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PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL José AFonso Da SiLvA * Sumario: L, Intredugdo; 1. Tema e objetive do trabaiho; M1. Orga- nizagdo de poderes no império; 2. Poder moderador e poder exe- cutivo; 3. Sistema de governo; ILI. Presidencialismo e oligarquias no regime de 1861; 4, Fontes do presidencialismo na Constitugdo de 1861; 5. Presidencialismo e federalismo: a politica dos Gover- nadores; 6. O poder presidencial; IV. A revolugdo de 30 e o per- sonalismo presidencial; 7. O. governo unipessoal; 8. Executivo forte, legistativo fraco; 9. A ditadura; V. Crises e o parlamenta- rismo de 1961; 10. A democracia de 1946; 11, Populismo e oli- garquias; 12. Crises sucessérias 0 forte poder fraco; 13, O dehate parlamentarista: o Partido Libertador; 14. O parlamentarismo de 1961; 15. O colapso do sistema presidencialista; VE. A Constituinte © a organizagdo de poderes; 16, A Comisséo de Estudos Consti- tucionais. Proposta de um presidencialismo de gabinete. O sistema misto do Projeto da Comissdo de Estudos Constitucional; 17, O parlamenarismo da Comissao de Sistematizagao; 18. A pressdo pre- sidencial contra o parlamentarismo: presidencialismo parlamenta- rizado; VI, Concluséo. I. Intropucao 2. Tema e objetive do trabalho Este trabalho destina-se a discutir a evolugio dos sistemas de go- verno no Brasil perante o IV Congresso Ibero-Americano de Direi- to Constitucional.* O titulo Presidencialismo e parlamentarismo no Brasil revela a preocupagdo de verificar até que ponto se realizou ou nao qualquer desses sistemas de governo. * Professor titular na Faculdade de Direito da Universidade de Sio Paulo, Brasil. 3 Madrid, de 27 a 30 de setembro de 1988, 644 JOSE AFONSO DA SILVA TI. ORGANIZACAO DE PODERES NO IMPERO 2. Poder moderador e poder executivo A Constituigéo imperial de 1824 estruturou uma divisio de po- deres baseada na concepgio de Benjamin Constant, com poder le- gislativo, poder executivo, poder judicidrio e poder moderador, em que este constituia a chave de toda a organizag&o politica e era delegado ptivativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nagao e seu Primeiro Representante, para que incessantemente ye- lasse sobre a manuteng’o da Independéncia, equilibrio, e harmonia dos demais Poderes Politicos (art. 98).” O poder moderador e o poder executivo competiam ao Impera- dor. Exercia o primeiro: nomeando senadores, convocando a assem- bléia geral extraordinariamente nos intervalos das sessdes, prorrogan- do-a ou adiando-a, sancionando projetos de leis por ela aprovados, aprovando e suspendendo resolugdes das assembleias provinciais, dissolvendo a c&émara dos deputados e convocando a eleigao de outra, nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado, suspendendo os magistrados, perdoando e moderando as penas im- Postas aos réus por sentenca, concedendo anistia em caso urgente. Essa aparente fidelidade ao publisita suigo é porém, enganosa, con- sideando-se que o Imperador era também chefe do poder executivo, que exercia por meio dos Ministros. Ele exercera o poder moderador com impressionante forga ativa, interferindo na relagéo de poderes nao como mero arbitro, mas como um militante em posigio de supe- rioridade. Os publicistas do Império reconheciam essa magistratura suprema. Assim, escrevia 0 Visconde do Uruguai que o poder mo- derador € um poder politico, uma delegagdo da nacdo, “a suprema inspegao sobre os Poderes Legislativo, Executivo e Judicial, o alto dircito que tem a nagdo de examinar como os poderes por ela dele- gados sao exercidos e de manter a sua independéncia, equilibrio, harmonia; é essa Suprema Inspe¢ao, esse alto direito que a mesma nagao, nado o podendo exercer por si mesma, delegou ao Imperador, revestindo-o das atribugdes do Poder Moderador”.’ O resultado pra- ? A Constituicéo empregava, nesse art. 98, palavra extraida da obra de Benja- mim Constant Cf., Curso de politica constitucional, Madrid, Taurus, 1968, p. 14. 2 Cf., Ensaio sobre o Direito Administrative, p. 61, Rio, 1962, citado por Oli- veira Térres, Jofio Camillo de, Democracia Coroada, p. 123, Petrépolis, 1964; no mesmo sentido, Pimenta Bueno, Dirieito Piblico e Andlise da Constituigdo do Império, Ministério da Justiga, 1958, p. 201. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 645 tico, reconhece Jofo Camillo de Oliveira Térres, insuspeito dada a sua condigéo de monarquista dos nossos dias, foi uma espécie de desvirtuamiento da doutrina de Constant, desvirtuamento imposto pelos fatos, pois o Imperador nao conseguia jamais ser aquela figura puramente neutra da teoria daquele publicista. O Imperador era o chefe do poder executivo, que exercia pelos seus Ministros de Estado, nos termos do art. 102. Mas esse dispossi- tivo devia ser entendido em confronto com o art. 101, inciso VI, segundo o qual o Imperador, como poder moderador, tinha compe- téncia para nomear e demitir livremente os Ministros de Estado. Com isso, pode-se dizer que, em verdade, o Imperador era quem exercia © poder executivo.* Assim, o constitucionalismo imperial brasileiro introduziu um elemento estranho 4 teoria de Benjamin Constant, que insistiu em afirmar a separagéo entre o poder moderador e o poder executivo, que denominava poder ministerial. Essa sepatagio era uma condigao fundamental da neutralidade do poder moderador. “El poder ministerial disse Constant-~, aunque emanado del poder real, tiene, sin embargo, una existencia realmente separada de este ultimo y la diferencia es esencial y fundamental entre la autoridad responsable y la autoridad investida de la inviolabilidad”.° O préprio Imperador Pedro II nos transmitiu as consequéncias dessa confusio de poderes, ao dizer que, “sobre os atos do Podet Executivo tem o Imperador, como chefe desse poder, inteira inspe- géo, podendo manifestar sempre a sua opiniao com toda aliberdade e exigir a dos ministros”. Acrescenta que as relagdes com o Minis- tério “devem fundar-se na mais perfeita confianga. Todos os nego- cigs, que sejam importantes, por influirem diretamente na politica, e na marcha da administracdo, nao devem ser resolvidos, sem serem primeiro examinados, em conferéncia dos Ministros, e depois em despacho do Imperador”.* Por isso mesmo é que, nos assuntos do poder executivo, se tor- nava necessario o acordo entre Imperador e Ministros, “ja que. ele {o Imperador) tem o direito de demiti-los desde que falta esse acor- do, j4 porque estes néo podem nem devem em tais assuntos ir de encontro & sua convicgdo e consciéncia, ¢ pelo contrario preferir 4 Op. cit. p. 145, 5 €f., Melo Franco, Afonso Arinos de, Curso de Direito Constitucional Brasi- leiro, Rio, Forense, 1958, vol. II, p. 97. © Op. cit, p. 13. 7 Apud Oliveira Torres, Jodo Camillo de, op. cit, p. 194. 646 JOSE AFONSO DA SILVA desde entdo dar a sua demissao antes do que trair os seus deberes para com os direitos e publicos interesses”,* até porque, acrescente- se, nado salvava os Ministros da responsabilidade a orden de Impe- rador, oral ou escrita, consoante estatuia o art. 135 da Constituigéo. 