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F I C H A TÉCNICA

 

 Director
VitalMoreira
 

DirectorͲAdjunto

PedroGonçalves


SecretáriadeRedacção
AnaCláudiaGuedes


Proprietário
CentrodeEstudosdeDireitoPúblicoeRegulação
(CEDIPRE)


Editor
CentrodeEstudosdeDireitoPúblicoeRegulação
(CEDIPRE)


Morada
FaculdadedeDireitoda
UniversidadedeCoimbra
PátiodaUniversidade
3004Ͳ545CoimbraͲPortugal


NIF
504736361


SededaRedacção
CentrodeEstudosdeDireitoPúblicoeRegulação
(CEDIPRE)


NºdoRegistodaERC
 125642


ISSN
1647Ͳ2306


Periodicidade
Bimestral



S U M Á R I O 


Apresentação....................................................................................3

Actualidade.......................................................................................5
Contrataçãopúblicaefundoscomunitários..................................................5
BERNARDOAZEVEDO|AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra


BrevesnotasapropósitodonovoregimedaRAN........................................9
CARLOSCARVALHO|JuizDesembargadordoTCAN

OcontratodeprestaçãodeserviçosnaLei12ͲA/2008,de27deFevereiro:
umregimecontrárioàConstituiçãoeaoDireitoComunitário...................17
LICÍNIOLOPESMARTINS|AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Umcasoexemplardedegradaçãodaautonomiamunicipal......................23
PEDROGONÇALVES|ProfessordaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Restriçõesàparticipaçãoemprocedimentosdecontrataçãopública........27
RODRIGOESTEVESDEOLIVEIRA|AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Doutrina..........................................................................................35

ContrataçãoPúblicaaduasvelocidades:atransposiçãodaDirectiva
2007/66/CE..................................................................................................35
ADOLFOMESQUITANUNES|Advogado

Notassobreaantecipaçãodojuízosobreacausaprincipal
(umcomentárioaoartigo121ºdoCPTA)...................................................55
DORALUCASNETO|JuízadeDireitodoTACdeLisboa

Aindemnizaçãoporsacrifício......................................................................63
FERNANDOALVESCORREIA|ProfessordaFaculdadedeDireitodeCoimbra

PublicidadeeSegredonoConselhodeEstado............................................77
J.C.VieiradeAndrade|ProfessordaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Oprincípiodemocráticosobapressãodosnovosesquemasregulatórios.99
J.J.GOMESCANOTILHO|ProfessordaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Onovodireitodourbanismo....................................................................109
SUZANATAVARESDASILVA|AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra

Informações.................................................................................121











































www.fd.uc.pt/cedipre








Odireitonãoéumanarrativa,todavia,mostraͲsetambémpelanarrativa.
Nos dias de hoje, o direito é narrado fundamentalmente através de três
grandeseixos:anarrativalegislativa;anarrativajurisprudencialeanarraͲ
tivadoutrinal.Éestanarrativadoutrinalquenosinteressanestemomento.

AdoutrinadodireitotemͲsefeitoatéaostemposdehoje,sobretudodepois
deGutenberg,atravésdessacoisamágicaquesechamalivro(sendocerto
quea“revista”oupublicaçãoperiódicanadamaisédoqueumoutronome
paraolivro).Noentanto,ascoisasmudaramradicalmenteequandosediz
radicalmentenãosequerfazerfiguradeestilo,masantestraduziraessênͲ
ciadascoisas.Ainformação,osaber,veiculaͲse,hoje,jánãopeloclássico
suporte físico a que chamamos papel mas, muito particularmente, pela
dimensãovirtualqueosfluxosinformáticossãocapazesdetraduzirnoecrã
domaisremotoeincógnitodoscomputadores.

O saber, a informação — com tudo o que isto implica de extraordinário,


complexoe,simultaneamente,caótico—chegamͲnos,nostemposquecorͲ
rem,atravésdawebechegamͲnosdaformamaisdescomprometida:pelo
acessoqueumsimplescomputadorfazàredeglobal.Porissotemtodoo
sentido que a doutrina jurídica narre criticamente o direito por meio de
umarevistaonͲline.BemandouporissooCEDIPREetodosaquelesque,de
umaformaempenhada,lúcidaeinovadora,estãoàsuafrente.Bemandou
oCEDIPREeminiciarapublicaçãodeumarevistaonͲline.PoraquisemosͲ
traqueaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbraou,sesequiser,
1

um dos seus Institutos, se perfila na vanguarda da utilização de um dos
Página




meiosmaispotenteseuniversaisdelevaracaboaespecíficanarrativado
direitoqueadoutrinacristaliza.

Perceber, analisar, desconstruir e construir o direito pode fazerͲse e deve


fazerͲsedasmaisvariadasformas.Fazercomqueesselaborcriticochegue
cadavezmaisaumnúmerocadavezmaiordepessoasétarefadaAcadeͲ
miaedaUniversidade.FazêͲloatravésdaredenãoémaisdoqueumautiͲ
lizaçãointeligentedaquiloqueosmeiostecnológicosnosdão.FazêͲloatraͲ
vésdaredecomumarevistaonͲlinenãoémaisdoqueaafirmaçãodeque
há sempre mais mundo para além do mundo que em um determinado
momentonosédadoconhecerou,sequer,quenóspensamosconhecer.


OPresidentedoConselhoDirectivo,








JosédeFariaCosta
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A P R E S E N T A Ç Ã O 

Temosogratoprazerdeapresentarumanovarevistajurídicaportuguesa,
criadaeeditadapeloCedipre–oseunomeéRevistadeDireitoPúblicoe
Regulação.
Apesardeserumcentroacadémicoedeinvestigaçãoaindajovem,oCediͲ
pre já apresenta um curriculum preenchido, sobretudo nas matérias em
que, nos últimos anos, o direito público português sofreu mutações de
maior significado: regulação pública, justiça administrativa, contratação
pública e emprego público. Quer através da realização de cursos de pósͲ
graduação, quer mediante a edição de várias obras de investigação e de
estudos,decarácterindividualoucolectivo,oCedipretemprocuradoconͲ
tribuir para o fortalecimento e o enriquecimento da ciência do direito
público em Portugal; de um modo particular, temͲse revelado activo e
empenhadoemmobilizaresforçosemtodosossectoresemqueasalteraͲ
çõeslegislativasvêmreclamandoumamaiorexigênciadeadaptação.
No início do ano de 2009, entendeu a Direcção do Cedipre dar mais um
passo,destaveznosentidodacriaçãoenaediçãodeumperiódicoquese
ocupedealgumadasvastasquestõesdedireitopúblico,decaráctersubsͲ
tantivoedecarácterprocessual,quetodososdiassecolocamnasadminisͲ
trações públicas, nas autoridades reguladoras, nos tribunais, no ensino
universitárioounapraxisdosescritóriosdeadvogados.Épreocupaçãoda
novaRevistadeDireitoPúblicoeRegulaçãolevaressaseoutrasquestões
paraoespaçopúblicoeabriratodososinteressadosumaplataformade
partilhadepontosdevistaedeconcepçõessobretemasdedireitopúblico
eregulação.
3

Opanoramaeditorialportuguêsnosectordosperiódicosjurídicos–e,em
Página

especial,emcertasáreasdodireitopúblico–apresentaediçõesdegrande




qualidadeeinteresse,que,aliás,muitotêmcontribuídoparaaevoluçãoe
divulgação do pensamento jurídico. É nessa mesma linha, de qualidade e
de sucesso, que a Revista tem a pretensão de se inserir, reivindicando, à
partida,aoriginalidade,noquadroportuguês,detercomosuporteaediͲ
çãoelectrónica.

ARevistatemumapublicaçãobimestral,éeditadaonlineeficaalojadana
webpáginadoCedipre.ApublicaçãodetextoséabertaatodososinteresͲ
sadospelostemasdodireitopúblicoedaregulaçãoe,namedidadopossíͲ
vel,osautoressãodesdejáincentivadosaadoptaremumestiloinformal,
directoepragmático.Nesteponto,oobjectivoéde,pelomenosnumaparͲ
tedaRevista,seassentarnumparadigmadiscursivoque,obviamentesem
cederaosimplismo,serevele,paraosleitores,acessíveledirectoe,para
osautores,deelaboraçãosimplificadaeinformal.

ARevistacontacom3secções:i)uma,intituladaActualidade,queseocuͲ
pa,emtextosbreves,dequestõesjurídicassuscitadaspornovasleis,deciͲ
sõesadministrativasoudecisõesjudiciaisequepoderáservircomosuporͲ
tedeumaespéciedeintervençãodecidadaniasobretemasdeDireito;ii)
umaoutra,comotítuloDoutrina,queacolherátextosmaislongos,sobre
questõesdoutrinaise,oupráticasquereclamamumaatençãomaiscuidaͲ
daoudesenvolvida;iii)porfim,umaterceirasecção,dedicadaaInformaͲ
ções,quedarácontadenovasobrasdadasàestampa,emPortugalouno
estrangeiro,bemcomodarealizaçãodeeventossobretemasrelacionados
com o direito público e a regulação; por outro lado, ainda nesta secção,
serádadanotíciasobreleisedecisões(administrativasejudiciais)relevanͲ
tes.

VitalMoreira
PedroGonçalves
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REVISTA DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃO


A C T U A L I D A D E 

ContrataçãoPúblicaeFundosComunitários

BernardodeAzevedo
AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra

AanálisedaíntimarelaçãoquefrequenͲ queocoͲfinanciamentodaactividadede
tementeseestabeleceentrecontratação determinadas entidades através de funͲ
pública e fundos comunitários, não obsͲ doscomunitáriospoderáexercersobrea
tante as questões de relevante alcance suaeventualqualificaçãoenquantoentiͲ
prático que inegavelmente coloca, tem dadesadjudicantesou,parasermosmais
sido,háquereconhecêͲlo,praticamente específicos, enquanto organismos de
votada ao abandono seja pela doutrina direitopúblico,asegundarelativaàposͲ
(nacional e estrangeira), seja, o que não sível submissão automática de toda a
deixa de ser ainda mais surpreendente, contrataçãodeobras,benseserviçosno
pela própria jurisprudência (aí incluída a contexto de acções apoiadas pelos funͲ
do Tribunal de Justiça da União EuroͲ dos estruturais aos procedimentos adjuͲ
peia). dicatóriosrecortadosnaparteIIdoCódiͲ
No entanto, são vários os aspectos que godosContratosPúblicos(CCP).
carecem de esclarecimento no contexto Pelo que se refere à primeira das quesͲ
ͷBernardodeAzevedo

da apontada relação, sendo justamente tões acima identificadas, importa, antes
emordemacumpriresseintentoquese domais,evidenciarqueaqualificaçãode
alinham, ainda que em termos necessaͲ uma entidade enquanto organismo de
riamente abreviados, os comentários direito público, para efeitos da respectiͲ
queseseguem. va submissão aos procedimentos préͲ
A nossa análise incidirá, contudo e funͲ contratuais catalogados na parte II do
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damentalmente, sobre duas ordens de CCP, depende, além da sua personalidaͲ
questões,aprimeirarelativaàinfluência de jurídica e da prossecução de fins de


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interessegeralsemcarácterindustrialou entidadesrecenseadasnasalíneasa)af)
comercial, da correspondente sujeição à doartigo2.º,n.º1,doCCP.
influência dominante de qualquer uma Parece,contudo,aconselhávelumaleituͲ
das entidades pertencentes à AdminisͲ rafortementerestritivadopreceitolegal
tração Pública em sentido organizatório em análise, que obrigue a que esse
clássico, conforme enunciadas nas alíͲ financiamento maioritário da actividade
neasa)af)doartigo2.º,n.º1,doCCP. doorganismodedireitopúblicoespecifiͲ
Esta influência dominante, afereͲse, por camente em causa provenha, forçosa e
sua vez, indiciariamente, mediante a directamente, dos orçamentos das entiͲ
verificação, alternativa, de uma das dades referidas expressis verbis nas alíͲ
seguintescondições: neasa)af)doartigo2.º,n.º1,doCCP.
a) financiamento maioritário da resͲ Nãobasta,assim,enquantocondiçãode
pectivaactividadeporumadasentiͲ verificação dos pressupostos da referida
dades elencadas nas alíneas a) a f) previsão legal que haja financiamento
doartigo2.º,n.º1,doCCP; maioritário por dinheiros públicos (aí
b) sujeiçãodasuaactuaçãoaocontrolo incluídos os de proveniência comunitáͲ
de gestão de uma das entidades ria), antes se exigindo que os dinheiros
indicadasnasalíneasa)af)doartigo públicos que concorrem, maioritariaͲ
2.º,n.º1,doCCP; mente (em mais de 50%) para a relação
c) designação da maioria dos titulares de dependência financeira normativaͲ
dos correspondentes órgãos de menteexigida, sejam exclusivamente de
administração,gestãooufiscalização origemnacional.
por uma das entidades individualiͲ Ditoemtermosbemmaissimples,finanͲ
zadasnasalíneasa)af)doartigo2.º, ciamento comunitário não equivale aqui
n.º1,doCCP. afinanciamentonacional.Eisto porque,
Alinhadeintersecçãoentreosdomínios relativamente à distribuição dos apoios
da contratação pública e dos fundos comunitários por entidades nacionais, o
comunitários repousaria justamente na Estado e as demais entidades públicas
relevância (potencial) assumida pelo com responsabilidade nesse domínio se
apoiodosfundosestruturaisemordema limitam a actuar exclusivamente a sua
͸Actualidade

darporpreenchidooprimeirodosrequiͲ vocação de órgãos de administração


sitos atrás enunciados – financiamento indirectadaUniãoEuropeia.
maioritário da actuação desenvolvida Ora, tal afasta imediatamente qualquer
peloorganismodedireitopúblicodeque relaçãodedependênciaefectivaentreas
concretamente se trate por uma das
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entidades beneficiárias dos fundos


comunitáriosemequaçãoeasautoridaͲ


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desnacionaisresponsáveispelasuaatriͲ perímetro de entidades adjudicantes


buição,aoinvésdoquedecorre,imperaͲ normativamente delimitado pelo CCP a
tiva e literalmente, do artigo 2.º, n.º 2, pretextodadefiniçãodoseuâmbitosubͲ
doCCPedasprópriasdirectivascomuniͲ jectivodeaplicação.
táriasrelativasàmatériadacontratação Estaríamos, deste modo, colocados
pública. peranteahipótesedeaplicaçãodoCCP,
QuantoàsujeiçãoautomáticaenecessáͲ por parte destas entidades (equiparadas
riadetodasasentidadesquebeneficiem para o efeito a organismos de direito
do apoios dos fundos estruturais às público), sempre que contratassem
regras da contratação pública pelo que obras, bens ou serviços no quadro do
concerneaoscontratosdeobras,bense desenvolvimento de acções objecto de
serviços celebrados no contexto de coͲfinanciamento comunitário, sendo
acções coͲfinanciadas comunitariamenͲ quenomais,istoé,porrelaçãoatodaa
te, cabe, sobretudo, ressaltar o escasso sua restante actividade contratual, se
contributo que imediatamente decorre encontrariam subtraídas à aplicação do
dasnormasdedireitopositivo(nacionais diplomaemcausa.
ecomunitárias)reguladorasdaintervenͲ Obviamente que a solução avançada
çãodosfundoscomunitários. merece, porventura, ponderação adicioͲ
EmvãoseintentarádaíextrairumasoluͲ nal e parece, até, ao menos de algum
çãodefinitivaparaaquestãoemapreço, modo, ser desmentida pelo único acórͲ
porquanto, em termos globais, o que dão do TJUE relativo à matéria, mas, ao
temos é uma remissão genérica para as menos em nosso entender, configura,
normas da contratação pública sempre apesar de tudo, a via mais adequada
queedesdequeaplicáveis. para,emfacedashesitaçõesdaleieda
Não choca, contudo, admitir que uma jurisprudência e do silêncio da doutrina,
vez que está em causa a aplicação de colocar as entidades beneficiárias de
fundoscomunitárioshajaaíumaexigênͲ apoioscomunitáriosasalvodeeventuais
cia acrescida ou qualificada de respeito decisões de não certificação da elegibiliͲ
͹BernardodeAzevedo

pelas normas da contratação pública e dade da despesa apresentada por
isto ainda que nos confrontemos com incumprimento das regras relativas à
entidades que não se inscrevam no contrataçãopública. ˆ

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ͺActualidade
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BrevesnotasapropósitodonovoregimeReservaAgrícolaNacional

CarlosLuísMedeirosdeCarvalho
JuizDesembargadordoTCAN

Volvidosquase10anosdevigênciadoDL O novo regime legal publicado visou o


n.º196/89,de14.06,diplomaquecontiͲ aperfeiçoamento dos procedimentos de
nhaoregimedaReservaAgrícolaNacioͲ delimitação da RAN, procedimentos
nal (doravante RAN), veio o mesmo esses essenciais para a preservação do
recentemente a ser revogado1 pelo DL solo enquanto recurso natural finito e
n.º 73/09, de 31.03, passando este a com uma multiplicidade de funções
conteroregimejurídicodaRAN. estratégicas relevantes na dinâmica dos
Esta destinaͲse a defender as áreas de processoseconómicos,sociaiseambienͲ
maiores potencialidades agrícolas, ou tais.
queforamobjectodeimportantesinvesͲ Talpropósitoderiva,desdelogo,dasimͲ
timentos destinados a aumentar a sua plesleituradopreâmbulododiplomaem
capacidade produtiva, tendo como referência quando ali se refere que
objectivo,nomeadamente,oprogressoe atendendo “… não só à sua escassez
amodernizaçãodaagriculturaportugueͲ comorecursosnaturaisfinitos,acrescem ͻCarlosLuísMedeirosdeCarvalho
sa, modernização essa que passa não ao solo e à terra funções nucleares na
apenas pelo pleno aproveitamento agríͲ regulação do ciclo da água e na manuͲ
cola dos melhores solos e a sua salvaͲ tenção da sua qualidade igualmente o
guarda,masqueexigeoutornanecessáͲ ressurgir de aplicações na produção de
rio a existência de explorações agrícolas energia,comoéocasodosbiocombustíͲ
bemdimensionadas. veis, o papel fundamental na redução
das emissões de carbono, o suporte da
biodiversidade,bemcomoasuaprocura

1 para actividades de lazer das populaͲ
Cfr.artigo49.º,al.a)doDLn.º73/09,de31.03.
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Estediplomaentrouemvigor10diasapósadata ções…,comoacréscimodasensibilidade
da sua publicação tal como decorre do n.º 1 do
ambiental por parte da sociedade e em
seuartigo50.º


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especial no sector agrícola e florestal o tecção dos recursos pedológicos nacioͲ
solo passou a ser assumido como um nais, a qual já se encontra em aplicação
recursoprecioso,escassoeindispensável em três regiões do País (TrásͲosͲMontes
à sustentabilidade dos nossos ecossisteͲ e Alto Douro, Entre Douro e Minho e
mas e à salvaguarda do planeta. … É InteriorCentro),prevendoͲseaexpansão
assim fundamental e estratégico, pelas dostrabalhosparaassegurarumacoberͲ
profundasalteraçõesgeopolíticasqueas turanacional3.
sociedades actuais têm sofrido, pelo A RAN, nos termos previstos no artigo
reflexo nas sociedades humanas e nos 8.º, é integrada pelas unidades de terra
ecossistemasemgeralqueasalterações que apresentam elevada ou moderada
climáticas têm produzido, pela necessiͲ aptidão para a actividade agrícola (clasͲ
dadedamanutençãodecondiçõesestraͲ ses A1 e A2 Ͳ classificados nos termos
tégicasbásicasdevidadaspopulaçõese enunciados no artigo 6.º), sendo que na
da garantia da sustentabilidade dos ausência daquela classificação prevista,
recursos, que se promovam políticas de integram a RAN as áreas com solos das
defesa e conservação dos terras e solos classes de capacidade de uso A, B e Ch,
…”. previstasnon.º2doartigo7.º,asáreas
EstaalteraçãolegislativatemcomopresͲ com unidades de solos classificados
supostosfundamentaisamanutençãoda comobaixasaluvionares4ecoluviais5,as
natureza jurídica da RAN enquanto resͲ áreasemqueasclasseseunidadesrefeͲ
triçãodeutilidadepúblicaeoreforçoda ridas anteriormente estejam maioritaͲ
importância estratégica da RAN, tal riamente representadas quando em
comoderiva,nomeadamente,doregime complexocomoutrasclasseseunidades
que se mostra enunciado nos seus artiͲ desolo.
gos2.º(conceito)e4.º(objectivos). A integração de terras e solos de outras
O regime agora aprovado introduz na classes na RAN pode ocorrer ainda nas
ordem jurídica uma nova classificação situaçõesecondicionalismosenunciados
dasterrasedossolos2,adametodologia no artigo 9.º (integração específica)6,
da Organização das Nações Unidas para mormente, quando assumam relevância
a Agricultura e Alimentação (FAO/WRB),
ͳͲActualidade


que permite uma nova abordagem na 3
 Vide para além do preâmbulo do DL n.º 73/09
classificação e garante uma maior proͲ os seus artigos. 3.º, alínea e), 6.º e anexos ao
mesmodiploma.
4
 Videdefiniçãovertidasobaalínean)doartigo
2
 Cfr. artigos 6.º (classificação das terras) e 7.º 3.ºdoDLn.º73/09.
5
(classificação dos solos) e anexos I) e II) do Videdefiniçãovertidasobaalíneao)doartigo
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diplomaemreferência,porcontraposiçãocomo 3.ºdoDLn.º73/09.
6
regimevertidonosartigos.2.º,n.º2e4.ºdoDL  Cfr., no anterior regime legal, o disposto no
n.º196/89eseuanexo. artigo6.ºdoDLn.º196/89.


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emtermosdeeconomialocalouregional de plano municipal ou especial de ordeͲ


etenhamsidosubmetidasaimportantes namento do território9, tendo por base
investimentos destinados a aumentar uma proposta do município aprovada
com carácter duradouro a capacidade pelas entidades competentes da AdmiͲ
produtivadossolos7ouapromoverasua nistração Central e ficando identificada
sustentabilidade, ou o seu aproveitaͲ na planta de condicionantes daqueles
mento seja determinante para a viabiliͲ planos10,sendoque,emcasosexcepcioͲ
dade económica de explorações agrícoͲ naisderelevanteinteressegeral,sepreͲ
las existentes, ou assumam interesse vê a possibilidade do Governo, uma vez
estratégico, pedogenético ou patrimoͲ ouvidaacâmaramunicipaldomunicípio
nial. abrangido, poder alterar a delimitação
Tal integração específica pode ser efecͲ daRANanívelmunicipalatravésderesoͲ
tuada no âmbito da elaboração, alteraͲ luçãodoConselhodeMinistros11.
ção ou revisão de plano municipal ou ConsagraͲse no diploma objecto desta
especial de ordenamento do território, breve análise o direito à informação e à
podendo também ser determinada por participaçãodeharmoniacomodisposto
despacho do membro do Governo resͲ no artigo. 19.º, sendo que no artigo
ponsávelpelaáreadaagricultura. antecedente se disciplina o regime da
Figuram como solos não integrados na reintegração na RAN de áreas dela
RAN,nostermosquedecorremdoartigo excluídas, regime este sem paralelo no
10.ºdodiplomaemreferência,asterras anteriorregime.
ousolosqueintegremoperímetrourbaͲ Assim, nos termos do artigo 18.º do DL
no identificado em plano municipal de n.º 73/09, as áreas que tenham sido
ordenamento do território como solo excluídas da RAN são reintegradas, no
urbanizado, solos cuja urbanização seja
possível programar ou solo afecto a
todo ou em parte, quando as mesmas
nãotenhamsidodestinadasaosfinsque
ͳͳCarlosLuísMedeirosdeCarvalho
estrutura ecológica necessária ao equilíͲ fundamentaram a sua exclusão da RAN,
briodosistemaurbano8. se no prazo de cinco anos a obra ainda
DeharmoniaaindacomoregimeprevisͲ não se tiver iniciado (casos de exclusão
to no mesmo diploma, a delimitação da noâmbitodoartigo17.º);ousenoprazo
RAN ocorre no âmbito dos procedimenͲ 
9
Cfr.,nocaso,oregimedesenvolvidonosartigos
tos de elaboração, alteração ou revisão
11.º,13.º,14.ºe15.ºdoDLn.º73/09.
10
Cfr.,paramaisdesenvolvimentos,osCapítulos
 IV(artigos11.ºa19.º)eV(artigos20.ºa29.º)do
7
 Vide definição vertida sob a alínea f) do artigo DL n.º 73/09 por contraposição com o anterior
ž‰‹ƒ

3.ºdoDLn.º73/09. regimedecorrentedoDLn.º196/89(CapítuloII,
8
Vide,porcontraposição,oregimeanteriormenͲ SecçõesIeIIͲartigos5.ºeseguintes).
11
teprevistonoartigo7.ºdoDLn.º196/89. Videartigo17.ºdoDLn.º73/09.


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para a execução de plano municipal de 24.º)17ecomaespecificidadedasacções


ordenamento do território, quando a de relevante interesse público (artigo
exclusão tiver ocorrido no âmbito da 25.º), mantendoͲse, no essencial, o
elaboração desse plano, a obra ainda regimeemsedededireitodepreferência
não tiver sido iniciada, cabendo, neste (artigo 26.º)18 e elevandoͲse a unidade
caso,àcâmaramunicipalpromoverobriͲ deculturaparaefeitosdefraccionamenͲ
gatoriamenteaalteraçãodoplanomuniͲ to (artigo 27.º por contraposição com o
cipal que contenha a delimitação nos artigo13.ºdoDLn.º196/89).
termosdoartigo.97.ºdoDLn.º380/99, InstituiuͲse, todavia, regime inovador e
de22.09. sem paralelo com o quadro previsto no
AtenteͲse que, nos casos de projectos DL n.º 186/89 com a introdução duma
com título válido para a sua execução, comunicação oficiosa à Administração
aquela reintegração só ocorre ou opera Fiscal19 nos casos em que a inutilização
comacaducidadedotítulo12. deterrasesolosparaoexercíciodaactiͲ
Temos, por outro lado, que em matéria vidade agrícola se destine a construções
de regime da RAN, o mesmo se mostra e edificações, e, ainda, duma regra de
disciplinado no Capítulo V, ali se elenͲ inalienabilidade para determinadas
cando as áreas de afectação (artigo situações(artigo29.º).
20.º)13, as acções interditas (artigo De notar que nas situações sujeitas a
21.º)14, as regras de utilização de áreas parecerpréviosemostraprevistonon.º
RAN para outros fins (artigo 22.º)15 com 10 do artigo 23.º do DL n.º 73/09 um
separaçãodassituaçõesqueestãosujeiͲ quadro impugnatório para os pareceres
tas a parecer prévio (artigo 23.º)16 e as vinculativos desfavoráveis ali se estipuͲ
sujeitas a comunicação prévia (artigo lando que sem “… prejuízo da possibiliͲ
 dade de impugnação contenciosa, nos
12
Cfr.artigo18.º,n.º2doDLn.º73/09. termosdoCódigodeProcessonosTribuͲ
13
 Cfr., no anterior regime decorrente do DL n.º
196/89,osartigos.8.ºeseguintes. nais Administrativos, os interessados
14
 Cfr., por contraposição, o anterior regime podem interpor recurso para a entidade
decorrentedoartigo8.º,n.º1doDLn.º196/89.
15
 Cfr., por contraposição, o regime previsto no nacionaldaRANdospareceresvinculatiͲ
artigo9.ºdoDLn.º196/89,oqualcontémleque vos desfavoráveis emitidos pelas entidaͲ
ͳʹActualidade

maisrestritodeutilizações.
16
Cfr.,noanteriorregime,oartigo11.ºdoDLn.º 
17
196/89,sendoquecomoactualquadronormatiͲ  No âmbito do anterior regime não havia a
vo e por contraposição com aquele anterior autonomização das figuras do parecer prévio e
regime se opera uma clara redução dos prazos dacomunicaçãoprévia.
18
procedimentais de decisão, mantendoͲse, todaͲ Videartigo12.ºdoDLn.º196/89.
19
via, a mesma consequência já prevista no n.º 3 Cfr.artigo28.º,sendoqueacompetênciapara
ž‰‹ƒ

daquelepreceitodoDLn.º196/89paraodecurͲ efectuar tal comunicação cabe, nos termos do


so do prazo sem emissão de parecer, ou seja, artigo 34.º, alínea d), às entidades regionais da
consideraͲseomesmocomofavorável. RAN.


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des regionais da RAN, a emitir no prazo pessoas colectivas públicas pelos prejuíͲ
de 20 dias …”20, instituindoͲse, assim, zos que sejam causados a sujeitos de
impugnação administrativa de natureza boaͲfé e decorrentes da emissão de
facultativa a qual, em termos de impugͲ actos nulos por violadores dos normatiͲ
naçãocontenciosajurisdicionalseimpõe vossupracitados.
concatenar, mormente, com o regime Na verdade, tal preceito legal constituía
previstonoartigo59.ºdoCPTA. apenas um mero “reforço” ou o “relemͲ
EmsededasgarantiasdoregimedaRAN brar”daquiloquejáresultavadoregime
mantémͲse,talcomonoanteriorregime geral de responsabilidade civil extraconͲ
legal21, a sanção da nulidade para todos tratual do Estado e demais pessoas
os actos administrativos que hajam sido colectivas públicas previsto no anterior
praticados em violação do disposto nos DL n.º 48051, de 21.11.1967, e actualͲ
artigos 22.º a 24.º do DL n.º 73/0922, mente na Lei n.º 67/07, de 31.12, pelo
bem como as acções de cessação das que a sua ausência expressa do quadro
violações da RAN23 e de reposição da legal do novo regime jurídico da RAN
situação anterior a tais violações24, tal nada de novo introduz, pois, indepenͲ
como a previsão, com algumas alteraͲ dentemente de ali figurar ou não, o
ções, da responsabilidade contraͲ regimegeralvigenteemsedederesponͲ
ordenacional (fiscalização, instrução e sabilidade civil extracontratual daqueles
decisão,edestinodoprodutodascoimas entes vale em plenitude para a reparaͲ
aplicadas)25. Desaparece, no entanto, a ção dos prejuízos sofridos pelos sujeitos
regra prevista no artigo 35.º do DL n.º ou entes particulares e que sejam adveͲ
196/89,comaepígrafede“responsabiliͲ nientes da emissão de actos administraͲ
dadedoEstadoedemaispessoascolectiͲ tivos ilegais, mormente, geradores do
vaspúblicas”,semquecomissosedeva
ou possa considerar que no âmbito do
desvalor da nulidade por violação dos
artigos22.ºa24.ºdoDLn.º73/09.
ͳ͵CarlosLuísMedeirosdeCarvalho
novo regime jurídico da RAN inexista De registar, ainda, as alterações operaͲ
responsabilidade do Estado e demais das em sede de estrutura e das entidaͲ
 desdaRAN,comainstituiçãodaentidaͲ
20
 Vide, ainda, artigo 32.º, n.º 1, alínea g) do DL denacional26Ͳ27edasentidadesregionais
n.º73/09.
21
Cfr.artigo34.ºdoDLn.º196/89. da RAN28Ͳ29, com a gestão ordenada da
22
Cfr.artigo38.ºdoDLn.º73/09. 
23 26
Cfr.artigo43.ºdoDLn.º73/09e39.ºdoDLn.º  Cfr. artigos 31.º (composição) e 32.º (compeͲ
196/89. tências)doDLn.º73/09.
24 27
Cfr.artigo44.ºdoDLn.º73/90eartigo40.ºdo SucedeaoConselhoNacionaldaReservaAgríͲ
DLn.º196/89. cola instituído pelo DL n.º 196/89 Ͳ cfr. artigos
25
ž‰‹ƒ

 Cfr. o regime previsto nos artigos. 39.º a 42.º 14.º(composição)e15.º(competências).


28
doDLn.º73/09emcontraposiçãocomodecorͲ  Cfr. artigos 33.º (composição) e 34.º (compeͲ
rentedosartigos.36.ºa38.ºdoDLn.º196/89. tências)doDLn.º73/09.


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mesma considerando a divisão em zandoͲsecomosrestantesinstrumentos


regiões coincidentes com o território de deordenamento,demoldeaassimperͲ
cadaunidadedenívelIIdaNomenclatuͲ mitirtambémumamaisfácilharmonizaͲ
ra de Unidades Territoriais (vulgo çãointerͲmunicipal.
NUTS)30. Por fim, importa ainda ter particular
A composição das entidades é sensivelͲ atenção ao regime transitório desenvolͲ
mentediminuída,sendoqueasregrase vidonoartigo47.º,aolongodosseus11
procedimentos em matéria de funcioͲ números32, com regras em matéria da
namento, mandato, reuniões, etc., que prática de actos em suporte papel (n.º
se mostravam previstas nos artigos 18.º 1),daadaptaçãodosplanosmunicipaise
eseguintesdoDLn.º196/89foram,com especiaisdeordenamentodoterritórioà
o novo regime aprovado e publicitado, classificaçãodasterras/solosnostermos
remetidas, nos termos do artigo 35.º, dosartigos6.ºe7.º(n.ºs2,3,4,5,6e7),
para regulamento interno a aprovar e dadecisãodosprocessospendentesque
homologarulteriormente,tudosempreͲ aindanãoforamobjectodeparecerpréͲ
juízodoquesedeixoujádisciplinadonos vio das comissões regionais da RAN (n.º
artigos 37.º (possibilidade de realização 8), da decisão dos procedimentos de
das reuniões em videoconferência e da avaliação de impacte ambiental ou de
suagravaçãopoderterovalordeacta)e análisedasincidênciasambientaisrelatiͲ
46.º (posse dos membros e entrada em vas a projectos de utilizações previstas
funcionamentodasentidadesdaRAN). na alínea l) do n.º 1 do artigo 22.º que
De molde a potenciar uma gestão mais tenham sido iniciados antes da entrada
adequada dos espaços agrícolas lança o em vigor do presente diploma (n.ºs 9 e
legislador mão de novos sistemas e tecͲ 10) e da apresentação dos pedidos de
nologias de informação31, assentes, parecerprévioàsentidadesregionaisna
nomeadamente, em cartografia digital ausência de funcionamento do sistema
comoferramentaderigoreapoioàdeciͲ de informação referido no artigo 36.º
são,paraassimassegurarummaiorconͲ (n.º11).
trolonagestãodoterritório,compatibiliͲ 
32
 TrataͲse,emnossoentendimento,dumainfeliz
ͳͶActualidade

29
 Sucedem às Comissões Regionais da Reserva e deficiente prática legislativa que se vem assisͲ
AgrícolainstituídaspeloDLn.º196/89Ͳcfr.artiͲ tindocomodesenvolverdocorpodosartigosao
gos.16.º(composição)e17.º(competências). longo de imensos números e/ou alíneas (cfr. a
30
Cfr.artigo30.ºdoDLn.º73/09. mesmadeficiência,nestemesmodiploma,quanͲ
31
Cfr.artigo36.ºdoDLn.º73/09,faltandoainda toaos16númerose8alíneasdoartigo14.º,às
publicar, à data que escrevemos, a portaria preͲ 14 alíneas do artigo 22.º, aos 10 números do
vista no n.º 2 do citado preceito, sendo que artigo23.º),práticaessaquevemsendosucessiͲ
vamente repetida em vários diplomas e que
ž‰‹ƒ

importa ainda ter presente o regime transitório


enunciado no n.º 1 do artigo 47.º do mesmo importariaevitare/ourepetir.
diploma. 


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Eis, pois, muito sumariamente algumas recentementealterado,regimeesteque


breves notas resultantes duma primeira importa aprofundar e acompanhar até
leitura do novo regime jurídico da RAN pelassuasrelevantesimplicações.ˆ


ͳͷCarlosLuísMedeirosdeCarvalho
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ͳ͸Actualidade
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OcontratodeprestaçãodeserviçosnaLei12ͲA/2008,de27deFevereiro:umregime
contrárioàConstituiçãoeaoDireitoComunitário

LicínioLopes
AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra

A Lei 12ͲA/2008, de 27 de Fevereiro, Uma das inovações mais marcantes da
doravanteLeinº12ͲA/2008,queestabeͲ Leinº12ͲA/2008é,semdúvida,aprevisͲ
leceosregimesdevinculação,decarreiͲ ta no artigo 35º, relativa ao contrato de
ras e de remunerações dos trabalhadoͲ prestaçãodeserviços.
resqueexercemfunçõespúblicas,introͲ Nonº1do artigoestabeleceͲse,atítulo
duziu profundas alterações na clássica geral,afaculdadedeasentidadespúbliͲ
relação de emprego público, indepenͲ cas recorrerem à celebração deste conͲ
dentementedasuaduraçãoͲrelaçãode trato:“osórgãoseserviçosaqueapreͲ
emprego público por tempo indetermiͲ senteleiéaplicávelpodemcelebrarconͲ
nado ou por tempo determinado ou tratos de prestação de serviços, nas
determinável, na terminologia daquela modalidadesdecontratosdetarefaede
Lei. avença,nostermosprevistosnopresente
Dada a extensão e profundidade das capítulo”.
alterações introduzidas, pode, provavelͲ Contudo,logodeseguida,nonº2,impõe
mente, dizerͲse que, neste momento, a limitações imperativas, prevendo que a
única certeza a antecipar é a de que a celebração de contratos de tarefa e de
clássica relação de emprego público avença apenas pode ter lugar quando,
ͳ͹LicínioLopes

morreu,pelomenosemaspectosessenͲ cumulativamente:“a)SetratedaexecuͲ
ciaisdoseuregime. çãodetrabalhonãosubordinado,paraa
Noplanodogmático,háqueinventarum qual se revele inconveniente o recurso a
novodicionáriojurídiconestedomínio:o qualquer modalidade da relação jurídica
DireitodaFunçãoPúblicadevesersubsͲ de emprego público; b) O trabalho seja
ž‰‹ƒ

tituído pelo Direito Administrativo do realizado, em regra, por uma pessoa
EmpregoPúblico. colectiva; c) Seja observado o regime


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legal da aquisição de serviços; d)O conͲ suainconstitucionalidadeporviolaçãodo


tratado comprove ter regularizadas as princípiodaigualdadedetratamento,no
suasobrigaçõesfiscaisecomaseguranͲ qualsefundamentavaopedidoformulaͲ
çasocial”. dopeloPresidentedaRepública.
Enonº4adiantaque,“excepcionalmenͲ Para o efeito, o TC aduziu, no essencial,
te,quandosecomproveserimpossívelou como fundamentação da sua decisão o
inconveniente, no caso, observar o disͲ factodeoregimeconstantedaalíneab)
postonaalíneab)don.º2,omembrodo do nº 2 e do nº 4 do artigo 35º se
Governo responsável pela área das enquadrar numa linha estratégica de
finanças pode autorizar a celebração de contenção de efectivos e de racionalizaͲ
contratosdetarefaedeavençacompesͲ ção de recursos humanos, pelo que a
soassingulares”. preferência concedida à contratação de
Sobreestenovoregimelegaldocontrato serviços a empresas tem sobretudo o
deprestaçãodeserviços,importa,paraa objectivo de evitar o artificial sobrediͲ
economia deste texto, registar duas mensionamento da estrutura da AdmiͲ
notas: nistraçãoPúblicaemmatériadepessoal,
começando por evitar, dentro do possíͲ
a. A imperatividade da regra geral da
contratação de pessoas colectivas e vel, a celebração de contratos com pesͲ
a excepcionalidade da contratação soas singulares, cuja continuidade
pudessegerarnovassituaçõesdedisfunͲ
depessoassingulares;
cionalidade,queosmecanismosdeconͲ
b. A demonstração da impossibilidade
trolo anteriormente instituídos não conͲ
ou da inconveniência em celebrar o
seguiramimpedir.
contrato de prestação de serviço
com uma pessoa colectiva para, Neste conspecto, é possível justificar a
legalmente, o poder celebrar com diferenciação introduzida à luz de um
umapessoasingular,aqueacrescea critério que se afigura razoável, por ser
exigênciadeautorizaçãoministerial, compatívelcomfinsconstitucionalmente
aqualnãovale,obviamente,paraas relevantes, como sejam a boa organizaͲ
autarquiaslocais. çãoegestãodosrecursospúblicos,epor
estardotadodeummínimodecoerência
ͳͺActualidade

Em sede de fiscalização preventiva, o


TribunalConstitucional(TC),aceitandoo entre os objectivos prosseguidos e os
entendimentodequeoregimelegalconͲ resultadosprevisíveis.
fere uma prevalência às pessoas colectiͲ Nestestermos,concluioTCque,nãose
vasnessetipodecontratação,emdetriͲ vêmotivobastanteparaconsiderarveriͲ
ficadaapretendidainconstitucionalidade
ž‰‹ƒ

mento das pessoas em nome individual,


não se pronunciou, no entanto, sobre a porviolaçãodoprincípiodaigualdade.


