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Capítulo 13

TEORIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA:


POLÍTICA E ECONOMIA
SEGUNDO OS ARGUMENTOS
ELITISTAS, PLURALISTAS E MARXISTAS

Carlos Pio
Mauro Porto

O PROBLEMA1

Neste artigo, pretendemos enfocar algumas questões que estão


intrinsecamente associadas ao campo de estudo definido pelo rótulo
de teoria política contemporânea — TPC. Delimitaremos com clareza o
período coberto pela TPC, assim como apresentaremos, sucinta-
mente, as principais divergências que envolvem suas três correntes
fundamentais: o elitismo, o marxismo e o pluralismo. Escolhemos,
como questão central, a análise da relação entre os sistemas político e
econômico, mais especificamente, de como os diferentes autores
interpretam as afinidades e as incompatibilidades entre a
democracia-representativa e a economia de mercado.
Optamos por esse enfoque porque, em contraposição aos teóri-
cos modernos, a relação entre democracia e sociedade — particu-
larmente suas relações econômicas — constituiu um dos aspectos
centrais dos debates dos autores contemporâneos. A defesa das li-
berdades no manejo dos negócios privados ocorreu concomitante
com a própria formação do Estado moderno. Não é, pois, produti-
vo dissociar os processos de liberalização política e econômica, vis-

1 Devido aos propósitos meramente expositivos, não ocuparemos o leitor com


referências bibliográficas e citações, como se requer de um bom trabalho
acadêmico. No entanto, não será preciso muito requinte para que se perceba
que tratamos, aqui, simplesmente de reproduzir de maneira organizada as
idéias de diversos autores bastante conhecidos no campo da ciência política e
da sociologia.
Carlos Pio & Mauro Porto Elitistas, pluralistas e marxistas

to que ambos derivam do princípio de "no taxation without tanto, fundamentais para definir os interesses a serem considerados
representation", que se encontra na origem da idéia de que o Estado e que disporão de capacidade de influência no processo decisório.
deve responder às demandas da sociedade e a ela prestar contas. A despeito da centralidade das decisões públicas, alguns aspec-
Tais vínculos entre o desenvolvimento do mercado e a formação do tos da relação entre Estado e sociedade constrangem a natureza de
Estado moderno e da democracia representativa constituíram um
sua dominação. Em primeiro lugar, e como já foi dito, os ocupantes
dos temas fundamentais do debate contemporâneo, como veremos
a seguir. dos postos de comando do Estado moderno, assim como os inte-
grantes de sua estrutura administrativa, estão submetidos ao con-
Portanto, o que estará em discussão são os próprios fundamen- junto de regulações que o próprio Estado estabelece. Isso protege
tos do Estado moderno, cuja principal característica é a natureza, os cidadãos — indivíduos e grupos — do uso indevido dos recur-
dita "racional-legal", da dominação que impõe aos habitantes de um sos de poder e dos meios materiais controlados pelos decisores.
determinado território. Por dominação racional-legal entenda-se que Em segundo lugar, como o Estado depende de contribuições
aqueles que obedecem às decisões públicas — do Estado — o fa- materiais dos cidadãos para financiar os seus gastos — os meios
zem por considerar que, estando tais decisões submetidas às nor- materiais de gestão —, obriga-se a estabelecer mecanismos de estí-
mas aceitas por todos, realizam seus interesses essenciais enquanto
mulo à acumulação privada de riquezas, para, posteriormente, po-
membros da sociedade.
der taxá-las.3 Mesmo alguns autores de orientação marxista reco-
Sumariamente, o Estado moderno pode ser assim caracterizado: nhecem nos mecanismos de mercado a forma mais eficiente para
monopoliza o uso legítimo da força em um dado território; a partir promover tais estímulos, ainda que ressaltem a necessidade de regu-
desse recurso fundamental de poder, toma decisões que requerem lamentações públicas para contrabalançar as desigualdades geradas
obediência por parte de todos os habitantes do território; é consti- pelo mercado.
tuído por postos de comando e por uma estrutura administrativa, Contudo, se a limitação dos poderes do Estado parece ser essen-
que são ocupados por membros da própria sociedade; dispõe de cial para sua própria existência — de outro modo, correríamos o ris-
meios materiais que asseguram a gestão dos assuntos públicos; esta- co de perda de legitimidade das decisões —, surge um grave paradoxo
belece um conjunto de regulações da vida social, ao qual os próprios para a definição das interações entre os processos políticos e econô-
ocupantes dos postos de comando e da estrutura administrativa estão micos que ocorreu no âmbito do Estado capitalista democrático
submetidos; estabelece os instrumentos de acesso dos membros da contemporâneo. Enquanto a necessidade de obediência às regras
sociedade aos postos de comando e à estrutura administrativa, assim deixa evidente a importância da democratização dos processos de
como dos interesses de indivíduos e grupos sociais ao processo de gestão dos assuntos públicos — o estabelecimento de mecanismos
decisão pública.2 representativos —, a necessidade de promover estímulos à apropri-
Portanto, o Estado toma decisões para o conjunto da sociedade ação privada da riqueza social virá a constituir um entrave ao ideal
e dispõe dos meios para torná-las imperativas a todos. Por essa ra-
zão, o Estado, ou melhor, sua estrutura de comando, é foco de in-
tensa disputa entre os diversos interesses que possam ser afetados 3 Aparentemente, esse não parece ser um constrangimento aos Estados socia-
pelas decisões públicas. As regras de acesso a tais postos são, por- listas, posto que as próprias regulações impedem taxas de acumulação privada
muito elevadas. No entanto, em um mundo em que a propriedade privada dos
meios de produção encontra-se extinta, o Estado mantém-se obrigado a pro-
2 O conceito de Estado moderno e de dominação política é, obviamente, derivado mover estímulos ao trabalho por parte dos cidadãos, agora impedidos de acu-
de Max Weber.
mular individualmente.

