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Ay 3 a8 uv g - é 4 i ¢ yy SS Bao VEL O significado da literatura em culturas orais* Ruth Finnegan A literatura oral & um dos modos como os limbas foram capazes de formular seus pontos de vista em relacdo & condicéo humana, num esquema reflexivo e culdadoso. Esse aspecto é enfocado aqui numa anilise detalhada, no contexto de uma questo recorrente: se 0 fato de possuir ou ndo a tecnologia da escrita constitul uma divisio basica das culturas humanas. Quando se quer fazer uma distinc&io entre socledades ou periodos histéricos diferentes, um dos critérios comumente usados é 0 do letramento. Em particular, quando se quer evitar as conotacées de “primitivo”, "nio-civilizado", “aborigine", tende-se a elaborar descrigées em termos de “nGo-letrado” ou “pré-letrado”, Certamente, _outras caracteristicas também s&o levadas em consideracdo (particularmente a tecnologia), mas a presenca’ ou auséncia da escrita é cada vez mais destacada. Se o letramento for considerado marca fundamental da distinco entre dois tipos basicamente diferentes de sociedade, entdo é relevante examind-lo mais a fundo. Serd que 0 néo-letramento traz conseqiiéncias para os modos de Pensar? Os néo-letrados ipso facto pensam diferentemente dos letrados? Se for assim, quo significativas so essas diferencas? Em vista do uso constante do letramento como critério de diferenciagao, esta é uma quest&o que precisa ser encarada de modo mais direto do que o usual. Uma resposta comum a essa questo é que a presenca ou auséncla da escrita é absolutamente crucial para a qualidade do pensamento em dada culture. Assim, na visio Tint de toa ka ber, revo oe taduce de Miro Dl » par de: EANESAR, Ru Uercy versie: the sence of Steersture in nen: erate cultures, In: tery goa ae the tes ‘communieaton. Oxford: Baal Blackwell, 1968, cap. 4, p. 59-85 do Diretor-Geral da UNESCO, René Maheu, a humanidade pode ser dividida em dois grandes grupos, sendo a diferenca entre eles aparentemente atribuivel ao letramento: “aqueles que domiram a natureza, compartilham as riquezas do mundo entre si e saem em busca das estrelas” e “aqueles que permanecem acorrentados & sua pobreza irrefutdvel e & escuridéo da ignorancia”?. Somente com o estabelecimento da alfabetizaco em massa é que “a libertagéo e 0 avango da humanidade” se tornam possivels, além do fim da “escuridao na mente dos homens”. Outro exemplo: um livro recente de Talcott Parsons representa a escrita como um “divisor de Aguas” na evolugao social, *o foco da evolugao decisiva para além do primitivismo”, e é quase um lugar-comum falar da “revolugéo" ocorrida pela invengao ou adogio da escrita. Esse tipo de abordagem é reforcado pela aparente associagio entre ndo-letramento e iletramento. Tende-se a associar 0 ultimo a um individuo ou grupo que fracassou na tentativa de dominar as habilidades da cultura geralmente aceitas, sendo, assim, excluido da heranga cultural de seus contemporSneos, sem ter nada de seu para pér no lugar. E facil deduzir que um tipo de imagem similar se aplica a culturas -ndo-letradas, em que todos ou a maioria da comunidade ngo.possuem modos escritos de comunicacdo. Além disso, todos Incorremos facilmente em um habito mental que postula que aqueles aparentemente muito diferentes de nés necessariamente tém menos sabedoria, menos sensibilidade para as belezas ou tragédias da vida - e por isso devem, forcosamente, ser considerados, no minimo, como se pensassem de forma diferente. Esse tipo de percepg&o também nos torna aptos a abragar uma viséo que coloca as sociedades nfo-letradas ¢ seus habitantes no outro 2 UNESCO. Word congress of minleters of education on tha eradication of iteracy, p. 29. } UNESCO. Word congress of ministers of education on the eradication of literacy, p. 49; 82. “PARSONS. Societies, p. 26. EdigBo brasileira: Socledades: perspectives evolutivas € ‘comparativas. Trad. Dante Moreira Leite. So Paulo: Plonelra, 1969. 6s extremo de um grande abismo, separando-as de culturas mais familiares que se baselam na palavra escrita, Um fator importante que tende a reforcar essa visio & uma aparente conseqiiéncia do néo-letramento: a falta de literatura. A primeira vista parece ébvio que individuos e sociedades que nao possuem escrita também no possuem literatura e tudo o que ela implica. Em outras palavras, n&o tem acesso aquela parte da cultura que normalmente consideramos como uma das mals valiosas de nossa heranga intelectual e, talvez, 0 principal meio pelo qual podemos expressar e aprofundar o ponto de vista intelectual e artistico da humanidade. Se em sociedades “primitivas” 0 acesso a esse melo e as suas riquezas, de fato, no existe, entdo é dificil no concluir, como Maheu, que hd mesmo uma diviséo basica entre comunidades “primitivas” e “civilizadas” e que isso é, portanto, um fato a ser levado em conta em qualquer reflexo sobre diferentes modos de pensamento. Neste texto, pretendo examinar essa visio sobre a aparente auséncia de literatura e suas conseqiléncias para o pensamento em culturas n&o-letradas. Ser verdade que o rétulo “ndo-letrado” _necessariamente significa “sem literatura"? Ou até mesmo se alguma forma rudimentar andloga a literatura puder ser encontrada, sera talvez uma literatura de tipo fundamentalmente diferente da literatura escrita? Seré que isso levaria a crer, entSo, que as sociedades podem ser divididas em dols tipos radicalmente diferentes com base no desenvolvimento intelectual estético ~ a distancia entre elas sendo aquela do letramento @ seu corolério, a literatura? Quals so as implicagées para alguns dos aspectos mais intangiveis do pensamento, como autoconscléncia, distanciamento ou investigacao intelectual? Hé, é claro, grande ntimero de possiveis conseqiéncias do letramento que podem ser discutidas®. No entanto, a existéncla de literatura (escrita) € uma das primeiras que * Ver GOODY & WATT. The consequences of literacy. 66 vém & mente e é a Unica que pretendo discutir aqui. Diferentemente das possiveis conexées do letramento com, digamos, atividades bancarias, administrativas ou burocréticas, suas ImplicagSes para a literatura so de relevancia direta para a questSo dos “modos de perisar” ~ pelo menos no contexto de nossa visio comum da literatura como expresséio e como modeladora do pensamento. LITERATURA, escrita e ndo-escrita Seré que s6 encontramos literatura de fato em sociedades letradas? Em outras palavras, deve a literatura ser sempre escrita? Aqueles que foram criados numa sociedade que, como no mundo ocidental contempordneo, pressupée forte associacéo entre letramento e literatura vdo se sentir inclinados a responder afirmativamente. Naturalmente, tendemos a favorecer as assoclages e formas que conhecemos ~ especialmente se combinarmos essa tendéncia com certa Ignordncia a respeito de outros povos. Entretanto, vale a pena considerar tanto os vérios perfodos da histéria quanto as varias sociedades recentes e contempordneas que existiram, em larga medida ou até mesmo completamente, sem a palavra escrita. O periodo e a drea em que se considera a escrita como o principal mado de comunicacso__artistica_e intelectual _sio_relativamente Pequenos. Quando se olha além dos nossos préprios horizontes imediatos, é claro que hé muitas outras possibilidades. Alguns grupos s&o, ou tém sido, completamente dgrafos - como, por exemplo, os aborigines australianos, os esquimés, os habitantes das iIhas polinésias (to famosos pelas riquezas de sua arte verbal) e alguns Povos amerindios e africanos. Outros ainda, basicamente n&o-letrados, tém vivido 4 margem da cultura letrada e tém sido, até certo ponto, influenciados por ela: pode-se citar partes da savana da Africa ocidental, onde se conheceu a escrita e a cultura drabe (e em algumas dreas eles tornaram- 67 se bem conhecidos), embora grande parte da comunidade tenha permanecido néo-letrada; ou dreas da Asia em contato, mas néo impregnadas, com as influ@ncias chinesa e Indiana. Outros povos - como na Irlanda e na Etiépia antigas, partes do norte da Africa contemporénea ou a Europa medieval - possuiam literatura definida e uma classe literdria cujas composicdes eram amplamente difundidas por meio da oralidadé para as massas nGo-letradas, Isso projeta 0 tipo de situacao da Grécia cldssi¢a;ta tridia ou da China tradicionais ou, até mesmo, o passado nfo to remoto da Europa, onde a literatura escrita era aceita como a mais elevada forma de expresso, mas, ainda assim, para muitas pessoas 0 acesso a ela s6 poderia se dar pela palavra falada ou encenada. Aqui e em varios lugares, ainda que percebamos que a tradic&o estabelecida e respeitada é a da escrita, a literatura oral continua sendo uma aj e ha constante! entre formas oi - Quando pesquisamos essas diferentes possibilidades, comecamos a entender quéo limitada é a experiéncia_ de mundo da literatura impressa e da alfabetizacdo em massa ~ a realidade que somos inclinados a Pressupor como a forma natural para a qual todas as outras devem tender. ‘Até agora, poucos que consideraram este caso e outros similares negariam que tais culturas possuem, no minimo, algo paralelo aquilo que denominamos literatura. E verdade que suas formas no séo escritas, mas em vérios outros aspectos elas parecem compardveis aquilo que conhecemos como literatura. Comunidades nfo-letradas tém, por exemplo, 0 que tem sido descrito como lirica, panegirico pottico, cangSes de amor, narrativas em a. SS avenrasge