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Introducao a SO CIO LOGIA 2? EDICAC Reinaldo Dias LAN Sao Paulo Brasil Argentina Colémbia Costa Rica Chile Espanha Guatemala México Peru Porto Rico Venezuela A perspectiva sociolégica APRESENTAGAO Neste capitulo-veremos 0 objeto de estudo da sociologia e como deve ser a forma de pensar dos sociélogos na abordagem dos problemas sociais. sejam quais Compreender: forem as suas dimensGes. Veremos também como as estruturas sociais condicionam @ determinam as acdes individuais e como a aco reciproca entre diferentes individuos constitui-se em uma base de analise social. + o papel da sociologiae seu significado. + campo espectico da socioloia. * omecanismo do pensamento ~ soxioligico , + que os fendmenos soci esto TOPICOS PRINCIPAIS inter-elacionados. 11 Oqueé sociologia + o.que io fatos soca e sua 12. Aimaginagao sociolégica forga coercta 13 A visdo sistémica * como ocorrem as ages soca © 14 De problemas pessoais a estruturas sociais (a explicagdo sociolégica do seus diferentes tipos. suicidio) 15 Os fundamentos da ago social A ociologia é uma disciplina relativamente nova, que surgiu com o objetivo de sistematizar o estudo dos fendmenos Socials, identificando suas causas e apontando formas de soluciona-los quando se constituissem em problemas para a sociedade. Desse modo, foi sendo construido, ao longo dos anos, um modo de pensar que estabelece naturalmente a ligacao entre os diferentes individuos que formam as sociedades humanas, visualizando, assim, as estruturas sociais em que viver. Os sociélogos, ou aqueles que utiliza a forma de pensar destes, buscam compreender as diferentes interacdes entre as pessoas, para que possam estabelecer relacées de causa e efeito dos diferentes fendmenos sociais e, assim, indicar ara as organiza¢des publicas e privadas maneiras de atender as necessidades dos individuos, buscar os seus direitos, estabelecer os seus deveres ou 0 que quer que seja para que a humanidade como um todo avance em busca de melhor qualidade de vida “Qo Ek Be 1.1 Oqueé sociologia ate ain Podemos estabelecer, com bastante tranquilidade, o surgimento da sociologia no século XIX como decorréncia da necessidade dos homens de compreender os intimeros problemas sociais que estavam aparecendo, em proporcdes nunca vistas, em razo da industrializacio iniciada no século XVII. Partindo de uma realidade rural, em que as funcdes e relacdes sociais apresentavam pouca complexidade, as sociedades europeias (primeiramente a inglesa) depararam, no século XIX, com estruturas sociais mais complexas, que se desenvolveram em torno da nova rea- lidade industrial. Como veremos adiante, os problemas advindos dessa stbita mudanca avolumaram-se, constituindo-se em assunto abordado nos meios inte- lectuais, os quais passaram a formular varias hipéteses para explicar a situagao (veja Figura 1.1) No entanto, as disciplinas existentes apresentavam instrumental insuficiente para explicar os novos fendmenos sociais. Surge dat a necessidade de uma nova ciéncia, para, utilizando-se do instrumental das ciéncias naturais e exatas, tentar explicar a realidade. Constitui-se assim a sociologia, em seu inicio, com o objetivo especifico de estudar sistematicamente 0 comportamento social dos grupos © as interagdes humanas, bem como 0s fatos sociais que geram e sua inter-relacao. A sociologia consolidou-se ao longo do tempo como um dos ramos das ciéncias humanas, pois surgiram indmeras ciéncias para estudar cada dimensao do social, aprofundando o conhecimento especifico de determinadas relagdes sociais. No entanto, a sociologia permanece como a tinica que tem como tema central de estudo as interacées sociais propriamente ditas. Outras disciplinas podem estudar aspectos sociais da vida do homem; entre- tanto, nenhuma apresenta como tema particular e especifico o fato social no seu todo (veja Figura 1.2). Para o socidlogo, o fato social é estudado nao porque é . econdmico, juridico, politico, turistico, educacional ou religioso, mas porque todos a0 mesmo tempo sao ‘sociais’, independentemente da especificidade de cada um, embora esta permita que possam ser abordados por disciplinas especificas. A vida dos seres humanos apresenta, assim, varias dimensdes: econémica, juridica, politica, moral, religiosa etc. que ocorrem e se desenvolvem durante a existéncia social do homem, ou seja, quando os seres humanos estao interagindo uns com 0s outros. Sao essas interacées, independentemente do aspecto que pos- sam assumir, que so 0 objeto central de estudo da sociologia. Logo, a sociologia estuda a dimensao social da conduta humana, as relacdes sociais que a ela estio associadas. Para 0 socidlogo e para todos aqueles que pensam sociologicamente, o comportamento humano é ordenado, padronizado e estruturado socialmente e, assim, passivel de um estudo sistematico. Ao compreendermos que podemos entender a sociologia como um estilo de pensar, estaremos adquirindo uma visao sistémica de enxergar a realidade social. Veremos que todas as interagbes estio relacionadas, de uma forma ou de outra, entre si, e que quando isolamos um conjunto delas em particular, o fazemos por dois motivos: Problemas advindos de estruturas sociais mais complexas Urbanizacao \ Epidemias —\. problemas Necessidade de Sf 7 socials compreensio eee Alcoolismo Y Violéncia 4 IntroducSo a sociologia Figura 1.2 Triowa 1s Sociologia Objeto Fato social Aspectos sociais abordados pela sociologia Econdmico Juridica Politico ~ Educacional Religioso Turistico * Para estudar isoladamente um grupo de interagdes especificas que constituem uma dimensao do social, como os fatos econdmicos, juridicos, educacionais, turfsticos, religiosos e assim por diante. * Para estabelecer os limites dos relacionamentos sociais que compéem a nossa existéncia, constituindo-se uma rede social da qual fazemos parte. O entendimento dessa realidade para aqueles que apresentam 0 modo de pen- sar sociol6gico permite compreender os fenémenos em sua totalidade, estabele- endo ligacoes de fatos cotidianos com a evolucao da sociedade como um todo. Constitui um exemplo desse modo de pensar o estabelecimento de uma relacao entre a abertura de espacos de sociabilidade com a terceira revolugao cientifico- -tecnoldgica eo aumento da violéncia Nas grandes cidades estio sendo abertos novos espacos de sociabilidade, onde as pessoas de varias faixas de idade e com diferentes motivacdes se encontram para se conhecer e estabelecer relacdes sociais. So padarias que abrem espacos para café ou sopa noturna; cafés em locadoras de DVD; espacos de conversacao e cafés em livrarias etc.; ou seja, espacos que apresentam a caracteristica de receber um publico diferenciado, o qual muitas vezes nao se conhecia entre si e que passou a se relacionar, em um primeiro momento, por meio do espaco virtual (a internet), patticipando de grupos de interesse especificos, e que, para estabelecer 0 contato inicial, necessita de um lugar seguro. Esses novos espacos, que substituem, de certo modo, os espacos piblicos tra- dicionais, sao criados para oferecer, além de seguranga, meios de as pessoas esta- rem frente a frente, estabelecendo relacdes amistosas, conhecendo-se e desenvol- vendo afinidades em funcao de um interesse comum, que pode ser uma cole¢ao qualquer, um determinado tipo de jogo interativo, uma caracteristica comum etc. (veja Figura 1.3). Desse modo, podemos explicar 0 surgimento de novos espacos de sociabili- dade, que Substituem os tradicionais (pracas, parques ¢ jardins), em vista do au- mento da violéncia, que faz com que as pessoas evitem os espacos publicos, ¢ também da terceira revolugao cientifico-tecnolégica, que aproxima, via Internet, Aspectos sociais abordados pela sociologia ANTIGOS ESPAGOS DE NOVOS ESPACOS DE SOCIABILIDADE ‘SOCIABILIDADE * Pragas * Shopping Centers * Parques * Cafeterias * Jardins * Livrarias Capitulo - Aperspectiva sociolégica 5 6 A sociologia 2 0 estudo das relages humanag, Figura 1.4 __Esquema de definicéo da sociclogia Sociologia Introdugio a sociologia pessoas com interesses comuns, e que em determinado momento necessitam ter um contato social direto. Muitos socidlogos definiram a sociologia e, no entanto, analisando essas mui- tas definicdes, Rumney e Maier (1966, p. 20) encontraram bastante convergéncia entre elas no que diz respeito a seu campo de estudo e a seus deveres como disci- plina. As principais definicdes analisadas por esses autores foram: “Sociologia é o estudo das interagdes e inter-relagdes, humanas, suas condigdes e circunstancias.” (M. Ginsberg) “O assunto da sociologia é a interacao dos espiritos humanos.” (LT. Hobhouse) “E a ciéncia do comportamento coletivo.” (R. E. Park e E. W. Burgess) “Ea ciéncia da sociedade ou dos fendmenos sociais.” (Ward) “A sociologia geral &, em conjunto, a teoria da vida humana em grupo.(Ténnies) “E uma ciéncia social especial que se concentra no comportamento inter-humano, nos processos de socializacdo, na associagao e dissociagao como tais.” (Von Wiese) “Sociologia 6 a ciéncia geral e coordenadora por ser a ciéncia social fundamental. Longe de ser apenas a soma das ciéncias sociais, ela é antes a sua base comum.” (Giddings) “A sociologia pergunta 0 que acontece com os homens e quais as regras de seu comportamento, nao no que se refere ao desenvolvimento perceptivel de suas existéncias individuais como um todo, porém, na medida em que formam grupos e sdo influenciados, devido as interacdes, por sua vida grupal.” (Simmel) “A sociologia busca descobrir os principios de coesdo e ordem dentro da estrutura social, os modos pelos quais esta se radica e cresce em um dado ambiente, 0 equilibrio instével da estrutura mutavel e do ambiente transformavel, as tendéncias principais da mudanga incessante, as forcas que determinam sua direcao em dado momento, as harmonias e conflitos, 05 ajustamentos e desajustamentos no intimo da estrutura conforme se revelam a luz dos desejos humanos, e, assim, a aplicacao pratica dos meios aos fins nas atividades criadoras do homem social.” (Maciver) Como observaram Rumney e Maier (1966, p. 21), as diferengas entre as varias definigdes encontradas sao, essencialmente, variagdes de énfase. O substrato comum a todas elas é a ideia de que a sociologia se ocupa das relacdes humanas, do comportamento do homem com seus semelhantes. Em resumo, podemos definir inicialmente sociologia como o estudo sistemético do comportamento social, dos grupos e das interacdes humanas (veja Figura 1.4). Preocupa-se, particylarmente, em explicar como as atitudes e os comportamentos das pessoas $0 influenciados pela sociedade mais geral e pelos diferentes grupos humanos em particular, e, em uma perspectiva mais ampla, qual € a dindmica social que mantém as sociedades estaveis ou provoca a mudanca social. A viséo sociologica compreende observar além das aparéncias das aces humanas e das organizagoes. Estudos sistematicos do comportamento Cour sinemcieot social, dos grupos e das interagdes humanas A sociologia é 0 estudo cientifico da sociedade. O estudo da sociologia também pode ser compreendido como o estudo cien- \ifico da sociedade e sua influéncia sobre o comportamento humano. Para este estudo, os socidlogos utilizam métodos cientificos para a abordagem dos diversos fenémenos sociais existentes nas diferentes sociedades humanas. Dentro dessa perspectiva, um dos principais objetivos esté em identificar aquilo que nao esté evidente, nao parece claro, e quais os padrées € as influéncias do comportamento social Um exemplo pratico € 0 que aconteceu na Franga e, de um modo geral, em toda a Europa, no verdo de 2003. Milhares de pessoas morreram em razio do aumento excessivo da temperatura. Para as pessoas de um modo geral, 0 motivo principal das mortes est na elevagao da temperatura e na auséncia de condigées da satide publica em enfrenta-la. Embora essas explicagdes possam estar corretas, sdo insuficientes para a compreensao do fendmeno. As pesquisas realizadas de- monstraram que a maior parte das mortes era de pessoas idosas, que viviam isola- das e que muitas vezes nao tinham condigdes de recorrer a alguém solicitando auxilio. Para aquele que apresenta o pensar sociolégico, uma andlise do fenémeno social — caracterizado pelo aumento excessivo de mortes causadas pelo calor — revela que as sociedades europeias apresentam um alto percentual de pessoas idosas e que o sistema de satide na realidade nao esta em condigdes de atender a essa parcela da sociedade, que se tornou bastante significativa nos ultimos anos. Novas necessidades sociais surgiram na sociedade francesa e nao foram identifi- cadas pelos servicos piiblicos, mas tornaram-se transparentes pela situagao criada em virtude do aumento da temperatura. Ou seja, o problema nao ¢ tanto 0 aumento do calor, mas 0 envelhecimento significativo da sociedade e a falta de mecanismos para 0 atendimento dessa nova realidade social. Um problema que provavelmente seria enfrentado ao longo dos préximos anos e que, devido ao fendmeno climatico, precipitou-se, gerando problemas sociais e politicos para a sociedade francesa. No exemplo citado, o fenémeno das mortes durante o aumento da temperatura poderd ser explicado pela sociologia como produto do aumento da expectativa de vida das populagdes, gerando necessidades no sistema de satide e criando situagbes novas que nao estavam sendo devidamente enfrentadas pela sociedade. O isola- mento social das pessoas de mais idade, por exemplo, deve gerar no sistema pi blico a necessidade de criagdo de espacos de sociabilidade, para que os idosos aumentem sua interagio social. O fendmeno climatico precipitou o surgimento de um problema social, cuja origem é uma mudanca da estrutura da sociedade fran- cesa, e que nao foi ainda suficientemente compreendido pelos cientistas sociais, que consequentemente nao geraram explicagdes que poderiam ser absorvidas pela burocracia estatal, que poderia atuar criando estruturas especificas de atendimento a essa categoria social. ‘As pessoas mais idosas, por sua vez, provavelmente nao encontraram meios de organizacao que levassem as autoridades suas demandas, transformando-se em nova forga social. No Brasil, por exemplo, os aposentados criaram varias associa- Bes em muitas cidades, onde obtiveram vérias prerrogativas; hd até um partido constituido’para atender a essa categoria specifica. E claro que 0 problema social, quando devidamente estudado, apresenta uma complexidade muito maior: estabelecemos as relacdes possiveis a partir de infor- mages dispersas somente a titulo de exemplo de como funciona 0 modo de pensar dos socidlogos. Concluindo, podemos afirmar que, na realidade, 0 nico ponto de concordancia entre as diversas correntes da sociologia é que esta, fundamentalmente, dedica-se ao ‘estudo das relagdes e interagGes humanas’, sendo este, portanto, o contetido essencial da disciplina. A questao ‘O que é sociologia?’ ha, portanto, varias respostas possiveis; entre- tanto, todas elas terdo um conteido comum, que é 0 estudo das interagdes sociais. Os sociélogos, de modo geral, examinam as forcas sociais e observam as ten- déncias e os padrdes que podem ser generalizados. A essa habilidade para ver a Capitulo 1 - Aperspectiva sociolégica 7 conexao entre as dificuldades particulares dos individuos e os problemas sociais, 0 sociélogo Charles Wright Mills chamou de ‘imaginagao sociolégica’. 1.2 Aimaginasdo sociolégica ‘A habilidade que os sociélogos desenvolvem para ver a conexio entre a vida cotidiana dos individuos e os problemas sociais, Charles Wright Mills (1916-1962) denominou ‘imaginagao sociolégica’ (veja Figura 1.5). Esta pode ser caracterizada ‘como um tipo incomum de pensamento criativo, que consegue estabelecer relacdes entre um individuo e a sociedade mais ampla. Um elemento fundamental para obter a imaginacaio sociolégica é desenvolver a habilidade para ver sua propria sociedade (ou seu grupo social) como um estranho o faria, procurando, assim, diminuir sua propria influéncia (carregada de valores culturais obtidos ao longo de sua vida) na andlise. Nas palavras de Mills (1972, p. 17): “Ter consciéncia da ideia da estrutura social e utilizé-la com sensibilidade € ser capaz de identificar as ligages entre uma grande variedade de ambientes de pequena escala. Ser capaz de usar isso é possuir a imaginagao sociolégica”. Aquele que possui a imaginacao socioldgica esté capacitado a compreender 0 cenario hist6rico mais amplo, seu significado para a vida particular de cada um e para a carreira de numerosos individuos. Torna-Ihe possivel compreender também como os individuos, envolvidos com as atribulagdes da vida didria, adquirem fre- quentemente uma consciéncia falsa de suas posigdes sociais. Para Mills (1972, p. 12), “0 primeiro fruto dessa imaginag3o — e a primeira ligdo da ciéncia social que a incorpora — € a ideia de que o individuo s6 pode compreender sua propria experiéncia e avaliar seu proprio destino localizando-se dentro de seu periodo; s6 pode conhecer suas possibilidades na vida tornando-se cénscio das possibilidades de todas as pessoas, nas mesmas circunstancias que ele”. £ assim que a imaginacao sociolégica possibilita compreender a histéria e a biografia e as relages entre ambas, dentro da sociedade (veja Figura 1.6). Para Mills (1972, p. 12), “nenhum estudo social que nao volte ao problema da biografia, da historia e de suas interligagées dentro de uma sociedade completou a sua jor- nada intelectual”. E todos os analistas sociais cldssicos, quer tenha sido 0 objeto do exame uma grande poténcia ou uma passageira moda literdria, uma familia, uma prisio ou um credo, formularam repetida e coerentemente trés séries de per- sguntas (veja Quadro 1.1), que sdo feitas, segundo Mills, “por qualquer espfrito que possua uma imaginacao sociolégica’’ Charles Wright Mills, socidlogo norte- -americano, nasceu em Waco, Texas, em 28 de agosto de 1916, e morreu em Nyack, Nova York, rum acidente automobilistico, em 20 de marco de 1962, cdm 46 anos. Considerado um intelectual radical, publicou varios trabalhos sobre a estratificacio social nos EUA. Entre suas principais obras estao: The new'men of power and America’s labor Teaders (1948), White collar and the American middle classes (1951), The power elite (1956) € The sociological imagination (1959). QUADRO 1.1 Perguntas basi apresentam a imaginagéo s ae 1. Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus componentes essenciais, e como se correlacionam? Como difere de outras variedades de ordem social? Dentro dela; qual o sentido de qualquer caracterfstica particular para sua continuac3o e para sua transformacao? 2. Qual a posigao dessa sociedade na historia humana? Qual a mecdnica que a faz modificar? Qual é seu lugar no desenvol- vimento da humanidade como um todo, e que sentido tem para esse desenvolvimento? Como qualquer caracteristica particular que examinemos afeta 0 periodo hist6rico em que existe, e como € afetada por ele? E esse periodo — quais suas ccaracteristicas essenciais? Como difere de outros perfodos? Quais seus processos caracteristicos de fazer a historia? 3. Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse period? E que variedades irdo predominar? De que forma so selecionadas, formadas, liberadas e reprimidas, tornadas sensiveis ou impermedveis? Que tipos de “natureza humana” se revelam na conduta e cardter que observamos nessa sociedade, nesse perfodo? E qual é o sentido que para a “natureza humana’ tem cada uma das caracteristicas da sociedade que examinamos? s formuladas por aqueles que iolégica, segundo C. ‘Wright Mills Fonte: MILLS, C. W. A imaginagdo socioligica, 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p13. 8 _Introducio a sociologia Figura 1.5 Figura 1.6 ae O socidlogo e a imaginagao sociolégica 4 Sociélogo NN Sociedade (problemas soci Inflacao - Violéncia - Aborto - Habitacdo - Fome is) Individuo Vida cotidiana A imaginagio sociolégica Imaginagao _ sociologica, Biografia do Historia da indi sociedade eon Sen- Be 1.3 A visdo sistémica ais oo Figura 1.7 O conceito de imagina¢ao sociol6gica proposto por Mills faz parte de um con- texto de abordagem sistémica dos problemas sociais. Ter uma ‘visdo sistémica’ é identificar as ligacées dos fendmenos particulares, de um ponto de vista microsso- ciol6gico, ao sistema social como um todo. Em suma, estabelecer ligacGes entre as aces sociais e 0 sistema de relacdes sociais que forma a sociedade mais geral Um exemplo de visdo sistémica é o professor em sala de aula compreender que seu papel nao se esgota na relacao professor-aluno, e sim esté inserido em um con- texto mais amplo, em que um niimero indeterminado de relacdes semelhantes forma um sistema de relacdes que integram o sistema educacional, e este, por sua vez, apresenta seu conjunto de interacées integrado ao sistema de relag&es que formam a sociedade brasileira (veja Figura 1.7). O professor que nao tem visio sistémica considera que seu papel se esgota na sala de aula; aquele que possui tal visio com- preende que as relacoes que estabelece com os alunos no ambiente escolar fazem parte de um todo complexo de relagdes que integram uma sociedade, a qual apre- senta determinados valores sustentados pelo conjunto de relacdes existentes, das quais as que estabelece se integram no todo como uma de suas partes constitutivas. A visdo sistémica ga sociedade Professor === — Aluno. Sistema educacional Sociedade Capitulo 1 — Aperspectiva sociolégica 9 10 co Figura 1.8 + Os subsistemas que 1.3.1 A abordagem sistémica dos fenémenos sociais Podemos definir ‘sistema’ como um conjunto de elementos interligados que sofrem influéncia reciproca. Ha uma interdependéncia entre as partes de um sis- tema, de tal modo que a alteracdo em uma de suas partes provoca efeitos nas outras, podendo modificar todo 0 conjunto. Compreendido desse modo, as socie- dades humanas formam um sistema social no qual o conjunto de relacdes entre as pessoas formam um todo, cujas partes apresentam uma interdependéncia recfproca e qualquer alteracao provocara algum tipo de modificacao no todo, que, em um primeiro momento, pode ser imperceptivel Em sociedades humanas que apresentam um maior grau de complexidade, podemos identificar subsistemas, que formam um conjunto interligado com o sistema mais geral. Para a sociologia, a possibilidade de identificagao de subsis- temas menores € bastante util como procedimento metodolégico no estudo das sociedades, pois facilita o entendimento das partes pelo pesquisador, que desse modo poder tornar-se cada vez mais especializado no estudo desse setor. Muitas vezes, novas disciplinas surgem em virtude da importincia desses subsistemas. Entre 0s mais importantes subsistemas, podemos citar os econdmicos, os politicos, 05 religiosos, 0s educacionais e os turisticos. Podemos ainda dividir cada um desses subsistemas em outros subsistemas para facilitar sua compreensio (veja Figura 1.8), De acordo com o ponto de vista de um pesquisador, a sociedade pode ser dividida em intimeros sistemas, que estarao interligados. Assim, uma manifestagio politica pode provocar mudangas econdmicas; ou uma a¢Zo econémica pode provocar problemas no sistema educacional. Assim como os advogados dedicam-se ao estudo do subsistema juridico, os economistas, do econdmico e assim por diante, um socidlogo pode dedicar-se a estudar o subsistema turistico, o educacional ou o politico etc. (veja Figura 1.9). O que cada profissional deve compreender € que cada subsistema est em permanente interacao com outros e que, em seu conjunto, formam a sociedade maior, onde os subconjuntos estao inseridos. Os sistemas sociais constituem-se em sistemas aber tos e permanentemente sofrem influéncias externas, sejam estas de outros sistemas sociais, sejam do meio ambiente. ‘A visio sistémica pode ser definida como a capacidade que © pesquisador adquire de compreender que cada acao social nao esta isolada na sociedade, faz parte de um todo interligado, assim interferindo e soirendo interferéncias. Sob esse aspecto, muitas acdes que n3o podem ser compreendidas por si mesmas podem ser explicadas pelo papel que desempenham no todo ou pelas influéncias que recebem. mpéem a sociedade Partidario 2 -olitic Politico Eleitor Subsistemas do - jrtico sistema politico . ** Parlamentar Turis Sistema aaa Educagio Sociedade. —> ima social Se Econémico prima - Educagio Subsistemas do S Educacional secundaria sistema educacional Religioso Educagao_ superior IntrodugSo & sociologia Figura 1.9 Esquema da sociedade composto por varios sistemas Asociedade V Outros sistemas NK Sistema juridico. Sistema politico ™, Sistema tse Sistema 4 vi a Seon miee Sistema turistico <<» Sistema ideolbgico Por outro lado, o individuo que possui uma visio sistémica compreenderé que suas ages cotidianas refletem 0 todo, de algum modo, ou sao por ele influen- ciadas. A visao sistémica constitui-se em uma abordagem holistica das agGes humanas. © pensamento holistico nao s6 procura compreender as agGes sociais inseridas em um todo mais complexo — no caso, a sociedade —, mas prioriza 0 “entendimento integral dos fenémenos, em oposicdo aos procedimentos analiticos em que seus componentes sao tomados isoladamente” (Houaiss, 2001). Tanto a visio sistémica como a holistica estabelecem conexdes entre o todo e as partes. Diferenciam-se no estabelecimento de prioridades, pois a abordagem holistica prioriza a anélise a partir da sociedade mais geral, e nao de um contexto particular ou mesmo de uma relagio social especifica. J4 a abordagem sistémica pode partir do individuo e estabelecer as conexdes com o sistema em que esta integrado. No entanto, as duas abordagens do importancia ao todo em relacao as partes e muitas vezes sao utilizadas como sindnimos. De todo modo, tanto uma como outra so imprescindiveis para a compreensio da realidade, principalmente neste inicio do século XX!, em que cada vez mais fortemente se demonstram as interconexdes entre diferentes disciplinas. O direito com a biologia cria um novo campo de estudo, 0 direito ambiental; a fisica e a biologia, a biofisica; hd o desenvolvimento de computadores biolégicos etc. 1.4 De problemas pessoais a estruturas sociais {a explicagdo sociolégica do suicidio) Foi Emilg Durkheim quem desenvolveu o método de analise utilizado pelas ciéncias sociais, por meio do estudo sistematico de um ato social aparentemente simples e que as pessoas explicam de um modo geral como um comportamento estritamente pessoal, O suicidio é um ato em que as pessoas € 0 préprio noticisrio tendem a focar na pessoa em particular que o cometeu, nao buscam sua relacdo com outros fatos sociais, preocupando-se mais com 0s motivos pessoais que a le- varam a isso. Assim, focam a explicagao no individuo, e nao buscam as razGes sociais que o levaram ao ato. O sociélogo francés Durkheim, em um estudo classico, ilustrou o tipo de abor- dagem adequado dentro da perspectiva sociolégica. Durkheim usou 0 método so- ciol6gico para testar as muitas explicacées alternativas de suicidio que estavam sendo debatidas na ocasido. Examinando todas as varidveis pertinentes, Durkheim chegou a uma conclusdo e formulou uma explicagao efetiva. Sua analise revelou Capitulo - Aperspectiva sociolégica 11 12 Figura 1.10 Os quatro tipos de suicidio, segundo Durkheim DURKHEIM Introduce a sociologia que variagdes nas taxas de suicidio entre grupos diferentes nao podiam ser explica- das por enfermidade mental, fundo étnico ou racial, ou até mesmo pelo clima — ele concluiu que havia algo sobre o proprio grupo em si que encorajaria ou desenco- rajaria o suicfdio. Chegou a identificar quatro tipos diferentes de suicidio, todos mantendo uma relacdo entre o individuo e © grupo social (veja Figura 1.10). O primeiro deles, o ‘suicidio egoista’, acontece sob condigies de isolamento excessivo, quando a pessoa é separada do grupo que poderia ter obtido sua lealdade € patticipacao. Um exemplo é quando o individuo é posto 4 margem de seu grupo de parentesco e que, por qualquer motivo, nao consegue ser aceito novamente, mantendo-se em ostracismo — para uma pessoa nessas condicdes poderd nao fazer nenhum sentido viver fora do grupo. O segundo, 0 ‘suicidio altruistico’, em contraste, acontece sob condicdes de apego excessivo, quando 0s individuos se identificam tao de perto com um grupo ‘ou comunidade que suas prdprias vidas nao tém nenhum valor independente. Sio ‘exemplos desse tipo de suicidio 0 fendmeno dos pilotos japoneses — os camicases nna Segunda Guerra Mundial, que se jogavam com seus avides nos navios norte- -americanos, e o fendmeno dos terroristas suicidas no Oriente Médio, Terroristas suicidas perpetraram um dos maiores ataques contra os Estados Unidos, em setembro de 2001. Um grupo de homens pertencentes a rede Al-Qaeda, de fundamentalistas islimicos, sequestrou quatro avides de companhias norte- -americanas e lancaram dois deles contra 0 World Trade