CRNICA

AT UM DIA, VELHO JOO

Por Luana Raquel da Silva

Um

dos lugares que abrangem histrias e rostos mais

diversificados a rodoviria. Uma amiga complementaria, dizendo: o
aeroporto tambm. Sim.
O nibus deu sada. Estava eu ao lado de um senhor de setenta
e nove anos. Isso no raro. Vez ou outra ganho esse presente de
viagem: sentar do lado de pessoas idosas. s vezes, s s vezes, isso
traz certo desconforto, pois sou impedida de dormir diante dos muitos
e detalhados assuntos que elas tm e que querem nos contar sem
pensar se queremos ouvir; mas, apesar disso, isso infinitamente
melhor que ir ao lado de rapazes metidos a conquistadores de meia
hora. O nome dele era o to comum Joo Joo de qu?, quase
perguntei. O que me impediu de faz-lo foi a satisfao com a
simplicidade envolta nele todo. As roupas, o chinelo, as unhas mal
desenhadas pelo tempo e pela roa, de onde ele provinha; a balinha
de menta, dessas que servem de troco em supermercados, ou em
simplesmercados, tirada do bolso da camisa, a coberta para combater
o frio egosta e desnecessariamente programado nos transportes, o
jeito de falar e, claro, o nome Tudo isso era o Joo. Sozinho, sem
famlia, sem sade, apenas com uma irm perdida em algum lugar da
terra, muitssimos anos sem v-la.
Ele estava indo para a capital do pas e, graas a Deus, contava
com as economias de uma aposentadoria, alm disso, s o Pai celeste
mesmo, mais nada tinha o Joo. Eu estava voltando para a minha
casa, ele, procurando uma casa de apoio. Era a sua ltima esperana.
Estava velho e sem ningum para cuidar dele, perdendo a memria.
Os mdicos no sabiam o que ele tinha, diziam apenas que era
doena de velho. Eu perguntei se todo velho tem o que eu tenho,
eles disseram que no, senhor. Ento, o que eu tenho no s uma
doena de velho. Velho Joo. As estaes da vida vm para todos,
depois do outono, a primavera. No se preocupe se andas
esquecendo-se das coisas, onde deixou os documentos, a camisa de
dia de domingo ou o copo de leite que segurava enquanto algum
chamava porta. Aquele dia que assaltaram a sua casa, voc estava
descalo, eles no levaram seu chinelo. Olhe embaixo da cama.

O poeta disse: Velhinhos so crianas nascidas faz tempo.

Duas horas, em mdia, durou a viagem ao lado dele. Depois, desci na
minha cidade e ele seguiu a viagem para a esperana dele. Tive
medo, velho Joo, de nunca mais te ver. Nunca vais saber que
aqueles instantes de conversa no nibus me renderam dias de
reflexo e linhas num papel. Espero que estejas bem, quem sabe at
ests mais feliz, sentado agora num banco de um jardim bonito.