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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Esteváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanca a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta
da nossa esperanca e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
- correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xxxviii Marco 1997

"Com Clamor e Lágrimas... foi atendido" (Hb 5,7)

A Parábola do Administrador Infiel (Le 16,1-9)

A mais recente Descoberta relativa ao Santo Sudario

A discutida Visita do Papa á Franca


Apéndice: O Jubileu Sacerdotal do Papa

Um Perfil de Joáo Paulo II

Reflexóes sobre o Celibato (Fulton Sheen)

"O Pecado", por Frei Antonio Moser

Quem sao os Anabatistas? Quem sao os Menonitas?


Quem sao os Batistas?

A Manipulacáo da Vida e seus Limites Éticos


Livro em Estante

Cartas á Imprensa
PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARCO 1997
Publicado Mensa I N°418

SUMARIO
Di reto r Responsável
Estéváo Bettencourt OSB
"Com Clamor e Lágrimas...
Autor e Redator de toda a materia
foi atendido" (Hb 5,7) 97
publicada neste periódico
Licáo de Oesonestidade?
A Parábola do Administrador
Diretor-Administrador: Infiel (Le 16,1-9) 98
D. Hildebrando P. Marlins OSB Moeda do ano 30:
A mais recente Descoberta
relativa ao S. Sudario 104
Administracáo e Distribuigáo: Balando objetivo:
Edicóes "Lumen Christi" A discutida Visita do Papa á Franca
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 (19-22/9/96) 108
Apéndice: O Jubileu Sacerdotal do Papa.... 113
Tel.: (021) 291-7122
Contemplado lado a lado:
Fax (021) 263-5679 Um Perfil de Joáo Paulo II 115
Mais uma vez em foco:
Enderego para Correspondencia: PIÓ XII e os Judeus 118
Ed. "Lumen Christi" Testemunho valioso:
Reflexóes sobre o
Caixa Postal 2666
Celibato, por Fulton Sheen 120
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Denso e provocador:
"O Pecado", por Freí Antonio Moser 126
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO e "PER
Dentro do Filio Anabatista:
GUNTE E RESPONDEREMOS" na INTERNET:
Quem sao os Anabatistas? Quem sao os
http://www.opnelink.com.br./msb-rj Menonitas? Quem sao os Batistas? 132
Fala o Médico:
A Manipulagáo da Vida e
ImpressSo e EncadernacíTo seus Limites Éticos 139
Livro em Estante 142
Cartas á Imprensa 143

"marques Saraiva" COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


GRÁFICOS E EDITORES Ltda.
Tels.: 1021) 273-9498 /273-9447
NO PRÓXIMO NÚMERO:

Pastores protestantes se tomam católicos. - O Homem: Descendente do Macaco? -


Como se transmite a Vida Humana? - Que significa rezar pelos falecidos? - Nova Noti-
ficacáo sobre Vassula Ryden - «Budismo, o Desafio da Modernidade».

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA: R$ 25,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 2,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEtRO DE SAO BENTO/RJ.

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C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax,
comprovante do depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios. VALE POSTAL, enderecado ás EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro RJ
"COM CLAMOR E LÁGRIMAS... FOI ATENDIDO"
(Hb 5,7)

Margo de 1977 termina com o Triduo Sacro ou os dias em que se


comemoram a Paixáo, a Morte e a Ressurreicao do Senhor Jesús. Sao os
dias mais densos do ano litúrgico..., cujo conteúdo se encontra com
pendiado ñas palavras do Apostólo: "Jesús, nos dias de sua vida terres
tre, apresentou pedidos e súplicas, com clamor e lágrimas, áquele que o
podía salvar da morte, e foi atendido por causa da sua reverencia" (Hb 5,7).

Estas palavras comecam por recordar a oracáo do Senhor Jesús


posto em agonía no Horto das Oliveiras pouco antes de ser preso. Entáo,
antevendo os horrores da Paixáo que o aguardava, pediu ao Pai que o
dispensasse de beber o cálice. Os autores sagrados frisam bem o aspec
to humano de Jesús; Ele pediu, suplicou, exprimindo sua angustia medi
ante clamor, lágrimas e suor de sangue (cf. Le 22,44). Ele quis comparti-
Ihar tudo o que é humano, inclusive o pavor do sofrimento e da morte,
para poder ser o Sacerdote perfeito, verdadeiro homem e verdadeiro Deus
(cf. Hb 2,17; 4,15). Ocorre, porém, que Jesús, por mais repugnancia que
sentisse pelo cálice, subordinou seu pedido á vontade do Pai: "Faga-se a
tua vontade, e nao a minha" (Me 14,36).

Continua o autor de Hebreus: "E foi atendido por causa da sua re


verencia". - É espontáneo perguntar: como foi atendido, se padeceu e
morreu táo atrozmente? A resposta nao é difícil. Jesús pediu, ácima de
tudo, que se cumprisse a vontade do Pai a seu respeito. Ora o designio
do Pai era aínda mais grandioso do que simplesmente ¡sentar Jesús da
morte de Cruz. Consistía, sím, em fazer de Jesús o Senhor da morte e da
vida. Ele veio para morrer (Jo 12,27), e morrer para ressuscitar, ou seja,
para ferir mortalmente a própria morte ou para tirar a esta o sinal negativo
de sangao devida ao pecado e torná-la um canal para a plenitude da vida.
Ele mesmo diz no Apocalipse: "Estive morto, mas eis que vivo pelos sécu-
los dos sáculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades (regiáo dos
morios)" (Ap 1,18).

O caso de Jesús é modelar para todos os homens. O Senhor Jesús


passou pelos momentos mais difíceis de urna vida humana; soube, po
rém, colocar sua vontade abaixo da vontade do Pai. Assim também todo
cristáo tem o direito de pedir a Deus que o livre dos males que o afetam;
pega-o, porém, no intuito de cumprir em tudo o designio do Pai. Se nao
for atendido como sugere, nem por isto terá sido inútil a sua oragáo. Re-
cebera mais e melhor do que sugeriu, pois o plano de Deus é mais ampio
e sabio do que os planos dos homens. - Possa a celebragáo do Triduo
Sacro avivar nos cristáos a consciéncia de que a Páscoa tem duas facetas
inseparáveis urna da outra: Cruz e Ressurreigáo. E leve os cristáos a orar
sempre com Jesús e como Jesús, para participar da Vitoria de Cristo!
E.B.

97
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXVIII-N° 418-Margo de 1997

Licáo de Desonestidade?

A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL


(Le 16,1-9)

Em síntese: A parábola do administrador infiel (Le 16,1-9) causa


problemas aos leitores, pois parece ensinar a desonestidade e o furto. Tal
interpretagao é falsa, pois a parábola tem em vista outra finalidade: parte
da imagem de um homem fraudulento e, ao mesmo tempo, leviano, fútil,
que se converte, sempre como ladráo, da leviandade para a sensatez e a
previdencia, por efeito de um golpe que levou na vida. Essa imagem é o
negativo de um retrato que precisa de ser revelado. A revelagáo nos diz
que o administrador desonesto ("filho deste século") é figura dos fiihos da
luz por contraste. Estes devém aprender dos iniquos nao a iniqüidade, mas
a sagacidade e a perspicacia com que costumam promover seus interes-
ses. "Os fílhos deste século sao mais prudentes do que os fiihos da luz", diz
Jesús. Portanto a parábola vem a ser um incitamento aos fiihos da luz (os
homens bons) para que nao se deixem ficarna mornura ou na tibieza, mas
se convertam para urna vida dedicada integralmente ao seu santo ideal,
vida nao menos ardorosa e comprometida do que a vida dos maus, dedicada
ao seu iniquo ideal.
* * *

A parábola do administrador infiel (Le 16,1-9) é freqüentemente mal


entendida. Estaría incitando á esperteza inteligente, mas desonesta? De
antemáo pode-se dizer que tal interpretacáo nao condiz com os demais
ensinamentos de Jesús. Sem dúvida, há ai urna faina de interpretacáo. Eis
por que vamos, a seguir, recordar o teor da parábola e propor-lhe o co
mentario adequado.

1. O TEOR DA PARÁBOLA

Jesús contou aos seus discípulos a estória de um homem adminis


trador de grande fazenda, em que se cultivavam cereais e oliveiras. O
respectivo proprietário vivía na cidade distante, de modo que delegava
ampios poderes ao seu ecónomo: tratava com os colonos e clientes do
seu patráo; alugava, vendía e comprava a seu bel-prazer.

98
A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL (Le 16,1-9) 3

Um dia o procurador foi chamado ao escritorio do seu patráo, que


Ihe disse secamente: "Chegaram-me aos ouvidos péssimas referencias a
teu respeito: tens esbanjado os meus bens. Presta contas da tua administra-
cáo, pois estás intimado a sair do cargo". Isto se entende desde que se leve
em conta que os orientáis nao conheciam o controle regular das financas.

Verifica-se que o administrador era, sim, desonesto, mas também


leviano; levava vida fácil e alegre, jogando com os bens de que dispunha
cada dia, sem mesmo se preocupar com o amanha ou com o seu próprio
enriquecimento. Era o homem "nao sabio", insensato, que, ao ser demiti-
do, se viu dolorosamente embaracado: nada tinha para garantir o seu futu
ro, pois simplesmente dilapidava os bens do patráo. Levou, pois, um gran
de susto!

Pós-se entáo a monologar consigo mesmo: nao se desculpava, mas


reconhecia a sua culpa. Que faria doravante? Cavaría a térra? Mendiga
ría? Nem urna coisa nem outra; o procurador, que fizera as vezes de se-
nhor de boa categoría social, tinha vergonha; ademáis, para cavar a térra,
faltavam-lhe as forcas e o hábito; quanto a mendigar, parecía-lhe dupla
mente vergonhoso, depois de urna vida abastada; com efeito, os judeus
consideravam a mendicáncia como castigo de Deus; ver Eclo 40,28s: "Fi-
Iho, nao vivas mendigando: é melhor morrer do que mendigar. Ao homem
que olha para a mesa alheia, a vida nao deve ser contada como vida".
De repente, o procurador descobriu um artificio astuto para se livrar
das dificuldades. Chamaría cada um dos devedores do patráo e diminuiría
a sua divida; quem aceitasse táo vantajosa negocíata, ficaría depois obri-
gado a receber em sua casa o administrador demitido e carente de apoio.
Assim o desonesto ecónomo aproveitou os últimos dias de sua gestáo nao
para devolver o que roubara, mas para roubar mais ainda, só que, dessa
vez, com proveíto para si, com previdencia, com esperteza, ele que sem-
pre roubara com leviandade e futilidade. Compreende-se que os credores
tenham aceito prontamente a "interessante" proposta do administrador,
sem pensar talvez ñas obrigacoes que contraíam para com ele num futuro
próximo. Notemos, alias, o estilo do diálogo do ecónomo com os devedo
res: comeca pela pergunta: "Quanto deves ao meu senhor?", pergunta
retórica, pois o administrador devia saber o montante; a questao, porém,
era válida para recordar ao devedor a importancia da sua divida; reconhe-
ceria melhor o vulto do favor que Ihe era prestado pelo ecónomo astuto.
Há quem explique de outro modo a negociata de 16,5-7: segundo o
costume, tolerado na Palestina naquela época, dizem, o administrador ti
nha o direito de conceder empréstimo com os bens do seu senhor. E,
como nao era remunerado, ele se indenizava aumentando, no recibo, a
importancia dos empréstimos. Assim na hora do reembolso ficava com a
diferenca como se fosse seu honorario ou seu juro. No caso da parábola,

99
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

portante), ele nao havia emprestado senáo cinqüenta barris de oteo e oi-
tenta medidas de trigo. Colocando no recibo a quantia real, ele apenas
estava-se privando do beneficio que Ihe tocaría segundo o costume vigen
te. Sua desonestidade, portante, nao consistiría na reducáo de dividas
devídas ao patráo, mas ñas agóes fraudulentas anteriores que provoca-
ram a sua demissáo.

Este modo de entender o comportamento do administrador parece


um tanto artificial e arbitrario; pode-se perguntar: onde é que o texto evan
gélico o fundamenta...? Mais lógica e obvia parece-nos ser a clássica in-
terpretacáo: o administrador negociou desonestamente com o dinheiro do
patráo até o último dia da sua gestáo.

O proprietário dispensou o procurador. Tomou entáo consciéncia da


fraude astuta; mas já era tarde para invalidá-la. Por isto, embora sofresse
o dissabor da lesáo, ainda quis reconhecer a esperteza ou habilidade do
ladráo; nao fora um ladráo bobo... "O senhor louvou o administrador deso-
nesto porter agido com prudencia" (v. 8a). "O senhor", no caso, nao é Jesús,
mas o patráo lesado, que reconheceu a fraude com espirito de humor.

Jesús, porém, acrescentou:"... pois os filhos deste século sao mais


prudentes com a sua geracáo do que os filhos da luz" (v. 8b). Que significa
isto?