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Salvo o devido respeito pela fundamenͲ çãoPública.Paraofazerterá,porimpoͲ


taçãodadecisãodoTC,pelanossaparte siçãolegal,deconstituirͲsecomopessoal
nãopodemosconcordarcomela.  colectiva.
No essencial, a equação jurídicoͲ Tendoemcontaofimtidoemvistapelo
constitucional a fazer na medida legal legislador – evitar a constituição de verͲ
adoptadaéaseguinte:constatadaaexisͲ dadeiras relações de emprego público à
tência de verdadeiras relações de sombra de contratos de prestação de
emprego público constituídas à sombra serviços–oregimeadoptadoéconstituͲ
de contratos de prestação de serviços cionalmente exigível, necessário e adeͲ
justificaͲse,jurídicoͲconstitucionalmente, quado? Isto é, a restrição imposta pelo
queolegislador,paraevitarasuacontiͲ legislador encontra justificação jurídicoͲ
nuidade para o futuro, imponha uma constitucional em outros valores, inteͲ
proibiçãodeprincípiodacelebraçãodesͲ resses ou direitos de igual dignidade
tes contratos com trabalhadores em constitucional?Julgamosquenão.
nomeindividual? Mas a resposta a esta questão comͲ
Respondendo a esta questão, vamos, preenderͲseͲá melhor se forem adiantaͲ
sinteticamente, expor algumas das dosmaisalgunsargumentos.
razões que expressam a nossa discorͲ Emprimeirolugar,nãopodeesquecerͲse
dância em relação à fundamentação e que a Administração constitui um merͲ
decisãodoTC. cado contratual de enorme relevância,
Em primeiro lugar, o regime legal em designadamente entre nós, dada a
apreçoconstituiumamedidadenatureͲ extensão de tarefas públicas que assuͲ
za restritiva da liberdade de opção da me,sejanoâmbitodaAdministraçãodo
formajurídicadeexercíciodaactividade Estado,sejanoâmbitodaAdministração
profissional, compreendida no conteúdo regionaloudaAdministraçãoautárquica.
da liberdade de profissão (artigo 47º da E se a Administração recorre ao mercaͲ
CRP), enquanto liberdade de escolha do do, procurando nele operadores para a
modo do exercício da actividade profisͲ celebração de contratos, fica, a partir
sionale,nessaqualidade,abrangidapelo dessemomento,vinculada,porumlado,
ͳͻLicínioLopes

regimeespecialdosdireitos,liberdadese a princípios constitucionais de actuação


garantiasprevistosnosartigos17ºe18º e,poroutro,obrigadaarespeitaraliberͲ
daConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa dadedeacessodosoperadoresprivados
(CRP). Doravante, qualquer profissional habilitados.Istoé,seaAdministraçãose
em nome individual está, por princípio, disponibilizaacelebrarcontratoscomos
impedido de celebrar um contrato de
ž‰‹ƒ

operadores do mercado, fica, a partir


prestaçãodeserviçoscomaAdministraͲ daqui, constitucionalmente vinculada a


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respeitar a liberdade de acesso à celeͲ de contratos com a Administração


bração desses contratos por todos e enquantoprojecçãodoprincípiogeralda
qualqueroperadordomercado. igualdadeextraídodoartigo13ºdaCRP.
Amedidalegislativa,aoimporaregrada Aqui,oprincípiotemtambémumaoutra
contrataçãocompessoascolectivas,resͲ projecção, precisamente: a igualdade de
tringealiberdadeconstitucionaldeacesͲ acessoenoacessoàcelebraçãodeconͲ
so de todos os profissionais que trabaͲ tratos com a Administração no contexto
lhememnomeindividualaumsectorde deummercadoabertoeconcorrencial.
contratação cuja dimensão e importânͲ E,nesteâmbito,comoésabido,oprincíͲ
cia,atodososníveis,nospareceindiscuͲ piodaliberdadedeiniciativaeconómica,
tível. daliberdadedaempresaeoprincípioda
EapropósitodetalfimͲevitaraconstiͲ concorrência constituem princípios
tuição de verdadeiras relações de estruturantes da ordem económica
emprego público à sombra de contratos nacional (e comunitária). E o exercício
deprestaçãodeserviços–éconstitucioͲ destas liberdades postula ou pressupõe,
nalmente legítimo, justificado, necessáͲ naturalmente, que os operadores do
rio, exigível e adequado que um profisͲ mercado disponham, no plano jurídico,
sionalliberalͲumadvogado,umeconoͲ degarantiasdeacessoemcondiçõesde
mista, um arquitecto, um engenheiro e igualdade – de igualdade no acesso ao
tantos outros –, que exerce, por opção mercado (ou a segmentos de mercado),
livre, a sua profissão nessa qualidade e assim como no exercício das respectivas
em nome individual, seja legalmente actividades.
impedidodeacederaumsectordemerͲ Consequentemente, se, por alguma
cado – a contratação pública de serviͲ razão, falhar esta garantia estrutural
ços? estão inevitavelmente comprometidos
Julgamosqueaperguntacontém,emsi, osprincípioseasliberdadesconstitucioͲ
aresposta. naisreferidos.
Em segundo lugar, não é só a liberdade Não negamos a necessidade de evitar a
deacessoàcelebraçãodecontratoscom utilização do instrumento contratual da
ʹͲActualidade

aAdministraçãoPúblicaqueépostaem prestação de serviços como meio de a


causa, quando esta decide recorrer aos Administração constituir genuínas relaͲ
serviços dos operadores privados. TamͲ ções de emprego público. Agora, eleger
bémé,julgamos,aigualdadedeacessoe este interesse como fundamento constiͲ
no acesso que é atingida. E noteͲse que tucionalmente legítimo para inibir a
liberdadedecontratação,aliberdadede
ž‰‹ƒ

não está aqui apenas em causa a igualͲ


dadedeacessoenoacessoàcelebração opção quanto ao modo de exercício de


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actividade,inerenteàliberdadedeexerͲ de serviços ou o seu exercício ao cumͲ


cíciodeprofissão,aliberdadedeacesso primento de alguns requisitos não disͲ
e no acesso ao mercado ou a certo segͲ criminatórios aí expressamente enumeͲ
mento de mercado, – o da contratação rados. Um deles tem, justamente, a ver
públicadeserviçosͲ,aliberdadedeconͲ comaobrigaçãodeoprestadorseconsͲ
corrência e de empresa, exigindo o resͲ tituir de acordo com uma forma jurídica
pectivo exercício a garantia estrutural específica.
postulada pelo princípio da igualdade, Por isso, não é de estranhar que a
vai um grande passo ao nível jurídicoͲ ComissãoEuropeiatenhadecididoenviar
constitucional. E com uma agravante: é aPortugalumpedidoformalemrelação
que com tal medida é a incúria do EstaͲ à legislação portuguesa aplicável à celeͲ
doͲLegislador e do EstadoͲAdministraͲ bração de certos contratos públicos de
ção, revelada ao longo de anos, que se serviços,aqual,naopiniãodaComissão,
pretende“sarar”.E,noestádioconstituͲ viola as Directivas Contratos Públicos,
cionalactual,nãocremosqueoremédio precisamente com fundamento no facto
contratalaincúriapossaseraliberdade de a legislação em questão favorecer as
docidadão. pessoascolectivasemrelaçãoàspessoas
MasnãoéapenasnodomíniodoDireito singulares na adjudicação de contratos
Constitucional que a medida legislativa públicos de serviços para determinadas
merecereparos.TambémàluzdoDireiͲ tarefasespecíficas(tarefa)eparaapresͲ
to Comunitário não pode deixar de tação continuada de serviços por profisͲ
merecersériasreservas. sionais liberais (avença), assumindo, tal
Edeixando,poragora,departeafilosoͲ injunção, a forma de «parecer fundaͲ
fiaestruturanteque,nestedomínio,preͲ mentado», que constitui a segunda
side ao Código dos Contratos Públicos, fase do processo por infracção nos terͲ
vamosapenasfazerumabrevemençãoà mos do artigo 226.º do Tratado CE.
Directiva 2006/123/CE, de 12Ͳ12Ͳ06, Adiantando que, caso não receba uma
relativaaosserviçosnomercadointerno. resposta satisfatória no prazo de dois
meses,aComissãopoderecorreraoTriͲ
DispõeaDirectiva,noseuartigo15º,nº
bunal de Justiça das Comunidades EuroͲ
ʹͳLicínioLopes

2,queosEstadosͲMembrosdevemveriͲ
peias.ˆ
ficar se os respectivos sistemas jurídicos
condicionam o acesso a uma actividade 



ž‰‹ƒ


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ʹʹActualidade
ž‰‹ƒ


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Umcasoexemplardedegradaçãodaautonomiamunicipal

PedroGonçalves
ProfessordaFaculdadedeDireitodeCoimbra


Em algumas das opções fundamentais O conselho é um órgão de instituição
que acolhe, a Lei n.º 8/2009, de 18 de obrigatória,devendoasuacriaçãoocorͲ
Fevereiro, sobre o regime jurídico dos rer,sobaégidedaassembleiamunicipal,
conselhos municipais de juventude, susͲ no prazo máximo de seis meses: estraͲ
citaͲme dúvidas de vária ordem: neste nhamente, a Lei não diz quando é que
escrito, pretendo partilhar algumas esseprazocomeçaacorrer!
delas, colocandoͲas num espaço de A nova figura surge como órgão do
debatepúblico. município, mas, evidentemente, não é
NostermosdaLei,oconselhomunicipal um“órgãorepresentativodomunicípio”:
dejuventude(doravante,conselho)“éo muitos dos seus membros não são eleiͲ
órgão consultivo do município sobre tos pela população do município, mas
matérias relacionadas com a política da designados por associações de direito
juventude”;trataͲse,pois,deum“órgão privado.
(consultivo)domunicípio”,deumafigura O conselho prossegue os seus fins no
organizativa integrada naquela pessoa âmbitodaspolíticasmunicipaisdejuvenͲ
colectivaou,noutraformulação,deuma tude,assegurandoasuaarticulaçãocom
unidadedeactuaçãodomunicípioͲnesͲ outras políticas sectoriais, na contribuiͲ
te ponto, a Lei afastouͲse dos modelos ção para o aprofundamento do conheͲ
ʹ͵PedroGonçalves

adoptados em casos próximos, como cimento dos indicadores económicos,


sucede com o conselho municipal de sociais e culturais relativos à juventude,
educação, qualificado como “instância” na divulgação de trabalhos e na promoͲ
queactua“anívelmunicipal”,oucomo ção de iniciativas de interesse para a
conselho municipal de segurança, legalͲ juventude,noincentivoeapoioàactiviͲ
mente designado “entidade de âmbito dade associativa juvenil. Exerce compeͲ
ž‰‹ƒ

municipal”. tências consultivas (emissão de pareceͲ


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res obrigatórios), competências de juventude partidária com representação


acompanhamento dos órgãos do muniͲ nos órgãos do município ou na AssemͲ
cípio e competências eleitorais (eleição bleiadaRepública;vi)umrepresentante
do representante do município nos conͲ decadaassociaçãojuvenil(ouequiparaͲ
selhosregionaisdejuventude). da) de âmbito nacional, nos termos da
Comacriaçãodoconselho,aLeiinstituͲ Leinº.23/2006,de23deJunho.
cionalizou, dentro do município, um Alémdosrepresentantesdeassociações
órgãocomfunçãoexclusivaderepresenͲ dejuventude,acomposiçãodoconselho
taçãodeinteressesdajuventude;enxerͲ inclui ainda o representante do municíͲ
tounumaentidadedefinsmúltiplosede pio no conselho regional de juventude,
prossecuçãodosinteressesindistintosda bem como membros de outros órgãos
população uma estrutura que se ocupa municipais, a saber: i) o presidente da
de interesses parciais, dominada por câmara municipal, que preside; ii) um
representantesassociativos;esta,quejá membro da assembleia municipal de
não se revela em si mesma uma boa cada partido ou grupo de cidadãos
solução, franqueia as portas à adopção representadosnesseórgão.
de soluções desastrosas. Como sucede A composição do conselho revelaͲnos,
comestaLei. portanto, um órgão de carácter híbrido:
NãoseapresentandocomoórgãorepreͲ ao juntar representantes de associações
sentativodomunicípio,oconselhoéum de juventude e membros de outros
“órgão de representação”, em concreto, órgãos municipais, o conselho adquire,
de representação de associações de como órgão do município, uma fisionoͲ
juventudeͲintegra,alémdomais,i)um mia atípica, parecendo, em rigor, confiͲ
representantedecadaassociaçãojuvenil gurarͲse como instância exterior ao
comsedenomunicípioinscritanoRegisͲ município, formada por representantes
to Nacional de Associações Juvenis municipais e por representantes das
(RNAJ); ii) um representante de cada associações juvenis. De resto, em vários
associaçãodeestudantesdoensinobásiͲ pontos, a Lei deixa claro que não assuͲ
coesecundáriocomosedenomunicípio miunasuainteirezaaopçãodeinternaͲ
inscritanaRNAJ;iii)umrepresentantede lização: vejamͲse por exemplo, e de forͲ
ʹͶActualidade

cadaassociaçãodeestudantesdoensino ma sintomática, as referências à realizaͲ


superiorcomosedenomunicípioinscrita ção dos fins do conselho em “colaboraͲ
na RNAJ; iv) em certas condições, um ção com os órgãos do município”, à
representante de cada federação de representação deste “junto dos órgãos
estudantes inscrita na RNAJ; v) um autárquicos”ouàssuascompetênciasde
ž‰‹ƒ

representante de cada organização de acompanhamento da actuação dos


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“órgãos do município”. Em todos estes membros dos outros órgãos do municíͲ
casos, parece pressuporͲse que os pio, incluindo o presidente da câmara
“órgãos do município” não são os municipal, os quais se encontram impeͲ
“outros”órgãosdomunicípio,masantes didos Ͳ vejaͲse bem! Ͳ de participar nas
osórgãosdeumaentidadeestranha. “votaçõesdetodasasmatérias”submeͲ
Retomando a composição do conselho, tidasàapreciaçãodoconselho,incluindo
uma consequência lógica da opção de o a votação na eleição de representantes
internalizar passaria por desenháͲlo do próprio município. Não imaginaríaͲ
como órgão apenas representativo das mossoluçãomaisbizarradoqueesta,de
associações de juventude. Embora não fazerdopresidentedacâmaramunicipal
deixasse obviamente de surgir como e de membros da assembleia municipal,
uma má solução, apresentaria a vantaͲ respectivamente, presidente e membros
gemdaclarezaedeumacertacoerência, donovoórgãodomunicípio,massemo
ao colocar a composição do novo órgão direitodevotoeexclusivamentecomos
emharmoniacomasuafunção. direitosdeintervirnasreuniões,deproͲ
por a adopção de recomendações e de
Contudo,aindaquedeformaanómala,e
solicitaroacessoainformaçãojuntodos
mesmo paradoxal, a Lei talvez tenha
outrosórgãosmunicipais.
adoptado o referido modelo de compoͲ
siçãohíbridacomoobjectivopoucohonͲ Um regime com esses contornos não
roso de credibilizar a própria operação serve, decerto, o interesse da democraͲ
jurídica de internalização Ͳ procurando cia participativa, nem, aliás, nenhum
contornar as eventuais dificuldades outro interesse legítimo; constitui, na
suplementares que decorreriam do verdade, uma paródia, inspirada numa
cenário de adopção do modelo de instiͲ desordemdevalores,que,afinal,corrói
tuição, dentro do município, de um osfundamentoseosentidodademocraͲ
órgão representativo de interesses parͲ ciaadministrativa.
ciaisecomdesignaçãototalmenteprivaͲ MasaausênciatotaldebomsensoreveͲ
da. louͲsenoutrosplanos,percorrendoaLei
ʹͷPedroGonçalves

O resultado da solução legal adoptada, umaviadeclaroafrontamentoemesmo


menos audaz, saldouͲse na aberração aviltamento da autonomia municipal.
que consiste em se distinguirem duas RefiroͲme agora à atribuição ao municíͲ
categorias de membros do conselho: os pio (de novo, como se este fosse uma
“membros de primeira”, que são os entidade estranha) de pesadas responͲ
representantes das organizações jovens, sabilidadesnodomíniodoapoiologístico
titularesdetodososdireitosorgânicos,e aoconselho.Assim,nostermosdaLei,o
ž‰‹ƒ

os“membrosdesegunda”,querdizer,os município deve disponibilizar ao conseͲ


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lho: a) apoio logístico e administrativo queseconcretizanumaautonomiadeciͲ


aoseventosorganizadossobasuainiciaͲ sória dos órgãos representativos do
tiva, “nomeadamente” a realização de município. Autonomia decisória que é
encontros de jovens, seminários, colóͲ pura e simplesmente abolida em tudo o
quioseconferências;b)instalaçõesconͲ queserelacionecomoapoio,ounão,de
dignas não só para o conselho, como acções concretas e específicas das orgaͲ
também para os serviços de apoio; c) nizaçõesprivadasdejuventudeoucoma
acesso ao boletim municipal; d) uma definiçãodotipodeacçõesaapoiar:nos
páginanoseusítionaInternet. dois planos a decisão pública foi colocaͲ
OmunicípioficaassimresponsávelͲaLei da fora do círculo democrático municiͲ
refereͲse inúmeras vezes ao “dever” do pal.
município Ͳ por suportar a logística do E,comoéclaro,o“truque”deinternaliͲ
conselho, assim como por apoiar e zaroconselho,instituindoͲocomoórgão
suportar, nos planos administrativo e do município, não engana ninguém. De
logístico(sejaláoqueistofor),os“evenͲ facto,asoluçãonãomascaraaverdadeiͲ
tos” que, de acordo com os altos critéͲ ra natureza do conselho municipal de
rios dos seus membros, o conselho juventude: trataͲse de uma espécie de
entendadeverpromover. federação de organizações juvenis, à
O novo regime legal apresentaͲse grosͲ qualaLeiconferiuàforçaaqualidadede
seiramente desrazoável e não se conͲ órgãodomunicípio,comofito,alémdo
forma com as exigências de constitucioͲ mais,deapôraviveràcustadaentidade
nalidade, quando confrontado com o públicaemquefoienxertada.ˆ
princípio da autonomia local Ͳ princípio

ʹ͸Actualidade
ž‰‹ƒ


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Restriçõesàparticipaçãoemprocedimentosdecontrataçãopública


RodrigoEstevesdeOliveira
AssistentedaFaculdadedeDireitodeCoimbra


1. Em sectores dominados pelo paradigͲ procedimentos desses pode suscitar, e
ma da concorrência e que têm no merͲ suscita, problemas complexos (indício
cadooseusuporte,comosucedecomo disso mesmo é o Considerando 4 da
da contratação pública, a restrição ou Directiva2004/18/CE).
limitação do acesso das empresas aos Além de outros, um dos motivos princiͲ
procedimentos de adjudicação é, quase paisdadiscussãocentraͲsenaexistência
por natureza, diríamos, uma questão de relações e participações societárias
delicada. Se mais não fosse, porque o entreasempresas,quepodemirdesdea
princípiodaconcorrêncianãoédesentiͲ hipóteseda“simplesparticipação”(igual
do único, apontando, a um tempo, para ou superior a 10%) até à da “relação de
amaiorconcorrênciapossívele,a outro grupo” (“grupo constituído por domínio
tempo,paraumaconcorrênciaefectivae total”, “contrato de grupo paritário” e
sã.Ali,oprincípiopodeserumobstáculo “contrato de subordinação”), passando
àinstituiçãodebarreirasdeacesso,aqui, pelas “relações de participação recíproͲ
podeseroseufundamento. ca”epelas“relaçõesdedomínio”(ver,a
ʹ͹RodrigoEstevesdeOliveira
EnoteͲsequeoproblemadasrestrições esterespeito,osartigos481ºeseguintes
à participação em procedimentos de do Código das Sociedades Comerciais),
contratação pública não é juridicamente questionandoͲse se, em tais casos, que
delicado apenas quando estejam em são muito diversos, deve admitirͲse ou
causa empresas privadas (de privados, proibirͲse a participação separada de
entendaͲse), mas também entidades “sociedades coligadas” no mesmo proͲ
públicas (em formato público ou em cedimentoadjudicatório.
formato de direito privado, designadaͲ A questão, em abstracto, coloca, pelo
ž‰‹ƒ

mente, societário), cuja participação, menos,quatroproblemas:i)oprimeiroé


como concorrentes ou candidatos, em o de saber se as causas de exclusão


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enunciadas nas directivas comunitárias mesmo procedimento adjudicatório, e


emmatériadecontrataçãopública,mais quaisosprincípiosaqueelasestãoespeͲ
concretamente,noartigo45ºdaDirectiͲ cialmentesujeitas;iv)oquartoproblema
va 2004/18 (a questão é ligeiramente (de que, porém, não se cuidará aqui)
diferente no âmbito da Directiva consiste em saber de que depende a
2004/17/CE, como pode verͲse pelo seu vigência ou operatividade dessas causas
artigo54º),sãotaxativas,édizer,sesão de exclusão, ou seja, se tais causas de
apenas as hipóteses aí previstas que exclusão têm de estar previstas em lei
podemfundarumadecisãodeexclusão, interna, se podem apenas constar do
não se admitindo que os ordenamentos programa do procedimento, ou se, pelo
nacionais estabeleçam outras causas de contrário, pode a entidade adjudicante
exclusãoatinentesàsituaçãopessoaldo ou o júri fundar a sua decisão directaͲ
concorrente ou candidato. Se forem mente nos princípios comunitários da
taxativas, então, não se prevendo nelas contrataçãopública.
estaespecíficacausadeexclusão,nãose
admitiria a proibição, pelos sistemas 2. Estas questões (com excepção da
última) irão ser em breve tratadas pelo
jurídicosinternos,daparticipaçãosimulͲ
Tribunal de Justiça no processo Assitur,
tâneadasempresascoligadasnomesmo
sendo propósito único deste pequeno
procedimento adjudicatório; ii) o segunͲ
texto dar uma imagem das tendências
dorelacionaͲsecomanaturezavinculatiͲ
quesedesenhamnoplanocomunitário,
vaouimperativadascausasdeexclusão
aproveitando, aqui e ali, para fazer uma
previstasnasdirectivascomunitárias,ou
referência às soluções consagradas no
seja, se elas têm de ser inscritas em
normanacional(ouse,nãosendo,valem Código dos Contratos Públicos (CCP). É
à sua revelia, na medida em que dispoͲ verdade,convémdizêͲlojá,queaorefeͲ
nhamdeefeitodirecto)ouse,peloconͲ ridocasoAssiturnãoseaplicaaDirectiva
trário, está na disponibilidade dos EstaͲ 2004/18, mas a anterior Directiva
dosͲMembros incluíͲlas nos respectivos 92/50/CEE(sobreprocessosdeadjudicaͲ
sistemasjurídicosinternos;iii)oterceiro çãodecontratosdeserviços),nãotendo
problema, que só aparece em caso de porém as questões controvertidas, em
ʹͺActualidade

respostanegativaàprimeiraquestão,éo nossaopinião,tratamentosensivelmente
de saber de que espécie podem ser as diferentenumenoutrodessesdiplomas,
outras causas de exclusão, designadaͲ pelo que a decisão que vier do Tribunal
deJustiçacontribuirácertamenteparaa
mente,sepodemabrangerahipóteseda
formação do acquis comunitário aplicáͲ
participaçãoseparadadeempresasentre
ž‰‹ƒ

asquaisexistaumarelaçãodegrupono velaosactuaisprocedimentosdecontraͲ
taçãopública.


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O caso Assitur descreveͲse em breves que se encontrem, entre si, em relação
palavras. Em 2003, a Camera di ComͲ de domínio (tal como definido no artigo
mercio, Industria, Artigianato e AgricolͲ 2359ºdoCódigoCivilitaliano).
turadiMilanabriuum concursopúblico
paraaadjudicação,combasenocritério 3.OAdvogadoGeralnoprocessoAssitur
do preço mais baixo, de um contrato (JánMazák),nassuasconclusões,jádesͲ
para a prestação de serviços postais, a creveu em termos essenciais o probleͲ
que se apresentaram três empresas: a ma.
SDA Spa, a Poste Italiane Spa e Assitur Assim, relativamente à questão da taxaͲ
Srl.TendoͲseverificadoqueatotalidade tividadeounãodascausasdeexclusão,o
dasacçõesdaSDAeradetidapelaAttiviͲ TribunaldeJustiça,noacórdãoLaCasciͲ
tàMobiliariSpA,aqual,porsuavez,era na(de9.2.2006,processoCͲ226/04eCͲ
inteiramente participada pela Poste ItaͲ 228/04),jáhaviaconsiderado,éverdade,
liane,aAssiturrequereu,nostermosdas queoartigo29°daDirectiva92/50obsͲ
normas do concurso que proibiam que tava a que os EstadosͲMembros previsͲ
empresas em relações de grupo particiͲ sem causas de exclusão diferentes das
passem (separadamente) como concorͲ nele previstas (ver nº 22 do acórdão),
rentes, a exclusão da SDA e da Poste mas, como bem observou o Advogado
Italiane, com fundamento nas referidas Geral, deve entenderͲse — até porque
ligações societárias. O requerimento eraissoqueestavaemcausanesseproͲ
acabou,noentanto,porserindeferidoe cesso(vernº21)—quetallimitaçãosó
ocontratofoiadjudicadoàSDA,pergunͲ valeriaparaascausasimpeditivasquese
tandoagoraostribunaisitalianosaoTriͲ reportam à honestidade profissional, à
bunal de Justiça, em sede de reenvio solvabilidadeouàfiabilidadedosconcorͲ
prejudicial, se o artigo 29º da antiga rentesecandidatos.Nestamatéria,porͲ
Directiva 92/50/CE (sobre processos de tanto,massónela,haveriaumaregrade ʹͻRodrigoEstevesdeOliveira
adjudicaçãodecontratosdeserviços)— taxatividade ou exaustividade comunitáͲ
que corresponde ao artigo 45º/2 da ria, não podendo os sistemas jurídicos
Directiva 2004/18/CE — enuncia de forͲ internos estabelecer, com base nessas
ma taxativa as causas de exclusão da razões,outrascausasdeexclusão.
participação nos concursos, se há nessa Éessa,aliás,ajurisprudênciaqueparece
matéria um “numerus clausus”, e, conͲ também retirarͲse do recente acórdão
sequentemente,seodireitocomunitário Michaniki (de 16.12.2008, processo CͲ
obsta a que haja legislação interna que 213/07), a propósito do artigo 24° da
proíba a participação simultânea num antiga Directiva 93/37/CEE (sobre proͲ
ž‰‹ƒ

procedimentoadjudicatóriodeempresas cessosdeadjudicaçãodeempreitadasde


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obras públicas) — em que estava em emalgumasdassituaçõesenunciadasno


causa a conformidade jurídicoͲ nº2doartigo45ºdaDirectiva2004/18.
comunitária de uma norma constitucioͲ Como se disse no acórdão La Cascina,
nal do Estado grego que instituía uma mesmo se a propósito do artigo 29° da
incompatibilidade geral entre o sector Directiva 92/50, “não [se] prevê na
das obras públicas e o sector dos meios matéria uma aplicação uniforme das
decomunicaçãosocialedaqualresultaͲ causasdeexclusãoneleindicadasanível
va uma proibição de participação nos comunitário,namedidaemqueosEstaͲ
procedimento de empreitadas a empreͲ dosͲMembros têm a faculdade de não
sasempreiteirascomrelaçõessocietárias aplicardenenhummodoessascausasde
comosectordosmeiosdecomunicação exclusão,optandopelaparticipaçãomais
social —, no qual o Tribunal de Justiça ampla possível nos processos de adjudiͲ
decidiu que a referida norma do artigo cação de contratos públicos, ou de as
24ºdadirectivadeveserinterpretadano integrar na regulamentação nacional
sentido “de que enumera de forma comumgrauderigorquepoderávariar
exaustivaascausasdeexclusãobaseadas consoanteoscasos,emfunçãodeconsiͲ
em considerações objectivas sobre a derações de ordem jurídica, económica
qualidade profissional susceptíveis de ou social que prevaleçam a nível nacioͲ
justificaraexclusão”deumconcorrente nal. Neste contexto, os EstaͲ
ou candidato, só essas, portanto, não dosͲMembros têm o poder de moderar
outrascomdiferentefundamento. ou de tornar mais flexíveis os critérios
estabelecidosnoartigo29°dadirectiva”.
4.NoteͲse—eentramosaquinasegunͲ
Acontece é que, repeteͲse, em matéria
da questão — que os EstadosͲMembros
não estão obrigados a transpor para a de honestidade profissional, solvabilidaͲ
respectiva ordem jurídica as causas de de e fiabilidade dos concorrentes e canͲ
didatos, os sistemas jurídicos internos
exclusão enunciadas no artigo 45º da
nãopodemcriaroutrascausasdeexcluͲ
Directiva 2004/18, com excepção das
são,diferentesdasenunciadasnasdirecͲ
previstas no nº 1 desse preceito, que
tivas.
essas têm natureza vinculativa ou impeͲ
͵ͲActualidade

rativa.OnossolegisladorentendeufazêͲ 5.Masseéassim—edestaformacheͲ
lo, no artigo 55º do CCP, mas podia ter gamosaoterceiroproblema—,issosigͲ
optado por solução diferente, como nificaquepodemexistiroutrascausasde
podetambémumaleiavulsaviradispor exclusão estabelecidas pelos sistemas
em sentido diverso, admitindo (ou não
jurídicos internos. Ponto é que tenham
ž‰‹ƒ

proibindo) a participação de empresas


um fundamento ou natureza diferente,


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ouseja,nãodigamrespeitoàhonestidaͲ rentes devem estar numa posição de


de profissional, à solvabilidade e à fiabiͲ igualdade tanto no momento em que
lidadedasempresas. preparam as suas propostas como no
A que podem então ir votadas essas momento em que estas são avaliadas
outras causas de exclusão? O acórdão pela entidade adjudicante. Um EstaͲ
Michaniki, depois de considerar que as doͲMembro pode, pois, prever medidas
directivas não impedem que um EstaͲ deexclusãocomofimdegarantiroresͲ
doͲMembro “preveja outras medidas de peito pelos princípios da igualdade de
exclusão” dos concorrentes ou candidaͲ tratamento de todos os concorrentes e
tos, já adiantou alguma coisa sobre o da transparência nos processos de adjuͲ
assunto, afirmando que isso será legítiͲ dicaçãodecontratospúblicos,paraalém
moquandotenhamemvista“garantiro das(...)causasdeexclusãobaseadasem
respeito dos princípios da igualdade de considerações objectivas sobre a qualiͲ
tratamentodosconcorrentesedatransͲ dade profissional”, taxativamente enuͲ
parência, desde que essas medidas não meradas nas directivas comunitárias. E
vão além do que for necessário para como “são os EstadosͲMembros que
alcançaresseobjectivo”. estãonamelhorposiçãoparaidentificar,
àluzdeconsideraçõesdeordemhistóriͲ
E é isso que vem também sustentar o
ca, económica ou social, que lhes são
Advogado Geral no processo Assitur,
próprias, situações susceptíveis de conͲ
afirmando, nas suas conclusões, que a
duziraviolaçõesdosprincípiosdaigualͲ
enumeração taxativa das causas de
exclusão relativas à honestidade profisͲ dade de tratamento dos concorrentes e
da transparência nos processos de adjuͲ
sional, à solvabilidade e à fiabilidade
dicaçãodecontratospúblicos,(…)háque
“não afasta a possibilidade de os EstaͲ
reconhecerͲlhes uma certa margem de
dosͲMembros manterem ou aprovarem
outras normas destinadas a garantir (...) apreciação para efeitos da adopção de ͵ͳRodrigoEstevesdeOliveira
o respeito do princípio da igualdade de medidasdestinadasagarantirorespeito
tratamento e do concomitante princípio desses princípios. No entanto, em conͲ
da transparência. Esses princípios, que formidadecomoprincípiodaproporcioͲ
nalidade, que é um princípio geral do
correspondem à própria essência das
directivas relativas aos processos de direito comunitário, essas medidas não

adjudicação de contratos públicos, devemiralémdoqueénecessáriopara


alcançaresseobjectivo”.
devem ser respeitados pelas entidades
adjudicantesemtodososprocessospara DigaͲse,aliás,queistomesmojásehavia
a adjudicação de contratos deste tipo e admitido noutros casos, designadamenͲ
ž‰‹ƒ

significam, em especial, que os concorͲ te,quandoumaempresatenhaprestado


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assessoria ou apoio técnico à entidade exclusão “não se reporta à honestidade
adjudicante na preparação e elaboração profissional, à solvabilidade ou à fiabiliͲ
daspeçasdoprocedimento.Nãosetrata dade dos candidatos”, “não versa sobre
aídeumacausadeexclusãoprevistanas ocomportamentodoscandidatos,antes
directivas comunitárias, mas o Tribunal procura prevenir situações em que a
deJustiçaaceitouqueessahipóteseposͲ própria relação entre determinadas
sa constituir, em certos termos, motivo sociedades que participam num concurͲ
para o afastamento da empresa concorͲ sotendeafalsearesseprocesso”,tendo
rente (ver, por exemplo, acórdão FabriͲ porissoemvista“garantiraigualdadede
com, de 3.3.2005) — mesmo que, noteͲ tratamentodetodososconcorrentesea
se,nãotenhasidoprevistanaspeçasdo transparênciadosprocessosdeadjudicaͲ
procedimento —, solução que o nosso çãodoscontratospúblicos”,sustentando
legislador veio consagrar na alínea j) do porissoque“odireitocomunitáriodeve
artigo 55º do CCP, em termos porém ser interpretado no sentido de que, em
cujaplenacompatibilidadecomodireito princípio,nãoobstaàadopçãodemediͲ
comunitárionossuscitadúvidas. dasnacionaisdessetipo”.
 RefiraͲseque,aocontrário,porexemplo,
6.RelativamenteàhipótesedaparticipaͲ do Código dos Contratos Públicos italiaͲ
çãosimultâneanumprocedimentoadjuͲ no — aprovado pelo Decreto legislativo
dicatório de empresas que se enconͲ nº163/06,de12deAbrilde2006(CodiͲ
trem, entre si, em relação de domínio, ce dei contratti pubblici relativi a lavori,
sobrequetrataoprocessoAssitur,oque servizi e forniture in attuazione delle
estará em causa, segundo o Advogado direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE), em
Geral, é o facto de “o jogo da livre conͲ cujoartigo34°,últimoparágrafo,sepreͲ
corrência e a rivalidade ficarem irremeͲ vêque“nãopodemparticiparnomesmo
diavelmente prejudicados com a admisͲ concurso concorrentes que se enconͲ
são de propostas que, apesar de proviͲ trem entre si numa das situações de
remformalmentededuasoumaissocieͲ domínio previstas no artigo 2359° do
dades legalmente distintas, possam ser Código Civil”, dispondoͲse ainda que
imputadasaumúnicocentrodeinteresͲ devemserexcluídosdoconcursoosconͲ
͵ʹActualidade

ses”.Ouseja,as“sociedadesdominadas correntesrelativamente aos quais verifiͲ


não são consideradas terceiros relativaͲ quem, “com base em elementos inequíͲ
menteàssociedadesdominantese,porͲ vocos, que as respectivas propostas são
tanto, não têm legitimidade para apreͲ imputáveis a um único centro de deciͲ
sentaroutrapropostanomesmoconcurͲ são”—,oCCPnãopreviuexpressamente
ž‰‹ƒ

so”. Ora, diz, essa eventual causa de esta hipótese, embora não tenha deixaͲ


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dodedispor,norespectivoartigo54º/2, tes e à transparência dos processos de


que “os membros de um agrupamento adjudicaçãodoscontratospúblicos”.
candidato ou de um agrupamento conͲ
corrente não podem ser candidatos ou 7. É esta portanto a proposta que o
concorrentes no mesmo procedimento, Advogado Geral sujeita à apreciação do
(…) nem integrar outro agrupamento Tribunal de Justiça: por um lado, as
candidato ou outro agrupamento conͲ directivas comunitárias sobre contrataͲ
corrente”. ção pública devem ser interpretadas no
“sentido de que enumeram, de forma
NoteͲse porém que a circunstância de,
exaustiva, as causas de exclusão baseaͲ
segundo o Advogado Geral, o direito
dasemconsideraçõesobjectivassobrea
comunitárionãoimpedir,emprincípio,a
qualidade profissional susceptíveis de
adopçãodemedidastendentesàproibiͲ
justificaraexclusãodeum[concorrente]
ção da participação simultânea num
daparticipaçãonumprocessodeadjudiͲ
mesmo procedimento adjudicatório de
caçãodeumcontratopúblico”,masnão
empresas que se encontrem em relação
obstam a que um EstadoͲMembro “preͲ
de domínio ou grupo não significa a sua
veja outras medidas de exclusão com o
aceitaçãosemmais,poisamedidainstiͲ
fim de garantir o respeito dos princípios
tuídaháͲdesercompatívelcomoprincíͲ
da igualdade de tratamento dos concorͲ
piodaproporcionalidade.
rentes e da transparência, desde que
Ora,nocasoAssitur,anormadedireito
essas medidas não vão além do que é
italianoemapreçodeterminaaexclusão
necessárioparaalcançaresseobjectivo”;
automáticadassociedades,baseandoͲse e,poroutrolado,queo“direitocomuniͲ
na“presunçãojurisetdejuredacognosͲ táriodeveserinterpretadonosentidode
cibilidade da proposta da sociedade
que se opõe a uma disposição nacional,
dominada por parte da sociedade domiͲ
que,emboraprosseguindoos objectivos
nante”, insusceptível portanto de ser
͵͵RodrigoEstevesdeOliveira
legítimos de igualdade de tratamento
“refutadacomaprovadequeasociedaͲ
dosconcorrentesedetransparêncianos
de dominada formulou a sua proposta
processos de adjudicação de contratos
com total autonomia”, facto que leva o
públicos, implica a exclusão automática
Advogado Geral a considerar a norma
do concurso no tocante a concorrentes
como “desproporcionada, uma vez que entre os quais exista uma relação de
não permite que os concorrentes posͲ domínio,comodefinidapelaregulamenͲ
samprovarqueassuaspropostasforam, taçãonacional,semquelhessejadadaa
defacto,elaboradasdetalmodoque,na
oportunidade de provarem que, nas cirͲ
verdade,nãoconstituemumobstáculoà
ž‰‹ƒ

cunstâncias do caso concreto, essa relaͲ


igualdadedetratamentodosconcorrenͲ
ção não levou à violação dos princípios


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da igualdade de tratamento dos concorͲ regras da concorrência. Para não dizer
rentesedatransparência”. tambémque,aocontráriodoquesucede
Aquestão,comosevê,émuitodelicada noutros casos (vg, no regime do preço
e o caso particular não deixa sequer anormalmente baixo ou no caso do
antever toda a complexidade do probleͲ acórdão Fabricom), a admissibilidade da
ma, que, de resto, se mantém mesmo provaemcontrário,propostapeloAdvoͲ
que o Tribunal de Justiça venha a consiͲ gado Geral, em hipóteses como a do
derar contrária ao direito comunitário processo Assitur pode não resolvermuiͲ
uma norma que proíba a participação to, pois, dependendo da leitura que se
simultânea de sociedades com relação faça,ousetratarádeuma“provadiabóͲ
dedomíniooudegrupo.Bastaimaginar, lica”ouserátendencialmenteumaprova
por exemplo, a qualificação, em concurͲ bastante simples, insusceptível de ser
solimitadocomsistemadeselecção(do refutadapelaentidadeadjudicante.
artigo181ºdoCCP),deduassociedades Como quer que seja, o propósito deste
entre as quais exista uma relação de pequenotexto,queeradarumaimagem
domínio ou de grupo ou a selecção de dastendênciasquesedesenhamnoplaͲ
duas sociedades dessas para a fase de no comunitário, esgotaͲse aqui. A palaͲ
negociações (em separado) de um proͲ vra pertence agora ao Tribunal de JustiͲ
cedimentoadjudicatório,quesenosafiͲ ça.ˆ
guram casos de desvirtuamento das
͵ͶActualidade
ž‰‹ƒ


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D O U T R I N A 

ContrataçãoPúblicaaduasvelocidades:atransposiçãodaDirectiva2007/66/CE

AdolfoMesquitaNunes
Advogado


1.Enquadramento tiva 2007/66/CE introduziu no ordenaͲ


A aproximação da data limite de transͲ mento comunitário um conjunto de
posiçãodaDirectiva2007/66/CEdoParͲ mecanismos de desaceleração procediͲ
lamento Europeu e do Conselho, de 11 mental e de reforma contenciosa que
deDezembrode20071,ofereceumexceͲ importadestacar.
lente pretexto para actualizar reflexões EsperarͲseͲia de uma Directiva que se
acerca da urgência no contencioso préͲ propôs garantir a aplicação efectiva das
contratual, uma vez esta Directiva diz disposições das Directivas ProcedimenͲ
precisamente respeito à melhoria da tais, impondo aos EstadosͲMembros a
eficácia dos recursos em matéria de obrigação de estabelecer processos de
adjudicaçãodecontratospúblicos recurso rápidos e eficazes em caso de
Reagindo às pressões rítmicas impostas violação das referidas Directivas, que a
͵ͷAdolfoMesquitaNunes
pela aceleração dos procedimentos de mesmatrabalhassecomarealidadeproͲ
contratação pública prevista nas DirectiͲ cedimentalquenelasfoiconsagradaese
vas 2004/18/CE e 2004/17/CE do ParlaͲ dedicasseadesenvolverumconjuntode
mentoEuropeuedoConselho2,aDirecͲ mecanismos contenciosos adequados a


1
DirectivaquealteraasDirectivas89/665/CEEe 
92/13/CEEdoConselho,emconjuntoaquireferiͲ e dos contratos públicos de serviços e procediͲ
dascomo“DirectivasrelativasaosmeioscontenͲ mentosdeadjudicaçãodecontratosnossectores
ciosos”. excluídosdaágua,daenergia,dostransportese
2
ž‰‹ƒ

RelativasàcoordenaçãodosprocessosdeadjuͲ dosserviçospostais,respectivamente.AquirefeͲ
dicação dos contratos de empreitada de obras ridas, em conjunto, como “Directivas ProcediͲ
públicas,doscontratospúblicosdefornecimento mentais”.
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fazer vingar as opções das Directivas transpôs (“CCP”)3, tendo já sido objecto
Procedimentais. de análises várias, a verdade é que a
Não foi isso, no entanto, que sucedeu Directiva 2007/66/CE tem sido objecto
com a Directiva 2007/66/CE e, em conͲ demenoratenção.
sequência, com a actual redacção das Assim, atendendo a que data limite de
DirectivasrelativasaosmeioscontencioͲ transposição dessa Directiva é de 20 de
sos. Na verdade, como qualquer rápida Dezembro de 2009 e tendo em conta
leitura do documento permite apreenͲ queessatransposiçãoimplicaránecessaͲ
der, a Directiva estabelece um conjunto riamente a introdução de alterações no
demecanismosdedesaceleraçãoproceͲ CCP e no Código de Processo nos TribuͲ
dimentalquepoderiam,eemrigordeveͲ nais Administrativos (“CPTA”), impõeͲse
riam, estar previstos nas Directivas ProͲ umabreveanálisecríticasobreasprinciͲ
cedimentais. Pode mesmo dizerͲse que paisimplicaçõesdestaDirectivanoordeͲ
custa entender que, no curto espaço de namento jurídico nacional. É o que proͲ
três anos, o ordenamento comunitário curarei fazer neste artigo, começando
tenha visto nascer, neste âmbito, DirecͲ por contextualizar os principais probleͲ
tivascomsentidosrítmicosconflituantes. masaqueaDirectivavisoudarresposta.
Deumlado,asDirectivasProcedimentais
apostadas na criação de procedimentos 2. Os riscos da velocidade procedimenͲ
desentidoaberto,capazesdeconformar talnoâmbitodacontrataçãopública
técnicas de negociação e aceleração e AvelocidadedosprocedimentosdeconͲ
direccionados no sentido da eficácia, da tratação pública não configuraria qualͲ
velocidade e do ganho de tempo. Do quer problema para os particulares que
outro lado, as Directivas relativas aos neles participam se as especificidades
meioscontenciososapostadas,pelamão dessesprocedimentosnãoditassemuma
daDirectiva2007/66/CE,emcriarnãosó drástica redução das possibilidades de
mecanismos de urgência contenciosa tutela dos particulares a partir de um
como igualmente mecanismos de desaͲ determinadomomento.
celeração procedimental tendentes à De facto, a velocidade procedimental,
atempada reacção contenciosa às ilegaͲ enquanto resposta aos novos desafios
͵͸Doutrina

lidades ocorridas nos procedimentos de que os tempos modernos colocam em
contrataçãopública. termos de rapidez, não pode senão
E se o resultado nacional das Directivas beneficiarosparticularesqueparticipam
Procedimentais está à vista de todos no
Código dos Contratos Públicos que as 
ž‰‹ƒ

3
 Aprovado pelo DecretoͲLei n.º 18/2008, de 29
deJaneiro.
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nos procedimentos de contratação NãopodedizerͲsequeatuteladopartiͲ


pública. cular se torna impossível a partir desse
No entanto, no âmbito préͲcontratual, momento, mas a verdade é que os obsͲ
existe um momento a partir do qual é táculosquepodemsurgircomacelebraͲ
possível que a reacção contenciosa a çãodocontratosãoemnúmeroconsideͲ
qualquer acto procedimental possa perͲ rável e levantam constrangimentos releͲ
dergrandepartedasuautilidade. vantes.
Essemomentoé,nãosómastambémno Precisamente por isso é que, por verdaͲ
nosso ordenamento, o da celebração e deiradedicaçãoàurgênciadasuaactiviͲ
início de execução do contrato, por cirͲ dadeouporclaravontadedeescaparàs
cunstâncias várias que escapam à ecoͲ malhas contenciosas, as entidades adjuͲ
nomia deste artigo e que se relacionam dicantessempretenderamparacelebrar
com a especial dificuldade de obter a oscontratosdeformatãorápidaquanto
execução das sentenças que ditem a possível (“corridas à assinatura do conͲ
invalidadeconsequentedoscontratos4. trato”)5.

