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—— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1V Seminirio National de Pcologa Critica da ( OS “BONDES GAYS” E O TRANSBORDAMENTO DA IDENTIDADE HOMOSSEXUAL Felipe Machado — PUC-Rio © presente trabalho decorre de um projeto de pesquisa que se encontra em transformagio e em vias de mudanga por uma série de questdes. No entanto, pareceu-me interessante nao deixar de registrar e compartilhar a importncia de alguns bondes de bichas no funk, sobretudo em uma regio outra do Brasil na qual, provavelmente, o funk no tem a mesma presenga e o mesmo impacto na vida cultural como no Rio de Janeiro, objetivando, assim, um didlogo que me parece produtivo tanto no Ambito académico quanto fora dele. Comego frisando que entendo tanto a danga, em uma acepgio mais ampla, quanto o funk, como manifestagdes culturais, artisticas, estéticas e politicas e como modos de pensar. Porém, também sigo ciente que é preciso ter cuidado para nao colar significagdes politicas de meu interesse, o que seria uma recolonizagao dessas experiéncias. Tais ressalvas mostram-se relevantes no trabalho para elucidar a abordagem do funk e da danga como intercessores para © pensamento, interesse pelos bondes do funk compostos por integrantes assumidamente gays, que prefiro chamar de bichas pintosas por uma questo politica de afirmago (dado 0 carat assimilacionista e apaziguador que assumiu o termo gay), surge da hipétese de que tais grupos nos colocam diante de algumas questes, das quais destaco trés que tentarei abordar mais detalhadamente aqui: a questio da intersecionalidade (enquanto perspectiva te6rico-critica), a questio do esterestipo e a questio da elitizagiio do movimento LGBT (bem como do centramento na agenda gay referente a determinado grupo privilegiado socialmente, em termos de raga, sexo e classe — a saber, homens brancos de classe média — 0 que acaba promovendo a invisibilizagio de outros grupos ¢ subjetividades — sapatio, travesti, trans, bichas negras e pobres etc). Portanto, as bichas pintosas do funk parecem colocar a bicha branca de classe média diante de seus privilégios de raga e classe. Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1Y Semindrio National de Pavologa Crten da Esse contexto dé a ver como se tratam de comunidades homossexuais, ¢ nio de uma comunidade homogénea, muito menos uma “cultura gay”, como se fosse possivel, alias, determiné-la (0 que € problematico pela nogdo mesma de “cultura”). Osmundo Pinho (2004) fala em “mundos homossexuai No podemos pensar, pois, em “mundos-comunidades” entrecruzamento de maiorias ¢ minorias que faz os individuos assumirem determinados papeis sociais pré-estabelecidos, Pinho observa: “é evidente que um determinado sujeito possa ser muito progressista, ou nfo conformista, subversivo, de um certo angulo, mas de outro ele pode, justamente, se prevalecer de determinadas prerrogativas para reproduzir privilégios e desigualdades” (2004:130), lembrando que esses posicionamentos nao sio uma contingéncia, pois as comunidades sio estruturadas com base em desigualdades e hierarquias. A produgdo de conhecimento acerca desses grupos minoritérios, pois, reflete esses posicionamentos, uma vez que é oriunda de um setor elitizado e privilegiado da sociedade precisamente aquele que tem mais chances de acesso aos espagos legitimados de produgio de condigao, nao tem a ver com 0 saber. Assim, Pinho se pergunta “se essa cegueira, para e: proprio lugar de classe ou o proprio lugar racial daqueles que produzem as leituras sobre esses mundos.” (2004:131), privilégio se dé, porém, em mais de uma via — nfo apenas na ocupagio desses espagos de produgio de saber como também nos de consumo ~ vias essas que nio esto separadas, mas, pelo contrario, se cruzam. As bichas pintosas nfo esto & parte da légica mercadol6gica do consumo, mas certamente se insere neste de outra maneira, assume outros, posicionamentos que nio sio os mesmos da bicha branca de classe média, por exemplo. Citando Pinho, novamente: ra, como poderiamos constituir esferas piblicas e mesmo identidades autOnomas e emancipadas se todo ‘© ambiente, retérica e “valores” destes mundos homossexuais estio assim atados 8 reprodugo do capital, A mercadoria e a mercadificagGo da vida cotidiana? Parece-me que