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EDIPO E A PAIXAO HELIO PELLEGRINO av) amos falar de Edipo, heréi de uma velha legenda tebana, na qual se apoiou S6focles para escrever sua trage nortal, Edipo- Rel, Fdipo, filho de Laio ¢ Jocasta, soberanos de Tebas. Ao ca Jocasta, recebeu Laio, de um ordculo, um veredicto terrivel, Seu filho unico, que the n: tia do matrimOnio, cometeria pa to, casando-se com a mie. Ao nascer a crianga, Laio ¢ Jocasta resolveram elimina-la alan to, entregaram-na a um pastor de Tebas, para que a matasse Aqui se pode perceber um tiltimo sopro de piedade em Jocasta. Foi ¢ entregou o filho ao pastor, incapaz de assassina-lo com as: proprias maos. O pastor, para cumprir a sentenga dos reis de que era sudito, dirigiu-se, com a crianga, para oO monte Citeron LA, também apleda do, ao invés de maté-la, furou-the os pés e, trespassando-os com uma corda, amarrou-a a uma 4rvore, para que as aves de rapina consumas sem 0 infanticidio. Nessa situagao simbél ¢ prefigura o destino de fidipo, Ele seria sempre o filho amarrado a drvore-mae, ineapar de nays cer e de inventar seus caminhos. Atado, prisioneiro, preso 4 mae pelo cordito umbilical — essa pode ser a leitura simbdlica do pequeno in fante dependurado numa drvore, no monte Citeron, Um pastor de Corinto, cidade vizinha, a0 passar por ali, viv a erian ga enforeada pelos pés c, apledado, resgatou-a para leviila A cidade: ise COM idio e inces quem 407 ménio incestuoso lhe nasceram quatro filhos: Polinice, Eteocles e duas mulheres, Isménia e Antigona. Durante anos, reinou em paz, até que uma peste devastadora se abateu sobre o pais. Consultado 0 ori culo, revelou que a epidemia era conseqiiéncia de nao terem 05 teba nos vingado a morte de Laio. Edipo ordenou, como rei, investigagées rigorosas, que o levaram por fim a reconhecer-se como parricida e incestuoso. Jocasta, deses perada, se enforea, reproduzindo a situacao originaria de seu filho, de pendurado por uma corda. Edipo, ao ver a mae morta, arranca de seu manto as agulhas que o adornavam e, com elas, dilacera 05 olhos, tornando-se cego. No inicio da década de 60, num congresso latino-americé psicandlise, realizado em Santiago do Chile, apresentei uma rea ¢io do complexo de Edipo freudiano a partir do mito e da legend que serviram de tema a S6focles para escrever sua tragédia imortil, Edipo-Rei. Santiago, nesse tempo, era uma linda e amavel cidade, ain da nao devastada pela peste do fascismo pinochetista. O trabalho susel tou interesse, por ter eu nele levantado uma questao ainda nao expli citada no terreno da literatura psicanalitica, Mostrei simplesmente 0 6bvio, a saber: Edipo, heréi da legenda tebana, ao assassinar O pal @ aO CaSar-se Com a mae, n4o se enquadra no esquema estrutural ¢ CON ceitual do complexo de Edipo, tal como o descreve Freud, fidipo, por tanto, nao padecia do complexo de Edipo freudiano, tendo sucumb! do a vicissitudes de natureza pré-edipicas. Senao vejamos: no conceituar o complexo de Edipo, diz Freud que 0 menino, entre trés e cinco anos, na fase falica de seu desenvol vimento libidinal, se apaixona sexualmente pela mae ¢, em virtude des se sentimento devastador, quer cometer parricidio para livrarse do pai, rival que Ihe barra — segundo a fantasia infantil © camino até a mulher desejada, Voltaremos a esse tema adiante, com mints cias maiore: Ora, se Rdipo, herdi tebano, se enquadra nos do problema, deveria apaixonar-se lou taria condenado a eliminar Polibio, o: do tinha poucos dias de idade, Entretanto, aterrorizado pela predigio do ordeulo, fdipo, pensando fugir ao seu destino, afastou-se de Co ar parricidio @ incesto, NAO ficou preso #Os pais que Oamaram e respeltaram, A base do amor recebido — 6 amor 60 chao © nos termos freucla nente por Mérope ¢ es pais que o criaram desde quan, 409 Esse pastor cumpriu a fun¢ao do pai simbélico, cuja mediacao separa a crianga da mae, pelo corte do cordao umbilical que os une. Ao cor- tar a corda que prendia Edipo, mudou seu destino e contrariou 0 ve- redicto todo-poderoso de Jocasta, que o condenara 4 morte. Mérope e Polibio, reis de Corinto, nao tinham filhos. © pastor entregou-lhes a crianga, que eles adotaram como filho legitimo, sem jamais informa-la do segredo de origem. Edipo — eidein, estar incha- do, € pous, pés — significa em grego “‘o que tem os pés inchados’’, e caminhando, canhestro, trope¢ando em sua marcha, incapaz de dan- gar o proprio destino. Eidipo, criado por Mérope € Polibio, cresceu protegido pelo cari- nho dos pais, sem que nada de especial o turbasse. J4 adulto, na forga da mocidade, ouviu num banquete, de um conviva bébado, a noticia de que nao era filho legitimo dos pais de Corinto. Profundamente an- gustiado com a versio que ouviu, mesmo depois de ter sido ela des- mentida por seus pais, procurou Edipo um ordculo e dele escutou uma predicao terrivel: seria parricida ¢ incestuoso e, de seu matriménio com a mae, Ihe nasceria uma prole nefanda. Para fugir ao destino, o her6i tebano decidiu afastar-se de Corin- to para sempre. Em viagem, na errancia a que 0 condenara 0 ordcu- lo, teve uma altercacgdo, numa encruzilhada, com um velho acompa- nhado de escolta, Edipo, na luta, matou o velho e dois dos guardas que o acompanhavam. O terceiro fugiu. J4 ai, sem que absolutamente 0 soubesse, 0 her6i comecara a cumprir seu destino. O velho abatido em combate era Laio, o rei de Tebas, que se atravessara em seu cami- nho e fora destruido. Seguindo viagem, Edipo aproximou-se do territ6rio tebano e, qua- se 48 portas da cidade, soube da existéncia da Esfinge, monstro que propunha aos que por ali passassem enigmas de dificil solugao, des- ando aqueles que nao os resolvessem. Creonte, irmao de Jo ta, sucessor de Laio, anunciara por toda a Grécia que daria a coroa ea mio da rainha vitiva a quem conseguisse livrar Tebas do terrivel flagelo. fidipo enfrentou a Esfinge e foi por ela desa enigma; “Qual é 6 animal que, pela manhi, anda com quatro pés, a0 meio-dia com dois e, pela tarde, com trés pés?’’ O herdi tebano en controu a resposta; é€ 0 homem, que na infancia anda de gatinhas, na maturidade sobre seus dois pés e, na velhice, apolado por um baste. A lsfinge, rofda de despeito, precipitou-se no abismo e fdipo, recebendo a mio de Jocasti, passou a reinar sobre Tebas, Do natrl ifiado com o seguinte SOK di liberdade — conseguiu salt de casa, Inventando seus caminhos com 6# pés, embora Inchados fidipo nao se viu preso a Mérope e Polibio e, sim, sem sequer sabe lo, a Lalo e& Jocasta, pais que o rejeitaram e condenaram A morte A prindo Ihe velo de um desamor fundante e fundam A mae © © arrastou a eliminagao do pai. Nao se pode falar, aqui, de Atal, que o atou UMA Palo aMOFOsa, Como No complexo de fidipo, freudiano, € sim de uma condenagao cuja raiz é, a0 contrario, a total auséncia de amor A tese por mim cefendida no trabalho de 1966 é de que na situa Gio edipica ha que distinguir dois niveis de estratific agdo, O primel ro, Mais superficial, implica a triangulagd’o freudiana pai, mae, fi Iho — transcorre na fase falica do desenvolvimento da libido, O se gundo, mais primitivo e originario, corresponde A fase oral e diz tes pelio a relagdo da crianga com a mae, nos seus primeiros tempos de vida © nivel superficial e triangular, nessa linha de pensamento, sera determinado pelo nivel arcaico, que funciona, na situagio edipics mo varidvel independente. Isto significa que a viruléncia do conflito edipico, na fase falica, sera decisivamente influenciada pelas vicissitu dle rianga e mae, na f 8 co da relagio entre ac se Oral, Quanto pior for esta mada e protegida pela figu a ela, e mais devastadoras serao as pai das na etapa posterior, Ao contrario, se a relagdo for boa e amorosa, mais facilidade tera a criancga de aceitar 0 corte sepa tidor que, com a interdigdo do incesto, a afasta da mae, lisse aparente paradoxo € facil de compreender, A crian agarrar-se — fundir-se — a mae, e essa nec tanto mais convulsiva quanto menos seguranga ¢ garantia tiver ¢ amor materno, Um naufrago, num mar proceloso, se aferrara (bua de salvagio na proporgao direta do tamanho das ondas que 0 ameagam. A crianga, jogada no mundo com 6 nascimento, procede dessa mesma forma, Ela ira ligarse a r pendénela desesperada sera diret inseguranga Para tanto, dividir da figura materna em duas Imagos, ada mie boa, protetora, ou ada mae ma, persecutoria, Esse splitting maniqueista, segundo Melanie Klein, se inicia logo 4pOs 0 nas cimento, Os instintos de vida e de morte serao representados, no psi quinmo arcaico, pelas fantasias de um seio bom, idealizado, corres: pondente aos nstintos eraticos, ¢ de um seio mau e perseguidor, re relagao, quanto menos se sentir a crian materna, mais se agarra xOes desencade; , tO Nas) cer, preeis: Jade se > com desespero, ¢ est mente proporcional a sua 410 Jjonado aos instintos tandtieos, Hea, assin, fundada uma trlangula glo arcaica, constituida pela crianga e pelas fantasias que faz de um selo bom e de um seio mau Quando a relagao primitiva entre erianga e miéle for ma, essa trian gulagao arcaica tende a persistir, A imagem da mae ma — ou do selo mau — sera projetada na figura do pai que, desta forma, se transformara num perseguidor odiado. A crianga, acuada, cheia de um 6dio que in cendiara essa perseguigdo, desejara matar o pai para entrar miew dentro, numa ultima e incestuosa busea de refugio Kissa é, literalmente, a historia de fdipo, O herdi tebano ficou chumbado a figura de Jo« mae que o condenara 4 morte, Tendo assassinado Laio e destruido a Esfinge, imagos mae ma, casou-se incestuosamente com Jocast ravés de filhos que e dela renasceu eram, ao Mesmo tempo, seus irmaos. Vejamos de que maneira Freud concebe 0 complexo de fidipo § vicissitudes cruciais que o constituem. Para o eriador da psicand lise, a crianga — no caso da nossa exposic¢ao, 0 menino —, entre os trés e cinco anos, se apaixona sexualmente por sua mie ¢, em decor réncia, quer matar 0 pai, rival que Ihe barra o caminho da paixao in cestuosa, Ele quer a mae, ea quer falicamente, transformando 0 penis num objeto falico, Veremos depois que pénis ¢ falo nao sio concel tos superponiveis. O pénis € um objeto — ou simbolo falico — tanto quanto 0 seio ou as fezes podem sé-lo, Nessa fase da evolugao da Ii bido, o pénis-falo ganha um formidavel valor narcisico. Ele é 0 eixo, © centro da atividade sexual da crianga, 0 fulcro de seu orgulho naret sico ¢ de sua afirmagio de onipoténcia e completude. O menino, portanto, na fase falica, deseja a mae e quer matar oO pai. Essa situagao mobiliza todo o elenco das mais terriveis xOCN humanas. Citime, inveja, dio parricida, culpa, tremor e temor, tals » o8 ingredientes das paixdes edipicas. Para que possamos enten der de que maneira Freud conceitualiza a resolugao do drama edipi co, precisamos distinguir as duas etapas da fase falica e introduzir, em nossa bagagem conceitual, o complexo de castragao, Esta é uma rele réneia central no pensamento freudiano e, juntamente com o com plexo de Bdipo, constitui o centro, 0 areabougo fundamental do edi ficio da ciéneia psicanalitica A fase falica do desenvolvimento sexual infantil implica duns ¢ pas, que slo mar pelas teorias sexuais infantis construidas em cada uma delas, Na primeita, a crianga elabora uma teorla sexual pela qual sO existe um sexo, o masculino, ‘Todos os seres humanos sao do: ttt tudos de penis, que aqui surge como falo, Como objeto imaginario, © no como una realidade, No caso do menino, 0 falo corresponde so pénis, anatomicamente presente, No i falta de pe nis simplesmente nao é assinalada. Ha uma negagho dessa falta, atra vés de um objeto imaginario, que é 0 falo, Acredito que essa maciga negagao da falta, através do falo, possa corresponder a uma defesa primitiva contra o fantasma da castragao, que é, segundo Freud, arquetipico, e, portanto, suprapessoal, O fan tasma ca castragdo é um dos fantasmas originais. Tem dimensio filo: genética, herdada, ¢ independe de experiéncias pessoais, Ble esta pre sente No psiquismo e, inclusive, interfere — ou mesmo determina © jogo da fantasmatica individual, Na primeira etapa da fase falica, por tanto, © falo esta presente em todos os s humanos, de tal manei que 4 falta do pénis nas meninas e mulheres simplesmente é negada © falo €, em ultima anilise, 0 significado da falta, conforme o define Lacan, Na primeira etapa da ‘ilica, ele é imaginarizado e aparece, amente, Como alguma coisa que preenche a falta, A falta 86 pode ser reprgser ravés de alguma coisa que a preencha, Nao posso frepresentar uma falta por outra falta. Um orificio, s6 posso representé-lo pelas paredes que © circunscrevem ou por um objeto que, entrando nelas, oO denuncia — e © representa, Um dedo que penetre um cano so da menina vai denuneiar 6 vazio do cano, torna-se significante d Ao. O dedo, entretanto, pode vir a significar imaginariamente nio 0 vazio do cano, mas o contrario deste, isto é, sua plenitude, Nessa medida, esse dedo passa a desempenhar uma fungao