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LUGAR COMUM Na, pp. 41-54 HB Linguagem e pés-fordismo Christian Marazzi Maquinas lingiisticas Quando se diz que com 0 pés-fordismo a comunicagao entra em produgao, torna-se fator diretamente produtivo, coloca-se em causa a lin- guagem que, por sua vocagio, esté na base do comunicar. A coincidéncia entre o ato de produzir e 0 ato de comunicar do novo paradigma produtivo abre um leque de problemas 4 andlise da linguagem, tio fascinante quanto de extrema complexidade e densidade. Nao serd, portanto, possfvel, nos li- mites desta reflexdo, resumir as multiplas questdes colocadas pela entrada da comunicagao em produgao. Poderemos apenas destacar alguns nexos, algumas correlagdes entre o “modo de produgao por meio de comunicagao” e suas possiveis conseqiiéncias politicas. ‘Vamos, primeiramente, definir 0 problema. Falamos, a propésito da época fordista, de separagdo entre universo econémico da empresa e sistema politico, institucional ¢ administrativo; entre sujeito empresarial e sujeito politico, entre inovagdo e execucHo. Esta separacio teve sempre um cardter pragmético, servindo para melhor definir os ambitos de operatividade dos sujeitos, aqueles que operam no mundo da economia e aqueles que “fazem politica”. Entre estas duas “esferas” houve sempre uma relagiio de funciona- lidade rec{proca: o agir instrumental do empresério nfo pode passar sem o agir do politico. Olhando o interior de cada empresa, o trabalho executivo do operdtio na linha de montagem nao pode dispensar a programagao empresarial dos técnicos, dos “colarinhos brancos” e vice-versa. Aos operétios, no curso da histéria industrial, sempre foi pedido que formu- Jassem conselhos técnicos para melhorar o processo produtivo, introduzin- do modificagdes no maquindrio usado em cada segao ou na organizagio dos 42 LLINGUAGEM & POS-FORDISMO procedimentos de trabalho. Mas, e este € 0 ponto, estas sugestées dos operdrios deveriam ser depositadas em uma caixa colocada em cada se¢ao, como se fossem uma informagiio secreta ou privada entre cada ope-Ario ¢ 0 Escritério de Projetos. Esta separagdo funcional tem caréter hist6rico, muda no tempo e estd na origem das transformagdes do modo de governar, justamente porque lida com légicas linguagens diversas. Corretamente, André Gorz, na aber- tura de seu estudo sobre as “metamorfoses do trabalho”, cita Max Weber quando descreve a transi¢do do modo de produzir pré-industrial para o industrial’. Antes do capitalismo industrial, a esfera da produgdo propriamente dita era predominantemente de tipo doméstico e a esfera familiar privada coincidia com a esfera do trabalho direto artesanal, o que definia seus tem- pos e modos de execugiio. O industrial que utilizava operérios a domicilio dava-hes ampla autonomia em relago as formas de organizacao, ao nimero de horas de trabalho e 4 melhor organizag4o das relagdes intra-familiares para levar a producao a termo. O empresario sé aparecia com a producao acabada. Esta forma de organizac&o capitalista, radicada na tradiggo, tinha uma racionalidade incontestavel. Tradicional era o modo de vida, tradi- cionais eram as taxas de lucro, a quantidade de trabalho fornecido, 0 modo de gerir a empresa ¢ as relagdes entre empresdrios e operétios. Tudo isso dominava a condugdo dos negécios, subjacente ao “espirito” ¢ a ética daque- le tipo de empresdrio pré-industrial. No momento em que o empresdrio, explica Weber, decide aumentar seus negécios além dos niveis tradicionais, é obrigado a dar uma reviravol- ta na forma de sua organizagao produtiva, a organizar a fdbrica fechada, a contratar os operdrios que antes trabalhavam a domicflio para utiliz4-los segundo ldégicas diversas das precedentes. Nasce o trabalho assalariado e, com ele, nasce uma nova racionalidade: a racionalidade econémica no sen- tido estrito. Weber chega mesmo a afirmar que a racionalidade capitalista nasce de um “elemento de irracionalidade” porque 0 “homem econémico” escolhe, doravante, existir em fungiio de seu trabalho, de