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Nildo Viana*
*
Sociólogo, Filósofo, Doutor em Sociologia/UnB; Professor da Universidade Estadual de Goiás. E-mail:
nildoviana@terra.com.br; tel. 62 582-0238
uma nova classificação que, no entanto, não apresenta a mesma quantidade se o
fizermos por seus aspectos superficiais. Suchodolski sugere, então, que o grande divisor
de águas no pensamento pedagógico ocorre entre a pedagogia da existência e a
pedagogia da essência.
Devemos reconhecer o mérito da abordagem de Suchodolski, mas a sua
distinção entre pedagogia da essência e pedagogia da existência nos parece inadequada.
Assim, iremos seguir as pegadas de Suchodolski até o momento de se pensar qual é o
“problema essencial” das concepções de educação, sem utilizar sua classificação. O
motivo de discordarmos de sua divisão entre “pedagogia da essência” e “pedagogia da
existência” se encontra no fato de que ele encontra nela a oposição entre filosofia da
essência e filosofia da existência (existencialismo), o que, do nosso ponto de vista, traz
mais confusão do que solução, pois muitos pensadores que ele diz defender o
existencialismo em pedagogia, são, no fundo, essencialistas e vice-versa.
Por isso temos que sugerir uma nova forma de classificação. Faremos isto nos
inspirando no próprio Suchodolski. Aquilo que ele denomina “pedagogia da essência”
se caracteriza principalmente por pensar que a educação ou o saber se dá através de um
desenvolvimento externo ao indivíduo, enquanto que, para o que chama de “pedagogia
da existência”, isto ocorre via desenvolvimento interno. Daí o caráter “coletivista” e/ou
“racionalista” que muitas vezes acompanha a primeira e o caráter “individualista” ou
“romântico” que várias vezes acompanha a segunda. Portanto, as categorias-chave aqui
são interno e externo. Por isso iremos dividir as concepções de educação em duas
formações básicas: a pedagogia externalista e a pedagogia internalista. Elas coincidem,
na maioria das vezes, com o que Suchodolski denomina pedagogia da essência e
pedagogia da existência, respectivamente, embora isto não ocorra em alguns casos.
Além disso, a coincidência ocorre, em alguns casos, devido a fundamentos diferentes
dos propostos por este autor.
A Pedagogia Externalista
A pedagogia externalista considera que o saber não é “inato” ao indivíduo, que
ele deve ser transmitido. Um indivíduo não aprende sozinho mas tão-somente através do
ensino. Logo, se estabelece uma distinção entre aquele que ensina e aquele que aprende,
entre mestre-discípulo ou professor-aluno.
As origens remotas desta concepção se encontram na filosofia antiga e Platão é o
nome de seu sistematizador neste período histórico. O contexto social em que isto
ocorre é o da ampliação da divisão social do trabalho e da formação de uma nova
camada social, a dos filósofos, que se dedicava exclusivamente ao trabalho intelectual.
A concepção de educação em Platão é descrita de forma mais sistemática e clara em sua
Alegoria da Caverna, na qual realiza a distinção entre o mundo das sombras (o mundo
dos sentidos, da experiência) e o mundo das luzes (da razão), sendo que este era
“habitado” pelos filósofos (Viana, 2000). Sendo assim, as pessoas vivem naturalmente
no mundo das sombras, no reino da doxa (opinião) e para chegarem ao mundo das
luzes, ao reino do logos (razão) precisam da mediação dos filósofos.
A pedagogia externalista reinou absoluta na sociedade feudal. A concepção
medieval de mundo subordina a razão à revelação (Viana, 2000), mas mantém a
dicotomia platônica entre duas esferas da realidade: uma empírica, temporal; outra
verdadeira, eterna (Suchodolski, 1984). Assim, os iniciados nas Sagradas Escrituras, os
teólogos, são aqueles que possuem o saber verdadeiro e que podem transmiti-lo.