falica imagir Na segunda etapa cla fase falica, a crianga descobre a falta do pe His nas Meninas e nas mulhe falta sera lida nao como signifi cando a diferenga sexual e, como tal, constituindo a oposigao signifi cativa masculino-feminino, mas a partir da primeira etapa da fase fali ca, A erianga permanece fiel a sua teoria de que todos os seres huma nos tém 0 falo, mas constata, perplexa, que ele pode ser perdido. Wa erlaturas que foram despojadas do seu falo, ¢ a prova disto é que thes falta © penis, vivido como falo. Nasa descoberta € crucial ¢ pa constituir o fundamento do complexo de ¢ AGA, O Menino yy a ter medo de perder o pé His, uma ver que a ausencia dele, na menina, é prova de que isso pode acontecer, A Oposigao, nessa etapa da evolugao libidinosa, é fillco ou castrado, O penis iO imaginario —- pode ser perdido, e esta pers peetiva ou possibilidade o menino a articu » complexo de Edipo. Nilo Hos esquegamos de que, ho drama edipico, O Menino quer pos $12 Suir a mae, sexualmente, eliminando © pal, através do parrietdio, Na fantasia inconseiente, odeia o pal, quer wind-lo, casiralo, destrut lo, reduzi-lo a nada, Nao é surpreendente que, a partir dal, passe ate mer a vinganga retaliat6ria do pai, que o vai punir coma mesma moe da, No ineonsciente vige, soberana, a lei de talido: olho por olho, dente por dente, Na medida a auséne m que o menino percebe, na segunda etapa da faye do pénis-falo na menina e na mulher, ceria a teorla de que elas © perderam, E, nessa medida, passa a temer, com today as forgas do seu medo, que a mesma coisa Ihe acontega, por obra do Pai terrivel, implacavel e castrador. O menino, cuja vida psiquica na fase falica € enfunada pelos ventos da paixdo incestuosa, defront com 0 perigo eminente — e iminente — da castragao, Ele pode vir 4 perder seu artefato falico — o penis — tao caro ¢ necessario A pleni tude do seu narcisismo. 6 esta ameaga brutal que, segundo Freud, o leva a desistir da paixdo que o faz desejar a mae e querer matar O pal O temor da castragao, filogeneticamente condicionado, presente na fantasia inconsciente, é, para Freud, a mola mestra que leva A supera ¢ao do complexo de Edipo. O menino, para evitar a suprema injur narcisica que seria a perda do pénis-falo, desiste de sua paixio inces tuosa, capitula diante da Lei do Pai, ou Lei da Cultura, que interdita o incesto e, identificando-se com tal interdigao, aceita a gramatica so cial do desejo e se ptepata para ser, quando adulto, sédcio pleno da sociedade humana. A resolugao do complexo de Bdipo implica, pa Freud, a internalizagao identificatéria com as prescrigdes ¢ interdigoes da cultura. Por isso é que o criador da psicandlise afirma que 6 supe rego € © herdeiro do complexo de idipo. Em trabalho intitulado Pacto social e pacto edipico (1983), pro curo mostrar que a resolugdo do complexo de Edipo se faz nio ape nas em nome do temor e de tremor, mas também em nome de amor, A Lei do Pai é internalizada, sem dtivida, no temor. Sem a am stragao, que da a Lei da Cultura plena poténeia interditérk: lugio de fidipo seria impossivel e, com isto, a criang: garia da mae para criar sua propria aventura, Mas a ames tinico elemento que confere a Lei o seu poder de conviegio — e con >, A Lei nao existe para aniquilar oO desejo, aviltando-o ou degradando-o, Ao contrario, existe como gramatica capay de articula lo com 0 circuito de intercAmbio social, O menino, ao aceitar a inter digdo do incesto, tornando-se com isto candidato ao pleno esuituto de sécio da sociedade humana, tem o direito — ao qual eorresponde aga de ATeSO: desli no € 0 418 tum dever social — de viver um proceso fecundo e favordvel de so nivels prerrogativas de all clalizaglo, no qual estejam inseritas as inali mentglo, sadde, moradia, educagio — e carinho A Lei é produto de Eros — nao de TAnatos, Ela é guardia de dese jo, na medida em que 6 encaminha no sentido de uma subordinagio ao principio de realidad, luz apolinea capaz de articular-se com a di mensio dionisiaca e desmesurada da pulsio, na sua buse: a qualquer prego. A Lei disciplina o desejo para guardar a vida, intro: duzindo, na espessura do corpo e da carne, 0 clario do Logos Voltemos a fase falica ¢ 4s teorias sexuais infantis que nela se ma nifestam. & na segunda etapa da fase falica que surge, com agudez dra a, © problema da castragao. Até ai nfo existia, do ponto de vista da teoria infantil, a diferenga sexual. Depois, a diferenga aparece, ain da lida a partir da teoria construida na primeira etapa, O falo deixa de ser alguma coisa que se tem, sem problemas maiores, ¢ pas alguma coisa que se perde. O falo é destacavel, circula, pode assumir varias formas, Freucl, inclusive, criou uma equagao simbdlica assim formulada; pénis-fezes-presente-filho, Esses podem ser objetos fiilicos, © podem equivaler-se. Para o mer de prazer aa ser no, o medo da castragio 0 obriga a desistir de sua paixao incestuosa. f pelo horror a perda dos 6rgaos genitais que cle desinveste a figura materna de seus desejos sexuais e acaba por identifi = com as interdigdes do superego. Mas, enquanto a castr ¢4o leva o menino a sair do campo do Edipo, ela conduz a menina A entrada nes 's-falo. com isto, sente-se prejudicada, Ao perceber que a mae também nao o tem, ps a desvaloriza-la e, nessa medida, se dirige f figura do pai, dotado de falo e, portanto, cheio de poder ¢ fascinagao. A me nina se dirige ao pai para solicitar dele ou o falo, ou um equivalente do falo, que é um filho. cia do pai um filho, como indent io pelo fato de ter sido despojada do pénis-falo, por defeito de fabricagao. ay 1.0 esclarecimento da idéia ou da acusagio — de que Freud foi um machista impenitente, defen: sor da superioridade do homem sobre a mulher, Freud fala da inveja do pénis, sem divida, A mulher teria inveja do pénis, ¢ sua auséneia seria fonte de graves sentimentos de inferioridade, Entretanto, aquilo que provoca inveja nao é 0 pénis anatémico, mas o pénis-falo, 0 ob Jeto imaginario flico, mo tala investir quem o tenha de um valor de completude ¢ de plenitude narcisicas, Nessa medida, tambem Si campo. A menina descobre que nao tem o pér 1 ple is Conceitos sao importantes pa 0 € Sta © homem tem inveja falica, Se o seu penis &o falo, isto é, se flea preso etapa de desenvolvimento da libido, sera sempre rondado — @ rot do — pelo medo da castragio, Podera perder o falo para verse pos suidor de um pénis apenas, com as chuvas € trove adas eventuals que retar, O pénis-falo no pode ser apenas potente: ele