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cariruo22 ‘Paris, capital do século XIX WALTER BENJAMIN “Les eaux sont bleues et les plantes roses; le soir est doux & contemplers (on se proméne. Les grandes dames se proménent; derrire elles vont et viennent les petites dames" NGUYEN—TRONG—HIER, Paris capitale de la France (1897). ‘Tradugio feta partir da versio francesa, “Pais, capcale du XIX stcle" de Maurice Gandillac, includa in Podsie et révolution. Les Lettres Nouvelles, Pais, 1971. O original, “Pari, die Hauptstadt der XIX. Jahrhundert” (1935), foi republicado in Schmiften l Suhrkamp Verlag, Berlim, 1955. (Para a 3.* edigio da presente obra, cotejamos a versio anterior com 0 texto inal republicado em Gesammelte Schriften vol. V-1, pp. 45-77, R. Tiedemann (ed.), Sahrkamp, Frankfurt aM, 1982). |, FOURIER OU AS PASSAGENS De ces palais les colonnes magiques Al'amateur montrent de toutes parts, Dans les objets qu’étalent leurs portiques, Que l'industrie est rivale des arts? Nouveaux tableau de Paris, Paris, 1828, I, pag. 27 Nos quinze anos que se seguiram a 1822, as passagens parisienses multipli- caram-se. A primeira condigao de seu aparecimento é a alta repentina do co ércio de tecidos. Comegam a surgir as lojas de novidades, os primeiros cestabelecimentos onde ficam armazenadas maiores quantidades de mercadorias. Ba época em que Balzac escrevia: “O grande poema da exposigio canta suas estrofes de cores desde a Madeleine até a Porte Saint-Denis.” As passagens sio lum centro para 0 comércio de luxo. Em suas vitrinas, a arte pGe-se a servigo do comerciante. Os contemporaneos nio se cansam de admiré-las. Elas sero ainda por muito tempo um ponto de atragao para os estrangeiros. Um Guide illustré de Paris declara: “Estas passagens, dilkima invencao do luxo industr silo galerias envidracadas, revestidas de mérmore, que atravessam blocos intei- ros de casas, cujos proprietérios se uniram para estas especulacdes. Dos dois Jados dessas galerias, iluminadas de cima, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que uma galeria como esta torna-se uma cidade, ou mesmo um mun- ddo em miniatura.” As passagens sio o palco da primeira iluminagio a gis. O surgimento das passagens est também ligado ao inicio da arquitetura do ferro, O Império via nesta técnica uma contribuigio para a renovacio arquitetOnica, entendida no sentido da Grécia antiga. O te6rico da arquitetu- a Boetticher traduz a opiniso geral ao dizer que *no que toca as formas aris: teas do novo sistema o prinefpio formal da maneira helénica” deveria entrar UIE COSTA LIMA em vigor. O Império ¢ o estilo do terrorismo revolucionstrio, para o qual 0 Estado ¢ o seu proprio fim. Assim como Napolesio nao reconheceu a natureza funcional do Estado como instrumento de dominio de classe burguesa, tam- bbém os construtores de sua época nao reconheceram a natureza funcional do ferro, com a qual o principio construtivo comegou seu dominio da arquitetu- ra, Estes construtores copiam a vigota, tomando como modelo a coluna pompeana; suas usinas parecem moradias, do mesmo modo que, mais tarde, as estagées ferrovidtias terdo a aparéncia de chalés. “A construgdo assume 0 papel do subconsciente.” No entanto, a nogio de engenheiro, oriunda das guerras revolucionsrias, comeca a se impor; € 0 comeso das lutas entre cons- trutor e decorador, entre a Ecole Polytechnique e a Ecole des Beaux-Arts. Com o ferro, pela primeira vez na histéria da arquitetura, intervém um material artificial. Ele esta subjacente a uma revolugio, cujo ritmo vai se acele- rar ao longo do século. Recebe um impulso decisivo quando se torna evidente que a locomotiva, cujos primeiros ensaios foram feitos nos anos anteriores a 1830, s6 pode circular sobre tilhos de ferro. O trilho é o primeiro elemento em ferro passivel de ser montado, o precursor da vigota. O ferro nao é aceito para as moradias, mas é aplicado nas passagens, nas galerias de exp. estagbes ferrovidrias — nos edificios que servem a finalidades transit6rias. Ao ‘mesmo tempo, o campo de aplicagio do vidro na arquitetura é ampliado. Entretanto, as condigées sociais necessérias para que seja mais amplamente tempregado $6 se realizario um século depois. Em “A arquitetura do vidro” (Glasarchitektur) de Scheerbart (1914), ele