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Principio da Legalidade

O principio da Legalidade , como uma das principais garantias individuais do


cidadão, tem aplicação em todos os ramos do direito. Restringimo-nos aqui a abordar a
Legalidade no âmbito do Direito Penal, fazendo breve menção à sua previsão
constitucional no inciso II do art. 5º da Constituição Federal pretendemos, com este
lacônico estudo, apontar as características fundamentais do principio da legalidade, suas
funções, bem como as implicações que daí decorrem, os principios que com ele se
relacionam diretamente e a aplicação da lei penal no tempo, trazendo algumas
orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores sobre os assuntos mais relevantes.
É garantia individual de cunho constitucioanl cuja análise é imprescindpivel aa a
compreensão de todos os outros institutos do Direito Penal, sendo também o princípio
mais importante desse ramo do Direito. Sem a pretensão de esgotar o tema, estudaremos
apenas as questões do instituto que reputarmos mais relevantes.

ESTADO DE DIREITO E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Estado de Direito é uma concepção imediatamente ligada ao princípio da


legalidade INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO remota o conceito de Estado de Direito
ao direito alemão, mencionando BÖCKENFÖRDE, o qual ressalta que o surgimento
dessa expressão se deu na Alemanha. Seu significado não tem correspondente exato em
outro idioma, significando, no âmbito da teoria do Estado do liberalismo alemão, dentro
da qual foi cunhada a expressão, o Estado da razão, do entendimento, ou “[...] o Estado
em que se governa segundo a vontade geral racional e somente se busca o que é melhor
para todos”. O autor aponta, então, características essenciais do Estado de Direito: não é
criação de Deus, estando a serviço dos interesses de todos os indivíduos; sua atividade
cinge-se a garantir a liberdade, a segurança e a propriedade, assegurando-lhe a todos a
possibilidade de desenvolvimento indivídual; e: ¹

[...] a organização do Estado e a regulamentação das suas atividades


obedecem a princípios racionais, do que decorrem em primeiro lugar o
reconhecimento dos direito básicos da cidadania, tais como a liberdade civil, a
igualdade jurídica, a garantia da propriedade, a independência dos juízes, um
governo responsável, o domínio da lei, a existência de representação popular e
sua participação do Poder Legislativo .

Um Estado com predicativo “ de Direito” tem como principal característica,


então, exatamente o domínio da lei. Daí a garantia de que ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei ( art. 5º, II, da Constituição). É
exatamente esse o princípio da legalidade, sendo inclusive individual.²
ZAGREBELSKY, citado por INOCÊNCIO COELHO, afirma categoricamente
que, a lei não depende da legitimação material, ainda que possa vir a ser invalidada por
incostitucionalidade. Ela vale porque é leim e não pelo conteúdo de sua prescrição³.
Vemos que a afirmação é fruto da tamanha importância que é dada à lei no Estado de
Direito. É claro que não podemos aderir cegamente à ideia de que a lei, sendo
formalmente válida, sê-lo-á invariavelmente no âmbito jurídico. Hodiernamente temos
que admitir uma legalidade comprometida com a Costituição, lei fundamental do
moderno Estado de Direito.4 Vale a lembrança de que todas as Constituições brasileiras
trouxeram o principio da legalidade no sentido do Direito Penal em seu bojo.5

PRINCÍPIOS QUALIFICADOS DA LEGALIDADE NO


DIREITO PENAL

Translado especificamente para o âmbito do Direito Penal, o princípio da


legalidade assume feições peculiares. Sua aplicação é idêntica, tendo-se-o como
verdadeira garantia do cidadão (art. 5º, XXXIX, CF),2 todavia vários outros princípios,
associam-se a ele. NUCCI aponta três sgnificados principais de legalidade : o político,
que o posiciona como garantia constitucional dos direitos fundamentais; o jurídico lato
sensu, traduzido pelo art. 5º, II, da Constituição; e o jurídico stricto sensu, consoante o
qual os tipos penais incriminadores apenas podem ser criados por leis em sentido estrito,
produzidas pelo Poder Legislativo e em conformidade com o process legislativo
constitucionalmente disciplinado.7
Auxiliando-o, surge uma série de princípios, os quais não abordaremos aqui em
sua totalidade, por não ser essa a pretensão deste estudo. Vale a menção de alguns deles,
de suma importância para a eficiência da legalidade para criar leis penais
incriminadoras, mas também a uma gama de outros princípios.8 O princípio da
intervenção mínima, por exemplo, designa a exclusividade da intervenção do Direito
Penal para os casos de violação aos bens jurídicos mais importantes; é a criação da lei
penal vinculada ao Direito Penal como última ratio. Esse princípio limita o poder
incriminador do Estado, qualificado o princípio da legalidade, tornando-o mais benéfico
ao cidadão. 9 Complementando a intervenção mínima, temos o princípio da
fragmentariedade. Diz esse princípio que o Direito Penal, apesar de proteger apenas os
bens jurídicos mais importantes, somente deverá intervir em situações específicas de
grave violação a esses bens. “Fragmentariedade” porque importará ao Direito Penal
apenas um “fragmento” das hipóteses de violação aos bens jurídicos mais importantes.10
Mencionemos também o princípio da taxatividade, segundo o qual a lei penal deverá
ser categórica e o mais calra possível, garantindo maior segurança jurídica ao cidadão.11
Não podemos deixar de citar o princípio da proporcionalidade, também
qualificador da legalidade. No momento de combinação das penas de cada crime ( bem
como na aplicação), deverá o legislador atender ao critério da proporcionalidade.
Deverá o valor da pena corresponder razoavelmente à gravidade da conduta praticada
pelo agente.12 Ademais, o princípio da limitação das penas, garantido
constitucionalmente (art. 5º, XLVII, CF), impede que uma lei penal imponha de morte,
de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimentos ou cruéis.13
O princípio da ofensividade, bem lembrado por LUIZ FLÁVIO GOME,
determina que uma conduta punível pelo Direito Penal não é só aquela que se subsume
a uma descrição típica, senão aquela que efetivamente lesiona o bem jurídico protegido
por aquele tipo penal (nullum crime sine iniuria).14 Acompanhando o princípio da
legalidade, temos també o da itrretroatividade da lei penal (constitucional, apenas se
permitindo a retroatividade se a lei for mais benéfica ao réu).15 São todos os princípios
voltados a beneficiar o cidadão, corroborando a intervenção mínima exigida pela
natureza repressiva do Direito Penal.
Finalmente, os princípios da territorialidade e da extratividade contribuem
também para uma maior segurança jurídica para os cidadãos. De nada adianta saber que
para se ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo deve haver uma lei dizendo que
deve ser assim se não se sabe em que lugares será aplicada essa lei. Pelo princípio da
territorialidade, é aplicada a lei brasileira a todo o crime cometido no território
brasileiro. Para efeitos de aplicação da lei penal no espaço, território é o espaço onde o
estado exerce sua soberania. Dessarte, compreende a área terrestre, limitada pelas
fronteiras; os mares interiores, lagos e rios; o mar territorial e as ilhas marítimas; o
espaço aéreo correspondente e as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza
pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que estejam, bem como aéro
naves embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada que se encontrewm
no espaço aéreo correspondente ou em alto mar (art. 5º, § 1º,cp).16
O princípio da extraterritorialidade é aplicável em situações excepcionais.
Serão punidos agentes que houverem praticados crimes no estrangeiros nas hipóteses
previstas no art. 7º, I (extraterritorialidade incondicional) e II (extraterritorialidade
condicionada). 17

ORIGEM

Muitos afirmam remontar à Magna Carta, de 1215, a primeira aparição do


princípio da legalidade. Seu art. 39 assim dispunha:18

Art. 39. Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua
própriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem
exilado, nem pertubado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr
a mão sobre ele, a não ser em virtudo de um juízo legal de seus pares e
segundo as leis do País.

Desenvolveram essas ideias John Lock e Montesquieu20, do final do século XVII


ao inicío do século XVIII, propagando-se com os enciclopedistas, com os filósofos,
entre outros.
Por outro lado, foi com a Revolução Francesa que o princípio amoldou-se às
exigências do Direito Penal, mais precisamente na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789. Antes dela, o Bill of Right. O Congresso da Filadélfia, de 1744,
erigiu-o à categoria de direito fundamental. Na Europa, o primeiro registro após a
Magna Carta fora a Ordenança Penal Austríaca, de José II, a Josefina, do início de 1787.
Logo após, ainda em 1787, nasceu a Constituição Americana de 1787, fazendo menção
expressa ao princípio.22 Quem trouxe o princípio à América Latina foi FEUERBACH,
sob o brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege.23
Vale lembrar que esse princípio sempre foi expressamente previsto no Código
Penal brasileiro (desde o Código do Império, de 1830, até Código de 1940, com a
Reforma de 1984),24 o que não seria necessário, haja vista que a Carta Magna já dispões
nesse sentido. Atualmente, o Código Penal traz o princípio da legalidade (ou da
anterioridade da lei penal, como preferem alguns) no seu art. 1º.
Insta salientar que muitos autores diferenciam princípio da legalidade, princípio
da reserva legal e princípio da anterioridade da lei penal. Consideramos equivalentes os
três conceitos. Mesmo que se os consideremos diversos, abordaremo-los como aspectos
atinentes ao princípio da legalidade, apenas não mencionando o nomen juris pretendido
por alguns autores.

FUNÇÕES

O princípio da legalidade apresenta quatro funções fundamentais: proibir a


retroatividade, criação de crimes e de penas pelos costumes, o emprego da analogia na
criação de crimes ou na fundamentação ou agravação de penas e as incriminações vagas
e indeterminadas.26
Essa é apenas uma sistematização das funções do princípio da legalidade, pois,
ao analisarmos os princípios qualificadores da legalidade, já fizemos menção a todas
elas.Vejamos-las, então.
A primeira delas é a de proibir a retroatividade. Vimos que o princípio da
irretroatividade da lei penal, com fulcro constitucional (art. 5º, XL, CF), reforça a
legalidade, pois, além de uma pessoa só poder ser punida por previsão legal, essa
punição apenas se poderá dar a partir do início da vigência daquela lei. Está é a redação
do inciso XL, do art. 5º da constituição: “A lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. Aqui o próprio dispositivo constitucional que disciplina o princípio
prevê uma exceção. Como dissemos, os princípios qualificadores da legalidade estão
sempre voltados para o bem do cidadão, portanto a exceção se coaduna com essa ideia.
Assim, dize-se que aplicar a lei mesmo se ainda estiver em vaction legis, desde que
benéfica ao réu. Um brocardo resume essa função do princípio da legalidade: nullum
crien nulla poema sine lege praevia.
A segunda diz respeito à impossibilidade de se criarem crimes ou penas pelos
costumes. Ora, vimos que a principal implicação do princípio da legalidade é o fato de
ser a lei a fonte precípua do Direito Penal (a única fonte imediata). A incriminação e a
penalização são funções atribuídas exclusivamente à lei. Dessarte, é imperioso admitir
que os costumes não têm o condão de criminalizar condutas, ou seja, nullum cirmen
nulla pena sine lege scripta.28 Por outro lado, não podemos afirmar categoricamente que
os costumes não exercem influência no Direito Penal. Doutrinária e
jurisprudencialmente se reconheçe o costume como fonte do Direito Penal quando
apareçe para beneficiar o réu.29
Vale aqui uma observação. Temos o chamado princípio da adequação social,
segundo o qual não deve ser criminalizadas (ou devem ser descriminalizadas) conduta
socialmente adequadas ou reconhecidas. Se a sociedade não abomina determinada
conduta a ponto de ser tão importante que demande uma proteção do Direito Penal, essa
proteção não deverá ocorrer. Atentemo-nos para a afirmação: o princípio da adequação
social não tem o poder de revogar tipos penais incriminadores. Destina-se, antes de
tudo, ao legislador, para que adapte o Direito Penal à cultura da época e do local nos
quais se o aplicará.30 outrossim, deve ser admitida a aplicação do princípio da adequação
como critério para determinação, pelo juiz, da atipicidade de certas condutas. Tanto
deve ser assim que até recentemente se aderiu a essa prática, quando os juízes,
desconsiderando o tipo penal do adultério, não o aplicavam, sob o pretexto de que, para
a sociedade, não havia aquela repugnância de tempos atrás com relação à conduta
adúltera.
A terceita função é a de proibir o emprego de analogias para se criarem crimes
ou para se fundamentarem ou agravarem penas. Em resumo, o princípio da legalidade é
voltado também para impedir a analogia in malam partem.31 A analogia não poderá ser
empregada em prejuízo da parte. Isso porque as normas devem estar escrítas,
legalmente, não se pode impor, por exemplo, a pena do crime do estupro sobre uma
mulher que constrangeu um homem a conjunção carnal mediante violência ou grave
ameaça, pois o tipo penal do art. 213 do Código Penal apenas faz mensão a “constranger
mulher”. Ora, não há lei alguma dizendo, expressamente (na forma escrita), que o
constrangimento feito pela mulher sobre o homem com essa finalidade é punível como
crime de estupro, razão pela não se deverá aplicar a pena desse crime. Por outro lado, a
analogia in bonam partem é amplamente aceita, por se basear num princípio de
equidade.32 Empresta-se a essa função o brocardo nullum crimen nulla pena sine lege
stricta.
A última função sugerida por GREGO é a proibição de incriminações vagas e
indeterminadas. Já vimos também essa função quando falamos do princípio da
taxatividade. O crime, além de ter que ser previsto legalmente, deve ser disposto de
forma catefórica e claro. A lei deve ser tacativa. Não pode o cidadão fica à mercê do
intérprete. O art. 5º
, II, da Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se
não em virtude de lei. Imaginamos um tipo penal com o seguinte preceito primário:
‘atentar contra os interesses da pátria. Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 ( vinte) anos”.
Pelo dispositivo constitucional, o cidadão só é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo
em virtude de lei. Sendo esse tipo penal instituido por lei, estará o cidadão obrigado a
“deixar de atenta contra os interesses da pátria”. O que vêm a ser “interessess da
pátria”? Que condutas almodariam-se o tipo em questão? São perguntas sem resposta
exata. Diante da vaguesa do tipo penal, o cidadão encontra-se em situação de extrema
insegurança, não sabendo exatamente o que deve deixar de fazer em função daquela
norma. É justamente isto que o princípio da legalidade abomina: tipos penais abertos.33
Para burlar o princípio da legalidade (mediante a violação do princípio da
taxatividade), regimes totalitários lençaram mão de tipos penais vagosm com o objetivo
de deixar ao talante do seu aplicador as hipóteses de subsunção. Foi o que ocorreu na
alemanha nazista, na Itália ascista e também na União Soviética, após a revolução
bolchevique. Na atual Dinamarca, há previsão profundamente hostil ao princípio da
legalidade, e na Inglaterra não há disposição constitucional expressa relativamente ao
princípio da Legalidade. No Brasil temos ainda tipos penais vagos. Exemplo é o art. 9º
da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83): “Art. 9º. Tentar submeter o território ,
o nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país [...]”. É o caso que se
assemelha ao do exemplo dado anteriormente. Como ocorre a submissão do território
nacional à soberania de outro país? Tipos penais obscuros como esse são o que queria o
princípio da legalidade repugna (nullum cimen nulla poena sine lege certa). Dessarte, é
perfeitamente plausível defender-se a incostitucionalidade desse dispositivo. Na falta de
uma tipificação mais taxativa, seria até possível defender-se a tese da “lei ainda
constitucional”, porém de fato devemos rechaçar essa prática.
É mister salientarmos que, no pós-guerra, o princípio da legalidade se fez mais
presente nos códigos penais: art. 2º do Código Penal tcheco de 1950; art. 4º do
iugoslavo de 1951; arts. 2º e 9º, I, dos búlgaros de 1951 e de 1968, respectivamente; art.
1º do húngaro de 1961, e poderia citar inumeros outros artigos de outras constituições
mas não é esse o nosso objetivo.
Vale dizer um dos objetivos princípiais do princípio da legalidade, além de ser
garantia individual constitucional dos cidadãos, é impedir que o Judiciário e o
Executivo possam especificar as condutas que devem ser punidas pelo Direito Penal.
Aqui há uama forte demanda pela segurança jurídica. A certeza do direito é fundamental
para a proteção das liberdades individuais, alvos principais das sanções penais, e o
Legislativo é o poder nas melhores condições para conceder essa certeza. Não há
segurança maior do que ter um documento escrito disciplinando as situações em que o
Estado poderá exercer seu direito de punir, cerceando a Liberdade de um cidadão.

Legalidade formal e Legalidade Material

Mencionamos, no início deste trabalho, que o princípio da legalidade não exige


apenas que uma lei discipline a conduta que se pretende prescrever. Esse é o aspecto
formal do princípio. A afirmação de ZAGREBELSKY, citado por INOCÊNCIO
COELHO, não pode prosperar rigidamente num Estado de Direito. O Estado é regido
pela lei, porém o é, antes de tudo, pela Lei Fundamental, que é a Constituição.
Uma obrigação, para ser imposta ao cidadão (art. 5º, II, CF), deve estar prevista
em lei e em harmonia com a Constituição. A Carta Magna de 1988 prescreve vários
direitos e garantias fundamentais que são invioláveis, tanto por uma conduta quanto por
qualquer ato normativo.
Ora, uma lei não deve ser obedecida apenas por ser lei. Sua natureza não lhe
confere uma aura de inquestionabilidade e de exigência de obediência incondicional.
Para que uma lei seja válida e possa produzir os efeitos pretendidos pelo legislador, ela
seguir os trâmites legais para a sua criação, bem como deve estar em consonância com a
Lei Maior em seu aspecto material.
A legalidade formal, então, é exatamente o seguir o procedimento formal para a
criação de uma lei daquela natureza. Legalidade material, por sua vez, é o amoldar-se o
conteúdo da lei aos direitos e às garantias fundamentais, previstos constitucionalmente.
Num Estado Constitucional de Direito, e legalização diz respeito a um Estado regido
por uma Constituição, a lei suprema, portanto as leis hierarquicamente inferiores devem
sempre obediência à suprema. Já que devem observar o procedimento formal,
disciplinado na Master Legis, devem também, e com muito mais razão, conformar-se
com as normas constitucionais materiais. O princípio da legalidade exige obediência
incondicional à Constituição, seja em âmbito formal (processo legislativo) ou em
âmbito material (direitos e garantias fundamentais). Aqui tem lugar a máxima nullum
crimen nulla poena sine lege valida.

