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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa té hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
'- controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
' dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
Ad. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xl Marco 1999 442
O pai e seus dois filhos (Le 15, 11-32)

"Urna vida ou muitas?" por Carlos G. Valles

Reencarnacáo e Fé Católica

O Cisma Bizantino

A Questáo do Filioque

Venda de Indugéncias?

O Catálogo das Indulgencias

Joáo Paulo II visto por M. Gorbatchev


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARC01999
Publ¡cac.áo Mensal N°442

SUMARIO
Diretor Responsável
Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia O pai e seus dois filhos (Le 15, 11-32).... 97

publicada neste periódico Reencarnado em debate:


"Urna vida ou muitas?" por Carlos G.
Diretor-Administrador: Valles 98
D. Hildebrando P. Martins OSB
Controversia:
Reencarnado e Fé Católica 109
Administracáo e Distribuicáo:
Edicóes "Lumen Christi" Queé?
O Cisma Bizantino 115
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501
Tel.: (021) 291-7122 Um ponto nevrálgico:
Fax (021) 263-5679 A Questáo do Filioque 120

Graves mal-entendidos:
Endere9o para Correspondencia:
Venda de Indulgencias? 127
Ed. "Lumen Christi"
Aínda as indulgencias:
Caixa Postal 2666
O Catálogo das Indugéncias 135
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Significativo Depoimento:
Visite O MOSTEIRO DE SAO BENTO Joáo Paulo II visto por M. Gorbatchev.... 143
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
na INTERNET: http://www.osb.org.br
e-mail: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

O Catecismo da Igreja Católica. - Crescimento Demográfico e Novos Direitos Humanos.


- Vasectomia Compulsoria. -Teología da Prosperidade. - Depoimento em favor da Vida.
- Inflacáo de Santos? - O milagre comprovante da santidade de Edith Stein. - O Ateísmo
no Mundo Atual. -Os Símbolos Natalinos.

(PARA RENOVAQÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 30,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 3,00).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

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comprovante do depósito, para nosso controle.

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CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro RJ
O PAI E SEUS DOIS FILHOS
(Le 15,11-32)

O mes de margo de 1999 é mes de Quaresma num ano especialmente


dedicado a Deus Pai. Muito oportunamente sugere urna reflexao sobre a pará
bola do filho pródigo (Le 15,11-32), rica em ensinamentos.

Primeiramente o texto sagrado p5e em foco o que é o pecado. É a maior


desgraca em que possa o homem incorrer, pois vilipendía e zombeteia a criatu
ra. Sim; o pecado atrai o incauto e, a seguir, lanca-o na fossa; lá-lo servidor de
porcos, colocado abaixo dos porcos, pois em tempo de fome mais vale um
porco do que um homem. Eis o sarcasmo, a ironía do pecado: promete liberda-
de e prazer, mas proporciona humilhacáo e degradacáo.

A parábola póe ante os olhos do leitor dois tipos humanos: o do jovem


sonhador, que em sua imaturidade sai de casa, esbanja tudo o que tem; prova
o dissabor da libertinagem, mas acaba reconhecendo a sua falta e retorna contrito
á casa do pai. O outro modelo é o do filho mais velho, sempre fiel ao pai e, por
isto, altivo e satisfeito consigo mesmo; recusa sentar-se á mesa com o irmáo
pecador e o pai "caduco" (o pai que perdeu o bom sendo, porque faz festa para
o filho perdulario). Desses dois tipos aínda é preferível o primeiro, que reconhe-
ce a sua verdade: é pecador e volta para o pai, ciente de que, se ele nao merece
ser tratado como filho, o pai, mesmo assim, nao deixou de ser pai; é recebido de
bracos abertos, porque, sinceramente arrependido, exclamou: "Pequei!". O fi
lho mais velho, se nao pecou á semelhanca do irmáo, traz em si a mesma
capacidade de pecar; é pecador, feito da mesma argila; ele se ilude, se fecha
em sua honestidade, e se priva do convivio do pai; julga ter mais juízo do que o
pai e o irmáo. A parábola póe em relevo essa falsa sabedoria do homem que
definha em sua auto-suficiéncia.
Quanto ao pai, é o mesmo em relacáo aos dois filhos:... em relacáo ao
perdulario como frente ao que se julga melhor do que os outros. Ele sai ao
encontró de um e outro; nao há situacáo que nao tenha remedio da parte do pai;
se o convite nao logra resultado, isto se deve nao á indíferenca do pai, mas á
deficiencia do filho. É de notar que essa atitude do pai tida como louca
corresponde á do senhor da vinha, que dá gratuitamente do que é seu, aos
trabalhadores menos merecedores (cf. Mt 20,1-16). Em ambos os casos, há
surpresa de quem assiste, surpresa "escandalizada" pela generosidade do pai
e do senhor.

Ora o pai da parábola, invencfvel em sua benevolencia, é imagem do Pai


do céu. Somos convidados a nos espelhar no modelo do filho pródigo, pois todo
homem é pecador... Diz S. Ambrosio: "Pecar é comum a todos os homens:
arrepender-se é próprio dos Santos".
A Quaresma nos lembra a vocacáo á santidade, santidade de quem sabe
ser frágil, mas se abre á misericordia do Pai, certo de que jamáis será logrado.
E.B.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XL - N2 442 - Mar9O de 1999

Reencarna9áo em debate:

'UMA VIDA OU MUITAS?"


por Carlos G. Valles

Em síntese: Carlos Valles é um jesuíta espanholque foi mandado


para a india a fim de lá estudar. Comegou a se interessar pela teoría da
reencarnagáo e consultou varios mestres reencarnacionistas, dos quais
ouviu muñas historias a respeito como também a explanagáo de proble
mas ligados a tese da reencarnagáo. De seus estudos e reflexóes resul-
tou o livro que apresentamos abaixo, levando em conta principalmente
as objegdes que os mestres reencarnacionistas levantam contra a doutri-
na que professam. A lei do karma com seu caráter inexorável leva a um
certo conformismo como também á insensibilidade para com o próximo
que sofre, visto que Ihe é necessário pagar pecados de vidas anteriores
mediante o sofrimento imposto pelo karma.

O Pe. Carlos Valles é um jesuíta espanhol que foi enviado para a


india a fim de estudar na Universidade de Madras. Lá chegando, nada
entendia da língua local, mas sentia-se á vontade entre os colegas de
turma, que também o acolheram com simpatía. Este fato despertou num
jovem indiano a idéia de que C. Valles fora indiano e vivera na india numa
encarnacáo anterior. Impressionado por esta afirmacáo, o padre resol-
veu estudar a teoría da reencarnacao ouvindo mestres indianos e refle-
tindo sobre o assunto. O resultado desta pesquisa é o livro "Urna vida ou
muitas? Os cristaos e a reencarnacáo"1.

A obra é interessante porque aborda a temática de maneira origi


nal, ou seja, transcrevendo numerosos depoimentos de mestres que,

1 Tradugño de Yvonne María de Campos Teixeira da Silva. - Ed. Loyola, Sao Paulo
1998, 130 x 190mm, 141pp.

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"UMA VIDA OU MUITAS?"

apesar de sua profissáo reencarnacionista, véem na respectiva tese pro


blemas ponderáveis.

O autor expóe os argumentos pro e contra a reencarnacáo e faz


questao de nada concluir, deixando ao leitor a tarefa de optar, embora a
tese da reencarnacáo nao seja compatível com a fé católica. A seguir,
examinaremos as dificuldades levantadas pelos mestres indianos contra
a tese reencamacionista e as reflexóes de Carlos Valles sobre as mesmas.

1. Preliminar

Logo no seu segundo capítulo o autor cita urna estória que bem
evidencia a mente dos indianos reencamacionistas: acabam compra-
zendo-se mesmo naquilo que a doutrina tenha de menos atraente:

«Um santo monge, próximo do fim de seus dias, pediu a Deus que
Ihe revelasse em que ou em quem se reencarnaría da próxima vez. Fo-
ram grandes a sua surpresa e a sua tristeza quando Deus Ihe disse:
'Vocé vai reencarnar em um porco. Olhe, a porca que vocé vé ali vai ter
porquinhos, e o terceiro que nascer terá urna mancha preta no meio da
testa; esse será vocé1.

O bom monge nunca imaginaria que por alguma falta oculta da


qual ele nem sequer se lembrava, teria de encarnar-se num animal e,
pior, no animal mais ¡mundo de todos e desprezado em todas as culturas,
cujo nome representa um insulto em todas as línguas humanas: o porco.
Tinha de encontrar algum remedio para essa situacao, e se pos a pensar
no que podía fazer.

Finalmente, teve urna idéia. Chamou seu discípulo favorito e Ihe


disse: 'Estou metido numa encrenca. Deus me revelou que na próxima
encarnacáo serei um porco, e gostaria de evitá-lo. Ele disse que eu serei
o terceiro dos porquinhos daquela porca que ali está, que nascerá com
urna mancha preta no meio da testa. Vocé que é meu discípulo tem de
me obedecer sem contestar as minhas ordens. Pois bem, ordeno-lhe
que preste muita atencáo no que vai acontecer: procure o porquinho com
a mancha na testa, o terceiro que nascer, deixe-o crescer por alguns dias
para ninguém suspeitar e depois, quando comecar a andar sozinho, pe
gue urna faca grande, e, quando ninguém o perceber, mate-o. É, mate-o.
Isto é, mate-me a mim, pois vocé bem sabe: já que devo ser um porco,
quero sé-lo o menor tempo possível. Mate-me logo, e assim logo poderei
ser outra coisa. Seja ela qual for, nao será pior que esta. Prometa que me
obedecerá'.

Prometido. Tudo aconteceu segundo o previsto. Morreu o monge,


deu a luz a porca, nasceu o terceiro porquinho com a mancha na testa, e
o discípulo observava tudo com cuidado. Passados alguns dias, quando

99
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

o porquinho andava por si próprio no meio do lixo, o discípulo aproximou-


se dele, cercou-o num canto, pegou a faca e se dispós a matá-lo. Entáo,
o porquinho comecou a gritar e dizer com voz humana: 'Nao me mate!
Nao me mate! Por favor, nao me mate, deixe-me viver'. O discípulo, sur-
preso, perguntou: 'Mas nao me pediu que o matasse, e por justa causa?'
O porquinho respondeu: 'É, eu pedi, mas quando via a vida do porco do
ponto de vista do homem. Agora, vejo-a do ponto de vista do porco... E é
magnífica! Olha, nao tenho nada para fazer o dia todo, jogo-me na lama
á vontade, posso comer qualquer coisa, pois tudo me faz bem, e as pes-
soas me deixam em paz, pois ninguém se quer aproximar de mim. Isso
nao é um castigo, é urna recompensa! Deixe que eu desfrute muito tem-
po isso, e muito obrigado por tudo, por ter-me obedecido e pela sua coo-
peragáo. Que Deus o abencoe e vocé possa tirar proveito desta minha
última licáo'» (pp. 15s).

Comenta Carlos Valles: "esta historia... é mais que urna historia; é


a expressáo popular de urna antiga tradigáo teológica indiana".

Vejamos agora a problemática.

2. Que é o Karma?

Á p. 19 escreve o autor:
"Karma, em sánscrito, vem de kar, que significa 'máo' e se refere
simplesmente a toda agáo executada ou ao seu resultado. Engloba as-
sim todas as acóes ocorridas ñas vidas passadas, cuja somatória, positi
va ou negativa, determina nossa sorte na encarnacao presente. Portanto
karma quer dizer 'sina1 ou 'destino1, nao como urna forca cega externa á
pessoa, que determina arbitrariamente aquilo que deve acontecer a cada
um, mas como um caminho inevitável que cada pessoa forja para o pre
sente com suas acóes do passado. Se sofro agora, esse é o meu karma;
isto é, se me comportei de determinada maneira em minhas encarnacóes
anteriores, agora tehho de pagar com sofrimento o prego de meus desví
os e excessos. Ao contrario, se agora tenho éxito, satisfagáo e sorte, é
porque estou recolhendo o premio de minha boa conduta em vidas pas
sadas. Esse é o meu karma".

3. Dificuldade 1a: faltam recordacóes

«Aqui vem a objecao. A memoria é o substrato da pessoa. Sem


memoria para relacionar o ontem ao hoje na vida de um individuo, nao
existe biografía possível. Receber o premio ou o castigo pelas agoes boas
e más só tem sentido e efeito se nos reconhecemos, sentimos e lembra-
mos como a pessoa que fez a agáo no passado...

Sem memoria nao há pessoa, pois, embora o corpo físico exista


como continuidade, a consciéncia permanente para avaliar hoje as agóes

100
"UMA VIDA OU MUITAS?"

de ontem nao existe. A memoria constante de ser quem somos dá con


sistencia, permanencia e continuidade a nosso ser consciente. Se perde
mos totalmente a memoria e nao mais lembramos quem somos, perde
mos também nosso passado, nossa historia e nossa personalidade. Na
prática, deixamos de ser nos mesmos» (p. 76).

«Somos instruidos a nos comportar bem nesta vida e, se possível,


ser austeros e fazer penitencia e jejum para receber o premio na próxima
encarnacáo. Mas, após ter descoberto esse pequeño segredo, digo a
mim mesmo: que jejum! Se eu jejuo nesta vida, vou passar fome e quem
receberá o premio na próxima será (repito sempre: na prática) outra pes-
soa diferente de mim, pois na próxima encarnacáo "ela" nao se lembrará
absolutamente de "mim", de modo que "eu" passo fome, e "ela" receberá
o premio. Tenho vontade de fazer totalmente o contrario, ou seja, ter uma
vida boa, aínda que para isso seja preciso quebrar normas e leis, e de-
pois que "outro" pague o pato na próxima reencarnacáo. Eu nao vou me
preocupar com isso. Entao, a teoria da reencarnacáo, que visa restaurar
e motivar a ordem moral, na verdade a deteriora. Ela nao serve» (pp.
76s).

«Castigar alguém por uma coisa da qual nao se lembra, nao tem
sentido ético nem pedagógico. Aquele que nao tem memoria, nao se
pode arrepender de uma coisa que nao lembra, tampouco corrigir o que
nao sabe» (p. 77).

«Os ladrees de grao reencarnaráo em ratos; os de mel, em ves-


pas; os de leite, em corvos; os de carne, em urubus. Aquele que violentar
o leito do gurú encarnará cem vezes em forma de ervas, arbustos e tre-
padeiras. O adulterio se paga reencarnando numa familia de chacais.

Esse catálogo ancestral pode ser contestado; porém, na india, nin-


guém contesta a implacável lei da retribuicáo ¡mediata na vida seguinte»
(p. 88).

"O ciclo ou, como dizemos na india, a 'roda' das reencarnacoes é


enorme. Os números a esse respeito... nao sao exatos, e, se nao devem
ser tomados ao pé da letra, tampouco podem ser tratados com descaso.
Revelam uma realidade impalpável na terminología algébrica... Essa in-
troducáo é necessária para evitar caras feias quando eu mencionar o
número das reencarnacoes pelas quais, segundo a crenca hindú, deve
passar cada ser vivo antes de chegar á libertacáo final no céu: sao oito
milhóes e quatrocentas mil. De onde vem esse número? Nao sei, mas sei
que é expressáo comum nos labios indianos, nos diálogos de todos os
dias. Gostaria de citar aqui, inclusive, a expressáo que se pronuncia com
um suspiro, ao se referir o longo caminho que nos trouxe até o momento
presente, e que ainda nos falta percorrer até o fim: Lakh choriasi!...

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Ainda temos muito caminho a percorrer. Aqui está o interessante.


Embora o caminho seja longo, nos que já alcancamos o nivel humano,
estamos muito perto do fim. Este é o assunto favorito dos pregadores
indianos: estamos quase tocando o céu com as máos; estamos dando os
últimos passos após um longo, longuíssimo percurso; adquirimos final
mente o corpo humano, resultado feliz de grandes méritos conquistados
e última etapa da reta final. Vamos, agora, desistir, perder terreno, regredir,
adiar a entrada definitiva na gloria eterna? Nao! Animo! Vamos em fren
te! Um último esforco e estaremos lá! Já avistamos a meta, e lá vamos
nos com fé e determinacáo etc. etc. etc. Nao há pulpito indiano no qual
nao tenha sido repetida urna e outra vez esse sermáo» (pp. 23s).

4. Dificuldade 2a: mero adiamento e nao solucáo

«Segundo a doutrina da reencamacáo, terei outra oportunidade...


para corrigir meus desvíos e alcancar o céu quando decidir comportar
me bem. Mas... e se eu nao decidir? E se eu teimar em continuar deseen-
do, ao invés de subir, em afundar em vez de me elevar, me purificar e
santificar para alcancar a felicidade eterna? Sou livre para fazé-lo ... Se
nao sou forcado a comportar-me bem numa vida, tampouco serei forca-
do a fazé-lo em milhóes de vidas. A diferenca reside apenas no tempo;
mas, se continuo sendo livre, aconteca o que acontecer ou demorando o
tempo que for preciso, ninguém poderá levar-me para o céu á forca, nem
mesmo por meio de ¡numeras reencarnares. A reencarnacáo consegue
apenas retardar a crise, porém nao modifica o resultado. É um simples
adiamento, nao urna solucáo. Estamos outra vez como no inicio.

