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1

2
catecismo de
devoções,
intimidades
&
pornografias

por Xico Sá

3
Nihil Obstat

IMPRIMATUR
São Paulo, setembro de 2006

4
“Nada de baixezas,
de conversas impróprias,
de palavras
inconvenientes;
em vez disso, ações de
graça.” (Ef 5,4)

5
“Latet anguis in
herba.” * (Virgílio, in
Bucólica III,93)

*Cuidado com os perigos ocultos

6
“A nudez da mulher
é obra de Deus.”
(William Blake)

“O melhor meio de se
familiarizar com
a morte é ligá-la a uma
idéia libertina.”
(Marquês de Sade)

7
8
“Fornicação e
qualquer impureza ou
avareza nem sequer se
nomeiem entre vós,
como convém a
santos.” (Ef 5,3)

9
“Que sabemos nós de
Deus?
Nada !”

August Strindberg

10
11
12

No que Concerne ao
Uso de Espartilho
por Mulheres
Modernas

S e for de cetim rosa-os-


tra, como o de Madonna
dos anos 1980, muito
melhor. Mas como um
Jean-Paul Gaultier, caso
da peça ora citada, não é

13
para o bico de qualquer
criatura, relaxa. Vale aque-
le herdado da elegante
vovó – o passado a con-
dena! –, vale aquele com
mil histórias, aquele
antigão do brechó...

14
Das
Metamorfoses
Citadas por
Zaratrusta

D as três fases às quais


Zaratrusta deu conta,
uma em especial nos
preocupa: a do camelo.
Nessa etapa, carrega-
mos sobre o lombo os
ditos pecados atribuí-
dos pelas religiões. De-
pois vem a fase do leão,

15
na qual triunfamos so-
bre esses mesmos peca-
dos; na seqüência, a eta-
pa da criança, donde
inventamos a utopia da
esperança.

16

Das Devoções
Repetidas Ad
Infinitum

V olto de ti com os joe-


lhos estropiados como um
romeiro pagador de todas
as promessas.

de quando uma rosa


não é mais uma rosa
não é mais uma rosa
não é mais uma rosa
17
P erdão, Gertrud Stein,
mas uma rosa não é mais
uma rosa, uma rosa, uma
rosa...
Tudo começou nas beiras
de caminho, postos de
gasolina, caminhoneiros
do Brasil. Uma rosa
barata que vira calcinha,
desconstruindo a lógica
mais lírica, uma calcinha
que dura no máximo um
dia, dissolve-se no ar ou
na boca, feito hóstia con-
sagrada, amém.

18
Do Depoimento
de uma Amiga
Quando Tratei
de sua Obra
em Voga
“Eu fugi do catecismo aos
13 anos... e ganhei de pre-
sente um Marquês de Sade
de um amigo mais velho na
mesma época... Foi muito
mais esclarecedor e aos 13
eu também encontrei por
acaso a coleção de revistas
pornôs dos meus primos
mais velhos... Eu e mi-
19
nhas primas passávamos
as tardes vendo (vendo
mesmo, no sentido di-
dático da palavra, feito
crianças abobalhadas)
escondidas. Esse meu
amigo era bombeiro...
mas era um intelectual...
um bombeiro intelectual
de Ermelino Matarazzo
(periferia de São Paulo)
Já imaginou? Um cara de
30 anos, me apresentou a
coisas geniais... Grande
amigo. Saudade dele...”
(F.G.)

20

De uma Mulher-
Leopardo e o
Chamado da Selva

U ma mulher em casaco
de peles, nada mais. Co-
berta como se a pele dela
fosse, fera africana. Mu-
lher-leopardo, como no
suspense amoroso de Mo-
ravia. Como ensinou Ma-
soch, o chamado das sel-
vas, bárbara.
21
22
Do Ato
Intrínseco
e Gravemente
Desordenado

A crucificação encar-
nada. Duas punhetas
obrigatórias, até mes-
mo para os casados: uma
na santa hora de pôr a
matéria para descansar;
outra ao alvorecer. São
duas sagradas orações ao
corpo, com as quais der-
ramamos um tanto da

23
violência das nossas
glândulas mais primiti-
vas. Mais sagradas ainda
depois que a Santa
Madre Igreja reconfir-
mou, já no papado de
Bento XVI, sua intriga
com o ato do vício so-
litário, como faz constar
no tópico nº 2352 da
novíssima edição do seu
Catecismo:

“Na linha de uma tradição


constante, tanto o magistério
da Igreja como o senso moral

24
dos fiéis afirmam sem hesi-
tação que a masturbação é um
ato intrínseco e gravemente
desordenado.”

25
Do Recurso do
Método
ou da Obsessão
Chamada
Henry Miller

Escrever com o corpo é


a única linguagem possível
— o mais são desgostos,
lapsos, broxadas joyce-
anas e sintaxes.

26
De Como um
Sem-Teto Copula
Debaixo de uma
Marquise em
Plena Luz do Dia

“Foder não tem lugar nem


hora”, me diz Marcos
Antônio Pereira, 43 anos,
que dorme com Lourdes
Mariana de Souza Cas-
tro, 39, sob uma marqui-
se da rua Augusta, quase
esquina com a Fernando

27
de Albuquerque, mega-
lópole paulista. “Nosso
barulho num é nada na
zoada da cidade”, pros-
segue.
“Como ninguém presta
atenção em gente suja, só
tem nojo e medo, podemos
dar uma ‘totinha’ à von-
tade.”
Donde “totinha”, no
Pernambuco dos dois e
das antigas, vem a ser a
phoda com ph, as vias de
fato, daquelas de “fazer

28
menino” e tudo, só para
deixar o velho Malthus
se revirando no túmulo.

29
Da
Autoflagelação
dos Ressacados*

Os relhos de couro de
vaca com lâminas nas
pontas.
A surrar-me, como os pe-
nitentes de Barbalha,
sertões dos Tristes Tró-
picos, semi-árido d´al-
ma, sede do mundo todo
que nem um rio essa
*Depois de Pedro Américo

30
sede mata, tudo que vem
da cabeceira o sol a lín-
gua passa, nada desse sol
escapa, ele, o rio, odeia a
memória das nossas noi-
tes brancas.

31
No que Concerne
a uma Sanguessuga
que Rouba Sonhos

Eu estremeço e a velhice
já cobre a minha pele,
como nas intimidades de
Safo, quando desce Eros,
ambiguamente fashion,
vestido de púrpura, no
sonho mais viado; enve-
lheço, seco a minha por-
ra, sangro os riachos; e
assim te renovas, lam-

32
buzando-se toda, trajes
de gala.
Deixas-me vidas secas,
como chão de açude, fei-
ções de Beckett; e foges
perversa, para sugar ou-
tros homens, seringa nas
glândulas.

33
Da Generosidade
do Marido
Complacente

A grandeza de ofertar a sua


mulher a outrem, como
destemida prova de amor e
hedonismo, e vê-la gozar
lindamente, num recreio
perverso dos deuses; mas
não se trata, velha classe
média, da diversão careta,
como nas medíocres &
mercenárias casas de swing.

34

Como o Mesmo
Tema é Tratado
pelo Catecismo
da Santa Madre
Igreja

35
“Qualquer que seja o
motivo, o uso deliberado
da faculdade sexual fora
das relações conjugais
normais contradiz sua
finalidade.”
(Tópico nº 2352 do Catecismo
católico)

“Os atos com os quais os


cônjuges se unem íntima
e castamente são hones-
tos e dignos. Quando rea-
lizados de maneira ver-
dadeiramente humana,

36
testemunham e desen-
volvem a mútua doação
pela qual os esposos se
enriquecem com o cora-
ção alegre e agradecido.”
(Tópico nº 2362).

37
38
Da Devassidão
como Política
da Fêmea de Todas
as Eras

39
A purificação de uma
mulher só é possível à
medida que ela resolve
ser uma devassa, como
entre o povo tártaro;
devassa no sentido de
não temer o despudor
nem a língua salivante
da inveja;
devassa como política li-
bertária; como entre os
negros do Rio Gabão e
da Costa da Pimenta,
que entregavam suas
mulheres aos próprios

40
filhos, a melhor das
bênçãos;
como no reino de Judá;
só a lascívia embeleza
uma fêmea;
só mesmo os povos em-
brutecidos pela supersti-
ção, reza o marquês, po-
dem acreditar no con-
trário;
e acreditar no contrário
é ir contra nossa própria
natureza.

41
Da Cesta Básica
como Narrativa
de uma Criatura

V inhos baratos, para


que a embriaguez não
tenha preço, bouquet ou
safra;


42
lubrificantes, até que se
ganhe a suprema inti-
midade do coito;

uma bíblia sagrada, pa-
ra rezar os cânticos... e
eventualmente fumar
maconha nas suas pá-
ginas;

músculos ou cubos de
goulash e pimenta para
um bom e revigorante
caldo;


43
chá de boldo para a
proteção dos fígados, em-
bora o amor por si já nos
garanta a imunidade dos
corpos;

leite de cabra para ba-
nhá-la inteira;

boas cortinas para que o
sol não se vingue contra o
leito.


44
Donde o
Implacável Olho
de Deus Mira
a Filosofia
da Alcova

45
“O matrimônio seja hon-
rado por todos, e o leito
conjugal, sem mancha,
porque Deus julgará os
impuros e os adúlteros.”
(Heb 13,4)

“Não lances olhares para


uma mulher leviana, para
não acontecer que caias
em suas ciladas.” (9,3)


46
“Não detenhas o olhar
sobre uma donzela, para
não acontecer que a sua
beleza venha a causar tua
ruína.” (9,5)

Donde Paulo, apóstolo,


mostra o perigo também
do excesso no beber:
“Não vos embriagueis
com vinho, que leva à
luxúria, mas enchei-vos
do Espírito.” (Ef 5,18)

47
No que
Concerne
às Tatuagens
nas Costas

Quando você mira


aquela tatuagem nas cos-
tas, quando a penetra,
aquela tatuagem gruda
na memória, “salvar
como”, e copia e cola no
inconsciente para todo o
sempre.

48
Acerca do
Piercing ou
os Três Acordes
de Lewis Carroll

Beijo de língua com


piercing, piercing na
pontinha dos peitos, na
bucetinha, gozo com
gosto de alfinete punk,
Alice em três acordes,
linda brincando na cama,
pentelhinhos mais ruivos
entre os meus dentes...

49
Do Hell on
Hells ou
o Inferno
de Saltos

Só as poderosas!
Só as fetichistas!
Só as garantidas!

Desde o coturno vene-


ziano da Renascença
– aqui nascia o sapato de
plataforma – até o sal-
tinho de cristal das putas

50
Cinderelas de então, o
salto alto é a delícia e o
prazer de nós todos. Elas
nos pisam machucando
com jeitinho, tanto para
a agonia como para o
êxtase, como nos sopra
Ann Magnuson. Elas
nos machucam com sal-
to-agulha, elas nos
ameaçam, o sapato co-
mo arma e símbolo de
poder, o sapato mata.
Pode ser também uma
linda bota à Valentina,

51
aquela deusa que saiu da
costela de Crepax!
Os saltos que pisam os
nossos telhados; e os
saltos que deixam go-
teiras nas nossas exis-
tências.

52
De uma
Bonequinha
de Luxo
e seus Olhos
Lindamente
Pintados

Nada de acreditar nes-


sa historinha de “você
já é bonita com o que
Deus lhe deu!”. Dorival
Caymmi, saravá meu
pai!, é uma beleza de ho-
mem, sábio, mas esse

53
verso, aqui neste cate-
cismo, não soa bem aos
ouvidos. Pinte esse rosto
que eu gosto e que é só
seu. Com todos aqueles
lápis que fazem de você
uma criança brincando
de colorir o desejo.

54
No que Concerne
ao Objeto
de Desejo
com as Lentes
Helmut Newton

Meus olhos para você


são as lentes de Helmut
Newton. Quando miro
os teus passos, botas,
chapéu, sobretudo, me
sinto com a câmera de
Helmut Newton a lhe
mostrar para o mundo,

55
os olhos das fêmeas &
dos machos, você no
espelho, como naquelas
clássicas para a Vogue,
minhas retinas a disse-
cá-la, cada gesto, elipse,
cada pose.

56
Donde uma
Enfermeira
me Faz Sentir
o Gosto da
Pequena Morte

Adoecer para ter por


perto uma linda e vapo-
rosa enfermeira, como
aquela que conheci no
metrô. Pernas roliças,
injeções na veia sem dó.
A medir o pulso de hora
em hora, a sentir minha

57
febre, a ver a paudu-
rescência por debaixo
daqueles lençóis tão
brancos. Morrer de pau
duro e nos braços dela,
eutanásia por via oral, só
para chegar gozando na
frente do Todo-Pode-
roso ou do velho Demo.
Só para não chegar de
cara na chatice da vida
eterna. Petit mort, petite
mort; a arte é longa, a
vida é breve.

58
“Pois é bom que saibais
que nenhum fornicário ou
impuro ou avarento, ‘que
é um idólatra’, tem he-
rança no Reino de Cristo e
de Deus.”
(Ef 5,5)

59
Da Receita
para Enxugar
o Desassossego

D a cor das lentes dos


meus óculos verdes o
absinto que os amigos
Terron & Isabel me
trouxeram da curva do
rio Tejo.

60
Bebo lentamente a gar-
rafa, para enxugar o
desassossego, para in-
vocar Sá-carneiro e a
sua ponte do tédio en-
tre ele & o outro, bebo
para celebrar as quedas
e por amor desesperado
aos meus passos mais
trôpegos.
Meus óculos de absinto
cada lente é uma roda
de imaginária bicicleta
bêbada tentando andar
no fundo do cálice.