Conflito de Leis Penais

As leis penais podem entrar em conflito. Assim, por serem as leis penais sempre
de mesma hierarquia, podemos dizer com certeza que lei posterior revoga anterior. A
revogação é instituto que está no âmbito da invalidade das normas jurídicas. São
espécies de revogação a ab-rogação e a derrogação. Aquela designa a invalidação total
de uma norma jurídica; esta, a parcial. Assim, como se dá com qualquer norma jurídica,
a lei penal posterior revogará a anterior das disposições em que forem incompatíveis
apenas. A revogação pode ser, ainda, tácita ou expressa, não se alterando, contudo, seus
efeitos. Será tácita quando as disposições de cada lei forem incompatíveis entre si, de
forma que não possam coexistir num mesmo sistema jurídico. Por outro lado, será
expressa quando a lei posterior trouxer na forma escrita que determinada lei está
revogada, ou a clássica expressão “revogam-se as disposições em contrário”,
desnecessária, pelo raciocínio que ora demonstramos.
Dissemos que as leis penais são sempre de mesma hierarquia. Isso no âmbito das
normas penais incriminadoras, pois uma lei penal pode ser contrária a certa disposição
constitucional relativa ao Direito Penal. Nesse caso, é cediço que a lei penal é
incostitucional, sendo, por isso, nula. Ainda, se a Constituição surgir quando a lei penal
com ela incompatível já estava vigente, tratar-se-á do fenômeno da não-recepção.
Cessará a produção de efeitos pela lei a partir da vigência da nova Carta Magna.
Tanto a parte material da Mater Legis é fundamental para que seja válida a lei
penal que uma norma, penal ou não, cuja incompatibilidade com a Constituição for
apenas formal será válida, desde que materialmente compatível. Se, por outro lado, a
incompatibilidade for exclusivamente material, havendo harmonia entre as duas leis,
será ela válida. Queremos dizer aqui que não importa a roupagem dada à lei (o Código
Penal, por exemplo, foi elaborado em 1940 sob a forma de Decreto-Lei. A Constituição
de 1988 não previu essa espécie legislativa (art. 59), e nem po isso deixou o diploma
repressivo de ser válido. Apenas ganhou nova roupagem, hoje sendo tido
hierarquicamete como lei ordinária, pois é a espécie legislativa designada pela Lei
Maior para a elaboração de normas penais.
Vale lembrar que o fênomeno da repristinação é probido no Brasil (art. 2º, § 3º,
da Lei de Introdução ao Código Civil) para qualquer espécie normativa. Quer dizer essa
proibição que, “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a
lei revogadora perdido a vigência”, conforme o dispositivo mencionado.
Lei Penal no Tempo

A regra geral da lei penal no tempo é tempus reit actum, isto é, aplica-se a lei
vigente à época do fato, preservando-se, assim, o princípio da legalidade (ou da
anterioridade da lei penal). Havendo, conflitos de leis no tempo, poderão surgir quatro
situações: a lei posterior é mais grave, aboliu o crime, é mais benigna no que tange á
pena ou à medida de segurança, contém uns preceitos mais benéficos, e outros mais
gravosos. Aplicam-se a essas hipóteses os arts. 2º, 3º do Código Penal.
No caso de lex gravior (lei posterior mais grave), opera a irretroatividade
absoluta. A lei nova tenha criado tipo penal novo ou inovado na agravação de
consequências penais, submete-se incondicionalmente ao princípio da irretroatividade.
Aplica-se a lei nova apenas aos fatos ocorridos a partir da sua entrada em vigor, e essa
regra vale para todas as normas de direito material.
Se, durante a consumação de um crime permanente (que se consuma, como é
cediço, a cada instante), surgir lei nova maléfica, e o agente permanecer cometendo o
crime, temos duas posições. ASSIS TOLEDO afirma que a lei mais maléfica se aplica, e
CIRILO DE VARGAS diz que não, por contrariar o princípio da irretroatividade in
pejus. Já nas hipóteses de crime continuado, temos duas situações: se a lei nova surge
no curso de série criminosa, só se aplica às condutas praticadas durante a sua vigência,
se os fatos anteriores eram impuníveis; se os fatos anteriores já eram puníveis, vindo a
lei nova apenas a agravar a sua pena, aplicando-se-a, em tese, a toda a série delitiva. Em
casos bem particulares, a solução será diversa, porém sempre se observando a
anterioridade da lei penal e o tempus regit actum. CIRILO DE VARGAS, entendendo
diversamente, critíca a posição de ASSIS TOLEDO e afirma sempre o princípio
segundo o qual só pode ser aplicada a lei posterior se mais benigna, ainda que venha a
entrar em vigor durante uma série delitiva ou durante um crime permanente. Em 2003, a
Súmula nº 711 do STF veio corroborar o posicionamento de ASSI TOLEDO, o qual
perfilhamos.
A hipótese de abolitio criminis tem solução bastante simples na doutrina e na
jurisprudência. Havendo lei nova que extripe determinado tipo penal do ordenamento
jurídico-penal, aplicála-se-á imediatamente, esteja o processo penal na fase em que
estiver. Muitos doutrinadores, inclusive, admitem a aplicação da lei nova mais benéfica
(lex mitio) já no período de vacatio legis, por uma questão lógica; o período de cavância
da norma é criado em beneficio do cidadão, logo não faz sentido que o prejudique.
Pode-se fundamentar esse raciocínio, ainda, com o art. 5º, XL, e § 1º da Constituição.
Havendo abolitio criminis cessam todos os efeitos penais da sentença condenatória (se
já houver sido proferida, obviamente), porém persistem os efeitos civis.
A situação de lex mitior também se resolve com facilidade. Sempre que a lei for
mais benéfica ao réu, em qualquer sentido, aplicá-la-se-á. Se for anterior, opera com
ultraatividade; se for posterior, retroage. CERNICCHIARO atenta para a dificuldade de
se determinar com clareza em muitos casos, qual é a lei mais benéfica. O Código Penal
de 1969, em seu art. 2º, § 2º, assim dispunha, sem muita utilidade: “para se reconheçer
qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas
separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”. Atualmente,
não temos definição de lex mitio na lei brasileira. O mesmo autor lembra que, em se
tratando de diminuição da pena, aparentemente a aferição da lei mais benigna ficaria
facilitada. Não é bem assim. Exemplifica o caso de mudança de uma pena de 6 (seis) a
20 (vinte) anos para uma de 4 (quatro) a 25 (vinte e cinco) anos. Defende a avaliação,
no caso concreto, de qual lei será mais benéfica. Assim, se, dadas as circunstâncias do
caso, o juiz tiver que aplicar a pena mínima, a lei nova será mais benéfica; já se for
aplicada a pena máxima obviamente será mais benigna a lei anterior. Alguns autores,
ainda, entendem que, havendo dúvida quanto à maior benignidade de uma norma ou de
outra, perguntar-se-á ao réu qual lei ele prefere que sejas aplicada. Entendemos bastante
razoável esse entendimento.
Ainda sobre a lex mitio, CERNICCHIARO propõe interessantíssima observação
acerca do Direito italiano no tocante à lei mais benéfica inconstitucioanl. A
inconstitucionalidade está no âmbito da invalidade, portanto uma norma
inconstitucioanl é uma norma inválida, na modalidade nula. Sendo nula, é como se
nunca tivesse existido, portanto a decretação de inconstitucionalidade produz efeitos ex
tunc. Nesse caso, teoricamente seria imperiosa a aplicação da lei posterior, ainda que
maléfica. A doutrina italiana propõe solução mais afeta à justiça. Conjugando o
raciocínio com o art. 25, 2, da Constituição italiana, reputa aplicável a lei
inconstitucional aos fatos ocorridos durante a sua vigência, aplicando-se normalmente o
princípio tempus regit actum (operam os efeitos ultraativos da lei mais benéfica). É um
raciocínio interessante e admissível, dede uma perspectiva da realização da segurança
jurídica.
Por fim, havendo lei posterior com alguns preceitos mais benéficos e outros mais
maléficos, a doutrina se divide quanto à possibilidade de retroagir apenas a parte boa da
lei nova, ou de ultraagir somente a parte boa da lei anterior. A combinação de leis,
como chamam os doutrinadores, é aceita por autores como ROGÉRIO GRECO e
ASSIS TOLEDO. De fato, não podemos, por mero formalismo, deixar de beneficiar o
réu. A retroatividade da lei mais benéfica já é uma medida de política criminal, pois
tecnicamente a lei produz efeitos a partir de sua vigência. Que problema haveria, então,
em aplicarem-se parte de uma lei e parte de outra? Trata-se de medida protetiva do
acusado que condiz com os ditames da política garantista adota pelo Direito Penal
brasileiro. Relata-nos GRECO, citando um acórdão de felicíssima constatação, do
TACrim/SP:

Malgrado o dissenso doutrinário sobre a combinação de leis mais benignas o


julgador, no caso concreto, pode e deve, em obediência aos princípios da
equidade consagrados pela Constituição Suprema, selecionar parte da lei
anterior e parte da lei superveniente, desde que, de qualquer modo, favoreça o
agente.58

Normal Penal em Branco


Entre as leis penais, existem as normas penais em branco, que remetem o seu
preceito primário a uma outra norma, externa ao direito penal. Na precisa lição de
FREDERICO MARQUES, “[...] são disposições penais cujo preceito é indeterminado
quando a seu conteúdo e nas quais só se fixa com precisão a parte sancionadora”. Nas
palavras de ANÍBAL BRUNO,

Normas penais em branco são normas do tipo incompleto, normas em que a


descrição das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra
disposição legal, já existente ou futura. Neles a enunciação do tipo mantém
deliberadamente uma lacuna, que outra disposição (sic) legal virá integrar.60

As leis penais em branco podem ser homogêneas ou heterogêneas. As


homogêneas são complementadas por leis cuja elaboração advém da mesma autoridade
competente para a criação de normas penais (22, I, CF). As heterogêneas,
simetricamente, são integradas por normas elaboradas por autoridade diversa da
responsabilidade pela legiferação penal.
É exemplo de norma penal em branco o art. 269, que tipifica o crime e
omissão de notificação de doença. Portaria do Ministério da Saúde será a norma
regulamentadora das doenças sobre as quais o médico deve notificar, pois o tipo penal
não as traz em seu preceito primário.
Forte discução doutrinária cinge a existência de normas penais em branco.
Questionam alguns autores a sua constitucionalidade por ferirem o princípio da
legalidade. Se apenas a lei é fonte imediata do Direito Penal, perguntam como podem
normas de terceiro escalão (portarias, regulamentos, decretos) regulamentarem questões
penais? Não vê problema nas normas penais em branco CERNICCHIARO, propondo
perfeito raciocínio. Para ele, “O caráter absoluto da reserva legal é entendido da
seguinte maneira: somente a lei pode referir-se a outra norma, integrando-a à definição
do delito ou da contravenção penal”. Em outras palavras, se é a lei penal que, por
determinação própria, permite a remissão a uma norma não-penal, não há violação ao
princípio da legaliade, pois a regulamentação da lei penal foi indicada por ela própria,
“[...] mantendo-se intacto o princípio que confere somente à lei a origem da relevância
penal”.

PRINCÍPIO DA HUMANIDADE

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS


Para que se tenha o entendimento do surgimento e evolução do princípio da
humanidade da pena necessária se faz a compreensão do próprio histórico das penas em
geral, pois diante de tal evolução pode-se perceber a constante humanização gradual das
punições como decorrência do desenvolvimento da sociedade.
Noticia Zvirblis (2001, p.19) que as penas surgiram juntamente com a própria
humanidade. Tal autor relata que em um primeiro momento punia-se as violações aos
chamados totens, sendo estes objetos tidos como sagrados pelos povos primitivos e aos
quais se devotavam respeito. Estas relações denominavam-se relações totêmicas, onde o
infrator, ou seja, aquele que desagradasse a entidade deveria ser penalizado.
A pena imposta a tal infrator era a perda de sua vida e, segundo Bitencourt
(2006, p. 36) inexistia até então qualquer noção de proporcionalidade entre infração e
pena.
Verifica-se, assim, que neste primeiro momento há forte influência do sagrado,
da religião, na vida em sociedade, e, por tal motivo, denominou-se esta primeira fase de
aplicação das penas de fase da vingança divina. Destaca Bitencourt (2006, p. 36) que
este período caracteriza-se pela necessidade de satisfação da divindade aviltada pelo
transgressor e cuja pena aplicada deveria ser tão cruel quanto maior fosse o deus,
servindo tal pena como forma de expiação da alma e de busca do perdão junto à
divindade cultuada.
Dentre as legislações que se destacam neste período tem-se o Código de Manu
da Índia, os Cinco Livros do Egito, o Livro das Cinco Penas na China, a Avesta na
Pérsia, o Pentateuco em Israel e Babilônia, bem como as leis dos demais povos do
oriente.
Desta fase de vingança divina evolui-se para a chamada vingança privada, onde
os próprios membros da sociedade impunham suas sanções que poderia ser de
banimento, caso o punido fosse do mesmo grupo dos executores da pena, ou de
"vingança de sangue", caso o infrator pertencesse a grupo diverso, o que redundava em
uma grande guerra entre os grupos (BITENCOURT, 2006, p. 36).
Diante da hipótese que se impunha até então nasce a chamada Lei de Talião que,
com sua máxima "olho por olho, dente por dente", representou, a primeira manifestação
de proporcionalidade e humanidade na aplicação das penas.
Tais princípios da Lei de Talião acabaram adotados pelo Código de Hamurabi da
Babilônia, Êxodo dos Hebreus e na Lei das Doze Tábuas dos romanos.
Ainda dentro da fase da vingança privada observou-se alguns avanços maiores
com o instituto da compensação, podendo o infrator cumprir sua punição através de uma
pena pecuniária (BITENCOURT, 2006, p.37).
Surge, enfim, a chamada fase da vingança pública, fase esta em que o Estado
toma para si o poder e dever e aplicar sanções e penalizar os agentes infratores. A
finalidade de tal fase era a proteção do monarca soberano, informando Bitencourt (2006,
p. 37) que, ainda nesta época, o poder político restava bastante influenciado pela
religião, onde a vontade do monarca era a vontade de um deus, bem como que as penas
aplicadas ainda restavam cruéis e desumanas.
No século XVIII, chamado século das luzes, destacava-se o movimento
filosófico denominado Iluminismo, sendo tal fase de extrema importância à evolução
não só das penas, mas de todo o Direito Penal. Nas palavras de Zvirblis (2001, p. 24):

"O Iluminismo foi, em Direito Penal, uma forte reação


contra as penas corporais, aplicadas em larga escala, promovendo a
substituição pela pena de prisão. A liberdade foi dignificada com o
movimento iluminista e entendeu-se que a eficácia intimidativa e
repressiva da pena só teria razão de ser se traduzisse em privação da
liberdade, privação esta que deveria estar ligada ao espírito de
regeneração ou de readaptação do delinqüente à vida social."

Durante o Iluminismo, tendo como ápice a Revolução Francesa é que começam


a eclodir grandes e severas críticas ao regime de aplicação de penas até então praticado
(BITENCOURT, 2006, p. 48). Nomes como Voltaire, Montesquieu e Rousseau
defenderam a dignidade e liberdade do homem e pregando a necessidade de aplicação
de uma pena proporcional ao delito praticado.
Dentre os principais autores do Iluminismo no que concerne às idéias penais
destacamos Beccaria cuja obra "Dos Delitos e Das Penas" trouxe à época importante
estudo propondo um novo sistema criminal a substituir o antigo, marcado pela
imprecisão e desumanidade.
Apesar da obra de Beccaria não se apresentar como um tratado de idéias
originais, vez que rememora as conclusões de Montesquieu, Rousseau, Voltaire e
Locke, a mesma se destaca para Bitencourt (2006, p. 49) por ter sido a primeira obra a
traçar um raciocínio lógico sobre um novo modelo de sistema penal, tendo o mesmo
sido imprescindível na construção da reforma penal de então.
Ressalte-se que Beccaria também apresentou idéias ligadas à necessidade de
humanização e racionalização das prisões, chegando a afirmar tal autor (2006), "entre
as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois,
escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais
durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado", e, ainda, que "o fim
das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já foi
cometido".
Destacam-se, também, os ensinamentos de John Howard por sua concepção no
que se trata da necessidade de humanização da pena e a recuperação do encarcerado,
bem como as idéias de Jeremias Bentham pra quem a pena não deveria objetivar a
imposição de sofrimento ao apenado, devendo ser aplicada de forma proporcional ao
delito praticado acentuando-se a finalidade retributiva da pena (BITENCOURT, 2006).
Apresenta-se ainda relevante o entendimento de Foucault (2006, p. 31) que
visualizou a necessidade de tornar mais humanas as penas aplicadas, não podendo estas
servirem de afirmação do poder estatal e expiação da culpa através do sofrimento
alcançado pelos suplícios.
Nestes termos diz Foucault (2006, p. 31):
"O suplício repousa na arte quantitativa do
sofrimento. [...] Além disso, o suplício faz parte de um
ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece
a duas exigências. Em relação à vítima, ele deve ser
marcante: destina-se, ou pela cicatriz que deixa no corpo,
ou pela ostentação de que se acompanha, a tornar infame
aquele que é sua vítima; o suplício, mesmo se tem como
função "purgar" o crime, não reconcilia; traça em torno,
ou melhor, sobre o próprio corpo do condenado sinais
que não devem se apagar; a memória dos homens, em
todo caso, guardará a lembrança da exposição, da roda,
da tortura ou do sofrimento devidamente constatados.
[...].
O suplício penal não corresponde a qualquer punição
corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual
organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do
poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma
justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle.
Nos "excessos" dos suplícios, se investe toda a economia do
poder."

