e murcha, que vira pé ‘e que florescera depois de milhares de séculos. ‘A esfinge 40s monumentos egfpcios (chamada “androes finge” pot Herédoto, para diferencié-la da grega) é um lefo exiirado no solo e com cabega de homem; represen- tava, imagina-se, a autoridade do rei, e vigiava os sepul- ros ¢ 05 tetplos. Outras, nas avenidas de Karnak, tém cabeca de carneiro, o animal sagrado de Amon. Nos mo- mumestos da Assiria hé esfinges barbadas e coroadas, e a imagem ¢ Costumeira nas gemas persas. Plinio, em seu catiloge de animais etiopes, inclui as esfinges, de que descrewe ma 86 caracteristica: “a pelagem pardo-aver- melhada € 98 peitos iguais”. A esinge grega tem cabega e peitos de mulher, asas de passaro® COMPO © pés de ledio. Outros Ihe atribuem corpo de cachorT0 € cauda de serpente. Conta-se que assolava 0 pais de Tebas, propondo enigmas aos homens (pois pos- sufa yor humana) e devorando aqueles que ndo sabiam resolyéJos. A Edipo, filho de Jocasta, perguntou: “Que ser tem quatro pés, dois pés ou trés pés, ¢ quan- tos mais tem, mais fraco 62”! «Asim gH, VeFSZO mais antiga. Ox anos Ibe adicionaram a metifora rd dipo respondeu que era o homeét, que quando peque~ arrasta sobre quatro pés, quando mais ereseido anda re dois e na velhice se apbia num bastdo, A esfinge, de- do 0 enigma, jogou-se do alto de sua montana, Quincey, aproximadamente em 1849, sugeriu uma mnda interpretagao, que pode complementar a tradi- sal. O sujeito do enigma, segundo De Quineey, nao € to o homem genérico quanto o individuo Edipo, des. lido e érfao em sua manhé, sozinho na idade virile ado em Antigona na desesperada e cega velhice, rensforma a vida do homer num s6dia. Hoje o enigma é formulado, ‘Qual & 0 animal que anda com quatro pés de manhf, cb dois jo-dia-e com 16 tarda? Seu nome se vincula ao vocibulo latino fecum (fado, destino). Intervém magicamente nos assuntos dos ho- mens. Jé se disse que as fadas so as mais numerosas, as mais belas e as mais memoraveis das divindades meno- res. Nao esto limitadas a uma s6 regio ou a uma s6 época. Os antigos gregos, os esquimés e os peles-verme- Ihas contam histérias de heréis que obtiveram o amor dessas fantasticas criaturas. Tais aventuras so perigo- sas; a fada, uma vez satisfeita sua paixdo, pode sacrifi- car seus amantes. Na Irlanda e na Escécia dizem que elas vivem em re sid@ncias subterréneas, onde aprisionam as criangas e os homens que costumam seqitestrar. As pessoas acreditam que elas possuiam as pontas de flechas neoliticas exu- madas nos campos, as quais conferem infaliveis virtudes medicinais. As fadas gostam da cor verde, do canto e da misica. No fim do século xvit um clérigo escocés, 0 reverendo Kirk, de Aberboyle, compilou um tratado que se intitu- la A secreta repiiblica dos elfos, das fadas e dos faunos. Em 1815, sir Walter Scott mandou imprimir 0 manus- . Dizem que o st. Kirk foi levado pelas fadas porque fa revelado seus mistérios. Nos mares da Ivilia a fade ygana trama miragens para confundir os navegantes Jos perder o rumo. 93 fastitocalon A Idade Média atribuiu ao Espirito Santo a composigio de dois livros, O primeiro era, conforme sabemos, a Biblia; 0 segundo, 0 universo, cujas criaturas encerravam ensina. mentos imorais. Para explicar este Ultimo, compilaram. se 08 fisidlogos ou bestidrios. De um bestidrio anglo-saxio resumimos 0 texto que se segue: “Falarei também neste cantar da poderosa baleia. erigosa para todos os navegantes. Esse nadador das cor rentes do oceano recebe o nome de Fastitocalon. Sua for- ma é ade uma pedra rugosa e da a impress de estar co- beria de areia; 0s marinheiros que o véem pensam que é uma ilha. Amarram seus navios de alta proa a falsa terra e desembarcam sem temer nenhum perigo, Acampam, acendem fogueiras e dormem, rendides. Entdo o traidor submerge no oceano; vai para suas profundezas e deixa que 0 navio ¢ os homens se afoguem na sala da morte, ‘Também costuma exalar da boca uma doce fragrancia, ‘que atrai os outros peixes do mar, Estes penetram em ‘suas fauces, que se fecham e os devoram, Assim o dem6- nio nos arrasta para o inferno.” ” sma fabula esta presente no livre As mile wma na lenda de so Brando e no Paraiso perdido de , que nos mostra a baleia dormindo “na : ae a er, . Brinca e salta nos descampados, brandindo seu es- ‘e seu machado. fauna chinesa peixe hua, ou peixe-serpente-voadora, ras tem asas de passaro, Seu aparec seca. dg hau das montanhas parece um cachorro com Fosto em. E muito bom saltador e se move com a velo le de uma flecha; por isso se acredita que seu apare- lento pressagia tufSes. Ri de modo provocador quando ‘© homem. chiang-liang tem cabega de tigre, face de homem, quatro cascos, longas extremidades e uma cobra entre os dentes. (Os habitantes do Pais dos Bragos Compridos tocam 0 lo com as méos. Subsistem dos peixes apanhados na ‘ira do mar. Na regido a oeste da Agua Vermelha vive o animal chamado ch’ou-ti, que tem uma eabega de cada lado. Os habitantes de Ch'uan-T’ou tém cabega humana, asas de morcego e bico de passaro. Alimentam-se exclu: sivamente de peixe cru. Os homens-marinhos tém cabega e bragos de homem corpo e cauda de peixe. Emergem a superficie das jas Fortes. O hsiao parece uma coruja, mas tem rosto de homem, corpo de macaco e cauda de cachorro, Seu aparecimento ‘pressagia secas rigorosas. "A serpente musical tem cabega de serpente e quatro Faz um barulho que lembra 0 da pedra musical 0 ping-feng, que vive no Pais da Agua Magica, pare- tum poreo negro, mas tem uma cabega em cada ex- Os Asing-hsing parecem macacos. Tém rosto branco orelhas pontiagudas. Andam eretos como homens e sobem nas drvores. emidade. © Asing-tien & um ser acéfalo que, depois de travar © cavalo celestial parece um cachorro branco de cabe- combate com os deuses, foi decapitado e ficou para sem- ‘ga preta. Tem asas carnosas e voa. pre sem cabega. Tem os olhos no peito, e o umbigo é sua ; I 97 Na regitio do Brago Esquisito, as pessoas tm um bra# g0 € trés olhos. Sao fantasticamente habeis ¢ fabricam ‘carraagens voadoras, nas quais viajam pelo vento. ti-chiang & um passaro sobrenatural que vive nas Montanhas Celestiais. vermelho, tem seis patas e qua- ‘tro asas, mas nfo tem rosto nem olhos. Tai Ping Kuang Chi dos estados unidos mitologia dos acampamentos de machadeiros de in e de Minnesota inclui criaturas singulares, nas certamente, ninguém munca acreditou, hidebehind sempre est atras de alguma coisa, Por ‘voltas que um homem desse, sempre o teria atras de ‘¢ por isso nunca ninguém o viu, embora tenha mata: fe devorado muitos lenbadores. 0 roperite, animal do tamanho de um potro, tem um que lembra-uma corda, que usa para lagar os coelhos is velozes. | O teakettler deve seu nome ao ruido que produz, seme- inte ao da agua fervendo na chaleira para fazer chy Ita fumaga pela boca, anda para tras e foi visto rarissit vezes. 0 axehandle hound tem a cabega em forma de macha- ‘do, o corpo em forma de cabo de machado, pernas reforga- ‘das, e se alimenta exclusivamente de cabos de machado, Entre 0s peixes da regido estdo os upland trouts, qu fazem ninhos nas érvores, voam muito bem e tém med da agua. _ Bxiste também 0 goofang, que nada para tris para que no Ihe entre agua nos olhos e “é do tamanho exato do peixe-roda, s6 que muito maior”. Nao esquegamos 0 goofius bird, passaro que constréi o ninho ao contrério e voa para trés, porque nao quer saber para onde vai, e sim onde esteve. O gillygaloo fazia ninho nas encostas escarpadas da fa- mosa Pyramid Forty. Punha oves quadrados para que no rolassem e se perdessem. Os lenhadores cozinhavam esses ovos e os utilizavam como dados. 0 pinnacle grouse tinha s6 uma asa, que Ihe permitia voar apenas numa diregio, dando infinitamente a volta num morro cénico. A cor da plumagem variava conforme a estagdo e conforme a condigio do observador, Jivros candnicos dos chineses costumam decepeionar, me Thes falta 0 carater patético a que a Biblia nos umou, De repente, em seu razodvel decurso, uma ‘idade nos comove. Esta, por exemplo, registrada no ul dos Analectos, de Confiicio: | “Pjisse 0 Mestre a seus discfpulos: Que baixo cai! Ja faz spo que no vejo em meus sonhos o principe de Chu.” Ou esta, do livro 1x: | 60 Mestre disse: A fénix nfo aparece, nenhum signo i do rio. Estou acabado.” refere a uma 0 “signo” (explicam os comentaristas) se taruga magica. Quanto &fé~ jandecentes parecido favo real. Em épocas pré-historicas, itUosoy, ‘vel testemunho do favor celestial. O macho, ‘que tinha trés pemas, habitava 0 Sol. inscrigo no casco de uma tar ‘nix (feng), é um pissaro de cores resp "com 0 faisiio ¢ com 0 ps " visitava os jardins e os palacios dos imperadores vi ‘como um visi ‘No primeiro século da nossa era, o imprudente ateu ‘Wang Ch'ung negou que a fénix constituisse uma espécie " fixa. Declarou que, assim como a serpente se transforma, ‘em peixe e a ratazana em tartaruga, 0 cervo, nas épocas de prosperidade geral, costuma assumir a forma do unieérnio, eo ganso a da fénix. Atribuin essa mutagio ao “liquide _ propicio” que; dois mil trezentos e cingtienta ¢ seis anos antes da era crist, fez que no patio de Yao, que foi um dos imperadores-modelo, crescesse grama escarlate. Como se vé, sua informagao era deficiente, ou antes excessiva. Nas regides infernais hé um edificio imagindrio que se chama Torre da Fénix. ho de leviata ria naquele tempo, num bosque a margem do Rda- e Arles e Avignon, um dragio, metade animal € peixe, maior que um boi e mais compride que Jo. E tinha os dentes agudos como a espada e chi- os dois lados, e se ocultava na agua, e matava os fo- jiros e afundava as embarcagées. E viera pelo mar da ia e fora gerado por Leviata, crudelissima serpente a, e por um animal chamado Onagro, que nasce na 9 galo celestial De acordo com os chineses, o galo celestial é uma ave de plumagem de ouro, que canta trés vezes por dia, A pri- meira, quando 0 Sol toma seu banho matinal nos confins do oceano;a segunda, quando o Sol esta no zénite; a ilti- ma, quando afunda no poente. © primeiro canto sacode 0s céus e desperta a humanidade. O galo celestial é ante- passado do yang, principio masculino do univers. Dispe de trés pés e faz seu ninho na arvore fu-sang, cuja altura chega a centenas de milhas e que cresce na regio da au- tora, A vor do galo celestial é muito forte; seu porte, ma- jestoso, Pde ovos dos quais saem pintos de crista verme- ts ae renee @ seu canto pela manha. Todos os galos da Terra descendem is coterie do galo celestial, que também 1u, segundo deus da trindade que preside ao pantedio’ co, costuma cavalgar a serpente que enche o mar, fave Garuda. Vishnu é representado em azul e munido , Garuda, com asas, rosto e garras de Aguia, ¢ tronco e de homem. 0 rosto é branco, as asas escarlates, ¢ 0 dourado. Imagens de Garuda, lavradas em bronze ou ‘peda, costumam coroar 0s mondlites dos templos. Em ior existe um, construido por um grego, Heliodoro, yo de Vishnu, mais de um século antes da era crista. (No Garuda-Purana (que é 0 décimo sétimo dos Pu- ou tradigoes), o douto passaro declara aos homens igem do universo, o carater solar de Vishnu, as ceri- mnias de seu culto, as ilustres genealogias das casas descendem da Lua e do Sol, 0 argumento do Ra- ¢ diversas noticias referentes & versificagio, & ‘itica e & medicina. No Nagananda (Alegria das Serpentes), drama comi- o por um rei no século vil, Garuda mata e devoral 1a serpente por dia, até que um principe budista Ihe sina as virtudes da abstinéncia. No tltimo ato, 0 arre- 105, " pendido faz voltarem a vida os oss0s das serpentes devo- _ tadas. Eggeling acha que essa obra é uma sétira brama nica ao budismo. ‘Nimbarka, mistico de data incerta, escreveu que Ga- ‘ruda é uma alma salva para sempre; também so almas a coroa, os brincos e a flauta do deus, mp inglés existe a locugio grin like a Cheshire cat (“sorrit ficamente como ium gato de Cheshire”). Sugeriram-se ‘explicagdes. Uma, que em Cheshire vendiam queijos forma de gato que ri. Outra, que Cheshire 6 um conda- ‘palatino, on earidom, e que essa distingao nobiliérquica usou a hilaridade dos gatos. Outra, que nos tempos de Ri- srdo mt houve um guarda florestal, Caterling, que sorria fe snte ao bater-se com os cagadores furtivos. blicado em 1865, Lewis Carroll dotou o gato de Cheshire capacidade de desaparever gradualmente até nao dei- xar mais que 0 sorriso, sem dentes e sem boca. Dos gatos Kilkenny, conta-se que lutaram furiosamente e se devo taram até néo sobrar mais que as caudas. O conto data do Sao mais antigos que seu nome, que 6 grego, mas que os clissicos ignoraram, porque data do século xv1. Os etimo- logistas atribuem-no ao alquimista suigo Paracelso, em cujos livros aparece pela primeira vez. ‘Sio duendes da terra e das montanhas. A imaginagio popular os vé como andes barbudos, de tragos toscos grotescos; usam roupas pardas ajustadas ao corpo e capuz monéstico. Tal como os grifos da superstigfo helénica ¢ oriental e os dragdes germanicos, tém a misstio de tomar conta de tesouros ocultos. Gnosis, em grego, & “conhecimento”; tem-se conjectu: rado que Paracelso inventou a palavra “gnomo” porque eles conheciam e podiam revelar aos homens 0 exato lu- gar em que os metais estavam escondidos. livro citado por uma inteligéncia divina ndio podemos — jmitir nada de casual, nem mesmo o nimero de palavras ‘a ordem dos signos; assim 0 entenderam os cabalistas, € dedicaram a contar, combinar e permutar as letras da da Escritura, instados pelo desejo de desvendar os ar- nos de Deus. Dante, no século xitt, declarou que todos os thos da Biblia tém quatro sentidos: o literal, o alegérico, moral e o anagégico. Escoto Erigena, mais coerente com nogio de divindade, j4 afirmara que os sentidos da Escri- ura sio infinitos, tal como as cores da cauda do pavao real. sdos que procuraram no texto divino foi a criagao de corgtinicos, Sobre os deménios, afirmou-se que podiam jormar criaturas grandes e macigas como 0 camelo, mas fio finas e delicadas, eo rabino Eliezer negou-lhes a facul= Jade de produzir algo de tamanho inferior a um grio dé evada. “Golem” foi o nome dado ao homem criado,por_ ombinagées de letras; a palavra: significa, literalmente, ‘uma matéria amorfa ou sem vida”. No Talmnde (Sanhedrin, 656) lemos: ~ "Se os justos quisessem criar um mundo, poderiam antes da oragao da noite, o rabino se: fazé lo. Combinando as letras dos ineffveis nomes de ar 0 selo da boca do golem e este ‘Deus, Rava conseguiu criar um homem eo enviou a Rav "u pelas ruelas escuras e destrogou 10 Zera, Este lhe dirigiu a palavra; como o homem nao res n seus passos. O rabino, no fim, pondia, o rabino lhe disse: mpeu o-sélo que o animava. A criatura ari “fis uma criagdo da magia; torna a teu po. .quitica figura de barro que ainda hoje se “Todas as sextas-feiras dois mestres costumavam estu- de Praga.” dar as eis da Criagio e criar um bezerro de trés anos, que ‘em seguida aproveitavam para a ceia.”