61
vejo uma menina que
não tive sobre os aros da
mesma bicicleta, vesti-
dinho com flores que se
acendem no atrito da
roda e do dínamo...
e que coincidência, ami-
gos de belas noites e
tranqueiras: no dia em
que a garrafa pousou na
minha sorte, ela estava a
mudar-se, malas e cuias,
para os ares lisboetas...
seria a mãe da menina
fictícia.

62
Há uma canção no fundo
da garrafa desse absinto,
destampo-a, ela salta: algo
como Nick Cave cantan-
do um fado.
Há um desespero na mi-
nha dança.
Fome de viver da gota!
vida modo de usar: as
78 rotações de uma
agulha sobre o bolero de
dores & vinil de pal-
meira carnaúba.
Ela, cabelos feito algas
marinhas, bóia no fundo

63
da garrafa verde. As
sobrancelhas espessas e
cheias de dúvidas, mis-
turo mulheres do pas-
sado como se fossem
bebidas.
Entorno a morte amo-
rosa, destilada e pura, en-
velhecida nos barris das
devoções mais ímpias.

64
Da Artemísia
Absinthium e dos
Fogos, os Fogos
de Dentro

N aquela hora ali, me-


nina, chegaste já bêba-
da e a casa também pa-
recia incendiada.
Naquela hora ali, me-
nina, a geografia das
nossas origens sibila-
vam mais que os nossos
sotaques.
Naquela missa de corpo

65
presente te confessei pu-
nhetas anteriores.
Naquela prece, rezamos
lentamente pelos supos-
tamente traídos ligados
ao nosso mundo, em-
bora não acreditássemos
que estávamos traindo
quem quer que fosse.
Levius fit patientia.*
Naquela reza de joelhos, o
boquete dos deuses.
Naquela minha cerimô-
nia do beija-pés, a desco-

*A resignação alivia

66
berta dos teus passos,
além do número que
calças... ainda guardado
na memória.
Naquela tua bucetinha
menstruada, o segredo
de todos os amores e
mares vermelhos.
Naquele corpinho, mon
amour meu bem ma
femme, sem depilar
direito.
Naquele mato o segre-
do, os caminhos, as ve-
redas por onde nos le-
vam os pêlos.

67
Naquele momento a tua
promessa desnecessária:
mais na frente uma pho-
da cheirosa e sem pêlos
teremos.
Naquela hora o fósforo
riscou os pelinhos da
tua buceta, depois que
joguei absinto para
lambê-la.

68

Da Sociedade
dos Amigos
do Crime
e de Alguns
dos Seus
Mandamentos

Só nos resta uma saída


honrosa a esta altura da
balbúrdia que toma con-
ta do mundo: inscrever-
mos nossos batismos na

69
velha Sociedade dos Ami-
gos do Crime. As regras
são quase as mesmas, com
algumas poucas atualiza-
ções da crônica de costu-
mes dos tempos do
marquês. Vale sobretudo
o artigo segundo:
“O indivíduo que queira
ser admitido na socie-
dade deve renunciar a
toda espécie de religião,
submetendo-se a provas
que constatarão seu des-
prezo por esses cultos

70
humanos e seu quimé-
rico objeto. O mais leve
retorno de sua parte a
tais asneiras implicará
sua exclusão imediata”.
Lembremos também o
artigo 12º:
“Nos horários consagra-
dos ao prazer, todos os
irmãos devem estar nus e
misturar-se uns com os
outros, gozando indistin-
tamente...”

71
72
Donde a Falsa
Castidade Parece
Dominar
o Ambiente

D epois de meses sepa-


rados, o reencontro apa-
rentemente casto.
O marzinho de remorsos
nas lágrimas sobre a
espuma flutuante do
branco dos olhos.
O zelo um pelo outro...
Já haviam se estragado

73
ao máximo, chá com
porradas, como na lírica
de acaso.
E cai a noite, e com ela o
suspense da phoda.
Saem juntos, e agora?
Até beijam em público,
senhoras & senhores!
Sobre suas cabeças le-
gendas de pássaros peri-
quitosos.
Ou de rapinas, esses ca-
ralhos de asa.
E haja delicadeza a es-
pezinhar o velho Eros.

74
Na peleja de todos con-
tra Tânatos.
O cordel dos infernos.
Depois o fim do teatro e
a phoda de fato.
Ela no cuzinho dele com
língua pra mais de metro.

75
Donde as Almas
se Entendem
e - os Corpos
Dizem Não

Da agonia da phoda,
dos pés que não batem
direito lá embaixo, do
pau e da buceta que pa-
recem dois inimigos
clássicos, dos membros
inferiores e superiores
desajeitados, dos cora-
ções que batem mas não

76
tocam de ouvido, das
almas que podem até se
entender lá nas nuvens,
dos corpos que tilintam
fogo mas não intera-
gem, da dramaturgia da
cama como fim de um
grande e interessantís-
simo prefácio.

77
No que Concerne
ao Lapsus Linguae

Aqui o lapso de língua


diz respeito àquela cria-
tura que preguiçosa-
mente se debruça sobre

78
a vulva ou o pau e não se
devota, limitando-se a
um mero favor sexual
sem vigor ou alma. A
burocratização do sagra-
do ato de sorver o objeto
de desejo. Falta de manga
na infância, no caso dos
meninos; falta de espiga
de milho cozido, no to-
cante às meninas.

79
A Medida para
o Malho
Gregório de Matos

A medida para o malho


Pela taxa da Cafeira,

Que tem do malho a


craveira,

São dois palmos de


caralho;

Não quer nisto dar


um talho,

80
E eu zombo do seu
empenho,

Pois, tendo um palmo


de lenho,

Com que outras putas


desalmo,

Inda que tenho um


só palmo,

Não quero mais do que


tenho.

81
Da Fábula
de um Camponês que
Acreditava
nas Encrencas
de Amor para Vender
Flores
“A essa hora, meu filho,
casais já brigam, maiores
barracos, maiores dê-
erres (discussões de rela-
ções), e tu ainda a espre-
guiçar-te”, disse o pe-
queno agricultor ao fi-

82
lho homem. “Levanta-
te, vamos plantar flores.”
“Mas meu pai, prefiro
que o suor do meu tra-
balho sirva tão-somente
para as festas, os casa-
mentos, as celebrações...”, es-
forçou-se o rebento.
“Se formos depender ape-
nas de falsidades e efemé-
rides, morreremos todos
de fome; os casais brigados
é que precisam de nós como
abelhas carecem de pólen.”

83
84
De como
o Catecismo
de Vossa Santidade,
o Papa Bento XVI,
vê o Mundo no
Século XXI

85
 Luxúria - desejo desor-
denado do prazer sexual,
quando buscado por si
mesmo, isolado das fina-
lidades da procriação e
da união.
(Tópico nº 2351 do Catecismo
da Igreja Católica)

 Masturbação - excita-
ção voluntária dos órgãos
genitais a fim de conse-
guir prazer sexual. Ato
intrínseco e gravemente
desordenado. (Nº 2352).

86
 Fornicação - união
carnal fora do casamen-
to entre um homem e
uma mulher livres. É
gravemente contrária à
dignidade das pessoas e
da sexualidade humana,
naturalmente ordenada
para o bem dos esposos,
bem como para a gera-
ção e a educação dos fi-
lhos. (Nº 2353)

 Pornografia - retirar
os atos sexuais, reais ou
simulados, da intimi-

87
dade dos parceiros para
exibi-los a terceiros de
maneira deliberada.
Atenta gravemente con-
tra a dignidade daquele
que a pratica. (Nº 2354)

 Prostituição - viola a
castidade à qual a pessoa
se comprometeu no seu
batismo e mancha seu
corpo, templo do Es-
pírito Santo. É um fla-
gelo social. (Nº 2355)

88
 Homossexualidade –
sua origem psíquica conti-
nua amplamente inexpli-
cada. Apoiando-se na
Sagrada Escritura, que os
apresenta como deprava-
ções graves (Gn 19,1-29; Rom
1,24-27; 1 Cor 6,10; 1 Tm 1,10), a
tradição sempre declarou
que os atos de homosse-
xualidade são intrinseca-
mente desordenados. São
contrários à lei natural.
Em caso algum podem ser
aprovados. (Nº 2357)

89

Do que Dizem
os Peitos
Independentemente
da Dona

90
“Ai, meus peitos estão tão
inchados e grandes!”, diz
ela, lindamente mens-
truada.
Quando os peitos dela
saltam da blusa, parecem
dizer coisas independen-
temente da dona; as tetas
tremem, aqueles segun-
dos de existência pró-
pria, capazes de convul-
sões nas retinas; quando
os peitos dela saltam, há
um novo discurso no
mundo, falam mais do

91
que toda a Escola de
Frankfurt, orações, dia-
tribes, blasfêmias, Boca-
ge e suas obras comple-
tas; quando os peitos de-
la saltam da blusa, meu
deus, a humanidade pa-
ralisa, os cegos vêem,
levanta-te e anda, até
Lázaro se anima; quan-
do os peitos dela saltam
da blusa, um espetáculo,
a carne trêmula, a meto-
nímia da existência, a
câmera escura, o lambe-

92
lambe da minha ce-
gueira, o 3x4, rolleyflex,
a digital, o instantâneo,
o postal-mor, as coisas
findas que a polaróide
guardou.

93
De um Soneto de
Bocage Sampleado

L á quando em mim
perder a humanidade
Mais um daqueles que
não fazem falta,
Verbi-gratia o teólogo,
o peralta,
Algum duque, ou
marquês, ou conde,
ou frade;

94
Não quero funeral
comunidade,
Que engrole sub-venites
em voz alta;
Pingados gatarrões,
gente de malta,
Eu também vos dispenso
a caridade;

Mas quando ferru-


genta enxada idosa
Sepulcro me cavar em
ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio
mão piedosa:

95
“Aqui dorme Bocage,
o putanheiro;
Passou vida folgada e
milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu
sem ter dinheiro”.

96
Donde se Renega
o Priapismo para
Fazê-la Mais Forte

D esse pau duro que me


atormenta, qual doença,
e não permite o milagre
da sua boca; como fazê-
lo endurecer se está sempre
rijo? Mesmo quando não
preciso?
Nossa senhora das flores
de Genet, nossa senhora
das broxadas, fazei-me

97
de mim instrumento dos
seus fracassos, para que
o meu membro triste só
se alegre naquela língua
mais devassa.
Que esse pau duro seja
mais falível, para torná-
la mais forte, quase um
milagre; que a minha
fraqueza oferece como
uma reza de beata.

98
De todas
as Glândulas
do Amor

“A mulher amada/quan-
do mija/é só refresqui-
nho/de graviola.”
(Marcelo Mário de Melo)

99
T udo é lindo na mu-
lher amada, melhor
ainda os cheiros fortes,
fedores e sujeirinhas da
mulher amada, o suor-
zinho das axilas da mu-
lher amada, quase uma
bucetinha a mais as
axilas da mulher ama-
da, meu deus, lá está a
danada, sob o solzão
veranico se derrete a
mulher amada, gosto
de apreciar a merdinha
bem esculpida da mu-

100
lher amada, tão minha
e tão íntima, saló, saló,
o suorzinho de todas as
juntas e dobradiças, ali
debaixo do joelho, eu
quero, e quando a per-
na dobra, o salzinho
sobre os olhos quando a
gente beija, o pescoci-
nho suado, lindamente
grudento, por favor,
amigos do comércio,
não vendam desodo-
rantes à mulher amada,
não vendam ar-condi-

101
cionados, não refres-
quem a costela amada,
tudo é perfume francês
na mulher amada, o
mijo é licorzinho dos
deuses, sob o céu que
nos protege, golden
shower que traz bo-
nança, sustança, chega
meu rosto sertões-ve-
reda refloresce, os pás-
saros cantam na caixa
torácica, derrama, der-
rama, derrama, amor
da porra a descer pela

102
perna esquerda, da mu-
lher amada, lambuza-
mentos que encobrem
as feridas doutrora, tu-
do lindo a escorrer, fa-
rejo todos os cheiros da
danada, o olho do cuzi-
nho, velho Bataille, é
lirismo só, rapaz, exala
o sentido da vida e mais
um pouco, resume o
mundo, guarda os se-
gredos dela inteira,
mulher é metonímia,
cada partezinha uma

103
giganta [d´àpres Bau-
delaire], ali, sim, no
cuzinho, again, está o
silêncio mais lindo da
mulher amada, donde
tudo é lindo, tudo é
sorte, tudo delírio, o
cuzinho em flor da
mulher amada, coxas, o
pezinho sujo nas ha-
vaianas, poeira das
ruas, marcas, cerimô-
nia do lava-pés da mu-
lher amada, lambendo
os dedinhos, descoberta

104
dos segredos dos seus
passos, direito de ir e
vir entre seus rins, co-
mo na canção, assim
como na vida, agora o
cheiro da foda por toda
a casa, a atrair os pássa-
ros lá de fora, que en-
contram os pássaros da
caixa torácica, que, co-
mo a capa da música do
Rei, assistem a tudo e
não dizem nada, tudo é
lindo e belamente dra-
mático na foda, mecâ-

105
nica da carne que se en-
rosca, o pau come até a
alma, paudurescência ad
infinitum, o amor é mes-
mo o viagra do espírito.