sua empresa, “e n&o 0 contrério!” E fato que esta racionalidade econdmica vai se impor, em (Christian Marazzi seguida, como Gnica racionalidade, enquanto aquilo que Max Weber havia podido deduzir a partir de sua reconstrugio da transigo da época pré-indus- trial 4 industrial era antes a existéncia de uma pluralidade de racionalidades. Ou seja, a vida pode ser racionalizada de acordo com perspectivas tiltimas € em diregdes extremamente diferentes. O fato de existir uma 6 racionalidade. - a racionalidade econémica - depende, em tiltima andlise, de como essa racionalidade governa a sociedade; isto 6, o modo como se impée sobre todas as outras racionalidades, sobre todos os outros modos de vida pos- siveis, depende da forma politica melhor organizada para representar fun- cionalmente esta tacionalidade. A interago entre trabalho industrial e forma politica, que esté na base do capitalismo industrial, € analisada com precisdo por Hegel, no inf cio do século x1x?. Hegel estabelece uma seqiiéncia légica entre Trabalho ¢ Govemo: antes de tudo vem o trabalho, o agir instrumental e a atividade finalizada de cada agente econdmico na base da qual se encontra a relagio instrumental entre o individuo e 0 objeto de sua necessidade. O universo do trabalho 6 um conjunto heterogéneo de pessoas dedicadas ao trabalho, cada um empenhado em “lutar” com a natureza, a instrumentalizé-la para satis- fazer as préprias necessidades individuais. Neste universo, no qual uma infinidade de homens “age com objetivo” segundo a légica da diviso-espe- cializagdo do trabalho, a atividade é muda, silenciosa. Agir de acordo com objetivos significa fazer funcionar mecanicamente o utensflio, a maquina, para atingir a meta pré-fixada. A comunicacao é do tipo monolégico, vai em uma s6 diregao: do projeto (ou objetivo) ao resultado final, o produto. Entre © projeto e sua realizagao insere-se a execugdo, mas trata-se de uma exe- cug&o mecAnica (silenciosa), em que “o fim justifica os meios”. Por esta razdo, Hegel fixa a comunicacao propriamente dita no exte- rior do processo diretamente produtivo, ou seja, estabelece uma diversidade légica entre agir instrumental e agir comunicativo. A comunicagao, a “trama dialégica” entre consciéncias que estd na base do “espfrito de um povo”, a reflexdo coletiva entre sujeitos empenhados em atividades, tudo isso define © sistema, “invélucro” dentro do qual uma sociedade constréi as relagdes sociais € redistributivas, as relagdes juridicas e institucionais. Por sua vez, 0 sistema social e politico construfdo sobre a base do agir comunicativo entre 44 MLLINGUAGEM E POS-FORDISMO. sujeitos econémicos individuais, retroage sobre cada um deles, re-sistemati- zando-os, por assim dizer. Tanto quanto 0 trabalho “produz” sua sociedade, suas instituigdes, seu Governo “por meio de comunicagiio”, este iltimo reproduz os sujeitos econémicos fixando regras de comportamento, leis, normas, vetos, objetivos coletivos, dispositivos redistributivos. Dado que o pés-fordismo, diversamente do que acabamos de des- crever, no separa mais a produgado da comunicag&o mas faz de sua coin- cidéncia a alavanca mesma do desenvolvimento econémico, a primeira coisa a esclarecer é de que tipo de comunicacao, ou melhor, de que tipo de Jinguagem estamos falando. A linguagem de que falamos é a linguagem que produz organizagao no interior da esfera do trabalho, no interior da empresa. Para ligar melhor a produgao as oscilagbes do mercado, o processo de trabalho é estruturado de modo a fluidificar ao maximo a circulagdo das informag®es, gragas as quais poderd responder, em tempo real, 4s demandas do mercado. A comu- nicagao de informagdes usard, portanto, uma linguagem 4gil, funcional, uma linguagem légico-formal que permita, no momento mesmo em que trans- mite informagées, aviar atos trabalhistas essenciais para atingir 0 objetivo. Este tipo de linguagem deve ser o mais formal possivel, isto é, uma linguagem feita de simbolos, signos, cédigos abstratos, condig&o indispen- sdvel para permitir, a todos