ds fosmas posses ene caltane orais pode ser mais bem ilustrada com alguns exemplos. Apresentamos aqui a abertura de um poema de 450 linhas em louvor a Shaka, o grande rei e guerreiro zulu do século XIX. A diego figurativa e evocativa torna o poema obscuro para leitores de outras linguas, mas alguma coisa do seu tom ainda pode ser mantida na traducio. Diungwana filho de Ndabat 0 feraz da brigade Hbelebele Que espalhou devastacko entre os grandes kraals, , De forma que até 20 alvorecer as cabanas estavem viradas. Ele que é famoso quando se senta, flho de Nenzi, Ele que, 20 contrério da agua, bate mas néo é batido, Machado que utrapassa os outros em seu flo; Shaka, temo em dizer que ele & Shaka, Shaka, ele é 0 chefe dos Mashobas, Ele, do apito estridente, 0 leo; Ele que, armado na floresta, é como um louco, © louco que é visto na frente de todos os homens. Ele, que caminhou exausto pela planicie que val para Mfene; 0 voraz de Senzangakhona, Langa que é vermetha até'0 cabo... E ha, ainda, a cangéo da garota yukagir, do norte da Sibériaz ‘Quando nossos campos se separaram Eu quidel dele Ele & alto como um frelxo da montanha ‘Seus cabelos cobrem seus ombros ‘Como negros rabos de esquilos. Quando ele desapereceu Deltel-me na barraca. Oh, quo longo é um dia de primaveral Mas a noite chegou por um buraco na lona da barraca ‘Vi meu amor chegando. Quando ele entrou E olhou para mim Meu coracSo derreteu ‘Como a neve ao sol.” Qu © lamento de um cagador nas ilhas ocidentals da Escécia, em gaélico moderno: Estou hé muito na ilha cercada por ondas e os passaros permanecem ‘na praia. Bem, assim eles podem ficar para sempre, perdi o cacador COPE. Ieibonge, p. 88. 7 TRASK. The unwritten song, v. 2, p. 125. Também citado por JOCHELSON. Peoples of Asiatic Russi, p. 224, ‘armado que poderia abater o cervo marrom para tirar @ foca cinza da crista de uma onda.” E tentador continuar indefinidamente com exemplos similares de literatura nio-escrita. Hé as elegias dos dyaks do mar do Norte de Bornéu, os mitos profundamente significativos dos winnebago americanos, cang6es satiricas de Mogambique, a poesia de amor da Somilia ou “a melhor poesia épica dos tempos modemos.... dos kara kirghiz, pastores que habitam tendas nas montanhas Tien Shan”. Mas talvez 0 que se ‘disse ja tenha sido suficiente para mostrar que podemos abordar, no minimo como andlogas & nossa literatura, as formas n§o-escritas de milhdes de povos ao redor do mundo, hoje € ontem, que néo usam a escrita. Seré que a arte oral é literatura? Poderia-se argumentar, entretanto, que essas formas anélogas literatura em sociedades néo-letradas (e até mesmo talvez semi-letradas) so literatura apenas em certos aspectos e néo o so essencialmente literatura, no sentido que emprestamos ao termo. As diferencas podem ser t&o importantes quanto as semelhangas. E, portanto, valido discutir um pouco mais os tipos de expectativa que temos com relacéo literatura e se estas se aplicam as sociedades nfo-letradas. Tudo o que diz respeito ao que vem a ser “literatura” &, com certeza, assunto controverso e inacabado que, evidentemente, no pode ser coberto aqui em sua totalidade. E relevante, no entanto, mostrar alguns pontos 6bvios € do senso comum que viriam & cabeca da maioria das pessoas que considerassem o assunto. Uma fungo ébvia que tendemos a associar & literatura € a de expresso intelectual. Para alguns Isso parece Inclusive constituir a sua esséncia. A literatura transmite algumas verdades percebidas e expressas pelo poeta em ROSS. Formulate composition In Gaelic oral poetry, p. 7. * CHADWICK. The dlstrbution of oral Iterature in tie Old World, p. 89, 70 termos de compreenséo para sua audiéncla — nao necessariamente, uma descrico detalhada de um ponto de vista que possa ser compreendide em termos simples, mas como forma de expresso que pode ser reconhecida como tendo sua prépria verdade interior. Como disse Arist6teles, no que se refere aos termos que ainda influenciam nossas atitudes em relagéo a literatura hoje, ela é uma representagdo da realidade e expressa o que é em sua” totalidade. —— Isso pode, certamente, nfo ser tudo o que demandamos da literatura - mas é uma expectativa comum que temos dela. Se é assim, é facil ver como qualquer afirmagao de que povos nfo-letrados nao possuem literatura, no sentido que estabelecemos, nos leva a uma visdo de que o pensamento desses povos é restrito. Ligada a Isso esta a velha imagem do “primitivo” como um ser emocional, préximo da natureza, incapaz de se distanciar e ver as coisas de forma intelectual. E, realmente, se néo hd nenhum meio letrado pelo qual possam expressar e comunicar suas idéias sobre a natureza do mundo e dos seres humanos, isso afeta profundamente seu modo de pensar. Na verdade, um exame do que tem sido chamado de literatura oral de grupos néo-letrados mostra que essa afirmagdo est longe de ser justificada. Quando alguém lé — ou melhor, ouve - alguma das formas literérias orais em certos contextos, no se pode deixar de admitir que_a_ expressdo_das_Idélas_e_do_entendimento_n&o_depende, necessariamente, da-escrita, Os épicos de Homero - tomando um exemplo bem conhecido - serlam aceltos por todos (incluindo Aristételes) como esclarecedores de nossos conhecimentos sobre 0 homem e sobre o universo por meio literario; e ja é largamente aceito que esses poemas foram compostos oraimente, e néo originalmente na forma escrita!’. Ou tomemos como exemplo o problema da Ct. KIRK. The language and background of Homer. mn composi¢go poética transmitida pela imagem de uma pescarla em um curto poema esquimé: Eu me pergunto por que Minha futura cangéo que eu gostaria de usar, Minha futura can¢So que eu gostaria de compor, Eu me pergunto por que ela no veri? Fol em Sioraq, num buraco, no gelo onde eu pescava, Eu podia sentir aquela pequena truta na linha, E entiio ela se fol, Eu fiquel em pé, balancando. Mas por que é tio dificil? eu me pergunto!t Ou ainda um poeta ewe, da costa ocidental da Africa, fala de um homem que perdeu os parentes para a morte. Mas, enquanto lamenta o destino, ele também expressa sua coragem e seu comentario a respeito da condico humana. 0 Giltimo remanescente, o ultimo a Ir embora: Ume divisa de frontelra’e eu me levanto. ‘Se eu fosse um posto de divisa No limite de uma fazenda, Eu me ergueria Para o lado e me libertaria. ‘© que no pode ser amaidicoado tem que ser suportado, Algumas pessoas se prendem tolamente 8 doengas que no podem prevenir. Voct que debocha da perda de um meu parente, Conhece a vontade do Destino?! Ha outro problema em considerar a literatura oral como uma forma de expresséo intelectual que envolve a questo do “ mento” artistico. Um aspecto da expressio literdria é, com certeza, 0 sentido de afastamento que ela, de alguma forma, implica, de maneira que, até mesmo quando o poeta e seu piiblico estéo emocionalmente envolvidos, existe também um sentimento de distanciamento, como se fosse a universalizagéo de um tépico ou problema especifico, a transmissdo. de um tipo de comentério afastado. Pode-se dizer que esse Upo de afastamento e perspectiva podem nao ser prontamente atingidos na literatura oral quando o poeta é 1 RASMUSSEN. The netsiNk Esimos, p. 517. " ADALL-MORTTY citado por BEIER. Introduction to African Wterature, 72 a meramente um membro de sua prépria audiéncia: por exemplo, quando um contador de historias africano apresenta sua narrativa para um grupo com o qual §é passou o dia e constituido predominantemente de seus préprios vizinhos e parentes. Pode ocorrer de o autor néo mascarar essa intimidade, n&o colocar a palavra escrita entre 0 poeta e 0 piiblico. Hé4, no entanto, varias maneiras pelas quais 0 mesmo tipo de distanciamento através da pagina escrita pode ser alcangado em contextos nao-letrados. Em primeiro lugar, a situagéo de um contador de histéria de uma vila no é a nica, nem mesmo o tipo mais comum de literatura oral. H4 varias situagdes, tanto em grupos totalmente ndo-letrados quanto em semi-letrados, em que se encontra poetas e contadores_pmfisglonais. Muitos vagu a outro, atuando para piblicos diversos, como, por exemplo, os modemos trovadores mouros’’, os cantores de louvor dos haussa do Norte da Nigéria'*, os menestréis profissionais e os contadores de sagas entre os tartaros das estepes longinquas da Asia’®, ou os primelros poetas Irlandeses'®, Outros ainda se destacam defendendo posi¢ées particulares ou reconhecidas habilidades poéticas que os levam para longe de suas platéias. HA os bardos oficiais dos reis zulus’”, os Poetas pastores tohunga da Polinésia’® ou a elite intelectual altamente treinada de Ruanda’®. Mesmo na auséncia de tais especialistas, podem existir instrumentos que aumentem o efelto de distanciamento das formas literdrias. Tem-se chamado a atencfo para a forma como vérias histérias africanas preferem manter seus personagens sob a forma de animais a falar diretamente sobre, por exemplo, 0S pequenos 8 Ct, NORRIS. Shing folk Mterature aad song, p. 51-65. 4 SHITH. The soctal functions and meaning of Hausa pralse-cinging, p. 38-39. 8 CHADWICK. The growth of literature, v. 3, p. 174. KNOTT. Irish classical poetry, INNEGAN, Earty Irish kingship, . 184, COPE. Ielbongo, p. 27; FINNEGAN. Oral literature in Afitca, p. 83-84. 4 CHADWICK. The growth of eerature, v. 3, p. 443. KAGAME, La podsle dynastique au Rwanda, p. 21. 