106
No que
Concerne
a um Desabafo
Particular acerca
d’Alma
e do Esqueleto

Adoro imitar David Bo-


wie e comer flores em
cercas & festas, fome de
viver, como agora no ani-
versário dela, estrela.
Umas 20 flores vermelhas
no estômago e 30 rosas

107
amarelas, como as do
cabelo de f., olha lá mr.
Coelho-de-Alice, visse!,
num sou de sair de casa
para fingir que existo
qual gente-isopor que
se mata apenas pelo tra-
balho e vai morrer por
isso com muito gelo
n´alma e bajulice, sebo-
sa soul, cool que só ven-
do, dinheiro em forma
de vermes neoliberais a
roer o esqueleto, prefiro
um ensaio de amor, uma

108
suruba-lounge, a mes-
ma rosa amarela de Ca-
piba & Carlos Pena Fi-
lho, ah, o lirismo, fu-
deu, e quero ver quem
vai ser mais rico do que
eu quando o caixão des-
cer, quando o forno cre-
mar, quando a vela
acender no velório do
notório, quero ver o
narcisismo derretendo
nas mãos dos piedosos
cristãos ou dos salvado-
res judeus, sejam men-

109
digos ou banqueiros,
adoro os mortos cheios
de dinheiro. FUDEUS.
Graças a Zeus, quero ver
qualé o bom, a boa,
quando as ilusões per-
didas forem cremadas e
restar apenas eu e o ve-
lho Capitão Fracasso a
zombar de todos nas
crendices na madrugada.

110
111
Do que Dizem
os Peitos
Pequenos e
Outras Grandezas
do Amor

Cesse tudo que a musa


siliconada canta, que
um peitinho mais alto se
alevanta. Furando a ca-
miseta, como nenhuma
outra teta; entregue à
boca, devoção quase
materna; entre o céu e a

112
língua, que o celebra;
depois o outro, o da es-
querda, adonde bate a
existência; o céu, a ter-
ra, a devoção, os deuses
que dançam naquela
magreza; um peitinho
dizendo pro outro, co-
mo num flerte, lá vem o
homem que nos merece,
já pensaste?

113
Do Dia em
que Fui Dublê
de Deus,
o Todo-Poderoso

Toma, Adão, chupa essa


maçazinha, essa pêra, es-
sa manga, coisa mais lin-
da, ordenei, naquela ter-
túlia celebrativa;
donde Adão tomou aque-
le peitinho gostoso na sua
boca e assanhou serpentes
aliteratosas & passantes;

114
enquanto isso, L., bela e
altiva, explorava a mes-
ma vulva;
este que vos reza orde-
nava com a mão esquer-
da e fazia justiça, em
contra-plongé, com a
direita;
tudo como havia copia-
do do sr. Sebastião
Nunes, renomado autor
do código do bom-tom
do maneta;
me sentia o próprio
Deus, à imagem e seme-

115
lhança do barbudo que
havia visto no pequeno
catecismo católico, obra
do Vigário de São Sul-
pício, tenho dito;
libreto este que havia
subtraído, na véspera do
ataque final das traças,
da residência de um cer-
to Reiners, que por sua
vez, amigo dos bons, ha-
via herdado tal volume
da fortuna ex-libris do
bem-aventurado Xavier,
o Valêncio, o da Peste;

116
de modo que, como ia
dizendo, ninguém co-
meu, naquela suruba
lounge, o fructo prohi-
bido; e ali mesmo en-
cerrei minha carreira de
Deus, que é muita res-
ponsa, rapaz, para este
seu pobre inquilino.

117
118
Do
Entendimento
Particular
do Escriba
sobre
Pornografia

119
No que concerne à arte
de amar, à moda Bataille
& Sade, não à modinha
de Ovídio – muito pro-
filático. Boca suja e
libertária, língua, cu-
nilingus. Chupar manga
e sorver milho cozido
como pedagogia forma-
dora do sexo oral para
mocinhas e mancebos.
Pornodevoções. Aos te-
us pés, a submissão
ocasional contra o poli-
ticamente correto, con-

120
tra a divisão de tarefas,
a favor do escravo na
alcova, por uma nova
erótica, sempre, e em
todos os sentidos. Uma
erótica sempre acima
da econômica de Xe-
nofontes ou dos dias
que escorrem como a
menstruação – espe-
rando Godot? Não.
Todo mês esperando o
Chico. A pornografia
contra o novo papa, a
pornografia como hós-

121
tia consagrada, a por-
nografia como nossos
jardins mais secretos.

122

Da Justificativa
Específica da
Pedagogia
da Manga

Chupar manga desde a


aurora dos anos educa
para o ato de sorver uma
buceta com gosto e de-
licadeza. Lambuzamen-
to sem cerimônia. Vezes
só um fiozinho de fibra

123
entre os dentes, como
um pentelho; vezes o
mergulho da face toda
sobre a vulva amada.
Chupar com gosto, dei-
xar o nariz pleno daque-
le cheiro o dia todo, as-
sim como o aroma pre-
servado na ponta dos
dedos. Evitar lavar as
mãos para explorar, nos
passeios, hedonismo do
flâneur, o olfato na ponta
dos mesmos dedos.

124
No que
Concerne Bater
e do que
Significa Apanhar

E ntrar antes de bater


ou bater antes de entrar?
Na dúvida, vá testando
com pegadas mais brus-
cas, tapinhas, semi-ta-
pas... A intimidade não
tem pressa para se esta-
belecer. Na bunda, bata
sem medo, mas sem

125
exagero de lenhador. Se
a pedidos, construa um
hiato entre o que se
reivindica e o amor de
pica. É preciso que ela
feche os olhos antes,
para sentir o que pede, e
até duvide que será
atendida, embora saiba
que merece.

126
Da
Estética
dos Prazeres
Compartilhados

E ssa eu aprendi com


Michel Foucault, quem
diria, num livrinho que
se lê no avião, no ônibus,
no último metrô – A mu-
lher/Os rapazes. A arte
do vínculo conjugal. Fi-
quei a favor dos estóicos,
que não fogem do casa-

127
mento, como os cínicos;
depois me bateu a dú-
vida: não estarei eu mais
para os cínicos? Havia
saído de um grande
amor e sofria a tentativa
de recanalhizar-me, coi-
sa difícil, pois as moças
lindas, andarilhas nas
terças francesas do Vegas
<rua Augusta!>, desper-
tam vontade de casar...
Mas preguei os olhos nis-
so: “Da estética dos pra-
zeres compartilhados”.

128
Ótimo. O casamento não
como algo objetivo e
procriador, falo como a
arte de dormir de con-
chinha, amanhã de ma-
nhã, o café pra nós dois,
como canta o Rei. Há
uma linguagem nos pra-
zeres divididos, não obri-
gatoriamente da lingua-
gem periquitosa... como
aquelas aves que desper-
tam a fúria do narrador
de Graciliano em São
Bernardo...

129
Embora haja, sim, a ne-
cessidade de uma esté-
tica das mãos dadas, do
passeio, dos óculos es-
curos gastos sob o mes-
mo sol, da invenção do
flâneur-pombinhos, da
felicidade imediatista e
besta do almoço dos
domingos.

130
De um Grande
e Antigo Preceito
Conjugal ou
a Casa Vai Cair

131
Depois de Plutarco, ve-
lho sábio: evitar porrada
verbal ou disputa no
quarto de dormir. “Não
é fácil apaziguar num
outro lugar as discórdias
e recriminações que a ca-
ma provoca”, dizia o sá-
bio cabrón. Pior ainda,
sibilava o mesmo mestre,
é dormir em cama sepa-
rada – ou no sofá de hoje
– por qualquer briguinha.
“É nesse momento que se
deve invocar Afrodite”.

132

No que Concerne
ao Quaerens
Quem Devoret

Ou procurando alguém
para devorar. Assim o
glorioso São Pedro, na
primeira epístola uni-
versal, versículo 8, se
refere ao capeta. Assim
podemos nos ver em al-
guns momentos da exis-

133
tência, com a urgência
da carne a nos tocar co-
mo um alarme histérico
e necessário. Elimine-
mos o temor do arre-
pendimento à luz de
Santo Agostinho, que
um dia, no altar da sabe-
doria, nos disse: “Se-
nhor, livrai-me das ten-
tações, mas não hoje!”.

134

Da Falta de
Esforço Mínimo para
Manter
o Acasalamento

B asta ter algum níquel,


algum recurso, para se-
parar-se mais fácil.
Qualquer D.R. (discus-
são de relação), lá vai
um ou outro para o flat,
o hotel, a casa da mãe.

135
Ninguém quebra mais o
pau de fato, o que é um
defeito. Casar mais de-
moradamente virou coisa
de operário, que não
tem dinheiro para o des-
manche burocrático.

136
Da Objetividade
Repetida sobre
o Beijo &
Sentimentos
Posteriores

A phoda inicial sendo


péssima, não há motivo
algum para desacreditar
na paixão que crepita,
recupera-se; em o beijo
sendo deslocado e sem
gosto, esqueça!

137
No que Concerne
à Boemia e às
Dores que Andam

O flâneur está vivo.


No pé-sujo, no bote-
quim, mesmo no bote-
quim que mimetiza vi-
sualmente a velha guar-
da, na esquina. O boê-
mio não sucumbiu à
violência urbana, até
porque todo boêmio é de
alguma forma bandido.

138
O boêmio está menos
literário, mas não
obrigatoriamente
menos romântico. Isso
não é um defeito. O
contrário do operário,
na nova ordem, é o
boêmio desempregado.
O garçom como psica-
nalista das massas bê-
badas e suas dores de
corno. A cachaça como
remate populista dos
tristes trópicos, o chute
na bunda de Saturno, a

139
queda como alegoria do
nosso direito atávico ao
berço esplêndido, a ce-
lebração da sarjeta.

140
Acerca do Qui
Bene Amat, Bene
Castigat

A expressão em latim é
simples: quem ama bem,
castiga bem. Aqui tra-
tamos não somente da
posse imaginária sobre o
território amoroso. Os
buracos d´alma são mais
intrigantes. Aqui caberia
perfeitamente os discur-
sos da perversidade como

141
forma de manter a cria-
tura amada colada à sua
costela. Além dos cas-
tigos físicos mais verda-
deiros, como os tapas &
tapinhas, os pingos de-
votos da vela sobre a
bundinha a ser devora-
da, o semi-estupro car-
regado de álibis, o tango
primeiro e único sobre
taco da sala do amante
ainda estrangeiro aos
olhos.

142
Das Plantas
do Jardim da
Nossa Casa

É preciso, por mais ocu-


pado e endinheirado que
seja o casal, manter algu-
ma atividade conjunta no
gerenciamento do lar, na
arrumação da casa, no
enfeite do ninho, no ze-
lo pela alcova.
Empurrar carrinhos de
supermercado pode ser

143
um saco, existem até
profissionais modernos
para isso – além de ar-
rumar os armários etc.
–, mas inventem algo
para fazerem juntos: ce-
lebrações, festas, janta-
res, receber amigos,
uma suruba-light que
seja...
Não deixem tudo nas
mãos dos serviçais, por
mais que vocês sejam
barões. Cortem um
alho juntos, mudem

144
uma planta de lugar,
façam um arroz-de-
puta (aquela refeição
tirada das sobras com-
pletas da geladeira), en-
cham as garrafas d´água,
lavem terapêuticos pra-
tos, deixem de ser me-
tidos a bestas.

145
Da Reinvenção
da Erótica do
Acasalamento &
Outras Práticas
Nobres

Não aquele bacanal


anos 1970, coisa mais
démodé. Falamos de um
congraçamento fim-de-
festa. Um beijo aqui em
um, um beijo ali em ou-
tra. Uma dança gostosa,
uma devoção na contra-

146
mão da casa, uma ida ao
banheiro, flertes, um
boquete na escada, um
fumo e uma rapidinha
na varanda... Erotismo
enevoado que vai ficar
na memória para lindas
phodas do casal nos dias
seguintes, sem que ne-
nhum tenha perdido pra
valer o rumo da vida ou
estado das coisas.

147
No que Concerne
Simplesmente
ao Fio-terra

Não adianta nem ten-


tar ignorar, a próstata é
quase tudo no nosso
sentimento do mundo.
Nada maior nem menor
que um toque, já dizia
o libertário-mor Walt
Whitman.

148
149
De como Esperar
Pacientemente
que a Amada
Escolha a
Roupa para Sair

O que fazer enquanto


sua mulher, amante ou
namorada se arruma
para sair?
Aí está uma das grandes
questões da humani-
dade. Sorte tinha Adão,
que pegou o mundo ain-

150
da sem muitas opções no
vestuário e longe, muito
longe da praga da indús-
tria fashion.
Mesmo assim, Eva demo-
rava horrores para esco-
lher a parreira mais
fresca, a mais enfeitada,
aquela com detalhes e
nervuras que lembram a
costura de um Ronaldo
Fraga, de um Herch-
covitch, nossos moder-
nos estilistas.
O que fazer enquanto

151
ela põe roupa e tira rou-
pa, mulher alterada,
doida demais, peça por
peça do armário?
Põe e tira, vai ao espe-
lho, pede a sua opinião...
Liga para pedir a opi-
nião da melhor amiga –
afinal de contas, você,
velho macho conserva-
dor, não entende nada
dessas modinhas –, volta
ao espelho, muda só a
parte de baixo, agora
muda só a parte de cima,

152
troca o brinco, o colar
novo, “ah, esse não
combina...”
Não adianta você, caro
amigo, dizer que está
ótimo, dizer que nunca
viu mulher tão linda,
dizer que nunca a viu
tão deusa, dizer que é a
mulher da sua vida, a
que se veste melhor, a de
gosto estupendo, a mais
francesa das francesas,
a bonequinha de luxo
posando na frente da

153
Tiffany, a Audrey das
Audreys, Catherine De-
neuve, Juliette Bino-
che...
De nada adianta. Fica-
mos falando sozinhos
nesse momento ímpar
do mulherio.
O que fazer então?, co-
mo perguntava o velho
Lênin.
Relax, meu jovem, re-
lax, caro mancebo, tran-
qüilidade, cabrón. Como
não tem remédio e nem

154
nunca terá, o jeito é
retomar o tempo perdi-
do a nosso favor. Já tive
mulheres que demora-
vam o tempo de um jogo
de futebol – com pror-
rogação e morte súbita –
para escolher a “roupa
certa”. Vi muitas deci-
sões de campeonato gra-
ças às dúvidas fashion da
costela amada. Gracias.
Puta escritores, como o
velho Hemingway, dei-
xaram grandes obras

155
graças às demoras das
“patroas”. Grandes in-
ventores, idem. O hu-
morista Grouxo Marx
agradeceu publicamente
à sua mulher por deixá-
lo livre para criar ótimas
piadas nesses intervalos.
Palavras cruzadas e pa-
ciência, o jogo, também
caem bem para a ocasião.

