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Capiruto I Hegel, Texas: temas de filosofia e sociologia da técnica 1. A tecnologia como extensdo do ser humano ‘A ideia de que os artefatos técnicos representam extensées (projecdes, amplifica- es) do ser humano e, 0 que ndio é menor, do corpo humano (os sentidos, os membros, @ sistema nervoso, etc.) tornou-se um fopos do pensamento moderno, Aquilo que poderiamos chamar a teoria prostética da tecnologia foi formulada numa variedade de textos, entre 1860 e 1870, ¢ aparece também, em versées parciais, no marxismo classico, nas popularizagbes da teoria evolucionista de Darwin e na psicanilise freu- diana, A primeira exposigio sistemética desta perspectiva foi apresentada num tratado sobre a filosofia da tecnologia, publicado em 1877 por Ernst Kapp (1808-1896).' 0 nosso autor, como Jovem Hegeliano que era, partilhou um meio intelectual muito semelhante ao do marxismo clissico. Forgado ao exilio politico pela derrota dos levantamentos liberais e democriticos alemaes de 1848-1849, estabeleceu-se numa colnia alema do Texas, onde teve uma vida ativa como agricultor, inventor, hidrote- rapista e estudioso. Ao regressar a Alemanha, quase vinte anos mais tarde, absorveu ‘as ideias evolucionistas, tal como elaboradas pelos divulgadores alemaes de Darwin, eas doutrinas do inconsciente que modelaram 0 clima filos6fico ¢ estético do mundo de lingua alema desde o fim do século XVIII (Ellenberger, 1970). Enquanto hegeliano, vé a historia humana como a objetivagao da esséncia humana. Como hegeliano de esquerda, considera que esta objetivagao deriva nao do espirito, mas do ser humano corporizado. ‘Tal como Feuerbach tinha visto na antropologia a chave para a teologia, Kapp vé-a como chave para o entendimento da historia da tecnologia. Formulou, assim, uma teoria antropol6gica da tecnologia. A locucao central explicativa desta antropologia da tecnologia é “projegao organica” (Organprojektion). Deste modo, as ferramentas primitivas so facilmente vistas como projegées de partes do corpo humano e sobretudo da mio humana, cuja versatilidade e maleabilidade a entronizam como parte mais tecnogénica do corpo (por exemplo, as miios em concha teriam gerado a classe dos implementos contentores € 0 punho cerrado seria o andlogo dos martelos e de muitas espécies de armas). Os sentidos humanos da vista e do " Boas exposigaes da obra de Kapp podem ser encontradas em Brun (1963), Curtis (1978) ¢ Huning (1985). Os dados biogrdficos vém de Mitcham (1985). 15 pxrenisteT < pticos & actisticos, respect; vara instr! mentos Opt 2 PECtivame podelos Pa corpo Fhumano facultaria 0 modelo inegy stern 0 C ura i rg as invenoes recentes do tempo de mo 3 aoe p .truturas interiores do co: " analogica coM as estrulu -Orpo hima, yondéncia @ 56 ‘comparados ‘aos nervos € 0S caminhos. rafo elétrico § ikimas analogiass ° nosso autor estava Jo : jo. Nestas ti parago Jhantes foram fe circulatorio somparagaes semelhal formuladag : ooo ina excegan, dado du” aes 0 que parece mais forcado na of , represent contemporancos: 7 en Oa a res Set : ia, exaustiva e unit is obser lar uma tera de La ada etal’ e a a aentativa d 5 ft : c Kapp éatcmativa de Teo antrpomorlico, q stado e cada eg estritamente antropoc' vrespondencia com uma fase da espécie humana, s : corres o : ; da tecnologia € posto Or lve uma teoria antropolbgica da tecnologia, ¢ ae ee so, uma teoria tecnolégica da antropologia. O inconscien também, no mes PSD: egadas,praetando varios \ragoso fases dl produ externalizagot “Fos tecnicos facultam os meios indispen Uma ver produzidos, 08 artefal d sane sx podem alcangar 0 conhecimento de si pro através dos quais os seres human ‘A autocompreensao da natureza humans do estudo do comportamento humano como tal, mas po introspecgao ow através m noe ‘balho humano, sobretudo dos artefatos tenon, tncio do estudo dos produtos do U2 ctudo trate artefato, cada objeto tenoldgico fornece, por assim dizer, um