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José Lins do Rego

Hélio Pólvora

Na passagem do centenário de nascimento de José Lins do Rego (3.6.1901-12.12.1957), é quase fatal o retorno do
velho debate sobre regionalismo literário - uma vertente da ficção ainda hoje alvo de certo preconceito. É que José
Lins encarnou bem a psicogênese de uma região - os vales paraibanos e pernambucanos da cana-de-açúcar - e
exprimiu-se, ademais, em linguagem popular marcada pela oralidade.

Foi ele o criador do “Ciclo da Cana-de-Açúcar”, que abrangeu apenas os cinco primeiros romances, de Menino de
Engenho a Usina, e não tardou a sair das capas e folhas-de-rosto de seus livros. Àquele ciclo sobre a decadência
dos engenhos corresponderam os “romances da Bahia”, de Jorge Amado, também de forte tintura localista. O
ficcionismo brasileiro desdobrava-se, então, em pleno pós-modernismo de 30, nas documentações sociais de
origem geográfica, projetadas pelo prisma do imaginário que se abeberava na memória.

O sertanismo viera, naturalmente, de José de Alencar, que havia lançado os fundamentos de uma prosa de ficção
“nacional”, em oposição àquela outra, de teor urbano, imitativa dos modelos estrangeiros de estruturação e
temática, e deixou-nos um panfleto elucidativo, Como e Porque Sou Romancista. A dicotomia ficção
regionalista/ficção urbana prosseguiu por muitos decênios e só viria a esfumar-se recentemente, quando os meios
de comunicação de massa transformaram as ilhas culturais brasileiras em arquipélagos e com estes costuraram o
continente.

Mesmo assim, não falta quem ainda queira atrelar o regionalismo à crônica de costumes, ao folclore, ao caipirismo
ou aos relatos do tipo denúncia social. Machado de Assis previu, em 1873, no ensaio Instinto e Nacionalidade, a
fusão daquela dicotomia, ao testemunhar: “Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam
vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade, abono do
futuro”.

A escrita como arte de aferir conflitos de personalidade e os conflitos desta com o meio advêm da transição do
romantismo para o realismo, em oposição a uma literatura sem insight psicossocial, presa à tipicidade ou de rota
batida para o escapismo. O regionalismo desenvolveu-se tardiamente, após a fase inicial de europeização da nossa
cultura, por força da ocupação dos espaços interiores, mas levou para os temas nativos o mesmo figurino
expressional. Em conseqüência, o nativismo no romance brasileiro vicejou à sombra do idealismo: os retratos das
personagens pareciam incompletos ou exagerados, faltando-lhes verossimilhança psicológica, e as paisagens,
descritas com apuro lingüístico e timbre retórico, assemelhavam-se a quadros de naturezas mortas.

Se o romancista tentava captar a expressão oral, transpondo falas e costumes, incidia no caipirismo - que é uma
forma de ficção artificial e artificiosa. O localismo na ficção é a primeira instância da regionalidade e deriva algumas
vezes para o provincianismo, da mesma maneira que o ficcionismo ecumênico, ou cosmopolita, deforma o romance
de pendor ou de teor universalizante. Talvez por isso um romance bem arquitetado, como A Quadragésima Porta,
do paulista José Geraldo Vieira, esteja hoje esquecido.

Regionalismo ou sertanismo surgiram por necessidade de metodologia didática e em razão da expansão da


temática, quando o país, auscultando-se, quis investigar os seus limites e conteúdos, medir a sua densidade.
Um dos propugnadores da regionalidade, Franklin Távora, em prefácio ao romance O Cabeleira (1876), propõe um
ficcionismo provincial e, com uma dose de radicalismo que não falta aos pioneiros, chama a nova veia de “literatura
do Norte”, como se pudessem coexistir num país de língua única, apesar das etnias caldeadas, variadas
expressões literárias. “As regiões”, como bem observou Afrânio Coutinho, “não dão lugar a literaturas isoladas”.

Com efeito, região geográfica é uma coisa, região cultural é algo distinto. Nem sempre a região geográfica adquire
foros de região cultural. E quando obtém voz própria, típica, impregnada de cor local, será com base num
ficcionismo que faça do homem sujeito e predicado, ao mesmo tempo, do meio e das condições de vida. A região
literária do Nordeste viria a impor-se pela pena de José do Patrocínio (um dos pioneiros do romance da seca, com
Os Retirantes, 1879), Franklin Távora, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Amando Fontes, José Lins do
Rego, Jorge Amado, José Vieira (o paraibano), Osman Lins (o de O Fiel e a Pedra), Ariano Suassuna - seus
epígonos
mais conhecidos.

