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Colegio Debates Dirigida por J. Guinsburg Consetho Editorial: Anatol Rosenfeld, Anita Novinsky, ‘Aracy Amaral, Boris Schnaiderman, Carlos Guilherme Mota, Celso ‘Lafer, Dante Moreira Leite, Gita K. Guinsburg, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, Maria de Lourdes Santos Machado, Regina Schnai- derman, Robert N V. C. Nicol, Rosa R. Krausz, Sabato Magaldi, Sergio Miceli-e Zalmira Ribeiro Tavares. Rede Sirius SS ye hia Permuto Equipe de realizagio: Pérola de Carvalho, traducio; Geraldo Gérson de Souza, reviso; Moysés Baumsten, capa e trabathos técnicos. ne "1010002635 5 {AMT NEC * umberto eco APOCALIPTICOS E INTEGRADOS Wy BE coronarensrecva MN foe a 4 ‘Tilo do original: Apocalitict e Integrati 28 edigao Copyright by Case Editrice Valentino Bompiani & C. Milano Direitos exclusives para a lingua portuguésa: EDITORA PERSPECTIVA S.A. Ay. Brig. Lufs Anténio, 3.025 ‘S80 Paulo SUMARIO Preficio ; ALTO, MEDIO, BAIXO Cultura de Massa e “Niveis” de Cultura ae "A calor de masa ‘po banco dos reas. — Cahier $e net TS dee de ests de ms St sete icd mal trmslace = Ca dos Se Ee oul coo, mai le thes propos 3s peu A Estrutura de’ Mau Gosto He ets o ib, it eal eas Rarurre da meager pen Fete Ses boise 0 Keparto da Mae ieee Sse Leitura de “Steve. CANYON” «oes esvesev esses fniivedxmensager — A linguagam da esa sande Canty Se: ome £ Bee ose | pees emipicn ‘Selon cise ae bebe 33 0 . 129 ‘Retérica ¢ Ideologia em Os Mistétios de Patis de Eugene Sue ..... 181 Eugene Sue: uina pongo ideoléges ‘ure da Su eo Concivsée. AS PERSONAGENS © Uso Prético da Personagem . 209 (© problema estétioo do “tipo”. — Razées das poé- teas da tpicidade. — Especificagbes estéticns sObre i fo tipico, — Fisionomia da personagem tpica ‘ip, Simba, pc. 0 fn lenin Cidade, — Tipo "topor". —- Recurso 20 tipico € fensibilidade decadente. —- Conclustes. © Mito do Superman .........0.60000c0ee + 239 1 Simbolos ¢ eulturas de massa. — 0 mito do Super mah, — Avectrutura do milo e a civilizacio do Fomance. — 0 enredo © 0 consumo da persona. gem. — Consumo e temporalidace. — Um enredo fem consumo. — © Superman como modelo de heteroditesio. 0 Defose do esquema iterativo, — © exquems itera- tivo como mensagem redundante. —Consciéncia civil © conseigacia. politica. — ConslusSes. © Mundo de Minduim .........0.000000000+ 281 (0S SONS E AS IMAGENS A Canpiio de Consumo 295 ‘A cangio “diferente”. — Uma proposta de pesgui- s,m mito geracional A Misica, 0 Rédio ¢ a Televisao .. 315 } (Os meios udio-visuais como instrumento de infor- PREFACIO fmagio. musical — Os meics andiowisnas como ‘ato exttco. Ponca ioinaee sie, C8. ES profundamente injusto subrumir attudes bums: | runicagio e expresifo. — A relago com o piblic, nas — com téda a sua vatiedade, com todos os seus NAT como sservigo". — As pesiulsas expen atizes — sob dois conceitos genéricos e polémicos | Fimentis, — Vigilancia e participseto. — Passivi- como “apocaliptico” e “integrado”. Certas coisas se fa- | et eck ins Sitncios. 6 univers tn one ‘zm porque a escolha de titulo para um livro tem suas fora. A lite 1em poder, —vA rectsa do inte- exigencias (trata-se, como vgremos, de indhistria cultu- | feetial. “Um Ea dvigime cultura. — zal, termo que procuraremosalids, inserir numa acepgio eee HH ‘a mais descongestionada possivel); ¢ também porque, «< Para uma Investigagdo Semioldgica sobre a Men- se quisermos impostar um discurso introdut6rio aos sagem Televisional 365 ehsaios que se seguem, teremos que fatalmente iden- 1, Fase da tificar algumas linhas metodologicas.gerais. E para e out a que intervéim para definit ma mene definirmos 0 que nao quereriamos fazer,é comodo Sagem televional. — V- A mensagem, — VL. Com Ssbes. 7 Sobre a 2¥ edigfo brasileira 387 tipificar 20 extremo uma série de opgdes culturais, que naturalmente deveriam ser analisadas de modo concreto ‘e com maior serenidade, Essa, porém, 6 tarcia que ccabe aos varios ensaios, eno a’uma introdugio. Por ‘outro lado, sio estes mesmos, que definimos como apocalipticos on integrados, os que censuramos pelo fato de haverem difundido conceitos igualmente gené- ricos — “conceitos-fetiche*— e de os haverem usado como cabega de turco em polémicas improdutivas ou fem operagSes mercantis de que nés mesmos cotidiaina- ‘mente, nos nutrimos. Tanto isso é verdade quo para definirmos. a na- tureza destes ensaios, para nos podermos fazer enten- der pelo leitor, até nés somos obrigados @ recorrer a tum conceit genérico € ambfguo como o de “cultura de massa”, To genérico, amb{guo ¢ impréprio, que G justamente a ele que se deve o desenvolvimento dos dois tipos de atitude aos quais (com nao.generosa mas indispensével vis polemica) estamos levantando algumas contestacoes. vy Sea cultura é um fato aristocritico, o cioso culti- vo, assiduo e solitério, de uma interiotidade que se apura e se opde a vulgeridade da multidéo (Heréclito: “Por que quereis levar-me a toda parte, 6 iletrados? no eserevi para vés, mas para quem me pode compreen- der. Um, para mim, vale cem mil,e a multidéo, nada”), entdo s6'o pensar numa cultura partilhada por todos, produzida de maneira que a todos se adapte, © cla- borada na medida de todos, jé seré um monstruoso contra-senso. A cultura de massa é a anticultura. Mas, Como nasce no momento em que a presenca das massas, na vida associada, se torna o fenémeno mais-evidente de uum contexto hist6rico, a “cultura de massa” néo dica uma aberragio transitéria e limitada: torna-se 0 sinal do uma quedd irrecuperével, ante a qual o ho- mem de cultura (iltimo supérstite da pré-historia, des- finado a extinguir-se) pode dar apenas um testemu- tho extremo, em termos de Apocalipse. Em contraposicao, a resposta otimista do integra- do; jé que a televiséo, ‘0 jornal, 0 rédio, 0 cinema ¢ a est6ria em quadrinhos, o romance popular e o Reader's Digest agora colocam os bens culturais 8 disposigao de todas, tornando leve ¢ agradavel a absorgdo das nogies ¢ a recepedio dé informagdes, estamos vivendo numa época de alargamento da drea cultural, onde finalmente se realiza, a nivel amplo, com 0 concurso. dos. me- Ihores, @ circulagdo de uma arte e de uma cultura ““po- pular”, Para 0 integrado, no existe o problema de essa cultura sait de baixo ou vir confeccionada de cima para consumidores indefesos. Mesmo porque, se os apocalipticos sobrevivem confeccionando tearias. sobre a decadéncia,os integrados raramente teorizam e assim, ‘mais facilmente, operam, produzem, emitem as. suas mensagens cotidianamente a todos 0s niveis. O Apo- calipse € uma obsessio do dissenter, a integracao & a realidade concreta dos que ndo dissentem. A imagem do Apocalipse ressalta dos textos sobre a cultura de ‘massa; a imagem da integrarfo emerge da leitura dos textos da cultura de massa. Mas até que ponto nio .nos encontramos ante duas faces de um mesino proble- ma, © néo representario ésses textos apocalipticos 0 ‘mais sofisticado produto oferecido ao consumo de mas- sa? Entdo a f6rmula “Apocalipticos ¢ integrados” nao sugeriria a oposicio entre duas atitudes (e 0s dois ter mos nao teriam valor de substantive), mas a predica- ‘go de adjetivos complementares, adaptiveis a esses esmos produtores de uma “critica popular da cultura popular”. No fundo, © apocaliptico consola o leitor porque Ihe permite entrever, sob 0 derrocar da catéstrofe, a existéncia de uma comunidade de “super-homens”, ca~ ppazes de se elevarem, nem que seja apenas através da recusa, acima da banalidade média. No limite, a co- ‘munidade reduzidissima — e eleita — de quem esereve © de quem 1é, “nds dois, vooé ¢ eu, os tinicos que com: preendem, e esto salvos: os tinicos que no séo massa” Dissemos’“super-homens” pensando na origem nietzs- chiana (ow pseudonietzschiana) de muitas dessas ati- tudes. Mas dissemo-lo com malicia, pensando na ma- licia com que Gramsci insinuava que 0 modelo do super-homem nietzschiano poderia ser individuado 0s herois do folhetim oitocentista, no Conde de Monte Cristo, em Athos, em Rodolfo de Geroldstein ou (con- ‘eesso generosa)’ em Vautri. --~ Se a comparacdo parecer peregrina, reflitamos so- bre 0 fato de que sempre foi tipico da cultura de massa © fazer cintilar aos olhos de seus Ieitores, dos quais cexige uma disciplinada “mediedade”, a possbilidade de ‘que ainda — dadas as condigdes existentes, ¢ mesmo sragas a clas — possa um dia florir da crisdlida de cada um de nés um Uebermensch. 10 preco a pagar & que ‘esse Urbermensch se ocupe dé uma infinidade de pe- ‘quenos problemas, mas mantenha a ordem fundamen- 56 0 pequeno vicio reformista do Rodolfo ie Paris,{ato de que-se deram conta no apenas Marx e Engels mas também — contempora- neamente a tles — Belinski ¢ Poe, em duas apreciagdes ‘que parecem estranhamente decalcadas sobre @ polémi- ca da Sagrada Familia, Num dos ensaios que se seguem, estudaremos um Super-homem tipico da cultura de massa contemporé- nea, 0 Superman das estorias em quadrinhos: © parece- nos poder concluir que esse hersi superdotado usa das suas Vertiginosas possibilidades operativas para reali- zat um ideal de absolute passividade, renunciando a todo projeto que nfo tenha sido previamente homolo- ado pelos cadastros do bom senso oficial, tornando-se © exemplo de uma proba consciéncia ética desprovida de toda dimensio politica: [o- Superman jamais estacionard a seu carro em local proibido, e nunca faré uma revolucéo.) Se bem lembramos, dos Uebermenschen citados por Gramsci, 0 tinico que tem consciéneia politica e se propde a mudar a ordem das coisas & 0 José Balsamo, de Dumas. Mas, atentemos para a coincidéncia: Bél- samo, aliés Cagliostro, embora use suas miltiplas vides para apressar o advento da revolucio francesa, empe- Mhado como esti em organizar seitas de iluminados e misticas reuniGes de franco-magées, ou em urdir tramas galantes para atenazar Maria Antonieta, simplesmente se esquece de redigir a Enciclopédia ¢ fomentar a to- mada da Bastitha (dois fatos, um de cultura de massa, ‘outro de organizacdo das massas). Do outro lado da batricada, temos 0 super-homem pproposto pelo critico apocaliptico: este opde, a banali- dade imperante, a recusa ¢ o siléncio, alimenfado que’ é pela total desconfiancs em qualquer ago que possa ‘modificar a ordem das coisas, Mesmo quando se consi- 10 eae era 2 superchumanidade como um mito. nostilgico (cujas referéncias histricas no slo precisadas), ainda assim, no fim das contas, o que se faz € um convite A passividade. Expolsa pela porta, a integragio volta la jancla, [__ Mas este mundo, que uns alardciam recusar © /outros accitam ¢ incrementam, néo é um mundo para <0 super-homem. também 0 nosso. Nasce com o |aceso das cases eubltemas & frugo dos bens cule s, © com a possibilidade de produair esses bens era- §gas'a processos industrias. A industria cultural, como, veremos, aparece com Gutenberg e a invengio. da imprensa de tipos’moveis, e mesmo antes. Dat por- que © mundo do Superman é também o mundo dos ho- mens de hoje. Estardo estes iltimos inexoravelmente condenados a tomar-se “‘supermen”, e, por conseguinte, subdotados, ou poderéo individuar neste mundo as li ahas de forga para um novo ¢ civil coldquio? Serd este mundo s6 para o Usbermensch, ou pode ser tambént uum mundo para homem? ‘A nosso ver, s¢ devemos operar em e para um mundo construido na medida humana, essa medida deverd ser individuada no adaptandoo homem aessas condigdes de fato,mas a partir dessas condigées de ,laio! O universo das comunicagbes de massa é — ro- (conhegamo-lo ou nfo — o nosso universo‘e se quiser- | mos falar de valores,as condigées objetivas das comu- “ nicagGes so aquelas fornecidas pela existénciados jor- nais, do radio, da televisio, da miésiea reproduzida e reproduzivel, das novas formas de comunicagio visual € auditiva. 'Ninguém foge a éssas condigdes, nem mesmo 0 virtaoso,que, indignado com a natureza inu- mana desse universo da informagio, transmite 0 sew protesto através dos canis de comunicacfode massa, pélas colunas do grande didrio,ou nas paginas do vo- Jume em paperback, impresso ém linotipo e difundido nos quiasques das estagdes. Ao virtuoso apocaliptico devemos alguns concei- tos-fetiche. E um conceito-feriche tem a particulari- dade de bloquear o discurso, enrijecendo 0 coléquio. u ‘num ato de reagio emativa. Copsideremos 0 conceto- fetiche de “industria cultural”. / Que haverd de mais reprovével que o emparethamento da idéia de cultura (que implica um privado e sutl contato de almas) com a de indistria (que evoca linhas de montagem, re- producio em série, piblica circulagie © coméreio con- \ereto de objetos tornados mercadorias)? Evidentemen- ‘e, um mestre iluminador medieval, que confeccionava as imagens do seu livro de horas para 0 comitente, es- tava ancorado numa relacéo artesanal;cada imagem, se por um lado se reportava a um e6digo de crencas convengies, dirigia-se, pelo outro,aquele comitente em particular, com ele estabelecendo uma relacéo precisa. Mas tio logo alguém inventa 2 possbilidade de impri- mir xilograficamente paginas de ume biblia reproduzi- vel em mais exemplares, sucede um fato novo. Uma biblia que se reproduz num mimero maior de c6pias custa menos, e pode chegar a um maior niimero de pessoss. E uma biblia que se vende para mais gente nao seré uma biblia menor? Dai 0 nome que toma de ‘iblia pauperum. Por outro lado, 0 fator externo (di- fusibilidade e prego) também influi sobre a natureza do produto: 0 desenho. adaptar-se-é & compreensio de luma audigncia mais vasta, menos letrada. Nao seré mais ttl aliar o desenho' a0 texto, com um jogo de folhas volantes que lembra muito de perto as estérias ‘em quadrinhos? A biblia pauperum comega a subme- ter-se a uma condi¢lo que, séculos depois, alguém atri- buiré aos modernos meios de massa: /a adequacéo do fog, da linguagem 3s capaidades reeepivas da ~Depois, Gutenberg inventa os tipos méveis, e nas- ce 0 livro, ‘Um objeto de série, que deve conformer a sua propria linguagem Aspossibilidades receptivas de um piiblico alfabetizadoagora (¢ graces ao livro, cada ‘vex mais) mais vasto que 0 do manuscrito. E mio 36 isso: 0 livro, ctiando um péblico, produz leitores,que, por sua vez, 0 condicionaro, ‘Vejami-se os primeiros impressos populares do século XVI, que retomam, num plano laico'e com bases tipogréficas’ mais aperfeicoadas, a proposta da biblia pauperum. Sao editados por tipogratias menores, a pe- dido de livreiros ambulantes'e saltimbancos, para 2 serem vendidos 20 povo miido, nas feiras ¢ pragas, Epopéias cavalheirescas, queixas sobre fatos politicos cou de ocorréncia didtia, motejos, anedotas ou coplas aparecem mal impressas, esquecendo-se,com frequéencia, de mencionar local e data,porauejé possum a primeira caracteristica dos produtos de massa, a.efemeridade. Do predate masse lawn as, 3 Sontag pls ria: oferecem sentimentos ¢ paixdes, amor ¢ morte jé confeccionados de acordo com 0 efeito que devem con: seguir; os titulos dessas estérias j& contém o reclamo publicitério e © juizo explicito sobre o fato preanun- Giado, © quase que o conselho ‘sobre como fruf-las. ‘Osler, o dinamarqués. Obra bela e aprazivel, de amor € armas, novamente reimpressa e corrigida com a morte do gigante Marioto a qual nos outros néo se encontra; ‘ou entéo: Nova narrativa do cruel € comovente caso ocorrido em Alicante de uma mae que matou o pré- prio filho, e deu as entranhas de comer a uma cadela, @ 08 membros ao marido. Sem falar nas imagens, ni- veladas por um padréo sempre gracioso, mas funda- mentalmente modesto, dirigido para a apresentacdo de efeitos violentos, como convém a um romance de fo- Ihetim ou a uma estéria em quadrinhos. Evidentemen- te, no se trata aqui da cultura de massa, como hoje a entendemos: eram diversas as circunstincias hist6ricas, a relagdo entre os produtores désses impressos € © Povo, diversa a divisio entre cultura erudita e cultura popu- lar, que cultura era, no sentido etnolégico do termo, J4 petebemos porém, gue a, eproduliidade em série, em como 0 fato de a clientela aumentar numerica~ ‘mente e ampliar seu raio social,impunham uma rede de condigoes suficientemente forte para caracterizar a fun- do esses libretos, a ponto de fazer deles um género em si, com seu préprio senso do trégico, do herdica, do moral, do sagrado, do ridiculo, adaptado ao gisto e a0 ethos ée um “consimidor médio” — médio entre os fnfimos. Difundindo entre 0 pove os termos de uma moralidade oficial, esses livros desempenhavam tarefa de pacificagio © controle; favorecendo a explosio de hhumores bizarros, forneciam material de evasio. Mas, no fim da contas, proviam a existéncia de uma catego ria popular de “‘iteratos”, e contribuiam para a alfa betizagio de seu piblico. 13 Afinal, alguém imprime as primeitas gazetas. com o nascimento do jotnal, a relagio entre condiciona- ‘mentos externos e fato cultural torna-se ainda mais precisa: 0 que é um jornal, se nao um produto, formado de um mimero fixo de paginas, obrigado a sair uma vez por dia, © no qual as coisas ditas mio seréo mais uni- camente determinadas pelas coisas a dizer (segundo uma necessidade absolutamente interior), mas pelo fato de que, uma vez por dia, se deveré dizer 0 tanto ne- cessério para preencher tantas paginas? (A essa altura, estamos j4 em plena inctistria cultural. Que surge, portanto, como um sistema de condicionamentos, 20s quais todo operador de cultura deverd prestar contis, se quiser comunicar-se com seus semelhantes. Isto é, se quiser comunicar-se com os homens, porque agora todos os homens estio preparados para tornarem-se seus semelhantes, ¢ 0 operador de cultura deixou de ser 0 funcionério’ de um comitente para ser 0 “funcio- nério da humanidade”. Colocar-se em relaco dialé- tica, ative e consciente com os condicionamentos da indistria cultural tornou-se para o operador de cul- tura o iinico caminho para cumprir sua funcao._) “Mesmo porque nfo é casual a concomitiacia entre ivilizagio do jornal e civilizagio democritica, consci- entizagio das classes subalternas, nascimento do iguali- tarismo politico ¢ civil, época das revolugdes burguesas. Mas por outro lado também’nao é casual que quem li- dera profunda e coerentemente polémica contra. a inddstria cultural faga o mal remontar nfo & primeira emissio de TV, mas & invengo da imprensa; e, com ela, as ideologias do igualitarismo ¢ da soberania popular. Na realidade, 0 uso indiscriminado de-umconceito-fe- tiche- como ese de “indtstria cultural”, implica, no fando, a incapacidade mesma de accitar ésses eventos hist6ricos, e — com eles — a perspectiva de uma tu. manidade que saiba operar sobre a historia, ‘Como recentemente observaram Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, “parece claro que a profecia ‘massmedistica’ encontra suas verdadeiras raizes nfo, como se quer fazer crer, na descoberta antecipada de ‘novos podéres, mas numa visio pessimista do homem, esse Antropos eterno, dividido entre Eros ¢ Tanatos, ¢ a votado as definigées negativas, Suspensos entie a nos: talgia de um verde paraiso das civilizagoes infantis © @ esperanca desesperada dos amanhis do Apocalipse, os ‘profetas massmediéticos propdem a imagem desconcer- ‘tante de uma profecia a um tempo tonante e tartamu- deante, visto que no sabe escolher entre © proclamado ‘amor & massas ameacadas pela catistrofe e 0 amor seereto pela catéstrofe” Do momento em que, pelo contrério, a industria cultural foi corretamente assumida como umsistema de: ‘condicionamentos conexos aos fendmenos acima arro- lados, o discurso saird'da genericidade para articular-se nos dois planos complementares da descricao analitica dos vérios fendmenos ¢ da sua interpretagio com base no contexto hist6rico em que aparecem, Nesse plano ‘em seguida,o discurso implica também outra tomad {do indiistria cultural no apresenta a cOmoda possibili- dade de dois niveis independentes, um da comunica- do de.massa,outro da elaboracdo anstocrética que a precede