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Individuação
e subjetivação
Os conceitos junguianos de inconsciente coletivo e arquétipo mostram o
caráter universal das imagens e dinâmicas do inconsciente, que representam
modos de estruturação da subjetividade no processo de individuação

POR DENISE GIMENEZ RAMOS E PERICLES PINHEIRO MACHADO JR.

U Uma das idéias centrais da psicologia analítica é o processo de indivi-


duação, que percorre toda a evolução humana (tanto no nível pessoal
como no coletivo) e refere-se ao processo de tornar-se uma pessoa
inteira, subjetivamente integrada, o que desperta um sentido de auto-
realização. É claro que se trata aqui de uma visão idealizada, mas que
sem dúvida motiva o ser humano do nascimento à velhice e o guia nas
escolhas afetivas e profissionais.
Embora todos nós tenhamos os mesmos padrões básicos de comporta-
mento, a relação destes com a consciência vai se transformando à medida
que novos conteúdos da subjetividade são assimilados pela consciência
coletiva. Portanto, a psicologia junguiana é claramente evolutiva, revelando
O SONHO (1910), de
Henri Rousseau. Segundo que o nível de consciência teve grande evolução desde nossos ancestrais
o próprio pintor, a tela até os dias de hoje, o que inclui conhecimento, cultura, ética e moral.
representa uma mulher
que, adormecida no Por outro lado, o sentido de “ser” e “existir”, independentemente da
sofá, sonha que foi
educação ou da cultura em que vivemos, é uma experiência intuitiva
transportada para a
floresta. Além dos cujas bases não podem ser localizadas em uma célula ou em algum lugar
sonhos, as etapas do
The barnes Foundation, Pensilvânia

processo de individuação
no cérebro. Basta observar bebês recém-nascidos para encontrarmos
(tendência psíquica a certos traços de personalidade que não podem ser reduzidos apenas à
realizar potencialidades
inatas) se descortinam genética ou ao ambiente familiar. É comum crianças entre 3 e 5 anos fala-
nos contos de fadas, rem de si mesmas ou de sua origem não biológica com grande convicção.
nos mitos e nas mais
diversas produções Uma menina de 5 anos, ao visitar com a mãe a casa dos avós, pergunta:
do inconsciente “Mamãe, onde eu estava quando você dormia nesse quarto?”.