O Mul-lá Naserudín apresentou-se para um exame de historia, mas


foi reprovado. Na segunda vez que se apresentou, os examinadores ten-
taram facilitar-lhe a prova, fazendo-lhe as mesmas perguntas e imagi
nando que as tivesse estudado e pudesse responder-lhes corretamente.
Mas nao foi assim, e ele foi novamente reprovado. Na terceira vez, acon-
teceu a mesma coisa. Entáo, seus amigos Ihe disseram: 'Como é que
nao consegue aprovacáo, se o exame é táo fácil?' E ele disse: 'Eles sem-
pre fazem as mesmas perguntas, e eu sempre dou as mesmas respos-
tas'. E, claro, sempre alcancava o mesmo resultado» (pp. 86s).

5. Dificuldade 3a: Conformismo

Carlos Valles transcreve, as pp. 97-99, reflexoes de Kálelkar, fiel


discípulo de Gandhi e reencarnacionista:

"Vou esclarecer agora os pontos sobre os quais nao concordo com


os ortodoxos religiosos. Devemos investigar as causas de todas as coi
sas, e os avancos da ciencia em tais investigacoes tém sido admiráveis.
Nao devemos cessar até encontrar pravas e demonstracóes satisfatórias

102
"UMA VIDA OU MUITAS?"

dos acontecimentos e fenómenos. A esse respeito nossos devotos con


servadores e rígidos crentes nao se dáo ao trabalho de investigar ou
procurar provas, mas em cada caso, simplesmente, colocam a reencar
nacáo como resposta; e isso é tudo. Se urna pessoa se comporta de
maneira estranha, em vez de procurar um psicólogo, diz que 'se trata de
residuos de sua encarnacáo anterior'. Essa resposta é pura preguica
intelectual e negacáo do espirito científico. É, simplesmente, estupidez,
e nada tem de fé religiosa. Eu acho que todos temos de investigar os
elementos de nosso tempo e de nossa vida e perscrutar suas causas
secretas. Só após tal atitude podemos entrar no terreno da reencarna-
cao. Nao aceito um principio que se baseia na preguica. O principio da
reencarnacáo tem agido como anestésico na consciéncia e na inteligen
cia da sociedade. Impede o progresso, as reformas e as melhoras. Eu
me oponho a isso" (p. 202).

Depois diz:

"Temos urna indigestao e ficamos dizendo que é castigo por um


pecado numa vida anterior. Quando somos reprovados num exame, em
vez de reconhecer que estávamos mal preparados, procuramos urna
causa oculta pelo destino fatal prefixado em vidas passadas" (p. 195).

«Em nossa língua gujarati... existe urna expressáo que resume essa
triste atitude e que ouco muito freqüentemente com grande pena. Se
acontece a urna pessoa algo desagradável, costuma-se dizer: 'É a tua
testa'. Supóe-se que nos ossos da testa levamos gravado de forma inde-
lével nosso futuro nesta vida, decretado pela nossa conduta numa vida
anterior. As suturas dos ossos do cránio desenham essa escritura
indecifrável, que determina infalivelmente aquilo que nos vai ocorrer. Nao
podemos mudá-lo, como nao podemos mudar nossa cabeca. Está escri
to em nossa testa. Temos de nos resignar.

A resignacáo é boa e até pode ser urna virtude, se se enquadra em


certos limites razoáveis. Mas, se for exacerbada, poderá dar lugar ao
fatalismo (destino, fado...) e á preguica mais radical. E isso já nao é virtu
de, mas urna paralisia malsá do pensamento e da acáo» (pp. 97-99).

Pouco adiante escreve C. Valles:

«Quando a crenca na reencarnacáo se une á astrologia, como cos-


tuma acontecer, pode ter efeitos devastadores. A reencarnacáo nos traz
ao mundo num novo nascimento com as cargas dos anteriores. A astro-
logia estuda o horóscopo, isto é, o mapa astral do universo no preciso
instante desse nosso nascimento e le nele as linhas do karma que traze-
mos conosco para a vida. A forca da astrologia vem da interpretacáo do
karma. Todos sabemos que o karma é a lei inquebrantavel que comanda

103
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

nossas vidas, e o conhecimento que dele adquirimos, por meio da astro-


logia, pode ter grande influencia em nosso modo de conhecermos a nos
mesmos e nos defrontarmos com a vida. Por isso na india a astrologia
tem tanta importancia e nada se empreende sem urna consulta previa ao
astrólogo. As estrelas sabem tudo» (p. 101).

6. Dificuldade 4a: Laxismo Moral

"O suposto descobrimento de parentescos próximos em vidas pas-


sadas pode dar lugar a urna conduta imoral nesta vida. Infelizmente, isso
nao é táo teórico quanto parece. Escreve Kálelkar:

'Sinto certo constrangimento em citar outro exemplo, mas nao te-


nho outro remedio. Um homem sentiu atracáo por urna mulher casada e
resolveu consultar seu gurú, a quem fazia grandes doacóes. O gurú Ihe
disse: 'Os dois foram marido e mulher em vidas passadas e...' (p. 205).
Se há um delito que destrói a sociedade, é o adulterio; portanto, invocan
do parentescos em vidas passadas, existiram 'homens santos' que justi-
ficaram essa conduta. Disso há ¡números exemplos em nossos Puranas
(escrituras antigás hindus)' (p. 195).

Há pouco tempo, na minha cidade de Ahmedabad os jomáis notici-


aram na primeira página um escándalo que estarreceu a consciéncia
pública: numa instituicáo religiosa, num povoado próximo da capital, um
suposto mestre espiritual enganava as damas da mais alta sociedade de
Ahmedabad, dizendo que em encarnacóes anteriores tinham sido suas
esposas e que agora ganhariam grande mérito se reatassem essa íntima
relacáo com quem hoje era um mestre espiritual de grande fama e reco-
nhecida santidade. As noticias a respeito se avolumavam dias após dia
e, embora a imprensa nao citasse nomes, o falatório popular o fazia com
facilidade. Demorou algum tempo para que a queixa tomasse corpo, as
autoridades fossem alertadas e o mestre trasladasse seus parentescos
para outro lugar.

Esses excessos nao sao comuns, mas dáo urna idéia da desor-
dem que sobreviria se comecássemos a ter consciéncia de quem éra
mos na vida passada e quem eram os que hoje nos rodeiam. Nao have-
ria árvore genealógica que agüentasse...» (pp. 107s).

7. Dificuldade 5a: Ofensa a quem sofre

«Os dois últimos argumentos de Kálelkar caminham lado a lado e


sao, a meu ver, os mais fortes. O primeiro refere-se ao insulto pessoal
que se faz áqueie que sofre nesta vida quando Ihe dizem que sofre por
ter sido urna pessoa má na vida passada; o segundo, á injustica social
que se impoe a individuos ou grupos condenados a sofrer lo que mere-
cem1 e pelo qual devem passar necessariamente, se desejam melhorar

104
"UMAVIDAOUMUITAS?"

suas possibilidades de salvacáo eterna. Ou seja, além do sofrimento atu-


al, Ihes é imputada a acusacáo moral do merecimento, uma vez que,
embora parecam agora pessoas boas, com certeza em outras vidas com-
portaram-se muito mal, a julgar pelo justo castigo que receberam.

A teoría da reencarnacáo nao pode servir, se transforma cada ho-


mem e mulher que sofre em um criminoso que sofre justa condenacáo
por delitos penáis. Agrava a situacáo em vez de aliviá-la. Longe de nos
inspirar compaixáo, leva-nos a pensar - se nao temos coragem de talar
diretamente -: 'Vocé merece esse castigo por ter feito o que fez em outra
vida'. É muito duro, mas essa é a conclusáo lógica.
Hospedei-me numa casa cuja máe de familia contou-me o seguin-
te: seu filho cacula nascera sadio, mas aos dois anos contraíra poliomie-
lite. Nao tendo sido tratado em tempo, ficou aleijado para toda a vida.
Quando chegueí áquela casa, ele tinha cinco anos e dava muíta pena ve
lo, na sua inocencia transparente e na beleza infantil, arrastando pelo
chao as pernas inúteis. Sua máe contou-me tudo, acrescentando: 'Táo
bom e maravilhoso parece este menino...! Porém, algo de muito ruim
deve ter feito em sua vida passada para que agora Ihe aconteca ¡sso. E,
claro, também eu devo ter feito alguma coisa muito ruim para que agora
tenha de ser a máe de um menino aleijado...' Falou com muita naturali-
dade e resignacáo, porém suas palavras calaram fundo em mím. Naque-
le momento nao podía contestar suas crencas nem tinha uma resposta
melhor para Ihe oferecer; portanto, fiquei quieto. Mas interiormente rebe-
lei-me diante daquela demonstracáo prática das conseqüéncias lógicas
da reencamacao. Como se nao bastasse áquele menino ¡nocente a des-
graca de ser aleijado, recaía sobre ele agora a condenacáo de ser mau...
Fui embora triste daquela casa.

Quando o Estado de Gujarat, onde moro, foi declarado indepen-


dente, a pessoa encarregada de presidir á cerimónia de inauguracáo e
de implorar a béncáo de Deus sobre a nova unidade administrativa e
lingüística foi o personagem mais querido e venerado em toda a regiáo:
Ravíshankar Maháraj. Discípulo de Gandhi, trabalhador social, de gran
de estatura, da casta dos brámanes, caminhante incansável pelos cam
pos e povoados mais remotos do Gujarat, pregador popular e escritor
inspirado, ele encarnara melhor que ninguém o ideal de santidade pes-
soal e servico desinteressado aos mais pobres, que Gandhi tinha prega
do com sua palavra e seu exemplo. Um corpo nobre e uma boa saúde
sao heranca de boa conduta em encarnacoes anteriores, e ele, com i
estatura - que Ihe valeu o apelido de 'um-palmo-mais-alto' -, a dieta de
uma só refeicáo por día, á base de arroz e lentilhas, e seus mais de cem
anos em plena energía, era imagem e lenda de pureza de alma traduzida
em fortaleza de corpo. Perto dos cem anos, sofreu um pequeño acídente:

105
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

escorregou enquanto tomava banho e quebrou o fémur. A fratura foi no


ticia em todos os jomáis. O comentario que escutei de urna e outra boca
naquele dia, me fez sorrir interiormente, ao constatar que nunca termino
de entender este país secreto e milenar, onde tenho passado o melhor
de minha vida, sem ainda ter atingido seu misterio. Dizia-se: 'E nos que
acreditávamos que ele era santo...! Deve ter feito alguma coisa errada
para agora ter quebrado a perna'. A fratura do fémur estragou-lhe a auré
ola de santidade. Agora, terá de esperar até a próxima reencarnagáo.

Nessa mesma cidade, um monge de reconhecida santidade sofría


da próstata. É urna doenca comum em homens com mais de cinqüenta
anos, mas o monge sentiu vergonha de manifestá-la, pela relacáo entre
um problema físico e a culpa moral. Quando os síntomas se agravaram,
adotou urna saída extrema: declarou o 'suicidio sagrado', isto é, a partir
de determinada data deixaria de se alimentar, com desprendimento total
e absoluto de apoio humano, até chegar á morte por inanicáo, que o
levaría á purificacáo final e salvacáo ¡mediata. Assim fez. Seu abatímen-
to foi motivo para peregrinado na cidade, durante os dias que durou sua
severa agonia. Quando morreu, seu cadáver, sentado na posicáo de lótus
num carro e coberto de guirlandas de flores, foí levado em devota procis-
sáo postuma pelas rúas da cidade. Os que conheciam seu segredo, cala-
ram discretamente diante da devocáo popular. O monge salvara a pró-
pria reputacáo.

Esses sao casos extremos, que revelam a tendencia geral. Tudo


que acontece nesta vida, tem sua explícagáo na vida anterior; portento,
toda dor é filha de urna culpa e, enquanto cumprimos a penitencia, pedi
mos perdáo. Como a personalidade, conforme a reencamacao, perma
nece ao longo dos nascimentos, quando a dor nos aflige, somos pessoas
de conduta infame que mereceram num passado próximo o castigo pre
sente. Essa atitude faz com que nos sintamos culpados díante de nos
mesmos e condenáveis diante dos outros. Isso favorece nosso complexo
de culpa e, pior ainda, a condenacáo implícita daqueles que vemos so-
frer. Tal condena9áo é injusta, tanto em sua dimensáo pessoal de des-
prezo da pessoa como em sua dimensáo social de opressao de um gru
po, familia ou casta» (pp. 109-112).

8. Dificuldade 6a: as castas

Escreve Carlos Valles:

«O nascimento de cada pessoa é determinado inexoravelmente


por suas obras na encarnacao anterior. Aqueles que se comportaram
bem, agora sao brámanes, e os que se comportaram mal sao parias.
Cada um recebeu o que merece e agora só deve cumprir sua obrigacác—
que incluí o dever de comportar-se conforme sua casta e ocupar nela o

106
"UMA VIDA OU MUITAS?" 11

seu lugar -, e nessa ordem de classes situa-se o bem-estar da socieda-


de. É impossível mudar de casta. Um pobre pode ficar rico e um rico
pode ficar pobre, mas o brámane será sempre brámane nesta vida e o
paria, sempre paria. Qualificacáo cruel que castiga a sociedade. Nada
mudará até a encarnacáo seguinte.

Uma vez mais, o insulto soma-se ao sofrimento. Nascer paria é


uma grande desgraca. E ainda nos dizem que o merecemos; que, se
nascemos parias nao é por causa de uma desgraca inesperada, mas é
um castigo proporcional a nossa iniqüidade. Se esse castigo é tao gran
de, qual terá sido a nossa culpa?. Nascemos marcados pelo estigma do
desprezo. Somos criminosos desde o berco e viveremos sempre subju-
gados pela humilhacáo de saber que somos culpados pelas baixezas
mais hediondas, as quais nos condenam a viver neste triste estado e
revelam nossa vilania por meio da cor escura de nossa pele, nossos tra
pos físicos repugnantes e nosso andar acabrunhado e contrafeito. A úni
ca libertacao está na morte. Aqui a cumplicidade do grupo se une á res-
ponsabilidade da pessoa. Nao apenas o individuo é culpado e desprezí-
vel, mas seus país, irmáos, toda a sua familia e amigos e o grupo inteiro
de parias que se unem a sua miseria e se definem como o nivel mais
baixo do género humano, merecedor de humilhacáo, desprezo e opres-
sáo. Agora podemos entender, de verdade, as palavras de Kálelkar con
tra os que pensam desse modo:

'Essa gente se apóia na reencarnacáo para perpetrar toda classe


de injusticas e atrópelos á sociedade. Se temos de dar um exemplo terrí-
vel disso, ai estáo os 'intocáveis': os parias. Geracáo após geracáo, opri
mimos os 'filhos de Deus1, deixando-os indefesos e incapazes de se refa-
zer. Para justificar tao grande injustica e pecado, os ortodoxos repetem:
'Na vida passada vocé cometeu graves pecados, razáo pela qual nasceu
paria. Sua obrigacáo agora é servir as castas altas com humildade e
fidelidade. Sofrer toda injustica como penitencia por seus pecados e as-
sim, após sete encarnacoes, Ihe será concedida uma casta mais alta":
Agora - acrescenta com ironía - os parias estáo reagindo e clamando
por justica, organizando-se para rejeitar as crueldades a que sao subme-
tidos... Entáo, os ortodoxos comecarao a sofrer e pensar que isso Ihes
acontece, porque (os ortodoxos) cometeram graves pecados em vidas
passadas» (p. 204).

«O mesmo Joe Fisher, no livro que citei varias vezes e que escre-
veu em defesa da reencarnacáo, com tristeza escreve o seguinte:

'O sistema de castas na india é o reflexo mais triste da crenca na


reencarnacáo. A casta na qual a pessoa nasce, é conseqüéncia direta de
sua vida anterior e nao pode ser mudada. Isso deu lugar a acusacóes de
que o sistema favorece o estancamento social, a resignacáo, a insensi-

107
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

bilidade, o sofrimento e a opressáo. A esperanca de se obter alguma


melhora nesta vida torna-se praticamente nula para milhoes de nativos.
A única coisa que pode mudar é a posicáo da pessoa na vida seguinte e,
segundo dizem, em grande parte o que determina esse estado é precisa
mente o grau de fidelidade da pessoa no cumprimento dos deveres e
proibicóes de sua casta nesta vida' (p. 92).
Ambos os testemunhos exprimem urna situacáo que pode ser qua-
lificada de diabólica: a pessoa fica presa a seu nascimento desonroso, e
a única maneira de sair dele consiste em obedecer fielmente as regras
que a obrigam a aceitar sua miseria e servir humildemente as castas
superiores. Os membros de tais castas sabem muito bem disso e apro-
veitam para se fazer servir por esses seres inferiores e, ainda, humilhá-
los por sua baixeza e lembrar-lhes que sua única esperanca de salva$áo
está em comportar-se bem e servir com fidelidade a seus amos natos"
(pp.116-118).