procediment i jesenberta para uma fase da natureza humana ¢ para a composig&o dos no espiritos ¢ corpos: Isto cexplicaria porque € que as metdforas tecnolégicas tém sido cruciais, em todas as épocas do pensamento, para a nossa autointerpretagao. contudo, nfo considera sistematicamente a maneira como estes modelos tecnomérficos se natuvera humana sio reificados como se nao tivessem sido, de fato, resultanles de projegies organicas inconscientes. Na visio de Kapp o homem pré-tecnolégico ‘era um homo absconditus,? radicalmente desprovido de autoconhecimento e de auto consciéncia. Gracas 4 incessante criagao de artefatos técnicos, mais fases do humano tornam-se progressivamente acessiveis a consciéncia, até que os poderes, capacidades efaculdades mais ocultos do Homem Ihe so gradualmente desvendados através da consideracio das suas préprias obras. Assim, 6 0 estudo dos produtos da aso humane, especialmente na forma estavel de objetos tecnolégicos, que melhor lone tie, ae Hime ae hui ne (uma antecipagao de teses sem thai eee eee Mantis o mane dos produtos da ideagao humana, embors Ce soumeis cons al inporia catenin das obras humanas, pafé deKigyo dent depssltade eerliginn puis oneal al a contigdo do homo mansfeas les tecnoldgicas poderia eventualmente produzit” . 0 ser humano totalmente autoconsciente, embora ni seja muito claro se simplesmente um ideal tie aaa como sendo, de fato, um estagio final ob a nfo pode ser atingida atray Este par de termos nao foi usa para trans do por Kapp mas por Ernst Bloch, Parece, todavia, ser adequad® tos de Kapp. 16 CAPITULO 1, HEGEL, TEXAS: TEMAS DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA TECNICA Kapp nao discute sistematicamente obsticulos sociais ou epistémicos, nem 20 estagio tecnologicamente maximo do homo manifestus, nem 20 adequado reconhe- simento de que o mundo tecnolégico consiste apenas em projecdes do nosso ser {aquilo a que McLuhan chamou “a atitude narcisica de contemplar as extensdes dos nossos corpos como existindo /4 fora e realmente independentes de nés” [1964:68; tublinhado no original). Em outras palavras, Kapp nfo dispée de uma teoria da alienagiio tecnolégica, talvez porque veja a tecnologia como uma forca exclusivamente desalienante. A énfase metafisica na passagem do inconsciente a0 consciente por via da externalizacao técnica oferece-lhe uma espécie de garantia césmica de que 0 crescimento da tecnologia ser, pari passu, o crescimento da autoconsciéncia humana. ‘A énfase fouerbachiana no corpo, ou melhor, no ser humano corporizado, situa até certo ponto a sua aproximagao como uma forma do que poderiamos chamar “so- mmatismo tecnolégico”. Porque a presungao da unidade, integridade, profundidade e, sobretudo, prioridade, ontolégicas do ser humano corporizado — em suma, da prioridade ontologica do orginico sobre o mecfnico é posta em risco pelas biotecnolo- gias contempor‘ineas ¢ pelo impulso para a mecanizacao da vida organica. Enquanto para Kapp 0 ser humano mergulhava as suas raizes nas profundezas do inconsciente, para a tecnociéneia contempordinea as profundezas do inconsciente no existem, mas apenas os sistemas de processamento de informago sob uma forma ou outra. Nesta perspectiva, a tecnologia é a chave para a antropologia, mas a antropologia nZo fem prioridade ontologica. 0 “somatismo tecnolégico” jé no passa sem ser questionado e uma configuragiio mais caliente nas teorias tecnoldgicas de hoje ¢ quase 0 seu reverso — o “gnosticismo tecnolégico”, que discutiremos na segao seguinte.” 