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A convicção de haver uma existência cultural, certamente a tudo transcende.
anterior à vida consciente, embora não seja A alegria é a nossa bússola no caminho da
uma prova científica de existência pré ou pós- individuação, uma convicção forte e espon-
morte, é uma convicção psicológica arque- tânea que emerge quando nossas escolhas
típica, isto é, comum a toda a humanidade. atuais­ estão alinhadas com nossa essência
Portanto, é um fato psicológico, assim como inata. Por isso se diz que o horizonte do pro-
a sensação da existência de um ser transcen- cesso de individuação são as inúmeras elabo-
dente, um deus. Com isso, Jung introduziu a rações simbólicas que aproximam o indivíduo
possibilidade de estudar a religião como mani- da pessoa que realmente é. Essa singularidade
festação psicológica, distinguindo a psicologia diferencia um ser de qualquer outro e o torna
do estudo das religiões e da teologia. Aqui não insubstituível, pois a tarefa que cada um deve
se disputa a existência de “Deus”, mas pode- cumprir de acordo com seus talentos não
se afirmar que a idéia de uma representação pode ser reproduzida por nenhuma outra
divina e onipotente está presente na psique, pessoa, tampouco pode ser reprimida.
sendo, portanto, comum a toda a humanida- Sistemas educativos e políticos rígidos,
de. Apenas a aparência, forma e características que tentam adequar o indivíduo a fins
dinâmicas da imagem divina são singulares lucrativos ou ao bem do Estado, produzem
para cada cultura e era. Mas a essência é a distorções de subjetivação e graves neuro-
mesma. Ao observar o comportamento de ses. Depressões e suicídios de jovens são
povos primitivos, Jung concluiu que com- freqüentes em sistemas totalitaristas ou alie-
portamento religioso é tão elementar quanto nantes, que obrigam a servidão a uma causa
PRESENTE PARA IEMANJÁ, a sexualidade, e não necessariamente resulta ou colocar-se a serviço de uma idealização
na praia do Rio Vermelho, em de uma projeção de aspectos reprimidos da em detrimento do desenvolvimento de sua
Salvador. Os arquétipos mudam a vida erótica. Povos livres na sua expressão singularidade. Dessa forma, a psicologia
forma de se apresentar, mas seu sexual cultivavam seus deuses, mantinham junguiana apenas recentemente entrou na
dinamismo continua o mesmo suas crenças e seus rituais tradicionais. A Rússia, pois foi execrada na antiga União
ao longo dos tempos e nas vida religiosa decorrente da repressão sexual, Soviética, onde a educação estava a serviço
diferentes culturas. No Brasil, a observou Jung, era resultante de uma cultura do Estado, e não do bem-estar individual.
imagem arquetípica da Grande moralista e proibitiva (como na Viena do sécu- O mesmo acontece com a criatividade.
Mãe ressurge, por exemplo, na lo XIX, em que viveu Freud), a qual limitava Indivíduos criativos são mais livres em sua
figura dessa rainha do mar, que a livre expressão e produzia certas psicopa- auto-expressão em todos os campos. Sua
protege os filhos a todo custo tologias. Em sociedades menos repressoras, ligação com o inconsciente, com o material
a vida sexual e a religiosa não ainda desconhecido pela consciência cole-
se opunham e eram integradas tiva, traz à tona novas perspectivas e novas
culturalmente por meio de ritos soluções técnicas e instrumentais para pro-
e imagens de fertilidade. Essa blemas antes insolúveis.
afirmação, que em grande medi- Exemplos notáveis são encontrados na lite-
da foi um dos pomos da discór- ratura e na biografia de pessoas célebres que,
dia entre a célebre ruptura de mesmo desprovidas de qualquer possibilida-
Freud com Jung, tem sido objeto de educativa ou de recursos materiais, desen-
de inúmeros estudos científicos, volveram grandes talentos. James Hillman dá
especialmente no campo da psi- como exemplo um grande pianista de jazz
coneurologia contemporânea. americano (possivelmente Van Cliburn Jr.)
O processo de individua- que, por falta de recursos financeiros para
ção, tal como concebido por comprar o próprio instrumento, utilizava o
Jung, é resultante da interação desenho de um teclado sobre uma folha de
do indivíduo com o coletivo. papel para exercitar a leitura musical. Durante
No plano individual, à medida muito tempo em sua infância, esse desenho
que a criança se desenvolve, foi o único teclado em que ensaiou e treinou
certas aptidões e características suas capacidades, até o dia em que se trans-
© Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

da subjetividade tornam-se mais formou em um músico profissional.


evidentes e singulares. De certo
modo, o processo de individua- dinâmicas do inconsciente
ção depende dessa fina sintonia Saindo dos exemplos excepcionais, a forma
com o que podemos chamar como cada um de nós lida com dificuldades
de nossa essência, que, embora e desafios do cotidiano revela, em boa parte,
dependa da genética, da edu- as qualidades do Self. Por Self entendemos
cação e do ambiente familiar e tanto a totalidade psíquica, que inclui os