jé estamos consttuindo essas esferas piiblicas e identidades, justamente estruturadas em termos problemiticos em fungi dessas contradigdes. © mercado “GLS” [LGBT] é fundamental para a constituigo e fortalecimentos de comunidades hhomossexuais, mas por suas caracteristicas intrinsecas constroem esses mundos também como mundos de exclusio, desigualdade e alienagao, (PINHO, 2004:133) Em outro espago te6rico-critico, 0 espanhol Paco Vidarte (2007) aproxima-se dessa observagio de Pinho. Para ele, se hi a afirmagio de uma identidade na defesa de uma “ética Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1V Semin Neconlde Pcl Crea da bicha”, como ele propde, isso se daria como um movimento necessirio para que os individuos no se refugiem e se camuflem na seguranga de pertencer a uma maioria: “Cada bicha, sapatiio, trans pertence, por sa vez, a uma maioria ou a vérias maiorias, € a uma ou varias minorias distintas da sexual [...] cada uma com seus interesses de classe € outros interesses, particulares aos quais dificilmente querem renunciar.” (VIDARTE, 2007:27). Nesse sentido, a identidade s6 me vale se for para me tirar do meu lugar de conforto colocando em questio minhas posigdes de privilégio em uma sociedade machista, racista, homofibica, classista sexista etnocéntrica etc. Sé me interessa pensar com as identidades nesse sentido e com esse propésito, se for em um uso titico e estratégico para uma agio politica, “Tudo isso conflui para um territerio de negociapo, para um embate de algum modo significativo ¢ estruturante das relagdes sociais.” (PINHO, 2004:131). Vidarte aponta para o “impasse ético, politico, ideolégico” em que nos encontramos e que é preciso “desbloquear” na criago de novas ou outras éticas. Ele no defende uma nova ética universal, que abarque a totalidade da “humanidade”, pois toda “universalidade” responde, ao fim e ao cabo, aos interesses de um grupo social majoritério. E por isso que, apesar de imprescindivel, a lei nao resolve o problema da homofobia se nio for acompanhada de um programa de educagio. . se é Pergunto-me, todav’ apenas” no campo da afirmagio de contra-hegemonias como resisténcia que os bondes gays e também os bondes de passinho e as “funkeiras filicas” (como Valesca Popozuda e Tati Quebra-Barraco) podem ser vistas e vistos. Por certo que, em certo sentido e de certa maneira, podem ser vistos como performances, priticas e discursos de resisténcia que em certo aspecto desmontam ou “desidentificam” algumas_leituras hegemnicas do mundo, como observa Pinho acerca dessas préticas contra-hegeménicas (2004:132). No entanto, nao parecem dirigir-se explicitamente e unicamente a esse propésito, mas “apenas”, também, priticas dissonantes cujo cardter espontineo nao as coloca no tradicional “engajamento” politico. Elas simplesmente acontecem mostrando que 0 tecido social no € homogéneo nem quando se trata de maiorias (a produgio de subjetividades heterossexuais e masculinas, por exemplo), nem de minorias (a de subjetividades homossexuais, femininas, negras). Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1Y Semindrio Nacional de Pavolaga Crtien da posicionamento levantado até aqui, portanto, diz respeito a uma_perspectiva ntrecruzamento de intersecional, que privilegia a agdo estratégica em fungdo de um “ opressdes” (bell hooks apud PRECIADO, 2010:48), isto €, da articulagdo entre as politicas de classe, raga, género, sexo e sexualidade. Toma-se evidente, pois, 0 “transbordamento da propria identidade homossexual por suas margens” (PRECIADO, 2010:51) que se manifesta nos “bondes gays”, afirmando positivamente termos historicamente carregados de preconceito € injtiria na propria “comunidade” LGBT A intersecionalidade niio € uma soma de opressdes ou posigdes subalternas/ subalternizadas, mas supde uma sobreposigo, um entrecruzamento dessas diferengas que produz posicdes distintas de acordo com essas interagdes ou confluéncias. Nao se trata, nesse sentido, de somar as questées ou politicas de género, de sexo, sexualidade e de raga ou simplesmente compreender as varidveis das opressdes, mas de “analisar os espagos de sobreposigio entre género, sexo e raga como processos constitutivos da modernidade sexo- colonial” criando “estratégias de intersecionalidade politica” (CRENSHAW, 2002. Apud PRECIADO, 