3. O sistema de governo A Constitugao do Império niio precisou o sistema de governo que adotava. O ministério nao tinha organicidade. Os Ministros cram os dirigentes de Secretarias de Estado. Inicialmente, cada qual des- pachava com o Imperador, crefe do poder executivo, que, na sua qualidade de poder moderador, os nomeava e demitia livremente. Conclui-se dai que, em verdade, eles nao passavam de auxiliares do monarca, simples agentes deste, de cuja confianca dependiam, o grande parlamentarista brasileiro, Raul Pilla, exprimiu bem essa ca- racteristica do sistema, in verbis: Era a constituicéo de uma monarquia simplesmente constitucional e representativa, néo de uma monarquia parlamentar. Era uma consti- tuigio presidencialista: j4 ali se encontravam as disposiges, as proprias express6es que se tornariam, mais tarde, a defini¢ao do presidencia- lismo em nosso Pais: intependéencia e harmonia de poderes, livre nomeaga4o e demissio dos Ministros de Estado.® O mesmo Raul Pilla, no entanto, sustentara que o parlamentaris- mo se desenvolvera, no Império, apesar da Constituigéo e contra ela, como um fenémeno natural e necessdrio, expressdo da cons- ciéncia democratica da nagao, que, manifesta j4 no periodo colonial, nao cessaria de fortalecer-se apds a Independéncia.”” Assim tambem se pronuncia Joao Camillo de Oliveira Térres, ao dizer: Qs historiadores em geral reconhecem que o sistema paralementarista veio como uma conquista do povo brasileiro, conquista obtida por meio de ‘sangue, suor e lagrimas’. A Constituigao, em seu texto, nado ® Op. cit, p. 224. ® Cf. Melo Franco, Afonso Arinos de, e Raul Pilla, Presidencialismo e Parla- mentarismo?, Rio, Livraria José Olympio Editora, 1958, p. 125. Esse livro contém © parecer do Dep. Afonso Arinos contrério & emenda constitucional parlamenta- rista de autoria do Dep. Raul Pilla, assim como os fundamentos deste e sua res- posta aquella parecer. Mais tarde, Afonso Arinos se converteu ao parlamentarismo, sendo hoje um defensor apaixonado desse sistema de governo. 1° Op. cit., supra, p. 126. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 647 era parlamentarista, pois reconhecia ao Imperador o direito de nomear e demitir livremente os seus ministros, Em compensagio, porém, lan gava as bases do sistema de gabinete, com a distingdo real entre as atribugdes do Poder Moderador e as do Poder Executivo, o primeiro exercitado pelo Imperador parivativamente e o segundo por intermédio dos ministros responsdveis.’ E mverdade, nao houvera no Império a mencionada consciencia democratica, que postulasse 0 parlamentarismo; tampouco existiu a separacdo citada entre poder moderador e poder executivo, pois, embora suas atribug6es fossem diversas, ambos competiam ao Impe- rador, A situagdo, em geral, ndo muda muito com a criag&éo, em 1847, do cargo de Presidente do Conselho, porque este com os de- mais Ministros era nomeado e¢ demitido livremente pelo Imperador. A tinica diferengd é que agora se deu alguma organicidade ao Mi- nistério, que pasara a decidir os assuntos mais importantes reunido em Conselho de Ministros. Mas seu presidente nao passava de sim- ple coordenador do Ministério. Suas atribuigdes nao eram, nem podiam ser, as de chefe de governo, porque o Imperador persistia chefe do poder executivo. As seguintes palavras de Pimenta Bueno so expressivas a propésito da posig&o do Presidente do Conselho de Ministros: © Presidente do Conselho de Ministros, quando este nao trabalha perante o Imperador, é o primeiro-Ministro que troma essa denomi- nagio, ordinariamente dada ao organizador do Ministério. E ele quem dirige a ordem dos trabalhos e das discussdes, quem especialmente zela da unidade de vistas, e dos principios politicos e administrativos em todos os assuntos que so sujeitos a deliberagao comum; quem deve ter nao s6 o seu voto de membro do Gabinete, mas também de desempate.'? A excegio destas atribugses —completa— nao conhecemos nen- huma mais que deva pertenecer ao Presidente do Conselho.* Na pratica, o Imperador usou suas prerrogativas constitucionais ativamente, nomeando e demitindo ministérios, com uma politica ™ Op. cit, p. 93; ef. também Faria de Oliveria, Raymundo, Parlamentarismo, Plenitude Democrética, Sio Paulo, Companhia Editora Nacional, 1985, pp. 42 ¢ segs. 1 Op. cit., p. 260. 18 Id., p. 260. 648 JOSE AFONSO DA SILVA de rodizio entre os dois partidos existentes, o Conservador ¢ 0 Libe- ral, fazendo-os revesar no poder, sem preocupagdo com a composi¢ao da cimara dos deputados, que o monarca também dissolvia e con- vocava nova eleigéo, quando julgava oportuno, independentemente de programa governamental, de censura ou de questdo de confianca, mecanismos inexistentes no sistema. Com razao, pois, Afonso Arinos, quando escreveu: Governo parlamentar pressupde formagado dos Ministérios pelo apoio das maiorias e queda deles pelo seu desfavor. No Brasil os Gabinetes podiam ser nomeados ¢ demitidos livremente (o termo era da Consti- tuic¢do) pelo imperante. Governo parlamentar exige responsabilidade politica coletiva do Gabinete diante da CAimara popular. No Brasil nunca chegou a haver Gabinete no sentido parlamentar, pois os Mi- nistérios nao eram coletiva nem politicamente responsaveis senéo na medida em que o Chefe do Poder Executivo aceitasse tal situagao. Sem o que demitia 0 Ministério, nomeava outro contrario, dissolvia a Camara e elegia outra que apoiasse o Ministério recém-nomeado, A. responsabilidade ministerial estabelecida era unicamente a penal, o que também é sugestéo de Benjamim Constant. Tudo dentro da Cons tituigao. Nem se diga que, seguindo 0 exemplo inglés, o Brasil-impé- tio foi estabelecendo, na pratica, o funcionamento das instituigdes parlamentares nao previstas na lei escrita. A ascendéncia da maioria parlamentar na escolha dos Ministérios ¢ a teoria de que os governos eram comissées da Assembléia Legislativa encontraram, sem dtivida, guarida nos hdbitos e nas idéias, E o que Nabuco chama obediéncia “as formas do Governo Parlamentar”. Mas eram somente formas, pois eram aplicdveis apenas enquanto tal situagdo era do agrado do Sobe- rano, conforme se demonstra com a rememoracio dos fatos acima indicados e que se desenvolveram do principio ao meio ¢ ao fim do Império. Aliés, num sistema de Constituigao rigida como era a noso, © costume n4o podia retirar ao Monarca as suas atribui¢gées. Nao podia, pois, ocorrer 0 que se deu na Inglaterra. III. PRESIDENCIALISMO E OLIGARQU{AS NO REGIME DE 1891 4. Fonte do presidencialismo da Constituicdo de 1891 O movimento de idéias que conduziu 4 Repiblica nao incluia o presidencialismo. Reclamava do poder moderador, que despachava Ministro como se despacham delegados e subdelegados, no dizer de CJ., Presidencialismo ou Parlamentarismou, op. cit, pp. 23 e 24, PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 649 D. Manoel de Assis Mascarenhas;?