"Os filhos deste século" é expressáo semita equivalente a "homens


absorvidos pelos interesses materiais ou temporais". Estáo em contraste
com "os filhos da luz", sinónimo de "filhos de Deus" (cf. Uo 1,5), homens
voltados para a prática do bem e da honestidade. "Mais prudentes" quer
dizer: "mais espertos, habéis, conscientes"; "com sua geragáo", isto é, com
seus semelhantes. - As palavras de Jesús exprimem um fato que até hoje
se verifica: os maus sao mais finónos e sagazes na promogáo dos seus
interesses maus ou meramente materiais do que os bons no servigo dos
verdadeiros valores e do pnóprio Deus. Já dizia Pió XII que o grande es
cándalo dos nossos tempos é que os bons "estao cansados", ao passo que
os maus trabalham muito; pode parecer que a procura dos bens materiais
empolga mais os pecadores do que a procura dos bens espirituais empoí-
ga os justos; os maus tém mais zelo pelo que é mau, do que os bons pelo
que é bom. Exemplo disto seria o administrador desonesto que soube encon
trar habéis recursos para se manter impune na fraude até o fim; seria para
desejar que os bons o imitassem na promogáo do bem; "Aqueles correm
em demanda de urna coroa perecível; nos em demanda da imperecível",
diz Sao Paulo (1Cor9,26). É bem de notar que Jesús nao manda cometer
o mal, mas sim praticar o bem, todavía com o interesse e o empenho que
os maus aplicam para a promogáo do mal. Lembremo-nos de que, parale
lamente, Jesús exorta os seus discípulos a ser habéis como as serpentes
(cf. Mt 10,16).

100
A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL (Le 16,1-9) 5

Segundo alguns comentadores, a parábola termina no v.8. Cremos,


porém, que o v.9 a integra como conclusáo tirada por Jesús: "E eu vos
digo: fazei amigos com o dinheiro da iniqüidade, a fim de que, no dia em
que faltar, eles vos recebam ñas tendas eternas". Esta frase, aparente
mente misteriosa, quer dizer o seguinte:

"Dinheiro da iniqüidade" é expressáo semita que designa o dinheiro


como tal,... dinheiro que em si é algo de neutro (moralmente, nem bom nem
mau), mas que muitas vezes é iniquamente utilizado pelos homens; daí
dizer-se "dinheiro iniquo"1. Jesús faz do dinheiro um símbolo dos bens ou
talentos que cada um de nos possui (tempo, saúde, dotes pessoais...); e
exorta-nos a que, com esses bens, pratiquemos obras boas ("fagamos
amigos") que nos meregam o ingresso na vida eterna ("tendas eternas")2.
Sejamos ta"o zelosos quanto os filhos das trevas, para realizar o bem en-
quanto é tempo, ou enquanto a graga de Deus nos possibilita preparar
nossa vida definitiva; temos aqui um convite para acumular tesouros no
céu, seja por meio da esmola, seja mediante outras obras boas; ver Le
12,33; 18-22.

Os rabinos costumavam dizer que as boas obras sao nossos inter-


cessores:

"Aquele que cumpre um mandamento, adquirepara si um intercessor"


(P.Abn.4,11).

"Donde vem que as esmolas e as obras de carídade sejam um gran


de intercessor?" (Tos. Pea 4,21).

Procuremos agora definir claramente os ensinamentos da parábola.

2. A INTERPRETAgÁO DA PARÁBOLA

A parábola do administrador iniquo, que freqüentemente causa difi-


culdades aos intérpretes, é portadora de profundos ensinamentos.

Devemos observar, antes do mais, que é urna parábola a contras


te..., parábola em que o Senhor propóe urna imagem negativa, hedionda,
que, por contraste, significa algo de positivo e muito belo. Assemelha-se
ao negativo de urna fotografía, que deve ser revelada, de tal modo que os
respectivos traeos pretos se tornaráo brancos. Há outras parábolas deste
género no Evangelho: em Le 18,1-8 o juiz cínico é figura, por contraste, do
Senhor Deus (que é o contrario do cinismo); em Le 11,5-8 o amigo como-

1 O íexto grego diz "mamona da iniqüidade". Mamona vem da raíz aramaica mn = a-


quilo em que se pode confiar, ou que é seguro). Entre osjudeus, significava posses ou
propriedades, nao raro em sentido pejorativo.
1 "Habitar em tendas" é urna imagem que designa a mansáo de Deus ou, sem metá
fora, a bem-aventuranga final; ver Me 9,5; At 15,16; Ap 7,15;21,3.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

dista é símbolo do próprio Deus (o Amigo que primeiro nos amou; cf. 1Jo
4,19); em Le 11,11-13 o pai da térra, deficiente como é, simboliza o Pai do
céu (que é perfeito). - No caso de Le 16,1-9 Jesús propóe um homem que
é fraudulento e leviano, fútil; um dia leva um susto, que o obriga a pensar
sobre o sentido da vida; converte-se entáo, nos poucos dias que Ihe res-
tam, da futilidade e insensatez para a sabedoria1 e habilidade, sem porém
deixar de ser desonesto. Com outras palavras: temos a historia da
fraudulencia leviana que se converte em fraudulencia atenta e sabia, em
conseqüéncia de um susto que ainda Ihe deixou poucos dias para se con
verter. Ora Jesús nos diz que essa estória é imagem do que nos devemos
fazer, nos que queremos ser filhos da luz e nao filhos das trevas. Propen
sos á superficialidade e á rotina de vida, saibamos aproveitar os sustos
que a Providencia permite em nossa existencia a fim de nos convertermos
á sabedoria, sensatez e profundidade do coracáo.

Eis o esquema correspondente:


7 lilno deslé mundo

FroudulcnciQ insensata #?$ > Fraudulencia ienstía

Susto

j) Fildo do Iiw

» Lriilciós sensata, sabías


proto

susto
Mais precisamente formulemos as seguintes conclusóes:

1) A parábola do administrador iníquo está na linha das do rico pro-


prietário de Le 12,16-21, e do ricaco de Le 16,19-31; ensina-nos a olhar os
bens deste mundo com sabedoria, isto é, a partir da eternidade ou á luz do
definitivo, a fim de nao sermos surpreendidos pela morte. Acrescenta,
porém, as anteriores um elemento novo. Após o susto ou a desinstalacáo,
ainda há um prazo para a conversao e o recomeco: Deus é paciente e
misericordioso; antes de aplicar a justica definitiva. Ele concede oportuni-
dade de emenda.

Assim a parábola vem a ser urna exortagáo á conversao (a sua tóni


ca está neste trago)..., conversao nao tanto do pecado grave para a virtu-
de, mas sim da virtude levianamente praticada para a virtude exercida
com pleno fervor. O fervor heroico pode tomar aspectos diversos no de-
1 Entenda-se aquí sabedoria como sisudez, empenho, previdencia.

102
A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL (Le 16,1-9) 7

correr da historia do Cristianismo. Eis a propósito um apoftegma (f¡oretto)


dos Padres do deserto (século IV):

Certa vez um grupo de jovens monges foi procurar o abade Isquiriao


no deserto para pedir-lhe orientacáo. Após narrar o seu modo de vida aus
tera flejuns, vigilias, trabalho manual...), perguntaram-lhe: "Quanto vale a
nossa vida?" Respondeu o anciáo: "Vale a metade daquilo que nossos
Pais fizeram". Muito surpresos, indagaram os jovens: "E aqueles que vi-
ráo depois de nos, quanto valeráo?" Disse Isquiriao: "Faráo a metade do
que nos fazemos". Mais atónitos, aínda perguntaram os jovens: "E aque
les que virao depois desses, que faráo?" Respondeu o abade: "Farao menos
ainda do que os anteriores, mas sobrevirá a eles uma grande tempestade,
e os que permanecerem fiéis naquele tempo, serao maiores do que nos e
os nossos pais".

Esta despretensiosa profecía vem-se cumprindo. Com efeíto; é cada


vez mais atenuada em nossos dias a prática de ascese corporal rigorosa
(talvez em virtude da agitacáo da vida e do enfraquecimento das saúdes),
mas nem por isto os cristáos contemporáneos estáo condenados á medi-
ocridade; a Providencia Ihes oferece a oportunidade de ser constantemen
te sacudidos e solicitados para uma vida sabia, consciente e plena medi
ante a tempestade de propostas filosóficas dentro e fora da Igreja; levam a
procurar "atenuar" ou "humanizar" as exigencias da fé; quem Ihes resiste,
mobiliza constantemente suas energías espirituais e sacode a rotina...

2) A parábola nos ensina a aproveitar os bens que temos, nao ne-


cessariamente o dinheiro, mas outros dons de Deus... enquanto é tem
po, enquanto somos peregrinos á luz desta vida terrestre. "Hoje, oxalá
oucais a sua voz... Nao endurecais vossos coracóes,... como vossos pais,
que me tentaram, embora tivessem visto as minhas obras"(SI 95,7-9).
Nao sabemos quantas vezes aínda diremos "Hoje...". Daí a preméncia de
aproveitar o presente.

3) Saibamos tirar proveito também dos sustos e reveses desta vida


ou... até mesmo do pecado. Deus pode permitir o pecado para que des
pertemos da inconsciencia para um comportamento mais definido e coe-
rente. Tudo é graca no plano de Deus; tudo pode servir á nossa salvacáo.

4) O grande mal que pode acometer um crístao, é a mediocridade


de vida, é a acomodacao sem dinamismo. Para Deus, só pode haver uma
resposta condigna: doar-se totalmente, sem regateios. Diz o Senhor: "Co-
nheco a tua conduta; nao és frió nem quente. Oxalá fosses frió ou quente!
Mas, porque és morno, nem frió nem quente, estou para te vomitar de
minha boca" (Ap 3.15s). O desfibramento da vida crista, que por si é extre
mamente dinámica, é que causa a perplexidade e a indiferenca do mundo
ateu. "Vos sois o sal da térra...", diz o Senhor (Mt 5,13).

103
Moeda do ano 30:

A MAIS RECENTE DESCOBERTA


RELATIVA AO SANTO SUDARIO

Em síntese: O Santo Sudario está de novo em foco. No primeiro


semestre de 1996 descobriram-se vestigios de urna segunda moeda colo
cada, esta, sobre o olho esquerdo do homem que estava envolvido nessa
pega mortuária. Tal moeda (lepton) foi reconhecida como datada dos anos
29/30 d.C, ou seja, dos tempos do Senhor Jesús. Este achado mais urna
vez afasta a hipótese de se tratar de um paño medieval e corrobora a tese
da autenticidade do Sudario. Os vestigios da outra moeda, colocada sobre
o olho direito do cadáver conforme os costumes de sepultamento dos anti-
gos, já foram encontrados em 1979. É de crer, pois, que o Sudario seja
genuino. Todavía deve-se notar que a fé nao se baseia na autenticidade de
alguma reliquia ou de alguma descoberta científica.

O Santo Sudario de Turim é tido por bons pesquisadores e por fiéis


devotos como a mortalha que envolveu o corpo de Jesús Cristo descido
da Cruz. Os tragos nele impressos revelam um homem de grande estatu
ra, que terá sofrído todos os tormentos de que fala o Evangelho ao narrar
a Paixáo de Cristo. Varios exames científicos tém levado a crer que real
mente se trata de urna pega muito antiga, sendo altamente provável que
haja envolvido o Corpo de Jesús morto.

A historia do Sudario foi apresentada em PR 119/1969, pp. 466s; a


descricao da imagem respectiva encontra-se em PR 320/1989, pp. 34-43.

Sabe-se que aos 13/10/1988 pequeños fragmentos do Sudario fo


ram submetidos ao teste do Carbono 14 em tres Laboratorios, a saber: em
Oxford, Zürich e Tucson... O resultado do teste foi surpreendente, pois
punha em xeque todas as conclusóes de peritos médicos, bioquímicos,
biofísicos, historiadores, pessoal da NASA e dava a crer que a mortalha
data da faixa dos anos 1260-1390; a imagem terá sido obra de um pintor
medieval. Ver a propósito PR 322/1989, pp. 98-103; 329/1990, pp. 467-
472; 341/1990, pp. 473-477; 387/1993, pp. 482-487.

Após o teste do Carbono 14, varios dentistas refletiram sobre os


fatos e propuseram ponderacdes que realmente dissuadem da veracida-
de dos resultados do teste do Carbono 14; ver subtítulo 2 deste artigo.

