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RANPAZZO, Lino Metoologia Cientilicg. Sto Paula: Loyola, 2004, Paginas 17 90 | Unidade O conhecimento 1.1 O que é conhecer O que é conhecimento humano? E uma relacéo que se estabelece entre 0 sujeito que conhece € o objeto conhecido. No processo do conhecimento, o sujeito cognoscente se apropria, de certo modo, do objeto conhecido. Se a apropriacao é fisica, sensivel, o conhecimento é sensivel. Esse tipo de conhecimento é encontrado tanto nos animais como no homem: acontece por meio dos cinco sentidos. Se apropriacaéo nao é sensivel — 0 que ocorre com realidades como conceitos (idéias), principios e leis —, 0 conhecimento é intelectual. Nem sempre essas duas formas de conhecimento — sensivel ¢ intelectual — ocorrem isoladamente. Ao contrario, com freqtiéncia com- binam-se para produzir um conhecimento misto, ao mesmo tempo sen- sivel e intelectual. Por exemplo, vocé pode conhecer-se. Seus sentidos lhe informarao, por meio de imagens, a cor de sua pele, seu cheiro, sua estatura, enfim, suas caracteristicas fisicas. Mas sera a mente, por meio de idéias, que lhe informara seus proprios pensamentos, sua maneira de agir diante de um determinado problema etc. E todas essas informacdes estéo relacionadas a um mesmo objeto: vocé. Pelo conhecimento, o homem penetra as diversas areas da realida- de para dela tomar posse; de certa forma, o homem, pelo conhecimento, reconstitui a realidade em sua mente. Ora, a realidade apresenta niveis VW ‘Meronoioan cst ¢ estruturas diferentes em sua propria constituigdo. A complexidade do real, objeto do conhecimento, ditara, necessariamente, formas diferentes de apropriacao por parte do sujeito cognoscente. Essas formas dario os diversos niveis de conhecimento, segundo o grau de penetragao do conhe- cimento € consequente posse mais ou menos eficaz da realidade, levan- do em conta, ainda, a 4rea ou estrutura considerada. Com referéncia 20 homem, por exemplo, pode-se considera-lo em seu aspecto externo ¢ aparente € dizer uma série de coisas que © bom senso dita ou que a experiéncia cotidiana ensinou (conhecimento popu- lar, ou empirico); pode-se, também, estuda-lo com espirito mais sério, investigando, experimentalmente, as relagoes existentes entre certos ér- ‘Bios estas funcdes (conhecimento cientifico), pode-se, ainda, questiona- Jo quanto a sua origem, a sua liberdade e ao seu destino (conhecimento filosdfico); e, finalmente, investigar, no caso da religido crista, o que dele foi afirmado por Deus por intermédio dos profetas e de seu enviado, Jesus de Nazaré (conhecimento teol6gico) Hi, assim, quatro espécies de consideracdes sobre o mesmo objeto: © homem. Vamos tentar analisar esses diferentes, mas ndo exclusivos, tipos de conhecimento. 1.2 Niveis de conhecimento 1.2.1 O conhecimento popular Popular é 0 conhecimento do povo, que nasce da experiéncia do dia-a-dia: por isso ¢ chamado também de empirico. Por exemplo, uma crian- ca conhece seus pais, fala a lingua materna; ou, ainda, todo mundo sabe distinguir um gato de um cachorro; também ndo € necessério estudar di- reito pata saber que cada sociedade tem as suas normas ¢ as suas leis. F igualmente popular (ou vulgar) o conhecimento que, em geral, 0 lavrador ilettado tem das coisas do campo. Ele interpreta a fecundidade do solo, os ventos anunciadores de chuva, o comportamento dos animais; sabe onde furar um poco para obter agua, ou quando cortar uma arvore para melhor aproveitar sua madeira, e se a colheita deve ser feita nesta ou naquela lua, Mas, sendo fruto da experiéneia circunstancial, esse conhe- 18 CO constcmnnz0 cimento nao vai além do fato em si, do fenémeno isolado: € um conheci- mento ametédico e assistematico. Embora de nivel inferior ao cientifico, 0 conhecimento popular ou empirico nao deve ser menosprezado, pois constitui a base do saber € ja existia muito antes de o homem imaginar a possibilidade da ciencia 1.2.2 O conhecimento cientifico © conhecimento cientifico ¢ uma conquista recente da humanida- de: tem pouco mais de trezentos anos ¢ surgiu no século XVII com Galileu (1564-1642). Isso nao significa que antes ndo houvesse nenhum saber rigoroso, pois, desde Grécia antiga (século VII a.C.), os homens aspiram a um conhecimento racional que se distinga do mito ¢ do saber comum (conhecimento empirico). Esse conhecimento racional, durante a Antiguidade e toda.a Idade Média, foi chamado de filosofia e abrangia diversos tipos de conhecimento que se estendiam por diversas Areas: matematica, astronomia, fisica, biologia, logica, ética etc, Praticamente, a ciéncia da Antiguidade e da Idade Média se encontra vinculada a filo- sofia e dela s6 se separa quando procura 0 seu préprio caminho, ou seja, © seu método: o que vai ocorrer apenas na Idade Moderna A cigncia moderna nasce, pois, com a determinacao de um objeto especifico de investigagdo e com o método pelo qual se fara o controle desse conhecimento, Cada cigncia torna-se uma ciéncia particular, no sentido de ter um campo delimitado de pesquisa. O objeto das cienctas so os dados proximos, imediatos, perceptiveis pelos sentides ou por instrumentos, pois, sendo de ordem materiale fisica, s40, por isso, sus- cetiveis de experimentacio (método cientifico-experimental) As ciéncias so particulares na medida em que cada uma privilegia setores distintos da realidade fisica, sensvel: a fisica trata do movimento dos corpos, a quimica da sua composicao, a biologia da vida vegetal e animal ete E, trazendo exemplos das ciéncias humanas, a gramatica portugue- sa estuda a maneira correta (regras) de falar esta lingua, enquanto 0 direito tem como objeto de estudo 0 ato que se pode, moralmente (ndo apenas fisicamente), cumprit ou exigit do outro. A pedagogia estuda 9 ‘Mereooioci cietncs sistematicamente 0 fendmeno da educacdo € a psicologia estuda 0 com- portamento humano. Por esses exemplos, vé-se como 0 conceito de cientifico nao € univoco, mas anélogo. De fato, 0 método cientifico tem sua especificidade nas diferentes ciéncias: nao é 0 mesmo nas ciéncias experimentais (como a quimica) ¢ nas ciéncias humanas (como o direito, a pedagogia etc.). Nas primeiras, 0 cientista analisa e “manipula” as coisas; nas humanas, pro- cura “entender” as pessoas, com seus comportamentos, seus produtos culturais, suas leis etc A preocupacio do cientista est na descoberta das regularidades que existem em determinados fatos. Por isso, a ciéncia € geral, isto é, as observacoes feitas para alguns fendmenos sao generalizadas ¢ expressas pelo enunciado de uma lei, Assim, a0 afirmarmos que ‘a agua é uma substancia composta de hidrogenio e oxigénio”, estamos fazendo uma afirmacao valida para qualquer porgéo de agua O mundo construido pela ciéncia aspira a objetividade: as conchu- soes podem ser verificadas por qualquer outro membro competente da comunidade cientifica, pois a racionalidade desse conhecimento procura despojar-se do emotivo, tornando-se impessoal, na medida do possivel. Para ser precisa e objetiva, a ciéncia dispoe de uma linguagem rigorosa, cujos conceitos sio definidos de modo a evitar a ambiguidade. Essa linguagem torna-se cada vez mais precisa na medida em que utiliza a matematica para transformar as qualidades em quantidades, ‘A matematizacdo da ciéncia se inicia com Galileu. Ao estabelecer a lei da queda dos corpos, ele mede 0 espaco € o tempo que um corpo usa para percorrer um plano inclinado. E 0 resultado de suas observa- Ges € registrado numa formula matematica Se é verdade que a fisica é uma ciéncia rigorosa, por ser altamente “matematizavel”, no extremo oposto encontram-se as ciéncias humanas, cujo componente qualitative nao pode ser reduzido a quantidade. No entanto, algumas correntes recorrem matematica por meio das estatis- ticas, Pense-se, por exemplo, na avaliacdo de um método pedagogico realizada, quantitativamente, por meio de uma “estatistica” baseada nas nnotas (de zero a dez) obtidas pelos alunos em questao. E, por tratar-se de ciencias particulares, cada uma com seu metodo espectlico, a linguagem, além de rigorosa, vai ser também técnica. De 20 Ocomicwrro fato, cada ciencia tem o seu vocabulario especifico. Existem, pois, os ter- mos especificos da medicina, da psicologia, do direito etc, Podemos perceber também que a cigncia moderna se fundamenta nna observacao € na experimentacdo. Os exemplos acima trazidos (cf. Galileu) confirmam essa afirmacao, Outro elemento importante € 0 uso de instrumentos, 0 que torna a iencia mais rigorosa, precisa e objetiva. Os instrumentos de medida (balanga, termometro etc.), por exemplo, permitem ao cientista ultrapas- sar a percepcao imediata e subjetiva da realidade e fazer uma verificacio objetiva dos fenémenos. A abordagem que a ciéncia faz da realidade permite a previsibilidade dos fendmenos (pense-se na “previstio” do tempo feita pelos meteoro- Jogistas), 0 que, conseqdentemente, possibilita um maior poder para a transformacao da natureza. Dessa caracteristica da ciéncia resulta 0 de- senvolvimento da tecnologia, que mudou o habitat humano, particular- mente no século XX. Mas esse poder ¢ ambiguo: pode estar a servico do homem ou contra ele, Pense-se, a respeito disso, no problema ecol6gico. No fundo, a ciéncia nunca ¢ neutra, pois tem seus efeitos, bons ou maus; € € dirigida pelo homem, que tem seus fins, seus projetos (por exemplo, © “projeto neoliberal”) E preciso, porém, retirar do conceito de ciéncia a falsa ideéia de que cla € a Gnica explicacdo da realidade, como se se tratasse de um conhe- cimento “certo” ¢ “infalivel”. H muito de “construcio” ¢ de “interpreta- Gio” nos modelos cientificos e, as vezes, hé teorias contradit6rias, como a explicacdo do fendmeno luminoso. Nao raramente acontece de médi- cos, “em nome da ciencia”, darem diagndsticos diferentes, e de juristas emitirem pareceres em contraste com outros jutistas. Atualmente, a cigncia € entendida como uma busca constante de explicagées ¢ solucdes, de revisdo e reavaliagdo de seus resultados, e tem a consciéncia clara de sua falibilidade e de seus limites. 1.2.3 O conhecimento filosofico Ao contrario das outras ciéncias particulares que tém um campo de estudo bem determinado (por exemplo, a astronomia analisa a natureza 2 (Meroooioc canines €.0 movimento dos astros; a biologia, a vida vegetal e animal; a quimica, a composicéo dos corpos; a fisica, as propriedades gerais dos corps: a matematica, a quantidade etc.), a filosofia se interessa ndo por um particular aspecto da realidade, por este ou por aquele problema, mas por tudo, por todas as iniimeras quest6es que interessam a reflexo humana, iluminada pela razdo, ¢ em busca das causas mais profundas, indo além dos dados proximos e experimentivels Poderiamos definir a filosofia, que de um ponto de vista etimold- gico significa “amor a sabedoria", da seguinte maneira: a filosofia é @ disciplina que procura descobrir o sentido ultimo de tudo, servindo-se da razao. ‘Assim, 0 objeto da filosofia é constituido de realidades mediatas, no perceptiveis pelos sentidos e que, por serem de ordem supra-senst- vel, ultrapassam a experiéncia, seguindo essencialmente o método racio- nal. A titulo de exemplo, 0 filosofo nao se limita aos dados experimen- taveis da biologia cientifica, mas se pergunta: Quem € 0 homem? De onde ele vem? Para onde ele vai? Quais sdo seus elementos constitutivos fundamentais? No caso do direito, o jurista, de um ponto de vista técnico, pro- cura saber quais sao as “leis” que regulam a convivéncia de uma deter- minada sociedade. O filésofo, porém, vai além; nao se limita a per- guntar como funciona a sociedade, mas quer saber: “Por que existern as Ieis?”, “O que € 0 direito?", “Qual é o seu fundamento?”, “Qual € o seu objeto de estudo?”