* reivindicava-se sua extingdo, postulava-se pela Federagdo, a temporariedade do Senado, a aboli- cao da escravatura, mas o presidencialismo, o sistema de governo norte-americano, nao entrara nas congitagdes dos republicanos, que tampouco mencionavam o parlamentarismo. O projeto de constituigdo, elaborado por uma comisséo nomeada pelo Governo, no entanto, contemplava o sistema presidencialista. © modo de exercicio do Governo Provisdério ja denunciava a op¢ao presidencialista, Todos os projetos que antecederam ao do Governo Provis6rio propunham o sistema presidencial de governo. A influén- cia da organizagio constitucional dos Estados Unidos na estrutura- ¢4o da Reptiblica Federativa, que se instaurava, se fez sentir com intensidade. O projeto do Governo sofreu pequenas alteragdes no Congresso Constituinte que produzui a Constituigio de 24 de feve- reiro de 1891, cujos arts. 41 e 49 firmavam o sistema presidencial, ao estabelecerem, respectivamente: Exerce o Poder Executivo o Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, como chefe eletivo da nagio. O Presidente da Reptblica € auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua confianga que Ihe subscrevem os atos, e cada um deles presidira a um dos Ministérios em que se dividir a administragaéo federal. Ruy Barbosa, ao converter-se 4 Reptiblica, convertera-se também ao sistema americano de governo. Deixou paginas candentes no elo- gia & sua estabilidade contra alegada instabilidade do parlamentatis- mo. Basta relembrar estas palavras: Um dos graves argumentos meneados contra o parlamentarismo é a mobilidade excessiva da administragdo, sob o fluxo e o refluxo das maiorias parlamentares. Uma das mais sérias vantagens do presidencia- lismo americano consiste na estabilidade dos Gabinetes, que, alheios aos recontros da politica nas assembléias deliberantes, atravessam in- concussos anos e anos, imprimindo & gest&o dos interesses ptiblicos um espirito de continuidade, extremamente favordvel 4 satisfagao dos interesses permanentes do pais, ao desenvolvimento do seu progresso, & formagio das boas tradigdes, A educag&o de das capacidades, a cul- 15 Citado no Manifesto Republicano de 1870, ¢f., Benavides, Paulo, e R. A. Amaral Vieira, Textos Politicos da Histéria do Brasil, Fortaleza, Imprensa Univer- sitéria da Universidade Federal do Ceara, s.d., p. 524, 650 José AFONSO DA SILVA tura dos especialistas, 4 execugdo de grandes programas praticos, a fecundagdo de reformas promissoras.'* Nosso presidencialismo veio mesmo da influéncia constitucional norte-americana e um pouce da Argentina. Nao parece certo que suas origens possam ser encontradas na nossa tradigéo colonial e imperial de governos caracterizados por um executivo forte."” 5. Presidencialismo e federalismo: a politica dos Governadores A adogdo do presidencialismo com a Republica Federalista de- veu-se muito ao preconceito, segundo o qual o parlamentarismo é incompativel com o federalismo. Ruy Barbosa, estadista e grande constitucionalista, que foi o principal redator do Projeto de Consti- tuigio elaborada pelo Congresso Constituinte de 1891, foi muito preciso ao negar a compatibilidade entre parlamentarismo e federa- lismo, in verbis: Com o sistema federativo, Gnico adotavel no Brasil no se compade- cem as férmulas pariamentares. A ele, na Repiblica, se liga essencial- mente o presidencialismo, a cujos vicios congeniais temos de buscar, pois, os remédios nos freios e contrapesos do mecanismo: a brevidade na duragado do poder supremo, a ineligibilidade do Presidente; a larga autonomia dos Estados, a posi¢ao oracular da justiga na aplicagdo da Jei e nas questGes de constitucionalidade.* O préprio Afonso Arinos, hoje convicto parlamentarista militante, sustentara essa opiniao, a ponto de duvidar da realidade do federa- lismo do Canada, da Austria e da Alemanha. Seu pensamento nao € mais esse. Demonstruo-o bem, como Senador Constituinte, como orador principal na defesa da proposta parlamentarista na Assem- bléia Constituinte, em margo deste ano de 1988. A verdade histérica é que, no Brasil, o presidencialismo se defor- mou na pratica do federalismo. Talvez melhor se dirfa que presiden- 18 Cf. Comenidrios a Constituigdo Federal Brasileira, Sio Paulo, Saraiva, 1933, vol, Ul, p. 404, 37 A opini@o é de Melo Franco, Afono Arinos de, in Presidencialismo ou Par- lamentarismo?, op. cit., p. 25. Alias, Rau] Pilla também dissera, nesse mesmo vo- lume, p. 125, que a Constituigio imperial era presidencialista. 28 Cf, Plataforma, p. 21, apud Melo Franco, Afonso Arinos de, e Raul Pilla, op. cit., p. 60. PRESIDENCJALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 651 cialismo e federalismo se deformaram mitua e reciprocamente, nao por forgas intrinseca de si prdprios, mas por condigées sécio-poli- ticas do meio em que concomitantemente foram instituidos. Uma reflexéo mais cuidadosa talvez possa até levar & conclusdéo de que © presidencialismo foi o instrumento das oligarquias para a domina- gao do poder, favorecidas pela descentralizag&o politica federativa, que Ihes propiciaram autonomia politica e dominio local. A “politica dos Governadores”, instituida pelo Presidente Campos Sales, retra- tou bem essa situagdo. Eles detinham um poder unipessoal, susten- tado no coronelismo, que foi o poder real e efetivo, apesar das nor- mas constitucionais tragarem esquemas formais de organizagio nacional com base na teoria da divisio de poderes e tudo o mais, 0 coronelismo é um fenémeno politico-social complex. O coronel, no caso, nao é um titulo militar. Mas proveio da Guarda Nacional que existiu durante certo perfode do Império. Era o chefe politico local, mas nao era sé isso, Resumiam-se em sua pessoa importantes insti- tuigGes sociais; dispunham de ampla jurisdigéo sobre seus dependen- tes ¢ agregados, compondo rixas e desavengas, arbritrando solugdes que eram incontestavelmente acatadas.’° A politica dos Governadores impediu a formagdo de partidos poli- ticos. O sistema era rigorosamente unipartiddrio, ainda que houvesse varios Partidos Republicanos, mas um em cada Estado-membro do- minado pelo respectivo Governador. Essa federago de Partidos Re- publicanos, que se resumiam, cada qual, no respectiva Comissio Diretora composta de cinco membros de estrita confianga do Gover- nador, é que, em conluiu, especialmente, os do Estado de Minas e Sdo Paulo, designava o candidato a Presidéncia da Reptblica, que ganhava a eleicgao. Primeiro, porque geralmente nao tinka conco- rrente; segundo, porque o sistema eleitoral propiciava fraudes de todo tipo. Deputados e senadores eram eleitos pelo mesmo sistema. De fato, o regime formava uma pirdmide oligdrquica, cujo siste- ma de dominacao se apoiava em mecanismos eleitorais que deforma- vam a vontade popular. O coroncl, como lider local, arregimentava os eleitores ¢ os fazia concentrar perto dos postos de votagao, con- hecidos como currais ou quarteis eleitorais, de onde saiam para votar no candidato indicado. Como o voto era a descoberto (a bico de pena, como se dizia), o eleitor nao tinha como escapar da vigilancia, até porque as mesas eleitorais eram também formadas de elementos 20 Cf, Nunes Leal, Victor, Coronel, Enxada e Voto, p. 23. 652 JOSE AFONSO DA SILVA do coronel. Outro elemento do sistem era o cabe eleitoral, ainda hoje existente com menos significagdo. Seu papel consisstia (e con- siste ainda) em angariar votos para os candidatos, nao por exposigao doutrindria, mas 4 base de distribuigéo de empregos ou favores pes- soais.“° Se acaso alguém no apoiado pelas oligarquias dominantes conseguisse candidatar-se e eleger-se, escapando das atas eleitorais falsas e outras barreiras, por certo seria degolado pelo sistema de reconhecimento de poderes, feito em conjunto pela Camara dos Depu- tados e pelo Senado, para apurar a legalidade da eleigéo, examinar as atas eleitorais e somar tudo de novo. Sé eram eleitos, diplomados e reconhecidos os candidatos que as Comiss6es Diretoras dos Parti- dos (um em cada Estado) houvessem indicado em seus boletins, tudo manipulado nas casas dos coronéis que dirigiam a politica muni- cipal.