 E não se pense que a situação de facto


4
Emtodoocaso,direiqueabarreiraqueaceleͲ consumado provocada pela celebração
bração do contrato encerra no nosso ordenaͲ
mentosedeve,essencialmente,acircunstâncias
do contrato é de difícil ocorrência. No
alheiasaoquadrotemporalouformaldainstânͲ âmbitodostrabalhosdeconsultaoperaͲ
cia,antesencontrafundamentonoregimesubsͲ
dospelaComissãoparaaelaboraçãoda
tantivodeinvalidadeconsequentedoscontratos
na sequência da ilegalidade dos seus actos de Directiva 2007/66/CE, concluiuͲse que
formaçãoeaindanaformacomoacelebraçãodo
50% a 57% dos consultados já haviam
contrato é encarada em sede de execução de
sentenças e de decretamento de providências sido privados de tutela jurisdicional em
cautelares. Perante um regime substantivo, que virtudedacelebraçãodocontrato6.
adiante descreverei, em que a invalidade conseͲ
quente do contrato não é processualmente 
automática e em que existe um momento que cautelardointeressepúbliconamanutençãodo
medeiaaanulaçãodoactoeaspossíveisconseͲ contratoentretantocelebrado.
͵͹AdolfoMesquitaNunes
5
quências no contrato, as dificuldades que se  É esta a expressão utilizada na proposta de
levantam aos particulares no âmbito do contenͲ DirectivadoParlamentoedoConselhoapresenͲ
cioso préͲcontratual dizem respeito à forma tada pela Comissão, que altera as Directivas
como podem alcançar a execução de uma senͲ 89/665/CEEe92/13/CEEdoConselhonoquediz
tençadeinvalidadedocontrato,nãotendoconͲ respeitoàmelhoriadaeficáciadosprocessosde
seguido evitar a sua celebração. Assim, são três recursoemmatériadeadjudicaçãodecontratos
osprincipaisfactoresque,noactualquadrosubsͲ públicos e que redundou na Directiva
tantivo e processual, podem colocar em causa a 2007/66/CE.
6
tuteladosautoresprocessuais:i)ponderaçãodo  A esta situação deve somarͲse o facto de as
juizacercadainvalidadeconsequentedocontraͲ pretensões indemnizatórias, enquanto compenͲ
to, ii) mecanismos colocados à disposição das saçãodanãoexecuçãodaanulaçãodocontrato,
entidades adjudicantes para a manutenção da acabarem por não fornecer uma tutela adequaͲ
ž‰‹ƒ

coisacontratadabemcomoaimpossibilidadeou da. Em primeiro lugar porque, no caso dos conͲ
especiaisdificuldadesemanularoudeclararnulo correntes ao procedimento, o seu objectivo são
ocontratoe,finalmente,iii)aponderaçãodojuiz asvantagenseconómicasdaexecuçãodocontraͲ
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O TJCE inclusivamente já se pronunciou Estamosporissonumverdadeirojogodo


sobre esta matéria, no Acórdão Alcatel apanha,emqueasentidadesadjudicanͲ
Austria e o.7 e no Acórdão ComisͲ tes vão correndo à frente, desenvolvenͲ
são/Áustria8, considerando que a conͲ dotodososesforçosnosentidodeconͲ
comitância da decisão de adjudicação e tornar as tentativas contenciosas para
da celebração do contrato priva os inteͲ apanhar o ritmo dos procedimentos,
ressados de qualquer possibilidade de sendo certo que a reacção jurisdicional
recurso para obter a anulação de uma está sempre atrasada relativamente
decisão ilegal de adjudicação ou para àquela uma vez que opera tendencialͲ
preveniracelebraçãodocontrato,assim mentenumcenáriodefactoconsumado,
se frustrando as disposições do artigo em que o acto ilegal já produz os seus
2.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Directiva efeitos de forma unilateral e sem qualͲ
89/665/CEE. Já para não falar, também, quermediaçãojurisdicional.
da adjudicação ilegal de contratos por
ajustedirecto,excessivamentefrequente 
equeoTJCEqualificacomoamaisimporͲ
tanteviolaçãododireitocomunitárioem
matériadecontratospúblicos9.

Peranteestecenárioéfácilperceberque aceleração procedimental, sendo possível destaͲ
as tendências aceleratórias dos procediͲ caralgunsaspectosexemplificativos.Emprimeiro
lugar, as regras relativas à escolha do procediͲ
mentos de contratação pública anteciͲ mentoequeprocuram,comoanovacentralidaͲ
pam,emtermoscronológicos,omomenͲ de do ajuste directo o demonstra, prosseguir o
objectivopreambularmenteexpressode“pôrfim
to de celebração do contrato e que, em à actual banalização dos procedimentos de traͲ
consequência, antecipam o momento a mitação mais pesada e complexa (designadaͲ
menteoconcursopúblicoeoconcursolimitado)”.
partirdoqualareacçãocontenciosaconͲ Em segundo lugar, as regras relativas à tramitaͲ
tra às ilegalidades cometidas no proceͲ ção dos procedimentos, tendentes à supressão
ou mitigação de fases e formalidades supérfluas
dimentoperdepartedasuaforça10. (eliminaçãodoactopúblico,supressãodaavaliaͲ
 ção da capacidade financeira e técnica dos conͲ
to.Emsegundolugarporque,mesmoqueassim correntes no concurso público ou transferência
nãofosse,éseguramentedifícilfazeraprovada da fase de habilitação para depois da adjudicaͲ
extensãoeprofundidadedaslesões.Tantoassim ção). E por fim as regras de desmaterialização
é que, actualmente, não pode dizerͲse que a procedimental que favorecem, nos termos do
͵ͺDoutrina

tutela indemnizatória constitua um factor de preâmbulo, o “encurtamento dos prazos proceͲ
dissuasão das ilegalidades praticadas pela AdmiͲ dimentais,tantoreaisquantolegais”,atravésda
nistração. utilização de novas tecnologias, reflectidas na
7
Cfr.AcórdãoCͲ81/98,Colect.,p.IͲ7671. utilizaçãodeplataformaselectrónicas(asproposͲ
8
Cfr.AcórdãoCͲ212/02,Colect.,p.IͲ0000. taspassamaserentreguesporviaelectrónicae
9
AcórdãodoTJCE,de11deJaneirode2005,Stadt grande parte das notificações e intervenções
ž‰‹ƒ

Halle,ProcessoCͲ26/03,Col.2005,p.IͲ1. procedimentais passam a ter lugar nessas plataͲ


10
EmPortugaloCCPencarregouͲsenaturalmenͲ formas e em tempo mais imediato) e na utilizaͲ
te de corporizar estas modernas tendências de çãodesistemasdeaquisiçãodinâmicos.
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3. A urgência no contencioso préͲ Precisamente, e em transposição dessas


contratual como resposta insuficiente à Directivas, o legislador português consaͲ
velocidade procedimental: o processo grou uma forma processual autónoma e
urgentedecontenciosopréͲcontratual urgente para o contencioso préͲ
O reforço da tendência aceleradora dos contratual, prevista no artigo 100.º e
procedimentos de contratação pública seguintesdoCPTA. Poroutrolado,estaͲ
provouainsuficiênciadasorientaçõesdo beleceu comandos próprios aplicáveis à
legislador comunitário nas versões origiͲ sua instrumental tutela cautelar, no seu
nais das Directivas relativas aos meios artigo132.º.
contenciosos. No entanto, tal como tive oportunidade
Essas Directivas previam, na sua versão dedefendernoutraocasião12,estaforma
original, mecanismos processuais destiͲ processual provou ser insuficiente para
nadosaevitaracelebraçãodocontrato, oferecer a tutela que lhe competia, o
nelasseevidenciandoapreocupaçãode que aliás reforça, como adiante descreͲ
fornecer ao autor processual todos os verei, a necessidade de, a pretexto da
meioscontenciososnecessáriosàdefesa transposição da Directiva 2007/66/CE,
dos seus direitos e interesses antes da nelaseoperaremdiversasreformas.
celebração do contrato. As Directivas Sumariamente, penso que pode dizerͲse
apostaram, por isso, na consagração de queoprocessoprevistonoartigo100.ºe
uma musculada tutela cautelar que seguintes do CPTA se trata de um proͲ
pudesse favorecer a emissão de uma cesso excessivamente lento, pese a
decisão judicial antes da celebração do supostaurgênciaqueoenforma;circunsͲ
contrato, devidamente acompanhada tância que se revela em diversos aspecͲ
pela exigência de formas processuais tos:
célereseeficazes11.

 
͵ͻAdolfoMesquitaNunes
11
Assimsejustificaaredacçãodoartigo2.ºn.º1 estatui que os EstadosͲmembros devem “(...)
daDirectivaRecursos,etodaaatençãoqueaíé tomar,nomaiscurtoprazoemedianteprocesso
dedicada à tutela cautelar, devendo os EstadosͲ de urgência, medidas provisórias destinadas a
membros velar “por que as medidas tomadas corrigir a alegada violação ou a impedir que
para os efeitos dos recurso prevejam os poderes sejamcausadosnovosprejuízosaosinteressados,
que permitam (...) tomar o mais rapidamente incluindo medidas destinadas a suspender ou a
possível, através de um processo de urgência, mandarsuspenderoprocedimentodecelebração
medidas provisórias destinadas a corrigir a aleͲ do contrato em causa ou a execução de quaisͲ
gada violação ou a impedir que sejam causados quer decisões tomadas pela entidade adjudicanͲ
outros danos aos interesses em causa, incluindo te”.
12
medidas destinadas a suspender ou a fazer susͲ  Dissertação de Mestrado, ainda em revisão
penderoprocessodeadjudicaçãodocontratode para publicação, mas já disponível na Biblioteca
ž‰‹ƒ

direito público em causaoua execuçãode qualͲ da Faculdade de Direito da Universidade de LisͲ
quer decisão tomada pelas entidades adjudicanͲ boa, intitulada “A Urgência no Contencioso PréͲ
tes”.  O artigo 2.º, n.º 1 da Directiva 92/13/CEE Contratual”.
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i) atramitaçãodoprocessourgentede jurisprudencial de que não se apliͲ


contencioso préͲcontratual é decalͲ cam às providências cautelares insͲ
cada da tramitação da acção admiͲ trumentais do processo urgente os
nistrativa especial, essencialmente mecanismos de tutela préͲcautelar:
mais acelerada mas com poucas suspensão automática do procediͲ
variaçõesformais,oquenãofavoreͲ mento por proposição de requeriͲ
ceaceleridade13; mentodeprovidênciacautelar(artiͲ
ii) o processo convoca uma cognição go128.º)edecretamentoprovisório
verticalmente plena porquanto não da providência cautelar (artigo
está prevista qualquer restrição dos 131.º)16;
meios de prova, deixando o procesͲ v) oautorprocessualnãotemqualquer
so nas mãos das pressões dilatórias vantagem imediata no processo
daspartes14; urgente se não recorrer aos mecaͲ
iii) a propositura do processo urgente nismoscautelares,sendoquenestes
principal não tem qualquer efeito
suspensivosobreoprocedimento15; 
16
iv) em matéria cautelar, a redacção do  VejaͲse, a este respeito, o Ac. do STA de
20.03.07,proc.n.º01191/06:
artigo 132.º do CPTA, por contraͲ “I – Nos termos do artigo 132º, 3 do CPTA são
ponto com a redacção do artigo aplicáveis às providências cautelares relativas a
procedimentos de formação de contratos “as
130.º, tem favorecido a opinião regrasdocapítuloanterior,comressalvadodisͲ
 postonosnúmerosseguintes”.Comparandoeste
13
 O processo apresenta uma única tramitação artigo com o artigo 130º, 4 que manda aplicar
aplicável a todos os litígios que recaem no seu nãosóodispostonocapítuloI,masainda“…nos
âmbito.Teriasidoadmissível,atentaaheterogeͲ dois artigos precedentes”, concluímos que o
neidade associada à matéria da contratação legislador quis distinguir o âmbito das referidas
pública,adefiniçãodetramitaçõesdiferenciadas, remissões.
através de critérios vários como fossem o do II–Atendendoporoutrolado,àgénesedoartigo
valor da causa ou o do prazo de execução do 132ºdoCPTA(cujafontepróximaradicanoartiͲ
contrato. A tramitação única ignora as enormes go 5º do Dec. Lei 134/98, de 15 de Maio), bem
dificuldadesdetratamentohomogéneodamatéͲ como ao regime da Directiva Comunitária n.º
riasujeitaaocontenciosopréͲcontratual. 89/665/CEE, do Conselho de 21 de Dezembro
14
TeriasidoadmissívelcompordeformadiferenͲ que aquele diploma transpôs para o direito
ciadaagestãodosmeiosdeprovadeacordocom interno, que no seu artigo 2º, n.º 3 estabelecia
tramitações diferenciadas. Mas, mesmo que que “os processos de recurso, por si só, não
assimnãofosse,admitiaͲse,porexemplo,aconͲ devem ter necessariamente efeitos suspensivos
ͶͲDoutrina

sagraçãodeummodeloderestriçãodosmeiosà automáticos sobre os processos de adjudicação


provadocumental,cabendoaojuizadecisãode, de contratosa que se referem”, deve o referido
se assim o entendesse, abrir um período de insͲ artigo132º,3doCPTAserinterpretado,deacorͲ
trução. docomoseusentidoliteral,ouseja,excluindoa
15
 Teria sido admissível ponderar tal suspensão aplicaçãododispostonosartigos128º(proibição
automática excepcional, ao menos em caso de deexecutaroactoadministrativo)e131º(decreͲ
ž‰‹ƒ

impugnação de actos que assumem um efeito tamento provisório da providência) às providênͲ
dificilmentereversívelnoprocedimento,comoé cias relativas a procedimentos de formação de
seguramenteocasodaadjudicação. contratos”.
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se vê privado dos mecanismos de todas as formulações que se conhecem
tutelapréͲcautelare poressaEuropaͲepormaissofisticadas
vi) o esquema de urgência montado que sejam Ͳ, está condenado a partir
pelo legislador assenta no claro quase sempre com atraso relativamente
pressuposto de que vai existir uma a algumas violações por parte das entiͲ
decisão cautelar, sendo que a expeͲ dadesadjudicantes.
riência demonstra, na esmagadora São aliás vários os mecanismos que têm
maioria dos casos, que a decisão sido tentados, alguns deles obrigando a
cautelar não é emitida antes da repensarospróprioslimitesefunçõesda
celebraçãodocontrato. tutela cautelar. VejaͲse, por exemplo,
Emsuma,umaanálisemenossuperficial quenestejogodoapanhasãojáadmitiͲ
sobre o quadro formal da instância do dos mecanismos destinados a fornecer
processo urgente permite entender que umatutelapréviaàprópriatutelacauteͲ
este não consegue, na esmagadora lar,comoqueparaassegurarqueadeciͲ
maioria dos casos e por si só, assegurar são cautelar tenha efeito útil, tal como
uma tutela eficaz do autor processual, em Portugal sucede com o artigo 131.º
umavezquenãochegaatempodeeviͲ do CPTA (e já veremos em que termos).
tarouatrasaracelebraçãodocontrato. NoteͲse até onde o contencioso já vai.
EstejádispõedemecanismosparaasseͲ
Simultaneamente, uma análise rápida
gurarautilidadedadecisãocautelarque
aosinstrumentoscautelaresassociadosa
vaiassegurarautilidadedadecisãoprinͲ
este processo urgente permite verificar
cipal.
queolegisladornãocuidoude,comclaͲ
reza, estender ao processo urgente de E se assim é, como agora tentarei eviͲ
contencioso préͲcontratual a musculada denciar com a análise da Directiva
tutelapréͲcautelarquecriounosartigos 2007/66/CE, a reforma do processo
128.ºe131.º. urgente poderá não bastar para asseguͲ
ͶͳAdolfoMesquitaNunes
Asincapacidadesdoprocessourgentede raratuteladosparticularesnocontexto
contencioso préͲcontratual aconselham, dacontrataçãopública.

porisso,àsuarápidareformanosentido
4. Da necessidade de recorrer a mecaͲ
de o aproximar dos objectivos de tutela
nismos de desaceleração procedimenͲ
quepresidiramasuaconsagração.
tal:aDirectiva2007/66/CE
Masaindaqueessareformasefaça,uma
Defacto,oatrasodareacçãocontencioͲ
coisa é certa: o tempo processual não
sanoâmbitodosprocedimentosdeconͲ
pode ser mais rápido do que a própria
tratação pública, apesar das várias
ž‰‹ƒ

sombra. É exactamente por isso que o


contencioso préͲcontratual, em quase reformas contenciosas em vários ordeͲ
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namentos dos EstadosͲMembros, obriͲ A, n.º 2 das Directivas 89/665/CEE e


gou o legislador comunitário a repensar 92/13/CEE)17.
osmecanismosdaurgêncianoâmbitoda Digo em princípio porque a Directiva
contrataçãopúblicaeaprocurargarantir prevê, na nova redacção do artigo 2.ºͲB
a tutela do interesse subjectivo directaͲ das Directivas revistas, que os EstadosͲ
mente nos próprios procedimentos conͲ Membros possam dispensar o prazo de
cursais. “standstill”nosseguintescasos:
ÉnesseprismaquedeveserlidaaDirecͲ i) se não for exigida a publicação préͲ
tiva 2007/66/CE que reviu as Directivas viadoanúnciodeconcursonoJornal
relativasaosmeioscontenciosos. OficialdaUniãoEuropeia;
Na verdade, a Directivapropõe um conͲ ii) se o único proponente interessado
junto de mecanismos que se inscrevem foroadjudicatáriodocontratoenão
já na esfera procedimental e não, como houver outros candidatos interessaͲ
seria de esperar de uma revisão das dos;
Directivas dos meios contenciosos, no iii) em caso de um contrato baseado
âmbitoprocessual,dandoassimcontado num acordoͲquadro (aplicável apeͲ
conflito de tensões rítmicas no seio da nasaossectoresclássicos)enocaso
contrataçãopública. de um contrato específico baseado
Vejamosquaissãoessesmecanismos. numsistemadeaquisiçãodinâmico.
Em primeiro lugar, e para evitar que as Aindaassim,seestasexcepçõesseverifiͲ
entidades adjudicantes consigam, atraͲ carem,mandaomesmoartigodasDirecͲ
vés da celebração do contrato, tornar tivas que os EstadosͲMembros asseguͲ
irreversíveisasconsequênciasdadecisão remqueocontratonãoproduziráefeitos
de adjudicação impugnada, manda a nosseguintescasos:
Directiva que as entidades adjudicantes
i) violação de algumas disposições
que concluam um processo formal de
relativas ao procedimento de conͲ
adjudicação suspendam, em princípio, a
tratação em caso de celebração de
celebração do contrato por um prazo
contrato ao abrigo de um acordoͲ
mínimode10diasúteis(prazode“stand

still”)acontardadatadenotificaçãoda 17
Oprazomínimode10diaséaplicávelemcaso
ͶʹDoutrina

decisão de adjudicação, devidamente deutilizaçãodetelecópiaoudemeioselectróniͲ


cos. Em caso de utilização de outros meios de
fundamentada, aos operadores econóͲ comunicação,oprazoéde,alternativamente,15
micos que tenham participado no proͲ diasconsecutivosacontardodiaseguinteàdata
em que a decisão de adjudicação tiver sido
cesso de adjudicação (novos artigos 2.ºͲ comunicada aos proponentes e candidatos inteͲ
ž‰‹ƒ

ressadosoude10diasconsecutivosacontardo
dia seguinte à data de recepção da decisão de
adjudicaçãodocontrato.
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quadro que não defina todos os Esse efeito suspensivo pode ser tempoͲ
termos da contratação (segundo rário(nãopodendonuncaterminarantes
travessão do segundo parágrafo do de expirado o prazo de “stand still”),
n.º4doartigo32.º); devendoemqualquercasodurarotemͲ
ii) seexistirviolaçãodealgumasdispoͲ po suficiente para que a instância de
sições que regulam a contratação recurso possa tomar uma decisão que
porsistemasdeaquisiçãodinâmicos assegureatuteladoparticular,queressa
(n.ºs5e6doartigo33.ºdaDirectiva decisãoseexerçaemsedecautelarquer
2004/18/CEedosn.ºs5e6doartiͲ seexerçaemsedeprincipal.
go15.ºdaDirectiva2004/17/CE)e Emterceirolugar,nocasodeosEstadosͲ
iii) se o valor estimado do contrato for Membros exigirem que o interessado
igual ou superior aos limiares estaͲ solicite previamente à entidade adjudiͲ
belecidos nas Directivas ProcediͲ canteaalteraçãodasuadecisão,devem
mentais. taisEstadosassegurarͲse,nostermosdo
novoartigo1.º,n.º5dasDirectivasrevisͲ
Em segundo lugar, a Directiva estabeleͲ
tas, que a apresentação de tal pedido
ce,nosnovosartigos2.ºn.º3dasDirecͲ
implicaasuspensãoimediatadapossibiͲ
tivas revistas, que caso seja interposto
lidade de celebrar o contrato. Essa susͲ
recurso de uma decisão de adjudicação
pensão não poderá cessar antes do terͲ
deumcontratoparaumórgãoquedeciͲ
modeumprazomínimode10diasconͲ
da em primeira instância, independente
secutivos,acontardodiaseguinteàdata
da entidade adjudicante, os EstadosͲ
em que a entidade adjudicante tiver
Membros devem assegurar que a entiͲ
enviadoumaresposta18.
dade adjudicante não possa celebrar o
contratoantesdeainstânciaderecurso Nestesdoisúltimoscasos(suspensãodo
ter tomado uma decisão, quer sobre o procedimento por recurso contra o acto
pedido de medidas provisórias, quer de adjudicação ou por interposição de
Ͷ͵AdolfoMesquitaNunes
sobreopedidoderecurso,nãopodendo reclamaçãograciosanecessária),aDirecͲ
essasuspensãocessarantesdotermodo tivaéclaraemdeterminaraconsagração
referidoprazode“standstill”. de um efeito suspensivo automático,

Assim, os EstadosͲMembros devem preͲ 


18
verque,emcasodeinterposiçãodeum  Também aqui o prazo mínimo de 10 dias é
aplicávelemcasodeutilizaçãodetelecópiaoude
recurso contra o acto de adjudicação, meios electrónicos. Em caso de utilização de
este deve beneficiar de um efeito susͲ outros meios de comunicação, o prazo é de,
alternativamente, 15 dias consecutivos a contar
pensivoautomáticosobreoprocedimenͲ dodiaseguinteàdataemqueaentidadeadjudiͲ
ž‰‹ƒ

to. cante tiver enviado uma resposta ou de 10 dias
consecutivos a contar do dia seguinte à data de
recepçãodaresposta.
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excepcionandoestescasosdatradicional Estas sanções alternativas devem ser


regranosordenamentoseuropeus–com efectivas,proporcionadasedissuasivase
excepção do alemão –de que o recurso devemconsistirnaaplicaçãodesanções
não deve ter necessariamente efeitos pecuniáriasàentidadeadjudicanteouna
suspensivos automáticos relativamente redução da duração do contrato, não
aosprocessosdeadjudicaçãodecontraͲ podendo em qualquer caso passar pela
tosaqueserefere19. concessão de indemnizações, conforme
A importância destes três mecanismos mandaomesmoartigo.
desaceleratórios é de tal ordem que, a NoteͲsepoisque,natentativadeconsaͲ
fim de evitar violações graves das exiͲ grar e reforçar a desaceleração procediͲ
gênciasemmatériadeprazosuspensivo mental, a Directiva vai ao ponto de
e de suspensão automática, a Directiva explorar um terreno que há bem pouco
estabelece que deverão ser aplicadas tempo julgaríamos interdito: a privação
sançõesefectivas. de efeitos de contratos celebrados com
Porconseguinte,oscontratoscelebrados violações graves de Directivas, legitiͲ
em violação dos prazos suspensivos ou mando e abrindo caminho para atenuar
de suspensão automática deverão ser osefeitosdacelebraçãodocontratonos
jurisdicionalmente considerados desproͲ direitosdosparticulares.
vidos de efeitos se conjugados com vioͲ Estaprivaçãodeefeitosdocontratoestá
lações às Directivas Procedimentais, na aliásprevistaemduasoutrascircunstânͲ
medida em que tais violações tenham cias,tambémalinhadasnon.º1donovo
afectado as hipóteses do proponente artigo2.ºͲDdasDirectivasrevistas.
queinterpôsrecursodeobterocontrato Assim, o contrato será jurisdicionalmenͲ
(artigo2.ºͲD,n.º1,alíneab)dasDirectiͲ teprivadodeefeitosseaentidadeadjuͲ
vasrevistas). dicante tiver adjudicado um contrato
Sóassimnãoserá,permiteoartigo2.ºͲE sempublicaçãopréviadeumanúnciode
das Directivas revistas, se os EstadosͲ concurso no Jornal Oficial da União
Membros autorizarem a instância de Europeiasemquetalsejapermitidonos
recurso independente a decidir, depois termosdasDirectivasProcedimentais.
de avaliados todos os aspectos relevanͲ Sóassimnãoterádeser,nostermosdo
ͶͶDoutrina

tes, se o contrato deve ser considerado novon.º4doartigo2.ºͲDdasDirectivas


desprovido de efeitos ou se devem ser revistas,se:
impostassançõesalternativas. i) a entidade adjudicante considerar
 que a adjudicação de um contrato
19
ž‰‹ƒ

Regraaliásexpostanosnovosartigos2.º,n.º4 sem publicação prévia de um anúnͲ


e 2.º n.º 3ͲA das Directivas 89/665/CEE e
92/13/CEErespectivamente. cio de concurso no Jornal Oficial da
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UniãoEuropeiaépermitidanosterͲ porsistemasdeaquisiçãodinâmicos
mosdasDirectivasProcedimentais; e
ii) a entidade adjudicante tiver publiͲ ii) se o valor estimado do contrato for
cado no Jornal Oficial da União igual ou superior aos limiares estaͲ
Europeia um anúncio voluntário de belecidos nas Directivas ProcediͲ
transparência ex ante manifestando mentais.
asuaintençãodecelebrarocontraͲ iii) Maisumavez,sóassimnãoteráde
to20e ser, nos termos do novo n.º 5 do
iii) o contrato não tiver sido celebrado artigo 2.ºͲD das Directivas revistas,
antesdotermodeumprazomínimo se:
de 10 dias consecutivos a contar do iv) a entidade adjudicante considerar
diaseguinteàdatadapublicaçãodo que a adjudicação do contrato foi
anúncio. feita nos termos das Directivas ProͲ
Ocontratoseráaindajurisdicionalmente cedimentais,
privado de efeitos se, tendo os EstadosͲ v) aentidadeadjudicantetiverenviado
Membros invocado a excepção à aplicaͲ adecisãodeadjudicaçãodocontraͲ
ção do prazo suspensivo “stand still” to, acompanhada da exposição sinͲ
paraoscontratosbaseadosnumacordoͲ téticadosmotivos,aosproponentes
quadro e num sistema de aquisição interessadoseaindase
dinâmico: vi) o contrato não tiver sido celebrado
i) existir violação das disposições que antesdotermodeumprazomínimo
prevêemoprocedimentodecontraͲ de 10 dias consecutivos a contar do
tação a seguir em caso de celebraͲ diaseguinteàdataemqueadecisão
ção de contrato ao abrigo de um de adjudicação do contrato foi
acordoͲquadroquenãodefinatodos enviada aos proponentes interessaͲ
os termos da contratação e das disͲ dos21.
ͶͷAdolfoMesquitaNunes
posiçõesqueregulamacontratação
ADirectivanãoreferequaisdevemseras
consequênciasdessaprivaçãodeefeitos,

20
EsteanúnciodeveconterasseguintesinformaͲ
ções:a)OnomeecontactosdaentidadeadjudiͲ 
21
cante;b)Umadescriçãodoobjectodocontrato; Esteprazode10éapenasaplicávelemcasode
c)UmajustificaçãodadecisãodaentidadeadjuͲ utilizaçãodetelecópiaoudemeioselectrónicos.
dicante de adjudicar o contrato sem publicação EmcasodeutilizaçãodeoutrosmeiosdecomuͲ
prévia de um anúncio de concurso no Jornal nicação,oprazomínimoé,alternativamente,de
OficialdaUniãoEuropeia;d)Onomeecontactos 15 dias consecutivos a contar do dia seguinte à
do operador económico a favor de quem foi dataemqueadecisãodeadjudicaçãofoienviada
ž‰‹ƒ

tomada adecisão de adjudicação do contrato; e aosproponentesinteressadosoude10diasconͲ


e)Seadequado,qualqueroutrainformaçãoconͲ secutivos a contar do dia seguinte à data de
sideradaútilpelaentidadeadjudicante. recepçãodadecisãodeadjudicaçãodocontrato
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deixando aos ordenamentos nacionais a cias excepcionais, a privação de efeitos


necessárialiberdadeparaoefeito. acarretar consequências desproporcioͲ
Assim, são admissíveis várias soluções nadas.
legislativas a este respeito, nomeadaͲ Mais do que isso, a Directiva avança no
menteaanulaçãoretroactivadetodasas sentidodequenãodeveconstituirrazão
obrigações contratuais executadas e por imperiosa de interesse geral o interesse
executarou,aoinvés,aanulaçãoapenas económico directamente relacionado
das obrigações que ainda devam ser com o contrato em causa, aqui se
cumpridas.Importaregistar,noentanto, incluindooscustosresultantesdeatraso
que se oEstadoͲMembro optar por preͲ naexecuçãodocontrato,oscustosresulͲ
ver apenas a anulação das obrigações tantes da abertura deum novo procediͲ
por executar, devem ainda aplicarͲse mento de adjudicação, os custos resulͲ
cumulativamentesançõesacessórias. tantes da mudança do operador econóͲ
Evidentemente que esta privação de micoqueexecutaocontratoeoscustos
efeitospropostapelaDirectivaestátemͲ das obrigações legais resultantes da priͲ
perada com mecanismos destinados a vaçãodeefeitos.
assegurar a proporcionalidade da mediͲ Do que antecede resulta que não só a
da, razão pela qual a Directiva autoriza, Directiva que veio rever as disposições
aindanomesmoartigo2.ºͲDdasDirectiͲ relativas à aplicação dos processos de
vas revistas, os EstadosͲMembros a perͲ recurso em matéria de adjudicação dos
mitir que a instância responsável pela contratospúblicossedecidiuacriarexiͲ
decisãodorecursonãoponhaemcausa gentesmecanismossuspensivosdosproͲ
o contrato ou lhe reconheça determinaͲ cedimentos de contratação, como igualͲ
dos efeitos, ou todos eles, caso as cirͲ mente veio quebrar um tabu há muito
cunstâncias excepcionais do caso em criadoͲqueocontratopúblicoéumcasͲ
apreço exijam o respeito de certas telo muito dificilmente transponível –
razõesimperiosasdeinteressegeral. reconhecendo que a privação de efeitos
MasnãosepensequeaDirectivaconviͲ constitui o meio mais eficaz de restabeͲ
vefacilmentecomtodaequalquerinvoͲ lecer a concorrência e de criar novas
caçãodointeressegeralnamanutenção oportunidades para os operadores ecoͲ
Ͷ͸Doutrina

do contrato. Antes pelo contrário, a nómicos que tenham sido ilegalmente
Directiva é clara ao referir, no n.º 3 do privados da oportunidade de concorrer
artigo2.ºͲDdasDirectivasrevistas,queo oudeganharoprocedimento.
interesseeconómiconamanutençãodos
efeitosdocontratosópodeserconsideͲ 
ž‰‹ƒ

rado razão imperiosa se, em circunstânͲ


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5. Impacto contencioso da tendência mínimo) após a resposta a uma


desaceleratória dos procedimentos de reclamaçãograciosanecessária.
contrataçãopública–atransposiçãoda Oprazoreferidoem(i)estáactualmente
Directiva2007/66/CE consagradonoartigo104.º,n.º1,alínea
As orientações da Directiva 2007/66/CE a)doCCP,oqualestipulaqueaoutorga
têmevidenteimpactonaprocedimentaͲ do contrato deve ter lugar no prazo de
lizaçãodaactividadecontratualdasentiͲ 30diascontadosdadatadaaceitaçãoda
dadesadjudicantesenaurgênciadoconͲ minuta ou da decisão sobre a reclamaͲ
tenciosopréͲcontratual,detalformaque ção, mas nunca antes de decorridos 10
senãovêcomotranspôͲlasem,precisaͲ dias contados da data da notificação da
mente,procederaumaalteraçãodoCCP decisãodeadjudicação.
e do processo urgente de contencioso TrataͲse, portanto, de um mecanismo já
préͲcontratual. transposto para a nossa ordem jurídica
Vejamos de que forma esse impacto se peloCCP,emboradeformanãoassumiͲ
fazsentirnanossaordemjurídicae,em da atenta a contemporaneidade dos
consequência, quais as preocupações a documentosnormativosemcausa.
ternasuatransposição. Acontece,porém,queestaprevisãolegal
Comecemos pelos mecanismos suspenͲ nãoalcança,sequerdeperto,osintuitos
sivos criados pela Directiva e que agora quepresidiramàsuaconsagraçãocomuͲ
recordo: nitária.
i) prazo suspensivo destinado a impeͲ Na verdade, este prazo suspensivo foi
dir a celebração do contrato nos comunitariamentepensadoparaproporͲ
primeiros 10 dias (no mínimo) após cionaraosparticularesotemposuficienͲ
anotificaçãodaadjudicaçãoatodos te para analisarem a decisão de adjudiͲ
os interessados, e não apenas ao cação e avaliarem da oportunidade de
adjudicatário; interporrecurso.
Ͷ͹AdolfoMesquitaNunes
ii) prazo (suspensão automática) destiͲ Ora,nanossaordemjurídica,esseprazo
nadoaimpediracelebraçãodoconͲ de 10 dias, que corresponde ao prazo
trato no prazo no mínimo igual ao mínimoprevistonaDirectiva,émanifesͲ
referido na alínea anterior após a tamenteexíguoparaqueosparticulares
proposição de uma pretensão conͲ delepossamretirarqualquerfeitoútil.
tenciosa contra uma decisão de
RecordeͲse que aos autores processuais
adjudicaçãoe
noâmbitodocontenciosopréͲcontratual
iii) prazo (suspensão automática) destiͲ
urgente está actualmente vedado, por
ž‰‹ƒ

nadoaimpediracelebraçãodoconͲ
JurisprudênciafirmadadoSTA,orecurso
trato nos primeiros 10 dias (no
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à tutela préͲcautelar dos artigos 128.º e leasuapretensãoeconfiraefeitoútilà


131.º22. suspensão.
Assim, de que serve este prazo de 10 Ainda assim, importa notar, os mecanisͲ
diasse,aodarentradacomumapetição mos da tutela préͲcautelar, mesmo que
inicial ou um requerimento inicial, o aplicados ao processo urgente de conͲ
autornãotiverumqualquerefeitoprátiͲ tencioso préͲcontratual, têm limitações
co,tendoqueesperar,nomínimo,alguͲ no espectro da sua tutela que devem
massemanasatéobterumadecisãocauͲ merecer alguma reflexão por parte do
telar ou alguns meses até obter uma legislador.
decisãoprincipal? Por um lado, quanto à suspensão autoͲ
Em que se traduz, do ponto de vista do máticadoactosuspendendoprevistano
autor processual ou até do procedimenͲ artigo 128.º do CPTA, o mecanismo da
to, este prazo de “stand still” se, no resolução fundamentada tem vindo a
decursodomesmo,écertoeseguroque ultrapassar,emmuito,oâmbitoeofito
nada vai acontecer que possa impedir o com que foi criada, assumindoͲse como
contratodesercelebrado? resposta certa e sabida a qualquer
Portanto, das duas uma: ou este prazo requerimento inicial notificado às entiͲ
tem de ser alargado, de forma a substiͲ dadesadjudicantes.
tuir, na esfera procedimental, a falta Poroutrolado,quantoaodecretamento
que, no plano contencioso, fazem os provisório da providência cautelar preͲ
mecanismosdeurgênciaedetutelapréͲ visto no artigo 131.º do CPTA, está o
cautelar,outêmdealterarͲseostermos mesmo excessivamente dependente do
doprocessourgentedeformaadotaro juízo de especial urgência feito pelo triͲ
particular de um mecanismo que lhe bunal, o que equivale a dizer que ele
permita, num prazo de 10 dias, ter uma opera enquanto mecanismo ultraͲ
qualquerrespostajurisdicionalquetuteͲ extrordinário.
Sou assim da opinião que o prazo de
 “stand still” de 10 dias previsto no CCP
22
Poroutrolado,nãoéseguroqueoprazode10 nãoestáapto,noactualquadrocontenͲ
dias seja suficiente para alcançar um qualquer
sentido de oportunidade da impugnação por cioso e procedimental, a dar como
ͶͺDoutrina

partedo autor processual. Não podemos esqueͲ transposto o prazo de “stand still” preͲ
cerͲnosqueesseprazoseaplicaporigualaproͲ
cedimentos de formação de contratos muitos vistononovoartigo2.ºͲAdasDirectivas
diversos. Desde contratos de fornecimento de relativasaosmeioscontenciosos,havenͲ
material de escritório a contratos de concessão
deumaautoͲestrada,passandoporcontratosde do para isso que dotáͲlo do efeito útil
ž‰‹ƒ

construção de grandes infraͲestruturas detransͲ previstonaDirectiva2007/66/CE.