73 wa OAS ees ELST OT e ae os gt” defeitos e virtudes das pessoas comuns. Isso tem claramente 0 efeito de deslocar a narrativa da realidade pela escolha de > Seu prépho cenério. Como disse Evans-Pritchard quando escrevél Sobre as histérias de aranha dos azande sudaneses, yas formas animais poderiam ser comparadas as mascaras no drama _grego ou medieval””°, Outra idéia similar pode ser” estabelecida sobre o elemento da fantasia que sempre entra nas histérias ou os ornamentos musicals que as vezes as acompanham, Ou ainda, a @nfase_na_autoridade - “Nés aprendemos Isso por meio de nossos ancestrais” — pode ser tomada no tanto como uma atribuigSo literal de origem, mas como outra maneira de elevar_a_composig&o acima de um nivel comum de comunicagéo. Nao foram apenas os antigos gregos que usaram mascaras para encenar suas pecas diante de platéias predominantemente néo-letradas: 0 mesmo costume de mascarar os atores e, assim, adicionar uma dimensio de distancia entre eles e o piiblico ocorre também nas performances draméticas de grande némero de povos néo-letrados. Nas fantasias de espirito-das-aguas dos pescadores kalabari do Sudeste da Nigéria, por exemplo, as méascaras servem para disfarcar os atores e, com as associages religiosas das pecas, ajudam a gerar o » “distanclamento psiquico”™, BT on narrate PAYS Nesses casos, é verdade, a audiéncia ainda esté cara a cara com o ator. Mas é facil esquecer que, sé em um periodo relativamente curto da histéria, a disseminacao por meio da palavra escrita tem sido o veiculo aceito para a comunicac&o literdria. Tanto no mundo cléssico quanto no medieval, a oralidade (até mesmo de formas previamente escritas) era 0 meio aceito ~ e isso no nos leva a admitir que a arte verbal transmitida por esse melo era, conseqdentemente, carente do distanciamento artistico da “literatura”, Tampouco hd 2} EVANS-PRITOHAERD. The Zande trickster, p. 25-26. 2X HORTON. The kalabart Ekine soctety, espectaimente p. 103. Esse artigo sugertu vérios os pontos discutides aqul 74 alguma razo para pressupor que Isso seja conseqléncia necessdria da transmiss&o oral em sociedades totalmente néo-letradas. Em todos esses casos a natureza especial do go distinto da comunicagéo comum fica a pela WEN Ecidas—~ e . A propria expressao de um se ito em forma literéria mesma implica um tipo dé_afastai Tome-se, por exemplo, aéfnica.cancio de danga dos tikopian das ilhas do Pacifico Ocidental, um comentdrio sobre o fariseismo religioso dos convertidos. O poeta se afasta da situacio imediata para comentar ironicamente: Minha casa é md, Eu moro na escuriddo; Minha mente é escura Por que no abandono isso? E bom que eu morra Morra com @ mente Daqueles que moram na escurido. Prdticas estupidas 4s quals tenho me prendido, Deixe-as soltas e acabam caindo.”* E claro que para algo ser aceito como literatura em certo lugar (e a apreciaco loca & que é relevante aqui) nio é preciso apolar-se apenas na convengao especifica da pagina impressa. Se fosse assim, pensariamos na literatura enquanto condig&o para o florescimento de um pensar intelectual e discernente, e seria dificil ver qualquer grande divisio entre as sociedades que usam e as que no usam a escrita para a expresso literéria. No uso da literatura como melo de expressAo das idéias, nado ha nada radicalmente “diferente” nas sociedades nio-letradas - assim como nao ha nada magico na escrita. Nesse aspecto, a escrita é como os meios » FIRTH. We the Tikopia,p. 44, 75 orais na medida em que ambos podem ser utilizados de varias maneiras ~ para o literério e para o n&o-literdrio, para lluminar e para obscurecer. Assim, quando lidamos com sociedades letradas, semi-letradas ou totalmente iletradas, sempre hé a oportunidade de suas literaturas moldarem e refletirem a cultura que as formam e as seguem. As conseqiéncias da questo comumente levantada sobre a existéncia de uma diferenca bésica, nos modos de pensar, entre 0 ocidental e o néo-ocidental (ou entre culturas Industrializadas e nfo-industrializadas) s&o claramente significativas. As sociedades n&o-letradas, longe de serem radicalmente diferentes por no possufrem qualquer meio de Pensamento comparével & nossa literatura, muito pelo contrério, no parecem mesmo possuir diferencas essenciais com relacao a nés a esse respeito. & fato que sua literatura pode, as vezes, ser menos especializada, menos fixada a invariabilidade verbal da palavra escrita, mals presa a ocasi6es especificas. Mas essas so questdes de grau e n&o afetam necessariamente as funcies da_literatura_como expressio _do-nensamento, Os individuos, tanto em sociedades letradas quanto em néo-letradas, crescem Imersos em uma atmosfera na qual formas literdrias existem para moldar os pensamentos, agugar. e prover unr fnela_palo qual-sé_possa transmitic as idélas-e a filosofia. Em alguns casos, hé espaco para a formacso espedializada na composigio e na divulgacéo da literatura oral - a “escola de aprendizagem” dos maori®, por exemplo, © treinamento em poesia em Ruanda™, o treinamento profissional e 0 exame piiblico dos cantores épicos do Uzbequistéo”5, as escolas druidas dos gauleses de César%® 0u, posteriormente, as escolas bardas na Irlanda’”, Mas, 2 BEST. The maor! schoo of learning; CHADWICK. K. The growth of erature, ¥. 3, p. 459. 2% KAGAME. La podsie dynastique au Rwanda, p. 24. 2 CHADWICK & ZHIRMUNSKY. Oral epkes of central Asia, p. 330. % CESAR. De belo galied 6, 14, ® KNOTT. Irish classical poetry, p. 43; OILLOW. Early Irish merature, p. 73, 149; CL BOWRA. Primitive song, p. 427. 76 mesmo individuos em sociedades sem quaisquer instituicdes formals no deixam de ter uma oportunidade de obter educagfo literdria em sentido mais amplo. As criangas akan, na regio da floresta ocidental africana, crescem ouvindo poesia falada, cantada ¢ entoada, assim como a poesia verbal especial para cornetas e tambores e um imagindrio recorrente de provérbios™* enquanto, um pouco mais para o este, os lorubé so expostos, desde o nascimento, a uma “linguagem tonal saturada de metéforas que, em sua forma mais comum de prosa, no esté longe de ser musica pela impress&o auditiva que dé, tem produzido grande variedade de arte falada caracteristicas desses povos””*. Na Iugoslavia, os futuros cantores absorvem, desde criancas, a complexa arte oral das cangées épicas: “a canc&o narrativa é um fato que as acompanha desde o nascimento: sua técnica é da posse dos mais velhos ¢ elas se tornam herdeiras dela”. E, mesmo recentemente, em partes do ceste da Irlanda, onde se fala gaélico, existe a forca oral intelectual dos famosos “circulos literérios em torno da foguelra", que tém oferecido deleite intelectual para os que nao tém acesso a literatura escrita™ Nao é mais possivel, portanto, aceitar a velha imagem do“ "_(ou_do_nfg-letrado) como ee alienado, incapaz de contemplar 0 mundo com afastamento| intelectual, uma imagem transmitida a nés (talvez inconsclentemente) por melo de nossas associacdes desses atributos & falta de letramento e, por conseguinte, imaginamos, de literatura. Em alguns aspectos pode-se até alegar que os individuos, em varias sociedades néo-letradas, tendem a estabelecer até mais conhecimento com a literatura enquanto crescem do que os das socledades ocidentais 2 NKETIA, Akan poetry. % BABALOLA. The content and form of yoruba Yai, pV. % LORD. The singer of tales, p. 32. > DELARGY. The Gaelic story-taller, p. 192. 7 modernas. Como Phillpotts argumenta num livro sobre a literatura Istandesa, E to dbvio que a Impressio torna o conhecimento acessivel para todos, que estamos Inlinados esquecer que aia também tarke 6 conhecimento muito facil de evitar... Um pastor numa casa islandesa, por outro lado, no poderta deixar de passer suas tardes ouvindo © te de Merature que iteressava 20 aricutor. O resultado & um rau cultura realment ture realmente nacional como nenfuma outra nagSo de hoe fol De maneira parecida, habitantes de uma vila africana ou habitantes de uma remota ilha no Pacifico - ou membros das cortes medievais no mesmo sentido - no podem escapar da experiéncia de ouvir letras de misica, ou histérias, ou sagas durante toda a vida. O impacto dessa literatura, admita-se, influenciaré sua perspectiva futura sobre a vida e sua percepg&o do universo social, natural e humano ao seu redor. 