** No pice da piramide encontrava o Presidente da Repiblica, chefe © produto das oligarquias dominantes, ao qual deputados ¢ senado- res deviam cega submissio. Nao havia oposigéo. Os poderes, sepa- rados juridicamente, resumiam-se na mesma unidade piramidal. 6._O poder presidencial Este fora o presidencialismo que a realidade construira. Chame- mo-lo presidencialismo piramidal, porque o Presidente da Repiblica € o chefe de uma vasta organizacdo oligdrquica estruturada em for- ma de piramide, cuja base se constitui do coronelismo, forma de adaptagao do poder privado ¢ um regime politico de base represen- tativa, que resumiu o mandonismo local a partir da proclamagao da Reptblica.* Abaixo dos coronéis, e sob seu dominio absoluto, em cada Municipio, vinham os cabos eleitoral e os eleitores. Em torno dele, uma vasta rede de parentes, clientes e agregados. Diver- géncias locais entre coronéis nao influiam na unidade de apoio ao Partido Reptblica estadual. As facgdes locais, sob dominio de cada coronel, estavam filiadas ao Partido. Nesse complexo coronelistico estava a fonte do poder. Nele se funda a cleigdo de Prefeitos e Ve- readores (administradores ¢ legisladores municipais), dos Deputados 20 Cf, Bashaum,, LeGncio, Historia Sincera da Repiiblica, vol. 2, p. 191. = Cf., Basbaum, Ledncio, op. cit. p. 191, citando Certério de Castro, 22 Cf, Nunes Leal, Victor, op. cit, 20; Pereira de Queiroz, Maria Isaura, “O coronelismo numa interpretagao sociolégica”, in Histéria Geral da Civilizagéo Bra- sileira, 11t~- O Brasil Republicano, 1, Estrutura de Poder e Economia, Sao Paulo, Difel, 1977, pp. 155 ss. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL. 653 e Senadores estaduais, dos Deputados e Senadores Federais, do Go- vernador do Estado e, por forga da politica dos Governadores, do Presidente da Reptiblica. O poder presidencial emanava, pois, desse complexo oligdrquico, em que o principio da diviséo de poderes, formalmente estabelecido na Constituigao, nao tinha vigéncia real. Eleito o Presidente, ele constitufa por quatro anos o chefe dessa pirdmide, sem frenos e con- trapesos, sem © que o presidencialismo nao passa de mandonismo pessoal. Na Primeira Reptblica (1889-1930), esse mandonismo pre- sidencial formava com o mandonismo regional (Governadores dos Estados) e mandonismo local, assumido pelo coronelismo, com os legisladores de permeio a soldar esses estratos da piramide, ao mes- mo tempo em que cada estrato fundamenta o dominio dos que se The superpdem. Ai também se sedimentava o vasto campo da bar- ganha politica, dos favores, A Constituig&o enumerava, é verdade, as matérias de competéncia presidencial, mas isso nado tinha maior significagao, porque seu poder estaba para além (ou para aquém, segundo as circunstancias) do formalismo constitucional. A realidade forjou um presidencialismo de mando, sem freio e sem contrapeso constitucional. Em verdade, a politica dos Governadores deformara {cderalista, na medida em que era o reflexo dos poderes oligarquicos, que, reu- nidos embora em partidos politicos estaduais (am em cada Estado, ja vimos), decidiam em bloco o destino do Pais e, assim também pela mesma raz4o, deformara o presidencialismo, na medida em que o Presidente néo era um mandatario do povo no exercicio de poderes constitucionais, mas um chefe da piramide oligdrquica, sem entraves senao apenas a vontade dos estratos de poder dessa piramide. A Constitug%o n&o regia no Pais, mas os fatores reais de poder coro- nelistico e oligdrquico. IV. A REVOLUGAO DE 30 E O PERSONALISMO PRESIDENCIAL 7. O governo unipessoal A Constitugéo de 1891 nao se adaptara 4 realidade nem conse- guira regé-la, e a “democracia representativa era puramente formal ea possibilidade de representagao de outros setores sociais, que nao as oligarquias, bastante reduzidas”.** Um novo elemento interferia 23 Cf. Spina Forjaz, Maria Cecilia, Tenetismo e Politica, p. 19. 654 JOSE AFONSO DA SILVA no contexto politico, que, por certo, contribuia ainda mais para dis- torcer © presidencialismo: o poder militar. Os pronunciamientos militares se tornaram frequentes, as vezes traduzidos em acao, espe- cialmente na década de 20. Por outro lado, surgiam movimentos contrdrios 4s oligarquias estimulados pelo aparecimento de uma clase média urbana. Foi dai que despontou, no processo politico brasi- leiro, o' tenentismo, So os tenentes das Forgas Armadas, especial- mente do exército, que se imbuem da idéia de que, como milita- tes, séo responsdveis pela sociedade e pelos interesses gerais da nacionalidade, cgbendo-Ihes, assim, intervir no processo do poder para exigir mudangas nos costumes politicos. A rigor, contudo, nio postulavam mudangas de estrutura, mas institucionais, tais como ado- ¢40 do voto universal e secreto. Ainda nao se chegou a uma definigdo exata da posig&o do tene- tismo. Sua participagéo, mais tarde, no poder, revela forte tendén- cia autoritaria, tanto que muitos deles foram responsdveis, j4 como marechais e generais, pelo Movimento de 1964 que implantou o regime autoritario no Pais. Foram eles responsaveis pelos movimentos revolucionarios que se sucederam na década de 1920 até 4 Revolugéo de 1930 a que ade- tiram. Esta se iniciou nos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraiba, que formaram a Alanga Liberal, sob a lideranga de Getulio Vargas, candidato das oligarquias divergentes & Presidén- cia da Republica, derrotado por Julio Prestes, candidato das oli- garquias dominantes e indicado pelo entdo Presidente Washington Luiz. O Governador de Minas, que entendia devesse ser 0 candidato (a vez deveria ser de um mineiro), tramou a apresentagiio do Presi- dente do Estado do Rio Grande do Sul. Getilio Vargas, formando a Alianca Liberal entre os dois Estados mais o Estado da Paraiba, cujo Presidente se candidatara a Vice-Presidente da Repiblica na chapa de Gettilio Vargas. Vitoriosa a candidatura de Julio Prestes, a Alianga Liberal passara a organizar a revolugao 3.10,1930, cujo sucesso fora rapido. Um més depois Gettlio Vargas assumia 0 po- der a tratava de organizar o governo revolucionario. Tem inicio a Segunda Republica, estabelecida formalmente pelo Decreto n. 19.398, de 11.11.1930, que instituiu o Governo Provi- sorio para exercer discricionariamente, em toda a sua plenitude, as fungdes e atribuigées, nao sé do poder executive, como também as do poder legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabelecesse cla a reorganizagio constitucional do Pais (art. 1o.). PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 655 Os Estados perderam sua autonomia e passaram a ser governados por interventores federais, nomeados pelo Presidente da Republica. As garantias constitucionais foram suspensas. Os decretos e atos do Governo Provisértio ¢ dos interventores federais ficaram excluidos da apreciagfo judicial. Instaurou-se, enfim, o governo unipessoal do Presidente da Rept- blica, numa forma de presidencialismo absolutista, que ainda iria reger-nos no periodo de 1937 