Center, destruindo-o completamente e matando milhares de pessoas, ¢ um outro contra o Pentagono, sede do poder militar norte-americano, Esses atentados suicidas podem ser considerados os maiores que jé ocorreram até entio no mundo, e s6 foram possiveis pela profunda identificagao dos seus autores com as ideias do grupo do qual faziam parte, grupo este que se caracteriza pela interpretacio rigorosa, radical e deturpada do livro sagrado do islamismo, Alcorao. CO terceiro tipo, 0 ‘suicidio andmico’, acontece debaixo de condicdes de ano- mia, ou auséncia de normas, quando os valores tradicionais e as diretrizes para 0 comportamento desmoronaram, constituindo-se em momentos de desorganizacio social. Um exemplo € 0 suicidio cometido por jovens adolescentes que tém suas familias desfeitas abruptamente pela separagio dos pais. No Japao, no dia 17 de janeiro de 1995, houve um grande terremoto e as vidas das pessoas foram completamente alteradas pelo fenémeno fisico, implicando mudangas nas relagdes sociais e quebras de valores. Q estado de anomia que se criou levou muitas pessoas ao suicidio — pessoas que sentiam falta de privacidade com 0 consequente aumento do estresse, como afirmou um morador: “Quanto mais pensamos no nosso futuro, mais ficamos preocupados. Sem emprego, sem casa e sem dinheiro”” Os suicidios cometidos pelos jovens indios de tribos mato-grossenses so um outro exemplo de suicidio andmico. Os indios possuem valores e normas que sso seguidos ha séculgs; com o contato com os homens brancos, perdem a referencia nos valores, nas normas e nos costumes tradicionais e ao mesmo tempo nao incor Egotsta aa Itruista Estudo sobre, Tipos de ae suicidio ‘Anomico Fatalista poram, em prazo curto, a cultura dos brancos. Assim, durante um determinado tempo, os indios ficam sem entender direito quais as normas que deverao ser se- guidas. Os suicidios ocorrem em maior nimero com os adolescentes da tribo, pois 6 justamente © perfodo em que fazem maior contato com a cultura do branco, perdendo a referéncia nos valores tradicionais da trib que foram transmitidos no convivio familiar (veja Quadro 1.2). O quarto tipo é 0 ‘suicfdio fatalista’, que provavelmente acontece em socieda- des e grupos sociais nos quais ocotre um alto grau de controle sobre as emogées © motivacdes de seus membros, que sao levados a tomar atitudes que em outras Circunstancias nao o fariam. O exemplo sio os suicidios coletivos cometidos por membros de seitas religiosas. © caso mais conhecido foi o do pastor americano Jim Jones e sua seita, O Templo do Povo. Mais de 900 pessoas morreram ao inge- rirem suco de laranja com cianureto, no dia 18 de novembro de 1978, na Guiana. Em 1994, a seita Ordem do Templo Solar, fundada por um médico suico, levou 48 pessoas & morte no mesmo dia em iugares diferentes. A seita pregava a iminéncia do apocalipse com a entrada da humanidade na era de Aquario Podemos observar que, em cada caso, Durkheim explicou as taxas de suicidio ‘em termos das caracterfsticas dos grupos e das comunidades nas quais as pessoas viviam, ndo em termos de fatores psicoldgicos ou biolégicos. Ele demonstrou que explicar padrdes de comportamento social em termos de motivos individuais se assemelha a tentar entender o corpo humano descrevendo células individuais. A sociedade é mais que a soma de seus membros individuais. Durkheim escolheu 0 suicidio como tema porque ilustra como forcas sociais so fatos sociais, e como essas forcas influenciam um modo de comportamento que a maioria de nds con- sidera intensamente particular. Durkheim provou que forcas sociais influenciam cada comportamento, consolidando, a partir daf, este como um principio basico da sociologia. Para Emile Durkheim (1973, p. 391), 0 objeto de estudo da sociologia sao os fatos sociais, que “apresentam caracteristicas muito especiais: consistem em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao individuo, e dotadas de um poder coercitivo em virtude do qual se Ihe impdem” (veja Figura 1.11). Sejam elas cren- a5 € praticas constituidas (regras juridicas ou morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros etc.) ou correntes sociais, que so manifestages (de entusiasmo, de indignagao, de piedade etc.) que “chegam a cada um de nés do exterior e que sao ‘QUADRO 1.2 Suici io indigena No aifo de 1995 foi de 52 0 ntimero de indios guaranis-kaiowas que cometeram suicidio, Segundo dados da Funai, foi um dos anos maig criticos de autoexterminio entre os kaiowas. De 1982 a 1995 foram 233 suicidios. Estudo do antropélogo Antonio Brand aponta que a sucesso de suicidios ¢ resultado do processo de confinamento aos {quais 0s indios foram induzidos. Segundo ele, a superpopulacao indigena nessas areas obriga os indios a trabalhar como boias-fras em fazendas e usinas de acdcar e alcool em troca de salérios baixos e jomadas de trabalho de até seis meses sem interrupcao. + “Eles nao so boias-iras e estdo perdendo a identidade indigena, uma das causas dos suicidios, ao lado da miséria nas aldeias”, afitma o antropdlogo. Fonte: “Sobe para 52 0 numero de suicidios de Kalowas". Folha de Paulo, 12 dez. 1995. Figura 1.11 0 objeto de estudo da sociologia, segundo Durkheim Objeto de estudo Fatos Dotados de poder coercitivo da sociologia sociais que se impdem ao individu DURKHEIM Capitulo 1 - Aperspectiva sociolégica 13, Figura 1.12 —_Fatos sociais determinam as interagées sociais, segundo Durkheim 16 Fendmenos —— sociais Introdugio a sociologia susceptiveis de nos arrastar, mesmo contra a nossa vontade”, 0 que poderia nos levar a uma ilusdo que nos faria acreditar termos sido nds que elaboramos aquilo que se nos impés do exterior. Essas manifestacdes, que podem ser passageiras € que so susceptiveis de nos conduzir a agdes que poderiam contrariar nossa propria natureza, apresentam um principio que “aplica-se também aos movimen- tos de opinido mais duradouros que se produzem incessantemente & nossa volta, mesmo em circulos mais restritos, sobre questées religiosas, politicas, literarias, artisticas etc.” (1973, p. 392), Desse modo, para Durkheim, o fendmeno social constitui-se do fato social, que pode ser religioso, politico, literdrio, artistisco etc. e que é externo ao individuo e determinador de suas ages. A sociedade, que é externa aos individuos, determina as interacGes sociais (veja Figura 1.12). Assim, para Durkheim, a sociedade e os grupos sociais exercem um coercao sobre os individuos, fazendo-os assumir papéis relacionados com um fenmeno em particular. Ao assumir o papel de torcedor de um determinado time, por exemplo, 0 individuo toma atitudes que no seu dia a dia ndo assumiria. Tais atitudes apresen- tam, portanto, maneiras de agir, pensar e sentir que sdo exteriores ao individuo & que se Ihe impdem, pois s4o dotadas de um poder coercitivo especifico. Da mesma forma, todas as interacdes que ocorrem no campo esportivo compaem-se de ages provocadas pelo poder coercitivo de um tipo de fato social particular, que denomi- amos esportivo. Em outras palavras, os técnicos, os dirigentes, os jogadores e os torcedores assumem um comportamento que Ihes é impingido pelo poder coercitivo que exerce 0 fato esportive enquanto fato social, atitudes essas que so diferentes daquelas que assumem quando integram outros tipos de fendmenos sociais, como a religido, a politica, o sistema financeiro etc., no qual assumem posturas que se identificam com cada tipo em particular. 1.5 Os fundamentos da agao social Enquanto Durkheim prioriza a sociedade na andlise dos fenémenos sociai considerando-a externa aos individuos e determinadora de suas ages, Max Weber prioriza o papel dos atores e as suas aces individuais reciprocamente referidas. A sociedade, para Weber, deve ser compreendida a partir desse conjunto de intera- Ges sociais. A sociologia, para Weber (1991, p. 3), significa: “uma ciéncia que pretende compreender interpretativamente a acao social e assim explicé-la causalmente em seu Curso € em seus efeitos”. A ‘aco social’ toma o significado de uma ago que, quanto ao sentido visado pelo individuo, tem como referéncia o comportamento de outros, orientando-se por estes em seu curso (veja Figura 1.13). Como exemplo: o simples ato de comprar sapatos € realizado tendo como referéncia um conjunto de opinides de outras pes- soas, entre as quais™ vendedor, a namorada, a mde, os amigos e assim por diante. Desse modo, a ago social — ai inclufdas a omissao ou a tolerancia — orienta- se pelo comportamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro. Os ‘outros’ podem ser individuos e conhecidos ou uma multiplicidade de pessoas completamente desconhecidas. Por outro lado, “nem todo tipo de contato entre pessoas tem cardter social, sendo apenas um comportamento que, quanto ao Determinam as interages sociais __ Figura 1.13 Ages sociais Max Weber Opjeto de estudo reeiprocamente 8 referidas sentido, se orienta pelo comportamento de outra pessoa” (Weber, 1991, p. 14). 0 autor fornece um exemplo do que afirma ao explanar sobre o choque entre dois Ciclistas, que, quando ocorre, trata-se de um acontecimento do mesmo cardter de um fendmeno natural, e, 0 contrario, tratar-se-ia de um fendmeno social, consti- tuindo-se de ages sociais, as tentativas de desvio de ambos, o xingamento, ou uma discussao pacifica apds 0 choque. Fica estabelecida uma relagao social entre ambos. Nessa interpretagao, a interacio torcedor e jogador constitui-se em um fend- meno social, pois seus agentes tém um ao outro como referéncia para seus atos. Do mesmo modo, podem ser tratadas todas as interacdes existentes no Ambito do esporte, que, no geral, tomam o comportamento do jogador como referéncia, orientando seus atos a partir desse parametro. Uma vez estabelecida a definico de acdo social, podem-se encontrar seus : diferentes tipos agrupando-os de acordo com o modo pelo qual os individuos orientam suas aces. E, segundo Weber (1991, p. 15), a acao social pode ser de- terminada de quatro modes: racional referente a fins; racional referente a valores; afetivo, especialmente emocional; tradicional (veja Figura 1.14). ‘A ‘aco social racional referente aos fins’ é determinada pelo calculo racional que estabelece os fins ¢ organiza os meios necessérios. Por exemplo: ao fazer a aquisigao de um aparelho de televisto, o comprador levard em conta o custo, se © tamanho do aparelho é adequado para 0 alojamento onde ficard instalado, se é colorido, e assim por diante. Um jovem escolhera uma namorada levando em consideracio se ela é comunicativa, se estd vestida adequadamente, seu nivel de escolaridade etc. O torcedor decidira se iré ao campo levando em consideragao as acomodaces, 0 preco, as facilidades de acesso etc, ‘A ‘acdo social referente a valores’ é determinada pela importancia do valor, nao sendo considerado 0 éxito que se possa obter assumindo-se esse valor. € uma aco social valorizada socialmente, e é relevante a opinido do grupo social ao qual 0 individuo pertence. Por exemplo: na aquisigao de um aparelho de televisao, o comprador dard importancia marca, os outros fatores que determinam a escolha serdo secundarios. A namorada seré escolhida tendo em conta os valores que pre- dominam na sociedade da qual faz parte, que terdo papel preponderante na esco- Iha, ficando os demais em um segundo plano. Se a beleza feminina é 0 valor fundamental, este serd o critério predominante na aco; se hé uma valorizagao do papel da muffher como dona de casa, a beleza ficard em um plano secundario. “Figura 1.14 A acéo social, segundo Weber Racional referente a fins Objeto de estudo Racional referente a valores. ‘Max Weber Acao social da sociologia e ‘Afetivo / emocional Tradicional Capitulo 1 — Aperspectiva sociolégica 15 16 IntrodugSo a sociologia Aeescolha de assistir ou nao ao jogo no campo de futebol ou em casa, por parte do torcedor, levaré em consideracdo os valores do grupo social ao qual pertence. Por exemplo: pode ser de fundamental importancia para seu grupo social a ida a0 campo, constituindo-se em um motivo de aumentar 0s contatos sociais e valorizar sua presenca nos grupos durante a semana, pois serd portador de imagens que nao foram mostradas pelos meios de comunicacao. A ‘ago social de modo afetivo’ é aquela que é determinada pelos afetos ou estados emocionais, a relagdo entre os individuos se expressa em termos de leal- dade e antagonismo. Por exemplo: 0 comprador adquirird o modelo de televisor de que mais goste, ou ndo compraré um determinado modelo em hipstese ne- nhuma. A namorada seré escolhida ou rejeitada de modo emocional, incluidas af manifestagdes de paixdo ou rancor. Aeescolha da ida ao campo de futebol ser motivada pela emocao, pelos sen- timentos etc. Poderé ir porque foi humilhado em um jogo anterior com o mesmo time e quer se vingar; ou por ser o time que desperta suas mais fortes emogdes; ou Porque esté um dia muito bonito para ir ao campo etc. A ‘aco social de modo tradicional’ é aquela determinada pelas tradiges, pelos costumes arraigados. Por exemplo: poderé adquirir um televisor da mesma marca da que foi o dos seus pais ou de sua familia. A namorada poderd ser escolhida baseada em uma tradicao familiar de se escolherem “mocas de familia”, esterestipo passado de pai para filho, A ida ao campo, nesse caso, sera decidida em funcao dos costumes e das tra- digdes adquiridas. Poderd nao faltar a jogos com determinado time. Vai sempre 20 campo porque é tradicao de pai para filho etc. Estd claro que as ages sociais nao sio determinadas, de modo geral, por um inico tipo. No caso da escolha da namorada, o jovem pode levar em consideracio tanto a tradicdo (a moca de familia), como os valores predominantes na sociedade em que vive (bonita, magra etc). Do mesmo modo, as diversas acées sociais que ocorrem em qualquer dmbito podem ser determinadas por varios tipos. A ida a um campo de futebol pode ser motivada pelo dia bonito, por ser um jogo em que nao pode faltar por envolver um time adversario especifico, pelo baixo preco dos in- gressos naquele dia etc. A aco social, para Weber, 6 um componente universal e especifico na vida social e fundamental para a organizacao da sociedade humana. RESUMO DO CAPITULO Neste capitulo Sprendemos que hé diversas visdes de qual seja o objeto de estudo da sociologia; no entanto, hé uma concordéncia ene a maioria dos socislogos de que oestudo das relag6es e interagdes humanas constituise no conteddo essencial da disciplina. Que os sociélogos adotam um modo de pensar que relaciona o particular com o geral,considerando 6 processohistérico em que se deu estabelecimento das esruturas sociais. Aessa forma de pensar, C. Wright Mills chamou de ‘imaginagdo sociol6gica’e se aproxima da abordagem sistémica dos fermenos sociais, que considera que os diversos elementos interligados softem influéncia reciproca. © pesquisador que tem uma visdo sistémica adquire a capacidade de ccompreender que cada acio social néo esta isolada da sociedade, mas faz parte de um todo interligado, no qual ofr influéncias e influencia, ao mesmo tempo. Vimos como Durkheim demonstrou que problemas aparentemente indviduais, como 0 suicdio, fm uma motivagdo que pode ser explicada a partir da anise da estrutura social, Nota pois esta possui um poder coercitivo que se impde sobre as vontades individuais. E, em um sentido oposto, como Weber prioriza as agdes interpessoais para compreender a sociedade, considerando-as como um componente universal e particular da vida social, fundamental para conhecer o funcionamento das sociedades humanas. PERGUNTAS 1. Por que surgiu a sociologia no século XIX? 2. Como poderiamos definir sociologia, tendo como base 0 comportamento @ os grupos sociais? 