2006) que deslegitimem a “unidimensionalidade dos saberes produzidos pelas representagGes da modernidade sexo-colonial” (PRECIADO, 2006). Intersecionalidade nao significa, tampouco, uma totalizago da critica — esta, uma “impossibilidade constitutiva”, segundo Beatriz Preciado (2006) -, em que se corre o risco de cair em recolonizagdes e “meta-opressdes” dentro dos discursos e movimentos mesmos que se pretendem representatives de uma minoria, De onde a importancia de se marcar o lugar de enunciago: “uma alianga menor nao existe senio na multiplicidade da enunciagio, como corte transversal das diferengas”, mesmo porque “no hi uma forma privilegiada de oposigo, mas uma multidao de fugas” (PRECIADO, 2006). Posicionar-se diante disso, portanto, bem como privilegiar o pensamento de feministas negras (tais como bell hooks e Kimberlé Crenshaw), pode ser visto também como uma questo ndo s6 de divida historica, mas também — e, sobretudo — de responsabilidade e de postura tanto tedrico-critica quanto politica diante de um processo histérico que operou na marginalizagio e subalternizagio de certos grupos na esfera das relagdes sociais € sobretudo Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1V SeminriNaconl de Picola eG nos debates politicos de direitos civis € no espago académico — assim como acontece no mito dos estudos pés-coloniais e descoloniais com 0 questionamento do pensamento ocidental (eurocentrado) diante do processo hist6rico da modernidade colonial, na qual se criou, se disseminou e se impds esse sistema sexo-raga-capital, que diz. respeito & constituigao miitua de sexo (¢ posteriormente de género) ¢ raga por diferentes campos disciplinarios do saber como “dois movimentos constitutivos da modernidade colonial” (PRECIADO, 2006) e, em particular, no espago geopolitico brasileiro, inclusive no que se entende como “formagio do Brasil” (muito ligada & ideia de nagio). Hoje ainda vivemos ¢ (nos) debatemos sob esses campos disciplinarios. segundo ponto que gostaria de levantar a partir das bichas pintosas do funk & pensar na figura do “gay afeminado” enquanto esterestipo nas representagdes mididticas (uma figura predominante — estereotipada ~ na midia tradicional como forma de humor, ao mesmo tempo em que o alvo de maior preconceito, inclusive na propria “comunidade”). Tal relago estaria ligada a uma ambivaléncia do esterestipo de que fala Homi Bhabha (2013). Segundo Bhabha, © esteredtipo resiste porque é ambivalente, porque causa, a0 mesmo tempo, fascinio e repulsa precisamente pelo excesso. E, ainda segundo Bhabha (2013:130), 0 esterestipo nao é simplificado porque que & falso, mas porque é fixo: ele incorre em uma representacZo ansiosa que se baseia no excesso (e, se acerta, € pelo excesso). O exemplo das travestis é emblematico, e também trigico (pois sio alvo simultaneamente de desejo e de marginalizago), ao qual aproxima-se a figura do gay afeminado, consideradas as diferengas (nao incorreria no erro de dizer que € a mesma coisa). Como lidar, portanto, com essa ambivaléncia? Nao seria preciso pensar com a ambivaléncia em vez de seguir dividindo ou hesitando entre termos opositivos? Entender e assumir essa ambivaléncia pode contribuir muito para compreender 0 racismo e a homofobia no Brasil e buscar intervengdes que se baseiem no entrecruzamento de presses e em estratégias politicas intersecionais. Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades IV Semin Neronlde Picola Crea da Ao relacionar fetichismo ¢ esterestipo, Bhabha aponta como ambos serviram — ¢ servem — para manter 0 colonizador no centro, mas ao mesmo tempo dio a ver que ele no esti no centro, o tiram do centro. Assim, ambos aparecem como uma ferramenta de colonizagao (pela fixagio de identidades), usados para justificar a dominagio. Nesse sentido, ha esterestipo que no esteja atrelado a discursos de poder, isto é, fora do pensamento ocidental? Seriam, entao, “esterestipos”, como o entendemos? E frequentemente possfvel nao apenas pensar como também notar 0 que escapa aos esterestipos de género ¢ sexualidade, ¢ até mesmo aos de classe; € possivel vé-los vazar 0 tempo todo: a homoafetividade, por exemplo, ainda que nao seja experimentada, existe, o que aponta para uma fluidez. das sexualidades que é constantemente colmatada pelas identidades ¢ papeis sociais pré-concebidos. Entretanto, é bastante dificil pensar no que vaza dos esterestipos de raga, 0 que coloca o gay negro afeminado em uma posigio social distinta do gay branco afeminado, por exemplo, Ao conjugar-se a questio da sexualidade com a masculinidade negra (estereotipada na demanda constante por virilidade), as representagdes do gay afeminado, mesmo e principalmente nos meios de comunicagio, parece recorrente de uma “homossexualidade branca”, como se ao negro fosse impedido ser afeminado pelas constrig6es racistas estereotipicas. Na contramao das representagdes estereotipadas do gay afeminado, as bichas pintosas do funk dialogam com uma certa ambivaléncia dessa figura em nossa cultura, mas a partir de um pertencimento de classe e raga que leva 4 marginalizagdo desses processos de subjetivagio em questio e A exclusio, pela agenda do movimento LGBT, de politicas ou reivindicagdes que enfatizem questées de classe e raga em uma intersecfio com as questées de género, sexo e sexualidade, mantendo uma hegemonia atrelada aos interesses de uma parcela elitizada do movimento em detrimento de uma perspectiva intersecional. O discurso da igualdade que muitas instituiges e organizagdes defensoras dos direitos humanos pregam (refletindo o "sso ficou bastante evidente no caso recente acerca da relagio interracial do jogador de futebol americano Michael Sam, o primeiro assumidamente gay a ser eleito para a liga profissional. Textos interessantes sobre 0 assunto podem ser encontrados na internet: _hitp://osentendidos,com/2014/05/21/quem-come-quem/: bup/merepresenta.neUhipermasculinidade-negra-e-representacao-branca-da-homossexualidade/, bem como a observacio da atriz Laverne Cox em texto recentemente publicado:_hiip://arquivo.geledes.org.br/areas-de- aluacao/questoes- Seminario realizado no ultimo dia 10 de maio de 2014 com relatorias ainda inéditas, a serem publicadas no site Temas de Danga. Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades IV Seminri Natonl de Picola e Cres dC genttificagdo da zona portuéria que tem gerado graves consequéncias para a populagio local, tais como remogdes € 0 aumento do custo de vida na regio, que obriga muitos moradores a abandonarem-na — gerando, portanto, mais um espago restrito a uma parcela privilegiada da populagao). “A rua”, nesse caso, nao seria o espaco cada vez mais higienizado e asséptico da Zona Sul do Rio, mas também um espaco rico de fluxos, trocas e criago de possibilidades tanto na produgo de novas alternativas, téticas e intervengdes politicas, quanto de novas maneiras de , mas “um comum” no sociabilidade, convivéncia, criago de comuns (ndo “lugares comun: sentido de comunidade), na criagio ¢ legitimagao de modos de vida, seja pelo debate, pela arte, ou pela simples conversa; mas, sobretudo, pelo movimento e pelo dinamismo que the é inerente, Referencias bibliogréticas: BHABHA, Homi K. A outra questio: O esterestipo, a discriminagiio e 0 discurso do colonialismo. In: O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005 BUTLER, Judith. Humain, inhumain. Le travail critique des normes. Entretiens. Trad. Jéréme Vidal et Christine Vivier. Paris: Editions Amsterdam, 2005 CRENSHAW, Kimberlé. Documento para 0 encontro de especialistas em aspectos da discriminagio racial relativos ao género. Revista Estudos Feministas. Florianépolis, Ano 10, 1° semestre, 2002, p. 171-188 PINHO, Osmundo. A guerra dos mundos homossexuais — resisténcia e contra-hegemonias de raga e género, In; Homossexualidade: produgdo cultural, cidadania e satide. Org. Luis Felipe Rios... [et al]. - Rio de Janeiro: ABIA, 2004, p. 127-133 PRECIADO, B. Biopolitica del género. Traduccién de Joaquin Ibarburu. In: Biopolitica. Buenos Aires: Ediciones Aji de Pollo, 2009 Savoirs_Vampires@War. Multitudes Web, 2006. Disponivel_ em: http://multitudes,samizdat.net/Savoirs-Vampires-War Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781 —— 2 X Coléquio Nacional Representagées de Género e de Sexualidades 1V Seminirio Nacional de Pacologia Critica de VIDARTE, Paco. La necesidad de una ética marica. In: Etica Marica. Proclamas libertarias para una militancia LGTBQ. Barcelona-Madrid: Egales Editorial, 2007 Campina Grande, Editora Realize, 2014, ISSN 2177-4781

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