! " Bleazar de Worms conservou a formula necessitria nstruir um golem. Os pormenores do empreent A fama ocidental do golem ¢ obra do escritor austri cam vinte e trés colunas in-félio e exigem o conheci- co Gustav Meyrink, que no quinto capitulo de seu ro- 10 dos “alfabetos das duzentas ¢ vinte e uma portas™ manee onirice Der Golem (1915) escreve: lie é necessério repetir sobre cada um dos érgios do go- Na testa deverd ser tatuada a palavra emet, que sig- “A origem da histéria remonta ao século xvil. De acor- ica “verdade”. Para destruir a criatura é preciso apa- do.com perdidas formulas da cabala, um rabino? cons- ar a letra inicial, porque assim resta a palavra met, que truiu um homem artificial — o chamado golem — para gnifica “morto”. que este tangesse as sinetas na sinagoga e se ocupasse dos trabalhos pesados. No era, contudo, um homem como os outros, ¢ s6 0 animava uma vida fosca e vegetativa. Esta durava até a noite e devia sua virtude a influéncia de uma inscrig&o mégica que lhe punham atras dos dentes que atraia as livres forcas siderais do universo. Uma tar- 1 Igualmente, Schopenhauer esereve: “Na pagina 325 do primeire voli ‘me de sua Zauberbibliodhek (Biblioteca migica), Horst sintetiza assim a outrina da visiondria inglesa Jane Lead: Aqueles que possuem forga ma {gia podem, a sou arbitrio, daminar e renovar 0 reino mineral, o reino ve getal eo reino animal; basteria, consequentemente, que alguns magos se pPusessem de scordo para que toda 2 Criagio voltasse ao estado paradisi 0" (Sobre a vontade na natureza, Vi). 1 Judah Loew ben Berabel. “Monstros alados”, diz Herddoto dos grifos, ao narrar sua guerra ininterrupta com 0s arimaspos; quase tio impre- ciso quanto ele é Plinio, que fala das grandes orelhas e do bico eurvo desses “passaros fabulosos” (x, 70). Talvez a descrigao mais detalhada seja a do problematico sir John Mandeville, no capitulo 85 de suas famosas Viagens: “Desta terra (Turquia) os homens irdo a terra de Bic tria, onde ha homens cruéis e astutos, e naquela terra ha Arvores que dao Ia como se fossem ovelhas, com a qual se faz pano. Naquela terra ha ypotains (hipopétamos) que 4s vezes moram na terra, as vezes na Agua, e siio metade homem e metade cavalo, e s6 se alimentam de homens, quando conseguem encontré-los, Naquela terra h4 mui- tos grifos, mais do que em outros lugares, e alguns dizem que eles tém a parte da frente do corpo de guia e a par- te de tras de lefio, e essa é a verdade, porque ¢ assim que eles so; mas o grifo tem 0 corpo maior do que oito ledes € 6 mais forte do que cem Aguias. Porque sem diivida consegue levar voando até seu ninho um cavalo com 0 ca- valeiro, ou dois bois jungidos quando saem para arar, que tem grandes unhas nos pés, do tamanho de cor- de bois, e com elas fazem- se copos peo ‘costelas, arcos para atirar.” Em Madagascar, outro famoso viajante, uviu falar do passaro roca e no inicio achou que falando do uccello grifone, o passaro grifo (Viagens, Na Idade Média, a simbologia do grifo & com bestidrio italiano diz que ele significa o deménio; em eral, ¢ simbolo de Cristo, e assim é explicado por Isido- fo de Sevilha em suas Etimologias: “Cristo ¢ leto porque yeinae tema ores guia, porque, depois da ressurreigao, abe aos bus”. No canto xxix do Purgatério, Dante sonha com um triunfal puxado por um grifo; a parte de dguia é dourada, a de leo é branca misturada com vermelho, 1 significar, segundo os comentadores, a natureza hu- mana de Cristo." (Branco misturado com vermelho da a ‘cor da carne.) Outros entendem que Dante queria simbolizar o papa, “que é sacerdote ¢ rei. Escreve Didron, em sua Iconografia ‘erista: “O papa, como pontifice ou aguia, se eleva até 0 trono de Deus para receber suas ordens, ¢ como leiio ou rei, anda pela Terra com fortaleza ¢ vigor”. 2 Eles evocam a descrigio do espoto mo Cantico dos cintidos (5, 10-1): Meu amado, branco e vermelho [...}; sua eabega feito ouro”. ns. haniel, kafziel, azriel e aniel Na Babilonia, Ezequiel teve uma visio com quatro ani- ‘mais ow anjos, “e cada um deles tinha quatro rostos e qua- ‘tro asas” € “a figura de seus rostos era rosto de homem, e rosto de ledo do lado direito, e rosto de boi do lado esquer do, ¢.a0 mesmo tempo os quatro tinham rosto de 4guia”. Avangavam para onde os levasse o espirito, “cada um na diregéo para a qual estava voltado seu rosto”, ou seus qua- tro rostos, talvez crescendo magicamente em quatro dire- ‘Bes. Quatro rodas “que de tio altas eram horriveis” se- guiam os anjos e estavam cheias de olhos em toda a cireunferéncia. Memérias de Ezequiel inspiraram os animais do Apo- calipse de sao Joao, em cujo capitulo 4 lemos: “E diante do trono havia uma espécie de mar de vidro semelhante ao cristal; € no meio do trono e ao seu redor, quatro animais cheios de olhos na frente e atras. “Eo primeiro animal era semelhante a um ledo, ¢ 0 segundo animal semelhante a um bezerro, ¢ 0 terceiro animal tinha rosto de homem, e o quarto animal era se- melhante a aguia que voa vy “Fos quatro animais tinham cada um seis asas em vol- corpo; e por dentro estavam cheios de ollios; ¢ niio ti- repouso nem de dia nem de noite, dizendo: § , Santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, #, e que ha de vir” ‘ No Zohar (Livro do Esplendor) acrescenta-se que 05. ro animais se chamam Haniel, Kafziel, Azriel ¢ Amiel, -gue olham para 0 Oriente, 0 Norte, o Sul e o Ocidente. "Stevenson ponderou que se havia coisas assim no eét, ‘que nao haveria no inferno? Chesterton se inspirou no .0 citado do Apocalipse para sua famosa metfora da noite: “Um monstro feito de olhos”. Hayoth (seres vivos): assim se chamam os anjos qué- suplos do Livro de Ezequiel; para o Sefer Yetzirah, sao dez niimeros que serviram, com as vinte e duas letras do alfabeto, para criar este mundo; para o Zohar, eles des- ‘ceram da regio superior, coroades de letras. Os evangelistas tiraram seus simbolos dos quatro ros- ‘tos dos hayoth; Mateus ficou com o anjo, as vezes huma- ‘no e barbado; Marcos, com o le&o; Lucas, com o boi; Joao, com a guia So Jerénimo, em seu comentario a Eze- quiel, procuron refletir sobre essas atribuigdes. Diz que ‘Mateus ficou com o anjo (0 homem) porque destacou a " natureza humana do Redentor; Marcos com o le&o por: © que declarou sua dignidade real; Lucas com o boi, extiblé ~ ma do sacrificio, porque mostrou seu carter sacerdotal; Jodo com a aguia por seu vo ardoroso. Jam pesquisador alemio, o dr. Richard Hennig, locali- za a origem remota desses emblemas em quatro signos do zodiaco, que distam noventa graus um do outro, O us Teo € 0 touro nao oferecem a menor dificuldade; 0 anjo foi identificado com Aquario, que tem cara de homem, e a guia de Joao com Escorpiio, repelido por ser conside- rado de mau agouro, Nicolau de Vore, em sen Diciondrio de astrologia, também apresenta essa hipdtese e observa que as quatro figuras se retmem na esfinge, que pode ter abega humana, corpo de touro, garras e cauda de leo e asas de aguia. sure os indios sioux, Haokah usava os ventos como bar stas para fazer ressoar 0 tambor do trovio. Seus chifres onstravam que também era deus da caga. Chorava ndo estava contente; ria quando estava triste. Sentia o io como calor e 0 calor como frio. a7 FURG - NID Fiosto, no canto xxi do Fuarioso, ia no preste Joo, fabuloso imperador Harpias,em grego, significa “as que rebatam”. No inicio, foram divindades § maruts dos Vedas, que brandem armas os) e que ordenham as nuvens. Para a Teogonia de Hesiodo, as harpias so divindades aladas, ¢ de longa @ solta cabeleira, mais velozes que 03 passaros e 0s ventos; para o livro ut da Eneida, aves com rosto de donzéla, garras encurvadas e ventre imundo, pa lidas de fome que nao conseguem saciar. Descem das montanhas e maculam as mesas dos festins, Sao invulne- riveis e fétidas; tudo devoram, guinchando, e tudo trans- formam em excrementos. Sérvio, comentador de Virgi- Ho, escreve que assim como Heécate é Proserpina nos infernos, Diana na Terra e Lua no céu, e a chamam de “deusa triforme”, as harpias sao firias nos infernos, har- pias na Terra e demdnios (dirae) no oéu. Também as con- fundem com as pareas. Por decreto divino, as harpias perseguiram um rei da Tracia que revelou o porvir aos homens ou que com- prou a longevidade ao prego de seus olhos e foi castiga- do pelo sol, cuja obra havia ultrajado. Preparava-se para comer com toda a sua corte, ¢ as harpias devoravam ou contaminavam os manjares. Os argonautas afugenta- yam as harpias; Apolénio de Rodes e William Morris (Life and Death of Jason) narram a fantastica historia, a8 ng dra de lerna Tifao (filho disforme da Terra e do tartaro) e Equidna, que era metade bela mulher e metade serpente, geraram ahidra de Lerna. Segundo Diodoro, o historiador, ela con. tava cem cabegas; para a Biblioteca de Apolodoro, nove, ‘Lempriere nos diz que esta iltima cifra é a mais aceita; 0 horror é que, para cada cabeca cortada, brotavam duas no ‘mesmo lugar. Afirmou-se que as cabegas eram humanas e que a do meio era eterna, Seu hilito envenenava as Aguas e secava os campos. Até quando ela dormia, 0 ar pego- nhento que a cereava podia significar a morte de um ho- mem. Juno a criou para que enfrentasse Hércules. Essa serpente parecia destinada eternidade. Sua toca se localizava nos pantanos de Lerna. Hércules e Io- Jau foram atrés dela; o primeiro cortou-lhe as cabegas ¢ © outro foi queimando as feridas sangrentas com uma tocha. Hércules enterrou a ultima cabega, que era imor- tal, debaixo de uma grande pedra, ¢ onde a enterraram deve continuar, odiando e sonhando. ‘Em outras aventuras com outras feras, as flechas que Hércules molhou no fel da hidra causaram ferimentos mortais. jm caranguejo, amigo da hidra, n heréi durante o combate. Este 0 @ 0 fex subir aos céus, onde hoje € a¢ o de CAncer. Para manifestar impossibilidade ou incongruéncia, Vir- gilio falou em cruzar cavalos com grifos. Quatro séculos depois, Sérvio, 0 comentador, afirmou que os grifos si animais que da metade do corpo para cima so 4guias da metade para baixo, ledes. Para dar mais forga ao tex- to, acrescentou que eles nfo gostam de cavalos... Com 0 tempo, a locugio Jungentur jam grypes equis' tornou-se proverbial; no inicio do século xvr, Ludovico Ariosto lem- brou-se dela e inventou o hipogrifo. Aguia e lefo convi. vem no grifo dos antigos; cavalo e grifo no hipogrifo de Ariosto, que ¢ um monstro ou uma imaginagio de segun- do grau. Pietro Micheli ressalta que 6 mais harmonioso que 0 cavalo alado. Sua descrig&o pontual, que parece escrita para um di cionsrio de zoologia fantastica, pode ser encontrada no Orlando Furioso: “0 corcel nao é de faiz-de-conta, mas natural, porque um grifo 0 gerou com uma égua. Do pai tem as penas e 1 Cruzar grifos com cavalos. 