2. O gnosticismo tecnolégico ‘As correntes e tendéncias recentes numa variedade de areas tecnolgicas, bem como as prolépticas pretensdes e profecias de destacados estudiosos em campos tais como a genética, a engenharia biolégica ¢ a inteligéncia artificial, sustentam a tese de que estamos enfrentando atualmente uma sindrome cultural a que Victor Ferkiss (1980) chamou “gnosticismo tecnolégico” (mas que poderia igualmente chamar-se * gnosticismo técnico-cientifico”, dada a interpenetracio da investigaeao cientifica e da invengio técnica. De fato, 0s defensores maiores destes projetos tém sido trabalhadores identificados primariamente como “cientistas” ¢ no como “tecnélogos”). A expres- so “gnosticismo tecnolégico” pode parecer contraditéria dado que o gnosticismo & usualmente entendido como envolvendo horror ao organico, repugnancia pelo corpo, aversio pelo natural — certamente pela natura naturata, pelos seres naturais na sua 2 A temética das extensdes do ser humano foi absolutamente central na obra tio influente de Marshall McLuhan, embora sem qualquer conhecimento, ao que parece, do trabalho de Kapp. Sobre este assunto, a melhor andilise encontra-se no livro de Filipa Subtil (2006) sobre o pensa- mento de McLuhan sobre os meios de comunicagio. 17 IMENTUM HUMANUM mesmo pelos poderes ocultos, plisticos, da natura naturans 11a “viscosidade” das coisas é sentida coma : ee ipulacaio do mundo mate. radicalmente inimiga do espirito. A tecnologia saan are pela opel ri i, eC mo inerentemente contragn' stica. . 0 Fe Oe oe | enomticl éeioo" quer-se significar o casamento superficialmente paradoxal “gnosticismo tecno'6gico q 7 das realizacdes, projetos ¢ aspiragdes tecnolégicos com os sonhos caracteristicamente a Ere) Lies icaio huma do simplesmente de gnésticos de se transcender radicalmente a condigdio humana (c nao simples! fae a melhorar e habilitar os seres humanos a triunfarem sobre forgas naturais ostis)y Ultrapassar os pardimetros basicos da condigéo humana — a sua finitude, contingén- animalidade, limitagao existencial — aparece como uma motivagao ¢ até como uma das legitimagoes da tecnociéncia contemporanea, pelo menos em algumas areas. fi indubitavel que expressées hiperbélicas, tais como a“aboligio” ou “aniquilamento” do espaco e do tempo (por exemplo) tém circulado pelo menos a partir de 1840, quando a invengao do telégrafo elétrico evocou uma “retérica do tecnolégico sublime” (Marx, 1964), e tém sido reiteradas em relacdo a muitos desenvolvimentos subsequentes das tecnologias dos transportes e comunica- ges. Tornaram-se lugares-comuns do discurso relativo aos meios de comunicagaio eletrénicos ¢ as tecnologias da informagao. A “retérica do eletrénico sublime” (Ca- rey, 1989) é uma variagio atual ¢ particularmente vigorosa de um tema mais vasto ¢ pode sem divida ser parcialmente aceita como hipérbole jornalistica devido ao crescimento da telematica (a interligagao entre sistemas computadorizados e teleco- municagdes). Permite 0 entrever fugaz de computopias, nas quais 0 mundo material ¢ 0 correspondente mundo da experiéncia sensorial so crescentemente substituidos pelo processamento de informagao (com um estatuto ontolégico diferente e superior, mais proximo do espirito do que da matéria e da energia, na visio classica do Mundo). Fildsofos da tecnologia, de Bergson (1907) a Gehlen (1980), sublinharam que © impulso maior da tecnologia humana envolvia a manipulagdo do inorganico pelo organico (tal como representada pelo homo faber) e pressupunha que o mundo organico permaneceria essencialmente opaco ao entendimento analitico-redutivo, retendo a sua integridade ontolégica face ao impulso teenolégico da nossa espécie (exceto quanto a intervengGes tecnolégicas limitadas, tais como aquelas cujas realizagdes Darwin ja tinha ponderado enquanto desenvolvia a teoria da selecao natural). Esta teoria da tecnologia jA nfo é sustentivel, dado que a manipulagao do mundo organico para induzir trans- formagées nos mundos tanto organico como inorgénico tem sido uma area maior de crescimento nos tiltimos decénios. Enquanto para Bergson o impulso tecnolégico (0 que se poderia chamar élan technique) da nossa espécie continuava a “tecnologia natural” dos organismos vivos geralmente por outros meios (“exosomiticos” na terminologia do biofisico A. J. Lotka) ¢ permaneceria dentro do horizonte do élan vital, as perspectivas atuais da engenharia biolgica indicam uma inflexdio maior na evolugio das tecnologias humanas, precisamente num sentido gnosticizante. A fabricagio de formas de vida manifesta bruteza, se no — eum pathos metafisico' por via do qua cia, mortalidade, corporalidade, * Sobre o conceito de pathos metafisico ver a obra classica do filésofo ¢ historiador das ideias A. . Lovejoy (1936). 