3. Ea definigao da sociologia tendo como base a sociedade poderia ser feita de que modo? 4. Qual 0 contetido essencial de todas as definigdes do que é sociologia e o seu objeto de estudo? 5. Oque é a imaginacao sociolégica? 6. O que é uma visio sistémica? 7. O que é um sistema? E um subsistema? Exemplifique. 8 O que é uma abordagem holistica das acdes humanas? 9. O que € um suicidio egoista? Um altruistico? Um anémico? E um fatalista? 10, O que so fatos sociais para Durkheim? 11. O que sao ages sociais para Weber? 12, Quais sio os tipos ideais de aco social que Weber identificou? 1 Fonte: *Suicidio e estresse fazem vtimas do terremoto pedir auxlio psicolégico", Fotha de S.Paulo, 28 jan. 1995. Capitulo 1 - Aperspectiva sociolégica 17 APRESENTACGAO, Este capitulo esta dedicado ao histérico do surgimento da sociologia. Mostra como as cigncias que existiam até entdo néo conseguiam explicar os grandes Compreender: problemas sociais que estavam surgindo em virtude do avanco da industrializagao; quais foram as caracteristicas das novas relagGes de produco que alteraram a vida social, provocando o surgimento de numerosos problemas; como a sociologia se + aimportincia da Revoluggo Industrial na vida soca. desenvolveu em seu inicio; quais so seus principais representantes e quais foram + como a dimenséo da questio suas contribuigdes mais relevantes. Traz também um breve histOrico dos mais, socal colocou a sociedade em importantes sociélogos brasileiros. tum plano de andlse + 0 processo de surgimento e desenvolvimento da sociologia +o significado do positvismo para as cincias soci TOPICOS PRINCIPAIS ; + aimporténcia do papel 2.1 A Revolucao Industrial e as mudancas na sociedade desempenhado por Marx, 22 Caracteristicas fundamentais das novas formas de organizagio Durkheim e Weber 23 A questo social + a importanca de dois scidlogos 24 O¥esenvolvimento da sociologia brasiiros: Gilberto Freyree 25 O papel do positivismo Florestan Femandes. 2.6 As bases de constituico da sociologia moderna 27 Asociologia no Brasil A sociologia surgiu como decorréncia de um proceso histérico que culminou com a Revolucao Industrial que se iniciou na Inglaterra e a Revolucao Francesa de 1789, Esses dois acontecimentos geraram problemas sociais que os pensadores da época nao conseguiam explicar; foi necessério que surgisse uma nova abordagem dessas questées que envolvesse 0 método cientifico ja desenvolvido nas demais ciéncias. Assim, com o social tornando-se um problema de dimens6es nunca vistas, estavam dadas as condicdes que fizeram que se gerasse a necessidade de criar uma nova disciplina cientifica Be HA muita discussao entre as datas-limite da Revolugdo Industrial; outros autores optam por situa-la entre os anos de 1780 e 1840, havendo outras interpretagdes que giram em torno dessas duas periodizagées. O avanco da Revolugio Industrial para os demais paises europeus € para os Estados Unidos da América, na segunda metade do século XIX e até aproximadamente 1914, & comhecido por Segunda Revolucao Industrial, apresentando caracteristicas que a diferenciam do primeiro periodo. 2.1 A Revolucdo Industrial e as mudangas na sociedade Considerando-se as grandes mudancas que ocorreram na hist6ria da humani- dade, aquelas que aconteceram no século XVIII —e que se estenderam ao século XIX — s6 foram superadas pelas grandes transformagoes do final do século XX. As mudancas provocadas pela revolucao cientifico-tecnolégica, que denominamos Revolucao Industrial, marcaram profundamente a organizacao social, alterando-a por completo, criando novas formas de organizagao e causando modificaées culturais duradouras que perduram até os dias atuais (veja Figura 2.1). Em um prazo relativamente curto, a humanidade presenciou uma das maiores, transiormacGes em sua hist6ria: “em cerca de cem anos, a Europa de sitios, rendeiros € artesdos tornou-se uma Europa de cidades abertamente industriais. Os utensilios manuais e os dispositivos mecanicos simples foram substituidos por maquinas; a lo- jinha do artifice, pela fabrica. O vapor e a eletricidade suplantaram as fontes tradicio- nais de energia — gua, vento e miisculo. Os aldedos, como suas antigas ocupacées se tornavam supérfluas, emigravam para as minas e para as cidades fabris, tornando- -se os operdrios da nova era, enquanto uma classe profissional de empreiteiros, finan- ceiros e empresétios, cientistas, inventores e engenheiros se salientava e se expandia rapidamente. Era a revolucao industrial’ (Henderson, 1979, p. 7) Do ponto de vista da organizacao da sociedade, o homem se deparou com novos problemas, que nao poderiam ser solucionados pela antiga forma de ver 0 mundo. A realidade social sofreu transformagées, que exigiam uma nova forma de pensar, bem como novas teorias que buscassem solucdes pata os problemas que surgiram em fungao do avanco industrial. £ nesse contexto que surgem as ciéncias sociais e, em primeiro lugar, a sociologia. A Revolucéo Industrial Denominamos Revolugao Industrial o periodo em que um conjunto de inven- Bes € inovacées relacionadas entre si permitiram alcancar uma enorme aceleracao da produgio de bens e assegurar um crescimento que foi se tornando rapidamente independente da agricultura. Esse fendmeno, também conhecido como Primeira Revolugio Industrial, iniciou-se na Inglaterra, no século XVIII, entre os anos de 1760 e 1820, quando se afirmou e converteu-se em fato irreversivel, posteriormente se estendendo a outros paises da Europa e aos Estados Unidos (veja Figura 2.2) Nesse perfodo se intensificou a transformacao da economia inglesa, que passou de predominantemente agrdria a uma economia industrial, caracterizada pela produ- ao em larga escala e pela generalizac do do uso da maquina para reduzir tempo € custos de producao. As modificac&es sociais desse perfodo s6 so compardveis as que aconteceram durante a revolugao agricola ocorrida de 5 mil a 8 mil anos atrés.' Nesse perfodo, conhecido como ‘primeira revolucio cientiico-tecnolégica’, os homens deixaram de ser nomades * cacadores e coletores de sementes e frutos — ¢ se fixaram em locais onde constituiram as primeiras aglomeracées urbanas. Isso foi possivel por- Figura 2.1 Transformagées na organizacéio social decorrentes da Revolugio Industrial Lez tienes Revolugao | Aceleracao da Crescimento. Industrial | producao de bens intensificado ™e Inovacoes 20 introdugao & sociologia Figura 2.2 A Revolucéo Industrial Primeira Segunda metade — Revolugio Industrial do século XVIli Inglatera Revolucio Industrial — Segunda Segunda metade Restante da Europa Revolucao Industrial do século XIX ‘€ Estados Unidos que animais foram domesticados e houve uma melhoria na qualidade das semen- tes, propiciando colheitas mais abundantes e um excedente que possibilitou que muitas pessoas deixassem de ser cagadores ou coletores, criando-se, assim, novos oficios e novas necessidades, os quais possibilitaram um avanco importante da organizacao social como um todo. Os avancos que aconteceram nesta primeira revolugao cientifico-tecnolégica s6 foram equiparados quando da ocorréncia da segunda, também conhecida como Revolucao Industrial (veja Figura 2.3), A Revolucao Industrial inglesa deve sua ascensao inicial a inddstria algodoeira, que multiplicou extraordinariamente a produgao de tecidos com a introdugao de teares mecanicos. Mas foi a siderurgia que, ao revolucionar sua tecnologia de producao, gerou um impacto ainda mais decisivo, pois repercutiu em todo 0 desenvolvimento industrial posterior, tornando-o possivel. Com efeito, uma série de aperfeicoamentos em fornos e sistemas de fundi¢o permitiu obter ferro de alta qualidade, capaz de substituir vantajosamente outros materiais para melhorar Muitas técnicas existentes e construir novas maquinas. Somente o ferro permitiu 0 desenvolvimento das ferrovias, que vieram somar-se as importantes transformacoes no sistema de transporte, as quais jd haviam comecado a aparecer, como técnicas modernas de pavimentacao de estradas e abertura de redes de canais. A diminuicao do tempo de deslocamento ¢ o intercambio, que assim se tornou possivel, iniciou a ruptura das relagdes de dependéncia entre os niicleos urbanos e os rurais, proprias da sociedade agricola anterior. Com a Revolucao Industrial houve um enorme crescimento da economia in- glesa, o que provocou um aumento da necessidade de matérias-primas para as inddstrias, que a Inglaterra nao tinha e que era obrigada a buscar no mercado ex- terno, e a necessidade de ampliar 0 mercado consumidor de seus produtos. Em decorréncia desses dois fatores, tornou-se inevitavel um aumento do controle das Col6nias, além de um crescimento da disputa com outras poténcias da época pela obtencdo e manutencao dos mercados (veja Figura 2.4). : De acordo com Marx e Engels (1977), a grande inddstria criou um mercado mundial que acelerou o desenvolvimento do comércio, da navegacio e dos meios de transporte por terra, particularmente as ferrovias. Esse desenvolvimento, por sua vez, influenciou a expansio industrial Durante o periodo da Revoluco Industrial, a Inglaterra dependia cada vez mai do comércidfexterno para escoar sua producdo — esta, na realidade, era a condicao Figura 2.3 As revolucées cientifico-tecnolégicas Revolucao agricola que ocorreu por volta de 8 ou 10 | Primeira revolucao cientifico-tecnolégica i mil anos ates no continente europeu Revolucao Industrial no século XVIII (Inglaterra) século XIX (demais paises europeus e Estados Unidos) Revolucao do conhecimento no final do século XX e em curso no inicio do século XI Segunda revolugio cientifico-tecnolégica | Tercera revolugao cientitico-tecnolégica Capitulo 2 - A questo social e a necessidade de uma ciéncia social 21 ura 2.4 ‘Transformagéo econémica criada pela Revolucdo Industrial - * — Gtiow | —-——} Grande Revolugao Mercado indastria Industrial mundial t Desenvolvimento do comércio e dos meios | Influenciou de transporte (navegagao e ferrovias)_ <——— Promoveu preponderante para a continuidade da Revolugao Industrial. A expanséo do comér- io externo era feita com tecidos e escravos Capturados na Africa e direcionados para 0s centros produtores de matéria-prima de que as inddstrias necessitavam. 2.2 Caracteristicas fundamentais das novas formas de organizacdo E importante compreender as novas formas de organizacao social que surgiram em decorréncia da industrializaco, pois, em um curto espaco de tempo, firmaram- -se e modificaram 0 modo de vida de grandes contingentes humanos. As mudancas que se deram naquele perfodo, e seus reflexos na sociedade, podem ser comparadas a0 que esté acontecendo no momento atual — final do século XX e inicio do século XXI—, em que outra grande transformacao cientifico-tecnolégica esta ocorrendo e influenciando profundamente a vida das pessoas, que, por estarem vivendo-a, ainda 10 conseguem, em sua maioria, perceber a dimensio dessas alteragGes. Tentar compreender o que se deu na vida social do século XIX em funcao das modificagées introduzidas pela Revolucao Industrial contribuird, certamente, para entender 0 que acontece nos dias de hoje. ‘As mudancas que ocorreram no século XVIII —e que se estenderam ao século XIX — caracterizam 0 que convencionamos chamar de Revolugao Industrial (veja Figura 2.5). Esse processo apresenta uma série de tracos, ou tendéncias gerais, que o diferencia claramente do sistema anterior de artesanato e de trabalho doméstico, Entre os mais importantes, podemos citar: a substituicdo progressiva do trabalho humano por maquinas; a ‘divisio do trabalho’ e a necessidade de sua coordenacio; as mudangas culturais no trabalho; a produgao macica de bens; 0 surgimento de novas funcdes (empresdrios e operdrios); entre outros. Figura 2.5 A Revolucdo Industrial e suas consequéncias * Substituig0 progressiva do a trabalho humano por maquinas A divisdo do trabalho e a necessidade de sua coordenagao Revolucdo Mudangas ocorridas Industrial nos séculos XVIII e XIX > Mudangas culturais no trabalho Produgio de bens em grande quantidade ‘4 Surgimento de novos papéis sociais (operarios e empresarios capitalistas) 22 Introdusao a sociologia a) Substituigdo progressiva do trabalho humano por maquinas ‘A maquina assume fungGes antes desempenhadas pelo homem, multiplicando a capacidade deste e executando com vantagem tarefas que antes eram exer- idas por muitos individuos. Um menor némero de trabalhadores produz uma quantidade maior de produtos do que um nimero muito maior de individuos no sistema artesanal ou domestico. b) A ‘divisdo do trabalho’ e a necessidade de sua coordenacao O trabalhador industrial — operério — especializa-se em éreas de trabalho cada vez mais limitadas, sofrendo, ao mesmo tempo, um empobrecimento na sua qualificacao em comparacdo com o artesio, que realizava todo o processo produtivo, pois somente tem de executar tarefas muito parciais. A introdugao da maquina no processo industrial durante 0 século XVII impulsionou a orga- nizacdo racional das tarefas produtivas, em primeiro lugar, ordenando a divisio do trabalho. Adam Smith, em sua obra A riqueza das nacées (1776), apresentou um exemplo de divisao do trabalho em uma fabrica que se tornou classico. Descreve como operdrios realizam até 18 operacées distintas com um fio me- talico do qual devem