Sei sulla pagina 1di 26
O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental Alice Hadler Giovanni Kuckartz Pergher INTRODUGAO A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), uma abordagem inicialmente desenvolvida para o tratamento de transtornos mentais em adultos (Beck, 1976), vem ganhando um espaco muito significati- vo dentre aqueles que buscam atendimento psicoldégico para criangas. Sabemos que, a cada dia, h4 uma variedade de problemas de satide mental apresentados nas criangas e que os pais e/ou a escola tém difi- culdade para administrar. ATCC parte da ideia fundamental de que aquilo que senti- mos e fazemos é influenciado por aquilo que pensamos, de modo que emogées e comportamentos disfuncionais sao decorrentes de ma- neiras desadaptativas de pensar, Como uma derivacio légica dessa premissa, a terapia vai orientar o paciente a pensar de maneiras mais saudaveis, levando a um melhor enfrentamento de seus problemas. ‘Trabalha com problemas que estao afetando o dia a dia da crianga, isto é, uma abordagem no aqui e agora. Quando falamos em TCC com criangas, é possfvel que pen- semos que é igual a do adulto, uma vez que se bascia nos mesmos pressupostos. Algumas modificagées, contudo, fazem-se necessarias para que as criangas possam se beneficiar da TCC. Sabemos que, com criangas, € necess4rio todo um envolvimento para elas se engajarem na terapia. A terapia se torna mais trabalhosa, abrangendo a familia, € o terapeuta tem de usar sua criatividade, pois muitas técnicas que | 416 | © Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental trabalhamos com os adultos sao adaptadas para o entendimento da crianga (Shapiro, Friedberg & Bardenstein, 2006). Na terapia de criangas, utilizamos como método para acessar essas formas de pensar o brinquedo, que nao tem s6 0 valor de diver- timento, mas é uma forma de entrar no mundo da crianga e trabalhar cognigées, emogdes e comportamentos em relacdo ao seu problema. E por meio do brinquedo que a crianga ir4 expressar seus sen- timentos de tristeza, alegria, preocupagdo, etc. O brinquedo é muito importante para o desenvolvimento, pois ajuda a crianga a desenvol- ver e treinar habilidades. Assim, nao seria sensato deixar de fora da terapia um recurso tao importante no desenvolvimento infantil. A diferenca da utilizagao do brinquedo na Terapia Cognitivo- Comportamental se da por trabalharmos com cognigées, emogées € comportamentos que interferem no funcionamento das criangas no seu dia a dia. Para acessarmos esses elementos, precisamos de meios que a crianga conhega para se sentir tranqiiila; por isso, a utilizagao do brinquedo como meio da crianga expressar os sentiment s, emo- gdes em relagao ao problema. O brinquedo é um instrumento concreto, e a resposta da crian- ¢a para determinado brinquedo também é concreta, proporcionando algo extremamente desejavel para uma terapia que tem por objetivo trabalhar com o problema atual da crianga. CONCEITO DE BRINCAR A TCC focada na crianga, embora mantenha o prinefpio fun- damental de que as cognigées tém papel determinante na geracéo de sentimentos e comportamentos, difere em aspectos significativos em relagdo a terapia com adultos. As criangas, na maioria dos casos, nao vao buscar a terapia por vontade prépria; elas sao trazidas pelos seus familiares que, por algum motivo, percebem uma mudanga sig- nificativa no seu comportamento. $6 a ideia de ir 4 psicoterapia falar com um adulto que a crianga sequer conhece ja traz um sentimento de ansiedade, medos e resisténcias. Por esses sentimentos que a crian- NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 417 | ¢a apresenta, envolvemos a brincadeira no processo de tratamento para motivar a crianga, para que a ida ao terapeuta nAo seja conturba- da e aversiva (Friedberg & McClure, 2004). Friedberg ¢ McClure (2004) afirmam que a terapia com adul- tos — “sentar e conversar” — é adequada para essa populagdo; mas, na terapia com criangas, a forma de se trabalhar muda, uma vez que esse formato tradicional deixa as criangas tensas, sem reagdes e incémo- das. Para agravar essa situagao, soma-se o fato de a conversa ser com uma pessoa estranha que, a partir de algum momento, ird fazer parte da vida da crianca no sentido de trabalhar questdes que, para ela, sio delicadas. Assim, é de suma importancia esclarecer 0 andamento do tratamento e suas expectativas. Esse esclarecimento e essa expectati- va com criangas sao trabalhados de uma forma mais ativa, dinamica e criativa, sendo necessdrio, nos primeiros contatos com a crianga, estabelecer um bom vinculo, para que o terapeuta desenvolva um tratamento eficaz. Na terapia com criangas, utilizamos a brincadeira para entrar no mundo da crianga e na linguagem da crianga, assim formamos uma boa alianca terapéutica. As criangas se expressam por meio da brincadeira e é por meio dela que conseguimos acessar e modificar cognigées disfuncionais (Friedberg & McClure, 2004). Sabemos que jogos sao familiares para as criangas e constituem uma maneira divertida e adequada em termos do desenvolvimento de comunicar os conceitos ¢ as estratégias da TCC. Brinquedos como ma- rionetes ou fantoches séo uma maneira de esclarecer comportamentos, avaliar cogni¢ées, modelar novas habilidades ¢ praticar maneiras mais funcionais de lidar com problemas (Friedberg & McClure, 2004). Os desenhos e as brincadeiras sio uma forma de ajudar as crian- cas a internalizar e saber do seu problema. E comum criangas possuf- rem pouco insight sobre suas dificuldades e/ou resisténcia em aceité-las. Assim, com 0 uso do brinquedo, a crianga acaba reconhecendo seus problemas de uma forma mais tranquila e divertida (Stallard, 2007). O ato de brincar marca a infancia, pois ele proporciona uma di- versidade de respostas como: locomogao; orientagao; manipulacao; explorago ¢ interacao social (Florey, 1971; McCall, 1974). A crian- | 418 | © Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental ¢a, por meio da brincadeira, vivencia o lidico e descobre a si mesma, desenvolvendo seu lado criativo (Siaulys, 