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aspectos conscientes e inconscientes, como
também o arquétipo do centro da persona-
lidade, que confere orientação e sentido
à vida psíquica. Assim o Self é entendido
paradoxalmente como totalidade dinâmica
e arquétipo central de onde emergem os
símbolos que podem ser experimentados e
integrados pela psique subjetiva. Sendo um
arquétipo, o Self abrange toda experiência
humana e representa uma trama de sentidos
potenciais, de caráter universal, que carac-
teriza a natureza igualmente paradoxal do
homem como ser coletivo e ser ontológico.
Jung concebe o inconsciente como fonte
de criatividade e potencialidade, e não ape-
nas como o depositário de conteúdos recal-
cados, imagens infantis e vivências dolorosas
protegidas por mecanismos de defesa. Do
inconsciente surgem os impulsos que tomam
forma na matéria, de acordo com o espaço e
o tempo de uma pessoa.
O conceito de arquétipo, como represen-
tação psicológica da vida instintiva, explica
o aspecto universal dos padrões de compor-
tamento humano, tal como o esqueleto que mos identificar as tarefas que o ego infantil juventude hitlerista faz
estrutura e dá base ao corpo. Embora todos deve superar durante seu crescimento. A a saudação nazista. Sistemas
nós tenhamos a mesma anatomia e fisiologia, história de João e Maria mostra que, quan- totalitários – como o Terceiro
não há um ser idêntico ao outro. A maneira do as crianças são fragilizadas pela falta de Reich ou a União Soviética
como cada pessoa atualiza os arquétipos capacidade dos pais em alimentá-las (amo- – submetem o indivíduo
depende das vivências individuais, educa- rosamente), elas são levadas a uma jornada ao Estado, distorcendo o
cionais e socioculturais. Em cada época, os solitária pela floresta, onde são seduzidas processo de individuação
arquétipos mudam a roupagem com que se com doces e guloseimas pela bruxa malvada.
apresentam, embora seu dinamismo básico A falta de um ambiente familiar acolhedor e
permaneça o mesmo. amoroso faz com que os filhos tenham de
A exemplo do arquétipo da Grande Mãe, desenvolver por si mesmos a capacidade de
podemos observar que desde as épocas das superar o desamparo e a aridez de uma mãe
cavernas já havia cultos a imagens femininas que vive da vida dos filhos, isto é, de uma
de largos quadris e muitas mamas, apontadas grande mãe devoradora.
como criadoras do mundo e deusas da ferti- O caráter atual do conto também pode
lidade. Essa imagem passou por transforma- ser observado na psicodinâmica simbólica da
ções ao longo do tempo e hoje aparece no anorexia e da bulimia, que se tornaram distúr-
Brasil, por exemplo, nas formas de Iemanjá bios bastante comuns na cultura contemporâ-
e de Nossa Senhora Aparecida. A crescente nea. A ditadura da moda de magreza extrema
expansão do culto a Iemanjá observada em obriga, principalmente os jovens, a perseguir
todo o litoral é uma demonstração da força um padrão estético por vezes incompatível
que esse arquétipo exerce sobre a psique com o bem-estar físico e revelador de uma
do povo brasileiro. Nesse ritual, repete-se o base afetiva extremamente frágil. Ou seja,
culto que os antigos gregos faziam à deusa ser benquisto está profundamente associado
Afrodite, com oferendas de flores, perfumes (e estimulado pela mídia) a apresentar um
e pedidos levados em pequenos barcos lan- corpo escultural, uma pele impecável (de
çados ao mar. Para muitos brasileiros, a espe- bebê) ou uma roupa que esconde as formas
rança de renovação da vida por meio desse femininas em seu aspecto maternal. Vemos
ritual independe da religião e tornou-se um com isso duas polaridades do arquétipo da
ritual pagão feito por pessoas de diferentes Grande Mãe. O positivo – quando sua ima-
níveis socioculturais. gem é reverenciada nos rituais de renovação
Os arquétipos também são facilmente do Ano-Novo – e o negativo – como na
© NARA

observáveis na literatura e nas artes em geral, magreza excessiva, na tentativa de vencê-la


entre eles os contos de fadas, em que pode- como forma de adentrar uma outra dinâmica