produzir um alfinete, gerando, ao final do dia, até 4.800 unidades. E compara com um operdrio isolado, que nao conseguiria produzir 20 unidades em um mesmo dia (veja Figura 2.6). Com o exemplo, fica claro que o aumento da produtividade se originou da organizacao do trabalho, e no do aumento da habilidade individual. Como consequéncia, hé um empobrecimento intelectual do operdrio, por realizar tarefas cada vez mais repetitivas e altamente especializadas — 0 que, por outro lado, facilita a introdugao no trabalho industrial de mulheres e criancas. ©) Mudangas culturais no trabalho Com a transigdo dos modos de vida e de trabalho motivada pela Revolucao Industrial, 0 problema técnico organizacional, de especializacio e divisio do trabalho estava intimamente ligado a outro: o da gestao do fator humano. Os novos trabalhadores das industrias ainda mantinham os habitos adquiridos no trabalho agricola e no trabalho em ambientes domésticos. Os industriais, tiveram de impor uma disciplina desconhecida por aqueles trabalhadores rur: e domésticos. Estes, em lugar do autocontrole caracteristico dos modos ante- riores de trabalho, tinham de se sujeitar a supervisdo e ao controle externo exercido pelos empresérios, de forma direta ou por meio de capatazes, espe- cialmente contratados com esse objetivo. Essa mudanca na forma de trabalho, comum dentro de uma fabrica, vinha acompanhada de uma profunda mudanca também no modo de vida, que, de - primordialmente rural, passou a ser urbano, No ambiente rural, de um jeito ou de outro, o individuo conseguia sua alimentacao por meio de pequenas areas de cultivo, animais domésticos etc. No ambiente urbano, as dificuldades para a obtengio do alimento ¢ de moradia eram maiores, e de qualquer modo de- veria ser intermediada pelo ganho obtido no trabalho fabril. A falta de higiene e servicos— satide, educacao, assisténcia social — era caracteristica marcante das moradias operarias. A produsao de alfinetes no século XVIII, de acordo com Adam Smith (1776) [1 operatio [Sem divisdo do trabalho _ | Produzia 20 unidades/dia ee = Produziam 4.800 unidades/dia | 18 operdrios [Com divisko do trabalho | sere dee or terri [METODO ARTESANAL = Um tabalhador produ 20 unidades de alfinete por dia [METODO INDUSTRIAL = Um trabalhador produz 226 unidades de alfinete por dia Capitulo 2 - A questo social e a necessidade de uma ciéncia social 23 Com a divisio e especializacao do trabalho e o consequente empobrecimento intelectual do trabalhador, criancas e mulheres sem nenhum preparo poderiam ser empregadas com salarios inferiores aos dos homens. Nas indistrias téxteis que predominavam, mais que conhecimentos especializados, exigia-se do operario atencao e velocidade. Para isso, nao era necessario pessoal qualifi cado, como ocorria nos grémios, onde se passavam varios anos para que os aprendizes se transformassem em mestres de oficio. Sendo assim, o fator ‘disciplina’ assume um papel fundamental na nova organiza- Gao da empresa, nao s6 pelo aspecto cultural — com a necessidade de desenvol- viento de novos habitos —, mas pelo fato de que, para incrementar a produtivi- dade, ha necessidade de harmonizagao e articulacao dos individuos isolados. A divisdo do trabalho se efetua também entre o empresdrio — proprietério dos meios de produgio — € 0 operdric. O industrial tem a propriedade da fabrica, supervisiona o trabalhador e acompanha o ritmo de trabalho da maquina, in- troduz a disciplina. Os operarios, por sua vez, apresentavam grande dificuldade de adaptacao 20 novo sistema disciplinar, que contrariava frontalmente a antiga tradi¢ao de liberdade criativa do artesanato. d) Producao de bens em grande quantidade ‘A intensa mecanizagao possibilita maior velocidade na geragao de produtos, que apresentam uma homogeneizacao maior. Isso faz com que os produtos se tornem cada vez mais baratos, possibilitando que agora possam ser vendidos em maiores quantidades. A produc.do macica de bens em grandes quantidades € a baixo custo unitirio nao significa uma diminuicao da qualidade, pois a padronizacao, com a utilizacdo de instrumentos cada vez mais precisos, per mite reduzir as variagGes em termos de qualidade do produto final ©) Surgem novos papéis sociais Com 0 advento da Revolucio Industrial surgem novos papéis sociais, princi- palmente o de empresério capitalista e o de operério. O empresario industrial E detentor dos instrumentos de produgao: maquinas, equipamentos, local de trabalho. E 0 operario € portador da forca de trabalho, fator essencial para a producio industrial. Essa interdependéncia entre o empresario e 0 operatio sera fator fundamental de distincdo da nova sociedade que se inicia. Marx, por exemplo, caracteriza esses dois grupos sociais como classes fundamentais da sociedade capitalista Com a consolidacao industrial se configura um ‘mercado de trabalho’ em que, diferentemente do sistema artesanal, no qual se vendiam produtos, vende-se agora ‘capacidade de trabalho’; quando os fabricantes locais se convertem na 5 nica fonte de emprego, cria-se uma dependéncia do trabalhador perante 0 ‘empresirio. Por outro lado, ocorre um empobrecimento das tarefas realizadas pelo operario, que sao cada vez mais especializadas, o que acarreta uma piora da qualidade de vida, Nessa etapa, que podemos chamar de ‘primeira indus- trializagio’, a situacao dos operdrios, particularmente das mulheres e criancas, era miserdvel, A jornada de trabalho era de 14 a 16 horas por dia, com tarefas repetitivas, em uma atmosfera onde predominava o rutdo, a fumaca e um meio ambiente bastante insalubre. E nesse contexto que a questio social vem & tona com toda a forga, fazendo surgir a necessidade de uma ciéncia social que explicasse 0 que estava ocor- rendo no campo das relacGes humanas. =p Ea Be 2.3 A questo social Do ponto de vista social ocorreu uma grande concentragdo humana nas cida- des inglesas, em razio das profundas transformagdes que estavam ocorrendo nos campos. Desde o século XVII, a agricultura na Inglaterra vinha passando por uma 24 — Introdugdo a sociologia profunda reestruturacao. proceso, conhecido como enclosures, ou cercamentos, buscava maior produtividade no campo, tendo o lucro como objetivo principal. Em linhas gerais, 0 cercamento ¢ a substituico do sistema de exploracao agricola de subsisténcia, tipico do regime feudal, pela exploracdo em larga escala para atender as exigéncias das industrias. Os cercamentos, de modo geral, tinham como, objetivo a substituicao da agricultura pela criacao de carneiros, a fim de fornecer la para a indéstria. O sistema de enclosures levou uma grande massa de camponeses miséria, sendo estes forcados a abandonar suas terras em busca de trabalho nas cidades, que estavam em franco crescimento. A situa¢ao decorre do fato de que, “no sistema comunal, as terras, tanto as do senhor quanto as do arrendatério, nao sao continuas e sim divididas em parcelas distribuidas pelos dois ou trés campos de cultivo, os quais permanecem abertos. O cercamento vai consistir, precisamente, na reunigo em um 86 bloco das varias parcelas pertencentes a cada um, seguida do seu cer- camento, transformando-o em campo fechado. Cessam, entdo, 0s ‘direitos comuns’, que beneficiavam a todos, ¢ 0 senhor, possuidor de um ou dois tercos das parcelas, estende suas propriedades sobre as ‘terras comuns’ (bosques, prados, pastagens, pantanos), forcando a maior parte dos camponeses a abandonar ou vender as ter- ras que ocupam” (Santos, 1965, p. 25). ‘Como consequéncia dessas mudancas no campo, as cidades cresceram enorme- mente, em decorréncia do afluxo das massas de camponeses atraidos para o trabalho nas fabricas, formando o proletariado industrial. As cidades também atrairam a indtistria e aumentou substancialmente © processo de urbanizacao. Entre 1790 ¢ 1841, Londres passou de 1 milhao de habitantes a quase 2,5 milhdes. O répido processo de urbanizacao provocou a degradagao do espaco urbano anterior, do meio ambiente, e a destruicao dos valores tradicionais (veja Figura 2.7). ‘As condicées de habitabilidade se agravaram com o surgimento de novos proble- mas, como contaminacao do ar e da agua e acdmulo sem igual de detritos huma- nos e industriais, entre outros. Além disso, ocorria uma monstruosa exploragao do homem pelo homem nas fabricas, onde se trabalhava em jonadas de mais de 16 horas por dia e criangas e mulheres eram empregadas por salérios ultrajantes e viviam em precérias condicGes, (em sua maioria aglomeradas em casas sujas, em péssimo estado, superlotadas € sem a minima infraestrutura, como gua e esgoto, que eram jogados na rua, a céu aberto. Veja Figura 2.8). Essa condigio urbana provocava problemas sociais gravissimos advindos da ré- pida urbanizacao: doencas, auséncia de moradia, prostituicao, alcoolismo, suicidios, surtos de violéncia, epidemias de tifo, célera, entre outros. Um dos surtos de violéncia mais significativos foi provocado pela mobilizagao dos trabalhadores, dos quais as maquinas estavam tirando empregos e deveriam, segundo eles, ser destruidas: esse movimento entrou na hist6ria como 0 Movimento dos Luditas (veja Quadro 2.1). Figura 2.7 —_O rapido processo de urbanizagdo e suas consequéncias cee? eee eee _— ———— Degradagao do ‘espaco urbano anterior Enclosures, Migragao. (cercamento _Provocaram paraas — Gerando Fs Provocou oe no meio rural) cidades 3 Destruicao dos valores tradicionais Capitulo 2 - A questio social a necessidade de uma ciéncia social 25 Figura 2.8 _Os problemas sociais decorrentes da répida urbanizagtio Falta de Doetias moradias (epidemias) i Prostituigao Condigao eh urbana (rapida_——_Provoca lemas Pi sociais urbanizagao) Alcoolismo Suicidios Surtos de violencia Acrescente-se a tudo isso a concentragao de maquinas, terras e ferramentas sob ‘© controle de poucos individuos, e fica bastante claro por que emergiu com bastante intensidade a ‘questao social’ Em tomo de 1850, embora um nimero significativo dos habitantes da Inglaterra mantivesse suas ocupagdes tradicionais, usando técnicas e métodos de organizagao antiquados, em sua maioria tiveram seu meio de vida mudado radicalmente pela Revolucio Industrial e seus desdobramentos em outros campos — como o cresci- mento da populacao® e seu deslocamento do campo para a cidade; a melhoria do sistema de transporte, que ampliou 0 mercado interno para muitos produtos que até entdo eram vendidos apenas localmente; “e pela expansao do comércio exterior que ampliou a variedade de artigos no mercado inglés e criou um grau sem prece- dentes de dependéncia do mercado mundial” (Deane, 1975, p. 293). Essa profundidade das transformagGes em curso colocava, para 0s filésofos da época, a sociedade em um plano de analise; ou seja, por se constituir em um pro- blema, tornava-se objeto de estudo. QUADRO 2.1 Os luditas (Os luditas & como passaram a ser conhecides os participantes de um movimento popular que surgiu na Gra-Bretanha, entre 1811-1818, dedicado 8 destruigao das méquinas e a protestos contra a tecnologia No ano de 1812, Mr. Smith, um dono de uma tecelagem no distrito de Huddersfield, no leste da Inglaterra, recebeu uma estranha carta assinada por um tal de “general Ludd”. Continha pesadas ameacas. Sua fabrica em breve seria invadida e as rméquinas destruidas caso ele nao se desfizesse delas. Um incéndio devoraria o edificioe até sua casa, se ele tentasse reagir. O nome Ludd era conhecido nos meios fabris desde que um maluco chamado Ned Ludd, uns 30 anos antes, em 1779, invadira ‘uma oficina para desengoncar as miquinas a marteladas. ‘Uns meses antes, nos finais de 1811, uma onda de assaltos aos estabelecimentos mecdnicos espalhara-se pela regido de Nottinghamshire, dma antiga drea ligada 4 criaco de ovelhas e que desde o século XVII vira crescer por li, espalhadas, peque- nas empresas de fiacao e tecelagem. A Revolucdo Industral, com a répida disseminacao da maquina a vapor, como era de es- perar, provocou ali uma radical mutagao socioecondmica. Por todo lado, novos teates e méquinastricotadeiras embaladas pela nova tecnologia da energia a vapor substtuiram os gigas procedimentos das rocas de iar. As reacdes no demoraram. A carta do general Ludd *Possuimos informacoes de que vocé é um dos proprietérios que tém esses detestéveis teares mecanicos e meus homens ime encarregaram de escrever-Ihe, fazendo uma adverténcia para que vocé se desfaca deles...atente para que se eles nao forem despachados até o final da proxima semana enviarei um dos meus lugar-tenentes com uns 300 homens para destrus- clos, e, além disso, tome nota de que se vocé nos causar problemas, aumentaremos 0 seu infortinio, queimando 0 seu edificio,eduzindo-o a cinzas;se vocé tver 0 atrevimento de disparar contra os meus homens, eles tém ordem de assassind- clove de queimar a sua casa. Assim vocé teré a bondade de informar aos seus vizinhos de que esperem o mesmo destino se (08 seus tricotadores nio forem rapidamente desativados.” ‘Ass.: General Ludd, margo de 1812 luditas foram mais além dos quebra-quebras. Se bem que no seu principio houve incurses antimaquinas espontaneas, tal como se deu em marco de 1811, em Arnold, um lugarejo de Nottingham, onde um bando devastou 60 teares sob o aplauso 26 Introducao a sociologia de uma multidao de desempregados, em Yorkshire, Leicestershire € em Derbyshire, regiées vizinhas, nio se tratava mais de explosdes irracionais, esparsas e desordenadas. Nos momentos seguintes, nunca tendo um lider s6, foram pequenos grupos organizados e disciplinados, atuando segundo um plano, que entraram em atividade. Estima-se que seu namero oscilou de 3 a 8 mil integrantes, dependendo do distro. Liderados pelos assim apontados “homens de maus designios’, usando mascaras ou escurecendo 0 rosto, os esquadrées luda, armados com martelos, achas,langase pistolas, aproveitando-se para deslocarem-se & noite, vagavam de um distrto a0 ‘outro demolindo tudo © que encontravam, apavorando os donos das rabricas. O comandante da operado chamava-se de ‘General Ludd’, com poder de vida e morte sobre os companheiros. Em Nottingham revelou-se um tipo enorme, Enoch Taylor, tum ferreiro que levava ao ombro uma poderosa maga de ferro batizada com o seu nome mesmo: Enoch, Bastava uma martelada ‘daquelas para que a porta do estabelecimento viesse abaixo, enquanto mais uma outra aplicada em um engenho qualquer re- duzia-o a um monte de ferro ind Em 1812, 0 Parlamento inglés aprova a Frame Braking Act, que estabeleceu a pena de morte para quem