Sei sulla pagina 1di 9
TEMAS EM DEBATE LA REPRODUCTION © tema aqui em debate refere-se, basicamente, a teoria da reprodugdo, enquanto interpretaeéo critica da escola, no capitalismo. Presente na maioria das re- flexes sobre a escola brasileira, esta teoria jd se incor- porou, aceita ou negada, aos instrumentais de andlise dos vérios autores. O artigo de Vincent Petit, traduzido pola revista, nio 6 nove, mas tem sido cada vez mais utilizado em leituras e cursos na universidade. Ele é discutide por Jasé Carlos Durand, cujo texto, por sua vez, & comentado por Luiz Antonio Cunha. Agradece: ‘mos aos dois autores 0 espirito democrético de cola- boragéo que tornou possivel este debate. AS CONTRADICOES DE “A REPRODUGAO” © O livro I de “A Reproducio" de P. Bourdieu e J.C, Passeron & apresentado no prefécio como o resulta do de um trabalho que compreende um duplo aspecto: Por um lado, responde a um projeto epistemolé: sgico e légico; trata-se, com efeito, para os autores, da sistematizago de um conjunto de enunciados que dizem respeito a Escola de forma que esta venha a se constituir fem objeto do conhecimento cientifico possivel em fungo de normas relativas a uma teoria do conhecimen- 10 sociolégico como conhecimento cientifico. De outro lado, os enunciados sobre os quais incide ‘ste trabalho so 0 produto de uma pesquisa empirica ‘cujos resultados deveriam fundamentar. © Estas condigdes legitimam, conseqdentemente, um procedimento de verificapo que incide, de um lado, sobre a coeréncia logica e sobre as premissas epistemo- logicas desta construcdo teérica e, de outro, sobre as ccondigées metodolagicas da pesquisa que se encontra na rigem dos dados desta construgSo. Cad. Pesq., Sdo Paulo(43): 43-51, Nov. 1982 Vincent Petit AS CONTRADIGOES DE “A REPRODUGAO” © desenvolvimento légico operado a partir da proposigSo inicial que enuncia as condicdes de possi lidade de conhecimento cientifico da escola e, através dela, as condigées sob as quais, exclusivamente, a escola pode ser objeto do conhecimento cientéfico, levam a ver escola como o produto de uma diferenciagdo interna da relacio de classes que é considerada como estando no fundamento do liame social. A escola aparece nestas con- digdes como um momento especifico do processo atra vés do qual esta relagdo de classes — que 6 dada como relago de forcas — se perpetua. Esta especificidade con- siste no fato de que a escola se mostra como um poder de violencia simbélica, isto é, utilizando os sistemas de representaces, @ ndo a forca fisica, para assumir 0 papel de mantenedora da relago de forca. Na medida em que ‘a escola decorre desta relacdo, ela s6 pode preencher seu papel face & relacio de forca pela utilizacdo de procedi: 43 ‘mentos distintos, 0 que constitui a origem tanto de sua autonomia aparente como de sua dependéncia real, de pendéncia esta mascarada pela aparente autonomia, mas ‘cara que é a propria condicéo de seu papel face 3s relar ‘oBes de forca das quais ela decorre, Este duplo aspecto da escola — independéncia aparente e dependéncia real — é que vai produzir todas 1 especificacdes da escola apresentadas no livro | de “A Reproducio". Estas especificacées nada mais 380, com efeito, do que a anélise do funcionamento interno da insténcia escolar, por meio do qual ela preenche seu papel em relacdo a instancia externa da qual emana Como esta insténcia externa 6 a classe dominante, o funcionamento da escola deveré, por um lado conti buir para que esta instancia exerca seu dominio e, Por outro, na medida em que a escola contribui efeti vamente para esta dominago, fornacer a si mesma seus, proprios instrumentos necessérios a sua propria repro- ducio. Desse modo, a finalidade da escola sera dupla contribuir para a manutenc0 da classe dominante e, a0 mesmo tempo, encontrar em si mesma as condigdes de sua prépria manuten¢do. © funcionamento da escola no podera ser, portanto, sendo a resposta a esta dupla finatidade. Todas as modalidades deste funcionamento consistirfo, num plano manifesto, em assegurar sua auto- rnomia face as relacdes de forca que estdo em sua origem , a0 mesmo tempo, em assegurar @ permanéncia oculta dessas relagdes de forca em fungao de sua propria auto- nomia. Isso acabara por dar uma aparéncia de legitimi: dade aos sistemas de simbolos, ou saber, que ela trans mitiré, & selecio dos sistemas de simbolos que ela opera 4, & selecdo dos candidatos & transmisséio deste saber, & determinaedo da competéncia desses candidatos quanto a0 dominio deste saber. Tudo isso constitui © processo manifesto através do qual a escola se mantém a si propria como instancia social legitima, ou seja, tendo valor universal pela trans Ccendéncia das relacdes de forga nas quais ela pretende situar-se; mas, sob essa aparéncia e através dela, a escola Dpreencheré seu papel na manutengéo e na reproduedo das relacées sociais,e isto por uma manipulacio de seu funcionamento manifesto em seus quatro aspectos. Assim, a selego legitima do saber legitimo, 0 processo de legitimizacio do saber, a selecio dos candidatos a0 acesso a este saber, a apreciacdo da competincia desses, candidatos em relacdo a este saber serdo determinados. pela necessidade de reproduzir a dominaggo da classe dominante. Precisamente sob este mento de universal dade e, por isso mesmo, de legitimidade, é que a escola reproduzira as relacSes de forea que esto em sua ori: gem, 0 que se far’ através do arbitréria oculto sob tal legitimidade. E este arbitrério que funcionaré efetive ‘mente nos quatro momentos descritos acima, mas sob a aparéncia de legitimidade, da seguinte maneira: O saber legitimo, ¢ a legitimagio do saber serdo, efetivamente, funcdo do interesse da classe dominante, isto ¢, sero classificados em funcio de sua capacidade de manter a dominac3o da classe dominante. De tal forma, que seré prioritariamente eliminado todo saber que seja um saber a respeito dessa dominaggo ou um saber suscetivel de alterar essa dominagdo. Ou, entéo, lum saber desse tipo ser modifieado pelo processo de sua legitimago de maneira s manter aquela dominagSo, 44 No que diz respeito ao processo de seleeao inicial ¢ terminal dos candidatos a0 saber, a escola encontrara meios para manter a dominacdo da classe dominante, mascarando-a; isto s6 poderd se ofetivar através de uma selego com base em normas cuja origem oculta é a dife- renga de classe, e se esforearé para manter essa diferenca de classe de maneira que, no final do “cursus” escolar, as diferencas iniciais se encontrem intactas e sirvam de critérios legitimos de seleglo