104
A MAIS RECENTE DESCOBERTA RELATIVA AO SANTO SUDARIO 9

A quanto tem sido dito sobre a autenticidade do Sudario acrescen-


tou-se em julho de 1996 urna nova descocería, que, segundo algunspes-
qu.sadores afasia qualquer dúvida que contrarié a genuinidade da peca
Eis os eventos respectivos: v

1. / DESCOBERTA DOS VESTÍGIOS DE UMA MOEDA


Dois dentistas italianos, de renome internacional, os Professores
da Universidade de Turim, Dr. Luigi Baima Bollone, médico, e o Dr. Nello
Baloss.no, perito em investigares computadorizadas, identificaran! a
marca deixada sobre o olho esquerdo da imagem por urna pequeña mo-
eda chama lepton. É de notar que os antigos, no tempo de Jesús coSu-
mavam colocar urna moeda sobre cada um dos olhos do cadáver.
Utilizando a tecnología avancada do computador, os dois dentistas
italianos puderam averiguar que a moeda cujos vestigios foram encontra
dos, fo. cunhada no 16o ano do reinado do Imperador Romano Tiberio que
comecou a remar em 14 d.C; a data de origem da moeda corresponde
portante aos anos 29/30 da nossa era. Verificaram que a moeda colocada
sobre o olho esquerdo escorregou para tras, sobre a fronte talvez por
causa da inchacáo do cadáver; fora colocada sobre o olho do defunto de
tal modo que a data respectiva ficasse claramente visível.
A outra moeda, que, localizada sobre o olho direito, fazia parelha
com a recem-descoberta, já fora identificada em 1979 pelo jesuíta Pe
Francis Filas teólogo da Universidade Loyola de Chicago; foram os seus
vestigios confirmados pelo monetario italiano Mario Maroni em 1985 Foi
precisamente a identificacáo dessa primeira moeda que levou os dentis
tas Bollone e Balossino a pesquisar os tragos da eventual segunda moe
da. Recorrendo a urna serie de análises computadorizadas o Prof Ba
lossino comparou a segunda moeda a moedas tidas como auténticas pe
gas do tempo de Cristo, tais como se encontram no catálogo de moedas
da Palestina guardadas no British Museum. Mais ainda: a segunda moe
da corresponde exatamente a um exemplar de moedas romanas da cole-
gao do monetario italiano Cesare Colombo. Os dois pesquisadores italia
nos julgam a sua descoberta apta a resolver o misterio do Sudario do
confirma irrefutavelmente a tese de que se trata de urna peca datada do
tempo de Cristo, e nao medieval. Sao palavras do Prof. Bollone:
"Nao precisamos mais de apelar para testes ou cálculos Temos
agora urna prova intrínseca, claramente estampada, podemos dizer so
bre o propno Sudario. Nenhum artista medieval pode ter realizado tal obra".
Aos 7/7/1996 o Prof. Bollone declarou ao jornal Avvenire:
"Na minha opiniao, esta última descoberta é precisamente a prova
cabal de que o Sudario de Turim envolveu realmente o Corno de Cristo
crucificado e sepultado"

105
10

Verdade é que o jornal Le Monde, de París, aos 3/7/1996 pubhcou


comentarios do Prof. Jean-Michel Maldame, que defend.am a autentaria-
So teste do Carbono 14: alegava que na Idade Media era usual fabncar
reliquias falsas para atrair peregrinos de longe, e conclu.a que os defenso
res^autenticidade do Sudario nao poderiam ser tidos como seguidores
de seria disciplina intelectual.
A estes dizeres o Prof. Bollone respondeu num programa de televi-
sáo italiana chamado Mixer:
-Nestes dias nenhum pensador idóneo - como bemprova a biblio
grafía especializada - acredita na tese da 'tardía Idade Med.a-, sugenda
helo teste do Carbono 14 radioativo efetuado em 1988... O Sudano e mar-
Pctdoportragos anteriores a data establecida pelo C 14. Están,1Os agora
de posse de elementos intrínsecos (pertinentes ao propno Sudáno) denva-
dosdas marcas das moedas, que levam a atribuir essa pega a data de 30
d.C".

2. E OS RESULTADOS DO TESTE DO C 14?


Atualmente os estudiosos reconhecem que, no decorrer dos sécu-
los diversos fatos produziram a contaminacáo do Sudario, tornando im-
possível estabelecer a sua data de origem mediante o teste do C14.
Com efeito Em 14/4/1503 o tecido foi colocado em óleo fervente
para se testar a fixidez ou a indelebilidade da respectiva imagem.
Aos 4/12/1532 deu-se um surto de incendio na cápela de Chambéry
(Fran5a), onde o Sudario era guardado. A prata da caixa que encerrava
essa pega, derreteu-se, e pingou sobre a mortalha; em consequenca, re-
agóes químicas causadas pelo fogo devem ter aumentado a quantidade
de carbono que se achava depositado entre as fibras do tecido Ora .sto
nao pode deixar de ter provocado graves erros na aval.acao pelo C 14.
O Prof Leoncio Garza Valdes, da Universidade do Texas, especia
lista do Departamento de Microbiología, examinou um conjunto de fungos
e bacterias que, através dos séculos, se depositaran! sobre o Sudario e
puderam causar equívocos por ocasiáo do teste do C 14.
Além disto é notorio que o Sudario foi tocado por muitas máos (máos
limpas e máos sujas), que deixaram algum residuo sobre o paño respec
tivo.
Sabe-se de resto que a historia do S. Sudario é acidentada: passou
por varias vicissitudes, que explicam o aumento de carbono entre as fi
bras do seu tecido. A santa mortalha aparece, pela primeira vez, como se
eré em 544 na cidade de Edessa (Siria); depois julga-se que reaparece

106
A MAIS RECENTE DESCOBERTA RELATIVA AO SANTO SUDARIO 11

em Constantinopla em 944; mais tarde, em 1353 em Lirey (Franca); em


1452, em Chambéry (Franga), e finalmente em Turim no ano de 1578.
Estes e outros dados de urna historia muito complexa levam a de
sacreditar dos resultados do teste de 1988. Verdade é que nem todos os
cientistas estáo convencidos da autenticidade do Sudario - o que se com-
preende, pois a ciencia nunca para de investigar e está sempre a fazer
reservas diante das conclusoes mais plausíveis a que chegue.

3. A POSigÁO DA IGREJA

A Igreja nao faz questáo de afirmar a autenticidade do Sudario como


se esta fosse indispensável para respaldar as verdades da fé. A Igreja, no
caso, entrega o juízo aos cientistas, pois o assunto é mais da aleada da
ciencia do que da fé. A propósito o Cardeal Giovanni Saldarini, Arcebispo
de Turim e Guardiáo do Santo Sudario, pronunciou-se em programa de
televisáo aos 7/7/1996:

"A imagem nos aprésenla o seguinte problema: estamos nos con


templando mera críagáo artística ou, ao contrarío, a verdadeira figura de
Jesús como era após a sua Paixáo e morte? Esta nao é urna questáo de fé
Os fiéis gozam de absoluta liberdade para crer ou nao eremos dados for-
necidos. Ninguém jamáis tentou servirse do Santo Sudario para provara
fé crista. A fé nao se funda sobre imagens nem sobre reliquias nem sobre
descobertas científicas. Doutro lado, se se pode demonstrar que o Sudario
reproduz realmente a imagem de Jesús Cristo, os nao crentes terao mais
difículdadepara sustentara incredulidade".

O Pe. Giuseppe Ghiberti, teólogo e Assistente do Cardeal Saldarini


também se manifestou sobre o assunto:

"Creio que, antes do mais, toca á ciencia avaliaresta última deseo-


berta. Se fortida como genuína, as conseqüéncias da mesma nao serao
desprezíveis. Ter-se-á urna nova modalidade de evidencia histórica que
até hoje nenhum documento escrito e nenhuma peca arqueológica nos pro-
porcionou".

Interessantes sao as ponderacoes da Prof. Emanuela Marinelli,


autora de um dos mais recentes livros sobre o Sudario:

"O Sudario é um documento que interpela profundamente: se é au


téntico, é fruto de um amor sobre-humano; se nao é auténtico é fruto de
um genio sobre-humano".

Estes dados foram colhidos no artigo de Antonio Gaspari: The


Shadow of a Coin, em Inside the Vatican, October 1996, pp. 20s.

107
Balango objetivo:

A DISCUTIDA VISITA DO PAPA Á FRANQA


(19-22/9/96)

Em síntese: A visita do Papa á Franca, de 19 a 22 de setembro de


1996 para comemoraros 1.500 anos do Batismo do rei Clóvis, foiprecedi
da dé hostilidades, que tachavam o Papa de "retrógrado, autontano, mora
lista "■ o clima era pesado e inóspito quando Joao Paulo II chegou a Fran
ca Eis porém, que o comportamento do Papa sereno e paternal, alem de
corajoso e convicto, conseguiu cativarapopulagáo francesa; cerca de meio
milháo de pessoas se deslocaram para acompanhar o visitante em suas
sucessivas etapas pela Franca. A imprensa, que fomentara a agressividade,
reconheceu a grandeza da figura carísmática de Joao Paulo II. Foram co-
Ihidos muitos testemunhos de pessoas que se deram por profundamente
tocadas pelas palavras e as atitudes de Joao Paulo II; este pregou elo-
qüentemente nao só por suas palavras, mas também porseu porte visivel-
mente cansado e sofredor, mas fiel ao programa tragado.
* * *

Sabe-seque a quinta viagem do Papa Joao Paulo II á Franca, de 19


a 22 de setembro de 1996, para comemorar os 1.500 anos do Batismo do
rei Clóvis, considerado o fundador da nacáo francesa, foi precedida de
protestos'clamorosos por parte da imprensa e da populacáo francesa
laicista Quem acompanhava os preparativos, podía recear momentos
dolorosos para S. Santidade, de mais a mais que a saúde fraca suscitava
dúvidas sobre a resistencia física de Joáo Paulo II. Todavía, urna vez ter
minada a peregrinado de S. Santídade, a imprensa francesa, que havia
trabalhado a opiniao pública contra urna acolhida amiga ao Pontífice, re
conheceu o significado e o valor da visita. É o que passamos a averiguar
ñas páginas seguintes.

Antes do mais, impóe-se breve descricáo do

1. PAÑO DE FUNDO

Os francos sao um povo germánico que ocupava o extremo Norte


da Europa. No século III penetraram no Imperio Romano e se estabelece-
ram junto ao rio Reno, numa faixa que percorria a Holanda, a Bélgica e
parte do Nordeste da Franca de nossos dias. Repartiram-se por vanas
tribos que afinal se fundiram em duas: os francos ripuários ao Sul, e os
francos sálicos ao Norte; estes eram mais poderosos do que aqueles. Em
481 o chefe sálico Clóvis (Klodwig) reuniu todas as tribos francas sob o
108
A DISCUTIDA VISITA DO PAPA A FRANCA (19-22/9/96) 13

seu regime: com o seu povo invadiu o resto da Franca de hoje. Naquela
época ocupavam o territorio que seria a Franca do futuro, outros cinco
povos: os romanos, remanescentes do Imperio Romano, comandados por
Siágrio, entáo ¡ndependentes de Roma, localizados no centro do país; os
bretóes, a Oeste; os alamanos, ao Nordeste; os burgúndios, a Leste, e os
visigodos, ao Sul. No tocante á religiáo, os romanos eram católicos e se
distribuiam por varias dioceses; os bretóes também eram católicos; os
burgúndios e visigodos eram arianos (isto é, aderiam á heresia de Ario,
que subordinava o Filho ao Pai, na SS. Trindade); quanto aos francos e
alamanos (alemaes), eram pagaos. O rei Clóvis travou batalhas que Ihe
proporcionaram o governo de quase todas as áreas da Gália. Quando teve
de enfrentar, finalmente, os alamanos em Tolbiac, as tropas de Clóvis co-
megaram perdendo a guerra, mas, de repente, reagiram e a ganharam.

Este fato surpreendente é explicado por S. Gregorio de Tours (538-


594) do seguinte modo: Clóvis, tendo enviuvado, casou-se pela segunda
vez com Clotilde, filha do famoso e sanguinario rei burgúndio Gundebaud;
nutria simpatía pelo Cristianismo, incutido por sua esposa Clotilde, católi
ca fervorosa; chegou a permitir que os filhos recebessem o Batismo. Na
batalha de Tolbiac, estando quase derrotado, prometeu converter-se á fé
católica se vencesse. Ora obteve a vitória e, em conseqüéncia, pediu o
Batismo, que ele recebeu em Reims, das máos do Bispo Sao Remigio,
ocasionando assim a conversáo de tres mil guerreiros seus ao Catolicismo.

Pergunta-se se esta narrativa é fidedigna. Sao Gregorio de Tours a


transmite como proveniente dos tempos do próprio rei Clóvis. O que é
certo, é que Clóvis foi batizado e consigo levou muitos de seus súditos
francos para a Igreja Católica (entre os bárbaros, a conversáo do chefe
provocava muitas vezes a dos súditos). É este fato que fundamenta o
título de "Franca, filha primogénita da Igreja", pois os povos bárbaros em
geral se fizeram arianos antes de se tornar católicos.

A conversáo dos francos foi saudada pelos cristaos de Roma como


acontecimento de grande alcance, comparável á conversáo de Constantino.
Os francos cristaos conseguiram fundir-se com o povo cristao da Gália;
este país, alias, foi aos poucos mudando de nome, passando a chamar-se
Térra Francorum ou Franca.

Urna Tradicáo refere as seguintes palavras ditas pelo Bispo Sao


Remigio, de Reims, ao rei Clóvis: "Depone cola1. Ure quod adorasti. Adora
quae ussisti. - Abandona os cumes. Queima o que adoraste. Adora o que
queimaste".

Clóvis ou Clodoveu fundou a primeira dinastía francesa, que foi a


dos merovíngios. Mediante princesas dessa dinastía, alguns outros povos

1 Entendemos cola como abreviatura de colimina (talvez col.a nos manuscritos antigos).

109
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

se converteram ao Catolicismo; tal foi a influencia crista dos francos sobre


as nacóes vizinhas que se cunhou a expressáo Gesta Dei per francos (as
obras de Deus através dos francos).

Pois bem. Os racionalistas e livre-pensadores da Franga contem


poránea se insurgiram, antes da visita do Papa, contra a idéia de que a
nagáo francesa tenha tido origem em um ato religioso ou no Batismo do
rei Clóvis. Para tirar o significado religioso a esse gesto, póem em dúvida
a sinceridade do rei Clóvis ao pedir o Batismo: nao terá sido este um
gesto meramente formal, fruto de urna conversáo forjada, devida a um
cálculo político? A tradigao responde que nao: Clóvis terá sido auténtico
em sua caminhada religiosa; terá mesmo meditado longamente antes de
pedir o Batismo.

A contestagao levantada contra táo importante evento fez-se sentir


no clima hostil que, em alguns setores, antecederam a visita do Papa á
Franga. Houve quem desejasse as "más-vindas" ao Papa e quem clamas-
se: "Abortemos o Papa!" durante os meses de mais intensa preparacáo da
visita. Varios artigos da imprensa queriam proibir ao Papa que chamasse
a Franga "a Füha Primogénita da Igreja",... que ele Ihe pedisse contas do
seu Batismo e que fizesse alusáo ao Batismo de Clóvis como se fora o
Batismo da nagáo francesa.