portes ou pequenas obras de conservação de
caminhosregionais.
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Aliás,partedesseefeitoútilpodeserͲlhe Esseefeitosuspensivonãocarecedeser
fornecido pelo prazo referido em (ii), e definitivo,istoé,nãotemdeduraratéà
que consiste na inscrição de um efeito datadadecisãojudicialqueponhatermo
suspensivo automático sobre o acto de à causa ou decida do decretamento de
adjudicaçãopelaproposiçãodeumapreͲ umaprovidênciacautelar,umavezquea
tensãoprocessualcontraoactodeadjuͲ Directiva, numa redacção não propriaͲ
dicação. mente feliz, admite que o mesmo pode
No nosso ordenamento a regra é a da ser temporário, sendo certo que não
não suspensão de eficácia do acto podenuncaterminarantesdedecorrido
impugnado,comexcepçãodoefeitosusͲ oprazode“standstill”24.
pensivo do acto suspendendo, prevista Noentanto,pareceͲmequeessapossibiͲ
noartigo128.ºdoCPTA. lidade de prazo suspensivo temporário,
Emgrandeparte,essaregradenãosusͲ admitida pela Directiva, presume que o
pensãoautomáticadeveͲseaofactodeo decursodesseprazode“standstill”está
carácter suspensivo dos processos não fixado de forma a conferir um qualquer
ter, mesmo após a vaga de reformas efeitoútilaoparticular.Ouseja,aDirecͲ
contenciosaseuropeias,grandesadeptos tivaadmitequeoefeitosuspensivoposͲ
por entre a maioria dos ordenamentos sa ser temporário mas apenas no caso
continentais. de,nodecursodoprazode“standstill”,

Mas se já nada impedia que esse efeito existir algum momento de apreciação
suspensivo (eventualmente temporário) jurisdicional que tutele o autor procesͲ
sual.
pudesse ser consagrado excepcionalͲ
mente23, nem que reservado aos actos Qualquer outra interpretação que preͲ
finais ou mais determinantes do proceͲ tendareduziroefeitosuspensivoobrigaͲ
dimento,comomanifestamenteéocaso 
24
Defacto,oartigo2.º,n.º3dasDirectivasrevisͲ
doactodeadjudicação,averdadeéque, tas começa por dizer que caso seja interposto
ͶͻAdolfoMesquitaNunes
neste momento, a Directiva 2007/66/CE recurso de uma decisão de adjudicação de um
contratoparaumórgãoquedecidaemprimeira
impõe, para a sua transposição, a introͲ instância,independentedaentidadeadjudicante,
dução de um mecanismo de suspensão os EstadosͲMembros devem assegurar que a
entidade adjudicante não pode celebrar o conͲ
automáticasobreoactodeadjudicação.
tratoantesdeainstânciaderecursotertomado
uma decisão, quer sobre o pedido de medidas
 provisórias, quer sobre o pedido de recurso, o
23
Éoquealiásacontece,porexemplo,noâmbito que indicia a necessidade de esta suspensão se
do artigo 50.º CPTA, onde a impugnação de um manterporumprazosuficientementelongopara
acto administrativo suspende a sua eficácia permitir a apreciação jurisdicional. Mas, de
quandoestejaapenasemcausaopagamentode seguida, o artigo refere que a suspensão não
ž‰‹ƒ

umaquantiacerta,semnaturezasancionatória,e podecessarantesdotermodoprazosuspensivo
tenha sido prestada garantia por qualquer das de “stand still”, prazo que, como se sabe, pode
formasprevistasnaleitributária. serdeapenas10dias.
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tórioprevistonaDirectivaaodecursode doͲo ao contencioso préͲcontratual e


um exíguo prazo de “stand still” não eliminando a possibilidade de as entidaͲ
poderáconduziraumacorrectatranspoͲ des adjudicantes emitirem uma resoluͲ
sição da Directiva porquanto não terá ção fundamentada, já que a suspensão
sequer como objectivo evitar a celebraͲ pretendida pela Directiva não está, nem
çãodocontrato. pode estar, na disposição das entidades
Defacto,aperguntavoltaaimporͲse:de adjudicantes.
que servirá ter o procedimento de forͲ No segundo caso terá de procederͲse à
mação do contrato suspenso por 10 ou criação de um novo mecanismo procesͲ
15 dias se, no decurso desse prazo, o sual, uma vez que não me parece que
tribunalnãoestiverautorizadoainterfeͲ uma eventual aplicação ao processo
rir no procedimento evitando a celebraͲ urgente de contencioso préͲcontratual
çãodocontrato? do mecanismo previsto no artigo 131.º
RepareͲse que a norma a transpor, o do CPTA, tal qual está definido, possa
novoartigo2.º,n.º3dasDirectivasrevisͲ contribuirparaatransposiçãodesseartiͲ
tas, insiste em associar este prazo à go.
necessidadedeassegurarqueaentidade Em primeiro lugar porque a Directiva é
adjudicantenãopossacelebrarocontraͲ claraaoreferirqueentidadeadjudicante
to antes de a instância de recurso ter nãopodecelebrarocontratoantesdea
tomadoumadecisão,quersobreopediͲ instância de recurso ter tomado uma
dodemedidasprovisórias,quersobreo decisão,quersobreopedidodemedidas
pedidoderecurso. provisórias, quer sobre o pedido de
Assim,dasduasuma:ouoefeitosuspenͲ recurso, assim indiciando que a decisão
sivoésuficientementelongoparacobrir que deve pôr termo à suspensão não
o tempo normal de emissão de sentenͲ podeserfrutodeumacogniçãosumarísͲ
ças cautelares ou principais (podendo, simaeultraurgente,antesdeveserfruto
nolimite,nãosertemporárioeduraraté de uma cognição sumária (cautelar) ou
que efectivamente essa decisão seja plena(principal).
emitida)ou,então,terádepreverͲseum Em segundo lugar porque a apreciação
qualquer momento de apreciação de feita pelo juiz do decretamento provisóͲ
ͷͲDoutrina

mérito prévio à sentença rio, no exíguo prazo de 48 horas, está
(cautelar ou principal) e que especificaͲ reservada para casos flagrantes ou de
mentesedebrucesobreoefeitosuspenͲ “especial urgência”, os quais não esgoͲ
sivoimpostopelaDirectiva. tamouniversodepretensõessujeitasao
contencioso préͲcautelar às quais a
ž‰‹ƒ

No primeiro caso terá de alterarͲse o


âmbitodoartigo128.ºdoCPTA,aplicanͲ Directivaquisoferecerprotecção.
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PareceͲme, assim, que a transposição facto, o juízo a fazer pelo tribunal não
deste efeito suspensivo (se temporário) será quanto ao decretamento de uma
terádefazerͲseatravésdacriaçãodeum providência nem sequer quanto a um
mecanismo que consagre uma apreciaͲ decretamentoprovisóriodamesma.Será
ção jurisdicional préͲcautelar de toda e um juízo, isso sim, sobre a eventual
qualquer pretensão contra o acto de necessidade, sempre extraordinária, de
adjudicação; apreciação essa na qual o levantamento do efeito suspensivo
juizterádedeterminaraocertoseaqueͲ automáticoimpostopelaDirectivaeque,
leefeitosuspensivodeveounãomanterͲ salvoponderososmotivos,devemanterͲ
se até à decisão cautelar ou principal, se até que o juiz cautelar (ou principal)
assim se assegurando, como manda a emitaumasentençademérito.
Directiva, que a entidade adjudicante Finalmente importa fazer referência ao
nãopodecelebrarocontratoantesdea últimodosmecanismossuspensivospreͲ
instância de recurso ter tomado uma vistos na Directiva, o prazo referido em
decisão. (iii),destinadoaimpediracelebraçãodo
NoteͲse que aquilo que o juiz terá aqui contratonosprimeiros10dias(nomíniͲ
de fazer não é justificar porque é que o mo) após a resposta a uma reclamação
contrato deve ver suspensa a sua celeͲ graciosanecessária.
bração,massimooposto. Esse mecanismo não tem aplicação no
Ojuizterádepartirdaclaraindicaçãoda nossoordenamento,umavezqueoCCP
Directiva de que a celebração daquele estipula, no seu artigo 268.º, que as
contratodevemesmosersuspensa,sóo impugnaçõesadministrativassãofacultaͲ
podendo não ser quando,daapreciação tivas.
sumária, resulte clara a improcedência Noentanto,sempreterádedizerͲseque
dapretensãolevadaajuízo.Nadúvida,o oCCPpoderiateridomaislongedoque
juiz deve manter o efeito suspensivo aquiloquefoi,umavezquepoderia,ea
ͷͳAdolfoMesquitaNunes
porque,seonãofizer,estaráafrustrara meu ver deveria, ter previsto no artigo
tutela conferida pela Directiva e que 272.º que a celebração do contrato não
aponta para a manutenção desse efeito poderia ter lugar enquanto as impugnaͲ
suspensivoatéàemissãodeumadecisão ções administrativas relativas à decisão
deméritocautelarouprincipal. deadjudicaçãonãotivessemsidodecidiͲ
Este mecanismo pode ser inserido quer das ou não tivesse decorrido o prazo
noâmbitocautelarquernoâmbitoprinͲ paraarespectivadecisão.
cipal,emborafaçamaissentidoqueseja Defacto,talqualestáredigidoesteartiͲ
inserido no primeiro, e proporcionará
ž‰‹ƒ

go, as impugnações graciosas relativas à


umadecisãointerlocutóriainovadora.De decisão de adjudicação não obstam ao
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prosseguimento do processo, o que não Assim, e atendendo a que o processo


acontece com as impugnações adminisͲ urgente de contencioso préͲcontratual
trativas relativas a actos procedimentais não exclui, no seu seio, a cumulação de
anteriores, numa distinção que se não pedidos, inicial e sucessiva, nos termos
percebeatentaaradicalimportânciaque geralmente admitidos para as restantes
a suspensão do acto de adjudicação formas processuais, é possível ao autor
revesteparaosparticulares. processual que impugna um acto de
Passando agora para as orientações da formação do contrato alargar o objecto
Directiva2007/66/CEquantoaosefeitos do processo e alterar o quadro material
da impugnação de actos procedimentais da instância à apreciação da invalidade
nos contratos celebrados no seu seguiͲ docontrato.
mento, importa começar por definir o Umavezcolocadaaquestãodavalidade
actualregimevertidonoCCP,deformaa do contrato, cabe ao juiz retirar as conͲ
apurar as implicações daquela Directiva sequências previstas no CCP, não lhe
nonossoordenamento. cabendo qualquer iniciativa de sanar a
Nos actuais termos do artigo 283.º do invalidade. No entanto, não existindo
CCP, o contrato público é contaminado propriamenteumatipificaçãolegal,ojuiz
automaticamentepelovícioqueenferma terádeanalisar,casoacaso,dequeforͲ
o acto em que assentou a sua celebraͲ ma as invalidades dos actos se fizeram
ção, tenha esse vício já sido declarado reflectirnocontrato.
judicialmente ou não (é esse o sentido Aliás, nos termos do n.º 4 do artigo
da expressão “ou possa ainda sêͲlo” do 283.º,oefeitoanulatórioprevistonon.º
n.º 1doartigo283.ºe daexpressão“se 2 pode ser afastado por decisão judicial
forem anuláveis” do seu n.º 2) e desde ouarbitral,quando,ponderadososinteͲ
que o actose não tenha consolidado na ressespúblicoseprivadosempresençae
ordem jurídica, se tenha convalidado ou a gravidade da ofensa geradora do vício
tenha sido renovado sem reincidência doactoprocedimentalemcausa,aanuͲ
nas mesmas causas de invalidade (conͲ lação do contrato se revele desproporͲ
formeresultadon.º3domesmoartigo). cionadaoucontráriaàboaféouquando
Nessacontaminação,ocontratoeoacto se demonstre inequivocamente que o
ͷʹDoutrina

formam, para efeitos de anulação, um vício não implicaria uma modificação
corpo único, ainda que essa contaminaͲ subjectiva no contrato celebrado nem
çãoautomáticadovícioapenasseopere uma alteração do seu conteúdo essenͲ
noplanosubstantivoenãonoplanoproͲ cial.
cessual. Ora, a Directiva 2007/66/CE veio trazer
ž‰‹ƒ

novosdadosaestaapreciaçãoporquanͲ
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to veio impor situações cuja verificação tiver adjudicado sem publicação prévia
importa necessariamente, mediante de um anúncio de concurso no Jornal
intervenção jurisdicional, a privação de Oficial da União Europeia sem que tal
efeitosdocontrato.Ouseja,veioestabeͲ fosse permitido nos termos das DirectiͲ
lecer uma contaminação substantiva – vas Procedimentais, embora com as
mas também processual – de alguns excepções referidas no novo n.º 4 do
vícios procedimentais no contrato públiͲ artigo2.ºͲDdasDirectivasrevistas.
cocelebrado,detalsortequeotribunal ADirectivanãorefere,comojátiveoporͲ
deve, independentemente do pedido ou tunidade de referir quais devem ser as
da cumulação de pedidos, determinar a consequênciasdessaprivaçãodeefeitos,
privaçãodeefeitosdocontrato. deixando aos ordenamentos nacionais a
Assim, recordo, com especial interesse necessárialiberdadeparaoefeito,sendo
para o choque de tensões rítmicas no certoqueoCCPdeveráserconsequente
seio da contratação pública, que o CCP com o espírito da Directiva, que não se
terádealterarasuaredacçãonosentido comove com o interesse económico
deestabelecerqueoscontratoscelebraͲ directamente relacionado com o contraͲ
dos em violação dos prazos suspensivos to.
oudesuspensãoautomáticadeverãoser Por isso mesmo, aliás, a apreciação
substantiva e processualmente contamiͲ jurisdicional do que devam ser causas
nados com os vícios decorrentes dessa legítimas de inexecução de sentenças
violação,seconjugadoscomviolaçõesàs paraostermoseefeitosdoartigo163.º
Directivas Procedimentais, na medida do CPTA deve ter em conta os limites
emquetaisviolaçõesafectemashipóteͲ impostos pela Directiva à aplicação da
ses do autor processual de obter o conͲ privaçãodeefeitosdocontrato,havendo
trato. querejeitarcomofundamentoointeresͲ
IstosemprejuízodepoderaindaestabeͲ se económico directamente relacionado
ͷ͵AdolfoMesquitaNunes
lecerͲse uma redacção que autorize a com o contrato em causa, aqui se
decisão judicial ou arbitral a decidir, incluindooscustosresultantesdeatraso
depois de avaliados todos os aspectos naexecuçãodocontrato,oscustosresulͲ
relevantes,seocontratodeveserconsiͲ tantes da abertura deum novo procediͲ
derado desprovido de efeitos ou se mento de adjudicação, os custos resulͲ
devem ser impostas sanções alternatiͲ tantes da mudança do operador econóͲ
vas. micoqueexecutaocontratoeoscustos
Igualmente, o CCP terá de prever que o das obrigações legais resultantes da priͲ
contratoserájurisdicionalmenteprivado vaçãodeefeitos.
ž‰‹ƒ

de efeitos se a entidade adjudicante o


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6.Conclusão uma realidade pluridimensional destinaͲ


AentradaemvigordoCCPeaaprovação daaacautelarosdiversosinteressesque
da Directiva 2007/66/CE oferecem um noseuseiosemovem.
excelente pretexto para actualizar refleͲ Essapreocupaçãonãoadvémapenasda
xões acerca da urgência no contencioso relaçãodeoposiçãodessasduastendênͲ
préͲcontratual e das tendências rítmicas cias, que quase nos leva a falar de dois
queenformamacontrataçãopública. legisladoresdistintos(oprocedimentale
De facto, o CCP reflecte, do ponto de o contencioso) mas também, e sobretuͲ
vista nacional, as preocupações comuniͲ do,porqueparececadavezmaisevidenͲ
tárias, expressas nas Directivas por este te que a tendência aceleradora atribui
transpostas, de simplificação, flexibilizaͲ aosprocedimentosdecontrataçãopúbliͲ
ção e aceleração dos procedimentos de caumapujançatecnológicadetalforma
formaçãodoscontratospúblicos,convoͲ forte que impede que a reacção jurisdiͲ
cando uma especial velocidade na reacͲ cional consiga, por mais esforços que
ção contenciosa às ilegalidades cometiͲ faça,acompanhartalritmonosentidoda
dasaolongodaquelesprocedimentos;e protecção dos particulares que particiͲ
a Directiva 2007/66/CE, contemporânea pamemtaisprocedimentos.
do CCP, introduz no ordenamento Eseécertoqueosmecanismosprevistos
comunitárioumconjuntodeorientações naDirectivaparecemeficazesnosentido
que não se quedam pela reforma dos daprotecçãodointeressesubjectivodos
modelos contenciosos préͲcontratuais, autoresprocessuais,nãoémenosverdaͲ
imiscuindoͲse também nos próprios de que a sua transposição, de ímpeto
impulsos rítmicos dos procedimentos de desaceleratório,podeimpedirasentidaͲ
contratação pública, pugnando pela sua desadjudicantesdeactuaremcomeficáͲ
desaceleração. cianomundodaeconomiaglobalizada.
Estasduasrealidadestestemunhamuma Temo que este conflito de velocidades
espécie de confronto de tendências rítͲ seja insanável no contexto do Estado
micasnoseiodacontrataçãopúblicaque Social, uma vez que este modelo de
se tornará mais evidente no momento Estadocontinuaráaexigirconformações
emquenossolegisladortiverquetransͲ legaisquepermitamumaactuaçãocéleͲ
ͷͶDoutrina

poraDirectiva2007/66/VE. re rumo à satisfação das necessidades


Este confronto de tendências rítmicas queestãoconfiadasàsentidadesadjudiͲ
não pode deixar de preocupar todos cantes,aopassoqueossistemascontenͲ
aquelesqueprocuramencararosproceͲ ciosos tenderão a insistir na moderação
do ritmo acelerado dos procedimentos.
ž‰‹ƒ

dimentos de contratação pública e o


própriocontenciosopréͲcontratualcomo ˆ
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Notassobreaantecipaçãodojuízosobreacausaprincipal
(umcomentárioaoartigo121ºdoCPTA)

DoraLucasNeto
JuízadeDireitodoTACdeLisboa


INTRODUÇÃO c) terem sido trazidos ao processo


todososelementosnecessáriospara
Oartigo121ºdoCódigodeProcessonos
oefeito.
Tribunais Administrativos (doravante
CPTA25) veio consagrar, de forma inovaͲ Esta norma constitui, porventura, o exemͲ
tóriananossaordemjurídica,oinstituto plomaisparadigmáticodetodaarevolução
da antecipação do juízo sobre a causa operada pela reforma do contencioso
principal na pendência de um processo administrativo,noqueconcerneàscircunsͲ
cautelar.Aconvolaçãodatutelacautelar tânciasdetempoeurgência,suainfluência
em tutela final urgente é condicionada e determinismo na actuação e poderes do
pelo preenchimento de dois requisitos juiz, que se manifesta em algumas técnicas
denaturezasubstantivaedeumrequisiͲ processuais de gestão do «tempo curto –
todenaturezaprocessual,deverificação uma situação de urgência, ou aquela que
cumulativa: urge tratamento especialmente célere e
prioritário» e que visam acelerar a realizaͲ
a) a manifesta urgência na resolução
ção do direito, «designadamente, pela
definitiva do caso, atendendo à (i)
admissibilidade de providências cautelares
naturezadasquestõescolocadaseà
de natureza antecipatória, que o fazem
ͷͷDuraLucasNeto

(ii)gravidadedosinteressesenvolviͲ
apenasprovisoriamente(artigo112º,CPTA),
dos;
ou por via da antecipação, no âmbito do
b) asituaçãoempresençanãosecomͲ
processo cautelar, do juízo sobre a causa
padeçacomaadopçãodeumasimͲ
principal(artigo121º,n.º1CPTA).LatosenͲ
plesprovidênciacautelar;e

25
Semprequesefaçareferênciaanormaslegais,
ž‰‹ƒ

semamençãododiplomaaquedizemrespeito,
deveconsiderarͲsequetaisartigospertencemao
CPTA.


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su,ambasassoluçõesconcretizamatécnica resolução definitiva do caso, a tutela


26
daantecipação» . cautelar não é apta a oferecer uma resͲ
ComaentradaemvigordoCPTA,passou posta satisfatória; assim como a concreͲ
a ser possível ao juiz cautelar, em cumͲ tizaroprincípiodaeconomiaprocessual,
primento do princípio da tutela judicial na medida em que a simplicidade da
efectiva27, antecipar os efeitos de uma questãoadecidirpodeaconselharefaciͲ
sentença de mérito, através do decretaͲ litaradecisãodeantecipaçãodadecisão
mento de uma providência cautelar de daquestãodefundo.
natureza antecipatória. Pese embora Ainda neste âmbito caracterizador do
algumas dessas situações poderem ser artigo 121º do CPTA, importa sublinhar
provisoriamente reguladas, a verdade é que«onovojuizdeurgênciadesenhado
que «o desejável aponta [ria] para uma noCPTAéumjuizpoderoso»29,namediͲ
decisãodefundo,umavezqueadecisão daemque,talcomonoâmbitodaacção
cautelar favorável dá origem a vantaͲ administrativa especialpode condenar a
gens significativas de direito e proveitos administração à prática de acto legalͲ
defacto,cujareversibilidade,nahipótese mente devido, também pode fazêͲlo
de o processo principal vir a ter insucesͲ interinamente, desde que, nos termos
so,serádedifícilaceitaçãoparaorequeͲ doartigo120º/1,al.c),doCPTA,asseguͲ
rente, entretanto favorecido (…)» sendo requeexisteumgraufortedeprobabiliͲ
dissoexemplo«asquesejamrelativasà dade de êxito do requerente na causa
situaçãocivilouprofissionaldeumapesͲ principal, ou, por maioria de razão, seja
soa (...) em que, o juiz sabe, muitas evidente a procedência da pretensão
vezes, que esvaziará o objecto da acção deduzidaouadeduzirnoprocessoprinͲ
principal,istoé,quedecidetudooquehá cipal,nostermosdaalíneaa)domesmo
paradecidir».28 artigo120º.
Com efeito, o que está aqui em causa é EéaquiquesetocamoslimitesdatuteͲ
um mecanismo que se destina a fazer lacautelarantecipatóriacomapossibiliͲ
faceasituaçõesdilemáticasemqueesteͲ dadedeantecipaçãodadecisãodacauͲ
jaemperigoarealizaçãodoprincípioda sa principal, prevista no citado artigo
tutela jurisdicional efectiva, porquanto, 121º30, na medida em que, a tutela
ͷ͸Doutrina

muito embora se verifique urgência na 


29
 Expressão utilizada por ISABEL FONSECA, op.
 cit.,pg.98
26 30
ISABEL CELESTE M. FONSECA, “Dos Novos ProͲ Nosentidodequeaaplicaçãodestadisposição
cessos Urgentes No Contencioso Administrativo [artigo121ºCPTA]será,seguramente,objectode
(FunçãoeEstrutura),Lisboa,Lex,2004,pg.43. muitascautelas,àpartealigação,entreocritério
27
ž‰‹ƒ

 Artigo 268º/4 da Constituição da República da evidência subjacente às decisões a que faz
Portuguesa referência o artigo 120º/1, al. a) e a via aberta
28
ISABELFONSECA,op.cit.,pgs.83e84. pelo artigo 121º/1, cfr. CARLA AMADO GOMES,


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jurisdicional cautelar, maxime a anteciͲ I)Danecessidadedeteremsidotrazidos


patória, vem satisfazer a exigência de ao processo cautelar todos os elemenͲ
que a duração do processo não se conͲ tosnecessáriosparaadecisãodacausa
verta num dano para a parte que tem principal
provavelmente razão31. Neste pressuͲ Antes de mais, importa sublinhar que,
posto, as providências cautelares estão em nosso entender, não constitui um
funcionalmente dirigidas a neutralizar pressuposto implícito do instituto da
tais prejuízos, derivados da morosidade antecipaçãodojuízosobreacausaprinͲ
inerente à tramitação processual que, cipalapendênciadeumprocessoprinciͲ
podendo ser «conatural ao escopo de pal. Bastará, pelos menos em determiͲ
umajustiçacautaeponderada”corre“o nadoscasosmarcadospelasimplicidade,
riscodeserplatónicaporchegaradesaͲ que no processo cautelar, intentado
tempo32». como preliminar à acção principal,
tenham sido trazidos ao processo todos
DADECISÃODEANTECIPAÇÃODOJUÍZOSOBREA oselementosnecessáriosparaadecisão
CAUSAPRINCIPAL.ARTIGO121ºDOCPTA dacausaprincipal.
Cumpre, nesta sede, analisar cada um Poroutrolado,aindaqueestejapendenͲ
dos requisitos necessários à decisão de te a acção principal, a antecipação do
antecipação da causa principal supra juízo sobre a causa principal implicará,
enunciados, começando, pelo requisito naturalmente, como consequência
processual previsto no artigo 121º e, necessáriaelógicaainutilidadesuperveͲ
seguidamente, pelos requisitos substanͲ nientedessaacção,prejudicandoasposͲ
ciais. teriores fases processuais próprias da
acção principal, designadamente, deterͲ
 minando o não oferecimento de alegaͲ
ções.

O escopo e a natureza da decisão de
antecipaçãotalimplicamnecessariamenͲ
ͷ͹DuraLucasNeto


te, na medida em que a aplicação do

artigo 121º do CPTA pressupõe que
“OregressodeUlisses:umolharsobreareforma
da justiça cautelar administrativa”, Cadernos de foram trazidos ao processo todos os
JustiçaAdministrativa,39,pgs.3ess.
31 elementos necessários para o efeito.
 CHIOVENDA, a expressão consta da “Notas a
Cass. Roma, 7 de marzo de 1921” in Giur.Civ. e Significa isto que este instituto, verificaͲ
Comm., 1921, pg. 362 apud Chinchilla Marin, La dos que estejam todos os requisitos
TutelaCautelarenlanuevajusticiaadministratiͲ
legalmente previstos, se traduz numa
ž‰‹ƒ

va,Madrid,Civitas,1991.
32
MANUELDEANDRADE,Noçõeselementaresde convolação do processo cautelar num
ProcessoCivil,CoimbraEd.,1993,pg.10.


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processo principal urgente33 cujas fases II) Da manifesta urgência na resolução
se resumem à audição das partes e à definitiva do caso atendendo à «natuͲ
emissãodeumjuízosobreacausaprinͲ reza das questões e à gravidade dos
cipal. Deste modo, não há lugar à contiͲ interessesenvolvidos»
nuaçãodatramitaçãodaacçãoprincipal TrataͲse de um requisito substantivo, a
nemsepassaatramitaroprocessocauͲ seraferidocasoacaso,desdelogo,para
telar,apartirdadecisãodeantecipação, delimitação da aplicação excludente do
como se de um processo principal se artigo109ºdoCPTA.
tratasse. Porém,prefiguramͲse,anossover,pelo
Obviamente que esta antecipação do menos duas circunstâncias que permiͲ
juízodacausaprincipalnãopodesignifiͲ tem, tendencialmente, uma objectivaͲ
car uma diminuição inadmissível das çãodesterequisito:
garantias de defesa, pelo que, caberá i) quando a situação da vida trazida
justificar,tambémaessenível,adecisão aos autos se articula com actos
em causa, designadamente quanto à inseridos num procedimento conͲ
essencialidadedosfactosassentes,assim cursal;e
como a inexistência de matéria de facto
ii) quandoestejaemcausaasituação
controvertidarelevantenoprocessocauͲ
profissionaloupessoaldaspartes.
telareadesnecessidadederealizaçãode
ExemploemblemáticoéodeumrequeͲ
quaisqueroutrasdiligênciasdeprova.
rimento cautelar de admissão provisória
Por outro lado, se a decisão a proferir
numconcurso,ounumaescolaoufaculͲ
recair,particularmente,sobrematériade
dade ou de autorização provisória de
direito,ficafacilitadaaconclusão,necesͲ
exercíciodeumadadaactividadeprofisͲ
sariamentecasuística,dequeresultamjá
sional.
doprocessocautelartodososelementos
necessáriosparaqueseantecipeadeciͲ Vejamos.

são da causa principal, impondoͲse esta Quando a situação da vida trazida aos
por razões de celeridade e de eficácia autos se articula com actos inseridos
processual, verificados que estejam os num procedimento concursal, este priͲ
restantesrequisitosconstantesdoartigo meirorequisitosubstantivodeaplicação
ͷͺDoutrina

121º. do artigo 121º, será objectivado, por


identidadederazão,nostermosdoartiͲ
 go 132º/7 do CPTA, ao abrigo do qual
«quando, logo no processo cautelar, o
juizconsideredemonstradaailegalidade

ž‰‹ƒ

33
NestesentidoviderecentíssimoAc.TCASul,de deespecificaçõescontidasnosdocumenͲ
26.03.2009,P.02088/06,inwww.dgsi.pt


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tos do concurso que era invocada como transparência,comooprincípiodaprosͲ


fundamento do processo principal, pode secuçãodointeressepúblicoeoprincípio
determinar a sua correcção, decidindo, dalegalidade.Orespeitopelalegalidade
dessemodo,ofundodacausa». préͲcontratual assegura que a adminisͲ
Naverdade,considerandoquesetratam tração beneficia das vantagens da conͲ
de concursos públicos, cuja matéria de corrênciaecelebraocontratocomaqueͲ
facto subjacente aos autos se desenrola lequeapresentaascondiçõesmaisvanͲ
num espaço de tempo curto, face à tajosasparaointeressepúblico.».34
duraçãoprováveldaacçãoprincipal,será Nãoexiste,destemodo,qualquerconfliͲ
do interesse de todas as partes que a to entre o interesse do requerente em
situação esteja definida antes de o proͲ continuar a participar num procedimenͲ
cedimentoemcausaterminar. toeointeressedorequeridooudosconͲ
Assim, se por um lado o requerente da traͲinteressados em assegurar a contiͲ
tutela cautelar tem um interesse óbvio nuidade do procedimento concursal,
em ver estabilizada a sua situação, não antesconstitueminteressesqueconverͲ
menos óbvio é o interesse e a urgência gemnabondadedeumadecisão.
do requerido (e contraͲinteressados) na Face ao exposto, nos procedimentos
resolução definitiva do litígio. Com efeiͲ concursais que culminam com a prática
to, quanto mais perto do fim seguir o de um acto administrativo e nos proceͲ
concurso, sustentado por uma decisão dimentos conducentes à celebração de
provisória,maislongeemaioresserãoas umcontrato,concorremidênticasrazões
expectativas que se criarão na esfera de urgência, pelo que, naqueles, atenͲ
jurídica de todos, independentemente dendo à similitude da «natureza das
da posição que detenham na relação questões»,verificarͲseͲá,tendencialmenͲ
jurídicaemcausa,emaiorseráoriscode te, uma «manifesta urgência na resoluͲ
os indemnizar ou de se consolidarem çãodefinitivadocaso»talcomoseexige
situaçõesincompatíveisfaceaodisposto no artigo 121º e que está subjacente à
no artigo 173º/3 e 4 do CPTA. Acresce previsãodanormaconstantedon.º7do
DoraLucasNeto 
ͷͻDuraLucasNeto

que «(…)o interesse público fica claraͲ artigo132º.


mente beneficiado se as ilegalidades Assim como, estando em causa a situaͲ
ocorridasduranteoprocedimentoforem ção profissional ou pessoal das partes e
corrigidas atempadamente. A disciplina na linha interpretativa que se pretende
dos procedimentos préͲcontratuais evidenciarcomestasnotas,a«manifesta
garantenãoapenasorespeitodoprincíͲ

pio da não discriminação, da igualdade, 34
ž‰‹ƒ

 ANA GOUVEIA MARTINS, A tutela cautelar no


dalivreconcorrência,dapublicidadeeda contencioso administrativo, Coimbra Ed., 2005,
pg.284.Cfr.tambémpg.539.


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urgência na resolução definitiva do Comojáseavançousupra,noâmbitoda


caso», aferirͲseͲá, também, sob a tónica tutela cautelar o maior risco é o de se
da «gravidade dos interesses envolviͲ ultrapassarem os limites da provisorieͲ
dos»,emparalelocomacircunstânciade dade e instrumentalidade que lhe são
asituaçãoemcausanãosecompadecer inerentes e, assim, ser decretada uma
com a adopção de uma simples proviͲ providência que pouco irá deixar para a
dênciacautelar. decisão do processo principal ou que
Convém frisar, a este propósito e conͲ causará prejuízos irreversíveis ou definiͲ
formesupraexposto,queocampopriviͲ tivosaqualquerumadaspartes36.
legiado da decisão de antecipação da As decisões cautelares que decidam
causaprincipaléodasprovidênciascauͲ sobre a situação pessoal ou profissional
telares de natureza antecipatória, por dosrequerentese,necessariamente,dos
sernestasqueadecisãocautelarsurge, requeridos e eventuais contraͲinteresͲ
emsi,dilemática,aopermitir,queruma sados,tendopresenteadesejávelestabiͲ
antecipaçãocautelardadecisãodoproͲ lização das situações da vida em litígio,
cesso principal, quer a antecipação da sãocasosprivilegiadosdeaplicaçãodesͲ
decisão de fundo, nos termos do artigo te segmento da norma, em que anteciͲ
121º. par a decisão da causa principal será a
actuação que melhor tutela todos os
III) Last, but not least, a situação em interesses em presença, na esteira do
causanãosecompadeçacomaadopção imperativo constitucional de realizar
deumaprovidênciacautelar umatutelajudicialefectiva.
A expressão legal «compadecer» é uma Nestescasos,verificadosqueestejamos
expressão invulgar em termos de herͲ restantes requisitos, é possível de iure
menêuticajurídicae,porisso,seprestaa condito e, diríamos mesmo, preferível,
alguma exegese no sentido de definir o decidir a questão de fundo, em vez de
seualcance. determinar admissões, nomeações,
JulgaͲse que a expressão «não se comͲ autorizaçõeselicençasprovisórias.
padecercomdecretamentodeumasimͲ Na verdade, tratandoͲse, estruturalmenͲ
ples providência cautelar» constante do te,desituaçõescriadasaoabrigodeuma
͸ͲDoutrina

artigo121º,queaquianalisamos,signifiͲ decisão jurisdicional provisória, que se


caapenas,salvomelhoropinião,ainsufiͲ perpetuamnotempoatéaotrânsitoem
ciência da tutela cautelar e não a sua julgado da decisão do processo princiͲ
impossibilidade35.
 
ž‰‹ƒ

35 36
 Neste sentido, cfr. ANA GOUVEIA MARTINS,  A propósito, FERNANDA MAÇÃS, O Debate
op.cit.,pg.355 Universitário,CoimbraEd.,2003,pg.362


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pal37,correͲseoriscode,comasuaexeͲ principaléprévioeéfeitoàmargemdo
cução,secriaremefeitosdedireitooude conhecimento da questão cautelar de
facto indesejáveis, injustos, face a qualͲ fundo.
quer desfecho, de procedência ou de Ou seja, o juiz, oficiosamente ou a
improcedência, que venha a ter a deciͲ requerimento das partes, reconhece a
sãodemérito38. necessidade de antecipar a decisão da
AideiadequeatutelacautelaréinsufiͲ causa principal antes de conhecer da
ciente, ideia que aqui se defende questão de fundo da providência ou,
enquanto critério interpretativo da sequer, de pôr a hipótese de ser decreͲ
expressão legal não se compadecer com tada outra mais adequada, na medida
a adopção de uma simples providência em que o elemento determinante é a
cautelar, reside, essencialmente, no facͲ necessidadedeumadecisãodemérito.
to de existirem situações em que, não Entendemos, deste modo, que é possíͲ
estandoemperigooexercícioemtempo vel, perante a impossibilidade de decreͲ
útildeumdireito,liberdadeougarantia, tamento de uma providência, Ͳ designaͲ
o que permitiria o recurso à intimação damente, por implicar a produção de
urgenteprevistanoartigo109ºdoCPTA, prejuízos definitivos e irreversíveis, quer
existe uma similar necessidade urgente para o requerente, quer para o requeriͲ
de uma decisão de fundo e não de uma do e, como tal, insusceptíveis de tutela
simplesdecisãoprovisória. cautelar Ͳ lançar mão da antecipação da
EéexactamenteestanecessidadeurgenͲ causaprincipal.
tedeumadecisãodefundoquetornaa Assim como se considera que o regime
tutela cautelar insuficiente, quer a deciͲ previstonoartigo121ºdeveseraplicado
são a proferir neste processo se preveja nas situações em que a tutela cautelar,
comodeprocedênciaouimprocedência, ainda que possível, não seja a tutela
isto porque o juízo acerca da necessidaͲ adequada, pois é a sua insuficiência o
de de se antecipar a decisão da causa critérioquedeterminaoseunãocompaͲ

37
Cfr.artigo123º/1,als.a),c)ef),doCPTA
decimentocomadecisãoemcausa.
͸ͳDuraLucasNeto

38
Pensamos,porexemplo,nasituaçãodeadmisͲ Por maioria de razão, as situações em
são provisória de uma aluno numa Faculdade,
faceaodecursodotemponormaldedecisãodo que estejam em causa a aplicação do
processoprincipalnãourgente;ounassituações artigo120º/1,al.a)doCPTA,eemquea
de admissões provisórias supranumerárias em
que a admissão definitiva de um implicará a tutelacautelarserevelainsuficiente,por
exclusãodeoutro;ouaindanassituaçõesemque se considerar que a situação em apreço
face a uma ilegalidade no critério de ordem e
seriação das candidaturas, uma decisão final de exigeumapronúnciademéritourgente,
ž‰‹ƒ

méritofavorávelaorequerente,poderátercomo sãotambémelasumterrenoprivilegiado
consequêncianecessáriaareordenaçãodetodos
oslugarespostosaconcurso.
de antecipação da causa principal, pois


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nestescasosdeevidenteprocedênciada Esta decisão é uma verdadeira saída de


pretensão formulada ou a formular no emergência,aquesepodeedeverecorͲ
processo principal, por inerência a este rer não apenas em situações raríssimas,
juízo de evidência, constarão já do proͲ mas sempre que o juiz reconheça ser
cesso todos os elementos necessários esse o caminho para uma maior e
paraoefeito.39 melhor tutela jurisdicional efectiva na
jurisdiçãoadministrativa,nostermosque
EMJEITODECONCLUSÃO se considera serem já hoje permitidos
Com as presentes notas não se quis peloartigo121ºdoCPTA.ˆ
defender,comoseesperatersidonotóͲ
rio, uma aplicação desregrada, irreflectiͲ
da,precipitadadomecanismodeconvoͲ
lação processual previsto no artigo 121º
doCPTA.
Oquesepretendeufoi,tãosó,recolocar
estaquestãosobatónicadanecessidade
da tutela cautelar, assim como da sua
adequação e equilíbrio, enquanto parâͲ
metrosemquesejogaaefectividadedo
sistema de protecção cautelar40 plasmaͲ
donoCPTA.
É através de um reconhecimento dos
limitesintrínsecosdatutelacautelarque
seabreapossibilidadedeantecipaçãoda
decisãosobreacausaprincipal.

39
 Vide Ac. STA de 03.06.2007, P. 01143/06 in
www.dgsi.pt,ondesepoderiateralicerçadouma
via de aplicação do artigo 121º, perante a eviͲ
dência da pretensão formulada (ou a formular)
noprocessoprincipalefaceàurgêncianaresoluͲ
çãodefinitivadocasoatendendoà«naturezadas
͸ʹDoutrina

questõeseàgravidadedosinteressesenvolvidos.
Não foi esse o caminho escolhido no aresto em
causa, pese embora se tenha ido buscar fundaͲ
mento para o não decretamento da providência
requerida, face a uma ponderação de todos os
prejuízosenvolvidosdesfavorávelaorequerente,
ž‰‹ƒ

aoartigo45ºdoCPTA.
40
 Expressão usada por CARLA AMADO GOMES,
op.cit.


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AIndemnizaçãopelosacrifício

FernandoAlvesCorreia
ProfessordaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra


I–Caracterizaçãogeral a integram41, e cujo escopo comum é a


transferência do dano do sujeito lesado
ONovoRegimedaResponsabilidadeCivil
paraoautordofactodanoso42.
ExtracontratualdoEstadoeDemaisEntiͲ
dades Públicas, aprovado pela Lei n.º Os quatro tipos enunciados são: a resͲ
67/2007,de31deDezembro,ealterado ponsabilidadecivilpordanosdecorrentes
pontualmente pela Lei n.º 31/2008, de do exercício da função administrativa,
17 de Julho, disciplina quatro tipos de queocupaoCapítuloII,aqualsedesdoͲ
responsabilidade do Estado em sentido bra em responsabilidade por facto ilícito
amplo, os quais têm origem em factos (abarcadora dos casos de responsabiliͲ
distintos, assentam em diferentes presͲ dade exclusiva do Estado e demais pesͲ
supostoseobedecemaregimesjurídicos soas colectivas de direito público, de
diversos. O fundamento jurídicoͲconsͲ responsabilidadesolidáriadestasentidaͲ
titucional também não é o mesmo para des públicas com os titulares de órgãos,
todoseles. funcionárioseagentesederesponsabiliͲ

De qualquer modo, poderemos falar de dade exclusiva dos titulares de órgãos,
funcionários e agentes) e responsabiliͲ
͸͵FernandoAlvesCorreia
um“superconceito”deresponsabilidade
doEstadoemsentidoamplo,englobador dade pelo risco; a responsabilidade civil
por danos decorrentes do exercício da
daqueles tipos de responsabilidade, ou,
dizendoascoisasdeoutromodo,deum funçãojurisdicional,queseestendepelo
Capítulo III; a responsabilidade civil por
institutounitárioderesponsabilidadedo
Estado, não obstante as importantes 
41
peculiaridadesdecadaumdostiposque Cfr.J.J.GomesCanotilho/VitalMoreira,ConstiͲ
tuição da República Portuguesa Anotada, Vol. I,
4.ªed.,Coimbra,CoimbraEditora,2007,p.432.
42
ž‰‹ƒ

Cfr.J.J.GomesCanotilho,OProblemadaResͲ
ponsabilidadedoEstadoporActos Lícitos,CoimͲ
bra,Almedina,1974,p.99.