Na sociedade moderna, a pedagogia externalista se desenvolveu sob as mais
variadas formas. O racionalismo renascentista e o iluminismo são algumas das formas
assumidas pela pedagogia externalista. Podemos citar, no amplo conjunto de
representantes da pedagogia externalista, nomes como os de Erasmo de Roterdam, John
Locke, Comenius, Hegel, Kant, Durkheim, entre inúmeros outros. Vejamos o exemplo
de Comenius:
“Na realidade, esse ser social não nasce com o homem, não se apresenta na
constituição humana primitiva, como também não resulta de nenhum desenvolvimento
espontâneo. Espontaneamente, o homem não se submeteria à autoridade política; não
respeitaria a disciplina moral, não se devotaria, não se sacrificaria. Nada há em nossa
natureza congênita que nos predisponha a tornar-nos, necessariamente, servidores de
divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve a render-lhes culto, a
nos privarmos em seu proveito ou em sua honra. Foi a própria sociedade, na medida de
sua formação e consolidação, que tirou de seu próprio seio essas grandes forças morais,
diante das quais o homem sente a sua fraqueza e inferioridade. Ora, exclusão feita de
vagas e incertas tendências sociais atribuídas à hereditariedade, ao entrar na vida a
criança não traz mais do que a sua natureza de indivíduo. A sociedade se encontra, a cada
nova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir
quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e
associal, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da
educação” (Durkheim, 1978, p. 42).
Durkheim, assim, opõe indivíduo e sociedade para defender a supremacia da
última, de acordo com sua concepção holista (Viana, 1999), e nisto coincide com Locke
e com Comenius. Estes são três exemplos de pedagogia externalista, pois todos
consideram que o saber deve ser inculcado no indivíduo, que ele vem do exterior e nisso
haviam sido precedidos por Platão.
A pedagogia externalista, portanto, compreende a educação como um processo
que ocorre “de fora para dentro”, da sociedade para o indivíduo, do mestre para o
discípulo. Por conseguinte, temos aqui uma concepção de educação nitidamente
conservadora, voltada para a conservação da sociedade burguesa. Esta concepção está
marcada pela naturalização de uma determinada sociedade, uma determinada cultura,
um determinado saber. Sem dúvida, por detrás disso tudo se manifestam valores
coincidentes com a da sociedade existente.
A Pedagogia Internalista
A pedagogia internalista parte de pressupostos contrários aos da pedagogia
externalista. O saber, para a concepção internalista, é um desenvolvimento interno do
indivíduo. Este não nasce sabendo, mas nasce com a capacidade de saber. O que cabe ao
indivíduo é desenvolver esta capacidade e assim adquirir o saber.
Embora possamos vislumbrar a origem remota da pedagogia internalista já na
Grécia Antiga, nos filósofos sofistas, podemos dizer que é com o romantismo de
Montaigne e Rousseau que ela dá os seus primeiros passos rumo a uma sistematização.
Rousseau cumpriu um papel fundamental na constituição da pedagogia internalista:
“Não somente deve recusar-se o ato de instruir, como ainda se verifica que ele é
inútil e vão: com efeito, os conhecimentos são, fundamentalmente, incomunicáveis. Não há
verdadeiros conhecimentos além daqueles que eu próprio tiver adquirido pelas minhas
próprias pesquisas, pelo meu próprio esforço, sem nenhum contributo exterior. Assim, uma
comunicação de outrem tocar-me-á, certamente, enquanto dela conservar a recordação,
mas não captarei intimamente o seu significado. Não a compreenderei” (Hannoun, 1980,
p. 59).
A pedagogia internalista, ao contrário da externalista, concebe a educação como
um processo que ocorre “de dentro para fora”, do desenvolvimento espontâneo do
indivíduo (aluno, criança). No entanto, o indivíduo aqui é uma abstração metafísica, um
ser associal, dotado de capacidades e de liberdade de escolha, que, na realidade
concreta, é um ser inexistente, o que aproxima tais concepções com as do
individualismo metodológico (Viana, 1999). Assim, a pratica pedagógica derivada desta
concepção também é conservadora, pois toma o indivíduo constituído pela sociedade
burguesa e faz sua apologia, defendendo o seu “desenvolvimento autônomo”, deixando
de lado o fato elementar de que ele nasce no interior de relações sociais e é um ser
social, não escapando das marcas que a sociedade imprime nele.