sem sor por ela condicionada, O sistema da indistria cultural estabelece uma rede de condiciona- mentos reciproces tal que.até a nogdo decultura tout court & por ela envolvida.Embora o termo “cultura de massa” represente um hibrido impreciso.em que no se sabe 0 que’ significa cultura ¢ 0 que significa massa, é claro, todavia que nesse ponto j4 nao se pode mais pen- sar mia cultura como algoque st articule segundo as imprescindiveis ¢ incorruptas necessidades de umEspi- ito que iio esteja historicamente condicionado pela existéncia da cultura de massa. Desse momento em diante, até mesmo a nogio de cultura reclama uma reelaboracgo © uma reformulagéo;pelo mesmo motivo por que,quiando se afirmou que @ historia é feita con- ‘retamente pelos homens dispostos a resolver seus problemas econémicos e sociais (e por todos os homens,om relacio de oposicio dialética entre classe © classe), :ambém se fez necessirio articular diversa- mente a idéia de uma fungfo do homem de cultura. “Cultura de massa” toma-se, entdo, uma defi de ordem antropolégica (do mesmo tipo de definicées como “cultura alorense” e “cultura banto”), valida para 15 indicar um preciso contexto hist6rico (aquele em que ‘vemos, onde todos os fenémenos comunicacionais — desde as propostas para o divertimento evasivo até os apelos & intetiorizagéo — surgem dialeticamente cone- os, cada um déles recebendo do contexto uma quali- ficayio que néo mais permite reduzi-los a fendmenos andlogos surgidos em outros perfodos hist6ricos. Entéo esté claro que a atitude do homem de cul- tura, ante essa situagio, deve ser a mesma de quem, ante o sistema de condicionamentos “era do maguinis- mo industrial”, no cogitou de como voltar & natureza, sto ¶ antes da indtistria, mas perguntou a si ‘mesmo em quecircunstancias.x telagio do homem com: 0 ciélo produtivo reduziria o homem ao sistema, ecomo, a0 ebntrério,lhe cumpriria elaborar uma nova imagem de homem cm relagéo ao sistema de condicionamentos; tum homem no libertado pela méquina, mas livre em relagéio @ méquina. Vio_hé, no momento, obstéculo major a uma pes- ie et Sobre esses fendmenos do. que a di as -categorias-fetiche. E entre as mais perigosés, ainda teriamos que indicar as de “massa",ou de “ho- ‘mem-massa” Sobre a invalidede metodoligica desses conceitos, discorreremos nos ensaios que se seguem (procurando delimitar 0 ambito de discurso em que possam ser usados); aqui, porém, valeré a pena lembrar as ascen- déncias histérices dessa contraposicao maniquéia entre a solidio, a lucidez do intelectual ¢ a obtusidade do homem-massa, Raizes que néo fomos buscar nem na Rebelido das massas, nem nas Consideragées inatuais, ‘mas na polémica daqueles que ora costumamos lembrar como “Sr. Bruno Bauer e Consortes”, isto , naquela corrente de mogos hegelianos que estavam & testa da “Allgemeine Literaturzeitung”. “O pior testemunho a favor de uma obta ¢ 0 en- tusiasmo com que a massa se volta para ela... Todos 0 grandes empreendimentos da historia foram até ago- ra fundamentalmente frustrados e privados de éxito efe- tivo, porque a massa se interessou c se entusiasmou por eles... Agora sabe 0 espirito aonde buscar o seu tni- AB co adversirio — nas frases, mas auto-lusdes, na falta de nervo das massas.” Sao frases escritas em 1843. mas se retomadas ainda hoje, em local apropriado, for- ‘neceriam material para um étimo elzevir sébre a cultu- ra de massa. Entenda-se bem, nao queremos contes- tar a ninguém_o direito de elaborar uma oposigéo entre © Espirito © a Massa, de julgar que a atividade cultu- ral deva ser definida ‘nesses termos, ¢ de dar testemu- mho dessa lacerago de maneira a poder incutir-nos 0 ‘maximo respeito. Unicamente, é bom que as ascendén- cias sejam esclarecidas ¢ se ilumine o local hist6rico de uma polémica que 0 advento macroscépico da socie- dade de massa iria reverdecer. Boa parte das formulagbes pseudomarsistas da es- cola de Francforte, por exemplo, manifestam seu pa- rentesco com a ideologia da “‘sagrada famflia" baveriana e dos movimentos colaterais, Inclusive a convicgao de que o pensador (0 “critico”) no poderd e néo deverd propor remédios, mas,quarido muito, testemunhar sua propria dissensio: “A critica no constitui um pariido, ‘do quer ter nenhum partido para si, mas estar 56, $6, enquanto se aprofunda em seu objeto, s6, quando a le se contrapie, Isola-se de tudo... Todo liame é, para ela, uma cadeia”. Esse trecho, do cademo VI da “Allgemeine Literaturzeitung”, vai encontrar eco na intervencdo de Koeppen, na “Norddeutsche Blaetterne” de 11 de agosto de 1844, relativa ao problema da cen- sura: “A critica esta acima dos afetos ¢ sentimentos ‘io conhece amor nem ddio por coisa slguma. ‘Por isso nfo se opde & censura para hitar contra ela... A critica ndo se pefde nos fatos e nfo se pode perder nos fatos: por isso € um contra-senso pretender que Que, a seguir, estejam ou no em jogo as chama- das massas, se tém elas, na realidade, um estémago mais forte 'do que eréem os seus manipuladores, se sabem exercer uma faculdade de discriminacéo sobre | produtos que lhes sio-oferecidos para consumo, se sa- 18 bE ‘bem resolver em estimulos positives, voltando para em- pregos imprevistos mensagens emitidas com_intengao totalmente diversa — isso € outro problema.( A existén- cia de uma categoria de operadores culturais “que pro- duzem para as massas, usando na realidade as massas para fins de lucro, ao invés de oferecer-lhes reais oca- sides de experiéncia extica, é um fato assenté:)e a ope- ‘ago cultural deve ser julgada pelas inteng6e8 que ma- nifesta e pelo modo de estruturar stias_ mensagens. Mas, a0 julgarmos esses fendmenos, a0 apocaliptico (que nos ajuda a fazé-lo) devemos sempre opor, con- tudo, a tinica decisio que ele nfo assume,aquela mes- ma que Marx sempre opunha aos te6ricos da massa: “Se © homem € formado pelas circunstancias, devemos tornar humanas as circunsténcias”. T, a,0 ats 80, contratio, se censura ao apocaliptico & 6 fato de jamais tentar, realmente, um estudo concreto dos produitos¢ das manciras pelas quais so eles, na verdade, consumidos. _O-apocaliptico.ndo.s6 reduz, 08 consumidores aquele fetiche inditerenciado que € 0 ho- ‘mem-massa, mas.—enquanto o.acusa.dé reduzir todo produto artstico, até o mais vélido, a puro fetiche — Teduz, ele proprio, a fetiche o produto de massa. E a0 invés de analisé-lo, caso por caso, para fazer dele emer- girem 2s caracteristicas estruturais, nega-o em 1006. Quando o analisajtrai entio uma estranha propensio emotiva © manifesta um irresoluto complexo de amor- ~6dio — fazendo nascer a suspeita de que a primeira © mais ilustre vitima do produto de massa seja,justa- \_menté, 0 seu eritico virtuoso. ~ Esse € um dos fenémenos mais curiosos ¢ apaixo- nantes daguele fentmeno de inddstria cultural que & 2 critica apocaliptica & indistria cultural. Como a ma- nifestagéo, a duras penas mascarada, de uma paixéo frustrada, de um amor trafdo; ou melhor, como a exit ‘edo neurética de uma sensualidade reprimida, seme- Thante & do moralista, que, denunciando a obscenidade de uma imagem, detém-se tio demorada e voluptuosa- mente sobre o imundo objeto do seu desprezo que trai, hnaquelé esto, a sua real natureza de animal carnal e: concupiscente. a9 © fendmeno foi notado 2 propésito de muitas po- lémicas contra o Kitsch, especialmente no Ambito cultu- ral alemfo: assim observava Karl Markus Michel, anos atrés que — visto que até quem se sente imune a todo sentimentalismo nfo pode as vézes evitar que as 1é- grimas the corram pelas faces, embora sabendo de que finfima qudlidade € 0 estimuloque o perturba —, freqiientemente, 0 descjo do Kitsch, nos seus sriticos, € tho intenso que se satisfaz através da sua condenacio, realizada mediante um panegitico da arte, formulado segundo tédas as boas regras da emotividade Kitsch. Assim © gesto do intelectual, colhido nas malhas da paixdo pelo Kitsch, parece assemelhar-se a0 do ricago importunado por um pedinte, € que ordena ao criado: “Enxota daqui éste homem! Ele me parte o coracio” Enxota daqui éste homem, ele me parte o coragio! ‘Como néo pensar nessa frase ante o seguinte trecho de Giinther Anders, na nota 11 do, seu ensaio stbre @ ‘eleviséo, O mundo como jantasma e como matriz? juma exposigo dedicada & TV, coube-me a sorte discutfvel de ver ¢ ouvir um ator que recitava um sketch na sala ao lado, e assist, ao mesmo tempo, 3s suas sete projegdes televisionais. 'Digno de relevo era: 1) que o ator se dividisse ante meus olhos em sete inmfos, idénticos,embora tivesse uma s6 voz indivisa ressoando em ambas as salas; 2)que as imagens pare- cessem mais naturais que 0 original, porque o ator, justameiite para dar naturalidade as reprodugdes,fora Obrigado a caracterizar-se; 3),(€ isto. mais que digno de relevo, era assustador) que a encarnacdo plurinomi- nal do ator jé no mais espantasse: tanto agoraé Sbvio, para nés, esperar somente produtos em série.” Esse, 0 trecho, Dele emerge, antes de mais nada, uma espécie de mérbida atracao pelo mistério dos es- pelhos © pela multiplicagio da imagem humana. Na raiz, uma espécie de terror metafisico, 0 mesmo que assalta o primitivo quando percebe que alguém o esté retratando, e assegura que, com a imagem, The arran- cam a alma, Ore, uma reflexio poética sobre o mis- tério dos espelhos € inteirameate legitima; ¢, feita a titulo de divagacao lirica ou de paradoxo ima, pode dar altissimos resultados (Rilke: “Espelhos: ne- ‘thum consciente descreveu 0 que esconde a vossa es- 20 he sencia...” Borges: “Das projundezas do corredor 0 espelho nos espreitava. Descobrimos (alta noite, essa descoberta é inevitével) que os espelhos tém algo de ‘monstruoso. Bioy Casares lembrou entéo que um dos heresiarcas de Ucbar julgava 08 espelhos e a cépula abo- mindveis porque multiplicam 0 ntimero dos homens”.) (Mas, nese caso, Anders mio esté fazendo arte. Esid refletindo sobre um fendmenoicomunicacional tipico do nosso tempo. Sabemos — ¢ sob muitos aspectos, suas intuigdes so vélidas — que ele nos dé uma definigao desse fendmeno: a LV reduz 0 mundo a fantasma, ¢ bloqueia, portanto, toda reagio erica &” toda resposta sativa nos seus adeptos. Mas, em suma, ele"ainda thos esté falando do efeito que a TV produz sobre ele ‘mesmo. Ninguém conseguiré saciar esta nossa cutio- sidade insatisfeita: que dizia aquele ator no video?. Di- zia “absolutamente certo”, ou entio, “Entramos em contato com o céreete de Dallas para transmitirmos. as fases da transferéncia de Oswald? Porque, neste segundo caso, queremos saber para quantos ¢ quais telespectadores a transmisstovdireta do homicidio de Ruby teria volatilizado © mundo em puro fantasma, algando-o a uma zona de irrealidade, Certamente no para aqueles juradosque a defesa dé Ruby impug- ‘ava constantemente, persuadida de que, tendo visto pela televisio as fases do homicidio,houvessem forma- do sobre 0s fatos uma idéia tal que nenhuma simulagio processual ¢ nenhum fantasma juridico, tipico de um processo, teriam miais a forca de contestar. ‘Mas é claro que nesse easo nao interessam. a0 ert tico nem’o contedido, nem as modalidades estruturais, ‘nem as condigées fruitivas da mensagem. O que emer- ‘ge para primeiro plano é uma forma de atracdo mér- bida pelo mysterium televisionis. Assim agindo, o critica ‘nfo nos ajuda a sair do estado de fascinagéo, mas, quando muito, faz-nos mergulhar néle ainda mais. “Talvez sua aspiragio seja induzir sous pares a desli- gar o televisor. Mas 0 fato de:que ele permanece Tigado para todos os demais, é evidentemente uma fa- perder mos fatos...” — que depois, em outros casos, “Anders se tenha corajosamente perdido nos fatos, ¢ | | I referimo-nés & sua polémica contra a bomba siémica, polémica que visava @ uma modificacio da reali: dade, isso apenas depoe a seu favor; mas nfo foi por ‘acaso que, recentemiente, na Itélia, outro critico apoce- iptico © reprovou por isso, acusando-o de esquilida demagogia). © ‘trecho de Anders lembra-nos outra pagina, escrita numa situacdo historica inteiramente, distinta © por outros motivos, mas que — como veremos — fem, com 2 primeira, sutis ligagdes psicol6gicas e ideo Jogicas (no sentido degradado do termo “ideologia”) A pagina é da Apologia ad Gui lancti Theodo- ici Remensis Abbati, de autoria de Séo Bernardo. Sao Bemardo estava irritedo com um tipico produtor de “cultura de massa”, pelo menos dentro dos limites em que se podia produzir cultura de masse no século XII: ‘© Abade Suger. Num contexto histérico no qual — colocada uma classe dirigente na posse dos instrumentos cculturais, e excluides, o mais das vezes, as classes su- baltemas do exercicio da escrita — a tinica posi lidade’ de educar as massas era a tradugéo dos cont dos oficiis da cultura em imagens, Suger cumprira exatamente 0 programa do Sinodo de Arras, retomado por Honério de Autun na formula: “picture est Iai- corum literatura” (© programa de Suger & conhecido: a catedral devia torrar-se uma espécic de imenso livro de pedra, onde nio apenas a rigucza dos ouros ¢ pedras preciosas incutisse no fiel sentides de devosio, ¢ as cascatas de luz despenhando através das paredes aber- tas sugerissem a efusividade participante da poténcia ivina, mas as esculturas dos portais, os relevos dos capitéls, as imagens dos vitrais comunicassem a0 fiel os mistérios da £6, a ordem dos fendmenos naturais, as hierarquids das aries e dos misteres.os fastos da histéria patria, Diante désse programa, Sao Bernardo, defensor de uma arquitetura despojada e rigida, em que 2 sv- gestio mistica € dada pela limpida nudez da casa de Deus, explode numa descrigio acusadora que poe no pelourinho as monstruosas eflorescéncias iconogréfi- 2 ‘cas dos capitéis: “Caeterum in claustris coram legen- tibus fratribus, quid facit ridicula monstruositas, mira quaedam deformis formositas ac formosa. deformitas? Quid ibi immundae simiae? quid feri leones? quid ‘monstruosi céntauri? quid semihomines? quid maculosae tigrides? quid milites pugnantes? quid venatores tubici- nantes? Videas sub uno capite multa corpora, et rursus in uno corpore capita multa. Cernitur hinc in quadrupe- de cauda serpentis,illine in pisce caput quadrupedis, Ibi bestia pracfert equam, capra trahens retro dimidiam; hic cornutum animal equum gestat posterius. Tam mul ta denique tamque mira diversarum formarum ubique va- rietas apparet, ut magis legere libeat in marmoribus quam ‘in codicibus, totumque diem occupare singula ista mi- rando quam in lege Dei meditando. Proh Deo! Si non pudet ineptiarum, cur vel non piget expensarum?” ‘Nao importa que aqui a-polémica gire em témo das imagens dos capitéis dos claustros, oferecidas, por- tanto, mais ads monges Ietrados que as multiddes analfabetas. Essa pagina retoma os térmos de uma discussio que diz respeito sobretudo aos ornamentos da igreja verdadeira e certa. A observagdo que surge, espontinea, a leitura, & que Sio Bemardo se trai, © a0 acusar, manifesta, antes de mais nada, a perturb ‘s80 de quem foi o primeiro a deixar-se levar ¢ seduzir por aquelas imagens. Nenhuma pagina, melhor do que essa, poderie comunicar-nos, de fato, & falta de outros documentos, 0 fascinio e a forga do bestirio romé- nico-g6tico. Aqui, $20 Bernardo volta a propor aquela mesma laceracdo, feita de édio © amor, que manifesta, no mesmo texto, diante dos bens terrenos que ascéti- ‘camente recusa: “Nos vero qui jam de populo exivimus, qui mundi quaeque pretiosa ac speciosa pro Christo reliquimus, qui omnia pulere lucentia, canore mulcentis, suave olentia, dulce sapientia, tactu placentia, cuncta denique oblectamenta corporea arbivrati sumus ut ster- cora...”. Estereo, de accrdo, mas quanta paixio in- saciada por esses ¢xcrementos malditos. .. ‘Nao incorremos, no caso, om falta de caridad semelhante tensio redunda em total favor do asceta, para quem a renincia, evidentemente, custou alguma coisa, Todavia, se quiséssemos julgar Bernardo pelo «nosso metro de contemporineos, deveriamos objetar~ 23 -lhe que, enquanto se détém, com inequivoca sensua- lidade (“Enxota dagui este homem, ele me parte 0 co- ragio.”), na natureza diabdlica das imagens, nfio atinge ‘0 problema de base: a sociedade medieval continua, apesar de tudo, organizada de modo que uma classe prodwa uma cultura elaborada na sua medida, ¢ a comunique (seja por meio das imagens ou restabelecen- do a pregagtio numa igreja despojada e mua ) as classes subaltemnas, as quais nio se entrega nem a elaboracto da cultura nem a co-responsabilidade da coisa publica. Conseqlentemente, o discurso de Bernardo versa ape- nas sobre duas diferentes modalidades comunicacionais, no ambito de um mesmo modelo cultural. © modelo cultural medieval era de tal forma or- ginico ¢ integrado que, obviamente, Bernardo no po- dia comportar-se de outro modo,’ E levantar contra ele, a sétio, censuras desse tipo denotaria escassa cons- ciéncia historice. Mas aquilo que no podemos repro- var em Sio Bernardo, temos o dever de contestar nos contemporaneas que como ele se comportem, ‘A situagdo conhecida como cultura de massa rifica-se 10 momento histérico em que as massas ingressam como protagonistas na vida associada, co- -responsiiveis pela coisa piblica. Freaiientemente, essas masses impuscram um ethos proprio, fizeram valer, em diversos petiodos hist6ricos, exigéncias particulares, pu- seram em circulagéo uma’ linguagem propria, isto & elaboraram propostas saidas de baixo, Mas paradoxal- ‘mente, 0 seu modo de divertir-se, de pensar, de ima- ginar, no nasce de baixo: através das comunicagoes, de massa, ele Ihes & proposto sob forma de mensagens formuladas segundo 0 cécigo da classe hegeménica, Es- tamos, assim, ante a singular situagio de uma cultura de massa, em cujo Ambito um proletariade consome modelos culturais burgueses, mantendo-os dentro de ‘uma expresso auténome propria Por seu lado, uma ‘eultura burguesa — no sentido 6th que @ cultura “su- " € ainda a cultura da sociedade burguesa dos peri ‘iltimos trés séoulos — identifica na cultura de massa uma “subcultura” que mao the pertence. sem perceber que as matrizes da culture de’ massa ainda so as da cultura “superior”, : Suger sabia muito bem que os monsttos dos por- ‘ais das catedrais constituiam tradugSes visivas das ver- dades teol6gicas claboradas no ambito da cultura uni- Versitaria; o que tentava era unificar num tinico modéio cultural néo 86 a classe dominante como a dominads, quando mais no fosse porque via a ambas como ex- tremos de um mesmo povo da Franca ¢ de Deus. Sto Bernardo ataca os monstros, mas s6 porque no os julga instrumentalmente tteis para estabelecer essa mesma unidade espiritual que considera atingivel por coutros caminhos. Por outro lado, Suger, a0 elaborar um repert6tio iconografico de sugestOes para os artis- tas, também se inspire, com grande sensibilidade, no repert6rio imaginativo das classes popilares. No émbito da moderna cultura de massa, no'entan- to, a situagio ¢ bem mais esfumeda, | Se meditarmos sobre 0 caso, parecer-nos-4 mons- truosa a situagdo de uma sociedade em que as classes Populares inferem ocasibes de evasto, identificagio e projesdo da transmissio televisionada de uma pochade itocentista, onde se representam os costumes da alta burguesia fim-de-século. O exemplo extremo, mas reflete uma situagio consuetg. Dos modelos de astros do cinema aos protagonistas-dos romances de amor, até os programas de TV para a mulher, a cultura de. massa, 0 mais das vezes, representa € propoe situacSes Iumanas sem conextio alguma com as situagoes dos con- sumidores, © que, todavia, se transformam para eles em situagSes-modelo, E no entanto, também nesse im- tito podem ocorrer fendmenos que fogem a todo ¢ Gualquer’ enquadramento tebtico. Proponha-se “num. “comercial” 0 modelo de uma joveme fina senhora que deve usar 0 aspirador de p6 Tal para nao estragar as midos © manté-las belas e cuidadas. Mostrem-se essas imagens ao habitante de uma zona subdesenvolvida para quem no um