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danosdecorrentesdoexercíciodafunção gerais, apresentaͲnos o seguinte conceiͲ


legislativa,queintegraoCapítuloIV;ea to de danos ou encargos especiais e
indemnizaçãopelosacrifício,quecorresͲ anormais:
pondeaoCapítuloV.
“Paraosefeitosdodispostonapresente
É sobre esta última que vamos tecer lei,consideramͲseespeciaisosdanosou
algumasbreveseligeirasconsiderações. encargosqueincidamsobreumapessoa
Começamos por sublinhar a localização ouumgrupo,semafectaremageneraliͲ
sistemáticadaindemnizaçãopelosacrifíͲ dade das pessoas, e anormais os que,
cio–umalocalizaçãoaoladoeseparada ultrapassandooscustosprópriosdavida
da responsabilidade decorrente da funͲ em sociedade, mereçam, pela sua graviͲ
ção administrativa, da função jurisdicioͲ dade,atuteladodireito”.

nal e da função legislativa –, porque, Procedendo a um rápido cotejo com o
segundo cremos, desse facto derivam que, sobre esta matéria, estabelecia o
importantes consequências quanto ao DecretoͲLein.º48051,de21deNovemͲ
perímetrodeaplicaçãodaindemnização brode1967–quecontinhaoRegimeda
pelosacrifício.Voltaremosdaquiapouco Responsabilidade da Administração
aesteproblema. Pública por Actos de Gestão Pública, o
qual foi revogado e substituído pelo
II–Fundamentoesentido Novo Regime da Responsabilidade Civil
Oartigo16.ºdoRegimedaResponsabiliͲ ExtracontratualdoEstadoeDemaisEntiͲ
dade Civil Extracontratual do Estado e dades Públicas –, verificamos que as
Demais Entidades Públicas define os diferençassãosignificativas.
pressupostosdaindemnizaçãopelosacriͲ Primo, a expressão indemnização pelo
fício,nosseguintestermos: sacrifícionãoerautilizadanoDecretoͲLei
n.º 48051. Secundo, aindemnização dos
“OEstadoeasdemaispessoascolectivas
encargos ou danos especiais e anormais
de direito público indemnizam os partiͲ
erareportadapeloDecretoͲLein.º48051
culares a quem, por razões de interesse
exclusivamente aos actos administratiͲ
público, imponham encargos ou causem
voslegaisouactosmateriaislícitos,praͲ
danos especiais ou anormais, devendo,
ticados,nointeressegeral,peloEstadoe
͸ͶDoutrina

paraocálculodaindemnização,atenderͲ
demais pessoas colectivas públicas (artiͲ
se, designadamente, ao grau de afectaͲ
go 9.º, n.º 1) e ao sacrifício especial, no
ção do conteúdo substancial do direito
todoouemparte,decoisaoudireitode
ouinteressevioladoousacrificado”.
terceiro, operado pelo Estado e demais
ž‰‹ƒ

Porsuavez,oartigo2.º,enquadradono pessoas colectivas públicas, em caso de


Capítulo I, com a epígrafe disposições


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necessidade e por motivo de imperioso Responsabilidade, dos chamados casos


interesse público (artigo 9.º, n.º 2). TerͲ de responsabilidade civil extracontratual
tio, os casos apontados de responsabiliͲ da Administração Pública por actos juríͲ
dade civil derivavam sempre de actos dicos (actos administrativos e regulaͲ
administrativos ou de actos materiais mentos)eactosmateriaislícitos.
imputados à Administração Pública.
Estamos perante actos jurídicos ou
Quarto, o DecretoͲLei n.º 48051 não
materiais praticados por órgãos da
definiaoconceitodedanosouencargos
Administração Pública, por motivos de
especiais e anormais, tendo tal tarefa
interesse público, no respeito das leis e
sidodesempenhada–ebem–peladouͲ
dos princípios jurídicos fundamentais
trinaepelajurisprudência.
regentes da actividade administrativa,
No quadro do Novo Regime da ResponͲ mas que, por produzirem encargos ou
sabilidadeCivilExtracontratualdoEstado danos especiais (singulares) e anormais
e Demais entidades públicas, a indemniͲ (graves), devem ser acompanhados de
zação pelo sacrifício é um instituto conͲ indemnização.AexigênciadaindemnizaͲ
gregador de todos os casos de indemniͲ ção encontra o seu fundamento não no
zação de danos ou encargos especiais e artigo22.ºdaConstituição,masantesno
anormais,resultantesdeactosdepoder princípiodoEstadodedireitodemocrátiͲ
público lícitos, praticados por razões de co,condensadonosartigos2.ºe9.º,alíͲ
interesse público. Ela abrange, inquesͲ nea b), da Constituição (a indemnização
tionavelmente,oscasosderesponsabiliͲ dosdanosespeciaiseanormaisresultanͲ
dadecivilextracontratualdaAdministraͲ tes de actos jurídicos e materiais lícitos,
çãopúblicaporactoslícitos(actosadmiͲ praticadospelaAdministraçãoporrazões
nistrativos legais ou actos materiais líciͲ de interesse público, é uma imposição
tos), previstos no artigo 9.º, n.º 1, do daquele princípio) e do princípio da
DecretoͲLei n.º 48051, bem como os igualdade dos cidadãos perante os
casos impositivos de sacrifícios especiais encargos públicos, queé umaexpressão
͸ͷFernandoAlvesCorreia

de coisas ou direitos de terceiro, decorͲ do princípio da igualdade, plasmado no
rentes de uma actuação da AdministraͲ artigo 13.º, n.º1, da Lei Fundamental (a
ção, em estado de necessidade e por pessoa ou pessoas que suportam, por
motivo imperioso de interesse público, razõesdeinteressepúblico,osreferidos
condensados no artigo 9.º, n.º 2, do danos contribuiriam em maior medida
DecretoͲLein.º48051. doqueosrestantescidadãosparaointeͲ

Dúvidas inexistem, assim, quanto ao resse público, no caso de não ressarciͲ
mentodaquelesdanos,peloquehaveria
ž‰‹ƒ

cabimento, no âmbito da aplicação da


uma violação do “princípio da igualdade
normadoartigo16.ºdoNovoRegimede


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dos cidadãos perante os encargos públiͲ especiais e anormais”, de natureza
cos”seosdanosporelessuportadosnão patrimonial ou pessoal (v.g., vida, saúde
fossemindemnizados)43. e liberdade), constante do artigo 2.º do
Novo Regime da Responsabilidade Civil
Dado que estamos perante uma activiͲ
ExtracontratualdoEstadoeDemaisEntiͲ
dade administrativa lícita – licitude que
dades Públicas, inspirouͲse claramente
advém não só do seu desenvolvimento
nadoutrinaportuguesamaisrepresentaͲ
deacordocomaleieodireito,mas,ainͲ
tiva e pareceͲnos correcta. A influência
da, do facto de a ressarcibilidade dos
da doutrina e jurisprudência alemãs é
danosestarprevistanalei–,compreenͲ
manifesta, dado que a apontada noção
deͲse que não sejam indemnizáveis
de“encargosoudanosespeciaiseanorͲ
todos e quaisquer danos ou encargos,
mais” constitui uma síntese das duas
masapenasosdotadosdeespecialidade
grandes teorias jurisprudenciais e douͲ
egravidade,sobpenadeinsolúveisproͲ
blemasfinanceirosparalisadoresdaactiͲ trinais respeitantes à demarcação entre
vidadedoEstadoedasdemaisentidades a expropriação e a vinculação social da
públicas. FalaͲse, a este propósito, de propriedade do solo [a teoria do sacrifíͲ
cioespecial(Sonderopfertheorie)eateoͲ
“elementosͲtravão”deumatotalsocialiͲ
ria da gravidade (Schweretheorie)], conͲ
zaçãodosprejuízos44.
gregandoelementosformaisemateriais
O artigo 16.º do Novo Regime da ResͲ nadefiniçãodaqueleconceito45.
ponsabilidade só considera como mereͲ
cedores de indemnização “os encargos A caracterização da especialidade e da
oudanosespeciaiseanormais”,talcomo anormalidade de um encargo ou dano,

ofaziaoartigo9.º,n.º1,doDecretoͲLei para efeitos da sua indemnização, deve


n.º 48051. Especiais são “os danos ou ser feita tendo em conta as circunstânͲ
encargosqueincidamsobreumapessoa ciasdocaso.Mas,porvezes,olegislador
ouumgrupo,semafectaremageneraliͲ procede, ele mesmo, a essa caracterizaͲ
çãoeimpõe,emcertassituações,aatriͲ
dade das pessoas”. Anormais são aqueͲ
buição de uma indemnização. É o que
les que, “ultrapassando os custos próͲ
sucede com a obrigação de indemnizaͲ
prios da vida em sociedade, mereçam,
ção dos danos resultantes da alteração
pela sua gravidade, a tutela do direito”.
͸͸Doutrina

Esta definição de “encargos ou danos por iniciativa da câmara municipal das
condições da licença ou comunicação

43
Cfr..J.J.GomesCanotilho/VitalMoreira,ConsͲ prévia de uma operação de loteamento,
tituiçãodaRepúblicaPortuguesaAnotada,cit.,,
p.431e432. 
44 45
ž‰‹ƒ

Cfr.J.J.GomesCanotilho,OProblemadaResͲ Cfr.anossaobraOPlanoUrbanísticoeoPrinͲ
ponsabilidadedoEstadoporActosLícitos,cit.,p. cípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1989, p.
271. 494Ͳ505.


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desdequetalalteraçãosemostrenecesͲ III–Âmbitodeaplicação
sária à execução de um superveniente
Comotivemosensejodereferiracima,a
plano municipal ou especial de ordenaͲ
localização sistemática da indemnização
mentodoterritório.
pelo sacrifício no Capítulo V do Regime
Defacto,oRegimeJurídicodaUrbanizaͲ daResponsabilidadeCivilExtracontratual
çãoeEdificação(aprovadopeloDecretoͲ do Estado e Demais Entidades Públicas,
Lein.º555/99,de16deDezembro,alteͲ separado da responsabilidade associada
rado,porúltimo,pelaLein.º60/2007,de àsfunçõesadministrativa,jurisdicionale
4 de Setembro) determina, no artigo legislativa,bemcomanãoimputaçãoda
48.º,n.º1,que“ascondiçõesdalicença indemnização pelo sacrifício a nenhuma
oucomunicaçãopréviadeumaoperação específica função estadual legitimarão a
de loteamento podem ser alteradas por conclusão de que aquela não abrange
iniciativadacâmaramunicipaldesdeque apenas os danos especiais e anormais
talalteraçãosemostrenecessáriaàexeͲ decorrentes do exercício da função
cução de plano municipal de ordenaͲ administrativa, designadamente os deriͲ
mento do território, plano especial de vados de actos administrativos lícitos e
ordenamento do território, área de de acções praticadas em estado de
desenvolvimentourbanoprioritário,área necessidade administrativa, a que se
de construção prioritária ou área crítica referiam os n.ºs1 e 2 do artigo 9.º do
de recuperação e reconversão urbanístiͲ DecretoͲLein.º48051.
ca”. Mas logo adianta, no n.º 4 do mesͲ
A indemnização pelo sacrifício abarcará
mo artigo, que “a pessoa colectiva que
tambémaindemnizaçãodedanosespeͲ
aprovarosinstrumentosreferidosnon.º
ciais e anormais provocados por actos
1 que determinem directa ou indirectaͲ
legislativos não enquadrados na norma
mente os danos causados ao titular do
doartigo15.ºdoRegimedaResponsabiͲ
alvaráedemaisinteressadosemvirtude lidade Civil Extracontratual do Estado e
doexercíciodafaculdadeprevistanon.º
͸͹FernandoAlvesCorreia
Demais Entidades Públicas46. RefiraͲse
1 é responsável pelos mesmos nos terͲ

mos estabelecidos no DecretoͲLei n.º 46
Emboraanormadoartigo16.ºdoRegimeda
48051,de21deNovembrode1967,em Responsabilidade Civil Extracontratual doEstado
e Demais Entidades Públicas pareça comportar,
matéria de responsabilidade por actos devido aos termos amplos nela utilizados, a
lícitos”(agora,“indemnizaçãopelosacriͲ indemnização dos danos especiais e anormais
decorrentes de actos políticos (por exemplo, a
fício”). proibição de acostagem em portos nacionais de
navios, noscasos em que não ocorrauma violaͲ
çãodasnormasrespeitantesatransportesmaríͲ

ž‰‹ƒ

timos,oencerramentodeumaembaixadaoude
umconsuladonoestrangeiroouonãoreconheͲ
cimentodeumasituaçãodecalamidadepública),


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que é esta a posição sufragada pela ciais e anormais decorrentes de actos
generalidade dos autores que participaͲ legislativosconformesàConstituição,ao
ramnosdebatescientíficossobreaProͲ direito internacional, ao direito comuniͲ
postadeLein.º95/VIII,apresentadapelo tárioouactolegislativoreforçado(como
XIVGovernoConstitucionalàAssembleia sucederácomumaleiqueproíbecertas
da República, que esteve na génese do importações,donderesultaarupturade
actual Regime da Responsabilidade Civil contratos já celebrados entre empresas
ExtracontratualdoEstadoeDemaisEntiͲ nacionaiseestrangeiras).
dadesPúblicas47,bemcomoporaqueles NãocontestamosabondadedestainterͲ
que já se debruçaram sobre este  novo pretação.Achamos,porém,muitoestraͲ
diplomalegal48. nhoque,tendoolegisladordefinidocom
De acordo com este entendimento, no especial rigor os pressupostos da resͲ
âmbito da indemnização pelo sacrifício ponsabilidade civil por danos decorrenͲ
caberá a indemnização dos danos espeͲ tes da função legislativa, no artigo 15.º
 do Regime da Responsabilidade Civil –
cremos que a responsabilidade extracontratual
do Estado por danos oriundos do exercício da entre os quais se conta a anormalidade
função política está claramente excluída do dosdanoscausadosaosdireitosouinteͲ
perímetro de aplicação daquele Novo Regime,
comoresultadoseuartigo1.º,n.º1,quecircunsͲ
resses legalmente protegidos dos cidaͲ
creve o âmbito de aplicação do mesmo aos dãos por actos legislativos ou omissões
“danosresultantesdoexercíciodafunçãolegislaͲ
legislativaseaviolaçãopelosmesmosda
tiva,jurisdicionaleadministrativa”.Sópode,por
isso,deverͲseaummanifestolapsodolegislador Constituição,dodireitointernacional,do
a utilização, nas epígrafes do Capítulo V e do
direitocomunitáriooudeactolegislativo
artigo 15.º, da expressão “ função políticoͲ
legislativa”, porquanto aí é disciplinada tãoͲsó a de valor reforçado –, tenha vindo, no
responsabilidade civil do Estado e das regiões artigo 16.º, a abrir a porta à ressarcibiliͲ
autónomas por danos resultantes da função
legislativa. dade dos danos especiais e anormais
47
 Cfr., a título exemplificativo, Carlos Fernandes decorrentes de todo e qualquer acto
Cadilhe, Regime Geral da Responsabilidade Civil
daAdministraçãoPública,in“CadernosdeJustiça legislativo,mesmoquetotalmentereguͲ
Administrativa”,n.º40(2003),p.18Ͳ31;MargariͲ lar,atítulodeindemnizaçãopelosacrifíͲ
da Cortez, Contributo para uma Reforma da Lei
de Responsabilidade Civil da Administração, in cio.
“ResponsabilidadeCivilExtraͲContratualdoEstaͲ
do, Trabalhos Preparatórios da Reforma”, CoimͲ E consideramos profundamente criticáͲ
͸ͺDoutrina

bra, Coimbra Editora, 2002, p. 257Ͳ264; e João vel que, no âmbito da responsabilidade
Raposo, Novas Fronteiras da Responsabilidade
Civil Extracontratual da Administração, in poractosdafunçãolegislativa,setenha
“Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 58 transitado de uma ausência quase total
(2006),p.67Ͳ73.
48
 Cfr.,por exemplo, L. Cabral deMoncada, ResͲ de fundamentos de propositura da conͲ
ž‰‹ƒ

ponsabilidade ExtraͲContratual do Estado, A Lei sequenteacçãoderesponsabilidadecivil


N.º67/2007,de31deDezembro,Lisboa,Abreu&
Marques,Vinhas,2008,p.89Ͳ100.
contra o Estado para uma desmesurada


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extensão das hipóteses de responsabiliͲ uma indemnização que não abarque a
dade. E interrogámoͲnos, como o fez o totalidade ou a integralidade dos danos
PresidentedaRepúblicanafundamentaͲ especiais e anormais suportados pelo
ção do veto político à promulgação do lesado.
Decreto n.º 150/X da Assembleia da
Uma interpretação da norma do artigo
República,queaprovouoregimedaresͲ
16.º que possibilitasse o cálculo de uma
ponsabilidade civil extracontratual do
indemnização que não abrangesse a
Estado e demais entidades públicas, se
totalidadedosdanosinfligidosaolesado
não estaremos perante a assunção pelo
violaria um princípio fundamental inforͲ
Estado de “uma função «previdencialisͲ
mador desta matéria: o princípio da
ta»,dosdanoseriscossociaisatravésde
igualdadeperanteosencargospúblicos.
uma expansão excessiva dos pressuposͲ
tos de responsabilidade das entidades Entendemos, por isso, que também na
públicas,comespecialrelevonodomínio indemnização pelo sacrifício, compreenͲ
do exercício da função legislativa”, dida como modalidade de responsabiliͲ
aspectoestequenãodeixaráde“contriͲ dade civil extracontratual do Estado e
buir,emprejuízomanifestodointeresse demais pessoas colectivas públicas, se
nacional,paraumarelaçãopoucosolidáͲ aplicam os critérios estabelecidos no
artigo 3.º do Regime da ResponsabilidaͲ
ria entre o poder político e a sociedade
de Civil Extracontratual do Estado e
civil”.
Demais Entidades Públicas. Assim, deve
operarͲsenaavaliaçãoconcretadodano
IV–ExtensãoouconteúdodaindemniͲ
comateoriadadiferença:confrontaͲsea
zação
situação em que o lesado se encontra
Oartigo16.ºdoRegimedaResponsabiliͲ (situaçãoreal)comasituaçãoemquese
dade Civil Extracontratual do Estado e
encontraria se a lesão não se tivesse
DemaisEntidadespúblicasdetermina,in
verificado (situação hipotética), corresͲ
fine,que,paraocálculodaindemnização
͸ͻFernandoAlvesCorreia
pondendo a indemnização à diferença
pelo sacrifício, deve “atenderͲse, desigͲ
entraasduassituações.Significaistoque
nadamente, ao grau de afectação do
estão aqui abrangidos quer o dano
conteúdo substancial do direito ou inteͲ emergente (damnum emergens), quer o
ressevioladoousacrificado”.
lucro cessante (lucrum cessans), isto é,
Temosaquiumcritérioouumguiapara tanto a perda ou diminuição de valores
o intérprete e, em último caso, para o já existentes no património do lesado,
juiz para a determinação do quantum como os benefícios que ele deixou de
ž‰‹ƒ

indemnizatur e não uma cláusula limitaͲ obteremconsequênciadalesão,ouseja,


tiva da indemnização, legitimadora de o acréscimo patrimonial frustrado. Isto


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resultaclaramentedon.º1doartigo3.º V – A indemnização pelo sacrifício e a


daqueleRegime49. expropriaçãodesacrifício

Poroutrolado,on.º3mandacomputar Umúltimopontoquequeremosabordar,
naindemnizaçãoosdanospatrimoniaise ainda que em termos necessariamente
nãopatrimoniais,bemcomoosdanosjá breves, é o relativo à complexa questão
produzidoseosdanosfuturos,consoanͲ da distinção entre a indemnização pelo
te se tenham verificado ou não no sacrifício, enquanto modalidade de resͲ
momento que se considera, designadaͲ ponsabilidade civil extracontratual do
mente à data da fixação da indemnizaͲ Estado e demais pessoas colectivas de
ção. É claro que a indemnização dos direitopúblico,eaexpropriaçãodesacriͲ
danosfuturossóépossívelseelesforem fício.
previsíveis.
Comoésabido,épossíveldistinguirdois
ConcluiͲse do que vem se ser referido sentidosdeexpropriação:aexpropriação
que não são admissíveis, no domínio da em “sentido clássico” (“expropriação
responsabilidade civil extracontratual do clássica”) e a expropriação de sacrifício.
Estado e demais entidades públicas, A primeira pode ser definida como um
indemnizações não correspondentes à actodeprivaçãooudesubtracçãodeum
reparaçãointegraldosdanoscausados.A direitodeconteúdopatrimonialenasua
únicaexcepçãoéaqueconstadoartigo transferência para um sujeito diferente,
15.º, n.º 6, daquele Regime, respeitante para a realização de um fim público.
à indemnização de danos anormais Estamosperanteumconceitoelaborado
decorrentesdoexercíciodafunçãolegisͲ pela doutrina e jurisprudência germâniͲ
lativa, quando os lesados forem em cas – mas, hoje, perfeitamente aceite
número muito elevado. Num caso desͲ pela doutrina e jurisprudência nacionais
tes, por razões de interesse público de –, para expressar fenómenos expropriaͲ
excepcional relevo, justificaͲse a limitaͲ tivos nos quais se verifica simultaneaͲ
çãodoâmbitodaobrigaçãodeindemniͲ mente um momento privativo e um
zação,emtermosdeestapoderserfixaͲ momento apropriativo do direito de
da equitativamente em montante infeͲ propriedade. Característica essencial do
rior ao que corresponderia à reparação conceito clássico de expropriação é a
͹ͲDoutrina

integraldosdanoscausados. mudançadetitulardodireito.
A segunda caracterizaͲse por uma desͲ
truição ou uma afectação essencial de
 uma posição jurídica garantida como
49
ž‰‹ƒ

 Cfr., por todos, Mário Júlio Almeida Costa,


DireitodasObrigações,10.ªed.,Coimbra,AlmeͲ propriedade pela Constituição, à qual
dina,2006,p590Ͳ605.


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falta, porém, o momento translativo do tações”quetêmumcarácterdegravidaͲ


direito, bem como a relação tripolar: detalqueodanocausadoaodireitode
expropriante – expropriado – beneficiáͲ propriedade desnatura o sentido e o
rio da expropriação. Estamos perante significadodeste.
actos do poder público cujo escopo não
Também a ideia de expropriação de
éodaaquisiçãodeumbemparaarealiͲ
sacrifício tem estado presente na jurisͲ
zação de um interesse público, mas que
prudência do Tribunal Constitucional
produzem modificações especiais e graͲ
português (v.g., Acórdãos n.ºs 341/86,
vesnautilitasdodireitodepropriedade
131/88, 52/90, 184/92 e 262/93). E, por
e que devem ser qualificados como último, no Direito Internacional Público,
“expropriativos” e, consequentemente, é, de igual modo, utilizado um conceito
ser acompanhados da obrigação de amplodeexpropriação,incluindoͲsenesͲ
indemnização. A caracterização de tais ta “os actos que consistem em medidas
actos como “expropriativos” tem como de diversa natureza, adoptadas pelos
base aevolução expansiva que, nas últiͲ Estados,defontelegislativa,regulamenͲ
mas décadas, sofreu o conceito de tar ou administrativa, que afectem
expropriaçãoeaconsequentesuperação (diminuam ou esvaziem) as faculdades
danoçãodeexpropriaçãocomotransfeͲ
de usar, de fruir e de dispor do bem,
rênciacoactivadeumbem.OscontribuͲ
sem, todavia retirarem formalmente ao
tosmaissignificativosparaestaevolução
particular o direito de propriedade”. O
vieram da doutrina e jurisprudência aleͲ grande objectivo da doutrina e da jurisͲ
mãs, embora o conceito alargado de prudência internacionais, ao elaborarem
expropriação não seja desconhecido de
um tal conceito amplo de expropriação,
outros ordenamentos jurídicos, como, éodedeterminarquaisosactosquedão
por exemplo, o italiano, onde, desde há ao particular direito de indemnização e
alguns anos, a jurisprudênciae a doutriͲ qual o critério a que este deve obedeͲ
na elaboraram a noção de expropriação cer50.
͹ͳFernandoAlvesCorreia
“substancial” ou “larvada”, aplicada aos
actos da administração que aniquilam o
conteúdo mínimo, essencial ou intangíͲ 
50
veldodireitodepropriedade. Cfr.asnossasobrasAJurisprudênciadoTribuͲ
nal Constitucional sobre Expropriações por UtiliͲ
Semelhantemente, a jurisprudência dade Pública e o Código das Expropriações de
1999, Separata da Revista de Legislação e de
constitucionalfrancesatemfeitoequivaͲ Jurisprudência, Ano 132º,  n.ºs 3904, 3905 e
ler à “privação do direito de propriedaͲ 3906,3907e3908e3909,eAno133ºn.ºs3910,
3911e3912e3913e3914,Coimbra,2000,p.12Ͳ
de” os actos que tocam no coração do
ž‰‹ƒ

20,eAsGarantiasdoParticularnaExpropriação
direito de propriedade privada, as “limiͲ por Utilidade Pública, Coimbra, Almedina, 1982,
p.77Ͳ86.


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Embora haja quem defenda um retorno não esteja a ser utilizado; ou anulem
(nanossaopinião,seráumretrocesso)a completamenteoseuvaloreconómico.E
um conceito formal de expropriação e on.º3doartigodomesmoCódigopresͲ
advogue a superação dos conceitos de crevequeadeterminaçãodaindemnizaͲ
expropriação em sentido clássico e ção é feita nos termos do CE, com as
expropriação de sacrifício, através da necessárias adaptações. Quer dizer: o
introdução do conceito de “determinaͲ legislador não só considerou como
ção do conteúdo do direito de proprieͲ devendoseracompanhadasdeindemniͲ
dade envolvendo um dever de compenͲ zação as servidões administrativas que
sação”51–comaconsequentedevolução constituemverdadeirasexpropriaçõesde
para o artigo 16.º do Diploma que estaͲ sacrifício(emboraotenhafeitodemodo
mosaquiaanalisardaindemnizaçãodos incompleto), como ainda determinou
danos resultantes de actos do poder queocritériodecálculodomontanteda
público que afectem substancialmente, indemnizaçãodeveseroestabelecidono
notodoouemparte,as“faculdades”de CE52.
umdireitoprivadodevalorpatrimonial–
O mesmo se passa com o que vimos
, entendemos que o conceito de exproͲ
designando, há alguns anos, expropriaͲ
priação de sacrifício é um importante
çõesdoplano,aquesereferemoartigo
conceito operativo, indispensável para
18.ºdaLeideBasesdaPolíticadeOrdeͲ
fundamentareexplicaralgumassoluções
namento do Território e de Urbanismo
adoptadaspelonossolegislador.
(LBPOTU), aprovada pela Lei n.º 48/98,
É o que sucede,em primeiro lugar, com de 11 de Agosto, alterada pela Lei n.º
as servidões administrativas, resultantes 54/2007, de 31 de Agosto, e o artigo
ounãodeexpropriações,quedãolugara 143.ºdoRegimeJurídicodosInstrumenͲ
indemnização. Segundo o artigo 8.º, n.º tosdeGestãoTerritorial(RJIGT),aprovaͲ
2, do Código das Expropriações (CE) – e dopeloDecretoͲLein.º380/99,de22de
deixando,agora,deladoasquestõesque Setembro, alterado pelo DecretoͲLei n.º
este preceito suscita–, dão origem a 316/2007, de 19 de Setembro, e, por
indemnização as servidões administratiͲ último,peloDecretoͲLein.º46/2009,20
vas que inviabilizem a utilização que de Fevereiro. TrataͲse de certas disposiͲ
͹ʹDoutrina

vinha sendo dada ao bem, considerado çõesdosplanosdirectaeimediatamente


globalmente; inviabilizem qualquer utiliͲ vinculativos dos particulares que produͲ
zação do bem, nos casos em que este zemdanosespeciais(singulares)egraves

 
51 52
ž‰‹ƒ

 Cfr. M. Nogueira de Brito, A Justificação da  Cfr. a nossa obra Manual de Direito do UrbaͲ
Propriedade Privada numa Democracia ConstituͲ nismo,Vol.I,4.ªed.,Coimbra,Almedina,2008,p.
cional,Coimbra,Almedina,2007,p.993Ͳ1032. 332Ͳ337.


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(anormais)nodireitodepropriedadedo períododecincoanosapósasuaentrada
soloeque,porisso,devemserconsideͲ emvigor,determinandoacaducidadeou
radas como tendo um carácter exproͲ a alteração das condições de um licenͲ
priativo, as quais, no caso de os danos ciamentoprévioválido”53.
delasresultantesnãopoderemsercomͲ
Em todos estes casos de “expropriações
pensados através dos “mecanismos de
doplano”–quesãoverdadeiras“exproͲ
perequação”, devem ser acompanhadas
priações de sacrifício” –, o valor da
deindemnização.Nestesentido,oartigo
indemnização corresponde à diferença
18.º, n.º2, da LPBOTU estabelece que,
entreovalordosoloantesedepoisdas
sempre que aqueles planos determinem restrições provocadas pelos instrumenͲ
“restrições significativas de efeitos equiͲ tosdegestãoterritorial,sendocalculado
valentes a expropriação” e, bem assim, nostermosdoCE.Éoqueresultadon.º
“restriçõessignificativasadireitosdeuso
4doartigo143.ºdoRJIGT.
do solo preexistentes e juridicamente
consolidados”, existe o dever de indemͲ A distinção entre a indemnização pelo
nizar, desde que a compensação daqueͲ sacrifício, como modalidade de responͲ
lasrestriçõesnãopossaterlugaratravés sabilidadecivilextracontratualdoEstado
dos “mecanismos de perequação” dos edemaispessoascolectivaspúblicas,ea
benefícioseencargosdosmesmosresulͲ expropriação de sacrifício revelaͲse
tantes. E o artigo 143.º, n.ºs 2 e 3, do importante por diversas razões. Em priͲ
meiro lugar, o fundamento da indemniͲ
RJIGT–semcurar,agora,dosproblemas
zação.Naindemnizaçãopelosacrifício,o
deconstitucionalidadequeestasnormas
fundamento encontraͲse nos princípios
suscitam – prescrevem, respectivamenͲ
do Estado de Direito e da igualdade
te, que “são indemnizáveis as restrições
perante os encargos públicos. Na exproͲ
singularesàspossibilidadesobjectivasde
aproveitamentodosolo,preexistentese priação de sacrifício, o fundamento vai
juridicamente consolidadas, que comͲ buscarͲse não só a estes dois princípios
͹͵FernandoAlvesCorreia
portemumarestriçãosignificativanasua constitucionais, mas também ao princíͲ
utilização de efeitos equivalentes a uma pio da “justa indemnização por exproͲ
expropriação”eque“asrestriçõessinguͲ priação”,condensadonoartigo62.º,n.º
2, da Lei Fundamental. Em segundo
lares às possibilidades objectivas de
lugar, a natureza da indemnização. Na
aproveitamento do solo resultantes da
indemnização pelo sacrifício, a indemniͲ
revisãodosinstrumentosdegestãoterriͲ
torial vinculativos dos particulares apeͲ zaçãoéumaconsequênciadoactoimpoͲ
nas conferem direito a indemnização sitivodeencargosoucausadordedanos

ž‰‹ƒ

quando a revisão ocorra dentro do 53


Cfr.anossaobraManualdeDireitodoUrbaͲ
nismo,cit.,p.764Ͳ791.


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especiais e anormais, enquanto na bem como do estabelecido no artigo
expropriação de sacrifício a indemnizaͲ 37.º, n.º 1, alínea g), do Código do ProͲ
ção é um pressuposto de validade do cessonosTribunaisAdministrativos,que
acto expropriativo, como resulta claraͲ determinaqueseguemaformadeacção
mentedoartigo62.º,n.º2,daConstituiͲ administrativa comum os processos que
ção. tenham por objecto litígios relativos à
Em terceiro lugar, o critério da indemniͲ “condenaçãoaopagamentodeindemniͲ
zação. Na indemnização pelo sacrifício a zações decorrentes da imposição de
indemnização é calculada com base nos sacrifícios por razões de interesse públiͲ
co”, o mesmo não sucede com a definiͲ
critérios definidos nos artigos 16.º e 3.º
çãodacompetênciaparaoconhecimenͲ
do Regime de Responsabilidade Civil
todoslitígiosrelacionadoscomaexproͲ
ExtracontratualdoEstadoeDemaisEntiͲ
priaçãodesacrifício.
dadesPúblicas.NaexpropriaçãodesacriͲ
fício, a indemnização é apurada com Na verdade, poderá entenderͲse que,
basenocritériodefinidonoCE,devendo sendoasexpropriaçõesdesacrifíciouma
corresponder ao valor de mercado (VerͲ modalidadede“expropriações”,estãoas
kehrswert) do bem expropriado, entenͲ mesmassujeitasaoregimeglobaldefiniͲ
didonãoemsentidoestritoourigoroso, do no Código das Expropriações (que
mas em sentido normativo (valor de configura um regime especial salvaguarͲ
mercadonormativamenteentendido)54. dado pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º
67/2007), nele incluindo as normas que
Quanto à competência para conhecer
cometem à competência dos tribunais
dos litígios respeitantes à indemnização
pelosacrifícioeàexpropriaçãodesacrifíͲ judiciais a discussão litigiosa sobre o
cio,aquestãonãoseapresentatãoclara valor da indemnização (artigos 38.º e
seguintesdoCE)–normasessasquenão
comoaqueresultadasnotasanteriores.
Comefeito,sedúvidasinexistemquanto enfermamdequalquervíciodeinconstiͲ
tucionalidade, em face do artigo 212.º,
à competência dos tribunais administraͲ
n.º 3, da Constituição, não obstante a
tivos para julgar os litígios relativos à
indemnização pelo sacrifício, desde logo natureza administrativa da relação juríͲ
em consequência do disposto no artigo dica expropriativa, como decidiu o TriͲ
͹ͶDoutrina

4.º, n.º 1, alíneas g), h) e i), do Estatuto bunal Constitucional no seu Acórdão n.º
746/9655. Assim sucede com a indemniͲ
dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
zação dos danos decorrentes da constiͲ
 
54 55
 Cfr. a nossa obra A Jurisprudência do Tribunal Cfr.,sobreestaproblemática,anossaobraA
ž‰‹ƒ

Constitucional sobre Expropriações por Utilidade JurisprudênciadoTribunalConstitucionalsobre


Pública e o Código das Expropriações de 1999, ExpropriaçõesporUtilidadePúblicaeoCódigo
cit.,p.32Ͳ54. dasExpropriaçõesde1999,cit.,p.73Ͳ75.


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tuição,pormeiodeumactodedeclaraͲ norma opera uma remissão para o CE,


ção de utilidade pública, de servidões paraefeitosexclusivosdocritériodocálͲ
administrativas,que,nostermosdoartiͲ culodaindemnização.
go8.º,n.º2,doCE,devamseracompaͲ
Assim, são os tribunais administrativos
nhadasdeindemnização56–asquaissão, os competentes para conhecer das
como referimos, autênticas expropriaͲ acçõesdecondenaçãoaopagamentoda
çõesdesacrifício. indemnização por expropriações do plaͲ
Diferente é, no entanto, o cenário apreͲ no. Tem sido esta, aliás, a solução que
sentadopelasexpropriaçõesdoplano,as vem sendo adoptada pela doutrina57 e
quais constituem, como dissemos, um pelajurisprudência58.
exemplo impressivo das expropriações
Aquichegados,perguntaͲseseháalgum
de sacrifício. A propósito delas, o artigo
critério que tenha sido adoptado pelo
143.º,n.º4,doRJIGTestatuique“ovalor

da indemnização corresponde à diferenͲ 57
Cfr.M.EstevesdeOliveira/R.EstevesdeOliveiͲ
ça entre o valor do solo antes e depois ra,CódigodeProcessonosTribunaisAdministraͲ
tivoseEstatutodosTribunaisAdministrativos,
da restrições provocadas pelos instruͲ Anotados,Vol.I,Coimbra,Almedina,2004,AnoͲ
mentos de gestão territorial, sendo calͲ taçãoXVaoArtigo37.º,p.272.
58
 Cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Pleno
culadonostermosdoCódigodasExproͲ da 1.ª Secção do STA, de 11 de Maio de 2005,
priações”. Poderia interpretarͲse esta Proc.N.º616/2004,oqualdecidiu,interalia,que
são competentes os tribunais administrativos de
normacomocontendoumaremissãoem
círculoparaconhecerdeumaacçãodecondenaͲ
bloco do regime das expropriações do ção ao pagamento de indemnização decorrente
de sacrifícios resultantes da aprovação do Plano
plano para o regime do CE, abrangendo
de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de
nãoapenasasnormasquantoaocálculo Sintra/Sado pelo Conselho de Ministros, devido
do valor da indemnização, mas também ao facto de o mesmo ter proibido a construção
emdeterminadolocaldoPortinhodaArrábida.
asrespeitantesàcompetênciadostribuͲ VejaͲse,ainda,oAcórdãodoTribunaldaRelação
nais judiciais para conhecerem dos litíͲ de Coimbra de 2 de Março de 2004, Proc. N.º
4142/03,quesedebruçousobreaindemnização
gios quanto ao montante da indemnizaͲ
͹ͷFernandoAlvesCorreia
correspondente à expropriação de um lote,
çãoeàsrespectivasnormasprocessuais. objectodelicenciamentoparaaconstruçãode3
pisos, antes da declaração de utilidade pública,
Umatalinterpretaçãoparece,noentanͲ mas que, por efeito da entrada em vigor de um
to,nãosercompatívelcomaletradalei, novo plano municipal de ordenamento do terriͲ
tório,ocorridanummomentoposterioraolicenͲ
dado que, como ressalta dos próprios ciamento, mas anterior àquele acto declarativo
termos usados pelo legislador, aquela de utilidade pública, teve a sua edificabilidade
reduzida para 2 pisos. Aquele tribunal decidiu
 esta questão, dizendo que “o tribunal comum é
56
  Sobre a problemática geral da indemnização incompetente em razão da matéria para aquilaͲ
das servidões administrativas e para uma crítica tardaobservânciado«princípiodaigualdade»e
ž‰‹ƒ

àsnormasdoartigo8.º,nº.2,alíneasa),b)ec), bem assim para apurar o montante da indemniͲ


do CE, cfr. a nossa obra Manual de Direito do zação pela violação do «princípio da confiança»,
Urbanismo,cit.,p.332Ͳ343. nostermosdoartigo4.º,alíneag),doETAF”.


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legislador para, nuns casos, considerar olegisladoroptoupelaindemnizaçãode


queosactosimpositivosdeencargosou acordo com os cânonesdaexpropriação
causadores de danos especiais e anorͲ desacrifícionaquelassituaçõesemqueo
maisdevemserindemnizadosdeacordo actodopoderpúblicorevelarumaintenͲ
com o regime da indemnização pelo cionalidade ablativa de um direito de
sacrifício e, noutros casos, segundo os conteúdo patrimonial ou de alguma ou
ditames da expropriação de sacrifício. algumas “faculdades” ou “irradiações”
Não é esta uma questão fácil. Mas creͲ desse direito, como sucedeu nos exemͲ
mos que, pelo menos tendencialmente, plosacimaapontados.ˆ



͹͸Doutrina
ž‰‹ƒ


REVISTA DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃO


PublicidadeesegredonoConselhodeEstado

J.C.VieiradeAndrade
ProfessordaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra

I. Introdução: publicidade e segredo no sem acesso do público à informação
ordenamentoconstitucionalportuguês sobreogoverno1.
O princípio em análise corresponde à
1. O princípio da publicidade no Estado dimensão objectiva de um conjunto de
dedireitodemocrático direitoscívicosepolíticosfundamentais,
Num Estado de direito democrático, tal emquesedestacamosdireitosdepartiͲ
como se foi forjando ao longo dos temͲ cipação política e os direitos dos cidaͲ
posnanossacivilizaçãojurídicadematriz dãos à informação junto dos poderes
europeia,apublicidadedofuncionamenͲ públicos, intimamente associados com a
to dos órgãos de poder político acaba garantia dos direitos de informação dos
por constituir, no contexto de uma jornalistas, no quadro institucional de
sociedade de informação, aquilo que se uma “comunicação social” livre e pluraͲ
pode designar como um “princíͲ lista.
pioͲregra”. EsteentendimentodapublicidadeͲregra,
Todas as instâncias políticas são hoje nãosódasdecisões,masdoprópriofunͲ
constitucionalmente compreendidas cionamento dos órgãos de poder públiͲ
como instituições “amigas” da democraͲ co, que decorre inequivocamente da
͹͹J.C.VieiradeAndrade

ciacomunicativaedapublicidadecrítica, nossa Constituição material2, constitui o


no pressuposto de que não existe autoͲ pontodepartidaparaasoluçãodosproͲ
determinação democrática sem autodeͲ blemaseimplicaquetodasasexcepções
terminação informativa – por outras ou compressões do princípio devam ser
palavras,dequenãoexisteautoͲgoverno 
1
Opoderpolíticonãopodesercompreendido
comoumdomínioimpenetrável,misterioso,
oculto,sagrado.
2
ž‰‹ƒ

 Embora curiosamente não apareça formulado


expressamente num texto constitucional tão
vastocomoonosso.