aqueles que colaboram no interior da empresa, interpreté-los de imediato, sem hesitac&o. Na abstragio, na artificialidade da linguagem, assenta-se a possibilidade de que uma forca de trabalho em con- tfnuo movimento (e em continua rotagao, sobretudo no vaivém de um mer- cado de trabalho crescentemente precarizado) possa compreendé-la e, por conseguinte, utilizé-la para responder as “ordens” que as informagées comunicam. Esta linguagem, além do tipo formal (abstrato, artificial, completa- mente simbélico), deve também ser ldgica, pois é em virtude de suas regras e de sua gramiética que ela pode ser utilizada no interior da empresa (ou no sistema de “produgao em rede”, de varias empresas), ou seja, no interior de uma “comunidade social” na qual o agir de um nao deve obstruir o dos ou- tros, mas sim favorecé-lo e potencializé-lo. A linguagem Iégico-formal esta na base da “maquina lingiifstica” Christian Marazai m 45 teorizada pelo matematico inglés Alan Turing, em 1936, e encontra-se na origem das tecnologias informéticas hodiernas’, A “mdquina de Turing” é uma méquina lingiifstica na qual a organizag&o das regras e da gramatica séo centrais uma vez que nelas os simbolos se movem em uma “linha de mon- tagem” magnética, passando de um estado a outro, para a frente e para trés. A organizagio lingiifstica do processo produtivo nfo, caracteriza apenas a “méquina de Turing” e as tecnologias informéticas que dela descendem. Os préprios modelos de organizacao empresarial inspiram-se nos princfpios enunciados pelo matemético Alan Turing: on seja, almejam organizar a empresa como se fosse uma espécie de “banco de dados” capaz de auto-acionar-se com 0 uso de uma comunicagio linglifstica despida de obstaculos, maximamente fluida, “interfaceante™. Linguagem como “tecnologia politica” E facil entender porque, neste ponto, torna-se importante um con- fronto com as teorias politicas que utilizaram a linguagem e a comunicagao para definir a potencialidade de aprimoramento da democracia. Aludimos 2 teoria de Jiirgen Habermas’, cujo principal mérito consiste em ter colocado as grandes questdes politicas da democracia ¢ da liberdade no plano da lin- guagem. Em Habermas, o “agir comunicativo”, 0 recurso do poder & me- diagdo linguistico-discursiva, é 0 que assegura a possibilidade de justificar ¢ legitimar 0 Governo da sociedade fazendo referéncia a interesses e neces- sidades coletivos, ao interesse geral. FE gracas a linguagem, segundo a teoria da “democracia discursiva”, que se pode ir além do dado puro e simples, além da norma nua ¢ crua, além do elemento puramente técnico-instrumental. A mediagao lingiifstica determina a possibilidade de uma busca cooperativa e consensual da verdade. A linguagem que utilizamos contém, segundo Habermas, uma “racionalidade substancial”, uma racionalidade comum a todos os seres ¢ 0 objetivo da comunicagéo é fazé-la emergir para organizar e melhorar a sociedade. Esta racionalidade substancial € semelhante & atividade produtiva de cada homem de que Hegel falava: ela preexistiria ao proprio ato de 46 MI LINGUAGEM E POS-FORDISMO comunicar, pertenceria ao “mundo vivido” de cada homem e, como em Hegel a propésito do produto do trabalho, do estado privado passaria, gracas. & comunicagio lingiifstica, aquele social. O “mundo vivido” privado de cada individuo socializa-se por meio de linguagem, de comunicagio, de didlogo entre individuos. E assim que, gragas & comunicagao lingiifstica, os indivi- duos organizam o sistema social, politico e institucional sem o qual existiria somente a “guerra de todos contra todos”. Nao € possivel retomar aqui os fios das criticas desenvolvidas no ultimos vinte anos, a esta visio por muitos considerada excessivamente for- mal ou “ingenuamente iluminista”. Para a andlise dos problemas politicos abertos pelo regime pés-fordista é, porém, necessério tocar em algumas questdes que a abordagem de Habermas coloca sem, no entanto, resolver. O uso que Habermas faz da teoria da comunicagdo é certamente fruto de uma intuigo