156
No que Concerne
a um Encontro
Abençoado com
uma Virgem

M esmo sendo rara e


milagrosa tal acontecên-
cia nos dias que correm,
é bom que estejamos pre-
parados para a eventua-
lidade.
Primeiro mandamento:
masque o chiclete da pa-
ciência, não tenha pressa.

157
Os vinhos, evoé Baco!,
são bem-vindos para o
amaciamento das culpas.
Não conversem exclusi-
vamente sobre tal ato,
amedronta e soa desne-
cessária tal metalingua-
gem.
Muito menos banalize
aquela cerimônia; trate-
a como um ritual de an-
tigos deuses.
Acenda velas pela casa,
ponha para tocar um
bangra, um trance, a

158
Arizona Dream de Iggy
Pop & Goran Bregovic
ou, melhor ainda, Mistery
Train, do velho Elvis.
O uso de lubrificante
não desmerece tal sagra-
ção de primaveras.
No leito, lençóis bran-
cos, para que as man-
chas de sangue tenham a
força de um quadro de
Pollock.

159
160
De um banho
para Devolver
a Mansidão
aos Lares

S entados sobre o chão


da banheira, acalmamos
lentamente nossos apo-
calipses e apagamos o fo-
go dos nossos mais escon-
didos infernos.

161
Do Amor nos Tempos
das Novas
Ferramentas

E m dez minutos, pron-


to, você está lá na maior
das intimidades com o
rapaz ou a rapariga.
Tudo aquilo que demo-
rava dias, meses, com
as cartas ou flertes da
vida real, virou coisa de
segundos nesse outro
plano.

162
É o amor nos tempos do
MSN, o Messenger, o
amor nos tempos do Or-
kut, chats, comunidades
e tantas outras gerin-
gonças. Tudo muito rá-
pido, espécie de miojo
sentimental, emoções
baratas.
Você nem carece pegar
na mão, já vai direto
pra cama, pra detrás da
moita mais platônica.
Não carece nem cantar
Paulinho da Viola, olá

163
como vai, quanto tempo,
pois é, quanto tempo...
O amor nos tempos da
velocidade tecnológica.
E o novo problema já está
ficando velho, grego,
decifra-me ou te deleto:
como transformar uma
tara platônica em uma
transa homérica?

164
De uma Madame
Bovary destes
Tempos
Modernos

E a conjunção virtual
não é coisa apenas desses
moços, pobres moços.
Minha amiga K., por
exemplo, 55 anos, Ma-
dame Bovary dos tem-
pos digitais, tem quatro
amantes “fixos” no Mes-
senger, além do marido

165
de carne, osso e ronco.
“Vou deixar um deles,
pois não tem compa-
recido a contento”, solta
a blague. Todos jovens,
quase donzelos, meu
Deus.

166
Donde uma
Menina Má
Provoca o Tio
no Bate-papo
Virtual

167
Me conta que deu pro
maconheiro cabeludo ali
no quarto da casa da
família mesmo. O cuzi-
nho. As meninas que
contam história para
animar a vida do tio.
Bem na hora do almoço.
Barulho da família. A
primeira vez que deu o
cuzinho foi numa praia
do Nordeste. Meio tubo
de K&Y na viagem. As-
sanha o tio com uma fo-
to de shortinho. Menina

168
má. A mãe já via essa
maldade toda desde ce-
do, ela diz. A mãe odeia o
cabeludo maconheiro.
Mãe é mãe. A lolita má
gosta de foder perto da
família, equalizar os sus-
surros de acordo com os
decibéis do Strokes que
rolam na casa naquela
justa hora. Mas outro dia
deu num parque, pena
que o cara andava perfu-
mado, “gosto de cheiro
de homem, sabe?”

169
170
No que Concerne
aos Espasmos
da Nostalgia

A ntes bastava ficar de


olho na chegada do car-
teiro, o bravo homem de
amarelo, com o seu em-
bornal de cobranças, boas
novas ou lágrimas...
Amor e tecnologia, um
falso abraço. E-mails,
chats, Messenger etc.
No princípio era apenas

171
o bina, e matou o velho
mistério do telefonema
mudo e anônimo. Ofe-
gante, a criatura, apai-
xonada, ligava só para
ouvir a voz do obscuro
objeto de desejo do outro
lado da linha. Ou man-
dava uma música do Rei,
de preferência a mais
romântica: “Vou caval-
gar por toda noite, nu-
ma estrada colorida...”
É, o telefonema dos de-
sencorajados do amor,

172
esse clássico das anti-
gas, está praticamente
enterrado.

173
Da Chegada da
Telefonia Móvel
e o Prejuízo
do Canalha

D epois, chegou a tele-


fonia móvel. Uma revo-
lução na crônica de cos-
tumes. O fim de muitas
desculpas canalhas. Tipo
aquele homem que
tomava um chá de
sumiço e voltava, batom
até na alma, com os

174
álibis mais inverossímeis
desse planeta.
Outra alvissareira fun-
ção do celular é fugir dos
mal-assombros senti-
mentais. Você quer ir
numa festa e sabe que
aquele infeliz pode estar
lá, serelepe, nos braços
de uma “vagabunda”
qualquer. Uma ligação e
pronto, o amigo dá o ser-
viço completo das as-
sombrações. Pena que o
mesmo aparelho tam-

175
bém sirva para matar as
surpresas, o friozinho
na barriga, aquela coisa
toda, lembra?

176
Donde Tratamos
do Noli
me Tangere

Em outras palavras, no
português mais român-
tico e derramado: não
me toques. Na Bíblia, a
expressão é sibilada na-
quele momento em que
Jesus Cristo, todo-pode-
roso, surge para Maria
Madalena e, todo-cheio-
de-dedos, implora para

177
não ser tocado. O medo
do goleiro diante do pê-
nalti, o temor do que
ama diante das tentações
da carne do açougue
mais humano. Vade
retro, Satanás.

178
Da Elegância da
Solidão e Contra
o Periquitismo
Publicitário

A proveito o barulho de
uma efeméride, dia dos
namorados, para tratar
das vantagens da solidão
– essa pantera inse-
parável, como dizia Au-
gusto dos Anjos –, que
nunca teve direito a um
segundo de comercial na

179
TV ou qualquer fogue-
tório do gênero.
Vender celular, por exem-
plo, essa febre que virou
brinco em todas as ore-
lhas de jovens e mada-
mes, não combina bem
com o mundo das damas
e dos cavalheiros solitá-
rios.
A alma do negócio é outra,
mesmo que falsa: o apelo
é feito para quem tem
amores, quem tem muitos
amigos... Cadastrem os

180
casos, as amantes, as na-
moradas, o papagaio... e
falem mais barato o mi-
nuto... Periquitismo do
amor publicitário.
O massacre é tanto que
alguns solitários se tran-
cam dentro de suas casas
em finais de semana co-
mo este que passou. A
vergonha de ser sozi-
nho(a) depois de tanto
samba-exaltação e “feli-
cidade” publicitária em
torno da data.

181
182
De quão
Luxuosos
Podem Ser
as Damas
e os Cavalheiros
Solitários

183
Nada mais elegante do
que a solidão tranqüila,
um trago no balcão do
bar, ninguém para en-
cher o saco – a não ser os
chatos que se multipli-
cam por aí, onipresen-
tes, malas, malas, malas.
Esses, porém, a gente se
livra fácil, não voltam
para os nossos lares do-
ces lares.
Não que o amor não seja
lindo. Nada disso. “Te
amo, porra”, bem sabes,

184
como diria o Pereio.
É óbvio que vivemos
grandes momentos en-
venenados por Cupido.
O que faço nestas mal-
traçadas linhas é uma
defesa da decência so-
litária, o direito até de
esnobar com um “I want
to be alone” à Greta
Garbo.
De não se deixar adoecer
pela ditadura da falsa
felicidade publicitária!
De chegar em casa feliz,

185
botar um disco novo,
tomar um uísque...
De cantar Antonio Maria
da forma mais irônica,
como ele também hoje
cantaria: “Ninguém me
ama/ninguém me quer/-
ninguém me chama/de
Baudelaire...”

186
Do Amor que Fica
e Ainda Contra
o Comércio dos
Pombinhos

De adolescentemente
“ficar”, ficar, ficar, ir
ficando... O amor que
fica.
Não se deixe intimidar
pelos coraçõezinhos de
vento que tomam conta
dos tetos das churrasca-
rias, cantinas e restau-

187
rantes nas principais efe-
mérides, dia das mães,
dia dos pais, dia dos
namorados...
Lembre-se das falsas pro-
messas, dos chifres, das
ilusões perdidas...
O amor é assim mesmo,
como nos disse Carlos,
hoje beija, amanhã não
beija... agora é segunda-
feira, dia de Santo An-
tonio, e ninguém sabe o
que será.

188
Da Regra sobre
as Regras
e da Travessia
de Outros Mares
Vermelhos

189
Não deve haver ceri-
mônia diante do ciclo;

nem mesmo para o sexo


oral mais devoto;

sair de lá debaixo tin-


gido, tingido;

o orgulho diante do es-


pelho, como uma pintura,
urucum no rosto;

as fuças cheirando o san-


gue mais puro;

190
os lençóis brancos com
as marcas da pintura ru-
pestre, tribos de alcovas
e cavernas;
o amor carece do gosto
pelo sangue, pelas glân-
dulas, pelo que vem das
entranhas;
contra o banho imediato
após as phodas;
contra os saponáceos, e
contra a própria água.

191

No que Concerne ao
Orgasmo Fingido e
do Seu Belo Teatro

O fingimento do gozo
também pode ser uma
prova de amor, como o
amor vadio das putas;

antes o fingimento do que a


ausência da dramatur-
gia amorosa de fato;

192
tem um quê de distan-
ciamento brechtiano no
orgasmo fingido;

tem até mesmo um gozo


que deveras sente;
tem mais de verossímil
no fingido do que em
muitos ditos verdadeiros;
a favor das que fingem
com decência;
melhor que fingir a ve-
lha dor de cabeça;

193
contra a verossimilhança
exagerada dos orgasmos
com caras & bocas;
a favor do agrado do
teatro, puro teatro, co-
mo na canção almodo-
variana de La Lupe.

194
Da Ressaca e do
Canalha em Busca do
Engov Ético

N a autoflagelação da
ressaca*, o homem-inse-
to, nos relhos morais
contra o próprio lombo,
eis a ressaca do escla-
recimento... A ressaca
contra o capital, mais-
valia metafísica. A rebor-
dosa amorosa.
*D´àpres Pedro Américo, poeta
do Recife.
195
O homem como um in-
tervalo de ressacas ínti-
mas ou públicas. Ressaca,
a memória possível, o
flash-back do declínio e
da prosódia sem regula-
mento.

196
No que Concerne ao
Jus Primae Noctis

O direito à primeira noi-


te. Nas sociedades feu-
dais, o dono da proprie-
dade tinha o direito a
desvirginar as noivas em
substituição aos noi-vos
escravos. Na Casa-Gran-
de & Senzala brasi-leira,
idem. E não nos espanta
que a prática ainda im-
pere sob as cha-minés da

197
nova indústria, ampli-
ando ainda mais a saca-
nagem da mais-valia
explícita.

198
199
No que Diz Respeito
ao Encontro de
Tereza, Filósofa,
com Jesus, e da
Devoção Suprema
que Herdamos desse
Encontro

L amber aquele sangue


todo, talvez enfiar mais
espinhos, pregos, o gozo
pelo sofrimento d´outro;
daí também a piedade,
sentar em cima daquela

200
pica sofrida de homem
que foi, martírios d´al-
ma, desejo que dentro
dela há tanto tempo ar-
de, debaixo do manto,
debaixo do hábito, a bu-
cetinha a maldizer la
mala educación, por que
escolheste o fastio, me-
nina, se podias foder a
vida inteira?... “Aí é que
reside a tara, seu mar-
quês, não vês?”, diz ela,
pura e casta, nada besta
nesta breve fábula.

201

Da Peleja das
Serviçais e da Costela
Amada

F axineira, diarista, em-


pregada doméstica ou
qualquer funcionária do
lar de um homem sol-
teiro é sempre uma bele-
za. Um carinho, um ze-
lo, botões repostos nas
camisas, roupa cheirosa,

202
água fria na quartinha,
cama, mesa e banho, tu-
do no capricho. Elas tra-
balham assoviando o su-
cesso da hora, o hit do
rádio, apesar da vida na-
da fácil.
Aí basta o mancebo ar-
rumar um xodó, um ro-
lo, um cacho, uma cos-
tela... para aquele humor
desmanchar-se aos pou-
cos. As duas criaturas
normalmente não se en-
tendem, gênios difíceis.

203
Quem paga somos nós,
porcos chauvinistas,
que não teremos mais
aqueles botões repostos
na camisa colorida –
aquela mesma, caríssi-
mo Paulinho da Viola,
que cobria a minha dor,
na canção do amor às
pressas lá no Recife.
Uma não repõe os bo-
tões por despeito e pro-
testo contra a nova in-
quilina; outra não zela
por razões ideológicas:

204
ora, não pode incen-
tivar o machismo.