18 caPiruLo 1. Heer ‘AS: TEMAS DE FILOSOPIA E SOCIOLOGIA DA TECNICA artificiais (para um amplo espectro de fins utilitérios, mas também com a aspiragdo subjacente de produzir organismos mais perfeitos) num contexto planetario no qual as espécies biolégicas esto longe de se encontrar exaustivamente catalogadas, ¢ em que, de fato, estao desaparecendo em um ritmo cada vez mais acelerado, com uma crescente ¢ irrepardvel perda de biodiversidade (maior do que a das ecocatastrofes naturais), é um dos paradoxos da nossa situagaio contempordnea. O sentimento que nos apresentava 0 mundo dos organismos vivos como um dado adquirido basico foi radicalmente derrubado pela perspectiva da transformagiio indefinida das fronteiras naturais das espécies biolégicas ¢ de uma extraordinaria aceleragdo dos processos de mudanga genética e somatica (veja-se, por exemplo, Rifkin [1983]): a temporalidade tecnolégica da bioengenharia substitui o passo lento caracteristico do quadro temporal da evolugao biolégica, por via da intervengao direta em genomas (e independentemen- te das mudangas em larga escala, causadas de maneira indireta e frequentemente ndo-intencionada, nos habitats e biomassa, pelo crescimento técnico-econdmico). As reclamagées ocasionadas pela destruigao de habitats ¢ espécies naturais sao fre- quentemente afastadas pela assercaio de que a tecnologia pode fabricar substitutos exatos para toda e qualquer espécie “natural” que se venha a perder. Esta posiciio é defendida no s6 por autoridades tecnocientificas mas também por economistas de relevo, cuja teodiceia do crescimento econdmico se apoia constantemente na “falacia da substituibilidade infinita” (Daly, 1977) e, em tiltimo recurso, no argumento de que ha gente que realmente gosta de arvores de plastico. Considere-se também a perspectiva, seriamente encarada por investigadores de renome no campo da intelig@ncia artificial (IA) — pelo menos, pelos defensores do chamado “programa forte da IA” — de que dentro dos préximos quarenta anos “nds” estaremos em condigdes de substituir os nossos cérebros pensantes (que néo passam de “computadores de carne”) por mentes sem cérebros, substituindo 0 nosso “fleshware” por “software” € 0 nosso cogito por um computo (por exemplo, Moravec, 1990). O argumento consiste em que, dado que a mente é essencialmente computacional, os seus lagos com um corpo orgiinico siio essencialmente contingentes: uma enorme diferenca relativamente ao materialismo antropolégico de Feuerbach que inspirou muita da teorizacdo novecentista sobre a tecnologia, incluindo o “somatismo tecnolégico” de Kapp. Estes desenvolvimentos e perspectivas tecnologicos representam candidatos prima facie para inclusio na rubrica do “gnosticismo tecnolégico”, embora outros casos pudessem ser discutidos. E indu- bitavel que cada Grea da tecnologia precisa de ser cuidadosamente avaliada quanto as suas implicagées ontolégicas, mas também parece ser razoavelmente claro que se deve tomar em séria conta a tendéncia gnosticizante de algumas tecnologias recentes. Nao sera demais sublinhar-se aqui vivamente que essas consideragées nao sio de modo algum dirigidas contra 0 “projeto de modernidade” enquanto tal, nem contra 0 papel essencial que as tecnologias podem desempenhar no sentido da visto prometeica clissica, para mitigar as insuficiéncias e enfermidades da condig&o humana. A busca de transcendéncia também é insepardvel da condigfio humana ¢ nfo pode de maneira nenhuma ser descartada como uma hubris cartesiana ou sob qualquer outra forma. 19

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