tem. que ser onipotente, O homem, nessa medida, pode sentinse inferlo rizado — ou impotente — na medida em que nio aleance um rendimente sexual que testemunhe essa onipoténeia: A inveja falica, de homens e mulheres, pode deslocar-se para qual quer coisa que teria significado falico, isto é qualquer coisa que in plique plena expansao narcisica ¢ pleno sentimento de completude: Esta coisa pode ser a inteligéncia, a beleza fisica, a forga do corpo, a voz, a produgao artistica, o canto, a fama, a gloria, o dinheiro © que quer que seja. Dado que 0 falo é um objeto mitico, imaginario, impossivel, uma vez que nao existe nada que possa conferir a quem. quer que seja a completude — a r era morte —, a inveja faliea, ativa de {880 POSsa AC: que € 0 desejo de possui-lo, sera sempre presente, numa ter retorno a uma atitude nareisica também npossivel Falemos, agora, do conceito lacaniano de castra n, na sua elaborada e sofisticada teoria, metaforiza 0 complexo de castragdo freudiano, Neste, ha o risco de um corte mutilante, que crianga teme. Para nao perder o pénis, eixo central de sua expansito 1, 0 menino desiste de sua paixfio incestuosa ¢ aceita a inter dicao do pai, que profbe 0 incesto, Na verdade — ¢ La o menino ai aceita um corte, nao do seu pénis, que ele refuga, mas dia sua re 0 narefsica com a mae. Para Lacan, no inicio, a erianga ¢ 0 falo da mae, aquilo que the falta e a completa. Através da crianga, que lo, a mae o tem, o possui e, com isto, eria para si um estado thy sorio de completude narcisica A castragao simbélica implica a perda da abastanga falico-nareisiea seja para a crianga, que deixa de ser o falo da mae, seja para a mae, que deixa de ter o falo, encarnado na crianga, Bla é operada pelo pai sim hélico, em nome da Lei do Pai, ou Lei da Cultura, O pai simbolico no éa Lei, mas o representante da Lei, Ble faz a maiéutica da subjeta lidade de filho, partejando-o das aguas maternas, reduzindo o poder absoluto do desejo da mie e mediatizando a relago macfilho, na me dida em que introduz nela um tereeiro termo; a Lel, a linguagem, o elreulto de interedmblo social 40 simbolica, 1 narcisi can oO Mostra éof 415 A castragio simbdlica é o coroamento de um proceso gra de Keparagdo entre a crianga ea mae, Lin primeiro lugar, 66 corte do cordio umbilical, Esse corte € prototipico de todo corte separador e, portanto, de toda castragdo, & dele que se trata, em Uldin Jalivo andlise, quan do # erlanga teme perder o pénis, através de um corte, O pénis-falo liga ¢ crianga A mae, tanto quanto o cordao umbilical a ligou, um ci la, O corte temido é, no fundo, uma metafora corporal pela qual a crianga exprime — ¢ revive — a angustia do nascimento. Depois do corte do cordao umbilical, modelo prototipico de cas tragao, perturbagao eatastrOfica da placidez narcisico-fetal, ha cortes que vio construincdo a separagao entre crianga e mae. O desmame ¢ outro corte decisivo, A erianga perde © seio-falo, fonte de toda a se- suranga e de todo o prazer, objeto cuja posse, uso e gozo constitui farantia de completude — a beatitude. Depois, vem a exigéncia de controle esfineteriano, pelo qual a intimidade corporal entre crianga e mae é medi por regras, prescrigdes, interdigdes. O bastao fecal, dentro da equagao freudiana de equivaléncia simbélica, pode signifi- carum objeto falico que circula e costura a uniao entre crianga e mae. lim seguida, vem o drama edipiano ¢ a interdigdo do incesto. Af Mae tem que ser perdida, como objeto de rel » dual, falico-nare exclusiva ¢ excludente. Essa perda crisma, confirma e consagra 0 cor te do cordio umbilical, que, no r imento, separa a crianga da mae, Hlvinstaura, por mediagao da Lei e da ordem do simbélico, a pr Ga, no ec io do ser do homem, da falta, da ¢ que oO nascimento inaugura. O falo simbolico € o significante dessa falta, dessa carie, de. Ele € significante do centro do desejo, que é vazio, O simbolico € o significante da in-determinagao, da liberdade — e da possibilidade da linguagem, Ele é o significante da possibilidade de Signifieagao, em termes de um circuito de intercAmbio social. O ser humano € 0 ser para o qual o mundo, tal como esta, nao basta. Isto decorre do fato de que ele nasce prematurado e, portanto, incomple fo &, em consequéncia, incompativel com 6 meio-em-torno que 6 ro deja, O ser humano, ao nascer, em virtude da prematur », sofre um. corte para eujo preenchimento ele nao tem equipamentos. O animal, #0 Naseer, iraz CONnsigo uma trama de instintos capazes de costura-lo #0 melo que o rodeia, Ble nao vive a experiéncia de aguda insuficién cit biologico-ontologica na qual o nascimento precipita o ser huma ho, © animal tem ganchos de abordagem aptos a costura-lo a realica de, Tendo vindo de e , da carénci: réne do titero — ele continua em casa, ja que 316 © Cosmo é sua casa, Ele marcha para o real e se conecta a ele, sem precisa simboliza-lo, AO animal, nio Ihe falta nada, A leitura que faz do mundo corresponde, simetricamente, a estrutura de suas ne cessidades, O mundo éa concha que 6 envolve e na qual cle se perde, extatico, O animal faz, desde o nascimento, uma experiéneta de per tnéncia cdsmica que o torna parte do real, intimo do coragio da ma téria, filho dileto e inocente de Deus. J4 o ser humano 6, por definigao, e em sua esséneiy , impertinen te, Nascido, faz uma experiéncia aguda de derreligho, Ele é jogado no mundo, atiraco a um meio que nao Ihe serve de chao, por faltarthe as cordo: instintivas pelas quais poderia tecer-se no tapete cOsmi co, fazendo parte de tudo, Nascimento é exilio amargo, crispagio de angustia no corpo, auge de um despedagamento que vulnera a canna lidade mais intima do infante. Ele se vé marcado, no centro de sua experiencia biol6gico-existencial, por um impasse originario que se constitui pelo esbarro formidavel do corpo nascido com uma muta Iha impenetravel, incognoscivel, nadificante, da qual nao salta, de int sponda de maneira ples uma de manda instintiva pré-formada, capaz, portanto, de significar o mun do, tornando-o decifravel. O instinto nao procura, acha. O ser instintivo faz do mundo uma leitura seletiva que o torna imemorialmente familiar, O instinto €, por definigao, isso; memoria imemorial, lampejo platOnico de um conhe cimento que se enraiza no comecgo dos tempos e do mundo, O instin to €a encarnagao da lei césmica, e sua sabedoria transeende, infinita mente, 0 campo do individuo, para inseri-lo numa sabedor que ele nado pode modificar. O instinto est despregado da cruz da