2005). A brincadeira é consagrada como uma atividade essencial ao desenvolvimento infantil. Tanto a brincadeira como o Iidico estao presentes na educacao infantil, conquistando cada vez mais um es- paco no ambiente familiar e no ambiente escolar (Lucariello, 1995). Muitos adultos julgam que o brinquedo tem o propésito apenas de divertir as criangas, mas os jogos ¢ as brincadeiras nao s4o apenas uma forma de divertimento; sao também um fator muito importante no desenvolvimento infantil, pois constituem um meio de relaciona- mento com o ambiente fisico e social. Desde cedo, a principal ocupagao da crianga é a brincadeira, por meio dela a crianca desenvolve maneiras de divertimento. Es- sas maneiras fazem com que a crianga comece a desenvolver nogdes de tempo, espago, limite, sendo a brincadeira uma das formas pelas quais a crianga adquire essas. © brinquedo também possibilita a aprendizagem de varias ha- bilidades, desenvolvendo aspectos emocionais, intelectuais ¢ sociais, fazendo com que o ambiente proporcione um aprendizado enrique- cedor a crianga (Bomtempo, Hussein & Zamberlan, 1986). A brincadeira é um meio pelo qual a crianga desenvolve a co- municagao de uma forma mais ampla entre as pessoas. A crianga, por meio da brincadeira, inicia uma representacio de papéis do adulto que mais tarde ird desempenhar. Com isso, desenvolve sua capacida- de fisica, verbal ¢ intelectual (Raabe, 1980). Packer (1994) afirma que o ato de brincar proporciona a crian- ca moldar seu mundo de acordo com sua imaginacao na construg’o da brincadeira. E com a brincadeira que a crianga gerencia e adapta o brincar a realidade. Com ele, a crianga desenvolve uma ampla varia- bilidade comportamental. A partir da brincadeira, surgem novas experiéncias de como se relacionar com o mundo. Uma importante experiéncia decorrente do envolvimento em atividades ltidicas ocorre quando a crianga comeca a tomar decisées — se vai jogar ou ndo, quais serao as regras, determi- nar se alguém infringiu alguma regra, ¢ assim por diante. A repeticao NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 419 | desse processo de tomada de decisées contribui para o desenvolvi- mento da autonomia, criatividade e responsabilidade (Queiroz, Ma- ciel & Branco, 2006). Criangas continuam a brincar como antigamente? No nosso mundo moderno e tecnolégico, ocorre uma sobrecarga de informa- ¢4o e estimulos que até as formas de brincar mudaram muito. Muitos jogos e brincadeiras “classicos” passaram a ser pouco praticados pelas criangas (Carvalho, Magalhaes, Pontes & Bichara, 2003). Isso nao significa, contudo, que jogos e brincadeiras mais “tradicionais” nao possam ser utilizados no setting terapéutico. Os comportamentos das criangas dependem de um desenvolvi- mento de repertério comportamental saudavel. Esses comportamen- tos saudaveis estao relacionados com um ambiente adequado, estimu- lador, influenciador. Sabemos que a espontaneidade é a esséncia do brincar, por ser um ato voluntério e uma forma de conhecer. O brinquedo se torna uma quest4o de conhecimento, pois quando brincamos aprendemos a conhecer (Lordelo & Carvalho, no prelo). O ato de brincar construido pela crianga por meio de determina- dos objetos e participagdo em brincadeiras nao se torna estatico. De um lado, existe a dependéncia de valores ¢ crengas do grupo (familia) ao qual a crianga pertence, sendo esses valores e crengas responsabilidades dos adultos. De outro lado, existe o brincar construido pela prépria crianga a partir dos referencias do grupo (familia) em que a crianga esta inserida. Dessa outra forma a crianga constréi seu préprio brincar, cla recria um espago de brincadeiras com novos cenétios, inventa fungées para os objetos, isso que representa a brincadeira infantil, uma renova- Gao a cada instante (Queiroz, Maciel & Branco, 2006). A brincadeira oferece uma estrutura basica para as renovagdes que ocorrem a cada instante com o ato do brincar, tais como: criagéo das intengdes voluntérias, formagao de planos da vida real, motiva- 6es intrinsecas ¢ oportunidade de interacdo. ‘Todas essas renovacées contribuem para o desenvolvimento saudavel da crianga (Queiroz, Maciel & Branco, 2006). Tendo em vista a importancia da brincadei- ra no desenvolvimento infantil, seria pouco inteligente deixar de lado | 420 | © Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental essa ferramenta tao poderosa por ocasiao do tratamento psicoter4pi- co dessa populacio. © QUE E TCC FOCADA NA CRIANGA? A Terapia Cognitivo-Comportamental focada na crianga € uma psicoterapia amplamente utilizada nos dias de hoje para uma varieda- de de problemas de satide mental apresentados por criangas. Salien- tamos que a TCC focada na crianga envolve uma adaptacio dos pro- cedimentos psicoterapéuticos utilizados com adultos, a qual leva em consideracio o nivel de desenvolvimento da crianga (Stallard, 2007). ATCC se baseia na ideia de que aquilo que sentimos e fazemos é in- fluenciado por aquilo que pensamos. A crianga sera ajudada a descobrir a sua maneira prejudicial de pensar. Essas maneiras prejudiciais de encarar a realidade tipicamente provocam sentimentos de ansiedade, preocupagao, tristeza, raiva ou desconforto, fazendo com que as criangas apresentem comportamen- tos disfuncionais, como agre egocentrismo, possessividade e isolamento (Stallard, 2007). Esses sentimentos causam bastante desconforto, seja para crian- vidade, impulsividade, introspeccao, a, seja para as pessoas com as quais convive. Para conseguirmos mu- dar a forma de pensar, sentir e de se comportar, utilizamos métodos (brincadeiras) que fazem parte do cotidiano da crianga, como jogos, marionetes, histérias, brinquedos e quaisquer outros que fagam parte da realidade da crianga (Stallard, 2007). A TCC com criangas se baseia em uma abordagem empirica do aqui e agora, ou seja, focamos nossas energias nos problemas por que a crianga (ou os pais) esta pasando no momento. As criangas so orientadas 4 agao, ou seja, elas aprendem fazendo e tendo seu com- portamento reforcado (Friedberg & McClure, 