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Revista da Faculdade de Letras aLINGUAS E LITERATURAS» Porto, XI, 1994, pp. 365-367 A POESIA DE EUGENIO DE ANDRADE: esboco de uma leitura* 4E no quero ocultar que, mais do que nunca, a preocupagdo maior destes versos foi a de um fazer rente ao dizer.» EUGENIO DE ANDRADE, in Rente ao Dice , «Nota, p. 71! Creio que esta afirmagdo & demasiado importante para se confinar a0 espago discreto da «Nota» com que 0 poeta remata o livro a que deu este titulo, e na qual Ihe atribui o papel ‘obscuro de clausula conclusiva. Por isso a tomei por guia neste périplo necessariamente breve da sua poesia, ¢ com a legitimidade que a sua palavra me confere Na verdade, esta frase tem um alcance muito maior do que @ primeira vista parece, por- ‘que a partir dela se poderia deduzir uma arte poética. A palavra «fazer» conduz-nos aquela outra ue em grego tem um significado afim: 0 poiein que liga a poesia ao sentido etimolbgico de ‘«produzir», de realizar um labor artstico, o qual, embora nao excluisse a inspirago, por inter- feréncia inicial da Musa, no dispensava uma competéncia técnica que se exercia dentro da Jinguagem, através da concentrag8o intelectual ¢ na escrupulosa observancia de determinadas regras. Este sentido artesanal ou artificial da criagto, que S. Tomés de Aquino vai associar a0 ‘eprincipio interior» que o leva a definir «o belo como o splendor formaen *, marcara as poéticas clissicas ¢ neo-classicas; e, mais recentemente, vincularé algumas das figuras que abrem @ modemnidade artistica, ou a ela pertencem, a um ideal de construgio. E 0 caso de Edgar Allan oe, dos poetas simbolistas franceses, ¢, entre nés, de um Camilo Pessanha ou de um Fernando Pessoa moderista, que ¢ induzido pela leitura de «A Filosofia da Composigao» a traduzir ‘ritmicamente conforme com o original» o poema que a motivou («The Raven»). Se me alon- uei nestes detalhes, é porque, para apresentar com rigor a poesia de Eugenio de Andrade, tenho {que comegar por destacar essa consciéncia operativa que & uma constante da sua criaglo, desde, pelo menos, a publicagio de As Mados e os Frutos, em 1948. E Vitorino Nemésio nao deixa de agudamente 0 sublinhar, na recensdo que faz a0 livro nesse mesmo ano (22 de Dezembro de 1948) 3, quando afirma que o seu autor é «um diseipulo dos latinos, como outros ingredientes * Sessdo de Homenagem ao poeta Eugénio de Andrade, promovida pela Associagto de Estudantes da FLUP. ¢ realizada no dia 27 de Margo de 1994, na Faculdade de Letras do Porto. Nesta breve intervenglo, fa que se seguiu ums leitura de vinte poemas feta pelo proprio poeta, dispensémo-nos de ler os textos, transeritos TCE ANoRADE, Eugenio de — Rente ao Dizer, 2* ed, Porto, Fundagto Eugénio de Andrade, 1992 2 Apud Guanes, Fernando — Os Problemas da Modemidade, Lisboa, Editon Presenga, 1994, p47, 3 CE. aFnutos Liricos», in Conhecimento de poesia, 2* ed, Lisboa, Editorial Verbo, 1970, p. 220 365 MARIA JOAO REYNAUD da sua poesia 0 colocam sob o magistério dos ingleses (..), ¢ toda ela flui discretamente de fontes velhas nossas: dos quinhentistas, com Camdes a cabega; dos roménticos (..). Tudo, pporém, to coerente e fundido, que a voz do poeta se vai levantando timbrada e propria & con. uista do tom definitivo». Esse timbre purissimo ¢ inconfundivel, que atravessa toda uma obra cujo cinquentendrio recentemente se celebrou (Adolescente e Pureza sto livros de 42 ¢ 45, Fespectivamente), com a criago da Fundacdo que tem o nome do poeta, permite-nos sentir, ‘numa das composigdes mais deslumbrantes ¢ intensamente musicais desse livro — «Green God — @ altura e a perfeigto do que ¢ eterno. Eugénio de Andrade pertence a linhagem de poctas referida por Nemésio, a qual passa também por dois nomes grandes da nossa lirica medieval Nuno Fernandes Tomeol e D. Dinis. ‘Nao 0s cito por preconceito erudito, porque esse ter-me-ia obrigado a nomear outros nos- 308 poetas que de algum modo o marcaram — ¢ ainda aqueles por ele citados ou traduzidos, ‘como Rilke, Yeats, Lao-Tsé, ou Lorca — mas para retomar o meu comentério e me deter, agora, ‘na expressao «rente ao dizer», Esta surge para caracterizar 0 modus faciendi do poeta, um modo de fazer versos que procura captar a musicalidade da linguagem, privilegiando nela o que & da ordem da vor, como acontecia nas cantigas de amigo e de amor. Voz, porém, colocada cada vez ais perto do siléncio da origem e instada a fundir-se com o canto genuino da fellus mater, que ‘guarda em si o segredo do esplendor do mundo. Este ¢ também 0 segredo da poesia ov, se pre- ferirem, o seu mais evidente mistério, Em Eugénio de Andrade esse segredo inscreve-se numa arte a que Oscar Lopes chamou, num ensaio admiravel, «uma espécie de musica» 4. Uma das sugestdes