a 1945, sob a ditadura Vargas. Antes disso, porém, tivemos a Constituigdo de 1934, 8. Executivo forte, legislativo fraco O Governo Provisério durou até 1934, quando foi promulgada a Constituig&o de 16 de julho desse ano. De permeio, ocorreu a Re- volugio Constitucionalista de 1932, que influiu na convocagio da Assembléia Constituinte instalada no dia 15.11.33. A Constituigéo reafirma o principio federativo, com definigao de ampla competéncia da Unido, instruzindo regras sobre o federalismo cooperativo, Afirma a autonomia municipal. Inova na divisio de poderes. O poder legislativo seria exercido pela Camara dos Depu- tados com a colaboragido do Senado Federal, ou seja, abandona-se o bicameralismo puro, dando fomulacao origindria em que o Senado aparece como 6rgéo destinado a promover a coordenagio dos po- deres federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituicio, colaborar na feitura das leis e praticar outros atos, tais como examinar em confronto com as leis, os regulamentos expedidos pelo poder executivo, e suspender a execugdo de dispo- sitivos ilegais, propor ao poder executivo a revogacdo de atos de autoridades administrativas, quando praticados contra a lei ou ei- vados de abuso de poder, suspender a execug&o, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato declarado inconstitucional pelo poder judiciario, organizar, com a colaboragio dos Conselhos Técnicos, os planos de solug’o dos problemas nacionais, rever os projetos de codigo e de consolidac&o de leis, que devessem ser aprovados em globo pela Camara dos Deputados. O Senado assumia, assim, as fungées caracteristicas de um 6rgdo de controle. Seria, sem davida, uma experiéncia interessante, se a Constituigao tivesse durado. Tal- vez até fosse o meio adequado de realizar um presidencialismo controlado. A Constituigéo previa ainda org&io de cooperagao nas atividades governamentais: 0 Ministério Publico, o Tribunal de Con- 656 JOSE AFONSO DA SILVA tas e os Consclhos Técnicos. Trazia capitulos sobre a ordem eco- némica e social, a familia, a educagao e a cultura. A Camara dos Deputados compunha-se de representantes do povo, eleitos para legislatura de quatro anos, mediante sistema proporcio- nal e sufragio universal, igual e direto, e de representantes eleitos pelas organizacGes profissionais, numa concesséo ao corporativismo vigorante em paises europeus da época. O Senado compunha-se de de dois representantes por Estado, eleitos mediante sufragio univer- sal, igual e direto, para mandato de oito anos. O poder executivo era exercido pelo Presidente da Repiblica, eleito por sufragio universal, direto, secreto e maioria de votos, para um mandado de quatro anos, vedada a reeleigéo para perfodo subsequente, Os Ministros de Estado dependiam de sua confianga, como simples auxiliares seus. O art. 56 enumerava o rol de compe- téncias do Presidente, nao mais amplas do que as previstas na Cons- titugdo de 1891. Mantivera o presidencialismo, com introdugao de um elemento nao presidencialista, ainda que nao rigorosamente parlamentarista, qual seja o poder da Camara dos Deputados de convocar qualquer Ministro de Estado para perante ela prestar in- formagées sobre questdes prévias e expressamente determinadas, ati- nentes a asuntos do respectivo Ministério. A falta de compareci- mento, sem justificagdo, importava crime de responsabilidade. Os Ministros poderiam também pedir que a Camara ou qualquer de suas Comissées designasse dia e hora para ouvi-los, quando quisessem solicitar providéncias legislativas ou prestar esclarecimento. Isso se manteve nas constituigdes posteriores, mas, ainda que digam que se trate de elemento parlamentarista no sistema presidencialista, a verdade é que nao tem essa caracteristica, pois nao tem consequén- cia alguma a convocagao e interpelagéo do Ministro nessa audiéncia. Nao passa de um debate ptiblico, em que o Ministro, bem assesso- rado, normalmente leva vantagem, ec, quando nao leve, nada Ihe acontecera, pois sua exposig¢éo nao se sujeitaré a apreciacéo ou voto que importe em seu desmerecimento. A Constituigéo trazia mecanismos formais de equilibrio de pode- res e, se durasse, poderia contribuir para a construgéo de um pre- sidencialismo controlado. Mas n&o durou quantro anos. Ela prépria previu que, uma vez prolulgada, a Assembléia Nacional Constituinte elegeria, como elegeu, no dia seguinte, o Presidente da Reptblica para o primeiro quatriénio presidencial. A questéo politica ja havia sido colocada. Essa eleigéo indireta visava manter Getilio Vargas PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 657 no Presidencia. E assim se fez. Gettlio vinha de um governo discri- cionério, Estava acostumado a governar sem freios, Logo, demons- trou continuar chefe de executivo forte, ao mesmo tempo que o legislativo se revelava fraco e temeroso de mudangas, dominado que cra por tendéncias oligarquicas e conservadoras. Getilio comega a manobrar. Obtém uma emenda constitucional que Ihe dé amplos poderes para declarar a comogdo intestina grave, com finalidades subversivas das instituigdes politicas e sociais, equiparada ao estado de guerra, em qualquer parte do territério nacional, com possibili- dade de decretar a perda de patente e postos militares e de demitir funciondrios. Fortalece-se assim 0 executivo, rompe o desequilibrio forma] previsto na Constituigéc, enfraquece-se o legislativo que logo seria fechado com o golpe de 10.11.1937 pelo proprio Getilio Var- gas que se tornaria ditador até 29.10.45. 9. A ditadura A década de 30 foi efetivamente conflitiva. Vrios fatores con- tribuiram para os dissidios partidarios e conflitos ideolégico, “ten- dentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violéncia, colocando a Nago sob a funesta iminéncia da guerra civil”, dissera Gettlio Vargas no preimbulo da Carta outergada em 10.11 de 1937, justificando o golpe. Tivemos, em primeiro lugar, © conflito da influéncia do capitalismo norteamericano contra 0 ca- pital inglés que vinha desde o Império. Hi quem ache que, no fundo da Revolugéo de 32, estava esse conflito. Mas esse periodo marca a queda do antigo sistema politico com a ascensdéo do tenen- tismo, Os tenentes assumiram o poder nos Estados e tinham muita influéncia no governo federal, enquanto as oligarquias tradicionais Preconizavam a volta do regime legal e ao federalismo, com a in- tengio de retornarem ao poder.* Por outro lado, a “revolugdo e as mundangas de grupos de poder apés 1930 possibilitam a ascensio politica das classe médias e do operariado, A irrupgao destas classes ameaga os segmentos dirigentes agrario-burgueses, levando estes Ul- timos a tomarem medidas para a preservagao de seus privilégios”.** A polarizacgao ideolégica di margem ao surgimento de importantes 2 Cf, Carone, Edgard, A Repiiblica Nova (1930-1937), pp. 71 ¢ s8. 25 Cf, Carone, Edgard, op. cit., p. 95; Cf., nosso “Partidos Politicos y Sistema Electorales (el caso braileno)”, in Annario Juridico, XI, México, Instituto de Inves- tigaciones Juridicas, UNAM, 1984, pp. 550-551. 