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de igualdade política, posto que alguns indivíduos e grupos acumu-


mo utilizado por Pareto — deve-se ao fato de que, na elite, alguns
larão mais recursos que outros, tornando desiguais suas capacida-
des para influenciar nas decisões públicas. rótulos ou são hereditários ou podem ser derivados da riqueza, da
família e dos contatos sociais mantidos por um determinado indiví-
Dessa forma, o dilema presente à forma de atuação dos estados
duo.
capitalistas e democráticos, ou seja que visam realizar as liberdades
econômicas e políticas, aponta para as incompatibilidades presentes O segundo problema que determina as condições de estabilida-
entre os dos sistemas: enquanto o mercado econômico realiza a de- de da dominação da elite governante é derivado da eficiência do
sigualdade material, a democracia assenta-se na idéia de que os indi- processo de "circulação de classes". Dadas as tendências naturais à
víduos dispõem de igual capacidade para fazer valerem os seus inte- redução das qualidades dos membros da elite governante, Pareto
resses. chama a atenção para o processo por meio do qual membros da
elite governante são substituídos por indivíduos ou classes recém
ELITISMO saídos(as) da elite não-governante e da não-elite e que lhe renovam
as qualidades necessárias ao contínuo exercício da dominação. De
Para Pareto, toda sociedade humana estará sempre dividida em outro modo, tais indivíduos com qualidades superiores e resíduos
uma elite e uma "não-elite". A elite é composta por todos os indiví- adequados ao exercício do poder se acumulariam nas classes inferi-
duos que apresentarem o maior grau de capacidade, qualquer que ores — elite não-governante ou não-elite — e poderiam liderar mo-
seja o seu ramo de atividade. Os mais capacitados advogados, em- vimentos revolucionários contra a elite governante.
presários, médicos, ladrões etc. serão, pois, membros natos da elite.
Para Mosca, a composição da elite política deriva do fato de que
Os demais compõem a não-elite. Por sua vez, a elite é dividida em
seus membros são aqueles que "possuem um atributo altamente
"elite governante" — composta por todos aqueles que influenciam
valorizado e de muita influência na sociedade em que vivem" —
as decisões do governo, direta ou indiretamente — e "elite não-
governante". isto é, possuem "qualidades que conferem certa superioridade ma-
terial, intelectual e mesmo moral; ou são herdeiros de indivíduos
Do ponto de vista da manutenção do equilíbrio social — ou seja, que possuíam tais qualidades". A elite é, pois, uma minoria com
da estabilidade da dominação política vigente — , Pareto afirma que interesses homogêneos e, devido a essa homogeneidade, de fácil
o essencial é que os membros da elite governante sejam aqueles que,
organização. É justamente essa organização que explica sua capaci-
além de serem membros natos da elite — qualidades superiores — ,
dade de domínio sobre a massa.
possuam características de personalidade adequadas para exercer o
poder — resíduos. Em cada sociedade e em cada estágio da civilização, a posse de
determinado atributo é fundamental para determinar aqueles que
Existem, no entanto, dois problemas básicos relativo ao equilí- exercerão o poder, ou melhor, que terão capacidade de influência
brio social. O primeiro problema é que a elite governante também é política. A força física, que determina a preponderância dos que
composta por todos os indivíduos que são, formal ou informal- controlam o poderio militar; a renda auferida pela exploração da
mente, agregados aos membros natos — a despeito de disporem ou terra, que estabelece o domínio dos proprietários da riqueza; a cren-
não das qualidades necessárias ao exercício efetivo do poder políti- ça religiosa, que implica na centralidade da aristocracia clerical; o
co. Com o passar do tempo, os elementos agregados à elite gover- conhecimento especializado e a cultura científica, que fundamen-
nante passam a representar uma ameaça à estabilidade da ordem, à
tam o domínio dos sábios. Essas determinações são exemplos de
medida em que assumem os postos de comando sem disporem das
atributos altamente valorizados e capazes de tornar muito influen-
qualidades requeridas para exercê-los. Esse tipo de "desvio" — ter-
tes politicamente aqueles que os detêm. Os guerreiros, os sábios, os
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proprietários de riquezas materiais, os sacerdotes, entre outros, re- por distanciar o partido das massas, o que, em si, representa a falên-
presentam justamente o grupo que se apropria do atributo de poder cia da idéia de democracia interna. A conclusão de Michels é que, se
essencial em cada sociedade, em um dado estágio civilizatório. nem os partidos políticos que advogam a plena democratização da
Como todas as sociedades encontram-se em eterno processo de sociedade conseguem organizar-se internamente de maneira demo-
transformação, tais atributos também mudam com o tempo e for- crática, seu objetivo de transformação radical da sociedade é irreali-
çam as elite políticas a uma constante adaptação. Essa mutação da
zável. A democracia é, pois, uma utopia irrealizável.
elite pode se dar de maneira abrupta — por meio de sua substitui-
O resumo acima foi propositadamente superficial. Nosso obje-
ção completa — ou gradual, via incorporação de elementos repre-
sentativos de novos valores. tivo, nesta exposição apressada do argumento elitista, é apenas abrir
espaço para a afirmação que se segue. Os autores elitistas procura-
Assim como exposto acima, e a despeito de suas diferenças, tan- ram demonstrar que a democracia é inviável, baseados na idéia de
to Pareto como Mosca prevêem a vigência de processos de renova- que qualquer sociedade será governada por poucos. A comprova-
ção da elite dirigente. A estabilidade da ordem depende, portanto, ção desse fato, lógica e empiricamente, torna irrealizável a crença no
da efetividade dos mecanismos de cooptação para promover a cons-
"autogoverno das massas".
tante renovação da elite, de maneira a renovar sua capacidade de
Para os elitistas, portanto, assim como para todo o pensamento
domínio. Para ambos, na eventualidade de substituição da elite go-
derivado da construção rousseauniana — até mesmo o marxista —,
vernante, ou elite política, não é a massa que ascende, mas o grupo
democracia é sinônimo de "governo de todos". Não se aceita a idéia
que foi capaz de mobilizá-la, uma nova elite.
de "representação da vontade", ao mesmo tempo em que se acredita
No início deste século, o sociólogo Robert Michels realizou o que não há uma vontade a ser realizada, pois há conflito de inte-
primeiro estudo sistemático que se propõe a comprovar a "Lei de resses nas sociedades.
Ferro da Oligarquia". Mediante o estudo dos processos políticos Por outro lado, está presente em Mosca a noção de que, sendo a
internos ao Partido Social Democrata alemão, Michels procura ex- sociedade capitalista caracterizada pela proteção legal da riqueza acu-
plicar tanto a dependência política das massas em relação às lideranças mulada por intermédio das interações econômicas, o recurso de po-
do partido, como as razões que fazem com que alguns indivíduos der essencial dessas sociedades é derivado da posição econômica
ascendam às posições de comando na estrutura partidária. Em dos indivíduos. Quanto mais ricos, mais influentes politicamente.
linguagem mais contemporânea, é possível dizer que os líderes re- Segundo Tom Bottmore, Mosca aproxima-se assim incomodamen-
solvem os problemas de ação coletiva do partido, ou seja, pagam a te do argumento marxista que, como veremos adiante, salienta a
maior parte dos custos para a obtenção dos bens coletivos que o transposição da desigualdade econômica que resulta das interações
partido prove e, por essa razão, são valorizados e mesmo considerados de mercado para a arena política. [SIC: Bottomore]
como imprescindíveis pelas massas. Os líderes sacrificam seu tempo
O mesmo tipo de associação entre desigualdade econômica e
e seus recursos pessoais para "fazerem o partido funcionar". No
desigualdade política está presente em C. Wright Mills. Após minu-
entanto, os líderes quase sempre distanciam-se das massas em razão
ciosa análise da sociedade norte-americana, Mills chega à conclusão
de suas capacidades mais aguçadas e dos conhecimentos privilegiados
que a elite do poder é composta pelos ocupantes dos principais car-
de que dispõem. O fato de pagarem os custos de ação coletiva que
gos nas hierarquias militar, administrativa do Estado e empresarial.
fazem o partido existir sem o forte engajamento das massas também
Para esse autor, nas sociedades capitalistas democráticas, essas se-
dá-lhes maior capacidade de influência nas decisões do partido. Ao
riam as principais estruturas de poder, cujas decisões afetam as vi-
final, essa maior influência dos líderes acaba
das da maioria da população. Ademais, os ocupantes dos postos de