Vejamos os frutos dessa visita pastoral.

2. A VISITA E SEUS FRUTOS

Refere a imprensa que o Papa soube conduzir-se de maneira sere


na em seus discursos, de modo a evitar que se desencadeasse a guerra
entre "duas Frangas" (a católica e a dissidente ou racionalista)1. "A viagem
de todos os perigos (Le voyage de tous les dangers)" tomou-se a via
gem cheia de boas surpresas. Muitos receavam urna tempestade de pro
testos levantados em nome do laicismo e da separagáo da Igreja e do
Estado; ao contrario, verificou-se que a contestagao fracassou.

Os defensores do laicismo da República Francesa só conseguiram


mobilizar 5.000 pessoas no centro de Paris no domingo 22 de setembro,
último dia da visita, quando o Papa em Reims celebrava a Missa come-
morativa do Batismo de Clóvis, tido como fundador da nagao francesa.
Em Valmy, a manifestagáo de protesto reuniu menos de mil pessoas; pre
cisamente Valmy foi a cidade feita campo de batalha, em que o exército

1 Assim como há na Franga os fanáticos do laicismo, que renegam as orígens cristas


do pais, há também os fanáticos integristas, que nao aceitam a Franga republicana
oriunda da Revolugáo de 1789. A historia tem. para os franceses, especial importan
cia, que até hoje suscita paixóes calorosas.

110
A DISCUTIDA VISITA DO PAPA Á FRANCA (19-22/9/96) 15

revolucionario e popular dos sans-culottes1 infligiu urna derrota fragorosa


ao exército prussiano em 1792. Quanto ao dia 22 de setembro, assinalava
o aniversario da primeira República Francesa, proclamada em 1792, dois
dias após a batalha de Valmy.

Nao há dúvida, o propósito de se celebrarem os 1.500 anos do Ba-


tismo de Clóvis fo¡ aceito e confirmado pelo presidente francés socialista
Francois Mitterand. Nao obstante, os adversarios do Cristianismo quise-
ram denunciar o que eles chamavam "o desejo de revanche e a tentativa
clerical de fazer coincidir as origens da Franca com a conversáo do rei
Clóvis".

A oposigáo foi insuficiente para impedir o brilho da visita do Papa.


Isto foi significativamente atestado pelo jornal Libération, de esquerda
radical francesa, que proclamou em mánchete: "O Papa foi-se embora
santo e salvo". Foi esta a noticia mais original; conforme os comentadores,
tem o significado de urna certa retratacao ou de confissáo de ter cometido
um erro ao prever urna desastrosa visita de Joáo Paulo II á Franca; com
efeito, antes da chegada do Papa, tal jornal anunciou que seria urna visita
incómoda, cheia de polémicas, até de ameagas, capaz de despertar fan
tasmas do passado e de reacender os conflitos que dilaceraram a Franca
do século XIX. Ora, em vez de ser contestado, Joáo Paulo II foi aplaudido.
Os franceses viram um pastor e nao um político; pode-se mesmo afirmar
que a opiniáo pública, em seu veio central, reagiu á contestagáo fomenta
da pelos meios de comunicagáo social. O jornal Le Monde comentou:
"Os excessos da contestagáo leiga provocaram um efeito boomerang",
ou seja, contribuiram para provocar a popularidade de Joáo Paulo II; esta
foi atestada pela presenga de numerosíssimos jovens que acompanharam
a visita.

O Papa exortou os franceses a ficarem fiéis ao lema "Liberdade,


Igualdade, Fraternidade" da Revolugáo Francesa. Calcula-se que um total
de 500.000 pessoas participaram dos sucessivos eventos da visita papal,
sendo que somente em Reims estavam presentes 200.000 fiéis. Em vez
de um Papa conservador, "defensor da ordem moral" e, além do mais,
minado pela doenga, os franceses contemplaram urna figura humana sim
ples e moderna, atenta as preocupagóes do comum da populagáo, bem
informado a respeito da gravidade da crise que afeta as sociedades indus
triáis, inclusive a Franga, com o seu séquito de violencia, dramas e outros
problemas da vida cotidiana. Como humilde pároco, Joáo Paulo II encon-

1 Culottes, em francés, sao as caigas que váo até os joelhos apenas. Pantalón é a
caiga que val até os tomozelos. Os revolucionarios mais extremados eram ditos sans~
culottes. em oposigáo aos aristócratas da monarquía, que usavam caigas até os
joelhos; passaram a trajar pantalons.

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

trou-se com os marginalizados e%a todos disse palavras de estímulo:... aos


doentes de AIDS, aos ¡migrantes (inclusive os clandestinos ou sans-pa-
piers), aos desempregados, as mies solteiras, aos sem-teto, aos divorci
ados... Impressionou os franceses pela sua capacidade de ouvir, de com-
preender, de responder improvisadamente, sem ler apontamentos e sem
consultar peritos de comunicacao. Os seus discursos sobre a fraternidade,
a solidariedade, a sua rejeigáo do exclusivismo, dos excessos do capita
lismo selvagem calaram fundo tanto no público de direita como no de
esquerda.

Muitos franceses que admiravam o Papa pela sua acáo contraria


as ditaduras comunistas da Europa Oriental, julgavam que a sua missáo
estava terminada com a queda do Muro de Berlim. Muitos outros haviam
reagido irritados contra a transferencia de Mons. Jacques Gaillot, Bispo de
Evreux1, julgando tratar-se de autoritarismo retrógrado. Quando, porém,
ouviram os discursos proferidos pelo Papa na Franca, verificaram que o
"interesse pastoral e generoso do Papa continua sendo o mesmo, tendo
apenas mudado de registro". Só o fato de ver o Papa locomover-se com
aspecto cansado e lentamente, tendo a mió trémula, era para todos urna
pregacáo viva e urna licáo de coragem.

O diretor do semanario católico La Vie, o Sr. Jean-Claude Petit,


pode escrever:

"Na aurora do terceiro milenio, a fungao do Papa é ainda a de saber


injetara sementé do diálogo ñas veias de urna humanidade aflita por tantas
injustigas. É o que Joáo Paulo II, incansável advogado do género humano,
se esforgou por fazer, a passos bem dimensionados, nos quatro días de
sua viagem á Franga".

Em Roma, de volta da sua visita, o Santo Padre dirigiu-se a 10.000


peregrinos, comentando os fatos recentes. E dizia: "Quando em 1980 visi-
tei a Igreja de Franga pela primeira vez, pus-lhe a pergunta: 'Franga, que
fizeste do teu Batismo após 1.500 anos?' A recente viagem, esta peregri-
nagáo deram magnífica resposta a esta pergunta".

Muitos foram os testemunhos de pessoas que participaram da visita


do Papa. Entre outros, seja aqui citado o de um jovem escoteiro, de 24
anos de idade, estudante de Direito, que, tendo partido de Beaucaire na
véspera, estava em Reims as 4 horas da madrugada de 22/9 com urna
dezena de outros escoteiros. Tlnham estado com Joio Paulo II em audien
cias e encontros diversos no passado; declarou:

"Ele fica muito perto dosjovens, ele dirige muñas mensagens a nos
e aos franceses, que ele estima particularmente... Eu nao venho para tocar
1 Mons. Jacques Gaillot teve que deixar a diocese de Evreux por defender teses
¡ncompatíveis com a Moral Católica. Ver PR 398/1995, .pp. 327-334.

112
A DISCUTIDA VISITA DO PAPA Á FRANQA (19-22/9/96) 17

um ídolo artificial, mas para ver um homem de grande forga moral e de


grande coragem. Esta coragem Ihepossibilita superaros seus sofrimentos.
Ele permanece para cumprir a sua missáo. Nao podemos senao admirá-lo".

O Sr. Bispo de Tours, Mons. Jean Honoré, declarou á imprensa re


gional:

"O Papa possui um tal carisma, ele desloca tanta gente que os
organizadores de seus itinerarios tém sempre suas previsóes ultrapassa-
daspelo impacto de suas viagens. Nao tenho culpa, se mais de um milheiro
de jomalistas vém a Tours e varias dezenas de milhares de pessoas se
deslocam. Há um impulso espontáneo e popular. Recebemos muitos mi
lhares de apelos e de pedidos de pessoas 'feridas pela vida', que querem
ver o Papa".

Um jornalista francés interrogou o Cardeal Jean-Marie Lustiger, de


Paris. a respeito das manifestagoes contra o Papa e seu significado. Res-
pondeu Lustiger: "O povo francés tem mais bom senso do que aqueles
que falam em seu nome".

Sao estes fatos e depoimentos que ilustram o verdadeiro significado


e o balanco muito positivo da quinta visita pastoral do Papa á Franca. Ele
aínda é esperado naquele país em agosto pf., por ocasiáo da Jomada
Mundial da Juventude. Ao despedir-se do Papa, que partía de volta para
Roma, o Primeiro-Ministro francés Alain Juppé agradeceu a S. Santidade
os quatro días de sua visita pastoral. Em discreta alusao á polémica que
antecedeu a visita, Juppé prestou homenagem a Joáo Paulo II, rejeitando
as caricaturas da sua atividade pastoral: "Os homens de boa vontade re-
conhecem em Vos o incansável apostólo da paz, da solidariedade e da
justiga... Como nao evocar o vosso papel na queda dos regimes totalitari
os que oprimiam a metade da Europa? Até mais! No próximo ano, V. San
tidade voltará á Franca para a 12a Jornada Mundial da Juventude, queterá
lugar em Paris". E concluiu com votos, formulados em nome do Govemo
Francés, "em prol da feliz continuidade da vossa elevada missao".

APÉNDICE
O JUBILEU SACERDOTAL DO PAPA

A 1o de novembro de 1996, o S. Padre Joáo Paulo II completou


cinqüenta anos de ordenacáo sacerdotal. Esta data foi comemorada por
varias instituicóes e personalidades, que se associaram ao Papa em sua
agáo de gracas e Ihe prestaram justa homenagem. Urna das mais signifi
cativas expressoes dessa admiracáo foi a da revista italiana ÉPOCA, urna
das mais tradicionais e mais lidas da Italia; consagrou a Joáo Paulo II urna
edigáo especial destinada a colecionadores, em que chamava o Papa

113
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

L'Uomo del Secólo (o Homem do Século). Sem dúvida, é este um dos


mais brilhantes títulos que se possam atribuir a alguém.

A revista apresenta 400 fotografías, tidas como raras ou nunca vis


tas e inesquecíveis. Varios autores, de diversas concepcóes filosóficas,
escreveram a respeito de S. Santidade: o pensador católico Rocco Buti-
glione, o intelectual socialista Sergio Zavoli, o leigo liberal e ex-embaixa-
dor Sergio Romano, e o ex-miliciano fascita e jornalista Giano Accame.

Até a data de seu J ubi leu de ouro sacerdotal, desde o dia de sua
eleicáo (16/10/1978), Joáo Paulo II pronunciou mais de 13.000 discursos
em idiomas muito diversos; foi infatigável globe-trotter, fazendo 74 via-
gens a 166 países, (52 dos quais visitados mais de urna vez); dentro da
Italia fez 127 visitas pastorais. Tudo somado, Joáo Paulo II percorreu
1.049.500 km, equivalentes a 273 vezes a distancia entre a Térra e a Lúa
e a 26 voltas em redor do mundo. Passou longe de Roma cerca de um
décimo do tempo de seu pontificado.

Escreveu doze Encíclicas, cinco Exortacóes Apostólicas, promul-


gou o Código de Direito Canónico para a Igreja dita latina e outro para
Igreja dita oriental; patrocinou e editou o Catecismo da Igreja Católica e
empreendeu a reforma da Curia Romana. Doutro lado, é de notar que
nenhum outro Papa sofreu tantos acidentes e doencas, passando 135 días
internado da Policlínica Gemelli, de Roma.

Canonizou (incluiu no catálogo dos Santos) 275 fiéis de ambos os


sexos, e realizou 630 Beatificacóes (passo preliminar para a Canonizacáo).

Eis o que a propósito se lé no JORNAL DO BRASIL de 1°/11/1996, p. 21:

«Identificado nos primeiros tres anos de pontificado como o Papa


messiánico e triunfalista, decidido a recuperar e restaurar a tradigáo
litúrgica, e estrutura dogmática da Igreja Católica tanto quanto a disciplina
da sua hierarquia eclesiática, aospoucos Karol Wojtyla foi sendo redefínido
por todos os que - no mundo inteiro - seguiam sua agao de pastor e líder
político. Hoje, ninguém o vé apenas como o mais eficiente inimigo do
destruido imperio soviético ou como um campeáo da intransigencia e do
conservadurismo da Igreja. No mínimo, seus mais exigentes examinado
res o véem como um homem de personalidade complexa e sempre sur-
preendente. Capaz de se tomar o mais ativo e conseqüente líder da cru
zada anti-comunista, mas capaz também de se tomar- no dia 13 de abril
de 1986 - o primeiro pontífice católico a entrar na sinagoga de Roma e
abragarseu rabino-chefe. Com a mesma coragem com que se tomou tam
bém o primeiro Papa a reconhecer e a pedir desculpas pelos muitos erros
e crimes praticados pela Igreja Católica nos anos da Inquisigáo».