aspirador, mas uma casa de onde firar-se 0 p6 constitua ainda um mito inatingivel. ficil sugerir a idéia de que, para ele, a imagem se propde como puro fantasma vindo de um mundo que do Ihe diz respeito.) Mas algumas observagses sobre = 25 as reagdes das nossas populagdes sulinas ante o esti- mulo da televisio levariam a pensar que, em muitos déises casos, a reacio do telespectador seja, a0 con- trério, de tipo ativo ¢ critico: diante da revelagdo de tum mundo possivel, ¢ ainda nfo atual, nasce um mo- vimento de revolta, uma hipétese operativa, e mesmo um juizo, is um caso de interpretago da mensagem se- gundo um cédigo que nfo é 0 de quem comunica. Suficiente para por em discusséo a nogdo de “mensagem massificante”, “homem-massa” ¢ “cultura de evaséo”. Assim, também o inquietante paradoxo de uma cultura para as. massas, que provenha de cima © nfo ‘suba de baixo, ainda no permite que o problema se defina em termes conclusivos: no émbito dessa situa ‘so, 05 Exitos sio imprevisiveis, e freqtientemente con tradizem as premissas ¢ imtencSes. Toda definicao do fenémeno em termos gerais corre o risco de cons- tituir uma nova contribuigéo aquele genericidade tipica da mensagem de massa. O critico da cultura encontra-se iante de um dever de pesquisa que nfo Ihe permite nném as reagdes temperamentais nem as indulgéncias neuréticas. A primeira coisa de que deve aprender a duvidar 6 das suas proprias reagdes,que ndo dao texto. Cidadio nfo mais do povo de Franga e de Dens, mas de uma multidio de povos ¢ ragas que ainda nio co- nhece completamente porque vive numaicivilizagio de mutantes, tera 0 critico que retornar. de cada vez, aos objetos ¢ seus consumidores como se se. aprestasse a descobrir algo inédito. i Mas voltemos a’ nota de Giiather “Anders, Seu inicio gela: “Numa exposigio dedicada a'TV, coube- -me a sorte discutivel de ver ¢ ouvir...” Portanto, no ‘momento mesmo em que nos convida a ler algumas centenas de paginas de um escrito seu sdbre 0 fend- ‘meno televisional, Anders nos adverte de que, na ‘nica vez que Ihe ocorreu examinar coneretamente o fend meno da transmissio de imagens, cle o fez com des- ‘gosto € aborrecimento. Mas no’ nos apressemos em acusar Anders de leviandade. Ele ainda ¢ um dos mais ilustres representantes decerta mal-entendida tradicgio. ‘humanistica. Nao o acusamos de um ato de desones- tidade pessoal, mas de um vicio mental que tem foros 26 de nobreza — ¢ multas vezes se escuda numa desespe- rada boa {6 Entéo nfo nos espantemos quando 0 ‘tice apocaliptico escamnece da pretensio de considerar ‘0s meios de massa (como as méquinas) instrumentos, , como tais, instrumentalizéveis. Na realidade, j6 de portida éle se recusou a examinar o instrumento € eusaiarlhe as possibilidades; a nice. verificagéo que ‘efetuou foi do outro lado da barricada, e escolhendo a si proprio como cobaia: “as magés me provocam erup- 60s cuténeas, logo, so més. O que seja uma magé, fe que substincias contenba; no me interessa. Se outros comem macis ¢ passam bem, isso quer dizer que sfo uns degenerados”. Sé por acaso houvesse um racket dos mercados hortifruticolas, © a poptlagdo, por causa dele, fosse obrigada a comer unicamente macs écidas, ou & alimentar-se unicamente de magi, isso escapa 20 cri tico apocaliptico, ¢ sem deixar saudades. Daf a afirmar que os rackets, como a mifia, sio um fenémeno bio- légico, ¢ que nenhuma forga no mundo poderd elimi- niéclos, 0 passo é pequeno. Nesse ponto no nos inte- tessa mais saber se 0 crtico apocalipico tinha intengdes hhonestas ¢ se lutara por fazer-nos comer néo s6 magis, mas também carne. No que diz respeito aos consumido- res de magis, éle & um aliado dos gangsters. Procureinos,entio. articular diferentemente © ponto de vista. O acesso das classes subalternas & participagio (formalmente) ativa na vida piblica ¢ o alargamento da rea de consumo das informagées criaram a nova situa- 0 antropolégica da “‘civilizagéo de massa”. No ambito Ge tal civlizagao, todos os que pertencem & comunidade se tornam, em difetentes medidasjconsumidores de uma produglo intensiva de mensagens a jato continuo, elabo- radas industrialmente em série, e transmitidas segundo os canais comerciais de um consumo regido pelas leis da oferta e da procura. Uma vez definidos esses produtos fem termos de mensagens (¢ mudada, com cautela, & definigio de “cultura de massa” para a de “comunicagSes de massa”, mass media ou meios de massa), proceda-se 2 andlise da estrutura dessas mensagens. Andlise estra~ tural que néo se deve deter apenas na forma da men- sagem, mas também definir em que medida a forma & 2 ‘determinada pelas condigdes objetivas da cinissio (que ‘a seguir, também determinam, dessa mensagem, o sig- aificado, as capacidades de informaco — as qualidades Je proposta ativa ou de pura reiteraggo do jé dito) Em segundo lugar, uma vez estabelecido que essas ‘mensagens se dirigem a uma totalidade de consumidores dificilmente redutiveis 2 um modelo unitinio, estabe- lecam-se por via empfrica'as diferentes modalidades de recepgio em harmonia com a circunstincia hist6tica © socioldgica, ¢ com as diferenciagdes do publica Em terceiro Tugar (e isto competira a pesquisa histérica ¢ & iormulagio de hip6teses politicas),estabelecido em que medida a saturacéo das vérias mensazens pode concor- rer.verdadeiramente para impor um modelo de homem- “massa, examinem-s¢ quais as operagdes possiveis no Ambito do -contexto existente, e quais reclamam, ao conttatio, condigées de base. s ensaios que se seguem iluminarao apenas alguns aspectos da problemética apontada. O primeiro forne~ ‘cerd uma resenha das posig6es eriticas sobre 0 assunto, © segundo (4 estrutura do mau gosto) procurard ela- borar um instruménto critico pars definir, em termos cestruturais, 0 valor estético de mensagens elaboradas para um pablico médio. O terceiro (Leitura de Steve Canyon) procuraré fornecer um exemplo de recurso & experiéncia direta: e da leitura, o mais possivel analitica ¢ minuciosa de uma pagina de estéria em quaérinhos, extrair-se-d um indice de problemas que abarcaré todo © campo dos meios de massa, implicando numa definig&o rape drt: do ea pone Ue segunda segio do volume ocupar-se-4 com as “p ‘agens” como madelos de comportamento, dos mitos ‘com fungo puramente projetiva as construgées de uma arte mais consciente, que, permitindo-nos uma relago critica com a personagem, realizam algumas’condigées. de tipicidade ¢ permite uma auténtica fruigfo esté- ica, “Uma terccira parte conteré discusses sobre pro- blemias. concernentes aos elementos” visuais e sonoros desta nossa civilizagio, que nfo & s6 davisdo mas também do ruido. Mais que outra coisa, serio estiocos de uma casuistica, propostas para pesquisa em grupo, assestamentos © hipGteses em termos pedag6gicos e po- 28 lticos. Uma sltima parte* coligré escrtos ocasionais, artigos publicados em jornais ¢ revistas, onde a opo- sigio entre apocalipticos © integrados é novamente proposta a nivel intuitivo © polémico, \ Pareceu-nos ‘til considerar também essas “fichas”, mesmo porque um discurso sobre os meios de:massa & continuamente “motivado”, fruto da. observacio diéria, estimulado, até mesmo’ por notas marginais. Recentemente, um critica eensurava 0 nosso ensaio sobre a cangio de consumo por conter bem umas cinco paginas, todas clas no condicional. Do ponto de vista estilistico, esse recorde nfo conseguiu regozijar-nos. Mas, de um ponto, de vista metodol6gico, todos os ensaios déste volume foram pensados no condicionel. Ao reunirmos os edi- tados, juimtando-os aos inéditos, nem sequer mos preo- ccupamos om eliminar algumas contradigées: com 0 deslocar do ponto de vista, esses problemas assumem sempre novos aspectos — © tomam incerto o jé dit Um discurso que versa sobre fendmenos tio estreita- mente ligados & cotidianidade, que to logo define. um fato ¢ seus efeitos entra em’ chogue com o apareci- mento de um novo fenémeno que pareve desmentir a diagnose precedente, tem que ser, necessariamente, uma. ceadeia de silogismos hipotéticos com premissa 2 menor no subjuntive, e a conclusio no condicional. Se alguma idéia dirctiva existe para estes esctitos, & a de que hoje € impossivel elaborar, como ja fez alguém, uma “Theorie der Massenmedien”: o que equivalecia a conceber uma “teoria de Dia de Séo Nunca”. \ JuStamente porque info se podem. reduzir esses fenémenos 2 um forma teriea unitria;cumpre tor los objeto de uma pesquisa quendo tema subme- jos a todas as verficagdes. Que 80 tema, sobre- \fudo, empregar instramentos demasiadamente nobres [para objetos vis. Uma das objegges que se movem @ /Resquisas desse,género (e que se moveram # alguns {Atstts ensaios) € ade tecem acionado um aparclha- | Mento cultural exagerado para falarem de-coisas de / minima importancia como uma extéria em quadrinhos \, do Sopérman ou uma eangoneta de Rita Pavone. Ors, \a soma desses mensagens minimas,quéacompantam (Seva, ete loaves, imate por, oi do ResGuc‘Stmdtaros"a gira em ous oles tranee gos Erion Sendo. enn (8: doe ED 29 nossa’ vida cotidiana:constitui 9 mais aparatoso fend- j/ meno cultural da civilizagdo em que somos chamados < a atar. Do momento em que se aceita fazer dessas mensagens objeto de critica, ndo haverd instrumento inadequado, © elas deverdo ‘ser experimentadas como | objetos dignos da maxima consideragio. Por outro lado, @ objecio jé é velha, Lembra a daqueles que, teputando como digna uma ciéncia so- mente quando lidasse ‘com realidades incorruptiveis (tais como as esferas celestes ou as guidditares), jul gavam inferior toda pesquisa voltada para coisas sujei- ‘as a corrupgio. Assim, o saber néo era avaliado com base na dignidade do método, mas na do objeto. Conseqiientemente,ao claborarmes a introdugtio’ a ‘um discurso sobre as “coisas. minimas” e sem histéria, ‘néio podemos resistir & tentagdo de proteger-nos as cos- tas com um apelo a historia,tomando de empréstimo as palavras de quem sustentou sermui digno fazer discur- S0s sobre “as humildes e baixas matérias”: “E de tanto vilipéndio a mentira que — escrevia Leonardo —di- zendo bem, ainda que de coisas de Deus,faz. perder’em graca a divindade,e de tanta exceléncia € a verdade, que, louvando coisas mitrimas,estas se fazem nobres: @ sua verdade em si de tanta exceléncia que, ainda quando se aplica a humildes ¢ baixas matérias,excede sem comparacéo as incertezas e mentiras aplicadas 208 imagnos ¢ altfssimos discursos. .. Mas 6 ta, que vives de sonhos, agradam-te mais as razdes sofisticas © os embustes dos patranheiros nas coisas grandes e incertas, que as certas © naturais, ¢ nfo de tanta altura”, Uma tiltima observagio, que reatirma & natureza “condicional” destas pesquisas e a suspeita de que sejam ppassiveis de uma continua reformulacéo. Gostariamos de dedicar 0 livro aos criticos que t4o sumariamente efinimos como apocalipticos. Sem seus requisitérios, injustos, parciais, neurdticos, desesperados, no teria- mos podido elaborar nem as trés quartas partes das idéias que sentimos com éles partilhar; ¢ talvez nenhum de nés se tivesse apercebido de que o problema da cul- tura de massa nos envolve profundamente, ¢ 6 sinal \\ de contradigao para a nossa civilizagéo. 30 ALTO, MEDIO, BAIXO CULTURA DE MASSA’ E “NIVEIS” DE CULTURA “Mas a0 chegar & escrita: ‘Esta cigncia, 6 rei, disse Teut; tormard os egipcios mais sfbios © aptos para recordar, poraue éste achado € um remédio stil no 86 para.a meméria, como para o saber”. E disse © rei: °O artificiosfsimo Teut, uns so habeis em gerar as artes, outros em julgar a vantagem ou o dano que pode advir a quem delas estiver para servir-se, E assim tu, como pai das letras, na tua benevoléncia para com las, afirmaste © contrério do que podem. Ao dispen- sarem do exercicio di meméria, clas. produzirio, em verdade, 0 olvido na alma dos que as tenham apren- dido, e’ assim estes, confiando na escrita, recordardo’ 33 ‘mediante esses sinais externos, ¢ mio por si, mediante seu proprio esforgo interior’. .” foje, naturalmente, nfo podemos estar de acordo com o rei Tamus; mesmo porque, nesse intervalo de algumas dezenas de séculos, 0 répido crescimento do repertétio de “coisas” a saber ¢ recordar tornou im- provavel « utilidade da meméria como tnico instru- mento de sabedoria; € por outro lado, 0 comentério de Sécrates a0 relato do mito de Teut (“ests disposto. a crer que éles [os discursos] falem como seres pen- santes; mas onde quer que os interrogues, querendo aprender, néo te respondem mais que uma 36 coisa, @ sempre a mesma”) esté superado pela consciéncia diversa que a cultura ocidental elaborou do livro, da esctita das suas capacidades expressivas, a0 estabe~ lecer que, através do uso da palavra escrita, pode tomar corpo uma forma capaz de ressoar no nimo de quem a frua de modes sempre variados e mais ricos. Esse trecho do Fedro, no entanto, fora citado para -lembrar-nos que toda modificacio dos instru: mentos culturais, na historia da humanidade, se apre- senta como uma profunda colocago em crise do “mo- delo cultural” precedente; ¢ seu verdadeiro alcance 6 ‘se manifesta se considerarmos que os novos instrumen- tos agirfo no contexto de uma humanidade profunda- mente moditicada, seja pelas causas que provocaram ‘© aparecimento daqueles instrumentos, seja pelo uso ddesses_mesmos_ instrumentos. A invencdo da escrita, embora reconstituida através do mito platdnico, é um ‘exemplo disso; a da imprensa, ou a dos novos instru- mentos audio-visuais, outro. ‘Avaliar a fungo da imprensa segundo as medidas de um modelo de homem tipico de uma civilizagao baseada na comunicagio oral ¢ visual é um gesto de miopia bistérica que ‘mo: poucos cometeram; mas 0 processo € outro, ¢ 0 caminho a seguir é 0 que recen- temente nos mostrou Marshall McLuhan com 0 sev The Gutenberg Galaxy", onde procura enuclear exata- ‘mente os elementos de um novo “homem gutenber- (2) Mangan Mewomin, The Guebire Galen. Unive of Tr Pee ities SSBaltnaileee Cress SREP a ees i Coora © seoation CL protien! bac ui 5 34 ‘guiano”, com o seu sistema de valores, em relagfo a0 ‘qual sera apreciada a nova fisionomia assurhida pela comunicagao cultural Assim ocorre, em geral, com os mass media: al- guns 0s julgam cotejando-thes 0 mecanismo ¢ os efeitos ‘com um modélo de homem renascentista, que, eviden- temente (ndo s6 por causa dos mass media, mas também. dos fendmenos que tomaram possivel o advento dos mass media), néo mais existe. # evidente, no entanto, que serd preciso discutir ‘0s varios problemas partindo da assuinggo, a um tempo histérica © antropolégico-cultural, de que, com © advento da era industrial © 0 acesso das classes. su- balternas a0 controle da vida associada, estabeleceu-se, nia hist6ria contemporinea, uma civilizacéo dos mass ‘media, cujos sistemas de Valores deverio ser discuti- dos, € em relagdo & qual serd mister claborar novos modelos ético-pedagégicos’. Nada disso exclui o jul- gamento severo, a condenacio, a atitude: rigorista: mas aplicados emt relagdo ao novo modelahumano, € no em nostilgica referéncia 20 velho. Em outros termos: exige-se, por parte dos homens de cultura, tuma atitude de indagacdo construtiva; ali onde habi tualmente se opta pela atitude mais fécil. EB ante o. prefigurar-se de um novo panorama humano, do qual € dificil individuarmos os confins, a forma, as ten- déncias de desenvolvimento, muitos preferem ca Gizat-se como 0 Rutilio’ Namazigno* da nova 2) V. 9 sntio do Davee Bie. “Las former de Yvon ca ‘arete”, fn Commanindons nt 2 (0 ena spaced onume Evelion of American Thoutht, ergnteado er" A, M. Sclesage ir. Rie these Cail Pau. amie aut es oat SoS Lee cee. oe ee oe Se Seta arian Sei CH) Rubus Cuansing Namatanns, poeta tating do feu V. ‘niet ng’ sit da Gala de tee fama Se tastundiics” | “Chemsa ofa ‘de ‘Rema ey mannose panto, sompce ot bateu conta todas Geestateas “se. aprocmerse cmon Coder ¢ Pua, praia” de try imperi’ cots Que fr ao extta pate. "Em Be seat, ou elas, part, sum lan Puriieo fo gagteigo dos cnt” oriecof sna, fli A een natal, Uhorende, desu. at epatbda Fig bides bie! lpechmundo'« esas © imperil 80 35 B 6 légico que um Rutilio Namaziano nfo arrisca nada, tem sempre direito a0 nosso. com respeito, e consegue passar para a histéria sem com- prometer-se- com 0 futuro. cultura de massa no banco dos réus ‘As acusages contra a cultura de massa, quando sustentadas por agudos ¢ atentos escrtores, i&m uma fungio dialética propria dentro de uma diseussio sobre © fenémeno. Os pamphlets contra a cultura de massa dovem set, portanto, lidos © estudados como do- cumentos a inserir numa pesquisa equilibrada, Je- vando-se em conta, porém, os equivoces que, nfo raro, thes residem na base. "Na verdade, a primeira tomada de posigao sobre © problema foi a de Nietzsche, com a sua individuae gio da “enfermidade histérica”’e de uma de suas for- mas mais aparatosas, 0 jornalismo. Ou melhor, no fi6- sofo alemio jé existia em germe a tentagio presente a toda. polémica do género: a desconfianga ante o igus litarismo, a ascensio democratica das multiddes, 0 discurso ‘feito pelos fracos para os fracos, 0 universo construido no segundo as medidas do super-homem, tmas do homem comuni) A mesma raiz,parece-nos, anima a polémica de Ortega y Gassetse’certamente no seri deseabido buscarmos na base de cada ato de intolerdncia para com a cultura de massa uma taiz aristocratica, um desprezo que s6 aparentemente se dirige a cultura de massa, mas que, na verdade, aponta contra as massas; e $6’ aparentemente distingue gittre massa como grupo gregério e comunidade de individuos auto-responséveis, subirafdos & massificagio € & absorgio em rebanho; porque, no fundo, ha sempre ‘4 nostalgia de uma época em que os valores'da cultura exam um apandgio de classe © no estavam postos, indiseriminadamente, & disposicéo de todos* Mas nem todos os criticos da cultura ‘de massa ‘slo classificéveis nesse filo. Sem falarmos em Adomo, ‘euja posigéo € por demais conhecida para que a te Ste 0 carte cla de cat tine polemic, V tmbén Upp Somro, “cuca per poche cuters per ta" in Cala © Sra eis ‘ped cl tit ea 36 hamos de trazer & baila, pensemos em toda a multidao de radicals norte-americanos que conduzem uma feroz polémica contra os elementos de massificagio pre- sentes no corpo social de seu pafs; sua critica € in- dubitavelmente progressista nas intengbes, e[a descon- Fianca em relagdo } cultura de massa ‘6, ‘para cles, desconfianga em relagdo a uma forma de’ poder inte lectual capaz de levar os cidadéos a um estado de sujeigo gregéria, terreno fértil para qualquer aventura autoritéria,/Exemplo tipico é 0 de Dwight MacDonald, que, nos anos 30, formou nas posighes trotskistas, ¢ portant, pacifstas © anérquicas. Sua critica representa, talvez, 0 ponto mais equilibrade que se alcangou no Ambito dessa polémica, e como tal, deve ser citada, MacDonald parte da distingao, agora candnica, dos trés niveis intelectuais, high, middle e lowbrow (Gistinggo que deriva daquela entre highbrow © low- brow, proposta por Van Wyck Brooks, em America's Coming of Age), mudando-Ihes a denominagio de acor- do com um iniento polémico mais violento: contra as manifestagSes de uma arte de elite e de uma cultura propriamente dita, erguem-se as manifestagdes de uma cultura de massa que néo & tal, e que, por isso, le nfo chama de mass culture, mas'de masscult, ¢ de uma cultura média, pequeno-burguesa, que ele chama de midcult.| Obviamente, so masscult as estérias em qua _drinhos!“a misica gastronémica tipo rock’n roll, ov 5 piores filmes de TV, a0 passo que 0 mideult & re- presentado por obras que parecem possuir todos os requisitos de uma cultura procrastinada, © que, pelo contrério, constituem, de fato, uma parédia, uma de~ pauperacko da cultura, uma falsficacao realizada com fins comerciais,\Algomas das mais saboroses péginas ctiticas de MaéDonald so dedicadas A andlise de um romance como O Velho ¢ o Mar, de Hemingway, que le considera um tipico produto de midcult, com a sua linguagem propositada e artficiosamente fa tendéncia para configurar personagens (mas de uma universalidade alegética e mancitistica); ‘e no mesmo plano, coloca ele Nossa Cidade,de Wilder. Esses exemplos esclarecem um. dos pontos. subs- tanciais“da critica de-MacDonald: no se_censura. 