liberdade, e sua estrutura corresponde aos grandes moyimentos do Cosmo, A sucessao das noites e dos dias, 4s estagdes com seus color dos varios ¢ aos cios cujas fogueiras queimam para extinguirese = sem vras —, renovando-se em seguida Por nao ter sido nascido — ou partejado — pelo Cosmo, por no ter dado o salto da nature ‘aa cultura, por nao carregar em seu centro a liberdade 4 no coragdo do ser, como a define Merleau-Ponty —, 0 anim cisa dar testemunho da sua passa gem no mundo, nao precisa falar porque é falado pelo acontecer e6s mico, € parte do real, do oceano incomensuravel, em movimento, que abarea as constelagdes mais remotas, ¢ a erya mais modesta — © mals proxima, O animal digere 6 Cosmo, que 6 atravessa todo, sem preel ar imaginariza-lo — ou simbolizd-lo. cio, nenhums resposta que corr Areal 417 J4o ser humano, prematurado, biologicamente incompleto, num ado de inermidade que é impar em todo 0 leque riquissimo da cria- Gio, experimenta, ao nascer, a realidade como angistia, A condi¢ao de ser humano, como ser-no-mundo, revela ao homem, primigena- mente, como uma fulgura¢ao apocaliptica de angustia. O rumo do ser nos chega a pele € ao corpo, em primeirissima instancia, pelo agui- Ihao da angustia. Este dado constitui um dos fundamentos da filoso- fia heideggeriana, Para Heidegger, a angiistia € um estado privilegia- do do Dasein, através do qual se anuncia a chegada do ser. O primeiro movimento do infante, apds o nascimento, é refugar arealidade, fonte, para ele, de uma ansiedade catastréfica. Ao saltar do yentre materno para a luz do mundo, 0 recém-nascido, por mercé da prematuragao, por falta de equipamento instintivo, cai no abismo, recebe na carne um montante de estimulos para cuja acalmia a reali- dade pouco ou nada pode fazer, A crianga, ao nascer, esbarra numa muralha de angustia, feita de podetosas, vertiginosas e explosivas ex- cilagoes que lhe atravessam 0 corpo. A crianga, diante disso, reflui. Hla recua, frente a uma realidade que nfo a acolhe, buscando abrigo no passaco, Para Freud, um dos fantasmas origindrios é, exatamente, antasma da vida intra-uterina, A crianga, ao nascer, em funcdo da angustia, desnasce. Volta para a casa primordial, cujo modelo est gra- yado em sua mente. £ importante assinalarmos que a crianga, nascida hiologicamente, se refugia num utero fantasmado, arquetipico, negan- do, d forma, 0 nascimento — e a realidade. te é o primeirissimo passo: a nega¢ao da realidade. Pelo narci- sismo primario — fusao absoluta e imaginaria ao organismo materno ualiza e da consisténcia ao fantasma da vida intra-uterina. Bla si mesma um sleeping-bag envolvente € protetor, onde se acolhe — e recolhe — transida. £ claro que o interc4mbio da crian- ga com a realidade, do ponto de vista objetivo, se faz incessantemen- 1 escuridao do ttero fingido onde ela se abriga, fluem, inc: santemente, os rios de leite e mel dos cuidados maternos, que inscre- vem no Leben infa agoes ds praz 2 ‘er que prefiguram a realidade — e a ante- clpam A vida, em seu fundamento, é sonho, Nascemos, aos poucos, do sonho imaginario p ) sonho simbdlico, que, em sua ordem, in clul o imaginario © 0 real © os transmite através da linguagem As experiéneias de satisfigao, na erlanga, vio ser representada dluicinatoramente, em primeira instineda, O infante guarda dentro de sa si tudo 0 que lhe é aproveitavel, do ponto de vista do prazer, He fora o que € mau ou indiferente, desse ponto de vista. A crianga, por sua prematuragao, nao suporta estar separada dos objetos que aten dam a sua necessidade e ao seu desejo. Ela os instala, alucinatoriamente, em seu mundo interno, ¢ os investe segundo o ritmo dessas necessida des e desejos. E curioso notar-se aqui que a caréncia, seja em fung’o da necessidade, seja em funcao do desejo, vai ser geradora do objeto capaz de preenché-la e de aplacd-la. No psiquismo primitivo, portan to, regido pelo prinefpio do prazer, a necessidade ou o desejo apare cem sob a forma dos objetos capazes de satisfazé-los. Se estou com fome, comeco por alucinar um seio capaz de atendé-la — e aplaci-la Ao mesmo tempo, 0 leite que me chega da realidade externa, e da mae real, vai ser atribuido nao a realidade, mas a alucinagao por mim eria da. As experiéncias reais sao, para a crian¢a, matéria de sonho, tanto quanto a argila que €, para o escultor, matéria de trabalho. Nao ha es cultura sem argila, da mesma forma como nao ha objetos alucinato riamente gratificantes se ndo houver experiéncias de satisfagao eujit substancia € a realidade, No comego, a crian¢a alucina a realidade e as experiéncias de tisfacao, e as coloca sob a égide do principio do prazer. Para este, cont © prazer, acima de tudo. Um seio alucinado é mais préximo e coroa vel ao principio do prazer do que um seio real, transcendente ao de sejo da crianga, O principio do prazer vige no inconsciente, seja in fantil, seja adulto, é a mola que pde em marcha os sonhos. O psiquis: mo primitivo, alucinat6rio, a servigo do principio do prazer, tem nos sonhos 0 seu herdeiro privilegiado. Os sonhos estao basicamente a servico da realizacdo de desejos, embora recalcados. Neles, tanto quaty to no psiquismo primitivo do infante, a necessidade aparece sob for ma de sua satisfagao. Se sonho com um banquete é porque estou com fome. Se dormi com o desejo de comer uma maga, posso sonhar que acomo. O desejo, cujo centro é uma carie — uma caréncia —, apare ce no sonho como um preenchimento dela e, portanto, como satistt gao do desejo. A atividade alucinatéria do psiquismo infantil, assim como os so nhos, visa a completude e serve ao principio do prazer. Neste sen tido, possui, imaginariamente, fungao filica, visa a negag: alta e 4 expansao do narcisismo, Aqui chegamos a um ponto crucial nodal = da evolugio humana, O principio do prazer nega a realida de, Este é 0 primeiro movimento do infante aor r Hle reflul para si proprio e constot unm mundo de objetos imaginitios, conseituidos §19 por via alucinatoria, que tm por fungie negara falta, a carie, a earénela que nos constitul, em nosso centro, Essa fungdo, negadora da realidade, é uma fungio falico-imaginaria, Ela obtura o es AGO Vib vio, de indeterminagao e liberdade, no qual a realidade pode fazer sua aparigao, Ela utiliza as experiéncias da satisfagao, que a realidade ofe- rece, para nega-k primeira etap: nho, dispensando-a, nesta medida. Ela seria uma realidade onirica e alucinat6ria feita a imagem e semelhanga de suas necessidades ¢ dese jos satisfeitos Kssa negagdo