2004). ‘As criangas espelham o que acontece dentro da familia e da escola (Ronen, 1998), por isso que o foco da TCC, quando se traba- Tha com criangas, é no interior do seu ambiente natural - principal- mente a familia e a escola. Para desenvolver um tratamento eficaz, 0 NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 421 | terapeuta deve avaliar as questées de familia que ajudam a manter 0 problema e também direcionar suas intervengées as necessidades da crianga e de sua familia. Sabemos que as criangas apresentam limitag6es, preferéncias interesses distintos dos adultos. Sentar e falar de seus problemas para outra pessoa que néo conhece torna-se perturbador para as criangas. Portanto, a terapia cognitiva com criangas é regulada de modo a adap- tar-se as suas capacidades verbais ¢ cognitivas, S40 os procedimentos terapéuticos que devem se adequar A crianga, e nao o contrario. ‘Temos de adaptar as intervengées utilizadas ao nivel de desen- volvimento da crianga (Friedberg & McClure, 2004). Entao nao po- demos deixar de ressaltar a importancia do brinquedo como uma ferramenta titil na adaptagdo das intervengées ao nivel de desenvol- vimento da crianga. A crianga é ajudada a pensar de uma maneira mais saudavel, descobrir ligag4o entre pensamento e sentimento, checar as evidén- cias, aprender novas maneiras de lidar e superar problemas e, acima de tudo, fazer as coisas que ela realmente quer fazer sem que isso represente uma perturbagdo ao ambiente que a circunda (Stallard, 2007). Portanto, as técnicas que utilizamos na terapia de criancas sao, em grande parte, adaptadas e desenvolvidas pelos préprios terapeu- tas; por isso, eles devem utilizar, de forma adequada, a criatividade. Quando falamos em criatividade adequada, estamos nos refe- rindo A criatividade que envolve utilizar uma variedade de técnicas € métodos que ajude o engajamento da crianga na terapia, auxiliando-a a alcangar os objetivos propostos. Essa criatividade envolverd 0 uso de varios meios, como jogos, marionetes, histérias, questiondrios, brinquedos; enfim, tudo que ajudar4 a manter o interesse da crianga no processo terapéutico. A criatividade € uma maneira de se comunicar efetivamente com a crianga, para poder explicar de maneira clara e divertida os principios da TCC. Ela tem um papel principal ¢ fundamental no processo terapéutico, por isso os terapeutas devem se sentir 4 vontade com a ideia de ser criativo quando falamos em atendimento ao ptbli- co infantil (Stallard, 2007). Nesse sentido, as intervengées propostas | 422 | OUso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental neste capitulo nao devem ser entendidas como “receitas de bolo”; an- tes disso, sio apenas exemplos de como a criatividade e a brincadeira podem ser utilizados na TCC com criangas. E de extrema importancia que o terapeuta use sua criativida- de na questao de adaptar as técnicas necessdrias para determinada crianga. Temos, porém, de levar em consideragio que o uso dessas técnicas deve ter um objetivo para a aplicagdo, nao apenas aplicar, e principalmente respeitar os principios basicos da Terapia Cognitivo- Comportamental (Friedberg & McClure, 2004). Em primeiro lugar, para que haja uma participacdo ativa da crianga no processo da terapia, € preciso conhecer o seu problema. Em segundo lugar, apés saber qual € o seu problema, a crianga precisa saber que existem meios para modific4-lo. Para que ocorra a mudan- ¢a terapéutica, o terapeuta ajuda a crianga a desenvolver habilidades para chegar 4 mudanga desejada. Os métodos (ferramentas) utilizados so especificos para aque- la problematica, claro que cuidando o nivel de desenvolvimento que a crianga apresenta. E importante que consigamos fazer uma parceria com a crianga. Para tanto, é preciso utilizar boas habilidades de es- cuta, transmitindo empatia e interesse. Uma excelente forma de de- monstrar empatia é tornar a terapia algo divertido (0 que nao quer dizer que a terapia seja uma brincadeira), pois, se nos colocarmos no lugar da crianga, facilmente reconheceremos que nos sentirfamos mais motivados para mudanga se esta acontecesse dentro de uma at- mosfera lidica (Stallard, 2007). Shirk (2001) salienta que a terapia cognitiva para criangas é ine- rentemente integrativa, com igual énfase e fatores cognitivos, compor- tamentais e interpessoais. O foco direto nas cognigdes que se supde es- tarem por tras de problemas infantis especificos em muitos programas de tratamento, todavia, em geral é extremamente limitado. Quando falamos em atendimento infantil, temos de ter em mente que 0 terapeuta é que deve se adaptar a crianga ¢ nao a crianga ao terapeuta; por isso, os terapeutas tém de se adaptar ao funcio- namento da crianga. Essa adaptagéo proporciona um atendimento. adequado e que nao fuja da limitagao que a crianga apresenta para, NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 423 | entio, conseguir uma compreensio do que esta sendo trabalhado. Com essa compreensio, € possivel obter-se um resultado significativo no tratamento (Friedberg & McClure, 2004). Quando falamos em terapia com criangas, podemos trabalhar de duas formas: 1) dentro do consultério, onde os pais levam seu filho ou 2) in loco, ou seja, em ambientes fora do consultério, tais como pracinha, playground, shopping center e outros locais significativos (é dispensavel dizer que, nesse segundo caso, precisamos da autorizagao dos pais para atender a crianga fora do consultério). Essa troca de ambiente permite ao terapeuta avaliar como € o funcionamento fora da ses: Frequentemente, informagées titeis emergem ao compararmos nossas observagées in loco com aquelas trazidas pelos pais, uma vez que es- (0, tendo uma visdo mais abrangente e precisa sobre a crianga. tas iltimas podem estar distorcidas. RELAGAO TERAPEUTICA CRIANGA/TERAPEUTA Na literatura sobre TCC, a relagdo terapéutica vem sendo cada vez mais reconhecida como um dos principais vefculos pelo qual a mudanga terapéutica é obtida (Freeman & Dattilio, 1998). Na terapia com criangas, temos de entrar no seu mundo