Montessori parece perceber isto quando coloca: “Ora, para tratar a criança de um
modo diferente do atual, para salvá-la dos conflitos que colocam em perigo sua vida
psíquica, é necessário antes de tudo: modificar o adulto” (Montessori, 1990, p. 22). No
entanto, o “adulto” na sua abordagem é, fundamentalmente, o professor. Os limites de
sua proposta pedagógica se localizam aí e podemos ver isto quando ela trata da “livre
escolha”, pois ela afirma, partindo de uma experiência vivenciada por ela em uma
escola:
“As crianças usavam o material, mas era a professora quem o distribuía e depois
tornava a guardá-lo. Ela me contou que quando fazia a distribuição as crianças se
levantavam e se aproximavam dela; quantas vezes fossem mandados de volta a seus
lugares, tornavam a levantar e aproximar-se. A conclusão da professora foi de que as
crianças eram desobedientes. Ao observá-las, compreendi que seu desejo era recolocar os
objetos em seus respectivos lugares, e dei-lhes liberdade para fazê-lo. Desse modo, surgiu
uma espécie de vida nova: arrumar os objetos e corrigir cada eventual desordem era uma
atração fortíssima” (Montessori, 1990, p. 134).
Sem dúvida, a interpretação de Montessori deste fato é mais adequada. Porém,
ela se esquece que tal “desejo de organização” não é inato e sim constituído socialmente
e que a criança já o desenvolve antes de entrar na escola, certamente através das
relações familiares. Aliás, a própria Montessori reconhece, ao falar dos “ambientes dos
adultos” e da diferença entre o trabalho adulto e o infantil, isto e alguns pensadores já
falaram da “gerência doméstica” que deixa pouco espaço para a criança se locomover
(Oliveira, 1986). Por conseguinte, o desejo de organização é apenas a reprodução pela
criança de valores e comportamentos impostos pelos adultos.
No entanto, devemos reconhecer, no interior da pedagogia internalista, uma
corrente crítica que, embora limitada por uma concepção individualista, se aproxima da
concepção marxista de educação. Rousseau, por exemplo, realizava uma crítica da
sociedade burguesa nascente e por isso assumia uma postura de contestação aos
modelos dominantes de educação e alguns representantes das pedagogias não-diretivas
também contestam o processo educacional e seu caráter repressivo. Apesar disso, a
pedagogia internalista, mesmo em suas concepções mais críticas, não consegue superar
os limites do internalismo. A pedagogia internalista vai se instituindo a partir do
momento da expansão capitalista, que vai gerando, por um lado, um processo crescente
de mercantilização e burocratização da sociedade, e esta é a fonte das correntes críticas
internalistas, especialmente as influenciadas pelo existencialismo – que de certa forma é
uma recusa deste estado de coisas (Oïzerman, 1974) –, e, por outro, um desinteresse e
resistência crescente por parte dos estudantes aos procedimentos habituais inspirados na
pedagogia externalista, o que vai gerar as correntes internalistas não-críticas.
Após apresentarmos estas duas concepções de educação (e aqui o termo
“pedagogia” tem este significado amplo), devemos, tal como fez Suchodolski (1984),
reconhecer que existiram tentativas de “fusão” delas, mas que, no fundo, acabam
apresentando o predomínio de uma ou de outra em sua abordagem. No entanto,
nenhuma destas concepções de educação são, do ponto de vista marxista, satisfatórias.