114
Acompanhado lado a lado:

UM PERFIL DE JOÁO PAULO II

Em síntese: Mons. Jean Honoré, Arcebispo de Tours, tendo priva


do com o S. Padre Joño Paulo II durante os dias da sua visita á Franga, de
19 a 22 de setembro de 1996, refere as impressóes que colheu de tal
encontró, confirmando-o na convicgao de que o S. Padre é realmente um
"Homem de Deus", homem carismático, cujo vigor espiritual e quigá tam-
bém físico se reabastece em profunda vida de oragao.

Mons. Jean Honoré é o Arcebispo de Tours (Franca). Por dever de


estado, acompanhou lado a lado o S. Padre Joáo Paulo II em sua visita
pastoral feita áquele país. Encerrados os trabalhos da visita, Mons. Honoré
quis dar um depoimento pessoal a respeito da figura desse grande Pontí
fice; é um testemunho notável, que vai, a seguir, publicado em traducáo
brasileira (o texto francés se acha em SNOP, Boletim da Conferencia dos
Bispos da Franca, n° 994, de 4/10/1996, p. 30).

"JOÁO PAULO II, HOMEM DE DEUS

De muitas maneiras os meios de comunicacáo social transmitiram


a viagem do S. Padre á Franga. É ¡negável que eles resgataram urna
opiniáo que haviam contribuido para tornar perplexa e cheia de suspei-
tas. Mais urna vez o carisma de Joáo Paulo II realizou essa mudanca,
exercendo excepcional atracáo que revolveu e entusiasmou as multidóes
em cada um dos lugares da visita pontificia. Deixo a outros o cuidado de
fazer o balanco. O que desejo testemunhar, é a impressáo muito forte que
experimentei por estar, todos os dias da visita, muito perto desse Papa, que,
sob todos os aspectos, me fez compreender o que é um Homem de Deus.

'O que nos ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contem
plamos, o que nossas máos tocaram...' (Uo 1,1). Ao redigir este bilhete,
logo após a visita do Papa, por que é que estas linhas do Apostólo me
afloram á mente para evocar os momentos de encontró pessoal que vivi
com Joáo Paulo II?

O protocolo de urna visita do Santo Padre exige a presenca do Bis-


po da diocese que o acolhe, a seu lado, em cada um dos seus desloca-
mentos. Isto, entre parénteses, nao deixa de ter significado; é o pastor de
urna Igreja particular que recebe o Bispo de Roma para testemunhar a
comunháo que os une entre si. Por conseguinte, tive o privilegio de com-
partilhar com Joáo Paulo II, por ocasiáo das suas idas e vindas, todas as
manhás e todas as tardes, a intimidade de um encontró e de um diálogo.
É dessa intimidade que desejo falar.
115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Digo-o com toda a franqueza. Permaneco impressionado por urna


presenca que me revelou, em cada momento, a profundidade espiritual
de alguém que, todo inteiro, vive para Deus e vive em Deus. Nunca me
pareceu táo verídica a palavra de Sao Paulo: 'A vossa vida está oculta em
Deus no Cristo' (Cl 3,3).

Por certo, muitas vezes no decorrer desses quatro días, fui subju-
gado pela paciencia do Papa, por sua inalterável atengáo as pessoas que
as contingencias do servico o obrigavam a contactar: as Religiosas da
Bretéche, os responsáveis e os agentes de Seguranca, os motoristas e
os motoqueiros da comitiva pontificia..., todos tiveram o direito, cada qual
por sua vez, a um agradecimento, a urna palavra, a um sorriso... Eu Ihe
lembrava o risco do cansaco. Ele me respondiasempre: 'O Papatem que
proceder assim'. Nao era fingida a emocáo do semblante de todos aque
les que se inclinavam diante dele e nao podiam dissimular seus senti-
mentos de respeito e admiracao para com o anciáo, cujo andar era muitas
vezes penoso, parecendo exigir o máximo da resistencia de um homem.

Mas, além dos sinais que Joáo Paulo II dava á vista de todos, foi
tocado e interpelado pela transparencia da sua fé e da sua oracao. Há
sinais que nao enganam. Desde o primeiro día, no decorrer do trajeto feito
á tarde, eu o surpreendi de olhos fechados, a cabeca inclinada como se
estivesse aproveitando urna sesta muito breve. Na verdade, porém, ele
tinha o terco ñas máos e seus labios se mexiam. Restava-me apenas
unir-me á sua oracáo silenciosa. No fim da jornada estafante de Santa-
Ana de Auray, quando de noite se podia pensar num repouso bem mereci
do, o Papa confiou-me que, sendo sexta-feira, ele ainda devia ir á cápela
para fazer a Via-Sacra... A mesma coisa aconteceu no dia seguinte após o
encontró com os mutilados da vida: ele me deixou, para se ¡solar ainda numa
agáo de gragas... Ele acabara de dizer em sua homilía na basílica: 'Que há
de maior e mais importante do que alguém ser amado e ser reconhecido
como tal por causa da beleza do seu ser interior, que nao depende nem das
aparéncias, nem do interesse ¡mediato que esse alguém possa despertar
nos outros?' Nao era ele mesmo a viva ilustracáo dessa conviccáo?

A repórteres que me interrogava m no domingo em Reims sobre a


capacidade de resistencia do Papa, só pude responder transmitindo-lhes o
que acabo de escrever. Sem dúvida, é a adesáo de todo o seu ser ao Mestre
do Evangelho, é o seu propósito de a Ele se unir numa oracáo incessante
que dáo a Joáo Paulo II essa forca de ánimo e essa firmeza de caráter, que
o levam a assumir os riscos e as fadigas devidos á sua idade e as limitacóes
físicas que podem suplantar as mais robustas configuragóes corpóreas.

Eu quis exprimir estas recordagoes, a fim de partílhar com os dio


cesanos de Tours os sentimentos que experimentei ao longo daquelas
jornadas de encontró e de graca. Nao se tratava de prestar urna deferen
cia encomendada, nem fui vítima do contagio coletivo das multidoes que

116
UM PERFIL DE JOÁO PAULO II

aclamaram Joáo Paulo II, mas o depoimento se deve á experiencia muito


simples de um encontró pessoal que nao deixou de me confundir no mais
íntimo de mim mesmo. Eu nao me consideraría quite comigo mesmo, se
eu nao testemunhasse todos os frutos espirituais que me foi dado colher
desses días de intimidade com o sucessor de Pedro".

Os Textos de Qumran, por Florentino García Martínez. - Ed. Vo-


zes, Petrópolis 1995, 160x230mm, 582 págs.

Este volume é de enorme importancia, pois aprésenla algo há muito


tempo aguardado, a saber: os textos dos manuscritos descobertos ñas
grutas de Qumran a NO. do Mar Moño (Israel). Foram traduzidos para o
portugués sob o acompanhamento do Prof. Florentino García Martínez,
Diretor do Qumran Institut da Universidade de Groningen (Holanda). A
obra comega por apresentar urna Introdugáo, que aborda a historia das
descobertas em Qumran, discute a autenticidade e antigüidade dos tex
tos e trata dos essénios e dos habitantes de Qumran. A seguir, vém as
nove colegóes de manuscritos: Regras de Vida Monacal, Textos haláquicos
(jurídicos), Textos escatológicos, Textos exegéticos, Textos parabíblicos,
Textos poéticos, Textos litúrgicos, Textos astronómicos, Calendario e Ho
róscopo, e, finalmente, o famoso Rolo do Cobre. Varios desses textos sao
fragmentarios, em parte reconstituidos, dando margem a interpretagóes
diversas. Os manuscritos gregos encontrados na 7a gruta de Qumran e,
por alguns exegetas católicos, atribuidos ao Novo Testamento sao classi-
fícados como "nao-identificados" (p. 567).

Eis como o autor caracteriza a comunidade de Qumran, outrora pro-


prietária dos manuscritos:

"Esse grupo humano era um grupo sectario. É o que prova o con-


teúdo de determinadas obras amplamente representadas na biblioteca.
Estas composigóes nao apenas mostram urna halaká (jurisprudencia) di
ferente da do resto do judaismo, nao apenas adotam um calendario dife
rente do calendario em vigor, nao apenas contém propostas teológicas
novas, como também mostram explícitamente urna comunidade fortemen-
te estruturada e hierarquicamente organizada, cujos membros tém consci-
éncia de serem diferentes do resto, de se terem separado do resto do juda
ismo da época e, o que é aquí aínda mais interessante, urna comunidade
que proibe e evita todo contato com os que nao sao seus membros" (p. 35).
A leitura do livro é altamente ilustrativa do que foi o judaismo pouco
anterior e contemporáneo a Cristo; revela urna corrente de fiéis judeus
fortemente voltados para a vinda do Messias e dotados de ardente pieda-
de. As relagóes dessa comunidade com o Cristianismo tém sido estuda-
das com afinco por grandes mestres, chegando alguns a conclusóes um
tanto revolucionarias, como se pode perceber na apreciagáo de outro li
vro sobre Qumran á p. 141 deste fascículo.

117
Wlais urna vez em foco:

PIÓ XII E OS JUDEUS

Acontece, de vez em quando, que os meios de comunicacáo social


se lembram de atacar o Papa Pió XII, acusando-o de inercia diante da
perseguicao do nacional-socialismo alemáo aos judeus. Os programas
de televisio e radio e a imprensa escrita procedem de maneira sumaria,
sem exibir documentacáo adequada ou nao levando em conta a ampia
bibliografía que se tem publicado sobre o assunto; o público assim é mal
informado e vítima de tendenciosidade.

Foi o que se deu na Franga em setembro de 1996. A defesa do Papa


foi assumida pelo Prof. Jean Chelini, Diretor do Instituto de Direito e de
Historia Canónica em Aix-en-Provence (Franga); tal mestre é autor da
obra L'Eglise sous Pie XII; tome I: La Tourmente; tome II: L'aprés-
guerre. Fayard, Paris 1983 e 1989.

O autor lembra as difíceis circunstancias em que se achava o Papa


Pió XII: sujeito a provocar mais fortes invectivas dos nazistas contra os
judeus, caso se pronunciasse muito clamorosamente, preferiu agir de ma
neira discreta, mas certamente eficaz. Eis alguns fatos que passaram des-
percebidos aos olhos do grande público:

Logo da chegada dos alemáes a Roma, o Papa mandou suspender


a clausura dos conventos para permitir o acesso de refugiados judeus de
ambos os sexos ñas casas religiosas católicas; é certo que entáo muitos
israelitas foram assim abrigados; especialmente as Irmas da Congrega-
gao de Nossa Senhora de Sion em Roma foram beneméritas neste parti
cular.

Quando o coronel alemáo SS. Keppler exigiu do Gráo-rabino Zolli


que Ihe entregasse 50 quilos de ouro, o Papa mandou completar o peso
do ouro com algumas reservas da Igreja. Este e outros fatos tocaram
tanto o Gráo-rabino que ele se converteu ao Catolicismo e tomou o nome
de Eugenio (nome batismal de Pió XII).

Na noite de 15 a 16 de outubro de 1943 os alemáes realizaram vio


lenta incursáo anti-semita, que provocou enérgicos protestos do Papa;
assim conseguiu Pió XII impedir ulteriores deportacóes coletivas de ju
deus.

Na Hungría Pió XII ¡nterveio pessoalmente com decisáo enérgica.


Aos 25/6/1944 enviou um telegrama ao regente Miklos Horthy, que gover-

118
PIÓ XII E OS JUDEUS 23

nava o país em nome do regime nacional-socialista, pedindo-lhe senso


humanitario. Em conseqüéncia os alemáes deixaram de praticar as de-
portacoes que haviam iniciado após a sua entrada na Hungría em margo
anterior. Mas em outubro de 1944 os nazistas depuseram Horthy e reco-
megaram a exilar judeus. Entáo o Nuncio Apostólico, Mons. Rotta, inter-
veio em favor das vítimas. Os alemáes nao Ihe prestaram a devida aten-
cáo; apenas permitiram que ele emitisse cartas que imploravam protecáo
para os perseguidos; Mons. Rotta expediu 13.000 cartas de tal tipo assina-
das em branco, desde que solicitado; salvou assim a vida de milhares de
judeus. O mesmo sistema foi posto em prática na Eslováquia.

Feitos semelhantes poderiam ser arrolados em número relevante,


de tal modo que os testemunhos hoje em dia existentes eximem Pió XII de
qualquer complacencia para com o nacional-socialismo. Mais de uma vez
o Papa manifestou sua aversáo ao sistema; só nao falou mais alto porque
isto podía reverter em daño para os próprios judeus e as comunidades
avessas ao regime. O Papa Paulo VI teve a feliz iniciativa de abrir os
arquivos do Vaticano referentes aos anos da segunda guerra mundial (1939-
1945); p5em as claras os ingentes esforcos, bem e mal sucedidos, do
Papa e de seus representantes em prol das vítimas da guerra em diversas
partes do mundo. Centenas de milhares de vidas foram assim poupadas.
O autor judeu P. E. Lapide calcula que ao menos um milháo de israelitas
foram salvos gracas á intervencáo da Igreja; cf. Rom und die Juden.
Freiburg 1967, p. 185. Na obra Storia della Cheisa, dirigida por H. Jedin,
1.10, p. 97, Konard Repgen julga que foram 950.000 os judeus salvos da
morte, dos quais uma faixa de 70 a 90% foram socorridos pela Igreja. Por
falta de documentacáo e pelo emaranhado da questao, é difícil chegar a
termos mais precisos.