205
De Duas
Criaturas Saídas
de uma Mesma
Costela

D uas mulheres sob o


mesmo teto, a menos que
você seja um poderoso

206
sultão, é jogo duro. Seja
sogra, diarista, tia, mãe,
irmã... E quando as TPMs
coincidem? Vixe, fica
tudo tão difícil quanto
atravessar o Mar Ver-
melho. E quando não
batem os signos?
O xodó tira um móvel de
um canto, a diarista muda
uma planta de lugar...
A diarista esquece a teia
de aranha lá no canti-
nho da parede, o xodó
faz um apocalipse...

207
O xodó implica, a diarista
começa a falar bem da
sua ex, com quem tam-
bém fazia uma batalha
sem trégua.
Até o fatídico dia do juí-
zo final: “Ou ela ou eu!”.
As duas dizem quase em
uníssono.

208
Das Bebidas
e do Discurso
Amoroso
da Conquista

A cerveja é uma dádiva


dos deuses do trigo, mas
nos primeiros encontros
é uma desgraça, seus go-
les quebram a prosódia,
o discurso da conquista;

a necessidade de ir ao
banheiro, levantar-se,

209
desliga o sujeito do pre-
dicado, como se pusesse
entre eles o assassinato
da vírgula;

prefira os destilados nes-


sas horas supremas;

as elipses, as pausas, que


ajudam a criar um mis-
tério, podem ser feitas
no próprio discurso, co-
mo se a língua obedecesse
a certas reticências;

210
as sobrancelhas, não o
cérebro, são as respon-
sáveis por essa linha de
conduta;
elas falam a babel da
conquista.

211
No que Concerne
ao Frondi
Nulla Fides

F enômeno mais conhe-


cido no populacho como
“quem vê cara não vê
coração”.

212
Da Oração à
Nossa Sra. dos
que Amam Sozinhos

Nossa Sra. dos que


Amam Sozinhos, perdoa-
me pela insistência, nem
mais é por tanto querê-la,
é por deixar claro, nega
que sopra das intimidades
dessa oração, que só ela
me faz passar da conta,
perversa, cair no abismo
mais lindo do gozo sem

213
volta, como naquele en-
costo de beira de es-
trada, como na rodovia
estrangeira de Sam She-
pard, crônicas de motel,
simbora.
Nossa Sra. dos que só
pensam Nela, cotovelos
lanhados de tanta espera,
tantos sustos nas ruas, nos
bares, “é ela!!!”, Nossa
Sra. dos Cotovelos da
Surpresa e das janelas, tão
gastos, cinzas, peles, do-
bras, e tanta fome de viver

214
aqui dentro, megaloma-
níaco, épico, terá sido a
força do desprezo???
É mesmo a paudures-
cência, nostalgia precoce
das grandes phodas, o
tempo inteiro, pensan-
do, pensando, pensando,
odiando, mas no fundo
gostas!
O pau lanhado de tantas
punhetas monotemáticas!
Nossa Sra. da Buceta
Alongada que Consegue
Apertar a Pica como se

215
Fosse a Coisa Mais Sa-
grada.
Nossa Senhora!!!
Paudurescência sem via-
gras ou pílulas milagrosas.
Paudurescência por tê-
la, rara.
Chupar delicadamente
aquele cuzinho como
um cristão que dissolve
na boca uma hóstia.
Chupar a buceta por ho-
ras, riachinhos d´águas
que não se sabem donde,
cada cantinho dum mapa

216
que se inventou só pra se
perder depois; sentimento
é a verdadeira bússola
dum homem, perdido do-
cemente lá embaixo, lá
embaixo, daquelas tuas
vestes modernas que nun-
ca te escondem.
Lua cheia, pau crescente.
Nossa Sra. dos que só
pensam naquela gostosa
que encontrei certo dia à
margem esquerda do Ca-
pibaribe. Nossa Sra. dos
que só pensam naquela
gostosa que encontrei cer-

217
to dia no Baixo Gávea,
Nossa Sra. daquela gos-
tosa que levei ontem pra
casa. Nossa Sra. dos que
pensam naquela gostosa
que vi por acaso na es-
tação Paraíso, SP, metrô!
Nossa Sra. dos que fo-
dem muito e amam so-
zinho, Nossa Sra. dos
que amam, perdoai os
que apenas fodem, os
que apenas gozam, go-
zam, gozam!!!!

218
Das Drogas e
dos Excitantes
Modernos

219
 A Cannabis Sativa,
seja de Cabrobó ou da
Índia, embala os aman-
tes; melhor ainda se
uma phoda na rede, co-
mo nas tribos, como nas
beiras dos rios; mesmo
na metrópole, uma có-
pula com maconha dá a
ilusão de um gozo ao
longe, lindo, superposto
em camadas de um de-
lírio leve, como aquele
sonho quase acordado;

220
 A cocaína, declarada
inimiga dos amantes,
pode ter seu valor se
num banheiro de uma
festa, num bar, na noite;
não que ajude na pau-
durescência, mas cola os
seres sobre o mesmo es-
pelho, o mesmo prato, o
mesmo ego gigante; a
deusa nevada aproxima
para a phoda do dia
seguinte;

221
 Um quartinho de um
comprimido de ácido, o
velho LSD , para cada
um, na saída de casa, se-
guido de um restauran-
te japonês com cerveja;
depois sair de mãos da-
das, aos beijos, aos de-
lírios, pelas calçadas,
meu Deus, o nirvana, a
promessa de felicidade
da qual falava Baude-
laire, a beleza em estado
puro, a beleza e só.

222
 O Ecstasy, noves fora
as contra-indicações de
praxe, é uma dádiva;
mais pela pegação, pela
suruba-lounge, do que
pela phoda instantânea;
os pêlos sobem, ouriços
da pista, as luzes, o
mundo suspira.

223
Da Devoção
às Putas e da
Sem-gracice das
Garotas de Programa

Puta é a vocação e o dengo


sem forçar a natureza;

garota de programa é o
patricismo, o dinheiro
para comprar a roupa de
grife ou pagar a fa-
culdade, a falsa ilumi-
nista da buceta;

224

puta é o cafuné, toda-
ouvidos para o seu des-
conforto e a sua angústia
sob a luz vermelha;

garota de programa é
tão neoliberal quanto o
presidente da federação
das indústrias, tem um
taxímetro entre as
pernas;

puta é tão pura quanto
Nossa Senhora das Do-

225
res, a Virgem Imacula-
da, a terceira mentira de
Fátima;

garota de programa é
tão falsa quanto toda a
igreja católica e o no-
velho papa;

puta é a mentira ama-
dora, o orgasmo “má
quê delíiiciiia!!!”, “der-
rama, derrama, der-
rama!!!”;

226

garota de programa é a
mentira midiática, fria,
jornalística;

puta é linda como a rai-
nha do lar que nos
pariu;

garota de programa ar-
recada como um bispo;

enquanto a puta canta
docemente a canção de
São Francisco.

227
Da Nostalgia
Precoce e da
Memória Carcomida

Passava o dia espremido


entre as tuas nádegas, co-
mo nas obsessions de Ro-
bert Crumb, aquilo é que
era vida eterna, lembras?;
hoje o que me resta é uma
punheta meio amnésica,
metonímica, partes pelo
todo, coxas, peitos, asas,
como no açougue.

228
Da História de “O”
ou da Felicidade
na Escravidão

Era uma vez uma rapa-


riga devota, masoquista,
religiosa, que parava o
tempo, mil e uma tardes
em hotéis baratos, só
para escapar do tédio, ou
seja, da morte amorosa,
sendo assim o referido
tédio o correspondente à
morte de fato que tanto

229
temia Sherazade, como
me sopraria num sonho,
dia desses, um certo
Octavio Paz.

230
Do Prazer
como Dever
Permanente
do Homem

“...a satisfação e o con-


forto das partes da mu-
lher devem depender da
acolhida que dão ao
membro viril, e que o
homem não deve conhecer
descanso ou paz enquanto
seu dever não tenha sido
nobremente cumprido!”

231
[D’O Jardim Perfumado,
um manual erótico árabe,
obra do xeque Nefzaui]

232
Das Mil e Uma
Acrobacias
que Podem
Transformar uma
Grande Noite
em uma Noite
Meia-boca

Não tente reinventar o


Kama Sutra nas primeiras
noites... As almas podem
até se entender de
imediato, mas os corpos
não – exigem um certo

233
entrosamento, coisa que
só se pega mesmo com a
cadência das intimida-
des, com o tempo. Com
esse sexo cheio de pernas
e mil e um malabaris-
mos você pode levar o
seu parceiro a uma bela
câimbra ou contusão
mais séria. Coitado, ele
pode ter que fumar
aquele cigarro pós-coito
em uma clínica ortopé-
dica ou em um milagro-
so massagista japonês.

234

De como um Kit
Erótico Exagerado
Pode Fazer
Perder o Foco
da Vida

Tudo bem que você leve


em conta todo aquele
repertório de fetiches
masculinos que apren-
deu nas revistas femini-

235
nas, mas cuidado pra
não exagerar. Nada de
pacote completo tipo
lingerie, velas, incensos,
óleos, culinária afrodi-
síaca... Tanta coisa assim,
tanta obediência aos pa-
cotes eróticos do mer-
cado, que vocês podem
esquecer do motivo prin-
cipal daquele encontro:
o sexo propriamente
dito e falado.

236
No que Concerne ao
Erro
do Incenso

Carícias e mais carícias,


musiquinha romântica
no ponto, luz na medida
(sim, você domina a arte
do abajur e da ilumi-
nação indireta!) e de re-
pente você acende aque-
le incenso enjoativo ca-
paz de fazer o rapaz pas-
sar mal (sim, vocês vie-

237
ram de um belo jantar!),
enjoar, ir direto para o
banheiro, não mais para
aquela cama arrumada
(sim, você tem lençóis
de três mil fios!) e linda
que esperava o novo
casal.

238
De como uma D.R.
Precoce...

V iciada em uma D.R., a


famosa discussão de re-
lação, você suspende as
carícias que logo logo os
levariam ao êxtase... E
começa a questionar os
primeiros encontros,
matraqueando sobre os
modos de macho do
rapaz, a falta de atenção
em tal momento, a falta

239
de telefonema no dia se-
guinte, a falta de delica-
deza no restaurante
(sim, você é romântica e
gosta que puxem a sua
cadeira!), a falta de sen-
sibilidade pra notar que
está de cabelo com novo
corte...

240
Da Preocupação
com o Patrimônio
Histórico dos
Países Baixos

Já viu como os jogado-


res de futebol se pro-
tegem nas cobranças de

241
falta, ao ficarem na
barreira? Estão guar-
dando o sagrado patri-
mônio e tentando se li-
vrar de um dos maiores
incômodos masculinos,
a dor nos testículos. Não
que você, em algum mo-
mento, pretenda cometer
tamanha grosseria como
uma bolada. O exagero
aqui, delicada leitora, é
só pra deixar patente:
todo cuidado é mesmo
pouco com os testículos.

242
Qualquer maltrato ali
naquela área pode ser
fatal, pior do que tor-
tura, o fim da noitada.
Mas uma vez bem ex-
plorados, com toda a
delicadeza da alma fe-
minina, Deus dos céus,
levará o homen a atingir
o nirvana.

243
Do Uso das Pílulas
da Paudurescência
Artificial

N ada contra a química a


serviço da vida, como
reza o mantra-lobby da
indústria;

vovô viu o Viagra. É a


lição da nova cartilha.
Lindo que ele possa
reviver seus dias de
Casanova;

244
que o tiozinho-loki eli-
mine a sua insegurança,
encontros pioneiros com
desafiantes gazelas;

que o Cialis seja leve 36


horas depois; que o Le-
vitra e tantos quantos
forem...
mas os novos tempos
põem minhocas na ca-
beça das moças: serei eu
ou apenas a pílula
mágica?;

245
o priápico pela própria
natureza também perde
muito com tal isonomia
farmacêutica;

ele confessa: “agora se-


rei ‘mais um’ apenas”;

mas não seremos nós os


moralistas certos para
tal missa;

muito menos é o nosso


papel nesse humilde
catecismo;

246
que seja simples, pois:
que as picas subam,
ora, ora, e as bucetas
umedeçam.

247
Da Depilação
e dos Exageros
da Diagramação
dos Pêlos Íntimos

248
O desmatamento das
raparigas tem acompa-
nhado a desgraça das
nossas matas;
urge um Greenpeace
que lute pela Amazônia
das moças;
contra as bucetinhas com
bigodinhos nazistas;
ou bucetinhas cobertas
ou descobertas de tudo,
clareiras generalizadas
são bem-vindas;

249
contra os desenhozinhos
sem graça;

contra a chamada “de-


pilação artística”;

contra a higienização do
amor e do desejo;

a favor dos pêlos;

quem tem nojinho não


merece o paraíso;

250
contra o hedonismo en-
vergonhado;

contra o café sem ca-


feína, contra a cerveja
sem álcool;

porra, honra o útero de


la madre;

honra a phoda que te


deu a porra;

porra, honra, à la Cio-


ran, até mesmo a in-

251
conveniência de haver
nascido.
p.s.: “Quando um homem
digno está na companhia
de mulheres, seu membro
cresce, torna-se forte, vi-
goroso e rijo; ele demora
para ejacular e, após o es-
pasmo causado pela emis-
são do sêmen, fica pronto
para nova ereção”. [D’O
Jardim Perfumado, um
manual erótico árabe,
obra do xeque Nefzaui]

252
Do Encontro
Sagrado com
uma Freira
sem que Ela
se sinta Traindo
Jesus

Antes de tudo é pre-


ciso respeito religioso
extremo;
e subornar o guarda do
convento;
ou pular o muro como
um velho e bom larápio;

253
é preciso ainda cair do
outro lado do muro
vivo;
manter os bons hábitos;
a barba escanhoada e os
pés macios de urso;
chegar depois da novela
das oito;
pegá-la no começo do
sono, ela dorme cedo;
deitar-se de ladinho na
caminha de solteiro;
ela já tem esquecido a
novela e já tem rezado o
terço;

254
a bundinha de lado, cos-
telinha de Deus;
beijinho no cangote, co-
mo se fosse um sopro
dos céus;
se a vir desconfortável,
administre o pesadelo;
encoste e tire a pica, como
num sarro de ônibus;
ela vai se sentir Tereza, a
Filósofa, dormindo de
conchinha com Jesus.