2 A arte da literatura oral H& outro ponto importante que ainda pode nos fazer questionar a similaridade subjacente as literaturas oral e escrita: a percep¢do de outra faceta da literatura sobre a qual ainda nao se disse muito, 0 que poderia ser chamado de sua fungao de expresso - expresso estética em geral e, em particular, a vis8o individual e sua necessidade de criar. Se no pudermos provar que a “literatura oral” tem alguma relevancia nessa esfera - ainda que obscura - entéo devemos admitir que, para toda a sua contribuicio para as questées intelectuais, ela no passa de, em esséncia, apenas um meio limitado e insuficiente relativo ao que alguns consideram como o mais valioso aspecto da literatura. Ha varias nogSes bastante apreciadas sobre a natureza do ngo-letrado e das culturas “primitivas” que podem parecer sustentar essa visdo de sua “literatura”. Embora poucas ou % PHILLPOTTS. Edda and saga, p. 162-163, apud GOODY. a pons apud Uteracy and traditional 78 nenhuma dessas afirmagées possam ser aceitas pela maior parte do melo académico hoje - pelo menos na forma mals extrema ~ elas tendem a permanecer no fundo de nossas mentes. Para avaliar a significancia estética da arte, oral, torna-se necessério discuti-la diretamente. Primeiramente, ha a idéia de que a literatura oral, justamente por ser oral, é passada palavra por palavra através das geragSes. Hoje ha alguns casos em que - parece - Isso realmente acontece (apesar de acontecer mais provavelmente através dos anos do que das geracdes), mas, de modo geral, a caracteristica mais marcante da oralidade, em contraste com a literatura escrita, é sua variabilidade. HA muito pouco do conceito de exatidéo verbal tipico das culturas que dependem da palavra escrita, particularmente a impressa. Por sua natureza, a literatura oral é mutavel: ndo pode ser checada de acordo com uma referéncia escrita padréo, e 0 artista/compositor esté consciente da necessidade de falar mals, de acordo com o que sua audiéncia demanda, do que esteja preocupado com um protétipo remoto. Essa faceta da literatura oral aparece, por exemplo, numa descricdo recente da arte de contar histérias feita no Quénia: Cada pessoa val contar a mesma histéria de forma diferente, {8 que ela tem que conté-la de forma pessoal e no fazer apenas uma ‘epetiglo mecinica do que fol ouvido ou narrado antes. Ela no se torma ‘apenas uma “repetidora’, mas também uma composttora “criativa” de cada histbria... A trama da histéria e a seqdénda de suas partes principals continuam as mesmas, mas 0 narrador tem que rover 0 rechelo para o esqueleto. Isso ele val fezer na escolha des polavras, na velocidade do recitar, nas imagens que usa, na variacSo de sua vor, nos gestos que faz com 0 rosto ¢ as mBos € na maneira como vai ‘cantar ou meramente recitar as partes poéticas... O nnarrador pBe sua personalidade nas histérias, conseqlentemente, faz ddelas sua propria criacéo unica > Depoimento similar pode ser encontrado na famosa discusséo feita por LorD (19684) sobre o processo de » MBCTI. Akamba stortes, 26-27. composig¢go dos poetas iugoslavos. Esses cantores criam longos e colorides épicos por composic&o e disseminacdo completamente orais. E verdade que as férmulas e seqiléncias podem ser tiradas de formas convencionais, mas cada poema, quando apresentado em ocasigo especifica, & Gnico - produto daquele cantor em particular. Passagens como a que segue s&o cheias de motes tradicionais e, 20 mesmo tempo, tém o tratamento Individual do poeta. © bel preparava-se eth sua torre branca, E cingia seu cinto e armas, E preparou seu garanho castanho de costado largo. Colocou nele suas armas e enfeites, Clamando a Alé ele montou seu animal, E diriglu-o pele planicie, ‘Como um coelho atravessou a planicie, ‘Como um labo percorreu as montanhas... E ento convocou os jovens: “Tragam-me mesa e papel pera escrever! Eu tenho que mandar cartas Para reunir os ornamentados convidados do casamento.” Desde o principio do mundo, 0 jovern sempre obedeceu 20 mais velho, ‘Trouxeram-Ihe mesa e papel para escrever. Veja 0 velho homem! Ele comegou a escrever cartas. Mandou a primeira a Mustajbey Para os generosos Lika e Ribnik, E entBo disse 20 bei... Tals passagens, e os poemas bem mais longos que as contém, nao s&o imutavels. Como diz Lord, Qualquer canco, em particular, fica diferente na boca de cada um de Seus cantores. Se considerarmos Isso em um Gnico cantor, através ‘dos anos nos quais ele a canta, veremos que cada apresentacSo fol diferente em diferentes estégios de sua carrelra... Os grandes temas @ a cango so semelhantes. Seu aspecto formal e seu conteddo especifico esto sempre mudando.** © mesmo tipo de descricéo é dado por Radlov sobre a composi¢&o entre os kara kirghiz das estepes asidticas. Aqui, mais uma vez, 0 menestre! Improvisa a cangao de acordo % LORD. The singer of tales, p. 59 € 86. % LORD. The singer of tales, p. 100, 80 com a inspiragéo do momento, E verdade que ele se basela em motivos j4 bem testados (ou “elementos formativos"), mas imprime sua personalidade neles e nunca recita uma cangdo exatamente da mesma forma. © procedimento que © menestre! improvisador utiliza ¢ exatamente o mesmo do pianista. Assim como o timo junta em uma forma harmoniosa diferentes seqdéncias répidas conhecidas por ele, transig6es € motivos escolhides de acordo com a inspiracéo do momento, @ assim inventa 0 novo com o antigo que Ihe ¢ familiar, da mesma forma trabalha o menestrel com os poemas épicos... O menestrel pode utilizar em seu cantar todos os elementos formativos... de muitas maneiras diferentes. Ele sabe como representar uma mesma Imagem com algumas poucas pinceladas. Pode descrever de forma mals completa, ou pode entrar em uma descrigdo bem detalhada com plenitude épica... A quantidade de elementos formativos e a habilidade de junté-los sfo a medida do talento do menestrel.”* Na literatura oral n&o hd, portanto, necessariamente qualquer requisito de que o poeta reproduza literal e perfeltamente versées “tradiclonais”. Em culturas nao- letradas e semi-letradas encontramos a mesma mistura, comum na literatura escrita, entre o que é convencional (ou “tradicional”) e a inspirago pessoal de cada poeta. E facil sair desta para a idéia oposta, segundo a qual se a literatura oral n&o é passada para frente palavra por palavra, entéo é aleatéria, esponténea, talvez curta e crua, &, certamente, sem um fazer artistico estudado. e deliberado ~ “mera improvisagéo". Se for assim, essa arte verbal é presumivelmente muito diferente do que consideramos literatura, Na verdade, multos pesquisadores da literatura oral tém comentado sobre o uso de técnicas e estilos complexos, & facil _menclonar os conhecidos casos dos hexdmetros e dos epitetos homéricos, ou as formas e formulas da poesia anglo-saxénica e da primeira poesia Inglesa - todos, aparentemente, desenvolvidos oralmente. Ha inumeréveis exemplos menos conhecidos: os complicados > RADLOV. Proben der Volksiteratur der tOrkischen Stausme und der dsungartschen, ¥. 5, pe XVI. apud CHADWICK & ZHIRMUNSKY. Oral eples of central Asia, p. 222-223. padrées ritmicos que, junto com elaboradas técnicas tonais, d&o forma & poesia iorubé ndo-metrificada na Africa ocidental”, os longos poemas de exaltac&o dos zulu, com uso estudado de paralelismos e aliteracdes e rico estilo figurado”®, as sutis exigéncias tonals dos poetas efik?? ou a arte culdadosa dos longos épicos orais do século XX na lugoslavia®®. Ainda hd as convencdes formais precisas da poesia somall, em que a aliteragéo € 0 recurso mals Impressionante - a regra de que, em cada hemistiquio do Poema, pelo menos uma palavra tenha que comesar com determinada consoante ou vogal. As regras de aliteracBo so muito rigidas no sentido de que apenas as consoantes iniciais idénticas s80 consideradas como aliteragées... € substituigSes por sons similares no s8o admissivels. Todas as vogals iniciais contam como aliterativas entre si e novamente este principio é muito estritamente obiservado. ‘A mesma aliteracSo € mantida em todo o poema. Se, por exemplo, 0 som aliterativo de um poema uma consoante g, em todos os hemistiquios haveré uma palavra comecada com g.’Um poema de com linhas (duzentos hemistiquios) conteré duzentas’ palavras comegande com g... Enquanto (alguns) poetas acham as restrigSes da alterac5o um obstéculo Intransponivel, homens com verdadeiro talento encantam suas platéias com seu poder de express8o, Inabalévels pela rigidez da > ferns Também do outro lado do mundo, nas thas ocidentais do Pacifico, encontramos, nos poemas dos habitantes da Ilha Gilbert, “claras pedras preciosas de dicclo, polidas e Fepolidas com culdado carinhoso, de acordo com os cénones de uma técnica t&o precisa quanto bonita’. Essa é uma técnica consciente, empregada pelos poetas que, sinceramente convencidos de sua beleza, usaram todo e qualquer artificio de equilforio, forma e ritmo para expressé-la & altura. O poeta a Iiha nos delicia tao sutimente como os nossos com a preciosidade % Ver BABALOLA. The content and form of yoruba Yjaia, especialmente as p. 344-391, COPE. Lnibongo, p. 38; FINNEGAN. Oral iterature In Africa, cap. 5. 2 SIMMONS. Tonal thyme in efk poetry. “LORD. The singer of tales. ‘SS ANDRZEJEWSKI 8 LEWIS. Somall poetry, p. 42-43. “* GRIMBLE. Return to the itands, p. 200. 82 das palavras, trabalhando t&o pacientemente quanto eles em busca de epitetos perfeitos. Portanto, nfo é apenas na literatura escrita que encontramos certo interesse pela forma e pelo estilo como aspecto da expressao literdria, O fato de a literatura ofal ndo ser escrita ipso facto nfo livra o poeta de aderir aos cénones localmente aceltos para a forma estética (que pode ser muito complexa), nem o impede de deleitar-se na elaboragéo da beleza em palavras e da musica como um valor em st mesmo. Também ha pouco a ser dito sobre a idéia de que a literatura ndo-escrita algo criado mais “coletivamente” do que “individualmente”. Essa noc&o associada a certa época do movimento romntico, e os poucos que sabem alguma coisa sobre literatura oral em primeira mao no aceltariam tal afirmago nessa forma extrema. Hd, é claro, fundo de verdade nessa idéia. Enquanto todo poeta é influenciado, até certo ponto, pelas expectativas de sua audiéncia, o compositor oral vive essa experiéncia mais diretamente. Cada obra de literatura oral é realizada em sua performance e - ponto relevante aqui - diante de uma audiéncia em particular. Cada obra é diretamente influenciada e, portanto, moldada pela audigncia, tanto quanto pelo compositor. Os ouvintes podem até tomar parte direta na performance e, em geral, dar uma contribuicgo mais ébvia do que na literatura escrita. Mas, mais uma vez, isso é questo de grau. © piiblico