Conclusáo

Detivemo-nos na análise do livro de Carlos Valles, pois oferece


informacóes pouco conhecidas ao público ocidental; apresenta a
encarnacáo tal como é vista em seu ambiente de origem, como doutrina
que marcou profundamente a cultura indiana. O Ocidente é menos pes-
simista quando professa a reencarnacáo. Todavía tanto no Oriente como
no Ocidente o retorno á carne é sinal de imperfeicáo, que só pode ser
considerado negativamente, com desdém da corporeidade. Ora isto nao
se coaduna com a visáo crista do mundo e do homem, como se demons
trará no artigo seguinte.

Quem é quem na Biblia, por Peter Calvocoressi. Tradugáo do inglés


por Vera Ribeiro- Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 160x230mm, 256pp.

O título do livro é simpático. O autor escreveu mais de trezentas bre


ves biografías de personagens bíblicos tanto do Antigo como do Novo Tes
tamento; enriquecen os dados bíblicos com incursóes pela literatura e a
arte em geral, sempre que relacionadas com os personagens bíblicos. To
davía o autor do livro nao é católico e deixa transparecer seus pontos de
vista em mais de urna passagem: assim, porexemplo, áp.9 fala do "lendá-
rio paiAdáo"; a p. 10 afirma que "o purgatorio foi plenamente aprovado pela
Igreja Católica no sáculo XVI"; a idéia do purgatorio ter-se-á desenvolvido
quase no fim da idade Media (ibid.). Á p. 183 insinúa que a 2Pd foi redigida
no Egito no século II. Á p. 182 silencia as passagens que propoem o prima
do de Pedro. Á p. 147 nao há urna palavra sobre a matemidade virginal de
María SSma. - Em síntese, o livro é instrutivo como dicionário, mas in
completo e inspirado por concepcóes incompatíveis com o pensamento
católico.

108
Controversia:

REENCARNAQÁO E FÉ CATÓLICA

Em síntese: Nao se pode dizer que a tese da reencarnagáo é de


livre opcáo para um fiel católico. A Escritura, a Tradicáo oral e escrita
assim como o magisterio da Igreja a tém como incompatível com a fé
crista. De modo especial é abordada, no artigo subseqüente, a questáo
da autorídade do magisterio da Igreja: este, mesmo quando nao se pro
nuncia solenemente numa definigáo de Concilio ou do Papa (ex cathedra),
goza da assisténcia infalível de Cristo e do Espirito Santo (cf. Mt 28,18-
20; Jo 14,26; 16,13-15), de modo que tem valor decisorio quando os Bis-
pos, unidos ao Papa, ensinam unánimemente alguma verdade de fé ou
de Moral.

Ás pp. 131s do seu livro "Urna Vida ou muitas?", Carlos Valles afir
ma que a doutrina da reencarnagáo nao é incompatível com a fé católica,
visto que, diz ele, tal doutrina nunca foi condenada pelo magisterio extra
ordinario e solene da Igreja. Ora essa proposicáo nao corresponde á
verdade. Daí a necessidade de um esclarecimento a propósito.

1. Magisterio da Igreja

O Senhor Jesús pregou o Evangelho para que fosse transmitido a


todos os povos; quando se despediu dos Apostólos, enviou-os a anunci
ar a Boa-Nova e garantiu-lhes a sua assisténcia infalível até o fim dos
tempos: cf. Mt 28,18-20. Esta assisténcia infalível, bem como a do Espi
rito Santo prometido (cf. Jo 14,26; 16,13-15), asseguram á Igreja a fideli-
dade ao depósito da Revelacáo, de modo que esta nao seja deturpada
com o passar do tempo. É necessário que as verdades da fé sejam con
servadas e transmitidas incólumes. O povo de Deus já nao seria povo de
Deus se acreditasse em algo diverso daquilo que foi transmitido por Cris
to aos Apostólos. Por isto a Igreja, como tal, é infalível em materia de fé
e de Moral, como "coluna e sustentáculo da verdade" (1Tm 3,15). Esta
infalibilidade da Igreja se exerce

a) por seu magisterio ordinario: os Bispos, unidos ao Papa, ensi


nam com unanimidade;

b) por seu magisterio extraordinario, que se exprime por


- definieses solenes de um Concilio Ecuménico ou Geral ou por

109
U "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

- definieses papáis ex cathedra.

O magisterio ordinario é decisivo desde que ensine com a intencáo


de afirmar decisoriamente alguma verdade como pertencente ao patri
monio da fé e da Moral católica. Ora a reencarnacao é unánimemente
rejeitada pelo magisterio ordinario como contraria á fé católica, que pro-
fessa a ressurreicáo. Sempre o magisterio a recusou, como se dirá me-
Ihor no segundo subtítulo deste artigo.

O magisterio extraordinario também é decisivo desde que se mani


festé com caráter decisorio. Para que alguma proposicáo pertenca á fé
católica, nao é necessário que seja definida em termos extraordinarios
ou solenes pelo magisterio da Igreja. O magisterio extraordinario é reser
vado para casos de controversia teológica ou, mais raramente, para ou-
tras ocasioes.

Eis o que a respeito escreve o Concilio do Vaticano II:

"A infalibilidade da qual quis o Divino Redentor estivesse sua Igreja


dotada ao definir doutrina da fé e de Moral, tem a mesma extensáo que o
depósito da Revelagáo Divina, que deve ser santamente guardado e fiel
mente exposto.

Tal é a infalibilidade de que goza o Romano Pontífice, o Chefe do


colegiado e Mestre supremo de todos os fiéis que confirma seus irmáos
na fé (cf. Le 22,32), quando proclama urna doutrina sobre aféeos costu-
mes. Esta é a razáo por que se diz que suas definigdes sao irreformáveis
por si mesmas e nao em virtude do consentimento da Igreja, pois foram
proferidas com a assisténcia do Espirito Santo a ele prometido na pessoa
do Bem-aventurado Pedro. Eporisto nao precisam da aprovagáo de nin-
guém nem admitem apelagáo a outro tribunal. Pois neste caso o Romano
Pontífice nao se pronuncia como pessoa particular, mas expóe ou defen
de a doutrina da fé católica como Mestre Supremo da Igreja inteira, no
qual de modo especial reside o carisma da infalibilidade da própria Igreja.

A infalibilidade prometida a igreja reside também no corpo episco


pal, quando, com o sucessor de Pedro, exerce o supremo magisterio.

A tais definigdes nunca pode faltar o assentimento da Igreja, devi-


do á agáo do mesmo Espirito Santo, pela qual toda a grei de Cristo se
conserva e progride na unidade da fé.

Quando ou o Romano Pontífice ou o corpo dos Bispos com ele


definem urna proposigáo, enunciam-na segundo a própria Revelagáo, a
qual todos devem conformarse e ater-se. Esta Revelagáo, quer escrita,
quer comunicada através da legítima sucessáo dos Bispos e especial
mente do próprio Romano Pontífice, é integralmente transmitida e

110
REENCARNACÁO E FÉ CATÓLICA

intactamente conservada na Igreja e é fielmente exposta á luz do Espirito


da verdade. O Romano Pontífice e os Bispos, cada qual na medida dos
seus deveres e conforme a gravidade da materia, esforgam-se cuidado
samente usando meios aptos para investigar exatamente e enunciar con
venientemente esta Revelagao. Mas nao reconhecem alguma nova reve-
lagáo pública como pertencente ao divino depósito da fé" (Constituigáo
Lumen Gentium nB25).

Vejamos agora como a Escritura e o magisterio da Igreja conside-


ram a doutrina da reencarnacáo.

2. A Reencarnacáo e o Cristianismo

2.1. A Reencarnacáo nos Evangelhos

Os escritos do Novo Testamento estáo intimamente associados ao


pensamento judaico pré-cristáo. Ora este nao admitía a reencarnacáo
das almas. Sendo esta doutrina professada por filósofos gregos, os ju-
deus se fecharam a ela, pois eram intensos a quaiquertipo de sincretismo
religioso. - Foi nesse ambiente que Jesús pregou o seu Evangelho.

Feita esta observacáo, passemos ao exame sucinto dos textos bí


blicos geralmente citados em favor da reencarnacáo.

2.1.1. Joáo Batista e Elias

Mt 17,10-13: Os judeus julgavam que Elias nao morrera, mas fora


arrebatado aos céus {cf. 2Rs 2,11) e, por isto, voltaria á térra para revelar
e ungir o Messias. Ora, nos tempos de Cristo, politicamente agitados, o
profeta Elias era esperado em Israel com particular insistencia. Pois bem;
Jesús respondeu que Joáo Batista fizera as vezes de Elias por reproduzir
as atitudes fortes e destemidas do profeta (cf. Le 1,17). O próprio Joáo
Batista negou peremptoriamente ser Elias, quando os enviados dos ju
deus o interrogaram (cf. Jo 1,21). Á luz destas ponderacóes, entenda-se
também o texto de Mt 11,14s.

Mais: no momento da Transfiguracáo apareceram a Jesús Moisés


e Elias (cf. Mt 17,3). Ora, naquele tempo Joáo já fora executado por
Herodes ou já morrera. Por conseguinte, deveria aparecer a Jesús Joáo
Batista e nao Elias, conforme a doutrina da reencarnacáo, pois esta ensi-
na que, quando o espirito se materializa, sempre se apresenta na forma
da última encamacáo. - Donde se vé que Joáo Batista nao era a reen
carnacáo de Elias.

2.1.2. Jesús e Nicodemos

Jo 3,3: O adverbio grego ánothen, que por vezes é traduzido por

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

de novo, reaparece em Mt 26, 51, para significar que, por ocasiáo da


morte de Jesús, o véu do Templo se cindiu ánothen, isto é, de cima a
baixo (nao de novo).

Nicodemos nao entenderá as palavras de Jesús; fiel aos


ensinamentos judaicos, julgava impossível a reencarnacao: "Como pode
um homem nascer sendo velho? Poderá entrar segunda vez no seio de
sua máe e voltar a nascer?" (Jo 3,4). Jesús logo dissipou a dúvida, expli
cando que nao se tratava de renascer no sentido biológico, mas, sim, de
nascer de outro modo, ou seja, pela agua e pelo Espirito: "Em verdade,
em verdade te digo: quem nao nascer da agua e do Espirito, nao poderá
entrar no Reino de Deus" (Jo 3,5). Positivamente, Jesús tinha em vista o
Batismo, que torna o homem filho de Deus.

2.1.3. Jesús e o cegó de nascenca

Jo 9,1 s: Os judeus julgavam que todo mal é conseqüéncia de um


pecado. Por conseguinte, no caso de um cegó de nascenca, pensariam
num pecado dos pais (que, segundo a mentalidade do clá; seria punido
sobre os filhos), ou num pecado do próprio cegó; esta última hipótese
deveria parecer-lhes absurda, pois sabiam que as enancas nascem sem
ter cometido previamente nem bem nem mal (cf. Rm 9,11). Assim perple-
xos, lancaram suas interrogacóes a Jesús, sem se dar ao trabalho de
procurar terceira solucáo para o caso. Ora, Jesús respondeu sem abor
dar o aspecto especulativo da questáo, elucidando diretamente a situa-
cáo concreta que Ihe apresentavam: nem urna hipótese nem outra, mas
um designio superior de Deus {"... para se manifestarem nele, cegó, as
obras de Deus").

De resto, a Escritura é diretamente contraria á reencarnado quan-


do, por exemplo, afirma: "Foi estabelecido, para os homens, morrer urna
só vez; depois do qué, há o julgamento" (Hb 9,27). Notemos também as
palavras de Jesús ao bom ladráo: "Hoje mesmo estarás comigo no para
íso" (Le 23,43). Os textos muito enfáticos em que Jesús e os Apostólos
anunciam a ressurreicáo dos mortos, o céu e o inferno, sao outros tantos
testemunhos que se opóem á reencarnacáo: vejam-se Mt 5,22; 13,50;
22,23-33. Me 3,29; 9,43-48; Jo 5,28s; 6,54; 1Cor 15,13-19.

2.2.2. A Reencarnacáo na Tradicáo da Igreja

Examinemos os testemunhos dos primeiros séculos do Cristianis


mo.

Clemente de Alexandria (t 215) julga ser a doutrina da reencar-


nagáo arbitraria, porque nao se baseia nem ñas sugestóes da nossa cons-
ciéncia nem na fé católica; lembra que a Igreja nao a professa, mas, sim,

112
REENCARNACÁO E FÉ CATÓLICA 17

os hereges, especialmente Basilides e os Marcionistas. Cf. Eclogae ex


Scripturis Propheticís XVII PG 9, 706; Excerpta ex Scriptis Theodoti
XXVIII, PG 9, 674; Stromata III, 3; IV, 12 PG 1114s. 1290s.

S. Irineu (t 202) observa que em nossa memoria nao se encontra


vestigio de pretensas existencias anteriores (Adv. Haer II, 33, PG 7,830s);
em nome da fé, opóe o dogma da ressurreicáo dos corpos: nosso Deus é
bastante poderoso para restituir a cada alma o seu próprio corpo (ib. II
33, PG 7, 833).

Outros autores antigos se poderiam citar a propor semelhantes pon-


deracoes. O mais importante, porém, é Orígenes de Alexandria (f 254).
Este propós, á guisa de hipótese, a preexistencia das almas: todos os
espiritas teriam sido criados desde toda a eternidade e dotados da mes-
ma perfeicáo inicial; muitos, porém, teráo abusado da sua liberdade e
pecado. Tal pecado haverá sido, para Deus, a ocasiáo de criar um mun
do material, a fim de servir de lugar de castigo e purificacáo. Conforme a
falta cometida, cada espirito teve que tomar, em punicáo, um corpo mais
ou menos grosseiro. Os que nao se purificassem devidamente nesta vida,
deveriam passar, depois da morte, para "um lugar de fogo". Mas final
mente todos seriam reintegrados na suprema felicidade com Deus; o in
ferno nao seria eterno.

Notemos que estas idéias foram propostas com reservas e a título


de hipóteses (cf. Peri Archon; PG 11,224). Todavía os discípulos de
Orígenes, chamados origenistas, eram monges do Egito, da Palestina e
da Siria, que se beneficiavam dos escritos ascéticos e místicos do mes-.
tre, mas eram pouco versados em teología; por conseguinte, nao tinham
criterios para distinguir entre as verdades de fé e as proposicóes hipoté
ticas de Orígenes. Os origenístas, portanto, nos séculos IV/VI professa-
ram como artigos de fé nao só a preexistencia das almas e a restauracáo
final de todos na felicidade inicial, mas também a reencarnacáo. Contra-
riavam assim o pensamento do próprio Orígenes, que era avesso á reen
carnacáo, tida por ele como "fábula inepta e impía" (In Rom. V. PG 14,
1015).

A tese da reencarnacáo, desde que comecou a ser sustentada pelos


origenistas, encontrou decididos oponentes entre os escritores cristáos
mesmos, que a tinham como contraria á fé. Um dos testemunhos mais
claros é o de Enéias de Gaza (t 518), autor do "Diálogo sobre a imortali-
dade da alma e a ressurreicáo", em que se lé o seguinte raciocinio:

"Quando castigo o meu filho ou o meu servo, antes de Ihe infligir a


punigáo, repito-lhe varias vezes o motivo pelo qual o castigo, e recomen-
do-lhe que nao o esquega para que nao recaía na mesma falta. Sendo

113
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

assim, Deus, que estipula... os supremos castigos, nao haveria de escla


receros culpados a respeito do motivo pelo qual Ele os castiga? Haveria
de Ihes subtraira recordagáo de suas faltas, dando-lhes ao mesmo tem-
po a experimentar muito vivamente as suas penas? Para que serviría o
castigo se nao fosse acompanhado da recordagáo da culpa? Só contri
buiría para irritar o réu e levá-lo a demencia. Urna tal vítima nao teria o
direito de acusar o seu juiz por ser punida sem ter consciéncia de haver
cometido alguma falta?" (ed. Migne gr., t. LXXXV, 871).

As doutrinas dos origenistas chamaram a atencáo das autoridades


da Igreja. Em 543, o Patriarca Menas de Constantinopla redigiu e pro-
mulgou quinze anatemas contra Orígenes, dos quais os quatro primeiros
nos interessam diretamente:

1. "Se alguém crer na fabulosa preexistencia das almas e na


repudiável reabilitacao das mesmas (que é geralmente associada áque-
la), seja anatema.

2. Se alguém disser que os espíritos racionáis foram todos criados


independentemente da materia e alheios ao corpo, e que varios deles
rejeitaram a visáo de Deus, entregándose a atos ilícitos, cada qual se-
guindo suas más inclinagóes, de modo que foram unidos a corpos, uns
mais, outros menos perfeitos, seja anatema.

3. Se alguém disser que o sol, a lúa e as estrelas pertencem ao


conjunto dos seres racionáis e que se tornaram o que eles hoje sao por
se voltarem para o mal, seja anatema.