ainda pertence utopia. Chaque Epoque réve la suivante? MICHELET, Avenir! Avenir! Naconscigncia coletiva, forma de um novo meio de produgio, no comego ainda dominado pelo antigo (Marx), correspondem imagens em que se interpenetram o novo e o antigo. Estas imagens sio imagens de desejo e, nelas, ‘ocoletivo procura ao mesmo tempo suprimir e transformar 0 inacabamento do produto social, assim como a auséncia de uma ordem social na produgio. Por ‘outro lado, intervém nestas imagens de desejo a aspiragao insistente de distan- ciar-se quanto ao que envelheceu — isto é, aqui o passado mais recente. Estas tendéncias remetem a imaginagio visual, sob 0 impulso do novo, ao passado zis remoro, Na fantasia em que cada época imagina a época seguinte esta aparece misturada a elementos vividos da histéria primitiva, isto é, de uma 692 TEORIA OA LITER ONTEN = vi sociedade sem classes. Depositadas no inconsciente coletivo, as experiéncias desta sociedade, em ligngto reciproca com o novo, dio lugar A utopia, de que ficam indicios em mil figuras da vida, dos edificios duraveis As modas passageiras. Estas relagdes sio discerniveis na utopia de Fourier, cujo primeiro im- pulso vem da aparigio das maquinas. Mas este aspecto nao estd diretamente ‘expresso nos seus textos; estes tém como ponto de partida o carter imoral da atividade comercial e da falsa moral que é posta a servigo desta atividade, O falanstério deve trazer o homem de volta arelagées em que a moralidade € supérflua. Sua organizagio, extremamente complexa, aparece como uma maquinaria. As engrenagens de paix6es, a cooperacio complicada das pais 'x6es mecanicistas com a paixio cabalista sio construcées obtidas por analo- ‘gia com a estrutura da maquina, por intermédio de materiais psicol6gicos. Esta maquinaria humana produz o pafs de leite e mel, 0 primeiro simbolo do desejo a que a utopia de Fourier d4 uma nova vida. Fourier viu nas passagens 0 cinone arquitet6nico do falanstério. E caracterfs- tica a transformagio reacionéria a que as submeteu; embora servissem a fins originariamente sociais, tornam-se com ele lugares de morar. Com o falanstério, a passagem torna-se cidade. No mundo rigordso das formas que caracteriza © Império, Fourier introduz o idiio colorido do Biedermeier. Atenuado, ele tera vigéncia até o tempo de Zola. No seu Travail, Zola retoma as idéias de Fourier do mesmo modo que, no Thérése Raquin, se despede das passagens. Em oposicio a Carl Griin, Marx colocou-se como defensor de Fourier e chamon a atencio para sua “visio gigantesca do homem”. Interessou-se também pelo humor de Fourier. De fato, Jean Paul em seu Levuana tem a mesma afinidade como pedagogo Fourier que Scheerbart, em sua “Arquitetura do vidro”, com o utopista Fourier. I, DAGUERRE OU OS PANORAMAS Soleil, prends gard a toi!* A. J. WIERTZ, Oeuvres littéraires, Paris 1870, p. 324 Do mesmo modo que a arquitetura, com a construgao em ferro, comegou a escapar da arte, também a pintura, de sua parte, passou a viver, com os panoramas, a mesma situagao. © auge na preparacio dos panoramas coincide com 0 aparecimento das passagens. Por meio de artificios técnicos, tentou- se incansavelmente tornar os panoramas imitagées perfeitas da natureza. ‘Tentava-se representar a mudanca das paisagens conforme as horas do dia, 0 oa Luiz costa Lima, ascer da lua, o murmirio das cascatas. David aconselha seus alunos a dese- harem os panoramas conforme a natureza. Ao utilizarem deste modo a ilusio. para representar estas mudangas naturais, além da fotografia, os panoramas anunciam o filme eo filme sonoro. Com 0s panoramas desenvolveu-se toda uma literatura panoramica, a que pertencem Le livre des cent-et-un, Les Francais peints par eux-mémes, Le Diable a Paris, La grande ville. Nestes livros é preparado o trabalho literar coletivo para o qual, depois de 1830, Girardin ia garantir um lugar no folhe- tim, Eles se compoem de uma série de esbogos, cujo revestimento anedético corresponde as figuras plasticas situadas no primeiro plano dos panoramas, sendo seu fundo informativo equivalente aos panos de fundo pintados. Mesmo do ponto de vista social esta literatura é panoramica. E a diltima vez que o trabalhador nela aparece, fora de sua classe, como cendrio de um idflio. Os panoramas anunciam uma evolugio da arte rumo a técnica, mas tradu- em, a0 mesmo tempo, um novo modo de sentir a vida. O citadino, cuja supe- rioridade politica sobre o camponés se exprime de varias maneiras ao longo do século, tenta incorporar o campo a vida. Nos panoramas, a cidade é ampliada em paisagem, do modo como ela vai se tornar, mais tarde e de forma mais sutil, para o flaneur. Daguerre é aluno de Prévost, pintor de panoramas cujo estabelecimento esti instalado na passagem dos Panoramas. Descricao dos panoramas de Prévost e de Daguerre.’ Em 1839, um incéndio destréi o pano- rama de Daguerre. No mesmo ano, ele divulga a invengio do daguerreétipo. Arago apresenta a fotografia em um discurso na Camara. Prenuncia seu lugar na hist6ria da técnica, Profetiza suas aplicagdes cientificas. Os artistas, a0 contrario, comegam a debater seu valor artistico. A fotografia traz como conseqiiéncia a ruina da importante corporagio dos miniaturistas. Isso suce- de nao s6 por motivos econdmicos. No plano artistico, a fotografia, em seus primérdios, levava vantagem sobre a miniatura. Por uma razio de ordem técnica, ou seja, porque o longo tempo de pose exige do modelo muita con- centragao. E, por uma razio de ordem social: 0 fato de os fotdgrafos perten- cerem a vanguarda, de que vinha também a maior parte de sua clientela. 0 que caracteriza 0 avango de Nadar em relagio a seus confrades é ter tido a iniciativa de fixar em placas o sistema parisiense de canais. Pela primeira vez € atribuido a objetiva um papel de descoberta. Sua importéncia aumenta sobretudo porque se percebe melhor o cardter subjetivo da informagio pictural e grafica em relagio A nova realidade técnica e social. AExposigo universal de 1855 dedica pela primeira vez um stand especial a fotografia. No mesmo ano, Wiertz publica o grande artigo em que atribui TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 2 a fotografia a missio de elucidar filosoficamente a pintura. Seus préprios qua- dros mostram que ele entendia esta elucidagao num sentido politico. Pode-se consideré-lo como 0 primeiro que, se nao previu, pelo menos exigiu a monta- gem como aproveitamento propagandistico da fotografia. A medida que se de- senvolvem os meios de comunicagao, a pintura perde sua importancia no nivel informativo. Como reagio contra a fotografia ea omega a enfatizar os elementos coloridos da imagem. Passando do impressionismo ao cubismo, vai depois criar para si um novo dominio em que a fotografia é, de inicio, incapaz de seguicla. Por seu lado, desde a metade do século, a fotografia amplia consideravelmente © circulo do comércio de bens, langando no mercado uma quantidade imensa de figuras, de paisagens, de acontecimentos, que sio ou desprovidos de qual- quer valor informativo ou sem outro papel além do de ilustrar a informagéo. Para aumentar a vendagem, ela renova seus objetos com as mutagBes sucessivas da técnica da tomada de cena, que determinam a hist6ria da fotografia. Il. GRANDVILLE OU AS EXPOSIGOES UNIVERSAIS Oui, quand le monde entier, de Paris jusqu’en Chine, divin Saint-Simon, sera dans ta doctrine, Lage d’or doit renaitre avec tout son éclat, Les fleuves rouleront du thé, du chocolat; Les moutons tout rotis bondiront dans la plaine, Et les brochets au bleu nageront dans la Seine; Les épinards viendront au monde fricassés, Avec des crofttons frits tout autour concassés; Les arbres produiront des pommes en compotes Eton moissonnera des carricks et des bottes; I neigera du vin, il pleuvra des poulets, Et du ciel les canards tomberont aux navets.6 LAUGLE et VANDERBURCH, Louis-Branze et le Saint-Simonien (Théatre du Palais-Royal, 27 févvier 1832) Para a mercadoria fetiche, as Exposig6es universais sio lugares de pere- Brinagio, Taine escreve em 1855: “A Europa deslocou-se para ver mercado- rias”, Antes das Exposig6es universais, houve exposigdes industriais nacionais. ‘A primeira realizou-se em 1798, no Campo de Marte, Seus promotores que- iam “divertir as classes trabalhadoras” e torné-la uma “festa de emancipa- io” para elas, Tinha-se em vista principalmente a clientela “operatia". O espago para uma indistria do divertimento ainda nao estava constituidos seu lugar era ocupado pela festa popular. Chaptal inaugurou esta exposigio com um discurso sobre a indiistria. — Os