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comando nessas três hierarquias fariam parte de uma mesma classe QUADRO 1
social, compartilhando valores e lealdades que tornam integrada a
administração da sociedade. Portanto, essas hierarquias estariam in- Filiação de indivíduos (†) de uma mesma sociedade (S), a
terligadas tanto em razão da natureza interdependente das decisões diferentes grupos (A), (B), (C)
tomadas em cada uma delas, que obrigaria consultas mútuas e favo-
receria a obtenção de compromissos, como pelas conexões pessoais
que se constituíam entre os ocupantes das posições de comando.
Em suma, o argumento elitista aplicado às sociedades democrá-
ticas em economias de mercado aponta para uma concentração do
poder político no topo das estruturas política, social e econômica.
O ideal democrático — Rousseauniano — de autogoverno das mas-
sas é, pois, descartado como utópico. Isso não significa dizer que,
de maneira geral, o modelo elitista supõe dominações políticas está-
veis. Ao contrário, a elite no poder será tanto menos estável quanto
menos disposta a — e/ou capaz de — adaptar-se às transforma-
ções em curso na sociedade. Portanto, é um modelo dinâmico e que
prevê a possibilidade de profundos reordenamentos no aparato de-
cisório estatal.

PLURALISMO

Vejamos agora o argumento pluralista e algumas críticas que lhe QUADRO 2


são contrapostas. Robert Dahl, o principal expoente do argumento
pluralista — anti-elitista —, aponta para algumas dimensões da es- Distribuição de indivíduos (†), membros de uma mesma
trutura de poder da sociedade norte-americana para questionar a sociedade (S), de acordo com as questões que são objeto de
noção, presente no elitismo, de que todo o poder está concentrado decisão pública (A), (B), (C), (D)
nas mãos de poucos atores políticos, dado por seu lugar na estrutura
sócio-econômica. Há dois pontos-chaves na crítica Dahlsiana. D
Em primeiro lugar, há um problema metodológico com o argu-
mento elitista: para que se possa aceitar como verdadeira a existên-
cia de uma "elite dirigente" em um dado país, é necessário que se
demonstre como esse grupo efetivamente exerce a sua dominação
política. É, no entanto, indispensável que esse seja um grupo coeso
e identificável, que atue em uníssono e que seja vitorioso em todas as
questões nas quais se envolver. Ainda sobre esse grupo, Dahl aponta
para a necessidade de que sua composição derive de interesses
reais compartilhados, ou seja, que não seja mero resultado do fun-
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cionamento das regras democráticas. Quanto às decisões tomadas, as questões colocadas na agenda pública, os indivíduos agrupam-se
elas precisam ser objeto de conflito com os demais grupos da socie- em diferentes coalizões, contra e a favor. É possível adicionar a esse
dade, para que se comprove o real exercício de poder por parte da segundo modelo, um corte eminentemente de grupos, por intermé-
elite. dio do qual se poderiam prever alianças entre diferentes grupos, de
Em segundo lugar, o pluralismo inova, em relação ao elitismo, acordo com a questão. Assim sendo, teoricamente, poder-se-ia ima-
ao apresentar a idéia de que os grupos sociais são levados a buscar ginar que os grupos
influenciar os decisores na medida em que os interesses fundamen- 1. se mantivessem coesos em todas as questões, caso do "grupo M"
tais de seus membros estiverem sendo potencialmente ameaçados — o que poderia indicar, de certo modo, a existência de uma cliva-
por decisões públicas. Os grupos agiriam, assim, em nome dos inte- gem profunda na sociedade, distanciando esse tipo de grupo do
resses compartilhados por seus membros. Mas, como os grupos suposto no modelo pluralista;
são compostos por indivíduos autônomos, seria preciso entender 2. que se mantivessem relativamente coesos, como o "grupo N"; ou
os condicionantes da ação política individual para uma melhor com- 3. que tivessem níveis baixos de coesão, como o "grupo O", que se
preensão das interações políticas. divide em praticamente todas as questões.
Diversos autores pluralistas exploraram os condicionantes da ação Desse modelo de indivíduo, é possível sustentar que uma das
individual. O modelo básico que se pode derivar de suas análises características básicas dos sistemas políticos pluralistas é a intensi-
aponta para um indivíduo: dade moderada das interações políticas que nele se processam, devido
1. com potencial de filiação simultânea a múltiplos grupos — ver à inexistência de desigualdades cumulativas, ou seja, de ganhadores e
Quadro l —, em razão da vasta gama de interesses que possui — perdedores universais. Não se acumulariam desigualdades porque os
ver Quadro 2; e, indivíduos seriam membros de mais de um grupo de interesse ao
2. desinteressado politicamente, exceto quando seu interesse ime mesmo tempo, o que implica em que a perda em uma determinada
diato está em questão.4 questão "A" pode ser compensada, não apenas com uma vitória na
No Quadro l, os indivíduos situados nas interseções dos grupos, questão "B", mas também pela reversão da derrota na questão "A"
(espaços AB, AC, BC e ABC) são "multifiliados", ou seja, per- 11 em uma interação futura. Todo cidadão é um potencial aliado e um
tencem a mais de um grupo ao mesmo tempo. Os membros de um *! potencial adversário de qualquer outro, de acordo com a natureza
único grupo são membros em potencial de outros grupos, assim como da questão política em disputa. Os grupos de interesse são, portanto,
aqueles que estão fora dos três grupos acima representados. Não há, mutáveis em sua constituição e poder político e é essa volatilidade
pois, no modelo pluralista, clivagens profundas na estrutura da sociedade na sua constituição que torna os resultados a um só tempo incertos
que inviabilize as multifiliações. No entanto, para que um sistema e reversíveis. A ordem é contingente e as interações assemelham-se
baseado na idéia de multifiliações fosse plenamente possível, essas a um jogo.
sociedades precisariam caracterizar-se por uma profunda homogeneidade Deriva-se do argumento pluralista que é preciso assegurar regras
cultural. justas de interação política, para que se mantenha a disposição dos
Por outro lado, o Quadro 2 demonstra como a doutrina pluralista eventuais perdedores a continuar jogando. Para tanto, tais regras
percebe a volatilidade na composição dos grupos. De acordo com precisam maximizar os ideais de igualdade política e soberania po-
pular, ou seja,
1. estabelecer capacidades semelhantes de influência política para
4 Os dois quadros expostos foram apresentados por Hellen Milner.
todos; e,