2 CONCEITO

O princípio da humanidade da pena caracteriza-se pela presença tanto uma


vertente positiva como uma vertente negativa.
A vertente negativa caracteriza-se pela presença de proibições que se apresentam
nas vedações constitucionais da pena de morte, de penas perpétuas, indignas ou
desumanas. Já a vertente positiva caracteriza-se pela proteção da dignidade da pessoa
humana em especial daquele que se encontra no cárcere.
Neste sentido temos o posicionamento de Franco (2005, p. 64):

"Assim, o princípio da humanidade da pena, na


Constituição brasileira de 1988, encontrou formas de
expressão em normas proibitivas tendentes a obstar a
formação de um ordenamento penal de terror e em
normas asseguradoras de direitos de presos ou de
condenados, objetivando tornar as penas compatíveis com
a condição humana. [...]

O princípio da humanidade da pena implica,


portanto, não apenas na proposta negativa
caracterizadora de proibições, mas também, e
principalmente, na proposta positiva, de respeito à
dignidade da pessoa humana, embora presa ou
condenada."

O princípio da humanidade da pena encontra aplicação em um dos objetivos da


execução penal que é a ressocialização. A presença de tal princípio no ideal
ressocializador se apresenta na aplicação dos princípios da atenuação ou compensação e
no princípio do nihil nocere.
O princípio da atenuação ou compensação caracteriza-se pela impossibilidade da
pena privativa de liberdade resumir-se ao isolamento total do preso, devendo ser
proporcionado a este medidas compensatórias ao encarceramento como forma de
estimular a sua efetiva ressocialização.
Já o princípio do nihil nocere compreende a idéia de que os riscos da
dessocialização deverão ser evitados através de um sistema prisional que não contribua
para a produção de tais efeitos.
Neste sentido:
"Daí a razão pela qual o modelo ressocializador não dispensa, na atualidade,
um programa básico, um mínimo ético que deve estar fundamentado em dois vetores: o
princípio de atenuação ou compensação e o princípio do nihil nocere. E o que significa
cada um desses princípios? O princípio da atenuação ou compensação tem seu núcleo
essencial na idéia de que o cumprimento da pena na prisão não deve resumir-se
exclusivamente no trancafiamento de uma pessoa em estabelecimento prisional para o
efeito de ser submetida a normas de segurança e de disciplina. Ao afastamento
obrigatório do recluso da vida em liberdade devem corresponder compensações que
visem estimulá-lo ao exercício de direitos não atingidos pela condenação, atenuando,
assim, os efeitos desse afastamento e possibilitando promoção de um processo de
gradual reintegração social. Já o princípio do nihil nocere fundamenta-se na idéia de
que os efeitos deletérios da internação forçada devem ser evitados através de um
procedimento prisional que reduza significativamente o perigo da dessocialização."
(FRANCO, 2005, p. 65)
O princípio da humanidade relaciona-se a um chamado mínimo ético que se
mostra impositivo em se tratando da Execução Penal. Exemplifica o referido autor a
necessidade do referido mínimo quando da proibição de pena cumprida em regime
integralmente fechado, isto sob pena da sanção de prisão apresentar unicamente a
função retributiva. Neste sentido:

"O princípio da humanidade da pena importa, portanto, no acolhimento


de um sistema progressivo de cumprimento de pena, através do qual se
possibilite ao condenado, por meio de etapas, e ainda, em razão de seu mérito,
alcançar a liberdade. Assim, um texto legal que proscreva toda e qualquer
progressividade no cumprimento da pena privativa de liberdade, deixando o
recluso subordinado unicamente ao regime forçado, num estabelecimento
prisional de segurança máxima, tem, assim, um significado claro e preciso:
transforma a finalidade da pena numa resposta estatal que paga o mal causado
com outro mal, de igual ou superior intensidade, dela eliminando não apenas
qualquer intento ressocializador (que pode ter expressão até na evitação de um
processo dessocializador), mas também o "mínimo ético" que é exigível na
execução penal." (FRANCO, 2005, p. 65).

Já Nucci (2006, p. 48) entende que o princípio da humanidade:


"Significa que o direito penal deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-
estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados. Estes não devem ser excluídos da
sociedade, somente porque infringiram a norma penal, tratados como se não fossem
seres humanos, mas animais ou coisas. Por isso estipula a constituição que não haverá
penas: a) de morte (exceção feita à época de guerra declarada, conforme previsão do
código Penal Militar); b) de caráter perpétuo; c de trabalhos forçados; d) de
banimento; e) cruéis (art. 5º, XLVII), bem como que deverá ser assegurado o respeito à
integridade física e moral do preso (art. 5°, XLIX). Na realidade, houve, em nosso
entendimento, um desvio na redação desse inciso. O que a constituição proíbe são as
penas cruéis (gênero), do qual são espécies as demais (morte, perpétua, trabalhos
forçados, banimento). E faltou, dentre as específicas, descrever as penas de castigos
corporais. Logo a alínea e é o gênero (penas cruéis); as demais representam as
espécies."
O princípio da humanidade da pena significa aquele ligado à proibição da
tortura, tratamento cruel, degradante, bem como o respeito à integridade física do
detento, caracterizando-se, ainda, como referencial para a aplicação de qualquer sanção
penal que interfira em direitos fundamentais da pessoa sendo, assim, característica
essencial das penas. Neste sentido:
"A respeito desse princípio já tivemos oportunidade de sublinhar o seguinte: a
humanização constitui certamente uma das características fundamentais das penas e da
Política Criminal nos últimos três séculos. Estamos longe ainda de alcançar o sistema
ideal, é dizer, um sistema penal e penitenciário totalmente humanizado, mas é inegável
o progresso obtido. O Iluminismo com Beccaria à frente e seus contemporâneos ou
sucessores imediatos (Lardizábal, Bentham etc), combateram vigorosamente a
crueldade das penas do direito Penal do "Antigo Regime" (direito medieval), que se
baseava na utilização massiva da pena de morte e das penas corporais, destacando-se
a tortura, açoites, mutilações etc." (GOMES, MOLINA E BIANCHINI, 2008, p.550)
Deve-se ater, ainda, que o princípio da humanidade não consiste unicamente em
proibir certas espécies punitivas, mas vir também a controlar o modo de execução das
penas admitidas no ordenamento jurídico-penal. É nesse sentido que se manifestam
Queiroz e Melhor (2006, p. 26) acerca da incidência do princípio da humanidade na
Execução Penal:

"Disso também resulta que as penas constitucionalmente admitidas, em especial


as privativas de liberdade, hão de ser executadas condignamente, em condições
mínimas de higiene, salubridade etc., assegurando-se o livre exercício dos direitos não
atingidos pela privação da liberdade, sob pena de se tornarem inconstitucionais na sua
execução, por degradarem a condição humana, inviabilizando a reintegração social do
cidadão infrator (Lei n. 7.210/84, art. 41)."

3 FUNDAMENTO JURÍDICO

Verifica-se que o princípio da humanidade da pena, conforme sua própria


conceituação, deriva de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual
seja, a dignidade da pessoa humana.
Prevista no artigo 1º, III da Constituição Federal a dignidade da pessoa humana
classifica-se como um princípio relativo ao regime político e caracteriza-se como um
valor supremo que abrange todos os direitos fundamentais do homem, desde o seu
direito primário à vida.
Tal princípio deve incidir não só em relação aos direitos fundamentais da pessoa,
mas sim deverá incidir sobre as demais disposições da Constituição Federal, tais como
direitos sociais e ordem econômica, vez que apresenta-se como base de garantia da
própria existência humana. Neste sentido:
"Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. "Concebido como
referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam
Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a
uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais,
esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir 'teoria do
núcleo da personalidade' individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases
da existência humana"." (Grifos do autor) (SILVA, 2002, p. 105)
A noção de dignidade humana surge para Camargo (2008) em razão de duas
grandes correntes: o pensamento cristão e a filosofia de Kant.
Junto ao pensamento cristão, a noção de dignidade humana surge a partir do
entendimento de que pelo fato do ser humano ser criado a imagem e semelhança de
Deus, e por sua existência ser obra deste ser divino, deve, portanto, possuir uma vida
com dignidade.
Já na filosofia de Kant, observa-se à época do Iluminismo a chamada
racionalização ou laicização da idéia de dignidade humana, abandonando-se os ideais do
pensamento cristão e adentrando-se em uma visão antropocentrista de mundo.
É com Kant que a dignidade humana encontra sua base filosófica fundamental,
afirmando o mesmo em sua obra "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" que o
homem é digno de respeito, vez que este é um fim em si mesmo, ressaltando, ainda,
como fundamento da dignidade do homem a autonomia da vontade (CAMARGO, 2008,
p. 210).
A dignidade da pessoa humana apresenta-se, ainda, como um atributo sob o qual
se fundamentam todos os direitos fundamentais, não se mostrando para Camargo (2008)
como um direito fundamental propriamente dito. Ressalte-se que a proteção da
dignidade humana ganhou maior relevo após a Segunda Guerra Mundial tendo em vista
as terríveis práticas empregadas pelos regimes nazista e facista.
Pelo princípio da dignidade humana o homem passa a se constituir como o
objetivo supremo de todo o ordenamento jurídico, impondo-se ao poder público os
deveres de observar, proteger e promover a dignidade humana. Neste sentido:
"Observar significa que os poderes públicos não poderão realizar atividades
prejudiciais à dignidade ("obrigação de abstenção"); proteger implica uma ação
positiva por parte desses poderes no sentido de defender a dignidade contra qualquer
espécie de violação, sendo que esta ação positiva não consiste em uma proteção em
face da necessidade material, mas sim uma intervenção frente a atuação de terceiros
que possam violá-la; e, promover consiste em proporcionar - aqui sim, através de
prestações materiais positivas - os meios indispensáveis para que todos tenham acesso
às condições necessárias para vida digna." (Grifos do autor) (CAMARGO, 2008, p.
207).
"Uma das conseqüências da consagração da dignidade humana no texto
constitucional é o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da
ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na
relação entre indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor de ser
humano e de sua personalidade, vez que o Estado existe para o homem e não o homem
para o Estado.
A consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado
brasileiro impõe não só o reconhecimento de que o individuo deve servir de "limite e
fundamento do domínio político da República", mas também a necessidade da
observância desse valor como elemento informador do conteúdo da Constituição e de
todo o ordenamento jurídico, o que significa dizer que na criação, interpretação e
aplicação das normas deve-se buscar sempre a promoção das condições e a remoção
dos obstáculos para que a dignidade seja respeitada." (Grifos do autor) (CAMARGO,
2008, p. 206).
Apesar de não haver um conceito exato do que seja dignidade da pessoa
humana, tem-se clara a idéia de que quando o mesmo se mostra violado, ou seja, quando
o ser humano deixa de ser um fim para mostrar-se como meio para alcançar
determinado objetivo, tal concepção possui uma idéia negativa de não violação da
dignidade, seja por parte do Estado, seja por parte do particular (CAMARGO, 2008, p.
212).
Outra vertente apresenta uma idéia que para Camargo (2008, p. 213) se mostra
num comportamento positivo por parte do Estado e trata da concepção do mínimo
existencial, ou seja, que o poder público não só deve se abster da prática de atos
violadores da dignidade humana, mas também deve conceder as prestações materiais
indispensáveis a uma existência digna (direitos sociais, por exemplo).
No mesmo sentido merece destaque o posicionamento de Gomes, Molina e
Bianchini (2008, p. 544):
"Não existe liberdade onde o ser humano deixa de
ser pessoa e é transformado em coisa. O respeito à
dignidade da pessoa humana implica para o
Estado não só a abstenção da prática de atos
lesivos, como também o cumprimento de pautas
positivas de inclusão."

4 PREVISÃO NORMATIVA

Em um primeiro momento insta salientar que o princípio da humanidade da pena


encontra assento não só na Constituição Federal, mas também junto a tratados
internacionais e à Lei de Execução Penal.
Em sede da Constituição Federal, o princípio da humanidade da pena encontra
assento no artigo 4°, II, onde se fixa o princípio da prevalência dos direitos humanos nas
relações internacionais da República Federativa do Brasil, in verbis:
"Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
I - [...];
II - prevalência dos direitos humanos;"
Verifica-se ainda na Constituição Federal a consagração do princípio da
humanidade da pena dentre os direitos fundamentais da pessoa, em disposições do
artigo 5° nos incisos III, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
[...]
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas
aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;"
No que se refere ao previsto no inciso XLVII, observa-se que o constituinte
proibiu expressamente as penas de morte, de trabalhos forçados, de caráter perpétuo, de
trabalhos forçados, de banimento e as cruéis.
Em tais proibições percebe-se que este buscou o resguardo não só do princípio
da humanidade da pena, mas também do princípio da dignidade da pessoa humana.
A pena de morte, permitida apenas em caso de guerra declarada e nos casos
específicos do Código Penal Militar, e a de caráter perpétuo, são vedadas justamente por
suprimirem os direitos fundamentais à vida e à liberdade, respectivamente.
Quanto à pena privativa de liberdade, prevista no artigo 5º, XLVI, da
Constituição Federal, ao contrário da prisão perpétua, não se trata de supressão da
liberdade do indivíduo de forma permanente, mas de sua restrição temporária,
verificado o limite de trinta anos previsto no art. 75 do Código Penal Brasileiro, sendo,
portanto admitida sua aplicação, desde que respeitada tal garantia.
Quanto à vedação da pena de trabalhos forçados, esta deve ser entendida como
aquela que proíbe a obrigação do condenado a um trabalho exaustivo, humilhante e que
traga prejuízo à sua saúde física ou mental. Não deve tal espécie de pena ser confundida
com os dispositivos da Lei de Execução Penal, quais sejam os artigos 28, 31 e 39, V,
que prevêem a obrigatoriedade do trabalho do preso, com finalidade educativa e
produtiva.
Já a pena de banimento consiste, nas palavras de Greco (2006, p. 91), em "uma
medida de política criminal que consistia na expulsão do território nacional de quem
atentasse contra a ordem política interna ou a forma de governo estabelecida".
Sua vedação visa, pois, preservar o direito à nacionalidade e à permanência no
território nacional, ao teor do que prevê o artigo 5º, XV da Constituição Federal que
prevê que "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
bens".
Por fim, no que concerne às penas cruéis, podem assim ser consideradas todas as
penas que submetem o condenado a tratamento desumano ou degradante ou a
sofrimento excessivo, como, por exemplo, mutilações, castração, tortura, humilhação,
maus-tratos, ou ainda, aquelas que impossibilitem a sua reinserção social, a exemplo do
isolamento por período excessivo, na qual se inclui o regime disciplinar diferenciado.
Em verdade, todas as penas elencadas no inciso XLVII do art. 5º da CF se tratam
de penas cruéis vez que promovem tratamento desumano ao condenado ou obstam a sua
ressocialização. Nesse sentido, bem explica Nucci (2006, p. 48) que: "Na realidade,
houve, em nosso entendimento, um desvio na redação desse inciso. O que a
Constituição proíbe são as penas cruéis (gênero), do qual são espécies as demais
(morte, perpétua, trabalhos forçados, banimento)".
Segundo Gomes, Molina e Bianchini (2008, p. 544) estaria previsto no inciso
XLVII do artigo 5º da Constituição Federal não o princípio da humanidade da pena,
mas sim o denominado princípio da proibição da pena indigna, vez que no referido
inciso se encontram vedadas as penas cruéis que, em razão de sua indignidade, acabam
violando o princípio da humanidade da pena bem como a dignidade humana,
informando referidos autores que:

"A própria Constituição Federal em seu art. 5°, XLVII, manifestando clara
preocupação coma humanização das penas, assim como com o particular aspecto da
sua indignidade, cuidou da proibição de várias delas.
São vedadas no Brasil: (a) a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX; (b) de caratês perpétuo; (c) de trabalhos forçados; (d) de
banimento; (e) cruéis. Nesse último item incluem-se as penas corporais, que também
estão proscritas. Algumas penas desse elenco violam mais diretamente o princípio da
humanização das penas (v.g.: penas cruéis, pena de morte), de qualquer modo, não há
dúvida que sempre e também é afetada a dignidade humana."
No inciso XLVIII verifica-se seu conteúdo como reflexo do princípio da
humanidade da pena, na medida em que prevê a individualização da sanção penal e seu
cumprimento em estabelecimentos adequados de acordo com as características pessoais
do apenado, bem como seu sexo.
Já os incisos III e XLIX de forma extremamente direta prevêem o direito do
encarcerado ao respeito à sua integridade física e moral, refletindo esta previsão em
dever do Estado na preservação de tal direito tido como inalienável e indisponível, vez
que o constituinte:
"Impôs também normas de garantia aos presos, condenados ou provisórios
assegurando direitos inalienáveis e indisponíveis aos quais o Estado não pode restringir,
pois versam sobre a integridade física e moral daquele sujeito temporariamente limitado
em sua liberdade de ir e vir (art. 5o., XLIX)." (VIEIRA, 2008, p. 30)
No campo do Direito Internacional o princípio da humanidade da pena encontra
guarida em diversos tratados internacionais, estes mencionados por Gomes e Mazzuoli
(2008) e Souza (2008).
Destaque-se, primeiramente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
celebrada pela Resolução nº 217 durante a 3ª Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas em Paris, França, na data de 10-12-1948, e tida por Gomes e Mazzuoli
(2008, p. 36) como a base internacional do princípio da humanidade da pena. Tal
princípio encontra previsão no artigo 5º da referida declaração que prediz: "ninguém
será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Já o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 16-12-1966, prevê a humanidade da pena em seu artigo 7°
e 10, itens 1 e 3, dispondo que:

"Art. 7º Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes.
1. Toda pessoa privada da sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito
à dignidade inerente à pessoa humana;
[...]
3. O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal
seja a reabilitação moral dos prisioneiros."
Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (aprovada em 22-11-1969,
ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n° 27 de 25-09-1992 e
promulgada pelo Decreto Presidencial nº 678 de 06-11-1992), mais conhecida como
Pacto de San José da Costa Rica, resguarda o princípio da humanidade da pena em seu
artigo 5º, itens 1 e 2, in verbis:.
"Art. 5° Direito à integridade pessoal.
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido
à dignidade inerente ao ser humano."
Observa-se, ainda, a Resolução 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas,
denominada Regras de Tóquio, que prevê na regra 6.2 o dever de respeito à humanidade
quando da aplicação de prisão cautelar.
Verifica-se, ainda, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura,
adotada em 09-12-1985, no XV Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da
Organização dos Estados Americanos, em Cartagena das Índias (Colômbia) e ratificada
pelo Brasil em 20-07-1989, que prevê em seu artigo 2º:
"Artigo 2º - Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo
qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou
mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo
pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á
também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a
personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não
causem dor física ou angústia psíquica."
Já em se tratando das Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros,
Resolução nº 14 de 11-11-1994, as mesmas prevêem em seus artigos 31 e 32 que:
"31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos
corporais, a detenção em cela escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou
degradantes.
32. 1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser
aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito que
ele está apto para as suportar.
2) O mesmo se aplicará a outra qualquer punição que possa ser prejudicial à saúde
física ou mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou
divergir do princípio estabelecido na regra 31.
3) O médico visitará diariamente presos sujeitos a tais punições e aconselhará o
diretor, se considerar necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde
física ou mental."
Em se tratando da previsão do princípio da humanidade da pena em sede da Lei de
Execução Penal observa-se o mesmo presente nos seguintes artigos, dentre outros:
"Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado.
...]
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir
o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.
[...]
Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos
condenados e dos presos provisórios.
[...]
Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão
legal ou regulamentar.
§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do
condenado.
§ 2º É vedado o emprego de cela escura.
[...]
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas
dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho,
recreação e prática esportiva.
[...]
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho
sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)."
Observa-se dos artigos antecedentes que a Lei de Execução Penal em seus
dispositivos garante aos presos, sejam provisórios ou definitivos, o respeito a sua
integridade física e moral, operacionalizando tais garantias através da imposição de
condições de salubridade no ambiente carcerário, bem como de assistência em diversas
áreas destinadas à sua ressocialização, tais como a saúde, trabalho e educação.
Em seu artigo 40 a Lei de Execução Penal apresenta-se em sintonia com o artigo
5°, XLIX da Constituição Federal, e dada a relevância de tais dispositivos, que a Lei nº
9.455/1997 tipifica como crime a submissão de pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto
em lei ou não resultante de medida legal, bem como aquele que se omite em face dessas
condutas quando tinha o dever de apurá-las (art. 1º, §§ 1º e 2º), in verbis:
"Art. 1º Constitui crime de tortura:
[...]
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto
em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou
apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos."
Assim, o tratamento dado à pessoa presa, seja provisoriamente ou em definitivo,
deve ser condizente com a sua condição de pessoa humana, devendo o cumprimento da
prisão se dar com o mínimo de condições de salubridade, higiene, respeitando-se todos
os direitos não atingidos pela condenação, bem como aqueles previstos no artigo 41 da
Lei de Execução Penal, quais sejam:
"Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a
recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e
de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade
da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 13.8.2003)"
Deve-se considerar, ainda, as palavras de Mirabete (2004, p. 135):
"Estão assim proibidas todas as sanções disciplinares que impliquem castigos físicos,
redução de água, alimentação ou vestuário, isolamento em celas insalubres, sem
iluminação ou aeração etc. Não se podem, a pretexto de execução de uma das sanções
disciplinares previstas, como a de suspensão ou restrição de direitos ou de isolamento
e de inclusão no regime disciplinar diferenciado, aplicar métodos ou meios que levem a
esses efeitos desumanos ou degradantes. A infração a essa regra pelas autoridades
constituirá, sem dúvida, crime de abuso de autoridade (arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898, de
9-12-65)."
Assim, no que concerne à disciplina carcerária, não poderia se operar de maneira
diferente, dispondo o artigo 45, §1º da Lei de Execuções Penais que "as sanções não
poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado". Pela mesma
razão também é vedado pelo artigo 45, § 2º da Lei de Execução Penal o emprego de
cela escura, como forma de sanção disciplinar, em face do evidente prejuízo que tal
medida causa à saúde física e, especialmente, mental do preso.
Desta feita, mesmo que em cumprimento de sanção disciplinar, também deve o
preso faltoso ver preservada a sua dignidade, sob pena de violação do princípio da
humanidade da pena.

Princípio da Culpabilidade

O Estado deve organizar o seu Direito Penal com base em princípios modernos,
mesmo que venha enfrentar a tarefa de estabelecer os requisitos e limites da
responsabilidade individual em razão de condutas antijurídicas e ameaçadas com penas.
Cabe ao legislador fixar a imputa9ao penal de acordo com a qualidade moral da conduta
humana, estabelecendo o principio da culpabilidade como base fundamental da
responsabilidade individual.

Culpabilidade no sentido lato, é da responsabilidade do autor


do ato ilícito que fez. O julgamento de culpa expresa a consequências
ilegal (Unrechtsfolge), que traz o ato cometido e é atribuída à pessoa
do infrator "

O Direito Penal não pode ser tido como uma mera ciência de proteção de
interesses objetivos e formais. Muito pelo contrário, o Direito Penal não e apenas um
catálogo de crimes e penas, mas sim e substancialmente o sustentáculo da ordem e
garantia dos princípios fundamentais da vida organizada e para que o Direito Penal
consiga cumprir sua relevante finalidade social, suas normas deverão ser sentidas, isto e,
mais que compreendidas.
A culpabilidade se apresenta como exigência da sociedade e da comunidade
jurídica, não e um fenômeno individual, mas social. E através do juízo de culpabilidade
que se examina a reprovação do indivíduo que não haja observado as exigências gerais.
o conceito de culpabilidade e um conceito social e jurídico, pois a sua construção se da
conforme os requisitos da vida social, dependendo, muitas vezes, da situação
econômica, dos fundamentos socioeconômicos, enfim, das mínimas exigências sociais
de cada época. Se ha transformações, certamente o conteúdo da culpabilidade sofrera
alterações,. denominando-se "a medida do juízo de culpabilidade".
No campo do ilícito, censurar, reprovar, não é função nem do legislador, nem do
juiz. A lei não determina os elementos pelos os quais uma conduta se torna reprovável,
porque com isso não diria nada de juridicamente eficiente. A sua função essencial é, ao
invés, a de esclarecer os coeficientes na base dos quais a conduta produz determinadas
conseqiiencias jurídicas. Igualmente, no caso concreto, o juiz não é chamado a
estabelecer a reprovabilidade de um determinado comportamento, mas, apenas, a
determinar se neles estão presentes, segundo a previsão da lei, os coeficientes que o
tomam apto a produzir aquelas conseqiiencias. A culpabilidade, como reprovabilidade
pessoal, e ainda vista como um conceito formal, não indicando qual será, efetivamente,
0 fundamento dessa reprovabilidade.

"O direito penal liberal concebe uma sociedade de homens que elegem sua vida, que
existem e a os que se lhe proíbem certos atos, cuja realização é a única que justifica o
exercício do poder punitivo na estrita medida da imputação objetiva e subjetiva do ato.
As distintas versões do direito penal autoritário concebem a sociedade como uma
estrutura de homens que só podem eleger sua vida - existir dentro do marco das
operações que lhes permite uma superposição que e de caroter social e aos que se the
proibem todas as demais formas de vida ou eleir;oes existenciais, sendo os atos
proibidos meros sintomas destas eleir;oes ou formas de viver, de existir ou de ser
proibidas".

Em efeito, toda pessoa é e se explica por seu berço sociocultural em que se ha


formado. É preciso então indagar e conhecer o meio onde ha vivido e crescido, os
princípios, ideias, normas e valores que lhe informam e de todo o grupo em que
participa o individuo, razão pela qual pode-se entender ou explicar a sua conduta. Sem
duvida, uma vez conseguido o perfil sociocultural, é possível chegar a conhecer e
dimensionar o individuo, embora não seja a conc1usão única e exc1usiva sobre o
agente.
No âmbito de muitos países, reconhece-se em geral a vigência do chamado
principio da culpabilidade. Esse principio, original e essencialmente, proclama a
responsabilidade penal pessoal, frente a coletiva, e a proscrição da responsabilidade
penal objetiva, em razão da exigência do dolo e da culpa logo no exame do
comportamento humano. Alem disso, o principio da culpabilidade é também a
segurança de uma pena justa, proporcional a culpabilidade pessoal do autor do delito,
frente as penas excessivas, desproporcionadas a gravidade do fato ou reprovação moral
que o autor do mesmo esteja a merecer.
Na realidade, o principio da culpabilidade, como fundamento do Direito Penal
moderno, não pode admitir penas que não se considerem merecidas, não podem exercer
uma influencia positiva, nem sobre o condenado, nem sobre a coletividade e, portanto,
no podem lograr nem a prevenção geral nem a especial. Na pratica judicial, só o
principio da culpabilidade pode aplicar-se como principio de medição das penas, e
estas, por sua vez, visem a correção do agente, só lhe podendo imputar culpavelmente a
violação da norma, se o mesmo agente, através da pena aplicada, puder ser corrigido.

A medida da culpabilidade significa o limite superior da pena, fixando uma


barreira a faculdade de intervenção estatal, protegendo o delinqiiente, impedindo uma
ingerência mais severa em sua liberdade pessoal, por razoes preventivas, que o limite a
que corresponda a sua culpabilidade. Figueiredo Dias defende a culpabilidade, e aqui
reafirma ser mérito de Roxin, como uma "função limitadora do intervencionismo
estatal, visando defender a pessoa do agente de excessos e arbitrariedades que pudessem
ser desejados e praticados pelo poder do Estado".

É oportuno frisar que a culpabilidade, segundo a visão política criminal atual,


não deve ser tida como o pressuposto isolado de aplicação da pena. Ha outros princípios
também importantes, como o da intervenção mínima, defensor da inaplicabilidade da
pena ante a inexistência da reprovabilidade intensa da conduta ou delitos de escassa
lesividade social.

O principio da culpabilidade marca a oposição a uma responsabilidade pelo


resultado referida exclusivamente a imputação de fatos objetivos. Afirma-se que a
imputação do ilícito a uma pessoa só é procedente se houver a vinculação individual
com o ilícito realizado através da possibilidade de reconhecer a contrariedade a norma
de seu comportamento e de motivar-se conforme a ela.
A prevenção necessária há de encontrar o limite democrático da igualdade real
ante a lei. Esse limite impede tratar aquele que se acha em situação de inferioridade ante
a norma penal por razão de uma causa que exclui sua motivabilidade normal, do mesmo
modo que os sujeitos que atuam normalmente.
Jakobs evidencia que a culpabilidade resulta de uma imputação de reprovação,
produzida pela vontade defeituosa do individuo, tanto que o Tribunal Constitucional
Federal Alemão tem o principio da culpabilidade não só resultante "dos princípios
gerais do Estado de Direito material, senão ademais especificamente da obrigação de
respeitar a dignidade humana".
Mir Puig, nesse sentido, tem que o principio da culpabilidade se funda no
principio da dignidade humana, resultado de um Estado democrático que respeita o
individuo. A dignidade humana "exige e oferece ao individuo a possibilidade de evitar a
pena comportando-se segundo o Direito".
O principio da culpabilidade e uma exigência do respeito à dignidade humana do
individuo. A imposição de uma pena sem culpabilidade, ou se a medida da pena
extrapola o grau de culpabilidade, supõe a utilização do ser humano como um mero
instrumento para a consecução de fins sociais, neste caso preventivamente, o qual
implica um grave atentando à sua dignidade. A liberdade, como característica da pessoa,
e o pressuposto irrenunciável de toda a culpa juridico-penal e do modelo politico-
criminal próprio de um Estado de Direito Democrático. Só assim se pode falar da
dignidade pessoal com o valor mais alto e o bem mais digno de proteção de toda a
ordem jurídica constitucional.
O conceito de culpabilidade ha de ser coerente com o conceito de ser humano
que inspira a nossa Constituição. Um Estado Democrático de Direito consagrado em
nossa Carta se baseia, sem duvida, na concepção do homem como pessoa, como ser
responsável, como um ser capaz de autodeterminação conforme critérios normativos.

"O Estado democrático, voltado à proteção da dignidade humana e orientado no


sentido da proteção ao pluralismo político, deve ser entendido juridicarnente como um
Estado garantidor e incrementador tano das liberdades individuais e das
características diversificadas de cada um de seus cidadãos, quanto da realização
integral das potencialidades humanas e de sua concreta execução dentro de uma
política de integração e de participação".

Dai, portanto, Jescheck se posiciona contrariamente ao Direito Penal funcional,


corrente doutrinal alemã que acredita na prescindibilidade do principio da culpabilidade,
pois nesse não há lugar para o principio da culpabilidade, substituindo-o pela
necessidade preventivo-geral de pena, a qual deve ser imposta com o fim de manter a
confiança da provação no Direito e de ordem publica. Segundo Jescheck "O principio
da culpabilidade serve também como uma proteção necessária do cidadão contra
qualquer excesso na intervenção repressiva do Estado e se preocupa de que a pena
quede limitada estritamente a condutas que merecem um juízo de desvalor etico-social".
A culpabilidade na determinação da pena consiste na totalidade de pressupostos
subjetivos da punibilidade e na responsabilidade do autor pelo injusto culpável
cometido, assim como pelo seu comportamento prévio e posterior ao fato, junto com o
conjunto dos fatores dos quais se deriva o grau de reprovabilidade do fato para a
determinação da pena. A sentença penal não condena a integridade da pessoa, mas o
individuo que agiu num momento critico da sua vida. Pune-se o culpado pelo seu ato e
não o homem falível atrás da sua infração. É censurabilidade do fato, que exprime uma
contradição entre a vontade do agente da vontade da norma penal. É expressão de
indisciplina social, de rebeldia. A culpabilidade e o resultado de uma censura ao agente,
porque seu comportamento externo é a revelação de sua personalidade, a revelação de
seu psiquismo. Essa revelação ontem mercê da analise da personalidade do sujeito, de
sua normalidade psíquica, da qualidade dos motivos, de sua força determinadora das
circunstancias em que a decisão foi tomada. Sobre a culpabilidade, diz Assis Toledo que
"age culpavelmente aquele que, numa situação dada, submete-se a estímulos. e impulsos
orientados para o crime, deixando de opor-lhes suficientemente os meios de resistência
de que dispunha, adquiridos no aprendizado da existencia comunitaria".
Para Jakobs, falar em culpabilidade e pressupor normas legitimas e exemplifica:
"se todos os bens vitais estão concentrados em mãos de algumas poucas pessoas, pode
que o ordenamento jurídico garantisse aos demais o direito de propriedade sobre sua
própria pessoa e o direito de adquirir a propriedade de bens, mas como todos os meios
de subsistência de fato se encontram em mãos alheias, aqueles que não tem nada mais
que seu próprio corpo dificilmente poderiam aceitar essa ordem como ordem do geral; a
mera existência de uma personalidade abstrata é demasiado pouco para que assim o
façam".
A culpabilidade, concluindo, como principio da dignidade da pessoa humana,
efetivamente, proclama a responsabilidade penal pessoal, frente a coletiva, inadmitindo
a responsabilidade penal objetiva, em virtude da exigência do dolo e da culpa logo no
exame da ação humana. Alem disso, o principio da culpabilidade e também a segurança
de uma pena justa, proporcional a culpabilidade pessoal do autor do delito, frente as
penas excessivas, desproporcionadas a gravidade do fato ou reprovação moral que o
autor do mesmo esteja a merecer.