4. Se alguém disser que os seres racionáis nos quais o amor a


Deus se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros como sao
os nossos, e foram em conseqüéncia chamados homens, ao passo que
aqueles que atingiram o último grau do mal tiveram, como partilha, cor-
pos fríos e tenebrosos, tornándose o que chamamos demonios e espí
ritos maus, seja anatema".

O Papa Vigílio e os demais Patriarcas deram a sua aprovacáo a


esses artigos. Concluímos, pois, que a doutrina da reencarnacáo nunca
foi professada oficialmente pela Igreja Católica (contradiz ao Credo cris-
táo); todavía após Orígenes (século III) foi professada por grupos particu
lares de monges orientáis, pouco iniciados em teología; em 543 foi sole-
nemente rejeítada pelas autoridades da Igreja. A mesma condenacáo
ocorreu nos Concilios ecuménicos de Liao (1274) e Florenca (1439), que
ensinam a ¡mediata passagem desta vida para a sorte definitiva no além
(DS 857 [464] e 1306 [693]). O Concilio Vaticano II, por sua vez, fala do
"único curso da nossa vida terrestre (Hb 9,27)", tencionando assim opor-
se á teoría da migracáo das almas; cf. Lumen Gentium n9 48.

114
Queé?

O CISMA BIZANTINO

Em síntese: Os cristáos orientáis separaram-se da Santa Sé de


Roma em 1054, após séculos de litigios devidos a diferengas de cultura,
Ifngua, orientagáo política e administrativa. Sao chamados "ortodoxos"
porque nos séculos IV-VII, quando se debatiam as grandes verdades
sobre a SS. Trindade e Jesús Cristo, ficaram fiéis a reta doutrina. O artigo
a seguir descreve as peripecias que levaram ao cisma, sendo um dos
principáis arautos da cisáo o Patriarca Fócio, que fez do Filioque o gran
de argumento contra os cristáos do Ocidente.

Os fiéis católicos do Ocidente conhecem pálidamente os seus ir-


máos orientáis separados. Estes representam urna faccáo do Cristianis
mo veneravel por suas tradicoes e sua literatura teológica dos primeiros
séculos. A fim de proporcionar melhor entendimento do que seja a Orto
doxia oriental, apresentaremos, a seguir, a historia dos antecedentes do
cisma. No próximo artigo será considerado o ponto nevrálgico da ques-
táo, que é o debate sobre o Filioque.

1. As diferengas entre bizantinos e latinos

1. Há urna diversidade fundamental, que se manifestava de ma-


neiras diversas:

a) O genio. Os gregos eram intelectuais, cultores da filosofía, das


letras e das artes. A elaboracáo das grandes verdades da fé a respeito
da SS. Trindade e de Jesús Cristo deu-se no Oriente (até o Concilio de
Constantinopla III, 680/1). Por isto tendiam a desprezar os romanos e,
mais aínda, os bárbaros invasores, como rudes e incultos. - Os latinos
eram mais amigos da prática, da disciplina, do Direito; por isto tinham os
gregos na conta de frivolos, inconstantes e tagarelas (cf. At 17,21); dizia-
se no Ocidente: "Graeca fides, nulla fides", isto é, "palavra de grego, pa-
lavra nula". Essa diversa índole suscitou, a partir do século V, um antago
nismo crescente entre orientáis e ocidentais.

b) A língua. Os primeiros documentos da Roma crista eram redigi-


dos em grego. Depois do século IV, porém, esta língua desaparece do
Ocidente, dando lugar ao latim (= dialeto do Lacio ou da regiáo de Roma).
O latim era desprezado e desconhecido no Oriente, especialmente após
o Imperador Justiniano (t 565). É de notar, por exemplo, que o
115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

arquidiácono latino Gregorio (depois Papa), certamente homem de valor


intelectual, passou cinco anos na corte de Constantinopla como legado
papal, sem aprender o grego; julgava que isto nao valia a pena (fim do
século VI). - Ora a ignorancia mutua de línguas muito contribuiu para
que as comunicacóes entre Oriente e Ocidente se tomassem mais raras
e sujeitas a mal-entendidos; era preciso recorrer a intérpretes, que nem
sempre eram fiéis (tenham-se em vista as atas do Concilio Niceno II refe
rentes as imagens).

c) Liturgia e disciplina. Havia tradicóes diferentes no Oriente e no


Ocidente, no tocante, por exemplo, ao calendario de Páscoa, aos dias de
jejum (os latinos jejuavam no sábado; os gregos, nao), á materia da Eu
caristía (pao sem fermento ou ázimo no Ocidente; pao fermentado no
Oriente), ao celibato do clero, ao uso da barba (muito caro aos orien
táis)... Essas tradicóes, por nao afetarem as verdades da fé, eram perfei-
tamente aceitáveis; haveriam, porém, de tornar-se motivo de debates em
tempos de controversia.

2. Ao lado da diversidade fundamental, levemos em consideracáo


a mentalidade que se foi formando em Bizáncio ou o "bizantinismo".

Em 330 Constantino transferiu a capital de Roma para Bizáncio,


que ele quis chamar "a nova Roma". Esta fora até entáo urna localidade
insignificante, que muito sofrera por parte dos Imperadores Romanos.
Do ponto de vista eclesiástico, Bizáncio também carecía de significado; a
sua comunidade crista nao fora fundada por algum dos Apostólos (como
as de Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Roma...); o primeiro bíspo que
se Ihe conhece, Metrófanes, é do inicio do século IV (315-325) e
sufragáneo1 do metropolita de Heracléia.

Compreende-se entáo que, o prestigio que Bizáncio nao possuia


por suas tradicóes, os bizantinos o quisessem obter por suas reivindica-
cóes. De modo geral, ia-se tornando difícil aos bizantinos reconhecer a
autoridade religiosa de Roma, já que todo o esplendor da corte imperial
se havia transferido para Constantinopla.

Acresce que os Imperadores bizantinos, herdeiros do conceito pa-


gáo de Pontifex Maximus (Pontífice Máximo no plano religioso), se in-
geriam demasiadamente em questóes eclesiásticas, procurando manter
a Igreja oriental sob o seu controle. Os monarcas, ñas controversias teo
lógicas, muitas vezes favoreciam as doutrinas heréticas, contrapondo-se

1 A palavra sufragáneo supoe o seguinte: outrora as dioceses ou os bispados se


reuniam em provincias; os bispos da provincia escolhiam seu metropolita (seu
coordenador) e emitiam seu sufragio no Concilio provincial; daionome sufragáneo.
Atualmente sufragáneo é o bispo dependente de um arcebispo (numa dependencia
assaz tenue).

116
O CISMA BIZANTINO 21

assim a Roma e ao seu bispo, que difundiam a reta fé. Os Patriarcas de


Constantinopla, por sua vez, muito dependentes do Imperador, procura-
vam a preeminencia sobre as demais sedes episcopais do Oriente e que-
riam rivalizar com o Patriarca de Roma, sucessor de Pedro, aderindo á
heresia e provocando cismas: dos 68 Bispos de Constantinopla desde
Metrófanes até Fócio (858), um dos vanguardeiros da ruptura, 21 foram
partidarios da heresia; do Concilio de Nicéia I (325) até a ascensáo de
Fócio (858), a sede de Bizáncio passou mais de 200 anos em ruptura
com Roma.

Registraram-se mesmo atos de violencia cometidos por Imperado


res contra alguns Papas: Justino I mandou buscar á forca o Papa Vigílio
em Roma e quis obrigá-lo a subscrever normas religiosas baixadas pelo
monarca (cerca de 550); Constante II procedeu de forma análoga contra
o Papa Martinho I, que em Roma (649) se opusera á heresia monotelita,
favorecida pelo Imperador; Justiniano II mandou prender em Roma o Papa
Sergio I, que nao quería reconhecer inovacoes promulgadas pelo Conci
lio Trulano II (692); Leáo III, iconoclasta, em 731 subtraiu a Roma a juris-
dicáo sobre a I liria e sobre parte do "Patrimonio de S. Pedro" (Italia meri
dional).

3. O distanciamento entre orientáis e ocidentais ainda foi acentua


do pela criacáo do "Sacro Imperio Romano da Nacáo dos Francos", cujo
primeiro Imperador Carlos Magno recebeu a coroa, em 800, das máos do
Papa Leáo III. - O descaso ou a hostilidade dos bizantinos associado á
opressáo dos lombardos no Norte da Italia, dera motivo a que os Papas
se voltassem aos poucos, com olhar simpático, para o povo recém-con-
vertido dos francos, pedindo-lhes o auxilio necessário para instaurar nova
ordem de coisas no Ocidente. A entrega da coroa imperial a Carlos Mag
no visava a prestigiar os francos nessa sua missáo. Como se compreen-
de, em Bizáncio tal ato foi mal acolhido; os orientáis julgavam que só
podia haver um Imperio crístáo, como só pode haver um Deus; o Impera
dor reinava em nome de Cristo e era como que o representante visível da
unidade da Igreja; daí grande surpresa e escándalo quando souberam
que o bispo de Roma sagrara em 800 um "bárbaro" para governar um
segundo Imperio cristáo!

Apesar de tudo, deve-se dizer que até o século IX o primado de


Roma ainda era satisfatoriamente reconhecido pelos orientáis. A tensao
de ánimos se manifestou em termos novos e funestos sob a chefia dos
Patriarcas Fócio (t 897) e Miguel Cerulário (t 1059).

2. A ruptura sob Fócio

Em 858 foi ílegitimamente deposto por adversarios políticos o Pa


triarca Inácio de Constantinopla. Em seu lugar, subiu á cátedra episcopal

117
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

um comandante da guarda imperial, Fócio, que o Imperador favorecía. O


novo prelado recebeu em cinco dias todas as ordens sacras e foi
empossado, sem que a sé estivesse vaga (pois Inácio nao renunciara).

Nao conseguindo impor-se ao bispo de Roma, que em 863 o de-


clarou destituido das funcóes pastorais, Fócio, aínda apoiado pelo Impe
rador, abriu violenta campanha contra os cristáos ocidentais. A situacáo
se tornou mais tensa pelo fato de que o Papa Nicolau I enviou missioná-
rios latinos a Bulgaria, cujo rei Bóris, recém-batizado, hesitava entre a
obediencia a Roma e a obediencia a Constantinopla. A entrada dos lati
nos em territorio táo próximo das fronteiras gregas irritou os bizantinos; a
cólera chegou ao auge quando estes souberam que legados de Roma
estavam a caminho de Constantinopla, onde deveriam informar o Impe
rador de que a Bulgaria se tornara decididamente latina. Presos antes de
penetrarem em territorio imperial, os legados do Papa foram expulsos
(866); Fócio envíou urna carta aos bispos do Oriente condenando a con-
duta dos "ocidentais bárbaros": além da evangelizacáo da Bulgaria, cen-
surava-os porpraticarem o jejum no sábado, celebrarem a Eucaristía com
pao ázimo e, principalmente, porterem acrescentado o Filioque ao Sím
bolo da Fé. Fócio levantou com veeméncia contra os ocidentais a acusa-
gao de terem alterado o Credo,

Por conseguinte, um Concilio reunido em Constantinopla em 867


depós Nicolau I, que morreu naquele mesmo ano, dez dias depois que o
Patriarca Fócío fora destituido por urna revolucáo palaciana. Inácio foi
recolocado na sé patriarcal. Em 869/70 celebrou-se o oitavo Concilio
Ecuménico em Constantinopla, sob a direcio de tres legados papáis; foi
excomungado Fócio e a comunháo com Roma foi restabelecida. Mas de
novo em 879 Fócio assumiu a sé de Constantinopla; reuniu um sínodo
nesta cidade em 879/80, que rejeitou o de 869/70 e hostilizou os latinos
(os gregos consideram este o oitavo Concilio Ecuménico). Fócio morreu
num mosteiro em 897 ou 898. Os Patriarcas seguintes restauraram e
confirmaram a uniáo com Roma, a qual, porém, estava gravemente aba
lada após tantas discordias.

3. A cisao definitiva em 1054

O século X foi marcado pela criacáo do Sacro Imperio Romano da


Nacáo Germánica com a dinastía dos Otos (962) - o que muito irritou os
bizantinos, que viam nesse fato a renovacáo do gesto de 800 (coroacáo
de Carlos Magno Imperador). As relacóes com Roma eram frias; bastaría
um pequeño incidente para reavivar as acusacóes feitas no passado.
Isto, de fato, aconteceu em 1014: o Papa Bento VIII introduziu o Filioque
no canto da Igreja Romana a pedido do Imperador Henrique II. O Patriar
ca bizantino Sergio II reagiu propagando os escritos de Fócio sobre o

118
O CISMA BIZANTINO 23

assunto. Em 1043 tornou-se Patriarca de Constantinopla Miguel Cerulário,


homem ambicioso, que deu livre curso á paixáo anti-romana; em 1053
mandou fechar as igrejas dos latinos em Constantinopla e confiscou os
mosteiros destes; acusava-os principalmente de usar pao ázimo na Eu
caristía; um dos funcionarios imperiais parece ter calcado aos pés as
hostias dos "azimitas" como nao consagradas. Estes fatos causaram gran
de agitacáo no Ocidente; o Cardeal Humberto da Silva Candida, erudito
e talentoso, escreveu um "Diálogo", em que refutava as objecóes dos
gregos e os acusava de Macedonismo (por nao aceitarem o Filioque)

Todavía o Imperador bizantino Constantino IX desejava boas rela-


coes com o Papa Leáo IX para que este o ajudasse a combater os
normandos, que devastavam as possessóes bizantinas na Italia Meridio
nal; em resposta a urna carta do Imperador, Leáo IX enviou urna legacáo
a Constantinopla em 1054, composta pelo Cardeal Humberto da Silva
Candida e por dois outros prelados. O Imperador mandou queimar um
libelo acusatorio anti-romano para favorecer o diálogo. Mas Miguel
Cerulário se mostrou intransigente; chegou a proibir os ocidentaís de
celebrar Missa em Constantinopla. Á vista disto, os legados romanos re-
agiram com o recurso extremo: aos 16/07/1054, em presenca do clero e
do povo depositaram sobre o altar-mor da basílica de Santa Sofia em
Constantinopla urna Bula de excomunháo contra Cerulário e seus segui
dores; despediram-se do Imperador e tomaram o caminho de volta para
Roma. - Os legados papáis julgavam que, diante deste gesto, o Patriar
ca retrocedería. Em váo, porém. Miguel Cerulário excitou tumulto em
Constantinopla contra o Imperador acusado de cumplicídade com os ro
manos; Constantino IX reagiu violentamente. Num Sínodo o Patriarca
pronunciou o anatema sobre o Papa e seus legados e promulgou um
manifestó que convidava os demais bispos do Oriente a se Ihe associa-
rem. Na verdade, o proceder de Cerulário foi em breve imitado pelos
outros bispos orientáis e pelos povos evangelizados por Bizáncio (servios,
búlgaros, rumenos, russos), acarretando a grande divisáo que até hoje
perdura apesar das tentativas de reatamento que se deram nos séculos
XIII e XV.

Quanto a Cerulário, levou sua paixáo ao ponto de reivindicar para


si as insignias imperiais; por ¡sto em 1057 foi exilado pelo Imperador
Isaac I e morreu no desterro em 1059.

A excomunháo mutua de Roma e Constantinopla foi cancelada após


o Concilio do Vaticano íleo caminho está aberto para bom entendimento
entre orientáis e latinos.

119
Um ponto nevrálgico:

A QUESTÁO DO FILIOQUE

Em síntese: As relagóes entre cristáos gregos e latinos se torna-


ram tensas por um motivo teológico: o Espirito Santo procede do Pai e do
Fíího? (posigao latina) ou procede do Pai pelo Filho? (posigáo grega). A
controversia se tornou candente nos sáculos IX-XI, levando ao cisma
bizantino de 1054, cisma que até hoje perdura, embora as conversagóes
dos teólogos de parte a parte estejam contribuindo para aproximar entre
si os irmáos. No fundo, pode-se dizer que a controversia é mais lingüísti
ca do que propriamente teológica: gregos e latinos nao entendem do
mesmo modo o vocábulo "proceder".

Dando continuidade ao artigo anterior, voltamos-nos explícitamen


te para a controversia do Filioque, tida pelos gregos como motivo de
cisma em 1054. Na verdade, o Evangelho afirma que o Espirito Santo
procede do Pai (cf. Jo 15,26); o Credo níceno-constantinopolitano (381)
repetiu esta profissáo de fé. Todavía os latinos acrescentaram ao Credo
a partícula Filioque, professando que o Espirito procede do Pai e do
Filho. Isto deu origem a calorosa controversia, pois os cristáos orientáis
se puseram a acusar os ocidentais de haver alterado o Símbolo da Fé.

A seguir, examinaremos o desenrolar dos acontecimentos desde o


inicio e a atual posicáo da Igreja.

1. O Problema Lingüístico

A doutrina segundo a qual o Espirito Santo procede do'Pai, está no


Evangelho de S. Joáo: "...o Espirito da verdade, que procede
(ekporeúetai) do Pai" (15,26).