4 ‘altura de massa.a difusio de produtos de infimo. nivel a7 _nulo.vilor estético (como poderiam ‘ser_algumas ‘est6rias.em quadrinhos, as revistas pornogrificas. ou of ‘programas de perguntas e respostas da TV); censu- ‘ra-se.a0. midcult.o.“desfrutar” das descobertas da van- ‘garda ¢ “banalizé-las”, reduzindo-as a elementos de ‘consumo. Critica essa que acerta no alvo © nos ajuda ‘a compreender por que tantos produtos de fécil saida comercial, embora ostentando uma dignidade estilistica exterior, no fim das contas soam falso; mas essa critica, no fim’das contas, reflete uma concepcao fatalmente aristocritica do gosto. Deveremos admitir que ums solugo estlistica seja vélida unicamente quando re- presenta uma descoberta que rompe com @ tradigao € & por isso, partilhada por poucos eleitos? Admitide ‘9 fato, uma ver. que determinado esiilema* chegue 2 penetrar num circuito mais amplo e a inserir-se em no- vos contextos, perder efetivamente toda a sua forga ou conguistaré nova funcao? Ja que héuma fungao, seré cla fatalmente negativa, isto 6 serviré agora ¢ estilema,unicamente para mascarar sob uma patina de novidade formal uma: banalidade de atitudes, um com- plexo de idéias, gostos © emocSes passives © esclero- sadas? Ventilou-ie aqui uma série dé problemas que, uma ‘vez. impostados teoricamente* deverio submeter-se a um complexo de verificactes concretas. Mas, diante de certas tomadas de posi¢do,nasce a suspeita de que © critico constantemente seinspire num modelo hu- mano que, mesmo sem ele o saber, 6 classista: c modelo de um fidélgo renascentista,culto ¢ meditative a quem uma determinada condi¢ao econémica permite cultivar, com amorosa aienco, suas experiéncias inte- riores, preservando-as de féceis comistSes © garantindo -lhes, ciosamente, a absoluta originalidade. Mas o homem de uma civilizagdo de massa nioé mais esse homem, Melhor ou pior, € outro,e outros deverso ser 8 seus caminhos de formacio e salvagéo. Individuar GV. Dynaur encoun, Aint the American Grain, Rego ioe © tical eae ‘sums Sdn ponte, oldmlet 40 Re promurremes ae emai ‘Statin do rae "sorio, elfborar agai, ndotmenton metbdoGeicos ad pie. Tp. Hs. ON eT) 38 -ess0¥ caminhos, eis, pelo_menos, problema seria diferente se os massé”(e entre esses hé_quem_pense.deste_modo,-¢ entio discurso muda) considerassem como problemai fundamental da nossa civilizagioo de.levar_cada memibro da Comunidade. fruigdo. de_experiéncias.de ordem superior, dando a cada uma possibilidade de chegar’a elas. Mas a posigio de MacDonald ~ outra: nos seus tiltimos escritos, confessa ele que, se de uma feita pendeu para a possibilidade da primeira solugéo: (elevar as massas & “cultura superior”), afirma agora que a brecha aberta entre as duas culturas € definitiva, inreversivel, isremedifvel. Desgracadamente, a escla- recer tal atitude, surge, espontinea, uma explicago bastante melancélica: 0s intelectuais do tipo de MacDonald haviam-se empenhado, nos anos 20, numa agio progressista de carter politico que a seguir acon- tecimentes internos da politica norte-americana fizeram malograr; dai porque esses homens se retiraram da eric tica politica para a cultural; de ume critica voltada para a mudanga da sociedade passaram a uma critica aris- tocrética sobre a sociedade, quase se pondo fora da 4juta e recusando toda co-responsabilidade. Com isso ‘demonstrando, embora revelia, que existe um modo de resolver o problema, mas que esse modo nfo é apenas cultural, porque implica uma série de operagées politicas e, de qualquer maneita, uma politica da cul- cura Cahier de doléances Das varias criticas & cultura de’massa emergem todavia, algumas “pecas de acusagio” que & preciso Tevar em conta’: atoll ik F UEP atte REE, UN Te Nata Sia eB ie CAbtee jor te Mion? 6d por Noxmen daca, Ferre helesnd 35, Qe faa de Goals toemanental eo Woe ‘a yeas, nig seu eine eatin nfo aio oe "ees Problemas de renovagSo civil gue comporta wm diseurke sobre OF mass Eis cieatt Sap, omdne aera Sta tar Peake ate aie Sao WSs nah ee (6) Qouty enchant 2, usin rote a tee sn en eB oy Bie IG To Fe 39 2} Os mass media dirigem-se a um piblico’uwe terogéneo, ¢ especificam-se segundo “médias de gosto” evitando as solugdes originais, 3) _Nesse sentido, difundindo por wo © globo uma “cultura” de tipo “homogéaeo", destroem as ca- racteristicas culturais.pr6prias de cada grupo étnico. ©) Os mass media dirigém-se a um pablito in- cénscio de si mesmo como grupo social caracterizado; © piblico, portinto, nfo pode manifestar exigéncias. face & cultura de massa, mas deve softer-the as pro- ostas sem saber que as sofre. 4) Os mass media tendem a secundar 0 gésto cxistente, sem promover renovagdes da sensibilidade. Ainda quando parecem romper com tradigdes estilis: ticas, na verdade se adequam & difuséo, agora homo- logavel, de estilemas e formas jé de ha muitodifindidor 20 nivel da cultura superior ¢ transferidos para nivel inferior. Homologando o que jé foi assimilado, desen- volvem funcSes meramente conservadoras. e) Os mass media tendem a provocar emogses | intensdis © ndo mediatas; em outros termos: ao invés_do-/ simbolizarem uma emogéo, de represents. “gyno is de & suger, eegnmne jé confecci- nada. “Tipico, nesse sentido, € 0 papel da imagem em religfo 0 conto; on nido da mie, cane | estimulo de sensagées mais do que como forma con- templavel” a 1) Os mass media, colocados dentro de um cir- | ccuito comercial, estio sujeitos & “lei da dlerta € da procura” Dao a0 pablico, portanto, somente 0 que ale ‘quer, ov, 0 que € pior, seguindo as leis de uma economia baseada no consumo e sustentada pela abo iin, TeS6 tamale im Thlcrie calwrate — sci 0 ange (gelbel gob idan specter) ce ee serge 2 co elton Cilia Cio, 18, pebucada ela Revi “Biel why See gy argmeny tempt. Weedon oc v2 ope aati Saree Anata ad Klee eae pom doe a fa eee Sorat geevesasseecmres deme sobre a Televisio). orale Apentamenten 40 persuasiva dn pubiedads, sugerem a0 pabiéo © que | ste deve desejur 8) Mesmo quando difundem os produtos da ‘cultura superior, difundem-nios nivelados © “conden- ssados" a fim de nio provocarem ‘ieahum esforeo por parte do fruidor; 0 pensamento é resumido em “f6r- mulas”; 08 produtos ‘da arte so antofogizados.¢ co- ‘municados em pequenas doses. ‘h) Em todo 0 caso, também-os produtos da cul: {ira superior sao propostos numa situag2o de com: Beto nivelamento com outros produtos de entreteni- siento; num semanétio iustrado, a reportagem sobre ‘um musen de arte vem equiparada ao mexerico sobre ‘ casamento da estréla. ‘Por isso, 08 mass media encorajam uma visio / passiva e acritica do mundo. Desencoraja-se o esfargo’, ‘pessoal pela posse de uma nova experiéncia. = ___ i). Os mass media encorajam uma imensa_in- formagio sobre o presente (reduzem aos limites de uma, ‘erdnica atual sobre o presente até mesmo as eventuais teerumagées do passado), e assim entorpecem toda cconsciéncia histérica’. ‘K) Feitos_para_o_entretenimento o_o lazer,-sio: estudados para empenharem-unicamente_o. nivel super ‘ficial da nossa atengdo.. De safda, viciam a nossa ati- tide, © por iss0, mesmo uma sinfonia, ouvida através de tum disco ou do rédio, seré fruida do modo mais epidérmico, como indicaco de um motivo assobiavel, ‘e-ndo como um organismo estético a ser penetrado em profundidade, mediante uma atengéo exclusiva fiel'*, 1) Os: mais media tendem a-impot simbolos & mites de fécil universilidide, criando “‘ipos™*pron-_ tamente reconheciveis ¢ por isso reduzem 20, fifi a individualidade © o cardter concreto no 36 de nos- (9) finds Se es, ¥. MucDowNin; ¢ wmbém Enmico Futcan suont, {a reams, dla mea cule, ba Calan gsocerns Seach ke a “Soares, de a’ rena, mide row, comet Bent aaa Baka ter Cater Pots, Pn "postome: cage Comimtmteatons, 15632. a ies oe Conmn-Stur sobre Almanaeco Bonnin, op. ct. ‘Prodi flere consunige’, "Hawa Anson. So; Sity andre in Calne forthe Milton, "op C, Cae eset ‘a tm protundads © sepumeata sktsco de Adorno kre 9 aso come ‘Scsponsvel porter Warstormado a Quinta Sinfonia de Beedoven team de soo a sas experiéncias, como de-nossas. imagens, atraves das ~ qulais deverfamos realizar experiéncias'* ‘m). Para tanto, trabalham sobre opinides O°) muns, sobre endoxa, e assim funcionam como uma continua reafirmacéo do que jé pensamos. Nesse sen! tido, desenvolvem sempre uma agéo socialmente con~ servadora'®. ‘m) Por isso se desenvolvem, ainda quando ap rentam auséneia de preconecitos, sob o signo do mais, absoluto conformismo. no campo dos costumes, dos valores cultursis, dos principios. soviais ¢ religiosos, das tendéncias politicas. “Favorecem projesdes crientadas para modelos “oficiais”*, 0) Os mass media apresentam-se, portanto, co- mo o instrumento educativo tipico de uma sociedade de fundo paternalista mas, na superficie,individualista ¢ democritica, © substancialmente tendente a produzir modelos humanos heterodirigidos. Vistos em maior profundidade, surgem como uma tipica “superestrutura de regime capitalista”, usada para finsde contiole © planificacdo coata das consciéncias, Com efeito, apa- Tentemente, eles pdem & disposi¢ao os frutos da cultura superior, mas esvaziados da ideologia e da critica que os animava, Assumem os modos exteriores de uma cultura popular mas, ao invés de crescerem espon- (it) eae tot wm doe sonar mils etudadon, Lembicemes 7 it ene, Nn nilzaSandnacs ae Pemcesco aon, Eve Stute piete Mis Wits Pero, 190, Ego Hawes Ea bore er Seieagl’€'Sudteeré ont," Ees burmoeas iy Conley, “Se Ve fame ny, hear agora claateur te, > weiamente oa eth cai’ soe of Gomi art (a dneiea, Nova’ You Sipe and. Seta, ce, pil Ci Hei Slo Nendo rnd Ghinteoe of Lite Orpban aamie nna er Eriends" im) Sane cule, ‘gpl onae, analsande” rane woo ns tats co cancers se rol ho eatin, Ss Idina eet ‘Waurs c ‘ecker,olicae sobre a fungaoconeervadera ou eit toto © SEs, cote da iin om sncichon ‘Tory ant the Pore, Tp mde sa de not pra relat ul sen anal re ea ae Ea cr dale at te Sige Pasian 2 See A 6 SM Sih Retin ha Aas et ia ciara palais mes chy carer eo EBs in Se nade 8 42 taneamente de baixo, 40 impostos de cima (¢ da cut | ura gentinamente popular no possuem nem osal | nem o humor, nem a vitelissima © si vuigaridade): | Como controle das massas, desenvolvem uma func que, em certas circunstincias historicas, tem cabido a3 ideclogias religiosas. Mascaram.porém, essa sua fun- gio de classe, manifestando-se sob 0 aspecto positivo | da cultura tipica de uma sociedade do bem-estar onde todos tém as mesmas oportunidades de acesso.a cui- | tura, em condig6es. de perfeita igualdade™. a “Cada uma das proposig6es arroladas ¢ subscri- tavel'¢ documentavel, Cabe perguntar se 0 panorama da cultura de massa e sua problemitica tera sido exauridos por esse rol de imputagbes. E a propésito, seté mister recorer aos “defensores™ do sistema. Defesa da cultura de massa Cumpre dizef, antes de mais nada, que, dentre os que demonstram a validade da cultura’'de massa, mui- tos $40 0s que desenvolvem um discurso simplista, de dentro do sistema, sem nenhuma perspectiva critica. nao raro ligados aos interesses dos proxutores. Tipico € 0 caso de Ernst Dichter, que no seu Esiratégia do De- ‘sefo deseavelve uma apaixonada apologia da public- dade, tendo como fundo uma “filosofia” otimista do incremento das experiéncias, que nada mais é que o. mascaramento ideol6gico de uma estrutura econémica precisa, fundada sobre 0 consumo, para o consumo Em Outros casos, temos, 20 contratio,jéstiidiosos dos costumes, socidlogos e criticos, 20s quaisndo devertos. certamente, imputar um otimismo que Ihés permita ver mais longe que seus adversérios “apocelipticos". Se ‘hos pomos em guarda contra o fervor de um David Manning White ou de um Arthur Schlesinger (firme fem suas posigses de um reformismo. demasiado ilumi- nista), no podemos descarar de muitos dos levanta- ‘mentos de Gilber Seldes, de Daniel Bell, de Edward Shilds, Eric Tarrabes, Georges Friedmann © outros" Ga) V. por em Reo, Sota, “Tv @ altura asia”, Paste ¢ Prenat e188. Gi" Wa" tia gue stro 5 9.377 ets 8. 28) 6), act enn ral, sob ode FS okie ope ‘Também aqui, procuramos elaborar um cadastro das roposigbes 4). A cultura. de massa.no ¢ tipica ‘de um re- gime capitalist: “Nasce numa sociedade em que téda ‘4 massa de cidadas se vé participando, com direitos ‘iguais, da vida publica, dos consumos, da fruigio das ‘cosnunicagdes; nasce inevitavelmente em qualquer so- Siedade de tipo indistrial". Toda vez que um grupo de poder, una associagéo livre, um organismo politico 94 econdmico se vé na contingéncia de comunicar-se ‘com a totalidade dos cidadéos de um pafs, prescindindo dos varios niveis intelectuais, tem que recorrer aos mo- +403 de comunicardo de massa, e sofre as regras inevi- téveis da “adequacdo & média” A cultura de massa é prépria de uma democracia popular como a China de ‘Mao, onde as grandes polémicas politicas se desenvol- vem por meio de cartazes de estéries em quadrinhos; toda a cultura artistica da Unido Soviética é uma tipica cultura de massa, com todos os défeitos de uma cultura de massa, entre os quais 0 conservantismo estético, 0 nivelamento do gosto pela média, a recusa das pro postas estilistioas que n&o correspondem 20 que o pi blico jé espera, a estrutura paternalista da comunicagio dos. valores. 6) A execrada ciltura’de massa de maneira al- Jguma tomou o lugar de uma fantasmética cultura supe- rior; simplesmente se difundia junto a massas enormes que, tempos atrés, nao tinham ‘acesso aos bens de cul tura, © excesso de informacio sobre o presente com | Prejuizo da consciéncia histérica 6 recebido por uma | parte da humanidade que, tempos atrés, nao tinha in« “formagdes sobre o presente (e estava, portanto, alijada de uma insergdo responsivel na vida associada) ¢ nia era dotada de conhecimentos histéricos, a néo ser sob forma de esclerosadas nodes acerca de mitologias ‘radicionais"* aat!Band, BERNARD Rosewaena, “Mass Cakare in Ameie. ia “us)V._ Bowie Sus, “Mase “Sie Quando imaginamos 0 cidadéo de um pais mo- ‘demo Jendo numa revista ilustrada noticias sobre a esirela de cinema e informagoes sobre Miguel Angelo, ro devemos comparé-lo a0 humatista antigo, maven do-se com limpida autonomia pelos varios campos do cognoscivel, mas ao trabathador bracal, ou ao pequeno arteséo de alguns séculos atrés, excluido da fruigéo dos bens culturais. © qual, embora pudesse na igreja ow ‘no palécio comunal, contemplar obras de_pintura, apreciava-as, contudo, com a mesma superficalidade ‘com que 0 leitor moderno langa um olhar distraido & reproducio em céres da obra célebre, mais interessado nos particulares anedéticos do que nos complexos va- lores formais. Portanto, o homem que assobia Beethoven porque 0 ouviu pelo radio jé € um homem que, embora ao simples nivel da melodia, se aproximou de Becthoven. (nem se pode neger que j4 a esse nivel se manifesta, em medida simplificada, a legalidade formal que rege, ‘20s outros niveis, harménico, contrapontistico etc, a obra inteira do musicista), ao passo que uma experiéa- cia do género era, outrora, privativa das classes abas~ tadas, entre cujos representantes, muitissimos, prova~ velmente, embora submetendo-se ao ritual do concerto, fruiam a misica sinfonica ao mesmo nivel de super- ficilidade. Citam-se, a propésito, as cifras impressio- nantes dé misica vilida difundida, hoje em dia, pelo radio ¢. pelos discos; e cabe pergumtar se essa acumu- lagio de informacao musical nao se toré resolvido, em muitos casos, em estimulo eficaz para aquisigdes cultu- rais auténticas (quantos de nés no realizaram sua formacio musical justamente através do estimulo dos ccanais de massa?)"* SS ni eaedeto bats unm as, encderna: E cetie Tous Ss afandbeds” ert em indaienos eae Mie calor gat ‘a algponieiaace ana as outres “desu. 45 ©) B verdade que os mass media proptem, ma- ciga ¢ indiscriminadamente, vérios elementos de infor- mago, nos quais no se distingue o dado vilido do de pura curiosidade ou de entretenimento; mas negar que esse actimulo de informardo possa resolver-se em for- macao significa professar uma concep¢io um tanto pessimista da _natureza humana e néo acreditar que ‘um acémulo de dados quantitativos, bombardeando de estimulos as inteligéncias de uma grande quantidade de pessoas, nao possa resolver-se, para algumas, em mutagao qualitativa”®. Além disso, esse género de re- futagdes funciona justamente porque poe a mua ideoto- gia aristocrética dos criticos dos mass media;e demons- tra como € ela perigosamente igual & daquelesque la- mentam ver os habitantes do valedo Ossola despojados dda velha masseira de lenho robusto eda monéstica mesa que os antiquérios substitiram por uma esquélida mobflia de aluminio ¢ férmica,e no compreendem que essa esquélida mobilia, Iavavel © grosseiramente festiva,leva uma possibilidade de higiene a casas onde antiga mobilia de madeira,pesade © carunchada, nao: constituia, de modo algum, um elemento de educacio do gosto;e que a valorizacio daquela mobilia tradi- ional nfo passa de uma deformagio estética da nossa sensibilidade, que agora considera em termos de apre- ciada antiguidade aquilo que, sem 0 advento da mesa de f6rmica, teria continuado a ser um miscroexemplo de’ cotidiana indigéncia. 4) A objegdo, porém, de que a cultura de massa também difunde produtos de entretenimento que nin- guém ousaria julgar positives (est6rias em quadrinhes de fundo erético, cenas de pugilato, programas de TV de perguntas © respostas que representam um apelo 0s instintos sédicos do grande publico), replica-se Saas “haan sae oes tet e.g. serp Bi ier (Go oe Toro aloe) no 2 Bi (22) Tse ape tenouse abe paifis «pronto das dicts ie, ale char ftmnest a 6 fo, Mi Se ‘Smug Batlorya Ea elvione ules Suslo cSt ack, 3 See tre ‘Sato Eye att a hte Etta Sp ce "TW" oh eect © Lined” in re que, desde que 0 mundo € mundo, as multidées ama: ram. 0s circenses; e parece natural que, em mudadas. condigdes de produgao e difusiio, os duelos de gladia~ dores, as lutas dos ursos et similia tenham sido substi- tuidos por outras formas de entretenimento “menores”, que todos vituperam mas que néo deveriam ser con sideradas como um sinal particular da decadéncia dos costumes" 2) Uma homogensizagio do gosto contribuiria, no fundo, para climinar, a certos niveis, as diferen- ‘gas de caste, para unificar as sensibilidades nacionais, € desenvolveria fungdes de descongestionamento antico- lonialista em muitas partes do globo", 4) A. divulgagao dos conceitos sob forma de digest cvidentemente teve fungdes de estimulo, dado {gue os nossos tempos assstiram ao fenémeno definido, tna América do Norte, como a “revolugdo dos paper- backs”, ou seja, a difusio, em enormes quantidades, de ‘obras culturais'valdissimas, a pregos muito baixos € em edigdo integral 9) E verdade que a difusio dos bens culturais, mesmo os mais validos, quando se torna intensiva, em- bota as capacidades receptivas. Trata-se, porém, de um fendmeno de “consumo” do valor estético ou cultural comum a todas as épocas, s6 que’ hoje se realiza em dimensdes macroscépicas. Também no século passado, quem tivesse ouvido, muitas vezes em scguida, uma dada composig&o teria acabado por habituar o ouvido a uma recepedio de tipo esquemitico ¢ superficial. _Nu-_ 1a_sociedade dominada pela cultura de toda Manifestacao. esta submetida a esse consumo, € 4 me-— Thor prova disso é que as préprias criticas & cultura de massa, veiculadas através de livros de grande tira 21), V9 go shad de Dai Bees ¢ Dayp Manus Wc, ca ani acts Ree Bois eee gene Sac cock. onde of see com neo poten faia'0 toe" a ee ei es as haa i, Mae Pennine elctatgh Pie eaters seme, ae as meee wees tke, oman &. 