Estes poucos dados e a indicacáo das fontes respectivas podem


contribuir para esclarecer o papel do Papa Pió XII em relacao aos judeus,
que ele nao deixou de tutelar durante a segunda guerra mundial.

QUER CONHECER MELHOR A SUA FE?

Parece ser um imperativo de nossos días um mais sólido e pro


fundo conhecimento das verdades da fé que nos professamos com
oís labios. Caro(a) amigo(a), procure entáo os Cursos por Corres
pondencia da Escola "Mater Ecclesiae"; sao 14 Cursos, dos quais o
último versa sobre a Igreja, tema táo delicado e importante. Dirija-se
á Escola pelo TeleFax (021) 242-4552 ou mediante a Caixa Postal 1362,
20001-970 Rio de Janeiro (RJ).

119
Testemunho valioso:

REFLEXÓES SOBRE O CELIBATO


por Fulton Sheen

Em síntese: Fulton Sheen, famoso Bispo norte-americano, escre-


veu sua autobiografía, na qual propóe ponderagoes sobre o celibato.
Enfatiza o fato de que o celibato nao é um truncamento, urna renuncia sem
mais, mas é, sim, urna troca: a troca da criatura pelo Criador, do finito pelo
Infinito, do relativo pelo Absoluto (cf. 1 Cor 7,25-35). É ceño que o celiba-
tárío tem que viver neste mundo, lidando com os valores criados deste
mundo, mas ele o faz com o possível desapego para poder descobrir sem-
pre mais o Eterno presente no tempo. - Quem nao tem o senso de Deus,
nao compreende a vida una ou indivisa. Até mesmo grandes homens religi
osos nao católicos, como o Mahatma Gandhi e o Secretario Geral da ONU
em tempo idos, deram o testemunho de grande estima pela vida celibatá-
ria, que eles mesmos abracaram.

O Bispo norte-americano Fulton Sheen, conhecido por seus progra


mas de televisáo, escreveu um livro autobiográfico intitulado Treasure in
Clay1 (Tesouro dentro da Argila), no qual se encontra o capítulo 13, que
propóe "Reflexóes sobre o Celibato" (pp. 201-213). Sao páginas notáveis,
das quais vao, a seguir, traduzidos alguns trechos dos mais significativos.

I. O TEXTO

"Há tres conselhos evangélicos: pobreza, castidade e obediencia.


Nem todos os tres sao populares do mesmo modo... Em nossos días, nao
existe muita estima á obediencia e á castidade. A pobreza parece ser mais
valorizada nao tanto como despojamento pessoal, mas como via para
auxiliar a pobreza alheia - o que é realmente recomendável. A razáo pela
qual a castidade está em declinio, é que vivemos numa cultura sensual. A
Idade Media foi urna época de fé; depois veio a Idade da Razáo no século
XVIII; agora vivemos na Idade dos Sentimentos.

Nos tempos da rainha Vitoria, o sexo era tabú; atualmente a morte é


que é tabú. Cada época tem seus próprios tabus. Creio que urna das ra-
zoes para a promiscuidade sexual de nossos dias é a falta de finalidade
para a vida humana. Quando dirigimos um carro e nos perdemos na estra
da, geralmente passamos a dirigir com mais velocidade; assim também,

1 Oríginally published by Doubleday and Company. New York 1980.

120
REFLEXÓES SOBRE O CELIBATO 25

quando falta o pleno sentido da vida, surge a tendencia a compensá-lo


com aceleracóes, drogas e intensidade de afetos...

O celibato se torna mais difícil para quem se afasta do amor de


Cristo; vem a ser entáo um fardo pesado... Eu poderia fazer um retrospecto
da minha vida, e estou certo de que veria a minha atitude diante do celiba
to sempre em relacáo com o meu amor pessoal a Cristo. Desde que meus
afetos deixam de se voltar para Ele, comecam a se voltar para as criatu
ras. O celibato nao é a ausencia de afetos; é, antes, a intensidade dos
afetos.

Cada afeto tem um objeto que o excita: um bloco de ouro, urna mu-
Iher, um 'cacho de cábelos', como dizia Kipling ou Cristo. Por que Jesús
aceitou a Paixáo e a Cruz? Porque Ele sentía um ardente afeto para com a
vontade do Pai. Ele o comparou a um fogo (Le 12,49). Um marido que ama
intensamente a sua esposa, nao tem problemas de infidelidade, mas aquele
que está constantemente em litigio com a esposa, póe-se muitas vezes á
procura de algo de melhor...

Notáveis casos de celibato manifestaram-se ao público na socieda-


de moderna. Gandhi, por exemplo, foi um homem profundamente religio
so. Ele amava os parias 'intocáveis' da india por causa de Deus a ponto
de se tornar celibatário com a idade de trinta e um anos. Com o consenti-
mento de sua esposa, fez o voto de abracar o celibato no resto de sua
vida. Ele declarava ter um dharma, urna tarefa ou urna missao, que ele
tinha de executar a todo prego na sua vida. Isto implicava, para ele, a
prática de duas virtudes - a pobreza e o celibato. Observou o psicanalista
Erik Erikson: 'Ele abriu máo da intimidade sexual para entregar-se a urna
mais ampia intimidade comunitaria, nao porque a sexualidade Ihe pare-
cesse ¡moral'. Gandhi mesmo explicou: 'Eu quero dedicar-me ao servico
da comunidade; por isto tive que renunciar ao desejo de ter filhos e rique
zas e viver a vida de Vanaprastha, isto é, de alguém dispensado dos
cuidados da casa'.

Dag Hammarskjóld, mais tarde Secretario Geral das Nacóes Uni


das, foi também alguém que acreditou no celibato porque tinha apaixona-
do amor a urna finalídade, ou seja, a paz entre as nacóes. Ele declarou:
'Para quem responde ao chamado do Caminho da Possibilidade, a soli-
dao pode tornar-se obrigatória'. No seu quinquagésimo terceiro aniversa
rio, ele escreveu este bilhete a Deus: 'Dá-me esta indispensável solidáo,
de modo que se me torne mais fácil entregar-Te tudo'. Sendo um homem
normal, ele sentía 'o desejo de compartilhar e abracar, de ser unido e
absorvido'. Mas, como Gandhi, ele afirmou: 'A solidáo devida ao celibato
pode levar a urna comunháo mais íntima e profunda do que aquela que se
realiza entre doís corpos'.

121
26 TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Na Organizacáo das Nacoes Unidas houve quem o escarnecesse


por causa do seu celibato e o acusasse de homossexualismo. Ele jocosa
mente replicou aos seus detratores nos seguintes termos: 'Pois que ele
nunca teve outro igual, os homens chamaram anormal o unicornio1. Táo
veemente era a sua estima de fraternidade entre as nacoes que Dag julga-
va haver muita carga a ser jogada no mar para salvar o navio.

Esses dois homens (Gandhi e Dag), provavelmente sem o saber,


diziam a mesma coisa que Sao Paulo a respeito do celibato: 'O homem
nao casado se entrega aos afazeres do Senhor. Todo o seu anseio é agra
dar ao Senhor. Mas o homem casado tem de se preocupar com os afaze
res do mundo e se dedicar a agradar á esposa. Ele está dilacerado entre
dois polos' (1Cor7,32s).

Em última análise, tudo se reduz a quanto um homem está apaixo-


nado, a quáo alto váo os ardores dos seus afetos e dos seus anseios. Se
um homem é capaz de renunciar á sua liberdade para aderir á mulher que
ele ama, também é possível a um homem renunciar a urna mulher por
causa de Cristo. O amor no servico celibatário sobe ou cai conforme o
amor a Cristo. Quando Cristo se torna menos importante no coracao do
homem, outra coisa há de sobrevir para preencher o vazio... Cristo na
Cruz e Cristo na Eucaristia será sempre a pedra de toque da autenticidade
do celibato. Quanto mais deixamos de responder a este dom, tanto menos
desejamos olhar para um Crucifixo, tanto menos queremos visitar o Se
nhor no seu Sacramento.

A libido ou o impulso sexual é um dos mais fortes instintos no ser


humano. Um dos grandes erros de certas modalidades de educacao sexual
é crer que, se as criangas conhecem alguns dos males que resultam de
excessos, elas se abstém do abuso sexual. Isto nao é verdade. Nenhum
mortal, ao ver sobre urna porta a tabuleta 'Febre tifóide', será impelido a for-
car a porta para contrair a doenca. Mas, se a palavra 'sexo' estiver gravada
sobre urna porta, verificar-se-á um impulso para arrombar a porta e entrar.

A libido tem urna finalidade muito mais ampia do que freqüente-


mente se supóe; ela nao existe somente para o prazer; nao existe sonrien
te para a propagacáo da especie; nao é somente um meio para intensifi
car a uniáo do marido e da esposa. É também um potencial que tende á
superioridade. O impulso sexual é capaz de transformar. O carváo tanto
se pode tornar fogo como se pode tornar um diamante. A libido tanto pode
ser posta para fora como pode ser armazenada. Ela pode procurar uniáo
com outra pessoa de fora, mas pode também procurar uniáo com outra
pessoa que está dentro, isto, é, Deus.

Assim o celibato nao é somente a renuncia á pessoa de fora, é


também a concentracáo na pessoa que está dentro. Deus nao está fora.

122
REFLEXÓES SOBRE O CELIBATO 27

Ele está em nos: 'He¡ de habitar em vos e vos habitareis em mim' (Jo
14,20). O celibato é um transformador que multiplica a energía de dentro
para a concentrar inteiramente em Cristo, que vive na alma.

Os fornicadores nao acreditam que alguém possa ser celibatário.


Eles projetam o seu próprio erotismo sobre os outros. Doutro lado, os ce-
libatários sao aqueles que devem compreender a fraqueza dos forni
cadores. Nos, sacerdotes, que nunca violamos o voto de celibato, somos
freqüentemente interpelados nestes termos: 'É muito fácil para voces;
voces nao sá"o tentados'. Ora é justamente o contrario que acontece. O
celibatário é tentado, talvez mais do que qualquer outro. A maca do outro
lado da cerca parece mais doce. Quem conhece melhor o empenho que
um atacante ou um medio ou um goleiro tem que exercer numa partida de
futebol: o jogador mesmo ou o espectador? Quem conhece a forca do
vento? Aquele que é carregado pelo vento ou aquele que pode ficar de pé
e resistir?...

Quanto mais amamos a Cristo, tanto mais fácil é pertencer a Ele


sonriente".

II. REFLETINDO...

Fulton Sheen é muito sabio ao discorrer sobre o celibato, que ele


conhece por experiencia própria. Podem-se realcar tres pontos na sua
explanacao:

1) a énfase no fato de que o celibato nao é um truncamente urna


renuncia sem mais, mas é sim urna troca: a troca da criatura pelo Criador,
do finito pelo Infinito, do relativo pelo Absoluto (1Cor 7,25-35). É certo que
o celibatário tem que viver neste mundo, lidando com os valores criados
deste mundo, mas ele o faz com o possível desapego para poder desco-
brir sempre o Eterno presente no tempo.

2) Quem nao tem o senso de Deus, nao compreende o celibato.


Pode julgar que é castracáo, frustracáo... O celibato só se entende como
voltado para Deus. Por isto quem nao entende o celibato, deveria abster-
se de o criticar. O celibato é coisa nobre e santa, plenamente justificada
aos olhos da fé... Tanto que muitos pensadores e religiosos nao católicos o
sabem valorizar grandemente.

3) Fulton Sheen cita, dentre os nao católicos, o Mahatma Gandhi e o


ex-Secretário Geral da ONU Dag Hammarskjóld. Dáo belo testemunho de
amor ao celibato por suas palavras e sua vida. Muitos outros nomes se
poderiam citar aínda, corroborando a experiencia de fidelidade á vocacáo
para a vida una e indivisa.

123
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

APÉNDICE

seguem-se duas cartas: a primeira publicada no jornal o globo


em data de 5/11/96, e a segunda enviada ao mesmo jornal, mas nao
publicada. Ambas retomam e explicitam ainda a temática da vida una,
levando em conta, principalmente a segunda, o pensamento indiano.

1. A Clássica Perspectiva Crista

Em vista do artigo "Os anjos querem ser homens" de Elias Mugrabi,


publicado em O GLOBO de 30/10 próximo passado, página 7, e de seme-
Ihantes pronunciamentos, fazem-se oportunas algumas ponderacóes. Nao
se vé bem por que os meios de comunícacáo social se ocupam tanto com
o celibato do clero, pressionando ao casamento aqueles que fizeram livre
opcáo pela vida una e indivisa. Esta tem seus alicerces espirituais no Evan-
gelho (Mt 19,12: "eunucos por amor do Reino dos Céus"), em S. Paulo
(1 Cor 7,25-35) e na Tradícáo crista (basta lembrar as obras de S. Cipriano
de Cartago, S. Ambrosio de Miláo, S. Gregorio de Nissa, S. Joáo Crisós-
tomo...). Nao estamos numa democracia? Ou será que a onda de pan-
sexualismo, que invade nossa sociedade, obceca a opiniao pública, le
vando-a a crer que o sexo é um imperativo incoercível e nao Ihe permitin-
do ver o significado grandioso da vida totalmente consagrada ao Senhor e
aos valores eternos? O insuspeito jomalista Paúl Francis, em recente cró
nica de O globo, estimava o celibato como urna das grandes prendas da
Igreja Católica; o mesmo é dito por crístáos orientáis, assim como por
seguidores do hinduísmo. Se há falhas por parte de algumas pessoas con
sagradas, isto é compreensível, dada a fragilidade humana, mas nao es-
vazia o valor da vida una. Para reconhecer este valor, basta ouvir o teste-
munho de tantos homens e mulheres que vivem fielmente a vida indivisa
(sustentados pela graca de Deus, que nunca falta) e que encontram ai
enorme fator de alegría e felicidade, porque amam profundamente a Deus
e aos irmaos. - Pe. Estéváo Tavares Bettencourt O.S.B.