Seguem-se alguns tipos de Princípios da Culpabilidade


Das concepções: psicológica e normativa
A divisão clássica da culpabilidade – efetuada pela doutrina – é a das
concepções: psicológica e normativa. A concepção dominante nas ciências penais,
durante longo tempo, fora a psicológica.
Tal concepção surge quando a doutrina volta seus estudos para o campo
subjetivo da ciência penal, numa análise dúplice de dolo e culpa. É a visão de buscar
uma ligação existente entre o fato ocorrido e o agente, é a chamada verificação do
previsto ou do querido, ou ainda, do não querido podendo ser previsto ou previsível,
apresentando-se como querido apenas a conduta praticada pelo agente.
Daí o magistério de BETTIOL acerca da concepção psicológica da
culpabilidade, "(...) se Fulano previu e quis a morte de Beltrano como consequência da
própria ação ou omissão, afirma-se que há dolo; ao passo que se Fulano quis apenas a
conduta da qual derivou a morte de Beltrano, prevista ou previsível, diz-se que há culpa.
Portanto, o liame psicológico que une um evento ao sujeito agente pode ser doloso ou
culposo: doloso quando foi previsto e querido; culposo quando o evento, não querido, é
previsto ou ao menos era previsível. A concepção psicológica da culpabilidade
fundamenta-se pois sobre um vinculo de caráter subjetivo que relaciona o fato ao seu
autor, nos limites respectivos do dolo ou da culpa”.
No entanto, surge a concepção normativa da culpabilidade, que objetiva uma
análise recheada por alguns outros elementos que não apenas o do liame psicológico. A
concepção normativa não se divorcia do vinculo psicológico como alguns autores –
buscando sua eliminação – procuram dar a entender em seus escritos. Não quer também
significar que a concepção normativa procure efetivar uma associação entre o liame
psicológico com o caráter normativo de exigência da norma penal. A norma penal tem a
sua exigência de valoração por essência, pois, o direito penal é um sistema de proteção
bens valorados. O que ocorre na concepção normativa da culpabilidade, é que o vinculo
psicológico continua a existir e de forma objetiva, no entanto, sua valoração vai ser
determinada pela norma penal, no âmbito de uma hierarquia presente nesse sistema de
valores.
O que a concepção normativa da culpabilidade descobriu, é que a culpabilidade
é um juízo de reprovação, é uma situação de antítese entre vontade do agente e o
preceito determinado pela normal penal. "Ela é o resultado da filosofia dos valores no
campo do direito penal, daquela filosofia que, contrapondo o fato ao valor, não podia,
numa ciência valorativa como a jurídico-penal, manter-se, a propósito da culpabilidade,
atada a uma concepção psicológica e, portanto, naturalística. Não é o nexo psicológico
como tal, mas a valoração deste nexo em relação às exigências de uma norma, que dá
significado à doutrina da culpabilidade”.
O conceito normativo de culpabilidade fornecido por BETTIOL é no sentido de
que "podemos, pois, definir a culpabilidade, sob o prisma normativo, como ‘um juízo de
reprovação pessoal pela prática de um fato lesivo a um interesse penalmente protegido’.
Os elementos sobre os quais o juízo se baseia são a capacidade de entender e de querer,
a voluntariedade do fato nos limites respectivos do dolo e da culpa e a possibilidade de
uma motivação normal da vontade”.
O que não pode ser esquecido é que a origem remota da culpabilidade e
responsabilidade pressupõe o homem como ente livre e auto-determinável para o
exercício de suas ações, é vislumbrar que o "objeto da censura de culpabilidade é a
defeituosa posição do autor para com as exigências de conduta da ordem jurídica,
manifestada no fato antijurídico".
WESSELS procura efetuar uma purificação na sua elaboração de conceito
normativo da culpabilidade, afirmando que não existe uma reprovação de caráter moral
ou social, as reprovações existentes não determinadas pela norma penal. Diz ele que,
"culpabilidade em sentido jurídico-penal, por outro lado, é culpabilidade jurídica, não
culpabilidade moral ou social. Decisivas para a censura de culpabilidade são apenas as
representações de valor da ordem jurídica (...) A teoria normativa, fundada por
FRANK, vê a essência da culpabilidade da culpabilidade na censurabilidade da
formação da vontade, portanto, na valoração normativa de uma relação de fato
psíquica".
Para GRECO FILHO, o que ocorre é uma mistura entre as concepções, efetuada
pela doutrina, entende se tratar de um problema terminológico, chega a criticar a
doutrina de BETTIOL por não levar em consideração as presunções e os indícios
presentes no Direito Penal. "A presunção existe em direito penal material, dizer que não
pode ter presunção é retrocesso". Para o representante das arcadas a imputação
subjetiva vai depender de uma tríplice exigência que é: o dolo, a culpa e os aspectos de
reprovação. Elabora toda uma teoria para a construção da culpabilidade no Direito
Penal, que consiste – de forma simplificada – no seguinte: fato; consequência jurídica;
regra técnica, regras da experiência; provas direta e indireta, e a prova prima face.
As inovações presentes na teoria de GRECO FILHO se apresentam em dois
apontamentos, que são: nas regras de experiência que são "as formulações normativas
dos fatos, e inclusive subjetivas. Como o padrão de comportamento das pessoas seja no
subjetivo ou objetivo. E, na reincidência das condutas; e, na prova prima face que quer
significar "uma simplificação do raciocínio. São fenômenos da tipificação".

Da culpabilidade: pelo fato singular e pela conduta na vida


Aqui se encontra presente uma enorme problemática do Direito Penal enquanto
ciência humana, que é o auferir da culpabilidade levando-se em consideração o fato
ocorrido, a conduta praticada pelo agente, e, não, a sua personalidade, o seu caráter,
enfim, a sua conduta de vida. O quer significar uma presente exigência de interpretação
conjunta e nunca divorciada. É o que se atribui ao mestre HELENO FRAGOSO, que
interpretando o Projeto Alternativo do Código Penal Alemão, identificou a abolição do
chamado direito penal do autor.
Um direito penal de índole democrática, de obediência a legalidade, é
direcionado para uma apuração do fato, do acontecimento como fenômeno social. A
lição de BETTIOL, pautada nos ensinamentos de BINDING, é no sentido que "é um
fragmento, um segmento da vida de um homem que é objeto de censura (...) um
acontecimento singular da vida, uma ação instantânea – talvez de todo excepcional no
teor de vida mantido até então pelo agente – torna-o culpável e somente por isto torna-o
penalmente responsável, não pelo seu caráter, não pelo seu temperamento permanente,
não pela sua conduta antecedente ou subsequente à ação".
O que não quer significar a existência de uma culpabilidade reduzida ou
simplificada ao fato, a proclamação do divórcio entre ação e agente, mas sim, uma
analise da culpabilidade – como regra – que leva em uma maior consideração os
fenômenos que envolvem o fato, e uma menor envolvendo o agente. O que sequer
afirmar é que a maioria dos acontecimentos no campo do Direito Penal se refere ao fato,
enquanto, que uma minoria se refere ao agente. Tal concepção não se furta ao
reconhecimento de que há casos em interessa ao direito penal a figura do homem,
enquanto ser.
A lição de WESSELS é no sentido de que "o ponto de referência para o juízo de
culpabilidade é constituído pela ação do injusto. A culpabilidade do Direito Penal é
culpabilidade do fato isolado, não ‘culpabilidade de caráter’ e só indiretamente
‘culpabilidade pela conduta de vida". A doutrina considera o conceito (indiretamente)
dado WESSELS, questionável.
Atribui-se a MEZGER como tendo sido o primeiro a conceituar a culpabilidade
que direciona uma análise única e total sobre o agente, em desprezo à ação singular,
como sendo culpabilidade pela conduta de vida. "a reprovação atém-se a toda
personalidade. E é por isto que na doutrina mais recente se acentuou que nem sempre a
‘culpa do autor’ é uma culpa ‘pela conduta’ de vida, podendo-se perfeitamente admitir
esta figura também na hipótese em que, independentemente de uma série mais ou menos
ampla de ações delituosas, o agente tenha, num determinado momento, decidido dar
orientação determinada à sua vida". Já SAUER na sua construção da culpabilidade
elabora uma distinção das diversas espécies de culpabilidade por tendência, de maneira
a não reconhecer uma culpabilidade pela conduta de vida. Leciona o pensador da escola
de MUNSTER "estrutura da culpabilidade tendência crônica de inclinassem, de
endereço de vontade ou atitude de vida (ou de qualquer culpa em caso hábito de vida),
todas as expressões adequadas, sendo facilmente enganoso falar de culpa e de caráter
modo, os poderes não são suficientes, para eles, mesmo as tendências devem ser
acrescentadas (ativos) ".

Da culpabilidade: personalidade do réu e capacidade de


delinqüir
A questão da culpabilidade se torna de difícil resolução para o Direito Penal
quando se chega na problemática da personalidade do réu. Geralmente o que se nota é
uma confusão rotineira na apuração da culpa em função de uma interpretação da pessoa
em particular do réu. O fator fundamental reside no empreendimento ilimitado que o
Direito Penal dispensa para relacionar a ação ao agente, objetiva um enquadramento da
culpabilidade na personalidade do agente de forma a descobrir a sua face criminológica.
Daí BETTIOL realizar uma diferenciação fundamental no que concerne a
problemática da culpabilidade do agente e à personalidade do réu, vai dizer que "as
finalidades das duas questões são diversas: na primeira a personalidade é considerada
enquanto objeto de censura, na segunda, é sempre a ação que é objeto da reprovação;
mas a culpabilidade pela ação é compreendida apenas com referência a personalidade
do réu".
Diante da diferenciação mencionada por BETTIOL, passa-se a enxergar a
capacidade limitada da concepção psicológica da culpabilidade para o direito penal,
principalmente, por ser este pautado no princípio constitucional da individualização na
aplicação pena. "De que serve estabelecer um nexo psicológico entre a mens de um
individuo e um evento lesivo a fim de determinar a culpabilidade, se não pode ser
negado que esta varia de individuo para individuo conforme a sua personalidade
naturalística e ética, ou conforme o caráter das condições que podem ter influído na sai
ação".
Nessa relação da forma de culpabilidade e a personalidade do réu – para alguns
autores – a sua resolução se encontra no conteúdo dos seus elementos de composição,
um fato punível e punível de forma mais ou menos gravosa conforme a conduta
praticada. Basta se analisar os crimes nas suas formas: culposa e dolosa.
A lição de WESSELS parte da premissa de que "assim como ‘injusto’ e
‘culpabilidade’ se correspondem um ao outro, subsiste uma relação de trocas entre a
forma de conduta e a forma de culpabilidade do acontecimento punível. A realização
dolosa ou negligente do tipo de injusto constitui, como forma de conduta, o correlato
para a forma de culpabilidade estampada pelas ponderações da censurabilidade (=
estágios da culpabilidade); à forma de comissão dolosa ou negligente corresponde o
tipo de culpabilidade dolosa ou negligente".
Uma outra problemática, no campo da culpabilidade, é a capacidade de
delinqüir, já que o Direito Penal insiste em afirmar que é possuidor de mecanismos
capazes de identificar tal capacidade. A capacidade de delinqüir, necessariamente, deve
ser analisada à luz da correlação existente entre culpabilidade e personalidade do réu.
Ou seja, essa tal capacidade de delinqüir não poderá ser auferida de maneira divorciada
da ação, ela não é um exame tomográfico que proporcione um diagnóstico definitivo
Porém, perece-nos que o Direito Penal insiste em nos fornecer os instrumentos
necessários para a identificação dessa capacidade de delinqüir. O direito pátrio no artigo
59 do Código Penal primeira parte (fixação da pena privativa de liberdade), abre um
leque de instrumentos que devem ser utilizados pelo magistrado, na busca da chamada
capacidade de delinqüir.
A lição de BETTIOL, portanto, é que "a capacidade de delinqüir não pode ser
apreciada independentemente da ação, como se pudesse constituir por si o objeto de
uma censura: ela é sim uma qualificação subjetiva mas deve ser relacionada com uma
ação a fim de interpretar de forma retributiva a própria ação (...). Ora, capacidade de
delinqüir não é senão um sinônimo da personalidade moral do réu, no sentido de que a
culpabilidade pela ação assume grau mais ou menos intenso desde que maior ou menor
a ‘perversidade’ moral do sujeito agente".

Culpabilidade e periculosidade
Há de ser identificado um aspecto de conflito ou contrariedade entre
culpabilidade e periculosidade, principalmente, quando diante da concepção normativa
da culpabilidade. Mas onde se encontra, exatamente, este conflito? Pode-se afirmar que,
em função do aspecto de valoração (FRANK) atribuído à culpabilidade normativa é que
surge a contrariedade com a periculosidade, pois, esta tem finalidades diversas da
primeira. Podendo-se vislumbrar o caso concreto de se constatar um vínculo efetivo e
real na personalidade criminológica do agente que o leve de forma irrefutável à ação.
Diante deste aspecto valorativo fornecido à culpabilidade normativa, com um
elemento ético e social como imperativo para uma reprovação, requerendo a presença
de um elemento subjetivo, seja de cunho perverso ou anti-social, para se falar em
culpabilidade do agente, é que se diz "entre culpa normativa e periculosidade não há
portanto nexo algum, mas antes contradição: uma coisa é julgar um fato merecedor de
censura porque fruto de uma motivação que podia ser evitada, outra coisa é dizer que
um individuo poderá no futuro vir a cometer crimes ulteriores. Se os dois juízos devem
ser igualmente circunstanciados, para aderir à realidade ética e naturalística, a
individualização é para fins tolo coelo diversos: num a ‘reprovação’ importa em
retribuição e portanto em pena, no outro a ‘previsão’ do dano postula uma medida
preventiva. Também a capacidade de delinqüir, como critério de medida de
culpabilidade, não tem a ver com a periculosidade: uma é um juízo ético, a outra um
juízo naturalístico. A primeira diagnostica para fins retributivos, a segunda prognostica
para fins preventivo".
Portanto, vislumbra-se na lição de BETTIOL, o núcleo de conflito e
contrariedade entre culpabilidade e periculosidade, pois, enquanto uma se trata de juízo
ético a outra se refere a um juízo naturalístico. Daí o autor elaborar sua diferenciação
definitiva no campo da possibilidade e da probabilidade. A primeira dirigida a todos e a
segunda apenas a alguns.
No entanto, se a periculosidade não enseja uma desaprovação ou reprovação por
parte da ordem jurídica, pois, não chega a ofender o elemento ético e social, o que é a
periculosidade? Utilizando-se dos ensinamentos PETROCELLI para a construção de
um conceito de periculosidade, BETTIOL vai dizer que é considerada como "o
complexo de condições, subjetivas e objetivas, sob cuja ação é provável que um
indivíduo cometa um fato socialmente lesivo ou perigoso" Continua o autor "a
periculosidade é destarte uma qualidade pessoal de um indivíduo enquanto causa
provável de crimes e a providência que se deve aplicar para elimina-la é a medida de
segurança".
Daí a discussão em torno da sua antijuridicidade. Porque (a priori) não se estar
diante de uma violação da norma jurídica, o que provoca a dispensabilidade de um
exame do direito objeto. Já que a constatação da ilicitude é apontada quando do
cometimento de uma ação que colida com os ditames da norma jurídica. Pois, só através
da ação é que o homem realiza o vínculo de conflito existente entre a sua vontade de
ação e as determinações da norma jurídica, surgindo então o juízo de desaprovação pelo
ato lesivo e de reprovação pela ação culposa.
A solução é encontra no momento tanto da culpabilidade quanto da periculosidade, que
são totalmente distintos. Pois, enquanto a primeira enseja a retribuição, a segunda
obriga a prevenção. "Logicamente tudo que é predisposto por medidas de caráter
preventivo não pode ser suscetível de um juízo de antijuridicidade, porque a
antijuridicidade reivindica necessariamente a idéia de reação peculiar a qual medida
repressiva"

Princípio da intervenção mínima no direito penal


Por vivermos num Estado Democrático de Direito, o Direito Penal, assim como
os demais ramos jurídicos, devem adequar-se aos ditames previstos na Constituição
Federal e que regem todo o ordenamento jurídico.
Nessa perspectiva, o Direito Penal assume as funções de proteção efetiva dos
cidadãos, preocupando-se com o direito à vida e à liberdade dos indivíduos e sua missão
de prevenção ocorrerá na medida do necessário para aquela proteção, dentro dos limites
fixados pelos princípios democráticos.
Dentro desse contexto, nasce a preocupação em estabelecer-se um Direito Penal
Mínimo que acima de tudo respeite, de forma objetiva, o direito à vida e à liberdade, ou
seja, um Direito Penal assentado nas máximas garantias constitucionais, sobretudo nos
princípios basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o
princípio da dignidade da pessoa humana, da ofensividade, da insignificância, princípio
da legalidade, o princípio da intervenção mínima, dentre tantos outros.
O Princípio da Intervenção Mínima surgiu por ocasião da reação da burguesia
contra o sistema dominante na época, o absolutismo. Era um sistema baseado na
abrangência das legislações. Montesquieu já afirmava que “quando um povo é virtuoso
bastam poucas penas”, assim como a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
prescrevia que: “a lei não estabelece senão penas estritas e evidentemente necessárias.”
O presente trabalho visa ao estudo desse princípio, inicialmente
contextualizando-o historicamente no âmbito do direito penal e, em seguida,
discorrendo sobre os princípios a ele relacionados, norteadores da criminalização e da
descriminalização. Por fim, mencionaremos algumas decisões de nossos Tribunais, bem
como alguns diplomas processuais que aparelham o Estado com instrumentos penais e
processuais para o controle da intervenção penal.