por meio do brinquedo, mas sempre focando 0 objetivo que precisamos alcangar. Segundo Beitman (apud Rangé, 1998) a relacdo terapéutica proporciona uma troca entre as qualidades do terapeuta e as do pa- ciente e entre ambos. Na terapia cognitiva, essa interagdo terapeu- ta/paciente serve como uma porta de entrada para o andamento do tratamento e para a aplicacao de técnicas. Para que esse vinculo seja construfdo, inserimos o brinquedo, pois por ele o terapeuta consegue se aproximar do mundo da crianga, saber seus gostos, ou seja, conhe- cer a crianga com quem ird trabalhar. Com o brinquedo, o terapeuta procura mobilizar a confianga da crianga em relagao a ele, bem como o desenvolvimento de uma confianga em relacéo aos procedimentos propostos. Com o brin- quedo, o terapeuta consegue analisar seus problemas, suas dificul- | 424 | 0 Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental dades e suas limitagées para desenvolver, por meio dessa andlise, um tratamento tao idiossincratico quanto a prépria crianga (Caminha & Caminha, 2007). O primeiro passo € 0 contrato para o tratamento infantil, que comega com 0 terapeuta e os pais da crianga. E bastante comum que a mie seja colocada como a responsdvel pelo tratamento. O terapeuta, contudo, nao deve aceitar essa posigio da m4e como tinica respons4- vel pela terapia. Quando os pais buscam atendimento para seu filho, € funda- mental que fagamos uma anamnese bem estruturada, ou seja, passo a passo de todo o desenvolvimento da crianga. Os pais aprendem com seus pais, as criancas aprendem com seus pais e assim por diante, passando de geragio para geragio por meio de uma cultura. Vamos construindo uma bagagem com nossas experiéncias; por isso, temos de ver como se constituiu a cultura entre as familias, pois a cultu- ra tem um peso muito importante no desenvolvimento do individuo (Queiroz, Maciel & Branco, 2006). Deve-se sempre trabalhar com a nogo de que todos os cuidado- res so igualmente corresponsaveis pela evolugao do tratamento. Nesse primeiro passo € que se constitui uma boa relagao terapéutica que de- vera ocorrer entre 0 terapeuta e os pais ¢ entre a crianga e o terapeuta. No segundo passo esté o recolhimento de informagées impor- tantes sobre a histéria da crianga e o principal motivo de os pais terem procurado um atendimento psicoldgico, ou seja, a queixa (Ca- minha & Caminha, 2007). A relacao terapéutica, quando falarmos em atendimento infan- til, precisa de uma elasticidade maior, pois trabalhamos com a crian- ca, mas também com a sua familia e outros elementos significativos do seu entorno. Por esse motivo, nado podemos ter um contrato indi- vidual e restrito como ocorre com pacientes adultos. Tendo em vista que grande parte dos motivos que levam os pais a procurarem atendi- mento esta relacionada a problemas na escola, salientamos a impor- tancia de o professor, por passar a maioria do tempo com a crianga, fazer parte do processo terapéutico (Caminha & Caminha, 2007). Para que haja uma boa relagao terapéutica, Rangé (1998) des- NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 425 | taca alguns aspectos importante: crianga; deve passar confianga nos seus procedimentos; deve ser em- patico e compreensivo; deve encorajar a participagdo ativa e, o mais 0 terapeuta deve ter a confianga da importante, aceitar e respeitar a resisténcia 4 mudanga. E de extrema importancia que os pais transmitam a crianga por que est4o indo a terapia, se ela sabe o que é um terapeuta e o que ele faz e principalmente se a crianga sabe 0 motivo de ir conversar com 0 terapeuta, ou seja, a queixa, Esclarecer para a crianga que ha algumas coisas que os pais nao estao conseguindo resolver sozinhos e, por isso, esto pedindo ajuda. E necessdrio informar para a crianga o que ela ira fazer 14; a crianga deve saber que o terapeuta ajuda varias criangas a resolverem problemas; que o problema nao é sé da crianga, mas de toda a familia; se a crianga concordar em ter ajuda; nao prometer recompensar por ir ao terapeuta e dé um limite temporal a ida ao terapeuta, dizendo que é ‘© tempo de solucionar o problema (Caminha & Caminha, 2007). Para que a relagao terapéutica seja verdadeira, tem que ser uma relacio profissional. E importante salientar essa diferenga, pois se trata de uma relac4o diferente daquelas que a crianga costuma esta- belecer com outras pessoas. O terapeuta cumpre o papel de ajudar o paciente com uma postura profi terapéutica no sentido de deixar de forma clara o tipo de vinculo que havera (Rangé & Erthal, 1998). E fundamental uma relagao terapéutica na qual o terapeuta passe seguranga, confianca e acima de tudo que respeite o tempo da crianga para o andamento do tratamento, para que com tudo isso possa surgir uma relacdo saudavel entre a crianga e 0 terapeuta, favo- sional, isso ajuda a manter a relagio recendo um bom vinculo (Leahy, 2008). COMO INTRODUZIR O MODELO DATCC EM CRIANCAS? A explicagio do modelo da TCC as criangas é um passo fundamental para o tratamento. Tal qual ocorre com adultos, o | 426 | © Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental paciente infantil ¢ psicoeducado em relacéo 4 conexao entre pen- samentos, emogées e comportamentos. Por outro lado, por se tra- tarem de pacientes ainda em desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, € preciso descrever 0 modelo cognitivo e o funciona- mento do tratamento de maneira que permita uma facil compre- ensao (Friedberg & McClure, 2004). Para que consigamos trabalhar os problemas apresentados, a primeira coisa que o terapeuta precisa fazer é identificar ¢ definir 0 problema que seré tratado na terapia. Claro que essa definig&éo tem a participacdo do terapeuta, mas também da crianga. Assim alcanga- mos um objetivo em comum (problema) a ser trabalhado (Friedberg, & McClure, 2004). Ao envolver a crianga na identificag4o/formu- lagao do problema, ela fica mais propensa a engajar-se no proceso de mudanga, uma vez que ndo se sente coagida para fazer as coisas de maneira diferente. Todos nés temos a necessidade psicoldgica de