2. O Enfoque Indiano e Psicológico


(Dra. Olga Sodré)

Minhas pesquisas na área da Filosofía e da Psicología (doutorado


em Filosofía Indiana, na Sorbonne, e mestrado em Psicología, na PUC -
RJ) nao apenas puseram em evidencia a valorizacáo deste estado em
diferentes caminhos de busca da uniao com Deus, como também me aju-
daram a distinguir este processo dos mecanismos de repressáo e subli-
magáo estudados pela psicología. Apenas, como exemplo, na india, os
urdhvaretas, sao aqueles que canalizam sua energía sexual para cima,
através da abstinencia e da continencia sexual. Segundo a doutrina e a
prátíca da yoga, tal energía pode ser canalizada pelo sistema nervoso para

124
REFLEXOES SOBRE O CELIBATO 29

o cerebro, desenvolvendo suas potencialidades latentes destinadas á as-


censáo espiritual. Brahmacarya ou continencia é considerado como um
meio de acesso a um poder espiritual oculto, que resulta em novo vigor
físico e mental: "Quando a continencia se torna estabelecida, vigor é obti-
do. Tendo atingido vigor, o Yogui aperfeicoa suas realizacóes (siddhis)"
(Encyclopedia of Yoga, de Ram Kumar Rai, Prachya Prakashan Varanasi,
1982, pág. 192).

Embora num sentido diverso desta busca de siddhis ou poderes


espirituais, a vida de muitos santos católicos atesta o valor e grandeza da
experiencia humana do celibato, que longe de ter sido patológica ou
desequilibradora de suas vidas, contribuiu, ao contrario, para sua eleva-
cáo e aperfeicoamento como seres humanos. O ideal da vida una surge
desde o inicio do cristianismo como um meio de configuracáo a Cristo
(que é modelo deste tipo de vida) e como uma via de realizacáo do Amor
(Ágape) a Deus e aos outros seres. Neste sentido, longe de ser apenas
uma privagáo da satisfacáo momentánea, a vida una é, sobretudo, a bus
ca de uma uniáo completa com a fonte da verdadeira satisfacáo... A única
experiencia humana semelhante, embora ainda pálida e distante pelas
limitacóes e deformacóes humanas, é a experiencia do estado de felici-
dade de uma pessoa apaixonada. Se muitas vezes a vida una nao é as-
sim vivida, trata-se mais da dificuldade ou inadaptacao da pessoa que
escolheu este caminho do que do valor em si de tal opcáo. Embora se
possam observar problemas psicológicos nesta ou naquela pessoa, que
optou pela vida una, assim como sinais de repressáo ou de sublimagáo
envolvendo esta escolha, o processo espiritual da vida una é próprio, de-
senvolvendo-se em íntima relacáo com o Amor de Deus, no nivel mais
profundo do ser humano. - Olga Sodré.

Esse Homem Único, por J. L Freitas Peccatore. - Ed. O LUTA-


DOR, Belo Horizonte 1994, 150 x 220mm, 154 págs.

Joao Luiz de Freitas é jornalista militante católico, benemérito por


diversos escritos. Entrega ao público um livro que versa sobre o mundo
de hoje, fortemente marcado pelo pecado e a apostasia. O cidadao deste
mundo é um convertendo ou alguém que se deve converter. O autor aponta
Jesús Cristo como "esse Único Homem" capaz de salvar o mundo e dis
corre sobre conversao, reconciliagáo, graga, oracao, Igreja e educagáo
das novas geragóes. J. L de Freitas dá énfase especial ao pecado social
e a necessidade de um revigoramento da familia. Em suma, o livro é vali
oso por sua viseo ampia e profunda do papel do cristao neste mundo.

125
Denso e provocador:

"O PECADO"
por Frei Antonio Moser

Em síntese: O livro de Frei Antonio Moser sobre o pecado apresenta


interessantes capítulos referentes á problemática do pecado hoje, á sua
fundamentagao nos escritos do Novo Testamento, á teologia dos Padres
da Igreja. Em dois pontos, porém, merece serías reservas: 1) no tocante
ao pecado original, tema que o autor aborda de maneira insuficiente, re-
ceando a clareza de certas afirmagóes, contidas nos documentos oficiáis
da Igneja; 2) no tocante ao pecado sócio-estrutural, área em que Frei Moser
parece ceder ao dilema "ou oprimido ou opressor", dilema professado por
ideologías atualmente ultrapassadas. - O livro nao é manual introdutórío
á temática do pecado, mas supóe preparo teológico da parte do leitor.

Frei Antonio Moser é conhecido teólogo franciscano, professor de


Teologia Moral e autor de varios livros. O estudo sobre o pecado que apre-
sentou recentemente ao público1, merece atencáo, pois propoe afirma-
coes que fazem pensar. - Vamos, a seguir, tecer-lhe algumas considera-
cóes.

1. O CONTEÚDO DA OBRA

A obra compreende dez capítulos, que comecam expondo a proble


mática do pecado em nossos días: é "desacreditado", mas deve ser
aprofundado. A seguir, o autor estuda o pecado original, a doutrina do
Novo Testamento e da Tradic§o patrística e, finalmente, se detém
tongamente sobre o enfoque sócío-estrutural que ocupa dois capítulos do
livro. No capítulo X o autor apresenta "grandes marcos estabelecidos pelo
Magisterio atual", tendo em vista principalmente o pecado sócio-estrutu
ral. A impressáo que o leitor colhe ao percorrer as páginas de tal livro, é a
de que o autor usa urna linguagem erudita, está munido de bom conheci-
mento bibliográfico, procura levar em conta o Magisterio da Igreja, mas...
nao tem a coragem de dizer as coisas com clareza e nitidez; expóe sen-
tengas diversas, manifesta peculiar interesse pelo pecado dito "social"... e
deixa o leitor um tanto desorientado.
1 O Pecado. Do Descrédito ao Aprofundamento, por Frei Antonio Moser- Ed. Vo-
zes. Petrópolis, 1996 (2a edigao), 135 x 210mm, 372 pp.

126
"O PECADO" 31

Tentaremos exemplificar esta ¡mpressáo ao analisar, em particular,


dois pontos da obra de A. Moser.

2. O PECADO ORIGINAL

O tema é considerado nos capítulos II e III do livro (pp. 45-119).


O autor considera o texto de Génesis 2-3, que relata a queda dos
primeiros pais. Interpreta-os no sentido que Carlos Mesters Ihes atribuiu
na obra Paraíso Terrestre, Saudade ou Esperanca?, que Frei Moser cita
explícitamente na nota 31 da pág. 93; na verdade, Frei Mesters julga que o
episodio narrado em Gn 2-3 nao se refere ao passado ou a urna bonanga
inicial do género humano perdida pela culpa dos primeiros pais, mas pinta
a imagem do futuro ideal harmonioso, que atualmente é contraditado por
guerras, injusticas e pecados varios; em suma, o paraíso terrestre nao
seria saudade, mas esperanca. Ora Freí Antonio Moser parece endossar
esta tese ás pp. 93s do seu livro:

"Tudo está pronto para que seja 'pintado' o mundo querido porDeus
e que deve ser a meta da humanidade: relacionamento harmónico com
Deus, superagáo da morte, relagóes harmónicas entre homem e mulher,
fertilidade da térra, trabalho alegre, convivio harmónico com toda a cria-
gao. Os autores do Génesis procedem assim como um bom arquiteto: pri-
meiro preparam a maquete. A partir déla poder-se-á visualizar melhor como
será a construgao" (pp. 93s).

Confessamos que o texto nao é claro: presta-se a maís de urna in-


terpretacáo, principalmente porque recorre a linguagem metafórica (ar
quiteto - maquete). Como dito, parece estar-lhe subjacente a tese de Frei
Mesters, citado explícitamente pelo autor á p. 93:

"Pode-se perceberque os autores tém objetivos muito claros:... in-


cutircoragem para a transformagáo necessária, incutir esperanga". A nota
31 cita entáo C. Mesters, Paraíso Terrestre, Saudade ou Esperanga?
Vozes, Petrópolis, 10a. edigáo, 1985, p. 28s.

Eís, porém, que, páginas adiante, o autor se refere ao Concilio de


Trento (1545-1563) e escreve:

"Seja por recolheros dados anteriores, seja pela solenidade de seu


empenho, devemos dizerque os decretos de Trento contém praticamente
tudo o que a Igreja oficial ensina e definitivamente mantém sobre esta ques-
taoatéhoje"(p.107).

Ora o Concilio de Trento declarou explícitamente:

"Se alguém nao confessar que Adao, o primeiro homem, depois de


transgredir o preceito de Deus, no paraíso, perdeu ¡mediatamente a santida-

127
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

efe e ajustiga em que havia sido constituido, e que pela sua prevaricagao
incorreu na ira e indignagáo de Deus e por isto na morte que Deus Ihe
havia ameagado e - com a morte - na escravidao e no poder daquele que
passou a tero imperio da morte (Hb 2,14), a saber, o demonio, e que Adáo,
pela ofensa, se tomou piorquanto ao corpo e quanto á alma - seja exco-
mungado" (Denzinger-Schónmetzer, Enquirídio n° 1511 [788]).

Mais: Frei Moser, pouco adiante, cita o Concilio do Vaticano II, tido
como "sobrio" no assunto;

"Constituido por Deus em estado dejustiga, o homem, instigado pelo


Maligno, desde o inicio da historia, abusou da própria liberdade. Levantou-se
contra Deus, desejando atingir seu fím fora dele" (Gaudium et Spes 13).

As pp. 11 Os, Frei Moser refere-se ao Catecismo da Igreja Católica;


julga que este "so diz o necessário", como se os autores do Catecismo
estivessem hesitantes a respeito da doutrina do pecado original. Ora nos
§§ 386-389 o texto do Catecismo ensina nao somente a queda dos pri-
meiros pais, mas também a elevacáo previa dos mesmos ao estado de
justica original, que compreendia os dons paradisíacos, dos quais o pri-
meiro era a graca santificante, como participacáo da vida divina: "Enquanto
permanecesse na intimidade divina, o homem nao devia nem morrer nem
sofrer. A harmonía interior da pessoa humana, a harmonía entre o homem
e a mulher e finalmente a harmonía entre o primeiro casal e toda a criacáo
constituiam o estado denominado 'justica original'" (n° 376). No § 388 lé-
se: "O pecado original - urna verdade essencial da fe". E no § 389: "A
Igreja, que tem o senso de Cristo, sabe perfectamente que nao se pode
atentar contra a revelacáo do pecado original sem atentar contra o miste
rio de Cristo".

Donde se vé que, conforme os Concilios e o Catecismo, a narrativa


de Gn 2-3 nao é apenas urna maquete do futuro, mas supóe um fato
pretérito que repercute na historia da humanidade até hoje. Esta posícáo
doutrinária envolve urna verdade essencial da fé católica; nao pode ser
escamoteada sem que seja afetado o próprio patrimonio da fé.

Quanto á autoridade do Catecismo, o Santo Padre Joáo Paulo II a


formula nos termos da Constituicáo Apostólica Fidei Depositum, que apre-
senta aos fiéis o Catecismo:

"Este Catecismo é dado aos Pastores da Igreja e aos fiéis, a fím de


que sirva como texto de referencia seguro e auténtico para o ensino da
doutrina católica e, de modo muito particular, para a elaboragáo dos cate
cismos locáis. É também oferecido a todos os fiéis que desejam aprofundar
o conhecimento das riquezas inexauriveis da salvagao (cf. Jo 8,32)... Por
fím, é oferecido a todo homem que nos pergunte qual a razáo da nossa
128
"O PECADO" 33

esperanga (cf. 1Pd3,15)e queira conhecer aquilo em que a Igreja Católi


ca eré".

De resto, a questáo do pecado original nao é do alcance da Filoso


fía nem da arqueologia nem da historiografía, mas é estritamente um tema
de fé, que se elucida á luz dos documentos da fé, aos quais correspondem
de certo modo os dados da historia antiga e atual da humanidade convul
sionada pela desordem moral.