adeptos de Saint-Simon, que pro- jetam industrializar a Terra, acolhem a idéia de Exposig6es universais. Chevalier, a primeira autoridade neste dominio, é discfpulo de Enfantin e € ele que edita 0 jornal saint-simoniano Le Globe. Os adeptos de Saint-Simon previram o desenvolvimento da indiistria mundial, mas nao a luta de classes. Contribuiram para os empreendimentos industriais e comerciais da metade do século, mas se embalharam nas quest6es que concemem ao proletariado. ‘As Exposicbes universais transfiguram o valor de troca das mercadorias. Criam uma situagao em que o valor de uso passa para o segundo plano. Inauguram uma fantasmagoria a que o homem se abandona para se distrair. No que a indistria do divertimento vem em seu auxilio, & medida que eleva (© povo ao nivel de mercadoria. Ela 0 entrega a suas manipulagdes a0 the permitir gozar sua alienacdo de si mesmo e dos outros. ‘Acntronizagio da mercadoria ea aura divertida que a envolve, eis 0 tema secreto da arte de Grandville, a que corresponde a discrepancia entre o que ‘ela tem de utdpico e o que tem de cinico. A argiicia com que ele representa ‘objetos mortos corresponde ao que Marx chama os “caprichos teol6gicos” da mercadoria. Eles se manifestam claramente na “especialidade” — uma ca- racteristica da mercadoria que, nesta época, aparece na indistria de luxo; sob 0 lipis de Grandville, toda a natureza se transforma em especialidades. Eleas apresenta com o mesmo espirito com que o reclame (Reklame)—outra palavra que entio esté nascendo — comega a apresentar seus artigos. Ele termina no delitio. Moda: Madama Morte! Madama Morte!” LEOPARDI, Dialogo della moda e della morte. ‘As Exposig6es universais constroem o universo das mercadorias. A ima- ginagao de Grandville transfere para 0 universo 0 carter de mercadoria ¢ 0 moderniza, O anel de Saturno torna-se um terrago metilico em que, A noite, ‘0s habitantes de Saturno tomam ar. Os livros do naturalista fourieriano Toussenael correspondem no plano literdrio a esta utopia grifica. 695 ‘A moda prescreve o ritual segundo o qual a mercadoria fetiche exige ser venerada; Grandville estende a pretensio deste {dolo tanto aos objetos de ‘uso quotidiano quanto ao préprio cosmo. Ao levar ambos ao extremo, ele descobre sua natureza. Ela esti em conflito com 0 organico. Vincula 0 corpo. vivo a0 mundo inorginico. No ser vivo percebe os direitos do cadaver. Seu nervo vital é 0 fetichismo subjacente ao sex appeal do inorganico. O culto & mercadoria 0 pde a seu servigo. Para a Exposigio universal de 1867, Victor Hugo dirige um manifesto “aos povos da Europa”. Antigamente, e de modo menos equivoco, os inte- resses destes povos tinham sido representados pela delegagio dos trabalha- dores franceses; a primeira, na Exposicio de Londres em 1851, a segunda, composta de 750 delegados nade 1852, e que contribuiu indiretamente para que Marx fundasse a Associacao Internacional de Trabalhadores (Inter- nationalen Arbeiter Association). E. durante a Exposicio universal de 1867 que a fantasmagoria da civilizacio capitalista atinge 0 seu desenvolvimento maximo. O Império est4 no auge de seu poder. Paris se afirma como a capi- tal do luxo ¢ da moda. Offenbach impée seu ritmo & vida parisiense. A opereta €a irdnica utopia de um dominio duradouro do capital.* IV. LUIS FELIPE OU O INTERIOR La tate. Sur la table de nuit, comme un renoncule, repose." BAUDELAIRE, “Un martyre”. Sob Luis Felipe, o homem privado sobe ao palco da histéria. A extensiio do aparelho democritico através de um novo direito de voto coincide coma corrupcio parlamentar organizada por Guizot. Protegida por ela, a classe dominante faz a historia fazendo seus negécios. Favorece a construcio das estradas de ferro para aumentar seu capital de ages. Satida o reino de Luis Felipe como sendo 0 do homem de negécios privado. Com a Revolucao de Julho, a burguesia realizou os objetivos de 1789 (Marx). tre “capital do luxo e da moda” e “dominio duradouro do capital", Benjamin faz um jogo de palavras mais eficazem alemfo, Ao pasio que Hauptstadt sera termo visual para‘ capi- tal, ele usa K tale, como se Fosse feminino de das Kapital (N. do Org.) 97 LUNE CONTA LIMA Pela primeira vez o espago vital do homem privado opde-se aos locais de seu trabalho. O primeiro