destruisse miquinas. Uns sete anos depois dos amotinamentos luditas, por volta de 1818-1819, as coisas voltaram a se acalmar. A insurgéncia sofreria um rude golpe com a mobilizacao do exércto e dos corpos auxiliares e com os enforcamentos coletivos aos quais as autoridades submeteram os insurretos, como se deu em York, onde um dos lideres, George Mellor, subiu ao patibulo com 13 ‘companheiros. Repressao que atingiu sua culminancia nos massacres de Perterloo (uma parodia jocosa de Waterloo, porque se ddeu no comando-geral do generalissimo Duque de Wellington, o vencedor de Napoleao), quando 15 manifestantes foram mor- tos pelas tropas nas redondezas de Manchester. No dia 16 de agosto de 1819, no parque de Saint-Peter, uma multidao de umas 50 mil pessoas, reunidas em um protesto, foi exposta a uma brutal carga de cavalaria que chocou a Gri-Bretanha inteira, A partir dat 0 movimento foi perdendo forca A palavra ludita passou a ser associada a todo aquele que tem medo da tecnologia, de novas tecnologias; atualmente se utiliza 0 termo ‘neoludita’ para aqueles que sao contra o avanco tecnol6gico. Fonte: Adaptado de SCHILLING, Voltaire. O ludismo: A rebeliao conta o futuro Disponivel ems htpieducaterra tera.com br. Acesso em: 8 out, 2003. “apae. ae 2.4 O desenvolvimento da sociologia © surgimento da sociologia ocorre em um contexto hist6rico especifico, que coin- cide com a desagregac3o da sociedade feudal e a consequente consolidagao da socie- dade capitalista. Sua criagdo nao é obra de um s6 homem; representa o resultado de um processo hist6rico, intelectual e cientifico que teve como apogeu o século XVII Sao os acontecimentos desencadeados pelas duas revolucées desse século—a Revolugio Francesa e a Revolugao Industrial — que possibilitam o aparecimento da sociologia. No plano da realidade social, a introdugao da maquina a vapor na industria ¢ © aperfeicoamento dos métodos produtivos trouxeram a Revolugao Industrial, que - significou o triunfo da indtstria (veja Figura 2.9). Como consequéncia dessa revo- lugao houve mudancas profundas no campo social. As cidades cresceram enorme- mente com o afluxo de massas camponesas atraidas para o trabalho nas fabricas, surgindo uma nova classe social —-0 proletariado industrial. Figura 2.9 __Os pros da Revoluca Industrial Uso intensivo de maquinas ‘Aumento da x produtividade t Urbanizacao Revolucao Industrial { Melhoria dos Desenvolvimento ’ Melheria on ces ransportes Intensificagao produce do comércio Capitulo 2 ~ A questo social e a necessidade de uma ciéncia social 27 Os problemas decorrentes desse répido processo de urbanizagao e de concen- tracao de maquinas, terras e ferramentas sob controle do empresdrio capitalista fazem surgir com bastante forca a ‘questao social’. A sociologia surgiu em grande medida em decorréncia dos abalos na sociedade provocados pela Revolucao Industrial. Uma outra circunstancia que contribuiu para o surgimento da sociologia foi a evolugao dos modos do pensamento e que, somada aos problemas advindos da répida industrializacao, possibilitou seu aparecimento. No século XVII ocorreu um notavel avanco no modo de pensar, com 0 uso sistemético da razao — 0 livre exame da realidade —, caracteristica marcante dos pensadores conhecidos como ‘racionalistas’. Tal avanco se completa no século XVII, com 0s ‘iluministas’, que nao buscavam apenas transformar as velhas formas de conhecimento, mas utilizavam a razo para criticar com veeméncia a sociedade (veja Figura 2.10). Os iluministas atacaram os fundamentos da sociedade feudal, 05 privilégios dos nobres e as restricdes que estes impunham aos interesses econd- micos e politicos da burguesia Combinando o uso da razao e da observacao, os iluministas analisaram varios aspectos da sociedade. Seu objetivo ao analisarem as instituigées da época era demonstrar que elas eram irracionais e injustas e que impediam a liberdade do homem. Se impediam a liberdade do homem, deveriam ser eliminadas. Esse pen- samento revolucionario dos iluministas levou-os a ter um importante papel na Revolugao Francesa de 1789. Essa evolucao do pensamento humano, levando-o a utilizar a razao para um livre exame da realidade, inclusive a social, somando-se os problemas originados pela Revolucdo Industrial, foram as duas principais circunstancias que possibilita- ram 0 surgimento da sociologia, que em seu inicio preocupou-se em ‘organizar’ a sociedade (veja Figura 2.11). “Figura 2.10 —__Caracteristicas da Revolucdio Francesa — o iluminismo . Huminismo es Uso da razio t homemn \ Revolugio =. Questionados 08 a ane Liberdade, fundamentos da Igualdade, dontinagao da nobreza Fraternidade Figura 2.11 A organizagao da sociedade Evolucao dos modos de pensar ~ uso da razdo ~ Revolugio e da observacao Francesa (racionalismo e iluminismo) ; . seep ‘Questo social Surgimento” Sociologia Uso da maquina a vapor na P indistria eo aperfeigoamento po dos métodos produtivos. 28 Introducdo a sociologia “aa Be 2.5 O papel do positivismo E wa 2.12 A react Reagio conservadora {inicio do século XIX) Do ponto de vista intelectual surgiu uma reago conservadora as transforma- ‘Bes desencadeadas pela Revolucao Francesa e pela Industrial. Como vimos, essas transformagées provocaram profundas alterages na sociedade, novas situacdes que nao eram ‘explicadas’ pelos fildsofos da época, como o aumento da urbani- za¢o, do ntimero de suicidios, das epidemias e outras. Esses conservadores inicialmente construiram suas obras contra a heranca iluminista. Nao procuravam justificar a nova sociedade por suas realizagées poli- ticas e econémicas; ao contrario, a inspiragiio do pensamento conservador era a sociedade feudal, com sua estabilidade e acentuada hierarquia social. Consideravam 6s iluministas ‘aniquiladores’ da propriedade, da autoridade e da religiao. A sociedade moderna, na viséo conservadora, estava em franco declinio. Nao viam nenhum progresso em uma sociedade urbanizada, na indstria, na tecnologia, na ciéncia e no igualitarismo. Lamentavam o enfraquecimento da familia e da re- ligio. Consideravam que a sociedade moderna era dominada pelo caos social, pela desorganizacao e pela anarquia Preocupados com a ordem, a estabilidade e a coe: , a importancia da autoridade, da hierarquia, da tradic3o e dos valores morais para a conservacao da vida social. Ao estudarem as instituicoes — como a familia, a religigo, © grupo social —, preocupavam-se com a contribuicao que poderiam prestar para a manutencao da ordem social (veja Figura 2.12). AAs ideias dos conservadores constitufram-se em uma referéncia para os pionei- ros da sociologia, particularmente os ‘positivistas’, interessados na preservacao da nova ordem econdmica e politica que estava sendo implantada. Os positivistas foram bastante influenciados pelas ideias dos conservadores, pois também consideravam que na sociedade francesa pos-revoluciondria reinava um clima de ‘desordem’ e ‘anarquia’, visto que todas as relagdes sociais tinham se tornado instaveis, e o problema a ser enfrentado era o de restabelecer a ordem. ‘A motivacao da obra de Auguste Comte, o fundador da doutrina positivista (veja Quadro 2.2), repousa nesse estado de ‘anarquia’ e de ‘desordem’ de sua época his- torica. Segundo ele, as sociedades europeias se encontravam em estado de caos social. Para que houvesse coesao e equilibrio na sociedade, seria necessario resta- belecer a ordem nas ideias e nos conhecimentos, criando um conjunto de crencas comuns a todos os homens, a que deu o nome de ‘filosofia positiva’ Para Comte, a filosofia iluminista somente criticava, abordava os aspectos negativos; em oposicao a ela, 0 espirito positivo nao possuia cardter destrutivo, preocupando-se apenas em organizar a sociedade (veja Figura 2.13). conservadora no inicio do século XIX Preocupava-se co Dava importancia para: + eaaidade e Hees “oesdo social * Tradigdo * Coesao social : “ * Valores morais, ‘Auguste Comte Figura 2.13 O positivismo de Auguste Comte (1798-1857) Progresso (1798-1857) com ordem, Positivismo, Capitulo 2 - A questo social e a necessidade de uma ciéncia social 29° 30 QUADRO 2.2 — Auguste Comte Filésofo e matematico francés, Auguste Comte (1798-1857) foi 0 fundador do positivismo. Fez seus primeiros estudos no Liceu de Montpellier, ingressando depois na Escola Politécnica de Paris, de onde foi expulso em 1816 por ter-se rebelado con- tra um professor. ‘A panir de 1846, toda a sua vida e obra passaram a ter um sentido religioso. Ao se dedicar mais as questées espirituais, aiastou-se do magistério. O pensamento de Comte influenciou as teorias existentes, provocando grandes mudancas. Teve grande influéncia quer ‘como fil6sofo social, quer como teformador social. Morreu em Paris, em 5 de setembro de 1857, Suas principais obras foram: Curso de filosofia positiva, 6 tomos (1830-1842); Discurso sobre o espirito positivo (1844); Sistema de politica positiva, 4 tomos (1851-1854); Sintese subjetiva (1856). Comte considerava 0 perfodo de apogeu do racionalismo como 0 “momento em que o espirito da filosofia positiva comegou a pronunciar-se no mundo, em oposicao evidente ao espirito teoldgico e metafisico” (Comte, 1973, p. 14). Considerava também que nas quatro categorias de fendmenos naturais — os astro- némicos, 0s fisicos, os quimicos ¢ os fisiolgicos — havia uma lacuna essencial relativa aos fendmenos sociais. E, ainda em seu tempo (século XIX), utilizava-se os métodos teolégicos ou metafisicos como meio de investigacao e argumentacio para 0 estudo dos fendmenos sociais. Dizia que, para constituir a filosofia positiva, era necessério preencher essa lacuna e fundar a fisica social. Sendo assim, consi- derava ser este o primeiro objetivo de seu Curso de filosofia positiva. Para Comte, a filosofia positiva se encontra dividida em cinco ciéncias funda- mentais: a astronomia, a fisica, a quimica, a fisiologia e, enfim, a fisica social. "A primeira considera os fendmenos mais gerais, mais simples, mais abstratos e mais afastados da humanidade, e que influenciam todos os outros sem serem influen- ciados por estes. Os fendmenos considerados pela altima sao, ao contrario, os mais particulares, mais complicados, mais concretos e mais diretamente interessantes a0 homem; dependem, mais ou menos, de todos os precedentes, sem exercer sobre eles influéncia alguma” (Comte, 1973, p. 39). Aeessa nova ciéncia, Comte denominou, em um primeira momento, ‘fisica social’ para posteriormente chamé-la ‘sociologia’, palavra por ele criada (veja Figura 2.14). O estado positive caracteriza-se, segundo Comte, pela subordinaco da ima ginacao e da argumentagio 4 observaco. Cada proposicao enunciada de maneira positiva deve corresponder a um fato, seja particular, seja universal. Deve haver, por parte do cientista social, a busca constante de leis imutaveis nos fenmenos sociais, a semelhanca do que ocorre com os fendmenos fisicos. A principal obra de Comte & 0 Curso de filosofia positiva, publicado em seis volumes, durante 1830 e 1842. Formulou a teoria dos trés estgios pelos quais se desenvolveria 0 conhecimento humano: o teolégico, 0 metaiisico e o positivo ou empirico. Afirmava que a verdadeira ciéncia s6 seria possivel quando se atingisse . Figura 2.14 A riacéo da sociologia por Auguste Comte ‘Auguste Comte Introducao a sociologia Do latim socius de A societassociedade) Estudo da Griou 0 vocabulétio Sociologia uae XS Do grego logus (estudo) © terceiro estagio, 0 positive. Os fendmenos sociais, como os fendmenos fisicos, poderiam ser estudados objetivamente pelo emprego do método positivo (veja Figura 2.15). positivismo teve grande importancia na evolucdo das ideias no Brasil. Varios dos mais destacados propagandistas republicanos eram positivistas e, nos primeiros dias que se seguiram 4 queda do Império, ocuparam posicdes importantes na ad- ministracao publica. Podemos afirmar que toda a preparacao tedrica de implanta- cdo da Republica foi feita sob 0 patrocinio do positivismo. A influéncia da doutrina de Comte ficou marcada definitivamente na bandeira brasileira pelo lema ‘Ordem e Progresso’ (veja Figura 2.16). Comte estabeleceu as bases iniciais do que seria uma ciéncia social, contri- buindo de modo importante para que se constitu’sse um novo campo de pesquisa cientifica que se ocupasse dos fenémenos sociais. Outros fildsofos ampliaram a metodologia da pesquisa social e estabeleceram regras metodoldgicas que so seguidas por aqueles que desejam se aprofundar nesses estudos. 