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2. vincular as decisões públicas à vontade da maioria. o papel angular da liderança política, dos políticos profissionais, que
Segundo os principais defensores dessa corrente — aqui incluí- se especializam na articulação das preferências individuais em uma
dos Schumpeter, Dahl e Lindblom —, tais regras precisariam esta- vontade coletiva e na mobilização de contingentes eleitorais disper-
belecer interações competitivas — eleições — entre os cidadãos para sos e pouco interessados.
a constituição dos governos, isto é, para a ocupação dos postos de
Porém, da crença inicial de que o poder econômico não se tradu-
comando do Estado.
ziria automaticamente em poder político, e de que a poliarquia não
Os ganhadores das eleições constituem os governos e tomam estaria submetida às determinações dos grupos já privilegiados nas
decisões públicas, respeitadas as regras que asseguram os direitos de interações econômicas, alguns autores pluralistas evoluíram para uma
oposição. A noção de governo representativo é, pois, parte essencial autocrítica do modelo. Diante disso, seriam necessárias reformas
do modelo. No entanto, os problemas comumente associados à re- estruturais para evitar a sobredeterminação das decisões políticas
presentação política seriam minimizados pelo caráter competitivo pelo sistema econômico. Os governos democráticos, segundo as
do sistema, visto que quanto mais acentuado o grau de competição próprias análises de Dahl e Lindblom,6 precisariam controlar a ca-
pelos postos de comando, maiores os constrangimentos que for- pacidade de influência dos interesses do empresariado, que desfru-
çam os representantes atendam às demandas dos representados. taria, segundo o termo cunhado por Lindblom, de uma posição pri-
Ao conjunto de regras que realizem tais princípios, os pluralistas vilegiada nas sociedades capitalistas democráticas. Ou seja, algum
dão o nome de poliarquia e elas incluem: liberdade de expressão de poder econômico estaria traduzido em poder político, e isso precisa
interesses, de organização política, de voto, de informação, liberdade ser evitado por meio da intervenção deliberada do Estado.
para concorrer e ser eleito para cargos públicos, direito a eleições livres Diversas críticas foram feitas ao argumento pluralista. Para fins ana-
e competitivas, e existência de instituições que tornem as políticas líticos, separamos as críticas à metodologia das críticas ao paradigma.
governamentais dependentes do interesse da maioria do eleitorado.5
São duas as principais críticas metodológicas ao pluralismo. A
Em sua essência, as regras da poliarquia objetivam assegurar direitos de
primeira, formulada por Theodore Lowi, em 1964, aponta para a
contestação pública, isto é, de oposição a todos aqueles que são
afetados pelas decisões do governo, ou seja, todos os cidadãos. não-refutabilidade empírica do pluralismo como deficiência que
deriva de seus pressupostos normativos. De acordo com Lowi, como
Como já foi observado, esse modelo baseia-se no fato de que o os teóricos pluralistas supõem que são os grupos os atores funda-
poder político dos cidadãos não deriva apenas de sua posição nas mentais dos processos políticos, suas análises empíricas são dirigi-
estruturas social e econômica. Pelo contrário, em sua formulação das para as questões que provocam a mobilização política de gru-
inicial, o pluralismo supõe que é a capacidade de convencimento pos, o que, por sua vez, confirma as previsões iniciais de que os
dos candidatos aos cargos públicos o recurso essencial ao exercício grupos são os atores fundamentais.
de poder. Terão maior capacidade de realizar seus interesses aqueles A segunda crítica metodológica ao pluralismo foi formulada por
que forem capazes de convencer a maioria da população da validade Bacharach e Baratz. Esses autores salientam que, antes de questio-
de suas propostas em relação às de seus concorrentes. Disso deriva nar como se exerce o poder político nas sociedades democráticas, é
6
Cf. Dahl. Dilemmas of pluralist democracy, autonomy and control, New Haven e
5 Cf. R. Dahl, Poliarchy — participation and opposition, New Haven/Londres, Yale Londres, Yale University Press, 1982; e Charles Lindblom, Politics and
University Press, 1970, p. 3, markets, Nova York, Basic Books, 1977.