se constitui no interior e o baleio 6 seu complemento. No seu balcdo, 0 homem privado leva em consideragio o real; a seu interior, ele pede que o mantenha em suasilusdes. Esta necessidade é tanto mais premen- te na medida em que no Ihe ocorre absolutamente a idéia de ampliar sua re- flexdo de homem de negécios no nivel social. Nascem assim as fantasmagorias| do interior. Para o homem privado este interior representa o universo. Af ele retine o longinquo e o passado. Seu salao é um camarote no teatro do mundo. Digressio sobre o modern style (Jugendstil). Com ele realiza-se, em torno do fim do século, o choque que transtorna o interior. Em todo caso, devido a sua ideologia, o modern style parece ter como conseqiiéncia a consumagao do interior. A transfiguragao da alma solitéria surge como seu objetivo. O indivi- dualismo é sua teoria. Em Van de Velde, a casa ¢ apresentada como expresso da personalidade. A ornamentagio € para a casa 0 que a assinatura € para 0 quadro. Mas a verdadeira significagio do modern style nao se exprime nesta ideologia. Ele representa a derradeira tentativa da arte, assediada pela técnica, de escapar de sua torre de marfim. Ele mobiliza todas as reservas da inte- rioridade. Estas encontram sua expressio na linguagem meditinica das linhas, na flor como simbolo da natureza vegetal em sua nudez, em oposi¢io a um mundo ambiente munido das armas da técnica. Ele se interessa pelos novos elementos da arquitetura do ferro, pelas formas das vigotas. Tenta, por meio da ornamentagao, recuperar estas formas em beneficio da arte. O cimento ar- mado lhe fornece novas perspectivas arquiteturais de formagao plastica. Nesta época, o escritério torna-se o verdadeiro centro de gravidade do dominio vi- tal. O homem desrealizado cria para si mesmo um refiigio a domicflio. A suma do modem style é 0 “construtor Solness”: a tentativa do individuo de compe- tir coma técnica em nome de sua interioridade conduz & sua rufna, Je crois... a mon dime: la Chose? LEON DEUBEL, Ocuvres, Paris 1929, p. 193 O interior € 0 lugar de reftigio da arte. O colecionador € o verdadeiro ocupante do interior. Ele transfigura os objetos para tornd-los coisa sua. Seu papel € o de Sisifo: a0 possuir as coisas, deve despojé-las de seu carster de mercadorias. Mas, em lugar de valor de uso, sé lhes confere o valor de amador. © colecionador se imagina no s6 num mundo longinquo ou passado, mas, 0 mesmo tempo, num mundo melhor, onde, sem diivida, assim como no soe TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES = VOL. 2 mundo de todos os dias, 08 homens niio estio desprovidos do que utilizam, ‘mas onde as coisas estilo dispensadas da sobrecarga de serem diteis, O interior é ni 86 0 universo, mas também o estojo do homem privado, Habitar significa deixar suas marcas. No interior, a énfase & posta nelas, Colchas e fronhas, cintas e estojos, em que os objetos de uso didtio impri« ‘mem suia marca, s4o imaginados em massa, E também, as marcas do habitan- te ficam impressas em seu interior. Daf nasce o romance policial que esti ‘caga destas marcas. Em Poe, a filosofia do mobiliério tanto quanto as nove las policiais revelam o primeiro fisionomista do interior. Os criminosos dos primeiros romances policiais nao sio nem gentlemen nem apaches, mas ho= ‘mens privados pertencentes & burguesia, \V. BAUDELAIRE OU AS RUAS DE PARIS Tout pour moi devient allégorie™ BAUDELAIRE, “Le Cygne”. © engenho de Baudelaire, que se nutre de melancolia, € um engenho alegérico. Com Baudelaire, pela primeira vez, Paris torna-se objeto de poe= sia lirica. Esta poesia nio é uma arte local, mas, ante o olhar do alegorista que toca a cidade, o olhar do estranho. 