1s patas dianteiras, 0 rosto e © bic; as ouitras par mile, e se chama hipogrifo, Vém ( ito raros, para falar a verdade) dos dos mares glaciais.” primeira mengfo a estranha besta é ande corcel alado.” “Dutras oitavas transmitem 0 estupor e o prodigio do" i que voa. Esta é famosa: E vede Voste e tutta la famiglia, E chia finestre e chi fuor ne la via, Tener levati al ciel gli occhie le ciglia, Come I'Beclisse 0 la Cometa sia. Vede la Donna un'alta maraviglia, Che di leggier creduta non saria: Vede passar un gran destriero alato, Che porta in aria un cavalliero armato? ‘Astolfo, em um dos cantos finais, desencilha o hipos grifo eo solta. on nas janelas e nas raat Hi a Tov epee toda famiia/ Exton nana «ma a BE endo ao ob elhos¢sobrancelhan/ Camo se fsseoHelips ou um Gomne ee Vio a mulher ma alta maravilha,/ Em que no era assim 180 fell cavalo armado. ‘ror/ Grande cores alado vin pasar,/ Levanido no ar um caval 195, ‘Descartes afirma que 0s macacos poderiam falar, se qui- sessem, mas que resolveram guardar siléncio para niio se rem obrigados a trabalhar. Os bosquimanos da Africa do Sul acreditam que houve um tempo em que todos os ani- mais podiam falar. Hochigan nao gostava de animais; wm dia desapareceu, ¢ levou consigo esse dom. ronte, Claudiano e 0 gramatico bizantino Joao Tzetzes jonaram, cada um de sew lado, 0s ictiocentauros; nos sxtos clissicos nfo se encontra nenhuma outra referéncia Jes. Podemos traduzir ictiocentauros por centauro-pei- , a palavra foi aplicada a seres que os mitélogos ‘também faram de centauro-tritées. Sua representagio é fre- siente na escultura romana e helenistica. Da cintura para 1a sio homens, da cintura para baixo so peixes, e térm ‘tas dianteiras de cavalo ou de ledo, Seu lugar & no corte- {das divindades marinhas, ao lado dos hipocampos ‘Awomori. Sem divida algum r ter as diregdes, pois no sul os ter jentes e é mais facil imaginar um mo certo mode, esse animal ¢ andlogo a0 adigdes frabes e ao Midgardsprm da Edda. ‘Em certas regides ¢ substituido sem vantagem. i escaravelho dos terremotos, 0 jinshin-mushi. Te de dragio, dex patas de aranha ¢ é coberto de f animal subterraneo, néo submarino. Segundo uma passagem de Séneca, Tales de Mileto ensi- nou que a terra flutua na Agua, como uma embarcagao, ¢ que a Agua, agitada pelas tormentas, causa os terremotos Os historiadores ou mitélogos japoneses do século vit nos propdem outro sistema sismolégico. Em uma pagina famosa, lemos: “Sob a terra — de planicies juncosas — jazia um ‘kami (um ser sobrenatural) com o formato de um barco € que, ao mover-se, fazia a terra tremer, até que o Mag- no Deus da ilha de Cervos enfiou a lamina de sua espa- da na terra e atravessou sua cabega. Quando 0 kami se agita, o Magno Deus se apéia na empunhadura, e 0 kami se aquieta outra vez.” (0 punho da espada, lavrado em pedra, sobressai do solo a uns poucos passos do templo de Kashima. No sécu. Jo xvull, um senhor feudal cavou seis dias e seis noites sem chegar ao fim da lamina.) Para 0 vulgo, o jinshin-uuvo, ou peixe dos terremotos, 6 uma enguia de setecentas milhas de comprimento que 16 ur Como era o gigante Khumbaba, que protege a montanha de cedros da despedagada epopéia babilénica Gilgamesh, talvez a mais antiga do mundo? George Burckhardt tra- tou de reconstrui-lo (Gilgamesh, Wiesbaden, 1952); eis aqui, traduzidas, suas palavras: “Enkidu, com um machado, derrubou wm dos cedros. ‘Quem entrou no bosque e derrubou um cedro?’, pergun- tou uma voz enorme. Os herdis viram Khumbaba aproxi- mar-se. Tinha unhas de le&o, 0 corpo revestido de ésperas escamas de bronze, nos pés as garras do abutre, na testa os chifres do touro selvagem, a cauda e 0 érgio gerador aca- bavam em cabega de serpente.” No canto ix de Gilgamesh, homens-escorpides — que da cintura para cima chegam ao céu e da cintura para baixo afundam nos infernos — tomam conta, entre as montanhas, da porta por onde sai o Sol. © poema consta de doze partes, que correspondem aos doze signos zodiacais. io-do-mar ou cobra-do-mar dos arabes. Em 1752, 0 dinamarqués Eric Pontoppidan, bispo de gen, publicou uma Histéria natural da Noruega, obra 10sa por sua hospitalidade ou credulidade; em suas pa- ginas 1é-se que o lombo do kraken tem uma milha e meia comprimento e que seus bragos podem abarcar o maior os navios. O lombo se ergue do mar como uma ilha; Eric ontoppidan chega a formular esta regra: “As ilhas flu- antes sdo sempre krakens”. ‘Também escreve que 0 kra- yn costuma deixar turvas as 4guas do mar com wma des- ‘earga de liquido; essa sentenga sugerin a conjectura de que ‘0 Kraken seja uma versio aumentads do polvo. Entre as pegas juvenis de Tennyson, uma é dedicada 10 kraken. Diz, literalmente: “Sob os trovées da superficie, nas profundezas do mar abissal, 0 kraken dorme seu antigo nao invadido sono sem sonhos. Pilidos reflexos se agitam ao redor de seus flancos sombrios; vastas esponjas de crescimento e altura ilenar se inflam acima dele, e nas profundezas da luz en- 199, ‘em celas secretas e grutas maravilhosas, polvos “@hormes e incontiveis batem ¢om bragos gigantescos a _ Yerdosa imobilidade. Ali jaz ha séculos, e hd de jazer, far ‘tando-se no sono de imensos lagartos marinhos, até que o fogo do Juizo Final aquega o abismo. Entio, para ser visto ‘uma s6 ver por homens e anjos, rugindo surgiré e morre- ri na superficie.” dotado de quatro mil olhos, quatro mil orelhas, quatro narizes, quatro mil bocas, quatro mil linguas e quatro pés. Para locomover-se de um olho a outro ou de wna 0s lamed wufniks Ha na Terra, e sempre houve, trinta e seis homens retos cuja ‘missio é justificar o mundo perante Deus. Sio 0s lamed wuf- niks, Nao se conhecem entre si e so muito pobres. Se um homem chega a saber que ¢ um Jamed wufnik, morre ime- diatamente, e um outro, talvez em outra regio do planeta, toma seu lugar. Sem suspeitar, esses homens sii 0$ pilares secretos do universo, Nao fosse por eles, Deus aniquilaria 0 género humano. So nossos salvadores e néo saber. Tiss crenga mistca dos judeus foi exposta por Max Brod Sua remota raiz pode ser encontrada no capitulo 18 do Génesis, quando o Senhor declara que nao destruiré a ci dade de Sodoma se nela houver dez homens justos. Os drabes tém um personagem andilogo, os Auth. do 0s clissicos latinos ¢ gregos, as larmias viviam na “ca. Da cintura para cima tinham a forma de uma lin- ‘mulher; para baixo, a de wma serpente, Alguns as defi- am como feiticeiras; outros como monstros malignos io possulam a faculdade da fala, mas seu silvo era melo- fioso, Nos desertos atraiam os viajantes, para depois devo- p-los. Sua origem remota era divina; provinham de um dos muitos amores de Zeus. Na parte da Anatomia da me- ancolia (x621) que trata da paixio do amor, Robert Burton conta a historia de uma Jamia que assume forma humana ‘ seduz um jover filésofo “nlio menos gracioso que ela”. "Leva-o para seu palicio, situado na cidade de Corinto, Con ‘vidado para o casamenito, o mago Apoldnio de Tiana cha- tma-a pelo nome; imediatamente a lamia e o palécio desis jparecem. Pouco antes de morrer, John Keats (0795-1821) se " inspirou no relato de Burton para compor seu poems Os chineses, por sua vez, falam da n uma de suas vidas anteriores, passou ft 1t4-lo, uma lebre se atirou no foge. Gx Buda enviou sua alma para a Lua. Ali, a lebre tritura num morteiro magico pompdem o elixir da imortalidade. Na lingu ar de certas regides, essa lebre se chama “o do sbre preciosa”, ou “lebre de jade”. " Acredita-se que a lebre comum vive até os mil jue seu pélo fica branco quando ela envelhece. Nas manchas da Lua, 0s ingleses acreditam divisar a for ma de usm homem; duas ou trés referéncias ao “homem da Lua”, ao man in the moon, sio encontradas em Sonho de uma noite de verdo. Shakespeare menciona seu feixe de es- pinhos ou arbusto de espinhos; ja um dos versos finais do | canto xx do Inferno fala de Caim e dos espinhos. O comen- tario de Tommaso Casini a esse respeito evoca a fabula toscana de que 0 Senhor deu a Caim a Lua por prisio ¢ 0 condenou a carregar um feixe de espinhos até o fim dos tempos. Outros, na Lua, véem a Sagrada Familia, e assim Lugones escreveu em seu Lundrio sentimental: Yesté todo: la Virgen con el nito; al flanco, San José (algunos tienen la buena fortuna De ver su vara); ¥ el buen burrito blanco ‘Trota que trota los campos de la luna.* ‘+ Nada falta: a Virgem e 0 Menino; 20 lado/ Sio José (alguns cor muita sorte/ Véem seu cajado); e bom burrinho branco/ Trota {que trota nos campos da Lua. oe 135, ‘Também foram chamados de “larvas”, Diferentemente dos lares da familia, que protegiam os seus, os lémures, que eram as almas dos mortos malvados, erravam pelo mundo infundindo horror aos homens. Imparcialmente torturavam os impios e os justos. Na Roma anterior a {é de Cristo, celebravam-se festas em sua homenagem du- rante o més de maio. As festas se chamavam lemirias. Foram instituidas por Rémulo para apaziguar a alma de Remo, a quem havia executado. Uma epidemia assolou Roma, e 0 ordculo, consultado por Rémulo, aconselhou aquelas festas anuais que duravam trés noites. Os tem plos das outras divindades eram fechados, e era proibido celebrar casamentos, Era costume jogar feijées sobre as sepulturas ou consumi-las pelo fogo, pois a fumaga afu- gentava os lémures. Os tambores ¢ as palavras magicas também os espantavam. O curioso leitor pode interrogar os Fastos de Ovidio. que antes de Eva foi Lilith”, 1é-se num texto nebo a Sua lenda inspirou ao poeta inglés Dante Gabriel Ros: ti (1828-82) a composigéo de Kien Bower. Lilith era a serpente; foi a primeira esposa de Adio ¢ Ihe dew ering sons and radiant daughters (filhos resplandecen- e filhas esplendorosas). Depois, Deus criou Eva; Lilith, 1 vingar-se da mulher humana de Adio, convenceu-a a [provar do fruto proibido e a conceber Caim, irmio ¢ assas ‘fino de Abel. Essa é a forma primitiva do mito, seguida por Rossetti. No decorrer da Idade Média, sob ainfluéncia da palavra Jayil, que em hebraico quer dizer “noite”, ele | foi se transformando. Lilith deixou de ser uma serpente ‘para ser um espirito noturno. As vezes é um anjo que go ‘yerna a geragio dos homens; outras, deménios que assal< tam os que dormem sozinhos ou os que andam pelas corey © das. Na imaginagio popular costuma assumir a forma | uma silenciosa mulher alta, de negros cabelos soltos. “Esse animal é muito comum nas regides do norte e tem quatro ou cinco polegadas de comprimento; é dotado de ‘um instinto curioso; os olhos parecem cornalinas ¢.0 pélo & negro-azeviche, sedoso e flexivel, macio como um ‘travesseiro, Gosta muito de tinta nanquim, e, quando as pessoas escrevern, senta-se com uma mao sobre a outra e as pernas cruzadas esperando que terminem, e bebe o resto da tinta. Depois torna a acocorar-se e fica quieto.” Wang Ta-hai (4792) Yu, o Grande percorreu e mediu com seus passos as nove ontanhas, os nove rios é os nove pantanos e dividiu a em nove regides, proprias para a virtude e a agricul- ura. Conteve assim as Aguas que ameagavam inundar 0 ¢.a Terra; os historiadores contam que a divisio que imps ao mundo dos homens lhe foi revelada por uma uga sobrenatural ou angelical que saiu de um arroio. 4 quem afirme que esse réptil, mie de todas as tartaru- gas, era feito de Agua e de fogo; outros Ihe atribuem uma bstincia muito inenos comum: a luz das estrelas que for- m a constelagio de Sagitario, No casco lia-se um trata~ ‘cosmico intitulado Hong Fan (Regra Geral) ou um di grama das nove subdivisdes desse tratado, formado por \tos brancos & pretos. Para os chineses, o céu & hemisférico e a Terra ¢ quae angular; por isso consideram a tartaruga uma imagem OW modelo do universo. As tartarugas, além disso, particlpam longevidade do cbsmico; é natural consideré-las animals “espirituais (junto com 0 unicérnio, o dragio, a fénix ¢ ot gre) e que os dugures procurem pressigios em sua carapaga. 30 ¥ # site ‘Than-Qui (tartaruga-génio) é o nome da que revelou mandragora | @ Hong Fan ao imperador. 10 0 borametz, a planta chamada mandrdgora é limnl- fe com o reino animal, porque grita quando a arrancamy “esse grito & capaz de enlouquecer os que o ouvem (Romene Julieta, w, 3). Pitagoras chamou-a de “antropomorfa”; 0 agrénomo latino Licio Columela, de “semi-homo”; e Al- }erto Magno escreven que as mandrigoras representam a hhumanidade, inclusive com a distingdo dos sexos. Antes, Plinio havia dito que a mandrégora branca ¢ o macho, € a " preta, a fémea. Também que os que a colhem desenham trés circulos com a espada em torno dela e olham para 0 poente; o cheiro das folhas ¢ tao forte que costuma emude- cer as pessoas. Arrancé-la era correr 0 risco de passar por terriveis calamidades; 0 ultimo livro da Guerra dos judeus, de Flavio Josefo, aconselha que se recorra a um cao ades- | trado. O animal morre depois de arrancar a planta, mas as folhas servem para fins narcéticos, magicos ¢ laxantes. ‘A suposta forma humana das mandragoras sugeriti & superstiggo que elas crescem ao pé dos patibulos. Browne (Psewdodoxia epidemica, 1646) fala da gordura dos énfor- cados; o romancista popular Hanns Heinz Ewers (Alrau- ne, 1913), do sémen. Mandragora, em alemio, ¢ Alraune; 1 Vantes era Alruna. A palavra vem de runa, que significow “mistério”, “coisa escondida”, e depois foi aplicada aos caracteres do primeiro alfabeto germAnico. 0 Genesis (50, 14-6) inclui uma curiosa referéneia as vir tudes geradoras da mandrégora. No século x11, um comenta. dor judeu-alemao do Talmude escreveu este pardgrafo: “Uma espécie de corda sai de uma raiz no solo, e na cor a esté amarrado pelo umbigo, como uma cabaga ou meltio, © animal chamado Yadw'a, mas o Yadu’a é em tdo igual ‘aos homens: resto, corpo, mndos e pés, Ele arranca e destrdi todas as eoisas, até onde-aleanga a corda. B preciso cortar a corda\com uma flecha, e com isso o animal morre.” ‘nio (v1tt, 50) conta que, segundo Ctésias, médico gre de Artaxerxes Mnémon, “Hi entre os etiopes um animal chamado Manticora; tem trés fileiras de dentes que se encaixam uns nos outros "como os de um pente, resto e orelhas humanos, olhos axis, eorpo rubro de ledo e cauda que termina em aguilhio, ‘como as lacraias. Corre com extrema rapidez e gosta muito @e carne humana; sua voz lembra a consondneia da flauta 0 médico Discérides identificou a mandrégora com a cireéia, ou “erva de Circe”, sobre a qual se lé na Odisséia, no livro x: “A raiz & negra, mas a flor é como o leite. I dificil para os homens arrancé-la do solo, mas os deuses séo todo- eda trombeta.” poderosos.” Flaubert aperfeigoou essa descrig&o; nas dltimas pagi- nas da Tentagdo de santo Antio, “+4 manricora (gigantesco leo vermetho, de rosto hile ‘mano, com trés fileiras de dentes). “Qs reflexos de minha pelagem escarlate se mesclam\il reverberagio das grandes areias. Sopro por minhas narinas 0 espanto das solidses. Cuspo a peste. Devoro os extitcitos, quando se aventuram no deserto. “Minhas unhas séo retorcidas como verrumas, meus 43 da, para a frente, para tras. Olhe, olhet “(A Manticora arremessa os espinhos da cauda, que se espalham como flechas em todas as diregBes. Chovern gotas de sangue sobre a folhagem.)” A idéia de uma casa construida para que as pessoas se srcam talvez seja mais estranha que a de um homem. cabega de touro, mas as duas se reforgam, e a ima- do labirinto combina com a imagem do Minotauro. fica bem que no centro de uma casa monstruosa exista m habitante monstruoso. O Minotauro, meio touro e meio homem, nasceu dos ores de Pasifae, rainha de Creta, com wm touro bran- ¢o que Poséidon fez sair do