notdvel, tendo em vista os tempos que corriam quan- do 0 filésofo comegou a trabalhar em sua teoria, mas é teoricamente insufi- ciente para compreender os tempos que correm. Em uma entrevista de 1983%, Habermas dizia que a sua “guinada lingiifstica” remonta aos primeiros anos da década de 70, isto é, bem no meio dos “anos de chumbo” edo surgimento das ideologias neo-conservadoras, assim como dos movi- mentos ecolégicos. Para evitar cair no p6s-moderno e no anti-modemo ou “tornarmo-nos conservadores duros ou jovens-conservadores selvagens”, Habermas empenhou-se, naqueles anos, na busca de uma safda e a teoria do agir comunicativo parecia um 6timo “expediente” para permanecer na mo- dernidade sem renunciar a levar a termo a missdo da modernidade. A teoria de Habermas encontra sua forga na pragmaticidade, no fato que define a comunicagio lingiifstica por aquilo que cla é em uma dada comunidade sécio-lingufstica. Ao mesmo resultado chegou Umberto Eco que, na introdugo ao seu J limiti dell’interpretazione, exprime assim sua tentativa de “pacificagao” das lutas em campo lingiifstico: “Continuo a pen- sar que, no interior das fronteiras de uma certa lingua, exista um sentido li- teral das vozes Iéxicas que é aquele listado em primeiro lugar pelos dicionarios, ou aquele que todo homem comum define em primeiro lugar quando lhe perguntam o que significa determinada palavra. Nenhuma teoria da recepedo poderia evitar esta restrig&o preliminar. Qualquer ato de liber- Christian Marazzi m 47 dade por parte do leitor pode vir depois e nao antes da aplicagio desta restrigio”. Também para Habermas, a linguagem utilizada comumente na sociedade de democracia liberal é a linguagem que melhor permite comu- nicar entre sujeitos/cidad&os diversos. Os valores da sociedade liberal séo valores compartilhados cuja interpretagdo nfio alude necessariamente a sig- nificados objetivos (a verdades tltimas), mas pelo menos a significados intersubjetivos. O que realmente conta ¢ que se faca uso de nogbes, palavras, signos socialmente compartilhados e que as palavras utilizadas para comunicar o sejam pelo fato de que a comunidade nelas reconhece a qualidade de verdadeiras. Neste “socialmente compartilhados” reside a pragmaticidade da teoria de Habermas: politicos de extragdes diversas podem comunicar entre si desde que se atenham ao significado “etimolégi- co” das palavras que usam, significado que a tradigio da democracia libe- ral consolidou. Se, em seguida, depois de ter encontrado um acordo politi- co, surgirem outros modos de interpretar as palavras com as quais as leis foram elaboradas, af entao os limites desta liberdade estardo inscritos nas regras gramaticais utilizadas para construir o préprio quadro do “conflito democratico”. No entanto, a insuficiéncia da teoria habermasiana é dificilmente negavel a luz do que tem sido demonstrado pelos anos 90. E trata-se de uma insuficiéneia de fundo, que se situa na justaposig&o entre “mundo vivido” e sistema social ¢ institucional’. A disponibilidade e a utilizagao da linguagem ndo dio, por si s6, nenhuma garantia de que o vivido interior passe comple- tamente através do filtro desta mesma linguagem’. Se, de fato, é verdade que a linguagem nao € algo inato como, suponhamos, o ouvido, mas é uma con- vengio, uma criago arbitrdria e artificial decidida pelos homens e passada de geragio a geracio, entdo os recém-nascidos herdam um meio de comuni- cag&o que ndo Ihes pertence naturalmente, que nao € congénito, mas sim imposto”, A aprendizagem da linguagem na infancia comporta uma violéncia original pois obriga a calar vivéncias para as quais nfio existem palavras, ou seja, a dizer contetidos nao correspondentes A experiencia, a ter intengdes que néio sao as préprias. Se, de uma parte, a linguagem permite ao homem 48 MLINGUAGEM E POS-FORDISMO “entrar na Histéria”, de outra, cla é sempre um “filtro” através do qual nem todo o vivido por cada homem consegue passar. Usando palavras de um poeta, “as palavras sao prisées sigiladas pelo A linguagem € constitutivamente