255
Soneto do
Membro
Monstruoso
(Bocage)

256
Esse disforme e rígido
porraz
Do semblante me faz
perder a cor:
E assombrado d’espanto
e de terror
Dar mais de cinco
passos para trás:

A espada do membrudo
Ferrabrás
De certo não metia mais
horror:
Esse membro é capaz
até de pôr

257
A amotinada Europa
toda em paz.
Creio que nas fodais
recreações
Não te hão de a rija
máquina sofrer
Os mais corridos,
sórdidos cações:
De Vênus não desfrutas
o prazer:
Que esse monstro, que
alojas nos calções,
É porra de mostrar, não
de foder.

258
Do Manual de
Civilidade Destinado
às Meninas para
uso nas Escolas

[com ajuda espírita e a


partir da herança de
Pierre Louys, soprado ao
escriba por lindas
ninfomaníacas em flor]

 Não diga: “Chupe-


me todinha”.
Diga: “Use a pedagogia da
manga”.
259
Não diga: “Minha
buceta”.
Diga: “Meu coração”.

Não diga: “Quero te


dar o cuzinho”.
Diga: “Voltei da de-
pilação”.

 Não diga: “Estou


com vontade de foder”.
Diga: “Estou nervosa”.

Não diga: “Deixa eu


fazer fio-terra”.

260
Diga: “Que rabinho mais
quente”.
Não diga: “Acabo de
gozar como uma louca”.
Diga: “Sinto-me um pouco
fatigada”.
Não diga: “Ninguém
me chupa como você”.
Diga: “Eis a língua uni-
versal”.
Não diga: “Vou mas-
turbar-me”.
Diga: “Vou voltar”.

261
Não diga: “Vamos
foder”.
Diga: “Oremos ao Senhor”.

Não diga: “Quando


eu tiver pentelho no cu”.
Diga: “Quando eu for
grande”.

Não diga: “Precisamos


inovar as posições”.
Diga: “Vamos ler o
catecismo”.

262
Não diga: “Eu prefiro
a língua ao pau”.
Diga: “Só gosto de pra-
zeres delicados”.

Não diga: “Não é na-


da disso que você está
pensado”.
Diga: “Junte-se a nós e
sejamos felizes”.

Não diga: “Entre as re-


feições só bebo porra”.
Diga: “Sigo uma dieta
especial”.

263
Não diga: “Mete mais
devagarzinho”.
Diga: “Não foi assim que te
ensinei”.

Não diga: “Tenho do-


ze consolos em minha
gaveta”.
Diga: “Nunca me entedio
quando estou só”.

Não diga: “Beije os


meus pés”.
Diga: “Você hoje ainda
não rezou por mim”.

264
 Não diga: “Os ro-
mances honestos me
chateiam”.
Diga: “Eu gostaria de ter
algo interessante para ler”.
Não diga: “Quando
se lhe mostra uma pica,
ela se zanga”.
Diga: “É uma original”.
 Não diga: “É uma
menina que se masturba
até quase morrer”.
Diga: “É uma senti-
mental”.

265
Não diga: “É a maior
puta da terra”.
Diga: “É a melhor me-
nina do mundo”.

Não diga: “Ela dei-


xa-se enrabar por to-
dos aqueles que a mas-
turbam”.
Diga: “Ela flerta um pouco”.

Não diga: “Ela é uma


lésbica raivosa”.
Diga: “Ela não flerta de
jeito nenhum”.

266
Não diga: “Eu a vi
ser fodida pelos dois
buracos”.
Diga: “É uma eclética”.

Não diga: “Ele dá três


sem tirar da buceta”.
Diga: “Ele tem o caráter
muito firme”.

Não diga: “Ele gozou


em minha garganta e eu
na dele”.
Diga: “Trocamos algumas
impressões”.

267
Não diga: “Seu pau é
demasiado grosso para
minha boca”.
Diga: “Sinto-me bem peque-
na quando converso com ele”.

Não diga: “Ele fode muito


bem as menininhas, mas
não sabe enrabá-las”.
Diga: “É um simplório”.

Não diga: “Cadê o gel


lubrificante?”.
Diga: “Com o carinho de
sempre”.

268
Não diga: “Você é o
homem da minha vida”.
Diga: “Você me conforta
bem lá dentro”.
Não diga: “Não sei
viver mais sem você”.
Diga: “Adoro a sua pica
dura”.
Não diga: “Vou chu-
par o seu pau”.
Diga: “Derrama o min-
gau dos deuses”.

269
No que Concerne ao
Olho Masculino nas
Visões Matutinas

Quando ela acorda,


aquelas marquinhas no
corpo feitas pela noite,
atrito de peixes que pas-
seiam nos subterrâneos
dos lençóis.
Cabelos feito algas doi-
das, o seu incômodo
mais bonito; algum té-
dio diante da reabertura

270
do mundo chato, ela se
espreguiça, ossinhos que
estalam sob a réstia do
sol dos sérios que atra-
vessa a cortina.

Agora ouço o barulho do


mijinho dela, música ao
longe aqui do quarto.
Paudurescência da auro-
ra; ensaio uma punheta
da nostalgia precoce, co-
mo se a danada tivesse ido
embora num teletrans-
porte de fio-terra; ela vol-

271
ta ainda mais manhosa,
quase um gato a inventar
botes câmera lenta num
sashimi da véspera.

O pau toca a sua bun-


dinha sem a pressa da
phoda, quase como se
fossem feitos um para o
outro e tivessem todo o
tempo do mundo. As al-
mas já se entendem, os
corpos quase, ela pensa
“qualé a desse cara?”.
Toco fogo no café e o

272
cheiro sobe, polvo do
amor, mobilizo-me entre
o forno, esquentar os
pães, as frutas dos im-
pressionistas, a manteiga
do primeiro tango,
acorda maria bonita,
que a polícia do pen-
samento já está de pé.
Um homem nos ensaios
de amor, velho J. L. Go-
dard, carece de muitas
mãos, línguas, dedos,
certezas.

273

Donde uma Marca
de Vacina no Braço
Delas...

T udo bem que seja obra


de uma simples ma-
quininha automatica-
mente imunizadora, mas
cada pele reage de acor-
do com a maldade das
moças. As melhores e
mais lindas são aquelas

274
que perdem o sentido
simétrico do furo e se
abrem como flores per-
versas, bucetinhas sus-
pensas no coletivo de ra-
parigas que andam.

275
Da Dramaturgia
das Nuvens como
Relax for Man

Tirar umas horas pra


ver a dramaturgia das
nuvens. Cabeça deitada
na grama. Ou na espre-
guiçadeira. No mato ou
na beira da piscina mais
urbana, como deu-se a
última sessão deste es-
criba. Não falo de seguir
estrelas, ora direis, ra-

276
pariga bilaquiana. A
dramaturgia das nuvens
per si, bando de doi-
divanas, como no teatro,
mesmo. Monstros, ne-
tunos, choques, guerras,
Miles Davis nas trom-
betas, encenações, beijos
de algodão, meninas em
colos imaginários de
Lewis Carroll, tudo que é
sólido e que se desman-
cha em fiapos de gente...
repare nos seus monstros
internos nas nuvens, o

277
serial-killer que habita a
sua carcaça, o assassino
dentro da caixa torácica,
como em Thompson, to-
dos levitam na lona dos
céus, caralhos de asas,
bucetinhas felpudas, bu-
cetinhas de manga...

278
De uma Epifania
Seguida de
Polução Noturna

...d onde uma ilumi-


nação noturna, seguida
de polução int/noite
/quarto de hotel de lu-
xo, escorre pela coxa,
mesmo com a outra <a
que veio de longe, muito
longe> ao lado. Ilumi-
nação de uma morena
toda vazada de luz,

279
como aquelas santas baia-
nas, por um caminho
escuro, estreito, e o es-
tremecimento no sonho,
epifania dos diabos, ba-
cia d´água e de flores sob
os seus pés acima do ta-
co, solo do nosso último
tango, na frente do es-
pelho de taras, exibições
& danças, cheiro nas
fuças do cunnilingus
mais longo, coreografia
do gato, e a golden sho-
wer iluminada a me

280
banhar com as dores in-
confundíveis de mais
uma despedida.

281
De como Dizer
Eu Te Amo sem
Dizer Eu Te Amo
e sem Gastar os
Olhos da Cara
A dmirá-la, sempre na
paudurescência, enquan-
to ela se olha no espelho
para conferir a roupa.
Beijar os pés da moça em
público, sempre que pos-
sa, como numa crônica
de Maria.

282
Se for liso, pobre de
marre-marré, dar uma
bijuteria de R$ 1,90 com a
devoção e a dramaturgia
de uma jóia da Tiffany´s
– vide Bonequinha de
Luxo, o filme.

Levar chá de erva-ci-


dreira na cama e ler um
conto-fábula de Ítalo
Calvino para niná-la.

Conduzi-la ao jantar
num restaurante bem

283
farto, com sobremesa
idem, para mostrar que
ela é linda, foda, uma
formosura, e não precisa
emagrecer nem mesmo
os 21 g do peso da morte,
como no filme.

Acompanhá-la nas com-


pras e agarrá-la pra va-
ler nos provadores, se
possível fodê-la pelo
cantinho das calcinhas
novas [de pano] recém-
adquiridas.

284
Aplicar a lição do vinil:
1) passar a mão nas
costas dela, a noite toda,
carinhosamente, como se
fosse o braço de uma
velha radiola; 2) de ma-
nhã passar a mão na
bundinha dela como se
fosse um DJ fazendo
scratch.

Comprar, de vez em quan-


do, um patê especial pa-
ra o felino dela – os ga-
tos estão para o amor

285
assim como os cães estão
para a amizade.

Pedir de presente, sem-


pre que possa, uma
linda golden shower –
forma de mostrar que
ama tudo – glândulas,
tripas & coração – que
seja ou tenha origem
no corpo dela.

Ser firme na hora em


que ela for melindrada
ou agredida por alguém,

286
seja o guardador de
carro, seja o garçom,
seja o bispo, o presidente
da ordem ou o manda-
chuva-mor do Bananal.

Não cobiçar a mulher do


próximo quando estiver
ao lado dela; pode pa-
recer o mínimo, mas é
um puta presente. Além
do mais, você, velho ca-
brón, evitará aqueles
insuportáveis torcicolos
que não curam nem mes-

287
mo com os milagrosos
emplastros Sabiá ou
Brás Cubas.

Em vez de condená-la
em uma pisada na bola –
tipo foder gostoso com
outro! –, tirar proveito
erótico disso, provocan-
do-a para ouvir outras
boas histórias.

288
289
Do Sacrifício,
dos Mistérios
e de Profundis

Quando um homem
em pele de cão vadio e
sem plumas grita dos pés
de uma mulher-abismo,
também podendo ocor-
rer com dois cães vadios
que rasgam o chão com
as unhas para rebaixa-
rem-se mutuamente à
mulher... De profundis

290
clamavi at te, Domine,
ou seja, o ato de invocar
alguém lá das profun-
dezas do abismo, como
nos Salmos.

291
Do Poço das Delícias
e das Paixões Mais
Roxas

Tua bucetinha como


aquele mergulho em
Mangaratiba, nus ao cre-
púsculo da paixão roxa,
como numa reza, joelhos
sobre as pedras, louvor
aos céus, a quebra da ro-
tina, tua bucetinha como
naquela vereda de araras,
tua bucetinha que aprecia

292
paisagens, terá sido muito
tarde?, sabe lá a natureza,
agora não é mais hora,
mas ficou tudo gravado
na língua como o poema
de Verlaine:

“A racha adorável que


já lambi amoroso desde
o dorso,

Passando, depois, pelo


poço,

Onde fico uma tempo-


rada.

293
Prestando as devoções
de praxe,

Me conduz direto à fenda


Gloriosa da minha don-
zela.”

294
No que Concerne
aos Felinos
e ao Amor Devoto

– Este cachorrinho é
seu, senhor?
– Era meu até há alguns
momentos; mas a senho-
rita assumiu de repente
um notável ar de pro-
priedade em relação a ele.
[Isabel e Ralph, no livro
O Retrato de uma Senhora,
de Henry James].

295
Do Amor e dos
Animais que o Cercam

T enho saudade dos ga-


tos. Quando cheguei lá,
ele já havia sido batizado,
fazia tempo, com o meu
último sobrenome de do-
no de armarinho portu-
guês. Deus está nas coin-
cidências, soprava o ímpio
sr. Rodrigues.
Os gatos, esses quadrú-
pedes metafísicos, estão

296
para o amor assim como
os cães, esses bobos ale-
gres, estão para a amiza-
de besta.
Os cães chafurdam na
cama de manhã, nos
sorriem latindo, como
na lírica do Rei; os gatos
se enroscam sabiamente
nas pernas da dona, que
mimetizam os gestos sa-
fados do bicho, e dali os
gatos assistem às pho-
das, enquanto escrevem,
a seis mãos, a linda por-

297
nografia das intimidades
mais longas.