mar. Dédalo, autor do artifi- io que permitiu que tais amores se realizassem, cons- truiu o labirinto‘destinado a abrigar e ocultar o filho monstruoso, Este comia carne humana; para alimenté-lo, o rei de Creta exigiu de Atenas um tributo anual de sete nncebos e sete donzelas. Teseu decidiu salvar sua patria daquele gravame e se ofereceu voluntariamente, Ariad- ne, filha do rei, deu-Ihe um fio para que nao se perdesse’ “nos corredores; 0 her6i matou 0 Minotauro e conseguint sir do labirinto. Ovidio, num pentémetro que tenta ser engenhoso, fala do “homem metade touro e touro metade homem"; ite, que conhecia as palavras dos antigos mas néo suas 45 ‘0 mirmecoledo moedas ¢ monumentos, imaginou o Minotauro com ca ‘bega de homem e corpo de touro (Inferno, x11, 1-30). O culto do touro e do duplo machado (cujo nome era Jabrys, do qual depois pode ter saido “labirinto”) era ti- pico das religides pré-helénicas, que celebravam tauro- ‘maquias sagradas. A julgar pelas pinturas murais, formas humanas com cabega de touro figuravam na demonolo- gia cretense. Provavelmente a fibula grega do Minotau- ro é uma versio tardia e tosca de mitos antiqiiissimos, sombra de outros sonhios ainda mais horriveis. Um animal inconcebivel é 0 mirmecoledo, assim definide _por Flaubert: “Ledio pela frente, formiga por trés ¢ com as ‘partes pudendas ao contrério”. A historia desse monstro é curiosa. Nas Escrituras (J6 4, 11), 1é-se: “O velho ledo _perece por falta de presa”. No texto hebraico estd layish em vez de “ledo”; essa " palavra anémala parecia exigir uma tradugdo que tam- bém fosse andmala; os Setenta recordaram um ledo 4ra- be que Eliano e Estrabo chamam myrmex e forjaram a palavra “mirmecoledo” ‘Ao cabo de alguns séculos, essa derivacio se perdeu. | Myrmeks, em grego, significa “formiga”; das palavras " enigmaticas “O le&o-formiga perece por falta de pre- sa” saiu uma fantasia que os bestidrios medievais multiplicaram: 0 fisidlogo trata do lefio-formiga; 0 pai tem forma de leo, a mae de-formiga;‘o pai se alimenta de carne, ‘amie de ervas. F os dois engendram o ledo-formiga, que é uma mistura dos dois e que se parece com 08 | dois, porque a parte dianteira é de ledo e a traseira de 147 ‘Com essa conformagio, nao pode comer car- monéculos como 0 pai, nem ervas, como a mie; por conse- © guinte, morre.” ntes de ser nome de um instrumento, a palavra 10” era aplicada Aqueles que possuiam um imico olho, ssim, num soneto redigido no inicio do século xvit, Gén- ora se referiu ao “monéculo galanteador de Galatéia”. Re- a-se, claro, a Polifemo, de quem antes disse na Fébula: Un monte era de miembros eminente Este que, de Neptuno hijo fiero, De un ojo ilustra el orbe de su frente, Emulo casi del mayor lucero; Ciclope a quien el pino mas valiente Bastén le obedecta tan ligero, Yal grave peso junco tan delgado, Que un dia era bastion y outro, eaiado. Negro el cabello, imitador undoso De las obscuras aguas del Leteo, Al viento que le peina proceloso Vuela sin orden, pende sin aseo; Un torrente es su barba impetuoso Que, adusto hijo de este Pirineo, M49 fa parte norte, parece que hina ‘abundancia de ouro, mas eu nao s contra nem de onde se extrai. Conta-se Su pecho inunda, 0 tarde 0 mal o en vano Surcada ain de los dedos de su mang...* Esses versos exageram e debilitam outros, do livro 1 da Eneida (louvados por Quintiliano), que por sua vez exageram e debilitam outros do livro 1x da Odisséia, Esse declinio literdrio corresponde a um declinio da fé poéti ca; Virgilio quer impressionar com seu Polifemo, mas quase nao acredita nele, e Géngora sé acredita no que ¢ verbal ou nos artificios verbais. ‘A nagio dos ciclopes nao era a ‘inica que possuia um s6-olho; Plinio (v1, 2) também menciona os arimaspos, ra demais para que se possa acreditar qu ndo homens com um s6 olho na face @ ‘como 0s outros homens.” “Homens notiveis por ter um sé olho, e no meio da testa, Vive em perpétua guerra com os grifos, espécie de monstros alados, para tomar-Ihes 0 ouro que ex traem das entranhas da terra e que defendem com co- biga nio menor que a empregada pelos arimaspos para despojé-los.” Quinhentos anos antes, o primeiro enciclopedista, He- rédoto de Halicarnasso, escrevera (itl, 116): + Era um monte de membros, eminente,/Bsse que, de Netuno fiho audar,/ Com umn athoilustrao orbe de sua fronte,/ émalo quase do maior hizeite,/ (Ciclope a quem o pinho mais valente/ Leve como um baseio obedecia,/ Bao grave peso junco tao esguio,/ Que um dia era bastio, out eajad,// Ne- {70 0 cabelo, imitador undoso/ Das Sguas tenebrosas do rio Letes/ Ao ver. to que penteia proceloso/ Voa sem ordem, pende sem asseo;/ Torrente im. petuosaé sua barba/ Que, adusto filo dese Pireneu,/ Seu peito inunda, ou tarde, ou mal, ou em vao/ Ainda suleada pelos dedos de sva mio. 15 0 monstro aqueronte Um nico homem, uma tinica vez, vin o monstro Aque- ronté; 0 fato'se produziu no século x1, na cidade de Cork. © texto original da histéria, escrito em irlandés, se perdeu, mas um monge beneditino de Regensburg (Ratisbona) traduziu-o para o latim, e dessa tradugaio 0 relato passou para inuitos idiomas, entre outros 0 sueco : © espanhol. Da versio latina restam cinqiienta e tan 'os manuscritos, que coincidem no essencial. dali (Visio de Tandalo) é 0 seu nome, e é en uma das fontes do poema de Dante. Comecemos pela palavra “Aqueronte”. No livro x da Odisséia, é um rio do inferno e corre nos confins ocidentais do mundo habitével. Seu nome retumba na Hneida, na Farsélia de Lucano e nas Metamorfoses de Ovidio. Dante o registra num verso: Su la trista riviera d’Acheronte, Uma tradig&o faz dele um titd castigado; outra, de data posterior, localiza-o nao longe do pélo austral, sob as cons- telagdes das antipodas. Os etruscos tinhiam livros facais que 5 ua lamentagio de infinitos réprobos devorados. Os demé- jios dizem a Timdalo que o monstro se chama Aqueronte. am a adivinhagao, e livros ag am os caminhos da alma depois da morte ‘0 tempo, “Aqueronte” passa a significa ndalo era um jovem cavaleiro irland ., mas de habitos ndo irrepreensiveis. ade uma amiga e durante trés dias ¢ 15 ‘por morto, s6 que guardava um pouco de cal 9. Quando voltou a si, contou que o anjo da g strara as regides ultraterrenas. Das muitas ma ‘viu, a que agora nos interessa é o monstro Aqueromte, # maior que uma montanha. Seus olhos langam chia: ” 4s, e sua boca é tao grande que nove mil homens cabe: ym nela. Dois réprobos, como dois pilares ou atlantes, mntém-na aberta; um esta de pé, outro de cabega para xo, Trés gargantas conduzem ao interior; as trés vomni- fogo que nio se apaga. Do ventre da besta sai a conti anjo da guarda desaparece, ¢ Tindalo é arrastado para into dos outros. Dentro de Aqueronte ha lagrimas, tre- ranger de dentes, fogo, calor intolerdvel, frio glacial, , ursos, ledes ¢ cobras. Nessa lenda, o inferno é um {imal com outros animais dentro. Em 1758, Emanuel Swedenborg esereveu: “Nao me foi fo ver a forma geral do inferno, mas me disseram que como 0 céu tem forma humana, 0 inferno tem a fore ‘ma de um deménio”. 155 a torre, Penson em destrui-la para constr outta is alta, Um bramane o fez penetrar na tore a dentro, Ihe disse: “‘\finha forma humana ¢ iluséria; pa; ., um dragao, Minhas culpas me fazem hab po pene ‘mas observo a lei ditada por Buda me redimir, Podes destruir este santuario, se acret capaz de construir outro melhor? “Mostrou-Ihe os vasos do culto. O rei olhou para eles ado, pois eram muito diferentes dos fabricados pe- homens, e desistiu de sew intento.” (Os nagas pertencem as mitologias do Industdo. Sao ser ‘pentes, mas costumam, assumir forma humana. Arjuna, num dos livros do Mahabharata, é assediado por Ulupi, filha de um rei naga, e quer fazer valer seu voto de castidade; a donzela o relembra de que seu dever socorrer os infelizes; ¢ 0 herdi lhe concede uma noite. Buda, meditando sob a figueira, ¢ castigado pelo vento e pela chuva; um naga se apieda e se enrola sete vezes em ‘tomo dele ¢ estende suas sete cabegas sobre ele como se fosse um teto, Buda o converte a sua fé. Kern, em seu Manual do budismo indiano, define os na- gas como serpentes parecidas com as nuvens. Vivem debai- x0 da terra, ern fundos palicios. Os seguidores do Grande Veiculo comtam que Buda pregou ua lei aos homens e ou- tra aos deuses, e que esta -—a esotérica — foi guardada nos céuse palécios das serpentes, que a entregaram, séculos de- pois, 20 monge Nagarjuna. Eis aqui uma lenda, recolhida na india pelo peregrino Fa Hsien, em prinefpios do século v: “O rei Agoka chegou a um lago perto do qual havia 155, Entre os monstros da ‘Tentagéo esto os nesnds, que “témn um s6 olho, uma bochecha, uma mao, uma perna, meio corpo € meio coragéo”. Um comentador, Jean-Claude Margolin, escreve que eles foram inventados por Flaubert, mas 0 primeiro volume das Mil e uma noites de Lane (1839) atribui-os ao comércio dos homens com as demé: nios. O nesnds — assim Lane escreve a palavra — 6 “a metade de um ser humano; tem meia cabega, meio corpo, um brago e uma perna; salta com suma agilidade” e vive nos descampados do Hadramaut e do Iémen. E capaz de utilizar uma linguagem articulada; alguns tém 0 rosto no peito, como os blemies, e cauda semelhante a da ovelha; sua carne é doce ¢ muito valorizada, Uma variedade de nesnds com asas de morcego ¢ muito encontrada na ilha de Raij (talvez Bornéu), nos confins da China; “porém”, acrescenta o incrédulo expositor, “Ald tudo sabe”. .celso limitou sua moradia-és guas, mas 08 antigos dividiram em ninfas das 4guas ¢ ninfas da terra. Des- ‘iltimas, algumes governavam os bosques. As hama- Iriades moravam invisivelmente nas arvores e morriam las; outras seriam imortais ou viveriam milhares de os. As que moravam no mar se chamavam.oceénides rnereidas; as dos rios, néiades. Nao se conhece seu ntt- preciso; Hesiodo arriscou a cifra de trés mil. Eram mizelas graves e formosas; vé-las podia causar a loucura ‘se estivessem nuas, a morte. Uma linha de Propércio jim o declara. 3 "Os antigos fariam-lhes oferendas de mel, azeite e lei- Eram divindades menores: nao foram construidos jplos em sua homenagem. 157 as nornas ‘Na mitologia medieval dos escandinavos, as nornas sio as jguns dizem que a palavra odradek tem origem eslava parcas: Suorri Snirluson, que no inicio do século xin orga- uerem explicar sua formagio mediante essa origem. nizou essa mitologia dispersa, diz-nos que as principais sio ros dizem que ela ver do alemo-e admitem apenas ‘trés e que seus nomes sio Passado, Presente e Futuro. Faz influéncia do eslavo. A ineerteza das duas interpre- sentido supor que a tiltima circunsténcia é um refinamen. éa melhor prova de que so falsas; além disso, ne- to, ow adigao, de natureza teoldgica; os antigos germanos ma nos oferece uma explicagéo da palavra. no eram propensos a tais abstragdes. Snorri nos mostra “Naturalmente, ninguém perderia tempo com esses es- ‘trés donzelas perto de uma fonte, ao pé da arvore Yggdra- jos se nao existisse realmente um ser chamado Odra- sill, que é o mundo. Inexordveis, urdem nosso destino. ‘Tem o aspecto de um fuso de linha, plano e em forma O tempo (de que sdo feitas) as foi esquecendo, mas por ‘ela, ¢ a verdade ¢ que parece feito de linha, mas de volta de 1606 William Shakespeare escreveu a tragédia cortados de linha, velhos, enredados e misturados, ‘Macbeth, em cuja primeira cena elas aparecem. Sao as trés iferentes tipos ¢ cores. Nao é apenas um fuso; do cen- bruxas que prevéem para os guerreiros 0 destino que os ida estrela sai uma vareta transversal, ¢ outra vareta se ‘aguarda. Shakespeare as chama de weird sisters, as “irmiis Goula a essa em Angulo reto, Com a ajuda desta tiltima fatais”, as parcas. Wyrd, entre os anglo-saxées, era a divin. reta de um lado, ede um dos raios da-estrela do outro, 0 dade silenciosa que governava os imortais ¢ os mortais. njunto pode ficar em pé, como se tivesse duas pernas. “Poderiamos ficar tentados a acreditar que essa estru- ira algum dia teve uma forma adequada a determinada © tirulo original & Die Sorge des Hauswater (A preocupart de um pai fungi, e que agora esté quebrada. No entanto nao pare- ce ser 0 caso; pelo menos nao ha nenhum indicio nesse sentido; nao h4 remendos nem fraturas visiveis; 0 con. junto parece inutilizavel, mas a seu modo completo. Nada mais podemos dizer, porque Odradek é extraordi nariamente mével e nao se deixa capturar. “Ble pode estar no forro, no vao da escada, nos corre- dores, no saguao. As vezes passa meses sem ser visto. Mu: dou-se para as casas vizinhas, mas sempre volta 4 nossa. ‘Muitas vezes, quando saimos pela porta e 0 vemos no descanso da escada, da vontade de falar com ele. Logico, nao fazemos perguntas dificeis, na verdade 0 tratamos como crianga — seu tamanho diminuto nos leva a isso, ‘Como ¢ 0 seu nome”, perguntamos. ‘Odradek’, diz. ‘Onde vocé mora?’ ‘Sem residéncia fixa’, diz, e ri, mas é um riso sem pulmées. Parece um sussurro de folhas secas. Geral. mente o didlogo acaba nisso. Nem sempre conseguimos essas respostas; as vezes ele guarda um longo siléncio, como a madeira, de que parece ser feito. “Tnutilmente me pergunto o que acontecera com ele. Pode morrer? Tudo 0 que morre teve antes uma meta, uma espécie de atividade, e nela se gastou; isso no se apli ca a Odradek. Descera a escada arrastando fiapos diante dos pés de meus filhos e dos filhos de meus filhos? Nao faz mal a ninguém, mas a idéia de que possa viver mais do que eu me é quase dolorosa.” Franz Kaffe pantera (os bestidrios medievais, a palavra “pantera” indica um ‘imal bastante diferente do “mamifero carnivoro” da joologia contemporanea. Aristoteles mencionara 0 fato le que seu odor atrai os outros animais; Eliano — autor tino apelidado de “Lingua de Mel”, por seu dominio bsoluto do grego — declarou que esse odor também era, sradavel aos seres humanos. (Devido a essa caracteristi- fa, houve quem especulasse uma confusiio com 0 gato- le-algalia.) Plinio lhe atribuiu uma mancha no lombo, je forma circular, que minguava e crescia com a Lua, A as circunstincias maravilhosas veio somar-se o fato de sue a Biblia grega dos Setenta usa a palavra “pantera” sum trecho que pode referir-se a Jesus (Oséas 5, 14). No bestidrio anglo-saxo do Cédice de Exeter, a pante- é um animal solitario e meigo, de voz melodiosa e hal fragrante, Faz sua casa nas montanhas, num lugar se- to, Seu tinico inimigo é o drago, com 0 qual luta sem ‘régua. Dorme trés noites e, quando desperta cantando, yultiddes de homens e animais correm para sua cova vin- ‘das dos campos, dos castelos e das cidades, atraidas pela agrancia e pela misica. O dragio ¢ 0 antigo inimigo, 0 16 deménio; o despertar é a ressurreigao do Senhor; as multi Ges so a comunidade dos fidis; ea pantera é Jesus Cristo, Para atenuar o espanto que essa alegoria pode produ- zir, recordemos que a pantera nao era um animal feroz para os saxdes, mas antes um som exético, ndo funda mentado por uma representago muito concreta. A titulo de curiosidade, cabe acrescentar que 0 poema “Geron: tion”, de Eliot, fala de Christ the Tiger, “Cristo o tigre”. Leonardo da Vinei annota: “A pantera africana parece uma leoa, mas as patas sio mais alltas e o corpo mais sutil. f toda branca, salpicada de manchas negras que parecem rosetas, Sua beleza encanta (05 animais, que andariam sempre & sua volta nfo fosse seu terrivel olhar. A pantera, que nao ignora esse fato, baixa os olhos; os animais se aproximam para gozar de toda aquela beleza, ¢ ela apanha o mais préximo e o devora.” ‘0 passaro da chuva ‘que ele bebe a Agua dos rios ea derrama sobre a terra. do mestre ¢ assim evitou grandes desastres. "Alem do dragio, os agricultores chineses dispdem do pis- saro chamado shang yang para conseguir chuva. Ele s ‘tem uma pata; antigamente as criangas pulavam num pé s6-e franziam as sobrancelhas dizendo: “Vai chover porque 0 shang yang esth fazendo bagunga”. Dizem, na verdade, Um antigo sabio 0 domesti¢ou ¢ andava com ele na ‘manga. Os historiadores registram que uma ver. ele pas- sou pela frente do trono do principe Chi, agitando as sas e dando saltos. O principe, assustado, enviou um de seus ministros 4 corte de Lu, para consultar Confiicio. iste previu que 0 shang yang produziria inundagées na “regio e nas comarcas adjacentes. Aconselhou a constra- {gdo de diques e canais. O principe atendeu as sugesties 165 © passaro roca O passaro roca ¢ uma verso aumentada da dguia ou do abut, e/hé quem tenha pensado que um condor, extra- viado nos mares da China ou do Industdo, deu a idéia aos arabes. Lane repele essa conjectura e considera que se ‘trata, antes, de uma espécie fabulosa de um género fabu oso, ou de um sinénimo arabe do Simurg. O roca deve sua fama ocidental as Mil e uma noites. Nossos leitores recordario que Simbad, abandonado por seus compa- nheiros numa ila, avistou ao longe uma enorme citpula branca e no dia seguinte uma vasta muvem ocultou o Sol. A cfipula era um ovo de roca, ea nuvem era a ave-mae, Simbad, com 0 turbante, prende-se 4 enorme pata do roca; este levanta véo e sem se dar conta deixa-o no topo de uma montanha. O narrador acrescenta que 0 roca al. ‘menta os filhotes com elefantes. Nas Viagens de Marco Polo (11t, 36), 1é-se: “Os habitantes da ilha de Madagascar dao conta de que em determinada estagao do ano chega das regides austrais uma espécie extraordindria de passaro, a que chamam roca. Sua forma lembra a da 4guia, mas é incomparavel 164 mente maior. 0 roca é to forte que ¢ capaz de erguer nas garras um elefante, voar com ele pelos ares e deixé-lo cai 1a de cima para depois devord-lo. Quem jé viu 0 roca ga~ ante que as asas medem dezesseis passos de ponta a pon- tae que as penas tém oito passos de comprimento.” Marco Polo acrescenta que mensageiros do Grande Khan levaram uma pena de roca para a China. 0 pelicano O pelicano da zoologia comum é uma ave aquatica, de dois metros de envergadura, com um bico muito com. prido e largo, de cuja mandibula inferior pende uma membrana avermelhada que forma uma espécie de bolsa para guardar peixe; o da fabula é menor e tem um bico curto e pontude. Fiel a seu nome, a pluma- gem do primeiro ¢ branea; a do segundo é amarela e as vezes verde. Ainda mais singulares que seu aspecto so seus costumes Com o bico e as garras, a mie acaricia os filhotes com tanta devogio que os mata. Trés dias depois chega o pai; este, desesperado ao encontré-los mortos, abre o proprio peito a bicadas. O sangue que escorre de seus ferimentos 6s ressuscita... Assim os bestidrios narram o fato, s6 que sto Jer6nimo, num comentério ao salmo 102 (“Sou como ‘um pelicano do deserto, sou como uma coruja do ermo”), atribui a morte dos filhotes a serpente. Que o pelicano abre 0 peito e alimenta os filhotes com seu proprio san- gue é a versio comum da fabula. Sangue que da vida aos mortos evoca a eucaristia e a cruz, ¢ assim um verso famaso do Paraiso (xxv, 113) chama 166 Jesus Cristo de “nosso pelicano”. O comentario latino de Benvenuto de Imola esclarece: a : “Usa-se a palavra pelicano porque teve 0 para salvar-nos, como o pelicano que reanima) mortos com o sangue de seu peito. O pelicano & egipeia.” 1 i ‘A imagem do pelicano é comum na heraldica eclesidis= tica até hoje é gravada nos célices. O bestidrio de Lea nardo da Vinei define assim o pelicano: “Ama mito os filhos, e ao encontré-los no ninho mor- "tos pelas serpentes, rasga 0 proprio peito e, banhando-os com seu sangue, devolve-os a vida.” a peluda de la ferté-bernard: As margens do Huisne, regato de aparéncia tranqiiila, vaga va durante a Idade Média a peluda (Ja velue). Esse animal sobrevivera ao dihivio sem ter sido levado para a arca. Era do tamanho de um touro; tinha cabega de serpente, um corpo esférico coberto de pélo verde e munido de aguilhdes cuja pi- cada era mortal. As patas eram larguissimas, como as da tar- taruga; com a cauda, em forma de serpente, podia matar as pessoas ¢ os animais. Quando se enfurecia, langava chamas que destruiam as colheitas. A noite, saqueava os estdbulos. Quando os camponeses o perseguiam, se escondia nas éguas do Hnisne, que fazia transbordar, inundando toda a regiao. Preferia devorar os seres inocentes, as donzelas ¢ as eriangas, Escolhia a donzela mais virtuosa, a que chama vam a Ovelhinha (l'4gnelle). Um dia, capturou uma Ove Ihinha e arrastou-a, arranhada e ensangiientada, para 0 Huisne, O namorado da vitima cortou com a espada a cau- da da peluda, seu tinico lugar vulnerdvel. O monstro mor: reu imediatamente. Foi embalsamado e festejaram sua morte com tambores, pifaros e dangas. 1 Cidade da Franga is margens do Hisne 168 © peritio _ Parece que a sibila da Eritréia afirmou, num de seus ord- culos, que Roma seria destruida pelos peritios Quando os ditos ordculos desapareceram, no ano 642 da nossa era (foram queimados acidentalmente), quem se ocupou de restauré-los omitiu o vaticinio, por isso eles nio trazem nenhuma indicagio a respeito. Diante de um antecedente assim obscuro, tornou-se necessério encontrar uma fonte que langasse mais luz so- bre essa questo especifica. Foi assim que, depois de mil e uma dificuldades, soube-se que no século xvi um rabi- no de Fez (com toda a certeza Aaron-Ben-Chaim) publi- ‘cou um opisculo dedicado aos animais fantésticos em ‘que era citada a obra de um autor drabe que ele lera e em que se mencionava a perda de um tratado sobre os peri- tios quando Omar incendiara a biblioteca de Alexandria Embora o rabino nfio fornega o nome do autor drabe, teve a feliz idéia de transcrever alguns pardgrafos de sua obra, deixando-nos uma valiosa referéncia a respeito do peri> tio. Na falta de maiores elementos, é adequado que nos limitemos a copiar textualmente os referidas parigrafos; ei-los aqui 169 “Os peritios vivem em Atlantida e sio metade cervos, metade aves. Do cervo témi a cabega e as patas. Quanto ao corpo, é uma ave perfeita, com as asas e as penas que lhe correspondem. “Sua particularidade mais assombrosa consiste no fato de que, quando atingidos pelos raios do Sol, em vez de projetar a sombra do préprio corpo, projetam a de um ser humano, de onde alguns conchuem que os peritias so es piritos de individues que morreram longe da protego dos deuses. “[...] j@ foram surpreendidos alimentando-se de terra seca [...] voam em bandos ¢ foram vistos a grande altitu- de nas Colunas de Hércules. “[....Jeles (0s peritios) sao temiveis inimigos do géne- ro humano. Parece que quando conseguem matar um homem, na mesma hora sua sombra corresponde a seu corpo e obtém o favor dos deuses [...]” “[...] 0s que cruzaram as éguas com Cipigo para ven- cer Cartago estiveram muito perto de fracassar em sua empresa, pois durante a travessia apareceu um grupo compacto de peritios, que mataram muita gente'[...] Embora nossas armas sejam impotentes diante do peri- tio, o animal n&o pode matar mais de um homem [.--] espoja-se no sangue de sua vitima e em seguida foge para as alturas. “[...] em Ravena, onde os viram ha poucos anos, dizem que suas penas so azul-claras, o que muito me surpreen- de, porque Hi que se trata de um verde muito escuro.” Embora os paragrafos precedentes sejam suficiente- mente explicitos, é lamentavel que nao tenha chegado 170 aos dias de hoje nenhuma informagao confidvel sobre 0s peritios 0 opiisculo do rabino que permitiu essa deserigio esta- va depositado até antes da iiltima guerra mundial na Uni- versidade de Munique. K doloroso dizé-lo, mas atualmen- te esse documento também desapareceu, nio se sabe se em conseqiiéncia de um bombardeio ou por obra dos nazistas, E de esperar que, se esta tiltima tiver sido a causa de sua perda, com o tempo ele reaparega para adornar algu- ma biblioteca do mundo. os pigmeus Para os antigos, essa nagiio de andes vivia nos confins do Industio ou da Etiépia. Certos autores afirmam que eles construiam suas casas com cascas de ovo. Outros, como Aristételes, escreveram que eles moravam em cavernas subterrdneas. Para colher o trigo se muniam de macha- dos, como se fossem abater uma floresta, Cavalgavam ovelhas e cabras, que tém 0 tamanho adequado. Todos os anos eram invadidos por bandos dé grous procedentes das planicies da Ritssia. Pigmeu era também o nome de uma divindade, cujo rosto era esculpido pelos cartagineses na proa dos navios de guerra para aterrorizar os inimigos. porca acorrentada Na pagina 106 do Diccionario folklorico argentino (Bue nos Aires, 1950), de Félix Colluccio, lé-se: “Ao norte de Cérdoba e muito especialmente em Qui- linos, fala-se da aparigao de uma porea acorrentada que em geral se apresenta em horas noturnas. Os locais que vivem perto da estagio ferrovidria garantem que a porca correntada as vezes desliza pelos trilhos, ¢ outros nos afirmaram que nao era raro ela correr pelos fios do telé. grafo, produzindo um barulho infernal com as ‘corren- tes’. Ninguém consegue vé-la, pois quando procurada de saparece misteriosamente.’ 68, a quimera A primeira referéncia & Quimera esté no livro v1 da Iiéa da. Sv esta eserito que ela era de Tinhagem divina e que sua parte da frente era de lea ade tas de serpente; langava fogo pela boca e foi morta pelo belo Belerofonte, filho de Glauco, conforme anun- ciado pelos deuses. Cabega de ledo, barriga de cabra e cauda de serpente ¢ a interpretagio mais natural permi- tida pelas palavras de Homero, mas a Teogonia de Hesio- do a descreve com trés cabegas, e assim esté representada no famoso bronze de Arezzo, que data do século v. Na metade do lombo esta a cabega de cabra, numa das pon- tasa de serpente, na outra a de ledo. No livro vi da Eneida reaparece “a Quimera armada de chamas”; 0 comentador Sérvio Honorato observou que, de acordo com todos os especialistas, o monstro era originario da Licia e que naquela regiao existe um vul- cdo que tem o seu nome. Sua base é infestada de serpen- tes, nas encostas hé pradarias e cabras, e o cume exala la- baredas e nele os ledes tém suas tocas; a Quimera seria uma metafora dessa curiosa elevagao. Antes, Plutarco jé sugerira que Quimera era o nome de um capitdo de habi- a do meio era de cabra e 10s pirdticos que mandara pintar em seu Havio um lea, uma cabra e uma cobra. Essas conjecturas absurdas provam que a Quimera ja estava cansando as pessoas. Melhor que i vla ¢ transforma-la em qualquer outra coisa. Ela era excessiva- mente heterogénea; o ledo, a cabra e a serpente (em al guns textos, o drag&o) ndo se dispunham a eonstiteir ima tmico animal. Com o tempo, a Quimera tende a ser “6 quimérico”; um conhecido gracejo de Rabelais (“Uma quimera, oscilando no vazio, pode comer segundas inten- gSes?”) marca muito bem a transigfo. A forma incoeren- te desaparece e resta a palavra, para significar o impossi- vel. “Idéia falsa”, “devaneio”, é a definigio de quimera fornecida agora pelo diciondrio. ce a raposa chinesa Para a zoologia comum, a raposa chinesa nao difere imen- samente das outras raposas; para a zoologia fantastica, nao é assim. As estatisticas Ihe dio uma média de vida que os- cila entre oitocentos e mil anos. E. considerada de mau agouro, e cada parte de seu corpo possui uma virtude espe- cial, Basta que golpeie a terra com a cauda para causar in céndios, sabe prever o futuro e assumir muitas formas, preferencialmente de idosos, jovens donzelas e eruditos. E astuta, cautelosa e cética; seu prazer esta nas travessuras © nas tempestades. Os homens, quando morrem, costumam transmigrar com corpo de raposa. Sua casa é perto das se- pulturas. Existem milhares de lendas sobre ela; transcre- veremos uma, que nao carece