para o qual qualquer obra é dirigida sempre exerce alguma Influéncia sobre ela e nunca é verdadeiro pensar em poetas como ithas isoladas, no sendo afetados pela sociedade na qual vivem. Ha grande quantidade de evidéncias que demonstram 0 quo importante o compositor individual pode ser, tanto nas sociedades n&o-letradas quanto nas letradas. Em ambos os casos ele é, até certo ponto, condicionado pelos ‘padrées “© GRIMBLE, Return to the islands, p. 200, 83 convencionados, mas isso pode naturalmente dar a seu génio liberdade, assim como limites. Com respeito & comunicacao real de suas palavras, 0 performista oral tem até mais oportunidades de expresso individual do que aqueles que tém que comprometer sua imaginag&o nas paginas escritas. Esse performista pode ampliar e salientar 0 que diz de acordo com seu modo de emissio, embelezando as palavras com musica, movimento e até, ocasionalmente, danca, fazendo ‘aparecer a Intenc&io do humor, ou o pathos, ou a ironla, por meio de sua expresso ou seu tom. Entre varias descricies da arte do performista oral individual e sua contribuigéo para a efetividade da composicao em si, pode-se citar o relato de © Murch sobre a audiéncia de um contador de historias irlandés: ‘Seus olhos penetrantes est3o em meu rosto, seus membros esto balancando, enquanto, imerso na histéria e esquecido de tudo 0 mais, ‘ele pe sua alma na narrative. Obviamente mais afetado ‘Por sua narrativa, ele usa grande quantidede de gestos e, pelos movimentos de Seu corpo, mBos, € cabeca, tenta transmitir édio e raiva, medo e humor, como um ator em cena.“ Na escolha das palavras e também do assunto, o poeta oral individual tem vérias oportunidades. Em qualquer comunidade, é claro, alguém pode encontrar praticantes meramente derivativos, assim como criativos. Mas no hé razo para supor que s6 os primeiros aparegam em culturas que no se utilizam da escrita como veiculo de pensamento. Entre os camponeses limba da savana da Africa Ocidental, por exemplo, tive a oportunidade de comparar um contador de histérias talentoso a outro meramente adequado trabalhando sobre o mesmo enredo basico. O segundo nos deu uma narrativa competente, divertida e perfeitamente satisfatéria. Mas, com o primeiro, acabamos ganhando uma Nova perspectiva sobre a natureza dos seres humanos: nos divertimos com sua Ironia afetiva sobre a arrogéncia de um “* DELARGY. The gaelic storyteller, p. 190. 84 Jovem chefe viril, os comentarios engragados sobre os esforgos sutis de uma jovem para atrair a atencéo dos rapazes, e nos deleltamos com a beleza das palavras e da musica. Sua personalidade e sua percep¢&o peculiar do mundo, assim como suas potencialidades artisticas, eram marcantes demais para serem esquecidas. Podemos ler descricio similar dos indios americanos contadores de histérias. Que existem grandes variagbes na maneira [...] de contar uma Histéria todos sabemos, mas um nlmero relativamente pequeno de pesquisadores teve o trabalho de se perguntar qual a verdadeira Implicag&o dessas variacbes [...]. Com este objetivo em vista, obtive, de trés individuos diferentes, trés diferentes verses do mesmo mito. Dols deles eram irmSos € aprenderam o mito com o pai. As diferencas entre as versdes eram marcantes, mas o sentido das diferencas estava no fato de que poderiam ser explicadas em termos do temperamento, da habilidade Iiteréria e dos interesses de cada contador de histérias.** Qu tomemos 0 termo dos esquimés do Alasca para concentracéo poética, garrtsihuni, literalmente “esperando que algo apareca”. Isso nfo é criagao coletiva espontanea, mas a concentrag&o deliberada e pessoal na composicéo pottica. Os poetas devem esperar na calma e na escuridao profundas enquanto, como diz um esquimé, “aventurem-se a pensar apenas belos pensamentos. Entéo os pensamentos tomam forma nas mentes dos homens e sobem a superficie como bolhas vindas das profundezas do mar, bolhas que buscam 0 ar e estouram na luz!* Ha ainda os poetas da Ilha de Gilbert, do sul do Pacifico, que tém as composicées poéticas descritas tSo vivamente por Grimble. 56 quando 0 poeta sente a faisca divina da inspirac8o mais uma vez agitando-se dentro de si que ele deriva do curso ordindrio da vida da vila... Retira-se para: algum canto solitério, onde permanece para -evitar qualquer contato com homens ou mulheres... Essa é sua “casa da cango”, onde val sentar-se sentindo as dores do parto do poema ‘que alnda nfo nasceu. Todas as noltes seguintes ele se agacha ali, ‘ERADIN. Primitive men as philosopher, p. 53-54. Tlleos meus. “* FREUCHEN. Book of the eskimos, p. 281. righdamente reto, olhando para o leste, enquanto a cengSo se agite dentro dele. Na manh3 seguinte ele apresenta o ritual prescrito para um poeta, ent8o val para a vila em busca de cinco amigos com os quais volta par sue “case da cangfo". Juntos eles trabaham om seu “primetro rascunho". E tarefa de seus amigos interromper, criticar, interferir com sugest6es, aplaudir ou abafé-lo com gritos, de acordo com suas preferéncias... Eles vo permanecer sem alimento ou bebida, embabxo Ge sol Implacével, até que a noite cala, procurando pela palavra certa, pelo equllibrio, pela musica que val converter aquilo em trabalho de arte acabado. Quando toda a sagacidade e sabedoria deles estiver despejada sobre ele, partem. Ele permanece sozinho novamente ~ provaveimente por varios dias - para refletir sobre os conselhos ¢ aceitar, rejeitar, acomodar ou melhorar, como seu génio citar. A responsabilidade pela composicso completa seré inteiramente sua. E claramente dificil apreciar a arte de culturas estrangeiras, mas, mesmo assim, é dificil negar a inspiracéo individual de uma lirica criada por um desses poetas da ilha de Gilbert, como: Mesmo em algo pequeno (uma fotha, uma méo de crianca, um cintilar de estrela) encontrarei uma cangSo que deva ser cantada ‘Se meus olhos esto bem abertos e no dormem. ‘Mesmo em algo risivel (Oh, escutel As criangas esto rindo!) Hd 0 que enche o coragio até transborder, faz com que sonhos sejam desejosos. Pequena é a vida de um homem (Nem triste demais, nem fellz demals): Encontrare! minhas cangées na pequena vida de um homem. Vejam-nas algando veo! Bem embalxo na terra acabaram de nascer as fragatas, ‘Ainda assim elas alcam véo tBo alto quanto 0 sol O mesmo se aplica a muitos poemas de amor que tém sido amplamente registrados por povos nfo-letrados (e Portanto supostamente dominados pela “coletividade”), como ‘05 maori: GRIMBLE. Retum to the islands, p. 204-205; pere outros exemplos de composicS0 (poética delberads, ver FINNEGAN. Oral iterature in Africa, p. 268 e sequintes. ‘GRIMBLE. Return to the islonds, p, 207-208. © amor no atormenta para sempre Ele chegou em mim como 0 ogo. Que devasta as vezes o Hukanui. Se esse ser amado estd perto de mim, No suponha, oh Kiri, que meu sono é doce. Eu fico acordado nesta longa noite, Z Para que o amor me ataque em segredo. Ele nunca seria confessado a no ser que fosse ouvido por todos. A Ginlca evidéncia seré vista em minhas faces. A planicle que se estende até a Tauwhare: ( caminho que trilhel, eu talvez entre Na casa de Rawhirawhi, No fique com raiva de mim, oh senhora; eu sou apenas um estranho. Para voc, aqui esté 0 corpo de seu marido, Para mim, aqul permanece apenas a sombra do desejo.” ‘ou os tewa, da América do Norte: Meu pequeno suspiro, embsixo do chorgo, na beira da agua ‘onde nés costumavamos nos sentar E 16 um passaro amarelo velo e cantou. isso eu me lembro e portanto lacrimejo. Embalxo do milho que crescia costumévamos nos sentar, E entdo 0 passaro velo e centou. Disso eu me lembro e portanto choro. Lé entre 0 campo de flores amarelas nés costumavamos caminhar ‘Oh, meu pequeno suspiro! Oh, meu coragéot LA entre os campos de flores azuls nds costumévamos ‘caminhar. ‘Al de mim! Hé quanto tempo nés dois caminhévamos por aquele agradavel caminho, Entdo tudo era felicidade, mas, al de mim! Hé quanto tempo. Lé entre os campos de flores vermelhas. nés costumévamos ‘caminhar. Oh, meu pequeno suspiro, agora vou para Ié sozinho, em sofrimento.* E claro que frequentemente hd pouco interesse na personalidade individual do autor entre povos no-letrados e semi-letrados, particularmente 0 tipo de Interesse roméntico € Intenso caracteristico de certo periodo da literatura ou do capitalismo ocidentals. Muitas vezes, tampouco ha a Idéla de ‘ RADIN. Primitive men as philosopher, p. 118-119. % SPINDEN. Songs of the tewa, p.73- 87 direitos autorais: em sociedades sem a tradicéo da versio impressa e fixa, a propriedade literéria no é mesmo multo relevante. Mas negar 0 efeito da inspiraco Individual e da criatividade na literatura oral por essa razéo é ignorar evidéncias empiricas, Dos primeiros cantores de baladas Inglesas* ou recentes poetas épicos iugoslavos™, até os modernos narradores americanos** ou dotados contadores de mitos entre os winnebago™, travamos conhecimento com a habilidade e a inspirac&o do artista enquanto individuo. E quanto as “funcdes” dessa literatura? Supde-se muitas vezes que a literatura oral, por estar enraizada nas “socledades primitivas", tem, de alguma forma, que ter objetivos essencialmente diferentes dos das sociedades letradas. A maioria desses objetivos é considerada como sendo de ordem prdtica, Serd que a literatura possui funcao magica ou religiosa, ou estd de alguma maneira ligada a fertilidade, ou satisfaz alguma necessidade psicolégica profunda em termos miticos? Entre outros autores tem sido modismo apresentar essa fungio da poesia como sendo especificamente “social”: talvez com propésito social consciente, como a educagSo ou a moralizacio, talvez com fungo inconsciente, tal como a da manutencao da estrutura social. Esse tipo de pragmatismo é multas vezes contrastado com a idéia de “arte pela arte" que supostamente caracterizaria culturas “civilizadas”. Mas, muitas vezes, o que se oferece é uma imagem exageradamente simplificada e generalizada - como se até mesmo as conquistas literérias de uma Unica sociedade em um dnico periodo da histéria pudessem ser reduzidas a um sé objetivo ou a uma sé fungéo. ® POUND. Poetic origins and the ballad, especialmente © cap. 1; ENTWHISTLE. Europeen balladcy, cap. 6; LEACH. The ballad book, especialmente p. 29. 