perceber que estamos fazendo aquilo que estamos fazendo por livre e espontanea vontade — com criangas nao é diferente. Essa necessi- dade psicolégica de liberdade é chamada de principio da reatancia (Reeve, 2006). Para que o infcio do tratamento ocorra de maneira 6tima, de- senvolvemos algumas estratégias para minimizar o potencial proble- ma da nado compreensao. Utilizamos técnicas para introduzir 0 mo- delo, como histérias, jogos, desenhos de bonecos e balées (nuvem de pensamento) para fazer com que a crianga comece a entender a liga- ¢4o entre os eventos, pensamentos, sentimentos ¢ comportamentos (Friedberg & McClure, 2004). Muitas criancas chegam & terapia nao sabendo expressar ou diferenciar seus sentimentos, pensamentos e€ comportamentos, 0 que praticamente inviabiliza a terapia. O auxilio a crianga nesse sentido, portanto, é uma das primeiras atribuigées do terapeuta (Friedberg & McClure, 2004). Com criangas maiores, que j4 conseguem pensar em termos mais abstratos, conseguimos apresentar 0 modelo A-B-C de ma- neira semelhante Aquela utilizada com adultos. O primeiro passo a ser realizado na sessio € 0 modelo A-B-C, com o objetivo de uma psicoeducagao do modelo e também um monitoramento dos NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 427 | pensamentos. O terapeuta primeiramente desenha as colunas de situagdo, sentimento e pensamento e oferece uma situagdo seguin- te: “Suponha que vocé esteja em casa e toque a campainha” (Frie- dberg & McClure, 2004). Apés a situacdo registrada na sess4o, o terapeuta pede para a crianga que relate todos os sentimentos que teria como resposta da situagao proposta. Apés os sentimentos serem expressos, 0 terapeu- ta deve trabalhar ativamente com a crianca para explorar todas as possibilidades que essa situacdo pode trazer, como uma forma de psi- coeducar para as outras situagées que iram ser desenvolvidas com 0 modelo A-B-C (Friedberg & McClure, 2004). Quando as trés colunas estéo completas, o terapeuta expli- ca que o pensamento acarreta um sentimento de forma tinica, além de ressaltar o descobrimento de que ha varias explicagées para uma mesma situagao. Esse modelo faz com que a crianga, antes de en- frentar uma determinada situagao, reflita sobre a melhor forma para executar a situacdo com o intuito de obter uma resposta satisfatéria. (Friedberg & McClure, 2004). EXEMPLO A-B-C: Registro de Pensamento para a apresentagao do mo- delo. Situagao Sentimento Pensamento Toca a campainha Feliz E minha prima. em casa Eo médico com Triste noticias ruins sobre meu irmao. E um mendigo pedindo Ieritado comida. amie de um colega Preocupado com quem briguei na escola. | 428 | © Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental Com criangas um pouco mais jovens, uma abordagem mais li- dica para a psicoeducagio do modelo cognitivo pode ser preferivel. Por exemplo, podemos confeccionar com a crianga o jogo da me- méria, no qual os “pares” s40 0 pensamento e a respectiva emogo. Para tanto, o terapeuta entrega para a crianca pedacos recortados de cartolina, mais ou menos do tamanho de uma carta de baralho. Em metade desses cartées, a crianga desenha fisionomias para cada uma das emogées que experimenta. Na outra metade dos cartées, escreve, em “baldes”, os pensamentos associados a cada emocio. Confeccionado 0 jogo da memoria, o terapeuta e a crianga defi- nem as regras, lembrando que esse jogo é diferente do jogo da mem6- ria tradicional, no qual a crianga acha as duas figuras idénticas do par. Nesse jogo psicoeducativo, a crianga vai achar o pensamento (cartéo do balao de pensamento) que originou o sentimento correspondente (cartao da fisionomia). Assim, a crianga, de maneira lidica, vai trei- nando a percepg¢ao das conexées entre pensamentos e sentimentos. Aqui, ressaltamos a necessidade do uso criativo no uso das téc- nicas. O modelo recém-descrito que utiliza 0 jogo de meméria pode sofrer modificagées. Podem ser incluidas, por exemplo, cartas que envolvem situagées gatilhos, comportamentos da crianga e balées de pensamento com imagens. Dependendo das capacidades da crianga, as regras podem envolver achar um trio (situagéo — pensamento — emogio), e ndo apenas um par. HA um sem-ntimero de possibilidades que podem ser combinadas para adaptar-se A necessidade especifica de cada crianga. Exemplo Jogo da Meméria: introduzir 0 modelo. NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 429 | BALAO DO PENSAMENTO FISIONOMIA. COMO IDENTIFICAR SENTIMENTOS E PENSAMENTOS EM CRIANGAS? Identificar sentimentos e pensamentos é uma tarefa diffcil com criangas, pois muitas delas nao compreendem suas experiéncias cog- nitivas e emocionais, ou seja, os seus sentimentos e os seus pensamen- tos. Torna-se uma tarefa trabalhosa por esse motivo, na medida em que demandam criatividade por parte do terapeuta. Por isso, antes de comecar a trabalhar o problema trazido na terapia, devemos escla- recer os estados de humor, uma vez que 0 automonitoramento é um pré-requisito para mudanga terapéutica (Dobson, 2006). Utilizamos v4rios instrumentos com o objetivo de ajudar crian- ¢a a identificar os seus sentimentos e pensamentos. Dentre os instru- mentos mais comumente utilizados, encontram-se o Mapa do Rosto de Sentimento; figuras de pessoas nas revistas que demonstrem os sentimentos; livros de figuras (Friedberg & McClure, 2004). [| 430 | O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental Outra analogia que podemos utilizar para ajudar as criangas no processo psicoeducativo sao as histérias em quadrinhos, que mostram © pensamento por meio do balao de pensamentos e consequentemen- te vem uma emog4o com o pensamento; dessa forma, fica mais clara para as criangas a relacdo entre cognicéo e emogao. Essa técnica — a Histéria em Quadrinhos — pode se desenvolver da seguinte forma: o terapeuta, em conjunto com a crianga, escolhe a histéria para ser desenhada ¢ contata por meio da histéria em quadri- nhos. Deve-se dar preferéncia para escolha de histérias que possuam relagéo com o problema que motivou a busca pela terapia. O