A Escritura também se refere á relacáo do Espirito com o Filho,


quando Jesús diz: "Receberádo que é meu e vó-lo anunciará" (Jo 16,14s)
ou ainda: "Quando vier o Paráclito, que vos enviare! de junto do Pai" (Jo
15,26).

Estes dizeres levaram alguns Padres gregos a afirmar que o Espi


rito Santo é "do Pai e do Filho". Assim S. Cirilo de Alexandria (t 444):

"O Espirito é o Espirito de Deus Pai e, ao mesmo tempo, Espirito


do Filho, saindo substancialmente de ambos simultáneamente, isto é,
derramado pelo Pai a partir do Filho" (De adoratione, livro 1, PG 68, 148).

120
A QUESTÁO DO FILIOQUE 25

S. Joao Damasceno (t 749) professava:

"O Espirito Santo provém das duas Pessoas simultáneamente" (De


recta fide 21, PG 76,1408).

S. Epifánio de Salamina (t 403) escrevia:

"É preciso crer, a respeito de Cristo, que Ele vem do Pai, é Deus
proveniente de Deus, e, a respeito do Espirito, que Ele provém do Cristo,
ou, melhor, de ambos, pois Cristo disse: '...Eleprocede do Pai' e 'recebe-
rá do meu'" (Ancoratus 67).

"Já que o Pai chama Filho o que procede do Pai e Espirito Santo o
que provém de ambos,... fica sabendo que o Espirito Santo é a luz que
vem do Pai e do Filho" (Ancoratus 71).

Dídimo de Alexandria (t 398) professava, comentando palavras de


Jesús:

"Ele nao talará sem mim e sem a decisáo do Pai, porque Ele nao
tem orígem em si, mas é do Pai e de mim. Pois o que Ele é como subsisten
cia e como palavra, Ele o é pelo Pai e por mim" (De Spiritu Sancto 34).

Deve-se observar que tais autores admitem, de certo modo, a ori-


gem do Espirito Santo a partir do Pai e do Filho, mas nao dizem que o
Espirito procede do Filho. Segundo esses escritores, o Espirito procede
do Pai pelo Filho ou ainda provém do Filho, mas nao procede do Filho.
Acontece, porém, que, para os latinos, a traducáo do verbo ekporeuetai,
proceder, nao tinha exatamente o mesmo sentido que para os gregos.
Para estes, ekporeuetai significava procedencia a partir de um Principio
absoluto, nao procedente, nao gerado, como somente é o Pai; o Filho é
um Principio gerado, do qual, por conseguinte, nao se pode dizer que
dele procede (ekporeuetai) o Espirito Santo.1

Já que os latinos traduziam ekporeúesthai por procederé, enten


dido como "derivar-se de, originar-se de, provir de ..."; aplicaram o verbo
latino para designar a relacáo do Filho com o Espirito Santo2. Ora isto
ofendeu os gregos, que fizeram deste gesto a ocasiáo de candente litigio
até hoje nao plenamente resolvido.

O desenrolar dos acontecimentos vai, a seguir, apresentado.

1 Quando se fala do Pai como principio absoluto, nao se tenciona dizer que o Filho é
relativo ou é inferior ao Pai. Em Deus nao há maiorou menor nem anterior ou poste
rior.
2 Do verbo latino faz-se processáo, vocábulo da Teología Sistemática, que difere de
procissáo.

121
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

2. As etapas da controversia

A profissáo de fé mais antiga que menciona a proveniencia do Es


pirito a partir do Pai e do Filho é um Credo atribuido a S. Dámaso Papa
(366-384)1. Outras profissóes de fé dos séculos IV-VI incluem o Filioque,
geralmente na Espanha, onde estava difundida a concepcáo do Filioque.

Compreende-se entao que alguns Concilios regionais de Toledo


tenham feito idéntica declaracao. Foi o que se deu em 447, 633, 638...

Muito mais importante e ousada foi a insercáo do Filioque no Cre


do niceno-constantinopolitano. Os Concilios da Espanha adotaram esta
medida no intuito de mais difundir tal crenca. O primeiro testemunho de
tal insercao data de 589: o Concilio de Toledo III recitou o símbolo da fé
com o Filioque, e pronunciou o anatema sobre quem recusasse crer que
o Espirito Santo procede do Pai e do Filho; os conciliares, por quanto se
depreende das atas do Concilio, julgavam que tal doutrina já fora profes-
sada por Nicéia I e Constantinopla I. - A insercáo do Filioque no símbolo
foi igualmente professada pelos Concilios regionais de Toledo VIII (653),
XII (681), XIII (683), XIV (688), XVII (694), como também pelo 49 Concilio
regional de Braga (675) e pelo de Mérida (666).

Enquanto isto acontecía, alguns teólogos rejeitavam o acréscimo


do Filioque ao símbolo. A sé de Roma ou os Papas aceitavam a doutrina
do Filioque, mas nao favoreciam a insercáo feita no Credo; repetida
mente rejeitaram instancias de cristáos sinceros que pediam á Santa Sé
0 reconhecimento e a oficializacáo do Filioque no símbolo de fé. Tinham
consciéncia de que tal gesto podía melindrar os gregos, que, por razóes
culturáis, lingüísticas e políticas, se distanciavam aos poucos da Sé de
Roma (desejosos de fazer de Constantinopla a Nova Roma). Por conse-
guinte, nos séculos VI/VIII os Papas se abstinham de falar do Filioque
na sua profissáo de fé.

Da península ibérica a profissáo do Filioque passou para o reino


dos francos. Como atestam os Livros Carolinos, redigidos em 794 por
ordem de Carlos Magno, tal uso era comum no territorio franco. A propa-
gacáo deste costume era, em grande parte, movida pelo desejo de afas-
tar qualquer heresia que restaurasse o adopcionismo ou o
subordinacionismo. Em 809 o Filioque era cantado na cápela de Carlos
Magno.

No séc. VIII deu-se ainda o caso dos monges latinos de Jerusalém.


Com efeito; Carlos Magno estava em boas relacóes com o Califa Haroum
- al - Raschid, senhor da Térra Santa; em conseqüéncia o califa outorgou
ao rei dos francos urna certa soberanía sobre Jerusalém. Havia monges

1 Há quem diga que a príoridade toca a S. Ambrosio de Miláo (f 397).

122
A QUESTÁO DO FILIOQUE 27

latinos estabelecidos no monte das Oliveiras, que seguiam suas Regras


como eram vigentes no país franco e, por isto, cantavam o Filioque no
Credo. Quando certo dia os monges gregos os depreenderam observan
do este costume ocidental, acusaram-nos de heresia e os agrediram,
considerando-os bárbaros. Os monges latinos entáo apelaram para o
Papa Leáo III. Este houve por bem escrever urna encíclica, que ele en-
viou aos monges francos de Jerusalém, dizendo-lhes:

"Nos vos enviamos este símbolo de fé ortodoxa, para que vos, as-
sim como o mundo inteiro, guardéis inviolavelmente a fé segundo a pro-
fissáo da Igreja Romana Católica e Apostólica".

O Papa acrescenta por duas vezes que o Espirito procede do Pai e


do Filho, e termina afirmando que este artigo pertence á íntegra da fé
católica.

Leáo III enviou a Carlos Magno a carta dos monges de Jerusalém,


já que estes contavam com a tutela do monarca. O Imperador entáo reu-
niu um sínodo em Aquisgrano (809), que reafirmou a doutrina do Filioque
e cujas atas foram enviadas ao Papa mediante delegados. O Papa rece-
beu estes emissários; mostrou-se plenamente de acordó com as conclu-
soes do Concilio de Aquisgrano fundamentadas na tradicáo latina, mas
nao quis consentir na insercáo do Filioque no Credo, mantendo assim a
posicáo de seus antecessores. Eis o trecho final do diálogo de Leáo III
com os legados francos:

"Legados: Cantar o Credo sem o Filioque nao dará aos fiéis a


ocasiáo de crer que tal palavra foi condenada? Que remedio podemos
dar a isto?

O Papa: Se de antemáo me tivessem consultado sobre o acrésci-


mo, eu o teña proibido. Eis agora o expediente que me aflora á mente:
pouco a pouco no palacio imperial deixai de cantar o Filioque no símbolo
de fé; dai como razáo para isto o fato de que nao é cantado na Santa
Igreja Romana. Quando tiverdes cessado de o fazer, todos também ces-
saráo. Desta maneira os fiéis guardaráo o que tiverem aprendido, e de
saparecerá um canto ilícito sem escándalo para a fé".

Esta declaracáo revela bem a prudencia da Santa Sé, que, apesar


de tudo, nao conseguiu convencer os francos, levando-os á obediencia,
e quería evitar novos choques com os gregos. Para evitar, frente a estes,
qualquer mal-entendido, Leáo III mandou gravar sobre duas placas de
prata o mesmo texto do Credo Niceno-Constantinopolitano em grego e
em latim e quis que fossem afixadas na confissáo (altar-mor) de Sao
Pedro como testemunho de comunháo de fé entre o Oriente e o Ocidente.

A pressáo dos cristáos ocidentais continuou a se exercer sobre a

123
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Santa Sé, que resistiu até o século XI. Em 1013, porém, o Imperador
Henrique II (1002-1024) ¡nstou, mais urna vez, junto ao Papa Bento VIII
(1012-1024) para que inserisse o Filioque no canto do Credo em Roma;
o Pontífice anuiu ao pedido em 1014, ficando assim os latinos unánimes
na observancia de tal praxe.

No século IX, o Patriarca Fócio de Constantinopla levantou de novo


a questáo acusando os latinos de ser "transgressores da Palavra de Deus,
corruptores da doutrina de Jesús Cristo, dos Apostólos e dos Padres;
seriam novos Judas a dilacerar os membros de Cristo". O Patriarca era
movido nao somente por zelo religioso, mas também por ambicáo políti
ca, já que desejava exaltar a nova Roma em detrimento da primeira.
Redigiu urna carta encíclica aos Patriarcas e Arcebispos do Oriente, em
que abordava questóes discutidas, inclusive a do Filioque, e chegou a
escrever:

"O símbolo de fé diz somente que o Espirito Santo procede do Pai.


Por conseguinte o símbolo afirma que o Espirito Santo procede do Pai
somente".

Como se vé, Fócio usa urna dialética vazia, que peca contra as
regras da Lógica, maltratando o adverbio somente.

Em 867, Fócio reuniu em Constantinopla um Concilio anti-romano,


pouco freqüentado.

Depois de Fócio, a situacáo se acalmou até o Patriarca Sísimo, de


Constantinopla, que em 995 renovou os ataques aos latinos. As suas
invectivas chegaram ao termo final sob o Patriarca Miguel Cerulário, quan-
do em 1054 se deu a ruptura, até hoje existente, entre gregos e latinos.

De entáo por diante o Filioque foi sendo abertamente professado


pelos Papas e pelos Concilios do Ocidente. Com efeito, em 1098 um
Concilio em Bari (Italia) travou um debate com os gregos, professando o
Credo ampliado. Em 1215 o Concilio do Latráo IV professou a processao
do Espirito a partir do Pai e do Filho na sua exposicáo dogmática Firmiter
credimus. Em 1274 o Concilio de Liáo II condenou com anatema os que
negavam tal artigo.

Ao afirmar que o Espirito procede do Pai e do Filho, os latinos nao


quiseram negar a fórmula grega"... do Pai pelo Filho"; elas se conciliam
entre si, pois que o Pai gera o Filho dando-lhe a peculiaridade de ser
Principio do qual procede o Espirito Santo (está claro que isto nao impli
ca prioridade de dignidade ou de tempo para o Pai em relacáo ao Filho e
ao Espirito Santo).

A teología escolástica medieval latina, seguindo as pegadas de

124
A QUESTÁO DO FILIOQUE 29

Santo Agostinho (t 430), prova que o Espirito Santo procede do Filho,


pois, se assim nao fosse, nao se distinguiría do Filho. Com efeito, em
Deus há urna só esséncia ou divindade, na qual só pode haver distincáo
onde há oposicáo relativa; ora, para que o Espirito se distinga do Filho,
tem que se Ihe opor como o termo de processáo se opóe ao ponto de
partida da processáo.

3. A atual posicáo da Igreja Católica

A Igreja Católica continua a professar o Filioque em sua Liturgia e


em suas diversas declaracoes, mas nao impóe aos orientáis a sua inser-
cáo no Credo.

Assim já no Concilio de Liáo II (1274) o Papa Gregorio X pediu aos


gregos que reconhecessem a verdade dogmática do Filioque, mas nao
os obrigou a cantar o símbolo da fé com esse acréscimo. Mesmo assim
os gregos presentes a tal Concilio cantaram o símbolo com a partícula
controvertida.

Também no Concilio geral de Florenca, o Papa Eugenio IV (1431-


1447) nao obrigou os gregos a cantar o Credo ampliado. Da mesma for
ma Clemente VIII (1592-1605) nao exigiu que os rutenos uniatas1 cantas-
sem o Filioque, desde que o aceitassem como artigo de fé. Mais impor
tante ainda é a bula Etsi Pastoralis de Bento XIV, promulgada em 1742,
que reza explícita e definitivamente:

"Embora os gregos tenham a obrigagáo de crer que o Espirito San


to procede também do Filho, nao sao obrigados a professá-lo no símbolo".

Esta regra está vigente até nossos dias.

Em 1995 deu-se um acontecimento significativo: o Patriarca


Bartolomeu I, de Constantinopla, esteve reunido com o Papa Joáo Paulo II
aos 29/06 na basílica de Sao Pedro em Roma, ocasiáo em que o Papa
pediu ao Pontificio Conselho para a Unidade dos Cristáos que esclare-
cesse a questáo do Filioque, a fim de facilitar o bom relacionamento
com os orientáis. Desse pedido resuitou um longo texto assinado aos 08/
09/1995, do qual extraímos a seguinte passagem, que reafirma quanto
foi dito na Licáo 1 deste Módulo:

"Apresentamos aqui o sentido doutrinal auténtico do Filioque na


base da fé trinitaria professada pelo Concilio Ecuménico de
Constantinopla. Damos esta interpretacáo abalizada, conscientes da po-

1 Rutenos sao os cristáos dependentes da antiga metrópole Kiev (Ucrania), que após
o cisma se uniram á Santa Sé pelo tratado de Brest-Litovak (25/12/1595). Sao ditos
"uniatas" porque se uniram a Roma.

125
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

breza da linguagem humana para exprimir o inefável misterio da SS. Trin-


dade...

A Igreja Católica interpreta o Filioque referindo-o á sentenga


normativa e irrevogável do Concilio Ecuménico de Constantinopla em
seu símbolo... Na base da tradlgáo teológica latina anterior, alguns Pa
dres do Ocidente, como S. Hilario, S. Ambrosio, S. Agostinho e S. Leáo
Magno, haviam professado que o Espirito Santo procede (procedit) eter
namente do Pai e do Filho.'

Como a Biblia latina (a Vulgata e as tradugóes latinas anteriores)


tinha traduzido Jo 15,26 (para tou Pairos ekporeúetal) por qui a Paire
procedit, os latinos traduziram o ék tou Pairos ekporeuómenon do Sím
bolo niceno-constatinopolitano por ex Paire procedentem. Assim foi cri
ada uma falsa equivalencia a propósito da origem do Espirito Santo entre
a teología oriental da ekpóreusis e a teología latina da processio.

A ekpóreusis grega significa apenas a relagáo de origem do Espi


rito frente ao Pai táo somente, Pai que é o Principio sem principio da
Tríndade. Ao contrario, a processio latina é um termo mais ampio que
significa a comunicagao da divindade consubstancial do Pai ao Filho e
do Pai, com e pelo Filho, ao Espirito Santo. Confessando o Espirito San
to ex Paire procedentem, os latinos supunham um Filioque implícito,
que seria explicitado mais tarde na sua versáo litúrgica do Credo" (Ver La
Documentation Catholique, 5/11/1995, p. 942).

Esta explicacáo, como dito, nao é senáo a que propusemos em


nosso primeiro subtítulo pp. 120s. - Reduz o problema a um mal-enten
dido lingüístico. É para desejar que encontré acolhida entre os nossos
irmáos orientáis.

1 S. Hilario de Poitiers (f 367) escreve: "A quemjulga que há díferenga entre receber
do Filho (Jo 16,15) e proceder (procederé) do Pai (Jo 15,26), respondemos que é
certo que é uma só e mesma coisa receber do Filho e receber do Pai" (De Trím'tate
VIH 20). É neste sentido da comunicagao da Divindade pela processáo que S.
Ambrosio de Miláo formula o Filioque: "O Espirito Santo, quando procede (procedit)
do Pai e do Filho, nao se separa do Painem se separa do Filho" (De Spiritu Sancto
I, 11,120). Desenvolvendo a teología do Filioque, S. Agostinho quis salvaguardar a
monarquía do Pai no seio da comunhio consubstancial da Tríndade: "O Espirito
Santo procede do Pai a titulo de principio (principaliter), e, pelo dom intemporal do
Pai ao Filho, procede do Pai e do Filho em comunháo (communiter)" (De Trinltate
XV25,47). VerS. Leáo Magno, sermóes LXXV.3 e LXXVI, 2.

126
Graves mal-entendidos:

VENDA DE INDULGENCIAS?