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ORGANISMO COMO TOTALIDADE INDIVISÍVEL
Psique e matéria são fenômenos inter-relacionados, que não se reduzem um ao outro
Entramos no século XXI com uma questão, talvez a mais intrigante e psicologia. O diálogo entre física e psicologia não é novo para os
de todas, muito pouco esclarecida: como matéria e psique se junguianos. É bem conhecido o relacionamento de Jung com Albert
relacionam? Essa pergunta, que tem sido objeto de estudo desde Einstein e Wolfgang Pauli. Se a física newtoniana pressupunha um
os primeiros filósofos até os cientistas de ponta de nossa era, está objeto a ser estudado fora da psique, a física quântica questionou
longe de ser respondida. Várias tentativas têm sido feitas, até a primazia da objetividade e afirmou que toda observação depende
mesmo por Freud, que em 1895 tentou construir um modelo neuro- da posição do observador, trazendo a subjetividade, da qual algumas
científico da mente. Ao final, foi obrigado a desistir desse projeto, correntes da psicologia tentaram se livrar, de volta à física.
ao perceber que a maioria dos conceitos fundamentais sobre os Do mesmo modo, o reducionismo da neurologia do século passado
quais se baseava não passava de mera especulação. e a crença no domínio da genética estão cedendo lugar à neuropsico-
O argumento da época era que a biologia não seria suficien- logia e à hipótese de que o gene pode sofrer mutações por causa do
temente avançada para ser útil à psicanálise. Mais de um século stress psicológico. Portanto, o que iremos discutir daqui para a frente
se passou, e, apesar do incrível progresso nas ciências biológicas, não é mais se esses campos se relacionam, mas como eles o fazem.
um grande número de psicanalistas continua a manter o ponto de Jung afirmou que o inconsciente coletivo contém toda a herança
vista de Freud, às vezes de modo mais radical. Alguns afirmam, por espiritual da evolução da humanidade, renascida na estrutura
exemplo, que a ciência da mente e a ciência do corpo usam lin- cerebral do indivíduo. E também que a separação entre psicologia
guagens, conceitos e instrumentos tão diferentes que não é possível e biologia é artificial, pois a psique humana vive em união indisso-
unificá-las em uma linguagem comum. Outros, entretanto, buscam lúvel com o corpo, de modo que a cisão entre a mente e o corpo
na interdisciplinaridade a formação de um campo fértil de idéias, começa agora a ser sanada. Para isso, contudo, é necessário com-
com a expectativa de propor um novo salto no conhecimento. preender que psique e matéria são fenômenos inter-relacionados
Nesse sentido, o Núcleo de Estudos Junguianos do Programa de e não redutíveis um ao outro. Usando uma metáfora, poderíamos
Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP tem sido pioneiro dizer que, embora a música dependa de um instrumento, ela não
ao promover um debate com cientistas das áreas da física, neurologia é redutível à matéria da qual este é feito. Assim como o piano não