de humor: ‘Wang viu duas raposas em pé sobre as patas traseiras e apoiadas numa érvore. Uma delas tinha uma folha de papel na mao, e as duas riam como quem compartilha uma brincadeira. Procurou espanta-las, mas permanece- ram firmes, entao disparou contra a do papel; feriu-a no olho e se apropriou do papel. Na estalagem, contou sua aventura aos outros héspedes. Enquanto estava falando entrou um senhor com um olho machueado, Ele escutou 5 76 a historia de Wang com interesse e pediu para ver 0 pa- pel. Wang jé ia mostré-lo quando 0 estalajadeiro perce- beu que o recém-chegado tinha cauda. “E, uma raposa!”, exclamou, e no ato senhor se transformou em raposa e fugiu. As raposas tentaram in‘imeras vezes recuperar 0 papel, que estava coberto de caracteres indecifraveis, mas fracassaram. Wang resolveu voltar para casa. No cami- nho encontrow toda a sua familia, a caminho da capital. Declararam que ele thes havia ordenado que fizessem aquela viagem, e sua mie lhe mostrou a carta em que ele Ihe pedia que vendesse todos os bens da familia e fosse a0 seu encontro na capital. Wang examinou a carta e viu que era uma folha em branco. Embora jé ni tivessem teto que os abrigasse, Wang ordenou: “Voltemos”. ‘Um dia apareceu um irmao mais mogo, que todos ha- viam dado por morto. Perguntou pelas desgragas da famt- lia, e Wang lhe contou toda a histéria. “Ah”, disse o irmao, quando Wang chegou a sua aventura com as raposas, “ai esté a raiz de todo o mal.” Wang mostrou o documento. Arrancando-o dele, 0 irmio 0 guardou depressa. “Final- mente recuperei o que procurava”, exclamou, e, transfor- mando-se em raposa, fugin. wr um rei de fogo e seu cavalo Heréclito ensinou que 0 élemento primordial era o fogo, mas isso;ndo é 9 mesmo que imaginar seres feitos de fogo, seres lavrados na substiincia momentfnea e cambiante das chamas. Essa concepgao quase impossivel foi tentada por William Morris no relato “O anel dado a Vénus”, do paraiso terrestre (1868-70). Os versos dizem assim: “0 senhor daqueles dominios era um grande rei, coroa- do e de cetro. Seu rosto resplandecia como uma chama branca, perfilado como um rosto de pedra; mas era um fogo que se transformava, e nao carne, sulcado pelo desejo, © dio e o terror, Sua montaria era prodigiosa; nfo era ca~ valo nem dragio nem hipogrifo; era e nao era semelhante ‘esses animais, ¢ mudava como as figuras de um sonho.” Talvez no que antecede haja alguma influéncia da personificagéo deliberadamente ambigua da morte no Paraiso perdido (11, 666-73). O que parece a cabega osten. ta uma coroa, e 0 corpo se confunde com a sombra que projeta ao redor. 178 Remora, em latim, é “demora”. Hsse ¢.0 sentido justo da palavra, aplicada figuradamente a echeneis, porque lhe atribuiram a faculdade de reter as embarcagbes, O pro- cesso se inverteu em espanhel;* rémora, no sentido pré- prio, é 0 peixe e, no sentido figurado, 0 obstaculo. A ré- mora é um peixe cinzento; sobre a eabega e a tiuca tem uma placa oval, cujas laminas cartilaginosas servem para que se prenda aos demais corpos submarinos, pois for- mam um vacuo. Plinio expe seus poderes: “Existe um peixe chamado rémora, muito habituado a andar entre as pedras, 0 qual, colando-se aos cascos, faz | que 08 navios avancem mais devagar, ¢ por isso recebeu esse nome, ¢ por essa causa, também, serve para infame feitigaria e para retardar e obscurecer juizos ¢ litigios. Mas ‘esses males siio compensados por um bem, porque retém as criangas no ventre da mae até a hora do parto. Nao é bom de comer nem é usado para fazer manjares. Aristéte- les acredita que esse peixe tem pés, pois a disposigao de + Também em portugués sua infinidade de escamas dé essa impressio. Trébio Ne- gro diz que esse peixe tem 0 tamanho de um pé e a espes sura de cinco dedos e que detém os navios e que, além dis: so, se conservado em sal, tem a virtude de puxar, grudado no corpo, 0 ouro caido em profundissimos pogos.”* £ estranho verificar como da idéia de reter as embar- cages chegou-se a de reter os litigios a de reter as criangas no ventre da mie. Em outro lugar, Plinio relata que uma rémora decidit sorte do Império Romano, retendo, na batalha de Accio, a nau em que Marco: Ant6nio passava sua esquadra em revista; € que outra rémora deteve 0 navio de Caligula, apesar dos esforgos dos quatrocentos remadores: “Sopram. ‘gs ventos @ se enfurecem as tempestades”, exclama Pli- nio, “mas a rémora controla sua firia e ordena que as embarcagies se detenham em sua carreira, e obtém o que as mais pesadas Ancoras ¢ cabos nao obteriam”, “Nem sempre vence a maior forga. O curso de uma nau é detido por uma pequena rémora”, repete Diego de avedra Fajardo.! + Tyadugfo feita a partir da versto de Gerénimo Gémer de Huerta (604), pp. 9-41 1 Empresas politica, 180 um réptil sonhado por c. s. lewis “Lentamente, trémula, com movimentos inumanos, uma forma humana, rubra a luz das chamas, sait. do orificio para a caverna. Era 0 Inumano, evidentemente; arrastan- do a perna quebrada e com a mandibula inferior pendente ‘como a de um cadaver, pés-se de pé. E entiio, pouco depois desse, outro corpo apareceut no buraco. Primeiro sairam tama espécie de galhos de drvore e depois seis ou sete pon tos luminosos agrupados como uma constelagio; em se guida, uma massa tubular que refletia o brilho vermelho ‘como se fosse polida. Seu coragio deu um salto ao ver os galhos se transformarem subitamente em longos tentécu- fos de arame, e os pontos de luz em outros tantos olhos de ‘uma cabega recoberta por uma carapaga, seguida de um corpo cilindrico e rugoso. Em seguida vieram horriveis toisas angulares, pernas com varias articulagées, ¢ final- mente, quando imaginava que todo 0 corpo jé estivesse & vista, apareoeu outro corpo seguindo o primeiro e mais Sutro depois do segundo. Aquele ser se dividia em trés partes, unidas entre si apenas por uma espécie de cintura de vespa, trés partes que ndo pareciam estar devidamente falinhadas e que davam a sensagio de ter'side pisoteadas; 18 era uma deformidade trémula, enorme, de cem pés, que jazia imével ao lado do Inumane, projetando os dois so- bre a muralha de rocha suas duas sombras enormes em unida ameaga....” CS. Lewis Perelandra, 1043 a salamandra. Nao s6 é um pequeno dragio que vive no fogo; também & (se 0 diciondrio da Academia nio esta equivocado) “um batraquio insetivoro de pele lisa, de cor negra invensa com manchas amarelas simétricas”. Dessas duas caracte- rizages, a mais conhecida ¢a fabulosa, e ninguém se sur- preenderé com sua incluso neste manual. No livro x de sua Histéria, Plinio declara que « sala- mandra é to fria que apaga o fogo com seu mero contato; no livro xx1 reeonsidera, observando incredulamente que, se ela tivesse essa virtude que os magos lhe atribuiram, ha- veria dé usé-la para debelar os incéndios. No livro x1, fala de um animal alado e quadrispede, a pyrausta, que vive dentro do fogo das fundigSes de Chipre; se emerge para 0 ‘are voa um pequeno trecho, cai morto. O mito posterior da salamandra incorporou o desse animal esquecido, {A fénix foi citada pelos teblogos para provar a ressur reigdo da carne; a salamandra, como exemplo de que os corpos podem viver no fogo. No livro xt da Cidade de Deus de santo Agostinho hé um capitulo que se chama “Se os corpos podem ser perpétuos no fogo” e que co: mega assim: 183, “Para que deveria demonstrar, senfio para convencer os incrédulos, que é possivel que os corpos humanos, estando animados e vivos, além de munca se desfazerem e se dissol- verem com a morte, também durem nos tormentos do fogo eterno? Como a eles no agrada que atribuamos esse prodigio & onipoténcia do Tedo-poderoso, rogam que o de ™monstremos por meio de algum exemplo, Respondemos a essas pessoas que efetivamente hé alguns animais, corrup- tiveis porque so mortais, que mesmo assim vivem no meio do fogo.” Como recurso revérico, os poetas também recorrem a salamandra ¢ a fénix. Assim, Quevedo, nos sonetos do li- vro1V do Parnaso espankol, que “canta faganhas do amor ¢ da formosura”, escreve: Hago verdad al Fénix en la ardiente Llama, en que renaciendo me renuevo, Ylavirilidad det fuego pruebo Y que es padre, y que tiene descendiente La salamandra fria, que desmiente Noticia docta, a defender me atrevo, Cuando en incendios, que sediento bebo Mi corazén habita, y no los siente...* * Torno verdade a fénix na ardente/ chama, em que renascendo me reno- vo enti do fgo provo/ equ pi eque om devndent// Aa lamandra fria, que desmente/ noticia douta, a defender me atrevo,/ quando ‘em incéndios, que sedento bebo/ meu coragio habita,« nko os sente, 184 Em meados do século xit, circulou pelas nagdes da Eu- yopa uma carta falsa, enviada pelo preste Joio, rei dos reis, ao imperador bizantino. Essa epistola, que ¢ um ca- vélogo de prodigios, fala de monstruosas formigas que es- cavam ouro, ¢ de um rio de pedras, e de um mar de areia ‘com peixes vivos, ¢ de um espelho altissimo que revela ‘tudo 0 que ocorre no reino, e de um cetro lavrado em uma tinica esmeralda, e de seixos que conferem invisibi- lidade ou iluminam a noite. Um dos parigrafos din: “Nossos dominios produzerti 0 lagarto conhecido como salamandra. As salamandras vivem no fogo e fazem castu- los, que as senhoras dos paldcios desfiam ¢ usar para te- cer panos e fazer roupa. Para lavar e limpar esses panos, é preciso joga-los no fogo.” Hisses tecidos e panos incombustiveis que so limpos com fogo sio mencionados por Plinio (x1x, 4) ¢ Marco Polo (1, 59). Este Ultimo esclarece: “A salamandra é uma substncia, nao um animal”, No inicio ninguém acredi tow nele; os tecidos, fabricados de amianto, eram vendi- os como se fossem pele de salamandra, e foram uma prova incontestivel de que a salamandra existia Num ponto de sua obra Vida, Benvenuto Cellini conta que, aos cinco anos, viu um animalzinho parecido com ‘uma lagartixa brincando no fogo. Contou a seu pai. Este the disse que o animal era uma salamandra e Ihe deu uma surra, para que aquela visio admiravel, to poucas vezes permitida aos homens, ficasse gravada em sua ineméria, ‘Na simbologia alquimica, as salamandras s4o espiritos elementares do fogo. Nessa atribuigao, ¢ num argumento 185 de Aristételes conservado por Cicero no livro 1 de seu De natura Deorum, descobre'se por que os homens tendiam a acreditar na salamandra. O médico siciliano Empédocles de Agrigento formulara a teoria de quatro “raizes de coi- sas” cujas desunides ¢ unides, provocadas pela discérdia ¢ pelo amor, compdem a histéria universal. Nao ha morte; s6 particulas de “raizes”, que os latinos chamariam de “elementos”, e que se desunem. Essas raizes so 0 fogo, a terra, o ar ea Agua, Sao ineriadas, ¢ nenhuma é mais forte que a outra. Hoje sabemos (hoje acreditamos saber) que essa doutrina é falsa, mnas os homens a julgaram preciosa ¢ geralmente se admite que foi benéfica. “Os quatro ele- mentos que integram.e mantém o mundo e que ainda so brevivem na poesia ¢ na imaginagio popular tém uma historia longa ¢ gloriosa”, escreveu Theodor Gomperz Pois bem, a doutrina exigia paridade entre os quatro ele- ‘mentos. Se havia animais da terra e da Agua, era preciso que houvesse animais do fogo. Era preciso, para a dignida de da ciéucia, que houvesse salamandras. Em outro artigo veremos como Aristételes obteve animais do ar. Leonardo da Vinci acredita que a salamandra se ali- menta de fogo e que este serve para fazé-la trocar de pele. 0s satiros Assim os chamaram os gregos; ¢m Roma Ihes deram 0 nome de faunos, pase silvanos. Da cintura para baixo eram cabras; 0 corpo, 08 bFagos ¢ 0 rosto eram humanos e peludos. Tinham pequenos cornos ina testa, orelhas pon- tiagudas e nariz encurvado, Eram lascivos ¢ beberrdes. Acompanharam 0 dews Baco em sua alegre conquista do Industao. Armavam emboscadas para as ninfas; adora- vam dangar e tocavam flauta coin destreza. Os campone- ses 0s veneravam ¢ Ihes ofereciam as primicias das co- theitas, Também lhes ofereciam ovelhias em sacrificio. Um exemplar dessas divindades menores foi captura- do numa caverna da Tessalia pelos legionarios de Sila, que o levaram até set. chefe. Emitia sons inarticulados e era tao repulsivo que Sila imediatamente ordenou que 0 devolvessem as montanhas. ‘A meméria dos sititos influenciou a imagem medie val dos diabos. 18 sereias Ao longo do tempo, as sereias mudam de forma. Seu pri- meiro historiador, 0 rapsodo do livre x11 da Odisséia, nto conta como eram:; para Ovidio, siio aves de plumagem aver- melhada ¢ rosto de virgem; para Apolénio de Rodes, da me tade do corpo para cima so mulheres e da metade para bai xo aves marinhas; para o mestre Tirso de Molina (e para a herdldica), “metade mulheres, metade peixes”. Nao menos discutivel é seu género; o diciondrio classico de Lempriére entende que sao ninfas, o de Quicherat que siio monstros, ode Grimal que so deménios, Moram numa ilha do poen. te, perto da ilha de Circe, mas o cadaver de uma delas, Parténope, foi encontrado na Campania e deu seu nome & famosa cidade que agora se chama Naples, e 0 geégrafo Estrabao viu sua sepultura e assistiu aos jogos ginasticos celebrados periodicamente para honrar sua memiéria. A Odisséia conta que as sereias atrafam os navegantes ¢ os Jevavam a ruina, e que Ulisses, para ouvir seu canto e nfo pe- ecer, tapout os ouvides dos remadores com cera e ordenou que o amarrassem ao mastro. Para tenté-lo, as sereias The ofereceram o conhecimento de todas as coisas do mundo. “Ninguém até hoje passou por aqui em seu negro na- vio sem ter escutado de nossa boca a vor doce como o favo de mel e ter se deleitado com ela ¢ ter prosseguido mais sibio... Porque sabemos todas as coisas: quantos affis pa deceram argivos e troianos na vasta Tréia por determina- (do dos deuses, ¢ sabemos tudo que hé de acontecer na terra fecunda.” (Odisséia, xm!) Uma tradigao recolhida pelo mitélogo Apolodoro em sua Biblioteca narra que Orfew, a bordo da nave dos argo- nautas, cantou com mais dogura que as sereias e que es- tas se jogaram no mar e se transformaram em rochedos, porque sua lei era morrer quando alguém nao fosse afe- tado por seu feitigo. A esfinge também se precipitou das alturas quando adivinharam seu enigma. No século V1, uma sereia foi capturada e batizada nonor- te de Gales, e aparece como santa em certos almanaques antigos com o nome de Murgen. Outra, em 1403, passou por uma brecha de um dique e viveu em Haarlem até o dia de sua morte, Ninguém a compreendia, mas ensinaram-na a fiar ¢ ela venerava a cruz como pot instinto, Um cronista do século XVI argumentou que ela nio era peixe porque sa bia fiar, e que nao era mulher porque podia viver na Agua O idioma inglés distingue a sereia clissica (siren) das qne tém cauda de peixe (mermaids). Na formagio desta ‘altima imagem teriam influido por analogia os tritées, divindades do cortejo de Poséidon. No livro x da Repiiblica, oito sereias presidem & revo- lugdo dos oito céus concéntricos. ‘Sereia: hipotético animal marinho, lemos num dicio- nario brutal. 