298
De Como Reabrir
o Apetite
das Moças

É poca chata essa. As mu-


lheres não comem mais,
ou, no mínimo, dão um
trabalho desgraçado para
engolir, na nossa compa-
nhia, alguma folhinha
pálida de alface.
A gente não sabe mais o
que vem a ser o prazer
de observar a amada de-

299
gustando, quase de for-
ma desesperada, uma
massa, um cuscuz mar-
roquino/nordestino, um
cabrito, um ossobuco, um
bife à milanesa, um tor-
resmo decente.
Foi embora aquela fe-
licidade demonstrada
por Clark Gable no filme
Os Desajustados, quando
ele observa, morto de
feliz, Marilyn Monroe
devorando um prato. E
elogia a atitude da moça.

300
Toda preocupação femi-
nina está voltada para a
estatística das calorias,
as quatro operações da
magreza absoluta. É co-
mo se todas fossem po-
sar para a The Face do
dia para a noite. Mal sa-
bem que isso não tem,
para homem que é ho-
mem, quase nenhuma
importância.
François Truffaut, o ci-
neasta, padrinho sen-
timental deste cronista,

301
já alertava, em de-
poimentos registrados
em suas biografias, o
valor insuperável das
mulheres normais e o
seu belo mundo de pe-
quenas imperfeições.
Além do prazer de vê-
las comendo, pesquisas
recentes mostram que as
mulheres com taxas
baixíssimas de colesterol
costumam ser mais
nervosas, dão mais tra-
balho em casa ou na rua.

302
Nada mais oportuno
para convencê-las a vol-
tar a comer, reiniciá-las
nesse crime perfeito.

303
Do Plongé e
Do Contra-plongé
do Amor

304
N ada como aquela
olhadinha que ela dá
quando lá embaixo.
Ainda e pra sempre, da
série “detalhes tão pe-
quenos de nós dois”. A
vida se resume a ob-
servar, microscópio de
eros, reis Roberto e
Nelson, a mulher e o
seu drama.
Nada como aquela
olhadela, sobrancelhas
assanhadas, mirando lá
de nossos países baixos

305
cá para cima do nosso
cocuruto alumbrado.

Tão lindamente saca-


na, ah, que nega a mi-
nha nega, derreto-me
como manteiga no úl-
timo tango!

Ela quer saber se estou


gostando, claro que es-
tou mortinho ali no
pré-gozo. Tem um or-
gulho, “vê como faço
bem feito e com gosto”,

306
ali naquela olhadinha
plongé, contra-plongé,
depende de quem vê...

307
Do Furo do Velho
Darwin só Agora
Revelado

A gora é pra valer, deu


na Science e nas gazetas
mundo afora: não há

308
lógica darwiniana por
trás do orgasmo da fê-
mea. Aquela coisa de fo-
der com o imaginário
voltado pra reprodução
é furada. Não fazia
mesmo sentido. Para
elas, orgasmo é diver-
são, loucura, ego, apego,
amor, gritaria, gata no
telhado, chamego, dengo,
xenhenhém, cafuné de
quem acerta o clitóris
d´alma. Lindo que assim
seja. E revoguem-se as

309
disposições em contrário.
E dá-me vinho, amore,
que a vida é nada.

310
No que Concerne ao
Homem-
laxante

Na saúde, na doença,
na TPM... E muito mais
ainda na prisão de
ventre.
Prova de devoção maior
não há. Do que viver de
perto este drama, seguir
todos os passos da cos-
tela amada, na pista, na
vida, no WC. O carinho,

311
o cafuné, o chamego, o
homem-laxante com a
nega onde a nega estiver.
Existem mulheres de
todos os naipes, mas elas
se dividem basicamente
em duas classes: as que
cagam bem e as que têm
certas dificuldades.
Os machos também as-
sim se organizam, se-
gundo García Marquéz,
os que evacuam fácil e os
que se enfezam ao ex-
tremo. O escriba mes-

312
mo, em conversa sobre o
tema com o psicanalista
Helio Pellegrino, decla-
rou-se ruim de serviço,
um enfezado-nato.
O temor feminino dian-
te do trono exige aten-
ção redobrada do ma-
cho. Melhor, valiosa lei-
tora, não esconder essa
pequena agonia diária.
Ponha o tema na roda.
Melhor ainda, meu ra-
paz, é você antecipar-se,
assim que notar, pelos

313
sinais exteriores de en-
fezamento – aquele riso
sem graça e a sobracelha
com medo da vida –,
que a amada carece de
maiores dengos, cuida-
dos, delicadezas.
Ou sinais vindos das
prateleiras das farmá-
cias: Cáscara-sagrada,
Ducolax, Tamarine...
“Ameixas, ame-as ou
deixe-as”, como no hai-
cai de Leminski, tam-
bém são bons indícios

314
para despertar nossos
trabalhos de Hércules.
Vale todo esforço. Tive
uma morena, por exem-
plo, jambo-girl da mar-
gem esquerda do Capi-
baribe, que só conseguia
quando eu a acompa-
nhava ao banheiro, e fi-
cava ali, sentado, con-
tando-lhe pequenas his-
tórias, fábulas inventa-
das no embalo free-
style. Eu sentava em um
banquinho de criança,

315
de modo a ficar à sua
altura... Quando menos
via, lá estava o sorriso
destravado nos seus lin-
dos beiços grossos. Era
como um gol em final de
partida, uma celebra-
ção, uma festa ao som
pós-tudo da descarga...
Eu ainda pedia que ela
mirasse a merda, suas
sobras completas. Quem
olha as suas fezes, dizia
a minha mãe, cria-se
sem o menor pecado da

316
inveja. Lição mais sábia.
Outro bom conselho,
que deixamos aqui de
graça, é o da voz da ex-
periência de Tia Júlia e o
Escrevinhador, livro de
Vargas Llosa: “Para do-
res de amor, nada me-
lhor do que leite de
magnésia (...). Na
maior parte das vezes,
os chamados males de
amor, etcétera, são dis-
túrbios digestivos, fei-
jões duros que não di-

317
gerem, peixe estragado,
entupimento. Um bom
purgante fulmina a lou-
cura do amor.”

318
319
Das Tentações
das Mulheres
da Rua Augusta

ÉSCOLHA A SUA NOIVA E


TENHA UMA GRANDE NOITE
DE NUPCIAS. Faixa na fren-
te da Maison, na nossa
red light street, velha
Augusta. “Tudo virgem”,
tira onda o porteiro da
boate. “Quem vai pegar
o bouquê de flores?”,
diz uma das noivas.

320
Vira-latas, putas, men-
digos, bandidos, cheira-
colas viajando na lan-
house. Mil e uma noites
da velha Augusta. O
cheiro, no meu nariz de
Proust dos pobres, é de
eucalipto e churrasqui-
nho de gato. A carne fra-
ca. Gabirus no esgoto.
Cafetões à pampa.

Outras meninas se pe-


gam na calçada, a nova
modinha é atrair os ma-

321
chos com lesbianismo
explícito, fantasia óbvia
das antigas. O café Paris
anuncia, no mesmo nai-
pe: SHOW DE SEXO COM
LÉSBICAS. O casarão infor-
ma: PAGUE R$ 30 E BEBA
ATÉ CAIR. A Tajmahal, ar-
marinho que vende e alu-
ga fantasias, exibe na vi-
trine as suas shere-zades.

O caribe faz aniversário


e sorteia mulheres para
os clientes decentes. No

322
carro do playboy Racio-
nais MC´s: “Estilo ca-
chorro”. Aquela que diz
assim: “Conheço um ca-
ra que é da noite, da ma-
drugada/que curte varias
fitas, varias baladas/ele
gosta de viver, e via-
jar/sem medo de morrer,
sem medo de arriscar...”

Putinhas de boné tiran-


do onda de patrícias, e
quantas luanas de per-
nas compridas!...

323
Os salões de beleza 24
horas fazendo chapinhas,
aplicando luzes, unhas
vermelhas, unhas pos-
tiças, e a academia de
ginástica levantando bun-
das, que serão usadas
naquela mesma madruga.

324
Do Anagrama
de Lama
e de Outras
Almas

A romana escreveu. de
Paris, fina a ruiva. não
como a de Moravia, mo-
rena, mas na alma – esse
lindo anagrama de lama
– são duas putinhas
quase siamesas.

325
[quer conhecê-la, leia
mais bem abaixo, do dia
em que suas botas à
valentina pisaram ma-
chucando com jeitinho e
deixaram marcas roxas
nas minhas costelas...]

a romana roda o mundo


e tem um homem em
cada porto. Gulliver do
amor & do sexo mais
ninfo. O que os olhos
não vêem o coração não
sente, mando-lhe o pá-

326
ra-choque mais óbvio,
melhor dos álibis antes
do meu próximo abismo.

327
De um Sábio
simples das
Antigas

V
“ ai, portanto, não hesi-
tes. Procura conquistar
todas as mulheres. Em
mil, haverá talvez uma
para te resistir. E quer
cedam, quer resistam,
todas gostam de ser
cortejadas. Mesmo se
fores derrotado, a der-
rota será sem perigo.

328
Mas por que serias
repelido, já que toda vo-
lúpia nova parece mais
gostosa e somos mais
seduzidos por aquilo
que não nos pertence? A
colheita é sempre mais
abundante no campo
alheio, e o rebanho do
vizinho tem as tetas
mais grossas. (Ovídio, A
arte de amar).

329
No que Concerne
a uma Valentina que
Pisou Machucando
com Jeitinho

A gente é tão doido, e


doído com acento agudo
e tudo por uma pessoa,
que a gente não sabe que
pode chegar outra/o um
dia. E sempre chega.
Donde encosta a roma-
na. A ruiva. Tão de ou-
trora, Deus mio, aquela

330
que eu havia conhecido
dum simpósio da Unes-
co, cinco, seis anos atrás.
Quase a Adriana do ro-
mance de Moravia, de
tão puta, pois.

Eis que a moiçola, agora


na flor dos 30, ou quase,
volta a São Paulo, para
uma felicidade tão rara.
Como pode fazer um
homem velho tão feliz,
mesmo tão rápido. Doido
era aquele avião partindo

331
e ela chorando por nós
dois, italiana, caralho,
não suporto despedidas...
aquelas botas, tão Crepax,
tão Valentina, tão pendor
milanesa, e as nossas pho-
das em espanhol caricato,
tão gozadas e lindas, ono-
matopéias e babéis imper-
feitas...

Thanks por fazer esque-


cer romances d´outrora,
linda romana, jogo-lhe
todas as moedas em tuas

332
fontanas, como pode que-
rer tanto um feio se és a
mais bela?, a mais bela de
todas???

Donde ela diz, graciosa,


que voltou ao priapismo da
velha Roma, que o mundo
moderno a desacostumou
dessas coisas...

Mas os aviões, o aeropor-


to, transformam qual-
quer ensaio de amor no
amor mais phoda, o

333
amor a jato a atingir as
nuvens, o boeing, algo-
dão de céus, o calor das
despedidas que viram
chuvas...

334
Do que Restou na
Memória sobre a
Minha Adorável
Sexagenária

335
Nada pior do que tentar
se masturbar e não ter
novo enredo possível. A
morena, aquela bran-
quinha do elevador, a
jambo-girl, a saia xa-
drez de Denise Arco-
verde [parecia a da moça
do filme Blow Up], a
sabedoria de Ana Helena
tantas vezes alvejada.
Dalva, a cozinheira da
outra pensão da Bispo
Cardoso Ayres, donde to-
das anteriores geografia

336
da fome recifense. Os
peitos de Moema na pe-
ça-cabeça de Alberto, a
delicadeza de Laila, a
voz de aeroporto de Si-
mone, a musa de Casa
Caiada. Pau duro, pau
duro sempre, ainda o
Recife, hoje e sempre,
umbigo do mundo.
Desço para as proximi-
dades dos jardins, onde
dormem os tantos gatos
da pensão de dona Lam-
pa, Lampinha, Recife,

337
etoile, Recife. E bato le-
vemente na porta da mi-
nha adorável sexagená-
ria, eterno retorno. Que
me recebe como careço.
Nada pergunta, tão-
somente me acolhe no
seu colo quentinho. Sabe
que desabo. Nem desce a
mão até meu pau, como
sempre fazia. Adormeço
com seus cafunés.

338
339
De um Fragmento do
Cangaço Amoroso

“Se eu soubesse que


chorando/empato a tua
viagem/meus olhos eram
dois rios/que não te
davam passagem.” [Vol-
ta-Seca, cangaceiro do
bando de Lampião]

340
Do Ensaio
de Amor em Aberto
ou da Borboleta
que Vira Haicai
de Tardezinha

amor na rede
gozo suspenso
entre paredes

341
No que Concerne ao
Vômito
da Amada

Nada de requintes mé-


dicos ou cuidados de
primeiros socorros. O
dengo e o carinho são
sempre o melhor remé-
dio. Agache-se com ela,
no chão, na sarjeta ou no
vaso sanitário... esteja o
mais perto possível da
sua face, amparando-a

342
para que sua cabeça não
se choque contra qual-
quer superfície. Limpe-
a de forma generosa, in-
clusive com os lábios,
devote-se todo, nessas
horas é que se define se
você é apenas uma pobre
criaturinha asséptica ou
um homem.

343
No que diz
Respeito ao
Mundo Bíblico
e à Pedofilia

O padre botava o pe-


queno coroinha no colo
e lia e lia e lia a Bíblia re-
ligiosamente, meu Deus.
O menino foi crescendo,
crescendo, crescendo,
até que um dia a ordem
dos colos inverteu-se.

344
Do Cigarro Pós-
Coito e de Outras
Fumaças

Mesmo os não-fuman-
tes ou os que largaram o
vício parecem acender
voluptuosos cigarros de-
pois das phodas. A moça
sobre o peito, nós escre-
vemos na fumaça ima-
ginária os mais derrama-
dos versos de um devoto.