. ‘A filosofia analisa tudo, procura uma *visio de conjunto” de toda a realidade. A andlise filosofica, por sua vez, interessa-se por muitos problemas, dos quais se podem lembrar os principais: cosmoldgico (do mundo), gnosiolégico (do conhecimento), antropologico (do homem), metafisico ou ontoldgico (do ser e de sua origem), ético (do bem e do mal moral), politico (da sociedade), estético (da arte), pedagogico (da educacio), lingatstico etc Se as ciéncias procuram descobrir como agem as realidades mate~ riais, a filosofia tem como objetivo descobrir o porqué de tudo. A filosofia € uma constante interrogacao que o homem faz a si mesmo ¢ a toda a realidade: nao é algo feito, acabado. A filosofia inter- roga, principalmente, fatos e problemas que cercam © homem concreto, 2 © cowecwento insetido em seu contexto histérico. Esse contexto muda ao longo dos tempos, 0 que explica o deslocamento dos temas da reflexao filoséfica Hoje, 0s filésofos, além das interrogacées tradicionais, formulam novas questdes: O homem sera dominado pela técnica? As conquistas espaciais comprovam o poder ilimitado do homem? O progresso técnico é um benelicio para a humanidade? Quais so os aspectos éticos da globaliza- ‘cao, ou da engenharia genética? 1.2.4 O conhecimento teolégico ‘A verdade pode ser encontrada tanto pelo caminho da investigacao como pelo da revelacdo, O conhecimento teoldgico baseia-se exatamen- te nesta fé: Deus falou aos homens por meio de intermediarios que transmitiram Sua mensagem. Podemos afirmar que a teologia € uma reflexdo racional e sistemitica que, porém, parte dos dados da fé; e, por isso, pressupoe a f. A revelacio pode ter um fundamento historico: por exemplo, no judafsmo e no cristianismo parte-se da existéncia historica de Moisés, do ovo de Israel, de Jesus Cristo, dos apéstolos. A aceitagao dos dados historicos nao pertence a [é. Esta se realiza na aceitacao da mensagem que Moisés, os profetas, Jesus Cristo, os apéstolos afirmaram ter recebi- do de Deus para comunicé-la aos homens. Assim, por exemplo, a afir- macio cristé segundo a qual “Jesus Cristo morreu na cruz para a salva- cao dos homens” contém um dado historico e um dado de fé. Histori- camente, existem as provas para afirmar que Jesus morreu crucificado, na provincia romana da Palestina, no ano 30 da nossa era; mas s6 a fé nele pode afirmar que essa morte € 0 ato de salvacio dos homens. O dado de fé é uma revelagdo e ndo pode ser descoberto nem pela ciéncia, nem pela filosofia, nem pelo conhecimento popular, tem valor so para aquele que realiza a experiencia da (6 Mesmo assitn, 0 crente procura “entender” a sua {é, encontrar motivos de credibilidade, pois ele nao renuncia ao uso da ‘razio”. Ind, entio, sistematizar seus dados de fé e procurar integra-los em toda a sua experigncia humana. Por exemplo, podera perceber que o amincio de fé a respeito da “vida eterna’, da “ressurreigao final”, € uma resposta a0 23 Meraso103 centnca anseio de felicidade presente no homem; ou que todo 0 estilo de vida de Jesus de Nazaré é uma boa premissa para acreditar nele. Tambem o conhecimento teolégico tem uma veste “cientifica’, no sentido de que é racional, met6dico e sistemético (pense-se, por exem- plo, na sistematizacao das disciplinas teologicas: dogmatica, moral, cién- ia biblica, historia eclestéstica, direito candnico etc.): mas tudo isso sem- pre a partir do ato de fé. Entdo, objeto do conhecimento teologico sto os dados da fe; € 0 método € a procura da integracdo entre a [é ¢ a razio. 1.3 Objeto ¢ objetivo do saber Didlogo, interdisciplinaridade, integracéo: estes termos, nos dias de hoje, sao usados com muita frequiéncia para indicat © método com o qual se quer caracterizar a abordagem do “saber”. Galileu, no século XVI, teve o mérito de tornar-se 0 pai da ciéncia moderna, determinando 0 objeto especifico da investigacao ¢ 0 método com 0 qual se atingia esse tipo de conhecimento, Mas a ciéncia moder- na, com seu método, reduzia o campo da anilise do saber, limitando-se 0s dados proximos, imediatos, perceptiveis pelos sentides ou por ins- trumentos: quer dizer, 08 dados da ordem material e fisica. Além disso, essa “ciéncia” fazia nascer muitas “ciéncias", com campos de especializa- cao sempre mais delimitados e uma conseqiiente fragmentacaa do conhe- Cimento, Hoje, € muito dificil contar o mimero de especializacées criadas pela cigncia moderna. Se tudo isso, sem davida, foi uma riqueza pata a humanidade produziu @ avanco cientifico e tecnolégico, por outro lado criow um cientista preso a seu campo de conhecimento, possuidor de um saber parcial, desarticulado ¢ incompleto. Hoje, estamos numa fase de reconsideracao do caminho da ciéncia ‘A “virada’ apenas aconteceu quando © homem procurow refletir nao sobre as “leis da natureza”, mas sobre si mesmo, questionando 0 rumo da cigncia que acabava “destruindo © homem” quando nio estava a servico dele. A tristissima experiéncia de duas guerras mundiais no sé- culo XX, a idolatria da maquina que degenera o homem ¢ estraga 0 4 © covetcmevto mundo ¢ as desigualdades socioeconomicas entre o Norte € 0 Sul do planeta questionaram profundamente o caminho da ciéncia. “Vejo cons- truir-se um mundo do qual, ai de mim, nao é exagero alirniar que 0 homem nao pode viver nele”, dizia Bernanos (1972, p. 126) ‘A“Teconstrucao” do mundo passa, obrigatoriamente, por uma nova concepcao do homem que aceita apenas uma civilizagdo a servico do homem e nunca contra ele Essas reflexdes questionam 0 abjeto e 0 objetivo do saber. A “ciéncia’, que reduziu o seu campo de exploragio aos fenome- nos do mundo material, sensivel, precisa redescobrir o significado oi- gindrio do mesmo “termo” que a define. “Ciencia”, como foi visto, sig nifica, antes de tudo, “conhecimento”, “saber”. E este “saber” tem como objeto 0 ser, tudo o que existe: ndo pode, pois, reduzir ou fragmentar 0 seu campo de conhecimento, esquecendo toda a riqueza da *realidade’” A este respeito, vivi por um ano e meio no Burundi (Aftica Cen- tral), de 1971 a 1973. Precisei, pois, estudar a lingua kirundi e fiquei maravilhado quando descobri a origem do termo “verdade” naquela lin- gua. A palavra w-kuri, que designa a “verdade”, vem do infinitivo ku-ri, que significa “ser”, “estar ai” Deve-se lembrar que nas linguas ba-ntu, como o hi-rundi, o radical esta no fim da palavra: conseqaentemente, a palavra nao muda com a desinéncia, mas com o prefixo. Entdo, para a cultura rundi, 0 que € a verdade? Verdade € “aquilo que €°, “aquilo que existe”. E 0 homem, que procura a verdade, simplesmente analisa a “realidade”, “aquilo que existe”. Aceitando essa perspectiva, ao mesmo tempo “antiga” e “nova”, em que 0 objeto do saber @ simplesmente o ser, “tudo aquilo que existe’, o Ciemtista de hoje comeca a dialogar com “todos os outros homens", sempre mais convencido de que ninguém tem a monopélio da verdade ‘Assim, as “cigncias” comecam a dialogar entre elas: nasce a “imterdisci- plinaridade” E, num didlogo mais amplo que procura voltar @ “unidade do saber”, conseqiiéncia da “unidade do ser’, ha a preocupacio de receber contribuicdes de todo tipo de andlise da realidade: seja por parte do saber popular, seja também dos saberes filosdfico, teologico, estético, ritico etc. Ea andlise da realidade € acompanhada pela humilde convie- Py ‘Mereoo.oc creck ao de que nunca sabemos tudo: nosso atual conhecimento se realiza “como num espelho, confusamente” (cf, 1 Corintios 13,12). ‘A triste experiéncia de uma ciéncia que, deixada a si mesma, aca- bava destruindo a natureza e, particularmente, 0 homem levou a ques- tionar também o objetivo do saber. Este, pois, justifica-se somente quando € colocado a servigo do homem, e nunca contra ele; do homem todo € de todos os homens, sem nenhum tipo de discriminacao. O saber €, pois, um produto do homem: sai do homem e para ele volta, mas para servi-lo, O saber tem como objetivo 0 bem. E interessante, a esse respeito, lembrar a reflexdo da mais alta cons- ciencia moral da antiga Grécia: Sécrates. Seu pensamento pode ser sin- tetizado da maneira seguinte: “Conhece-te a ti mesmo para descobrit a verdade, fazer o bem e ser, assim, feliz’ Em outros termos, 0 conhecimento precisa ser colocado a servico do homem (‘ti mesmo”), da verdade (que € seu objeto), do bem (que € seu objetivo), Dessa maneira, 0 homem se realiza (‘ser feliz’) ‘A humanidade fica dividida e perdida quando reduz esse objeto, e/ou muda esse objetivo ‘Texto complementar Interdisciplinaridade “As historias cativam. Elas tém o poder magico de ultrapassar o nivel racional e nos envolver afetivamente, com nosso coracdo, fe, imaginacio, criatividade e esperanca, Além disso, nos deixam uma mensagem de sa- bedoria e, nao raras vezes, uma licgo de vida como tarefa para casa. Hoje, partilhamos uma interessante hist6ria contada a respeito de seis cegos do Indostdo, que, apés tanto ouvirem falar de elefante, deci- diram sair a campo para descobrir o que era realmente o elefante. Par- tiram em diferentes direcoes para encontré-lo e trazer as descobertas. © primeiro cego, batendo contra a larga e resistente anca do elefante agrita alto: ‘O meu Deus, o elefante ndo € nada mais que um grande muro O segundo cego, sentindo a presa lisa e afiada, observa: 'O elefante nao € nada mais que uma lanca’. 