objetivo dessa técnica é ajudar a crianga a expressar emo- des e pensamentos de uma forma mais clara. Assim, apés a escolha do tema, a crianga comega a execuc4o da histéria como uma forma de enxergar seu problema de maneira menos invasiva, poder destacar algumas habilidades positivas e pontuar algumas necessdrias como foco, dando infcio ao tratamento. Outra estratégia a ser utilizada é o Baralho das Emogées, compos- to por dois conjuntos de 20 cartas (um conjunto para meninos e outro para meninas), cada qual representando uma emogao. Ha também uma vigésima primeira carta, que representa um termémetro, o qual é utiliza- do para que a crianga indique a intensidade das emogdes experenciadas afinando, assim, o seu monitoramento (Caminha & Caminha, 2007). O baralho é um instrumento que permite estabelecer um regis- tro de pensamento da crianga e tem como objetivo realizar a psicoe- ducagao das emogées; 0 terapeuta ajudaré a adaptar as expressdes de suas emogées com as respectivas reagées comportamentais adequadas acada situagao especifica. O monitoramento é sempre solicitado para a crianga por meio da ajuda dos pais. O Baralho das EmogGes se inte- gra 4 rotina da crianga. A participagéo dos pais é importante, pois vao ajudar a crianca a preencher a tabela da seguinte forma: a crianga e os pais vao ana- lisar qual a emogao que teve em um determinado perfodo do dia, se foi pela manhi, pela tarde ou A noite. Essa tabela é entregue para a crianga para um monitoramento semanal. A participagdo dos pais consiste em orientar, averiguar ¢ ajudar a preencher de acordo com as NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 431 | emogées detectadas para que o trabalho seja bem-sucedido (Caminha & Caminha, 2007). Na Figura a seguir, € apresentado um modelo de registro para o automonitoramento com base no Baralho das Emogées. Dados Pes: manha | tarde | noite aw Para que as criangas identifiquem os pensamentos e sentimen- tos por elas vivenciados, podemos fazer relagdes, por exemplo, com situagdes do futebol. O jogador tem de atravessar a quadra para fazer © gol, esse caminho a percorrer 6 0 pensamento que significa como ele refletiu pra alcangar seu objetivo, que seria ir até o gol. A bola no gol significa o sentimento que é todo 0 esforgo do jogador. Outra proposta é 0 Jogo da Cesta de Basquete dos Sentimentos e Pensamentos, com o objetivo de apresentar a crianga as habilidades de automonitoramento. O jogo funciona da seguinte forma: a crianga pega um papel ¢ amassa até deixar num formato de uma bola, entao pegamos a cesta de lixo do consultério onde a bola sera arremessada. Comega 0 jogo, a cada arremesso que a crianga faz, ela tem de com- partilhar seus pensamentos ¢ sentimentos com o terapeuta. Esse jogo ajuda a crianga a identificar pensamentos, sentimentos e relacionar situagées (Stallard, 2007). | 432 | O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental Outra forma de ajudar a crianga a identificar os pensamentos e sentimentos € construir uma atividade para ligar o pensamento ao sentimento. A atividade se realiza da seguinte forma: 0 terapeuta pega uma folha de offcio e escreve de um lado da folha os pensamentos e do mesmo lado da folha escreve as emogées que estao conectadas. Apés a confeccio da atividade, a crianca comeca a fazer a li- gac4o entre o pensamento e a emogdo, com o objetivo de comegar a identificar os pensamentos ¢ sentimentos para entéo o trabalho ser realizado, Exemplo de atividade de ligue cada pensamento na sua emog&o correspondente: identificar pensamentos e sentimentos PENSAMENTOS SENTIMENTOS ( oe Minha colega ee brigou comigo Ne = Minha mae deixoy eu brincar com \ p meus colegas NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 433 | Outro trabalho que pode ser desenvolvido para ajudar a dife- renciar pensamento, sentimento e situag4o € a Classificagao de Car- tées; durante o processo de avaliag4o, o terapeuta observa os pensa- mentos, sentimentos e situagdes que sdo importantes e prejudiciais para a crianga. ‘Transformamos a cartolina em cartées, e o terapeuta escre- ve, em cada um, situagdes, sentimentos e pensamentos pertinen- tes. A crianga é convidada a participar dessa atividade da seguinte maneira: precisa classificar os cartées em categorias de situagdes, pensamentos e sentimentos de uma forma rdpida. E um jogo que tem como objetivo ajudar a crianga a diferenciar fatos, emocées € cognigées (Stallard, 2007). Realizamos com as criangas, apés estarem familiarizadas com a nomeagao das emogées, o treino na mensuragao da intensidade destas. Uma técnica para tal é o Rosto de Sentimentos. A crianga desenha o rosto que expressa um determinado sentimento e, em seguida, o terapeuta apresenta trés caixas, que representam trés niveis de intensidades. As caixas indicam variagées de intensidade: nenhuma, um pouco e muito. Pede-se entio que a crianga circule a “quantidade” do sentimento desenhado que ela vivencia (Frie- dberg & McClure, 2004). A quantidade de caixas de intensidade pode variar, dependendo das habilidades da crianga para fazer tal diferenciacio. Criar uma colagem de sentimentos com a crianga é outra pos i bilidade interessante. Nessa atividade, o terapeuta entrega uma carto- lina e revistas. A crianga faz uma colagem, representando diferentes estados de sentimentos que recortou das revistas. Essa atividade é bem adequada para crianga que tem dificuldade de expressar seus sentimentos (Friedberg & McClure, 2004). Bernard e Joyce (1984) descrevem um registro de pensamento chamado Jardim de Flor para criancas. A crianga desenha plantas em que as flores representam sentimentos, o caule indica os pensamentos eo solo constitui o evento. A crianga pinta as flores com cores diver- sas para representar os diferentes sentimentos. | 434 | O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental Exemplo: TERAPEUTA: Vamos desenhar uma flor? ANDRESSA: Sim. TERAPEUTA: Entao escolha algumas cores e vamos desenhar um Jardim de Flor de Pensamento. ANDRESSA: (Escolhe os Idpis de cor) TERAPEUTA: Vamos desenhar o solo. Que