Tal como coloca Suchodolski:
“Se Marx (...) baseou sua educação na associação entre trabalho e escolaridade,
a análise prévia (...) de sua posição indicou que ele excluiu de sua educação todas as
atividades desenvolvidas na fábrica capitalista. Em muitos pontos de seu trabalho, Marx
identificou o caráter burguês de uma educação industrial que prepara o futuro trabalhador
para servir ao capitalista e até mesmo para ser mais produtivamente explorado por ele”
(Rossi, 1981, p. 121).
Por conseguinte, Marx rejeita a educação industrial, mesmo a dita
“diversificada” e propõe uma educação politécnica. Em outras palavras, Marx propõe a
união entre educação e trabalho no sentindo de abolir a separação entre trabalho
intelectual (educação) e trabalho manual (“trabalho”) visando a formação multilateral
do ser humano como ponto de partida para a transformação social e sua futura formação
omnilateral. Assim, Marx pretende utilizar a educação politécnica, uma alternativa
superior à educação industrial diversificada, como meio de transformação social. Rossi
expressou isto da seguinte forma:
“Apenas cerca de dez anos mais tarde [ou seja, após escrever A Ideologia Alemã -
NV], diante de uma nova classe de operários de ofício, polivalentes e que se tornarão os
protagonistas do anarco-sindicalismo, é que Marx, nos Grundrisse, acredita poder
descobrir o fundamento material da capacidade de auto-emancipação dos proletários e de
sua vocação autogestionária: prevê então que o desenvolvimento das forças produtivas
substituirá o exército de trabalhadores braçais e operários não-qualificados militarmente
enquadrados, por uma classe operária de politécnicos, ao mesmo tempo manuais e
intelectuais, que dominarão o processo de fabricação em seu conjunto, exercerão seu
controle sobre conjuntos técnicos complexos, passarão, com facilidade, de um trabalho
para outro, de um tipo de produção para outro. O despotismo da fábrica, os oficiais e
suboficiais da produção serão suprimidos, os próprios patrões irão aparecer como
parasitas supérfluos e os ‘produtores associados’ exercerão seu poder de autogestão nas
fábricas e na sociedade” (Gorz, 1982, p.38-39).
Gorz se equivoca aqui em dois pontos: em primeiro lugar, não se trata de
operários politécnicos produzidos pelo desenvolvimento das forças produtivas, pois
Marx sabia muito bem que o capital não deixaria que isto ocorresse, pois o controle da
produção e da tecnologia é fundamental para a reprodução do seu domínio. A formação
de operários politécnicos era facilitada pelo desenvolvimento tecnológico, mas não
realizada. A sua realização dependia da ação do movimento operário, principalmente
através da defesa da educação politécnica (e esta não seria privilégio de um setor da
classe operária mas do seu conjunto). Em segundo lugar, Gorz se esquece que a
formação do proletariado tem um elemento que se constitui fora da fábrica, exterior ao
processo de trabalho, tal como colocaremos a seguir.
Ao lado da formação politécnica, a liberação do operário do tempo de trabalho
(isto é, do tempo de trabalho para o capital, o trabalho assalariado) permite-lhe
desenvolver outras atividades além das atividades técnicas. Isto pode ser visto em sua
colocação sobre a aprendizagem da economia política pelos jovens, pois, segundo ele,
ela se dará através da “luta cotidiana pela vida” (Marx & Engels, 1992, p. 98).
Aqui se destaca uma questão fundamental para a concepção de educação em
Marx e que é esquecida pelos seus comentaristas por se centrarem na questão escolar.
Marx considera que a formação do proletariado se dá fundamentalmente na luta de
classes, pois é através desta que ele desenvolve os fundamentos de uma nova
sociabilidade, novos valores, eleva o nível de sua consciência. O desenvolvimento da
indústria, dos meios de comunicação, as crises comerciais, dos conflitos entre frações da
burguesia e desta com outras classes sociais, permitem o surgimento da associação
operária, embrião da futura sociedade, e cria as bases de sua educação política e geral
(Marx & Engels, 1988; Marx, 1989). Portanto, a luta de classes é um elemento
fundamental para a educação do proletariado. Segundo Marx e Engels:
Bibliografia