Talvez no tenha sido por mera coincidncia que o Cinema do Drago programou, na
mostra Retrospetiva /Expectativa, O AMOR ESTRANHO logo aps TOKYO
STORY. Porque, aps seus precisos noventa e cinco minutos de durao, fica claro que O AMOR ESTRANHO o maior herdeiro do cinema de Ozu no cinema americano neste sculo. A herana do cinema de Ozu no vista atravs dos planos de cmera baixa, dos closes frontais ou dos pillow shots tpicos da estrita mise en scene do diretor japons. E nem tanto pela semelhana com os temas familiares de Ozu, a busca pelo cotidiano, ou pela mescla entre comdia e drama dos seus ltimos filmes. A principal lio do cinema de Ozu (que provavelmente Sachs no tinha em mente quando o filmou, mas no importa) essa certa leveza em promover uma avaliao crtica entre geraes, ou ainda, colocando de outro modo, em como encontrar um tom preciso, para mostrar o abismo entre os valores do casal principal e dos demais personagens mais jovens mas sem com isso vitimizar esse casal, ou ainda, ver a mudana do rumo das coisas sem ressentimento, mas compreendendo o fluxo das coisas com uma certa nostalgia mas sem com isso sufocar o filme com suas impossibilidades. O humanista filme de Ira Sachs no "contemporneo", no est preocupado com "o novo"; possui uma mise en scene sbria, optando pela discrio. Ao mesmo tempo, O AMOR ESTRANHO um filme poltico por como revaloriza o espao da casa e os desejos de progresso da nao americana. Num mundo em que se grita "vem pra rua" e que a arte contempornea destaca a necessidade de promover intervenes urbanas, de disputar nas ruas um espao pblico, me parece que o filme de Sachs - e assim como alguns outros, inclusive brasileiros, com Esse amor que nos consome, Ela volta na quinta, entre outros - permite apontar para a esfera poltica da casa e da famlia na possibilidade de outros modos de ser distantes da correria infernal, da competitividade do capitalismo contemporneo. Nesses filmes, a casa, a famlia, ou a intimidade, persistem numa esfera poltica dos micropoderes, onde nossa posio no mundo se inicia (e de novo entra Ozu, que melhor soube observar as transformaes da sociedade japonesa atravs de seus "naives" dramas familiares). Em O AMOR ESTRANHO, a casa espao a ser conquistado, no como posse ou propriedade, mas como lugar de liberdade, onde se pode ser, e esse espao ser disputado, dividido ou compartilhado.