5 Ftsbin eer” var ach conta sees & Shoes epave ghegesehComroar os nisi onreeaae ot ‘Petatabéses, "Mas 1 ee propéatoy citaioes como ‘Coven Stato. ‘Gsm due mae ones ubderetvotdas, s0\e ecinament os mies Ei Svselagle sR pemaian sutra stunrto. dale 7 gem, jornais e revistas, tomaram-se perfeitos’ produtos, ‘de uma cultura de massa, sendo repetidas como slogan, comerciadas como bens de consumo ¢ ocasiges de en- ttetenimento esnobe (como miitiplos episédios conter- rincos de critica & dissipacao jornalistica, feitn através as colunas dos jornais, tristemente no-lo demonstram) ‘h) Os mass media oferecem um accrvo de in- formagies ¢ dados acerca do universo sem sugerir critérios de discriminagdo; mas, indiscutivelmente, sen- sibilizam 0 homem contemporéneo face ao mundo; © ma realidade, as itiassas submetidas a esse tipo de informagéo parecem-nos bem mais sensiveis ¢ parti- cipantes, no bem € no mal, da vida associada, do que as massas da antiguidade, propensas a reveréncias tradicionais face a sistemas de valores estiveis e in- discutiveis. Se esta é a época das. grandes loucuras totalitérias, também nao & a época das grandes muta es sociais e dos renascimentos nacionais dos povos subdesenvolvides? Sinal, portanto, de que os grandes veanais de comunicagio difundem informagées indiseri- minadas, mas provocam subversées culturais de algum relevo™ #) " Por fim, no 6 veriade qué os meios de massa séjam_estilstica © culturalmente conservadores. Pelo fato mesmo de constituirem um conjunto de novas lin- _guagens, tm introduzido novos modos de falar, novos estilomas, novos esquemas perceptives (basta pensar na mecinica de percepedo da imagem, nas novas gramé- tices do cinema, da transmissio direta, na estéria em quadrinhos, no’ estilo jomalistico...): baa ou imd, frata-se de uma renovagao ‘siilistica, que tem, amide, constantes repercussies no plano das artes chamadas superiores, promovendo-Ihes © desenvalvimento™. Uma problemética mal formulada A defesa dos mass miedia teria numerosos titulos de validade, no pecasse ela, quase sempre, em certo 1 a2) Att erin Ten, str man SPR ates Saas allie Beas et Pla! sh Be Stine Se ie gm em elt de Sy Dota ean spf Rea Ge Dlg 48. “livre-cambismo” cultural, Isto é jé se dé de barato a idéia de que a circulagio livre ¢ intensiva dos varios Produtos culturais de massa, visto que sao indubitaveis (05 seus aspectos positives, seja, em si, naturalmente “boa”. Quando muito, avancam-se propostas para um contréle pedagégico-politico das manifestacées mais degradadas (censura sobre estbrias em qua‘ dico-pornograficas) ou dos canajs de transmisséo (con- trole das redes de televisio). se_leva em conta o fato de que, sendo a tiltura de massa, mais as, vezes, produzida por grupos de poder econémico ‘com fins lucrativos, fica submetida a todas as_lei econdmicas que regulam a fabricacdo, a saida © 0 consumo dos outros produtos. industrials: “0. produito ‘deve agrader a0 fregués”, nfo levantar-Ihe problemas; © Tregués deve desejar 0 produto ser induzido a ‘iin tecimbio progressivo do produto. Dai as carac- teristicas. aculturais desses mesmos.produtos, © a ine- vitdvel “relacéo de persuasor para persuadido”, que 6, indiscutivelmente, uma relagio paternalista,estabelecida centre produtor ¢ consumidor.” Note-se que, até num “regime econdmico diverso, 4 relago paternalista pode, moito bem, permanecer {inalterada: no caso, por exemplo, em que a difusdo da cultura de massa permanega nas mios, nio mais dos grupos de poder econémico, mas dos grupos de poder politico qué empreguemos mesmos meios para firis de persuasio e dom{nio. Mas tudo isso serve apenas para rovar-sios que a cultura de massaé um fato industrial , como tal, sofre muitos dos:condicionamentos ti- ide qualquer atividade industrial, Pom rca den apolopaas € afsmar que @ multipl- ‘cago dos produtos da indiistria seja boa em si, segundo uma ideal homeostase do livre mereado, ¢ nao deva ‘submeter-se a uma critica e a novas orientagdes™. © erro dos apocalipticos-aristocraticos € pensar ‘que a cultura de massa seja radicalmente mé, justa- ‘mente por ser um fato industrial,e que hoje se possa ministrarluma cultura subtraida ‘ao condicionamento industrial. A falha est em formular o problema nestes ter mos: “€ bom ou mau que exista a cultura de massa?” (mesmo porque a pergunta subentende a desconfiange reaciondria na ascensio das massas, ¢ pretende por em divida a validade do progresso teenolégico, do sufragio ‘universal, da educagio estendida as classes subalternas te’). ‘Quando, na verdade, o problema é: “do momento ‘em que a presente situacéo de uma sociedade industria) tomna incliminavel aquele tipo de relagio comunicativa ‘conhecido como conjunto dos meios de massa, qual a gio cultural possivel a fim de permitir que esses meios de massa possam veicular valores culturais?” Nao 6 utépico pensar que uma intervencao cultu- ral possa muds a fisionomia de um fendmeno desse igénero. Pensemos no que hoje se entende por “indis- ‘ria editorial” A fabricagao_de livros tomou-se um fato industrial, submetido a todas as regras da produ- ‘go e do consumo; dai uma série de fenémenos nega- tivos, como a producéo de encomenda, o consumo provocado artificialmente, mercado sustentado com 1a criagdo publicitaria de valores ficticios. Mas a in- iistria editorial distingue-se da d0s~dentifricios pelo seguinte: nela se acham insetidos homens de cultura, para os quais o fim primeiro(nos melhores casos) no 2 produgio de um livro para vender, mas sim a pro- ducio de valores para cuja difusdo o livro surge como fo instrumento mais eOmodo. Isso significa que, segun- do uma distribuigo percential que eu nfo saberia pre- cisar, a0 lado de “produtoresde objetos de consumo cultural”, agem “produtores de'culfura” que aceitam 0 sistema da indiistria do livro para fins que dele exor- ‘bitam. Por mais pessimista que se queira ser, 0 apa- recimento de edigées criticas ou de colegdes populares testemunha uma vitéria da comunidade cultural sobre ©o instrumento industrial com 0 qual ela felizmente se comprometeu. A menos que se pense que a propria ‘multiplicagio das coletineas universais baratas seja um {ato negativo de desperdicio intelectual (com 0 que se volta & posicio aristocrético-reacionéria j4 por nés dis- —DO problema da cultura de massa € exatamente 0 ‘la € hoje manobrada por “grupos econdmi- co” que miram fins Iucrativos, e realizada por “exe- ‘cutores especializados” em fornecer ao cliente o que julgam mais vendavel, sem que se verifique uma inter- ‘vengéo macica dos homens de cultura na produgio. A atitade dos homens de cultura € exatamente a do pro- testo ¢ da reserva, E no venham dizer que a inter: vengo de um homem de cultura na produséo da cul- tura de massa se resolveria num gesto tio nobre quanto infeliz, logo sufocado pelas leis inexordveis do mercado, Dizer: “o sistema em que nos movemios representa um exemplo de Ordem de tal forma perfeito e persuasivo, que todo ato isolado, praticado no sentido de modifi- car fenémenos isolados, redunda em puro testemunho” (e sugerir: “portanto, melhor o siléncio, a rebeliio passiva”) — € posigo aceitavel no plano mfstico, mas singular quando sustentada, como ocorre de hibito, com base em categorias pseudomarxistas. De fato, em tal caso, uma dada situacao histérica enrijece-se num ‘modelo, onde as contradigdes originais: se compuseram numa espécie de macigo sistema relacional: puramente sincrénico. A esta altura, toda 4 atencio se desloca para’ o modelo como todo incindivel,e a tinica solucio 6 vislumbrada como total nogacdo do modelo. Estamos no campo das abstragées das mal-enigndidas pre-* sungdes de totalidade: nesse ponto, ignora-se que, no intetior do modelo, continuart a agitar-se as contradi- Wes concretas, que ali se estabelece uma dialética de fendmenos tal que cada fato que modifique um aspecto do conjunto, embora aparentemente perca relevo ante a capacidade de recuperagdo do sistema-modelo, na ver- dade nos restitui nfo mais o sistema A inicial, mas um sistema A,. Negar que uma soma de’ pequenos faios, produtos de iniciativa humana possam modificar a natureza de uum sistema, significa hegar a propria possibilidade das alternativas revolucionérias, que se manifestam apenas num dado momento, em seguida & pressio de fatos infinitesimais, cuja ' agregagao (embora puramente ‘quantitativa)’ explodiu numa modificacio qualitative Pes, comumente, sobre equivocos do género, convieggo de que propor intervengées modificadoras arciais em campo cultural. equivalha ao “reformismo” st ‘em polltica, atitude considerada como oposta a atitude reyolucionétia:. Nao se calcula, antes.de tudo, que, se eformismo significa acreditar na eficécia das modifi- cages parciais, excluindo as alternativas radicais ¢ violentas, nenhuma atitude revoluciondria jamais excluia faquelas séries de intervengdes parciais que visam ‘ctiar a5 condigdes para alternativas radicais, e se en- quadram na linha diretiva de uma hipotese mais ampla. Em segundo Iugat, a categoria do reformismo parece-nos absolutamente inaplicavel 20 mundo dos valores culturais (e portanto, um discurso valido para 9s fenémenos de “base” seria inaplicavel a certas leis cespectficas de algumas manifestacies superestruturais). ‘Ao nivel da base sécio-econdmica, uma modificagio parcial pode atenuar certas contradigdes e evitar a ex- plosio delas durante largo espago de tempo; em tal sentido, a operacéo reformista pode assumirvalor de contribuigo para a conservacto do status quo. Mas 20 nivel de circulacdo das idéias, pelo contrério, jamais, focorre gue uma idéia, embora’ posta em circulagio ‘soladamente,se torne 0 ponto de referéncia estitico de desejos ora apaziguados; ao contrario, ela solicita uma ampliago do discurso. Em termos bastante claros: se ‘numa situagdo de tensio social, eu aumentar os salé- rios dos operdrios de uma fibrica, pode acontecer que essa solugZo reformista dissuada 0s operérios da ocupa- ‘s80 do cstabelecimento. Mas, se a uma comunidade agricola de analfabetos ensino’a ler para que estejam aptos a ler 36 08 “meus” pronunciamentos_polit fiada poderd impedir que amanha esses homens leiam também os pronunciamentos “alheios”. Ao nivel dos valores culturais no se verifica cris- talizacdo reformista mas tio-somente a existéncia de processos de conhecimento progressivo, os quais, uma vez abertos, no séo mais controléveis por quem os desencadeou, Dai a necessidade de uma intervengio ativa das comunidades culturais no campo das comunicagées de tiassa. © siléncio nao € protesto, & cumplicidades Iesmo ocorrendo com a recusa a0 compromisso, Naturalmente, para que a intervenglo soja eficaz, 6 preciso que vena precedida de um conhecimento do 52 ‘material sobre o qual se trabalha. © mais das vezes, até hoje, a polémica aristocrética sobre os meios de massa fugin ao estudo das suas modalidades especificas (ou orientou para tal estudo unicamente aqueles que davam de barato a pacifica bondade de tais meios, € por isso Thes examinavam as modalidades a fim de tasé-los das maneiras mais desconsideradas ou mais in- teressadas). Tal menosprezo teve, igualmente, @ seu favor, outra convicgdo: a de que as modalidades das comunicagSes de massa constitufssem, sem sombra de divida, aquela série de caracteristicas que tais comu- nnicagdes assumem num determinado sistema s6cio- -econémico, o de uma sociedade industrial fundada na livre concorréncia. Ora, jé se tentou sugerir que, provavelmente, muitos dos fendmenos conexos & co- municago de massa também poderdo sobreviver em ‘outros contextas sScio-econémicos, visto serem frutos a especifica natureza da relaggo comunicativa que s¢ ‘efetua quando, devendo alguém comunicar-se com vas- tas massas de pablico, deve recorrer a procedimen- tos industtiais, com todos os condicionamentos devidos. & mecanizagio, & reprodutibilidade em série, a0 nivela- mento ‘do produto pela média, © assim por Giante. Antecipar ‘como tais fendmenos se podem configurar em outros contextos congemne a planificagso politica. No plano cientifico, ocorre, por ora, uma 6 alternativa fecunda, que € a de examinar, nesse interim, como o fenémeno se configura agora, dentro do ambito ‘em que possivel realizar uma investigacdoiconcreta, baseada em dados experimentais. Neste ponto, pode-se transferir 0 discurso do pla- no dos problemas gerais para o das,decisées particula- res, Em tal caso, ele se restringe a um simples apelo: © apelo a uma interven¢do que se realize sob a déplice forma da colaboragio e da anilise eritica construtiva, Os meios de massa, para muitos, jamais foram alvo . de uma andlise cientifica que nao fosse execratéria, ‘ou de um comentirio critico assidtio © orientador. Quando tal ocorreu, observaram-se mudancas. © exem- plo da televistio € sintomético. : ‘Ninguém pode negar que através de uma critica ‘cultural cerrada (nfo separada, 0 que é importante, 53 de uma aso a nivel politico) se tena obtido a me- Thora de certo setor dos programas © uma aberture do discurso. Nesso sentido, a critica cultural cria 0 mercado © oferece aos produtores orientagbes capazes de assumir relevo coativo. A comunidade dos homens de cultura, felizmente, ainda constitui um “grupo de pressio". A. imtervengio ctitica pode, antes de mais nada, evar & correséo da conviegdo implicita de que cultura de massa seja a produgdo de cibo cultural para as mas- sis (entendidas como categoria de subsidadios), reali- zada por uma elite de produtores. Pode repropor 0 fema de uma cultura de massa como “cultura exercida ao nivel de todos 0s cidadios”, Embora isso no sig- nifique que cultura de massa ‘seja cultura produrida _pelas massas; no ha forma de eriagio “coletiva” que nndo seja_medida por” personalidades “mais dotadas, feitas intérpretes de uma sensibilidade da comuni- dade onde vivem. Logo, néo se exclui a presenga de lum grupo culto de produtores e de uma massa de frui- dores; 86 que a relayéo, de patcrnalista, passa a dialética: uns inierpretam as éxigéncias e as instancias dos outros. Critica dos trés niveis ZHsve ideal de uma cultura democritica impée uma revisio. do coneito dos tres nivels (high, middle Jow), despojados, aqui, de algumas conotagées que os tornam tabus perigosos. @) Os niveis nao correspondem a uma nivelacio lassista, Isso jd & ponto pacifico. Sabe-se que o gosto ‘high brow nao € necessdriamente o das classes domi- nantes; assiste-se, assim, a curiosas convergéncias: a Rainha da Inglaterra gosta daquele quadro de Annigo- ni, que de um lado encontraria a anuéacia de um Krichey, ¢ do outro, ganharia os ‘favores de um ope- Firio impressionado com as ousadias do mais recente abstracionista™, Professores universitarios deletam-se 26) V,, ©. Dowtes in Le oxo de euro, op. i © 80, acago “hitch © core ur" ati" 06 fh, 4 com a ieitura de estérias em quadtinfios (ainda qué ‘com diferentes atitudes receptivas, como veremos) én quanto através de colecdes populares, membros das classes outrora subalternas eniramaa posse dos valores. “superiores” da cultura. 'b) _ Os txés niveis niio representam trés graus de complexidade (pedantemente identificadas com o va- Jor). Em outros térmos: soinente nas interpretagées mais esnobes dos trés niveis ¢ que se identifica 0 “alto” com as obras novas ¢ dificeis, compreensiveis apenas pelos happy jew. Temenos uma obre como, Leo. pardo. Independentemente de um juizo critico de ‘conjunto,, a opinizo comum a inscreve no nivel “alto”, pelo tipo de valores que veicula © pela comple- xidade das suas referéncias culturais. Todavia, socio~ logicamente falando,-dela se fez uma difusio © uma ‘degustacio a nivel middle brow. Ora, 0 éxito alcan- gado a0 nivel médio seré sinal de deperecimento do Valor cultural real? Em certos casos, sim. — Alguns romances italianos que recentemente alcangatain éxitos retumbantes deviam seu sucesso justamente is raz6es focalizadas por MacDonald a propésito de O Velho & 0 Mar: divulgam estilemas e atitudes culturais, agora esvaziados da sua forca inicial ¢ acertadamente bana- fizados (com ® cumplicidade da habituago do gosto através dos anos), ¢ os colocam ao nivel de um publica preguigoso que julga fruir valores culturais novos, quan- do, na realidade, sO faz saquear um armazém estético ja arruinadot. Mas, para outros casos, 0 critério nfo € valido. Do jodo, existem_produtos_de_uma- cultura lower brow, certas est6rias en exeripld, que 840 cons emo pra nivel “high brow,sem__queisso_constitua,_mecesse- iamenté, uma_qualificagio.do_produto, Vemos, por- ‘anito, qué’ o panorama é bastante mais complexo do. ‘que 32 ré. Bxistem produtos que, nascidos certo nivel, resultam consumiveis a nivel diverso, stm que 0° fato “comporte um juizo de complexidade ou de valor, Ademais, fica aberto o problema de tais pro- ‘dutos apresentarem duas possibilidades fruitivas diver- od as em quadtinhos, por sofisticado. > meme Rosoeere, no aria sino, in Mase Cidnne ti Se Ms ead Sata doe rides ge car oe Seam totane ge o opens tos 828, oferecendo, desse modo, dois diferentes aspectos de, complexidade, ¢) Os trés niveis néo coincidem, portanto, com 5 niveis de validade estética. Pode-se ter um produto hhigh brow, que se recomende por suas qualidades de “vanguarda”, ¢ reclame, para ser fruido certo preparo cultural (ow uma propensio & sofisticagao), c que, todavia, mesmo no ambito das apreciacdes proprias daquele nivel, venha a ser julgado “feio” (sem que. por isso. seja law brow). E podé haver produtos low brow,destinados a serem fruidos por um vastis- simo piblico.que apresentem caracteristicas de otigi- rnalidade estrutural tais ¢ tamanha capacidade de supe- rarem os limites impostos pelo cirevito de produgio consumo em que esto inseridos, que mos permitam julgé-los como obras de arte dotadas de absoluta vali- dade (é 0 caso, a0 que parece, das estérias em quadri mmhos como os Peanuts, de Charlie M. Schulz, ou do Jazz nascido como mercadoria de consumo, ¢ até como “misica gastronémica”, nas casas de tolerancia dé Noval / Orleans)** 4) A transmigragto de estilemas de um nivel su- perior para um inferior no significa, necessariamente, gue os citados estilemas tenham encontrado foros de cidadania no nivel inferior 56 porque se “consumiram” ou se “compromissaram” Em certos casos, é 0 que realmente acontece, em outros, assistimos a uma evo- ugfo do gosto coletive que obteve e desiruta, 2 nivel mais~ amplo, descobertas j4 antecipadas por via Puramente experimental, @ nivel mais restrito. Quan- do. Vittorini, recentemente, felava na distingao ‘entre uma literatura comio “meio de produgio” ¢ uma literatura como “bem de consumo”, evidentemente néo, pensava desprezar a segunda, identificando a primeira’ como a Literatura rout court. Sua intengio era falar nas diversas fungS8s qué a literatura exerce a diversos: niveis. Creio que possa existir um romance entendido Como obra de entretenimento (bem de consume), do- tailo de validade estética © capaz de veicular valores ‘riginais (nfo imitagies de valores jé realizados), & 98,8806 8 Peanuts recomendames « ietera do somo ae Mind ecomendamos « itr do somo © mundo que, icdavia, tome como base éomunicativa uma koiné estilistica criada por outros experimentos literdrios, os quais tiveram fungdes de proposta (talvez mesmo sem realizar valores estéticos perfeitos, mas s6 esbogos de uma forma possivel)** Uma possivel conclusio, mais algunas propostas de pesquisa Tudo isso, nos permite, portanto, adiantar um: terpretagao do estado presente da nossa cultura, levando- ém conta uma sobrevinda, complesdade da cireulasie lores (teoréticos, préticos e estéticos). ia (et a dividia-se em homens na posse dos instrumentos cultu- rais © homens dela excluidos. Os possuidores dos var fores culturais dominavam a cultura no seu complexo: Leonardo era um matemético e um técnico. projetava, méquinas possiveis e” aquedutos coneretos. Com 0 de“ senvolvimento da cultura, assistimos, antes de mais pada, a uma estabilizagdo de maior