Em síntese: O Papa Joáo Paulo II houve porbem anunciar para o


ano 2000 a concessáo de indulgencias a quem se abstiver de gastos
supéríluos e ajudar os irmaos necessitados valendo-se da quantia eco
nomizada. Tal noticia foi distorcida pela imprensa, que voltou a falar de
"venda de indulgencias" e equiparou as indulgencias á redugáo de pena
parcial ou total oferecida pela Justiga humana. - Em vista dos mal-enten
didos, vai, a seguir, exposto o conceito de indulgencia, com sua funda-
mentagáo bíblica e as normas de sua aplicagáo na Igreja. A indulgencia
recaí nao sobre o pecado (ela supóe o perdáo do pecado), mas sobre a
expiagáo a ser prestada para reparar a ordem destruida pelo pecado.

Preparando o jubileu do ano 2000, o Santo Padre Joáo Paulo II


houve por bem anunciar a concessáo de indulgencias a quem pratique
boas obras, como a abstinencia de gastos supérfluos (fumo, álcool...) de
modo a oferecer aos irmáos necessitados a quantia assim economiza
da1. Desta forma o S. Padre tenciona afervorar a vida dos fiéis católicos,
propondo-lhes estímulo para urna conversáo mais radical. A imprensa,
porém, distorceu a noticia, cometendo graves erros. Eis o que a propósi
to escreveu o JORNAL DO BRASIL em 28/11/98, p. 10:

"A bula papal para o ano 2000 sugere a renuncia a prazeres pesso-
ais e a solidariedade com o próximo, como formas de se obtera indulgen
cia, a libertagáo de urna punigáo pelos pecados. A indulgencia concedida
pela Igreja nao é diferente de urna redugáo de pena, parcial ou total,
oferecida pela Justiga...

O comercio das indulgencias foi um capítulo constrangedor da his


toria da Igreja Católica, que precipitou o nascimento do protestantismo...
Para obtero documento (= indulgencia), era preciso dar urna esmola subs
tancial".

Ora deve-se afirmar, a bem da verdade, que nunca ocorreu venda


de indulgencia nem de perdáo dos pecados, como será explicado a se
guir. Também será evidenciado que a instituicáo das indulgencias é algo
de bem diverso da reducáo de pena infligida pela Justiga humana.

Em vista dos equívocos existentes sobre o assunto, o S. Padre


1 Ver o texto de Penitenciaria Apostólica á p. 142 deste fascículo.

127
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Paulo VI, a 15/01/1967, promulgou a Constituicáo Indulgentiarum


Doctrina, na qual propoe em termos simples e claros tanto os funda
mentos bíblicos e teológicos quanto as normas jurídicas e práticas que
regem o instituto das indulgencias. Visava assim a dissipar os conceitos
equivocados sobre o significado e o valor das indulgencias. O teor deste
documento será, a seguir, exposto em suas grandes linhas.

1. Indulgencias: que sao?

Para ter nocáo do que sao as indulgencias na Igreja, devemos


aprofundar sucessivamente quatro proposigóes doutrinárias, a saber:

1) Todo pecado acarreta a necessidade de expiacáo ou reparacáo.

2) Em vista da reparacao, existe na Igreja o tesouro infinito dos


méritos de Cristo, que frutificou nos méritos da Bem-aventurada Virgem
María e dos demais Santos.

3) Cristo confiou á sua Igreja o poder das chaves para administrar


o tesouro da Redencáo.

4) Fazendo uso deste poder, a Igreja, em determinadas circunstan


cias, houve por bem aplicar os méritos de Cristo aos penitentes dispos-
tos a expiar os pecados.

Examinemos mais profundamente estas proposicoes.

1.1. Necessidade de expiacáo

1) O amor a Deus, num cristáo, pode coexistir com tendencias des-


regradas e pecados leves (ao menos, semideliberados). Há, sim, em todo
individuo humano um lastro ¡nato de desordem: egoísmo, vaidade, amor
próprio, covardia, negligencia, moleza, infidelidade... acham-se tao inti
mamente arraigados no interior do homem que chegam por vezes a acom-
panhar as suas mais serias tentativas de se elevar a Deus e dar a Deus
o lugar primacial que Ihe toca na criatura. A psicología das profundidades
ensina que essas tendencias nem sempre sao conscientes, mas muitas
vezes atuam no nosso subconsciente ou no inconsciente.

2) Mais: todo pecado (principalmente quando grave, mas também


a falta leve) deixa na alma resquicio de si ou urna inclinacao má (metafó
ricamente:... deixa urna cicatriz, deixa um pouco de ferrugem na alma,
dificultando-lhe a prática do bem). Com efeito; o pecado implica sempre
urna desordem. Quando, após o pecado (grave ou leve), a pessoa se
arrepende e pede perdáo a Deus, o Pai do céu perdoa (o Senhor nunca
rejeita a contricáo sincera). Mas o amor do pecador arrependido, por mais
genuino e leal que seja, pode nao ser suficiente para extinguir todo res
quicio de amor desregrado, egoísta, existente na alma. Em conseqüén-

128
VENDA DE INDULGENCIAS? 33

cia, o pecador arrependido recebe o perdáo do seu pecado, mas aínda


deve libertar-se da desordem deixada pelo pecado em sua alma; quantas
vezes se verifica que, mesmo após urna confissáo sincera e contrita, o
cristao recaí ñas faltas de que se arrependeu! Isto se deve ao fato de que
ficou no seu íntimo a raiz ou o principio do pecado. Figuradamente, póde
se dizer que o cristao arranca a folha e o caule da tiririca, mas difícilmen
te arranca também o caroco ou a raiz da tiririca; esta se manifesta dentro
em pouco, através de novos pecados. Para extirpar o principio do peca
do remanescente, o cristao deve excitar e exercitar mais intensamente o
amor a Deus. Ora este estímulo do amor a Deus se realiza mediante a
satisfacáo ou atos de penitencia que despertem e fortalecam o amor a
Deus no íntimo do cristao.

Notemos bem: a satisfacáo assim entendida nao deve ser compa


rada a urna multa mais ou menos arbitraria imposta por Deus ou a um
castigo vingativo; é, antes, um auxilio medicinal; é também urna exigen
cia do amor do cristao a Deus, amor que, estando debilitado, pode ser
corroborado e purificado.

Exprimindo estas verdades em termos precisos, o Concilio de Trento


em 1547, frente as objecóes protestantes, fez importantes declaragoes.
Rejeitou, por exemplo, a sentenca segundo a qual "a todo pecador peni
tente que tenha recebido a graca da justificacáo, é de tal modo perdoada
a ofensa e desfeita e abolida a obrigacáo de pena eterna que nao Ihe tica
pena temporal a padecer ou neste mundo ou no outro, no purgatorio,
antes que Ihe possam ser abertas as portas para o reino dos céus"
(Enquirídio, DS ne 1580 [840]).

O Concilio de Trento declarou ainda:

"No tocante á satisfagáo, é de todo falso e alheio á Palavra de Deus


afirmar que a culpa nunca é perdoada. Com efeito, ñas Escrituras Sagra
das encontram-se claros e famosos exemplos que... refutam este erro
com plena evidencia" (DS 1689-[904]).

A culpa é perdoada, sim. Mas a Escritura mostra que, mesmo de-


pois de perdoada, o Senhor Deus exige satisfacáo ou reparacáo da or
dem violada pelo pecado. Esta exigencia se compreende muito bem se
levamos em conta o seguinte:

Quem rouba um relógio, pode pedir e receber o perdáo do respec


tivo proprietário, mas este exigirá que a ordem seja restaurada ou que o
relógio volte ao seu dono.

Quem difama caluniosamente o próximo, pode pedir e receber o


perdáo deste, mas a pessoa difamada exigirá que se restaure a fama a
que tem direito.

129
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Também os pecados meramente internos (de pensamento e dese-


jo) alimentam ou suscitam a desordem interna no pecador, de modo que
este tem que restaurar ou introduzir a ordem em seu íntimo mediante
atos de penitencia ou renuncia. Tenhamos em vista os seguintes casos:

Davi, culpado de homicidio e adulterio, foi agraciado ao reconhe-


cer o delito; nao obstante, teve que sofrer a pena de perder o filho do
adulterio (cf. 2Sm 12,13s).

Moisés e Aaráo cederam a pouca fé em dados momentos da sua


vida; por isto foram pelo Senhor privados de entrar na Térra Prometida,
embora nao haja dúvida de que a culpa Ihes tenha sido perdoada (cf. Nm
20,12s;27,12-14; Dt 34,4s).

Em outros casos, o perdáo é estritamente associado a obras de


expiacao:

Assim o profeta Joel, com a conversáo do coracáo, exige jejum e


pranto (cf. JI2,12s).

O velho Tobit ensina a seu filho que a esmola o libertará de todo


pecado e da morte eterna (cf. Tb 4,11s). Algo de semelhante é anunciado
por Daniel ao rei Nabucodonosor (cf. Dn 2,24).

3) Levemos em conta também que, mesmo após haver recebido o


perdáo de seus pecados, o homem fica sendo responsável pela desor
dem que o pecado geralmente acarreta para o próximo e para o mundo.
As palavras e as acóes de um homem tém freqüentemente dimensoes
muito mais ampias do que as do momento presente; seus efeitos esca-
pam as previsóes e ao controle de quem as produz. Nao é raro que no
decorrer de sua peregrinacáo terrestre o homem deixe marcas de sua
atividade que continuaráo atuantes mesmo depois da morte do respecti
vo sujeito.

1.2. O tesouro dos méritos de Cristo confiado á Igreja

Em vista da expiacáo dos pecados, existe na Igreja um tesouro


infinito de méritos que Cristo adquiriu mediante a sua Paixáo e Morte;
esse tesouro frutificou nos méritos da Bem-aventurada Virgem María e
dos Santos. É chamado "o tesouro da Igreja".
Cristo confiou á sua Igreja as chaves para administrar o tesouro da
Redencáo, como se depreende de textos como o de Mt 16,16-19; 18,18;Jo
20,22s.

1.3. A aplicacáo dos méritos de Cristo ou a ¡nstituicáo das in


dulgencias

Consciente do poder das chaves que Cristo Ihe concedeu, a Igre-

130
VENDA DE INDULGENCIAS? 35

ja, no decorrer dos tempos, resolveu aplicá-lo em favor dos cristáos peni
tentes que aínda tivessem de prestar expíacáo por seus pecados.

Com efeito. Sabemos que nos primeiros séculos os pecadores que


desejassem a absolvicáo de suas faltas, deviam primeiramente prestar
satisfacáo por elas, tentando extirpar do seu íntimo as raízes do pecado.
Por conseguinte, a Igreja Ihes impunha urna penitencia que, para ser
medicinal, costumava ser rigorosa (assim, por exemplo, urna Quaresma
de jejum, em que o penitente se vestía de sacos e cilicio); essa peniten
cia tinha por objetivo excitar e fortalecer, no penitente, o amor a Deus,
que extinguiría o amor ou as tendencias desordenadas existentes no
sujeito. Em conseqüéncia, julgava-se que, quando o pecador era absol-
vido (na Quinta-feira Santa, geralmente), ficava isento nao apenas da
culpa, mas também das raízes do pecado; teria o seu amor purificado ou
teria reparado a ordem violada em seu íntimo.

Acontece, porém, que essa praxe penitencial, com o tempo, se tor-


nou insustentável; nao só exigia especiáis condicóes de saúde, mas tam
bém acarretava conseqüéncias penosas para todo o resto da vida de
quem a ela se submetesse. Eis por que aos poucos foi sendo modificada.

Com efeito; a partir do sáculo VI foi introduzido novo costume: o


pecador, tendo confessado suas faltas, recebia logo a absolvicáo, mas,
depois disto, ainda prestaría urna satisfacáo correspondente á gravidade
de suas culpas, a fim de extinguir dentro de si todo apego ao pecado.

Este novo modo de administrar o sacramento da Reconciliacáo ain


da era assaz penoso; a dura e prolongada penitencia (JeJum> cilicio...)
nao podía ser praticada por todos os pecadores.

Consciente disto, a Igreja instituiu as "comutacóes" ou "redencóes"


de penitencias. Estas tém seu fundamento na própria S. Escritura: a Lei
de Moisés enumerava casos em que as obrigacóes dos fiéis eram legíti
mamente comutadas e mitigadas, desde que se tornassem demasiado
onerosas1.

Em que consistiam propriamente as comutacóes de penitencias na


Igreja do século IX?

Como dito, a Igreja é a depositaría dos méritos de Cristo que fruti-


ficaram nos méritos da SS. Virgem e dos Santos, constítuindo o tesouro

1 Ver Lv 5, 7.11:
"Se o homem nao tiver recursos para oferecer urna res de gado miúdo, trará a Javé
em sacrificio de reparagáo pelo pecado que cometeu, duas rolas ou dois pombh
nhos, um deles para sacrificio pelo pecado e o outro para holocausto...
Se ele nao tiver recursos para oferecer duas rolas ou dois pombinhos, trará como
oferenda pelo pecado cometido um décimo de medida de flor de farinha; nao pora
neta azeite nem incensó, pois é um sacrificio pelo pecado".

131
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

da Igreja. Ora os Bispos julgaram oportuno, a partir do século IX, aplicar


esses méritos em favor dos pecadores absolvidos que se deviam subme-
ter a rigorosas penitencias. As duras obras de penitencia foram sendo
substituidas (comutadas) por outras obras mais brandas, obras as quais
a S. Igreja associava diretamente os méritos satisfatórios de Cristo; assim,
em lugar de jejuns, podiam ser impostas oracoes; em vez de longa peregri-
nacáo, o pernoitar num santuario; em vez de flagelacóes, urna esmola...

A estas obras mais brandas a Igreja, num gesto de indulgencia,


anexava algo da expiacáo sumamente meritoria do Senhor Jesús. Fo
ram chamadas "obras indulgenciadas" (enriquecidas de indulgencias). A
remissáo da pena satisfatória obtida pela prática de tais obras tomou o
nome de "indulgencia".

Compreende-se, porém, que tal indulgencia nao se ganhava de


maneira mecánica; era sempre necessário que o penitente, ao realizar a
obra indulgenciada, já tivesse recebido a absolvicáo de seus pecados, e
nutrisse em si o horror ao pecado e o férvido amor a Deus que ele teria se
fosse prestar urna quarentena ou mais de jejum e de cilicio... Sem tais
disposicoes, nao ganharia a indulgencia proposta.

No século XI os bispos comecaram a conceder indulgencias ge-


rais, isto é, oferecidas a todos os fiéis, sem se exigir a intervencao direta
de um sacerdote. Em outros termos: os Bispos determinaram que, pres
tando tal ou tal obra (visita a um Santuario, oracoes especiáis, esmolas
...), os fiéis poderiam obter a remissáo da satisfacáo correspondente aos
seus pecados já absolvidos. Assim quem colaborasse na construcáo de
um santuario ou peregrinasse a tal lugar sagrado, lucraría urna indulgen
cia de 100 dias, 1 ano, 7 anos (isto é, os frutos da penitencia realizada
durante cem dias, um ano, sete anos), desde que o fizesse com o horror
ao pecado que animava os penitentes da Igreja antiga.

Esta praxe ficou em vigor até os tempos recentes na Igreja. Quan-


do, antes do Concilio do Vaticano II (1962-1965), se falava de "indulgen
cia de 100, 300 dias, um ou mais anos", nao se designava um estágio no
purgatorio, pois neste nao há dias nem anos. Com essa contagem indi-
cava-se o perdáo da expiacáo que outrora alguém prestaría fazendo 100,
300 dias, um ou mais anos de penitencia rigorosa, avaliada segundo a
praxe da Igreja antiga. Em nossos dias a terminología mudou, como se
dirá adiante.

2. Reflexóes teológicas

As consideracoes até aquí propostas comprovam que a Igreja, ao


instituir as indulgencias, teve em vista auxiliar os seus filhos que tenham
obtido o perdáo de seus pecados, mas ainda devam prestar reparacáo
pelos mesmos. A Igreja reconhece que na Comunháo dos Santos os fiéis

132
VENDA DE INDULGENCIAS? 37

vivos podem obter indulgencias em favor dos irmáos falecidos que no


purgatorio aínda tenham de prestar satisfacáo por pecados cometidos
nesta vida.

É muito importante notar que ninguém pode lucrar indulgencia sem


que tenha previamente confessado as suas faltas graves (as obras
indulgenciadas nao obtém o perdáo do pecado como tal) e sem que ex
cite em si o espirito de contricáo que o levaría a prestar as rigorosas
penitencias da Igreja antiga; sem este ánimo interior, nada se pode ad
quirir. Donde se vé que a praxe das indulgencias está longe de reduzir a
religiáo a formalismo e mercantilismo.