legitima. ‘A escola, desse modo, 56 poderd preencher sua dupla finalidade fazendo do saber que ela tem por obje- tivo transmitir um instrumento de dominago de uma classe e selecionando somente a competéncia que ela no transmite de maneira a deixar campo livre & relagdo de dominacdo de classe. ‘A escola funcionard, portanto, muito melhor ne medida em que o saber que ela transmite constitua um instrumento da violéncia através da qual uma classe domina a outra, de sorte que o saber s6 serd saber pela sua aparéncia, sua realidade se constituindo na ideologi da classe dominante. Mas, além disto, na medida em que ela deve apresentar-se como instituicdo legitima, sua ope- rago de relagdo deve basear'se em critérios que, além de serem implicitamente ideolégicos possuam, tambérn, aparéncia da competéncia em relago a0 saber. Por isso, a escola é levada a legitimar uma aparéncia de saber que nada mais é do que signo de um ndo-saber. A escola, assim, para assumir sua dupla finalidade, 6 obrigada 2 constituir-se em sistema de defesa em rela 40 20 saber, visando, por um lado, a eliminé-lo ou transformé-lo ‘em benef{cio da classe dominante e, por ‘outro, @ eliminar as classes dominadas da participaco no saber, ou autorizar somente um pequeno némero de seus representantes a dele participar, mediante a codigo de que se curvem as exigénejas da escola, isto 6, que aceitem a aparéncia de saber que a escola é obri- gada a transmitir. . A escola tem, conseqtientemente, um duplo obje- to: a transmisso do saber e sua falsificagdo. Ora, este duplo objeto ¢ contraditério; a escola nfo pode funcio: nar, isto &, reproduzir a relagdo de forcas que se encontra fem sua origem e manter-se a si propria, a no ser mediar te a condicdo de falsificar o saber que, entre outras fins- lidades, ela tem de transmitir. Ora, esta finalidade, que aparece como imanente ao funcionamento da escola, no decorrer mesmo da anilise deste funcionamento, apare- ce, igualmente, como antagonista das finalidades atribu' das & escola em fungéo das condicées enunciadas por Bourdieu e Passeron como condicdes de possibilidade de constitui¢do da escola como objeto do conhecimento cientifico. A escola, assim, funcionaria muito melhor se tivesse apenas que transmitir a ideologia da classe do- minante NNesses condicdes, pode-se colocar uma dupla ‘questo: de um lado, de onde vem este saber cuja trans- missd0 constitui obstéculo 20 bom funcionamento da escola, isto é, & realizecdo de sua dupla finalidade? De outro lado, qual é a necessidade que leva a escola a assumir a ideologia da classe dominante e a Ihe dar a aparéncia de saber legitimo, isto é, a the dar uma apa ‘éncia de universalidade? S6 uma resposta parece possivel: a de que na Cad. Pesq. (43) Nov. 1982 corigem da escola se encontram a possibilidade do saber @ a necessidade de sua transmissfo, mas que esta possi bilidade é, por um lado, a de um saber que, para séo, 56 pode ser universal, isto 6, que deve transcender as relagGes de classe e cuja promocao no poderia sendo contribuir para sup:imir a opressdo de uma classe sobre outra, Por outro lado, que este saber, embora se opondo poor sua universalidade 8 dominaeéo da classe dominante seja, a0 mesmo tempo, a condigao de possibilidade de manuten¢o dessa dominacio. A escola terd, também, por funcdo, a "canalizacdo” dos candidatos a este saber e a neutralizago do poder de transformagses das rela Bes de clases imanente a este saber. ‘A xisténcia da escola no seio das relacées de classe no pode explicarse sendo pela existéncia desse saber. Na auséncia deste, ela perde completamente sua razGo de ser. Com efeito, em sua auséncia, isto é, na auséncia da dimensio de universalidade, subsistem somente as relagées do forga na sua exata medida de relacGes de forca, de modo que a dominacfo da classe dominante néo pode manterse a no ser pela superio- Fidade de sua forga em relagSo & da classe dominads, Correlativamente, desde 0 aparecimento da dimensio de universalidade, a dominacdo da classe dominante requer 0 uso e€ 2 manipulagdo dessa dimensio para assegurar sua dominacdo. E somente neste momento ue a escola se justifica enquanto instancia aparente de legitimaco do saber e insténcia real e oculta da manu- tendo da dominacso da classe dominante, Mas esta instineia, investida de um poder de violéncia de caréter simbélico, sofre de uma contradicSo interna em Fungo do proprio caréter simbélico da violéncia que exerce. Decorre dai o duplo processo em que consiste seu fun: cionamento: constituir 0 saber em ideologia (por sele 80 e por alteracio) ¢ constituir a ideologia em saber. A escola, também, s6 pode preencher sua funego em condigdes otimas na medida em que o saber, isto 6, a dimensio de universalidade, no exista, e que s6 exista 2 ideologia da classe dominante. Mas, neste c2s0, a escola perde sua raz8o de ser uma vez que as transfor: mactes que constituem seu funcionamento (transfor macio do seber em ideologia e da ideologia em aparén- cia de saber) perdem seu objeto. Por conseguinte, na origem da escola encontra-se uma tripla condicSo: por um lado a existéncia do saber, por outro, a existéncia das relacdes de forca 0, enfim, 0 fato desse saber ser, 20 mesmo tempo, necessidade, pela exigncia de manutencio dessas relacies de force, ¢ antagonista em relagdo a elas Essas duas condicées ¢ sua articulaglo estio pre sentes no inicio do processo de construcdo tedrica de Bourdieu ¢ Passeron? No realidade, a proposicdo inicial que fundamenta 2 construgdo teériea da escola enuncia a preeminéncia dos relacies de forca em relagio as relacbes simbolicas, sem mostrar 8 maneira pela qual as relacées simbolicas cchagam a se constituir. Com efeito, © que ¢ enunciado nesta proposiego é @ mancira através da. qual estes relagdes simb6licas “acabam” por impor significacSes e, neste sentido, contribuem para a manutencdo das rele 480s de forca que as fundamentam, o que conduz, neces: Sariamente, 9 considerar que em seu fundamento se As contradigées de “A Reprodugao” encontra uma forca antagonica a estas mesmas relagdes de forca, uma vez que estas nJo s80 a condigao sufi ciente do poder de violéncia simbélica. Com efeito, 0 fato de que este poder de violéncia simbélica venha impor significacdes como legitimas prova que ele deve lutar contra outro poder que ndo aquele das relacdes, de forca que s30 fundamento ~ insuficiente — de sua forea. ‘A escola aparece, consegiientemente, como um fato que a classe dominante deve “‘assimilar”” mas, ‘também, 20 qual ela deve acomodar-se, uma vez que sua realidade