mimero de niveis teoréticos: entre pesquisa tedrica © pesquisa experimen- tal criou-se um hiato e um sistema de “disparidade de desenvolvimento”, que por vezes apresentou décalages de varios decénios, e até mais. Entre as pesquisas das geometrias néo-euclidianas ou da fisica relatvista © as ‘suas aplicagbes na resolucdo de problemas tecnolégicos concretos, houve um importantissimo lapso de tempo. Sabemos, porém, que as descobertas einsteinianas no fo menos vélidas pelo fat de nfio se Iles entrever a ‘aplicagio conereta, ¢ que as mesmas pesquisas, aplica- das a0 eitudo dos fenomenos nucleate, ¢ dai uma tecnologie concretissima, nem por isso se “consumit ta depeupermam, ‘Ese tigre de desenvolvimen- toe essa correlagio entre niveis teorético-praticos diver~ 's08 so hoje accitas como fendmenos tipicos da nose cultura. Parece-nos, no entanto, nevessitio reconhecer que também no campo dos valores estéticos se verificou tama especificagio dos niveis, de tipo andlogo: de um lado, a ago de uma arte de vanguarda, que nio_pre- 29)" Lala © caplilo A iriure do inn gone. a7 fende nem deve pretender a uma imediata comprecrisi- bilidade, © desenvolve agdo de experimentagao sobre as formas possiveis(sem que por isso deva, necessaria= mente, ainda que ocorra em certos. casos, prosseguir ignorando, os outros problemas, ¢ julgando'se a tnica tiadora de valores culturais);"do outro, um sistmd de “tradugées” ¢ “mediagdes”, is vezes com afistamen- tos de decénios, pelo qual modos de formar (com os sistemas de vaiores conexos) vo encontrar-se a niveis | de mais vasta compreensibilidade, integrados agora na | sensitilidade comum, numa dialética de recfprocas | fluéncias bastante diffceis de definir, © que, todavia, | se instanra efetivamente através de uma série de re- | lagbes culturais de varios tipos®. A diferenca de nivel entre os varios produtos no constitu’ a priori uma siferenca de valor, mas uma diferenca da relapio frui- , va, na qual cada um de nés alternadamente se coloca. | Em_outros teimos: entre o consumidor de poesia de | Potad's ‘Constimidor dé ‘tin romance policial, de’ di- { telto, no existe diferenga de classe social ou de nivel” || intelectual: Cada ‘um de inés pode ser um e oir, em | diferentes momentos de'um mesmo dia, nuii Caso, bus. ‘cando uma excitagdo de tipo altamente especializada, no outro, uma forma de entretenimento capaz de ve cular ume categoria de valores especifica: Digo “de direito”. Porque se podétia objetar que, e fato, eu posso fruir tanio de Pound quanto do ro” ‘mance policial, ao passo que um guarda-livros de ban- | | | co de categoria C, por uma série de motives (muitos dos quais no irremediaveis, mas, no estado atual. dos fatos, insuperdveis), pode fruir unicamente do roman- ce policial, e encontra-se, destarte, culturalmente, em situiagao subalterna, © problema fora, porém, levantado em jinha de ireito, justamente por isso. Porque sé em linha de direito nos sera possivel entender a diferenciagéo dos niveis como uma diferenciagio puramente circunstan- ‘cial da procura (e no dos que procuram), podendo, 120s, vérios niveis, produzireni-se obras que ‘conduzam, i ‘no Ambito estilistico predeterminado, um discurso cul- 2, Jno Ma, et Pt, Ont ell SE Ai er Tt Ct), pe eae ne nea Ae turaliente criativo, Isto. é: s6_quando_adguirirmos Pa da wisn en quadition, © que porany a storias em ‘so um produto — ieilbo do por um consumidor, que, naquela ocas Sa Spedtcando sun demioie iste ete is ela exppriéncia de fftigfo a sua erin intcee de honem,educado, tb: 05. fruigéo de outros niveis, 36 entio a produgio de eité- riag tm‘ quadrinho®“apareceré como sendo determina “da por um tipo de procura culturalmente avisada. O curioso-€-que essa situagdo-de-direito, no tocante aos ‘consumidores intelectualmente mais aguetridos, jé se verifica de fato. © himem de cultura. que em deter minadas horas ouve Bach, em outros momentos sente- “82 propenso a ligar 0. radio para riimar sua atividade através de uma “misica de uso” para, ser consumida a nivel superticial..S6 que, nessa ati- vidade (dominado por uma implicita cits mo ‘com que julga um ato culpdvel), acci rt pn com oe gm ein produto que usa; assim fazendo, aceita descer de nivel, Sivere-e bancindo o “normal” igual A’ massa qué ‘coragio, despreza, mas da qual sofre o fascinio, o Spe prmeediak Ac paso aue'o problema nao é exe- ‘efar o recurso. uma mésica de entretenimento, mas ‘sim pretender uma misica que entretenha segundo médulos de dignidade estilistica, com perfeita aderén- ‘ia ao escopo (e portanto com artistcidade), ¢ sem {que 0s apelos viscerais, indispenséveis ao mister, pre valecam além de certa medida’ sobre outros efé- mentos de equilibrio formal. Portanto, s6 aceitando ‘a visio dos varios niveis como complementares e todos cles fruiveis pela mesma comunidade de fruidores, é que se pode abrir caminho para uma melhoria cultural dos mass media; e note-se que recorremos ao exemplo mais extremo, 0 de uma mnisica consumida como fin- do ritmivo. Pensemos, porém, nos programas de entro- ‘enimento televisional, na narrativa de evasio, no filme comercial. 59 ‘Mas o problema é ainda mai /e, Sempre em linha de fato, quando consderado’ do. poato de vista 0 consumidor ‘comum (0 guarda-livros de quem se falava acima) }dai porque nasce o problema de uma acio politice-social que permita no s6 a0 habitual fruidor de Pound poder recorrer ao romance. policial, ‘mas também ao habitual fruidor de romance policial poder adir uma fruicao cultural mais complexa. O Problema, jd o dissemos, é, primeiramente, politico (um problema de escolaridade, antes de mais nada, ¢ depois, de tempo livre, mas entendido néo como’ “dadiva™ de horas a dedicar & cultura e a0 écio; e sim, como uma nova relagio face ao momento laborativo, nao mais sentido como “alienado” eletivamente recolocado sob nosso controle), mas tem a soluedo faciltada pelo reconhecimento de que'os varios nivers se.equivalem em dignidade e por uma acdo cultural gue parta da.assungio desse pressuposto. Nesse. meio tempo, aceita essa paridade,acentuar-se-a um jogo de assagens reciprocas entre os varios niveis, No passa pela caboga de ninguém que tudo isso deva acontecer de modo pacifico ¢ institucionalizado. ‘A luta de uma “cultura de proposta” contra uma “cultura de entretenimento” sempre se estabelecerd através de uma tensfo dialética feita de intolerfncias reagbes violentas, New ae. deve pensar que uma ‘visao tet ou ibrada das relagdes entre os vérios hives leve elimina dos desequlivien e-daguctes fenémenos negativos deplorados pelos eriticos dos mass media. Una cutura d-entitenimento amels poderd escapar de ieterse_a_certas leis da oferta ¢ da ‘rocira_(alvo quando se torn, una ves mals cab fe rl de ee i enna" fs e-cina)Autopiaprtigurada tem valor de “torma sélodoliica” a que’ os homens de cultura. podeam mente terse paca’ moveremse. ee ce viios niveis. O resto pertence & realizagio concreta, com todos’ ot desvios © malogtos do. aco, Sempre recordarei o episédio de um cronista de ‘TV, amigo meu, profissional seguro e digno, que, com os olhos no monitor, fazia uma crénica sobre fato ocortido numa cidadezinha da provincia piemontesa, 60 Enquanto o dirctor the passava as sltimas imagens, © eronista conciuia o seu comentério, na verdade bas- tante s6brio, com uma referéncia noite que descia sdbre a cidade, Naquele ponto, por uma inexplicavel bizarria do diretor, ou por um erro de mensagem, apareceu no monitor, completamente fora de propé- sito, a imagem de criangas brincando numa rucla cronista viv-se, ento, na contingéncia de comentar a imagem, ¢, recorrendo a um batido repertério bai- xamente ret6rico, disse: “E cis os garotos, ocupados ‘com os seus jogos de hoje, seus jogos de sempre...” ‘A imagem tornara-se simbélica, universal, patética, ¢ epresentava um modelo daquele midcult que Mac- Donald execrava, feito de falsa universalidade, de ale- gorismo vazio. Por outro lado, 0 eronista nao teria podido calar-se, visto que, no &mbito de uma discuti- ‘vel “poética da ‘crénica de TV”, julgava ele dever asso- ‘iar, por exigencias de ritmo, um continuum falado 20 continuum das imagens. A’ natureza do meio, sua acidentalidade, a exigéncia de respeitar a expectativa dos telespectadores tinham-no feito cair no poneif. Mas antes de reagir contra essa irremediével triviaidade dos meios de massa, convém perguntar quantas vezes, na literatura de “alto nivel”, as exigéncias do metro cou da rima, a obediéncia ao comitente, ou outras de- terminagSes pertinentes as leis estéticas ou sociolégi- cas no terio levado a compromissos anélogos. © epis6dio, se nos diz que no novo panorama humano determinado por uma cultura de massa as possibilidades de regresséo sto infinitas, também nos indica como se pode exercer uma critica construtiva dos varios fe- némenos e uma individuacio dos pontos fracos. Néo € nosso objetivo indicar como os homens 4e cultura possam intervir como “operadores” na érea da cultura de massa, Podemos tinicamente apontar, em sintese, para algumas direées de pesquisa, a0 longo das quais & possivel estabelecer uma andlise ientifica dos mass media, também ao nivel da pes- quisa universitéria. Quando mais nao seja, para for- rnecer os elementos de uma discusséo construtiva que arta de uma objetiva tomada de consciéncia dos fe- ‘n6émenos. Eis, em seguida, algumas propostas de pes- quisa. ol \ @) Uma pesquisa técnico-retorica sobre as lin. suagens tipicas dos meios de massa e sdbre as novide- des. formals por elas introduzidas, Sirvam-nos trés cexemples. _-— 1. Ext6rias em quadrinhos: a sucessio cine- matogréfica das strips. Ascendéncias histéricas, Dife- rengas. Influéncias do cinema. Processos de_aprendi- zagem implicados. Possibilidades _narrativas conexas Unido palavra-acdo, realizada mediante artificios gré- ficos. Novo ritmo © novo tempo narrative derivado, Novos estilemas para a representagéo do movimento (os autores de estorias” em quadrinhos —copiam na moviola no de modelos iméveis, mas de fotogramas que fixam wm momento do movimento). TInovagses na técnica da onomatopéia. Influéncias das experiéncias pictéricas precedentes. Nascimento de um novo tepertério iconogrifico © de padronizagées que agora funcionam como topoi para a koiné dos fruido- res (destinadas a tomarem-se elementos da linguagem aadquitida pelas novas goragées). Visualizagio da me- | téfora verbal. Estabilizagso de tipos caracterolégicos, \ seus limites, suas possibilidades pedagégicas, sua fun- Gio mitopoittica* \— 2. “Televisiéo: gramética ¢ sintaxe da transmis sto direta. Sua especifica temporalidade. Sua relaglo de imitagio-interpretacio-adulteragéo da realidede. Etcitos psicolégicos. RelagSes de recepoio. Trans formagdes sofridas por uma obra rcalizada em outro local (teatro, cinema), uma vez tomada ou transmitida dentro das dimensbes’do pequeno video: modificagio dos efeitos ¢ dos valores formais. Técnica e estética ‘das comunicagdes nfo especificamente artisticas, uma vez. submetidas as leis gramaticais da tomada’e da transmissio.** 3. Romances policiais ou de “science-fiction”: primordialidade do plot em relagao aos outros. valores formais. Valor estétics do “achado” conclusive como GD Fol 0 ave se teton x0 sonalo Leluen de "Ste Canvon (De. S nmr te ae Ode 2) Vp bagi © ome, Swede ¢ saualtade (A experitucia de gersto o's, Buin? Gn Bare bei, Gia Pa vn Sopie"s feduta de ramaerte “de thoasicagss’ fo Caifanes elemento em torno do qual gira toda a invengio. Es truura “informativa” da trama. Elemento de critica social, utopia, sétira moralista; suas diferengas em relagéo a produtos da cultura “superior”. Recurso a diversos tipos de escrita ¢ diferencas estilsticas entre “policiais” tradicionais ¢ “‘policiais” de ago; relagao com outros modelos Titerérios.®* ft B) Uma pesquisa critica sobre as modalidades ¢ os éxitos dos transvasamentos de estilemas do nivel ‘superior para 0 nivel médio. Casos em que parece valida a dentincia de MacDonald (0 estilema, uma ‘vez transposto, aparece banalizado) © casos em que se tem, pelo contrério, real aquisico © revivescéncia do estilema. em outro contexto. Poderfamos dar dois exemplos. Durante o telejorrial de 14 de margo de 1963, Sergio Zavoli, comentando no me lembra que triste ‘ocorréncia, mostrava uma multidéo acompanhando um {éretro ao cemitério, e assim se expressava: “Cada um fem sua morte @ chorar, sua dor a emparedar...” ‘Assim, enquanto viamos desenharem-se no cho as sombras dos enlutados: “Pelo chio, a pietd desenha as suas sombras”. Claro esté que embora se possa perdoar a metéfora “cada um tem sua dor a empa- redar”, é mais dificil sobrevoar aqucla pietd que desenha no chio as suas sombras, Trata-se, evidente- mente, de uma clara tentacio esteticista, da incapa- cidade de renunciar @ uma imagem visual formalmente {22,34 exam itremantes ans a espelto, Ciaremos W. HL junit al! irc Sane: Queen 2h romans tia) ‘Bega eremmey cgrepengsngi ep snaie, ansogs Sek SEIREY COUSSng Uanio Sot: Dore "a oven €E"cane Davie ie Chewy, Per ls courusone di an medello terrae delle rove ti Sele Hobe ie, uly dato snl det ‘au cnecplo ‘de lara “arerdtea™ do polly dado pot tn rien Tala pate"esco Ean Wkon ems uno so oe enue" Oni, Raffer and. Misr Bierdich, e wma contro, de See tade Cal de"Geiste 1 nun The etait of te” Merde Jor ve Milton: Pura a Selencedetiom, Saganos ‘Kimetisy ANE, Boone mappe det ijeme, Wil, Bemeiat, 1662, "© agora comhec™ Sisto Diapason sola "Scleee. ieten,Tuopia © O wmpo7, de Seno) Sonu fuow Argoment oventredesombre e195). Todos fins eoemplos, elo apenas of male ispnes, dmoaran gee x Settee’ & na"feaa Stes obese, Etio ‘Gadtedndon de isassulura ae ngesa Une. peau. gue pode leat Sg Catcesiment dor mion, Gor fine daz posibondess a baa de iste eutcor ote aut de. cera pias bor pare de. nove. chegorles de gpradoces,V. pumas da oss erature hs eusios mito de Superman, 2* parte 63 interessante (0s enlutados identificados pelas sombras), qual se sobrepés uma imagem verbal que transpunha para o Ambito de um discurso cronistico’ um marinis- mo, que talvez possa ter tido seu avatar em alguns locais qualificados, mas que, naquele, surgia em toda Sua gratuidade3 representava uma espécie de logro, li- sonjeava © pablico: com a ilusio de que fora admit do a fruir de tesouros poéticos originais, mas em grau de poderem ser por ele apreciados, quando, na verda- de, desfrutava 0 seu pr6prio hAbito de estlemas agora verdadeiramente consumidos © depauperados." © segundo exemplo é representado por um ro- mance como Caich 22, de Heller, romance “de con- sumo”, que se apresenta com todos 0s atrativos do {Gc ¢ ‘espirituoso dislogado do tecnicélor hollywoodia- no. De fato, desénvolve sua polémica antibelicista clara © pontual © manifesta com autenticidade sua visio andrquica © absurda da vida contemporaine, do exéreito, das relacdes de propriedade, da into- Ierancia politica. Para tanto, lanca mio de todos 8 expedientes de uma narrativa de vanguarda, do flash back & citcularidade temporal, do mondlogo interior & amplificagio grotesca, tipica de um certo Joyce (0 do capftulo do Ciclope, em Utisses), e assim or diante. Assiste-se, aqui, & transposigéo para nivel de consumo de estilemas ja adquiridos pela sensibili- dade ¢ pela cultura corrente, © no entanto, motivados pelas exigéncias de um certo discurso. Surge 2 divida de que os estilémas se achem aqui depauperados © taldos, mas que $6 aqui tenham encontrado a sua verdadeira razdo de ser. Divide paradoxal, bem en- tendido, mas que serve para’ demonstrar como, neste 2 Bs gm data ease gti de estenss ox east ais Be ede SoU EE ester Seretagh ad as Wee Tole Mts Tone Gini Fotis Se nat iat eds, RE viet Sod Ge Seapets etd S adthcas a Sears fea, eae ma ES sc Teal PS eas fol Se ea elated a, Haeaet seas, Sle tlt ire ama pl ce at pa ao Pros EERE permanece “ancoraca). “Vejase “0” capitate 64 caso, as pastagens ¢ transfusdes entre varios nfveis, parecem legitimas e produtivas; como_se_pode_fazer narrativa de consumo, realizando valores artisticos_ori- ginaisy como, através de exemplos semelhantes. de. uma. ‘cillura dé masse (ou de uma ciltiica Smédia”),-podem 65 Teitores sor fados & degustacdo de produtos ste-mais ‘commplexes!” como, enfim;-cada—um-de-nés, ‘ato Tals “cult” & sofisticado, pode recorrer_ a seme- Thantes formas de eniretenimento semi ter @ impressic acanalher-se. 'S6 através de observagies criticas desse género se torna possivel um discurso equilibrado sobre os significado que continuamente podem assumir as relages de transfusio entre os varios niveis. ‘c) Uma andlise estético-psicolégico-socioldgica de como as diferenciagdes de atitude fruitiva podem influir no valor do produto fruido™. Isto é: néo é a difusdo em disco da Quinta Sinfonii de Beethoven que a banaliza. Se me dirijo a uma sala de concertos com Jintuito de passar duas horas deixando-me embalar pela misica, realizo uma banalizagio da mesma ,ordem; Beethoven vira tema de assobio. Por conseguinte, & fatal .que muitos produtos culturalmente validos, di-- fandidos através de determinados canais, submetam-sé A banalizacio devida nao ao préprio produto, mas as modalidades de fruicgao, Convird analisar, antes de mais nada, se, no caso de obras de arte, até mesmo o colher 0 aspecto superficial de uma forma complexa nao me permitiré, pelo menos, adir por via lateral a fruigio da vitalidde formativa gue 2 obra ostenta, ainda que nos seus aspectos mais superficiais**, Em. Contraposigdo, conviré averiguar se, no caso dos pO tog nasides arn am_smpls ‘entniment, raigho_a_nivel_sof ‘nig_os Gard carregando e Siguiticados_aritrtios ou ae (35)_Resomgndanoy, ma HE eMart tan, apt ts Teodor Se a Pe ut eo ign ae Sa ocean tae ved a ‘Bola pines exes (G6) Ei ecomendanos me propolis de cic Ll ‘ech, fetSGE T'S" tatd Meares Sect ate Beeler. ii Os lores_mais _complexos do que de _fato veiculam. Deve-se, a seguir, proceder a uma andlise dos limites te6ricos ¢ priticos, dentro dos quais uma dada atitude fruitiva nao altere irremediavelmente a nature- za ‘da obra fruida; © 0s limites dentro dos quais uma obra € capaz de impor certos valores, independente- mente da atitude frutiva com que a abordemos. d) Finalmente, andlise eritico-sociolégica dos casos em que novidades formas, embora dignas, sm como simples artificios retérices para veicularem ‘stoma dence ques de foto, fala Yona ve com elas. Por exemplo: quem segue as est6riss em quadrinhos de Mary Atkins, publicadas no I! Giorno, notard que 0 déseriho se articula mediante solugbes de enquadramentos © montagem de alto nivel técnico (0 desemhista pertence & escola do grande Alex Ray- mond), exibindo angulagées inusitadas © ousadissimas, esborces inspiradés na gramatica cinematografica, desde ‘as tomadas-em recuo (Vinheta apés vinheta)'de cam- pos extensos, focalizadas de cima, até aquelas em que ‘a “c&mara” "(puramente ideal) enquadra as persons- gens através da asa formada pelobrago de uma per sonagem colocada em primeirissimo plano etc. Todos esses artificios estilisticos séo empregados sem neahu- ma referéneia As necessidades da narrativa, a titulo meramente sensacionalista; ¢ mio s6 isso, mas @ nar rativa ostenta um repertério de situagées bastante vyalgares, de sentimentos chatamente " elementares, de esgotadissimas solueSes _narrativas. Tem-se, a3) sim, aqui, o caso patente de uma aparenie novida- | de Posta a servigo de uma vulgaridade total. / Mais imteressantes so 0s casos em que a absoluta no- | vidade gréfica serve para veicular contetidos politica @ socialmente conformistas (0 artificio modernista usado Como instrumento retérico para fins de poder); os casos 2m que 0 desenho de tipo tradicional veicula contesdos ‘rddicionalistas; os casos em que 0 desenho novo e oti- | inal se torna, pelo contrério, © instrumento perfeita- | mente amalgaroado de um discurso de ruptura, ¢ assim | or diante* — G7 Agu mawrainone, a perqusa salma, impleando 2 esmtiegao "ce sustain" Tdestscar, "a Tavesigaga, ebelages. 