MITO DO HERÓI. Tarzan, o rei da arquetípica. No processo evolutivo, observa- aparentemente intransponíveis. Sua função
selva, representa a força do jovem mos também os movimentos ecológicos como libertadora ajuda a humanidade a confiar no
que desafia valores predominantes. uma maior consciência da Mãe Natureza, aspecto transcendente e transitório da condi-
Abaixo, pôster do filme de 1932, antes menosprezada e vilipendiada. ção humana. Os símbolos presentes nessas
dirigido por W. S. Van Dyke A passagem do arquétipo da Grande histórias são também elementos facilitadores
Mãe para o do Pai Espiritual é ilustrada na na integração dos conteúdos inconscientes.
história dos Três Porquinhos e o Lobo Mau.
Aqui vemos a necessidade de fortalecimento a união dos opostos
do ego para enfrentar as adversidades do Jung usou o conceito de símbolo de acordo
crescimento, deixando a casa da mãe para com sua etimologia: sym = juntar, unir; bal-
construir um mundo independente. Ao depa- lein = em direção a uma meta, um objetivo.
rarem com o Lobo Mau, o aspecto negativo Nesse sentido, symballein significava, na anti-
da figura paterna, os porquinhos percebem ga Grécia, o ato de unir duas metades de uma
que uma casa feita às pressas, com material mesma moeda que fora partida na separação
frágil, é facilmente derrubada pelo sopro de duas pessoas. Quando uma delas desejava
da violência. A experiência vai ensinar que enviar uma mensagem importante à outra, o
somente uma casa solidamente construída mensageiro trazia consigo uma das metades
(ego forte e em contato com a realidade) da moeda. Desse modo, o destinatário da
pode lhes oferecer um abrigo suficientemen- mensagem poderia verificar sua autenticidade
te seguro, no qual poderão sobreviver longe ao constatar a perfeita união das duas meta-
da proteção materna. des (uma conhecida, outra incógnita).
O arquétipo subjacente a essas histórias é A palavra “símbolo” passou a ser empre-
o Mito do Herói, talvez o mais presente no gada para designar a união de opostos – algo
mundo literário e cinematográfico de todos conhecido, consciente, com algo desconhe-
os tempos. De Tarzan, o rei da selva, a Neo, cido, inconsciente. Como aquilo que é des-
o herói de Matrix, a imagem arquetípica do conhecido tem um valor afetivo, o símbolo
Divulgação

jovem que é levado a desafiar os valores pre- sempre desperta uma emoção. É esse o seu
dominantes da cultura nos ensina a incorporar aspecto numinoso: ele aponta para uma cone-
habilidades inovadoras e a vencer obstáculos xão entre aspectos conscientes e inconscien-

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faz a música, a matéria do cérebro não faz a psique – mas um não
existe sem o outro. Poderíamos dizer que toda produção humana,
como a música, é produto de um fator que transcende a matéria e
a própria consciência – isto é, o símbolo, fator básico na construção
do ser humano e da cultura.
Por exemplo, ao investigarmos por que a doença cardíaca
está entre as que mais matam no mundo moderno, tendo sua
incidência crescido nos últimos anos, percebemos que o coração
não é somente um órgão fisiológico, mas tem também uma psique
que reage ao sofrimento emocional. Isto é, um sofrimento amoroso
é também um sofrimento cardíaco, e vice-versa. Pesquisas atuais
têm colocado a hostilidade e o cinismo como fatores de risco para
doenças cardiovasculares.
O organismo, enfim, é uma totalidade indivisível onde qualquer
sofrimento emocional é imediatamente traduzido em diferentes sis-
temas corporais, podendo dar origem às mais diferentes doenças.
Um estímulo visual traumático, por exemplo, é transduzido em cada
sistema orgânico de acordo com sua especificidade. O sistema
cardiovascular pode se expressar por uma taquicardia, o sistema
imunológico por uma diminuição das células NK (natural killers),
diminuindo assim a capacidade de sobrevivência do organismo.
(Por Denise Gimenez Ramos)