Houve uma quase coincidência de datas editoriais significativas - todas a partir de 1930 - com o surgimento de
uma plêiade de ficcionistas de cepa nordestina que trabalhavam num projeto estético assemelhado: fazer o homem
contracenar com a paisagem, primeiro em inferioridade, depois em igualdade de condições ou sobrepujando-a
como expressão maior da realidade, na medida em que os autores dominavam recursos narrativos avançados. No
romance nordestino de José Américo de Almeida (A Bagaceira, 1928: O Boqueirão e Coiteiros, 1935), a descrição
de exterioridades, marcadamente literária, se impõe ao intimismo, por isso o relato resultará menos espontâneo, e
conseqüentemente menos “verdadeiro”, do que Menino de Engenho (1932) e Bangüê (1934).

Como romancista, Lins do Rego será mais criador, porque, na sua escrita, aplica mais o ouvido que a inteligência
intelectualizada. Ele será, mais que qualquer outro do grupo nordestino, o escritor-que-se-lembra, aquele que
transforma a matéria bruta do memorialismo em narrativas recriadas. Em sua pena, o tema transfigura-se e
incorpora alta emotividade. Advém, então, uma espantosa naturalidade do dizer e do fazer literário, como se o
ficcionista fosse uma caixa de ressonância, um tambor, um sismógrafo do meio social. Tem-se a impressão de que
as personagens, recortadas de conhecidas figuras do dia-a-dia, adquirem, banhadas pela emotividade do relato,
uma presença portentosa.

Da sua infância e adolescência, das histórias que ouviu e dos resíduos de patriarcalismo açucareiro que ainda
pôde testemunhar, Lins do Rego tem os alforges repletos de lembranças. Quando decide escrever, basta-lhe o
esforço de recriação e associação, que não será assim tão grande, de juntar figuras, cenas, imagens, a elas
agregando o seu testemunho de pessoa sensível.

Diferente de José Américo, porque não quer conceituar nem concluir, quer apenas rememorar para atestar, José
Lins do Rego será também diferente de Graciliano Ramos. Este, a partir do segundo romance, São Bernardo
(1934), e recorrendo também aos brasileirismos como reação à cartilha estética portuguesa, chega com seu estilo
concentrado, sucinto e reticente, em que as palavras, como escopos, desbastam o acessório em busca do
essencial. Seu companheiro Lins do Rego, por temperamento um arrebatado, um emotivo, atém-se ao fio da
novelística de remota fonte peninsular que pesponta a literatura popular no Nordeste. Será certamente menos
escritor, quanto ao fazer, do que Graciliano, mas tem o destino dos que se fazem porta-vozes do povo, já que é um
emérito contador de histórias. E vai esta expressão, aqui, no seu sentido puro. Robert Louis Stevenson, que viveu
entre indígenas de uma ilha do Pacífico, foi por estes chamado, ao morrer, de “contador de histórias”. Outra
homenagem não lhe cai melhor, nem mais alta. Há nos selvagens uma sabedoria instintiva.

O romance nordestino, e com ele a obra de Lins do Rego, espelhou, mais que o chamado romance da terra, a
busca de uma expressão nova casada a temas localistas ou regionais que se encaminhariam, com maior ou menor
rapidez, para o estuário largo do universo ficcional. A região é o mundo, disse Eduardo Portella. Seu alcance
dependerá, digo eu, de quem a povoa. A região pode chegar, via William Faulkner ou Graciliano Ramos, a um
estágio psicossocial somente obtido por mestres universais do gênero. Também poderá, por força da emotividade
desatada, tocar a consciência e pôr a sensibilidade em estado de brasa.

Na busca de um romance brasileiro - brasileiro pelo tema, pelo tom, pelo tônus e por aspectos peculiares da nossa
gramática portuguesa - o romance do Nordeste, praticado em todo o país, fortaleceu o ideário de Alencar. E ao
desdobrar-se e marchetar-se, saindo do classicismo do paraibano José Vieira, o mestre de Vida e Aventuras de
Pedro Malazarte, para as fantasmagorias de Hermilo Borba Filho e os enredos armoriais de Ariano Suassuna,
deixou marcos imperecíveis da arte de narrar com emoção de José Lins do Rego - Menino de Engenho, Bangüê,
Fogo Morto (1943), sobretudo este, com a sua galeria de personagens notáveis.