26 O comeconao © terceiro cego, tocando a tromba do elefante, conclui apressada- mente: ‘Quem no vé que o elefante ndo é nada mais que uma cobra?” © quarto cego, tropecando com o joelho do elefante, afirma cate- goricamente: ‘Nao tenho a menor davida, o elefante ndo é nada mais que uma drvore’, © quinto cego, tocando a oretha do elefante, que estava abaixado, diz: “Ah, ninguém pode negar que o elefante nao é nada mais que um cobertor. O sexto cego, agarrado a cauda do elefante, exclama com euforia pela descoberta: ‘Aqui esta ele, 0 elefante nao é nada mais que uma corda’. Terminada a busca, os seis cegos voltam para, juntos, discutir a respeito dos seus achados e tirar duividas a respeito do elefante. Cada um se apresenta fechado em sua auto-suficiéncia dogmatica; 0 que vale € so- mente a sua verdade. Esto mais preocupados em defender os seus proprios interesses e pontos de vista Conflagra-se a polémica, acabam discutindo e se desentendendo ain- dda mais! Se estivessem abertos, com espirito interativo para ouvir a parcela de verdade do outro, poderiam ter crescido e descoberto uma imagem mais acertada do elefante.... Seria 0 inicio do didlogo multidisciplinar. Nao seria o dbvio? Mas néo é tao simples quanto parece! Ledo engano acreditar que a realidade se da a conhecer tao facilmente quanto imaginames. Esta histéria pode nos ensinar muito a respeito da vida, de relacio- namentos, colaboracio ¢ interdisciplinaridade. E hora de darmos crédito a Otica e terapéutica multidisciplinar, néo por capricho ou modismo, mas por necessidade de honrarmos a verdade, A verdade revela-se dialogal. O conhecimento, hoje, apresenta-se como um conjunto de especia- lizagoes, por vezes desconexas, em que acabamos sabendo sempre mais de cada vez menos, até chegarmos a saber quase tudo de quase nada. & um paradoxo! Esse conhecimento dificilmente se transforma em sabedoria se nao honrar a contribui¢ao da perspectiva multidisciplinar. E essa a visdo que nos faz perceber que existem varias formas de conhecimento; a explicacdo da realidade nao pode ser feita unilateralmente a partir de uma forma de saber eleita como dominante. Diriamos que nao se trata de atribuir a cigncia um papel hegemonico, nem de contrapé-la as ex- plicacdes artisticas, religiosas € miticas, entre outras. A significagio do conhecimento, do trabalho, da vida, enfim, pressupde a interdependén- ia colaborativa, que honre os valores que cada pessoa tem” (PESSINI;, BARCHIFONTAINE, 1996, p. 57-58). 2 ll Unidade O método cientifico 2.1 Desenvolvimento histérico do método cientifico: Bacon, Galileu e Descartes Ja foi lembrado que o conhecimento cientifico é uma conquista recente da humanidade: entre o fim do século XVI e 0 inicio do século XVII, desenvolve-se uma linha de pensamento que se propde a encontrar um conhecimento embasado em maiores garantias, na procura do real. Nao se buscam mais as causas absolutas ou a natureza intima das coisas; ao contrario, procuram-se compreender as relacées entre elas, assim co- mo a explicacéo dos acontecimentos, pela observacdo cientifica, aliada ao raciocinio. Da mesma forma que muda o objetivo do conhecimento, 0 méto- do, sistematizagao das atividades, também sofre transformacées. O inglés Francis Bacon (1561-1626) é considerado um dos fun- dadores do método indutivo de investigagdo cientifica. Atribui-se a ele a criacéo do lema “saber é poder”, que indica o objetivo da ciéncia moder- na: colocar as forcas da natureza a servico do homem. Ora, para chegar a conhecimentos cientificos titeis, € preciso criticar todos os preconceitos e erros, que ele chama de idolos: por exemplo, os preconceitos que séo fruto de uma educacao e cultura diferente, ou de uma linguagem nao exata, ou da subserviéncia a tradicdo. Nesse ponto, Bacon polemiza com o verbalismo da filosofia escolastica e a mania do argumento de autoridade. 29 ‘Merome.ecia cerinca [A libertacao dos preconceitos constitui apenas a parte critica, ne- gativa do metodo de Bacon, ; ‘A ela segue a parte positiva, que se fundamenta na observacao dos fendmenos. Esta no pode limitar-se a poucos casos, mas deve abranger, de maneira panoramica, todos os casos possiveis, para, dai, descobrir as causas dos fenomenos. A-esse respeito, Bacon propée 0 uso de trés tdbuas: a de presenca, a de auséncia e a dos graus ‘A-*tabua de presenca” indica, com suas circunstancias, todos os casos em que aparece um determinado fendmeno. Por exemplo, estudando 0 calor, serao estudadas as circunstancias que acompanham esse fenomeno. 'Na “tabua de auséncia” so indicados todos os casos em que o fendmeno nao se vetifica E, por fim, na “tabua dos graus” se indicam os casos em que o fendmeno variou, com “graus" de intensidade diferente. Poderiamos citar um exemplo da aplicacdo dessas “tabuas” na medicina, Para explicar o fendmeno da “cirrose hepatica’, na “tabua de presenca” se classificam todlos os casos surgidos dessa doenca; na “tabua de auséncia” se enumeram todos os casos em que néo aparece essa doenca; ena “tabua dos graus” se classificam as diferencas de intensida- de da doenga nos afetados pela “cirrose hepatica’ Depois dessa observacdo, realizada por meio das “tabuas”, sera pre- iso formular uma hipdtese que pode explicar a causa do fendmeno. Tal hipotese sera verficada por uma diligente observacio das “tébuas’. Quan- do a hipotese concordar com todos os casos que apareceram nas "té- buas”, sera vilida e tornar-se-4 uma verdadeira “lei”, ou, para usar 0 termo de Bacon, a “forma” dos fendmenos. Por ter fixado esses principios metodologicos, Bacon pode ser con- siderado 0 fundador da indugdo moderna, ou cientifica Como veremos, a inducio € aquele processo que leva a conchusbes de carater geral a partir de casos particulates. Contemporaneo de Bacon, o italiano Galileu Galilei (1564-1642) enfrenta, ele também, 0 problema do método. Galileu afirma a necessidade, para o cientista que queira estudar a natureza, de libertar-se completamente do peso da autoridade do passa- do, seja no campo filoséfico, seja no religioso. 30 © miroo0 certice No campo filoséfico, Galileu contesta os “falsos” seguidores de Aris- toteles, que se limitam, passivamente, a repetir o que ele disse. Na rea- lidade, Arist6teles tinha afirmado 0 prinefpio da experiéncia como nor- teador da pesquisa; e, se estivesse vivo hoje, aproveitando-se de uma ex- periéncia mais rica, chegaria a conclusdes diferentes daquelas antes sustentadas. Quanto a tradicio religiosa, Galileu aceita a validade da Biblia como texto sagrado. Seria, porém, errado atribuir as declaracées da Biblia um significado cientifico que elas ndo tém. Assim, por exemplo, quando a Biblia afirma que o sol parou (cf. Josué 10,12-15), néo quer ensinar que 0 sol gira ao redor da terra, mas, servindo-se da linguagem comum, en- tende apenas mostrar a intervencdo de Deus em favor do povo juudaic. A Biblia, para Galileu, € o texto da revelagéo divina. Mas, a0 lado da Biblia, Deus escreveu o livro da natureza. E, se na Biblia é preciso pro- curar os principios da fé, quando queremos conhecer a natureza preci- samos ler diretamente no grande livro da natureza mesma. Mas esse livro, pata Galileu, esta escrito em “lingua matematica” ¢ 08 caracteres desta lingua s40 “tridngulos, circulos e outras figuras geomeétricas” Em outros termos, Galileu da uma interpretacio quantitativa da natureza e, consequentemente, indica, como meta da pesquisa cientifica, a descoberta das “quantidades” que se encontram no fendmeno: figura, lugar, tempo e movimento. Ja vimos, a esse respeito, que, a0 estabelecer a lei da queda dos corpos, Galileu mede © espaco e o tempo que um corpo usa pata per- correr um plano inclinado. Eo resultado de suas observacées € registra- do numa formula matematica Passando, de um ponto de vista construtivo, a fixar os elementos do método, Galileu sustenta que a pesquisa cientifica acontece por dois momentos: um analitico e outro sintético. © momento analitico consiste na observacao do fendmeno, em sua complexidade, analisando-o em suas partes e em seus elementos cons- titutivos, Durante a andlise, o cientista ¢ levado a propor hipéteses que tentem explicar os elementos que constituem o fendmeno. Ai comeca o momento sintético que manda “reproduzir o fendmeno”, por meio da experimenta- fo; ¢, se a hipétese for assim confirmada, vai se transformar em lei 3 Meroocioc centines © método de Galilew, comparado a0 de Bacon, tem um caréter decididamente mais experimental. De fato, enquanto a inducdo de Bacon se baseava essencialmente na observacd0, Galileu, ao contrario, no momento simético, ressalta a necessidade da experimentacao. Essa exi- géncia, muito viva na cigncia moderna, foi claramente formulada por Galileu Enquanto Bacon, na Inglaterra, coloca as bases do método induti- vo, ¢ Galileu, na Italia, do experimental, René Descartes (1596-1650), na Franca, sustenta 0 método matematico-dedutivo (= do geral para 0 particular), dando inicio, assim, a0 pensamento tacionalista moderno. No Discurso do método (1637), ele ressalta o contraste, quanto aos resultados, que se percebe entre matematica e filosofia. Enquanto a ma- temiética parte de algumas premissas e, destas, deduz rigorosamente toda uma série de verdades, a ilosofia parte de hipsteses incertas e chega, conseqlientemente, a conclusoes igualmente incertas. Convencido, pois, da superioridade do método matematico e do fato de que tudo pode ser reduzido a uma questo de método, Descartes sus- tenta a necessidade de estender 0 método matematico também a filoso- fia, Ele sustenta que os elementos fundamentais do método matematico sdo quatro: a evidencia, a andlise, a sintese € a enumeracao. Eis como ele expressa estas quatro “regras”. a) Regra da evidencia: “Nao acolher jamais como verdadeira uma coisa que nao se reconheca evidentemente como tal, isto é, evitar a precipitacdo € 0 preconceito e nao incluir juizos, sendo aquilo que se apresenta com tal clareza ao espirito que torne impossivel a diivida”. ») Regta da andlise: “Dividir cada uma das dificuldades em tantas partes quantas necessérias para melhor resolvé-las ©) Regra da sintese: “Ir do mais simples ¢ singelo a0 mais complex”. <) Regra da enumeracao: “Realizar sempre enumeragées tdo cuida- das e revisbes tao gerais que se possa ter certeza de nada haver omitido”. Fixadas essas “regras”, Descartes elabora seu sistema filoséfico, colocando 0 fundamento do conhecimento ¢ da verdade na “razao” humana (dat o termo “racionalismo”). Base desse sistema € 0 “Cogito, ergo sum” (= Penso, logo existo). De fato, diante de todas as duividas e erros que o homem pode cometer, ele nao pode duvidar da sua existen- ia, pois a “razio” apresenta esse fato como “evidente” 32 © mero00 aero No “Cogito” de Descartes nao se alirma apenas a nossa existéncia, mas também a “natureza do nosso eu”. “Eu penso”, por isso “eu sou um ser pensante”, Conseqientemente, Descartes ira reconhecer uma plena validade ao conhecimento racional, uma validade limitada a0 conheci- mento sensivel ¢ nenhuma validade ao conhecimento da fantasia, No processo do conhecimento, a razéo nao se comporta de modo passivo: € preciso avaliar, classificar os materiais, por em ordem as idéias, servirse do mais conhecido para ir a0 desconhecido. . Nessa exposicao, encontramos trés propostas diferentes: Bacon apresenta a necessidade da inducdo, Galileu a importancia da experimen- tacao e Descartes fixa as regras do método matematico-dedutivo, ressaltan- do a importancia da “razio humana”. Cada um desses métodos realca uma particular exigéncia da pesquisa cientifica, A ciéncia moderna foi se afirmando, integrando a observacdo (Bacon), a experimentacao (Ga- lileu) € a dedugdo matematica (Descartes), 2.2 Os processos do método cientifico Hoje nés estamos valorizando os resultados que levaram 20 nasci- mento € a0 