189 os seres térmicos Foi revelado ao visiondrio ¢ tedsofo Rudolf Steiner que este planeta, antes de sera ‘Terra que conhecemos, pas sou por uma fase solar, e antes por uma fase saturnina. Ohomem, hoje, é composto de um corpo fisico, um cor po etéreo, um corpo astral e um eu; no inicio da fase ou época saturnina era unicamente um corpo fisico, Esse corpo nao era visivel, tampouco tangivel, jé que na épo- ca nfo havia na Terra nem sélidos nem liquidos nem gases. Havia somente estados de calor, formas térmicas. As diferentes cores definiam figuras regulares ¢ irregu ares no espago cosmico; cada homem, cada ser era um organismo formado por temperaturas cambiantes. Se- gundo 0 testemunho de Steiner, a humanidade da épo- ca saturnina era um conjunte cego e surdoe impalpavel de calores ¢ frios articulados. “Para o investigador, o ca lor nfo passa de uma substéncia ainda mais sutil que um gas”, lemos numa pagina da obra Die Geheimwis senschaft im Umriss (A ciéncia oculta: esbogo de uma cos. movisio supra-sensorial). Antes da fase solar, espiritos do fogo ou arcanjos animaram os corpos daqueles “ho- mens”, que comegaram a brilhar e resplandecer. 290 ‘Teria Rudolf Steiner sonhado essas coisas? Sonhou-as porque algum dia, no fundo do tempo, elas aconteceram? Em todo caso, so muito mais assombrosas do que os de- miurgos e serpentes ¢ touros de outras cosmogonias. 9 a serpente éctupla A serpente éetupla de Koshi tem uma presenga atroz nos mitos cosmogénicos do Japiio. Tinha oito cabecas e oito cau das; seus ollios eram do vermelho-escuro das cerejas; em suas costas cresciam pinheiros e musgos, e abetos nas fron- tes. Quando rastejava, cobria oito vales e oito colinas; sua barriga estava sempre manchada de sangue. Em sete anos devorara sete donzelas, que eram filhas de um rei, e se pre arava para devorar a mais moga, que se chamava Pente-Ar- roral. Bla foi salva por um deus chamado Valente-Veloz-Im- petuoso- Macho. Esse paladino construiu um grande cercado circular de madeira, com oito plataformas. Em cada plata: forma pds um tonel cheio de cerveja de arroz. A serpente dc- tupla veio, enfiou uma cabega em cada tonel, bebou com avidez e em pouco tempo adormeceu. Entdo Valente-Veloz Impetuoso-Macho cortou suas oito cabegas. Das feridas bro tou um rio de sangue, Na cauda da serpente foi encontrada uma espada, até hoje venerada no Grande Santuario de At suta, Fssas coisas ocorreram na montanha antes chamada “da Serpente” e hoje “das Oito Nuvens”; 0 oito, no Japao, € ‘um niimero sagrado e significa “muitos”. O papel-moeda do Japao ainda comemora a morte da serpente. 1g Desnecessirio acrescentar que 0 redentor se casou com a redimida, como Perseu com Andrémeda. Em sua versdo inglesa das cosmogonias e teogonias do Japiio (The Sacred Scriptures of the Japanese, Nova York, 1952), Post Wheeler recorda os mitos andlogos da hidra, de Fafnir e da deusa egipcia Hathor, a quem um deus embriagou com cerveja cor de sangue para salvar 08 ho- mens da aniquilagao. 195, os silfos ‘A cada uma das quatro raizes ou elementos em que os grogos haviam dividido a matéria correspondeu, depois, ‘un espfrito. Na obra de Paracelso, alquimista e médico suigo do século Xvi, encontramos quatro espirites ele mentares: 0s gnomos da terra, as ninfas da Agua, as sala ‘mandras do fogo € 08 silfos, ou silfides, do ar. Essas pala yeas sfo de origem grega. Littré procurou a etimologia de “cilfo” nas Linguas celtas, mas é totalmente inverossimil que Paracelso conhecesse essas Tinguas ou sequer suspeh tasse de sua existéncia. ‘Atualmente ninguém acredita nos silfos; mas locu «fo “sillueta de silfide” continua sendo aplieada ds mu- Theres esbeltas como elogio trivial. Os silfos ocupam um lugar intermediério entre os seres materiais ¢ os imate riais. A poesia romantica e o balé no os desdenharam. o simurg 0 Simurg é um péssaro imortal que faz ninho nos ramos da Arvore da Ciéncia; Burton 0 equipara a guia escandi- nava, que, segundo a Edda menor, tem conhecimento, de mmuitas coisas e faz ninho nos ramos da Arvore Obsmica, | que se chama Yggdrasill 0 Thalaba (1801), de Southey, ¢ a Tentapito de santo Ania (x874), de Flaubert, falam do Simorg Anka; Flan- bert o rebaixa a servidor da rainha Belkis e o descreve como ur péssaro de plumagem alaranjada e metélica, de cabecinha humana, munido de quatro asas, gasras de abu tre e utita imensa cauda de pavao real. Nas fontes originals o Simurg é mais importante, Firdusi, no Livro de reis, que compila e versifica antigas lendas do Ira, diz que ele é © pai adotive de Zal, pai do her6i do poema; Farid al Din ‘Attar, no século Xt, eleva-o a simbolo ou imagem da di vindade. Isso sucede no Mantigal-Tayr (A conferéncia dos péssaros). 0 argumento dessa alegoria, formada por cerca de quatro mil e quinhentos disticos, & eurioso, © remoto rei dos péssaros, o Simurg, deixa cair no centré:da China ‘uma pluma espléndida; os péssaros, cansados da anarquia jimperante, resolvem ir atras dele. Sabem que @ nome de 195 seu rei significa “trinta passaros”; sabem que seu palacio fica no Kaf, a montanha ou cordilheira circular que rodeia a Terra. No inicio, alguns passaros se acovardam: 0 rouxi- nol alega seu amor pela rosa; 0 papagaio, a beleza que o faz viver enjaulado; a perdiz ndo pode prescindir das coxilhas, nem a garca dos pantanos, nem a coruja das ruinas. No fim, empreendem a desesperada aventura; superam sete vales ou mares; 0 nome do pemiltimo é Vertigem; o alti- ‘mo se chama Aniquilagio. Muitos peregrinos desertam; outros morrem na travessia. Trinta, purificados por seus trabalhos, pisam a momanha do Simurg. Finalmente 0 contemplam: percebem que sdo 0 Simurg e que o Simurg 6 cada um deles ¢ todos eles. Ocosmégrafo Al-Qazwini, em suas Maravilhas da cria” ¢@0, afirma que o Simorg Anka vive mil e setecentos anos € que, quando o filho cresce, 0 pai acende uma pira e se imola, “Isso”, observa Lane, “evoca a lenda da fénix.” 9 squonk (lacrimacorpus dissolvens) “A érea do squonk 6 muito limitada. Fora da Pensilva- nia poucas pessoas ja ouviram falar nele, embora se diga que é bastante comum nos campos de cicuta da- quele estado. O squonk & muito reseryado e geralmen- te viaja na hora do crepiisculo. A pele, que é recober- ta de verrugas ¢ pimtas, nao 0 veste bem, os melhores juizes dizem que é 0 mais infeliz dos animais. E facil rastreé-lo, pois chora continuamente e deixa uma es- teira de lagrimas. Quando o encurralam e nio conse- gue fugir ou quando o surpreendem e se assusta, des mancha-se em lagrimas. Os cagadores de squonks tém ‘mais sucesso nas noites de frio e de Lua, quando as la- grimas caem devagar e o animal néo gosta de se me- xer; é possivel ouvir seu pranio sob os galhos dos som brios arbustos de cicuta, “O sr. J. P, Wentling, antes da Pensilvénia e atual- mente estabelecido em St. Anthony Park, Minnesota, teve uma triste experiéncia com um sqzonk perto de Monte Alto. Ele havia arremedado 0 choto do squorek 0 induzira a entrar num saco que estava levando para casa, quando de repente 0 peso ficou leve © 0 197 mas e bolhas.” William T. Cox Fearsome creatures of the lmberwoods Washington, 1910 choro cessou, Wentling abriu 0 saco; s6 restavam ligri Os seres vivos feitos de metal ou pedra fazem parte de uma espécie alarmante da zoologia fantastica. Recorde- ‘mos 08 temiveis touros de bronze que respiravam fogo ¢ que Jasfio, por obra das artes magicas de Medéia, conse- guiu jungir ao arado; a estatua psicolégica de Condillac, de marmore sensivel; o barqueire dé cobre, com wma la mina de chumbo no peito, em que se liam nomes e talis- mis, que resgatou @ abandonow, 1ias Mile wma noites, 0 terceiro mendigo filho de rei, depois que este derrubou 6 ginete da montanha do Ima; as jovens “de suave prata ¢ furioso ottro” que uma deusa da mitologia de William Blake capturou, com redes de seda, para um homem; as aves de metal que foram amas-de-leite de Ares; e Talos, 1 Podenios acreecentar & série um animal de tro: velo javali Guillinburs 1i, enjo nome significa Yodas cerdns de ouro”, e que também se cham Sli drugtanni, “o de perigoses presas". “Esa obra viva de fer ‘sav da forja dos habilidosos antes; estes jogs ram a0 fogo tama pele de pore e tiraram um jvali de ouro,eapaz de percor rer aterm, agua e oar Por mais escura que seja a note, serfpre ha astan te claridade no lugar em que estive ojavali.” Guillinbursti puxa o carro de Freyr, deus exeandinavo da geragio e da feoundidade. smitblogo Paul Herrmann, 0 guardido da ilha de Creta.' Alguns o declaram obra de Vuleano ou Dédalo; Apolénio de Rodes, em sua Argo- ndutica, explica que era 0 tiltimo sobrevivente de certa raga de bronze. ‘Trés vezes ao dia ele dava a volta na ilha de Creta e jo- gava rochedos nos que pretendiam desembarcar. Verme lho vivo de tao escaldado, abragava os homens e os mata- va, Seu tinico ponto vulnerdvel era 9 calcanhar; guiados pela feiticeira Medéia, Castor ¢ Polux — os diéscuros — acabaram com ele. Os poetas ¢ a mitologia o ignorarhi mas todos, em algum momento, j4 0 encontramos, na quina de um capitel ou no centro de uma frisa, e sentimos um levissimo descon- forto. 0 cio que guardava'os rebanhos do triforme Geriio tinha duas cabegas e um corpo, e felizmente Hercules o matou; 0 tao-tieh inverte esse procedimento ¢ é mais horrivel, porque a enorme cabega projeta um corpo para a direita e outro para a esquerda. Costuma ter seis patas, porque as da frente server para os dois corpos. As feigoes podem ser de dragio, de tigre ou de gente; “mascara de gro”, & como os chamam os historiadores da arte. um monstro formal, inspirado pelo deménio da simetria a es- cultores, oleiros e ceramistas, Mil e quatrocentos anos an- tes da era crista, durante a dinastia dos Shang, ja figura- va em bronzes rituais. Tao-tieh significa “glutio”. Os chineses o pintam na louga para aconselhar a frugalidade. os tigres do ana Para os anameses, tigres ou. génios personificados por ti gres regem os rumos do espago. O tigre vermelho comanda 0 sul (que esta no alto dos mapas); ¢ o senhor do verdo e do fogo. O tigre negro comanda o norte; ¢ 0 senhor do inverno eda agua. O tigre azul comanda o leste; é 0 senhor da primavera e das plantas. O tigre branco comanda 0 oeste; é o senhor do outono e dos metais. Acima desses tigres cardeais hé outro tigre, 0 tigre amarelo, que governa 0s outros ¢ esti no centro, como 0 imperador esta no centro da China e a China no centro do mundo. (Por isso é chamada de Império Central; por isso ocupa o centro do mapa-mmiindi que o padre Ricci, da Companhia de Jesus, desenhou no fim do século xvi para instruir os chineses.) Lao Tsé confion aos cinco tigres a misao de guerrear contra os deménios. Uma oragio anamesa, traduzida para o francés por Louis Cho Chod, implora com devogao a ajuda de seus irredutiveis exércitos. Essa superstigao tem origem chinesa; os sindlogos falam de um tigre branco, que comanda a remota regido das estrelas oci- dentais, Ao sul, os chineses situam um passaro vermelho: a leste, um dragio azul; ao norte, uma tartaruga negra. Como se vé, os anameses conservaram as cores mas uni- ficaram 0s animais. : Os dhils, povo do centro do Indust, acreditam em in- fernos para tigres; 06 malaios tém conhecimento de uma cidade no coragéo da selva, com vigas de ossos humanos, paredes de pele humana, beirais de cabeleiras humanas, construida e habitada por tigres. 