0 olhar do fldneur cuja forma de vida ainda envolve com um brilho reconciliador a do citadino da grande Cidade, logo destinada a nao mais conseguir consolagio alguma. O fldneur permanece ainda no limiar da grande cidade, como também no limiar da classe burguesa. Nenhuma das duas o subjugou ainda, Nao esté a vontade nem numa nem noutra. Procura um asilo na multiddo. Em Engels e em Poe encontram-se as primeiras contribuigées para uma fisionomia da multi A multidio € o véu através do qual a cidade habitada faz um sinal para 0 flaneur com o olhar, como uma fantasmagoria, Na multidio, a cidade € ora paisagem, ora loja. Depois, ambas vem a constituir o armazém com o qual a propria flanerie torna-se utilizavel para a troca das mercadorias. O armazém € o:ltimo lugar onde vai oflaneur. Na pessoa do flaneur ainteligéncia vai &s compras. Segundo sua intengao, apenas para ver as mercadorias; na verdax de, jé para af encontrar um comprador. Neste estigio intermedisrio, em que ainda tem mecenas mas j4 comeca a se habituar as compras, ela aparece como boémia. Ao carter indeciso desta situagdo corresponde o carter 699 indeciso de sua fungio politica, Que aparece da maneira mais evidente nos conspiradores profissionais, que muitas vezes pertencem A boémia, Seu cam> po de agio é inicialmente 0 exército, depois a pequena burguesia, ocasional- ‘mente o proletariado. Entretanto, esta camada social enconttra scus adversirios entre 0s verdadeiros chefes do proletariado, O Manifesto Comunista poe fim A sua existéncia politica. A poesia baudelairiana retira sua forga do pathos de revolta prépria desta camada social. Esta se alinha do lado dos associais ¢ sua Gnica comunidade sexual se realizava com uma prostituta, Faciliis descensus Averni"* VIRGILIO, “Eneida”. O que é tinico no género na poesia de Baudelaire deve-se ao fato de que, nele, a imagem da mulher ¢ a morte unem-se intimamente numa terceira imagem, a de Paris. A Paris de seus poemas é uma cidade que submergiu, mais submarina que subterrinea. Neles estio bem evidentes os elementos atonicos da cidade — sua formaco topogtifica, o velho leito abandonado do Sena. Entretanto, 0 decisivo em Baudelaire é, no “mortal idilico” da cida- de, um substrato social, um substrato moderno. O moderno é um tom capi- tal de sua poesia. Apresentando-a como spleen, dé um golpe de morte no ideal. Mas justamente a hist6ria moderna cita sempre a hist6ria das origens. Aqui, gracas 4 ambigiiidade que caracteriza as relagées ¢ os acontecimentos sociais desta época. A ambigitidade é a imagem visivel da dialética, a lei da dialética em repouso. Este repouso utopia, e a imagem dialética, conse- aqiientemente, uma imagem de sonho. Uma imagem como esta coloca a mer cadoria na sua pura e simples realidade, como fetiche. a imagem produzida pelas passagens, tanto casas quanto pragas. 6 a imagem produzida também pela prostituta, ao mesmo tempo cliente e mercadoria. Je voyage pour connaitre ma géographie.® (Marcel Réja: Lart chez les fous, Paris, 1907, p. 131 O tiltimo poema das Flores do mal: “Le Voyage”. “O mort, vieux capitaine, il est temps, levons l’ancre”."' A tiltima viagem do flaneur: a morte. Seu objetivo: 0 novo. “Au fond de 'inconnu pour trouver du nouveau”. O novo é uma qualidade independente do valor de uso da mercadoria. £ a ‘origem da falsa aparéncia que pertence de modo inaliendvel As imagens pro- duzidas pelo inconsciente coletivo. A quintesséncia da falsa consciéncia, de 700 que a moda se faz 0 agente incansével. Como um espetho dentro de outro, ‘esta falsa aparéncia do novo se reflete na do sempre igual. © produto desta reflexio é a fantasmagoria desta “hist6ria da civilizagio” em que a burgu degusta as delicias de sua falsa consciéncia. A arte, que comega a duvidar de seu papel ¢ deixa de ser “insepardvel da utilidade” (Baudelaire), nio pode deixar de fazer do novo seu maior valor. Para ela, o arbiter novarum rerum! torna-se 0 esnobe. O esnobe ¢ para a arte o que o dandy é para a moda, — No século XVIII a alegoria tinha-se tornado o cinone das imagens dialéticas; no século XIX, a novidade exerce o mesmo papel. Ao lado das lojas de novidades surgem os jornais. A imprensa organiza 0 mercado dos valores cespirituais que, jé de infcio, provoca sua alta. Os ndo-conformistas protestam ‘contra a entrega da arte a0 mercado. Juntam-se sob a bandeira da “arte pela arte”, Desta palavra de ordem nasce a concep¢o da obra de arte total, que tent proteger a arte da invasio da técnica. Os ritos de iniciagdo com que este culto é celebrado correspondem a distracio que transfigura a mercadoria. Aqui e ali, abstrai-se a existéncia social do homem. Baudelaire sucumbe & sedugo de Wagner, VI. HAUSSMANN OU AS BARRICADAS Fai le culte du Beau, du Bien, des grandes choses, De la belle nature inspirant le grand art, Qu'il enchante Voreille ou charme le regard; Fai Vamour du printemps en fleurs: femmes et roses.