desenvolvimento da ciéncia moderna, Para nds, também, € importante o uso do método. © método se concretiza nas diversas etapas ou pasos que devem. ser dados para solucionar um problema: entende-se, entéo, como a coor- denagéo unitaria dessas diferentes etapas. Os objetos de investigacdo determinam o tipo de método a ser empregado, a saber: 0 experimental ou o racional. O método experimental prevé os seguintes processos Antes de tudo, a investigacao nasce de algum problema observado ou sentido. Mas a investigacdo, para poder prosseguir, exige que se faca uma selecdo da matéria a ser tratada, Essa selecdo requer alguma hipd- ese, ou pressuposicao, que ira guiar e, ao mesmo tempo, delimitar o assunto a ser investigado. Daf 0 conjunto de processos ou etapas de que se serve 0 método experimental, como: — a observacio € a coleta de todos os dados possiveis; — a hipotese, que procura explicar provisoriamente todas as ob- servagoes, de maneira simples viavel; 33 Merooo.aci cwNteck — a experimentacio, que testa a validade da hipotese; —a inducio da lei, que fornece a explicacao ou o resultado de todo © trabalho de investigacto — a teoria, que insere 0 assunto tratado num contexto mais amplo. © método experimental aproveita ainda a andlise e a sintese, os processos mentais da deducdo e da inducdo, comuns a todo tipo de in- vestigacdo, quer experimental, quer racional. (© método racional € assim chamado porque 0s assuntos a que se aplica nao sio realidades, fatos ou fendmenos suscettveis de comprova- cio experimental. As disciplinas que empregam nem por isso deixatn de ser verdadeiras ciéncias: sao principalmente as “ciéncias humanas”, entre as quais se destaca a filosofia Todo método depende do objetivo de investigagao, Ora, a filosofia nao tem por abjeto o estudo de coisas fantasiadas, irreais ou inexisten- tes. A ilosofia questiona a prépria realidade. Por isso, 0 ponto de partida do método racional € a observacdo dessa realidade, ou a aceitacio de certas proposicoes evidentes, principios ou axiomas (como 0 “Cogito” de Descartes), para em seguida prosseguir por deducao ou indugao, em virtude de exigéncias unicamente légicas e racionais. Mediante 0 método racional, que também se desdobra em diversos pprocessos, como a observacio, a andlise ¢ a sintese, a inducao ¢ a deducto, ‘a hipétese € a teoria, procura-se interpretar a tealidade quanto a aspectos como origem, natureza profunda, destino e significado, no contexto geral Pelo método racional procura-se obter uma compreensio e uma visto mais ampla sobre 0 homem, sobre a vida, sobre o mundo, sobre o ser. Essa cosmovisao a que leva a investigacdo racional evidentemente no pode ser testada ou comprovada experimentalmente em laboratérios, Nao se com- prova em laboratério, por exemplo, se Deus existe, ou se o homem ¢ livre E exatamente a possibilidade de comprovar ot nao as hipéteses que dis tingue 0 método experimental (cientifico em sentido estrito) do racional. Falando do método, € importante lembrar 0 recurso a0 argumento de autoridade. Este consiste em admitir uma verdade ou doutrina com base no valor intelectual, ou moral, daquele que a propde ou professa. Esse argumento é comum em materia de [é, em que se cré nos mistérios pela autoridade de Deus revelador, Isso ja foi considerado a propésito do nivel teolégico do conhecimento. 34 © werov0 canminco Nas ciencias experimentais ¢ na filosofia, o argumento de autorida- de € muitas vezes um obstaculo a investigacdo, Isso, porém, nao significa que 0 argumento de autoridade nao tenha a sua funcio, mesmo no campo das cigncias positivas. Os resultados obtides pelos especialistas poderao certamente servir para guiar os trabalhos de investigacao, como ainda poderio ser citados para confirmar solucées encontradas por meio do método cientifico. Existem areas nas ciéncias humanas, por exemplo a historia ¢ 0 di- reito, que aceitam como vélidas determinadas assercdes e decisées que se apoiam no argumento de autoridade. Assim, cita-se a autoridade de um determinado jurista para corroborar 0 proprio raciocinio. Exige-se, entretanto, que tal argumento tenha passado pelo crivo austero da andlise e critica mais rigorosa possivel, sem 0 que nao tera eficacia Vamos considerar, agora, de maneira mais detalhada essas etapas dos métodos. Apesar das diferencas, existem também etapas ou técnicas comuns ao método experimental e ao método racional 2.2.1 Observacao Observar é aplicar atentamente os sentidos a um objeto, para dele adquirir um conhecimento claro ¢ exato. A observacdo é de imponian- cia capital nas ciencias: sem ela, 0 estudo da realidade e de suas leis se reduz a simples conjetura ¢ adivinha ¢ descobertas, Para 0 bom éxito da observacao exigem-se condicdes fisicas, inte- lectuais e morais. As condigoes isicas dizem respeito aos instrumentos do trabalho: nas pesquisas experimentais so, por exemplo, 0 microscépio, 0 telescé- pio etc.; nas pesquisas bibliograficas sao as revistas, os dicionarios espe- Cializados, as bibliografias, os catélogos etc. As condigoes intelectuais e morais dizem respeito 4 capacidade intelectual, ao interesse, a paciencia, a determinacdo e a imparcialidade que devem acompanhar toda pesquisa. De fato, a observacio deve ser atenta, exata, completa ¢ metédica com ela, relizam-se pesquisas 35 IMeronoioca etna 2.2.2 Hipotese A hipétese € a suposicéo de uma causa ou de uma lei destinada a explicar provisoriamente um fendmeno, até que os fatos venham a contradizé-la ou afirmé-la ‘As hipoteses tem a funcao pratica de orientar o pesquisador, dint- gindo-o na direcao da causa provavel, ou da lei que se procura; € a fungao te6rica de coordenar e completat os resultados ja obtidos, agru- pando-os nutn conjunto completo de fatos, a fim de faciltar a sua in- teligibilidade e 0 seu estudo. Podemos obter hipdteses por deducao de resultados ja conhecidos, ou pela experiéncia, Praticamente nao ha regras para descobrir a5 hipdteses Nao se descobrem, também, por obta do acaso, mas si fruto do genio entifico. Ha, contudo, certas condigdes que ajudam na descoberta: 0 pro- prio curso da pesquisa, a analogia, a inducio, a deducio, as rellexbes, ‘A hipotese resulta, na maioria das vezes, de uma espécie de tlumi- nagio stibita, ou de intuicso, que traz ao sabio uma luz inesperada. E assim que Arquimedes descobre subitamente, a0 se banhar, que os cor pos imersos sofrem uma impulsao de baixo para cima exercida pelo liquido em que sto mergulhados. 'As fontes mais comuns da invengdo de hipoteses so as analogias, quer dizer, as semelhancas: assim, Newton comparou @ fendmeno da queda de uma mac ao da atragao dos planetas pelo sol ‘A hipotese deve ser sugerida e verificavel pelos fatos ¢ ndo deve ser absurda. Isso néo significa que ndo possa contradizer outras hipéteses ‘anteriormente admitidas. Ao contrario, o progresso da ciéncia se faz, na maioria das vezes, pela substituicio de teorias antigas por novas hip6- teses, mais explicativas, Por exemplo, o criminalista italiano César Lombroso (1835-1909) formulou esta hipotese: por causa de fatores biolégicos, alguns jé vem a0 mundo como delinqaentes em potencial Essa hipétese foi contestada e superada por outras hipeteses, que dao uma explicacio diferente a respeito da origem do crime: por exem- plo, considerando a pobreza como 0 fator principal nessa questao ‘As “novas hipoteses”, sem negar o valor das antigas, podem enriquecé-las: no exemplo trazido, chegam a descobrir a complexidade 36 (© miro60 canrinca do fendmeno da delinquencia, que inclui também fatores culturais, fa- miliares, psicoldgicos, éticos etc . 2.2.3 Experimentacao A experimentacio consiste no conjunto de processos utilizados para verificar as hipoteses. Obedece a urna idéia diretriz A idéia geral que governa os processos de experimentacdo € a seguinte: consistindo a hipdtese, essencialmente, em estabelecer uma relacdo de causa e efeito, ou de antecedente ¢ consequente, entre dois fenamenos, trata-se de descobrir se realmente B (suposto efeito, ou conse~ quente) varia cada vez que se faz variar A (suposta causa, ou antecedent), € se varia nas mesmas proporcoes. , © principio geral em que se fundamentam os processos de expe- rimentagdo é 0 do determinismo, que se anuncia assim: nas mesmas circunstancias, as mesmas causas produzem os mestnos efeitos; ow ain- da: as leis da natureza sio fixas ¢ constantes : Mais a frente, ao se falar da “pesquisa experimental”, poderao ser encontrados exemplos nesse sentido. : 2.2.4 Inducao A inducdo € aquela forma de raciocinio que chega a afirmar uma verdade geral a partir de verdades particulates, As hipoteses acima mencionadas sao exemplos de inducao. Assim, considerando alguns casos particulares de pessoas que slo, ao mesmo tempo, doentes mentais (ou pobres) ¢ delinquentes, chega-se a uma ‘generalizacdo”, afirmando que todo delinguente € doente mental (ou pobre) A indugfo se baseia, entéo, na generalizacao de propriedades co- muns a um certo niimero de casos, até agora observados, a todas as ocorréncias de fatos similares que se verificam no futuro, Verifica-se por exemplo, certo nimero de vezes, que 0 oxido de carbono paralisa 6s globulos sanguineos; dessa observacae, conclui-se que sempre, da- 37 Merapo10c cmTica das as mesmas condigdes, 0 6xido de carbono paralisara os globulos sanguineos, Essa inducdo € a alma das ciéncias experimentais. Sem ela, a ciéncia nao seria outra coisa sendo um repertorio de observacdes sem alcance ‘A inducdo cientifica se fundamenta no principio do determinismo, ou da constancia das leis da natureza ‘As leis cientificas exprimem quer relagoes de existéncia ou de coexis- tencia (a Agua 6 um corpo incolor, inodoro, tendo tal densidade, susce- tivel de assumir o estado liquido, sélido e gasoso etc.), quer relacoes de causalidade ou de sucessio (a agua ferve a 100 graus celsius, o calor dilata os metais etc.), quer, enfim, relacdes de finalidade (o pancreas tem por funcao regular a quantidade de acticar no sangue). Nas ciéncias experimentais, as leis possuem mais rigor ¢ exatido do que nas ciencias humanas, pois estas dizem respeito a seres, mais ou ‘menos inteligentes ¢ livres, e aquelas seguem 0 curso fatal do determi- nismo da natureza 2.2.5 Deducao ‘A deducao € a argumentagao que torna explicitas verdades particu- lates contidas em verdades universais. O ponto de partida € o antece- dente, que afitma uma verdade universal; ¢ 0 ponto de chegada ¢ 0 conseqilente, que afirma uma verdade menos geral, ou particular, con- tida implicitamente no primeiro, Por exemplo: todo ato de estelionato € legalmente ilicito; ora, José praticou um ato de estelionato; logo, José praticou um ato legalmente ilfcito © processo dedutivo, por um lado, leva o pesquisador do conhe- cido ao desconhecido, com pouca margem de erro; mas, por outro lado, é de alcance limitado, pois a conclusio nao pode possuir contexidos que excedam 0 das premissas. Mas isso nao significa que a deducao seja inatil. E suficiente pensar no procedimento do matematico, que, subs- tancialmente, se baseia no raciocinio dedutivo. Embora 0 conteiido dos teoremas ja esteja fixado nos axiomas ou postulados, esse contetido esta longe de ser obvio. 