tes de um mesmo fenômeno. Por mais que súbito Kekulé entendeu que a estrutura era A DIVINA FORMA HUMANA.
saibamos o significado racional das cores e um anel, dando assim um grande passo no A ilustração alquímica de D. A.
da forma de uma bandeira brasileira, é quase progresso da química. Freher (1764) mostra o caminho
impossível não nos emocionarmos quando a Em outros momentos, o símbolo é o do conhecimento, do coração à
vemos tremulando em um evento de impor- elemento que traz nova luz a uma situação cabeça, onde, depois de passar
tância internacional, por exemplo. aparentemente sem saída. Um jovem exe- pelos “sete espíritos de Deus”,
Assim, o símbolo sempre contém um cutivo bem-sucedido de 42 anos, solteiro e de que é feito o homem,
aspecto irracional e tem um enorme poder de muito assediado pelas mulheres, achava-se desperta o conhecimento puro
mobilização. Ele pode provocar grandes trans- bastante deprimido e desmotivado, pois,
formações de caráter estruturante, mas tam- segundo sua opinião, “já havia alcançado
bém conflitos étnicos e religiosos. Podemos o topo de tudo que desejava, nada mais
perceber o símbolo em formas concretas, restando a fazer”. Um sonho lhe esclareceu
como bandeiras, slogans e hinos, ou em bem sua situação, revelando o perigo em
eventos como a queda do Muro de Berlim, a que se encontrava. Sonhou que estava em
derrubada da estátua de Stalin ou de Saddam uma nave espacial brilhante e prateada, que
Hussein. O símbolo representa a conexão de repente despencou, caindo em um charco
com a energia arquetípica necessária para a na periferia da cidade. Imediatamente, men-
consecução de feitos que alteram o estado das digos sujos e maltrapilhos invadiram a nave e
coisas e podem trazer novas soluções para roubaram tudo que é precioso. Percebemos
conflitos aparentemente insolúveis. dessa forma que o sonhador estava vivendo
Grandes invenções tiveram o símbolo com uma atitude de superioridade, inflada,
como mediador do processo de conheci- dissociada de seus aspectos mais simples e
mento, como conta a história da descoberta humildes, correndo o risco de tudo perder.
do anel de benzol. Friedrich Kekulé, químico Esses aspectos menosprezados ou reprimi-
alemão do século XIX, que tentava, com dos pela atitude consciente podem surgir nos
pouco sucesso, descobrir a estrutura química sonhos sob a forma de figuras degeneradas,
Reprodução

do benzeno, sonhou que as moléculas se ladrões, personagens estrangeiros ou de cons-


reuniam na forma de serpentes. Quando tituição física oposta. Podem aparecer também
uma delas mordeu a própria cauda, de nos preconceitos, nos atos falhos, nos lapsos

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de língua, como o de uma jovem que, ater- máscaras e projeções
rorizada perante seu professor de física, um A necessidade de nos adaptarmos à vida em
homem muito severo e repressor, pergunta sociedade e às exigências culturais leva-nos
aos colegas, ao tentar entender uma formula- também a desenvolver aquilo que Jung cha-
ção complexa sobre o movimento parabólico: mou de persona, isto é, uma máscara coleti-
“O que é movimento paralítico?”. A situação vamente reconhecível e socialmente aceitável.