primiaria da realidade vai, entretanto, até um certo ponto, Ela @, inicialmente, indispensdvel para que a crianga possa defender-se das insuportaveis angtstias mobilizadas pelo nascimen- to. Quanto mais prematurada e inerme estiver a crianga, mais tera ela que abrigar-se ao sleeping-bag de sonho e prazer que fabrica para si mesma, Ha, entretanto, um momento em que a realidade externa co- mega a cobrar seus direitos. A crianca comega a perceber que os ob- jetos capazes de satisfazé-la transcendem sua possibilidade de cria-los aseu bel-prazer. Eles tém existéncia prépria, densidade prépria, mo- yimentos pr6prios, vao e voltam, se ausentam, se separam da crianca sem que esta possa ter sobre eles controle absoluto. Comega a vigéncia do principio da realidade. Esta Passagem do principio do prazer para o principio da realidade tem significado mo- mentoso. Ela marca o inicio do processo de um novo nascimento — ou re-nascimento — pelo qual a crianca, perdendo a onipoténcia que lhe conferia o principio do prazer, tem que sair de si— e de sua abastan- Ga narcfsica — para buscar 0 mundo externo e os objetos externos. No principio € a nega¢o da realidade. Minhas producoes aluci- nat6rias, embora a utilizem, a dispensam. Vivo num mundo onipo- tente de completude falico-imaginaria. Com o Passar do tempo, e em virtude do processo de minha prépria maturagio, percebo, literalmen- {e, que nao posso viver de ilusdo. Os objetos externos se impdem, cada vez mais e, com sua autonomia, me fazem perceber as falhas de meus jogos — e dispositivos — imagin4rios. Preciso da realidade e dos ou- tros, cada vez com mais urgéncia. A negacao da realidade, pela qual construf meu sentimento de completude narcisica, tem que agora ser, por sua vez, negada. A negacao dessa nega¢4o E o simbdlico. Perco a capacidade de fechar 0s olhos ao mundo, através de minhas construgdes imagina- tas mas, abrindo mao delas, vou simbolizd-las, no mundo exterior, 320 segundo as lela que o regen e, acina de tudo, segunde ae tely da tin quagem ¢ da cultura, Pela inguagem, simbolizo também o mundo ex femno, do nomMewlO e articulalo, A Hoguagem, portanto, 6 a tercetra margem do rio, confluéncia do sono ¢ da realidade, aupelas da pul slo e do Logos, que, no transporte da paixio, engendra o verbo, Ha quem pense que, com a dominineia do principio da realidade, 0 90 nho se acabe 1 verdade, nado acaba nunca, O sonho é centelha que do desejo e e através dela que vou acender as fogueiras atrayes © rosto do mundo se ilumina, O sonho, le Je, que © simboliza, é 0 projeto profundo do homem e a teleologia da hist6ria, O sonha, vivido, enraizado no real, que o su vai ser a matriz da utopia, 0 eixo das grandes transformagoes zem a grandeza do processo civili ado aos Ombros. Voltemos ao conceito de castragao simbdlica. Ela significa, exa tamente, esse transito do imagindrio, falico e onipotente, para o mun do da realidade externa. O desejo tem que desinvestir seus fantasmas inconscientes, cujo momento obedece ao principio do prazer, p» dirigir-se aos objetos externos, regendo-se pelo principio da reali de. A completude falica €, no caso, perdida. No mundo inconsciente primitivo, o desejo surge sob forma de sua satisfagao. Nao ex! mo vimos, falta, carie — caréncia. A passagem pelos desfiladeiros da castragao simbélica implica a perda dessa dimensdo falica, Se quero comer uma maca, nao basta sonhé-la, ou alucind-la. Essa possibilida de, dirigida para o mundo externo, implica a aceitagao do principio da realidade: tenho que compré-la, ou pedi-la, ou roubé-la da da ciéncia do bem e do mal. De qualquer forma, tenho que minha incompletude, a partir do meu desejo de comer a maga, Minha fome € estimulo para que eu, jungido ao principio da realidade, va busc4-la, inventando, com trabalho e pena, o caminho até el: O simbolo, por um lado, atesta a perda da coisa simbolizada. 86 simbolizo aquilo que perco. A palavra copo, enquanto tal, € um signo. linglifstico que nao é, obviamente, a coisa significada. Se assim 0 fos se, conseguiriamos beber 4gua na palavra copo. A palavra é a ausén cia da coisa, embora a represente € a invoque, evoque — ou convoque, A castragao simbdélica marca a possibilidade de simbolizar o mundo interno e o mundo externo. Para tanto, ha que perder um e€ outro: Ao proferir o mundo, transformando-o em discurso, torno-o metabo lizivel para a minha mente, mas 0 perco na sua opacidade densa 321 e Impenetrivel, O real é impossivel — diz Lac: ,etem ra real serem-si— € transcendente a nds, e nao se rende ao humano diveurso, Ele nos atray: , hos COnstitui em nossa materialidade con: ereta, Mas guarda siléncio, aquém — ou além — das palavras. O real est aquém — ou além — do simbdlico. Ele é simbolizavel e, como tal, pensdvel. Mas, cerrado em sua noite, é guardiao de seu proprio segredo, As coisas simbolizadas passam a representar um dado algé- brico numa infinita A em movimento estrutu- ral, O eddigo lingiiistico, as regras e prescrigdes da cultura, a Lei que 08 preside e organiza, tudo isso gera a possibilidade de infinitos dis- cursos sobre o real. Ele proprio, mudo e quedo, traz em seu coragao © mistério do Cosmo. A castragao simbolica, constituida de um corte crucial, marca o segundo nascimento humano, ou melhor: introduz a crianga no uni- verso do simbolico e, como tal, faz ela candidata a sécia plena da so- le dos homens, A principio, como ja vimos, o infante refoge a Je € se enrodilha em si mesmo. Ele reflui para o proprio cor- po, recompondo imaginariamente a situagao intra-uterina da qual sai- ra, P: tanto, utiliza o arquétipo — ou o fantasma origindério — de vida intra-uterina, Nesse estado de abastanga — de beatitude narcisica — a crianca desnasee e se instala em seu universo imaginario. Na noite em que se s luzes alucinatérias que passam a povoa: ncias de satisfagao séo matéria de so- nho ¢, com éla, 6 infante produz seus fantasmas, com os quais estabe- lece uma nexualidade sexual permanente, regida pelo principio do pra zer, © que o recém-nascido faz, ao criar sua fantasmagoria — sua Pa- sirgada originaria —, é negar o corte do nascimento, a separagdo por ele inaugurada, vivida como hiancia, abismo sem fundo, matriz do terror, Ao negar a realidade, numa primeira instancia, a crianga nega o naseimento. Em seguida, cria para si um itero — escuridao do narci sismo primario — cuja noite vai gradativamente sendo privada de lu- wes, A crianga cria ‘a sium mundo interno, que ela controla e no qual babita, segundo principio do prazer Desse mundo, num passo seguinte — negacao da negagao —, tem- ela que sair, para dar-se a luz da realidade, Os objetos externos come- gun a surgir, em sua objetividade alteritaria, A crianga tem que aceita lose fazer deles objetos de desejo, em substituigdo aos objetos inter nos, fantasmados, Para que isto ocor ssairio que o mundo in recolhe, gradativamente, vao se acendendo 4 a. As expe , Enece saa ferno alucinatorio, mais teal que a realidade, seja barrado, tornado in consciente, A libido, investindo os Objetos externos, tem sempre ya na de voltar A sua primeira, magica e prodigiowa patria, dal, mais do que em qualquer outro lugar, que o prineipio do prager arma O seu acampamento faustoso. ‘La, tout n'est qu'ordre et beauté,/ Lu xe, calme et volupté.”’ se mundo primeiro, filico ¢ onipotente, ingénuo e dionisiaco, anterior & medida apolinea — é preciso perdé-lo, Sua perda vai cons Uituiro cerne da nostalgia humana, sindrome incuravel, Mas, ao perdé lo, ganhamos a possibilidade de simboliz4-lo, O simbolo implica, eo mo vimos, a morte da coisa simbolizada, Mas, ao mesmo tempo, 0 simbolo a resgata através daquilo que representa, © simbolo come mora — e rememora — a coisa simbolizada, a0 representa-la no obje to, material ou semidtico, que a substitui, O sonho, portanto, uma vez criado, como negagio de realidade, para preparar-lhe o advento, nao se perde jamais: ele se transforma A negagio dessa negagio primigena nao representa a destruigho do sonho, mas sua transfiguragao, O real, antes negado, se torna, enquanto portador de sentido, suporte de sonho — seu simbolo, Winnicott es tudou, com sensibilidade maravilhos © mundo externo, Seu cone minante, A crianga, ao viver a, essa transigao do sonho par ito de objeto transicional tem forga ilu gura materna como objeto externo, no come¢o de sua relagao alteritéria com ela, nao pode perdé-la total mente como mae imaginaria — mae de sonho, A mie interna esta co migo sempre, como meu anjo da guarda, sombra de luz que me acom: panha. Comego a navegar nas aguas da realidade agarrado a la bola de salvagao, Ela sera representada pelo ursinho de pelicia ou pelo rabo de fralda de que a crianga necessita para dormir ou mesmo pa ra brincar. Através do objeto transicional a crianga simboliza a pre senga mae, imaginariae real, e, nesta medida, atenua a angust per da que a separagao alteritaria vai agugar, O objeto transicional € um simbolo em segundo grau, f simbolo, uma vez que am de é simbolo da mae do inconsciente profundamente perdida Seja como for, para simbolizar a mae, € preciso perdé-la — pro: fundamente, & por ai que f 1.0 corte castragdo simbdlica, No inconseiente primigeno, anterior A resolugio do fidipo, a mie é mi nha, nexual — e sexualmente — numa relagao imaginaria que antece de e repele a Lei da Cultur: sse matrimdnio eidético, ideal, implica urna franja infinita de inserigOes, signos, hierdglifos de carne © reentranelias, Pumores, quentura se Odores que vio constitulr gata Ala Materna — obscure objeto do nosso desejo primordial. f preciso Hilo esquecer que a sexualidade, para Freud, nado é sindnimo de geni tulidade, © casamento de crianga e mae, represer 40 na fantasmati ca inconselente, é um prodigioso painel onde desdguam todos os dis cursos eroticos do sonho, da fantasia, da intimidade mais profunda © yoluptuosa; “La, tout n'est qu’ordre et beauté,/Luxe, calme et vo lupté’’. Crianga e mae, nesse nivel, se dissolvem e resolvem numa intimidade que afoga as diferengas e abole o nascimento. No fundo, 0 desejo da mae, no inconsciente, aponta para o desejo de tumulagao uterina, de “volta a patria da homogeneidade”’, como diz © poeta. Kissa mie — é preciso perdé-la. & preciso barrar 0 desejo do in- cesto, uma vez que ele visa a saturag’o do desejo, A sua aboligdo. Nao Nos esquegamos que, em nosso centro, somos fenda, falta, hiancia, vazio, Desta falta saltamos para a transformagao do mundo, A nossa relagao com a realidade externa tem que trazer inscrita, na intimidade de sua estrutura, essa falta que nos torna incompletos e, nessa medi- da, nos condena a vida e ao movimento do desejo — motor da vida. Nascer é incompletar-se. A castracao simb6lica nega a nega¢ao des sa incompletude, Ela, portanto, a afirma — e confirma —, por media- go da Lei do Pai e da ordem do simbélico. Perder a mae imaginaria significa simboliza-ta na realidade, conformando-a e afeigoando-a as exigéncias da Lei da Cultura. A mae externa, da realidade, é simbolo da mae interna, estruturado segundo as exigéncias de pai simbdlico. Essa mae nos é interdita, em termos de incesto, Nao a podemos pene- trar genitalmente, uma vez que isto significaria a confirmagao da ne- gagio do nascimento e, portanto, a morte. Negar a negagao do nasci- mento € ter que abrir mao da mae, enquanto objeto sexual genital. Fomos expulsos do paraiso, e esta exclusdo, que nos trespassa de an- gusta, torna-se depois o estandarte onde se inscreye a honra da con- digdo humana, Fomos expulsos do paraiso — e temos qui tarefa sem termo, O paraiso perdido se torna nossa utopia — futuro da historia humana, Em termos de experiéncia individual, ou pessoal, quanto mais rico ¢ matizado for o paraiso criado em nds pelo amor materno, mais ticas e matizadas serao nossas possibilidades de simboliza-lo, ) NOS esquegamos que oO simbolo implica a perda da coisa simbolizada, para um resgate noutro nivel, Quanto mais temos 0 que perder, mais ganharemos, Quem perder sua vida, ganhd-la-a dig o Evangelho, e, em matéria de simbolo, tem razao, A representa g4o simbolica do amor materno, da formidavel intimidade ec orporal si simboliza-lo, nur que lipou erlanga e mae, val consitulr o chao do mundo, 0 fwd mento da experiencia, a base sem cuja firmeza a vida se torna impor sivel, Lembro-me de um velho e querido cliente meu, ja morto, que me procurou em virtude de uma funtasia pela qual o chao iria abrinse ‘seus pés para engoli-lo, Ele viv o bico do sapato, pata tentar defender-se da fenda hiante que Ihe fou bava alegria ¢ repouso, Expressava, assim, seu desejo de morte, de retorno ao titero materno, pela impossibilidade de simbolizar, a pat tir da galaxia materna inconsciente, 6 chao como terra firme e o mun do como a casa do homem, fi claro que esse duro limite na possibilidade de simbolizar o amor da mie, em virtude da pobreza de sua relagao primordial com ela, im plicou uma desesperada crispagao do desejo genital incestuoso, O clien te, ao palpar com 6 bico do sapato o chao, em verdade exprimia 0 