advém de outra coisa que ndo seu poder. Esta outra coisa é o saber. As condigdes de exis téncia deste saber esto presentes no discurso de Bour dieu e Passeron? O que ¢ enunciado a este respeito é a definicdo de “cultura objetiva” (isto 6, da cultura enguanto ela pode constituir-se em objeto de conhe- cimento). Ora, uma cultura, para sé-lo, no pode ser sendo arbitraria, porque estabelecida pela selecdo das significagBes pela relacdo social na qual a escola existe Ela ndo tem rela¢o alguma com “a natureza’; ela 36 tem relago com o interesse da classe dominante, Por: tanto, o saber, como realidade objetiva, ndo existe ~ ‘nem na escola, nem na sociedade. Quando Bourdieu e Passeron afirmam (p. 24) “Nao existe A.P. (Aco Pedagogica) que nio inculque significagées nfio dedutiveis de um principio universal (razdo légica ou natureza biolégica)"" ~ s6 pode causar espanto 0 aparecimento dessa dimensso de universal dade, uma vez que todo o trabalho tedrico precedente ‘no consistiu sendo em excluir 2 propria possibilidade de sua existéncia como condi¢do explicitamente pro- posta do conhecimento objetivo da cultura e da insti- tuigo encarregada de sua transmissio. O fato mesmo de diferencar a afirmacdo da existéncia desta dimen- so, precisando que ela no passa de um pélo inaces: sivel, s6 faz enfraquecer o rigor do discurso sem reve- lar melhor as condigdes de possibilidade da existancia do saber, Pode-se entiio colocar duas questOes: de onde vem esta dimenso de universalidade e de onde vem a escola? ‘As condigées objetivas no estdo reunidas para que a dimensio de universalidade surja, mas a escola deve fazer de conta que esta dimensdo é sua Gnica norma, o que tende a provar que ela existe efetivamente no seio da sociedade, e requer, entdo, 0 estudo das condigdes de possibilidade de sua existéncia. Deparamo-nos, pois, com este paradoxo: a escola, para fundamentar seu poder deve referir-se 8 existéncia de um saber que nio 4 sendo @ aparéncia de saber dissimulando um arbitrério, Se 0 saber ndo pode existir no seio da sociedade, por qual milagre a escola péde inventé-lo, em seguida fals ficé-lo realmente mantendo, entretanto, sua aparéncia? De fato, o saber néo existe na sociedade; ele néo existe sendo para aquele que esté fora dessa sociedade (que pode, portanto, construir conceitos “sem referente sociolégico", p. 11) € no pode, em nenhum caso, nela se reintroduzir pois essa tentativa resultaria, com efeito, em sua falsificaco, mantendo, entretanto, sua aparéncia de saber: 0 saber no teria mais do saber sendo esta apa réncia. Se 0 saber quiser manter a identidade entre sua esséncia e sua aparéncia, chagaré a0 paradoxo légico e & 45 impossibilidade pratica (cf. p. 31). O saber reflexivo sobre a escola 6, pois, impossivel na escola (de modo que ensinar Bourdieu e Passeron af seria contraditério) e se é © saber pura e simplesmente que é impossivel na socie- dade entio, com mais forte razo 6 impossivel o saber sobre essa sociedade e sobre sua escola. De que lugar falam, entdo, Bourdieu © Passeron, uma vez que seu discurso no tem razdo de ser nem onde aparecer? Esta excluséo tedrica do saber que aparece em “A Reproducio”, e que culmina na contradi¢o que acabe: mos de sublinhar, manifesta-se, no Livro 1, pela polar’: zago exclusiva do interesse dos autores sobre o estudo de Letras e, principalmente, sobre aquilo que, no estudo de Letras & da ordem da maneira de ser em rela¢o a0 saber, mais do que da ordem do saber. E esta sele¢o no sei da realidade imediata da escola que constitui a ori gem empirica das proposicdes sistematizadas do Livro | Isto € explicitamente enunciado em “Os Herdeiros”, p. 19, mas no aparece em parte alguma em “A Repro. dugso” Se é verdade que os estudos de ciéncias esto menos ligados 8 origem social e se hd concordancia, en- fim, de que & no ensino de Letras que a influéncia da origem social se manifesta mais claramente, parece legi timo perceber nas Faculdades de Letras terreno privi legiado para estudar a agdo dos fatores culturais de desi gualdade frente 3 escola”. Esta selecdo manifesta dos eventos é inteiramente legitimada pelas condicdes expli citamente enunciadas que a determinam. Tratase de estudar os aspectos mais evidentes dos fatores culturais dda desigualdade frente a escola, de modo a estabelecer © sistema de seu funcionamento, 0 que diz respeito Penas a um aspecto da realidade escolar nfo essencial ’ Escola em si mesma, uma vez que ¢ face & escola que se 6 desigual e no pola Escola. Ora, em “A Reprodu- do", justamente por néo ter explicitado este limite entre outros, 0s autores operam uma reversio: eles nfo colocam mais o leitor em presenca dos fatores de desi- gualdade diante da Escola, mas diante da Escola da desi gualdade, ou seja, a Escola af se identifica com esses. fatores. Mas, para que tal reversdo seja possivel teorica- mente e tenha uma aparéncia de legitimidade, foi neces- sério que, sem o dizer, (uma vez que, como numerosas de suas andlises o demonstram, a ignorancia dos pressu- ostos € condigdo da aparéncia de legitimidade de um ‘empreendimento) os autores evacuastem eliminassem 0 saber da Escola e a possibilidade de saber da sociedade. A REPRODUGAO E A CONTRADICAO Para relevar a contradiedo de “A Reproducio", que consiste em suprimir a escola, circunscrevendo-a a ‘um pape! de reprodugio das relacdes sociais, e em supri- ‘mir 0 saber como fato social, convém, portanto, estudar as condicdes sociais necessérias constitui¢o do saber como tal e & emergéncia de uma instancia social espec! fica encarregada de sua transmissdo. Vimos que, para os autores, as condigées da aco pedagégica eram o sistema de relagdes sociais onde a verdade objetiva era aquela das relagées de forcas. Ora, ppareceu-nos que ali se encontrava a origem das dificul. ddades teéricas que encontramos. Com efeito, detendo- 46 se na andlise regressiva dos fundamentos sociais da ‘AP. acabase por eliminar a dimensdo do saber e, a0 ‘mesmo tempo, a necessidade da Escola. E, portanto, ao nivel das relagdes sociais enquanto relagées de forca ‘que deve incidir nossa andlise Os autores utilizam Marx como referéncia para tratar deste assunto. Mas, para Marx, as relacies de forcas que so a razdo de ser das relacées sociais nfo constituem 0 grau final da existéncia social. Com efeito, eles no adquirem todo o seu sentido seno enquanto relagdes de produgo no seio do processo de producio de bens materiais (Critique de 'économie politique, ed Piéiade, tomo 1, p. 272-273) “Estas relacdes de produeo correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forcas produtivas materiais. O conjunto destas relagées forma 2 estrutura econdmica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva um edificio juridico e politico, ¢ 20 qual correspondem formas determinadas de consciéncia social. O modo de producdo da vida material domina, em geral, © desenvolvimento da vida social, politica © intelectual.” ‘As relagdes socisis ¢ 0 processo de producto se encontram, portanto, em interdependéncia de tal forma que a autonomizagao dessas relacGes levariam a apreen der, apenas de maneira arbitréria, o conjunto de institu ges sécio-culturais e, entre elas, 2 Escola. A Escola, enquanto acdo pedagégica especifica deve, portanto, ser, ela propria, compreendida em referéncia ao processo, de producdo, do mesmo modo que o saber que ela transmite. Assim, o modo capitalista de produedo confere um estatuto particular a0 saber no selo das relacdes sociais (Oeuvres, ed. Piéiade, p. 904): "Os conhecimentos, a inteligéncia e a vontade que © camponés e 0 artesio independentes desenvolvem em uma pequena escala ... ndo séo, doravante, requeridos sendo pelo conjunto da oficina. As forcas intelectuais da produco se desenvolvem de um iinico lado porque dese: arecem entre as outras. Aquilo que os trabalhadores que trabalham de maneira parcelada perdem se concen: ‘ra diante doles no capital. A divisio manufatureira opée aos trabalhadores as forcas intelectuais da producio como sendo a propriedade de outros e como poder que (0s domina. Esta ciséo comeca a aparecer na cooperacio simples onde o capitalista representa face ao trabalhador isolado a unidade da vontade do trabalhador coletivo; ela se desenvolve na manufatura que mutila o trabalha- dor ao ponto de reduzi-lo @ uma parcela de si mesmo; ela termina, om seguida, na grande industria que faz da cién- cia uma forca produtiva independente do trabalho e o ro- cruta a servico do capital.” ‘A ignordncia sendo, portanto, a “me da indis. tria” (Adam Smith), a instituiggo escolar como institu ‘¢80 de instrugo popular entra em contradigo com a sociedade capitalista pois se opde a divisio entre o traba- tho e 0 saber. Este 0 sentido da citagdo que Marx faz 2 respeito do senador Garnier (Oeuvres, ed. Piéiade, p. 906). Esta contradi¢éo tornase ainda mais manifesta quando a tecnologia da produgo passa do estégio da ferramenta para o da méquina. Com efeito, a forca nfo 6 mais necesséria para o trabalho tanto que este pode Cad. Pesq. (43) Nov. 1982 ser realizado pelas mulheres © pelas criangas. Assim, no somente a ago pedagagica escolar esté em contradido com 0 sistema capitalista, mas também toda acdo peda g6aica e, em particular, a a¢d0 pedagégica doméstica que 6 cada vez mais negligenciada (cf. os relatérios da “Children’s Employment Commission", Capital, socio 4, XV, IID. Mas esta sobre-exploracdo do trabalho, que corre 0 isco de levar 20 aniquilamento do trabalhador, vai de encontro a seu préprio interesse.O capita, assim, € obrigado a reintroduzir a educaco que tinha eliming do, decorrendo datas leis de fabriea (Ouevres, Pléiade, p 985.986) que “‘proclamam a instrugdo primaria como condigSo obrigatéria do trabalho das criancas"” De outro lado, porém, a produeio capitalista, em virtude das crises que atravessa necessariamente © do progresso constante que é sua le, “impde 2 necessidade de reconhecer 0 trabalho variado e, por conseguinte, 0 maior desenvolvimento possivel das diversas aptides do trabalhador. ..” Sim, a grande industria obriga a socie- ode, sob pena de morte, a substituir 0 individuo frag- mentado, que carrega as dores de uma funcéo produtiva de detalhe, pelo individu integral, que saiba fazer frente fs exigéncias mais diversficadas do trabalho e quo, nat funeSes alternadas, dé livre curso & diversidade de suas capacidades naturais ou adquiridas. ‘A burguesia que, criando para seus flhos as esco las politécnicas, agrondmicas, ete, nada mais fezia do ue obedecer 8s tendéncias intimas da producio moder na, no deu aos proletérios sendo a sombra de um ensino Profissional, Mas, se a legislacdo de fabrica, primeira con: cesso arrancada com grande esforco a0 capita, se viu obrigada 9 combinar a instrugdo elementar, por mais miseravel que fosse, com o trabalho industrial, a con quista inevitavel do poder politico pela classe operaria vai introduzir 0 ensino da tecnologia, prética e te6rica, nas escolas do povo. E fore de diivida que tais fermentos de transformacdo (grito nosso}, cujo termo final é a su pressio da antiga divisdo do trabalho, se encontram em contradigdo flegrante com 0 modo capitalista da indus tria e 0 meio econémico onde ele coloca 0 trabalhador. Mas a cnica via real pela qual um modo de produclo e a corganizacSo social que the corresponde caminham para sua dissoluedo ¢ sua metamorfose, 6 0 desenvolvimento histérico de. seus entagonismos imanentes”” (Cepital, 43 Seclo, XV, 1X, pp. 992-993, ed. Piéiade) Encontra-se aqui 0 enunciado do conjunto de momentos do funcionamento do problema escolar. A escola, fruto de uma contradigS0 interna do sistema capitalista, longe de assegurar a reprodugdo dest, con: tribui para sua modificacgo. Porém, a escola nio pode fazé-lo sozinhe, pois ndo passa-de um elemento dos “antagonismos imanentes” do sistema. Sua evolucéo passa, por conseguinte, pela revolucdo que a supera e a engloba ¢ a finalidade dests evolucéo € a apropriagio pelo trabalhador dos instrumentos de seu trabalho e, desta forma, de si proprio, ou seja, do saber que o modo de producdo capitalista isolou do trabalhador © que 0 trabalhador dovolveu contra ele. Isto se manifesta pela supresslo da “antiga divisdo do trabalho", isto é, entre outras, da divisdo entre o saber e o trabalho. © aparecimento da Escola, assim como de sua estrutura interna (por ex., a divisio entre Primério © As contradigées de “A Reproducéo” Secundério, antes do prolongamento atual da escolari dade e as finalidades distintas destes dois momentos), 10 seio das instituicGes sociais no pode, conseqiiente mente, se explicar a no ser em funcéo de um estado determinado do contexto sécio-econémico que s6 torna possivel seu lugar e seu modo de funcionamento em relacdo a esse contexto, Encarregada de aprimorar a forca do trabalho, a escola vai, portent, contribuir para aumentar 0 capital. Mas a maneira através da qual ela devers realizar este aprimoramento se oporé & perpetuario do modo de producdo capitalista. Com efeito, ela deveré aumentar a competéncia técnica e teérica do trabalhador; porém, a0 fazé-lo, opde-se & divisio instaurada pelo