cor deverfamos usar? ANDRESSA: Marrom. (Desenha o solo). TERAPEUTA: As flores crescem do solo. O solo é como as coisas acontecem a vocé quando se sente mal. O que acontecetu essa semana que a fez sentir-se mal? ANDRESSA: Meus pais se separaram. TERAPEUTA: Certo. Vamos escrever isso no solo (escreve). Vamos. imaginar que pensamentos e sentimentos nasceram com essa situagao. © que passa na sua cabega com a separagao? ANDRESSA: Nao vou ver mais meu pai. TERAPEUTA: Esse pensamento € 0 caule da flor, Vocé desenha 0 cau- le, Eu vou escrever 0 que passou na sua cabega. Agora, como voc se sentiu? ANDRESSA: Triste, Medo. TERAPEUTA: De que cor seriam essas flores? ANDRESSA: Cinza e Preto. Essa técnica costuma ser uma tarefa divertida e interessante, pois mostra para a crianga que temos varios sentimentos diferentes para uma mesma situag4o. Mostra que o Jardim do Pensamento nao exige muita expressividade verbal, o desenho é uma tarefa nao amea- cadora e permite ao terapeuta apresentar um material psicoeducativo (Friedberg & McClure, 2004). NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 435 | BRINCADEIRA NO PROCESSO DE REESTRUTURAGAO COGNITIVA Na Terapia Cognitivo-Comportamental focada na crianga, uti- lizamos, como método do processo terapéutico, a brincadeira, uma intervengao conhecida e familiar no contexto da crianga. Como as criangas permanecem no seu espaco em relacio aos brinquedos, tor- na-se a terapia um meio de divertimento para a crianga e, ao mesmo tempo, um meio de averiguar e colher informagées necessdrias para 0 terapeuta (Stallard, 2007). Incluimos as brincadeiras no processo terapéutico como um fa- cilitador na identificagdo ou inibicéo dos processos cognitivos. Claro que, no processo terapéutico, deve haver uma interagao adequada do terapeuta com a crianga no momento da brincadeira, uma vez que esta, por si s6, nao leva a mudangas significativas. Em outras palavras, nao basta apenas brincar; € preciso guiar a brincadeira de modo a gerar uma reestruturacio cognitiva (Caballo & Simon, 2005). Jogos, fantoches, narracao de histérias, bonecos, carrinhos e livros de histérias fazem parte do mundo da crianga e ao mesmo tem- po ajudam o terapeuta a desenvolver o vinculo, fundamental para 0 comego do tratamento (Stallard, 2007). Os fantoches sao formas atrativas de trabalhar com criangas pe- quenas; o terapeuta pode utilizar o fantoche para estruturar uma brinca- deira ou para discutir questées relevantes para a crianca de uma maneira menos ameacadora que uma conversa direta (Knell & Ruma, 2009). Com o fantoche, o terapeuta finge ter a mesma experiéncia com uma situagdo semelhante por que a crianga esteja passando ¢ pede para a crianga dizer o que o fantoche est4 pensando e sentindo em relago ao evento. O fantoche finge ser a crianga e mantém com o terapeuta uma conversa sobre seu problema. £ uma maneira de escla- recer para a crianga suas cognigées e seus comportamentos e ajudar acriar estratégias mais saudaveis perante o evento (Stallard, 2007). ‘A narragio de hist6rias é meio de comunicagio para a crianga que permite um nivel apropriado de entendimento no sentido de des- crever experiéncias, pensamentos e sentimentos. Com a narragéo de | 436 | O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental hist6rias, a crianga pode fornecer insight sobre o mundo interno; for- necer uma oportunidade para desafiar indiretamente as cognicées e os processos cognitivos da crianga de forma nAo critica; buscar novas informagées ou alternativas mais adequadas para lidar com a situagio apresentada (Stallard, 2007). Ja nas histérias orientadas de avaliagdo, ou seja, histérias se- miestruturadas que s4o criadas em conjunto com a crianga e que constituem uma oportunidade para realizar perguntas direcionadas de como a crianga pensa, sente e se comporta, 0 terapeuta comeca a contar uma historia sobre o problema da crianga e, a partir do inicio, vai esclarecendo algumas experiéncias por que a crianca passou e atu- ais preocupagées que podem aparecer (Stallard, 2007). A Casa de Boneca é outra brincadeira em que o terapeuta con- segue analisar o funcionamento de casa, ou seja, atitudes dos pais, comportamentos, pensamentos da crianga. Pode ser explorado da seguinte forma: o terapeuta pede para a crianca fazer um teatro, a propria crianga escolhe o tema, geralmente a escolha se baseia no problema que a crianga est4 vivendo no momento. Apés escolher 0 tema do teatro, a crianga pega a casa de boneca e comega a montar 0 teatro. Naquele espaco, a crianga realiza o teatro do tema escolhido. O objetivo é saber um pouco da dindmica familiar e também analisar como a crianga transmite esses acontecimentos. Os livros de histérias também sao facilitadores no processo tera- péutico. Eles ajudam a crianca a compreender seu préprio problema, além de sugerir maneiras de lidar com ele e desenvolver solugées. 6 vantajoso usar histérias no processo porque os terapeutas conseguem fazer com que as criangas identifiquem cognigées, comportamentos € sentimentos; 0 terapeuta ir4 nao sé mostrar maneiras de ajudar a crian- gaa lidar com o problema, mas também prestar ateng4o a novos cami- nhos e agilidades de lidar com a situagao apresentada (Stallard, 2007). Outra interveng4o que usamos s4o livrinhos com temas como: novo casamento de um dos pais; separagao dos pais; algum terrivel acontecimento; problemas graves na familia; morte de alguém mui- to especial; doenca muito grave (Heegaard, 1998), em que a crian- ga completa ou desenha o que esté faltando. Essa atividade ajuda a NOVAS TEMATICAS EM TERAPIA COGNITIVA | 437 | crianga a compreender seus sentimentos de acordo com o problema por que est4 passando, ao mesmo tempo em que percebe que nem tudo esta perdido (Heegaard, 1998). Outra forma de intervengao sao os contos que tém como obje- tivo ajudar a crianga a lidar com diversos problemas usando a imagi- nagao. Assim, cada conto tem uma finalidade especffica para transmi- tir para a crianga: 0 conto de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, transmite a importancia