1. ESBOÇO HISTÓRICO
Com a formação de grupos sociais, surgiu a necessidade de se instituir regras
que garantissem a harmônica convivência social, advindo daí sanções para aqueles que
as desrespeitassem.
Todavia, o direito de punir nem sempre pertenceu ao Estado. Nas sociedades
primitivas o Direito era simplesmente um dos aspectos da religião, evoluindo de mera
vingança pessoal ao exercício da justiça privada.
Antes que a pena privativa de liberdade fosse instituída como sanção penal,
o que somente foi possível após o Iluminismo, no século XVIII, as penas eram todas
corporais, com mutilações e açoites, adotava-se a pena de morte, bem como as penas
infamantes, as violentas e as arbitrárias.
No Oriente Antigo, a punição fundava-se em caráter religioso, na qual o
infrator era duramente castigado, a fim de acalmar a “ira dos deuses”. Notava-se o
predomínio do Talião, expressa pela máxima olho por olho, dente por dente e que,
embora tenha, de certo modo, reduzido a extensão da punição e a vingança privada,
retribuía a violência cometida com mais violência e atos arbitrários contra aquele que a
cometera.
O caráter sacro também pôde ser observado na Grécia antiga, onde a punição
mantinha sua tendência expiatória e intimidativa, prevalecendo, de início, a vingança de
sangue, que terminou cedendo espaço ao Talião e à Composição.
No Direito Romano, prevalecia o poder absoluto do chefe da família – pater
familiae, que era o responsável pela aplicação das sanções que bem entendesse ao seu
grupo. Na fase do Reinado vigorou o caráter sagrado da pena, firmando-se o estágio da
vingança pública. No período republicano, a pena perdeu o caráter de expiação, pois o
Estado separou-se do culto, prevalecendo o talião e a composição, que poderia consistir,
inclusive, na possibilidade de se entregar um escravo para sofrer a pena no lugar do
infrator desde que houvesse a concordância da vítima.
A Lei das XII Tábuas trouxe um avanço político-social ao igualar os
destinatários da pena. Porém, durante o Império a pena tornou-se novamente mais
rigorosa, restaurando-se a pena de morte e instituindo-se os trabalhos forçados, as penas
infamantes e cruéis.
O Direito Germânico caracterizou-se pela vingança privada e pela
composição, sendo os acusados submetidos a testes de culpa, os quais, caso
sobrevivessem, seriam considerados inocentes.
No Direito Canônico, predominando na Idade Média, perpetuou-se o caráter
sacro da punição, que continuava severa, porém com intuito corretivo, visando a
regeneração do criminoso. A religião e o poder estavam profundamente ligados e a
heresia implicava em crime contra o próprio Estado. Nesse período ressaltam-se os
excessos cometidos pela Santa Inquisição, que se valia da tortura para extrair a
confissão e punir, com medidas cruéis e públicas, os culpados. Inexistia qualquer
proporcionalidade entre a infração cometida e a infração aplicada.
Tais excessos e o caráter de intimidação pura da pena acabaram por
incomodar muitos filósofos e juristas, o que culminou na gestação do Direito Penal
como ciência, marcada pela obra do Marquês de Beccaria (1738-1794), Dos Delitos e
das Penas, dando início assim, ao pensamento sobre a proporcionalidade da pena à
infração praticada e a consideração sobre o dano que o crime havia causado à sociedade.
Era o início da Escola Clássica.
O caráter humanitário presente nessa obra foi um marco para o direito penal,
contrapondo-se ao arbítrio e a prepotência dos juízes, sustentando que somente leis
poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-
las, além de insurgir-se contra a tortura e ressaltar a responsabilidade pessoal do autor
do delito. A pena seria, antes de tudo, um meio de regeneração do criminoso.
Mas é inegável que o direito penal somente passou a assumir o caráter
parecido com o que se tem hoje a partir do Iluminismo. Foi o ideário de Rousseau e seu
Estado democrático, voltado para o bem comum, a crítica de Voltaire contra a igreja e a
proposta de Montesquieu de separação dos poderes, que inspiraram Beccaria e o
surgimento da Escola Clássica e, como já dito, de um direito penal visto agora como
ciência.
A racionalização na aplicação das penas foi um dos principais temas do
Iluminismo, assim como a demarcação dos limites entre a Justiça Divina e a Justiça
Humana e entre os pecados e os delitos, proclamando-se a utilidade social da pena,
retirando-lhe o caráter de vingança. A pena ganha um contorno de utlidade, destinada a
prevenir delitos e não simplesmente castigar, sendo tal pensamento Iluminista
consagrado na Declaração dos Diretos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Porém, a prisão como pena privativa de liberdade surgiu apenas a partir do
século XVII, consolidando-se no século XIX. De início, as prisões eram simplesmente
um local para guardar os réus, preservando-os até o dia do julgamento. Os sistemas
penitenciários que consagraram as prisões como local de cumprimento da pena foram
principalmente os surgidos nas colônias americanas.
Em 1818, criou-se o sistema pensilvânico, em que o condenado ficava
completamente isolado, somente podendo receber visitas dos funcionários, dos
membros de associação de ajuda aos presos e do sacerdote, assim como realizar trabalho
manufaturado, obedecendo a lei do silêncio.
Posteriormente, surgiu o sistema alburniano, o qual se preocupava
essencialmente com a obediência do criminoso, o silêncio absoluto, voltado ao controle
dos condenados, a segurança do presídio e a exploração da mão-de-obra barata, no
entanto, diferentemente do sistema pensilvânico, consagrou o trabalho do preso durante
o dia.
O fato é que ambos os sistemas adotaram, basicamente, a visão punitiva e
retributiva da pena.
Em 1787, Jeremy Bentham sugeriu a criação do presídio ideal, denominado
O Panóptico ou Casa de Inspeção, em que todas as celas voltavam-se ao centro do
presídio e o condenado passava todas as horas do dia em constante vigilância. Para
Bentham, a pena tinha função de prevenção particular, que se aplica ao delinqüente
individual, e de prevenção geral, que se aplica a todos os membros da comunidade.
Nessa época surgiu o sistema progressivo de cumprimento da pena privativa
de liberdade na Europa. Inicialmente, eram distribuídas marcas ao condenado, de acordo
com seu comportamento e rendimento no trabalho, podendo passar do isolamento
diurno e noturno para o trabalho comum e em silêncio, com isolamento noturno.
Posteriormente o sistema foi aperfeiçoado, passando do isolamento celular ao trabalho
comum, com período de semi-liberdade, ou colônia agrícola, até atingir a liberdade sob
vigilância até o final da pena.
Nesse contexto, contrapunham-se duas teorias: a da retribuição (absoluta) e a
da prevenção (relativa). Pela primeira, defendida por Carrara, Kant, Hegel, etc., a pena
tinha finalidade eminentemente retributiva, voltada ao castigo do criminoso, por
questões de justiça e necessidade moral, pouco importando sua utilidade. Já a segunda,
defendida por Beccaria, entendia que a pena deveria ter um fim utilitário, consistente na
prevenção geral e especial do crime.
Com a escola positiva, inaugurada por Lombroso com a publicação do livro
O homem delinqüente (1876), deu-se início à investigação científica do crime, tentando
explicá-lo segundo a fenomenologia social e segundo os estudos da biologia. Surge a
criminologia como ciência e suas diversas tendências, buscando, através de métodos
empíricos, a explicação do crime, com o precípuo de fim de auxiliar o direito penal.
Os positivistas rechaçaram totalmente a noção clássica de um homem
racional capaz de exercer seu livre arbítrio. Sustentavam que o delinqüente se revelava
automaticamente em suas ações e que estava impulsionado por forças que ele mesmo
não tinha consciência. Para ele, o homem nasceria delinqüente, portador de caracteres
impeditivos de sua adaptação social, tendo como conseqüência o crime. É de Lombroso,
aliás, a descrição do criminoso nato.
Enquanto a Escola Clássica se preocupava apenas com o crime e a pena, a
Escola Positiva se preocupava com o criminoso e as circunstâncias que o levaram à
prática do ato delituoso.
O enfoque sobre a figura da pena, portanto, sofreu enorme mudança, saindo
da esfera meramente retributiva, mera vingança estatal, expiação pura e simples do mal
cometido, para uma tentativa de prevenção, adequando-se a pena ao tipo de delinqüente
objetivamente observado (ocasional, habitual, passional, nato, etc.).
Com a natural evolução das sociedades humanas, portanto, o aparato
punitivo também acabou por alcançar novas idéias acerca dos conceitos de crime,
delinqüente, culpabilidade, antijuridicidade e punibilidade, considerados elementos
reguladores da resposta estatal ao delito. Passou-se a adotar a defesa social como novo
elemento componente da pena. Não mais se via a prisão como simples castigo,
retribuição pura e simples provinda do Estado frente ao delinqüente, mas sim, além do
inseparável caráter de expiação, uma forma de proteção à sociedade.
Várias escolas surgiram após a clássica e a positiva, também chamadas de
Escolas Ecléticas, mas nenhuma atingiu o destaque das primeiras.
No Brasil, as Ordenações Filipinas (1603) refletiam o Direito Penal dos
tempos medievais, fundamentando-se largamente nos preceitos religiosos. O crime era
confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges,
feiticeiros e benzedores e as penas eram desproporcionadas à falta praticada, muito
severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras), visando infundir o temor
pelo castigo.
Anos após proclamada a independência, D. Pedro I sancionou, em 1830, o
Código Criminal do Império. De índole liberal, inspirava-se na doutrina utilitária de
Betham, bem como no Código francês de 1810 e o Napolitano de 1819. Fixava-se na
nova lei um esboço de individualização da pena, previa-se a existência de atenuantes e
agravantes, e estabelecia-se um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena
de morte, a ser executada pela força, só foi aceita após debates entre liberais e
conservadores no congresso e visava coibir a prática de crimes pelos escravos.
Com a República foi editado, em 1890, o Código Criminal da República,
alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava que decorriam, evidentemente, da
pressa com que fora elaborado.
Em virtude de a Constituição de 1891 haver abolido a pena de morte, a de
galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1890 contemplou a pena de
prisão, o banimento, a interdição, a suspensão e perda de emprego público e multa.
Apesar de mal sistematizado, o Código Criminal da República constituiu um
avanço na legislação penal da época, uma vez que, além de abolir a pena de morte,
instalou o regime penitenciário de caráter correcional.
Desde seu nascimento, surgiram várias leis para emendá-lo, que pelo grande
número, acabaram gerando enorme confusão e incerteza na aplicação, o que tornou
necessária a edição de um novo Código Penal, em 1940. Este se trata de uma legislação
eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que
disputavam a busca pela solução dos problemas penais. Fazia uma conciliação entre os
postulados das Escolas Clássicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas
legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço.
Até hoje, diversas foram as reformas por que passou nosso Código Penal, a
exemplo da Lei n.º 7.209/1984, que alterou substancialmente a parte geral,
principalmente adotando o sistema vicariante (pena ou medida de segurança), regulando
a execução das penas e das medidas de segurança, pelo que há muito se clamava.
Nosso Estatuto repressivo pátrio foi ainda alterado pela Lei nº 9.714/98 no
que concerne às penas restritivas de direitos, tendo incluído mais dois tipos de penas: a
prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, a Lei Substantiva estabelece
a possibilidade e as condições para substituição da pena privativa de liberdade por
restritivas de direitos.
Destarte, é de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de
ser regra para se tornar exceção. É que o cárcere, não restam dúvidas, ao invés de
proporcionar a ressocialização, não raro tem se transformado em verdadeira
universidade da delinqüência.
Sem intenção de esgotar o tema, traçamos esse esboço histórico a fim de
fazer um apanhado geral sobre a evolução da idéia de pena e do próprio direito penal,
onde se pode observar que nos primórdios, o Estado atuava em demasia, confundindo o
ius puniendi com o exercício de poder e de preservação política do soberano. As
punições, antes de representarem fins de profilaxia criminal, significavam a vingança
institucional e fixavam as regras do jogo do poder.
Tal situação foi sendo abrandada com o decorrer dos tempos, sendo
desenvolvidas teorias e conceitos, tais como o de bem jurídico, dignidade penal, direito
penal mínimo, etc.
Logo, com a evolução do direito e da sociedade, a tendência é a de que o
direito penal deixe de ser o pronto remédio contra a generalidade dos males sociais, na
medida em que existem meios outros, do Estado ou do sistema social, mais eficazes a
esse fim. Ao direito criminal ficaria reservada a proteção dos bens vitais para a
sociedade, desde que outra forma se não se mostrasse mais eficaz e que o meio punitivo
fosse o mais adequado.
Assim, a função e justificação do direito penal do Estado advém da
necessidade da pena para garantir a manutenção da ordem jurídica e, conseqüentemente,
para a segurança da sociedade. Para tanto, o legislador e o operador do direito contam
com uma série de princípios norteadores de sua atividade, tais como o princípio da
intervenção mínima no direito penal e outros a ele relacionados, como se verá a seguir.

2. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA: CONCEITO E


CARACTERÍSTICAS

Pelo princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima


ratio, o Direito Penal só deve preocupar-se com a proteção dos bens mais importantes e
necessários à vida em sociedade, ou seja, deve atuar somente quando os demais ramos
do direito revelarem-se insuficientes para a tutela desses bens.
Nesse contexto, o direito penal assume um caráter subsidiário, intervindo
somente quando as medidas civis ou administrativas mostrarem-se ineficazes.
O Estado, portanto, não deve recorrer ao Direito Penal e sua gravíssima
sanção se existir a possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros
instrumentos jurídicos não-penais.
Isto porque, quando se está sob a égide de um Estado Democrático de
Direito, há que se ter em mente que a intervenção do Estado na vida dos indivíduos
deve ser mínima, uma vez que quem é o detentor da titularidade da soberania é o povo,
que aliena apenas a quota necessária para que o poder do Estado se constitua.
Para que um bem jurídico receba a proteção do direito penal, portanto, tem
que merecê-la e necessitá-la, cabendo somente ao direito penal a proteção de bens
jurídicos fundamentais dos indivíduos e da sociedade e que sejam imprescindíveis para
o convívio social.
Como já foi dito, o Estado, e como conseqüência o Direito Penal, só
deveriam agir em casos de extrema necessidade. O direito penal e à “última ratio” e
somente pode ser invocado quando todas as demais formas de proteger e assegurar o
bem tutelado pelo Estado lograr-se ineficazes.
A experiência histórica nos tem demonstrado que a violência e a prisão não
são a solução para os problemas de insegurança na sociedade, para a criminalidade. A
sanção penal não pode ser considerada mais como solução de todos os conflitos sociais,
pois é incontestável que o endurecimento da pena não representa, assim como o
aumento de leis penais, prevenção.
Não é por falta de leis que a criminalidade aumenta, aliás, hoje no Brasil
existem uma infinidade de leis, muitas vezes até desconhecidas, o que falta na verdade é
a criação de mecanismos de políticas públicas para que tais leis sejam corretamente
aplicadas do ponto de vista do direito penal mínimo, que não condiz com a severidade
das penas.
Há de se ter em mente que, quanto mais tipos penais são criados e quanto
mais se tornam as penas mais severas, mais se delimitam as garantias individuais, mais
normas são infringidas e mais abarrotados ficam os cárceres.
Porém, o que vem acontecendo é preocupante, pois o pressuposto básico do
Estado Democrático de Direito e os preceitos e princípios constitucionais que pregam a
mínima intervenção do Estado na sociedade, vem sendo substituídos pelo Princípio da
Máxima Intervenção na vida do indivíduo e da coletividade. O Direito Penal, cujos
efeitos sancionatórios deveriam ficar reservados somente os fatos de grande gravidade e
os de maior intensidade, tem sido desvirtuado pelo função legislativa.
Danos de pequena monta que deveriam ser solucionados pelos
ordenamentos jurídicos menos formais e menos danosos acabam sendo tipificados, o
que contradiz a idéia de um direito penal mínimo.
A intervenção mínima também deveria ser verificada na função judicante,
todavia, na prática o que se observa é que se está fazendo um uso excessivo da pena,
estendendo-se de forma absurda a legislação, o que acaba por acarretar a redução da
força intimidadora da sanção, pois ainda há quem acredite que a aplicação de penas
rigorosas é a única solução para conter a criminalidade.
De certa forma ainda predomina o entendimento que a criminalização de
toda e qualquer conduta indesejável representaria a melhor e mais fácil solução para
enfrentar os problemas de uma sociedade complexa e interdependente em contínua
expansão.
A intervenção máxima do Direito Penal torna-se mais preocupante quando
este passa a ter um caráter eminentemente promocional, pois com a tipificação de
delitos imposta a fim de atender a interesses políticos e não sociais, isto é, quando leis
são criadas e aplicadas após a ocorrência de fatos de grande repercussão social, com a
intenção de produzir na opinião pública uma impressão tranqüilizadora de um legislador
que está atento à realidade social.
Na medida em que o mecanismo controlador penal perde sua condição de
instrumento a serviço da convivência social e torna-se um interventor precoce nos
conflitos sociais, ou atua, simbolicamente, apenas para efeito de transmitir falsa
tranqüilidade à sociedade sua legitimidade começa a ser posta em dúvida.
Deixa-se, pois, de tutelar apenas aqueles bens considerados fundamentais
para estender a aplicação do direito penal a outros bens que poderiam ter sua proteção
fornecida por outros ramos do direito. O legislador, na ânsia de tipificar um grande
número de condutas e desejando muitas vezes antecipar-se, acompanhar o
desenvolvimento tecnológico, acaba por criminalizar condutas que estariam muito
melhor abarcadas em outros ramos do direito. É o que ocorre, por exemplo, com os
delitos ambientais e as legislações tributárias e previdenciária.
O que ocorre, na verdade, é que hoje o Direito Penal perdeu muito de sua
essência, de garantidor da convivência pacífica na sociedade, o qual somente deve ser
invocado para intervir nos casos em que há uma grave violação social, já que cuida ele
dos bens mais caros para o homem, tais como a vida e a liberdade. Ao transitar e tutelar
condutas que poderiam ser tratadas por outros ramos do direito, atuando como simples
sancionador da violação de normas de outra natureza, o Direito Penal agravar ainda
mais as condutas previstas nos ordenamentos normas civis e administrativos que se
utilizam do seu caráter sancionador e que já trazem consigo um caráter repressor
bastante severo.
Os bens mais relevantes para a sociedade são aqueles dispostos na
Constituição Federal da República, e é por estes bens que o ser humano luta durante
toda a sua vida e exige para eles a proteção sensata de um Estado Democrático de
Direito. E como o direito vive em constante evolução, deve adequar-se e adaptar-se as
novas figuras delitivas, aos meios e os modos usados pelos criminosos, que são a cada
dia mais complexos.
Entretanto, apesar de termos explanado acerca do desvirtuamento do Direito
Penal e a relutância de parte da comunidade jurídica em aceitar o direito penal mínimo
como a melhor forma de combater a criminalidade e a delinquência, a partir de
pesquisas efetuadas na jurisprudência recente de nossos Tribunais verificamos que o
princípio da Intervenção Mínima vem sendo bastante utilizado, em consonância com os
princípios que lhe são decorrentes.
Tal afirmação pode ser comprovada a partir da leitura do acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vejamos:
Denúncia. Delito do art. 243 da lei 8.069/90 (oferecimento de bebida alcoólica).
Rejeição. Mantida. Considerando os princípios da intervenção mínima do direito
penal e da adequação social, mantém-se a rejeição da denúncia que imputou a um
jovem de 19 anos de idade o crime do art. 243 da Lei 8.069/90, porque teria oferecido
a outro jovem, este com 15 anos de idade, uma lata de cerveja, quando ambos se
encontravam no interior de um clube social. DECISÃO: Apelo ministerial desprovido.
Unânime. (TJRS - AC 70019592260 - 7ª C. Cr. - Rel. Sylvio Baptista Neto - J.
09.08.2007).
Neste sentido, também já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. COMPORTAMENTO SOCIALMENTE
REPROVÁVEL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A
missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais
relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter
fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de
lesões de maior gravidade. 2. O princípio da insignificância considera necessária, na
aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de uma mínima
ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido
grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica
provocada (precedentes HC 84.412, STF, Rel. Min. Celso de Mello). 3. Se parece claro
que o furto de uns "poucos litros de água potável" não ensejaria o acionamento da
máquina jurídico-penal do Estado, pela inexpressividade da lesão jurídica provocada,
por outra volta, não se deve olvidar que tal conduta se mostra bastante reprovável, sob
o ponto de vista de sua repercussão social. Inaceitável a complacência do Estado para
com aqueles que, em condições de arcar com as respectivas contraprestações, venham
a usufruir irregularmente e de forma gratuita de bens e serviços públicos, em
detrimento da grande maioria da população. 4. Recurso parcialmente conhecido e
provido. (STJ - RESP 406986 - MG - 6ª T. - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - DJU
17.12.2004).
Das decisões acima transcritas verifica-se, portanto, que a pena é uma
amarga e violenta realidade da qual não pode e não deve necessitar a sociedade, uma
vez que cabe ao Estado manter a pacífica convivência entre seus cidadãos.
O aplicador do direito deve estar atento às mutações da sociedade, que com
sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior
relevância, fazendo retirar do ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.
A realidade que emerge do caso concreto é que delimita a aplicação do
princípio da intervenção mínima, com esteio, aliás, em outros princípios que servem de
base para a criminalização e para a descriminalização.