2.6 As bases de constituicdio da sociologia moderna Muitos foram os cientistas sociais que contribuiram para a construcao tedrica da sociologia. No entanto, ha trés que podem ser considerados os mais importan- tes e sdo tidos como classicos — pela elaboragao tedrica ampla — e que com 0 passar do tempo nao perdem sua atualidade. Sao eles: Emile Durkheim, Karl Marx @ Max Weber. Durkheim e 0 método Considerado por muitos 0 verdadeiro fundador da sociologia como ciéncia independente das demais ciéncias sociais, um dos méritos mais importantes de Durkheim (1858-1917) foi o esforco empreendido por ele para conferir a sociologia 9 status de disciplina cientifica. Criou a chamada Escola Objetiva Francesa, que agrupava intelectuais em torno da revista Année Sociologique, por ele fundada, Estudou na Ecole Normale Supérieure de Paris, tendo-se doutorado em filosofia. Muito influenciado pelas obras de Auguste Comte e Herbert Spencer, logo depois de formado, comecou a dar aulas na Universidade de Bordéus, onde ocupou Figur 2.15 _Os estigios de desenvolvimento do conhecimento humano Estagios de . i Auguste desenvolvimento cee Comte do conhecimento senate quinine * Positivo (ou empirico) Figura 2.16 Slogan positivista na bandeira do Brasil Capitulo 2 - A questio social e a necessidade de uma ciéncia social © 31 32 Introdugao a sociologia a primeira cétedra de sociologia criada na Franga (1887). Af permaneceu até 1902, quando foi convidado a lecionar sociolugia e pedagogia na Sorbonne. Seu livro As regras do método sociolégico surge em 1895 e deu uma formidé- vel contribuigao a sociologia, ao indicar como deveria se dar a abordagem dos problemas sociais, estabelecendo as regras a serem seguidas na andlise de tais problemas, Utilizou sua metodologia em outro estudo, publicado em 1897, O suicfdio, no qual, em vez de especular sobre as causas do suicfdio, planejou o esquema da pesquisa, coletou os dados necessarios sobre as pessoas que se suicidaram, e des- ses dados construiu sua teoria do suicidio. Um dos aspectos mais polémicos, na época, de sua metodologia foi afirmar que 0s fatos sociais deviam ser considerados como ‘coisas’, no sentido de serem individualizados e, portanto, observaveis. Somente assim procedendo, 0 cientista social poderia abordar os problemas sociais, do mesmo modo que eram observados ‘0s problemas fisicos e quimicos nas ciéncias exatas. Suas principais obras foram: A divisdo do trabalho social (1893), As regras do método sociolégico (1895), O suicidio (1897), As formas elementares da vida reli- giosa (1912) © papel de Marx Enquanto a preocupagao principal do positivismo foi com a manutencdo e a preservacao da nova sociedade capitalista, o marxismo procurard fazer uma critica radical a esse tipo de ordem social, colocando em evidéncia seus antagonismos suas contradigées. A elaboracao mais significativa do conhecimento sociolégico critico foi feita pelo marxismo. Deve-se a Marx e a Engels a formacao e 0 desenvolvimento desse pensamento socioldgico critico radical da sociedade capitalista Na concepgao de Marx e de Engels, 0 estudo da sociedade deveria partir de sua base material, ¢ a investigacdo de qualquer fendmeno social, da estrutura econémica da sociedade, que constituia a verdadeira base da histéria humana, Desenvolveram a teoria de que os fatos econémicos sdo a base sobre a qual se apoiavam os outros niveis da realidade, como a politica, a cultura, a arte ¢ a reli- gido. £, ainda, de que o conhecimento da realidade social deve se converter em Um instrumento politico, capaz de orientar os grupos e as classes sociais para a transformagao da sociedade. Dentro dessa perspectiva, a funcdo da sociologia nao era a de solucionar os. ‘problemas sociais’, com o propésito de restabelecer a ordem social, como julga- vam os positivistas — ela deveria contribuir para a realizac’o de mudangas radicais na sociedade. Enquanto a sociologia positivista preocupou-se com os problemas da manu- tengo da ordem existente, concentrando sua atencao, principalmente, na estabi- lidade social, 0 pensamento marxista privilegiou, para o desenvolvimento de sua teoria, as situagdes de conilito existentes na sociedade industrial. Para os marxistas, a luta de classes, e no a ‘harmonia’ social, constitui a realidade mais evidente da sociedade capitalista. ‘A obra de Marx 6 fundamental para a compreensao do funcionamento da so- ciedade capitalista, e tanto recorrem a ela seus simpatizantes como seus criticos; isto porque Marx estudou o capitalismo em seus estagios iniciais, nos quais eram nitidas as posicdes ocupadas pelos capitalistas e pelos operérios e onde a explora- Gao social do trabalho assalariado ocorria de forma brutal. Karl Marx nasceu na Alemanha, em 5 de maio de 1818, em uma familia de classe média, sendo seu pai um advogado bem conceituado, Um fato ocortido quando dos seus 17 anos, no gindsio da cidade onde nasceu, Treves, demonstra 0 que seria a vida futura do jovern Marx. Seu professor mandou-o dissertar sobre © tema: ‘Reflexes de um jovem a propésito da escolha de uma profissao’. “Em sua dissertacio, Karl desenvolveu duas ideias que deveriam acompanhé- -lo por toda a vida. A primeira era a ideia de que o homem feliz é aquele que faz 0 outtos felizes; a melhor profissdo, portanto, deve ser a que proporciona ao homem a oportunidade de trabalhar pela felicidade do maior numero de pessoas, isto é, pela humanidade. A segunda era a ideia de que existem sempre obstéculos e dificuldades que fazem com que a vida das pessoas se desenvolva em parte sem que elas tenham condicées para determina-la.”* A obra de Marx, embora nao diretamente relacionada com os estudos acadé- micos de ciéncias sociais, teve enorme importancia para a sociologia. Trouxe para esta a teoria da luta dos contrérios, o ‘método dialético’, assim definido por Engels: “a dialética considera as coisas e os conceitos no seu encadeamento; suas relacoes miituas, sua ago reciproca e as decorrentes modificagées miituas, seu nascimento, seu desenvolvimento, sua decadéncia” * Marx soube reconhecer na dialética 0 Ginico método cientifico de pesquisa da verdade. Sua dialética diferia das interpretagdes que a precederam, como ele mesmo afirmava em seu método dialético: 0 movimento do pensamento nao senio 0 reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem (conforme Marx, 1974, p. 16 e Konder, 1976). Para Marx era o mundo real, © Ambito da economia, das relacdes de produgao que determinavam o que pensava © homem, e nao 0 contrério. Foi muito criticado por outros autores por isso, pois consideravam sua teoria determinista do ponto de vista econdmico. E, na realidade, @ determinismo econdmico marcou as diversas correntes do marxismo que proli- feraram ao longo do século XX. © método dialético proposto por Marx possui quatro caracteristicas fundamen tais: tudo se relaciona (lei da aco reciproca e da conexao universal); tudo se transforma (lei da transformagao universal e do desenvolvimento incessante); mu- dana qualitativa; luta dos contrarios. Jé no fim da vida, Marx mantinha-se atualizado e aborrecia-se com as deficién- cias dos socialistas, que se diziam seus seguidores. Sabendo das tolices que eram ditas ou praticadas em seu nome, pilheriou com Engels, afirmanda: “O que é certo que eu — Marx — no sou marxista” $ Faleceu em 14 de marco de 1883 Suas principais obras so: Manuscritos econémico-filos6ficos (1844), A ideologia alema (1845), A miséria da filosotia (1847), Manifesto comunista (1848), O 18 Brumério de Luis Bonaparte (1852), ep (1857) e a sua maior obra, O capital (1867). Max Weber Considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, Max Weber (1864-1920), como socidlogo, foi professor de economia nas universidades de Freiburg e Heidelberg, Participou da comissao que redigiu a Constituicao da Republica de“Weimar. Foi durante muito tempo diretor da revista Arquivo de Ciéncias Sociais e Politica Social e colaborador do Jornal de Frankfurt Desenvolveu estudo comparado da histéria, da economia e da histéria das doutrinas religiosas, sendo por isso considerado o fundador da disciplina ‘sociolo- gia da religiao’ Deu intimeras contribuigdes a sociologia, formulando conceitos e desenvol- vendo tipologias. Entre suas contribuicdes mais importantes encontram-se os estu- dos sobre a burocracia, sobre os sistemas de estratificagao social e sobre a questio da autoridade; 0 desenvolvimento de uma rica metodologia para os estudos da sociedade e de um instrumento de analise dos acontecimentos ou situagées con- cretas que exigia conceitos precisos e claramente definidos, a que chamou ‘tipo ideal’ — contribuigao esta muito importante nesse campo. Sao famosas suas teses a respeito das relacGes do capitalismo com o protestantismo. Capitulo 2 - A questio social e a necessidade de uma ciéncia social 33 34 Be Spe z Be Introdugéo a sociologia Suas obras principais sdo: A ética protestante e o espirito do capitalismo (1905) ¢ Economia e sociedade (publicacao péstuma de 1922). Morreu em Munique, a 14 de junho de 1920. 2.6.1 Outras contribuicdes Herbert Spencer (1820-1903). A sociologia surgiu como uma disciplina auté- noma por meio das obras do inglés Herbert Spencer, que empreendeu a criagio de uma ciéncia global da sociedade. Em 1876, na Inglaterra, Spencer publicou Principios de sociologia. Aplicou a teoria da evolucao organica a sociedade humana, desenvolvendo a teoria da ‘evo- lucao social’, que foi muito bem aceita durante um certo tempo. Essa teoria com- parava a sociedade com um organismo humano. Desenvolveu também um vasto trabalho, Filosofia sintética (1860), no qual aplica 0s princtpios do processo evolutivo para todos os campos do conhecimento — foi, na verdade, uma tentativa de estruturacao, em um sistema coerente, de toda a producio cientifica e filoséfica de seu tempo, centrada na ideia da evolucao. A doutrina de Spencer expressa-se e se identifica com o princfpio segundo o qual a evolugio se processa do mais simples para o mais complexo, do mais homogéneo para o mais heterogéneo e do mais desorganizado para o mais organizado. Na sua aplicacao em sociologia, Spencer parte da definigao da sociedade como um organismo, Por analogia destaca processos de crescimento expressos por meio de diferenciacdes estruturais e funcionais. Mostra a importancia dos processos de interdependéncia das partes, bem como da existéncia de unidades nos organismos (células) e nas sociedades (individuos) © organicismo de Spencer exerceu enorme influéncia nos estudos sociais do século XIX, tendo sido retomado posteriormente por outros autores. Suas obras principais no Ambito clos estudos da sociedade foram: Principios de sociologia (1876-1896) e O estudo da sociedade (1873). Ferdinand Ténnies (1855-1936). Sociélogo alemao. Foi demitido da Universidade de Kiel, na Alemanha, por denunciar publicamente © nazismo e 0 antissemitismo em 1933. A contribuicao de Ferdinand Tonnies foi marcante: ele concebia a sociedade eas relagées sociais como frutos da vontade humana, representada em interacoes. 5 atos individuais se desenvolvem e permitem o aparecimento de uma vontade coletiva. A esse autor se deve uma tipologia importante de ‘comunidade’ e ‘socie- dade’, estabelecendo uma distingdo aparentemente simples, mas que forneceu importantes elementos para os estudos comparativos. Desenvolveu os estudos da sociologia e, do ponto de vista metodolégico, di- vidiu-a em trés partes: a) Sociologia pura ou terica — sistema integrado de conceitos basicos. b) Sociologig aplicada — seria uma disciplina dedutiva, que, fazendo uso da sociologia tebrica, tem como finalidade entender a origem e o desenvolvimento das sociedades modernas. ©) Sociologia empirica ou sociografia — seria a descri¢ao dos dados observados em um contexto social. A tipologia que estabeleceu entre ‘comunidade’ e ‘sociedade’ foi, e continua sendo, referéncia importante nos estudos dos grupos sociais. 2.6.2 Diferentes perspectivas sociolégicas: os principais paradigmas tedricos gerais Ha intimeras correntes que adotam perspectivas diferentes na abordagem das questées sociais, e nem sempre a fronteira entre as disciplinas é facilmente identi- ficada, No campo das ciéncias sociais, em particular da sociologia, podem ser identificadas atualmente trés principais perspectivas tedricas: a funcionalista, a do conflito social e a do interacionismo simbélico. a) A abordagem funcionalista O funcionalismo € uma corrente de pensamento que considera que uma so- ciedade é uma totalidade organica, na qual os diferentes elementos se explicam pela funcao que preenchem, pelo papel que desempenham e pelo modo como estdo ligados uns aos outros no interior desse todo. Dito de outro modo, pode- mos afirmar que o funcionalismo estuda os fendmenos sociais a partir das funcdes que desempenham na sociedade. O funcionalismo pressupde que sistema social de uma sociedade como um todo 6 composto de partes inter- -relacionadas e interdependentes, com cada uma preenchendo uma fun¢ao necesséria para a vida social Tem origem no organicismo biolégico de Herbert Spencer, que entendia que 08 organismos sociais, quanto mais crescem, mais se tornam complexos, fi- cando as respectivas partes mutuamente dependentes. Utilizou os termos ‘es- trutura’, ‘6rgaos’ e ‘funcdes’ para explicar o funcionamento da sociedade com base nas teorias evolucionistas. Posteriormente, a aplicagao do conceito de ‘funcio’ no dominio das ciéncias sociais recebeu um grande impulso, a partir dos trabalhos de Bronislaw Malinowski (1884-1942) e Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955). Para Malinowski (1997), em cada tipo de cultura, cada costume, cada objeto mate- rial, cada ideia e cada crenca preenchem uma certa fungao vital, tem uma tarefa a cumprir, representando uma parte insubstituivel do todo organico. Para ele, dizer ‘fungao’ significa satisfagao de uma necessidade, e 0 todo social & visto como uma totalidade organica, sendo que cada elemento tem uma tarefa a desempenhar. JA para Radcliffe-Brown (1973), a funcao social de um uso particular é a conti buicdo que ele traz a vida social tida como 0 conjunto do funcionamento do sistema social. Considera que os componentes ou unidades da estrutura social sao pessoas que ocupam uma posicao na estrutura social, que se inter-relacio- nam em um imenso ntimero de interagées e agGes em um processo social. sistema social aqui é entendido como unidade funcional, e a estrutura social é © acordo entre as pessoas, que tm entre si relacdes institucionalmente contro- ladas e definidas. Um outro autor, Robert Merton, considera que “O conceito de fungao tem em conta 0 ponto de vista do observador e nao forgosamente o do participante. Por funcao social, referimo-nos as consequéncias objetivas e observaveis... € ndo as intengdes subjetivas. E ndo distinguir entre consequéncias sociolégicas € objetivas e intencdes subjetivas conduz inevitavelmente a lancar a confusio na anilise funcional” (Merton, 1965). £ aqui que Merton introduz a nogao de “fungao manifesta’, que 6 0 modo como uma instituigo Ou uma ago social sdo percebidas objetivamente, € de ‘funcdo latente’, que é a funcao verdadeira endo € imediatamente percebida pelo observador. As instituigdes educacionais, por exemplo, podem ter como tungao manifesta transmitir as futuras geracbes © conhecimento acumulado, contribuindo para o processo de socializacao; no entanto, sua funcio latente pode ser a de manter a coesdo da sociedade, ou seja, tem uma importante funcao de controle social, reproduzindo os valores aceitos e que invariavelmente ndo podem ser questionados. b) A perspectiva do conflito social Uma perspectiva muito utilizada pelos cientistas sociais parte do pressuposto de que 0 conilito, e nao a estabilidade ou a evolucao, € 0 processo social mais importante. A ideia de que uma sociedade é constituida de elementos sociais, em conflito nao € nova, podendo ser encontrada na antiguidade greco-romana. Os antigos filésofos identificaram que muitas mudancas foram 0 resultado da atuaco de forcas opostas; o bem e o mal, 0 feio e o bonito, o verdadeiro e 0 Capitulo 2. ~ A questio social ea necessidade de uma ciéncia social 35 36 Introducio a sociologia falso etc., € que essas forgas antagénicas provocavam o surgimento de novas formas. Essa concepcao que entende que, por meio do conflito, se obtém algo novo, passou a ser conhecida como processo dialético (Class and class conflict in industrial society, 1959). Do ponto de vista