seu desejo de penetrar genitalmente a mae, ja que a terra nao podia representé-la com termos de firmeza e seguranga. Ele queria entrar mie adentro por medo de estar vivo, e seu sintoma exprimia, ainda em nivel simb6lico, o seu desejo de possuir genitalmente a mie, Ble nie podia libertar-se da obsessao de incesto, que também lhe aparecia, di retamente, em sonhos ¢ fantasias. Esta obsessdo era sintoma nao de muito amor, mas do oposto, O cliente aspira total e absoluta int midade com a mae por nao poder perdeé-la, simbolizando-a. ¥ Ihe, para tudo, 0 que perder, Por nao té-la ganho — nao a podia per der, ou melhor: s6 podia ganhé-la como titero, como urna tumulo, B aqui voltamos ao velho dipo, com quem o meu velho cliente tanto se assemelhava, nao nas vicissitudes concretas da vida, mas herGica decisio de conhecer a verdade. A legenda do herdi tebano constitui ilustragéo excelente para a tese que estamos desenvolyen do, fdipo teve duas maes — ¢ dois pais. O casal que o gerou — Lalo © Jocasta — condenou-o a morte, isto é, a rejeigao absoluta, Foi a este casal, ¢ a0 desejo funesto que dele emanava, com uma forga de dest no, que Edipo ficou amarrado, sem poder libertar-se, Edipo matou © pai ¢ casourse com Jocasta, a quem reeebeu como prémio, sem tla conhecido — ou escolhido, Ele néio podia simbolizida, uma vez que dela nao recebera nada, a nao ser, talvez, o derradeiro sopro de pie dade que a impediu de assassinar a erianga com as proprias mios, Dian te dessa mae que 6 condenara A morte ¢ de quem, por isso mesmo, ndo conseguiu libertar-se, 86 uma coisa podia Bdipo desejar ¢ exigtt que ela oacolhesse, de volta, ao seu ventre, perda inica do Unieo abrigo apalpando as ruas ¢ calgadas, com na 325 que dela reeebera, O casamento de Rdipo com Jocas , depois da der rota da Bsfinge, representou sua volta ao vitero materno, AO penewa i, HO tO Sexual, NUM hausto agdnico da fungdo simbdlica, represen tava ele © retorno a grande escuridao perdida, noite sem es que ele fora despejado ao ser dado a luz. © incesto, Edipo, sig nificou sua ultima defesa contra a morte. O coito com a mae simboli “ou seu retorno ao utero, Se isto nao tivesse sido possivel, s6 restaria a fidipo o caminho da morte. © timulo simbdlico, que Jocasta repre fentou = simbolizando-o para o filho —, teria sido substituido pela urna funeraria concreta, ber¢o onde a vasta morte semeia 0 orvalho de sua anistia absoluta — sem termo e sem retorno. Em verdade, durante todo o seu casamento com a ma esteve cego, incapaz de la — e de ver 0 mundo na sua realidade. Lacan, através do conceito de forclusdo, mostra de que maneira cer- tos significantes excluidos do universo simb6lico deixam de integrar-se 40 inconsciente para brotarem do real, sob forma alucinatoria, Este € 0 fundamento do fato psic6tico. A partir dessa leitura, pode-se afir- mar, com propriedade, que o casamento de Edipo com Jocasta repre- sentou uma atuagao psicdtica, iltimo recurso por ele utilizado para veneer a morte. Jocasta, para ele, foi a mae nao-simbolizavel, figura que, por isso mesmo, emergiu nao clo inconsciente, mas do seio do 1, sob forma de alucinagao. Jocasta, para Edipo, nao era real — era 0 alucinatoria, j4 que o real, para o homem, é 0 impossivel. Jo- {a era sua Cegueira — e sua tumba. Ha, na tragédia de Edipo, um ponto crucial, que agora se elucida. Ao descobrir sua condi¢gao de parricida e incestuoso, Edipo, aos bra- dos, clama por Jocasta, nos labirintos e corredores do paldcio real de ‘Tebas, Ao encontra-la morta, por si mesma enforcada, arranca do manto. as agulhas que o adornavam e, com elas, dilacera os olhos, tornando- Se cego, Antes, na medida em que tinha em Jocasta seu ttimulo uter no, onde se recolhia sem precisao de ver, podia fazé-lo, mantendo Abertos os olhos. A total cegueira de Edipo, com relagao A sua origem, davalhe a possibilidade de preservar sua visio. Cego, ele via — por- que nao via, Ao abrir os othos, conhecendo a verdade, cegou-se. fdi- po no suportou ser dado a luz, pela luz da verdade. Ble 86 podia vi- yer na escuridao uterina, simbolizando 0 tinico dom que a mae Ihe dera; concebeto ¢ conserva-lo no ventre até seu nascimento. Perdendo mae, cegowse fidipo para preservar, ao prego da cegueita, sua con digho de des-nascido, Sua luz — sua inica luz = era a escuridao ante fOr dO Nascimento, pe ) cegarse, se recolheu, relas de », Edipo 4206 A restante historia de fdipo, de grande beleza — e nobreza —, exigiria uma longa elucidagdo, aqui impossivel, Cego, banide de Te bas, reduzido A condiglo de mendigo, o velho rei, pelas maos de sua filha Antigona, vagou pelos campos gregos, condenado a assumir sua condigio de nascido, embora dela quisesse fugir pela cegueira, Fora dos muros de Tebas, expulso da cidade-mae, Rdipo afinal n; pobreza ena errincié ecu, na Seus passos no mundo escuro 86 eram posal veis pelo amor de Antigona, sua filha, sua irma e, agora, sua mae, Atta vés da guia, que era sua luz, também nascida do vente pode fidipo viver uma experiéncia que, por sua figurago materna, Ihe permitiu o resgate final da rainha de Tebas, Sua relagao simbolica com Jocasta, passo a passo, foi construida — e tori de Jocasta, possivel — atra vés de Antigona, E Pelaescuri bau lipo, pela escuridao do titero, salvou-se da morte ) da cegueira, tentou fazer do espago do mundo uma tum na. O cuidado de Antigo tanto, puxow-o para a liz Antigona e mae que o queria nascido, Jor a eseuriddo di cegueira, Uma simbolizava a vida, Outra representava a morte Venceu a vida, no justo momento em que Edipo morria, Reco: Ihido a um bosque sagrado da cit de Atenas, 0 velho Kdipo prepar Je de Colona, nas proximidades: © para morrer. Ele sabe, por preci cdo do ordculo, que sua morte sera cercada de circunstAncias miracu losas, Protegido por Teseu, simbolo paterno generoso ¢ forte, reedi gdo a Polibio, pai que o criara, Edipo espera o trespasse De repente, 0 relampago de Zeus ofusea o mundo. A terra se abre lentamente, ¢ Kdipo, tendo recuperado a visao, ¢ acolhido no reine das deusas subterraneas, entranclo chao adentro. Essas deusas eran as mes que, através de pestes e flagelos desencadeados sobre Te bas, haviam leyado fdipo rei a instaurar, sobre a morte de Laio, o in quérito que © condenou, Alfa e Omega se encontram, afinal, O timu lo psicdtico de Edipo = ttero materno — foi substituido pelo palielo das luzes no coragdo da terra. Ao fim, por fim, depois de té-lo merecido, voltaremos todos pa ra ca

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