da obediéncia —também € possivel usar O Patinho Feio ¢ Pindquio entre outros (Caballo & Simon, 2005). CONSIDERAGOES FINAIS A terapia cognitiva focada na crianga tem como objetivo tra- balhar problemas que a crianga ou a familia nio estio conseguindo resolver, utilizando, dentre outras estratégias, o brinquedo. O brin- quedo é uma das ferramentas fundamentais no processo da terapia, pois faz parte do mundo da crianga. O terapeuta que trabalha com criangas tem de ser muito cria- tivo e flexivel, ou seja, temos de adaptar as técnicas que utilizamos com os adultos para o atendimento com criangas, e esse processo de adaptagao geralmente faz uso do brinquedo. Quando falamos no uso terapéutico da brincadeira, nao estamos falando do simples ato de brincar. Trata-se de utilizar um recurso inerente ao mundo infantil respeitando os preceitos fundamentais da terapia cognitiva. Adaptar técnica nao é simplesmente adaptar, e sim ter como objetivo claro o porqué de se estar adaptando e qual o resultado que pretende alcan- car (Shapiro, Friedberg & Bardenstein, 2006). O brinquedo, dependendo da maneira como é utilizado, pode funcionar como ferramenta de avaliagao, estabelecimento de vinculo terapéutico, psicoeducagéo, automonitoramento e vefculo de mudan- ca. Sua utilizacdo criativa e, ao mesmo tempo, embasada teoricamen- te, maximiza as chances de sucesso no tratamento cognitivo compor- tamental de criangas. A despeito de ter se tornado cliché, o ditado “a psicoterapia é uma mistura de ciéncia e arte”, mostra-se verdadeiro. | 438 | O Uso da Brincadeira na Terapia Cognitivo-Comportamental REFERENCIAS Beck, A. T. (1976). Cognitive therapy and the emotional disorders. New York: International Universities Press. Bernard, M. E., & Joyce, M. R. (1984). Rational-emotive therapy with children and adolescents. New York: Wiley. Bomtempo, E., Hussein, C. L., & Zam- berlan, M. A. T. (1986). Psicologia do brinquedo: Aspectos te6ricos ¢ metodo- logicos. Sao Paulo: Stell. Caballo, V. E., & Simon, M. A. (Orgs.). (2005). Manual de psicologia clinica in- fantil e do adolescente: Transtornos espe- Gificos. S4o Paulo: Livraria Santos. Caminha, R. M., & Caminha, M. G. (2007). A pratica cognitiva na infancia, Sao Paulo: Roca Carvalho, A. M. A., Magalhaes, C.M. C., Pontes, F. A. R., & Bichara, I. D. (Orgs.). (2003). Brincadeira e cultura: Viajando pelo Brasil que brinca: Vol. 1. O Brasil que brinca, Sao Paulo: Casa do Psicélogo. Dobson, K. $. (2006). Manual de tera- pias cognitivo-comportamentais (2. ed.) Porto Alegre: Artmed. (Original publi- cado em 2001). Florey, L. (1971). An approach to play development. American Journal of Oc- cupational Therapy, 25 (6), 275-280. Freeman, A., & Dattilio, F. M. (1998). Compreendendo a terapia cognitiva. Campinas: Editorial Psy. Friedberg, R. D., & McMclure, J. M. (2004). A pratica clinica de terapia cog- nitiva com criancas e adolescentes. Porto Alegre: Artmed. Heegaard, M. (1998). Quando a familia estd com problemas: As criancas podem aprender a lidar com a tristeza decorren- te da adicao as drogas e ao alcool. Porto Alegre: Artmed. Heegaard, M. (1998). Quando alguém muito especial morre: As criancas podem aprender a lidar com a tristeza. Porto Alegre: Artmed, Heegaard, M. (1998). Quando alguém tem wma doenca muito rara: As criancas podem aprender a lidar com a perda e a mudanga. Porto Alegre: Artmed. Heegaard, M. (1998). Quando alguma coisa terrivel acontece: As criancas po- dem aprender a lidar com situagées trau- maticas. Porto Alegre: Artmed. Heegaard, M. (1998). Quando os pais se separam: As criancas podem aprender a lidar com a tristeza do divorcio. Porto Alegre: Artmed, Heegaard, M. (1998). Quando um dos pais casa novamente: As criangas podem aprender a lidar com a mudanga fami- liar. Porto Alegre: Artmed, Knell, S. M. & Ruma, C. D. (2009). Ludoterapia com uma crianga abusada sexualmente. In M, A. Reinecke, F. M. Dattilio, & A. Freeman, Terapia cogniti- va com criancas e adolescentes: Relatos de casos e a pratica clinica (pp. 391- 420). Sao Paulo: LMP. Leahy, R. L. (2008). Superando a resis- téncia em terapia cognitiva. Sao Paulo: LMP. Lordelo, E. R. E.; & Carvalho, A. M. A. (2003). Educagio infantil e psicologia: Para que brincar? Psicologia: Ciéncia e Profissdo, 23(2), 14-21. Lucariello, J. (1995). Mid, culture, per- son: Elements in a cultural psychology. Human Development, 38, 2-18. McCall, R. (1974). Exploratory ma- nipulation and play in the human infant. Monographs of the Society for Research in Child Developmente, 39(2), 1-88. NOVAS TEMATICAS EM TERAPIACOGNITIVA | 439 | Packer, M. (1994). Cultural work on the kindergarten playground: Articulating the ground of play. Human Develop- ment, 37, 259-227. Queiroz, NL. C., Maciel, D. A. & Branco, A. U. (2006). Brincadeira e de- senvolvimento infantil: Um olhar socio- cultural construtivista. Brasilia: UNB. Raabe, J. (1980). Os jogos ea sociedade. Rio de Janeiro: UNESCO. Rangé, B. (1998). Relagdo terapéutica. In B. Rangé, Psicoterapia comportamen- tal e cognitiva de transtornos psiquidtri- cos (pp. 43-66) Sao Paulo: Editorial Psy. Rangé, B., & Erthal, T. C. A. (1998). Relacio terapéutica na abordagem com- portamental. In H. W. Lettner & B. Rangé (Orgs.), Manual de psicoterapia compor- tamental (pp. 45-48). Sa0 Paulo: Manole. Reeve, J. (2006). Motivacdo ¢ emogao. (4. ed.). Rio de Janeiro: LCT. Ronen T. (1998). Linking developmen- tal and emotional elements into child and family cognitive-behavioral therapy. In PB Graham, (Ed.), Cognitive-behav- iour therapy for children and families (pp. 1-17). Cambridge: Cambridge Uni- versity Press. Shapiro, J. P, Friedberg, R. D., & Bar- denstein, K. K, (2006). Child and ado- lescent therapy: Science and art. Hobo- ken, NJ: J. Wiley. Shirk, $.R. (2001). Development and Cognitive Therapy. Journal of Cognitive Psychotherapy, 15(3), 155-163. Siaulys, M. ©. C. (2005). Brincar para todos. Brastlia: MEC/SEESP. Stallard, P. (2007) Guia do terapeuta para os Bons Pensamentos — Bons Senti- ‘mentos, Porto Alegre: Artmed. | 440 |

Potrebbero piacerti anche