modo de pro: dduedo capitalista entre saber e trabalho, o saber fazendo parte do capital a titulo de forea de produc. Por outro lado, ela se opGe a estrutura capitalista das relacies so- ciais, a saber, a divisdo entre a classe proprietaria e a clas- se proletéria, baseada na propriedade privada dos meios de produedo, com 0 que torna possivel a apropriagio coletiva do saber, quando este, enquanto forca de pro- duego, deveria ser propriedade exclusiva da classe pro- prietéria, A escola reflete, pois, em seu seio, as contra digdes imanentes ao sistema capitalista: dele origindria ara contribuir para sua manutencdo, ela contribui, ao ‘mesmo tempo, para sua destruicdo. Diante de tal “fermento”” de mudanea, o sistema capitalists ndo pode sendo tentar defender-se; mas, a0 se defender da escola (por exemplo, pela recusa da apli- cacdo das leis de fabrica, pela luta contra a escola na Franga no século XIX, pelos entraves colocados & sua transformacdo e democratizagio no século XX), ele se defende, na realidade, também, de si mesmo, pois suas defesas ‘so limitadas e continuamente colocadas em questo, visto que 0 desenvolvimento da escola esta ligado a0 desenvolvimento geral do sistema s6cio-econ6: Esta luta do sistema capitalista contra a escola se fara em torno de dois eixos, de acordo com o perigo especifico que representa a escola: limitaco do avesso ‘a0 saber pela instauracdo de barreiras & democratizacio do ensino e alterago do saber que a escola transmite de forma a limitar seu poder sobre a estrutura sbcio-econd- mica; este dltimo consistiré em tentar manter a distinedo entre teoria e pratica, a sé validar como competéncia em relac30 a0 saber aquilo que é préprio do apandgio das, classes proprietérias: ecletismo, dominio da lingua, de- senvoltura, etc., todos sinais reveladores, aparentemente, de dons pessoais ~ portanto, intransmissiveis pela escola ~ mas que tém, na realidade, origem na pertenga inicial de classe. Ve-se, pois, que aqui reencontramos as andlises de Bourdieu e Passeron, mas agora em condigdes de explicar tanto sua validade quanto seu limite, Sua validade decorre daquilo que elas colocam, ‘no sobre o funcionamento da escola, mas sobre as ten tativas de modificacdo deste funcionamento, que tem por origem a intengio de "“recuperacdo” da escola pelo sistema capitalista, Com efeito, por ndo poder suprimir a escola em virtude dela ser um produto necessériq de sua historia, o sistema capitalista vai tentar neutralizé-la. O ‘objetivo desta noutralizacdo 6 aquole que esté enunciado 47 nas proposig&es iniciais da “Reprodueo", ou sea, repro: duzir as relagdes de classe das quais a escola decorre e, a0 satisfazer esta primeira exigencia, se reproduzirse @ si mesma. As modalidades dessa neutralizacdo s30 2 que esto enunciadas no conjunto do texto de "A Reprodu 0" como deduzidas dessas duas finalidades. Entretanto, aquilo que no aparece em “A Repro dugdo" 6 0 saber: © agora compreendemos porque no pode aparecer. E que, na verdade, ele constitui 0 obsté culo fundamental a0 bom funcionamento da manipula Gio da escola pelo sistema capitalist, Da mesma forma, compreendemos a razio das contradiges a que chega o sistoma teérico de "A Reproducso”. E que este saber {que ngo aparece em parte alguma do livro} é, no entan- to, a condi¢do necesséria da existéncia da escola pois a eliminagSo do saber conduziré 8 eliminacio da propria escola, Além disso, vemos que o lugar deste saber no seio dia sociedade e a existéncia de uma instituigdo encarrega da de sua transmissBo s6 podem ser compreendidos se a escola no for referida apenas as estruturas sociais, mas também, e através delas, a0 processo de producdo do qual so indissociveis. Os limites das andlises de “A Re- produc” se encontram, portanto, nesta excluséo do processo de produedo, exclusio que tem por conseqiién cia légica a exclusdo do saber. Entretanto, esta exclusdo do saber néo aparece, Ge igual maneira, em “Os Herdeiros”. Nesta obra, com efeito, o saber, no seio da escola, & submetido a uma dupla ‘operaedo enunciada explicitamente. inicialmente, diferenciacdo no seio da escola de um setor dito cient fico, em relagio a um setor dito literério e, depois, el rminae&o do campo da pesquisa deste setor cientitico, justficada pela inten¢8o inicial dos pesquisadores. Na medida em que 0 processo de selego social nfo aparece ai do maneira t8o clara quanto no sotor "litersrio", 6 legitimo se tomar em consideracéo somente este dltimo para analisar 0 funcionamento desse process. Em segundo lugar, neste campo assim delimitado, © que constitui o objeto da pesquisa néo & tanto o saber como a ideologia que © cerca quer entre estudantes, quer entre educadores. Ideologia que contribui_ para estruturar a diviséo das classes no processo de acesso 20 saber, a seleedo dos conteidos apreendidos como saber (por exemplo, 0 “exotismo” e o ecletismo na escolha das disciplinas efetuades pelos estudantes “burgueses") (Os Herdeiros, pag. 28). Nos métodos de trabalho, tanto por parte dos estudantes quanto por parte dos profes: sores, €a ideologia que preside a pratica pedagdgica © 0 modo de apreciacGo dos resultados. Este segunda opera cdo consiste, entdo, em dissociar © saber da ideologia ¢ em analsar os efeitos desta sobre aquele, o que leva, em concluséo, a preconizar modificacGes que dever ter como efeito moditicar a incidéncia da idealogia sobre 0 saber a relacdo com o sabe Em “A Reproducéo", 0 conjunto deste processo metodoldgico desaparece para deixar lugar somente para 2 ideologia, que é identiticada com o saber. € convenien te, entdo, que nos interroguemos sobre a razo de ser de uma tal modificagdo. Esta azo, nés @ encontramos no lugar e no papel do saber no seio da escola e da socie dade, tal como as andlses precedentes nos revelaram. saber 6 0 obstéculo para o bom funcionamento da tenta 48 tiva da recuperacdo da escola pela sociedade capitalista Eliminar 0 saber constitui, desta forma, a condicdo de possibilidade deste bom funcionamento. Assim, a.escola ‘parecer como uma instancia especitica no seio das rela ¢Ges sociais, encarregada, em seu proprio terreno, de contribuir para a reproduggo destas relagdes. A escola ‘aparece, conseqientemente, como produto de uma transformacio interna da estrutura das relagées sociais e de natureza reversivel, isto 6, ela ndo constitu um corpo estranho no seio desta estrutura mas, unicamente, um momento de seu funcionamento (o que se manifesta por sua autonomia aparente que mascara e mantém, através dela, sua dependéncia real, assegurando, assim, a