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preciso identificar os grupos beneficiados pelas estruturas vigentes —


pela existência de clivagens sociais importantes. Países notavelmente
social, política e econômica —, isto é, pelo status quo. Isso porque os
democráticos como Áustria, Suíça e Holanda, entre outros, seriam
beneficiários da estrutura de poder vigente dispõem de instrumentos
caracterizados por divisões sociais profundas, que tornam os
para evitar que algumas questões prejudiciais aos seus interesses
cidadãos primordialmente vinculados a grupos e não à nação. A
tornem-se objeto de deliberação pública. Os pluralistas, ao passarem ao
existência de democracias estáveis em nações socialmente divididas,
largo dessa face "oculta" do poder, identificariam apenas as formas
por si só, contraria os pressupostos pluralistas, segundo os quais a
superficiais de seu exercício, mas não aquelas subliminares e que im-
estabilidade de regimes democráticos dependeria:
plicam o verdadeiro domínio da agenda pública — as "não-decisões".
1. de uma base cultural homogênea, para assegurar, a um só tempo,
Entre as críticas ao paradigma pluralista, gostaríamos de tanto a manutenção das lealdades primárias dos cidadãos para com
ressaltar aquelas formuladas por Lowi, por Schmitter e por Lijpart. o Estado — e não a um grupo social qualquer — como um padrão
Lowi aponta para interações — no âmbito do sistema político norte- associativo baseado em multifiliações individuais; e
americano — que não obedecem aos postulados da teoria 2. de uma estrutura autônoma de papéis sociais — para promover a
pluralista. Segundo seu principal argumento, as interações políticas dispersão das identidades coletivas e reforçar comportamentos po-
são determinadas pelo comportamento dos atores envolvidos e líticos moderados.7 Como explicação para essa "anomalia", Lijphart
esse comportamento deriva da natureza das políticas públicas em apresenta um modelo de interação política fundado não na compe-
questão. Portanto, a cada tipo de política — distributivas, tição, mas antes na cooperação entre as elites que representam cada
redistributivas e regulatórias, segundo sua tipologia —, uma das clivagens. Desse modo, o sistema político consociacional é
corresponderia um padrão distinto de comportamento político. O capaz de atender aos interesses de grupos políticos e sociais com
padrão de comportamento previsto pelos pluralistas seria, de acordo interesses distintos e mesmo contraditórios, e garantir tanto o res-
com Lowi, característico apenas das interações que se produzem em peito a valores e direitos democráticos, como a paz social.
torno de políticas regulatórias. Nas demais, os atores políticos agiriam
de maneira atomizada — distributivas — ou seguindo os
determinantes de classe — redistributivas.
Phillippe Schmitter chama a atenção para a interdependência entre o
tipo de estrutura política de um dado país e seu estágio de desen-
volvimento econômico capitalista. Segundo seu argumento, o plu-
ralismo não é uma forma de estruturação das interações políticas
capaz de durar para sempre: o próprio funcionamento das economias
7
avançadas gera necessidades e imperativos políticos que implicam em Um bom exemplo dessa estrutura de papéis sociais é o sistema
educacional. Se os membros de diferentes grupos forem "educados" a partir
uma maior proximidade entre os interesses públicos e privados,
dos valores presentes em um sistema educacional homogêneo, maiores as
mesmo em sistemas políticos originalmente pluralistas. O modelo chances de que se desenvolvam interações políticas moderadas, No caso
corporativo é, nessa perspectiva, resultante da própria evolução do contrário, isto é, se cada grupo social tiver o direito de estabelecer os valores
capitalismo democrático. que orientaram o sistema educacional ao qual serão orientadas as novas
gerações, maiores as chances de que se reforcem as diferenças e que as
Por fim — no último exemplo de crítica ao pluralismo antes da interações políticas se desenvolvam sob hostilidade e desconfiança entre os
análise do argumento marxista —, Arendt Lijphart identifica siste- membros de diferentes grupos. O mesmo tipo de raciocínio pode aplicar-se
mas políticos democráticos estáveis em sociedades caracterizadas a outras estruturas de papéis sociais como a imprensa, os partidos políticos,
e os grupos de interesse.