provavelmente provocou a emergência de um Ela é responsável por nossa adaptação ao
complexo paterno autoritário projetado sobre mundo social e é expressa no nosso esti-
a figura do professor, paralisando a jovem na lo de vida, nas imagens que temos sobre
sua capacidade de pensar. as categorias profissionais e até mesmo na
Assim, os complexos fazem parte do nosso moda. Esta tem assumido uma importância
inconsciente pessoal, isto é, da sombra, e são cada vez maior na sociedade, pois aquele
responsáveis em grande parte por nossos que tem uma persona bem adaptada – isto
comportamentos mais aberrantes e pobre- é, que corresponde às expectativas da moda
mente adaptados à realidade. Podem levar, – tem maiores chances de ser reconhecido
por exemplo, um pai de família calmo e como uma pessoa bem-sucedida e amada.
tranqüilo a se tornar um assassino em poten- Quando extremamente rígida, a persona pode
cial, quando provocado no trânsito. Nesse se dissociar dos aspectos mais profundos do
momento, o complexo de inferioridade assu- ser e passa a expressar apenas um aspecto
me o controle, subjuga o ego, e uma enorme desejado externamente, sem refletir o caráter
quantidade de energia é despendida na tarefa mais ontológico do Self. Quando integrada, a
O CRÍTICO DE ARTE de vencer um adversário imaginário. Sob a persona é criativa e possibilita a expressão de
Carleton Smith examina ótica da psicologia analítica, esse adversário diferentes facetas do indivíduo.
escultura egípcia com Jung, intangível é projetado sobre um motorista Outro conceito importante na psicologia
que foi grande conhecedor desconhecido que inadvertidamente deflagra de Jung é a hipótese sobre um aspecto do
de filosofia, arqueologia, a atitude defensiva, a qual, por sua vez, vinha inconsciente mais indiretamente observado:
mitologia e paleontologia. protegendo o pacato pai de família contra a anima e o animus, que são as contrapartes
Seu interesse nessas áreas o o próprio sofrimento inconsciente, cerne do sexuais do homem e da mulher, respecti-
levou a investigar os símbolos complexo. Esse sofrimento pode ter origem vamente, e funcionam como ponte entre o
utilizados pela humanidade em um conflito, recente ou primitivo, mas de mundo interno e o ego.
com fins mágicos ou religiosos todo modo inacessível à consciência. Assim como existem aspectos biológicos
masculinos na mulher, há também aspectos
psicológicos masculinos correspondentes ao
arquétipo do animus. A anima ou o animus
contêm as qualidades humanas que faltam
na disposição consciente. Uma mulher muito
feminina terá aspectos inconscientes mais
viris, assim como um homem muito másculo
terá em seu mundo interno qualidades pro-
fundamente enraizadas no feminino. Como
na cultura contemporânea o masculino e
o feminino estão em constantes transfor-
mações, anima e animus passaram a ser
denominações para tudo que é deixado de
fora da persona.
O essencial desse conceito é que anima e
animus são representações psíquicas daquilo
que nos inspira a seguir nossos desejos e
ideais,­ de modo a ampliar nossa consciência.
As projeções românticas têm a função de
© Bettmann/CORBIS/Latinstock