repro ducdo das relagdes de classe que esto em sua origem), De igual maneira, o funcionamento interno da es cols aparece como aquele de uma estrutura cujos dife- rentes momentos s8o somente os produtos de transfor: mages reversiveis, 0 que the assegura sua prépria repro: ducdo, transformacdes cujo modelo magistral é dado pelo seguinte exemplo: "Considera-se que a profissdo de fé realizada na idade da razo valida, retrospectivamente, os compro mistos assumidos por ocasido do batismo que, por sua vez, determinam uma educacdo que resulta necessaria: mente nesta profissdo de #6." (péa. 52). ‘assim, tudo isto que ocorre sob a aparéncia de ‘uma mudanca, da producdo de uma realidade nova, no 6, na verdade, sendo a reproducdo de uma realidade an- tiga, de modo que o estudante, produto da escola, nfo 6 sendo um novo mestre tanto na ordem da escola como na ordem social, a qual, pelo proprio fato de ser ele um mestre, nBo serd nova. E, portanto, a um projeto de entender a Escola ¢ seu funcionamento como uma estrutura que se deve relacionar a mudanga que aparece entre “Os Herdeiros”” e “A Reproducdo”. Vimos quais as dificuldades acarre: tadas por um tal projeto. Para funcionar estruturalmen te, @ escola encontra uma impossibilidade a0 mesmo tempo tedrica e prética. Assim, seu funcionamento, en- quanto estrutura, opSe-se & sua propria existéncia e, em conseqiiéncia, ao seu funcionamento, Convém, entdo, eliminar 0 projeto estruturalista como sendo nio-cientifico? TRANSFORMACAO REPRODUTIVA E CONTRA. DIGAO REVOLUCIONARIA A escola nos é, entéo, apresentada como um fato da estrutura das relacdes de classes que estas altimas, tentendidas no sentido de dominacao de uma classe sobre ‘2 outra, deveriam levar em considerago, A Escola seré, desta forma, © objeto de uma tentativa de assimilaggo por parte da classe dominante (o que nos pareceu ser 2 esténcia das andlises de “A Reproducdo”); mas esta assimilaggo esta fadada 20 fracasso porque a Escola é portadora de “fermentos” de transformacdo irredutiveis, {que s6 podem levar a uma supresséo da estrutura na qual cela aparece. E conveniente, agora, precisar estas anélises em um plano te6rico, de forma a determinar exatamente o esta tuto epistemologico da andlise estrutural para evitar 2 ‘obrigaco de formular este debate nos termos utilizados Cad. Pesq. (43) Nov. 1982 por Maurice Godelier (Temps Modernes, 1968, n° 246, p. 828): “Pode-se analisar as relagdes entre um evento ‘uma estrutura, explicar a génese e a evolucdo dessa esteu- tura som se estar condenado abandonar o ‘panto de vista estruturalista’? “E poderse-ia, acrescenta o autor, correr 0 isco de perder 0 beneficio das notéveis andlises de Bourdieu e Passeron?”” 19) Os limites da andlise estrutural 0 proprio P. Bourdieu nos dé o instrumento ter co necessério este estudo, em um texto intitulado “Campo intelectual e projeto criador"’ (Temps Modernes, 1966, n° 246, p. 866): “Tal procedimento no se justifi- ca a no ser na medida em que 0 objeto a que se aplica, (ou seja, 0 campo intelectual (2, conseqientemente, o ‘campo cultural) seja dotado de autonomia relativa, o que autoriza @ autonomizacio metodolégica que 0 método estrutural opera a0 tratar 0 campo intelectual como um sistema regido por suas préprias leis”. Convém, entio, considerar a escola como produto dde uma variacdo interna compativel com o sistema social no qual se situa, e apreendé-la como o sistema das varia: 6es internas compativeis com sua existéncia no campo social. Entretanto, a0 tratar a escola desta maneira, & preciso ver que tratamento se Ihe inflige. Com efeito, tanto do funcionamento interno da escola quanto de seu funcionamento em relagdo as relacdes sociais, s6 se pode v4 reter em funedo dos préprios principios metodolégi: ‘cos — as variagSes compativeis com o sistema. Seré opor tuno, desta forma, apreciar a importéncia do que se el minara sob pena de desqualificar 0 proprio método es trutural. O critério de escolha seré, ento, 2 compatibil: dade/incompatibilidade das variacSes selecionadas em relagdo ao sistema inicialmente determinado como limite das variagdes autorizadas. Se o sistema de referéncia 6 considerado como um absoluto, seremos, conseqiientemente, levados a eliminar todas as variacdes que contradizem a propria existéncia deste sistema. Mas, ent, se o objeto da anilise contém incompatibilidades, no poderé mais aparecer como 0 roduto de uma variagSo interna ao sistema mas, ao con- trério, como um dado irredutivel a estas variagées que, Portanto, tem origem em outro lugar. Ou entdo, tornar: se-4 relativo o sistema de referdncia, situando-o em um espaco mais amplo, no interior do qual se podera, desta forma, explicar estes sistema, 0 objeto da andlise e as, relagdes entre eles. Ou, ainda, manter-se-é 0 carder, absoluto e irredutivel do sistema de referéncia inicial- mente escolhido e estar-se-4 condenado a utilizar © mé: todo estrutural apenas com a finalidade de reducdo da alteridade do objeto de andlise em relacdo ao sistema. E isto que acontece em “A Reproducao”. Por que raz30, a primeira solugdo nao foi escolhida? Acontece que se o campo total, no qual o sistema de relagdes de classes edquire um sentido, tivesse sido mostrado ele teria introduzido um elemento néo assim ‘vel pela Logica estrutural, ou seja, a contradicdo. A contradico no é uma simples variacdo interna do siste- ‘ma, ainda que tenha uma incidéncia sobre este, jé que leva & sua destruicdo. Com efeito, o sistema de relacdes, As contradigGes de “A Reprodugio” sociais do regime capitalista no pode gerar a si proprio. sendo pela diferencia¢go interna, mediante a condicdo de ser considerado como absoluto; mas, entdo, a possi- bilidade de compreender a emergéncia em seu seio de instancias irredutiveis @ este sistema esta excluida. De igual maneira, a andlise estrutural é obrigada a eliminar ‘mais e mais eventos ou a alterar mais e mais a significa: io destes, até que este proprio sistema desapareca sob © efeito do dinamismo do campo total no qual esté situado — desaparecimento inexplicével visto que a Unica explicagio estrutural entdo possivel seria a de que este sistema destruiu-se a si proprio a fim de melhor se conservar. E precisamente o que se produziria naquilo ue concerne ao sistema de relacies sociais, visto que a supressio das classes sociais est na perspectiva da dialé tica interna do sistema de produedo capitalist 0 problema central &, portanto, o da contradicao. Ela nunca aparece em “A Reproducéo”; com efeito, encontramos nese fivro somente confirmagdo, legitima. io, no