38 (© mero00 canminca 2.2.6 Andlise ¢ sintese A anilise € a decomposigao de um todo em suas partes, A sintese € a reconstituicio do todo decomposto pela andlise. Ou, em outros ter- mos, a anélise é 0 processo que parte do mais complexo para o menos complexo; e a sintese parte do mais simples para o menos simples. A anilise e a sintese sio necessérias. Qual a razio? Os grandes obsticulos que € preciso vencer nas ciéncias s40, por um lado, a complexidade dos objetos e, por outro, a limitacdo da inte- ligencia humana, A inteligéncia nao € capaz de tirar da complexidade das idéias, de seres ¢ de fatos, relagies de causa e efeito, de antecedente € consequente. Por isso, ha necessidade de se analisar e dividir as difi- culdades para melhor resolvé-las, Sem a andlise, todo conhecimento € confuso superficial; sem a sintese, é fatalmente incompleto. © conhecimento de um objeto nao se limita ao conhecimento minucioso de suas diversas partes: quer ainda aprender o lugar que tem no conjunto e a respectiva parte que toma na acdo global. Por isso, a andlise deve seguir-se a sintese 2.2.7 Teoria © emprego usual do termo “teoria” opde-se ao da “pratica”, Neste sentido, a teoria se refere a0 conhecimento em opasicao pratica: co- nhecer versus agit. Aqui, entretanto, o termo teoria € empregado para significar um resultado a que tendem as ciéncias, Estas nao se contentam apenas com a formulacdo das leis. Ao contrario, determinadas as leis, procuram interpreta-las ou explicé-las. Assim surgem as chamadas te0- rias cientificas, que reanem um determinado numero de leis particulates sob a forma de uma lei superior. Exemplo: a teoria da evolucao Na atea do direito, podemos lembrar a Teoria tridimensional de Miguel Reale, em que todas as leis so interpretadas dentro de trés di- mensbes da vida social: os fatos (aspecto sociolégico), os valores, parti- cularmente o da Justica que fundamenta o direito (aspecto filosético), ¢ as normas vigentes (aspecto normativista) 39 Meroncxoain cones Na area da psicologia fala-se das “linhas*, que correspondem as “worias”: de Freud, Jung, Rogers etc, ‘A teoria se distingue da hipétese, porquanto esta é verificavel ex- perimentalmente, enquanto aquela ndo: a teoria é interpretativa, en- quanto a hipdtese resulta em explicacio por meio de leis naturals, A teoria tem a funcio de coordenar e unificar o saber cientifico; € € um instrumento precioso de trabalho, pois sugere analogias até entdo ignoradas e possibilita novas descobertas. 2.2.8 Doutrina ‘A ciéncia visa explicar os fenomenos. Para isso, observa, analisa, levanta hipoteses e as verifica pela experimentacio, induzindo, assim, a lei, que vai ser sucessivamente colocada num contexto mais amplo, por meio da teotia. Trata-se de operacdes que se desenvolvem num clima de objetividade ¢ neutralidade. ‘A doutrina, porém, propoe diretrizes para a acto. A priori, 0 autor fixa o fim que espera atingir e, para elaborar a doutrina ajustada a esse fim, vai buscar seus argumentos nas mais variadas fontes. Numa doutrina ha idéias morais, posigdes filosoficas e politicas € atitudes psicoldgicas. Ha também, subjacentes, interesses individuais, interesses de classe ou nagdes. Exemplo: doutrina capitalista, neoliberal, marxista, nazista, doutrina da seguranca nacional. ‘A doutrina €, assim, um encadeamento de correntes, de pensamen- tos que nao se limitam a constatar € a explicar os fendmenos, mas os apreciam em funcao de determinadas concepgdes éticas e, & luz desses juizos, preconizam certas medidas e profbem outras 2.3 Classificacao das ciéncias ‘A complexidade do universo ¢ a diversidade de fendmenos que nele se manifestam, aliadas & necessidade do homem de estuda-los para poder entendé-los e explicélos, levaram ao surgimento de diversos ra- mos de estudo € ao desenvolvimento de ciéncias especificas. «0 (© mron0 cence Essas necessitam de uma classficagao, quer de acordo com sua ordem de complexidade, quer de acordo com seu contetido, quer de acor- do com 0 método proprio de investigacao A fisica, a quimica, a astronomia e a geologia sto chamadas ciéncias {fisicas. Elas investigam a matéria inanimada. A biologia, a botanica, a zoologia e a fisiologia, chamadas cigncias biologicas, encarregam-se dos estudos acerca das diversas formas de vida. A sociologia, a economia, a historia, a antropologia, o direito e as cigncias politicas, que estudam o comportamento da vida social do homem, so chamadas ciéncias sociais A lingua, a lingtiistica, a literatura, a psicologia ¢ a filosofia, que estudam as manifestacbes intelectuais e culturais do homem, sto chama- das ciéncias humanas. Todas essas ciéncias podem ser chamadas de factuais, porque tém relagdo com algo encontrado na realidade. Ha também as ciéncias formais: sto a logica ¢ a matemiatica, que tratam de entes ideais, tanto abstratos como interpretados, existentes apenas na mente humana, em nivel conceitual Existem, naturalmente, outras classificacdes, que podem ser encon- tradas nos textos de metodologia cientifica e de filosofia da cigncia 2.4 Ciencia € tecnologia: vantagens, riscos ¢ decepcées O nascimento do “método cientifico” é, ao mesmo tempo, o inicio de um processo que, juntamente com outros fatores (politicos, sociais, culturais) foi definido como “época modema”, ou “modemidade”. Nesse processo comeca a emergir um novo tipo de humanidade, consciente da propria autonomia e de sua propria forca racional. No momento em que Descartes cunha o famoso axioma “Penso, logo exis- to", a razdo comeca a celebrar o seu triunfo Tal autonomia do ser humano recebe novo impulso a partir do século XVIII, com a civilizacéo industrial ou 0 desenvolvimento técnico- cientfico, desenvolvimento maravilhoso da cigncia moderna (a ciencia ba- seada em experincias metodicamente organizadas, verificaveis e contro- a ‘Meroeoioc canines laveis a0 maximo) ¢ de suas aplicacdes técnicas sempre mais varidveis € prodigiosas representa 0 acontecimento fundamental de nosso tempo. Estamos na época da tecnologia, que pode ser traduzida assim: a logica da técnica, A logica da técnica, intimamente relacionada com a ciéncia experi- mental — a técnica a servico da ciéncia, a cigncia a servigo da técnica —, deu ao ser humano uma nova capacidade, a de transformar a natureza, muhiplicando a producdo de bens. E assim que a economia foi assumin- do, na pratica, uma influéncia determinante na nova sociedade. A mo- demizacao trouxe consigo uma nova visio do homem e da sociedade Entramos numa era planetaria, gragas a crescente internacionalizacao da economia, da técnica e dos meios de comunicacio social. Os meios de producdo foram adquirindo tamanha importancia, que 0 proprio pensa- mento passou a ser reduzido a razdo funcional ou instrumental, enquan- to se perdia o sentido da ética ou dos valores morais. © proprio ser humano comecou a contar s6 pela funcao produtiva, de eficiencia, que ocupa na sociedade. No momento em que essa fungdo cessa, ele perde © seu interesse, o seu valor é descartado. Por isso, a modernidade exalta a producao e 0 trabalho. O ser humano que produz € 0 que vale, e vale por aquilo que produz. Nessa tendéncia esta também a sempre maior sofisticacao da producao. Tanto os paises capitalistas como os socialistas de corte marxista basicamente tiveram 0 mesmo ideal; resolver os problemas da humani- dade pelo ter mais ¢ nio pelo ser mais A civilizacdo tecnolégica trouxe consigo uma crescente urbaniza- 40, com 0 consequente anonimato citadino, uma mobilidade constante, a valorizacdo da educacto, das mudangas e do progresso, e uma acen- tuada disparidade entre paises ricos e paises pobres. A civilizacio tecnologica ¢ essencialmente urbana: e, no século XX, esse fendmeno se generalizou no mundo inteiro, Os Estados Unidos, por exemplo, em menos de cem anos, passaram de nagao agricola a me- tropolitana, e hoje mais de 90% da sua populacdo reside em areas metro- politanas. Porém, © mais portentoso fendmeno da urbanizagao € 0 que se processa nos paises subdesenvolvidos. As cidades da india, por exemplo, crescem 50% por década. No Brasil, jé ha varios anos a maioria da popu- lacao vive nas cidades. a ‘© mro00 cwstco Entao, 0 mundo inteiro esta se tornando “cidade”, mas as cidades de hoje tém seus grandes contrastes de vida e de morte, de esperanca € de desespero. A civilizacio tecnologica separa o homem da natureza ¢ 0 obriga a viver em um novo ambiente totalmente artificial, e nao raro inadequado, Liranico e psicologicamente aterrador. A brusca mudanca de um ambien- te natural para um outro artificial é a causa de um anonimato citadino, que, por sua vez, € quase sempre 0 responsavel por uma série de per- turbacées sociais, conflitos, violencias das mais diversas, criminalidade, prostituicfo etc. E quanto maior a cidade, maior 0 anonimato. O homem urbano moderno se assemelha a uma cifra sem rosto, € 0 *homem- ‘massa’, inexpressivo, sozinho e vido por um nome, ja que se sente freqtientemente reduzido a um nmero, ou a um cédigo de barras a ser “ido” por sofisticados computadores Outra conseqiéncia da crescente urbanizagdo € a mobilidade cons- tante, A moderna megalopole se constitui num verdadeiro movimento de massas, Trata-se de pessoas que vio ¢ vém ao mesmo tempo para diferentes locais e pontos das imensas cidades. O homem moderno viaja para o seu local de trabalho, para se divertir ou socializar-se, para estudar, para fazer suas compras etc. Ele € um ser em movimento constante Muitos estudiosos desse fendmeno tém chegado a conclusao de que 0 que jé mudaram uma vez so também os que tém mais possibilidades no sO de se mudarem uma vez mais, mas também de estarem mais abertos as novas idéias e mais acessiveis as constantes mudancas tipicas da civilizacéo tecnolégica A educacao hoje ndo € mais responsabilidade apenas da familia, pois se tornou condi¢ao essencial no processo de desenvolvimento téc- nico-cientifico, Eis a razio pela qual as sociedades tecnopolitanas inves- tem uma grande porcentagem do seu orcamento na educacéo, o que, consequentemente, estimula as pesquisas técnico-cientificas. A raciona- lidade, 0 espirito critica e a evolucao do proprio pensamento filosofico requerem uma margem muito grande de liberdade de pensamento ¢ de expresso. Mas tudo isso s6 € viavel num clima democratico, ¢ € por isso que quase todas as grandes sociedades tecnologicas constituern um meio de revisio permanente das idéias “a ‘Merooo.ecia ceinea © homem tecnopolitano se caracteriza por uma crenca quase cega com referencia a0 poder das cigncias e da técnica. Como estas sto dina- micas e ndo estaticas, o homem de hoje valoriza, ¢ as vezes de maneira ingenua ¢ irracional, as mudangas e o progresso. Pata ele, as cincias ¢ a técnica S20 as tinicas vias