345
Da Leseira
Saudável
de um
Encontro
Vespertino

Um coito lento e lindo e


sem pressa, sem a ar-
rogância dos épicos, um
coito leso e entorpecido,
de ladinho, a pornografia
máxima das intimidades.
Recomenda-se nas ses-
tas, momento da calma-

346
ria amorosa e dos sonhos
leves e reconfortantes.


No que Concerne à
Renúncia do Coito
em Nome da
Masturbação a Dois

U ns beijos lentos na
boca, carícias nas costas,
dengos, cafunés e afa-
gos... Os pés roçando lá

347
embaixo conversam, o
resto é silêncio e uma
vida que dispensa le-
gendas. Cabe ao man-
cebo iniciar o relato de
histórias reais ou ali in-
ventadas ao livre estilo.
Ela acompanha e tam-
bém narra experiências
incríveis. Os dois se
masturbam calmamen-
te. “Me beija”, pedem
quase em uníssono na
hora do gozo. Dormem
o sono dos justos.

348
349
Do Termo
Balzaquiana
e o Uso Adequado
nos Novos Tempos

O nde lia-se uma mulher


de 30 anos, como na época
do velho e bom Honoré de
Balzac, leia-se uma mu-
lher de 45 em diante.
Além do avanço da cos-
mética e da beleza para o
rosto da mulher, o es-
pírito, mais livre, é outro.

350
De Como
Ajoelhar sobre
a Boca do Amado
ou da Amada

Em vez de deitar-se
aberta à espera da boca
redentora, aconselha mi-
nha musa Diphusa, re-
comenda-se que a fêmea
ajoelhe-se na boca do
mancebo ou da gazela,
posicionando bem a bu-
ceta, que será inteira-

351
mente chupada sem
pudor. O amigo – ou a
amiga – que sorve a
vulva não cansa jamais,
pois não carece mover a
cabeça, uma vez que a
ação se concentra na
boca! A fêmea, melhor
ainda, não precisa se
preocupar, a posição
referida permite que ela
controle todos os movi-
mentos e goze quantas
vezes quiser!

352
Da Morena Jambo-
Girl que tinha
Cheiro de Maré

O sal do sexo em cada


poro, um mar formado
pela confluência dos rios
Beberibe e Capibaribe, co-
mo na megalomania do
Pernambuco das antigas.
Ela voltava do remo com
cheiro de todos os homens
e me phodia como se eu
todos os homens fosse.

353
354
Do
Conhecimento
das Imagens do
Escriba Lobo
Antunes

V acas lambendo sal ou


o côncavo das rochas, li
num romance de Lobo
Antunes, que coisa linda.
Donde completei: os paus
dos homens como pedras
nas manhãs de pequenas
lágrimas.

355
De como Ler
no Corpo das
Mulheres as Marcas
Deixadas Pelos
Lençóis

A s marcas dos lençóis e


do colchão na pele das
mulheres, depois das be-
las noites, podem ser
lidas como na leitura
árabe da borra de café.
Podem ser lidas como as
linhas da vida, uma

356
estrada longa aqui, um
abismo acolá, perigo,
curvas sinuosas, as mar-
quinhas... sejam de lu-
xuosos três mil fios se-
jam de lãs de cobertores
Paraíba.

357
Da Convicção
de um Corpo que
Cai por Amor
Orai Por Nobis

Ela saltou em cima de-


le como Kim Novak na
Golden Gate.

358
De uma
Delicadeza que
Aprendemos com
o Chuveirinho
do Banheiro

S e pudermos, num
determinado momento
da devoção oral, usar a
língua como jatinhos
de água que morrem
mansamente sobre o
clitóris...

359
Das Cores da
Paisagem que mais
Amamos Ver com
os Olhos Colados
e Bem Abertos

A s vulvas, rezam os mais


antigos códigos eróticos,
vêm ao mundo em três
cores distintas: as rosas,
as marrons e as roxas.
Nós, apreciadores destas
plagas, não podemos nos
restringir a essa pobre-

360
za. Depois de tanta mes-
tiçagem, a cromoterapia
já mudou tanto, a paisa-
gem que mais amamos
já é outra.

361
Da Beleza sem Igual
das Saboneteiras

D as lições de anatomia,
essa é uma das mais be-
las. Aqueles ossinhos
prontos a receber, como
recitaria Manuel Ban-
deira, sabonetes Araxás.
As lindas moças dos sa-
bonetes Araxás. Ali
guardamos também nos-
sos desejos ensaboados,
aqueles desejos que

362
ainda carecem da mí-
nima convicção, mas logo
logo nos põem caídos aos
vossos pés, devidamente
abaixados.

363
Do Soneto do
Velho Escandaloso
(Bocage)

T u, oh demente
velho descarado,
Escândalo do sexo
masculino,
Que por alta justiça
do Destino
Tens o impotente
membro decepado:

Tu, que, em torpe


furor incendiado

364
Sofres d’ímpia paixão
ardor maligno,
E a consorte gentil, de
que és indigno,
Entregas a infrutífero
castrado:

Tu, que tendo bebido o


méstruo imundo,
Esse amor indiscreto te
não gasta
D’ímpia mulher o
orgulho furibundo;

Em castigo do vício,
que te arrasta,
365
Saiba a ínclita Lísia, e
todo o mundo
Que és vil por gênio,
que és cabrão, e basta.

366
Da Nova Cartilha
de Alfabetização
ou Química a
Serviço da Vida

Vovô viu o Viagra.

367
Da Arte de
Espremer Cravos
e Espinhas

A qui nos pegamos, nu-


ma sessão de nostalgia
com testosterona, para
lembrar os tempos em
que as mulheres espre-
miam nossas espinhas e
tiravam todos os cravos
do nariz e arredores –
inclusive aqueles na
ponta da napa, motivo

368
suficiente para gritaria e
espirros tantos da nossa
parte.
Reclamávamos nesse mo-
mento, éramos chamados
de frouxos. Inevitáveis
comparações com a dor
do parto e outras dores
femininas ecoavam no ar
nessa hora solene. E
quando elas escolhiam
justo a hora do futebol, o
ataque do time do
coração...
Hoje, quando estão pra-

369
ticamente extintas as
mulheres da brigada con-
tra cravos e espinhas (co-
nheço apenas um exem-
plar, uma descendente
de Iracema que habita a
margem esquerda do
Capibaribe, no Recife),
sentimos a perda, uma
vez que nunca domina-
mos muito bem essa arte.
Nem mesmo na ado-
lescência, quando nos
transformamos em ver-
dadeiros e monstruosos

370
Mr. Hydes – culpa, óbvio,
do glorioso vício solitário,
que além das espinhas
ainda nos pregava pêlos
na palma da mão.
Como não acreditamos
nos milagrosos cremi-
nhos usados pelos me-
trossexuais – esse novo
tipo de homem moder-
no gerado da costela de
David Beckham – prefe-
rimos incentivar o res-
gate da prática feminina
de tirar cravos e espi-

371
nhas, essa bela e útil ma-
nia praticamente extinta
nos dias que correm.
Vez por outra ainda da-
mos a sorte de avistar,
em alguma parada de
ônibus, uma volunta-
riosa senhora ou senho-
rita a espremer o rosto
de um camarada. Sem-
pre uma bela cena pro-
duzida pelos suburbanos
corações.
Não tem a menor graça,
nesse mundo tão im-

372
becilmente profissiona-
lizado, a limpeza de pele
dos salões de beleza. Seu
rosto ali entregue a
amistosas funcionárias
sem nenhuma intimida-
de, mulheres que nunca
ouviram os nossos ron-
cos de noite na cama. É o
tipo de serviço que exige
histórico de intimida-
des. Tal arte carece de
pelo menos um mês de
namoro ou acasalamento.
Não é tarefa para qual-

373
quer uma. É tão delicado
quanto tirar a roupa pe-
la primeira vez na frente
de outrem – e, pensando
bem, uma reveladora
prova de devoção.
A menos que seja uma
perversa incatalogável,
uma gazela não esca-
rafuncha suas crateras à
toa. Quando ela posi-
ciona aqueles dois in-
dicadores sobre a sua bí-
blica face, parece aceitar
a convivência harmo-

374
niosa até com as nossas
mais indignas impure-
zas. É provação. Coisa
boa demais para a
leseira das belas tardes
de domingo.

375
De um Haicai
Surgido de Queixa
Ouvida na Porta
do Banheiro
Feminino*

Ah, cadê os homens?


Tanto gasto em
cremes...
E ninguém me
Lancome.

*Psicografado, de corpo presente,


das conversas de Luciana Araújo.

376
No que Explicamos a
Origem de
“Como uma Deusa”

S éculos e séculos antes


do cancioneiro brega,
uma expressão em latim
já dizia tudo: “Vera in-
cessu patuit dea”, ou se-
ja, a gazela andava como
uma deusa.

377
Da Pequena
Morte provocada
por uma Lady
Scarpin

A pequena má só usa
scarpin. E diz: “Só faço
o que eu quero”. Pisa
com o seu elegante
scarpin na costela de
onde veio. Afasta de
lado um pouquinho a
calcinha e mija nos
óculos esverdeados e

378
gigantes do sr. que admira
seus pés. “Só faço o que
eu quero.” Ela se vê,
sádica e orgulhosa, no
espelho do quarto do
motel de beira de es-
trada, meio do cami-
nho entre eles dois. Por
uma brecha da janela
quebra um coraçãozi-
nho vagabundo de
néon, dá mais um gole
na boca da garrafa de
conhaque e desce lin-
damente com a buceta

379
sobre a face do velho
safado, de modo a por
instantes matá-lo.

380
No que Concerne
a um Gracioso
Diálogo com uma
Aprendiz de Devassa

V
– ocê cospe ou engole?
– Eu só não engulo de-
saforo, o resto é manjar
dos deuses!

381
382
Da verdadeira Troca
de Guarda
no Trono de São
Pedro

R eza a lenda: que in-


certo coroinha sacaneou
o papa e lhe trocou no
bolso o catecismo; que
Bento 16, nazisanto mas
safo, não pipocou a
leitura e caiu dentro das
falácias do sátiro do
Ceará, Sá, dito Xico –

383
homem que tem nome de
regra, desregrado será,
pensou; que, agraciado
por visita dos pastores
de Fátima, recordou a
era prisca em que torava
germanas cabritas; que,
envolvido na prosódia
do jornalista que entra
nas letras de vestais feito
cão a peidar em ca-
tedrais, botou pilha na
pilhagem de pilhérias;
que, em busca da buça
perdida pelas saias do

384
Vaticano, benzeu este
livrim e resolveu descer
às ruas pra sacar o berço
da estética da sample-
agem; que deu de andar
com ele lapelado pelas
esquinas de Roma, à
paisana, catando pu-
tanas – e viu que era
bom; que, Cialis nas
idéias, passa por velho
mafioso com vago sota-
que tedesco; que, trôpego
e atraiçoado, vive escu-
lhambando o vício soli-

385
tário e embutindo nos
sermões serões de Khay-
yam, Gainsbourg, Miller,
Sade & Gregório; que,
sodomizado e aluado
por esse moderno Cân-
tico dos Cânticos, o velho
Ratzinger, Mr. Hyde de
Bentinho, enfia o pé na
jaca e descasca o inhame
toda noite entornando
os espíritos da Giulietta
– pois que se ore é com a
vara, comunhão na
petite mort: a buceta é a

386
única Pedra da Roseta, a
verdadeira sintaxe de
um santo homem–; que,
entre excomungar o
bardo do Crato e cair
nas graças das romanas
grutas, fez de Sá seu
regra-três, encomendou
uma falsa morte, gan-
daiou no domingo, traiu
o terço três vezes após o
galo e descansou; que,
conclave posto, fumaça
verde subiu e quem pro-
vou viu que era dubom;

387
que a Santa Madre
Igreja tornasse Fran-
ciscus Reginaldus Pri-
meiro, egresso de Reci-
fílis, Pernambuco, o pa-
pa pop da putaria, e,
mundo às avessas, aos
meia-noves, Roma em
Amor, Ide, fodei, irmãs &
irmãos, assim coman-
dasse a rima o novo her-
deiro de Pedro; que, en-
tre contos de vigários e
poemas de pecadores,
nós leitores só possamos

388
aprender com esse cate-
cismo, a cada salmo ris-
car o pêlo-sinal e louvar
a pornografia que nos
salva e nos aproxima do
Não-Dito: amém.

[Ronaldo Bressane, es-


criba & bispo-auxiliar de
porno-devoções, SP, ano
da graça de 2005]

389
“Se Deus está morto,
tudo é permitido.”
Fiodor Dostoievski
© 2005 by Xico Sá
© 2005 by
Editora Clara Ltda

ISBN 85-99307-02-9

2005
Dados Internacionais de Catalogação
na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sá, Xico
Catecismo de devoções,
intimidades e pornografias /
Xico Sá -- São Paulo : Editora do
Bispo, 2005.

ISBN 85-99307-02-9

1.Crônicas brasileiras
2. Erotismo 3. Hedonismo
4. Pornografia 5. Prazer
6. Sexo.
I. Título.

05-8251 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático:


1. Crônicas ; Literatura brasileira 869.93
Coordenação editorial
Marco Pace

Capa e projeto gráfico


Pinky Wainer

Revisão de texto
Elisabete Abreu

Diagramação
2º Edição
GFK Comunicação
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utilizada ou reproduzida em qual-
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ou eletrônico, fotocópia, gravação
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contato@editoradobispo.com.br
www.editoradobispo.com.br

2006
7ª reimpressão
9.603 exemplares vendidos
7ª reimpressão
9.603 exemplares vendidos

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