5 LORD. The singer of tales. 3 DORSON. Oral styles of american folk narrators. ‘ RADIN. Primkive man as philosopher, p. 122. E verdade que hd algumas oportunidades especiais que est&o abertas para o compositor oral. A literatura oral pode, em principio, ser empregada em quase todas as circunstancias em que haja um piiblico e 0 poder prétjco dos poetas orais para elogiar ou satirizar e, portanto, para ter lucro, é constantemente mencionado. Do mesmo modo, certos tipos de literatura oral - alguns tipos de cangées, por exemplo, e formulagdes proverbiais - podem dar conta de qualquer situag&o. Entre os maori, por exemplo, poemas cantados séo usados com varios propésitos. ‘Se uma mulher fol acusada de indoléncia ou alguma outra faiha por ‘seu marido, ela poderia, em vérios casos, retaliar ou confortar sua mente compondo e cantando uma cang8o relativa ao assunto. No caso de ume pessoa ser insultada ou diminulda de qualquer forma, poderia agir de maneira similar. CangBes foram compostas com 0 propésito de der boas vindas a visitantes, ou transmitr Informacko, u pedir ajuda na guerra e muitos outros propésitos de natureza nBo- usual do nosso ponto de vista. Cantar faz parte, em grande medida, da vida social e cerimonial das pessoas. Quando os maori fazem um discurso, logo acabem fazendo uma can¢So.** Tals usos nfo esto abertos da mesma maneira ao criador de formas de express&o escrita. Por outro lado, um escritor tem outras oportunidades que pode explorar se quiser, seja para fazer propaganda politica, moralizar, satirizar ou o que for. Além de algumas afirmagdes que j4 estiveram em voga, néo ha nenhuma razdo verdadeira para supor que haja necessariamente e universalmente um objetivo mais pratico na literatura oral do que na escrita. Certamente as convengées artisticas variam de lugar para lugar e de época para época: é dificil avaliar as que pertencem aos outros e, portanto, é tentador explicd-las em termos tao simples. Mas em todas as sociedades a literatura tende a ter muitos objetivos diferentes de acordo com o contexto - dar prazer, fazer propaganda, moralizar, chocar, Persuadir, levar @ introspeccSo, elogiar, informar - e néo Podemos tomar tal atalho para afirmar que essas diferencas ® BEST. The maor school of learning, p. 147. 89 coincidem exatamente com as diferencas entre letrado e néo- letrado. Até onde vai a apreciac&o da expressividade estética pessoal parece no haver muita diferenca entre as literaturas de culturas letradas e de culturas orals. Portanto, quando consideramos quais sf0 o que supomos ser as caracteristicas basicas da literatura (por mals que sejam discutiveis quando entramos em detalhes), é dificil manter qualquer disting&o clara e radical entre as culturas que empregam a palavra escrita e as que ndo a empregam. Tais diferencas nfo correspondem de forma ordenada & divisdo feita pela presenga ou auséncia de escrita e, em ambos os conceitos, parece absolutamente justificavel falar de literatura, Quando refletimos sobre a profundidade de nossas expectativas sobre.a capacidade da literatura de dar cor a nossos modos de pensar, percebemos que, no fim das contas, o fato de a literatura existir em sociedades ndo- letradas também deve afetar muito nossa avaliagéo daqueles modos de pensar. N&o podemos continuar com a velha imagem das culturas n&o-letradas como desprovidas de interrogaco intelectual deliberada ou de viséo estética, submersas, como se assim fosse, num atolelro coletivo imével. Ao usar a literatura para transmitir e formar sua consciéncia artistica e intelectual, elas n&o sdo, em esséncia, diferentes daquelas que vivem em contextos em que a escrita prevalece. Algumas diferencas entre literaturas orais e escritas H& numerosas diferencas entre literaturas em contextos letrados e ndo-letrados e é interessante consideré-las. Isso porque, por mais que elas sejam semelhantes em seus fundamentos, tanto em comunidades letradas como em néo- letradas, a literatura tem mesmo caracteristicas especials de uma literatura oral, Seré que essas qualidades especials também ajudam a clarear nossa questo mais geral? 90 Um fator importante e uma diferenca crucial entre a literatura oral e a escrita esté nas suas formas de disseminaggo. Em comunidades letradas isso ocorre primariamente através da palavra escrita, enquanto em comunidades nao-letradas ou semi-letradas a disseminacSo se da oralmente para que haja comunicacéo enquanto literatura. Isso significa que, em contexto oral, a literatura é compreendida como performance tanto quanto como seqiiéncia de palavras. A verdadeira encenagio da peca literéria & necessariamente parte vital de seu impacto e isso pode ser explorado de varias maneiras pelo poeta oral. Sua audiéncia, portanto, o vé tanto quanto ouve, e o compositor/performista habilidoso tira vantagens disso. A caracterizac3o, por exemplo, nfo precisa ser expressa diretamente por palavras, quando pode também ser to clara e sutilmente transmitida por meio dos gestos e expressées faciais do artista; conversagées também podem ser Introduzidas em abundéncia, uma técnica segura para que 0 performista transmita a personificagio e o drama ~ como se tivessem sido feltas para a literatura recitada, como as narrativas medievais ou histérias contemporaneas da Africa atual®®. De forma parecida, os estilos dessas obras podem estar relacionados &s suas formas de transmiss&o. A repeticao pode ser particularmente marcada e também 0 uso de uma variedade de expressées formulares e andamentos conhecidos, ou o destaque dado a alguns episédios dramaticos em particular ou as-descrigées detalhadas de uma maneira nao intelramente de acordo com a unidade quando lida, Na literatura medieval, "a técnica das cangées de gesta, romances de aventura e poemas liricos pressupunha... a audicao, e n&o a leitura piblica”*” - e o mesmo pode ser dito, % CHAYTOR. From script to print, p. 3, 12 € 55; FINNEGAN. Limba stories and story toliag, p. 52€83. S’CHAYTOR. From script to print, p. 13. 91 em geral, a respeito da literatura que se apresenta oralmente. £ essencial que tenhamos isso em mente quando tentamos Jer publicagées de literatura originalmente criada para a transmiss&o oral. Quando se perde o jogo dos ouvidos com os olhos e da platéla com o artista, que s&o parte essencial da literatura oral, fica dificil nfo achar que os textos soam palidos e desinteressantes. "A vivacidade esté perdida: © tom de voz, a cantoria e os gestos e mimicas que déo &nfase ao que esté sendo dito séo as vezes a melhor parte do seu significado**. Da mesma forma, também perdemos quando seguimos 0 habito moderno de ler literatura cldssica grega ou romana silenclosamente, apenas com os olhos; também se esperava que elas fossem lidas em voz alta e era prética comum na Antigiidade publicar um trabalho por meio de recitacéo em piblico. A literatura medieval também era comumente cantada, acompanhada de um instrumento musical, e “chela de expresses que indicam a intencSo do autor de que seu trabalho deveria ser lido em voz alta, deveria ser ouvido". Essa énfase no impacto literério causado, mals do que pela escrita, pela palavra falada, impacto as vezes muito Intensificado pelo elemento visual, nao deverla soar tio estranha pare a cultura européla contemporénea. Com a difuséo do rédio e da televisio, estamos comecando a compreender um efeito do mesmo tipo. Para alguns, isso é algo a se lamentar. O fato é interpretado como ameaca as formas tradicionais de educacio, antes tao admiradas. Maheu destaca os perigos advindos dos novos meios de comunicagao de massa: ‘A nfo ser que tomemos culdedo, teremos uma forma de ‘comunica¢ao... baseada puramente em imagens, visual e som que val ‘se desenvoiver, paralela mas independentemente, ao lado do ensino baseado na escrita. Esse dualismo pSe em perigo & unidade espiritual S EVANS-PRITCHARD. The Zande trickster, p. 19. CROSBY. Oral delivery In the Middle ages, p. 98; CI. também p. 88-69. 