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A CRÍTICA MARXISTA
Já neste século, autores marxistas desenvolveram interpretações
Assim, os próprios autores pluralistas passaram a reconhecer que distintas, muitas vezes antagônicas, sobre as formulações da teoria
as desigualdades produzidas pelas interações de mercado afetam a marxista clássica. De um lado, desenvolveu-se o marxismo-leninismo,
distribuição de recursos políticos entre os cidadãos e, por conse- principalmente a partir da Revolução Russa de 1917, mantendo a
guinte, minam as bases sobre as quais se assentam os valores de ênfase de Marx no caráter coercitivo da dominação do Estado e a
igualdade política e soberania popular. Cria-se então a possibilidade incompatibilidade entre democracia e economia de mercado. Essa
de que as regras e instituições da poliarquia não sejam capazes de interpretação mais "ortodoxa" do marxismo clássico será a base do
exercer convenientemente a função de regular a vida social de acor- movimento comunista, tal como institucionalizado na III Interna-
do com a vontade expressa pela maioria da população. Isso sendo cional, sob forte influência dos soviéticos. De outro lado, diferentes
verdade, decisões públicas seriam tomadas sem o devido controle vertentes constituíram o que se convencionou chamar de "marxis-
por parte daqueles que a obedecerão, em uma possível violação dos mo ocidental", desenvolvido por autores que, a partir das experiên-
pilares racionais-legais da dominação política. cias dos países capitalistas mais desenvolvidos, ultrapassaram a ên-
Segundo a abordagem marxista clássica — tal como formulada fase inicial nos fatores econômicos para ressaltar a autonomia e o
por Karl Marx e Friedrich Engels no século XIX —, o poder político papel de elementos superestruturais, como a política e o Estado.
está concentrado nas mãos daqueles que detêm posições dominantes Na constituição do marxismo ocidental, o teórico marxista itali-
na economia capitalista. Como afirma o Manifesto comunista, a ano Antônio Gramsci é uma das referências mais importantes. Ao
centralização da produção pela burguesia correspondeu a uma cen- questionar as razões que levaram ao fracasso a revolução socialista
tralização da política, na qual o poder político do Estado nada mais é na Europa ocidental, Gramsci conclui que a derrota dos trabalha-
do que o poder organizado de uma classe — a burguesia — para a dores deveu-se à adoção de uma estratégia política equivocada, pois
opressão de outra— o proletariado. Marx e Engels ressaltam assim o sociedades "orientais", como a Rússia do início do século, seriam
caráter coercitivo e parcial da dominação do Estado, questionando a distintas das sociedades "ocidentais", como a Itália e demais países
possibilidade de realização legítima da vontade popular com a capitalistas avançados da Europa. Tal distinção não é uma mera di-
permanência da economia de mercado. A teoria comunista clássica visão geográfica, mas indica diferentes tipos de formação econômica
pressupõe, portanto, a abolição da propriedade privada como con- e social, em função, sobretudo, do peso da sociedade civil, entendida
dição necessária à realização de qualquer princípio democrático. Os como o conjunto dos "aparelhos privados de hegemonia" — isto é,
escritos de Marx e Engels também sugerem que a base material da
os partidos, os sindicatos, as escolas, a mídia, enfim, as organizações
sociedade — as relações de produção e as forças produtivas — de-
ditas privadas que não fazem parte do aparelho estatal. Segundo
termina, "em última instância", a superestrutura — as relações po-
Gramsci, em sociedades menos complexas, a luta pelo poder desen-
líticas, jurídicas, ideológicas etc.8
volve-se em torno do aparelho do Estado — o Estado restrito —,
enquanto que em sociedades ocidentais o fundamental passa a ser a
8
disputa pela hegemonia na sociedade civil. Portanto, em lugar da
Posteriormente, Marx e Engels apresentaram diversas qualificações a essa for-
mulação de que a base econômica determina toda a superestrutura política e
estratégia de "guerra de movimento", típica de sociedades orientais,
cultural de uma sociedade. Por exemplo, em carta a Joseph Bloch, em 1890,
Engels afirma que a interpretação de suas idéias e as de Marx — segundo a superestrutura exercem uma influência muitas vezes determinante para o re-
qual o elemento econômico é o único fator determinante — é uma interpre- sultado das lutas históricas.
tação abstrata e sem sentido. Engels afirma ainda que vários elementos da

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Elitistas, pluralistas e marxistas
Carlos Pio & Mauro Porto

ênfase no poder da classe economicamente dominante? Como "domina


onde os movimentos políticos concentram todas suas forças para a classe dominante" em regimes pluralistas e democráticos?
conquistar um objetivo — a administração do Estado — , a estraté- Nicos Poulantzas procurou construir uma teoria marxista do
gia política correta no ocidente deveria ser a "guerra de posições", a Estado capitalista que, a partir das relações de produção, explicasse
disputa de posições na "robusta cadeia de fortalezas e casamatas" como ele assume suas diferentes formas nos países capitalistas avan-
da sociedade civil. çados — por exemplo, as diferenças entre Estados autoritários e
Gramsci amplia o conceito de Estado para além da esfera da Estados democráticos parlamentares. Segundo Poulantzas, o Estado
coerção da sociedade política — burocracia administrativa, exército, tem um papel de "organização": representa e organiza as classes
polícia, tribunais — , incorporando também a esfera da direção na dominantes, principalmente o interesse político, a longo prazo no
sociedade civil — a hegemonia cultural e política. Em contraposi- âmbito do "bloco no poder". Esse papel só é possível porque o
ção a algumas formulações do marxismo clássico e do marxismo- Estado detém uma "autonomia relativa" em relação a tal ou qual
leninismo, Gramsci ressalta não só a autonomia da política e do fração deste bloco. Poulantzas argumenta que a política do Estado é
Estado com relação à base material, mas também sua capacidade de resultado das contradições de classe inseridas em sua própria estrutura.
superar o elemento econômico. Ao combater posições "economi- Assim, apesar de reconhecer a autonomia relativa do Estado — sua
cistas", o autor italiano afirma que a pretensão de apresentar qual- independência em relação a frações específicas da classe eco-
quer flutuação da política como uma expressão imediata da base nomicamente dominante —, Poulantzas argumenta que o Estado
econômica deve ser combatida teoricamente como um "infantilis- organiza e defende os interesses dessa classe como um todo.
mo primitivo". Ralph Miliband também buscou compreender as diferentes relações
Adam Przeworski define o marxismo como uma análise das con- entre política e economia, nos marcos do Estado capitalista.
seqüências das formas de propriedade para os processos históricos. Recorreu a um referencial teórico considerado oposto ao marxis-
Portanto, os marxistas ressaltam como a base material afeta o resul- mo, a teoria das elites, definindo a elite estatal como o conjunto [de]
tado das lutas políticas, enfatizando, em particular, como as desi- pessoas que ocupam as posições dirigentes em cada uma das insti-
gualdades geradas pelo mercado determinam a distribuição de po- tuições que compõem o sistema estatal. Para explicar a relação entre
der. Todavia, a relação entre os sistemas político e econômico é de- Estado e classe economicamente dominante, o autor afirma que os
finida de várias maneiras por diferentes autores marxistas. Como membros da elite estatal são os "agentes" do poder econômico pri-
vimos, o que caracteriza o marxismo ocidental é a ênfase na autono- vado, ou seja, da classe dominante. Apesar de a participação dos
mia e no papel de elementos superestruturais, como a política e o empresários nas instituições do sistema estatal ser minoritária, eles
Estado. Apesar dessa ênfase, os autores marxistas mantêm a noção conseguem fazer com que a política do Estado os favoreça porque a
de que as formas de propriedade — economia — têm um impacto elite estatal age de acordo com seus interesses, de acordo com sua
direto na constituição da democracia representativa e do Estado — composição social — seus membros pertencem geralmente às clas-
política. ses médias e altas — e com as relações de parentesco e amizade. A
Um dos debates principais da teoria marxista contemporânea classe dominante governaria por meio da elite estatal.
refere-se a este problema básico: como reconhecer a autonomia do Poulantzas e Miliband desencadearam um dos debates mais im-
Estado e da política e ao mesmo tempo manter o pressuposto de portantes na teoria marxista contemporânea. Ao polemizar nas pá-
que a base econômica e material "determina" a distribuição de po- ginas da New Left Review, os autores discutiram algumas de suas de-
der na sociedade? Mais especificamente: como compatibilizar a au- savenças: Poulantzas ataca a ênfase de Miliband nas "relações inter-
tonomia das regras e instituições da democracia representativa e a