66 Propés-se, destarte, uma série de pesquisas possi veis (cada uma das quais poderia constituir argumento para um semindrio universitério), suscetiveis de for- recer elementos de discussio para um debate sobre aa cultura de-_massa_que leve em conta seus-meios.ex- ‘essivos, 0 modo pelo qual sie” usados, o-modo com ‘que sio fruidos, 0 context’ cultural em que-se~inse- ‘Tem, 9 pano de”fando-politicoroi social que Ihes da ‘cariter € funcio. vif She, cms ni Ly ye my is hae i a oa ee Bernice para h ys"eet Uh ae SESE nat Sia MG te Seale Score BeAr ae Sc SES ciao Sot Mew mcr oc Secret Pare are Bint rae scntie's Unt esol oe ee alee "gaits Me oa Sas Mirae ce, HE nn om elo okt" cat tes euch git oe ee Ee Sire fom. Ree ee Scene Sao VOTE Sas, al ae Pat SM a 07 ‘A ESTRUTURA DO MAU GoSTO © mau gosto padece a mesma sorte que Croce reco- nhecia como tipica da arte:todos sabem muito bem 0 ‘que € ¢ nfo hesitam em individué-lo apregoé-lo,mas, atrapatham-se ao definilo, E téo diffell parece a defi- nigdo, que até para reconhecé-lo nos fiémos no num peradigma, e sim no juizo dos spoudaioi, dos peritos, 0 ‘que vale dizer, das pessoas de gusto: em cujo comporta~ mento nos baseamos para definir, em Ambitos de cos- tume precisos, 0 bom ou 0 mau gosto. ‘As vezes, 0 reconhecimento é instintivo, deriva da reagio itritada a algumas desproporgées patentes, a algo que parece fora do lugar: a‘gravata verde sobre o lum terio azul, a observagdo impertinente feita no am- bicnte menos adequado (e aqui o mau gosto, no plano do costume, torna-se gafe e falta de tato) ou mesmo a expressfo enfética nao justficada pela situaclo: “Via- se 0 coraco de Luis XVI pulsar com violéncia sob a renda da camisa... Joana ferida {no orgulho], mas alimentando a chaga como 0s leopardos feridos pela fle- cha...” (so duas frases de uma velha traducio italia- ‘na de Dumas). Em todos esses casos, 0 mau gosto individuado como auséncia de. medida; mas resta, em seguida, detinir as regras dessa “medida”, e entao nos ‘amos’ conta de que clas variam com as’ épocas ¢ ci- vilizagoes, Por outro lado, haveré coisa mais instintivamente de mau gosto que as esculturas funerdrias do Cemi- tério Monumental de Milao%E como poderfamos acusar de falta de medida essescortetos exerefcios canovianas representando, aqui ali, a Dor, a Piedade, a Fama, 0 Olvido? Observemos que, formalmente, 80 ‘s¢ pode acoimé-los de falta de medida. E que, portanto, se a medida subsiste no objeto, entdo a falta de medi- dda serd hist6rica (fora de medida é imitar Canova em pleno século XX); ou circunstancial (a coisa no lugar terrado: mas seré fora de medida erigir estétuas da Dor am lugar como o cemitério?), on entio — ainda, & aqui nos aproximamos mais do nticleeidos problema — fora de medida seré preserever &s pessoas enlutadas, me- diante determinada estétua, os modos e a intensidade da dor,ao invés de deixar ao gosto e ao temperamento de cada um a possibilidade de articularscus sentimen- tos mais. autEaticos. E eis que com essa ultima sugestio nos avizinha- ‘mos de uma nova definigao do mau gosto, ao que parece ‘a mais acreditada, e que pée de lado a referéncia a uma ‘medida (mas apenas aparentemente, ¢ a isso voltaremos ‘nos pardgrafos seguintes): a definicgo do mau gosto, ‘em arte, como prefabricardo e imposicio do efeito. ‘A coltura alema, talvez para exorcizar um fantas- ma que a obsedia de perto, foi quem elaborou com ‘maior empenho uma definicao desse fendmeno, resumin- do-o numa categoria, a do Kitsch, de tal forma precisa 70 : {que © termo, tornado intraduzivel, foi de imediato trani- portado pare outras linguas'. Extilistica do Kitsch ei ges satus cae ee oc URTEIM G* maees teiats ote fore mle (hn Ue aie apr Sat aon Sy cone 9 da peat ee we oe on ae go A ee sa oe ae Bri a ie alate a Sanger cnc pas ao lee oat, See nae se com, ihc gos oom ew als, Biers wee Bake a ee ee ota Gey, in oo le ee ee At Oe es te fe se She Sn ere keer mae a ea ate ates ons ia 2 lin ees Sy ea gece Hala Ss = Soest ah, Ma oh er sem i, pi a ae gece mies an oe mn it Fee steno: Cn nee Sy Son Fane Soy vin Sa ote eee ee ee eo ie ne Sel Se nn a ae ine, de on her ce cin cay care go Ee ee ca ee er iatven tea Wal 1 a ee ae coe oy res te se Nah ce 1 re ee ee ee pte ar eainciar animes I eer ee ee ee a ee a or {2 ose Planar de Kc, Ro Vi Hera, refit ee stuns meine do. tru x, goaace 0» to her ans et Manas asrerdo sit wn, ah Sst ae en, Ter yc ant ee sae Eee Se ne ce ns a ee es Sf le, Weck ihe fi ERE Sade ra Onn Eipudt Sites “edo hte tanom “refomas moves rave tae, baci amiss tm invents 6 whe nlchen pen eae Bi m © trecho citado constitui um maldoso pasticho ela: borado por Walther Killy*, utilizando excertos de sels autores alemaes; cinco produtores de renomada merca~ doria literéria de consumo, © mais um ouisider, que, esa-nos dizer, € Rilke. Observa Killy que a origem compésita do trecho ¢ diticilmente discernivel porque 2 catacteristica constante dos varios excertos é a vontade de provocar um efeito sentimental, ow melhor, ofete- cé-lo ja provocado ¢ comentado, ja confeccionado, de modo que 0 contetido objetivo da ocorréncia (0 vento da noite? uma jovem ao piano? o nascimento do Reden. tor?) seja menos importante do que a.Stimmung de ba. se. O que prevalece é 0 intento de criar uma atmosfera liricizante, © para tanto, os autores utilizam expresses j@ carregadas de fama postica, ou entio clementos que Pessuam como peculiaridade ‘propria uma capacidade de nordo afetiva (vento, noite, mar etc.). Os autores, contudo, nfo parecem 'fiat-se apenas ‘na capacilade ‘evocadora das palavras ¢ as envolvem guamecem de palavras acess6rias, de modo que, caso se perca o efei- to, esteja éle jé devidamente reiterado c garantido. Assim © siléncio em que o mar sussurra, para evitar duvidas, serd “enfeitigado”, © as mos do vento, nfo bastasse © serem “macias”, “acariciam”, e a casa sobte a qual vagam as estrelas’ sera “de ouro”, Killy insiste, pois, e muito, néo s6 na técnica da reiteracdo do estimulo, mas também no fato de que 0 estionulo 6 absolutamente fungivel: e a observagio po- detia ser entendida em termos de redunddncia. © tre- cho lido tem todas-as caracteristicas da mensagem re- dundante: ai um estimulo ajuda o outro mediante a acumulacao © a repetiggo — porque todo estimulo iso- lado, j4 submetido'a desgaste por antiga tradicdo lirica, ‘expoe-se a consumit-se, € portanto deve ser reforcado por outra forma. Os verbos (sussurra, flutua, desliza, vagam,) con- correm, 2 seguir, para reforgar a “liqiiidez” do texto, gondigdo de sua’ “lricidade”, de modo que, em cade fase da liglo, prevalece 0 efeito momentiineo, destina- (2), az Kuix, Dewgeter Kier, Vandenock & Ruprecht Geen ude ta chant aioe ean, fet paste a, pel dees Wert ams May He a fade Aor Giuler Reiner Wart Rika Nathan’ Huser 2 do a extinguir-se na fase subseqiiente (que, afortuna- damente, 0 reintegra) ec ‘bra Killy que até mesmo grandes poetss X= rinentaam a necessidade de recor A evocagio I BeGhepando mesmo a inserirem versos 0 curso de uma narragio, como Goethe, a fim de revelerem de ‘chofre um taco essencial do enredo, que a narrativa, Sriculada logicamente, nfo poderia exprimir. Mas. no Kitsch a mudanca de ‘registro nfio assume fungées- de conhecimento,intervém apenas para reforgar 0 est thule sentimental, ea insergao episédica passa, defini- ivamente, @ ser a norma. \ivercipcalando-s, assim, como uma comunicagio 2t- titioa em que 0 projeto fundamental néo € envolver 0 leitor numa aventura de descoberta ativa, mas simples- ‘mente sujeité-lo com violéncia ou assinalar determina- do efeito — acreditando que nessa emocioconsista a fruigéo estética — surgiria 0 Kitsch como uma espécic de mentira artistica, o8,como diz Hermann Broch, “o imal dentro do sistema de valores da arte... A malicia ‘do uma geral falsidade de vida” me A sgn ge ‘ Kitsch se proponha, one Sur cibo- jeeal 7 iblico preguigoso. que deseje dir os valores SE: S aplafen pile o esforos empenhatvos;e Killy referee ao Kitsch como tipice attude de origem pequeno-burguess, meio de ffeil afirmagéo cultural para um piblico que jules ex fruindo de uma representacio original do mundo, qua do, na realidade, goza unicamente uma imitag&o secun- Aétia da {orca priméria das imagens. oo ‘Em tal sentido, Killy alinha-se nas fileiras de to- da uma tradig&o critica, que se espalhou desde a Ale- manha até os paises anglo-saxénicos, © que, tomado co Kitsch nos térmos acima referidos, identifica-o a @ forma mais aparatosa de uma cultura de massa e de ‘uma cultura média, e conseqiientemente, de uma cultu- m0. ; ie “er autre lado, o préprio Broch avanca a suspeita de que, sem unia gota de Kitich, nfo pode exist ne~ nhum tipo de arte; é Killy pergunta-se a si mesmo sé 2 falsa representagéo do mundo que o Kitsch oferece mann Boos, “Baise Bemothungn, mi Praha des Kis cet ha "Bet nd Btkonan Tera: Ie Been, 188) 73 é efetiva © unicamente mentira, ou se no satisfex ‘uma ineliminavel exigéncia de iluso que o homem nu- tre, E quando define o Kitsch como filho esptirio da arie, deixa em n6s a suspeita de que, a dialética da vida artistica e do destino da arte na sociedade, é essencial a presenga desse filho espirio, que produz efeitos naqueles momentos em que seus consumidores desejam, efetivamente, gozar efeitos, a0 invés de em- penharem-se na mais’ dificil ¢ reservada operagio de luma fruigdo estética complexa e responsével. Em ar- gumentagdes de tal género, est sempre presente, con- tudo, uma assun¢io e-histBrica do conceito de’ arte; e de fato, bastaria pensarmos na fungio de que a arte se revestiu em outros contextos histéricos para nos aper- ‘cebermos de que o fato de que uma obra tenda a pro- vocat um efeito, mio implica,absolutamente, @ sta excluso do reino da arte, Dentro da perspectiva cultu- ral gtega, a arte tinha, efctivamente, a funcdo de pro- vocar efeitos psicolégicos, sendo esse 0 objetivo da mi- sica e da tragédie, pelo menos se dermos crédito a Aris- tételes. Mas daf' a que seja possfvel, naquele dmbito, individuar uma segunda acepeao do conceito de goz0 ‘estético, entendido como valorizacio da forma com que se realiza 0 .efeito, € outro problema. O fato & ‘que, em determinadas sociedades, a arte se integra téo Profundamente na vida cotidiana que sua funcdo pri- meira parece sera de estimular determinadas reagdes ltidieas, religiosas, eréticas, ¢ de estimulé-las bem. Quan- do muito se poders, em segunda instincia, avaliar “quo bem” ;mas a funedo primeira continua sendo a estimu- lagio' de efeitos, A estimulagio do efeito torna-se Kitsch num con- texto cultural em que a arte é vista, pelo contratio, ‘do como tecnicidade inerente a uma série de operagées diversas (¢ & a nogdo grega ¢ medieval) mas como for- ‘ma de conheciimento realizada mediante uma formati- vidade com fim em si mesma,que permita wma contem- lacio desinteressada, Nesse caso, entio, toda operacio que tenda, com meios artisticos, a fins heterénimos, ai debaixo da rubrica mais genérica de uma artist dade que se realiza de varias formas, mas no se con- funde com a arte, Poderé estar empapada de habilidade artistica a maneira pela qual torno apetecivel uma igua ria, mas a iguaria, efeito de artsticidade, nao seré arte 74 no sentido mais nobre do termo, enquanto nao frufvel plo puro, gato do formar que ela se manifest, mas sim desejével pela sua comestibilidade'. Mas, nesse ponte, o que nos autoriza a dizer que um objeto em que se manifeste uma artisticidade vol- tada para fins heterdnomos, seja, por isso mesmo, de ‘mau gosto? Um vestido que, com sabedoria artesanal, saiba por em relévo as gracas da mulher que o usa, go € lum produto de mau gosto. (vird a sé-lo caso forgar a tengo de quem olha apenas para certos aspectos mais vistosos da pessoa que 0 veste: mas nesse caso néo poe, absolutamente, em relevo a graca total da mulher, mas desequilibra-Ihe a personalidade, reduzindo-a a me- ro suporte de um aspecto fisico. particular). Conse- alientemente, se por si s6 a provocacdo do efeito. nic caracteriza o Kitsch, alguma outra coisa interviré para constituir 0 fendmeno. E essa alguma outra coisa emer- ‘ge fundamentalmente dessa mesma anélise de Killy, des- de que fique bem claro que o trecho por ele examinado tende a propor-se como trecho de arte.’ E tendc a apresentar-se como obra de arte justamente porque emprega ostensivamente modos expressivos que, por tradigao, costumamos ver empregados em obras de arte, reconhecidas como tais pela tradi¢ao. O irecho citado € Kitsch no 56 porque estimula efeitos sentimentais, ‘mas porque tendé continuamente a sugerir a idéia de que, gorando desses efeitos, 0 leitor esteja aperfeigoan- do uma experiéneia estética privilegiada, Daf _porgue, para catacterizélo. como trecho Kitsch, no s6 intervém os fatores lingtifsticos da men- sagem como também a intengao com que-o autor a “vende” ao piblico, Nesse caso, tem razio Broch quan- i buccomal en tne indies cobaral seriam enti, sinwles fm a ubmetds cena eee do lembra que o Kitsch nfo diz tanto respeito & arte ‘quanto a um comportamento de vida, visto que o Kitsch ‘nao poderia prosperar se nfo existisse um Kitsch- “Mensch que necessita dessa forma de mentira para Teconhecer-se nela. Entio o consumo do Kitsch su siria em toda a sua forga negativa, como uma contiava mistificagao, uma fuge das responsabilidades que 2 ex- periéncia da arte, pelo contrério, impde; segundo elir- mava o tedlogo Egenter, 0 Pai da Mentira usaria o Kitsch para alienar as massas da salvagio, julgando-o mais eficaz, na sua forca mistficante ¢ consoladora, do que os proprios escandalos, os quais,investindo no pi- ce de sua energia negadora, pelo menos sempre des- pertain as defesas morais dos virtuosos! Kitsch ¢ cultura de massa Evidenciada a definigdo do Kitsch como comuni- captio que tende & provocacto do ejeito, compreende-se enttfo com que espontaneidade se identifica o Kitsch com a cultura de massa: encarando-se a relagdo entre cuitura “superior” ¢ cultura de massa como uma dialé- tica entre vanguarda e Kitsch ‘A indistria da cultura, que se dirige a uma 'massa de consumidores genérica, em grande parte estranha & complexidade da vida cultural especializada, & levada a vender efeitos jd confeccionados, a prescrever com 0 produto as condigdes de uso, com a mensagem a rea~ G0 que deve provocar. No prefécio deste livro, refe~ rimo-nos aos titulos dos primeiros impressos populates quinhentistas, onde a técnica da solicitagao emotiva emerge como primeira caracteristica indispensdvel de ‘um produto popular que tente adequar-se a sensibilidade de um piblico médio e estimularthe a procura comer~ cial: do titulo do impresso popular para o do jornal, © processo nfo muda; a narrativa de folhetim aperfei- goa essa técnica, a novela oitocentista néo tem outro ob- jetivo. Conseqiientemente, uma vez que a cultura média © popular (ambes jé produzidas a niveis mais ou me- nos industralizados, e sempre mais altos) no venders mais a obra de arte, © sim os seus efeitos, sentem-se 0s cing ® BAH, Kisch md Chrsaneben. Buel, 1850 (ae por 76 artistas impetidos, por reago, a insistirem no pélo foposto: no mais sugerindo efeitos, nem se interes- sando pela obra, mas sim pelo processo que leva a obra. ‘Com uma frmula feliz, Clement Greenberg atir- ‘mou que, enguanto a vanguarda (entendida, no geral, como @ arte na sua fungzo de descoberta e invencdo) imita 0 ato do tmitar, o Kitsch (entendido como culta- rade massa) imita’o°efeito da initiacao, Picasso pinta @ causa de um efeito possivel, um pintor oleogrifico como Repin (elogiadissimo pela cultura oficial soviética do periodo stalinista) pinta 0 efeito de uma causa pos- sivel; a vanguarda, ao fazer arte, pde em evidéncia os processos qu leva a obrase os elege pare objeto do seu discurso, oKitsch poe em -evidencia as. reagbes que'a obra deve: provocar, e elége para finalidade da sua-operacdo “@ reagio. emotiva do fruidor!. Uma dcfinigéo dese tipo prende-se, fundamentalmente, & tomada de consciéncia, ora adquirida pela critica con- temporinea, para a qual, dos roménticos aos_noss0s dias, poesia vem se espetificando cada vez mais como liscurso. em torno da poesia e das possibilidades da poesia, tanto que, hoje em dia, as poéticas parece terem- se tornado mais importantes do que & obra, nfo sendo a obra outra coisa além deum discurso continuo sobre Sua propria poética ¢, melhor ainda,a posticade simesma". © que, porém, no estd plenamente compreendido em. Greenberg & que o Kitsch no nasce em conse- aiiéncia da elevagao da cultura de clite sobre niveis sempre mais impérvios; 0 processo ¢ totalmente inver- so. A indistria de uma cultura de consumo dirigida pa- 1a a provocacéo de efeitos nasce, como jé ficou visto, antes da propria invengao da imprensa. Quando essa cultura popularizante se difunde, a arte produzida pelas clites ainda esté ligada & sensibilidade © & linguagem comum de uma sociedade. & justamente na proporcio idistria da cultura de consumo se afirma sem- & medida que a sociedade é invadida por ‘ensagens comestiveis e consumiveis sem fadiga, que veo Sea StRE OREIIERG, Avanttorde and Kitch, agora m8 ate “De ces sn da ar, ite anocar come tamoen 6 fendene 8 artistas comegam a ‘atentar para uma vocagio diver- sa. Eno momento em que os romances populares sa- tisfazem as exigéncias de evasio e de suposta ele- vagio cultural do paiblico, quando a fotografia se re- vole utilissima para desempenhar as fungdes celebrati- vas e praticas que antes estavam a cargo da pintura, entfo & que a arte comeca a elaborar o projeto de uma “vanguarda” (embora ainda no se use esse termo). Para muitos, momento da crise localiza-se por volta de meados do século passado, e & claro que quando Nadar consegue, egregiamente ¢ com 6timos resultados, satis- fazer “um burgués desejoso de perpetuar suas. fei- Ges para uso dos descendentes, © pintorimpressionista ode. aventurar-se na experiéncia en plein air, pintando 1go fais aquilo que, com percepeao finita, acreditamos Yer, mas 0 préprio procedimento perceptivo pelo qual, Jnteragindo comos fenbnenos fisicos da tuz.e da maté- ria, “desenvolvemos, 0 ato da visio. Nao é por caso, porém, que a problemstica dé uma poesia sobre a poesia jé surge nos inicios do século XIX. © fendme- no da cultura de massa jé hé alguns séculos que nos bate 4 porta: o jomalismo @ a narrativa popular do século TIL constituem uma clara manifestagio desse fato, © 08 poetas foram provavelmente, pelo menos nesse e280, excelentes visionarios, correndo para os esconde- fijos’ antes que a crise fosse plenamente macrosoépica Ora, se 0 Kitsch, como se sugeriu anteriormente, representasse apenas uma série de mensagens que uma indéstria da cultura emite com o fito de satistazer cer- tas exigéncias mas sem pretender impingi-les como arte, no subsistiria uma relacdo dialética entre van- guarda ¢ Kitsch. F alguém jé afirmou que querer en- tender a cultura de massa como um sucedaneo da arte constitui um equivoco que desloca os termos reais do discurso, Se, com efeito, considerarmos as comunica- ges de massa como a circulagio intensa de uma rede’ de mensagens que a sociedade contemporinca seate ne- cessidade de emitir para uma série complexa de finali- is Desa, or ie au fee 6 tat Sane See ford REIS carer eee te Grote Grove inaici fslp'me ova ¢°camp ous Mdbaeat sd mptedo eared ps 2 Se sce sate cep tes ae ak af SoS ‘3 pntacfer sont stat, telco eauso “Baulekize e Basel 1 Whiten Messen, anger Novus, Yura Binwad 18, 78 dades, a ultima das quais é a satisfa¢o do gosto, nao sate urarl pas sua ceagio © nettume con Sse ce les cane ss'e a commcagio Te dioféniea de noticias, a persuasio publicitria, a sina- lizacdo do trinsito, as entrevistas televisionadas com 0 primelro-ministro’. Ede fato, em equivocos do géne- fo incorrem aqueles que querem, por exemplo, elaborar “estéticas” da televiséo sem distinguir entre a televiséo ‘como veiculo genérico de informagoes, servico, © @ elevisdo como veiculo especifico de uma comunicagao ra fins artisticos. Que sentido tem estabelecer se 2a om pst ier ame Sine ano Sea's car de soon se See coir co atomsbiasprafenc,o0 feos Gar plist que deve “eumulat_ oh Semoeados Luma. Gace cata? 0 prolem € outro: no caso do cartaz publicitario & moral, eco’ se: ui cncrne 1 ida ce ua presto psicol6giea com fins de luero), no caso do cartaz ro- Rrgee'E Gat biome petepeea © cl Coeeas Gade de recorrer a uma press4o psicoldgica para um fim aprovado por toda e sociedade, tornado indispen- toe tte perder tase pages cm ure xeon ee Ei Barnes seit slags Se orden reais cs cients eimulsel 3 ave ene tivo). Todavia, se o problema das comunicagées de mas- sa tol Senate goeme socio sob cs Sng; “Reece de avalages sna, 0 problema de ses sce cage wangsrda «Kinch entre ‘muito maior profundidade. Visto que nfo s6 a van- guarda surge como reagdo a difuso do Kitsch, mas 0 Kitsch renova-se ¢ prospera justamente tirando um con- a, ae Cammetntin a ae oi ai Soave mM er? ai vautrensse de‘ mash, enteral, Years, Eich a hte ae "asa fmt, € formulae a hpotre de que oe peogramt, de leis ee Serena Ce? cena mente mas, FEN au PTY ads Daehn Sar Seeing mo eat oe eee eae ae dn comanieagao,€ tio due, se torn bat ani conan protiemstca tinue proveito das descobertas da vanguarda. Assim esta, vendo-se de um lado funcionar, malgrado seu, como excritorio de projetos da indtistria cultural, rea. ge a esse logto, provurando elaborar continuamente novas propestas eversivas — problema esse que interes- sa aum discurso sobre a sorte e a fungéo da vanguarda no mundo contempordneo — enquanto a indistria da cultura de consumo, estimulada pelas propostas da van- guarda, desenvolve’ contiguamente uma obra de me- diagdo, difusio ¢ adaptaco sempre © novamente pres- crevendo em modos comerciaveis como experimentar 0 devido efeito diante de modos de formar que, na or gem, pretendiam fazer-nos refletir unicamente sobre fas. causas. Nese sentido, entio, a situacdo antro- polégica da cultura de massa delineia-se como uma con tinua dialética entre propostas inovadoras ¢ adaptagdes, homologadoras, as primeiras continuamente traidas pe- las ‘ltimas: com 4 maioria do piblico que frui das dit ‘mas julgndo adit a fruigo das primeitas. O Mideutt Todavia, petrificada nesses termos, a dialética € demasiadamente simples. Teoricamente a. formulagao do problema parece convincente, mas examinemos ‘na rética como se podem configurat alguns casos. con. stetos. Seja dado o nivel minimo de uma cultura de massa —- producéo de lAmpadas votivas ‘funerdrias, bibelés representando marujinhos ou odaliscas, es- térias em quadrinhos de aventuras romances ‘poli ciais ou filmes western classe B. Nesse caso, temos. uma mensagem que visa a produzir um efeito (de ex- citagto, evasio, tristeza, alegria etc.) © que assume 0& rosessos formativos da arte;o mais das vezes, 20 o8 autores forem artesanalmente atilados, tomario em prestado cultura de propostaelementos novos, s0- lugdes paiticilarmente “inéditas; no_ensaio_seguinté Letra de Steve Catvon), veremos_Gomno ‘un dese mista de estGrias em quadrinhos extrememente comer Gives pote ang Ginematogrificas. Com tudo. sagem no pretende, de maneira alguma, ‘eéeber a interprete como obra de arte, 80 os elementos empresiados da vanguarda artistica sejam ‘Giisr's Tuves comer Ele os us ar IE os uso porgue © julgou funcionais. O ignobil modelador de odaliscas de ‘PERO Oi de Thaiclica poderé ouvir mais ov menos con- fusamente os ecos de uma tradico decadente, sofrer 0 fascinio de arquétipos que vo da Salomé de Beardsley & de Gustave Moreau, e poderd pretender que a refe- réncia esieja explicit para seu comprador. E este, por seu lado, poderé colocar o bibeld na sala de jantar, como ato de promoao cultural, ostentagéo de josto, estimulo para satisfagdes presumidamente cul- fas... Mas quando Depero recorre aos processos fu- turistas para desenhar 0s anéncios dos produtos Cam- jpari, ou um compositor de Timpan Alley toma de m- ‘préstimo 0 tema beethoveniano do Pour Elise a fim de ‘construir uma agradavel misica de danca, a utilizagso io produto culto vise @ um consumo que nada tem a ver com a presungio de uma experiéncia estética; quan- ‘do muito, © consumidor do produto, ao consumi-l fentra em’ contaio com modos estilsticos que conser” wvaram algo da nobreza original, e cuja origem ele igno- xa: e dé valor a0 seu assestamento formal, & sua efi- cécia funcional fruindo, assim,de uma experigneia es- tética sua, que ndo prétende, “contudo, constituir um sucedineo de experiéncias “superiores”. Neste ponto, © problema ainda se desloca para outros nives (ee i a ow social da 8 provocagao de efeitos, mas que no se apresentam como substitutos da arte. Disso se dérim conta; mais ou menos corifusamen; te, os mais argutos dentre os eriticos da cultura de mas- sa__Estes, de um lado, relegaram os produtos “funcio- nais para o rol dos fendmenos indignos de anélise (Ga que, ndo dizemi ‘respeito & problemética estética, ‘ngo tém interesse para o homein culto), ¢ dedicaram: “se, a0 contréri, a definir outro nivel do consumo cultural — 0 “médio”. Para MacDonald, ‘massa dé nivel inferior: sua tivislidade, fem pelo menos sua pr6pria razio histériea profunda, sua propria force selvagem, semelhante & do primeiro capitalismo desctito por Marx ¢ Engels, ¢ no seu dina- mismo, derruba 28 barreiras de classe, as tradigies de. al as diferenciagées de gosto, instaurando umd discutivel, execrével mas homogénea comunidade cultu- tal (em utras palavras: embora o Massvulf lance mio de padrdes e modos das vanguardas,na sua irrefletida funcionafidade ‘nao levanta o problema de uma refe- réncia 8 cultura superior,nem para si nem para a mas- constimidores), Bem diferente é, 20 contrério.o Mideult, bastar- do do Masscult, que surge como “uma corrupgao da Alta Cultura”, ¢ que, de fato, esta sujeito aos desejos do piblico, como 0 Masscult, mas, na aparéncia, convi- da o fruidor uma experitncia ‘privilegiada © dificil. Para se compreender o que entende MacDonald por Mideult vale a pena segui-lo em sua pécfida © sabo- rosa anilise de O Velho ¢ o Mar, de. Hemingway" Mesmo dentro da produgéo de Hemingway pode- -se acompanhar uma dialética entre vanguarda e Kitsch: de um perfodo em que sua escrita constituia vor- dadeiramente um instrumenio de descoberta da reali dade, e quando essa mesma escrita, embora se mantendo aparentemente inslterada,na verdade se dobra as exi- sgencias de comestibilidade expressas por um publica médio,que agora quer adir a fruicdo de um escritor to Brovocante, MacDonald transcreve 6 inicio de um dos rimeitos contos, The Undefeated, a est6ria de -um ‘oureiro “sonado”, escrita nos anos vinte: “Mamuel Garcia subia as escadas até 0 eseritério de Don Migel Rotana Pot vale no ehio © bicu & porta Nin guém sespondsa. ‘Manvel, de pé no patamar, sent, pore, foe havia alguém na sal Sentiw através da porta.” E 0 catacteristico “estilo Hemingway”. Poucas palavras, uma situago traduzida em comportamentos. © tema assim introduzido € o de um homem derrotado que se apronta para a ltima batalha. Passemos agora ‘a9 infcio d'0 Velho e 0 Mar, também aqui a apresen- tagdo de um homem derrotadé que se apronta para a ‘tima batalh “Bra um velho que pescava soxinho com seu barco na Corrente defo e ha Senta «'quao Gis ato spankava uum pelxe. Um gatoto © acompanhata nos prices foarents diss, mas quando exes se pasaram sem sina de pee os pale do gato dsseram que 0 elho stave ocida’ ¢ detinidvar ‘escia pera [gancho ¢ 0 arpio-o a vela enrolada ao mostro. A vela estava {ida femendada com sacos de farinha e, assim enrolada, pa reeia a bandeira de uma derrota perene.” ____ Nota MacDonald que o trecho esté escrito na prosa pseudobiblica usada por Pearl Buck em A Boa Terra (“estilo que parece exercer um maligno fascinio sobre 0s midbrows”), com uma grande abundancia de “e, e, ¢, substituindo a virgulacéo normal, de modo a conte Tit a0 todo a cadéncia de um poera antigo; os persona- ‘gens séo mantidos dentro de uma aura de generalidade (0 Garoto, o Velho), na qual permanecerdo até o fim, justamente para sublinhar impressio de que nfo sfo Individuos, mas Valores Universais — ¢ que, portanto, através deles, est4 o leitor fruindo uma experiéncia de ordem filoséfica, uma revelagao profunda da realidade. ‘The Undefeated tem 57 paginas, O Velho e o Mar, 140, mas tem-se a impresséo de que, no primeiro, diz-se me~ nos do que aquilo que acontece, e no segundo, © contrério. © segundo conto nao s6 procede continua- mente beicando a falsa universalidade, mas desencadeia ‘© que MacDonald denomina de “constant editorializing” (o que nada mais € que aquele pér a publicidade do produto no produto, que jé salientamos na “obra bela © aprazivel” de Ogier, o Dinamargués): em certo trecho, Hemingway coloca na boca do protagonista a seguinte frase: “Sou um velho estranho”, e MacDonald ‘comenta, desapiedadamente: “Pois nao diga, meu ve- tho, prove”. Fica claro o que um leitor médio encon- tra num relato desse tipo; os modos exteriores de um Hemingway da primeira fase (um Hemingway ainda indigesto e erredio), mas diludos, reiterados até que nio sejam mais assimilados; a hipersensibilidade de Manuel Garcia, agora afeito ao azar, é sugerida, representada por aquéle perceber a presenga hostil do empresério inabor- davel, do outro lado da porta fechada; o azar do velho & explicado ao leitor estimulando-the a hipersensibilidade ‘com 0 acenar, até 0 exaurimento da emocio, daquela ve- la que parece “2 bandeira de uma derrota perene” (e que Girma de leite do siléncio encantado ¢ dos submissos te- flexos revoluteando pelo quarto de Brunilde, no primeiro 83 trecho examinado). Fique bem claro, todavia, que 0 leitor médio ndo perceberia plenamente a forga persua- siva daquela vela-verilo, se uma metéfora do género nao The evocasse confusamente A meméria metiforas ‘anélogas, nascidas em outros contextos poéticos, mas agora integradas na tradicdo literéria. " Estabelecido © curto-circuito mneménico, experimentada a impressio, ea impressdo de que a impressdo seja “pottica”, 0 jo- 20 esté feito. O leitor estd cdnscio de haver consumido arte e de ter, através da Beleza, visto o rosto da Verdade. Agora Hemingway &, verdadeiramente, um autor para todos © merecera o Prémio Nobel (que, no por acaso, também fot entregue a Pearl Buick, come sugere MacDonald). HG representagées da condi¢fo humana, nas quais ssa condigao é levada aos limites de tamanha genera- lidade que tudo quanto se apreende & sua volta é bom para todos os usos e para nenhum; 0 fato de que se dé a informagio travestindo-a de experiéncia estética, reafirma-the a substancial falsidade. Voltam mente as referéncias de Broch e Egenter & mentica ¢ & vida re- duzida a mentira. Na verdade, nesses casos, 0 Mid- cult toma a forma de Kitsch na sua lata expressio, exerce fungio de puro consolo, torna-se estimulo para evasdes acriticas, faz-se iluso ‘comerciével. Mas, se aceitamos a andlise de MacDonald, deve- mos estar atentos aos matizes que o problema assume, justamente em virtude de suas intuigées penetrantes. Porque 0 Midcult manifesta algumas caracteristi- ‘eas que nem sempre, como neste caso, caminham ne- ‘cessariamente juntas.’ O trecho lido é um exemplo de ‘Midcult porque: 1) toma de empréstimo processos da vanguarda e adapta-os para confeccionar uma mensa~ ‘gem compreensivel e destrutével por todos; 2) emprega esses processos quando ja comhecidos, divulgados, gas- tos, consumidos; 3) constr6i a mensagem como pro- vocagdo de efeitos; 4) vende-2 como Arte; 5) tran- gliliza 0 seu consumidor, convencendo-o deter realizado um encontro com’a cultura, de modo que nfo venha ele a sentir outras inquietagses. Ora, essas cinco condigies encontram-se em todo produto de Midcult, ou retinem-se aqui numa sintese particularmente insidiosa? Se faltar alguma dessas con- igdes, ainda teremos Midcult? O préprio MacDonald, 4 | | ao indicar outros exemplos de Midcult, parece vacilar entre acepgses diversas que dio cobertura ora a um ora 4 varios dos cinco itens arrolados. Assim, é Mideult @ Revised Standard Version of the Bible, publicada sob fa ide da Yale Divinity School, versio que “destréi tum dos maiores monumentos da prosa inglésa, a versio do Rei Jaime, a fim de tornar o texto ‘claro e signifi- cativo para 0 piblico hodiemno ,o gue é 0 mesmo que por abaixo 2 Abadia de Westminster para com 0s fragmentos construir Disneylandia”: e nesse caso, esta claro que 0 que importa a MacDonald ¢ 0 fato estitico, rndo The interessando em absoluto o problema de uma maior aproximagio do piblico médio as sagradas escri- turas (projeto que, uma ver acatado como necessério, toma bastante plausivel a operacdo da Yale Divinity School). Nesse caso, 0 Midcult identifica-se com a divul- ago (Ponto 1), que, portanto, em si, é mé, Mideult 0 Clube do Livro do Més, pelo fato de difundir obras “médias” & Pearl Buck, e assim vender ‘como arte 0 que,. pelo contrario, nao passa de dtima mercadoria de consumo (ponto 4 ¢ 5). & Midcult a Nossa Cidade, de Wilder, que emprega uma caracteristi- ca conttibuigéo da vanguarda, o efeito brechtiano de alienacéo, para fins consoladtres ¢ hipnéticos, & néo para envolver 0 espectador num processo critic (pon- fo 3). Mas depois aparecem como exemplos de Midcult ‘os produtos de um design médio, que divulga em ob- jetos de uso comum as velhas descobertas do Bauhaus (ponto 2), ¢ aqui no vemos por que deva o fato irritar © erftico, visto que os projetistas do Bauhaus projeta~ vvam justamente formas de uso comum que se deveriam ter difundido a todos os niveis sociais. Claro esté que. 2 propésito dos objetos de design, a polémica po- deria versar sobre 0 fato de que esses modelos adqui- iam sentido nas intengdes dos projetistas 96 se inse- ridos num contexto urbanistico ¢ social profundamente transformado; e que, realizados como puros instrumen- tos de consumo, isolados do seu contexto ideal, adqui- sem um significado bem pobre. esa, porém, sobre ‘MacDonald a suspeita de que o simples fato da divul- gacdo é que o irrita. O fato é que, para dle, a dialética ‘entre vanguarda e produto médio coloca-se de modo bastante rigido © unidirecional (a passagem entre Alto © Médio esté em entropia constante...), © no seu 85 discarso, as razbes da arte “superior” jamais so postas ‘em divida. Em outros termos nunca Ihe ocorre per- guntar se muitas das operagies da vanguarda mio es- tariam privadas de razées histéricas profundas, ou s¢ cessas razes no deveriam ser buscadas na relacéo entre vanguarda e cultura média, A vanguard, a arte “su- perior”, surge para cle sem reservas como o reino’ do valor; é somos levados a pensar que toda tentativa de mediar-lhe os resultados se torne automaticamente ma porque o homem médio, o cidadao da civilizagao indus- {rial contemporanea, € irrecupervel; e que os modos formativos da vanguarda se tornam suspeitos 180 logo chegam a ser compreendidos pela maioria. Surge entéo a diivida de que, para o critico, 0 critério do valor seja 4 néo-difuséo ea néo-difusibilidade, ¢ assim a critica do Midcult aparece como uma perigosa iniciagfo a0 jogo do in e do out, para 0 qual tao logo alguma coisa yeservada, na origem, aos happy-few, passe a set por isso apreciada e desejada por muitos, sai da roda das coisas vélidas", Sendo assim, tanto 0 etitério esnobe ‘20 substituir a observacii critica € a sociologia, quanto a condescendéncia para com as exigéncias da massa, ainda que em sentido oposto, pesam sobre o gosto ¢ @ capacidade de julgamento do critico, que corre o risco de’ ser condicionado por aquele mesmo piidlico médio gue detesta: ele nfo gostard do que o piblico médio gostar, mas, em compensacio, odiars o que ele amar; de uma ou de outra forma, sera sempre o piblico médio a decidir 0 lance, € 0 eritico aristocritico, a vitima de seu proprio jogo. (© perigo é que sob uma sociologia estética do con- sumo das formas se subtenda uma presungdo esnobe: que os modos de formar, as expresses e as metéforas se consomem € indiscutivel, mas quem estabelecerd © ritério com que discernit o limiar do consumo? Por que uma dada linha de carroceria automobilistica se consome? ¢ para quem? A difetenca entre sensibili- dade critica e tique esnobe faz-se infima: a critica da cultura de massa tornarse, nesses casos, 0. tltimo ¢ mais requintado produto da cultura de massa, ¢ 0 i dividuo requintado que faz 0 que os outros ainda nio pli sisinePeatiogt ME gulls op wastomanen em porn, scone 86 t fazem; na verdade 6 espera o “vamos 16” dos outre> para fazer alguma coisa diferente. Abandonada aos éaprichos individuais, a0 paladar do singular, & avalia- gio do costume, a critica de gosto torna-se um jogo bastante estéril, capaz de nos proporcionar emocoes agradaveis, muito pouco nos dizendo, porém, sobre os fendmenos culturais de uma sociedade no\seu conjunto. Conseqiientemente, bom © mau gosto tomam-se cate gorias labilfssimas, que nfo podem.de modo algum, Servir para definirem a funcionalidade deuma mensa- gem que provavelmente desempenha fungoes bem di- versas,no contexto de um grupo ou de toda a socie- dade.A sociedade de massa & to rica em determinagbes f possibilidades, que nela se estabelece um jogo de mediagdes © reportagées entre cultura de descoberta, tultura de puro consumo, cultura de divulgagio © me~ Glagdo, gues ma scans, rtomaremos »iestingto pwede ‘Sutamente ner posgees de Roms Takcbson. 89 que constitui o estilo, e em que se manifestam a perso- nalidade do autor, as caracteristicas do periodo ‘histo rico, do contexto cultural, da escola a que 2 obra per tence, Portanto, uma vez encarada como obra or. ginica, a estrutura permite que nela se identifiquem elementos daquele modo de formar que indicarémos como estllemas, Gragas a0 caréter unitério da estrus fura, cada estilema apresenta caracteristicas que 0 re. associam aos outros estilemase estrutura original, de tal modo que de um estilema se pode inferit a estru- ‘ura da obra completa, ou, na obra mutilada, se pode reintegrar a parte. desiruida Na medida do éxito que alcanga, uma obra de arte faz escola © gera uma escola de imitadores. No entanto, pode ela fazer escola de duas mancitas; a primeira consiste em propor-se como exemplo conere to de um modo de formar, inspirado no qual outre artista pode também elaborar modos operacionais. pro- Prios e originais; a segunda consiste em oferecer a toda uma tradicéo de fruidores estilemas também uséveis separadamente do contexto original, ¢ todavia sempre capazes de evocar, embora isolados, as catacteristicas desse conterto (quando mais nfo seja, a titulo de esti. mulo mneménico, de forma que quem individua um estilema qualificado em qualquer outro contexto, é instintivamente levado 2 evocar-lhe a origem —~ earre- gando, sem perceber, 0 novo contexto de uma parte da aprovagéo tibutada’ao contexto original). Nessa série de definigées, introduzimos, contudo, tuma série de nogdes que nos impedem de consideray’ uma estrutura artistica como um conjunto de relagées internas auto-suficientes, Dissemos que a obra coor ‘dena um sistema de referéncias externas (0s significados das palavras significantes de um poema; as referencias naturalists das imagens de um quadro etc.); que co- ‘ordena um conjunto de reagdes psicolégicas dos. seus intérpretes; que conduz, através do seu modo de formar peculiar, personalidade do autor ¢ as, carac- teristicas culturais de um dado contexto; ¢ assim po? ae 0, BES, 8 Hoe, odo de formar” vakemonon da Evetea Sealer a nek fenomencgi” Semoicoite az oboe de ane) so Siposilaht, dice oh Sha & ane 90 i ra é portanto, um sistema de sistemas, Sigs don quam nao in Tepe a laos formal internas na obra, mas. as relacies da obra com seus fruidores. e as relagbes da obra com o bovine histérico cultural de que se origina, Nese sentido, sma obra de, art tom algumas araceriieas om

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