* BARON HAUSSMANN, Confession d'un lion devenu viewx. Das Bliithenreich der Dekorationen, Der Reiz der Landschaft, der Architektur Und aller Szenerie-Effekt beruhen Auf dem Gesetz der Perspektive Nur. FRANZ BOHLE, Theater-Katechismus, Munique, pag. 74” ‘O ideal do urbanismo haussmanniano: vistas perspectivas através de gran des aberturas. Este ideal corresponde a tendéncia que aparece durante todo o século XIX; enobrecer necessidades técnicas por meio de finalidades artis: ticas. Transpostas para o tragado das avenidas é que as instituig6es deviam encontrar sua apoteose, nelas se afirmando, secular e espiritual, o reino da 701 AUT CONTA LIMA ‘burguesia, Antes de inauguradas, eram cobertas com um pano de taberndculo ‘¢ descobertas como monumentos comemorativos. — Aatividade de Haussmann se adapta ao idealismo napolednico. Que favorece 0 capital financeiro. Paris vive as mais belas horas da especulagio, jogo da Bolsa herda da sociedade feudal as formas do jogo de azar. As fan- tasmagorias do espaco, a que se abandona 0 flaneur, correspondem as fantasmagorias do tempo, a que se agarra o jogador. O jogador faz do tempo tum Alcool. Lafargue vé nisto uma imitago, em forma reduzida, dos mistérios da conjuntura. As expropriagées de Haussmann dio vida a uma especulagao enganosa. Inspiradas pela oposigio burguesa e orleanista, as prisbes da Cor- te de cassagio aumentam o risco financeiro da haussmannizagio.” Haussmann tenta sustentar sua ditadura e submete Paris a um regime de excegio. Em um discurso diante do corpo legislativo, em 1864, exprime seu 6dio contra a populagio desenraizada da grande cidade. Esta populagio que seus préprios ‘empreendimentos nio deixam de fazer crescer. O encarecimento dos aluguéis expulsa o proletariado para os subtirbios. Os bairros de Paris perdem assim sua fisionomia prépria. Nasce o cinturo vermelho. Haussmann qualificou a si mesmo de “artiste démolisseur”. Sentia-se destinado por vocagio a sua obra ¢ insiste nisto em suas Mémoires. Entretanto, ele torna Paris uma cidade es- trangeira para seus prdprios habitantes. Nela, nao se sentem mais em seu lar, ‘comegam a tomar consciéncia do cardter inumano da grande cidade. Desta consciéncia, nasce a obra monumental de Maxime du Camp, Paris. As Jérémiades d'un haussmannisé dio-Ihe a forma de uma lamentagio biblica. O verdadeiro objetivo dos trabalhos de Haussmann era a protegio da ci- dade contra a guerra civil. Queria tornar definitivamente impossivel o levan- tamento de barricadas em Paris. Era com a mesma intengo que Luts Felipe jé havia introduzido o calgamento de madeira. No entanto, as barricadas tinham desempenhado uma funcio na Revolucio de Fevereiro. Engels tinha se inte- ressado pela técnica das barricadas. Haussmann pretende impedi-las de duas ‘maneiras. O tamanho das avenidas deve impedir sua construgio e novas aber- turas devem diminuir a distancia entre as casernas e os bairros operiios. Os contemporiineos batizam o empreendimento de “L'embellissement stratégique”. Fais voir, en déjouant la ruse, O République, a ces pervers Ta grande face de Méduse Au milieu de rouges éclairs. “Chanson d’ouvriers vers 1850.” 702 TEONIA OA LITERATURA EM SUAS WIE = vOun Com a Comuna a barricada reaparece, mais forte e mais segura que nuns ca, Ela atravessa as Grandes Avenidas, atinge muitas vezes a altura do pei meiro andar € cobre verdadeiras trincheiras. A Comuna pée fim & fantasmagoria que pesa sobre a liberdade do proletariado, do mesmo modo que 0 Manifesto Comunista termina o perfodo dos conspiradores profissior hais. Destr6i a ilusio de que a revolugio proletéria, de maos dadas com's burguesia, deveria concluir a obra de 1789. Esta falsa aparéncia domina 0 perfodo de 1831 a 1871, da insurreigao lionesa 4 Comuna. A burguesia nun> ca compartilhou deste erro. Sua luta contra os direitos sociais do proletaria do comeca desde a Revolugio, coincide com o movimento filantrépico que a dissimula e conhece com Napoleio III seu desenvolvimento mais significa tivo. A este movimento pertence a obra monumental Les Ouvriers européens de Le Play, onde é indicada sua orientagdo. Ao lado da luta escondida que @ filantropia representa, a burguesia nunca interrompeu a luta aberta de elas se. Desde 1831, pode-se