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materialmente fundamentadas, proceͲ A este propósito, a Constituição não se


dimentalmente controladas e limitadas limita hoje a consagrar um direito à
porumaideiadeproporcionalidade. informação procedimental, isto é, a que
os “administrados” sejam informados
2. Publicidade e exercício dos poderes relativamente aos procedimentos que
doEstado lhesdigamdirectamenterespeito,confeͲ
No entanto, o princípio da publicidade reaindaaqualquercidadãoodireitode
nãopodeserentendidocomoumprincíͲ acesso geral aos registos e arquivos
pioabsoluto3. administrativos – estabelecendo aquilo
que se convencionou designar por prinͲ
Porumlado,oprincípionãotemaplicaͲ
cípiodaadministraçãoaberta5.
çãouniformeatodososórgãosdoEstaͲ
do e a todas as actividades públicas, Como é sabido, à afirmação desta ideia
podendo e devendo variar a forma e o foramsucessivamentemobilizadasvárias
grau de publicidade consoante as funͲ resistências. Primeiramente, os monarͲ
ções e os procedimentos em causa e os casabsolutosinvocavamodireitodivino
bensjurídicosenvolvidos. easuacondiçãodeproprietáriosalodiais
para afastarem qualquer dever de inforͲ
Por outro lado, o princípio tem de ser
mação e de prestação de contas. Do
harmonizado com outros princípios e
mesmo modo, invocouͲse frequenteͲ
valores, que podem justificar a sua resͲ
mente a ideia de razão de Estado para
trição ou compressão para salvaguarda
desegredosprivadosoucomunitários. subtrair as informações a qualquer
noção,mesmoquerudimentar,derazão
2.1. Assim, por exemplo, a Constituição pública,deopiniãopúblicaoudepubliciͲ
revela uma preocupação especial em dadecrítica.Maistarde,desenvolveramͲ
garantir os direitos à informação dos se argumentos baseados nos conceitos
cidadãos perante a Administração PúbliͲ de segredo de Estado, segurança nacioͲ
ca, por ser esta a função de autoridade nalesegurançainterna,frequentemente
quemaisfrequentementeemaisimediaͲ utilizados,semqualquerfundamentação
tamenteafectaavidadiáriadoscidadãos ulterior, para justificar, de forma autoriͲ
e por ser aquela que gera ou detém a tária, a não consagração do princípio da
͹ͺDoutrina

grande massa das informações relevanͲ publicidade.NalgunscasosargumentavaͲ


tesparaasociedade4. se inclusivamente com o objectivo, de
pendor democráticoͲrepresentativo, de

3
Emnossoentender,nãohá,aliás,princípiosou 
valores constitucionais absolutos senão o da dade democrática directa (como o Parlamento)
ž‰‹ƒ

dignidadeindividualdapessoahumana. nemconstituiumamagistraturaimparcial.
4 5
 Porventura ainda por uma desconfiança tradiͲ On.º2doactualartigo267.ºdaCRPfoiintroͲ
cional perante um poder que nem tem legitimiͲ duzidopelarevisãoconstitucionalde1989.


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salvaguardar a responsabilidade do ao direito à informação administrativa,


Governo, em primeira linha, perante o justamentenoscasosemqueestapossa
Parlamento. efectivamentepôremcausaoutrosvaloͲ
Actualmente, à luz do entendimento res constitucionalmente reconhecidos,
dominante,aAdministraçãopúblicatem como a segurança interna e externa, a
hojedeserissomesmo:pública,nosenͲ investigação criminal e a intimidade das
tido de ser do público, pelo público e pessoas.
para o público, ao contrário do que É assim que se dá fundamento a toda
sucedia quando a mesma era entendida umasériedeleis–asegurançainternae
como majestática, oficial e potestativa. externa é protegida pelos regimes do
Daí que a informação detida pela AdmiͲ segredo de Estado e dos sistemas de
nistraçãoseja,emprincípio,pertençade informação8;avidaíntimadaspessoasé
todos os cidadãos, ao serviço de quem protegida pela lei geral9, restringindo o
foigerada,peloqueasuaretençãodeve acesso a documentos nominativos, e
sercolocadasobreservadefundamentaͲ ainda por leis especiais, que regulam o
ção.Esteprincípioencontraconsagração acessoaosdocumentosnotariaiseregisͲ
legal, designadamente, na Lei de Acesso trais, aos documentos de identificação
aos Documentos Administrativos6 e no civilecriminal,aosdocumentosreferenͲ
EstatutodoJornalista7. tes a dados pessoais com tratamento
Contudo,aConstituição,aoaumentara automatizadoeaosdocumentosdeposiͲ
transparência e ao alargar o universo tadosemarquivoshistóricos–quevisam
informativo, não podia deixar de prever preservar esses e outros valores análoͲ
igualmente a possibilidade de restrições gos10.
NoteͲse que as fontes de informação

6
 Lei  n.º 65/93, de 26Ͳ8, alterada pela Lei n.º pertinentes não são, neste domínio,
8/95,de29deMarço,epelaLein.º94/99de16 apenas os documentos administrativos,
deJulho.
7
Artigo8.º/3/4daLein.º1/99de13deJaneiro, independentemente do seu suporte físiͲ
͹ͻJ.C.VieiradeAndrade
ondesedispõeque“[a]recusadoacessoàsfonͲ 
8
tes de informação por parte de algum dos  E também pela confidencialidade geral de
órgãosouentidadesreferidosnon.º1deveser informações policiais e militares e de documenͲ
fundamentada nos termos do  artigo 125.º  do tosdiplomáticos.
9
Código  do  Procedimento  Administrativo  e Lein.º65/93,de26deAgosto,alteradapelaLei
contraelapodemserutilizadososmeiosadmiͲ n.º8/95,de29deMarço,epelaLein.º94/99de
nistrativos ou contenciosos que no caso coubeͲ 16deJulho;naturalmentetambémpelaleipenal
rem.  As reclamações apresentadas por jornalisͲ quedefineoscrimesdeviolaçãodesegredo.
10
tasàComissãodeAcessoaosDocumentosAdmiͲ NoteͲsequealeipermitehojetambémarecuͲ
nistrativos contra decisões administrativas que sa de informaçãoque ponha emcausa segredos
recusemacessoadocumentospúblicosaoabrigo comerciais, industriais ou sobre a vida interna
ž‰‹ƒ

da Lei n.º 65/93, de 26Ͳ8 [alterada pela Lei n.º das empresas, defendendo assim posições ecoͲ
8/95, de 29Ͳ3 e pela Lei n.º 94/99 de 16Ͳ7], nómicas concorrenciais, bem como a propriedaͲ
gozamderegimedeurgência”. deindustrialeosdireitosdeautor.


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cooutécnico,incluindoasactas,maspor Nessa mesma linha, a Lei do Acesso aos


vezes também as próprias reuniões, Documentos Administrativos11 estabeleͲ
devendo sublinharͲse a tentativa de ce que não se consideram documentos
afirmação,nodireitoadministrativoconͲ administrativos, para este efeito, as
temporâneo,deumprincípiodereunião notaspessoais,esboços,apontamentose
aberta (open meeting) para alguns outros registos de natureza semelhante,
órgãos colegiais, designadamente nas bem com os documentos “cuja elaboraͲ
administrações autónomas. A regra çãonãorelevedaactividadeadministraͲ
seria, na medida do possível, a publiciͲ tiva”, designadamente referentes à reuͲ
dadedecadamomentodecadareunião, nião do Conselho de Ministros e de
devendo todas elas ser anunciadas com Secretários de Estado, bem como à sua
antecedência.Aausênciadepublicidade preparação.
deveriaterfundamentoeserpreviamenͲ Estas limitações mostram que nem na
te anunciada, embora, mesmo nessa própriaAdministraçãotodasasreuniões
hipótese, devesse ser facultado aos jorͲ ou todos os procedimentos podem ser
nalistas um extracto dos trabalhos, o inteiramente públicos, havendo que salͲ
qual,naturalmente,sópoderiaedeveria vaguardar aquilo que se pode designar
omitirosmateriaissujeitosasigilo. como o “cérebro institucional” dos
Em contrapartida, a doutrina também órgãos executivos, onde devem poder
sublinha, no entanto, a necessidade de ser livremente coligidos, seleccionados,
algumasrestriçõesaoprincípiodapubliͲ apreciados, analisados e debatidos os
cidade para garantia do bom funcionaͲ materiaisrelevantesapartirdosquais,a
mento dos serviços ou dos órgãos e, vários níveis, serão esboçados, elaboraͲ
nomeadamente,quandosetratadapreͲ dos e concretizados actos políticos,
paração de políticas públicas politicaͲ linhas de orientação políticoͲadminisͲ
mente controversas ou em que o comͲ trativa e iniciativas legislativas ou reguͲ
promisso é indispensável, em que se lamentares.
pretendequehajaumadiscussãoaberta 
e desinibida, sem as constrições decorͲ 2.2. O princípio da publicidade também
rentes da exposição à publicidade, aparece estabelecido na Constituição
ͺͲDoutrina

embora ainda aqui devam ser tornados quanto às actividades da função política
públicos os assuntos em discussão e as latosensu12,masdeformamenosestruͲ
decisõesquesobreelessejamtomadas.

11
 Artigo4.º daLei n.º65/93,acima referida, na
versãoactual.
12
ž‰‹ƒ

 O princípio da publicidade também vale em


termos específicos e próprios quanto ao funcioͲ
namentodopoderjudicial,incluindoainvestigaͲ


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turada sob o ponto de vista jurídico, Devem salientarͲse de forma especial as
apenas a propósito da publicidade das referências constitucionais ao princípio
reuniõesdasassembleiasquefuncionem da publicidade da instituição parlamenͲ
como órgãos de soberania, das regiões tar,notocanteàssessõesplenárias14,às
autónomasoudopoderlocal. audições e às comissões parlamentares,
Defacto,oprincípiodoarquivoabertoe emborarelativamenteaestassepreveja
os direitos à informação previstos na a possibilidade de deliberarem no sentiͲ
Constituição valem somente perante os do do carácter fechado do seu funcioͲ
órgãosdaAdministraçãoerelativamente namento, quando as matérias em causa
adocumentos,registosearquivosadmiͲ ojustifiquem15–asdeliberaçõesdeconͲ
nistrativos, não abrangendo os órgãos fidencialidade devem ser, no entanto,
que desempenham actividades não devidamente fundamentadas, enuncianͲ
administrativas, nomeadamente, os que do os vários tipos de segredo que posͲ
praticam actos da função política, nem samestarnabasedasmesmas.
os respectivos documentos, registos e Também aqui haverá diferenças de
arquivos13. regime em função do tipo, da composiͲ
 ção e das funções dos diversos órgãos,
çãojudiciária.Isso,manifestaͲsenoentendimenͲ tal como se verificam as restrições e
to cada vez restritivo que tem vindo a ser dado
aosegredodejustiça,adespeitodasuarecente compressões necessárias para salvaͲ
consagração expressa no texto constitucional, guardar o segredo exigido por outros
bem como no princípio geral da publicidade das
audiênciasdejulgamento,emboratambémaqui valoresconstitucionalmenteprotegidos.
comalgumasrestriçõesexpressamenteprevistas,
Atransparência,talcomoéentendidano
respeitantes,designadamente,àpossibilidadede
exclusão ou restrição da publicidade, pordespaͲ quadro de uma sociedade observada
chojudicial,nomeadamentecombasenaprotecͲ pelos meios de comunicação social, é
çãodadignidadedaspessoasedamoralpública
(o que quer que isso signifique) e da intimidade especialmente exigível para os órgãos
das vítimas de crimes sexuais menores de 16 electivos de soberania, que constituem
anos. PoderͲseͲia pensar ainda em situações
respeitantesàprotecçãodesegredoscomerciais os órgãos de representação política,
ͺͳJ.C.VieiradeAndrade
oudosegredodeEstado.DeveterͲseematenção designadamente no âmbito dos proceͲ
que mesmo nos casos expressamente previstos
na lei, o princípio da proporcionalidade obriga a dimentosdetomadadedecisão.
que só sejam vedadas ao público as sessões de
julgamentoemqueapublicidadepossapôrefecͲ 
14
tivamente em causa os referidos bens. O princíͲ  A Assembleia da República e os deputados
pio da publicidade pretende assegurar que a estão sujeitos a um acompanhamento intenso
justiça seja efectivamente levada a cabo em pela comunicação social, mas compreendeͲse
nomedopovo,permitindoocontrolopúblicoda que mesmo essa acessibilidade sofra os limites
actividade daqueles que investigam e punem as necessários ao bom funcionamento da instituiͲ
violaçõesdalegalidadedemocrática. ção.
13 15
ž‰‹ƒ

 Assim acontece também na generalidade dos  Artigo 116.º/1 da CRP e artigos 113.º, 119.º,
países, designadamente em França e nos países 120.º e 121.º do Regimento da Assembleia da
nórdicos. República.


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Mas as exigências serão diferentes conͲ 2.3. VerificaͲse, pois, a afirmação geral
forme se trate de um órgão colegial, de um princípioͲregra de publicidade,
como a Assembleia da República ou o comintensidadesdiversas–comosediz
Conselho de Ministros, ou de um órgão hoje,degeometriavariável–esujeitoa
singular, como o Presidente da RepúbliͲ restrições e compressões na medida do
ca, tal como variam consoante se trate necessário e adequado à protecção de
do exercício de funções decisórias ou valores de segredo constitucionalmente
consultivas. protegidos.
Por outro lado, também aqui se têm de DevenotarͲseque,noconfrontoentrea
salvaguardar os valores de segredo, publicidadeeosegredo,sãoosvalorese
designadamente os impostos pela seguͲ os direitos da publicidade que assumem
rança interna e externa – na realidade, o papel de direito ou valor “agressivo”,
será, em regra, a este nível político, ao passo que os segredos representam
como já vimos a propósito das reuniões bens jurídicos susceptíveis de serem
dosConselhosdeMinistros,queestarão afectados–sãoodireitoàinformaçãoe
directamente em causa valores comuniͲ a liberdade de expressão ou de divulgaͲ
táriosfundamentais. çãoquepodempôremcausaaintimidaͲ
É, por exemplo, a esse nível que norͲ de das pessoas ou a segurança do EstaͲ
malmentesedesenvolveaactividadedo do.
PresidentedaRepública,sejanagarantia Por isso, em termos metodológicos, o
da existência e da unidade do Estado, conflito entre estes valores e direitos
seja na consecução de equilíbrios que fundamentais háͲde resolverͲse através
permitam o funcionamento regular do da afirmação constitucional do valorͲreͲ
sistema político, designadamente no gra da publicidade e da previsão da sua
âmbito das matérias estratégicas que restrição ou compressão, na medida em
envolvemachefiadoEstadocomoasde quesejaadequado,necessárioeproporͲ
defesa e segurança ou de diplomacia e cionalparaassegurarosvaloresquejusͲ
relações internacionais – estando em tificam o segredo – quer essa limitação
jogo a unidade e a independência do se faça por via legislativa, em termos
Estado percebeͲse que possa haver gerais e abstractos, quer se realize nos
ͺʹDoutrina

segredos públicos (apesar do aparente casosconcretos,pelosdiversosaplicadoͲ


paradoxo)eobomsensoaconselhanesͲ resdodireito,emúltimainstância,pelos
te domínio sensível, uma cultura demoͲ tribunais.
cráticadeconfidencialidade16.
 
ž‰‹ƒ

16
 Que não pode ser confundida nem deve conͲ
fundirͲsecomocultodosegredoautoritário.


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3.OprincípiodapublicidadeeosegreͲ doEstadoeapreparaçãodadefesamiliͲ
dodeEstado tardoEstado18.
Especialmente relevante para efeitos do SublinheͲse,aestepropósito,queadouͲ
presente parecer é a incidência que o trina e a jurisprudência constitucionais
princípiodapublicidadetemnodomínio afirmamanecessidadedeumarestrição
da configuração do bem da segurança qualitativanestedomínio,sublinhandoa
nacionaledosegredodeEstado. condiçãolegaldequesódevemserquaͲ
Emprimeirolugar,devesublinharͲseque lificadas como segredo de Estado as
apublicidadeeosegredodeEstadotêm informaçõescujarevelaçãopossaprovoͲ
em comum o estarem ao serviço da car danos directos, imediatos, graves e
garantiadoEstadodedireitodemocrátiͲ irreparáveis ao Estado e à comunidade
coedosdireitosfundamentaisdoscidaͲ política globalmente considerados. Isto,
dãos.Ouseja,nãodevepartirͲsedaexisͲ um pouco à semelhança do critério do
tência de uma qualquer antinomia funͲ perigo claro e iminente (clear and preͲ
damentalentreessasduasgrandezas. sentdanger)dodireitonorteͲamericano,
comoqualsepretendeevitaraalegação
Emsegundolugar,deveafirmarͲsequeo
segredo de Estado constitui uma excepͲ dedanosemtermosmeramenteconjecͲ
turais.
ção ao princípio da publicidade, devenͲ
do,porissomesmo,apresentarͲse,como Igualmenteimportanteésublinharqueo
acima se referiu, qualitativamente limiͲ carácter limitado e excepcional do
tado, materialmente fundamentado, segredo de Estado anda também assoͲ
procedimentalmente controlável e ciadoànecessidadedelimitarasautoriͲ
objectodeumainterpretaçãoestrita17. dadescomcompetênciaparaprocederà
qualificação do segredo de Estado, bem
NoquedizrespeitoàsmatériassusceptíͲ
como à limitação temporal da sua duraͲ
veisdeseremqualificadascomosegredo
ção,aqualentrenósédequatroanos19.
de Estado, as mesmas abrangem, tal
como resulta da concretização legislatiͲ Como princípio fundamental neste
ͺ͵J.C.VieiradeAndrade

va, as relações internacionais, a operaͲ domínio encontraͲse a necessidade de


cionalidade e a segurança das forças 
18
Lein.°6/94de7deAbril,artigo2.º,n.º3.
armadas e dos serviços de segurança, a 19
 No artigo 6.º da Lei n.° 6/94, de 7 de Abril,
prevençãodecrimescontraasegurança estabeleceͲsequeoactodeclassificaçãoespeciͲ
fica, tendo em consideração a natureza e as cirͲ
cunstâncias motivadoras do segredo, a duração
desteouoprazoemqueoactodeveserrevisto,
nãopodendooprazoparaaduraçãodaclassifiͲ
 caçãoouparaasuarevisãosersuperioraquatro
17
ž‰‹ƒ

 No mesmo sentido aponta o artigo 1.º da Lei anos. PrescreveͲse, igualmente, que a classificaͲ
n.°6/94,de7deAbril,sobreoSegredodeEstaͲ çãocaducacomodecursodoprazo.
do. 


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impedir a utilização abusiva do conceito Estado possa ficar completamente à


desegredodeEstadocomofimdeoculͲ margem das ponderações de interesses
tar os aspectos inconstitucionais, ilegais que os indivíduos, a comunicação social
ou danosos para o interesse público da e, em última instância, os tribunais,
actuação dos titulares dos cargos públiͲ entendamlevaracabosemprequeconͲ
cos em geral e dos titulares dos cargos siderem ter sido abusivamente utilizado
políticos em especial. Do mesmo modo, oinstitutoemanálise.
sublinhaͲsequeosegredodeEstadonão
pode ser instrumentalizado para ocultar II. A publicidade e o funcionamento do
informações susceptíveis de serem conͲ ConselhodeEstado
sideradas embaraçosas pelos poderes As considerações que temos vindo a
públicos. desenvolver permitem o enquadramenͲ
Nestedomínio,écomumalertarͲsepara to, do ponto de vista teorético e princiͲ
a existência de uma tendência generaliͲ pial, dos problemas da publicidade relaͲ
zadanosentidodasobreͲqualificaçãode tivaaofuncionamento(reuniõeseactas,
documentoscomosecretos,muitosecreͲ pareceres e documentos) do Conselho
tos,ouconfidenciais,tendênciaessaque deEstado,quevamosagoraenfrentar.
devesercombatidaatravésdosmeiosde
comunicaçãosocialedostribunais.Estes 1. Os dados normativos relativos à
últimosdeveriamserchamadosadecidir publicidade no funcionamento do ConͲ
sobre a bondade ou não de uma restriͲ selho
ção ao direito à informação fundamenͲ Como se viu, apesar de o princípio da
tada no segredo de Estado, designadaͲ publicidade conformar objectivamente
mentenoscasosemqueacomunicação todaaorganizaçãoinstitucionaldoEstaͲ
social divulga matérias classificadas do,eleadquireumalcanceeumsentido
comotaisouemquefuncionáriospúbliͲ variáveis em função do órgão em preͲ
cos são objecto de sanções disciplinares sença e dos bens constitucionais que
por terem divulgado informações comͲ possam estar em causa aquando da sua
provadamentesobreͲclassificadas. actuação.
Na mesma linha, a doutrina chama a Importa,assim,analisarosdadosnormaͲ
ͺͶDoutrina

atenção para o facto de que a adopção tivos referentes ao funcionamento do
de um princípio de absoluto secretismo órgão “Conselho de Estado”, a começar
nas matérias mais sensíveis acabaria pelos dados que decorrem da decisão
inescapavelmente por conduzir a proceͲ constituintequeocriou.
dimentos de decisão irracionais e irresͲ
ž‰‹ƒ

ponsáveis. Daí que nem o segredo de


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1.1.AConstituição,depoisdequalificaro objecto e do conteúdo das reuniões,


Conselho de Estado como órgão político nemsequerdasdeliberaçõesedospareͲ
de consulta do Presidente da República, ceres, mesmo quando devam ser tornaͲ
estabelece expressamente, em matéria dospúblicos,nesteúltimocaso,antesda
deorganizaçãoefuncionamento,queas suapublicação22.
suas reuniões não são públicas20, remeͲ O Regimento do Conselho de Estado
21
tendo,quantoaomais ,paraaautonoͲ admite,porém,apossibilidadedeacordo
miaregimental. entreoPresidenteeoórgãonosentido
Fica,assim,claroqueaConstituiçãopreͲ da publicação, depois das reuniões, de
tendeu estabelecer, ela própria, uma uma nota informativa, na qual se indiͲ
excepção ao princípio da publicidade, já que, de forma sucinta, a totalidade ou
quesetratadeumanormaquenãotem parte do objecto da reunião e dos seus
paralelo na organização constitucional resultados.
dopoderpolíticoecujosentidoéinequíͲ
1.2. A Constituição impõe, no entanto,
voco, embora o seu alcance possa ser
graduado. um momento de publicidade relativo à
actividadedoConselhodeEstado–refeͲ
Na realidade, a determinação de que as
rimoͲnos à obrigação de publicar os
reuniões do Conselho não são públicas
pareceres obrigatórios, isto é, os respeiͲ
não háͲde querer dizer apenas que não
tantes à dissolução da Assembleia da
são abertas ao público, antes deve ser
República e dos órgãos de governo próͲ
entendidacomoaafirmaçãodeumvalor
priosdasregiõesautónomas,àdemissão
organizacional,deumaesferadereserva
do Governo, quando tal seja necessário
ou segredodeste órgão, que seestende
para garantir o regular funcionamento
aoconteúdodasreuniões.
das instituições, à nomeação e exoneraͲ
Éassimque,desenvolvendoesteaspecto
çãodosMinistrosdaRepública,àdeclaͲ
da não publicidade, o Regimento do
ração de guerra e a feitura da paz, bem
Conselho de Estado, a par da obrigação
comonocasodosactosdoPresidenteda
ͺͷJ.C.VieiradeAndrade

de elaboração das actas das reuniões,


República interino para cuja prática se
veioestabelecerumdeverdesigilopara
exija a prévia audição do Conselho de
osmembrosdoConselhodeEstado,que
Estado.
não podem proceder, nem conjunta,
Se a não publicidade das reuniões do
nem isoladamente, à divulgação do
Conselho de Estado é a regra neste

20
Cfr.osartigos141.ºss.eoartigo144.ºdaCRP. domínio, a mesma não se aplica no que
21
ComexcepçãodoestatutodosprópriosmemͲ 
22
ž‰‹ƒ

bros do Conselho, que constitui matéria de Cfr.oartigo15.ºdoRegimentodoConselhode


reservadecompetênciaexclusivadaAssembleia Estado, Diário da República, I Série, 261, de 10Ͳ
daRepública(Lein.º31/84,de6deSetembro). 11Ͳ84.


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respeita aos seus pareceres, especialͲ te penais, para a respectiva violação,
mente quando estejam em causa deciͲ que, na hipótese serão especialmente
sões presidenciais em momentos de criͲ gravespeloestatutodafunçãodoagenͲ
se da vida das instituições democrátiͲ te,sendopunidaanegligênciaeagravaͲ
cas23. daamoldurapenal25.
Pelocontrário,apublicidadedospareceͲ Além disso, o Presidente da República
res do Conselho de Estado visa justaͲ podeentenderqueadivulgação,totalou
mente asseverar, nesses casos, a transͲ parcial,deumdeterminadodocumento,
parência das decisões do Presidente ou de uma determinada informação ou de
doseusubstitutointerino. umaactadoConselhopodepôremcauͲ
O Regimento reproduz esta imposição sa o segredo de Estado, caso em que
constitucional, acrescentando que os deveráutilizaracompetênciaparaclassiͲ
demaispareceressóserãopublicadosse ficaçãodedocumentoscomosegredode
o Presidente da República assim o Estado que a lei lhe reconhece, desde
determinar24. queseverifiquemosrespectivosrequisiͲ
tossubstanciaiseprocedimentais26.
1.3. Como bem se compreende, o dever
Na maior parte dos casos, porém, as
de sigilo dos membros do Conselho de
actasdasreuniõesdoConselhonãoconͲ
Estado constitui um dever geral de
terão informações ou documentos susͲ
reserva, autónomo e distinto do dever
ceptíveis de pôr em risco ou de causar
de respeito pelo segredo de Estado,
danoàindependêncianacional,àunidaͲ
embora possa, nalgumas situações, ser
de ou integridade do Estado ou à seguͲ
consumidoporeste.
rança interna e externa – ora, como se
É o que sucede, desde logo, nos casos viu,estesrequisitostêmdeverificarͲsee
em que sejam fornecidos aos conselheiͲ devem ser objecto de interpretação
ros documentos previamente classificaͲ estrita, para evitar as práticas de sobreͲ
doscomosegredodeEstadopelasautoͲ qualificação, isto é, a restrição excessiva
ridades competentes, relativamente aos einjustificadadapublicidade.
quais se aplica o regime jurídico corresͲ
pondente, incluindo o prazo de duração 2. A avaliação do regime de sigilo do
ͺ͸Doutrina

desegredoeassanções,designadamenͲ funcionamento do Conselho de Estado


nocontextoconstitucional

23
Comexcepçãodanomeaçãoeexoneraçãodos Descrito o regime do sigilo relativo ao
MinistrosdaRepública,ospareceresobrigatórios funcionamento do Conselho de Estado,
referemͲse a situações de crise, se incluirmos aí

ž‰‹ƒ

asdecorrentesdasituaçãodeinterinidade.
24 25
 Artigo 17.º/3 do Regimento do Conselho de Cfr.oartigo316.ºdoCódigoPenal..
26
Estado. Artigos1.º/1/3,3.ºe5.ºdaLein.º6/94.


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tal como resulta do Regimento, importa AcrescequeoConselhodeEstadoactual


agora precisar o seu alcance e simultaͲ tambémsediferenciadosórgãosque,na
neamente avaliar em que medida ele tradição constitucional portuguesa, de
corresponde a uma solução equilibrada alguma forma constituem os seus anteͲ
nocontextodeumsistemadeprincípios cessores, seja pela sua composição, seja
constitucionais em que a publicidade do peloseurelacionamentocomoChefedo
funcionamento dos órgãos de poder Estado – designadamente, não tem
político é entendida como um princíͲ comopontodereferênciaoarquétipode
pioͲregra. um conselho privado de procedência
monárquica28.
2.1. Deve lembrarͲse que o carácter
No actual sistema constitucional, o ConͲ
secretoouconfidencialdofuncionamenͲ
selho de Estado é um órgão político de
to do Conselho de Estado decorre de
consulta do Presidente da República,
uma disposição constitucional expressa
mas em que só uma minoria dos memͲ
noquadrodaorganizaçãodopoderpolíͲ
bros é designada por este, resultando a
tico. A compreensão do sentido e do
maioria de inerências institucionais e de
alcancedestaderrogaçãodoprincípioda
escolhas parlamentares – parece assim
publicidade obriga, pois, a que se consiͲ
que o órgão, para além do aconselhaͲ
dereolugarqueoórgãoemanáliseocuͲ
mentodoPresidente,mostraumaespeͲ
panoquadropolíticoͲinstitucional.
Ora, este órgão tem de ser entendido 
domais,àdiferenteposiçãoocupadapeloPresiͲ
comoumainstituiçãonova,cujosentido dente da República relativamente a outros
se háͲde compreender inteiramente no órgãosdesoberaniaeàassunçãodecompetênͲ
cias em matéria de justiça administrativa por
sistemadeorganizaçãodopoderpolítico partedoreferidoórgão.Emladoalgumexiste,na
próprio da Constituição portuguesa de constituição francesa, uma afirmação expressa
do carácter não público das reuniões do ConseͲ
1976, depois de instituída a democracia lho de Estado, sem prejuízo da solução que o
plenacomarevisãode1982. legislador tenha estabelecido. O mesmo sucede
no contexto italiano, em que a figura do ConseͲ
ͺ͹J.C.VieiradeAndrade
Desdelogo,nãosepodepretenderuma lho de Estado surge ligada ao exercício de comͲ
compreensão adequada do Conselho de petências consultivas em assuntos de legalidade
administrativaedegarantiadajustiçanofuncioͲ
Estado português através do estudo namento da administração pública. A existirem,
comparativo de órgãos a que textos as restrições à publicidade terão fundamento
legal. Por seu lado, a Constituição belga prevê a
constitucionais estrangeiros dão a mesͲ existência de um Conselho de Estado também
madesignação27. com funções consultivas e de natureza jurídicoͲ
administrativa, remetendo a sua composição,
 responsabilidadesefuncionamentoparaalei.
27 28
Nocontextofrancês,porexemplo,oConselho TambémnãofazsentidocomparáͲlo,emespeͲ
ž‰‹ƒ

deEstadoassumeumaconfiguraçãoeumacomͲ cial para o efeito em vista, com o Conselho de


petênciaquepoucotêmquevercomoseuconͲ EstadodaIIRepública,numregimedecarizautoͲ
génereportuguês,factoqueficaadeverͲse,além ritárioeantidemocrático.


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cíficaadequaçãofuncionalaosobjectivos PercebeͲse, desde logo, por se tratar de


de condicionamento do poder presidenͲ um órgão político de consulta, que o
cial e, em função das inerências, até de princípio fundamental da publicidade e
concertação institucional ao mais alto doscorrespectivosdireitosàinformação
nível29. não impliquem um direito de acesso às
É relativamente ao conjunto de todos actas, por parte dos cidadãos em geral
estes aspectos que deve ser equacionaͲ oudosjornalistasemespecial,nosmesͲ
do o carácter não público das reuniões mos termos do direito constitucionalͲ
do Conselho de Estado. Na verdade, menteprevistonoartigo268.ºda ConsͲ
deve sublinharͲse que as razões da conͲ tituição em matéria de registos e arquiͲ
fidencialidadepretendidapelolegislador vosadministrativos30.Odireitoaoacesso
constituinte se prendem, de forma insͲ aos documentos administrativos tem o
trumental,comagarantiadeumaampla seufundamento,comovimos,emconsiͲ
liberdadeexpressão eopinião e da exisͲ deraçõesdecontrolopúblicodemocrátiͲ
tênciadeumarelaçãofiduciáriaentreos co da Administração, fundados na natuͲ
vários membros do órgão, em ordem a reza heterónoma e interventora da actiͲ
asseguraroseufuncionamentocomoum vidadequeamesmadesenvolve.
locus de diálogo aberto, franco e desiniͲ Mais, também aqui não vale uma das
bido, no pressuposto de que isso é funͲ razõesfundamentaisparaaexigênciada
damental para o exercício dos poderes publicidade no âmbito administrativo,
presidenciais – sobretudo quando se que corresponde à necessidade de
trate de o aconselhar, mas igualmente garantir o direito de defesa dos particuͲ
quando se pretende condicionar a sua lares contra decisões de autoridade que
actuação ou promover uma actuação os lesem, especialmente através do
concertadadosórgãospolíticosdesobeͲ recurso aos tribunais – não apenas para
rania. protecção de interesses individuais, mas
aindanadefesadeinteressesdascomuͲ
2.2.Oalcancedopreceitoconstitucional nidades locais e, hoje, de interesses
queconsagraanãopublicidadedasreuͲ
niões do Conselho de Estado tem, pois,
de ser entendido em função deste seu 
ͺͺDoutrina

30
NoteͲsequealiberdadedeacessoasfontesde
perfilprópriocomoórgãoconstitucional.
informaçãoconcretizadanoEstatutodoJornalisͲ
 tanãolheconfere,quantoàsentidadespúblicas
29
 NoteͲse que mesmo os membros designados ou de mão pública, qualquer direito especial
pelo Presidente da República não são, em rigor, relativamenteaosdireitosàinformaçãodageneͲ
membros da sua confiança, dado que, uma vez ralidadedoscidadãos,privilegiandoͲoapenasno
ž‰‹ƒ

empossados, não podem ser demitidos e o seu acessoàinformaçãoprocedimental–oqueconsͲ


mandato só termina com o termo do mandato titui um contraͲsenso (cf. artigo 8.º, n.º 2da Lei
presidencial. n.º1/99,de13deJaneiro).


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gerais que são considerados como inteͲ CompreendeͲse,porisso,oregimeconsͲ


ressesdecadaumdoscidadãos. titucional,queapontaparaumequilíbrio
Ora,oConselhodeEstado,paraalémde adequadoentreosegredoeapublicidaͲ
desempenhar uma função política, tem de – de entre os órgãos constitucionais,
apenas poderes consultivos e não toma é precisamente este o órgão ao qual se
decisões que possam afectar a esfera deve garantir um funcionamento discreͲ
jurídicasdoscidadãoseperanteasquais to e confidencial, ao mesmo tempo que
devessegarantirͲseumatutelaefectiva. seimpõeapublicidadedosseuspareceͲ
res obrigatórios, quando sejam tomadas
2.3. Por outro lado, também não valem asdecisõespresidenciaisrespectivas.
paraoConselhodeEstadoasrazõesque
De facto, o princípio da publicidade
justificam as exigências de publicidade
democrática não é absoluto e não preͲ
dosórgãospolíticosdesoberania.
tende aniquilar todos os espaços reserͲ
OConselhodeEstadonãoésemelhante vados de discussão política, particularͲ
aumainstituiçãoparlamentaremquese mentequandoestejaemcausaaprepaͲ
devam confrontar publicamente as raçãodetomadasdeposiçãooudapráͲ
diversas correntes de opinião represenͲ tica de actos políticos, cujas consequênͲ
tativas da sociedade, a propósito da cias se pretendam amplamente pondeͲ
governação do país e da elaboração das radas, a partir de diferentes pontos de
suasleismaisimportantes.Talcomonão vistaoudaanálisehipotéticadediferenͲ
seassemelhaaumórgãogovernamental tescenários31.
que dirige a Administração pública e
Daí que se deva ter na devida conta a
conduzdiuturnamenteapolíticageraldo
natureza qualitativamente distinta dos
país.
bens em presença e das razões atendíͲ
OConselhodeEstadoassisteoPresidenͲ veis, quando se compara o acesso à
te da República no exercício das suas informação administrativa e até política
funções em momentos sensíveis para a emgeralcomoacessoàsactasdoConͲ
ͺͻJ.C.VieiradeAndrade
vida colectiva e a propósito de grandes selhodeEstado.
problemas nacionais, sem tomar deciͲ
sões,limitandoͲseadiscutireadarpareͲ 2.4.Assim,parecejustificarͲseaconcreͲ
cer, isto é, a constituir um forum de tização regimental da excepção expresͲ
reflexão de personalidades com larga 
31
NoteͲsequeaprópriaLeideAcessoaosDocuͲ
experiênciapolítica,certamentepluralisͲ
mentosAdministrativosnãoconsideradocumenͲ
ta,masforadocontextodalutapartidáͲ tos administrativos, para efeitos de informação,
ria. “os documentos referentes à reunião do ConseͲ
ž‰‹ƒ

lhodeMinistrosedesecretáriosdeEstado,bem
comoàsuapreparação”(artigo4.º,n.º2,alínea
b)daLein.º65/93).


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samente consagrada na Constituição ao to de conhecer os pareceres obrigatóͲ
princípiodapublicidadeeaosdireitosde rios, quando sejam praticados os actos
informação dos cidadãos e dos jornalisͲ correspondentes pelo Presidente da
tas. República, e a expectativa legítima da
Por um lado, os membros do Conselho divulgaçãodenotasinformativassobreo
de Estado estão individualmente obrigaͲ conteúdodasreuniões.
dosporum“deverdesigilo”total(tamͲ
2.5. O princípio da publicidade implica,
bémseráumdireitoquantoànãodivulͲ
no entanto, enquanto princípioͲregra,
gação das opiniões próprias expressas
uma interpretação e aplicação proporͲ
nas reuniões), que abrange mesmo a
cional das normas de sigilo, de modo a
proibição de divulgação dos próprios
excluir a publicidade apenas na medida
pareceres obrigatórios antes da publicaͲ
adequada à protecção dos valores que
ção.
fundamentam tal exclusão – ou seja, o
Poroutrolado,oPresidentedaRepúbliͲ
bom funcionamento do órgão Conselho
ca, enquanto destinatário directo das deEstadonocontextodoregularfuncioͲ
consultas e presidente do órgão, parece namentodasinstituiçõesdemocráticas.
ter uma espécie de “direito ao sigilo
OambientedeconfidencialidadefuncioͲ
quantoàsfontesdeopinião”,namedida
nal determinado pela Constituição não
em que o segredo visa assegurar uma
tem,pois,deserinterpretadocomouma
discussãoabertaedesinibidadosassunͲ
proibição absoluta de acesso e de divulͲ
tos dentro do Conselho, sem as constriͲ
gação de informações, apenas exclui o
çõesdecorrentesdaexposição,imediata
direitodeacessodoscidadãosejornalisͲ
ou em diferido, da publicidade. Poderá,
tas e exime o Presidente da República e
no entanto, divulgar, de acordo com o
oConselhodeEstadodaobrigatoriedade
Conselho, notas informativas sobre o
de fundamentação da recusa (salvo,
objectoeoconteúdodasreuniõese,por
naturalmente,quantoadocumentosque
sua iniciativa, dar publicidade a evenͲ
sejam, por outras razões, secretos,
tuais pareceres não obrigatórios que
como,porexemplo,osquetenhamsido
tenhasolicitado.
oudevamserclassificadoscomosegredo
Por sua vez, resultam limitados os direiͲ
deEstado).
ͻͲDoutrina

tosàinformaçãodoscidadãosemgerale
PercebeͲse,assim,quetenhasidoentreͲ
dosjornalistasemparticular,que,peranͲ
tanto reconhecida ao Presidente da
te o sigilo, não têm direito de acesso às
República, pelo Regimento do Conselho
reuniões nem ao seu conteúdo e, desigͲ
nadamente,nãotêmdireitodeacessoàs
ž‰‹ƒ

actasdoConselho,tendoapenasodireiͲ


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deEstado32,apossibilidadedefacultaro restrição do acesso às actas) por um


acesso às actas das reuniões não públiͲ períododetempoqueváalémdotermo
cas, em casos excepcionais, quando e domandato.
nos termos em que entenda convenienͲ Comefeito,serápraticamentetãoinibiͲ
33
te ,àsemelhançadoqueaconteciacom tóriodaparticipação,nostermosexposͲ
as notas para a imprensa34 e, embora tos, nos debates do Conselho de Estado
com regime diverso, com os pareceres o saberͲse que determinadas declaraͲ
facultativos. ções proferidas numa sessão do órgão
Do ponto de vista do princípio geral da serão reveladas à imprensa imediataͲ
publicidade, pode mesmo questionarͲse mente após a reunião, como o saberͲse
sobre se não devem entenderͲse como que elas chegarão ao conhecimento do
obrigatóriososbrevesextractosinformaͲ público alguns meses ou mesmo alguns
tivosqueoregimentoprevê. anosdepois.
No entanto, o princípio da publicidade
2.6.Aharmonizaçãoentreoprincípioda
obrigaaqueodeverdesigiloearestriͲ
publicidade e o sigilo do funcionamento
çãodoacessonãoseprolonguemindefiͲ
doConselhopõeaindaaquestãocrucial
nidamente,atéporqueumadasfunções
desaberqualéoperíododeduraçãodo
da existência de uma publicidade crítica
sigilodasactas.
democrática consiste precisamente em
Osigiloquelimitaodireitodeacessoàs
inibirostitularesdoscargospolíticosde
actasdoConselhodeEstadoealiberdaͲ
proferirempalavras,adoptarematitudes
dedeexpressãodosmembrosnãopode
oupraticaremactos.Ouseja,aexistirum
ser eterno, nem pode durar apenas o
efeito inibitório, ele acabará por ser
tempodasfunções.
internalizado pelas exigências democráͲ
Por um lado, a garantia de um diálogo ticas e de Estado de direito, nos termos
francoeabertoedeumarelaçãofiduciáͲ das quais toda a actuação dos órgãos
ria dentro do Conselho de Estado aponͲ públicos deverá ser, em última análise,
ͻͳJ.C.VieiradeAndrade
tam no sentido da necessidade de se condicionada pela publicidade democráͲ
consagraraduraçãodoreferidodeverde tica.
sigilo dos conselheiros (bem como da
JustificaͲse,assim,oestabelecimentode
 umprazorazoáveldesigilo,queconsiga
32
V. o artigo 13.º, n.º 5 do regimento, alterado
aconcordânciapráticaentreanecessária
pelo Regimento do Conselho de Estado n.º
1/2001,de26deAbril. confidencialidade do funcionamento do
33
EnamedidaemqueissonãosejainconvenienͲ ConselhodeEstadoeoprincípiodoconͲ
teparaagarantiadarazãodeserdosigilo.
34 trolopúblicodaactividadepolítica.
ž‰‹ƒ

Esteargumentoanalógicovale,pelomenos,
enquantosemantiveramaioriadostitularesdo
órgão.