disciplinar, coloca limites, vetos ao “mundo vivido”. Umberto Galimberti sintetizou assim: “A linguagem nao reproduz, mas distorce a verdade que, no entanto, néo tem outro modo de anunciar-se senio como distorgao da linguagem”". Neste plano - o papel da linguagem na sua qualidade de vefculo de socializagiio - a abordagem de Habermas é carente porque leva a um volun- tarismo que se transforma facilmente em ingenuidade politica. B um erro construir uma teoria (de valor, portanto, universal) do agir comunicativo sobre a base do pressuposto de que a dimensao discursivo-comunicativa das relagdes entre sujeitos é um fato objetivo porque “socialmente partilhado”, uma realidade dada independentemente de qualquer reflexdo critica sobre ela. B um pressuposto que, no m4ximo, pode valer no interior de ume comu- nidade circunscrita e internamente homogénea como, por exemplo, uma comunidade de professores académicos que trabalham no mesmo terreno disciplinar, ou um grupo politico que, com o tempo, desenvolveu uma comunicagao habitual. Se pretende ter um alcance geral, representar 0 agir comunicativo da sociedade em seu conjunto, a teoria de Habermas nao & nada mais que uma “robinsonada” transposta para o plano da lingiiistica’”. B de fato, Robinson fala a Sexta-Feira em inglés, nao trata sequer de saber se seu servo falava uma outra lingua antes de encontrar seu amo. A teoria da democracia coloca sem diivida a questo das regras necessarias para o governo da democracia, mas efetivamente sem resolver na linguagem os conflitos que a linguagem inevitavelmente determina. Criticar a teoria do agir comunicativo nfo significa colocar-se fora do mundo da politica “privando-se da palavra”. Significa apenas, mas este “apenas” € crucial, afirmar que no interior da mediagdo lingiifstica a existén- cia de cada um € sempre problemitica, e é exatamente este caréter pro- blematico que modifica continuamente os pressupostos. Se para Habermas aquéles que criticam a dimens%o comunicativa do agir politico sio uns “exibicionistas vazios”, céticos incurdveis, isto deve-se ao fato de que ele ivino pneuma, o Verdadeiro”, para a sua andlise no limiar do agir produtivo, privando-se assim dz possi- bilidade de entender as transformagées politico-institucionais, ou seja, as transformagdes dos pressupostos que descendem dos novos modos de produzir. O mérito da teoria do agir comunicativo de Habermas reside em seus limites, limites que nao poderiam ser individuados se nao tivéssemos sido obrigados a confrontar-nos com sua proposta de ades&o 4 democracia liberal as leis de mercado depois da queda do socialismo real. Por outro Jado, olhando bem, estes limites constituem a linha ao longo da qual nos movemos hoje no “céu da politica”. 0 curto-circuito © irromper da linguagem na esfera produtiva representa um ver- dadeiro salto no modo de conceber a ciéncia, a técnica, o trabalho produti- vo. Muito se escreveu a propésito da tecnicizagio, da mecanizagéo do mundo, do fato que com a economia de mercado a tnica racionalidade con- cebivel € a racionalidade econémica para a qual existe um Gnico modo de agir, o agir instrumental. O agir instrumental € o agir naio com base em valores compartilha- dos, mas com base em um cdiculo cujos elementos reduzem-se 4 medida da adequagéo do meio ao fim, um célculo racional. O agir instrumental descende do pensamento calculante, daquela racionalidade que exclui juizos de valor, relegando-os & esfera da comunicagao enquanto esfera separada, literalmente esfera do “parlamento”, da mediacao discursiva. Como escreveu MacIntyre: “A razio € calculadora. Ela pode estabelecer verdades de fato e relagdes matematicas, mas nada mais. No campo da pratica pode falar apenas de meios. A propésito dos fins deve calar-se™”. Com a entrada em produgao da comunicagio esta separacio, ov dicotomia, entre esfera do agir instrumental e esfera do agir comunicativo € revirada, desequilibrada. O trabalho pés-fordista € um trabalho altamente comunicativo, necessita de um alto grau de capacidades “lingiifsticas” para poder ser produtivo, pressupde qualidades atinentes & capacidade de usar atos simbélicos “quaisquer que sejam” (¢ portanto nio necessariamente de tipo informético, mas de qualquer tipo, mesmo puramente sensorial-intuitivo). Isto significa que é no proprio processo produtivo que reside aquela capaci- 50 MLLINGUAGEM E POS-FORDISMO dade de generalizagao, aquele ir além do dado, além do ato instrumental- mec&nico que a linguagem permite efetuar. Pode-se intuir em que sentido a entrada em produgao da comuni- cago coloca em crise, ou de qualquer modo problematiza, a forma politica da democracia herdada do fordismo. A superposig&o entre agir instrumental ¢ agir comunicativo, a coincidéncia de produgao e comunicagio, torna com- plexa, de fato, a passagem institucional dos interesses individuais aos inte- resses coletivos. A passagem tipicamente partidéria da representagao dos interesses de categoria, classe ou camada, de grupo social ou étnico, no plano da mediagfio institucional apresenta-se ab origine sempre mais dificil. Cada um tende a representar-se por si mesmo; a aprendizagem das técnicas comunicativas no interior do processo trabalhista-produtivo parece bastar para salvaguardar os préprios interesses (Berlusconi ensina). O empresério, justamente como tal, faz-se politico, sujeito de Governo, superando a sepa- Tago, tfpica da democracia representativa, entre esfera econémica ¢ esfera politica. A sua paradoxal “confiabilidade”, a sua “investidura”, deriva do fato de ser, contemporaneamente, sujeito do agir instrumental e do agir comunicativo. Pode dizer mentiras (sobretudo quando uma classe politica inteira € perseguida penalmente) porque, hobbesianamente, a mentira faz parte do arsenal linguistico-comunicativo que utiliza para produzir bens e servigos, especialmente quando estes bens so, por sua definig&o, “bens re- presentativos”, imagens de mundo. A crise da coesio social e a proliferagiio de formas de auto-repre- sentagao politica (que, paradoxalmente, nao faz sendo revelar, no aumento quantitativo das listas eleitorais, o déficit qualitativo de representag&o par- tidéria) tém origem na “guinada lingilfstica” que contagiou a esfera da pro- dugAo depois de ter sido caracteristica do Ambito artfstico e cultural, do uni- verso cientffico , enfim, com Habermas, da esfera do politico. A fungao, hoje indispensdvel, da mediagiio lingiifstico-comunicativa em qualquer operagao produtiva, determina a necessidade absoluta de algu- ma solugio politica, de alguma forma governo da atividade econémica, mas as solugGes politicas que tém sido cogitadas parecem destinadas 4 evanescéncia, tém vida breve apenas pelo fato de sorem’ solugées circuns- critas ao agir instrumental deste ou daquele setor empresarial, deste ou Christian Marazzi m 81 daquele interesse econdmico. A dificuldade de encontrar, em época pés-fordista, um nivel de mediag&o supra-individual, um plano sobre o qual consolidar compromissos e consensos duradouros, decorre do curto-circuito entre agir instrumental e agir comunicativo. No agir instrumental, a relacao entre meios e fins € de tipo mecani- co; uma vez fixado 0 objetivo que se quer atingir, uma vez decidido o que se quer produzir para maximizar os préprios interesses, a execugdo do pro- jeto é unfvoca e unilateral. A decisao racional no sentido do c4lculo das vantagens ¢ dos inconvenientes ¢, embora o célculo seja limitado, é sempre um cAlculo. Todo o resto, as outras agdes, os outros comportamentos nao entram na decisdo, mas somente no reflexo, no irracional. Comparado ao agir instrumental, o agir comunicativo é tudo menos um agit retilineo que conjuga meios e fins. A natureza, como notou Einstein, nao é um texto unfvoco, como acreditavam os cientistas da tradigdo newto- niana para os quais bastava ler a propria natureza, escrutar suas leis internas para derivar linearmente a legalidade cientifica do mundo fisico. A expe- riéncia da pesquisa tedrica demonstrou, de fato, que a natureza é antes um texto equivoco, que pode ser lido segundo