méximo uma “relativa autonomia” que néo é sendo iluséria. Estaria af o limite da anilise estrutural? Maurice Godelier (texto citado) tentou demonstrar 0 contrério a0 distinguir contradico no seio de uma estrutura, e contradi¢ao entre estruturas no seio do sistema. Esta distincGo leva a considerar que as contra: digdes intra-estruturais no so, na realidade, sengo opo- sig®es complementares cujo jogo mantém a invariante da estrutura. Uma vez que a contradicéo real nao aparece sendo entre as estruturas, cabe indagar qual é 0 funcio: rnamento do sistema ent cujo seio uma tal contradi¢o entre estruturas pode aparecer. ‘A ambigliidade das andlises de Godelier se deve & confusio que ele mantém entre sistema e estrutura. A contradigdo seria da ordem do sistema e no da estrutu- ra sem que, no entanto, seja analisado 0 modo de funcio- namento do sistema que autoriza o surgimento da con- tradigio; nos 6 afirmado, com efeito, que no curso de desenvolvimento do sistema capitalista aparece, neste dado momento, uma contradi¢g0 entre a estrutura das forcas produtivas @ a estrutura das relacées de producdo. Mas qual é, entdo, a logica desse desenvolvimento que autoriza a apariefo de uma tal contradi¢so? Ela nfo ode ser estrutural. Na realidade, se o sistema capitalista 6 uma estrutura que compreende de uma maneira estru turalmente ~ e por isso mesmo necessariamente — indis- socidvel as estruturas das forcas produtivas e das relacdes de producéo, a contradi¢go no poderé aparecer af visto que a andlise estrutural — ¢ 0 “movimento” de uma es trutura — no consiste sendo no desdobramento do con- junto de suas variacSes compativeis, o que exclui 2 pos- sibilidade de emergéncia de variacdes incompativeis. Se, entdo, uma contradicdo aparece no seio do sistema, se cla "“nasce de seu desenvolvimento”, € que este desenvol vimento que a "'gera” procede de uma outta légica. ‘Além disso a maneira pela qual esta contradi afeta as estruturas permanece obscura. Os antagonismos, intraestruturais aparecem, com efeito, simultaneamente como portadores de contradicao e fatores de reproducso. (“unidade dos contrérios, assimetria das relacées no seio desta unidade”, pag. 855, Temps Modernes, 1966) de modo que contribuem tanto para manter como para des truir as estruturas. A ligago entre essas duas funcies 49 contraditorias no é sistematizada; ela 6, na verdade, dis- sociada. A funcdo de contradicao é assegurada exclusive mente pela contradi¢So intra-estrutural. A nuance trazi da a esta separacdo (as contradic¢ées no interior no po: dem “por si proprias”” modificar a estrutura) € ilegitinva, luma vez que 0 motor do sistema no se encontra na con: Tradi¢do intra-estrutural e, sim, na contradiggo extra: estrutural ‘A abordagem estruturalista leva, desta maneira, & supresséo da contradicdo porque, precisamente, o fun- cionamento da estrutura consiste nesta tentativa de supresséo. © funcionamento estrutural no é ent3o 0 funcionamento da totalidade, mas 0 de um setor desta ue, para melhor assegurar seu proprio funcionamento, tem todo o interesse em se fazer apreander como sendo a totalidade. "A descoberta e a defini¢o deste invariante cons: tituem, precisamente, 0 ponto de partida abrigatorio do estudo cientifico {aqui no sentido de estruturalista) do sistema, de sua génese, de sua evoluco. Esta se apresenta como 0 estudo das variacGes compat vels com a reprodu ‘¢30 do elemento invariante da estrutura do sistema Mas, a andlise diacronica das variag&es compativeis com 2 reproduco de uma relacio invariante ndo fez surgir nenhuma incompatibilidade estrutural, nenhuma con: ico de mudanga estrutural.” Assim, 3 nogdo marxista de contradiedo permanece sem ser analisada porque ela no 6 passivel de andlise em. sua totalidade pela légica estrutural 29) 0 fundamento epistemologico deste limite E, paradoxaimente, o proprio P. Bourdieu que nos dé a chave da origem epistemolégica das dificuldades a que a metodologia de “A Reproducdo” conduz. Com feito, no texto jé citado (Temps Modemes, 1966, n° 246, pp. 847-898), ele demonstra a impossibilidade de lum saber desprovide de todas determinacdes prévias, de um saber que seria, perfeitamente transparente a si préprio. Ora, 0 conjunto dos conceitos de “A Repro: duedo” & dado como “constructo lbgico desprovido de referente sociolégico” (p. 11), 0 que constitui uma contradi¢go manifesta e coloca "A Reproducio” 20 aleance da critica do “Estruturalismo antropolégico”” que ressuscita 0 “Durkheimismo" e sua concepeao de objetividade cientifica que nés designaremos pelo termo “objetivismo”. Esta critica se bascia na maneira através da qual esta concep¢do se situa em relacdo aquilo que Lucien Goldmann ("Légica e conhecimento, cientifico", Ed. Pléiade, p. 992) chama de “circulo” das ciéncias humanas. “Desde que se aborda, nas ciéncias, hhumanas, um fenémeno qualquer em um nivel suficien: temente geral, entra-se no interior de um circulo que é a expresso do fato de que o préprio pesquisador faz parte da sociedade que ele se propde estudar e que desempe- nha um papel preponderante na elaboragio de suas cate gorias intelectuais.”” Este circulo esté na origem da impossibilidade da 50 constituicso de uma sociologia objetivista. O pesquise- dor objetivista €, com efeito, obrigado a se situar fora deste circulo e de construir seu objeto de tal maneira que ele mesmo, enquanto sujeito que conhece, e que seu proprio conhecimento ndo facam parte do objeto que ele estuda. Desta maneira, ele & obrigado a eliminar de seu objeto toda pratica subjetiva que poderia ter a forma da consciéncia, ou seja, ele no admite a consciéncia de lum sujeito sengo sob a forma de consciéncia necessaria. ‘mente alienada para que ela possa estar de acordo com 0 Ccontexto social objetivo/objetividade no qual ela apare: ce. Do mesmo modo, toda forma de conhecimento, para ser objeto de conhecimento sociolégico positivista, no ode ser sendo sociologicamente determinada, de modo {que © Unico conhecimento suscetivel de ser conhecido or este socidlogo no pode ser sendo aquele que con: vvém e que concorre para a propria existéncia da socieda- de que € seu objeto. Ele excluiré, consequentemente, todo conhecimento suscetivel de modificar o carter objetivo de seu objeto e, dessa forma, todo conhecimen- to suscetivel de ser um conhecimento de cardter objetivo de seu objeto. Com efeito, um tal conhecimento seria irredutivel aos limites sociolégicos nos quais ele aparece, visto que, para aparecer {como tal), ele 6 obrigado a transcender estes limites, porque ele nio é nada