Deve-se observar também que a Igreja nunca vendeu o perdáo


dos pecados, nem vendeu indulgencias. O perdáo dos pecados, como
dito, sempre foi pré-requisito para as indulgencias. Mais: quando a Igreja
indulgenciava a prática de esmolas, nao intencionava dizer que o dinhei-
ro produz efeitos mágicos, mas quería apenas fomentar a caridade ou as
disposícóes íntimas do cristáo como fator de purificacáo interior. Nao há
dúvida, porém, de que pregadores populares e muitos fiéis crístáos dos
sáculos XV/XVI usaram de linguagem inadequada ou errónea ao falarem
de indulgencias. Foi o que deu origem aos protestos de Lutero e dos
reformadores. Na verdade, é muito difícil ganhar urna indulgencia plená-
ria. Quem, ao recitar breve prece indulgenciada ou ao fazer visita a um
santuario, pode ter certeza de estar contrito dos seus pecados a ponto de
nao Ihes ter mais o mínimo apego? O velho homem, mais ou menos
arraigado em cada cristáo, é caprichoso e sorrateiro; para dominá-lo, é
necessária assídua vigilancia com o auxilio da graca.

3. A praxe atual

Após o Concilio do Vaticano II, o Papa Paulo VI procedeu a urna


revisáo da instítuícáo das indulgencias, que era e é válida, mas se pres-
tava a equívocos, principalmente pela contagem de dias, meses e anos
de indulgencia...; esta terminología supunha condicóes históricas que
haviam caído no esquecimento do público.

Eis alguns traeos da respectiva Constituicáo Indulgentiarum


Doctrina datada de 1967:

1) A Igreja continua a conceder indulgencias plenárias e indulgen


cias parciais. Aquelas significam a remissáo de toda a satisfacáo corres
pondente a pecados já absolvidos; estas, a remíssáo de parte desta sa
tisfacáo.

Fica, porém, abolida a indícagáo de dias e anos de indulgencia


parcial. O valor das indulgencias parciais é doravante expresso em ter
mos mais compreensíveis.

133
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Com efeito. Sabemos que toda boa obra (prece, esmola, mortifica-
cáo...) tem anexo a si um determinado mérito; se alguém realiza tal obra
em espirito de contricáo, adquire a remissáo de urna parte de sua satisfa-
cáo purgatoria. Pois bem; Paulo VI determinou que as pessoas que pra-
ticam urna acáo indulgenciada pela Igreja, obtém (além da remissáo anexa
ao ato bom como tal) urna igual remissáo devida á intervencáo da S.
Igreja. Isto significa, em última análise, que a medida das indulgencias
parciais é a medida do arrependimento e do amor a Deus com que al
guém pratica a acáo indulgenciada; se o cristáo a realiza com ánimo
rotineiro e tibio, pouco lucra; ao contrario, quanto mais fervor ele empe-
nhar na execucáo da obra indulgenciada, tanto mais também será ele
indulgenciado.

Vé-se como esta disposicáo é apta a fazer do instituto das indul


gencias um estímulo para o afervoramento da piedade dos fiéis.

2) Para que alguém possa lucrar indulgencia plenária, requer-se


que, além de executar a obra indulgenciada, faca urna confissáo sacra
mental, receba a Comunháo Eucarística, ore segundo as intencóes do
Sumo Pontífice (um "Pai Nosso" e urna "Ave Maria", por exemplo) e nao
guarde o mínimo apego a qualquer pecado, ainda que seja leve.

Se alguém puder cumprir, mas de fato nao cumprir estas condi-


cóes, só lucrará indulgencia parcial.

A confissáo sacramental pode ser efetuada alguns dias antes ou


(se nao houver pecado grave) depois da obra indulgenciada. A S. Comu
nháo, porém, e a oracáo pelo Sumo Pontífice deveráo ocorrer no dia
mesmo em que se realizar a obra.

Basta urna Confissáo sacramental para se adquirir mais de urna


indulgencia plenária. Requer-se, porém, urna comunháo e urna oracáo
pelo S. Padre para cada indulgencia plenária.

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134
Aínda as Indulgencias:

O CATÁLOGO DAS INDULGENCIAS

Em síntese: O artigo apresenta as principáis concessóes de indul


gencia registradas no Catálogo de Indulgencias promulgado pelo Papa
Paulo VI. Destacam-se as indulgencias parciais outorgadas a quem tra-
balhe em espirito de oragáo, a quem se dedique ao servigo do próximo e
a quem pratique obras de ascese e mortificagáo das paixoes desregra-
das. Além do qué, há indulgencia para quem efetue determinadas práti-
cas de piedade.

Além da Constituicáo Apostólica Indulgentiarum Doctrina, o Papa


Paulo VI promulgou o novo Enquirídio ou Manual de Indulgencias em
1967; cf. Enchiridion Indulgentiarum, Vaticano 1967. Deste documen
to váo abaixo extraídos os tragos de índole pastoral mais importante.

1. Tres Concessóes Gerais

O catálogo comeca enunciando tres concessóes gerais, que po-


dem ter por objeto qualquer ato da vida crista. Desde que realizada com
fervor ou em espirito de oracáo e uniáo com Deus, toda acáo do cristáo
pode nao apenas redundar em aumento da graca santificante em sua
alma (efeito este que se segué sempre a qualquer ato fervoroso), mas
também pode obter remissao da expiacáo devida a pecados anterior
mente cometidos pelo cristáo e alivio para as almas do purgatorio. Toda
a trama da vida crista, desde que vivida de maneira consciente (afastada
a ratina, que depaupera os atos humanos), pode assim adquirir valor e
significado novos. Todavía é necessário, para tanto, que o cristáo procu
re elevar freqüentemente o seu espirito a Deus, sacudindo a tendencia á
indiferenca ou á mediocridade que constantemente ameacam a vida do
homem sobre a térra.

Eis as tres grandes concessóes:

1) É concedida indulgencia parcial a todo cristáo que, no cum-


primento de seus deveres e no suportar as tribulacdes da vida pre
sente, levante a mente a Deus com humilde confíanca, proferindo,
ao mesmo tempo, alguma invocacáo piedosa. Esta invocacáo pode
ser dita mentalmente apenas, nao sendo necessária urna oracáo
vocal ou labial.

135
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

Mediante esta primeira norma, a S. Igreja tem em mira estimular os


seus filhos a fazer de toda a sua vida urna oracáo continua, de acordó
com o preceito do Senhor: "É preciso orar sempre" (Le 18,1). Visa tam-
bém a exortar os fiéis a cumprir os deveres de seu próprio estado de
modo a conservar e aumentar a uniáo com Cristo.

Sugerem-se, entre outras, as invocac5es abaixo transcritas. Cada


cristáo poderá escolher a que mais convier á situacáo em que se ache.
Nada impede, porém, que a pessoa mesma formule espontáneamente a
prece ou jaculatoria que mais corresponda á sua devocáo.

É também de notar que as jaculatorias ou invocacoes como tais


nao sao indulgenciadas (á diferenca do que se dava outrora). Atualmen-
te as jaculatorias indulgenciadas devem ser o complemento de urna obra
(ou seja, do dever cumprido ou da tribulacao suportada).

Poderá, portanto, alguém dizer:

"Senhor, salva-nos; estamos a perecer!" (Mt 8,25)

"Permanece conosco, Senhor!" (Le 24,29)

"Salve, ó cruz, esperanga única!" (do Breviario)

"Meu Deus e meu tudo!"

"Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20,28)

"Ensina-me a fazer a tua vontade, pois és o meu Deus" (S1143,10)

Recorrendo a tais invocacoes para santificar as suas obrigacóes e


dores, o cristao estará realizando o ideal freqüentemente incutido pela
Escritura Sagrada, quando diz:

"Velai sobre vos, para que vossos coragóes nao se embrutegam pelos
cuidados desta vida... Vigiai, portanto, orando sem cessar" (Le 21,34-36).

"Quer comáis, quer bebáis, quer fagáis qualquer outra colsa, fazei
tudo para a gloria de Deus" (1Cor 10,31).

'Tudo que fizerdes, seja porpalavra, seja por obra, fazei tudo em
nome do Senhor Jesús, dando por intermedio dele gragas a Deus" (Cl
3,17).

"Entregai-vos continuamente, pelo Espirito, a toda especie de ora-


gao e súplica. Dedicai-vos a estas práticas com perseveranga incansá-
vel"(Et6,18).

"Vigiai e orai para nao entrar em tentagáo" (Mt 26,41).

"Orai sem cessar. Dai gragas por tudo" (1 Ts 5,17s).

136
O CATÁLOGO DAS INDULGENCIAS

2) É concedida indulgencia parcial ao cristáo que, movido por


espirito de fé e misericordia, coloca a sua pessoa ou os seus bens
ao servico dos irmáos que padecem necessidade.

Desta forma deseja a S. Igreja incentivar o ardor da caridade nos


fiéis, levando-os a servir ao próximo. Todavía nao qualquer obra de cari
dade é indulgenciada; requer-se seja prestada em favor de quem precise
de algum beneficio, quer corporal (alimento, roupa, dinheiro...), quer es
piritual {consolo, instrucao...).

Praticando essas obras com fervor, o cristáo vivera as grandes


normas ditadas pelo Senhor Jesús e os Apostólos:

"77Ve fome, e vos me destes de comer. Tive sede, e vos me destes


de beber. Estive desabrigado, e me acolhestes; nu, e me vestistes; doen-
te, e me visitastes. Estive no cárcere, e vieste ver-me. Em verdade vos
digo que, todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmáos mais
pequeninos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,35-36.40).

"Eu vos dou um novo mandamento: que vos améis uns aos outros.
Assim como eu vos amei, vés vos deveis amar uns aos outros. Por este
sinal todos conheceráo que sois meus discípulos: se vos amardes uns
aos outros" (Jo 13,34s).

"A religiáo pura e sem mancha diante de nosso Deus e Pai é esta:
confortar os órfáos e as viúvas em suas afligóes e conservarse puro da
corrupgáo deste mundo" (Tg 1,27). Cf. Tg 2,15s.

"Se alguém possui bens deste mundo e, vendo seu irmáo passar
necessidade, Ihe fechar o coragáo, como pode habitar nele o amor de
Deus? Filhinhos, nao amemos nem de palavra, nem de língua, mas por
atos e de verdade" (Uo 3,17s).

O Concilio do Vaticano II, por sua vez, incutiu com grande énfase
os deveres da caridade:

"Onde quer que haja alguém que carega de comida e bebida, de


roupa, casa, medicamentos, trabalho, instrugáo, de condigóes necessári-
aspara urna vida realmente humana, que esteja atormentado pelas tribu-
lagóes ou pela doenga, que sofra exilio ou prisáo, ai a caridade crista
deve procurá-lo e descobri-lo, aliviá-lo com carinhosa assisténcia e ajudá-
lo com auxilios oportunos" (Decreto "Apostolicam Actuositatem", ns8).

"O Pai quer que reconhegamos Cristo como irmáo em todos os


homens e amemos eficazmente tanto em palavras como em atos, pres
tando assim testemunho á Verdade e comunicando aos outros o misterio
de amor do Pai celeste" (Const. "Gaudium et Spes" nB 93).

137
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

3) É concedida indulgencia parcial ao cristáo que, movido por


espirito de penitencia, se abstenha espontáneamente de algo que
Ihe seja lícito e agradável.

Esta terceira grande determina?áo representa algo de novo na pra-


xe da Igreja. Visa a atender aos tempos atuais; as leis do jejum e da
abstinencia foram mitigadas; nao obstante, os fiéis sao exortados a pra-
ticar a penitencia por outras vias. Na verdade, a penitencia nunca poderá
ser supressa na vida crista, pois dá aos fiéis participacao da Paixáo de
Cristo a fim de que possam ter parte igualmente na ressurreicáo gloriosa
do Senhor. É por isto que a S. Igreja procura estimulá-la mediante a de-
terminacáo citada.

A abstinencia e as privacóes voluntarias do cristáo se tornam


frutuosas por excelencia, quando sao associadas á caridade, ou seja,
quando redundam em beneficio do próximo; que o cristáo dé aos mais
pobres aquilo de que nao usa em seu proveito!

A penitencia é recomendada por numerosos textos bíblicos:

"Se alguém quer seguir-me, renuncie a simesmo, tome a sua cruz


todos os días e siga-me" (Le 9,23).

"Se nao fizerdes penitencia, todos pereceréis do mesmo modo" (Le


13,5).

Todos aqueles que participam das ¡utas (do estadio), abstém-se


de tudo. Bes, para obter urna coroa corruptível; nos, pelo contrario, urna
incorruptível. De minha parte, portanto, também corro, mas nao na incer
teza; pratico o pugilato, mas nao como quem fere o ar. Trato rudemente o
meu corpo e o conduzo como escravo" (1Cor 9,25-27).

"Trazemos sempre conosco, em nosso corpo, a morte de Jesús,


para que também a vida de Jesús se manifesté em nosso corpo" (2Cor
4,10).

"(Cristo) veio ensinar-nos a renunciar á impiedade e aos desejos


mundanos e a viverneste mundo com ponderagáo, justiga e piedade" (Tt
2,12).

"Na medida em que participáis dos sofrimentos de Cristo, alegra!-


vos, para que, na manifestagao de sua gloria, vos alegréis também e
exultéis" (1Pd 4,13).

Vém agora

2. Outras concessóes

A Igreja, segundo a praxe tradicional, quer também indulgenciar os

138
O CATÁLOGO DAS INDULGENCIAS 43

fiéis que pratiquem certas obras ou oracóes, precisamente em número


de setenta, das quais as principáis podem ser assim apontadas:

1) Leitura da S. Escritura. Concede-se indulgencia parcial ao cris


táo que leía devotamente a Biblia Sagrada. A indulgencia é plenária, desde
que a leitura dure ao menos meia-hora.

2) Visita ao SS. Sacramento. Concede-se indulgencia parcial a quem


visite o SS. Sacramento para O adorar. A indulgencia é plenária, caso a
visita se protraia por meia-hora ao menos.

3) Rosario. Concede-se indulgencia plenária a quem recite o Ro


sario (quinze misterios) ou numa igreja ou em familia ou numa comuni-
dade ou numa associacáo religiosa. A indulgencia é parcial ñas demais
circunstancias possíveis.

Á fecitacáo do tergo (cinco misterios) também se atribuí indulgen


cia plenária, desde que

- as dezenas sejam ditas sem interrupcao,

- se una á oracáo vocal a meditacáo dos respectivos misterios.

4) Via Sacra. Concede-se indulgencia plenária a quem pratique o


exercício da Via Sacra.

Para que este se possa realizar, requerem-se quatorze cruzes pos


tas em serie (com alguma imagem ou inscricáo, se possível) e devida-
mente bentas. O cristáo deve percorrer essas cruzes, meditando a Pai-
xao e a Morte do Senhor (nao é necessário que siga as cenas das quatorze
clássicas estacóes; pode utilizar algum livro de meditacáo). Caso o exer
cício da Via Sacra se faca na igreja, com grande afluencia de fiéis, de
modo a impossibilitar a locomocáo de todos, basta que o dirigente do
sagrado exercício se locomova de estacáo a estacáo.

Quem nao possa realizar a Via Sacra ñas condicóes ácima, lucra
indulgencia plenária lendo e meditando a Paixáo do Senhor pelo espaco
de meia-hora ao menos.

5) Oracáo mental. O cristáo que realize piedosamente a sua ora


cáo mental, lucra de cada vez urna indulgencia parcial.

6) Pregagáo. O cristáo que, atenta e devotamente, assista á prega-


gao da palavra de Deus, adquire indulgencia parcial.

Concede-se indulgencia plenária a quem, por ocasiáo das sagra


das Missoes, ouca alguma das pregacóes e participe do solene encerra-
mento das mesmas.

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

7) Primeira Comunháo. Aos fiéis que facam a sua Primeira Comu-


nháo ou assistam as respectivas cerimónias, é concedida indulgencia
plenária.

8) Comunháo espiritual. É atribuida indulgencia parcial a quem re-


alize urna Comunháo espiritual, qualquer que seja a fórmula entáo utili
zada.

9) Exercícios espirituais. Concede-se indulgencia plenária ao cris


táo que se aplique a exercícios espirituais em retiro pelo espaco de tres
dias ao menos.

10) Recolhimento mensal. Aos fiéis que realizam um dia de recolhi-


mento mensal, concede-se de cada vez indulgencia plenária.

11) Catequese. Ao cristáo que se aplique a ensinar a doutrina da fé


católica, concede-se de cada vez indulgencia parcial.

12) Atos de virtudes. Quem devotamente recita um ato de fé, espe


ranza, caridade ou contricáo (qualquer que seja a fórmula legítima) ad-
quire de cada vez indulgencia parcial.

13) Visita de cemitério. Quem visite, com ánimo religioso, um cemi-


tério e nele ore pelos fiéis defuntos, lucra indulgencia em favor das almas
do purgatorio, indulgencia que de 1e a 8 de novembro é plenária, e nos
demais dias do ano é parcial.

14) Objetos de piedade. Quem usa devotamente algum objeto de


piedade (crucifixo, rosario, escapulario, medalha), bento por qualquer
sacerdote, lucra indulgencia parcial.

Se o objeto for bento pelo Sumo Pontífice ou por algum Bispo, o


cristáo, usando-o devotamente, pode obter indulgencia plenária na festa
dos Apostólos S. Pedro e S. Paulo, contanto que recite entáo urna profis-
sáo de fé.