estabelecer um confronto com o inconsciente,


e sua retirada permite uma expansão do auto-
conhecimento. Mediante a relação com o sexo
oposto podemos conhecer a realidade de
nosso potencial, pois tornar-se consciente não
é um projeto isolado. Embora requeira certa
dose de introspecção, essa jornada implica um
convívio com o outro para se realizar.

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deusas, divas e pin-ups rais. No Brasil, o complexo cultural
Ao longo dos séculos, a figura feminina tem mais evidente é o sentimento de
sido para o homem a inspiradora nas suas inferioridade, visível especialmente
descobertas e feitos heróicos. Tomando a nas relações dos brasileiros com
mitologia como ilustração, percebemos em países do exterior. A supervalo-
Ariadne a imagem da anima, cuja promessa rização do que é estrangeiro em
de amor não apenas inspira a luta de Teseu detrimento do produto nacional,
contra o Minotauro – o aspecto sombrio e atitudes autodepreciativas presen-
monstruoso do herói –, mas também fornece tes em piadas e na falta de valo-
a ele o fio condutor para um retorno segu- rização de tudo que é nativo têm
ro para fora do labirinto. Ela é, ao mesmo contribuído em grande parte para
tempo, a musa que inspira a luta heróica e a tolerância com corrupção, que-
a luz que aponta a saída da escuridão do bra da lei, favoritismos e outros
inconsciente. Deusas, divas, pin-ups, mode- comportamentos espúrios de, prin-
los e artistas são o objeto dessa projeção cipalmente, figuras de autoridade.
arquetípica e inspiram desde sempre os fei- Somente a consciência desse com-
tos heróicos, artísticos e científicos que dão plexo, cuja raiz remonta à época
sentido à busca da individualidade. do descobrimento e da escravidão,
Enquanto a anima se associa à receptivi- possibilitará a recuperação da auto-
dade afetiva no homem, o animus representa estima, dando a real dimensão do
sistemas de avaliação e capacidade de julga- valor da identidade brasileira.
mento. Assim, liga-se a convicções por vezes Embora a incorporação dos
indiferenciadas quando uma mulher passa elementos inconscientes na cons-
a se acreditar portadora de certezas abso- ciência seja um processo lento
lutas e defensora de valores extremamente e doloroso, cada passo nessa
rígidos. Em seu aspecto criativo, o animus direção, mesmo que comece por
liga a mulher à capacidade de discrimina- um pequeno grupo, certamente
ção, às atitudes e iniciativas construtivas de contribuirá para uma melhora na
modo consciente. Por meio da dinâmica do qualidade de vida de todos. O
animus, ela aprende a aceitar a reparação, a desenvolvimento da consciência
independência e a responsabilidade por suas traz, também, uma mudança no padrão OS SERES ANDRÓGINOS representam
reações emocionais. Em geral, o animus é ético. O comportamento moral e a saúde a busca da completude humana no que
projetado em figuras de professores, líderes mental são, sem dúvida, as bases de uma diz respeito à conjunção dos aspectos
e figuras de autoridade que inspiram às sociedade saudável. feminino e masculino. Separados por
mulheres a realização de seu potencial social Jung, em sua última entrevista (1959), Zeus, eles vivem para encontrar sua
e a saída dos recônditos do mundo familiar. aos 84 anos, disse a um repórter da BBC de metade. A imagem deles é um entre
Entretanto, quando a união entre mãe e filha Londres que precisaríamos cada vez mais da tantos símbolos da anima e do animus,
é tão intensa que a possibilidade de um psicologia, pois todo mal que estava por vir as contrapartes do homem e da mulher,
casamento é sentida quase como um ato partiria do próprio homem. A história continua respectivamente, que fazem a ponte
de ruptura abrupta, figuras de homem-vilão como testemunho dessa verdade, mas também entre o mundo interno e o ego
podem emergir. podemos dizer que todo bem que está por vir
É a história de Perséfone, a jovem ino- só depende do desenvolvimento de nossa
cente, filha da grande mãe Deméter, que um consciência – e esse caminho é, sem dúvida, PARA CONHECER MAIS
dia foi raptada por Hades, o rei do mundo a grande contribuição do mestre Jung. mec ● O Homem e seus símbolos. C.
inferior, quando passeava pelos campos G. Jung e M. L. von Franz. Nova
floridos. Aqui, Hades representa a imagem Fronteira, 1964.
do animus que transporta Perséfone para OS AUTORES. DENISE GIMENEZ RAMOS é coordenadora do ● O mapa da alma. M. Stein.
outra dimensão, retirando-a das limitações Núcleo de Estudos Junguianos do Programa de Pós-Graduação Cultrix, 1998.
● Memórias, sonhos, reflexões.
do mundo conhecido. A mesma temática em Psicologia Clínica da PUC-SP, membro analista da Sociedade
C. G. Jung. Nova Fronteira, 1986.
pode ser percebida em novelas e filmes em Brasileira de Psicologia Analítica e do comitê executivo da ● O código do ser. J. Hillman.
que o homem-vilão desempenha o papel International Association for Analytical Psychology. Autora de A Objetiva, 2001.
daquele que abre por vezes dolorosamente psique do coração (Cultrix, 1990) e A psique do corpo (Summus, ● Corruption: Symptom of a cultural
os horizontes e dá, apesar do sofrimento, 2006). PERICLES PINHEIRO MACHADO Jr. é psicólogo, membro complex in Brazil?.
novas perspectivas para o desenvolvimento da International Association for Jungian Studies. Psicanalista em D. Ramos, em The Cultural Complex
do potencial da mulher. formação junto ao Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes – Contemporary Jungian
Reprodução

perspectives on psyche and society,


Os complexos também se manifestam no Sapientae. Tradutor dos livros Jung e a vida simbólica, de Christian
T. Singer e S. L. Kimbles (orgs.).
plano da identidade de um grupo social, e Gaillard (Loyola, 2003) e O pai: história e psicologia de uma espécie Hove: Brunner-Routledge, 2004
nesse caso são denominados complexos cultu- em extinção, de Luigi Zoja (Axis Mundi, 2005).

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