mais do que um saber destes limites visto que estes definem os contornos de seu objeto e constituem, assim, seu cardter objetivo), Nestas condigdes, 0 que & excluido do objeto do conhecimento sociolégico é 0 proprio saber sociolagico, do mesmo modo que o autor ou 0 sujeito deste saber; 0 ‘objeto do conhecimento sociol6gico objetivista néo pode ser sendo 0 lugar da ignorancia sob as aparéncias do saber. Mas, em funcdo de sous proprios pressupostos, 0 Pesquisador se coloca diante da seguinte alternativa: ou bbem ele proprio faz parte do objeto que estuda e neste caso Ihe & impossivel ter um estatuto de exterioridade fem relagio a seu objeto e, em decorréncis, seu objeto erde sua objetividade, de modo que o conhecimento que ele constrdi no passa, na realidade, de um desco- nhecimento que contribui para reproduzir 0 objeto que ele pretendia conhecer. Desta forma, seu conhecimento, de objetivo que pretendia ser, torna-se subjetivo contra dizendo, portanto, seu projeto inicial; ou bem ele se situa no exterior de seu objeto e, nessas condicdes, seu conhecimento, por no ter referencia sociolégica, se torna objetivo. Mas a possibilidade légica e a existéncia concreta de um tal lugar é eliminada pelos pressupostos teéricos da sociologia objetivista. Desta forma, o socié: logo objetivo nega tanto a prépria possibilidade de sua existéncia como aquela de seu conhecimento como conhecimento positive, Estes dois momentos aparentemente contradi t6rios da alternativa no levam, na realidade, seno a um Gnico resultado: a impossibilidade da ciéncia obje- tiva enquanto ciéncia; ela prépria se constitui como ignoréncia sob © aparéncia de saber, ou seja, como ideologia. Cad, Pesq. (43) Nov. 1982 39) As incidéncias politicas © priticas do estrutu: ralismo “Poder-se-ia, para _podar um pouco 0s rodeios € 05 meandros ininteligiveis, obrigar todo discursador @ enunciar, no de seu discurso, a proposi¢’o que ele quer fazer.”" J.J. Rousseau (0 governo da Polénia) {citado em exergo & “A Reproducdo” por P. Bourdieu eJ.C.Passeron) A posicdo epistemologica de Bourdieu e Passeron fem “A Reproducdo” cai, de acordo com as andlises precedentes, no ambito da critica que Marx faz na terceira tese de Feuerbach das sociologias deterministas: “A doutrina materialista que deseja que os homens se jam o produto das circunstancias e da educacio ¢ que, or conseguinte, os homens transformados sejam o produto de outras circunsténcias e de uma educacio modificada, esquece que séo precisamente os homens ‘que transformam as circunstancias e que o educador precisa ele mesmo de ser educado. Eis porque ela tende, inevitavelmente, a dividir a sociedade em duas partes, ddas quais uma esta acima da sociedade.”” ‘Ao colocar-se, assim, fora da sociedade, eles le. vam a considerar que esta é regida por um determinismo absoluto cuja causa exclusiva € a dominacZo real da classe dominante. Mas, por outro lado, ao se colocar fora da sociedade, eles levam a aprosentar como objetiva universal (0 que aparece no fato que o Livro | de “A, Reproducéo” ¢ apresentado como um modelo atemporal do qual 0 Livro I ngo constitui senio uma realizagio cconereta particular) esta relacio de dominacio. Assim, 20 querer se livrar do “circulo epistemolégico” eles levam, sob a manta da objetividade, a valorizar um setor da sociedade. Mas, ao fazer isto, eles do a este setor a dimensdo da totalidade e atribuem ao funcionamento desta 2 logica estrutural. Desta maneira, eles conferem uma aparéncia de objetividade e de inelutabilidade a dominaco da classe dominante de modo que toda ‘oposicdo a esta dominacdo s6 pode aparecer como uma ilusfo de oposi¢do sobre um fundo de contribuiglo real 2 esta dominagdo. Assim, a luta do proletariado contra a classe dominante ndo seria objetivamente e cientifica: mente, senéo 0 meio através do qual o proletariado contribuiria para sua propria dominago, As contradi¢ées de “A Reprodugéo” “As tworias © as escolas, como os micrébios e os glébulos, se entredevoram e asseguram através de sua luta a continuidade da vida". (M. Proust, Sodoma e Gomorra, citado por P. Bourdieu, em Temps Modernes, 1966, n° 246, p. 865). A vida, na citaglo, é aquela da classe dominante. A andlise estrutural, apresentada desta ‘maneira s6 pode contribuir para fornecer uma aparéncia de fundamento tedrico a todas as ideologias conservado- ras, sejam elas de direita (”é preciso levar em conta as realidades” diz 0 poder atual) ou de esquerda, 0 “instin- tivismo” destas dltimas pretendendo, com efeito, se bbasear sobre a “‘recuperaco da qual 6 objeto toda ten- tativa de engajamento politico no seio da luta de classes. Entretanto, & precisamente nestes limites e nestes perigos que se encontram a validade da andlise estrutural © a contribuigdo insubstituivel das andlises de Bourdieu Passeron. Com efeito, & precisamente enquanto estas, ‘andlises consistem, como temos salientado diversas vezes, nna descrico do sistema de defesa que constréi a classe dominante contra as contradi¢des que a abalam e que surgem em seu seio que a andlise estrutural tem o seu lugar e adquire importancia teérica, politica e pratica E conveniente, ento, representar_ 0 funcionamento estrutural como 0 processo pelo qual uma instancia atualmente dominante tenta manter sua dominacio (com efeito, a analise estrutural ressalta, segundo os con: ceitos de M. Godelier, o sistema das variagées compati veis com a invariante de uma estrutura. Ou seja, neste cas0, com a dominacGo da classe capitalista). Ela repre- senta, assim, 0 que Lucien Goldmann (cf. artigo citado), com J. Piaget, designa pelo conceito de assimitacdo. Seria suficiente, (cf, exergo deste parégrafo) para o pesquisador estruturalista, precisar sua “situacdo episte- ‘mol6gica’* ou, nos termos de L. Goldmann, de enunciar suas proprias valorizagées para dar todo seu valor a sua pesquisa. Mais ainda, fazendo isso, ele contribuiria, de maneira eficaz, para desativar todas as tentativas de “recuperacio" pelo poder dos resultados da luta prole- téria e, assim, para desmistificar a ideologia esquerdista, “A Reproducdo” poderia evitar 0 risco de no ser sendo uma criaglo estética (ainda que a dimenséo esté- tica do discurso néo soja negligenciavel, cf. a andlise cita da acima da “‘profissdo de 16”) que contribui para o esteticismo politico, outra “variagSo compativel "com “9 invariante” da estrutura te6rica do “Durkheimismo” sociolégico. (Artigo originalmente publicado em La Pensée, n° 168, ‘margo-abril de 1973, p. 3-20, traduedo de Cldudia Davis). 51

Potrebbero piacerti anche