modalidades alternativas. Se, de um lado, o mundo, interno ¢ externo, simplesmente nio fala, de outro, o fato de que somos nés, os nossos vocabuldrios que o fazem falar, leva 4 cons- trugdo de visdes miltiplas do proprio mundo, pluralidade de mundos teorica- mente correspondentes & pluralidade de sujeitos que estes mundos inventam". Portanto, 0 uso instrumental da comunicagao pée em atrito o agir instrumental e 0 agir comunicativo, método linear e método pluridimen- sional, 0 Uno ¢ 0 miiltiplo. Uma vez decidido 0 objetivo produtivo que se quer atingir, os fins e os meios para atingi-lo podem modificar-se ao longo do caminho, de modo que, no final do proceso produtivo, o resultado pode ser notavelmente diverso daquele projetado originalmente. Aqui se encon- tra, na raiz, a dificuldade inerente 4 construgao de uma forma de governo duravel, capaz de permitir a fixagdo de regras e normas (fict{cias se assim 0 quiserem, mas sempre regras) para a gestfio consensual da multiplicidade de interesses que constelam a sociedade. Da certeza da época passada, passamos as perguntas e a um estado 52 MILINGUAGEM E POS-FORDISMO permanente de interrogag&o. Continuamos a interrogar-nos por que as tespostas para os problemas que se vao colocando diante de nés nao somente so miiltiplas (o que, por si s6, j4 constitui um formidvel earique- cimento potencial da vida), mas também cada vez mais dificilmente socia- lizdveis, conversiveis umas as outras. No auge do desenvolvimento da “sociedade da comunicacfio” temos a crise da prépria comunicagao. A passagem das certezas & provisoricdade, da programabilidade 4 ocasionalidade é, portanto, um momento de crise estrutural destinado a durar ainda muito tempo. A reestruturacio pés-fordista foi obrigada, “ape- sar dela mesma”, a interiorizar a comunicacio. O perigo esté em néo ver a origem precisa da crise da democracia representativa herdada do fordismo. perigo esté em nao querer redefinir sobre esta base as categorias da politi- ca, em nao querer atravessar esta crise inovando os instrumentos de andlise, 0s modos de pensar, as formas organizativas da democracia representativa dentro da qual crescemos. O Poeta, literalmente aquele “que faz”, que trabalha com as palavras, j4 0 tinha entendido hé muito tempo. Ao comentar Hélderlin, cuja poesia “é para nés um destino”, Heidegger escreven: “A linguagem, 0 campo da ‘ocupacdo mais inocente de todas’, é o ‘mais perigoso dos bens’.(...) Ela € 0 perigo de todos os perigos, porque apenas ela cria a pos- sibilidade de um perigo”. ‘Traducao Eliana Aguiar Christian Marazzi m 63 Notas André Gorz, Métamorphoses dit travail. Quéte du sens, Critique de la raison économique, Editions Galilée, Paris, 1988, pp. 25-37. Ver também Memorie di classe, de Zygmunt Bauman, Binaudi, Turim, 1987, em particular a Introdugdo 0 capitulo I. 2 VP. Vimo, Convenzione, pp. 81-85. > Sobre a “maquina de Turing” como “principio” de base das novas tecnologias, ver Joseph Weizenbaum, Zi potere del computer e la ragione umana, i limiti dell’intelligenza antificiale, Gruppo Abele, Torino, 1987. “Em La machine univers, création, cognition et culture informatique, La Découverte, Paris, 1987, Pierre Lévy dedica betas p4ginas ao paralelismo entre a teoria filos6fica da linguagem de Ludwig Wittgenstein e aquela dos fundadores da informética Wiener ou McCulloch. A diferenca essencial est no fato de que, enquanto o filésofo est4, de algum modo, sempre intrigado com o indizfvel ¢ com seu elemento “mistico”, os teéricos das linguagens informéticas, mesmo permitindo que as préprias linguagens proliferem, param a cada vez que as linguagens no sio K6gico ou formalmente traduzfveis. “Les cybeméticiens congoivent I'homme comme un automate logique traitant de l'information. Ils se sont done arrétés au dicible et, oubliant qui ils écaient, ils ont négligé l'inexprimable que leur montrait Wittgenstein” (p, 129), Roberta De Monticelli chegou a conclusées anélogas, embora exclusivamente no terreno lingufstico, em seu Dottrine dell’intelligenza. Saggio su Frege e Wittgenstein, De Donato, Bari, 1981. * J. Habermas, Teoria deil'agire comunicativo, Il Mulino, Bolonha, 1986, 2 vol.; Al discorso filosofico della modernita, Laterza, Bari, 1987, Muito titeis so as atas de um debate sobre Habermas reunidas no volume: Marcello Ostinelli, Virginio Pedroni (org.), Fondazione e critica della comunicazione. Studi su Habermas, Angeli, 1992. * Citada por por Giorgio Agazzi em sua Introduzione a Jurgens Habermas, Etica del discorso, Laterza, Roma-Bari, 1989, p.13. 