658 JOSE AFONSO DA SILVA agrupamentos politicos, como o Clube Trés de Outubro, a Alianga Renovadora nacional, assim, como alguma tentativa de reorganiza- ¢4o partidéria: Partido Democratico e Partido Reptiblicano em Sao Paulo, Partido Social Nacionalista em Minas, o Partido Libertador no Rio Grande do Sul. O Clube Trés de Outubro aglutinando os “tenentes” ou grupos heterogéneos de esquerda. Os outros preocu- pados em restaurar os quadros tradicionais. No meio de tudo isso, desenvolvem-se o Partido Comunista Brasileiro e Agio Integralista Brasileira de formagao direitista.2* O debate era natural e adequado a um regime democratico, em que forgas politicas divergentes pro- moven a busca do poder. A eleicées prevista, candidatos lancgados, alias candidatos conservadores. Assim mesmo serviu-se dessas diver- géncias, coisa raro no processo politico brasileiro, para amedrontar © conservadorismo com a ameaga comunista e dar o golpe. Era o presidencialismo convertendo-se em poder ditatorial. A ditadura, com base na Carta de 1937, prolonga-se até 1945, quando o Pais exige a reconstitucionalizagéo por nova Constitui¢ao. V. CRISES E O PARLAMENTARISMO DE 1961 10. A democracia de 1946 Terminada a Segunda Guerra, vencidas as forcas nazi-fascistas, © povo brasileiro entedeu que era hora de por fim & ditadura que vinha desde 1937. Congressos juridicos, congressos de escritores, manifestos politicos, entrevistas de personalidades reivindicaram a redemocratizagéo do Pais. Entao, Gettlio Vargas expediu a Lei Constitucional n. 9, de 28.2.1945, convocando eleigdes gerais para © Parlamento e para a Presidéncia da Republica. N&éo convocara Assembléia Constituinte. A campanha eleitoral, para as eleigdes mar- cadas para 2.12.45, desenvolveu-se para a Camara dos Deputados ce Senado Federal e para a Presidéncia da Republica com quatro candidatos, dois militares, Eurico Gaspar Dutra, que foi Ministro da Guerra do ditador e o ajudou a promover o golpe de Estado, e o Brigadeiro Eduardo Gomes, representante das oposigGes; os outros dois eram fracos, um do Partido Comunista e outro de forga politica inexpressiva. V4rias formagGes partidarias concorreram as eleigGes © permaneceram até sua extingdo por ato autoritario em 1965. 28 Cf., nosso estudo citado supra, p. 551. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMQ NO BRASIL 659 Getilio ainda quis permanecer no poder, mas foi deposto em 29. 10.45. Assumiu o poder o Presidente do Supremo Tribunal Federal, que expediu a Lei Constitucional n.13, de 12.11.45, estabelecen- do que os representantes do povo, a serem eleitos a 2.12.45 para a Camara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se iam em Asem- bléia Constituinte para votar, com poderes ilimitados, a Constituigao do Brasil. Foi assim que, instalada a 2.2.46, essa Constituinte ela- borou a Constituigéo dos Estados Unidos do Brasil, promulgada a 18.9.1946, que durou até 15,3.1967, quando foi substituida pela Constituigéo de 24.1.67. Foi uma Constituigéo liberal com tendéncia a uma democracia de leve contetido social. Possibilitou o desenvolvimento de partidos politicos nacionais de varias inclinagdes, ainda que, com base nela, se pds fora da lei o Partido Comunista. 11. Populismo e oligarquias O sistema de governo adotado na Constivuigéo de 1946 continuou sendo o presidencialismo, semelhante ao da Constitug’éo de 1934. O poder legislativo recuperou o bicameralismo puro, como na Cons- tituigaéo de 1891. A estrutura do poder judiciario sofrera alteragao apenas quanto & criagdo de jurisdigdes especializada, segundo ten- déncia j4 delineada em 1934. Mas agora o presidencialismo se inserta num contexto politico diverso, primeiro porque vinculado a sistema partiddtio com varios partidos, que, representados no Congresso Nacional, importava for- talecimento do processo politico representativo, segundo porque o proprio Presidente teria que ser um lider partidario ¢ teria que sair de conven¢ao nacional dos partidos, terceiro porque o sistema pro- piciava candidaturas de correntes politicas diferentes, com formagio de forgas politicas de sustentagdo do Presidente ¢ forgas expressi- vas de oposigdo. O Pais se industrializava e se urbanizava rapidamente. A classe média urbana crescia consideravelmente. O operariado despertava- se para a participagdo sindical e politica. Grande parte do Pais, contudo, permanecia sujeito 4s forgas oligarquicas. O contraste ge- rava conflitos de poder. De um lado, o Congresso Nacional conti- nuava dominado pelas forgas oligarquicas. De outro, prosperava um processo populista, especialmente na postulagio do cargo de Presi- dente. A influéncia populista sobre a Presidéncia, liberta do dominio 660 JOSE AFONSO DA SILVA oligarquico, acavava por agucar as contradigées com os represen- tantes congresistas sob o dominio das oligarquias. Por seu turno, 0 sistema partidério comegava a tornar-se auténomo, ou seja, desvincu- lado das oligarquias. Vale dizer, o Pais modernizava-se e democra- tizava-se. Mas isso nao se fazia lisamente. Ao contrario, abalavam- se os alicerces da realidade nacional. Quer dizer, sacudiam-se as raizes de um sistema antigo e caduco, Isso significa crise. 12. Crises sucessérias: o forte poder fraco As crises se agu¢avam nos momentos de sucesséo no poder. Isto porque a forcas antigas, mais retrégadas, nao conseguiam vencer as eleigGes presidenciais. Por isso buscabam minar a democracia que nao Ihes propiciava chegar ao poder pelo voto. Por este, Getilio Vargas, com um programa social e nacionalista, retorna ao poder em 1950. Governa sob tensao e sob ameaga de forgas conservadoras apoiadas pelos militares, Suicida-se. Seu Vice-Presidente assume a Presidéncia e se pde a servigo daquelas forgas. Crises e mais crises. Vém as eleigdes. Juscelino Kubitschek, candidato conservador, mas democratico, vence contra o candidato das forgas golpistas, Rebe- lides tentam impedir seu governo, Chega ao fim. Ai o candidato populista de direita, exatamente apoiado por aquelas forgas, Janio Quadros, elege-se Presidente, mas com ele se elege um Vice-Presiden- te das forgas progressistas, Jango Goulart. Janio, tentando um golpe, golpe, renuncia, sete meses apdés assumic o poder. As mesmas for- gas querem impedir a posse do Vicc-Presidente. A crise chega ao ponto de transformar-se em guerra civil. Vota-se as pressas uma emenda parlamentarista com o fim de reduzir os poderes do Presi- dente, com o que os militares, sem condigao de dar o golpe, con- cordam com a posse de Jango, Esse periodo provou que o Presidente, no presidencialismo, é de- tentor de grandes poderes, mas numa realidade cambiante, multi- partidista, nao encontra base de sustentagdo estavel. Tornase assim, muitas vezes, um poder fraco. A concentragio de poder, na pessoa de um Presidente, com mandato fixo, é, na mais das vezes, empe- cilho & solugao das crises de poder. Um poder forte, sem mecanismo flexibel de solugdo de crisis governamentais, se torna, no fundo, num poder fraco, sob a perspectiva democratica. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 661 13. O debate parlamentarista: o Partido Libertador No Estado do Rio Grande do Sul formou-se forte corrente poli- tica parlamentarista, desde a Velha Reptblica. Ha quase um século essa corrente, traduzida mais tarde no Partido Libertador, debateu e divulgou teoria e pratica do governo parlamentar no Brasil. Fez adeptos em todos os Estados, Converteu presidencialistas convictos em parlamentaristas apaixonados, como é o caso do Senador Afon- so Arinos de Melo Franco. Raul Pilla, presidente durante longos anos do Partido Libertador, fez do parlamentarismo seu sacerdécio, pregava-o cotidianamente na tribuna parlamentar ou na imprensa. Apresentou emenda parlamentarista 4 Constituigao de 1946 (Emen- da n.4, de 29.3.49) que suscitou famoso debate entre o autor e o entéo Deputado Afonso Arinos, reproduzido no livro aqui j4 citado Presidencialismo ou Parlamentarismo? O mal do Partido Libertador foi que se limitara 4 pregacdo parlamentarista sem preocupacéo com os problemas sociais que afligiam o povo. Por isso este nao lhe dera apoio nem tomara conhecimento de sua pregagéo. Era, no fundo, um partido conservador como provava com as aliangas que fazia e com a conduta parlamentar de seus adeptos, e do seu presidente. Os demais partidos politicos, sob o regime de 46 como agora, néo inscreviam o sistema de governo em seus programas. A Unido De- mocratica Nacional, contudo, adotara o sistema parlamentar de go- verno em seu programa de 1957, por entender ser o mais adequado a garantir a estabilidade das instituigdes democraticas do Pais. Sem embargo, muitos de seus principais lfderes mantiveram-se presiden- cialistas. 14. O parlamentarismo de 1961 A rentincia do Presidente Janio Quadros, no dia 25.8.61, causou grave crise de poder, porque os ministros militares resolveram im- pugnar a posse do Vicc-Presidente, que era Jango Goulart. O Go- vernador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizolla, apoiado pelo 30. Exército, o maior do Pais, rebelou-se, e exigiu que se cumprisse a Constituigao. O Pais se levantou num movimento répido em favor da posse do Vice nos termos constitucionais. A revolugdo esteve para irromper, enquanto isso os negociadores parlamentares bus- cavam uma saida constitucional para a crise. Veio, entio, a pro- posta parlamentarista ¢, em oito dias, aprovouse a Emenda Consti- 662 JOSE AFONSO DA SILVA tucional n.4, de 2.9.61, chamado Ato Adicional, instituindo o siste- ma parlamentar de governo. Com isso, reduziram-se os poderes do Presidente da Reptiblica, com o que os ministros militares concorda- ram na posse de Jango. Este, apesar da oposi¢ao de Breizolla, acei- tou assumir 0 governo nas condi¢gées fixadas, ou seja, com o parla- mentarismo, Pelo Ato Adicional, 0 poder executivo seria exercido pelo Presi- dent da Republica e pelo Conselho de Ministros, cabendo a este a diregdo e a responsabilidade da politica do governo, assim como da administragao federal. Ao Presidente da Repiblica, eleito pelo Congresso Nacional, por maioria de votos, para um mandato de cinco anos, caberia nomear o Presidente do Conselho de Ministros €, por indicago deste, os demais Ministros de Estado, e exonerdlos quando a Camara dos Deputados lhes retirasse a confianga; presidir as reunides do Conselho de Ministros, quando juigasse conveniente; sancionar, promular e fazer publicar as leis; vetar os projetos de lei e praticar outros atos tipicos de Chefe de Estado, mormente nas tclagGes internacionais. Poderia ser responsabilizado por crime fun- cionais, tais como atentar contra a Constituigdo, a existéncia da Unido, o livre exercicio de qualquer dos poderes constitucionais da Unido ou dos Estados, o exercicio dos direitos politicos, indivi- duais e sociais e a seguranga interna do Pais, e, por eles, seria jul- gado pelo Supremo Tribunal Federal, apés a Camara dos Deputados declarar procedente a acusagao pelo voto da maioria absoluta de seus membros, O Conselho de Ministros respondia, coletivamente, perante a Camara dos Deputados pela politica do governo e pela administragdo federal, ¢ cada Ministro de Estado, individualmente, pelos atos que praticasse no exercicio de suas fungdes. Os atos do Presidente da Republica deveriam ser referendados pelo Presidente do Conselho e pelo Ministro competente como condigio de sua va- lidade. O governo seria formado da seguinte forma: o Presidente da Re- piiblica, em caso de vaga, submeteria o nome do Presidente do Conselho de Ministros 4 Camara dos Deputados no prazo de tré dias. A aprovagdo do nome dependia do voto da maioria absoluta dos membros da Camara, Recusada a aprovagao, o Presidente da Republica apresentaria outro nome no mesmo prazo. Nova recusa, novo nome em igual prazo. Se nenhum fosse aceito, caberia ao Se- nado Federal indicar, por maioria absoluta de seus membros, o Pre- sidente do Conselho, que nao poderia ser qualquer dos recusados. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 663 Nomeado, o Conselho compareceria perante a Camara dos Deputa- dos, a fim de apresentar seu programa de governo, a qual, na sesso subsequente, pelo voto da maioria absoluta, exprimiria sua confian- ga no Conselho: A recusa da confianca importava a formacao de novo goberno. Contudo, votada a mocio de confianga, o Senado Federal, pelo voto de dois tergos de seus membros, poderia opor-se a composigéo do Conselho, dentro de quarenta e oito horas. Mas o ato do Senado poderia ser rejeitado pela maioria absoluta da Cama- ra dos Deputados, em sua primeira sessio. Quando a confianga da Camara dos Deputados faltasse, os Ministros teriam que exonerar- se. A mogao de desconfianga contra o Conselho de Ministros, ou de censura a qualquer de seus membros, s6 poderia ser apresentada por, o minimo, cinquenta deputados e sua aprovagao dependeria do voto da maioria absoluta da Camara. Verificada a impossibilidade de manter-se o Conselho de Ministros por falta de apoio parlamen- tar, comprovada em mogées de desconfianga, opostas consecutiva- mente a trés Conselhos, o Presidente da Reptiblica poderia dissolver a Camara dos Deputados, convocando novas eleigdes que se reali- zariam no prazo maximo de noventa dias. Dissolvida a Camara, 0 Presidente da Repiiblica nomearia um Conselho de Ministros de cardter provisério. Ao Presidente do Consefho de Ministros compe- tia iniciar as leis do governo, manter relagGes com Estados estran- geiros e orientar a politica externa, exercer o poder regulamentar, decretar o estado de sitio, decretar e xecutar a intrvengao federal nos Estados, enviar 4 Camara dos Deputados a proposta de orgamento, pretar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias apés a abertura da sessio legislativa, as contas relativas ao exerci- cio anterior. Previu-se qua as constituigdes estaduais se adaptassem ao sistema parlamentar de governo, no prazo que a lej fixasse, que ndo poderia ser anterior ao término do mandato dos Governadores em exercicio. Nada disse sobre o parlamentarismo nos Municipios. O sistema adotado trouxe todas as condigSes para nio funcionar. Primeiro, foi implantado no bojo de uma crise de poder e como remédio para sua solugéo imediata. Segundo, o mecanismo de for- magio do governo, como vimos acima, era complicado, de modo a criar mais dificuldade do que resolver crises governamentais. Ter- ceiro, os membros do Conselho de Ministros tinham que desincom- patibilizar-se, se quisessem concorrer as eleigSes parlamentares; foi ai o primeiro momento de fraqueza do sistema, pois, 0 primeiro 664 JOSE AFONSO DA SILVA Conselho de Ministros, sob a presidencia do Dep. Tancredo Neves, teve que renunciar as suas fungdes para concorrer as eleigGes parla- mentares de 1962; deu-se, entéo, a primeira crise governamental com