que ai colhi vem ao encontro desta vertente particularmente sedutora da sua obra poética, indissocivel do principio da condensagdo metafdrica ¢ dessa compulsio rasurante a que © poeta chamou ostinato rigore. Refiro-me, como decerto jé adivinharam, ao estilo vocal desta poesia, que me parece cada vez mais centrada na dicedo, e vinculada, dentro do modo lirico, a ‘uma estratégia enunciativa essencialmente investida pela dimensto corporal da escrita. Neste sentido especifico,o estilo deriva da relagdo que o sujeito estabeleceu com a lingua materna, a0 Separar-se gradativamente do corpo da mae € a0 inscrever nela a perda desse contacto intimo ¢ primordial: Lingua; lingua da fata; lingua recebida labio 4 labio; beijo ou silaba; clara, leve, limpa; lingua 4a agua, da terra, da cal; ‘matema casa da alegria da mégoa; danga do sol e do sal; lingua em que escrevo; ou antes: falo. «Lingua dos Versos, in Rente ao Dizer, p. 13 © vazio deixado por esse corpo abre simbolicamente na fala 0 lugar incontomnével de um segredo, de onde irradia 0 desejo de comunicar com 0 tu, para fazé-lo vir asi, ou a ele regressar. Diria, pois, que € neste dialogismo original, onde vibra a auséncia de uma voz primeira, que * Cf. Loves, Oscar — Lima Espécie de Musica (A poesia de Eugini de Andrade) — Trés Ensaios, Lisboa, Imprensa Navional-Casa da Moeds, 1981. 366 VARIA ‘enraiza uma poesia fortemente orientada para um fu, que a0 sublimar uma dor sem corpo, paradoxalmente a corporiza. Esse tw metamérfico, que surge em magica sintonia com 0s ritmos do cosmos, serve muitas vezes de pretexto a uma exaltagdo pag da beleza de um corpo que cele- bra a vida contra a morte que o habita (¢ cito o poeta): «Eu sempre soube que a beleza era o que havia de mais fragil sobre a terran ( Cf. livro em epigrafe, p. 69). Mas, na sua imanéncia, 0 tu surge, antes de mais, como uma pura figura de alteridade, capaz de nos revelar «un infini en puissance», para me servir de uma bela expresso de Proust. Na poesia de Eugénio de Andrade © dizer € inseparavel da corporalidade que esse proprio «dizer» metaforiza, ¢ de uma atitude ‘enunciativa que sé se realiza plenamente dentro de uma relagao em que 0 eu se inscreve como correlato de um tu virtual, fazendo com que 0 acto poético seja um modo sublimante de comu- nicagdo, que faz. apelo a um outro liberto daquilo que, numa situagao real, ¢ contingente ¢ imper= feito. A enunciag20 passa, pois, por um necessério desdobramento do sujeito da escrita num sujeito recitante, de modo a que se possa produzir um efeito de voz, que nos chama a escuta ddesse corpo sonoro que € 0 poema. E certo que se trata de uma voz escrita, mas eu prefiro chamar-ihe vor inscrita, porque 0 poeta faz. de cada um dos seus poemas umn canto, ou metho: ‘uma fala que se decanta no seu continuo refluir ao mais remoto estado da poesia, que é 0 da sua oralidade. (© poema devém assim uma espécie de parttura, que 0 poeta poderd interpretar devol- ‘vendo-Ihe, como agora, a sua voz genuina, Mas, sobretudo, uma partitura a ser interpretada por quem ama a poesia 20 ponto de a guardar no coragto até a saber de cor. Estas palavras, que tém ‘a mesma raiz etimologica, lembram-nos a brevidade de muitas das composigdes de Eugénio de Andrade, as quais nada tém a ver com 0 espirito © a intengdo do epigrama, mas apenas com 0 desejo de fixar «uma sensago nua», ou um sentimento limpido, a maneira dos haikai, ¢ eter- nizé-los no poema. Aquilo que nos fascina nesta poesia € o sentido profundo de religagéo que nasce da sua magnifica transparéncia, tornando 0 cosmos numa casa habitavel e deixando-nos. ‘mais perto da eternidade. Nos scus versos, a verdade ndo se oculta nem se perde nos cumes da abstracgdo: € apenas um halo de siléncio que fica a vibrar em cada uma das palavras que nos revelam a beleza das coisas tangiveis, a exultagdo dos sentidos, 0 amor por uma crianga ou a intensidade de um apelo, Siléncio que pode inesperadamente irromper na palavra para se obsti- nar apenas numa silaba — a silaba que falta, «rente ao dizer, improferivel, © que abriga segredo da salvagdo: ‘Toda a manha procurei uma silaba. E pouca coisa, ¢ certo: uma vogal, ‘uma consoante, quase nada. ‘Mas faz-me falta, Sé6 eu sei a falta que me faz. Por isso a procurei com obstinagao. 'S6 ela me podia defender do frio de janeiro, da estiagem do verso, Uma silaba. Uma tnica silaba, A salvagao, «A Silaba» (13.5.93) $ Porto, 22.3.94 Maria Jodo Reynaud 5 Publicado em Hifen 8, Cademos de Poesia (Porto, Janeiro, 1994). O poema figura em Oficio de Paciéncia, Porto, Fundagao Eugénio de Andrade, 1* ed, Fevereiro, 1994, p. 46. E ainda em Antologia Breve, Porto, Fundagdo Eugénio de Andrade, 6* ed. aum., Maio, 1994, . 116, 367

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