3. PRINCÍPIOS BASILARES PARA A DESCRIMINALIZAÇÃO


Como visto até aqui, o princípio da intervenção mínima é também
responsável por fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Isto porque, o
Direito Penal só deve se interessar pelos fatos que causem grandes prejuízos individuais
ou coletivos, cujas soluções não puderem ser tuteladas pelos demais ramos do direito.
O Princípio da Intervenção Mínima, na verdade, atua como um princípio
limitador do poder punitivo do Estado, restringindo a atuação legislativa, posto que só
deverá o legislador tratar em direito penal dos fatos mais relevantes com o intuito de
coibir determinadas condutas, além de indicar os bens de maiores valores que deverão
ser tratados pelo Direito Penal, ou seja, a criminalização, ou ainda indicar os de menores
valores para serem retirados e descriminalizados.
Vale ressaltar que o princípio da menor intervenção não descarta a
criminalização, desde que esta se faça necessária ante a realidade social e quando outros
meios da política criminal mostrarem-se ineficazes. Assim, quando determinado
interesse ou valor não tiver alcance social, não se poderá instituir um bem jurídico
sujeito à proteção penal.
Nessa discussão acerca da definição do socialmente importante ou
indiferente encontram-se as maiores controvérsias sobre criminalização e
descriminalização, que encontram amparo em diversos princípios, aliados ao da
intervenção mínima, a fim de orientar o legislador e o aplicador do direito.
Costuma-se dizer que a base de todos os princípios é o da dignidade da
pessoa humana, entendida como o atributo imanente ao ser humano para exercício da
liberdade e de direitos como garantia de uma existência plena e saudável, constituindo-
se um mínimo que todo ordenamento jurídico deve assegurar, podendo apenas
excepcionalmente sofrer limitações sempre que ofender outros direitos fundamentais.
Dentre os mais importantes princípios penais derivados do princípio da
dignidade da pessoa humana e, particularmente, da dignidade penal, estão a legalidade,
insignificância, adequação social, fragmentariedade, subsidiariedade e
proporcionalidade.
O princípio da legalidade está elencado no artigo 5º, XXXIX, da
Constituição Federal, que reza: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem previa cominação legal". Em consonância com esse princípio, surgiu para o Direito
Penal os princípios da anterioridade: "Não há crime sem lei anterior que o defina" e o
da reserva legal:"Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege".
Tal princípio norteia a atuação do legislador no sentido de este dever
tipificar condutas que realmente necessitem de tipificação, já que o crime, embora seja
sempre um fato ilícito para todo o Direito, nem sempre agrega todos os elementos
necessários para subsumir-se a um fato típico penal. Somente alguns, os mais graves,
são alcançados pelo Direito Penal.
O princípio da lesividade também apresenta uma relação muito próxima
com a concepção minimalista do Direito Penal, pois somente os bens mais valiosos para
a coexistência dos cidadãos poderão ser objetos de uma norma incriminadora.
Efetivamente, parece evidente que sendo o Direito Penal o meio ou instrumento que
mais intimida e por ser uma forma violenta de combater a criminalidade, deverá ser
chamado a atuar somente em situações de extrema necessidade.
Logo, pelo principio da lesividade, ou ofensividade, somente a conduta que
ingressar na esfera de interesses de outra pessoa deverá ser criminalizada, não podendo
haver punição enquanto os efeitos permanecerem na esfera de interesses da própria
pessoa, como, por exemplo, nos casos de prostituição, a homossexualidade, etc. Tal
princípio, cuja origem se atribui ao período iluminista, buscou desfazer a confusão entre
o direito e a moral, enfatizando que ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou
por seus sentimentos pessoais.
Prosseguindo no estudo de princípios relacionados ao da intervenção
mínima, vale a pena tecer comentários acerca do princípio da adequação social.
De acordo com o princípio da adequação social, apesar de uma conduta se
subsumir ao modelo legal, não será tida como típica se for socialmente adequada ou
reconhecida, isto é, se estiver de acordo da ordem social da vida historicamente
condicionada.
Logo, se o fato não ferir o “sentimento social de justiça” o agente não pode
ser considerado criminoso, ressaltando-se, aí, o caráter de subjetividade de aceitação ou
reprovação determinado pela sociedade, exteriorizado pelo legislador e pela
comunidade jurídica.
Além disso, o Direito como um reflexo dos anseios da sociedade, não tem
por meio da comunidade jurídica a "permissão" da população de cominar uma sanção
ao fato concreto, se ele for considerado como algo típico e costumeiro.
Como exemplo, podemos citar a recente edição da Lei n.° 11.103/2005,
que descriminalizou o art. 240 do Código Penal Brasileiro, que antes cominava uma
pena para os crimes que configurassem como adultério. Embora socialmente reprovável,
o adultério não mais poderia ser considerado crime, tanto que tal prática já nem era mais
objeto de punição criminal. Tanto que o cônjuge traído pode requerer judicialmente
indenização por danos morais, não havendo necessidade de intervenção penal.
A fragmentariedade e a subsidiariedade são outras duas características do
Direito Penal que se relacionam com o princípio da intervenção mínima.
O principio da fragmentariedade reza que o direito penal deve ter um
caráter fragmentário, só podendo intervir se o fato for relevante. O Direito Penal limita-
se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes,
uma vez que se ocupa somente de um fragmento dos bens jurídicos protegidos pela
ordem jurídica.
Muito próximo da fragmentariedade, o principio da subsidiariedade
preconiza que o direito penal só pode intervir em "ultima ratio", depois de passar por
todos os outros ramos do direito.
A subsidiariedade determina que o Direito Penal deve ser aplicado apenas
quando falham as defesas do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito.
Obtendo-se o mesmo resultado através de um recurso mais suave, torna-se
desnecessária a aplicação de um recurso mais grave, que é o Direito Penal.
O princípio da proporcionalidade, a seu tempo, preconiza que a norma
incriminadora deve trazer proveito à sociedade.
Por fim, partindo da idéia de que a tipificação não se esgota no juízo lógico-
formal de subsunção do fato ao tipo legal de crime, a comunidade jurídica tem evoluído
no sentido de que uma ação descrita tipicamente, para ser punida, deve revelar-se
ofensiva ou perigosa para o bem jurídico protegido pela lei penal. Esta é a base para o
princípio da insignificância, o qual repousa no princípio maior de que é inconcebível
um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria.
A jurisprudência do Supremo Tribunal vem agasalhando o princípio da
insignificância e extinguindo ações penais, mormente, quando referentes à subtração de
bens, cujo valor seja irrisório. Nesse sentido, vale transcrever trecho da seguinte decisão
do Supremo Tribunal Federal:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA
PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA
CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL
EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A
JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - RES FURTIVA NO
VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO
ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA
JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO - O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO
MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL - O princípio da insignificância - que deve ser
analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria
tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal
postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade
penal, a presença de certos vetores, tais como a) a mínima ofensividade da conduta do
agente, b) a nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada
- apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o
caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios
objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA
INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: DE MINIMIS, NON CURAT
PRAETOR - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que
a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam
quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de
outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de
significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado, cujo desvalor - por não importar lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do
bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (STF - HC 84412 -
SP - 2ª T. - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 19.11.2004)
No mesmo compasso, o Superior Tribunal de Justiça também vem
entendendo, vejamos:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE, EM SENDO IRRISÓRIO O VALOR SUBTRAÍDO. RECURSO
PROVIDO. 1. O poder de resposta penal, positivado na Constituição da República e
nas leis, por força do princípio da intervenção mínima do Estado, de que deve ser
expressão, "(...) só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não
se deve ocupar de bagatelas." (in Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de
Direito Penal). 2. A incidência, contudo, do princípio da insignificância requisita a
mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da
ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da
lesão jurídica provocada, como na lição do Excelso Supremo Tribunal Federal,
circunstâncias induvidosamente ocorrentes no caso de furto de pouco mais um quilo de
carne bovina, avaliados à época do fato em R$ 17,13 (dezessete reais e treze centavos).
3. Recurso provido. (STJ - RHC 16890 - RS (200401621205) - 6ª T. - Rel. Min.
Hamilton Carvalhido - DJU 06.02.2006).
Isto posto, considera-se atípico o fato que, dada a sua irrelevância, sequer
ofende o bem juridicamente protegido. Afinal, não parece lógico movimentar o aparelho
estatal de persecução criminal para penalizar uma conduta que não configura uma
mácula relevante ao patrimônio da vítima da conduta tipificada pelo direito penal.
Em síntese, o princípio da insignificância penal deve ser observado sempre,
em todos os crimes tipificados no Código Penal ou na legislação especial, pois, não se
deve punir o agente que não lesa de forma relevante o objeto jurídico tutelado pelo
direito penal.
Em razão dos princípios elencados, o tipo legal assume verdadeira função
seletiva, decidindo sobre o que seja crime e o que não seja, o que deva ser punido e o
que não deva.
Com amparo em tais princípios, busca-se aplicar o Direito Penal de forma
mais consciente, ponderando se vale a pena recorrer-se à pena privativa de liberdade,
pois, tratando-se de situações em que o grau de impacto causado pela atitude desviante é
baixo, não se justifica a imposição de uma modalidade de sanção revelada como a
forma mais drástica de intervenção punitiva.
Não se está aqui defendendo o fim do cárcere, já que este ainda se impõe
para as situações gravíssimas contra os bens jurídicos tidos como de maior importância
para o corpo social, em face da inexistência de outra forma punitiva.
O que se entende é que manutenção de tipos incriminadores desnecessários
atrapalha não só a atividade policial, que ao invés de estar investigando casos de real
importância, perde tempo com condutas de pouca lesividade, assim como também
sobrecarrega a Justiça Criminal, que se mantém emperrada devido ao grande número de
processos versando sobre questões irrelevantes.
Defende-se, pois, a harmonização entre a aplicabilidade de um Direito
Penal mínimo, com todas as garantias constitucionais e as necessárias
descriminalizações de tipos penais, e a eficiente concretização das finalidades do Direito
Penal.
Vejamos, a seguir, a tendência brasileira quanto à aplicação do princípio da
intervenção mínima e a idéia de Direito Penal Mínimo, verificando que a visão
tradicionalista tem cedido espaço a uma concepção humanista da pena.

4. A INTERVENÇÃO MÍNIMA NA REALIDADE DO DIREITO PENAL


BRASILEIRO
O Supremo Tribunal Federal, seguido em diversos julgados dos tribunais
brasileiros, tem aplicado, com grande freqüência, o Princípio da Intervenção Mínima e
as regras de interpretação restritiva da lei penal, como os Princípios da Adequação
Social e da Insignificância em seus acórdãos. Por oportuno, transcrevemos as seguintes
ementas:
FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.
OCULTA COMPENSATIO. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser
criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas,
conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões
análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a
oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. A tentativa de
furto de roupas avaliadas em míseros R$ 65,00 (sessenta e cinco reais) não pode, nem
deve se considerados os vetores que identificam o princípio da insignificância merecer
a tutela do direito penal. Este, mercê do princípio da intervenção mínima do Estado
em matéria penal, há de ocupar-se de lesões significativas a bens jurídicos sob sua
proteção. Ordem deferida. STF. HC 94415, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma,
julgado em 13/05/2008).

CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO VALOR


PREVISTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. ARQUIVAMENTO. CONDUTA
IRRELEVANTE PARA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. 1. Crime de descaminho. O arquivamento das execuções fiscais
cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no artigo 20 da Lei n. 10.522/02 é dever-
poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de
conveniência e oportunidade. 2. É inadmissível que a conduta seja irrelevante para a
Administração Fazendária e não para o direito penal. O Estado, vinculado pelo
princípio de sua intervenção mínima em direito penal, somente deve ocupar-se das
condutas que impliquem grave violação ao bem juridicamente tutelado. Neste caso se
impõe a aplicação do princípio da insignificância. Ordem concedida. (STF. HC 95749,
Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 23/09/2008).
O Superior Tribunal de Justiça tem igualmente consagrado os Princípios da
Fragmentariedade, Subsidiariedade e Ofensividade do Direito Penal em suas recentes
decisões:

TENTATIVA DE FURTO DE 09 LÂMINAS DE ALUMÍNIO AVALIADAS EM 20


REAIS. LESÃO MÍNIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.APLICABILIDADE.
ORDEM CONCEDIDA.1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado
aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria
penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta
Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de
exclusão de tipicidade.
Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na
legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2.
Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma
prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais
como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de
periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento
e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo
colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU
19.04.04). 3. No caso em apreço, aplicável o postulado permissivo, eis a mínima
reprovabilidade e ofensividade da conduta. Precedentes. 4. Ordem concedida, para,
aplicando o princípio da insignificância, absolver o ora paciente, com fulcro no art. 386,
inciso III do Código de Processo Penal, apesar do parecer ministerial em sentido
contrário.(HC 99.990/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 20/10/2008).

TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado
tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade
material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica,
afastando-se, por conseqüência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da
intervenção mínima.
2. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do
comportamento do paciente, que subtraiu, juntamente com outra pessoa, do interior de
um estabelecimento comercial, uma garrafa de bebida e um pacote de goma de mascar,
sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta.
3. Ordem concedida.
(HC 118.481/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em
18/11/2008, DJe 09/12/2008)
Não são poucas as causas que concorrem para o descontrole dos índices de
criminalidade, que só fazem crescer, no entanto, adotar um direito penal máximo não é
o caminho para se combater a marginalidade, que envolve questões eminentemente
sociais.
Decisões como as dos tribunais superiores que mencionamos deveriam ser
utilizadas com maior freqüência, a fim de mudar a estereotipada visão de que o sistema
carcerário brasileiro é considerado como um dos piores do mundo, devido à
superlotação nas prisões e à violação dos direitos humanos.
Aproveitando tal contexto, entendemos por bem ressaltar que a tão falada
crise do Direito Penal decorre da ausência de uma adequada visão do problema e da
ausência de uma política criminal que acompanhe a legislação correspondente. A
questão deve ser analisada desde a falha no sistema educacional, a ausência de
capacitação profissional, os índices de desemprego, os exemplos de impunidade, a
ausência de punição severa em relação aos crimes graves, o aumento do crime
organizado, do narcotráfico, os incontáveis problemas sociais, entre outros.
Para dificultar tal quadro, temos uma enxurrada de leis confusas,
desnecessárias, que só fazem tumultuar as lides penais e as instâncias recursais,
contribuindo para a insegurança e incerteza junto a população e aos profissionais
compromissados com a distribuição da justiça, ou seja, leis penais de cunho meramente
simbólico.
Com a Lei n.º 9.099/95, tentou-se consagrar no Brasil o discurso de
intervenção mínima. Tal lei proporcionou a suspensão condicional do processo e a
exigência da representação em alguns tipos delitivos, além da transação para delitos de
pequeno potencial ofensivo, evidenciado forte tendência descriminalizadora.
O fato é que os juízos criminais encontravam-se assoberbados. Inúmeros
processos aguardando o longo curso de instrução, muitos deles em vias de prescrição,
preenchiam a pauta dos juízes e dos promotores de justiça. Inquéritos Policiais que se
arrastavam por anos, embora muitas vezes não revestidos de qualquer formalismo.
Embora criticada, a Lei dos Juizados Especiais Criminais foi uma grande
tentativa de inserir o Estado na moderna concepção menos intervencionista, pois
concebe uma atividade judicial mais célere e eficaz, na medida em que dispensa, nos
casos de menor complexidade, a fase de inquérito policial, remetendo o delinqüente e
vítima à apresentação imediata ao juiz e ao representante do Ministério Público.
Já nesse momento, pode ocorrer a transação civil entre ofendido e
delinqüente, significando em reparação de danos materiais ou morais. Nos casos em que
a persecução do crime dependa de representação do ofendido, a transação civil importa
na extinção de punibilidade. Também na apresentação inicial, pode o representante do
Ministério Público propor a pena, não consistente em segregação que, aceita pelo
delinqüente, é de imediato executada.
Ao remeter aos Juizados Especiais todos os crimes de menor potencial
lesivo, quando a pena máxima não fosse superior a um ano de prisão, incluiu as
contravenções, além de condicionar a persecução das lesões leves, culposas ou dolosas,
à representação do ofendido.
Outro avanço rumo ao direito penal mínimo é a imediata execução da pena,
substituindo-se a pena de prisão pelas penas restritivas de direitos, de prestação de
serviços à comunidade e de multa. A intenção é, notoriamente, a de evitar o meio
pernicioso das prisões para os delinqüentes não habituais e menos perigosos. A prisão
ficou restrita para os casos graves, em que a retirada do delinqüente do meio social é
medida necessária.
No entanto, críticas são tecidas contra a referida Lei, no sentido de que a
transação vulneraria o princípio da culpabilidade, já que o indivíduo poderia receber
uma pena restritiva de direito transformando-se em restritiva de liberdade, caso não
cumpra a primeira adequadamente, sem serem obedecidas as garantias de um processo
justo em um Estado Democrático de Direito. Além do que, o infrator acaba renunciando
à possibilidade de se defender para não por em risco a aplicação de uma pena maior. O
minimalismo se oporia às tendências de transação penal, porque ofenderia estes
princípios fundamentais, afetando os direitos individuais.
De qualquer forma, já há um bom tempo que os tribunais brasileiros vêm
temperando os rigores das leis penais com soluções mais consentâneas com a moderna
política criminal.
Como exemplo, podemos citar a usual não punição do agressor quando
evidenciado, pelo juiz, que a sanção penal pudesse abalar a relação daquele com sua
esposa, quando vítima e o restante da família. Claro que neste caso se exigia uma
especial prudência do magistrado, que deveria perceber as intenções da vítima em
relação ao desfecho do processo.
De todo o exposto verifica-se que o Direito Brasileiro caminha a passos
lentos, mas importantes na persecução das máximas garantias individuais. Os estudiosos
do direito penal não podem olvidar que a implementação de um Direito Penal mínimo
requer a existência de meios que combatam crescentemente a vingança privada, pois
cominar penas aleatoriamente dá lugar às crescentes investidas violentas por parte dos
indivíduos na suposta realização de justiça, o que, indubitavelmente, não condiz com
nosso Estado Democrático de Direito.