percebé-la nesta frase do Journal des débats: “Todo fabricante vive em sua fabrica como o fazendeiro entre seus escravos.” Se & maldigio das antigas revoltas opersrias foi a de nao terem tido nenhuma teoria revolucionaria que Ihes mostrasse o caminho, ela é, por outro lado, a condigo da forga imediata e do entusiasmo com que empreendem o estabe- lecimento de uma nova sociedade. Este entusiasmo, que atinge seu pice com a Comuna, atrai as vezes para 0 campo dos trabalhadores os melhores elementos da burguesia, porém é a seus piores elementos que, no final, 0 entrega. Rimbaud e Courbet tomam o partido da Comuna. O incéndio de Paris coroa dignamente a obra destruidora de Haussmann. “Mein guter Vater war in Paris gewesen”” KARL OUTRKOW, Briefe aus Paris (1842). Balzac foi o primeiro a falar das ruinas da burguesia. Mas o surrealismo € o primeiro a consideré-las com um olhar livre. O desenvolvimento das forgas produtivas tinha arruinado os sonhos ¢ ideais configurantes do século anterior, bem antes que caissem os monumentos que os representavam. No século XIX, a revolucdo emancipou as formas do jugo da arte, assim como, no século XVI, as ciéncias tinham se libertado da filosofia. A arquitetura mostra 0 caminho tornando-se construgio do engenheiro. Em seguida, vem. a fotografia como reprodugio da natureza. A criagio imaginativa prepara- se, como grifico publicitério, para tornar-se pritica. No folhetim, a literatura 703 se submete A montage. Todos estes produtos destinam-se a se apresentar no mercado a titulo de mercadorias. Mas ainda hesitam no seu limiar. Da- tam desta época passagens e interiores, sagudes de exposigio e panoramas. Sio as réplicas de um mundo sonhado. A utilizagio dos elementos on{ticos, quando despertamos, € 0 subterfiigio do pensamento dialético. E por isso que 0 pensamento dialético é 0 érgao do despertar histérico. Cada época nao se limita a sonhar com a pr6xima, sonhando ela se esforga em despertar. Ela traz em si seu proprio fim e — como Hegel jé havia percebido — desen- volve este fim por meio da asticia. Com a crise da economia mercantil, ‘As Gguas sio anus ¢ as plantas rosadas comecamos a reconhecer os monumentos da burguesia como rufnas, antes F doce contempla ata mesmo que eles caiam. Passeia-se. As grandes damas passeiam, atrés delas véo e vém as pequenas Destes palacios as colunas magicas Notas do tradutor ‘Tradugio ‘Ao amador mostram de todos os lados ‘MaRIA CECILIA LONDRES Em todos os objetos que seus pérticos expéem oe . indsstria€ rival das ates. Revisdo (para a 3.* edigao) eee aR Cada época sonha com a seguinte. Sol, cuide-se! Este texto de 1935 permanece, como se vé, im esboso; na intengéo do autor ele deveria ser bastante desenvolvido. Sim, quando o mundo inteiro, de Paris & China, © divino Saint Simon, estiver sob tua doutrina, A idade de ouro deve renascer em todo o seu esplendor. Nos rios correrdo chi, chocolates (s carneizos bem assados rola na planicie, E os espetos coridos nadario no Sena; O espinafte viré a0 mundo refogado, ‘Com pedacinhos de pio fritos e mofdos em voltas As drvores produzirio magis em compotas E serio colhidos carriques e botas ‘Vai nevar vinho, vio chover frangos, E do céu cairio patos com nabos. 7. Moda: Senhora Morte! Senhora Morte! 8. Uma cabeca, sobre a mesa de cabeceira, repousa como um raininculo. 9. Creio.. em minhalma: a Coisa. 10. Tudo para mim se toma alegoria. 11. A facil descida do Averno. 12. A viagem para conhecer minha geografia. 13. 6 mort, velha capita, esté na hora, levantemos a Ancora. 14. Ao fundo do desconhecido para encontrar 0 novo. 704 15. 0 arbitrio do novo, Sprhitors! ebametals 16, Eu culeuo 0 Belo, o Bem as grandes coisas, Abela natureza que inspira a grande arte, Que encanta 0 ouvido ou agrada © olhar, Eu amo a primavera em flor: mulheres ¢ rosas. 17, O impétio florido das decoragées, O encanto da paisagem, da arquitetura E todo efit cico repousam ‘Apenat na lei da perspectiva. 18, Most, frustrando a asticia 6 cepéblica, a estes perversos ‘Tua grande face de Medusa No meio de raios vermeos. 19. Meu bom pai tina estado em Paris “La cour et la ville” ERICH AUERBACH srrretschen Bildung Berna, 1951 Eta radio ¢ feta em cotco som a verso 26 a ‘ 707 706

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