295 Na Inglaterra, as valquirias ficaram relegadas as aldeias ¢ degeneraram em bruxas; nas nagbes escandinavas, os gi gantes da antiga mitologia, que viviam em Jétunheim guetreavam com deus Thor, decairam para risticos trols. Na cosmogonia que fundamenta a Hdda maior lé-se que, no dia do crepisculo dos deuses, os gigantes escalario derrubario Bifrost — o arco-fris — e destruirio 0 mundo, secundados por um lobo e uma serpente; 0s trojls da su- perstigao popular sio elfos malignos e estitpidos que vivem nas cavernas das montanhas ou em. casebres desmantela dos. Os mais ilustres contam com duas ou trés cabecas. poema dramitico Peer Gynt (1867), dé Henrik Tb- sen, garante sua fama. Ibsen imagina que so, acima de tudo, nacionalistas; acham, ou tentam achar, que a bebera gem horrivel que fabricam ¢ deliciosa, e que suas cavernas so paldcios. Para que Peer Gynt no perceba como seus antros so sérdidos, ameagam arrancar-Ihe 0s olhos. o unicérnio ‘A primeira versio do unicérnio quase coincide com as til- +timas. Quatrocentos anos antes da era cristi, o grego Cté- sias, médico de Artaxerxes Mnémon, relata que nos rei- nos do Industo ha asnos silvestres muito velozes, de pélo branco, cabega purpirea'e olhos aztiis, munidos de um chifre pontiagudo na testa que na base é branco, na pon ta é vermelho e no meio € totalmente negro. Plinio acrescenta outros detalhes (vm, 31) “Na {india cagam outra fera: 0 unicérnio, com corpo de cavalo, cabeca de cervo, patas de elefante e cauda de javali. Seu mugido é grave; um chifre longo e negro se eleva no meio de sua testa. Dizem que ¢ impossivel capturé-lo vivo.” Por volta de 1892 0 orientalista Schrader opinou que talvez 0 unicérnio tivesse sido sugerido aos gregos por certos baixos-relevos persas que representam touros de perfil, com um ‘inico chifre Nas Etimologias de Isidoro de Sevilha, redigidas no ini cio do século vil, lemos que uma chifrada do unicérnio costuma matar 0 elefante; isso evoca a vitéria andloga do 205 karkadan (rinoceronte) na segunda viagem de Simbad.! Outro adversério do unicérnio era o edo, e uma oitava real do livro 11 da inextricdvel epopsia The Faerie Queene preserva a forma como se daria um combate entre os dois. ledo se encosta numa arvore; 0 unicbrnio, de testa baixa, investe; o ledo se afasta para um lado, ¢ 0 unicérnio fica cravado no tronco. A oitava data do séeulo xv1; no inicio do XVII, a unido do reino da Inglaterra com o reino da Esco. cia confrontaria nas armas da Gra-Bretanha 0 leopardo (ledo) inglés com © tiniebrnio eseocés. Na Idade Média, 05 bestiarios ensinam qué 0 unicérnio pode ser capturado por uma menina; no Physiologus grae cus, lemos: “Como 0 captaram. Uma virgem é posta diante dele'e ele salta para o regago da virgem e a virgem o abriga com amor e 0 leva do palacio dos reis”. Uma medalha de Pisanello e mnuitas € famosas tapegarias ilustram esse tritun fo, cujas aplicagbes alegéricas sio notorias. O Espirito Santo, Jesus Cristo, 0 merctirio e o mal jé foram representados pelo unicérnio, A obra de Jung Psychologie und Alchemie (Zui. que, 1944) registra e analisa esses simbolismos. Um eavalinho branco com patas traseiras de antilope, barba de bode e um chifre longo e retorcide na testa é a representagao habitual desse animal fantastico, Leonardo da Vinei atribui a captura do unicérnio a sua sensualidade; esta o faz esquecer sua ferotidade e acomodar se no regago da donzela, e assim ¢ captuirado pelos cagadores. 1 Simbad nos diz que o chr do rinoceronte, partido ao meio, mostra af ura de win homem:; Al-Qazwini diz que 6 um homem a aval, ¢ outros ‘mencionam péssiros e peixes 206 o unicérnio chinés O unicérnio chinés, ou #%-lin; é um dos quatro aniznais de bom agouro; os outros soo dragdo, a fénixe a tart ruga. O unicérnio é 0 primeizo dos animais quadripedes; tem corpo de cervo, cauda de boi ¢ easeos de cavalo; 0 chi. fre que lhe cresce na testa éde carne; 0 pélo do lombe é de cinco cores mescladas; 0 da bartiga é pardo ou amare- lo. Nao pisoteia a grama verde nem faz mal a nenhuina criatura, Sua aparigio pressagia o hascimento de um rei virtuoso. f de mau agouro feri-lo ou encotitrar seu cada- ver. O término natural de sua vida é aos mil anos. Quando a mae de Confiicio o tinha no ventre, os espi ritos dos cinco planetas levaram-lhe um animal “que ti- nha forma de vaca, escamas de dragao e um chifre na testa”, B assim que Soothill descreve a anunciagio; uma variante:recolhida por Wilhelm diz que o animal se apre- sentou por conta propria e cuspiu uma lamina de jade em que se liam as seguintes palavras: FILHO DO CRISTAL DA MONTANHLA (OU DA ESSENCIA DA AGUA), QUANDO A DINASTIA TIVER cAiDO GOVERNARAS COMO [REI SEM INS{GNIAS REAIS. sor Setenta anos depois, cagadores mataram um k'-lin que ainda tinha no chifre um pedago de fita que a mie de Confiicio havia atado ali. Confiicio foi vé-lo e chorou, por: que sentiu o que pressagiava a morte daquele inocente ¢ misterioso animal, e porque na fita estava o passado. No século xitt, uma ala avangada da cavalaria de Géngis Khan, que empreendera ainvasio da india, avistou no de- sertoum animal “semelhante ao cervo, com um chifre na ‘testa e pélo verde”, que foi ao encontro deles e disse: “Ja est na hora de vosso serihor voltar para sua terra”. Um dos ministros chineses de Géngis, consultado por ele, explicou que o animal era um chio-tuan, uma variante do hY-lin. Jé fazia quatro invernos que o grande exército guerreava nas regides ocidentais; 0 céu, cansado de ver homens derramar sangue de homens, enviara aquele aviso. O imperador de- sistiu de seus planos bélicos. Vinte e dois séculos antes da era crista, um dos juizes de Shun possufa um “bode unicorne” que néo agredia os injustamente acusados ¢ investia contra os culpados. Na Anthologie raisonnée de la littérature chinoise (1948), de Margoulids, aparece o seguinte apélogo misterioso € tranqiiilo, obra de um prosador do século 1x: “Universalmente se admite que 0 unicérnio ¢ um ser sobrenatural e de bom agouro; 6 0 que afirmam as odes, 05 anais, as biografias de vardes ilustres ¢ outros textos cuja autoridade é indiscutivel. Mesmo os parvulos e as mulhe- res do povo sabem que 0 unicérnio constitui um pressigio favordvel. Mas esse animal nao figura entre os animais do- mésticos, nem sempre é facil encontré-lo, nao se presta & ‘uma classificagio. Nao é como 0 cavalo ou 0 touro, 0 lobo 208 ou 0 cervo, Nessas condigdes, poderiamos estar diante do unicérnio sem saber com certeza que se trata de um uni- cérnio, Sabemos que certo animal com crina é um cavalo € que certo animal com chifres é um bitfalo, Nao sabemos como ¢ 0 unicérnio.” 209 o uréboro Hoje o oceano ¢ um mar ou um sistema de mares; para os gregos, era um rio circular que rodeava a Terra, Todas as Aguas flulam dele, e nao tinha nem desembocadura nem naseentes, Era também um deus ou um tita, talvez 0 mais antigo deles, porque o Sonho, no livro xiv da Iliada, chama-o de origem dos deuses; na Teogonia de Hesiodo & © pai de todos os rios do mundo, que sao trés mil, e que tm a frente o Alfeu e o Nilo. Sua personificagao habitual era um ancitio de barba caudalosa; a humanidade, sécu- Jos depois, encontrou um simbolo melhor. Heréclito havia dito que na circunferéncia 0 inicio e 0 fim séo um nico ponto. Um amuleto grego do século 1, conservado no Museu Britanico, oferece-nos a imagem que melhor pode ilustrar essa infinitude: a serpente que morde a propria cauda ou, como belamente diria Marti nez Estrada, ‘‘que comega no fim da propria cauda”. Urd- boro (aquele que devora a prépria cauda) é 0 nome técni- ‘co desse monstro, mais tarde to caro aos alquimistas. ‘Seu aparecimento mais famoso est na cosmogonia es- candinava. Na Edda prosaica, ou Edda menor, consta que Loki engendrou um lobo e uma serpente. Um oraculo avisou aos deuses que aquelas criaturas seriam a perdiggio da Terra. O lobo, Fenrir, foi contido por uma corrente forjada com seis coisas imagindrias: “o ruido dos passos do gato, a barba da mulher, a raiz da rocha, os tenddes do turso, 0 hélito do peixe e a saliva do passaro”. A serpente, Jormungandr, “foi jogada no mar que rodeia a Terra, ¢ no mar cresceu tanto que hoje também rodeia a Terra e mor- de a propria cauda”. Em Jotunheim, que é a terra dos gigantes, Utgarda- Loki desafia o deus Thor a erguer um gato; 0 deus, em- pregando todas as suas forgas, mal eonsegue que uma das patas do gato deixe de tocar 0 solo; 0 gato é a serpente. Thor foi enganado por artes magicas. Quando chegar o crepiisculo dos deuses, a serpente de- vorard a Terra; e 0 lobo, 0 Sol. as valquirias Sob a influéncia crescente do cristianismo, 0 nome valquiria degenerou; na Inglaterra medieval, um juiz mandou queimar uma pobre mulher acusada de ser uma valquiria, ou seja, uma bruxa Valquiria significa, nas primitivas Iinguas germénicas, “aquela que escolhe 0s mortos”. Uri exorcismo anglo-sa- xio contra as dores nevrilgicas descreve-as, sem nomed- las diretamente, da seguinte maneira: Retumbantes eram, sim, retumbantes, cavalgando nas alturas. Resolutas elas eram, cavalgando sobre a terra. Poderosas mulheres. Nao sabemos como as imaginavam as pessoas da Ale- manha ou da Austria; na mitologia escandinava séo vir- gens armadas e belas. Seu mimero habitual era trés. Escolhiam os que haviam tombado em combate e le: vavam sua alma para o épico paraiso de Odin, cujo te- Ihado era de ouro e que era iluminado por espadas e no lampadas. Naquele paraiso, a partir da aurora os guer- reiros combatiam até a morte, depois ressuscitavam e participavam do banquete dos deuses, em que lhes ofe- reciam a carne de um javali imortal e inesgotaveis cor- nucdpias de hidromel. a5 youwarkee Em sua Breve histéria da literatura inglesa, Saintsbury con- sidera que Youwarkee ¢ uma das heroinas mais deliciosas dessa literatura. Metade mulher ¢ metade passaro, ou — como escreveria 0 poeta Browning acerca de sua esposa moria, Elizabeth Barrett — metade anjo ¢ metade pissaro, Seus bragas podem abrir-se em asas, ¢ uma penugem sedo- sa cobre seu corpo. Mora numa ilha perdida dos mares an- tarticos; 14 6 descoberta por um néufrago, Peter Wilkins, que se'casa com ela, Youwarkee ¢ da estirpe dos glums, uma tribo alada. Wilkins os converte a fé crista e, depois da morte da mulher, consegue regressar 4 Inglaterra. ‘A historia desse curioso amor pode ser lida no romance Peter Wilkins (1751), de Robert Paltock. 0 zaratén ‘Uma historia percorreu a geografia e as épocas: a dos na- ‘vegantes que desembarcam numa ilha sem nome que de- pois afunda ¢ os mata, porque esta viva. Essa invengao aparece na primeira viagem de Simbad ¢ no canto yr do Orlando Furioso (Chiella sia una isoletta ci credemo); na lenda irlandesa de sao Brandao e no bestiério grego de Alexandria; na Histéria das nagdes setentrionais (Roma, 1555), do prelado sueco Olao Magno, ¢ na passagem do canto 1 do Paraiso perdido em que sé compara o prostrado Sata a uma grande baleia que dorme sobre a espuma no- rueguesa (Him hap'ly slumbering on the Norway foam). Paradoxalmente, uma das primeiras versdes da lenda menciona-a para nega-la. Faz parte do Livro dos animais, de Al-Jahiz, zoblogo mugulmano do inicio do século 1x. ‘Traduzida da versio espanhola de Miguel Asin Palacios, diz 0 seguinte “Quanto ao zaratdn, nunca encontrei ninguém que garantisse té-1o visto com os préprios olhos, “Alguns marinheiros contam que aconteceu de se apro ximarem de certas ilhas maritimas e que nelas havia bos- a5 ques ¢ vales e gretas e que acenderam uma grande foguei- 7a; € que quando o fogo chegou ao dorso do zaratdn, este comegou a deslizar (sobre as Aguas) com eles (em cima) ¢ com todas as plantas que sobre ele havia, a tal ponto que 36 quem conseguiu fugir péde salvar-se. Essa historia dei- xa para trés todos os relatos mais fabulosos ¢ atrevidos.” Consideremos agora wm texto do século xmt. Foi escri to pelo cosmografo Al-Qazwini ¢ pravém da obra intitu lada Maravithas da criagao. Diz 0 seguinte: “Quanto a tartaruga marinha, ¢ de tio desmesurada grandeza que a tripulagio do navio pensa que é uma ilha. ‘Um dos mercadores relatou: ““Pescobrimos no mar uma ilha que se elevava sobre ‘a Agua, com verdes plantas, e desembarcamos, € na terra cavamos buraces para cozinhat, e @ ilha se mexeu, € 0s marinheiros disseram: Voltem, porque é uma tartaruga, © o calor do fogo a despertou e pode nos afogar.”” Na Navegagdo de sto Branddo a historia se repete: 4[,..] e entdo navegaram, e se aproximaram daquela terra, mas como em alguns lugares era pouca a profundi- dade e em outros havia grandes rochas, foram até uma ilha, que pensaram que fosse segura, e fizeram fogo para cozinhar o jantar, mas sio Brandao nfo saiu do navio. quando o fogo estava quente, ¢ a carne a ponto de assar, a ilha comegou a se mexer, ¢ os padres se assustaram, ¢ fu- giram para o navio, e abandonaram a fogueira e a carne e se maravilharam com 0 movimento. E siio Brandio acalmou-os e disse que era um grande peixe chamado Jasconye, que dia e noite tenta morder a propria cauda, mas que ¢ téo grande que niio consegue.”* No bestidrio anglo-saxio do Cédice de Exeter, a peri- gosa itha é uma baleia “astuta no mal”, que deliberada- ‘mente ilude os homens. Estes acampam em seu lombo ¢ tratam de descansar dos trabalhos do mar; de repente, 0 héspede do oceano submerge ¢ os marinheiros se afogam. No bestidrio grego, a baleia representa a rameira dos Provérbios (“seus pés descem até a morte; seus passos sustentam 0 sepulero”); no bestidrio anglo-saxiio, o diabo e 0 mal. Manteré esse valor simbélico em Moby Dick, que seri escrito dez séculos depois. 1 Vero verbete “O urdboro”, p. at. jorge Francisco Isidoro luis borges Acevedo nasceu em Buenos Aires, em 24 de agosto de 1899, ¢ faleceu em Genebra, em 14 de junho de 1986, Antes de falar espanhiol, aprendeu com a avé paterna a lingua inglesa, idioma em que fez suas primeiras leituras. Em 1914 foi com a familia para a Suiga, onde completou os estudos secundarios, Em 1919, nova mndanga — agora para a Espanha. La, ligou- se a0 movimento de vanguarda literéria do ultraismo. De volta & Argentina, publicou trés livros de poesia na dé- cada de 1920 e, a partir da década seguinte, os contos que Ihe dariam fama universal, quase sempre na revista Sur, que também editaria sens livros de fiegdo. Funcionério da Biblioteca Municipal Miguel Cané a partir de 1957, dela foi afastado em 1946 por Peron. Em 1955 seria nomeado diretor da Biblioteca Nacional. Em 1956, quando passou a lecionar literatura inglesa e americana na Universidade de Buenos Aires, os oftamologistas jé o tinham proibido de ler e escrever. Bra a cegueira, que se instalava como um lento crepasculo, Seu imenso reconhecimento internacio- nal comegou em 1961, quando recebeu, junto com Samuel Beckett, o prémio Formentor dos International Publishers —o primeiro de uma longa série.

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