15) Em artigo de morte. Dado que algum cristáo esteja em grave


perigo de morte e nao naja sacerdote que Ihe possa assistir, a Igreja Ihe
concede indulgencia plenária, contanto que esse cristáo esteja devida-
mente disposto (contrito de seus pecados) e durante a sua vida tenha
habitualmente feito algumas preces. Para adquirir essa indulgencia ple
nária, recomenda-se o uso de um crucifixo (a ser osculado ou contem
plado).

16) Culto dos Santos. Quem no dia da festa de algum Santo, recite
em sua honra a oracáo respectiva contida no Missal ou outra prece apro-
vada, lucra indulgencia parcial.

17) Sinal da Cruz. Obtém indulgencia parcial, quem se persigne,

140
O CATÁLOGO DAS INDULGENCIAS 45

dizendo as palavras: "Em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo".

18) Promessas do Batismo. Lucra indulgencia parcialquem renové


as promessas de seu Batismo. A indulgencia é plenária quando a reno-
vacáo ocorre na celebracáo da vigilia de Páscoa ou no aniversario do
respectivo Batismo.

19) Igreja paroquial. Concede-se indulgencia plenária ao cristáo


que visite devotamente a sua igreja paroquial

- na festa do respectivo titular ou

- no dia 2 de agosto (día da Porciúncula).1

Urna e outra destas indulgencias podem ser adquiridas em outro


dia, estipulado pelo Ordinario do lugar segundo as conveniencias dos
fiéis.

Além dos casos até aqui indicados, deve-se observar que a S. Igreja
concede indulgencias também a quem recite piedosamente certas ora-
cóes como

"O anjo do Senhor" ou "Rainha do céu" (ind. parcial)

"Alma de Cristo, santificai-me" (ind. parcial)

"Creio em Deus..." (ind. parcial)

o Oficio dos Defuntos: Laudes ou Vésperas (ind. parcial)

o S1130 - "Das profundezas do abismo..." (ind. parcial)

o SI 51 - "Miserere" (ind. parcial)

"Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesús" (depois da Comunháo,


diante de urna ¡magem do Crucifixo, indulgencia plenária ñas sextas-fei-
ras da Quaresma e da Paixao; indulgencia parcial nos outros dias do
ano).

Ladainhas do SS. Nome de Jesús, do Sagrado Coracáo, do


Preciosíssimo Sangue, de Nossa Senhora, de S. José, de Todos os San
tos (ind. parcial).

"Magníficat" (ind. parcial)

' Porciúncula (do latim portiuncula, pequeña porgáo ou propriedade) é o nome da


primeira cápela que Sao Francisco de Assis utilizou, cedida ao Santo pelos
beneditinos. Tal cápela está hoje contida na basílica de Santa María dos Anjos na
mesma cidade. A partir de 1221, solicitado por Francisco, o Papa Honorio III houve
por bem conceder indulgencia plenária a todos os fiéis que, no dia 2/08, visitassem
a cápela da Porciúncula. Tal concessáo foi estendida posteriormente a todos os san
tuarios franciscanos e também, paulatinamente, a todas as igrejas paroquiais.

141
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

"Lembrai-vos, ó piedosa Virgem María" (ind. parcial)

os Oficios Menores da Paixáo do Senhor, do Sagrado Coracáo de


Jesús, de Nossa Senhora, da Imaculada Conceicáo, de S. José (ind.
parcial)

"Salve Rainha" {¡nd. parcial)

"Te Deum" (ind. parcial; no dia 31 de dezembro, ind. plenária)

"Vinde, Espirito Santo" (¡nd. parcial).

Eis os principáis meios pelos quais se podem lucrar indulgencias.


Seja lícito repetir: a nova legislacáo tende a fazer da instituicáo das indul
gencias um estímulo para a renovacáo da vida crista, aprofundando-a e
afervorando-a. Está removida toda aparéncia de obtencáo "mecánica"
da salvacáo. Doutro lado, pode-se crer que, para quem deseja viver urna
vida crista fervorosa, nao é difícil lucrar indulgencias; estas sao sempre
proporcionáis ao fervor (maior ou menor) de quem realiza a obra
indulgenciada.

Para o ano jubilar 2000, a Penitencia Apostólica dispós entre ou-


tras coisas: «Os fiéis poderáo ganhar a indulgencia jubilar:

Em qualquer lugar, se forem visitar, durante um razoável período


de tempo, os irmáos que se encontram em necessidade ou dificuldade
(doentes, presos, anciáos sozinhos, deficientes etc.), como que realizan
do urna peregrinacáo ao Cristo presente neles (cf. Mt 25,34-36), cum-
prindo as habituáis condicoes espirituais, sacramentáis e de oracáo. Os
fiéis quereráo certamente repetir tais visitas durante o Ano Santo, poden-
do adquirir em cada urna délas a indulgencia plenária, obviamente ape
nas urna vez por dia.

A indulgencia plenária jubilar poderá ser obtida também por meio


de iniciativas que exercitem de modo concreto e generoso o espirito
penitencial, a alma do Jubileu. Assim, abster-se pelo menos durante um
dia de consumos supérfluos (por exemplo, do cigarro, de bebidas alcoó-
licas, jejuando ou praticando a abstinencia segundo as normas gerais da
Igreja e as especificacoes dos episcopados), entregando determinada
quantia de din he i ro poupado para os pobres; apoiar com urna significati
va contribuicao obras de caráter religioso ou social (especialmente a fa
vor da infancia abandonada, da juventude em dificuldade, dos anciáos
necessitados, dos estrangeiros presentes nos diversos países á procura
de melhores condicoes de vida); dedicar urna parte razoável do próprio
tempo livre a atividades úteis para a comunidade, ou outras formas se-
melhantes de sacrificio pessoal».

142
Significativo depóimento:

JOÁO PAULO II VISTO POR M. GORBATCHEV

Em síntese: O ex-líder soviético Mikhael Gorbatchev, interpelado


pela imprensa na passagem dos vinte anos de pontificado de Joáo Paulo
II, deu importante depóimento, que manifesta a admiragáo de um grande
estadista nao católico pelo Papa.

Reconhece a firmeza de ánimo do Pontífice e, ao mesmo tempo, o


seu equilibrio contrario a todo tipo de preconceitos e obscurantismo.

O jornal do Vaticano L'OSSERVATORE ROMANO publicou um


número especial consagrado aos vinte anos de pontificado de Joao Pau
lo II, tendo entáo dado seu testemunho numerosas personalidades nao
só do clero, mas também do mundo da cultura e da política. Entre outros,
manifestou-se o Sr. Mikhael Gorbatchev, ex-Presidente do Presidium do
Soviete Supremo, que assim falou:

"Recordo-me da maneira como nos encontramos em dezembro de


1989. Fazia entáo minha primeira visita ao Vaticano. Todavia tenho que
dizer que, muito antes de ir á Cidade Eterna, eu tivera a ocasiáo de se
guir com atencao o que Sua Santidade fazia; também havia lido suas
Cartas encíclicas e suas mensagens. Num primeiro momento, esses es
critos me haviam deixado perplexo; eu tinha impressóes contraditórias,
talvez porque tudo, ao redor de mim, estava envenenado por urna atmos
fera de confuto. Basta notar que, ao longo da historia soviética do meu
país, a atitude frente ao Vaticano foi caracterizada por extrema desconfi-
anca. A Santa Sé sempre foi apresentada como a sede do obscurantis
mo e do reacionarismo. A bem dizer, também nos tivemos a sensacáo de
ser considerados com igual desconfianza...

O veráo de 1988 foi o grande momento do milenario do Batismo


cristáo da Rus'. Por ocasiáo desse aniversario, pude encontrar-me com
o Cardeal Agostino Casaroli, cujo falecimento lastimo; era homem de
grande envergadura e de genialidade profunda. O Cardeal entregou-me
urna mensagem do Papa, mensagem cujos termos traduziam urna gran
de amizade e disponibilidade para o diálogo. Nao demorei para respon-
der-lhe, a fim de exprimir-lhe a minha satisfacáo por poder intensificar o
intercambio de opinioes e instaurar o diálogo.

Foi assim que chegamos ao dia 19 de dezembro. Passei debaixo


da cúpula de Sao Pedro e perguntei-me: como há de se desenrolar esse

143
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 442/1999

encontró e que poderá ele acarretar para nos?

Conversamos frente á frente...

As idéias do Papa estavam perto daquilo que eu pensava, e pare-


ciam-me claras; em particular, apreciei a sua idéia de nao aceitar que as
mudancas na Europa e no mundo fossem simplesmente a reproducáo
do modelo ocidental. "Isto é contrario ás minhas conviccóes mais ínti
mas", disse-me Joao Paulo II, afirmando que a Europa, a qual represen-
tava urna parte importante da historia mundial, devia respirar com os seus
dois pulmóes.

Para mim, é muito importante que Joáo Paulo II tenha formulado


esse pensamento com insistencia e grande coeréncia. E nao foi por aca
so que, já em 1980, o Papa proclamou Cirilo e Metódio os santos proteto-
res da Europa, ao lado de Sao Bento...

Doutro lado, desde 1989, no decorrer do nosso primeiro encontró,


quando debatemos as relacóes entre confissoes religiosas, exprimindo a
minha posicáo, eu disse a Sua Santidade:

"Para nos, é muito mais importante que a nossa sociedade esteja


fundada sobre valores duradouros de verdade e humanidade, valores de
carídade, de misericordia e de solidariedade. Tomamos como ponto de
partida o respeito á consciéncia dos que créem; isto concerne tanto os
ortodoxos quanto os representantes das outras confissoes religiosas, in
cluidos os católicos.

Hoje só posso exprimir meu desagrado pelo fato de que o esforgo


ecuménico efetuado pelo Papa Joáo Paulo II e, em particular, o esforgo
para normalizar as relagóes entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa
nao tenha produzido o almejado resultado.

Saudamos Sua Santidade, ao nos despedir, colocando-nos de acor-


do para estabelecer relagóes formáis entre os dois Estados: a Uniáo So
viética e o Vaticano. Também discutimos a possibilidade de urna visita do
Papa a Moscou em data a ser posteriormente fixada. Infelizmente essa
data ainda nao chegou".

E o ex-Presidente do Presidium do Soviete Supremo concluiu:

"O pontificado de Joáo Paulo II é, sem dúvida, parte integrante da


historia, e nao somente da historia católica, mas da historia de toda a
humanidade. É um capítulo importante do compromisso em favor da paz,
dajustiga, da solidariedade humana".

O testemunho é significativo, pois procede de um intelectual nao


católico, outrora marxista militante.
Estéváo Bettencourt O.S.B.

144
PUBLICAQÓES MONÁSTICAS

SAO BENTO, UM MESTRE PARA O NOSSO TEMPO, D. Gregorio Paixáo, OSB. Edi-
góes Sao Benio - Salvador - BA- 1996. 112 págs R$ 11,00.
Trecho da introdugáo: "...Assim, além do texto inicial sobre a atualidade de Sao
Bento, acrescentamos outros, especialmente selecionados, de sua Regra e de
sua Vida, com urna tradugáo facilitada, aproximando o texto do leitor de primeira
viagem...".

DIÁLOGO COM DEUS. INTRODUCÁO A "LECTIO DIVINA". D. García M. Colombás,


MB. Tradugao: Monges do Mosteiro da Ressurreigao. Paulus. 1996,
128 págs RS 10,00.
Trecho da apresentagáo: "...O presente texto, como lemos no prólogo da edigáo
espanhola reúne conferencias originariamente dirigidas a auditorios monásticos.
Podem, entretanto, por sua simplicidade, aliada ao dominio seguro e profundo do
tema, orientar leigos e religiosos na prática frutuosa da lectio divina...".

O MANTO DE ELIAS. ITINERARIO ESPIRITUAL PARA A VIDA RELIGIOSA. Enzo


Bianchi. Tradugáo Mosteiro de N. Sra. das Gracas. Cimbra-1996. Editora Santuario. 114
págs R$ 12,00.
Trecho do prefacio: "...Na crise atual que a vida religiosa, profundamente, ainda
atravessa, nao é oportuna urna modernizagáo, mas apenas urna resposta do radi
calismo evangélico testemunhado pela grande tradigáo...".

A MEDALHA DE SAO BENTO. D. Próspero Guéranger O.S.B., Abade de Solesmes, 2a


edigáo - 1996 - Artpress - Sao Paulo. 142 págs.
Brinde: Urna Medalha de Sao Bento R$ 12,50.
Trecho de prólogo do autor: "...O único desejo que nos leva a publicar este ensaio
sobre táo delicado assunto, numa época em que o racionalismo vai causando
tantos estragos, é sermos de utilidade a nossos irmáos na fé...".

VIDA E MILAGRES DE S. BENTO - LIVRO SEGUNDO DOS DIÁLOGOS DE S. GRE


GORIO MAGNO. Tradugáo do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro. 4a edicáo. 1996.
115 págs. Edigóes "Lumen Christi" R$ 6,60.
Trecho da ¡ntroducáo: "...A tradugáo que estas páginas apresentam, é a vida de um
santo escrita por um santo. S. Gregorio, o grande Papa restaurador da disciplina
eclesiástica após a invasáo dos Bárbaros, o reformador da liturgia romana, escreve
a vida de S. Bento...".

OS OBLATOS SECULARES na familia beneditina. D. Jean Guilmard, O.S.B.


Tradugáo: Bernard Barrandon, obl. O.S.B. Sao Paulo. 1995. Mosteiro de Sao Bento -
Sao Paulo. Impresso pelo Mosteiro da Santa Cruz. 65 págs R$ 8,00.
Trecho do prefacio: "...Dirige-se a todos que, ansiosos por aprofundar sua vida
crista, se sentirem movidos pelo Espirito Santo a se agregar mais estreitamente a
urna familia monástica...".

■ CONSTITUICÓES - Congregagáo Beneditina do Brasil - 2a edigáo revista.


Apresentagáo de Dom Basilio Penido, O.S.B. Abade Presidente, de 11 de julho de 1988.
Edigoes Lumen Christi. Impresso no Mosteiro da Santa Cruz. 120 págs R$ 16,50.
- ESTATUTO DOS OBLATOS - Congregagáo Beneditina do Brasil.
Apresentagáo Dom Estéváo Bettencourt, O.S.B. 1997. 44 págs.
Nova tiragem R$ 5»50-
Pedidos pelo Reembolso Postal ou pagamento conforme 2- capa.
PUBLICACÓES MONÁSTICAS
- OS CISTERCIENSES - Documentos Primitivos, foi publicado originalmente na Franca
(Citeaux Commentarii Cistercienses), tendo urna ¡ntroducáo e bibliografía do irmáo Francois
de Place, da Abadía de Notre Dame de Sept-Fons. Sua edicáo no Brasil foi urna iniciativa do
Mosteiro Trapista de Nossa Senhora da Assuncáo de Hardenhausen - Itatinga, em Sao
Paulo, tendo o apoio dos beneditinos do Rio de Janeiro. A traducáo é do jornalista Irineu
Guimaráes, por muitos anos correspondente no Brasil do jornal francés "Le Monde". Padre
Luís Alberto Rúas Santos, O. Cist., foi o responsável pela revisáo da obra.
O livro sai pela Musa Editora, de Sao Paulo, em coedicáo com a "Lumen Christi", do Rio
de Janeiro (254 páginas) r$ 25,00.

- SALTERIO MEU MINHA ALEGRÍA, os 150 Salmos pelas Monjas beneditinas de Santa
Maria - SP. Salterio ilustrado para enancas e adultos com alma de enanca... 28 edicáo.
1994, Formato: 21,5 x 16cm r$ 12,60.

- ESCRITOS MONÁSTICOS - SAO JERÓNIMO: Vida do Bem-aventurado Paulo, primei-


ro eremita. Vida de S. Maleo, escravo e monge. Vida de S. Hilario. Carta XXIII a Eustáquia.
Traducáo: D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisáo Mosteiro Maria Máe de
Cristo. Impressáo: Mosteiro da Santa Cruz. 1996. 148 págs R$ 11,00.
- A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido
OSB. 2a edicáo revista- 1997. 215 págs R$ 16,50.
- A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal
Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitiba/PR. CIMBRA
-1994. 115 págs r$ i8i10.
Apresentado pelo Dr. Roberto Runde, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo Cardeal
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao
Bento da Bahía.

- PERSPECTIVAS DA REGRA DE SAO BENTO, Irma Aquinata Bockmann OSB.


Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina -
Traducáo do alemáo por D. Mateus Rocha OSB.
A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma (Monte
Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Franca, Portugal,
Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania, Coréia e Filipinas, por
ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs R$ 11,1O.
- SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE, por Dom Joáo Evangelista Enout OSB
190 Págs R$ 11,70.
O genio, ou seja, a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) -
SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado
de vida crista, empanhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada
na trajetória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o
discípulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo"
de monge".

Pedidos pelo Reembolso Postal ou pagamento conforme 2a capa.


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RENOVACÁOOU NOVA ASSINATURA (ANO DE 1999): R$30 00
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