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Não havendo normas legais que se apliͲ paraoacessoàsactaspelosjornalistase


quemaesteprazo,nemdirectamente35, cidadãos em geral, que valerá também,
nem sequer por analogia (pois que o nos termos atrás referidos, como prazo
caso é único), é normal que a lacuna umprazodecaducidadeparaessedever
tenhasidopreenchidapelopróprioConͲ desigilodosmembros.
selhodeEstado,aoabrigodacompetênͲ Este prazo não teria porventura de ser
cia regimental conferida pela ConstituiͲ tãolongo,tendoemconsideraçãoalguns
ção relativamente à sua organização e pontos de referência no ordenamento
funcionamento. jurídico – a lei de segredo de Estado
Na realidade, tendo em consideração estabelece, como vimos, um prazo de
queaexcepçãoàregradapublicidadeé quatroanosparaaduraçãodaclassificaͲ
estabelecida pela própria Constituição, ção(emborapermitaarevisãodesta);os
uma norma regimental deste tipo não relatórios diplomáticos elaborados no
poderia ser vista como uma restrição a âmbito das relações externas estarão
direitos fundamentais de informação, sujeitosaumperíododereservadevinte
queseriadaexclusivacompetêncialegisͲ anos; vinte anos foi igualmente o prazo
lativa da Assembleia da República, mas, especial fixado para a divulgação dos
pelo contrário, como uma norma de arquivosdaPIDE/DGSedaLegiãoPortuͲ
autoͲorganização36, que visa concretizar guesa(apartirdo25deAbrilde1974)38,
oalcancedaexcepçãoconstitucionalem em derrogação dos prazos gerais de
funçãodarespectivarazãodeser–defiͲ setenta e cinco ou de cinquenta anos
ne a “cultura organizacional” do ConseͲ após a morte dos titulares, fixados para
lho,pelaviadaharmonizaçãodevalores os documentos com dados pessoais
constitucionais. constantesdosarquivoshistóricos39.
Assim, percebeͲse que, através de uma AdecisãodefixaçãodeumprazorazoáͲ
normaregimentaltenhasidoestabeleciͲ vel implica uma ponderação de valores
dooprazode30anos,acontardotermo constitucionais com um componente
do mandato presidencial respectivo37, ineliminável de discricionaridade, aceiͲ
 tandoͲse o prazo determinado pelo
35
 Não pode aplicarͲse aqui o DecretoͲlei n.º Regimento, embora também pudesse
16/93,de23deJaneiro,quevaleapenasparaos
ͻʹDoutrina

documentosdepositadosemarquivoshistóricos, optarͲse,quantoaanoscommaiorequiͲ
ecujoregimepróprioressalvaapenasacomuniͲ 
38
cação de dados pessoais, em termos que, aliás, Lein.º4/91,de17deJaneiro.
39
parecem restringir excessivamente o direito à V.oartigo17.ºdoDecretoͲlein.º16/93,de23
informação. deJaneiro.Porsuavez,oDecretoͲlein.º279/91,
36
Emboracomefeitosqueseprojectamnas de 9 de Agosto, fixou o prazo de vinte e cinco
ž‰‹ƒ

relaçõesexternasdoórgão. anos após a morte dos titulares para a abertura


37
V.oartigo13.º,n.º4,doRegimentodoConseͲ dos arquivos de Oliveira Salazar e de Marcello
lhodeEstadon.º1/2001,de26deAbril. Caetano.


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líbrio, por um prazo mais curto, por cio, suspensão e termo de funções, às
exemplo,devinteanos,contadosapartir imunidadeseaosdireitoseregalias,conͲ
dotermodomandatopresidencial–até templam sanções para a eventual violaͲ
porqueaconformidadecomaConstituiͲ çãododeverdesigilo.
ção da fixação deste prazo por via regiͲ ConcluiͲse, pois, que este é um dever
mental será tanto menos discutível concebido como um dever de natureza
quanto menos se possa duvidar da políticoͲregimental,cujocumprimentoé,
razoabilidadeedajustificabilidadedesse acima de tudo, função das virtudes cíviͲ
prazo no contexto da harmonização do cas e políticas democráticas dos memͲ
princípiodapublicidadecomoimperatiͲ brosdesteórgãoconstitucional.ParteͲse
vodaconfidencialidadedaconsultapolíͲ doprincípiodequesetratadepersonaͲ
ticapresidencial. lidades da mais alta craveira (como as
Transcorrido o prazo estabelecido, os “gens distinguées” de Montesquieu) e
membrosdoConselhodeEstadodeixam que, por isso, possuirão sabedoria e
de estar sujeitos ao dever de sigilo e isenção,umespecialsentidodeEstadoe
caduca este regime especial de segredo um código de conduta especialmente
paraasactaseosdocumentosdoConseͲ exigente, não utilizando as informações
lho,quepassamaestarsujeitasaoregiͲ dequedispõemporforçadocargopara
me geral dos arquivos públicos – caem fins pessoais, políticoͲpartidários ou
nodomíniopúblico,amenosqueconteͲ quaisquer outros que possam lesar o
nham informações classificadas como bomfuncionamentodasinstituições.
segredodeEstadoouqueestejamsoba AcrescenteͲse, nesta mesma linha, que
alçadadeoutrosegredo,nostermosdos não está penalmente tipificada a violaͲ
correspondentesregimesespecíficos. çãodestedeverdesigilo.
Com efeito, não vale aqui a lei penal
3. As sanções para a violação do dever geral, que pune a “violação de segredo”
desigilo profissional (artigo 195.º do Código
ͻ͵J.C.VieiradeAndrade

Merece a pena considerar, por fim, o Penal),seforentendidoqueobemjuríͲ


problema da efectivação do dever de dico protegido reveste exclusivamente
sigiloconsagradonoRegimentodoConͲ umanaturezapessoal41.
selhodeEstado.
VerificaͲsequenemoRegimento,nemo

41
Estatuto dos Membros do Conselho de Aviolaçãododeverdesigilodosconselheiros
Estado40, onde se tratam matérias conͲ tambémnãoconstitui,emsi,violaçãodesegredo
de Estado (ou dos segredos de justiça ou de
cernentes, nomeadamente, à posse, iníͲ
ž‰‹ƒ

segurançaoumilitar),semprejuízodaocorrência
 desituaçõesemqueaquebradosigilotambém
40
Lein.º31/84de6deSetembro. envolvaestaoutraviolação.


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Tambémnãoépunidacomoviolaçãode É de salientar ainda que este dever de


segredoporfuncionário(artigo383.ºdo sigilo,aocontráriodoqueacontececom
Código Penal), na medida em que os o dever de respeito pelo segredo de
membrosdoConselhodeEstadonãosão Estado(oudosegredodejustiça)nãose
funcionários (nos termos do artigo estende a quem tenha conhecimento
386.º), já que não exercem funções acidental da matéria sob sigilo – assim,
administrativas ou jurisdicionais e este por exemplo, não cometem qualquer
crime é concebido como um “delito infracção os jornalistas que, tendo tido
específico próprio”, que só pode ser acessoacidentalàsactasdoConselhode
cometido por certas pessoas. Os memͲ Estado ou a informações cobertas apeͲ
brosdoConselhodeEstadotambémnão nas pelo referido sigilo regimental, as
desempenham, para esse efeito, uma revelem, designadamente se houver
“funções políticas equiparadas”, já que interessepúbliconadivulgação.
nãosãoincluídos,nessaqualidade,entre
os titulares de cargos políticos pela lei III.Sínteseconclusiva
especialrespectiva42. Doexpostopodemosretirar,emsíntese,
ConcluiͲse, pois, que, em face da lei asseguintesconclusões:
actual, deliberadamente ou por esqueͲ 1.Apublicidadedasdecisões,bemcomo
cimento, não existe um tipoͲdeͲilícitoͲ do próprio funcionamento dos órgãos
criminal a que se possa reconduzir, de públicos constitui, contra a arcana praͲ
acordocomasexigênciasdetipicidadee xis, o princípioͲregra de um Estado de
segurança jurídica ínsitas no direito direito democrático, fundado na particiͲ
penal, a violação do dever de sigilo por pação informada, crítica e responsável
parte dos membros do Conselho de doscidadãos,hojeacentuadanocontexͲ
Estado. Nessa eventualidade, não to de uma sociedade comunicacional
havendo igualmente sanções disciplinaͲ aberta.
res, a única censura existente, no actual 2. A ordem constitucional portuguesa
quadrolegal,éumacensuracívicaepolíͲ consagra inequivocamente o princípio,
ticasobreoinfractor43. mas aceita ou implica a distinção entre

42 diferentesgrauseformasdepublicidade,
 Artigos 3.º e 27.º da Lei n.º 34/87, de 16 de
ͻͶDoutrina

Julho. conformeotipodefunções(administraͲ
43
Semprejuízodapossibilidadedeexercício,por
tivas,judiciaisoupolíticas)e,emespecial
imperativos inerentes ao due process of life, do
direito de resposta (em defesa da honra e do noquerespeitaàsfunçõespolíticas,conͲ
bom nome) e de rectificação (em nome da verͲ
dade pessoal). Isto, evidentemente, dentro dos

ž‰‹ƒ

limites estritos impostos pelo princípio da proͲ


porcionalidade em sentido amplo e da concorͲ protegidos que se encontrem numa situação de
dância prática entre bens constitucionalmente conflito.


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soanteoperfilconstitucionaldosórgãos através do modo da exclusão (constituͲ


queasdesempenham. cional), restrição (legal) ou compressão
3.AsexigênciasconstitucionaisdetransͲ (prática) da publicidade, na medida do
parênciasãoespecialmentefortesquanͲ quesejaadequado,necessárioeproporͲ
to aos procedimentos, documentos, cionalàsalvaguardadosbensouvalores
arquivoseregistosdafunçãoadministraͲ jurídicosquejustificamossegredos.
tiva, por se tratar de uma actividade 6. O Conselho de Estado, no quadro
subordinada que afecta directamente e constitucionaldaorganizaçãodoEstado,
maciçamente a vida dos cidadãos. Tal desempenha as funções de órgão polítiͲ
como a publicidade será naturalmente codeconsultadoPresidentedaRepúbliͲ
mais intensa e extensa no âmbito da ca.Emmatériadepublicidade,aConstiͲ
actividade do Parlamento, enquanto tuição estabelece que as suas reuniões
representação popular (pluralista e pluͲ não sejam públicas, ao mesmo tempo
ripartidária),doquenodesenvolvimento que determina a publicação dos pareceͲ
da actividade de direcção política do res obrigatórios, quando sejam praticaͲ
Governo,emaisnestadoquenosdomíͲ dos os correspondentes actos presidenͲ
nios sensíveis da esfera de actuação ciais.
reservada ao Presidente da República 7. O carácter secreto ou reservado das
enquantoChefedeEstado. reuniões, e, por inerência, das respectiͲ
4. Em qualquer caso, o princípio da vasactas,justificaͲsepelasalvaguardade
publicidade democrática e os correspecͲ um espaço de expressão e de reflexão
tivosdireitosà(ede)informaçãonãosão livres no âmbito da consulta política de
absolutos e, em termos e modos diverͲ personalidadesaonívelsupremodacheͲ
sos,têmdeharmonizarͲsecomonecesͲ fia do Estado, que incide tipicamente
sáriorespeitopelossegredos,públicose sobre questões de superior interesse
privados, postulados pelos valores nacional, muitas vezes em situações de
comunitários fundamentais (designadaͲ crise, seja quando propicie o aconselhaͲ
ͻͷJ.C.VieiradeAndrade

mente, pela independência nacional, mento do Presidente da República no
pela unidade do Estado, pela segurança exercício das suas funções, seja quando
externaeinterna),bemcomopeladigniͲ viseacomposiçãoouaconcertaçãopolíͲ
dade humana (designadamente, pela tica em matérias fundamentais para a
intimidadepessoalefamiliar). comunidade.
5. Tendo em consideração que, neste 8. Neste contexto, os membros do ConͲ
conflito normativo, o direito “agressivo” selho de Estado estão individualmente
éodireitooualiberdadedeinformação, obrigados por um “dever de sigilo” regiͲ
ž‰‹ƒ

a harmonização opera metodicamente mental(quetambéméumdireitoquanͲ


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to às opiniões próprias expressas) e o sereterno,nãosejaexcessivamentelonͲ


Presidente tem uma espécie de “direito go,devendoperdurarporumperíodode
aosigiloquantoàsfontesdeopinião”,na temporazoável,emfunçãodassuasfinaͲ
medida em que importa assegurar uma lidadesjustificativas.
discussão aberta e franca dos assuntos, 12. Esse período está actualmente defiͲ
semasconstriçõesdecorrentesdaexpoͲ nidonoRegimentodoConselhodeEstaͲ
sição,imediataouemtempopróximo,à do, o que é admissível, tendo em conta
publicidade. quenãoconstituiumarestriçãodedireiͲ
9.Oscidadãos,emgeral,eosjornalistas, tos, liberdades e garantias, antes incorͲ
em especial, no âmbito dos respectivos poraumadecisãoincluídanaautonomia
direitos à informação, não podem invoͲ organizacional e opera através de uma
car o direito fundamental de acesso aos harmonização de valores constitucioͲ
arquivos e registos administrativos ou o nalmenteprotegidos.
direito de acesso às fontes oficiais de 
informaçãoparaconhecimentodasactas
13. A fixação do prazo envolve um
do Conselho de Estado precisamente
momento de discricionaridade, mas
porqueestenãoéumórgãoadministraͲ deveráponderararazãodeserdosigilo
tivo, mas um órgão político, acrescendo – não será, pois, desrazoável, embora
queéumórgãosempoderesdecisórios. pudessesermaiscurto,oprazodetrinta
Tão pouco podem invocar a publicidade anos, contados a partir do termo do
própria da actuação dos órgãos de mandato presidencial respectivo, tal
representação e de decisão política, comofoiregimentalmentefixado.
designadamente da actividade parlaͲ
14. A mera violação do dever geral de
mentar.
sigilodosmembrosdoConselhodeEstaͲ
10. Não deve considerarͲse proibida a do não está sujeita a sanções jurídicas,
divulgação das actas ou de documentos designadamente disciplinares ou penais.
ou informações não classificadas, quanͲ De facto, não constitui violação do
doenostermosemqueoPresidenteeo
segredoprofissional(porquenãosetrata
Conselho, por acordo, a entenderem
deprotegerbenspessoais),nãocabeno
conveniente, mas não carece de fundaͲ tipo legal de violação de segredo por
ͻ͸Doutrina

mentação uma eventual recusa do funcionário(porqueostitularesdoórgão


requerimento de acesso por parte dos não exercem funções administrativas ou
jornalistas ou de qualquer cidadão inteͲ jurisdicionais), nem integra a infracção
ressado. de violação de segredo por titular de
11. O princípio da publicidade democráͲ
ž‰‹ƒ

funções políticas (porque não constam


tica impõe que este sigilo, além de não


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do conjunto legalmente definido de da República entenda a qualquer


“titularesdecargospolíticos”). momento como tal classificar (incluindo
15.EstesigiloorganizacionalnãoseconͲ asactasdasreuniões),aplicaͲseoregime
funde com outros segredos, públicos ou constitucionalelegaldessesegredo,que
privados, que podem verificarͲse relatiͲ implica a negação do acesso e a proibiͲ
vamente a documentos ou informações çãodedivulgaçãoporpartedecidadãos
de que os membros do Conselho de e jornalistas (mesmo que deles tenham
Estado tenham tido conhecimento ou conhecimentoacidental),bemcomoum
quelhestenhamsidoconfiadosnoexerͲ dever de sigilo dos conselheiros, que
cício das suas funções. A imunidade dos podem,nahipótesedeviolação,viraser
membrosdoConselhodeEstadodizresͲ punidos mesmo em caso de mera negliͲ
peito apenas aos votos e opiniões gênciaesofrerumapenaagravada.
expressosnoexercíciodassuasfunções, 17. O mesmo acontecerá, mutatis
pelo que são responsáveis civil e crimiͲ mutandis, quanto a informações, docuͲ
nalmente pela violação de outros segreͲ mentosouactasdoConselhoqueconteͲ
dos,nostermosdasleisrespectivas. nhamdadossujeitosaregimesdesegreͲ
16.SehouverinformaçõesoudocumenͲ doparaprotecçãodaintimidadedavida
tos previamente classificados como privadaououtro–aplicandoͲse,então,o
segredo de Estado ou que o Presidente regimeespecíficorespectivo.ˆ


ͻ͹J.C.VieiradeAndrade
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ͻͺDoutrina
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Oprincípiodemocráticosobreapressãodosnovosesquemasregulatórios

J.J.GomesCanotilho
ProfessordaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra


§1º|Ademocracianaencruzilhadado EstadoreguladorassentenainstitucionaͲ
“Estadoadjectivado” lização de entidades independentes
O problema da democracia não pode aptas para estabelecer os esquemas
desvincularͲse da transformação do regulativos das regras do jogo económiͲ
Estado. Basta fazer uma pequena lista co e para dirimir os conflitos em domíͲ
das invenções adjectivantes do Estado nios sectoriais políticos e economicaͲ
paradarmoscontadainstabilidadedeste mente sensíveis. Ainda como ponto de
referente da democracia. Alguns coloͲ contacto com o “Estado garantidor” e
camaênfaseda“politicidadeestatal”e, “Estado regulador”, perfilaͲse o Estado
consequentemente,dalegitimaçãodeciͲ económico,ou seja, um Estado substituͲ
sórioͲdemocrática, no Estado Supervisor tivodo“Estadofinanceiro”clássico,com
(de Supervisionstaat fala, precisamente, a passagem do orçamento financeiro ao
Helmut Willke), ou seja, o Estado capaz orçamento económico e do orçamento
de definir, em termos estratégicos, as anual ao orçamento plurianual, e com a
tarefas e responsabilidade da organizaͲ introdução de sistemas de controlo a
ção estatal. Outros erguem o Estado posterioriassentesnaavaliaçãodaeficáͲ
garantidor, (o chamado GewährleisͲ cia e da boa utilização dos recursos
tungsstaat) na terminologia alemã, ou financeiros (“desempenho económicoͲ
ͻͻJ.J.GomesCanotilho

seja, o Estado responsável pela socialiͲ financeiro”),segundométodosdegestão


dadeepelobomêxitodasformasprivaͲ privada.
tizadoras e reguladoras dos serviços do Numa perspectiva diferente, mas, de
interesse económico em geral ponto qualquer forma relacionada com a
centraldasquestõesrelacionadascoma reforma do Estado, alguma literatura
legitimação democrática da estabilidade jurídicoͲpublicistaavançacomosconceiͲ
social. Estritamente conexionado com tosde“EstadocoordenadorecooperatiͲ
ž‰‹ƒ

este “Estado garantidor”, aparece o vo”, de Estado centralizador e Estado


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simplificador. Estado coordenador no ParecenãoserdifícilintuirqueosobjecͲ


sentido de Estado criador de esquemas tivos do Estado não são (pelo menos na
organizatóriosedemétodosracionalizaͲ maior parte dos casos) mais que qualifiͲ
dores que, além de assegurarem coopeͲ cações designativas de novas tarefas do
raçãoentreváriasadministrações,abrem Estado. Alguns desses objectivos Ͳ EstaͲ
canais simplificadores de comunicação doͲgarantidor, Estado económico Ͳ reveͲ
entre o Estado e Cidadãos. “Estado conͲ lamquealgumasdasdimensõesdapolíͲ
tratualizador” (e não “Estado estatutáͲ tica se transferem para a execução de
rio”) que assegura relações contratuais políticas públicas, localizadas no âmbito
com os seus titulares de órgãos, funcioͲ governamentalͲadministrativo e impleͲ
nárioseagentesàsemelhançadosector mentadas em termos de governance.
privado, com valorização do elemento Algumas construções conceituais como
humano,daformaçãoegestãoactivado as de “estadualidade aberta”, “impleͲ
pessoal (“novo trabalho público”). mentação de políticas públicas” ligadas
Olhando para as articulações do multiͲ aomodelode“Estadoactivador”e“cooͲ
level constitutionalism, encontraͲse o perativo”, primordialmente estruturado
EstadoEuropeísta,orientadoparainiciaͲ com base num direito administrativo de
tivas de colaboração com os restantes cooperação, sugerem mesmo que a verͲ
Estados Europeus, de forma a aprofunͲ dadeiraciênciadedirecçãodeixoudeser
dar o “espaço administrativo europeu” o direito constitucional com os seus
caracterizado por standards elevados e dogmas democráticoͲlegitimatórios das
homogéneos tendentes à obtenção de decisõespolíticoͲlegislativas,parapassar
elevadas performances e resultados por aseraciênciadodireitoadministrativo–
parte da “acção administrativa euroͲ sobretudo da “nova ciência do direito
peia”.Aprópriareinvençãodoterritório administrativo” – agora convertida a
está,denovo,emcausa,comaspulsões ciênciadasinstânciaspoliticamentedeciͲ
regionaisedescentralizadoras.Emnome sórioͲexecutivas102.
de um verdadeiro Estado descentralizaͲ A pergunta é então esta: o conceito de
dor apontaͲse para a transferência, a democracia é o mesmo relativamente a
favor de comunidades regionais e locais todosestestiposdeEstado?AdemocraͲ
ͳͲͲDoutrina

(algumas vezes “reinventadas” no sentiͲ ciadoEstadopoliticoͲrepresentativoéa


do da criação de “novas regiões”), de 
102
tarefas de interesse público, com a conͲ  Cfr. Hans Henrich Trute et alii (org.) AllgeͲ
meinesVerwaltungsrecht–ZurTrafähigkeiteines
sequente transferência de meios e de Konzepts,Tübingen,MohrSiebeck,2008,ondese
poderes. insere o trabalho de Klaus Von Beyme “ImpleͲ
ž‰‹ƒ

mentation: eine Paradigma der Synergieeffekte


Zwischen Veerwaltungswissenschaft und PratikͲ
wissenschaft"


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mesma subjacente ao modelo de admiͲ sos comunicativos, onde não é a ciência
nistração responsiva em que não raro a do direito constitucional a responsável
definição de política se reconduz a uma pela definição dos princípios básicos da
espéciedenegotiatedruleͲmaking!Para legitimaçãodemocrática.
o pensamento dominante democracia AciênciadodireitoconstitucionalrecorͲ
pressupõe o Estado e o Estado pressuͲ tavaomodelodelegitimaçãodemocrátiͲ
põeademocracia103.MasqualdemocraͲ ca da administração através do modelo
cia?MasqueEstado? delegitimaçãodoEstado:(1)opovoéo
sujeitodelegitimaçãodemocrática;(2)o
§2º|Alegitimaçãodemocráticada objectodelegitimaçãoéopoderestatal;
administração (3) os modos de legitimação são os insͲ
A administração do Estado garantiͲ trumentos destinados à implantação de
dorͲregulador configuraͲse como admiͲ um esquema de imputabilidade entre o
nistração implementadora. A implemenͲ sujeito e objecto de legitimação; (4) os
tação significa, em rigor, pôr em acção níveisdelegitimaçãoperfilamͲsecomoo
esquemaspolítico–decisóriosdepolíticas lugar de ajustamento dos diferentes
públicas.OgovernoͲdirecçãodestaspolíͲ modos de legitimação e respectivos insͲ
ticas carece também de legitimação trumentos a fim de se apurar se o
democrática, não admirando que a esquema de imputabilidade entre o
“nova ciência do direito administrativo” exercício do poder estatal e o novo é
se tenha encarregado de traçar as suficientemente eficaz e efectivo104. A
dimensões desta legitimação. Mais conͲ articulação dos modos de legitimação
cretamente: procuraͲse imprimir um (legitimação institucionalͲfuncional, legiͲ
“carácter atento e dinâmico à democraͲ timação organizatórioͲpessoal e legitiͲ
cia”, de forma a que o modelo clássico mação material) com os níveis de legitiͲ
de legitimação não neutralize o recorte maçãopermitiaestruturarasdimensões
deumesquemalegitimadordaadminisͲ básicas da democracia constitucional
ͳͲͳJ.J.GomesCanotilho
tração plural e diferenciada das consteͲ parlamentar: (1) a lei do parlamento,
lações políticas contemporâneas. Ora, comassuas“reservas”eassuas“prioriͲ
basta comparar o modelo clássico de dades”;(2)oprincípiodalegalidadecom
legitimação com os padrões legitimatóͲ vinculação da administração à lei; (3) o
rios actuais para se concluir que, em princípio da responsabilidade parlamenͲ
último termo, a democracia representaͲ

tivo–parlamentarcedeopassoaprocesͲ 104
 Cfr. HansͲHeinrich Trute, “Die demokratische
Legitimation der Verwaltung”, in HoffmanͲ

ž‰‹ƒ

Riem/Schmidt Assman/Andreas Vosskühle,


103
  Cfr. Uwe Volkmann, “Setzt Demokratie den Grundlagen des Verwaltungsrechts, I, Beck,
StaatVoraus?”,Aör,127al(2002),p.575segs. München,2006,p.311segs.


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tar do governo; (4) o princípio da estruͲ O mesmo se verifica com o objecto da
turação hierárquica da administração e legitimação, tradicionalmente reconduͲ
respectivosesquemasdedirecção,supeͲ zidoaopoderdoEstado.Oproblemaéo
rintendênciaetutela. desteobjectoterdealargarͲseaentidaͲ
É perante este esquema clássico formal des e respectivos actos Ͳ autoridades
que a “nova ciência do direito adminisͲ administrativas independentes107 Ͳ e ao
trativo” sugere uma compreensão do exercício de poderes públicos por entiͲ
princípiodemocráticodinâmicaeaberta dades privadas dentro dos esquemas de
ao futuro. Em rigor, a nova ciência do cooperação e organização públicoͲprivaͲ
direito administrativo não visa furtarͲse da108. Não deve esquecerͲse também
ao enquadramento normativoͲinstituͲ que em causa pode estar o exercício de
cional da democracia nem colocar a umpodernosistemamultiníveleuropeu
questãodalegitimaçãonumplanoinfraͲ que, como é óbvio, não pode desvincuͲ
constitucional:OrecursoaodireitoconsͲ larͲse de formas e meios jurídicos de
titucionalafiguraͲse,emalgumamedida, legislação, mas que só uma estatalidade
comouma“estratégiacientífica”105.Com neutra e um princípio democrático
efeito, o povo continua a ser sujeito de dinâmico podem albergar. São, precisaͲ
legitimação,mastrataͲsedopovoplural, mente, os problemas de legitimação da
enãodopovocomo“unidadecolectiva”. administração plural e diferenciada que
O povo plural tem como ponto de refeͲ justifica o notável esforço dogmático e
rência o indivíduo e a sua autoͲ teóricoda“novaciênciadodireitoadmiͲ
determinaçãoenãoentidadescolectivas nistrativo” para erguer, reflexivamente,
como o “Estado” ou a “Nação”. ConseͲ o princípio democrático Ͳ verdadeiro
quentemente,tambémademocracia,no princípio e não regra jurídica Ͳ  a um
contexto cultural europeu, será uma padrão legitimador que tenha em conta
formadedomíniocujopontodepartida
é sempre e apenas a liberdade indiviͲ
dual106 (o “cidadão europeu” e não a

“UniãoEuropeia”). 107
OtemaéanalisadoporGeorgHermes,“LegiͲ
timationsproblem unabhängige Behörden”, in
ͳͲʹDoutrina

HartmutBaueretalii,DemokratieinEuropa,cit.,
 p.457ss.Entrenós,porPedroGonçalves,EntidaͲ
105
Cfr.HansChristianRöhl,“Verfassungsrechtals des privadas com poderes públicos, Coimbra,
wissenschaftliche Strategie”, in HansͲHeinriche 2005.
108
Trute un alii, Allgemeines Verwaltangsrecht, cit.,  Cfr. Stefan Storr, “Verfassungsrechtliche DiͲ
p.820. rektiven des demokratischen Prinzips für die
106
 Cfr. HansͲHeinrich Trute, “Die demokratische Nutzung privatrechlicher Organisationss Ͳ und
ž‰‹ƒ

LegitimationderVerwaltung”,inHoffmanͲRienet Kooperation–FormendurchdieöffentlicheVerͲ
alii, Grundlagen des Verwaltungsrechts, cit., p. waltung”,inHartmutBaueretalii,Demokratiein
324. Europa,cit.,p.411ss.


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ascondiçõesreaisdoexercíciodopoder gências de abertura para outros pontos


enãoapenasficçõesnormativas109. de vista legitimatoriamente relevanͲ
tes112: aceitação, efectividade, justeza,
§3.|AconstituiçãocomosistemaaberͲ justiçamaterialeprocedimental,realizaͲ
todedemocratizaçãoedecontrolo ção do bem comum e de interesses
OproblemaquesecolocaperanteorepͲ públicos. O núcleo da democracia –
to da “ nova ciência do direito adminisͲ HerzstückvonDemokratie–residiránão
trativo” é o de saber se, no plano da tanto em derivações legitimatórias, mas
ciênciadodireitoconstitucional,seregisͲ emprocessosdecriaçãodedireitoeem
tam movimentos doutrinais corresponͲ estruturasdereconhecimentorecíproco,
dentes. Uma indicação actual, indiciadoͲ interacção, partilha de responsabilidade
ra de uma nova compreensão dos proͲ e constituição de orientação e de sentiͲ
blemas de legitimação democrátiͲ dos. A nosso ver, também não basta a
coͲconstitucional, pode encontrarͲse em simples menção de formas autónomas
diversa literatura, na qual se inclui o delegitimaçãodivorciadasdeumavisão
comentário mais recente à Grundgesetz de conjunto das refracções político –
alemã110.Parececlaroqueademocracia normativasdoprincípiodemocrático.Éo
legitimadora do poder é, também, a quepretendemossalientaremdesenvolͲ
democracia executora de poder (para vimentos seguintes. A nossa resposta
utilizarmos as fórmulas de G. Höffe111), seráadeconsideraraConstituiçãocomo
tem de ser mais compreensiva – em um sistema aberto de democratização e
termosdeformas,meioseníveisdelegiͲ de controlo. Isto implica, desde logo, a
timação – de forma a reactualizar as redescoberta da constituição como sisͲ
interpretações centradas na legitimação tema normativo de legitimação do
eleitoraldirectaenacascatadelegitimaͲ poder.
ções. Neste contexto inseremͲse as exiͲ
§4.|IͲAconstituiçãocomoestatuto

ͳͲ͵J.J.GomesCanotilho
109
 Cfr., por todos, HansͲHeinrich Trute, “Die jurídicodopolítico
demokratische Legitimation der Verwaltung”, in
HoffmanͲRiem/Schmidt Assman/Andreas
1. Dentre as várias caracterizações da
Vosskühle, Grundlagen des Verwaltungsrechts, I, constituição, uma delas é reiteradamenͲ
cit.,p.307segs.
110 te convocada: aconstituição como estaͲ
 ReferimoͲnos ao Berliner Kommentar zum
Grundgesetz, organizado por K. Friauf/W. tutojurídicodopolítico.NoutraformulaͲ
Höfling. As referências que se fazem no texto
ção,afirmaͲsequeaconstituiçãoconstiͲ
pertencem à anotação ao artigo 20.º a cargo de
UweVolkmann. tuiolugardeencontroentreademocraͲ
111
Cfr.OtfriedHöffe,DemokratieimZeitalterder

ž‰‹ƒ

Globalisierung,Beck,München,1999.Utilizámos
112
a tradução em lingua portuguesa: A Democracia Cfr.UweVolkmann,anotação47aoartigo20.º
nomundodehoje,SãoPaulo,2005. daGrundgesetz,emBerlinerKommentar,cit.


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cia e o constitucionalismo. Com particuͲ chamaram o regresso da “confusão” de


larinsistêncianajuridicidadedopolítico, poderes. Os que se deviam ocupar da
aconstituiçãodemocráticaéaquelaque tarefa da concretização dos limites (ex:
afirma e estabelece o princípio do funͲ magistrados)eosquedeviamfazerpolíͲ
damento normativo de qualquer poder ticaemanterͲsedistantesdasinstâncias
(Kelsen). Para se legitimar como constiͲ decontrolotendemapressionardirecta
tuiçãodemocrática,umaleifundamental e indirectamente estas últimas. Em
deve conformar o estatuto jurídico do segundolugar,nobojodaconstituiçãoe
políticoemtermosrepublicanosepluraͲ das leis votadas pelos órgãos próprios,
listas,oqueexcluiquaisqueroutraslegiͲ foramͲsealojandoentidades,actividades
timações(ex.dinásticas)ouburocráticas eparâmetrosderegulaçãocujabondade
(ex. do Estado). No fundo, quando se democrática não é visível a olho nu
coloca a questão de saber em que conͲ (entidades administrativas independenͲ
sisteesseestatutojurídicodopolítico,a tes, formas de exercício de actividades
respostanãopodedeixardesereconduͲ públicasporentidadesprivadas,adopção
ziraduasnotasfundamentais(1)aideia de esquemas regulativos “standards”,
de legitimação democrática que enconͲ “boas práticas”, “regras técnicas”). Por
tra nas normas constitucionais sobre as último, os princípios republicanos vincuͲ
instituições democráticas, sobre o papel lativosdoexercíciodepoderesefunções
do legislador e sobre os mecanismos públicas (virtude na defesa dos interesͲ
eleitorais e referendários, as suas mais ses públicos e distância perante os inteͲ
expressivasprecipitaçõesnormativas;(2) resses privados, temporariedade de carͲ
aideiadelimitedapolitica,queencontra gos e de mandatos, responsabilidade
nos elementos de controlo recíproco do pelagestãodosdinheirospúblicos),têm
poder, designadamente nos esquemas sofrido “perigosas neutralizações”, mulͲ
de fiscalização de constitucionalidade, a tipliͲcandoͲse os casos de “mãos sujas”,
formaacabadadapositividadedemocráͲ de acusação de corrupção activa e de
tica corrupçãopassiva,departidarizaçãodos
ofícios públicos, de mercantilização de
2.Acontece,porém,queequilíbrioentre influências“decapturapelosregulados”,
ͳͲͶDoutrina

alegitimaçãodemocráticaeolimitejuríͲ com as consequências inevitáveis da


dicodapolíticaperecesofrermomentos
opinião pública sobre a bondade demoͲ
de turbulência. Em primeiro lugar, porͲ cráticadopoder.Emúltimotermo,volta
que o equilíbrio pressupõe o respeito
acolocarͲseaquestãodesaberseofunͲ
pela separação e interdependência dos
damento normativo necessário de qualͲ
ž‰‹ƒ

órgãosdesoberania,oquenemsempre quer poder é, em si suficiente, para


acontece,havendoaquiloaquealgunsjá


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garantir a juridicidade material no exerͲ decrisederepresentaçãoparlamentar”,


cíciodopolítico. “corrupçãodosistemapolítico”,“nãohá
almoçosgrátis”,“virtudespúblicas,vícios
3.Aconstituiçãonãopodedeixardeser
privados”. Poucos são os estudos que,
uma constelação normativa atenta à
sob o ponto de vista jurídicoͲconstituͲ
situaçãodomundopolítico,sobpenade
cional, tenham dedicado atenção sufiͲ
setransformarnum“esqueletonormatiͲ
ciente à problemática da constituição
vo”. O que se pergunta, porém, é se o
comosistemaabertodedemocratização
sistema normativo aberto de regras e
e de controlo. A problematização jurídiͲ
princípios é suficiente para garantir a
coͲconstitucionaldestademocratizaçãoe
força normativa do estatuto do político
deste controlo levarͲnosͲà, necessariaͲ
peranteeventuaisdeficitsdelegitimação
mente,atemasclássicosfrequentemenͲ
e de legitimidade, ou se, para além da
te descurados nas análises “puras”do
juridicidade,énecessáriovoltaraapelar
direito constitucional. Lembramos apeͲ
paraosvaloreséticosemorais,questioͲ
nas os temas responsabilidade, crimes
nandoofundamentomoraldaconstituiͲ
de responsabilidade, impedimentos, inͲ
ção e das instituições democráticas por
compatibilidades, exclusividade de funͲ
ela conforma. É neste contexto que a
ções, limites à renovação sucessiva de
moderna literatura jusconstitucional
mandatosdecargospolíticosexecutivos.
(mas também da ciência politica e da
Falta uma visão de conjunto sobre este
sociologia) volta a preocuparͲse com o
lequedequestões.
problemadademocraciaedarealização
dosprincípiosdemocráticos.Otemaem 2.Paraalémdestesproblemasclássicos,
moda,nãoéodo“princípiodadignidade irrompem na “arena política” questões
da pessoa humana” ou o princípio da particularmente complexas que, de uma
proibição do excesso mas o da probleͲ forma ou de outra, colocam interrogaͲ
matização do sistema aberto de demoͲ ções carecidas de resposta. ReferimoͲ
ͳͲͷJ.J.GomesCanotilho
cratizaçãoedecontroloestaͲbelecidona nos,porexemplo,àutilizaçãodeformas
constituição. de cooperação e de organização jurídiͲ
coͲprivadas no exercício de funções
IIͲAconstituiçãocomoestatutodoconͲ públicas, à recepção de modelos de
trolopolitico governance no âmbito das políticas
1. Os problemas atrás assinalados públicas,àcrescenteimportaçãodeuma
andam, hoje, associados a temas de “república de reguladores” (desde entiͲ
grandesensibilidadepolítica.“Estadode dades independentes no âmbito da proͲ
ž‰‹ƒ

partidos”, “sintomas de crise do Estado tecção de direitos, liberdades e garanͲ
Constitucional Democrático”, “sintomas tias, até às entidades reguladoras da


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concorrência e do mercado de valores é que se torna imperioso articular as
imobiliários). A simples menção destes duas perspectivas – de juridicidade e de
temasinsinuaque,aosolhosdocidadão, democraticidade – para se estruturar
talvezestejaaquio“nógórdiodademoͲ com uma sustentabilidade razoável, o
cracia”enãonumsofisticadosistemade sistema aberto de democratização e de
inconsͲtitucionalidades, invalidades ou controlo.
ilegalidades, que revelam desvalores
4. Nesta perspectiva, o sistema jurídico
jurídicos, mas frequentemente ocultam
os“desvaloreséticoͲpoliticos”aeleassoͲ tem de incorporar novos “conceiͲ
ciados. tosͲchave” e novas formas de actuação
possibilitadoras de uma melhor comͲ
3. A insuficiente problematização do preensãodoordenamentoconstitucional
estatutojurídicodademocratizaçãoedo democrático. Vamos dar alguns exemͲ
controlo político ligaͲse, em grande plos. O conceito de “New Public ManaͲ
medida,àideiadequeaordemjurídicaé gement”foitransferidodasexperiências
fundamentalmenteconstituídaporactos demodernizaçãodosectorprivadopara
jurídicos e outras manifestações normaͲ a administração pública. Dentre os seus
tivas.Maisdoqueisso.Aordemjurídica elementos ou componentes incluiͲse a
(1)éofundamento,limite,mastambém separação entre politica, como planeaͲ
produto de uma praxis, de actores indiͲ mento ou definição estratégica de tareͲ
viduais e institucionais dentro dum fas,etransmutaçãooperativadestesfins
determinado espaço jurídico, sendo (2) atravésdaadministração.ComoseasseͲ
dimensão constitutiva dessa ordem a gura o controlo democrático nos dois
distinção entre acto jurídico (direito) e planos de acção? Ainda no mesmo
“nãodireito”.Oespaçodo“nãodireito” modelo, transformouͲse a matriz estruͲ
não tem qualquer relevância jurídica113. tural da administração central concenͲ
Oproblemaéqueestalógicaseadequa trada num esquema de outras unidades
aumaperspectivadejuridicidadeestatal operativas autónomas com responsabiliͲ
(de Estado de direito), mas não é sufiͲ dadedescentralizada.OgovernoconcenͲ
ciente para captar certos “acontecimenͲ traͲse – esta outra dimensão caracteriͲ
ͳͲ͸Doutrina

tos normativos” (normative ErscheinunͲ zadora–nastarefasnuclearesdoEstado,


gen)aosquaispodemestarligadosresulͲ transferindo outras tarefas para empreͲ
tados ou consequências primariamente sas privadas ou organizações nãoͲlucraͲ
relevantes no âmbito da democraticidaͲ tivas (privatização contractingͲout,
de constitucional. Precisamente por isso publicͲprivate partnership). Estas estraͲ

ž‰‹ƒ

113
tégias não se reconduzem sempre a
 Sobre esta dicotomia cfr. Christian Bumke,
RelativeRechtswidrigkeit,Tübingen,2004,p.13.
actos jurídicos. Como se “ordena”, denͲ


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tro deste novo “Estado”, a legitimidade


democráticadasdecisões?QuaisaspauͲ
tasdeactuaçãoparaavaliardasuaconͲ
formidadecomasregraseprincípiosdo
ordenamento constitucional? A resposta
à “mecânica da nova governance” exige
que esta seja engrenada de um modo
tolerável, aceitável e sustentável, em
termosdeEstadodedireitoeemtermos
deEstadodemocrático114.ˆ

ͳͲ͹J.J.GomesCanotilho


114
ž‰‹ƒ

 Cfr., por todos, E. SchmidtͲAssmann, Das allͲ


gemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsideer,
2ªed.,Heidelberg,2006,p.12segs.