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Carlos Pio & Mauro Porto Elitistas, pluralistas e marxistas

pessoais" entre os indivíduos que integram o aparelho do Estado; CONCLUSÕES


Miliband responde criticando o "superdeterminismo estrutural" de
Poulantzas, ou seja, a idéia de que relações objetivas do sistema esta- Este ensaio teve como objetivo principal discutir o campo tradi-
tal definem sua atuação, ignorando-se o papel dos indivíduos que cionalmente identificado como teoria política contemporânea. Esse campo
ocupam posições administrativas. engloba três escolas principais de pensamento, o elitismo, o pluralismo
Do debate, é possível distinguir, para fins analíticos, as correntes e o marxismo que foram aqui apresentadas como tipos ideais. Dentro
de pensamento marxista contemporâneas que ressaltam as estrutu- dessa perspectiva, suas principais formulações foram contrapostas a
ras econômicas, políticas e sociais — as abordagens "macro" — e argumentos críticos "por dentro", isto é, de autores identificados a
as que ressaltam as relações e comportamentos dos indivíduos — elas, e "por fora", de escolas que a ela se opõem. Duas foram as
os "micro-fundamentos". Mais recentemente, o autor alemão Claus questões centrais que permearam a discussão: como cada uma des-
Offe desenvolveu uma nova abordagem macro, de cunho estrutura- sas correntes refere-se ao "problema da representação política" —
lista, concebendo o Estado como mediador das crises capitalistas à natureza própria dos regimes democráticos contemporâneos — e
geradas pela contradição básica entre a crescente socialização da como apresentam a relação entre economia de mercado e democra-
produção e a continuidade da apropriação privada. Segundo Offe, cia.
as funções do Estado surgem a partir do problema de como recon- Seria o Estado contemporâneo apenas a expressão dos interes-
ciliar acumulação econômica e legitimação política. Para o autor ale- ses existentes na sociedade, não representando suas ações mais que
mão, os administradores do Estado reproduzem as relações capita- a resultante das interações entre diferentes grupos sociais e econô-
listas não porque são agentes da burguesia — como em Miliband —, micos na arena política? Ou seria o Estado, de certa forma, autôno-
mas porque dependem da atividade econômica. Os administradores mo em relação à sociedade, e, à despeito do rótulo de democrático,
dependem do mercado porque ele produz rendimentos ao Estado suas ações expressariam tão-só os interesses próprios daqueles que
via tributação e porque o apoio público entra em declínio se a acu- ocupam os postos de direção? O poder material reproduz-se sem
mulação não acontecer. constrangimentos no sistema político-democrático, tornando-o fa-
Também em períodos mais recentes, alguns autores do campo chada para encobrir a dominação de cunho econômico, ou o jogo
marxista desenvolveram teorias que enfatizam os micro-fundamen- do poder estabelece as condições de acumulação de riquezas?
tos. O chamado "marxismo analítico" buscou vincular as perspecti- Que não hajam respostas definitivas a essas questões é algo que
vas e as preocupações do marxismo com metodologias e aborda- nos obriga a considerar como complementares as três correntes de
gens de outras tradições teóricas. Autores como Adam Przeworski e pensamento aqui discutidas. Enquanto categorias analíticas estan-
Jon Elster têm insistido na importância da teoria da escolha racional ques, elitismo, pluralismo e marxismo têm pouco a acrescentar à com-
e do individualismo metodológico para a superação das abordagens preensão das sociedades capitalistas democráticas. Seguem-se dessa
funcionalistas no pensamento marxista. Só assim o marxismo seria afirmação duas certezas que precisamos reconhecer como válidas.
capaz de superar a falta de uma teoria sobre as ações das pessoas Em primeiro lugar, é certo que a distribuição do poder material
que fazem a história devido à ênfase nos aspectos macrossociais e afeta o sistema político, mas o poder material não provém apenas da
estruturais. posse de propriedades, no sentido tradicional. Sindicatos de traba-
lhadores, por exemplo, dispõem de capacidade para mobilizar re-
cursos materiais que não podem ser desprezados. Por outro lado,
estabelecer a simples transposição de recursos materiais para a are-

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Carlos Pio & Mauro Porto Elitistas, pluralistas e marxistas

na política significa pouco quando observamos os que possuem tais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
recursos não compartilharem, necessariamente, dos mesmos inte-
resses políticos. BACHARACH & BARATZ. "Two faces of power", in American Political
Uma segunda certeza que precisa ser reconhecida é que, em al- Science Review, vol. 56, n. 4, dez. 1962.
guma medida, qualquer Estado é autônomo. A necessidade de se BOTTMORE, Tom. As elites na sociedade, Rio de Janeiro, Zahar, 1974.
criar uma entidade distanciada para resolver controvérsias envol-
CARNOY, Martin. Estado e teoria política, Campinas, Papirus, 1988.
vendo os cidadãos, entre si ou nas suas relações com o próprio Es-
tado, tem levado a reformas mais e mais abrangentes do sistema COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre o seu pensamento
político, ao menos desde os primeiros levantes de proprietários de político. Rio de Janeiro, Campus, 1989.
terra contra o direito — arbitrário — de taxação da Coroa britânica, DAHL, R. Poliarchy — participation and opposition, New Haven/Londres,
ainda no século XII. Yale University Press, 1970.
A variedade de temas, escolas de pensamento, e possíveis certe- ---------------- . "Uma crítica ao modelo da elite dirigente", in AMORIN,
zas que caracterizam o debate contemporâneo é certamente mais Maria Stella (org.), Socióloga Política II, Rio de Janeiro, Zahar,
abrangente e rica do que o exposto nos limites deste ensaio. Acredi- 1970.
tamos, no entanto, que o enfoque adotado, particularmente a ênfase ---------------- . Dilemmas of pluralist democracy, autonomy andcontrol, New
na relação entre economia de mercado e democracia, permite desta-
Haven e Londres, Yale University Press, 1982.
car as grande[s] questões da teoria política em períodos mais
recentes. DOWNS, Anthony. An economic theory of democracy, Nova York, Harper
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ELSTER, Jon. Marx hoje, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989.
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1
314
Notas biográficas
NOTAS BIOGRÁFICAS