de acesso & solugao de todo e qualquer proble- ma, quer os individuais, quer os sociopolitico-econdmicos: por exemplo 0s problemas da fome, do cancer, da Aids, do subdesenvolvimento etc. Essa crenca na cigneia e na técnica se acha vinculada a “fe” num progresso sem limites. Tanto € assim, que o homem tecnopolitano nao ‘mais admira como antes, por exemplo, a noticia de uma nova invencéo técnico-cientifica, © que ele, de fato, admira € mais a demora de uma nova descoberta que venha solucionar um problema que a todos atinge, como € 0 caso da demora em se descobrir a cura do céncer. Portanto, 0 que vale € 0 progresso, nao importando que ele seja racional, trazendo assim beneficio a todos, ou se irracional, destrutivo € ameacador. E, diante dessa “fé" no progresso e nas mudancas, o homem de hoje contesta 0 mundo tradicional com todos 0s seus valores. Mas, quando tudo acaba ficando telativo, pode haver, psiquicamente, instabilidade desequilibrio. E ser desequilibrado psiquicamente talvez seja 0 preco que ‘© homem tecnopolitano tenha de pagar pela valorizacto desmedida das mudancas ¢ do progresso. Provavelmente, a mais visivel de todas as caracteristicas da civiliza- cao tecnolégica diga respeito ao problema do desenvolvimento ¢ do subde- senvolvimento. No hemisfério Norte, os paises ricos ou desenvolvidos, também denominados paises do Primeiro Mundo, caracterizados pelo alto nivel de vida de suas populagées, de raga branca e de tradicdo crista No hemisfério Sul, 0s paises pobres e subdesenvolvidos, também conhe- cidos como paises do Terceiro Mundo, onde se concentram dois tercos da humanidade faminta, Esse [ato se deu porque o desenvolvimento histérico que permitiu 0 progresso e o avanco das ciéncias e da técnica nos pafses desenvolvidos néo se processou do mesmo modo nos paises subdesenvolvidos, Alem disso, essa divisio econdmica vai se tornando cada vez maior. A titulo de exemplo, basta citar os seguintes fatos: 0 “éxodo dos cére- bros’, isto é, 0 pessoal altamente especializado dos pafses pobres emigra 44 © metoo0 exrico para 05 patses ricos, onde encontra melhores salarios, tecnologia mais avancada e maior possibilidade de realizar pesquisas; e 0 “comércio entre paises ticos e paises pobres”, em que os tiltimos sto, geralmente, expor- tadores de matétia-prima, cuja tendéncia geral dos precos € baixar, 20 asso que 0s paises ricos sao exportadores de produtos manufaturados, cujos precos tendem sempre a subir. Essas reflexdes mostram que a modernidade comeca a ser questio- nada. Jé se fala de pos-madernidade: esta tiltima tendéncia se caracteriza pela decepcao diante da ciéncia e da técnica, Essa decepcao tem sua razio de ser quando se considera a situacdo cada vez pior do meio ambiente (todo © problema ecolégico; 0 ecossistema que esta sendo afetado profundamente), as guerras que prosseguem, as experiéneias ato- micas que continuam, as injusticas e distancias crescentes entre ricos e pobres, 0 fracasso de muitas previsées otimistas Fica, entéo, questionada a crenca numa ciéncia e numa técnica tomadas como “a solucao” de todos os problemas da humanidade. A “interdisciplinaridade”, 0 interesse por culturas diferentes da chamada moderna, uma nova procura da experiéncia religiosa, entre outros fend- menos, s4o o sinal de que a postura do homem de hoje diante da ciencia e da técnica esta mudando. Texto complementar Produzir acima de tudo? “Dos tiltimos meses de 1996 para c4, acumularam-se evidencias de que algo trepida sob a carapaca de protecao do neoliberalismo ¢ do mundo globalizado. Nada ainda muito cristalizado ou plenamente con- figurado, mas explicitado o suficiente para alimentar reflexdes. O cenario continua marcado pela incerteza. Mas ha como que uma fresta de luz no horizonte, por onde se insinua uma leitura do futuro proximo. E que, de repente, diversos analistas e/ou estudiosos, alguns dos quais insuspeitissimos, comegaram a fazer discursos alter- nativos. Da énfase exclusiva e quase religiosa nos efeitos positives do ajuste neoliberal empreendido por diversos paises (Brasil incluido), s Meroociocia cesincé passou-se a admitir a existéncia de efeitos negativos, até entao nao teconhecidos ou menosprezados. Primeiro foi John Williamson, festejado patrono do Consenso de Washington, que, em setembro, defendeu uma ‘adaptacao’ nos princi- pios por ele formulados em 1989: os modelos de liberalizacdo devem tomar ‘maior cuidado com o social, com a educacao e com a criacdo de instituigdes que aumentem a governabilidade da economia’, disse ele & Folha de S.Paulo. Pouco depois, Michael Hammer, consagrado teérico da chamada ‘reengenharia’, fez uma pungente mea culpa: ‘Nao considerei suficientemente a dimenstio humana’, declarou, reconhecendo que so parcos os resultados obtidos pelas empresas que, seguindo 0 catecismo, cortaram, enxugaram, demitiram, reformaram-se, despejando milhares de trabalhadores no mercado do desemprego. ‘Se voce compete cons- truindo, tem futura. Se compete cortando, ndo tem’, actescentou Ste- phen Roach, papa do downsizing, agora convertido @ obviedade gerencial Reformadores antes endeusados pelos executives cortadores de cabecas passam agora a teconhecet que 0 enxugamento sem projeto, reduzido a obtencao de ganhos financeiros ou racionalidades de custos, nao leva a lugar nenhum, Tanto no setor privado quanto no publico, em ‘um tinico resultado seguro: dizimar os recursos humanos duramente acumulados, corroer os vinculos de solidariedade no interior das empre- sas, gerar medo € inseguranca entre os tabalhadores, colocé-los em posicao defensiva, malbaratar seus sindicatos ¢ sua vida associativa © epeticulo € deprimente: depois de terem chegado no osso, diver- sas empresas passaram a recontratat pessoal demitido, em busca dos ta Jentos antes ignorados, das competencias erroneamente dispensadas. Tem mais: a Associaczo Americana de Administragéo descobriu. que a maior parte das empresas que encolheram desde 1990 tiveram lucros menores (ou iguais) do que antes, e nao apresentaram quaisquer ganhos de produ tividade. Nao, nao se trata de discurso ‘contra’. Esta tudo no New York Times dos primeiros dias de dezembro de 1996. ‘As consequencias negativas do reformismo neoliberal tem gerado reagdes surpreendentes. Lester Thurow, importante professor de Econo- mia ¢ Administracao do Instituto de Tecnologia de Massachusett (MIT), concluiu que, a0 desmontar seu Estado previdenciario, 0 capitalismo norte-americano retornou ao século 19, quando se acreditava que ape- “6 (© ner000 can nas sobreviveriam os ‘mais fortes’, ou seja, 08 mais capazes de responder a dinamica do mercado e de viver sem protecoes sociais ou politicas compensatérias, Thurow acredita que € preciso resistr, reagir, desenca- deat uma ofensiva, Sob a Tideranga de quem? Ora, dos principais inte- ressados, os trabalhadores. Estes, sofredotes passivos de todos os efeitos dios ajustes neoliberais, precisam quebrar a cultura individualista neles introjetada a0 longo da Historia dos Estados Unidos e seguir os passos de sous irméos franceses: ‘Os franceses’, escreve Thurow, ‘demonstrat solidatiedade social ¢ capacidade de huta, enquanto os norte-americanos ransamente aceitam seu fardo individual’ Todios estes autores, na verdade, estio repondo, por vias distintas e as vezes inesperadas, uma tese que ja fequentava os ambientes democré- ticos e de esquerda ha bom tempo: o teformistno neoliberal nao oferece alternativa real aos problemas do capitalismo. Alem do mais, como lem- brou recentemente 0 socidlogo frances Alain Toutaine, apos ter consegui- do ‘ajustato capitalism e conter a hiperinflacio, o neoliberalismo ameaca agora paralisar 0 enfermo por completo, condenando-o assim a morter curado, Alem do mais, observa Touraine, ‘nos quatro cantos do mundo as sociedatles se diluem, as personalidades individuais se decompoem, as instituicdes como a escola ou a cidade s4o invadidas pela violencia e 0 Extado de Direito sente-se encurralado.. Podem as pessoas inteligentes fechar 0s olhos a isso? : : Os efeitos negativos das reformas neoliberais sempre foram vistos pela esquerda como mais evidentes do que 08 efeitos positives, Nio detxa de ser um avango a aceitacto de parte desta tese pelos que estao em campos opostos, entando ‘pragmaticamente”gerenciar o capitalisino Em tempos dileméticos como os nossos, € reconfortante apreciar esta retumbante prevalencia da realidade sobre a ideologia. Resta agora saber se a guinada tera consequéncia prética ou se se convertera t2o-somente numa forma sutil de expiagéo” (NOGUEIRA, 1997, p. 2A), a ill Unidade A pesquisa 3.1 Conceito de pesquisa A pesquisa é um procedimento reflexivo, sistematico, controlado e critico que permite descobrir novos fatos ou dados, solucdes ou leis, em qualquer area do conhecimento. Dessa forma, a pesquisa € uma ativida- de voltada para a solugdo de problemas por meio dos processos do método cientifico. Podemos, assim, indicar os trés elementos que caracterizam a pesquisa: a) o levantamento de algum problema; b) a solucao & qual se chega: c) os meios escolhidos para chegar a essa solucao, a saber, os instrumentos cientificos e os procedimentos adequados. A pesquisa, conforme a qualificacao do investigador, tera objetivos e resultados diferentes. O estudante universitaério que se inicia na pes- quisa e o pesquisador profissional j4 amadurecido e integrado numa equipe de investigacao terao objetivos distintos, de acordo com a habi- litac&o de cada um. O objetivo dos iniciantes € a aprendizagem e 0 treino das técnicas de investigacao, refazendo 0 caminho percorrido pelos pesquisadores. O resumo de assunto de uns segue a trilha dos trabalhos cientificos origi- nais de outros. Entende-se por trabalho cientifico original aquela pesquisa cujos resultados venham apresentar novas conquistas para uma determinada 49 ‘Merooo.aci cerca rea do saber. Trata-se, pois, de uma pesquisa sobre um determinado assunto levada a efeito pela primeira vez. Sao trabalhos dessa natureza que concorrem para o progresso das ciéneias com novas descobertas Entende-se por resumo de assunto aquele texto que retine, analisa € discute conhecimentos e informacdes j4 publicadas. O resumo de assun- to nao € um trabalho original, mas exige do seu autor a aplicacao dos mesmos métodos cientificos utilizados no trabalho cientifico original A maior parte dos trabalhos elaborados durante o curso de gra- duacio so, quanto a sua natureza, resumos de assunto e dificilmente trabalhos cientificos originais, Mas a elaboragtio de resumos de assunto fornece aos alunos a bagagem de conhecimentos e o treinamento cien- Uifico que os habilitam a se langar em trabalhos originais de pesquisa. 