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ͳͲͺDoutrina
ž‰‹ƒ


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Onovodireitodourbanismo:odespontardo“urbanismopósͲvinculístico”
nodomíniodareabilitaçãourbana

SuzanaTavaresdaSilva
AssistentedaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra


Resumo: ceitos como a avaliação estratégica, a


A globalização veio pôr em crise alguns programaçãoouamultilevelgovernance
dospostuladostradicionaisqueinformaͲ do território, reclamando uma revisão
vam o direito público, designadamente dosinstrumentosdegestãoterritorial.A
trouxe consigo correntes que apontam própria perequação, apresentada a seu
para a desconstrução do Estado como tempo como um instrumento suficienͲ
resultado da desconstrução dos conceiͲ temente dúctil para dar resposta aos
tos de soberania, território e cidadania desafiosdomodelodecidadeassenteno
nacional. A necessidade de integração princípiodacolaboraçãopúblicoͲprivada,
dos Estados em comunidades de direito exige hoje alguns reajustes que lhe perͲ
de nível supraͲestadual impôs uma mitam“sobrevivernummodelourbanísͲ
reconstruçãodadogmática,queatinge,a tico pósͲvinculístico”. O novo modelo
seumodo,quasetodososdomíniosjuríͲ troca o plano pelo projecto e pela proͲ
dicos, e um deles é, precisamente, o gramação estratégica, a repartição de
direito do urbanismo. Tradicionalmente competências entre Estado e autarquias
assente num modelo de “planificação eosprincípiosdacoordenaçãoehierarͲ
vinculística em cascata”, orientado para quiaentreosplanospormecanismosde
governance multilevel e o “préͲ
ͳͲͻJ.J.GomesCanotilho
a implementação de um modelo único
de ordenamento do território préͲ ordenamento do território” por um sisͲ
definidoanívelcentral,econcretizadoa temacomplexo,emrede,deconcretizaͲ
nívellocaleminstrumentosfundadosna ção de níveis de qualidade ambiental e
técnica do zonamento, o direito do de coesão no desenvolvimento, orientaͲ
urbanismo tem hoje dificuldade em dar dos para um “programa de âmbito
umarespostaadequadaaosnovosdesaͲ superͲestadual”.
fios. De facto, este modelo não se comͲ 
ž‰‹ƒ

paginacomasexigênciasdoprincípioda 
sustentabilidade,assenteemnovosconͲ


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1. Globalização e território: as mudanͲ soberaniacomopodersupremodoEstaͲ


ças que se impõem no âmbito dos posͲ dodentrodoseuterritórioi.
tuladostradicionaisdodireitododireito NoquerespeitaaoordenamentodoterͲ
dourbanismo ritório,aintegraçãodePortugalnaUnião
O conceito de território tem, desde há EuropeiaobrigouaumreajustedosentiͲ
muito,umsignificadojurídico.Enquanto do da planificação aos objectivos euroͲ
elemento inalienável do Estado, o terriͲ peus de construção de um modelo coeͲ
tório assumeͲse como um referente de rente de coordenação de políticas e
pertença material da cidadania e do acçõesqueincidemsobreoterritório,no
exercício da própria soberania. Todavia, qual se conjugam dimensões económiͲ
a desconstrução típica da pósͲ cas,sectoriais,urbanísticaseambientais,
modernidade e a integração do Estado subordinadasaocumprimentodeobjecͲ
em comunidades supraͲestaduais de tivos estratégicos, de que o Programa
direito impõem uma mudança não apeͲ NacionaldaPolíticadeOrdenamentodo
nas na compreensão da soberania, mas Territórioconstituiemexemplotípico.
também dos restantes elementos do Nestecontexto,éimportantesublinhara
Estado,entreeles,oterritório.AmodifiͲ perda de poder exclusivo do Estado não
caçãoimpostapelaaberturaàcomplexiͲ só dentro do território, mas até sobre o
dade no caso do território traduzͲse na território,emconsequênciadarevelação
suaperdaderelevânciaenquantolimite de novos direitos subjectivos fundados
evínculodasoberania. eminstrumentosdedireitointernacional
TrataͲse, convém sublinháͲlo em primeiͲ e supranacional. Algumas decisões judiͲ
ro lugar, de uma consequência da diluiͲ ciaisdoTribunalEuropeudosDireitosdo
çãodaprópriasoberanianocontextoda Homem (TEDH) são ilustrativas desta
globalização, pois a transferência de segunda dimensão, revelando a mencioͲ
atribuições para entidades supranacioͲ nadaperdadesoberaniasobreoterritóͲ
naiseaconsciencializaçãodequealguns rio. ReferimoͲnos ao caso dos membros
problemasglobais só podem ser resolviͲ da comunidade cigana que apelaram
dos à escala global (maxime os probleͲ àquele tribunal, alegando a violação do
mas ambientais) tornaram imperiosa a direitoàhabitaçãonómada(típicadasua
ͳͳͲDoutrina

vinculação dos Estados a orientações e cultura) pelas autoridades britânicas ao


instruções de organizações e entidades indeferiremospedidosdelicenciamento
internacionaisfundadasemconhecimenͲ de instalação de caravanas em zonas
tos técnicos, vinculadoras e limitadoras verdes dentro das cidades (nos green
das políticas nacionais, não deixando belts),fundamentandoaquelarecusaem
ž‰‹ƒ

dúvidas quanto ao enfraquecimento da normas urbanísticas. Neste caso o tribuͲ


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nal concluiu que o princípio da proporͲ Neste contexto, o território perde a
cionalidadeexigequeosplanosurbanísͲ característica de circunscrição do poder
ticos contemplem uma solução adequaͲ estadual soberano, mas revela uma
da para os membros daquela etnia, importância renovada enquanto recurso
designadamente, que ponderem a proͲ exclusivo do Estado para promover a
tecção de interesses gerais conjuntaͲ valorização do bemͲestar da população,
mente com o dever de protecção dos o que implica, necessariamente, uma
direitos individuais daqueles, entre os transformação profunda no direito do
quaisseinclui,porexemplo,odireitode ordenamento do território e do urbaͲ
as crianças daquelas famílias poderem nismoiii. A inversa não é, porém, verdaͲ
“residir na comunidade” em zonas próͲ deira,ouseja,oEstadoperdeaqualidaͲ
ximas dos estabelecimentos de ensino dedeseroúnicotitulardopodernoseu
(Buckley vs. Reino Unido – 25/09/1996). território, mas mantém intocável o
Noutra ocasião, o TEDH pôs em causa poder de explorar a valorização do seu
despejos administrativos de famílias território, o que acaba por acentuar a
ciganas fundamentados em comportaͲ importância da compreensão deste
mentos antiͲsociais, afirmando que as como um recurso nacional. Em outras
autoridades administrativas não tinham palavras, o Estado mantém o poder de
tomadoemconsideraçãonasrespectivas explorar de forma exclusiva os seus
decisões o “especial modo de vida” dos recursos territoriais para satisfazer as
membros daquelas comunidades (ConͲ necessidadesdoscidadãos,emboracom
nors vs. Reino Unido – 27/04/2004). Na ocompromissodeofazerdeformasusͲ
mesma linha, inseremͲse os casos em tentada e com observância das guideliͲ
que aquele tribunal considerou haver neseuropeias–políticaagrícolacomum,
violação dos artigos 8º e 6º da CEDH protecção ambiental, implantação de
quando estabelecimentos industriais redes transeuropeias, desenvolvimento
devidamente licenciados provocaram tecnológico,coesãoestruturaliv–einterͲ
ͳͳͳSuzanaTavaresdaSilva
danos na qualidade de vida dos “viziͲ nacionais – convenções em matéria
nhos” ou quando não foi divulgada sufiͲ ambiental,energética,etc.
cienteinformaçãoàcomunidadesobreo É por esta razão que o Estado passa a
impactoambientaldoestabelecimentoa valorizar o território e os seus aproveiͲ
licenciar, ou mesmo nos casos em que tamentos de forma mais intensa, o que
não foi garantido, de forma efectiva, o obriga, no plano interno, a proceder a
direito de participação procedimental uma reformulação da repartição de
nos respectivos licenciamentos (R. vs. poderes nesta matéria entre o nível
ž‰‹ƒ

HampshireWasteServices–2002)ii. estadualeinfraͲestadual,nonossocaso,


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sobretudonasrelaçõesentreoEstadoe zaçõesecompensaçõesdaplanificaçãoe
os municípios. A reformulação no plano da execução dos planos por novos
interno assenta, fundamentalmente, na esquemas de perequaçãovii. A proposta
necessidade de concepção de esquemas da doutrina italiana radica, essencialͲ
de aproveitamento sustentável do terriͲ mente, na dinamização da perequação
tório, fundados em instrumentos jurídiͲ de endopartilha – assente na atribuição
cos à margem do clássico sistema de de capacidade edificatória não aos lotes
“planificação em cascata”, que culmina eaosrespectivostitulares,masantesaos
nos planos municipais de ordenamento planos na sua totalidade, através de um
do território, baseados na técnica do esquemadeíndicesterritoriais,colocanͲ
zonamentov. Assim, a “cativação prévia doosproprietáriosemigualdadedecirͲ
de usos em determinadas áreas” não é cunstâncias que os obrigará a negociar
hoje compaginável com uma gestão e entre si a respectiva execução – e da
afectação eficiente e sustentável deste perequaçãoemsentidoamplo–baseada
recursoescasso,devendoantesserdada na “exportabilidade” de direitos edificaͲ
prioridade ao desenvolvimento de tórios e na possibilidade de criação de
esquemas globais de policyͲmaking em um“mercadodeíndices”dentrodaconͲ
matéria deprogramação social, os quais textualidadedoplano.
hãoͲde incluir, também, a definição de A nossa proposta suporta uma comͲ
políticasmunicipaisemmatériadeurbaͲ preensão mais ampla do que deva ser o
nismovi. novo direito do urbanismo, procurando
É contra uma préͲcompreensão exclusiͲ enquadráͲlo na dinâmica típica dos
vamente publicista do urbanismo, hoje novos esquemas jurídicos de concretizaͲ
inadequada ao contexto da partilha ção de políticas públicasviii e do que a
públicoͲprivadadaresponsabilidadepela doutrina alemã designa como “novo
promoção de políticas sectoriais, que a direitoadministrativo”ix.
doutrinaitalianareageeapresentacomo A experiência comparada mostraͲnos
alternativa o “urbanismo pósͲ claramente que os actos de boa goverͲ
vinculístico”, designação dada por aqueͲ nação do território assentam agora na
les autores ao conjunto de esquemas elaboração de estratégias abertas destiͲ
ͳͳʹDoutrina

operativos destinados a estimular a nadas à posterior concretização aplicatiͲ


comparticipação dos proprietários no va. São estratégias formadas a partir de
desenho territorial, fazendo coincidir esquemas de multilevel governance
com formas de utilidade pública a prosͲ entreosdiversosníveispúblicosdedeciͲ
secuçãodeinteressesindividuais,permiͲ são, e entre estes e as entidades privaͲ
ž‰‹ƒ

tindo substituir as tradicionais indemniͲ das,querespondemaumentramadode


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exigências ambientais, sociais e econóͲ território para a concretização aplicativa


micas. de standards ambientais, sociais e de
Poroutrolado,dos“novosinstrumentos coesão económica. Vejamos, mais em
de gestão territorial” esperaͲse não só pormenor, como se operam estes moviͲ
queincorporemacompreensãodoterriͲ mentos.
tórioͲrecurso,comoaindaquerevelema Os planos de ordenamento cumprem
absorção por este ramo do direito dos uma função de ordenação e conferem
princípiosinformadoresdo“novodireito segurançaeestabilidadequeràsentidaͲ
administrativo”. Cabe não esquecer que des administrativas que vão decidir os
ajámencionadaaberturaàcomplexidaͲ pedidos de licenciamento, quer aos priͲ
de impôs, no plano do direito adminisͲ vadosaquemcabe,emúltimainstância,
trativo geral, uma adaptação da dogmáͲ a execução dos mencionados planos.
ticatradicionalaoesquemada“legalidaͲ Esteesquemafoiconcebidoinicialmente
deaberta”,transferindoumanotatípica como um mecanismo rígido de garantia
de inovação concretizadora para níveis de igualdade, que, em última instância,
ondeanteriormenteapenasseencontraͲ visavagarantiraexecuçãodeummodelo
vaatradicional“aplicaçãodalei”.É,pois, de aproveitamento do território e de
normal, que estes instrumentos se desenvolvimento das cidades estipulado
espraiem também pelos cada vez mais a nível político pelas entidades compeͲ
diversos ramos especiais do direito tentes, acautelando apenas a participaͲ
administrativo. ção procedimental dos interessados e
destinatáriosdosplanos.
2. Instrumentos do direito urbanístico Com o tempo, este modelo foi reclaͲ
pósͲvinculístico mando a introdução de mecanismos de
Quando nos referimos aos novos instruͲ flexibilização, que permitissem “ajustar
mentos de gestão territorial reconduzíͲ melhor”ointeressepúblicopréͲdefinido
ͳͳ͵SuzanaTavaresdaSilva
veis à dogmática do novo direito admiͲ aosinteressesdosprivados,incumbidos,
nistrativo, centramos a nossa atenção em última instância, de assegurar a resͲ
em dinâmicas evolutivas baseadas na pectiva concretização. Esta pressão no
compreensãodoterritóriocomorecurso, sentido da flexibilização dos planos aguͲ
originadoras dos seguintes movimentos: dizouͲse com a nova repartição dos
do plano de ordenamento para o proͲ encargospúblicosurbanísticos,i.e.,com
gramaestratégico;doplanoͲactoparao a “privatização dos custos de urbanizaͲ
projecto; dos princípios da coordenação ção dos terrenos”. E não faltaram expeͲ
ehierarquiadosplanosparaamultilevel dientes para conciliar os interesses
ž‰‹ƒ

governance; do “préͲordenamento” do perante o novo figurino, de entre os


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quais podemos referir, por último, os suporte ou correspondência em prograͲ
contratosparaplaneamentoimpulsionaͲ mas e estratégias europeias. Se atenͲ
dospelaúltimaalteraçãoaoregimegeral tarmos na relevância prática que as
dosinstrumentosdegestãoterritorial. excepções hoje assumem, sobretudo
Todavia, os esquemas de flexibilização com o impacto que terá a entrada em
não resolvem o cerne do problema, vigordonovoregimejurídicodereabiliͲ
garantem maior participação, alguma tação urbana, facilmente percebemos
negociação, mas deixam em aberto o que a excepção tem tendência a transͲ
ponto fulcral, i. e. a determinação dos formarͲse em regra e que o modelo
critérios materiais de controlo da discriͲ estruturalevoluiparaumasoluçãoglobal
cionariedade de planeamento. Como é assente na programação estratégica,
quepodemosgarantirairrenunciabilidaͲ para as cidades, para as áreas agrícolas,
de e indisponibilidade material dos para as áreas florestais, para as zonas
poderes públicos de planeamento (a marítimas,paraasáreasdereservaecoͲ
definição pública de um conteúdo) atraͲ lógica. Esta programação fundaͲse num
vés de um sistema de flexibilização que novo modelo de actuação do poder
se traduz, na maior parte dos casos, em público:aorientaçãoedefiniçãogeralde
soluçõesdeexcepçõesaoplano?Bastará standards e reenvio do poder “de escoͲ
a participação dos interessados no proͲ lha da melhor opção” para o nível da
cedimento que dá origem à excepção concretizaçãoaplicativa.
paragarantirarespectivalegitimidadee Nestemodelo,aconcretizaçãoaplicativa
juridicidade?Ecomodefinimosocírculo deixa de consubstanciar uma decisão
de interessados se concluímos que o administrativaconformeàleieaoplano
territórioéumrecursonacionalescasso? epassaaradicarnuma“escolhaadminisͲ
Qual é o parâmetro para a ponderação trativa” da melhor opção para a realizaͲ
da decisão que excepciona a aplicação ção de um conceito de cidade sustentáͲ
das disposições de um plano? Existem vel, de área florestal protegida, de
entre nós já suficientes exemplos desta desenvolvimentoeconómico,etc.AdefiͲ
realidade:áreadaParqueExpo,terrenos nição e densificação dos conceitos (área
envolventes aos estádios do Euro 2004, protegida, paisagem protegida, bem de
ͳͳͶDoutrina

reabilitações de frentes marítimas e valor cultural, infraͲestrutura essencial)


zonas ribeirinhas do Programa Polis e que servem de base à formação dos
reabilitação dos centros históricos. Os standards é fundamental, exigindoͲse
exemplos referidos reportamͲse a queessaformaçãoassenteemcontribuͲ
empreendimentos incluídos em prograͲ tos técnicos informados por elementos
ž‰‹ƒ

mas de interesse nacional com apoio, participativos, a seu modo essenciais à


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densificação da sustentabilidade. São desenvolvimento económico). O Estado


esses elementos participativos que transmutaͲse em regulador do recurso
transportamparaostandardadimensão território, centrando a sua actividade
de praticabilidade que por vezes não se jurídica na fixação de standards que
revela no conceito técnico em sentido absorvemoscontributosnãosódeentiͲ
estrito. dades supraͲestaduais, mas também
Éummodelocomalgumassemelhanças decorrentes da participação dos privaͲ
ao modelo de planeamento britânico dos.
fundado no planning and compulsory ÉnestecontextoqueoesquemaproposͲ
purchaseactde2004equecomportajá to pelo modelo de direito do urbanismo
uma resposta clara ao problema da pósͲvinculístico fundado em programas
implantaçãodeinfraͲestruturas.Questão estratégicos integrados se revela mais
queentrenósnãoconhecesoluçãoadeͲ ajustado ao actual modelo de desenvolͲ
quadaapartirdosplanossectoriais,susͲ vimento social do que o modelo centraͲ
citando problemas práticos de difícil do na “planificação em cascata”. SubliͲ
resoluçãoeelevadoscustosdecontexto nheͲse que este modelo não belisca o
(sobretudo da litigiosidade). De facto, núcleo de atribuições municipais em
existe uma notória ineficiência no nosso matériadeordenamentodoterritórioe,
modelo de planeamento relativamente sobretudo, de planificação das cidades,
às decisões de localização de infraͲ poisreconheceͲlhesumamplopoderde
estruturas. decisãoaoníveldaconcretizaçãoaplicaͲ
Ao nível da concretização aplicativa, o tiva. Todavia, enquadra aquele poder,
input criativo é esperado dos privados e comonãopodedeixardesernocontexͲ
não densificado pela administração, o todonovomodelodeactuaçãodopoder
que explica a transição do planoͲactox público,oquesignificaqueexistemaior
paraoprojecto.Aprogramaçãodeixade abertura,mastambémmaiorvinculação
ͳͳͷSuzanaTavaresdaSilva
ser a execução do plano, para passar a decorrente da necessidade de respeitar
seraconcretizaçãoaplicativadaestratéͲ os standards. O standard é mais aberto
gica.EopapeldoEstado?DiversificaͲse. que a disposição do plano, mas ao conͲ
Podeserincentivadorexterno(estímulos tráriodaquelenãoadmiteexcepções.
económicos), desincentivador externo OmesmovalenarelaçãoentreoEstado
(aplicação de contribuições especiais), eosprivados,poisestes,osverdadeiros
incentivador interno (projectos públicos dinamizadores do aproveitamento e
promovidos por entidades do sector valorização económica do território,
empresarial do Estado), garantidor (fixaͲ gozam,porumlado,demaiorliberdade
ž‰‹ƒ

çãodestandardsambientais,sociaisede na concepção de projectos que simultaͲ


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neamente se ajustem à concretização adoptar,segundopalavrasdolegislador,


dos standards exigidos e aos seus inteͲ “umregimedeenquadramentonormatiͲ
resses privados, e, por outro, de maior vo da reabilitação urbana ao nível proͲ
segurança na dinamização e promoção gramático, procedimental e de execuͲ
de investimentos, pois a programação ção” com o qual se espera alcançar
ancorada em standards, por ser mais “soluções coerentes de intervenção ao
aberta que no caso dos planos, é tamͲ nívelfuncional,económico,social,cultuͲ
bémmaisestável,aumentandoograude raleambientalnasáreasareabilitar”.O
calculabilidade quanto ao sentido das novo modelo parte, portanto, da definiͲ
decisões. A programação consubstancia, ção prévia de objectivos a alcançar e de
no fundo, o “caderno de encargos” princípios a respeitar, os quais constiͲ
públicoqueservedeorientaçãoaosproͲ tuem os parâmetros e os limites da
jectos privados de aproveitamento e intervenção.
valorização do território, nele se inscreͲ Assim, o novo regime jurídico ancoraͲse
vendoosparâmetrosambientais,sociais na definição pelo município da área ou
e de coesão económica essenciais, a áreas dereabilitaçãourbana, do tipo de
observarnoexercíciodestaactividadede operaçãodereabilitaçãoedomodelode
interesse público, dispensando, assim, a gestãoadoptado.
prévia cristalização planificadora das A delimitação de uma área de reabilitaͲ
opções. ção urbana pela assembleia municipal
exige a respectiva fundamentação, que
3. Refracções visíveis do despontar do assentaránoenquadramentodarespecͲ
novomodelo tiva decisão no contexto das opções de
Esta nova concepção começa também a desenvolvimento urbano do município,
dar os seus primeiros sinais entre nós. nadefiniçãodotipodeoperaçãoautiliͲ
Escolhemos o exemplo que consideraͲ zarenaestratégiaouprogramaestratéͲ
mos mais ilustrativos desta realidade: a gicoaadoptar.SublinheͲseaimportância
proposta de lei do novo regime jurídico dereconduziraáreadelimitadaàpolítica
dareabilitaçãourbana. municipal de desenvolvimento urbano,
A reabilitação urbana, sobretudo o proͲ deixandoparatrásasualigaçãoaoconͲ
ͳͳ͸Doutrina

jecto de lei que agora se encontra em ceito tradicional de áreas críticas de
discussãopública,constitui,anossover, recuperação e reconversão urbanística
oexemplomaisemblemáticododesponͲ da lei dos solos, o que permite, por um
tar desta nova realidade no nosso ordeͲ lado, alargar a aplicação deste regime
namento jurídico. Com efeito, o novo jurídico a novas situações (por exemplo,
ž‰‹ƒ

regime da reabilitação urbana passa a intervenção sobre áreas excessivamente


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edificadas embora não degradadas ou, supõe,porseuturno,aaprovaçãodeum


simplesmente, áreas desordenadas) e, programaestratégico,que,paraalémde
por outro, estabelecer uma ligação mais integrar o conteúdo semelhante ao que
directa entre o programa político muniͲ já foi referido para a estratégia, háͲde
cipal e a sua execução, melhorando a incluir ainda o programa da operação
accountabilitydasdecisões. comidentificaçãodasacçõesestruturanͲ
O novo regime jurídico consagra dois tes a adoptar, distinguindo as que têm
tiposdistintosdeoperaçõesdereabilitaͲ por objecto os edifícios, as infraͲ
ção urbana: a operação de reabilitação estruturasurbanísticas,osequipamentos
urbana simples, que é realizada fundaͲ sociais, as áreas livres e de espaços verͲ
mentalmente pelos privados (proprietáͲ des e as actividades económicas, bem
rios e titulares de outros direitos sobre comoapresentarumprogramadeinvesͲ
os imóveis) sob a “supervisão” da entiͲ timentos públicos onde se discriminem
dade gestora ou em colaboração (total as acções de iniciativa pública necessáͲ
ou parcial) com esta; e a operação de rias ao desenvolvimento da operação. O
reabilitação urbana sistemática, que programaestratégicopoderádefiniruniͲ
acentua a vertente integrada da interͲ dades de execução e objectivos específiͲ
venção promovida pela entidade gestoͲ cosaprosseguirnoâmbitodecadauma
ra. delas.
A primeira – a operação de reabilitação O regime das operações de reabilitação
simples – fundaͲse numa estratégia de urbana sistemática a promover pelas
reabilitação urbana, que define as entidades gestoras pode recorrer a parͲ
opçõesestratégicasdereabilitaçãocomͲ cerias,devendoadoptarumadasseguinͲ
patíveis com as opções de desenvolviͲ tes formas: concessão urbanística,
mentodomunicípio,asprioridadeseos empreitada única, contrato de reabilitaͲ
objectivos a prosseguir na execução da çãourbanaeadministraçãoconjunta.
ͳͳ͹SuzanaTavaresdaSilva
operação, o quadro de apoios e incentiͲ Podem revestir a qualidade de entidade
vosàsacçõesadesenvolverpelosdiverͲ gestora,aquemcabeacoordenaçãodas
sosinteressados,bemcomoomodelode operações de reabilitação urbana, o
gestão e de administração da operação município directamente, uma sociedade
(oqueimplica,quandoaentidadegestoͲ de reabilitação urbana(empresa pública
ra não seja o município, a definição dos que tenha por objecto social exclusivo a
poderes delegados naquela entidade gestão de operações de reabilitação
e/ou dos poderes que se presumem urbana) ou uma empresa pública local
delegadosnessasentidades).Aoperação encarregada da promoção do desenvolͲ
ž‰‹ƒ

de reabilitação urbana sistemática presͲ vimento económico local ou regional. As


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entidades gestoras de tipo empresarial sibilidade de os planos de ordenamento
gozamdepoderesdelegados,presuminͲ doterritórioconstituíremumparâmetro
do a lei a delegação de alguns poderes de validade dos programas estratégicos
quandoessaentidadeforumasociedade ou mesmo das actuações adoptadas em
dereabilitaçãourbana,entreosquaisse execuçãodestes.
incluem,porexemplo,opoderdecobrar PodedizerͲsequea“separaçãodosuniͲ
astaxaseascompensaçõesprevistasnos versos”nãoéaindatotal,oqueresulta,
regulamentos municipais, o poder de desde logo, das inúmeras referências
licenciamento e o poder de adopção de expressasaolongodapropostadonovo
medidasdetuteladalegalidadeurbanísͲ regime da reabilitação urbana para o
tica. regimejurídicodosinstrumentosdegesͲ
O novo regime jurídico da reabilitação tão territorial, numa aparente tentativa
urbana consagra, como vimos, um novo de equiparação dos novos instrumentos
esquema de gestão do território, o qual aos referidos planos, ou mesmo, da
se sobrepõe, nas respectivas áreas de expressapossibilidadedeviraserelaboͲ
intervenção, aos planos urbanísticos em radoumplanodepormenordereabilitaͲ
vigor, embora, como resulta expressaͲ ção urbana. A sobrevivência dos planos
mente do articulado da proposta, essa depormenornonovomodeloédefendiͲ
supremacia exija uma revisão daqueles da como instrumento procedimental de
instrumentos de gestão territorial, a fim participaçãodeterceirosnafasedaconͲ
de evitar desconformidades com os cretização aplicativa, os quais adquirem
mesmos. Na prática, porém, se as menͲ o cariz de projectos (localizados, juridiͲ
cionadas desconformidades se vierem a camente,entreanormaeoacto).Cabe
registar, não nos parece desajustado ainda a este propósito assinalar o facto
sugerir um princípio de preferência da de o novo regime jurídico passar a conͲ
aplicação dos projectos elaborados de templar a articulação necessária entre
acordo com os programas estratégicos planodepormenordereabilitaçãourbaͲ
sobre os planos. De facto, se procurarͲ na e os planos de pormenor de salvaͲ
mosinterpretaresteregimejurídicoàluz guarda de património cultural, superanͲ
da nova compreensão antes proposta, do uma das principais críticas que fazíaͲ
ͳͳͺDoutrina

somos conduzidos a uma solução que mosaoregimejurídicoanteriorxi.


colocaosinstrumentosjurídicosemque A necessidade de continuar a tomar
se fundam as operações de reabilitação comoreferentealegislaçãosobreplanos
urbana num universo separado daquele de ordenamento do território explicaͲse
quedisciplinaosplanosdeordenamento pelofactodeestenovoregimeconstituir
ž‰‹ƒ

do território. O que determina a imposͲ apenas o que designamos como o “desͲ


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pontardonovomodelo”enãoumaverͲ qual se prevê a futura consagração, em


dadeira revolução. Todavia, pareceͲnos regulamento municipal, de um “regime
importante sublinhar os aspectos inovaͲ especialdetaxasmunicipais”paraincenͲ
doresdesteregimejurídicoeenfatizaro tivo à realização das operações urbanísͲ
que acreditamos ser um “embrião do ticas de para incentivo à instalação,
urbanismopósͲvinculístico”entrenós. dinamização e modernização de activiͲ
Na verdade, se atentarmos em alguns dadeseconómicaeum“regimeespecial
dos princípios informadores da política decálculodecompensações”..
de reabilitação urbana previstos pelo O carácter orientador que se pretende
legislador,facilmenteperceberemosque atribuiraestestributosindiciaquepodeͲ
esteregimejurídicosepretendelocalizar remos estar não perante um verdadeiro
na charneira do “novo direito público”, regimedetaxas,masantesdecontribuiͲ
respondendo aos desafios da nova ções especiais, cuja legitimidade para o
metodologia. ReferimoͲnos aos pilares exercício do poder tributário não pode
daprevalênciadainiciativaprivadasobre decorrer da habilitação do regime geral
a pública(princípio da responsabilização das taxas das autarquias locais, pois aí
dos proprietários e outros titulares de apenassepodemincluirostributosbilaͲ
direitos conjugado com o princípio da teraisxii.Assim,prevendoͲseaaprovação
subsidiariedade da acção pública), da doregimejurídicodareabilitaçãourbana
sustentabilidadeambiental,socialeecoͲ pordecretoͲleiautorizado,enãoexistinͲ
nómicoͲfinanceira (princípios da solidaͲ donaleideautorizaçãolegislativa(pelo
riedade intergeracional e da sustentabiͲ menos na versão da proposta actual)
lidade),domultilevelgovernance(princíͲ nenhuma referência expressa à instituiͲ
pios da coordenação e da contratualizaͲ ção deste tipo de tributos, poderemos
ção),aquesesomaaindaoprincípioda estarperantemaisumaeventualinconsͲ
justa ponderação, indiciador da existênͲ titucionalidade.Defacto,étempodese
ͳͳͻSuzanaTavaresdaSilva
cia de um esquema de concretização pôrfimàinconstitucionalidadeporomisͲ
aplicativa. são e aprovar o regime geral dascontriͲ
No que respeita à sustentabilidade ecoͲ buiçõesfinanceirasafavordasentidades
nómicoͲfinanceiradomodelo,chamamos públicas, previsto na Constituição desde
a atenção para um problema recorrente 1997. A sua inexistência consubstancia,
entre nós na concepção destes novos hoje, uma das principais causas de
regimes jurídicos: a previsão de instituiͲ entorpecimento à implementação entre
çãodeumregimetributárioassenteem nós, de forma coerente e ajustada, de
contribuições especiais. Assim acontece modelos jurídicos sectoriais sustentáveis
ž‰‹ƒ

também com este regime jurídico, no


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e justos, que não se apresentem feridos trativa, mas sim uma forma imediata de
deinconstitucionalidade. produção de uma medida de promoção
dointeressepúblicoqueincorporaemsi
4.Asdificuldadesdocontrolo “um mecanismo de diálogo entre os
O modelo jurídico do urbanismo poderes e os interesses” (governance),
pósͲvinculísticosuscita,contudo,àsemeͲ visandoproduzirumasoluçãolegitimada
lhança do que acontece com as actuaͲ eponderadaemtemporeal.AparticulaͲ
çõesdonovodireitoadministrativo,proͲ ridadedonovomodeloradicanoreforço
blemas no momento do controlo das da participação na formação da decisão
soluções adoptadas, sobretudo se preͲ através do recurso às novas tecnologias
tendermos subordináͲlas ao esquema (o que justifica, por exemplo, a ênfase
tradicional do controlo judicial. Não que as novas cartas de direitos fundaͲ
podemos esquecer que o método tradiͲ mentais conferem ao direito à informaͲ
cional se funda no pressuposto do prinͲ ção e à participação ambiental) e na
cípio da separação de poderes, onde preocupaçãoeminstituirmecanismosde
cada poder assume um papel específico controlo político dessas decisões e do
naconcretizaçãodointeressegeral,que respectivo incumprimento (accountabiͲ
sendopreviamentedefinidopelolegislaͲ lity).
dor, de forma abstracta, permite depois Todavia,nãosepensequeostribunais
ao julgador avaliar da juridicidade dessa são postergados, pois o controlo judicial
concretização de acordo com aquele continuará a ter um papel de destaque,
parâmetroprévio,queserviutambémde embora com um “mandato diferente”,
guiaelimiteàsactuaçõesdaadministraͲ pois deles esperaͲse agora, fundamenͲ
ção. talmente, uma avaliação rigorosa das
Estemodelonãoé,porém,transponível, medidasàluzdosprincípiosjurídicosque
semmais,paraumesquemadeadminisͲ informam a matéria. Neste contexto, a
tração fundado no modelo de concretiͲ sua função aparece reformulada, não
zação aplicativa. É que este modelo não apenas no plano nacional, mas sobretuͲ
consubstancia apenas uma forma aproͲ do no contexto da articulação com os
fundada de discricionariedade adminisͲ outrosníveisdejurisdiçãoxiii.ˆ
ͳʹͲDoutrina



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x
BOSCHETTI,BarbaraLilla,«lapianificazioneattuativa»,Amministrare,2008/3,pp.383Ͳ393
xi
TAVARESDA SILVA, Suzana,«ReabilitaçãourbanaeValorizaçãodoPatrimónioCultural.DificuldadesnaartiͲ
culaçãodosregimesjurídicos»,BoletimdaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra,2006,p.349Ͳ
389.
xii
TAVARESDASILVA,Suzana,Astaxaseoprincípiodacoerênciatributária,CEJUR,Braga,2008.
xiii
CLAES,Monica,Thenationalcourts’mandateintheEuropeanconstitution,HartPublishing,Oxford,2006.

ͳʹͳSuzanaTavaresdaSilva
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REVISTA DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃO


I N F O R M A Ç Õ E S 

AnaCláudiaGuedes
AssessoradoCEDIPRE


i)Decisõeseactosdereguladores

ANACOM
ƒ Decisão da ANACOM na sequência do requerimento, apresentado pela PT
Comunicações, TMN e PT Prime, de suspensão da eficácia do artigo 1º do
Regulamento n.º 87/2009, de 18 de Fevereiro, na parte em que procede à
alteraçãododispostonon.º2,alíneasc)ef)enon.º5doartigo13º(recusado
pedidoelectrónico)doRegulamenton.º58/2005,de18deAgosto,enaparteem
queprocedeàalteraçãododispostonosn.ºs1,2e4doartigo15º(capacidadena
portabilidadedenúmeros)domesmodiploma,emqualquerdoscasosconjugado
com o artigo 4º (entrada em vigor) do Regulamento n.º 87/2009,
http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=862578;
ƒ Deliberação da ANACOM que aprova o relatório da consulta pública sobre a
abordagemregulatóriaàsnovasredesdeacesso,http://www.anacom.pt/;
ƒ DeliberaçãodaANACOMqueaprovaoRegulamentodealteraçãoaoRegulamento
n.º 58/2005, de 18 de Agosto Ͳ Regulamento da Portabilidade, bem como o
respectivorelatóriofinaldaconsulta,http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=833358;
ͳʹͳAnaCláudiaGuedes
ƒ Deliberação da ANACOM a sequência do requerimento, apresentado pela PT
Comunicações, TMN e PT Prime, de suspensão da eficácia do artigo 1º do
Regulamento n.º 87/2009, de 18 de Fevereiro, na parte em que procede à
alteraçãododispostonon.º2,alíneasc)ef)enon.º5doartigo13º(recusado
pedidoelectrónico)doRegulamenton.º58/2005,de18deAgosto,enaparteem
queprocedeàalteraçãododispostonosn.ºs1,2e4doartigo15º(capacidadena
portabilidadedenúmeros)domesmodiploma,emqualquerdoscasosconjugado
com o artigo 4º (entrada em vigor) do Regulamento n.º 87/2009,
http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=862578;
ƒ DecisãodaANACOMrelativaaosmercadosdefornecimentogrossistadeacessoà
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infraͲestrutura de rede num local fixo e de acesso em banda larga,
http://www.anacom.pt;
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ƒ Deliberação da ANACOM que aprova a decisão final relativa à publicação dos
níveisdedesempenhonaqualidadedeserviço(QoS)dasofertasgrossistasORALL
(ofertadereferênciaparaacessoaolacetelocal),ORCA(ofertadereferênciade
circuitosalugados),ORAC(ofertadereferênciadeacessoacondutas),''RedeADSL
PT''eORLA(ofertaderealuguerdalinhadeassinante).Fazparteintegrantedesta
deliberação o relatório da audiência prévia a que foi submetido o respectivo
sentido provável de decisão, aprovado em 15 de Outubro de 2008,
http://www.anacom.pt;
ƒ DeliberaçãodaANACOM,queaprovaorelatóriodaaudiênciaprévia,bemcomoa
decisãofinaldoprocessoderesoluçãoadministrativadelitígioentreaSonaecom
e a PT Comunicações (PTC), relativo ao pagamento de compensações por
incumprimento,em2006,dosníveisdequalidadedeserviço,noquerespeitaaos
prazosaplicáveisàreposiçãodo serviço(reparaçãodeavarias),estabelecidosna
ofertadereferênciadeacessoaolacetelocal(ORALL)enaofertadereferênciade
circuitosalugados(ORCA),http://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=910259;

BANCODEPORTUGAL(www.bportugal.pt)
ƒ Declaração inicial do Governador do Banco de Portugal na apresentação do
BoletimEconómicodeInverno(2008).
ƒ ApresentaçãodoGovernadorsobre"Theeconomyandthebankingsector:recent
developments".
ƒ Declaração do ViceͲGovernador Pedro Duarte Neves à Comissão de Inquérito
sobre a Situação que Levou à Nacionalização do BPN e sobre a Supervisão
BancáriaInerente.
ƒ Entendimento conjunto do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de
ValoresMobiliáriosquantoàdelimitaçãodecompetênciasrespeitanteaprodutos
financeiroscomplexos.
ƒ Apresentação do Governador do BP sobre "O Financiamento da Economia e as
Empresas"naCIP.
ƒ Declaração inicial do Governador do Banco de Portugal na apresentação do
BoletimEconómicodaPrimavera(2009).
ͳʹʹInformações

ERC(www.erc.pt)
ƒ Deliberação 1/OUTͲI/2009 da ERC, Directiva sobre Publicidade em Publicações
Periódicas.
ƒ Deliberação1/OUTͲTV/2009daERC,QueixadaTVIcontraaSPORTTVporalegada
infracçãoaodispostonoartigo32.º,n.º2,daLeidaTelevisão.

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ƒ DecisãodoRecursoHierárquicoImprópriodaERCrelativoadeliberaçãoadoptada
pelaComissãodoActoPúblicodoConcursoPúblicoparaolicenciamentodeum
serviçodeprogramasdeâmbitonacional,generalista,deacessonãocondicionado
livre (Portaria 1239/2008, de 31 de Outubro, rectificada pela Declaração de
Rectificação68/2008,de18deNovembro);
ƒ Decisão da ERC sobre as candidaturas admitidas e excluídas, nos termos do
disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Regulamento do Concurso Público para o
licenciamento de um serviço de programas de âmbito nacional, generalista, de
acesso não condicionado livre, aberto pela Portaria nº 1239/2008, de 31 de
Outubro;
ƒ DirectivadaERCsobreainserçãodesobreposiçõespromocionaisemprogramas
televisivos.

ERS(www.ers.pt)
ƒ Deliberação da ERS, no uso da sua competência e sob a égide da alínea a) do
artigo 26º do DecretoͲLei n.º 309/2003, 10 de Dezembro, emitir uma
recomendação dirigida à Administração Central do Sistema de Saúde, IP, no
sentido de, no decurso do processo de harmonização da nomenclatura utilizada
natabeladeconvencionadosrelativamenteàqueéseguidanatabeladepreços
praticados pelo SNS, ser devidamente ponderada a efectiva capacidade de
respostaactualdasinstituiçõeseserviçosintegradosnoSNS,paraaprestaçãode
tais actos ou exames, e caso essa capacidade de resposta não esteja garantida,
deverão tais actos ou exames ser incluídos na tabela de preços dos actos
convencionados.

ERSE(www.erse.pt)
ƒ RecomendaçãodaERSEn.º1/2008(versão2)Janeiro2009,sobrealteraçõesque
decorremdapublicaçãodaLein.º51/2008;
ƒ Recomendação1/09daERSEemqueaentidaderecomenda,nostermosdaalínea
a) do art. 26.º do DecretoͲLei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, a todos os
ͳʹ͵AnaCláudiaGuedes
prestadores de cuidados de saúde que nos casos em que existam responsáveis
distintos pelo internamento e pela prestação dos cuidados de saúde, todos os
prestadoresdecuidadosdesaúdeenvolvidosdeverão,paraafastaraassunçãode
existência de um contrato total com a entidade responsável pelo internamento,
esclarecer clara e atempadamente os utentes quanto à dualidade de contratos
celebrados, seus âmbitos, objectivos e entidades subjectivamente responsáveis
pelo cumprimento dos mesmos, de forma a que os utentes conheçam
inequivocamentequalaentidaderesponsável,emcadamomento,porcadaacto
oudiligência(praticadaouomitida),
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ƒ ParecerdoConselhoTarifáriodaERSEsobrea"Metodologiadecálculodovalorda
caução";
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ii)Relatórioseoutrosdocumentos

ƒ IVFórumSectorSeguradoreFundosdePensões,de15deAbril,www.isp.pt.
ƒ TheLarosièreReport,February2009
http://ec.europa.eu/internal_market/finances/docs/de_larosiere_report_en.pdf
ƒ The Turner Review, A regulatory response to the global banking
crisis;March2009,http://www.fsa.gov.uk/pubs/other/turner_review.pdf;
ƒ RelatóriodaOCDE:“ManagingWaterforAll”,March,
http://www.oecd.org/document/16/0,3343,en_2649_34311_42289488_1_1_1_1,
00.html


ͳʹͶInformações
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