Até hoje eu tenho na lembrança José Amaro, seleiro de beira de estrada, no seu desespero, na sua atormentada
sede de justiça. Não esqueço a doença de Lula, a decadência do seu engenho, guardo na memória as facécias
tragicômicas, chaplinianas, de Vitorino Carneiro da Cunha, pequeno Don Quixote de uma legião de nordestinos
oprimidos. Ando com o cego Torquato e a sua dignidade ferida, o feroz chefe da tropa volante, o cangaceiro Antônio
Silvino, a fanada Nenén, o assovio alegre do negro Passarinho nos canaviais. Fogo Morto tem lugar entre os dez
maiores romances brasileiros de todos os tempos, Menino de Engenho é romance de formação, nos estertores do
patriarcalismo, à altura de clássicos franceses e alemães, Bangüê, outra obra-prima que sobre a personalidade do
homem fraco diante da economia estagnada atesta pelo ficcionismo o que Gilberto Freyre tanto escreveu do caráter
do brasileiro forjado nas senzalas.

O romancista José Lins é um filme vivo, que roda e perpassa na nossa memória. As cenas de Carlos de Melo e
Maria Alice na rede são das melhores páginas amorosas que já escrevemos. Criador de personagens, o romancista
tem na sua galeria os José Paulino, patriarca do sertão, o cantador Deoclécio em Pedra Bonita, os romeiros e
retirantes, os cangaceiros ora sentimentais ora cruéis, os místicos, o menino que em O Moleque Ricardo abre os
braços, patético, e geme: Cardo, Cardo, ao pressentir que o irmão vai embora de casa. Há o sentimentalismo
comedido de Pureza, as paisagens de sol e sal de Água-Mãe, a sexualidade amordaçada que explode no canto
solitário dos vaqueiros.

O sertão nordestino, um vasto mundo, o mundo - e um mundo vivo, povoado por gente de carne e osso, não o frio
mundo dos criadores de torres-de-marfim. Nesse mundo que é a região fala-se língua brasileira, estropia-se muitas
vezes o cânone lingüístico para dar-lhe mais sabor e lógica. Como, por exemplo, na cena em que um velho defende
o bode que comia milho na sua mão: “E o velho se fez na faca”. Ou construções admiráveis, do tipo “nunca que se
esquecesse”, por “jamais esqueceria”. A abertura de frases e parágrafos por pronomes oblíquos legitima a nossa
gramática, é uma ousadia que vem dos modernistas de 22.

José Lins estava entregue a este mundo, em escavações na memória pessoal e coletiva, quando mudou de
temática para escrever Água-Mãe e Eurídice, este um perfil psicológico de mulher, com recurso a mitos gregos e
intenção de perfilhar Freud. Diriam os doutos: ele tentou, mas não conseguiu, por não ser um romancista erudito,
escapar ao seu regionalismo. Engano: o ciclo de cana-de-açúcar esgotara-se na sua memória e no seu imaginário,
apenas isso. E note-se que, mesmo mudando de geografia e de temática, mesmo tentando os temas psicanalíticos,
José Lins mantém-se, praza aos céus, fiel à linguagem que trazia da sua infância de moleque branco da bagaceira
dos engenhos do Nordeste.

Não sei se esta obra será grande, na acepção dos


doutos que procuram bulas canônicas ou daqueles que, desdenhando meio, circunstância, história pessoal e
coletiva, preferem a fria literatura em que as palavras não têm alma. Sei que será, e por muito tempo, uma bela
obra. Sim. Com a sua preocupação centrada no documentário, esse ficcionismo de que o romancista José Lins do
Rego foi um dos arautos, buscou e alcançou estruturas intensas e duradouras. Buscou, sobretudo, um tônus, uma
tensão que o texto sozinho, desprovido de anima e persona, é incapaz de transmitir. Uma tensão resultante ora dos
personagens em seus inter-relacionamentos, ora dos monólogos que, surgindo com espontaneidade, são vozes da
sensualidade, desespero, injustiça e fome.

Hélio Pólvora é ficcionista e crítico literário, autor dos recentes livros O Rei dos Surubins (contos) e Crônicas da
Capitania. Pertence à Academia de Letras da Bahia.
powder@e-net.com.br

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