a recusa de Santiago Dantas para compor o novo Conselho, sob sua presidéncia. Quarto, o Ato Adicional dispunha sobre a realizacdo de plebiscito para decidir sobre a manuteng&o do siste- ma parlamentar ou a vota ao sistema presidencial; Jango Goulart pressionou para que o plebiscito fosse realizado; o Conselho sob a ptesidéncia do Prof. Francisco Brochado da Rocha compactuou com esse desiderato e, assim, o plebiscito se realizou em janeiro de 1963, pronunciando-se por acachapante maioria de votos em favor da volta ao presidencialismo, o que se deu, como Jango Goulart tecuperando todos os poderes presidencialista, ja num grave contex- to de crise, que se agugou durante todo o ano de 1963 e inicio de 1964, culminando com o golpe militar de 31.3.1964.77 : 15. O colapso do presidencialismo: autoritarismo Presidencialismo € um sistema de governo democratico, fundado no equilibrio de poderes, que assegure a vigéncia dos direitos fun- damentales e o funcionamento independente e auténomo das insti- tuigdes representativas, sem interferéncia de outro poder. Se ele de- riva para a ditadura ou para o autoritarismo, ainda que mantenha as formas representativas, deixa ser ser presidencialismo. Assim, 0 sistema implantado com o Ato Institucional n.1, de 1964 e susten- tado pelos Atos Institucionais subsequentes nao pode ser classificado como presidencialista, do mesmo modo que o sistema portugués de Salazar nio poderia ser considerado parlamentarista, s6 porque as fungdes executivas estavam divididas entre um Presidente da Rept- blica e um Presidente de Conselho ou Primeiro-Ministro. O autori- tarismo de 1964, fundado na legislagéo excepcional traduzida em Atos Institucionais e Compelementares, derrogou as prerrogativas constitucionais dos outros poderes e a suspensdo de direitos e garan- tias constitucionais do homem. O Presidente da Repiblica era, em verdade, a unica pessoa imune ao arbitrio dessa normatividade ex- cepcional. Era o todo poderoso que punia sem figura de processo, que decidia sem contraste, que governava sem controle, embora 21 Sob o parlamentarismo de 1961, cf, Reale, Miguel, Parlamentarismo Brasi- leiro, 2a. ed., Sio Paulo, Saraiva, 1962; Pontes de Miranda, Comentdrios a Consti- tuigéo de 1946, Rio, Editor Borsoi, 1962, t. VIII, suplemento I. PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO NO BRASIL 665 formalmente suas contas fossem apreciadas pelo Tribunal de Contas e submetidas ao julgamento formal do Congresso Nacional, todos, no entanto, sujeitos ao seu poder de cassar mandatos, de suspender direitos politicos, de demitir funciondrios e magistrados cujas garan- tias constitucionais estavam suspensas. Numa situagao, como essa, no vige presidencialismo, mas ditadura pura e simples. O golpe de 1964 importou, pois, num colapso do presidencialismo, tanto quanto a ditadura de Getilio Vargas. VI. A CONSTITUINTE E A ORGANIZACGAO DOS PODERES 16. Comisséio de Estudos Constitucionais A luta pela convocagao de uma Assembléia Nacional Constituin- te despontou timidamente no fim da década de setenta, quando o regime autoritaério se esgotava na corrupeao e no fracasso da ago governamental, com grave desgaste para as Forgas Armadas que o sustentava. Foi crescendo e se impos. O povo preconizou eleigdes dietas de Presidente da Republica, numa postulado mais de mudangas substanciais do que de mera formal eleitoral. Isso significava a reconquista do presidencialismo e da democracia. Finalmente, Tancredo Neves candidata-se, pelas oposig6es, a Presidéncia, pelo Colégio Eleitoral, com a promessa de destrui-lo fazer a transig&o do autoritarismo a democracia, me- diante a convocagao de uma Assembléia Nacional Constituinte des- tinada a elaborar uma nova Constituigdo justa e a eleigéo direta do novo Presidente. Com sua morte, assume o Vice-Presidente, que, cumprindo a promessa, convocou um Congresso Constituinte, que veio a instalar-se no dia 10.2.87. Cumpriu também a promessa de nomear uma Comiss&o para preparar um Projeto de Constituigéo a ser apresentado 4 Constituinte como colaboragio do executivo. Nomeou-se a Comisséo Proviséria de Estudios Constitucionais, composta de cinquenta e um membros, entre os quais o autor desta exposicao. Perante ela apresentamos uma am proposta de sistema de gover- no que denominamos presidencialismo de gabinete, com a pretensdo de retomar as linhas do sitema imperial, sem Imperador e sem po- der moderador dominante. Era um sitema simples. O Presidente da Reptiblica seria o chefe do poder executivo, que exerceria por scus Ministros de Estado em Monselho. Seria eleito para um mandato 666 JOSE AFONSO DA SILVA de quatro anos mediante sufragio direto por maioria absoluta em dois turnos se no primeiro nao conseguisse essa maioria, Teria com. petencia de Chefe de Estado ¢ de Chefe do Governo. Estava previs- to que o Presidente da Repiblica exerceria a diregdo e gestao dos servicos ptblicos pelos Ministros de Estado que, reunidos, forma- vam o Conselho de Ministros. Este seria presidido por um Primei- ro-Ministro ou pelo Presidente da Republica, quando este estivesse presente ou o convocasse. O Conselho de Ministros disporiaa de competéncias proprias, tais como dispor sobre a estruturagao, atri- bugdes ¢ funcionamento dos érgaéos da administragaéo federal, de- cretar o estado de sitio, enviar, por intermédio do Presidente da Repiblica, ao Congresso Nacional, a proposta de orgamento e de planos e programas de desenvolvimento, prestar anualmente, por intermédio do Primeiro-Ministro, contas relativas ao ano anterior, remeter, por intermédio do Presidente da Republica, ao Congreso Nacional, mensagem sobre a situagio do Pais, solicitando as provi- déncias que julgasse necessdrias, executar decisGes do Presidente da Repitiblica. Este, portanto, ndo deteria todos os poderes. O sistema era presidencialista, mas retirava do Presidente o personalismo, em- bora os Ministres, inclusive o Primeiro-Ministros, dependessem de sua confianga. Ja, na Assembléia Constituinte, refizemos a proposta, com alguma modificagao: dava competéncia prépria ao Primeiro- Ministro, que, obrigatoriamente nomeado dentre parlamentares, teria a funcd de coordenar as relagdes entre o executivo ¢ o legislativo, participando dos debates parlamentares; admitia também voto de censura apenas ao Primeiro-Ministro que, sendo aprovado, impli- cava a demissio de todo o gabinete. A Comissao nado acolheu a proposta. Preferiu adotar o que deno- minou de ssitema misto, segundo, o qual o poder executivo com- preendia um Presidente da Republica eleito diretamente pelo povo para mandato de seis anos, vedada a reeleigdo, e um Conselho de Ministros e seu Presidente. O Presidente da Republica representaria a Republica Federativa do Brasil e garantiria a unidade nacional € © livre exercicio das instituigdes democraticas, além de amplas atribuigdes que ihe enumerava o art. 229, como a de nomear e exonerar o Presidente do Conselho e os Ministros de Estado, apre- ciar os planos de governo, elaborados pelo Conselho de Ministros, para serem por ele submetidos ao Congresso Nacional, aprovar a proposta de orgamento do Presidente do Conselho, nomear magis- trados dos Tribunais Superiores, convocar extraordinariamente o

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