3.2 Procedimentos da pesquisa As técnicas de investigacdo so os procedimentos wtilizados por uma cigncia determinada. O conjunto dessas técnicas constitui o método. Cada ciencia tem seu método especifico, Existe, porém, um “deno- minador comum metodol6gico” idéntico para todas as ciéncias. Este com- preende um certo numero de procedimentos cientificos levados a efeito em qualquer tipo de pesquisa, Estes procedimentos s40 os seguintes: a) formular questées ou propor problemas e levantar hipoteses de soluga b) efetuar observacdes e medidas: no caso da pesquisa bibliogra- fica, as observacdes so realizadas pela leitura atenta de livros € artigos; ©) registrar cuidadosamente os dados observados com o intuito de responder as perguntas formuladas ou comprovar a hipdtese levantada, 4) elaborar explicagées ou rever conclusves, idéias ou opinides que estejam em desacordo com as observacdes ou com as respostas resultantes; ©) generalizar, isto é, estender as conclusées obtidas a todos os casos que envolvem condigdes similares; a generalizacdo € Arcus tarefa do proceso chamado de “indugao” (do particular para © geral); 1) prever ou predizer, isto é, antecipar que, dadas certas condi- oes, € de esperar que surjam certas relagves. Entretanto, o método se adapta as diversas ciéncias, na medida em que a investigacao de seu objeto impde ao pesquisador lancar mao de técnicas especializadas. Por esse motivo existem diferentes tipos de pesquisa 3.3 Tipos de pesquisa O interesse ¢ a curiosidade do homem pelo saber levam-no a in- vestigar a realidade sob os mais diversificados aspectos e dimensoes. Por outro lado, cada abordagem € realizada com técnicas e enfoques especificos, conforme 0 objeto de estudo. Por isso, existem varios tipos de Pesquisa, entre os quais ressaltamos os seguintes: a documental, a biblio- grifica, a descrtiva, a experimental e a qualitativa-participante. Toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes. Quando o levantamento ocorre no préprio local onde os fenémenos acontecem, temos uma documentagao direta (por exemplo, na entrevista) E, quando o pesquisador procura o levantamento que outros ja fizeram, temos a documentacdo indiveta A documentacéo indireta, por sua vez, pode ser encontrada nas fontes primarias, ou na bibliografia (livros e artigos). No primeiro caso, a pesquisa € documental; no segundo, biblio- grafica 3.3.1 Pesquisa documental A pesquisa € chamada de “documental” porque procura os docu- ‘mentos de fonte primaria, a saber, os “dados primarios” provenientes de Orgios que realizaram as observagoes. Esses “dados primérios” podem ser encontrados em arquivos, fontes estatisticas ¢ fontes nao-escritas. Os arquivos, por sua vez, podem ser puiblicos ¢ particulates. E os arquives pablicos podem ser nacionais, estaduais ¢ municipais st Meropai5c ack Os arquivos piblicos contém: — documentos oficiais; anuarios, editoriais, ordens régias, leis, alas, relatorios, oficios, correspondéncias, alvaras etc. — documentos juridicos oriundos de cartérios: registros gerais de falencias, inventarios, testamentos, escrituras de compra e ven- das, nascimentos, casamentos, desquites etc. Os arquivos particulates pertencem a instituigdes de ordem priva- da, como bancos, igrejas, indiistrias, partidos politicos, sindicatos, esco- las, residencias etc Sao documentos de acesso mais dificil, mas que também constituem rico acervo de conhecimentos, Englobam registtos diversos, oficios, bole- tins, memorandos, regulamentos, correspondencias, atas, memérias, esbo- 05, ditios, autobiografias etc. As fontes estatisticas provem de varios rgaos oficiais e particulates, responsiveis pelo censo ou pela coleta e elaboracdo de dados estatisticos, como, por exemplo, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatis- tica), os Departamentos Estaduais e Municipais de Estatistica, o Banco Centeal, 0 Tope (Instituto Brasileiro de Opinido Publica e Estatistica), 0 Instituto Gallup. Existem também as fontes ndo-escritas, utilizadas geralmente na einologia ¢ na arqueologia, consideradas importantes repositerios de conhecimentos. Entre elas se encontram: fotografias, gravacdes, filmes, videocassetes, disquetes, imprensa falada (televisao e rédio), desenhos, pinturas, esculturas, cancdes, indumentatias, objetos de arte, folclore € outros testemunhos graficos. ‘A pesquisa documental apresenta algumas vantagens. De fato, os documentos constituem uma fonte rica ¢ estavel de dados. E, como subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histérica. Alem disso, em muitos casos, a analise dos documentos exige apenas disponibilidade de tempo, tornando significativamente baixo o custo da pesquisa, comparado ao de outros tipos de pesquisa Convém aqui lembrar que algumas pesquisas elaboradas a partir de documentos sao importantes ndo porque tespondem definitivamen- te a um problema, mas porque proporcionam melhor visto desse pro- blema. 2 Armco 3.3.2 Pesquisa bibliografica A pesquisa bibliografica procura explicar um problema a partir de referéncias teéricas publicadas (em livros, revistas etc.). Pode ser reali- zada independentemente, ou como parte de outros tipos de pesquisa. Qualquer espécie de pesquisa, em qualquer area, supde ¢ exige uma pesquisa bibliografica prévia, quer para o levantamento da situacio da questo, quer para fundamentacio teorica, ou ainda para justificar os limites e contribuigdes da propria pesquisa Nas proximas unidades haverd indicacdes concretas sobre a manei- ra de proceder nesse tipo de pesquisa 3.3.3 Pesquisa descritiva A pesquisa descritiva observa, registra, analisa ¢ correlaciona fatos ou fendmenos (variéveis), sem manipulé-los, estuda fatos e fendmenos do mundo fisico e, especialmente, do mundo humano, sem a interferen- cia do pesquisador. Uma palavra para esclarecer os termos, Para alguns, o termo “fend- meno” indica apenas um sindnimo para “fato”. Entretanto, pode-se es- tabelecer uma distingao, dizendo-se que “fendmeno” ¢ o fato tal como percebido por alguém. Os fatos acontecem na realidade, independente- mente de haver ou ndo quem os conheca, Mas, quando existe um ob- servador, a percepcao que ele tem do fato é que se chama fendmeno. Pessoas diversas podem observar, no mesmo fato, fendmenos diferentes, Assim, por exemplo, um jovem viciado em drogas pode ser visto por um médico como um fendmeno fisioldgico, por um psicdlogo como fendmeno psicoligico, por um jurista como fendmeno jurtdico etc. A pesquisa descritiva procura, pois, descobrir, com a preciso possivel, a freqiéncia com que um fendmeno ocorre, sua relacdo e sua conexio com outros, sua natureza e suas caracteristicas. Busca conhe- cet as diversas situuagoes e relacbes que ocorrem na vida social, politica, econdmica ¢ demais aspectos do comportamento humano, tanto do individuo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas. 33 ‘Merono10Gn canriica ‘A pesquisa descritiva se desenvolve, principalmente, nas ciéncias hu- manas ¢ sociais, abordando aqueles dados e problemas que merecem ser estudados cujo registro no consta de documentos ou de publicacées. (Os dados, por ocorrerem em seu habitat natural, precisam ser cole- tados e registrados ordenadamemte para seu estudo propriamente dito ‘A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, entre as quais se destacam as seguintes: 1. Estudos exploratorios O estudo exploratorio, designado por alguns autores como pesqui- sa quase cientifica, ou nao-cientifica, é, normalmente, 0 passo inicial no processo de pesquisa. Trata-se de uma observacdo nao estruturada, ou assistemiética: consiste em recolher ¢ registrar os fatos da tealidade sem que 0 pesquisador utilize meios técnicos especiais ow precise fazer per- guntas diretas. E recomendavel o estudo exploratério quando ha poucos conheci- mentos sobre o problema a ser estudado. 2. Estudos descritivos Trata-se do estudo ¢ da descricéo das caracteristicas, propriedades ¢ relacdes existentes na comunidade, grupo ou realidade pesquisada Eis um exemplo: “O Brasil ingressa na década de 90 com umm contingente de 14,4 milhoes de familias (64,5 milhdes de pessoas) em condicdes de pobreza (com rendimentos per capita igual ou inferior @ meio salatio minimo), ou seja, com rendimentos insuficientes para atendet as suas necessidades haasicas, alimentares e nao alimentares. Dessas familias, 6,9 milhdes de pessoas encontravam-se em situacao de indigéncia (com rendimento per capita igual ow inferior a um quarto de salério minimo), onde nem as necessidades alimentares eram atendidas. Isto significa que, em 1990, de cada 10 brasileitos, 4,4 eram pobres ¢ destes, 2,3 indigentes” (IPEA, 1992, apud CNBB, 1994, p. 31) Os estudas descritivos, assim como os exploratérios, favorecem as tarefas da formulacao clara do problema e da hipotese como tentativa de solucéo. 3. Pesquisa de opiniao Procura saber atitudes, pontos de vista e preferéncias que as pes- soas tem a respeito de algum assunto, com o objetivo de tomar decisoes SA Arcus A pesquisa de opiniao abrange uma faixa muito grande de inves- tigacdes que visam identificar falhas ou erros, descrever procedimentos, descobrir tendencias, reconhecer interesses e outros comportamentos. Exemplo: Um politico encomenda uma “pesquisa de opiniao” para verificar quais sao as preferéncias dos eleitores e suas chances de ganhar uma eleicéo. 4. Pesquisa de motivacao Busca saber as razdes inconscientes ¢ ocultas que levam, por exem- plo, o consumidor a utilizar determinado produto, ou que determinam certos comportamentos € atitudes. Assim, no exemplo acima indicado, 0 politico ndo se limitaria a saber quem vora nele, mas “por que” vota nele 5. Estudo de caso E a pesquisa sobte um determinado individuo, familia, grupo ou comunidade para examinar aspectos variados de sua vida. A praitica do estudo de caso esté ligada & psicoterapia, caracterizada pela reconstrugo da historia do individuo, bem como ao trabalho dos assistentes sociais junto a individuos, grupos e comunidades. Por exem- plo, um juiz pede um “laudo técnico” do assistente social para verificar se © pai que nega a pensao alimenticia tem condigdes de providenci-la; ou quer saber do psicdlogo o historico de um menor infrator. Dessa ma- neira, ele tera importantes dados que 0 ajudarto a formular uma sentenca adequada Em suma: a pesquisa descritiva, em suas diversas formas, trabalha sobre dados ou fatos colhidos da propria realidade, Para isso sto util zados como principais instrumentos a observacio, a entrevista, 0 ques- tiondtio, o formulario e outras técnicas, Iremos refletir sobre estes ins- trumentos na V Unidade. 