Jessé Souza— Doutor em sociologia (Heidelberg), pós-doutora-


Alberto Carlos Almeida — Doutor (IUPERJ), coordenador da
do (New School for Social Research), professor adjunto do
Empresa Júnior Analítica dos alunos do Curso de Graduação
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. É
de Ciências Sociais e professor do Departamento de Ciência
autor do livro Patologias da modernidade: Um diálogo entre Marx e
Política da Universidade Federal Fluminense.
Weber\ é organizador dos livros Multiculturalismo e racismo: Uma
Alexandre Barros— PhD (Chicago), é presidente da Earlj Warning: comparação entre Brasil e Estados Unidos; e Simmele a Modernidade
Oportunidade e Risco Político / Relações Governamentais. (no prelo).
Carlos Pio — Doutorando (IUPERJ), coordenador de graduação José Augusto Drummond—Doutorando (Wisconsi), coordena-
do curso de Relações Internacionais e professor do Departa- dor da Empresa Júnior Analítica dos alunos do Curso de
mento de Relações Internacionais da Universidade de Brasí- Graduação de Ciências Sociais e professor do Departamento
lia. de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.
Eduardo Viola — Professor titular do Departamento de Relações Mateus Faro de Castro — Doutor (Harvarei), coordenador do
Internacionais da Universidade de Brasília, pesquisador nível Curso de Mestrado em Relações Internacionais e professor
IA do CNPq e membro da Comissão Nacional de População adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Uni-
e Desenvolvimento. versidade de Brasília, publicou, recentemente, com Antônio
Eli Diniz— Professora titular do Instituto de Economia da Augusto Cançado Trindade, A sociedade democrática no final do
UFRJ e pesquisadora associada do IUPERJ. Publicou, século.
recentemente, Crise, reforma do Estado e governabilidade, Brasil Maria Izabel Valladão de Carvalho— Doutora (USP), professora
1985-1995. adjunto do Departamento de Relações Internacionais da
Estevão de Rezende Martins — Doutor (Munique), professor Universidade de Brasília
do Departamento de História da Universidade de Brasília, é Maria das Graças Rua—Doutora em ciência política (IUPERJ), pro-
consultor geral legislativo no Senado Federal. fessora adjunto do Departamento de Relações Internacionais da
Fabiano Santos—Doutor (IUPERJ), professor e pesquisador do Universidade de Brasília.
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Mauro Porto — Doutorando (Califórnia, San Diego), professor
Franco César Bernardes — Doutorando em ciência política assistente do Departamento de Relações Internacionais da
(IUPERJ), foi professor da PUC/Rio de Janeiro e é consul- Universidade de Brasília.
tor da Escola Nacional de Administração Pública. Octaciano Nogueira — Professor adjunto do Departamento de
Gláucio Soares—Doutor (Washington), professor titular da Uni- Ciência Política da Universidade de Brasília, autor dos livros
versidade de Brasília, responsável pelo projeto integrado de , O poder legislativo no Brasi/e. Partidos pó//ticos no Brasil.
pesquisa sobre <rViolência no Distrito Federal e no Entorno", VenícioA. de Lima — Doutor (Illinois-Urbana), coordenador do
foi diretor da Escola Latino-americana de Sociologia e Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política do Centro de Estu-
professor nas universidades da Califórnia — UCLA e UCB —, dos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasí-
MIT, Cornell, entre outras. lia.

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SUMÁRIO Sumário

Capítulo 8
Apresentação 173
Comportamento político e cultura política
Capítulo l
Gláucio Soares
A política como ciência ou
Capítulo 9
em busca do contingente perdido
Fabiano Santos Não existem pessoas loucas, existem apenas pessoas com 197
gostos diferentes ou cuidado com os defensores do interesse
Capítulo 2 público, lobbies e pressões na democracia liberal
A atividade profissional do cientista político. Carreiras acadêmicas Alexandre Barros
e não acadêmicas e as novas oportunidades oferecidas pelo Capitulo 10
mercado de trabalho Os mídia e a política
209
José Augusto Drummond & Alberto Carlos Almeida Venício A. de Uma
Capítulo 3
Capítulo 11
Executivo e burocracia 231
Análise de políticas públicas: Conceitos básicos
Jessé Souza
Maria das Graças Rua
Capítulo 4
Capítulo 12
Relações entre os poderes Legislativo e Executivo Governabilidade e democracia 261
Estevão de Recende Martins
Eli Diniz
Capítulo 5
Capítulo 13
O estudo do Judiciário 291
Teoria política contemporânea: Política e economia
Marcus Faro de Castro
segundo os argumentos elitistas, pluralistas e marxistas
Capítulo 6 Carlos Pio & Mauro Porto
Crise ou falência:
Capítulo 14
Partidos políticos ontem e hoje 315
Escolha racional e novo institucionalismo:
Maria Isabel Valladão de Carvalho
Notas introdutórias
Capítulo 7 Maria das Graças Rua & Franco César Eernardes
Sistemas eleitorais e seus efeitos políticos
Octaciano Nogueira Capítulo 15
349
Os novos desafios da governabilidade na sociedade de
informação globalizada
Eduardo Viola

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