92 da _civilizagéo devido as profundas diferencas pskcoligicas que ‘separam os dols processos de treinamento mental, ume das quals = @ {ue se basela em imagens ~ apela principalmente para 0 sentimento, {2 emogfo © a resposta reflexiva, enquanto a outra - baseada na escrita ~ é, ao contrétio, essencialmente um exercicio de pensamento critica. a Outros pensaréo que essas “profundas diferencas psicolégicas” so exageradas e que esse tipo de avaliacéo vem mais de uma bagagem cultural particular em dado perfodo do que de uma avaliagSo imparcial dos fatos; e pode parecer extrema a sugestio de que o uso da midia néo- escrita necessariamente leva ao “condicionamento contrario & educagao”*. Mas o ponto relevante aqui é que, se alguém aceita essa visio, isso de fato tende a enfraquecer os argumentos de quem defende que a divisio entre as culturas (e suas idéias) se dé entre a cultura ocidental moderna, de um lado, @ © resto do mundo, de outro. Porque se uma Influéncia maior da midia n&o-escrita envolve - como alguns sugerem - uma “revolugéo” na comunicacao e dai, talvez, no pensamento, entdo sao as nagées altamente industrializadas que esto se movendo mais rapidamente nessa direcdo - e, parece, na direc&o de algo que se toma por garantido em sociedades que jé fazem uso de melos sonoros na transmissdo da literatura. Mais uma vez, achamos que a vis8o simplista segundo a qual hé basicamente dois tipos diferentes de sociedades, caracterizadas por melos de comunicagéo radicalmente diferentes, simplesmente ndo est4 de acordo com os fatos. Ha diferencas e semelhancas entre sociedades ndo-letradas e sociedades influenciadas pela televiséo, assim como, claramente, néo hd ruptura brusca nem completa continuidade entre periodos recentes, em paises europeus caracterizados, respectivamente, pela Presenga ou auséncia de midia eletrénica. IESCO. Word congress of Ministers of Education on the eradication of Biterecy, p. 32. “ UNESCO. Word congress of Ministers of Education on the eradication of Mtereey, p. 33. 93 Outro fator a ser considerado. na atualizacio ¢ transmissao da literatura oral é 0 publico. Em contexto ndo- letrado, o publico é, na pratica, essencial - nfo hé forma escrita pela qual se possa expressar alguma coisa de outra maneira que no seja diante daqueles a quem ela se dirige. Isso contrasta com a literatura escrita: mesmo quando o publico, em ditima insténcia, esta nitido na mente do escritor, sua tarefa principal é compor no papel, e nao levar a literatura diretamente ,20 piblico. Isso é também muito diferente dos meios de comunicagao de massa, a televisdo e © radio. Nesse caso, um piiblico esté, certamente, Implicito; mas nao ha audiéncia face a face, e no ha contato direto com o poeta. No contexto oral mais direto das culturas nao- letradas, no entanto, a reacSo do piiblico é parte integrante e continua do trabalho artistico, que contribui néo apenas para © modo de apresentacdo, mas também para as palavras escolhidas de fato, por suas reagées e adicdes, até por sua passividade ou as vezes tédio evidente. Radlov dé uma descricgo vivida desse papel da audiéncia no testemunho sobre poetas de Kara Kirghiz, na Asia do século XIX: Uma vez que o menestrel queira obter a simpatia da multidSo através dda qual nBo val ganhar apenas fama, mas também outras vantagens, ele tenta colorir suas cangSes de acordo com os ouvintes que esto 3 ‘sua volta... Por meio de uma arte das mais sutis e de alus6es as pessoas mals distintas no circulo dos ouvintes, ele sabe como conquistar a simpatia da platéia... A simpatia dos ouvintes sempre Impulsiona o menestrel a novos esforcos, e & por essa simpatia que ele sabe como adaptar a cancéo exatamente & temperatura de seu ‘circulo de espectadores... O menestrel, no entanto, sabe muito bem quando dar por encerrada sua can¢do. Se os menores sinais de cansaco aparecem, ele tenta novamente prender a atengao da audiéncia por melo de uma busca pelos efeitos mats elevados e, entdo, depois de provocar uma tempestade de aplausos, subitamente interrompe o poema. E maravilhoso perceber como o menestrel conhece o piiblico, Ful testemunha de como um dos sultdes, durante a cancSo, ergueu-se subltamente ¢ rasyou sua capa de seda de seus ombros, e atirou-a 94 pare 0 alto, aplaudindo o menestrel dessa forma apenas pare Presented-lo. A audiéncia esté, portanto, mais envolvida, mais ‘embebida da criatividade literria do que é possivel quando a comunicagéo se da pela escrita, melo que aumenta o distanclamento entre piiblico e poeta. Isso pode ter certas conseqiiénclas para a natureza da atividade literdria em tals sociedades. Essa atividade literdria est propensa, em alguns casos, a ser de certa forma menos especializada e menos distante do que tem sido - as vezes - em sociedades em que a interposicéo da escrita pode criar uma barreira entre o criador e a platéia. Mas ha excecdes ébvias a isso em varias sociedades no-letradas e semi-letradas onde é possivel falar de uma classe intelectual: os tohunga polinésios®, os Jellemen mandingo da Africa ocidental, ou a ordem poética da Irlanda antiga ou da moderna Ruanda. Mas, mesmo nesses casos, 0 fato de haver transmissio diante de uma audiéncia evitou que as composicées de tais poetas se afastassem demals das suas audiéncias. Mais uma vez (coloquemos o mesmo ponto de maneira diferente), em sociedades néo- letradas os Individuos talvez sejam menos propensos, em alguns aspectos, a escapar da experiéncia direta da conquista literdria de sua cultura local. claro, no entanto, que essa questéo é complexa e demanda muito mais pesquisa. Obviamente a Importancia da audiéncia como fator direto na literatura oral deve ser levada em consideracio. Mas, devido & natureza e ao Impacto da literatura, pode ser que o tipo de audiéncia ou piblico para o qual ela é dirigida e as fungdes que o compositor e 0 ptiblico esperam dela sejam igualmente importantes - e Isso parece variar muito, tanto dentro de comunidades néo-letradas quanto em comunidades letradas. © caeado em CHADWICK & ZHIRMUNSKY. Oral epics of central Asia, p. 225-261. Cf. também p. 221. CHADWICK 8 K. The growth of lterature, v. 3, p. 443. Outra diferenga dbvia est4 no grau de flexibilidade verbal. A variabilidade parece ser a norma em culturas orais, em contraste com a fixidez da palavra escrita, com a qual estamos mais familiarizados. Surpreendentemente para alguém que tenha crescido em cultura letrada, aqueles que vivem sem escrita freqdentemente tém muito pouco do concelto de precisio verbal. N&o hd possibilidade de um documento escrito agir como medida de comparagéo de precis&io e todo Processo conjunto de composi¢éo/extemporizacéo na literatura oral tende a fugir da idéia de um arquétipo fixo e correto. Em contraste, é nas culturas letradas que tendemos a encontrar a magica da palavra escrita e 0 conceito do texto como versdo auténtica e imutavel. Hd uma abundancia de exemplos na histéria ocidental de reveréncia pela palavra escrita em si, seja em uma tradicgfo de manuscritos transcritos ou de pagina Impressa. Esta é uma esfera em que a diferenca entre culturas letradas e néo-letradas pode ser profunda, e, talvez, um dos primeiros pré-requisitos para uma apreciacgo das sutilezas e da inspirac&o individual da literatura oral seja entender essa diferenca. Isso €, na verdade, téo importante que se torna tentador considerar essa diferenca como uma chave para todas as outras diferencas. Mas, Infelizmente, nfo podemos forgar demals. Mesmo em culturas letradas hé varias diferengas-quanto ao grau de concordancia dado a um texto escrito. Parece haver menos dessa postura em partes da Europa Ocidental hoje em dia do que no ultimo século, por exemplo; ha variagées de acordo com o tipo de texto envolvido (livros sagrados como a Biblia, o Alcor ou - um exemplo oral — o Rig-Veda, que despertam mais admiragao pela perfeicao nas palavras do que textos mals populares); e, mesmo dentro de uma Unica comunidade pode-se dizer que grupos diferentes levaréo mals ou menos a sério, por exemplo, a imutabilidade de uma forma particular de oracio ou de um texto conhecido. & possivel inclusive que tenhamos que considerar a imprensa, mais do que a escrita em’ sl mesma, como o fator mais importante neste caso. E, na pior das hipéteses, a visio de uma autoridade sobre literatura medieval. ‘A Invengéo da Impress8o € 0 desenvolvimento dessa arte marcom uma virada na histéria da cvilzagSo... A amplitude do ablsmo que ‘separou a era do manuscrito da era da prensa n3o é sempre, nem completamente, compreendida por aqueles que comecam a ler & escrever critica sobre a Iiteratura medieval... Inconsclentemente trazemos para a nossa leitura critica aqueles preconceitos e PredisposigSes que anos de assoclaggo com material Impresso tornaram habituals.* © grau de fixidez verbal é, ent&o, uma esfera muito importante na diferenca entre as literaturas de culturas orals e letradas e, como tal, afeta a perspectiva das comunidades correspondentes. Mas, como outras diferencas discutidas, isso n80 produz uma divisio claramente definida e fundamental entre elas, e, se hé uma divisio, talvez seja entre sociedades com ou sem imprensa tanto quanto com ou sem escrita. N&o hé espaco para tratar de outras possiveis diferencas que vém & mente, mas um novo ponto deveria ser mencionado: a sugestéo de que sociedades ndo-letradas necessariamente possuem menos perspectiva comparativa - ou seja, menos consciéncia da existéncia de outras culturas, menos compreenséo de que seus modos de ser n&o sio Unicos. Isso provavelmente é verdade até certo ponto e, sendo assim, afeta a perspectiva geral em cada sociedade. Mas mais uma vez é facil exagerar quanto a isso. O Isolamento das comunidades néo-letradas foi, por varias razes, superestimado no pasado. O etnocentrismo, além do mais, n&o esté limitado de forma alguma as sociedades “primitivas”.. Mais importante no contexto presente é a possibilidade n&o ser necessariamente 0 n&o-letramento que * CHAYTOR. From script to print, p. 1. 