3.3.4 Pesquisa experimental A pesquisa experimental caracteriza-se por manipular diretamente as varidveis relacionadas com o objeto de estudo. Nesse tipo de pesquisa, a manipulacao das varidveis proporciona o estado da relacdo entre causas 55 ‘Meronoiocn cextiica e efeitos de um determinado fendmeno, Por meio da criacao de situagoes de controle, procura-se evitar a interferéncia de variaveis intervenientes. © que sio as variaveis? Variaveis sto aqueles aspectos, propriedades ou fatores reais poten- cialmente mensuraveis pelos valores que assumem e discerniveis em um objeto de estudo. Exemplos de variéveis sto 0 salitio, a idade, 0 sexo, a profissao, a cor, a taxa de natalidade etc., desde que se destaquem os valores que contém. Variavel é, portanto, um valor que pode ser dado a uma quantidade, caracteristica, magnitude, traco, qualidade etc., que pode oscilar em cada caso particular Existem és tipos de variaveis: — a varidvel independente (X): é o fator, causa ou antecedente que determina a ocorréncia de outro fendmeno, efeito ou con- seqente; — a variavel dependente (¥): € 0 fator, propriedade, efeito ou resultado decorrente da acao varidvel dependente; — a varidvel interveniente (W): € a que modifica a varidvel de- pendente, sem que tenha havido modificagdo na variavel in- dependente Exemplo: alunos de escola puiblica e de escola particular (X) obiém notas diferentes no concurso vestibular (¥) pelo nervosismo de uns e de ‘outros (W). Essa forma de considerar as variaveis € meramente contextual, 1ss0 significa que a variével independente num contexto pode ser dependen- te noutro e vice-versa Assim, por exemplo, nestas duas situacées: “aluno estuclioso” (X) € “aluno que sabe” (¥) ¢ “aluno que sabe” (X) € “aluno aprovado” (¥). Enquanto a pesquisa descritiva procura classificar, explicar e in- terpretar os fenomenos, a pesquisa experimental pretende dizer de que mo- do ou por que causas 0 fendmeno € produzido. A diferenca que geral- mente se estabelece entre os conceitos “descrever” e “explicar” pode, aproximadamente, indicar como a pesquisa descritiva se distingue da experimental. “Descrewer” € narrar o que acontece; “explicar” é dizer por que acon- tece, Assim, a pesquisa descritiva esta interessada em descobrir ¢ obser- var fendmenos, procurando descrevé-los, classificé-los e interpretd-los. A 56 Arrsquss pesquisa experimental, por sua vez, pretende dizer de que modo ou por que causas 0 fendmeno € produzido. Para atingir esses resultados, 0 pesquisador fara uso de aparelhos e instrumentos apropriados, capazes de tomar perceptiveis as relacdes existentes entre as varidveis envolvidas no objeto de estudo. Exemplo: procura-se verificar se, num determinado grupo de ho- mens, 0 fumo (variavel independente) produz cancer no pulmao (varié- vel dependente), Para que a nossa tesposta seja positiva (0 fumo € a causa do cancer), @ necessirio observar o seguinte — o cancer ndo apareceu antes de os homens comecarem a fumar; — existe uma correlagio positiva entre quantidade de fumantes ¢ quantidade de cancer no pulmao; — nao existem outros fatores capazes de explicar o surgimento do cancer, a ndo ser o fato de alguém ser fumante. E sobretudo para garantir este ultimo item que, na pesquisa experi- ‘mental, se cria uma situacdo de “controle rigoroso”, Lembramios, a respei- to, 0 famoso experimento de Pasteur (1822-1895) sobre a hipstese da “geragdo espontanea”. Pasteur colacou dois frascos iguais nas mesmas condicées de temperatura € durante 0 mesmo tempo: um deles era fecha- do e 0 outro, aberto. Neste tiltimo produziu-se uma fermentacto: 0 que nao aconteceu no outro frasco. O ciemtista, dai, concluiu que a fermenta- Gio era provocada pelos germes carregados no ar. Para realizar o experimento, Pasteur garantiu 0 “controle rigoroso”, deixando os dois frascos nas mesmas condigées, exceto uma: a abertura ou fechamento do frasco, Dessa forma, o “controle” visa “isolar” a obser- vacio de fatores ou influencias capazes de nela intervir, falseando-a Num sentido mais estrito, 0 “controle experimental” é uma situacao criada em laboratério; num sentido mais amplo, chama-se também de experimento a situacées criadas, mesmo fora do laboratorio, mas no qual sto utilizadas técnicas rigorosas, com o objetivo de exercer controle sobre as varidveis que vao ser observadas, Exemplo: A classe A ¢ a classe B de um determinado colegio sao iguais em todos os aspectos (inclusive no método de ensino adotado € na média do rendimento escolar alcancada por seus alunos). Sera entao aplicado um novo método de ensino a classe A, continuando a classe B com o método anterior. Se, depois de algum tempo, o rendimento da 7 ‘Meropoioaa ctica classe A for maior (ou menor) do que o da classe B, pode-se afirmar que tal rendimento (maior ou menor) € efeito do “lator experimental”, isto 6, do elemento que foi acrescentado (no exemplo citado, o novo metodo de ensino). Utiliza-se, num experimento, dois (ow mais) grupos: aquele onde se aplica, ou se retira, o “fator experimental” denomina-se “grupo expe- imental”. No exemplo dado, a classe A funciona como grupo experi- mental. O outro se chama “grupo de controle” (no exemplo dado, a classe B) e serve de comparacdo para o grupo experimental No contexto da pesquisa, o experimento € um meio que se utiliza com a finalidade de verificar hipsteses ¢ formular, conseqientemente, ‘uma “lei”. E as leis servem para afirmar relagoes constantes existentes entre variaveis. 3.3.5 A pesquisa qualitativa em psicologia e em educacao ‘A pesquisa qualitativa em psicologia ¢ em educacio questiona ¢ poe em duvida o valor da generalizacdo. Com isso, diferencia-se da pes- quisa comum feita em ciencia, que € quantitativa ¢ tem como alvo che- gar a principios explicativos € a generalizacdes. A pesquisa quantitativa se inicia com o estudo de um certo numero de casos indlividuais, quantifica fatores segundo um estudo tipico, ser vindo-se frequentemente de dados estatisticos, e generaliza 0 que foi encontrado nos casos patticulares. Diferentemente da pesquisa quantitativa, a qualitativa busca uma compreensto particular daquilo que estuda: 0 foco da sua atengao € cen- tralizado no especifico, no peculiar, no individual, almejando sempre a compreensdo e nao a explicacao dos fendmenos estudados. Pense-se, por exemplo, em citime, depressdo, hostilidade, medo etc: cada um desses fenomenos 56 se mostra enquanto situado, Ou seja, s6 se mostra numa situacdo em que alguém (tum ser especifico) esta sentindo citme, depres- sto ete, © acesso a esses fendmenos se da pelo sentir ¢, indiretamente, por meio da descrigao do sentir citime, depressio etc ‘A afirmativa basica dessa modalidade de pesquisa é a de que € possivel conseguir um significado psicolégico mais profundo quando se 38 A rescue actescenta & preciso que os niimeros podem fornecer © procedimento da pesquisa qualitativa Tal pesquisa procura introduzir um rigor que ndo € o da precisto numérica aos fendmenos que ndo sao passiveis de ser estudados quan- titativamente, tais como, angtistia, ansiedade, medo, alegria, célera, amor, tristeza, solidao etc. Esses fendmenos apresentam dimensoes pessoais € podem ser mais apropriadamente pesquisados na abordagem qualitativa. Os estudos assim realizados apresentam significados mais relevantes tanto para 0s sujeitos envolvidos como para 0 campo de pesquisa ao qual 0 estudo desses fendmenos pertence. Dito de outro modo, na abordagem qualitativa, a pesquisa em psicologia e educacio nao deveria ser total- mente independente de tempo, de espaco e de sujeitos. Dessa maneira, nna abordagem qualitativa, a pesquisa € concebida como sendo um em- preendimento mais abrangente e multidimensional do que aquele co- mum a pesquisa quantitativa A abordagem qualitativa se baseia particularmente na fenomenolo- gia de Edmund Husserl (1859-1938). Na sua “teoria do conhecimento”, Husserl nao privilegiou nem 0 “sujeito” que conhece, nem 0 “objeto” conhecido, mas a relagio entre ambos. De fato, néo pode haver cons- citncia (= sujeito) desvinculada do mundo (= objeto). “A consciéncta € sempre consciéncia de alguma coisa”: ha uma dependencia entre a cons- ciencia ¢ 0 mundo. A fenomenologia procura “volar as coisas mesmas”, ao fenomeno que integra a consciencia ¢ 0 objeto, unidos no proprio ato de signifi- cago. A conscigncia & sempre intencional, esta constantemente voltada para um objeto, enquanto este é sempre objeto para uma consciéncia Nessa perspectiva, 0 “ser humano” néo é definido aprioristicamente. © ser humano é, pelo contrario, um ser-no-mundo; existe sempre em relagdo com algo ou com alguém e compreende as suas experiéncias, ou seja, Ihes atribui significados, dando sentido a sua existéncia. Vive num certo espaco ¢ em determinado tempo, mas os vivencia com uma ampli tude que ultrapassa essas dimensdes objetivas, pois consegue transcender a situacdo imediata; seu existir abrange nao apenas aquilo que é € esta vivendo em dado instante, mas também as miltiplas possibilidades as “quais a sua existéncia se encontra aberta, Entretanto, a abertura origindria as nossas possibilidades nao se realiza facilmente, pois nos defrontamos 59 MeroD0uocia ciEtiFica com obstaculos e restricdes no decorrer da existéncia. O ambiente, o clima, as intempéries, os acidentes, bem como 0 nosso organismo, os instintos, os condicionamentos e as doencas aos quais estamos sujeitos constituem limi- tes mundanos e pessoais a vida de todos nés. Além disso, 0 existir restringe a presenga concreta do individuo num determinado momento, num tnico lugar e lhe permite fazer apenas uma coisa por vez na vida. Por isso, ele nao consegue realizar todas as suas possibilidades, precisa fazer escolhas entre elas e cada escolha implica muitas rentincias. A livre abertura originaria do ser humano as suas multiplas possi- bilidades e as restrigdes a essa abertura, que surgem na concretude do existir, evidenciam o quanto a existéncia humana é paradoxal Ser sadio existencialmente consiste tanto em se abrir as proprias possibilidades como em aceitar e enfrentar os paradoxos e restricdes da existéncia Esse enfoque fenomenologico do ser humano “aqui e agora” tem suas conseqliéncias na maneira de realizar uma pesquisa qualitativa. A delimitacéo do problema da pesquisa ndo resulta de uma afirmacdo prévia e individual, formulada pelo pesquisador e para a qual recolhe dados comprobatorios. A identificacéo do problema e sua delimitacao pressupdem uma imersao do pesquisador na vida e no contexto, no passado ¢ nas circunstancias presentes que condicionam o problema Os dados da pesquisa qualitativa nao sao coisas isoladas, aconteci- mentos fixos, captados em um instante de observacao. Eles se dao em um contexto fluente de relagdes: sao “fendmenos” que nao se restringem as percep¢des sensiveis e aparentes, mas se manifestam em uma comple- xidade de oposicdes, de revelagdes e de ocultamentos. Na pesquisa qualitativa todos os fendmenos sao igualmente importantes € preciosos a constancia das manifestacdes e sua ocasionalidade, a freqtiéncia ¢ a interrupeao, a fala e o siléncio. Procura-se compreender a experiencia que todos os “sujeitos” tém. A pesquisa qualitativa ¢ considerada, basicamente, descritiva. Privi- legia algumas técnicas que coadjuvam a descoberta de fendmenos laten- tes, tais como observacao participante, historia ou relatos de vida, entre- vista nao-diretiva ete. Em suma: a pesquisa qualitativa valoriza o ser humano, que nao pode ser reduzido a “quantidade”, a “namero”, a “esquema generalizado” 60

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