Princípio da Irretroatividade da Lei

Conceito

Irretroatividade é a qualidade de não retroagir, não ser válido para o passado.


As leis e atos normativos em geral, a princípio, são editadas para que passem a valer
para o futuro, desde a data da publicação ou a partir de um período fixado, geralmente
no final do seu texto.
A principal razão para isso é que, se o ato passa a ser de cumprimento
obrigatório, não poderia ser exigido antes do seu conhecimento dos que devem cumpri-
lo. Isso não impede, todavia, que uma lei que institua um benefício a ser concedido pelo
Poder Público (um aumento salarial aos servidores públicos, por exemplo), gere efeitos
retroativos, como exceção à regra geral.

No Direito Tributário

O princípio da irretroatividade da lei, especialmente no âmbito do Direito


Tributário é a regra geral, significando que deve-se aplicar a lei vigente no momento da
ocorrência do fato gerador.
Tratando-se, assim, de aumento de tributo o princípio da irretroatividade da lei
deve ser cumprido rigorosamente, não sendo possível em um Estado Democrático de
Direito que se exija o pagamento de tributos relativamente a atos jurídicos já realizados.
No Direito Penal
O princípio da irretroatividade da lei também tem aplicação pacífica tratando-
se da definição de novas hipóteses para a caracterização de crime ou contravenção, ou
mesmo aumento da pena ou nova agravante.
Dessa forma, no momento que o agente realiza um ato que possa ser moral ou
socialmente condenável, ele tem condições de saber de antemão se a lei penal
caracteriza aquela ação como crime ou não, se haveria algum agravante e qual a pena
máxima prevista.
Aplica-se aqui o princípio universalmente aceito do nullum crimen nulla poena
sine lege , que o Código Penal brasileiro colocou no seu artigo primeiro nos seguintes
termos: "Art.1. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal".

Exceções ao princípio da irretroatividade da lei


No Direito Penal a irretroatividade não tem aplicação se a lei estabelecer pena
mais branda ou deixar de considerar alguma ação como crime. É a chamada
retroatividade benigna.

No Brasil

De acordo com o artigo 106 do Código Tributário Nacional - CTN, é possível a


aplicação retroativa da lei, desde que nos mesmos contornos da retroatividade do
Direito Penal.
Isso implica dizer que no direito tributário, tal como no direito penal, apenas
admite-se a retroatividade benigna.
Nos termos do artigo 106 do CTN, a lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
• em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados
• tratando-se de ato não definitivamente julgado:
○ quando deixe de defini-lo como infração
○ quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou
omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em
falta de pagamento de tributo
○ quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente
ao tempo da sua prática.

Princípio da Adequação Social


Welzel foi o primeiro penalista a perceber a impossibilidade de se considerar
como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre
em uma descrição típica. Logo, se um comportamento, em determinadas circunstâncias,
não recebe juízo de reprovação social, não pode constituir um crime. Surgiu, então, o
Princípio da Adequação Social. Como observa Mir Puig (4), "não se pode castigar
aquilo que a sociedade considera correto".
De acordo com o seu introdutor no Direito Penal, seria um princípio geral de
hermenêutica (5). O tipo penal não pode alcançar condutas lícitas, que se realizam
dentro de uma esfera da normalidade social. Um exemplo de condutas formalmente
típicas que, no entanto, tem a tipicidade excluída devido à Adequação Social, seria a
circuncisão, realizada na religião judaica. Outro exemplo seriam as lesões corporais
causadas em partidas de futebol. São ações destituídas de tipicidade material, pois são
coletivamente permitidas. É importante ressaltar que, todavia, a sociedade deve tolerar
tais condutas, portanto, este princípio não abarca ações excessivas, que enquadrem-se
fora dos limites da normalidade.

Princípio da Insignificância
O princípio penal da insignificância, adotado pela jurisprudência no Brasil e
difundido pela doutrina, possui guarida implícita no modelo constitucional brasileiro.
Entretanto, o alargamento de seu campo de incidência, que ignora às suas raízes e
finalidade, é crescente e representa uma ameaça à sobrevivência desse importante vetor
de interpretação material do direito penal.

Origem

A origem remota do princípio da insignificância ocorreu no direito romano com


a máxima contida no brocardo minima non curat pretor1. Essa perspectiva de
nascimento merece crítica, pois o direito romano se sedimentava nos conceitos do
direito privado, pouco se conhecia sobre o alicerce da legalidade do direito penal. A
origem próxima do princípio é verificada no século XX. Com as severas dificuldades
econômicas após a segunda guerra no continente europeu e o consequente aumento da
criminalidade de bagatela, expressão preferida dos alemães (Bagatelledelikte), nasceu o
princípio da insignificância vinculado inicialmente aos crimes patrimoniais2.
A formulação teórica do referido princípio com a possibilidade de restringir o
alcance da tipicidade se deve a Claus Roxin em 1964 (das Geringfügigkeitsprinzip). O
ponto de partida, utilizado pelo autor, foi o crime de constrangimento ilegal. Depois,
com suporte na fragmentariedade do direito penal, defendeu-se a ampliação do princípio
da insignificância para afastar a tipicidade de outras condutas que ofendessem de forma
irrelevante o bem jurídico tutelado.

Conceito

Pode ser definido como um princípio implícito de interpretação do direito penal


que permite afastar a tipicidade material de condutas que provocam ínfima lesão ao bem
jurídico tutelado.
A aceitação doutrinária e jurisprudencial do princípio da insignificância só foi
possível em razão da compreensão de que a tipicidade penal não é meramente formal. A
tipicidade penal é a soma de tipicidade formal (conformação do fato à letra da lei) +
tipicidade material (valoração da ofensa ao bem jurídico no caso concreto). Numa visão
moderna, ainda é preciso acrescentar à tipicidade material o caráter conglobante. Desse
modo, se a conduta for permitida, fomentada ou determinada por qualquer ramo do
ordenamento jurídico, não haverá tipicidade penal3.
O confronto axiológico (valorativo), no caso concreto, entre a conduta
formalmente típica e o grau da lesão jurídica causado é que permite inferir se há ou não
necessidade de intervenção penal e, portanto, se é possível aplicar o princípio da
insignificância.
Esse princípio constitucional implícito, ligado à fragmentariedade do direito
penal, deve ser utilizado pelos operadores processuais no momento da promoção de
arquivamento da investigação, do não recebimento da ação penal e da absolvição.
Importa alertar que o fato de uma conduta constituir infração de menor potencial
ofensivo não significa necessário espaço para a aplicação do princípio da
insignificância, pois a valoração dessas infrações (lesão leve, injúria, ameaça etc) já foi
feita pelo legislador e cabe ao interprete, neste aspecto, respeitar a reserva legal4. Não
se pode “confundir o princípio da insignificância com os crimes de pouca significação”.
A análise que deve ser feita é sobre o grau e a intensidade da lesão produzida, não sobre
o tipo formal abstrato.

Relação com o princípio da irrelevância penal do fato

O princípio da insignificância não se confunde com o princípio da irrelevância


penal do fato. O primeiro possibilita o arquivamento ou o não recebimento da ação ou a
absolvição penal nas imputações de fatos bagatelares próprios, ou seja, os que não
possuem tipicidade material, após desvalor da ação ou do desvalor do resultado, em
razão da ofensa mínima ao bem jurídico tutelado.
Noutro giro, o princípio da irrelevância penal do fato não afasta a tipicidade
material, uma vez que o fato será típico (formal e materialmente), ilícito e culpável.
Aqui, haverá a possibilidade de não aplicar a pena no final do processo diante de dano
não muito relevante ao bem jurídico que foi reparado pelo agente e à inexistência de
antecedentes penais6. Há, portanto, uma valoração judicial na sentença e conclusão pela
desnecessidade de aplicação de pena.
O princípio da irrelevância penal do fato ainda não possui grande espaço na
doutrina e jurisprudência do Brasil, uma vez que envolve critérios mais axiológicos e
menos ontológicos, exigindo uma interpretação teleológica do direito penal com o
rompimento de dogmas positivistas.

Campo de incidência segundo a doutrina

Na doutrina, não existe precisão sobre os limites do princípio da insignificância.


Parcela doutrinária já defende uma amplitude maior na sua interpretação. Rogério Greco
sustenta a sua incidência “nos delitos de furto, dano, peculato, lesões corporais,
consumo de drogas etc”7. Paulo Queiroz, ao fazer uma correlação com o princípio da
proporcionalidade, invoca o princípio da insignificância “nos crimes violentos ou com
grave ameaça à pessoa, consumados ou tentados, se não para absolver o réu, pelo menos
para desclassificar a infração penal, por exemplo, em crimes complexos, como o roubo
(CP, art.157)”8. Com isso, o referido autor sustenta a desclassificação, com suporte no
princípio da insignificância, do roubo de valor patrimonial ínfimo para o
constrangimento ilegal.
O professor Maurício Antônio Ribeiro Lopes, na excelente obra sobre o tema,
adverte, com acerto, sobre os riscos da imprecisão e ampliação da interpretação do
princípio da insignificância:
“Apenas o registro, porque parece faltar à doutrina, como um todo, a
evidenciação do procedimento reconhecedor da criminalidade de bagatela. Urge retirá-
la do empirismo, da conceituação meramente individual e pessoal de cada autor ou
pretor que faça do seu senso de justiça um conceito particular de bagatela. Esse é o
caminho mais curto ao caos e à ruína do princípio, posto que, construído para a
garantização da justiça material, aplicado arbitrariamente tende a reproduzir escala de
injustiça análoga à praticada pelo sistema legal em sua dogmática. [...]
Deixar vazar sem controle a amplitude do princípio da insignificância implica não
apenas na quebra da garantia do princípio da legalidade- que de resto já é transformado
pelo princípio da bagatela- mas na ruptura daquilo que se tornou a razão mais nobre
para a sua defesa- a igualdade”1.

Campo de incidência segundo a jurisprudência

Atualmente, é aplicado pelos Tribunais brasileiros nas condutas formalmente típicas


que causam danos de pouca importância, restringindo-se, como regra, aos crimes
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Esse ainda é o entendimento
majoritário.
Observa-se que as decisões recentes do STF e STJ sobre o tema apresentam vários
pressupostos para a aplicação do princípio, não considerando apenas o valor econômico
do bem ofendido, mas apontando os requisitos seguintes: mínima ofensividade da
conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento; e a inexpressividade da lesão jurídica provocada10.
Dos julgados do STF e STJ extraem-se ainda as seguintes regras, que não são
precisas e nem duradoras, sobre o princípio da insignificância:
• não se aplica nos crimes contra a administração pública porque os bens jurídicos
tutelados, nesses delitos, são a moral administrativa e o patrimônio, e a moral
administrativa não pode ser mensurada como ínfima11 . Exceção- aplica-se no
descaminho quando o valor devido for inferior ao mínimo passível de execução
pela fazenda pública;
• da mesma forma, por se tratar de tutela da confiança nos papéis do Estado
(moral administrativa), impossível de ser mensurada como bagatela, não se
aplica o princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública12;
• quanto ao uso de drogas, importa exarar que o STF aplicou o referido princípio
em julgamentos de uso de drogas por militar em serviço13. Em seguida, afastou
esse entendimento, de forma liminar, no HC 94.685 de 09/09/2008, o qual foi
submetido ao Pleno, com novo exame no INFO 526 de 30/10/2008, ainda sem
decisão final. Importa alertar que tanto STJ quanto STF não aplicavam o
princípio da insignificância na vigência do art.16 da 6368/76, substituído pelo
art.28 da Lei 11343/06. Entendiam que o uso, pelas suas próprias elementares,
deveria corresponder a uma quantidade insignificante, mas que não haveria
atipicidade material, pois se tratava de crime de perigo abstrato contra a saúde
pública14.
Além disso, de outros julgados, é possível constatar que a jurisprudência dos
Tribunais Superiores considera ainda, para não aplicação do princípio da
insignificância, a importância do bem para a vítima no caso concreto e a habitualidade
criminosa do agente autor da conduta.

Insignificância no crime de descaminho

No que atine ao crime de descaminho (art.334 do CP), na época do extinto


Tribunal Federal de Recursos, a pequena quantidade da mercadoria apreendida, a boa-fé
do agente e a ausência de destinação comercial eram exigidos para se aplicar o princípio
da insignificância15.
Atualmente, o STF e o STJ aceitam a incidência do princípio da insignificância
no descaminho quando o valor do tributo devido for inferior ao mínimo executável pela
Fazenda Pública. Todavia, as poucas linhas abaixo revelarão a necessidade de uma
guinada desse entendimento.
A corrente jurisprudencial majoritária, na aplicação da insignificância no
descaminho, leva em conta o valor inferior ao mínimo executável pela Procuradoria da
Fazenda. Assim, considera o valor limite de R$ 10.000,0016, com suporte na Lei
10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004, cujo artigo 20 preceitua: “Serão
arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da
Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida
Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de
valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)”. Porém, no § 1º
desse artigo, escreve que “os autos de execução a que se refere este artigo serão
reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados."
Há pequena divergência sobre o tema, pois o limite de R$100,00 (cem reais) já
foi utilizado pelo STJ como patamar para a incidência do princípio da insignificância no
descaminho, com a justificativa de constituir o valor possível de dispensa pela Fazenda,
conforme art.18 §1º da Lei 10.522/2002. Essa corrente nega a aplicação do limite de
R$10.000,00 (art.20 da Lei 10.522/2002), pois esse se refere ao ajuizamento da
execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, não significando a extinção do
crédito, “daí não poder invocar tal dispositivo normativo para regular o valor do débito
caracterizador de matéria penalmente irrelevante17”.
Entretanto, nas decisões recentes, tanto STF quanto STJ superaram a celeuma e seguem
aplicando o princípio da insignificância no descaminho com valor devido não superior a
R$10.000,00, aplicando o art.20 da Lei 10.522/2002 em detrimento do art.18 §1ºda
mesma norma18.
A questão objeto de exame é se o parâmetro para a incidência do princípio da
insignificância no descaminho deve ser R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor limite para a
Fazenda arquivar os autos de execução fiscal sem baixa na distribuição; ou se é o valor
de R$ 100,00 (cem reais), quando a Fazenda abre mão do valor, ou seja, arquivamento
com baixa na distribuição.
Ora, o fato de não existir, por ora, interesse fiscal na cobrança judicial de débitos
iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) não pode levar à conclusão de que o
não pagamento do tributo é insignificante, que constitui uma lesão ínfima ao bem
jurídico penal e, portanto, uma atipicidade penal material.
Assim, além dos pressupostos genéricos para a incidência do princípio, é crucial afirmar
que, no tocante ao descaminho, se existe algum critério razoável para a incidência do
princípio da insignificância, esse há de ser o amparado no limite de R$ 100,00 (cem
reais), valor que possibilita o cancelamento da cobrança com suporte no §1º do art.18 da
Lei 10.522/2002, pois constitui o limite para arquivamento com baixa na distribuição.
Além de ser um patamar que admite a valoração de bagatela, inclusive, em outras
infrações penais.
Soma-se a isso a falta de fundamento jurídico sólido para valorar como uma
atipicidade material a conduta parâmetro de perpetrar descaminho com valor não
superior a dez mil reais. As peculiaridades sócio-econômicas do Brasil não suportam
tamanha interpretação, capaz de favorecer a prática do delito em análise.
Ademais, a prática do descaminho, em não poucas vezes, fomenta outros crimes
conexos que decorrem da importação de produtos sem o recolhimento do tributo devido.
Desse modo, o critério atual (limite de R$ 10.000,00) não preenche o conteúdo de crime
insignificante, que exige uma lesão ínfima ao bem jurídico tutelado e leva em conta as
consequências sociais da conduta.
Nessa perspectiva, segundo nosso juízo, a solução que subsiste no descaminho
com valor superior a cem reais, é o exame, na fase da sentença, da necessidade de pena
com suporte no princípio da irrelevância penal do fato. Assim, poderá o juiz, nos casos
de débitos superiores a cem reais, desde que o processado realize a reparação do dano e
não possua antecedentes penais, sem prejuízo de outras valorações com suporte no
art.59 do CP, aplicar o princípio da irrelevância penal do fato no crime de descaminho.
É certo que, para adotar esse entendimento, haverá necessidade de compreender
a estrutura do direito penal de forma axiológica, com suporte nos princípios
constitucionais penais, os quais guiam a política criminal do Estado, numa visão
funcionalista racional-teleológica do sistema penal. Nas palavras de Claus Roxin:
“Parto da ideia de que todas as categorias do sistema do direito penal se baseiam
em princípios reitores normativos político-criminais, que, entretanto, não contém ainda
a solução para os problemas concretos; estes princípios serão, porém, aplicados à
‘matéria jurídica’, aos dados empíricos, e com isso chegarão a conclusões diferenciadas
e adequadas à realidade”.

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