7 U, Eco, I limiti dell’interpretazione, Bompiani, Milo, 1990, p. 9 (ver também: pp. 266-267 e pp. 336-338), E curioso que Umberto Eco tenha se sentido no “dever” de colocar limites, por assim dizer, “objetivos” & interpretagio do texto depois de, como ele mesmo admitiu, ter contribufdo para sua “retirada” cerca de trinta anos atrés, legitimando, a contragosto, as teorias de Jacques Derrida. Curioso é que isto coincida com a crise dos limites da interpretagdo causada pela entrada em produgio da comunicagao, que Eco sequer menciona, Parece uma tentativa desesperada de ‘manter-se firme no quadro iluminista, colocado em perigo pela revolugao pos- fordista. Nao se discute aqui a necessidade de limites, discute-se ao contrério a 54 BLLINGUAGEM E POS-FORDISMO esfera ou 0 novo terreno sobre © qual estes Jimites so de alguma maneira redefinidos ou pelo menos individuados. * Ver Jacques Bidet, Théorie de la modernité, PUF, Paris, 1990, pp. 96-118. °A. Gorz, em seu Métamorphoses (op. cit.), dedica a Habermas um capitulo inteiro ¢ sua critica parece aceitavel (cf. pp. 212-220). Exceto, como veremos em seguida, a propésito do trabalho na esfera reprodutiva, por trazer Habermas de volta pela porta principal, demonstrando niio ter conseguido seguir até ao fundo 0 raciocinio sobre a interpenetragao entre agir instrumental ¢ agir comunicativo. E, se fosse 0 caso, uma demonstragio ulterior da forga de atrago de Habermas, forga esta que reaparece assim que a anélise critica deve ir além das fronteiras das categorias politicas da tradigéo. ” Ver a este propésito, de P. Virno “Il linguaggio in mezzo al guado”, em Luogo Comune, Un. 2, 1991, em que Virno retoma o estudo de Giorgio Agamben (Infancia e Storia) sobre a nao naturalidade da linguagem herdada (semelhante, neste ponto, & critica de Gorz a Habermas), Além disso, esta postura remonta &s primeiras teorias da lingttfstica do estudioso americano William Dwight Whitney (La vita e lo sviiuppo del linguaggio, Rizzoli, Milo, 1990) de 1876. Ver também de Giorgio Agamben, “La cosa stessa” em Gianfranco Dalmasso (org.), Disegno, la giustizia nel discorso, Jaca Book, Milo, 1984: “A estrutura pressuponente da linguagem é a prépriz estrutura da tradicao; nés pressupomos e trafmos (no sentido etimoldgico e no sentido comum) a coisa mesma da linguagem, para que a linguagem possa levar a algo. O ir ao fundo da coisa mesma é 0 fundamento sobre 0 qual somente algo como a tradigio pode constituir-se” (p. 9). Ou seja, utilizando a linguagem da critica econ6miva, que antes de transformar os valores em pregos & preciso produzir valor, isto é, “trazer & luz” o trabatho vivo, subjetivo do homem, aquilo que de qualquer maneira pressupSe a forma “tradicional” da relago salarial. O problema , portanto, sempre a transformagio, o ir além da forma. " Umberto Galimberti, Parole nomadi, Feltrinelli, Milao, 1994, p. 99. ""# esta a critica a Habermas desenvolvida por Emanuele Severino em seu La tendenza fondamentale del nostro tempo, Adelphi, Milo, 1988, pp. 89-109. ” Citado em Habermas, Erica del discorso, p. 49. “ Cfr. Giorgio Gargani, Stili di analisi, L'unita perduta del metodo filosofico, Feltrinelli, Milo, 1993. ‘* Martin Heidegger, La poesia di Hélderlin, Adelphi, Mildo, 1981, pp. 43-46. ~Christian Marazzi & doutor em Economia. Lecionou na Universita di Padova, na State University of New York e na Université de Lausanne. Atualmente leciona na Université des Sciences Economiques et Sociales de Geneve.

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