97 leva a tal isolamento - varios fatores tecnolégicos parecem mais relevantes aqui - e sua presenca em si no precisa implicar uma perspectiva limitada. A literatura escrita, particularmente a palavra impressa, também oferece certas oportunidades para a comunicagio ampla. Mas isso a literatura oral também pode. Podemos exemplificar isso com ‘os jellemen, viajantes da savana ocidental africana que criaram uma vasta area cultural atravessando reinos e grupos linglfsticos diferentes por meio de suas artes e sua misica®’, os errantes azmaris, da Etlépla, que ajudaram a fazer surgir uma impressionante uniformidade na poesia da Etiépia entre os varios grupos da regiéo®, os efeitos unificadores da reveréncia a Homero entre os mais dispares gregos, ou os primeiros poetas irlandeses que, “na falta de cidades ou de qualquer sistema politico centralizado..., eram a Unica instituigéo nacional”? - todos desempenhando o mesmo tipo de fungéo dos jograis e dos menestréis medievals da Europa ocidental ou sua contrapartida no mundo drabe. Aqui novamente vemos que as diferengas nfo so claras e que as formas detalhadas e o impacto variam de acordo com a natureza e a imagem gerais da sociedade, mais do que de acordo com a questo de a literatura aparecer ou nao na forma escrita. Isso nos traz a uma diferenca final que poderia ser mencionada aqui - embora no tenha necessariamente que ter a ver com a auséncia ou presenca da escrita. Tal diferenca existe na perspectiva e no desenvolvimento geral que ha entre quaisquer duas culturas que néo se conhegam. E muito dificil acreditar que pessoas muito diferentes de nés podem realmente possuir algo que se aproxime profundamente da compreens&o ou da graca da expresséo que conhecemos em nossas prdprias sociedade e literatura. FINNEGAN, Oral erature in Africa, p. 96. “CHADWICK & K. The gronth of iterature, v. 3, p. 525. © GREENE em DILLON. Early Irish sodlty, p. 85 Essa barreira nos isola, até certo ponto, de todas as outras culturas, Mas é algo que parece _particularmente Intransponivel para aqueles, educados em uma cultura largamente letrada, que contemplam a arte dos grupos ndo- letrados - particularmente (se irracionalmente) quando os grupos s8o multo diferentes de nés no desenvolvimento material. Quantos ingleses, por exemplo, estéo hoje preparados para: reconhecer em um camponés russo yakushkov um dos maiores compositores e cantores dos famosos épicos locais? Mais uma vez, os académicos tém nos apresentado a poesia rica e elaborada da Irlanda moderna e medieval; mas, do ponto de vista de seus conquistadores, esses /iterati irlandeses poderiam ser simplesmente desqualificados como “rebeldes, vagabundos, rimadores, harpistas irlandeses, bardos e outras maledicéncias”®. Nao séo apenas os letrados que séo etnocéntricos. £ salutar lembrar 0 comentario de um nativo das ilhas Gilbert - 0 grupo do Pacifico téo embebido de sua heranga cultural de cangdes - quando eles ouviram sobre aeroplanos e comunicag&o sem fio: “E verdade que o homem branco pode voar; ele pode falar através do oceano; nos trabalhos do corpo ele é mesmo maior do que nés, mas" ~ sua voz ressoou com orgulho - “ele ndo tem cangies como as nossas, nfo tem poetas do nivel dos cantores das ilhas’””. © fato de uma literatura no ser imediatamente acessivel a um observador estrangeiro néo significa necessariamente que ela n&o tenha profundidade e riqueza para aqueles que a praticam, nem que haja alguma diferenca fundamental entre ela ea literatura familiar Aquele observador. Modos de pensar Conclul-se que hd mesmo vérias diferencas entre a literatura das culturas letradas e a literatura das culturas nfo-letradas, CHADWICK. The distribution of oral tterature In the Old Word, p. 79. © ORAKILLY. Irish poets, historians and judges, p. 86. GRINBLE. Return to the Islands, p. 199. e que algumas dessas diferengas podem ser relevantes para os modos de pensar de tals culturas. Mas ha intimeras dificuldades em se fazer da soma dessas diferencas 0 marco de uma diviséo fundamental entre as duas. Talvez valha a pena resumi-las. Primeiro, @ implicagéo de que as sociedades néo- letradas no possuem “literatura” mostrou-se sem fundamento, Essa literatura, além disso, pode ter 0 mesmo alcance que esperamos da literatura escrita, com tudo o que Isso significa para os modos de pensar nesses contextos. E verdade que, como na maioria das literaturas estrangelras, nem sempre é facil para nés apreciar culturas multo diferentes da nossa. E verdade também que muitas pesquisas precisam ser feitas sobre os diferentes efeitos socials e psicolégicos do apoio na oralidade em contraste com a midia visual, tanto quanto sobre as diferencas entre os meios de comunicaggo oral diretos e os meios de comunicacéo oral Indiretos (ou de massa) e os processos psicolégicos envolvidos na comunicagio visual pela palavra escrita, de um lado, e de imagens visuals n&o-verbais, de outro. Mas esses problemas apenas mostram que o assunto é complexo - muito mais complicado do que um recorte claro entre culturas “oral” e “visual” (ou néo-letrada e letrada) que alguns pesquisadores postulam. Questdes para uma reflexio mais avancada nao invalidam o ponto principal: a presenca da literatura como veiculo para a expresséo intelectual e estética tanto em socledades nfo-letradas quanto em sociedades letradas. 0 Ultimo assunto é que, embora haja mesmo diferengas Interessantes entre os meios de comunicacao literérios em grupos nfo-letrados e em grupos letrados, eles nfo parecem ser mals fundamentals do que as diferencas dentro de cada um deles. Para tomar apenas um periodo relativamente curto da histéria européia ocidental e as muitas vicissitudes que tém afetado a literatura: temos experimentado as mudancas 100 da escrita para a imprensa, depois a expansio do alcance da imprensa com a expans&o da alfabetizacSo, a mudanca do uso dos “classics” gregos e romanos como base enquanto padrdo eterno para uma escrita mais local e contempordnea, a recente “revolucdo” do livro de capa de papel e a influéncia crescente do radio e da televiséio. Entiio, tomar como ponto de referéncia as circunstancias presentes na literatura da Europa ocidental - ou melhor, talvez, aquelas de uma ou mais geracées atrés - e afirmar que esse é o padrao pelo qual avaliaremos todas as outras literaturas é mostrar grande falta de perspectiva histérica e comparativa. Ndo hd razio Para supor que nossas circunst&ncias peculiares sejam as circunsténcias “naturais” que toda a literatura mundial esteja, de algum modo, lutando para desenvolver ou as dircunsténcias pelas quais ela deve sempre ser avaliada. Em particular, néo ha raz&o para continuar afirmando que apenas por meio da pagina escrita - muito menos da pagina impressa - 0 homem consegue o desenvolvimento literdrio e artistico e que podemos Ignorar, como sendo totalmente de outra natureza, as expressdes do pensamento e da arte em outras formas. Como Levin disse em seu prefécio & andlise de Lord sobre os épicos homéricos e iugoslavos, vvivemos um tempo em que o letramento em si mesmo tomou-se to dlluido que mal pode ser invocado como crtérlo estético. A palavra como palavra faleda ou cantada, Juntamente com a imagem visual do falante ou do cantor, tem, enquanto Isso, retomado sua influénda através da engenharia elétrica. Uma cultura baseada no. livro Impresso, que tem prevalecido desde a Renascenca até hoje, legou- nos ~ com todas as suas riquezas Imensurdveis ~ esnobismos que ‘tém que ser postos de lado.” Este trabalho teve, necessariamente, que passar por questSes altamente controversas e no terminou com qualquer definic&o ciara de “literatura” ou “pensamento” - ou sobre a relac&o exata entre ambos. O assunto abordado é muito amplo e o que tentei fazer foram algumas poucas "LORD. Homer as na oral poet, p. XI. 101 afirmagées Sbvias (ainda que as vezes ignoradas). 0 que eu esperava estabelecer é que este é um assunto complexo demais para ser reduzido a classificacdes triviais ou a categorizagées feitas implicitamente quando definimos certos grupos como “nfo-letrados” e, sem refletir, tecemos consideragSes sobre a natureza de seus pensamentos. Muito trabalho esta por ser feito, Incluindo culdadosas comparagées entre as culturas no-letradas. Mas, a despelto da natureza fragmentada dos exemplos apresentados aqui, parece no minimo ter ficado claro que nao se pode afirmar que em culturas ndo-letradas (ou em grande parte néo-letradas) os individuos so menos criativos, atentos, conscientes de si ou particularmente sensiveis do que as pessoas letradas e, portanto, fundamentalmente diferentes em seus modos de pensar. O préprio ndo-letramento é muito dificil de ser caracterizado; mas a afirmacdo de que a culturas e individuos no-letrados faltam, necessariamente, vis&o e inspiracdo - os modos de pensar que associamos 4 literatura — nos parece, considerando as presentes evidéncias, uma conclusio Injustificado, Referéncias ANDRZBJEWSKI, B. W.; LEWIS, I. M, Somall poetry: an Introduction. Oxford: Clarendon Press, 1964. BABALOLA, S. A. The content and form of Yoruba Wjale. Oxford: Clarendon Press, 1965. BEIER, U. (Ed.). Introduction to African literature. London: Longman, 1967. BEST, E. The Maorl schoo! of learning. Wellington: Dominion Museum, 1923. BOWRA, C. M. Primitive song. London: Weldenfeld & Nicolson, 1962. CESAR. De bello gallico 6, 14. 102 CHADWICK, N. K; ZHIRMUNSKY, V. Oral epics of Central Asia. London: Cambridge University Press, 1969. , CHADWICK, N. K. The distribution of oral literature In the Old World: a preliminary survey. Journal of the Royal Anthropological Institute, 69, 1939. 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