contemporaneo, Karl Marx € considerado 0 pai do modelo de conflito ¢ de mudanga social. © socidlogo anglo-germanico Ralph Dahrendorf € conhecido como um dos cientistas sociais mais identificados com este modelo; em 1959, publicou um trabalho considerado classico, Class and class conflict in industrial society, em que resumiu os temas e debates nesse campo e sugeriu a possibilidade de uma sociedade que incorporasse 0 conflito € a mudanca como pontos centrais de seu desenvolvimento. A partir desses estudos, 0 modelo atual que incorpora a perspectiva do conflito social como algo positivo no desenvolvimento social apresenta as seguintes premissas: * uma sociedade pode ser concebida como integrada por categorias ou grupos de pessoas cujos interesses sdo bastante diversos entre s * todos os membros da sociedade tentam impor seus proprios interesses, em competigio com outros, ou conservar seus préprios interesses resistindo aos esforcos competitivos dos demais; * uma sociedade organizada dessa maneira convive constantemente com 0 contflito, pois seus componentes estardo sempre buscando obter novas van- tagens ou conservar seus proprios interesses, ou seja, 0 conflito é onipre- sente; * em decorréncia do processo dialético de interesses em competico e em conflito surge um continuo processo de mudanga. Portanto, as sociedades no esto em equilfbrio, mas esto em continuo proceso de mudanca. A teoria do coniflito ao longo do século XX esteve fortemente identificada com a teoria marxista, e introduziu uma série de novos conceitos e novos objetos de estudo para as ciéncias sociais. Suas diferentes abordagens contribuiram e contribuem significativamente para 0 avango da teoria social. Entre suas mais significativas abordagens estao aquelas da Escola de Frankfurt (teoria critica), a teoria de dependéncia, a teoria do imperialismo, entre outras. ©) O paradigma do Interacionismo simbélico € uma denominagao criada por Herbert Blumer (1900-1987) em 1937. Considerada uma corrente microssociolégica, teve origem nos Estados Unidos. George Herbert Mead (1863-1931) é uma das principais figuras dessa corrente te6rica e considerado 0 seu fundador. Esta abordagem privilegia a aco como interacio comunicativa, como processo interpessoal e também autorreflexivo. Quando surgiu, apresentou-se como uma alternativa ao paradigma funcionalista dominante na sociologia norte-ameri- cana. O interacionismo simbélico busca explicar as interagées que ocorrem entre os individuos e nos grupos sociais, adotando uma perspectiva de expli- cacao com base hist6rica ou evolucionéria. De acordo cgm Blumer, as principais premissas do interacionismo simbélico sao: 1. AS pessoas atuam sobre os objetos de seu mundo e interatuam com outras pessoas a pattir dos significados que os elementos, os objetos e as pessoas possuem para elas, ou seja, a partir dos simbolos. Tais elementos, segundo Blumer (1980), abrangem tudo o que é possivel as pessoas observar em seu Universo — objetos fisicos, como drvores ou cadeiras; outras pessoas, como mies ou balconistas de loja; categorias de seres humanos, como amigos e inimigos; instituices, como escolas ou 0 governo; ideais norteadores, como independéncia individual ou honestidade; atividades alheias, como ordens ou solicitagoes de outrem —, além das situagdes com que o individuo se depara no dia a dia (p. 119). 2. Os significados de tais elementos sao produto da interagao social, que se converte em essencial tanto na constituicao do individuo como na produgéo social de sentido. Os elementos desencadeiam o significado, ¢ este 6 0 indicador social que intervém na construcao da conduta, 3. As pessoas selecionam, organizam, reproduzem e transformam os signi cados nos processos interpretativos em fungao de suas expectativas e pro- pésitos. Em resumo, para Blumer as premissas basicas do interacionismo simbélico sio: © comportamento humano fundamenta-se nos significados do mundo; a fonte dos significados 6 a interacao social; ¢ a utilizacao dos significados ocorre por meio de um processo de interpretacao. interacionismo simbélico, portanto, concebe o social como produto da in- teracdo simbdlica de individuos ¢ entende que a conduta humana 6 0 resultado dessa interacao, da troca de significados no cotidiano. Enfatiza o papel critico da linguagem, no desenvolvimento e manutencao da sociedade e na construc3o das atividades mentais dos individuos. Destaca as relacdes existentes entre as atividades mentais individuais e 0 processo social de comunicacao. Para o interacionismo simbélico, a linguagem é um grande sistema de simbo- los, é um instrumento de construcao das realidades sociais, que possibilita a troca de experiéncias; por meio da linguagem as coisas os objetos passam a ter significado, e sua natureza est dada pelo significado que tenha para 0 sujeito que leve em consideragao essa coisa ou objeto. Considerando as diversas contribuigdes, os pressupostos essenciais desse pa- radigma sao: 1. A sociedade pode ser entendida como um sistema de significados. Para 0 individuo, a participacao nos significados compartilhados, que estao vin- culados aos simbolos de uma linguagem, é uma atividade interpessoal, € da qual surgem expectativas estaveis e perfeitamente entendidas pelos membros do grupo social, que guiam as pessoas, fazendo-as adlotar com- portamentos previsiveis. 2. Considerando-se 0 comportamento, tanto as realidades sociais como as fi- sicas s4o construcdes de significados, ja definidas, como consequéncia da participacao das pessoas, tanto individual como coletivamente, na interagao simbélica; assim, suas interpretagées da realidade passam a ser socialmente compartilhadas e individualmente internalizadas. 3. Os lacos que unem as pessoas, as ideias que tém de outras e suas crencas sobre si mesmas so construgies pessoais de significados que surgem da in- teracdo simbélica; portanto, as crencas subjetivas que as pessoas tenham sobre as outras e de si mesmas so os fatos mais importantes da vida social. 4. O comportamento individual, em uma situagdo concreta de acio, esta guiado pelas normas de cortesia e os significados que as pessoas vinculam a essa situacao; portanto, o comportamento nao é a resposta automatica aos estimulos de origem externa, mas um produto das construcdes subjetivas sobre si mesmos, sobre outros e sobre as exigéncias sociais das situacdes. - . 29-82 Be 2.7 A sociologia no Brasil oor s. Da mesma forma que ocorreu em termos mundiais, no Brasil existiram muitos sociélogos que contribuiram para o avango da anilise da realidade social. No entanto, dois deles se destacam como referéncias fundamentais no campo da so- ciologia — Gilberto Freyre e Florestan Fernandes. Utilizando abordagens distintas, e muitas vezes radicalmente opostas, Florestan adota a perspectiva marxista e Freyre € considerado conservador. Os dois, no entanto, deram contribuigées para a abor- dagem dos fendmenos sociais brasileiros que nao podem ser desconsideradas por qualquer corrente tedrica. Capitulo 2 - A questio social e a necessidade de uma ciéncia social 37 38 Introdugao a sociologia Gilberto Freyre sociélogo Gilberto Freyre adotou uma perspectiva nos seus trabalhos em que 0 individuo, suas particularidades, suas intimidades e seu modo de pensar predo- minam em relacdo aos fatos mais marcantes da hist6ria; um tipo de abordagem que podemos denominar ‘sociologia clo cotidiano’ e que ele mesmo a denominava ‘sociologia existencial’. Nasceu em 1900, no Recife (PE) completou o curso secundario no Colégio Americano Gilreath, também no Recife, daf seguindo para Waco, Texas (EUA), onde se bacharelou em Artes Liberais, na Universidade de Baylor. Em seguida, na Universidade de Coltimbia, em Nova York, estudou Ciéncias Politicas, curso con- cluido em 1922 com a tese: “A vida social no Brasil na metade do século XIX” Ministrou aulas nas universidades de Stanford, Michigan, Indiana e Virginia. Voltou a Pernambuco em 1923, onde dirigiu por algum tempo o jornal A Provincia. Foi 0 criador da cétedra de sociologia na Escola Normal, do Recife, em 1928, Lecionou na escola de Direito do Recife. Elegeu-se, em 1946, deputado federal constituinte pelo Estado de Pernambuco. Muitas de suas ideias defendidas em seus mais de 60 livros e muitos artigos de jornais estao hoje incorporadas a vida brasileira. Ganhou intmeros prémios inter- nacionais e foram-lhe oferecidas cétedras em varias universidades do mundo, das quais recusou todas, preferindo permanecer em Pernambuco. Entre os livros de sua autoria que tiveram numerosas edicdes em outras linguas, destacam-se Sobrados e mocambos (1936) e Ordem e progresso (1959). Seus trés principais livros — Casa grande & senzala, Sobrados e mocambos e Ordem e progresso — formam uma trilogia. O primeiro deles, Casa grande & senzala, 6 um estudo da colonizacao portu- guesa, no qual Freyre procura descrever a formacao da familia e do patriarcado brasileiro, bem como a importancia da miscigenagio racial como traco cultural. Identificou que havia sempre um motivo econémico por trés das relacdes raciais, que no Brasil estiveram sempre condicionadas pela monocultura latifundidria. A cultura do acticar exigiu um grande niimero de escravos, estando, dessa forma, diretamente ligada a implementagao da escravatura. A partir dai foram estabeleci das e consolidadas relacdes entre brancos e negros baseadas na formacao patriar- cal, representada pela casa-grande e sua senzala de escravos. A casa-grande, completada pela senzala, é 0 nicleo de um sistema econdmico que influenciou profundamente a vida brasileira por muitos anos. O livro que da continuidade a esse, Sobrados e mocambos, apresenta a deca- déncia do patriarcado rural e 0 surgimento e crescimento das elites urbanas. A obra mostra a europeizacao das elites brasileiras, constatada pela preferéncia dos ho- mens pelas francesas em detrimento das mulatas; pelo piano substituindo os ins- trumentos de percussio na sala de estar; pelo aparecimento das carruagens, dos bancos, dos cafés, dos hotéis e das lojas macénicas. Destaca que o legado do ro- mantismo entra com toda a forca no meio intelectual brasileiro. Forma-se, assim, uma ‘civilizagaq brasileira’, que se expressa nas pequenas coisas: nas saias, nos talheres, nas cartolas, nos habitos amorosos, na organizacdo das pracas, jardins e ruas, As casas-grandes se transformam em sobrados europeus — evidéncia de uma alteragao radical nas relacdes de poder.” No terceiro livro que completa a trilogia, Ordem e progresso, Freyre apresenta a derrocada definitiva do patriarcado, que desmorona com 0 surgimento do trabalho livre, Aborda o Brasil republicano, imediatamente aps a monarquia e a escravatura. livro procura mostrar a presenga de um brasileiro de tipo novo, marcado pela industrializacao nascente, com forte presenca de imigrantes, e pela urbanizacao Morreu em Recife, no dia 18 de julho de 1987. Florestan Fernandes “Afirmo que iniciei a minha aprendizagem socioldgica aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse adulto e penetrei, pelas vias da experiéncia concreta, no conhecimento do que é a convivéncia humana e a sociedade” (Florestan Fernandes) ‘Como expoente da sociologia critica no Brasil, Florestan Fernandes (1920- -1995) se destacou na elaboracao tedrica. Considerado como fundador e principal representante dessa corrente no pais, é considerado o mais importante sociélogo brasileiro. Nasceu em Sao Paulo, em 22 de julho de 1920. Filho de imigrante portuguesa, analfabeta e empregada doméstica, na infancia morou em quartos de empregada € pensdes. Aos seis anos, comecou a trabalhar como engraxate, ajudante de bar- beiro, carregador ¢ balconista de bar. Nao pade completar 0 curso primério por ter de trabalhar desde muito cedo. Cursou Madureza e, em seguida, estudou cién- cias sociais na Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da USP. Tornou-se profes- sor da mesma faculdade, onde lecionou até 1969 — quando foi aposentado com- pulsoriamente pelo regime militar. Deixou o pais e lecionou nas universidades de Coltimbia (EVA), Toronto (Canada) e Yale (EUA). Ao retornar ao Brasil, em fins de 1972, incorpora-se gradativamente ao meio académico e passa a lecionar na Pontificia Universidade Catélica de So Paulo (PUC-SP). Seu trabalho de professor é reconhecido internacionalmente. Foi responsével pela criagdo de varios grupos de pesquisadores que vieram a reformular a socio- logia no Brasil, conferindo-Ihe um rigor que jamais tivera. Publicou mais de 50 trabalhos académicos no Brasil e no Exterior, contribuindo para transformar as ciéncias sociais no pais e estabelecendo um novo estilo de pensamento. Em todo o seu trabalho, a reflexio principal é sobre a desigualdade social, procurando identificar as contradicdes da sociedade de classes e o papel da socio- logia diante dessa realidade. Florestan esteve ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde sua fundacio. Filiado ao partido, exerceu dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991- -1995). Realizou, ao longo de suas obras, varias pesquisas sobre temas, alguns, até entao pouco estudados, como a situacao do negro no pais (“A integracaio do negro na sociedade de classes”, de 1965, e "O negro no mundo dos brancos”, de 1970), a ideologia dos operirios brasileiros e a vida social nas tribos indigenas (“A orga- nizacao social dos tupinambas”, de 1949). No livro A revolucao burguesa no Brasil (1975), fez um retrato da burguesia brasileira, mostrando os esforgos que essa classe social realizou em sua resisténcia 4 mudanca social. No livro Circuito fechado, publicado em 1976, expée sua critica ao governo militar, a qual aprofunda no trabalho de 1982, a Ditadura em questéo. No ano de 1973 publicou 0 livro Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina, no qual analisa a es- trutura social latino-americana e suas relacdes de dependéncia externa. Além das obfas citadas, podem ser destacadas outras, como: Fundamentos em- piticos da explicagao sociologica (1959). Ensaios de sociologia geral e aplicada (1960), A sociologia numa era de revolugao social (1963), Elementos de sociologia tebrica (1970), Mudangas sociais no Brasil (1974), A sociologia no Brasil (1977), A natureza sociolégica da sociologia (1980), Poder e contra-poder na América Latina (1981). Faleceu em Sao Paulo, no dia 10 de agosto de 1995 Capitulo 2 - Aquestao social e a necessidade de uma ciéncia social 39

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