Após referir-se de modo sumario e incompleto ao Catecismo da


Igreja Católica, o autor Frei Moser expóe cinco "aspectos ressaltados pela
Teología atual"; seriam cinco teorías de teólogos propostas ao leitor sem
alguma avaliagáo (como equivalentes entre sí?). Antes de as propor, afir
ma Frei Moser que "nenhum teólogo serio, seja católico, seja protestante,
vai ter a pretensáo de negar aquilo que a Escritura e a Tradigáo da Igreja
nao cessam de recordar: 'A presenga e a universalidade do pecado na
historia do homem". Muito menos alguém ousaria hoje negar a necessida-
de de salvacao em Cristo"(p. 112). Ora estes dados sao muito pouco sig
nificativos como doutrina de fé; embora Moser transcreva do Catecismo
(§ 401) a tese da 'presenga e da universalidade do pecado', ele nao pode
esquecer que o Catecismo propoe muito mais elementos como perten-
centes á doutrina da fé. Dito isto, seguem-se as cinco teorías existentes
na bibliografía teológica dos últimos sessenta anos: a de inspiracáo de
Teilhard de Chardin (pp. 114s), a de Piet Schoonenberg (pp. 115s), a de
Flick-Alszeghy (pp. 116s), a que destaca a mensagem central do Cristia
nismo, que é de graca a salvacao e... também a de "certo número de bons
teólogos (Smulders, Rahner, Grelot, Schmaus...), segundo os quais "nem
urna queda inicial, dado de fé, nem a historicidade de Adáo podem ser
descartadas. Adáo seria urna personalidade coletiva, o primeiro dos 'Pa
triarcas' ou entáo um individuo, mas com fungáo coletiva: transmitir a to
dos os descendentes a humanidade no estado que hoje conhecemos,
através do principio da solidariedade; nos planos divinos a humanidade
deveria estar sempre revestida da graga; deveria conhecer o equilibrio
em si mesma, como conseqüéncia da comunháo com Deus; deveria co
nhecer o equilibrio com toda a criagáo. Mas o pecado quebrou a unidade.
Daí a conclusáo de que o pecado original em nos comporta urna dimen-
sáo ontológica. É algo de constitutivo do humano na sua presente condi-
gáo. Daí também o seu impacto sobre o pecado atual"(p. 113).

Afinal de contas, esta tese (que, alias, Moser coloca á frente das
quatro outras, sem, porém, a qualificar) é a única que corresponde ao
Magisterio da Igreja; todavía aparece justaposta, sem endosso algum, a
teorías nao condizentes com a doutrina da fé. Frei Moser, que tanto cita ó
Magisterio da Igreja (ver cap. X, pp. 317-339), nao o parece acatar como
desejável.

129
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Passemos a outro ponto importante do livro.

3. O PECADO SÓCIO-ESTRUTURAL

Ao abordar a temática das injusticas sociais {fato inegável), Freí


Moser cita e endossa urna passagem do Pe. Joáo Batista Libánio em seu
livro "Pecado e Opcáo Fundamental", p. 101. Eis o que se lé á p. 258 da
obra de Moser:

"As omissóes pessoais e de grupos, de maior ou menor influencia,


é que perpetuam condigóes pecaminosas.

Sendo assim, 'nao podemos viver como se os pecados históricos,


os pecados das guerras, das torturas, da exploragáo calculada do pobre,
da opressáo do povo em relagáo ao povo, de classe em relagáo a classe,
nao nos dissessem respeito. Sao nossos pecados. Participamos neles,
seja pelo nosso silencio, nossa inercia, nosso conformismo, nosso con-
sentimento tácito, nossa aceitagáo fatalista, como pela nossa cooperagáo
direta, reforgando a situagáo com decisóes pessoais' "". Ignorar é urna
maneira de assumir".

A nota 41 cita: LIBÁNIO, J.B.. Pecado e Opgáo Fundamental. Vo-


zes, Petrópolis 1975, p. 101.

Estas afirmagoes lembram o dilema proposto por teólogos da liber-


tacáo: quem nao é oprimido, é opressor. Grande pecado seria nao colabo
rar ativamente na reforma da sociedade. Ora a propósito convém citar
palavras de D. Valfredo Tepe, Bispo Emérito de llhéus (BA), que escreve o
Prefacio do livro de Moser:

"No plano político, eu posso nao estar a favor de um regime ou siste


ma, sem serobrigado a alternativa: estar contra ele. É um argumento cap
cioso do arsenal ideológico de urna análise de ruptura afirmar que aquele
que nao combate um regime, que nao luta para derrubá-lo, estaría favore-
cendo a ele ou estaría conivente com ele... Só onde se vé o demonio no
sistema contrarío, há esta alternativa radical. Quanto se relativiza a política
partidaria, pode-se ver que há o bem e o mal tanto na situagáo como na
oposigáo. Vé-se que há possibilidade de conviver com muitos sistemas e
tentarnesta convivencia fazero bem. Denunciando o que está errado, mas
também apoiando o que é proveitoso para o povo. Muitas vezes um crístáo
conscientizado pode fazer um 'bem político' bem grande quando cumpre
com fidelidade e com amorao povo sofredorsuas fungóes, talvez subalter
nas, numa repartigáo burocrática de qualquer regime". (Estamos salvos.
O crístáo diante das ideologías, pp. 128s).

A relativizacáo dos modelos sócio-politico-económicos é ilustrada


outrossim pelo próprio testemunho da S. Escritura:

130
"O PECADO"

"O povo (de Israel), que foi libertado da opressáo do Egito, por sua
vez dominava e até exterminava cruelmente populagóes nativas. E era
novamente explorado e escorchado pelos seus próprios reis, o que levou
á divisáo em dois reinos e mais tarde a um sem número de revolugóes
•palacianas': todas em nome da libertagáo e luta contra o corrupgáo" (ibd.
p. 131).

Estas proposicoes nao devem dissuadir o cristáo de se empenhar


por um mundo histórico mais justo e fraterno. Ao contrario, a consciéncia
de que é dentro das estruturas da sociedade contemporánea que se ini
cia o Reino, leva o cristáo a trabalhar com pleno afinco pela remocáo de
todos os males da historia, como o pedem os documentos oficiáis da Igre
ja (cf. Constituicáo Gaudium et Spes do Concilio do Vaticano II; Docu
mento de Puebla). Todavía este esforco há de ser realista e iluminado
pela fé:
"£ ingenuidade progressista, evolucionista ou revolucionaria pen
sar que as mudangas de estruturas traráo o paraíso a térra. O homem
pratica o mal nao só pela influencia ou pelo contagio das estruturas injus^
tas mas por 'geragáo espontánea'. Cada homem é 'Adáo'. Em cada um
pode recomegara historia da queda. Até o fim do mundo trigo ejoio cres-
ceráo juntos... Até o fim dos tempos, o mal nao será definitivamente julga-
do e banido"(ibd. p. 71).
Nao nos deteremos em analisar outros traeos do livro de Frei Anto
nio Moser; o que foi dito até aqui revela que há restricóes a fazer a tal
obra: nao se integra plenamente na doutrina da fé e se ressente ainda de
teses da teología da libertagáo (que perdeu um tanto da sua voga, mas
deixou restos de si ainda presentes e nocivos em setores da Igreja).
Ao dizer isto, nao podemos deixar de reconhecer o que haja de
válido no livro de Antonio Moser: sao interessantes os capítulos V e VI,
que tratam respectivamente do pecado no Novo Testamento e na Teolo
gía dos Padres da Igreja; rico de informacóes é o capítulo II, que aborda o
problema do pecado na Filosofía grega e na moderna... Mas mesmo nes-
tes capítulos o livro nao se destina a quem estuda a temática pela primei-
ra vez; supóe sempre um certo preparo teológico para que o leitor possa
acompanhar a linguagem e as posicoes de Frei Antonio Moser. "

QUEM É A SANTA MÁE IGREJA?


Caro(a) leitor(a), procure aprofundar sua nogáo e vivencia de
Igreja, servindo-se do 14° Curso da Escola "Mater Ecclesiae" por
Correspondencia. Recorra também aos vinte opúsculos dessa Es
cola referentes á fé, a Jesús Cristo e á Igreja. TeleFax: (021) 242-4552
ou Caixa Postal 1362 - 20001-970 Rio (RJ).
131
Dentro do Filáo anabatista:

QUEM SAO OS ANABATISTAS?


QUEM SAO OS MENONITAS?
QUEM SAO OS BATISTAS?

Em síntese: Os anabatistas tiveram orígem no sáculo XVI, quando


alguns grupos cristáos na Alemanha e na Suíga nao quiseram reconhecer
o Batismo ministrado a changas e, poristo, rebatizavam os adultos batizados
na infancia. Esta prática era associada a concepgóes eclesiológicas no
vas: apregoavam urna Igreja puramente espiritual, sem hierarquia visível,
constituida únicamente pela adesáo dos crentes á Palavra de Deus. Al
guns anabatistas radicáis apoderaram-se da cidade de Münster (Vestfália)
e lá proclamaram "o Reino da Nova Sion"; este foi extinto após violento
massacre cometido pelos invasores que reconquistaram a cidade. Nem
poristo os anabatistas deixaram de existima Europa. - A eles filiou-se o
ex-sacerdote católico holandés Menno Simons, que se pos a pregar as
doutrínas anabatistas, todavía sem o ánimo exacerbado de grupos anteri
ores. Assim fundou ele a corrente menonita, que subsiste até hoje, dividi
da em varios ramos. Os batistas sao derivados de tal tronco- com e'feito o
pastor anglicano John Smyth (f 1617) julgava que a reforma anglicana
oficial na Inglaterra nao era suficientemente radical; foi entao obrigado a
exilar-se para a Holanda, onde o acolheu um padeiro menonita que Ihe
transmitiu idéias anabatistas; em 1612, alguns discípulos de Smyth foram
para a Inglaterra e lá fundaram a primeira igreja batista (nao mais
anabatista); esta foi fundando outras comunidades, que sao a matriz dos
batistas de nossos dias, também eles divididos em varios ramos
* * *

Os anabatistas, os menonitas e os batistas estáo numa cadeia de


reformadores ou de "fundadores de Igrejas". de modo que, para entender
adequadamente os últimos, faz-se mister comecar por descrever o movi-
mento anabatista do século XVI, o qual se prolongou no menonismo O
presente artigo percorrerá sucessivamente as tres fases da reforma
anabatista (ou dos re-batizadores).

1. OS ANABATISTAS

A Reforma protestante encabecada por Lutero (t 1546) Calvino


(t 1564), Zvínglio (f 1531) e Henrique VIII (f 1547) e seus sucessores na
Europa nao pareceu bastante radical a muitos protestantes do século XVI
132
QUEM SAO OS ANABATISTAS? QUEM SAO OS MENONITAS?
QUEM SAO OS BATISTAS? 37

Um grupo de cristaos encabecados por Thomas Münzer, Balthasar


Hubmaier, George Baulrock, Ludwig Hoetzer, na Alemanha e na Suíca,
comecaram a apregoar urna Igreja, em grau máximo, espiritual, sem hie-
rarquia visível e constituida exclusivamente pela adesáo consciente dos
homens á Palavra de Deus. Urna das notas dessa mentalidade era o Ba-
tismo a ser ministrado aos adultos e nao as criancas; queriam batizar de
novo os fiéis que Ihes aderiram; daí o nome de "anabatistas" ou "rebati-
zadores" que Ihes foi dado.

O anabatismo oficialmente teve origem em Zürich (Suíga) na época


do reformador Ulrich Zwingli. Este empreendeu urna reforma paralela as
de Lutero {na Alemanha) e Calvino (em Genebra), mas seus seguidores
se anexaram sem demora ao calvinismo. Sob Ulrich Zwingli discutia-se a
conveniencia de batizar changas, alegando que, antes do uso da razáo,
nao tinham condicóes de assumir o compromisso de vida crista. Um gru
po, chefiado pelo estudante Konrad Grebel (14987-1526), filho de rico
comerciante de Zürich, opunha-se a Zwingli no tocante aos temas da Re
forma, especialmente no concernente ao Batismo de changas, que Zwingli
defendía (embora com oscilacóes). Em 1524 Konrad Grebel rompeu com
Zwingli, proclamando abertamente a necessidade do re-batismo para
quantos tivessem sido batizados na infancia1. A controversia chegou ao
seu auge em Janeiro de 1525: o Conselho da cidade de Zürich, mediante
dois decretos, de 18 e 21 de Janeiro respectivamente, ordenou que fos-
sem, sem demora, batizadas todas as criancas recém-nascidas sob pena
de exilio para fora do cantáo de Zürich. A este desafio K. Grebel e seus
seguidores responderam na tarde do sábado 21 de Janeiro de 1525,
rebatizando-se uns aos outros. Este feito assinala o inicio oficial do Ana
batismo.

No dia 25/01 seguinte foi constituida a primeira Congregacáo


anabatista em Zollikon, perto de Zürich. A reacáo das autoridades de Zürich
foi violenta. Aos 5/1/1527 foi executado Félix Manz, o mais próximo cola
borador de Grebel, que morreu atirado ñas aguas do rio Linmat.
Grebel conseguiu escapar da jurisdicao das autoridades de Zürich,
de modo que as idéias anabatistas se foram propagando por toda a Suíca,
pelo Sul da Alemanha e pela Austria. Em 1527 dois Sínodos, um em
1A diversidade do conceito de sacramento está subjacente a controversia. Para o
Cristianismo clássico (e o Catolicismo), sacramento é um canal da graga que realiza
seu efeito ou comunica a graga mesmo a urna críancinha antes do uso da razáo; no
caso Deus tem a primazia comunicando a sua graga para que o cristáo oriente a sua
vida conforme a Lei de Deus, desde que chegue ao uso da razáo. - Para os anabatistas,
sacramento é um sinal da conversao efetuada por um adolescente, umjovem ou um
adulto; vem a ser mero testemunho de vida nova dado á comunidade - o que natural
mente nao é compatível com a idade anterior ao uso da razáo.

133
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Schleintheim e o outro em Augsburg (Alemanha) fixaram as primeiras pro-


fissóes de fé anabatista. A propagacáo do movimento se fez ainda através
da Boémia, da Morávia, da Alsácia, da Alemanha do Norte e da Holanda.
Entrementes duas tendencias foram-se configurando dentro do Anabatismo.
De modo geral, os anabatistas propugnavam total independencia
da Igreja frente as autoridades civis; eram movidos pelo ideal de "separa-
cáo do mundo", mundo tido como corrupto, a comecar pelas pessoas que
exerciam a autoridade civil. Ora essa mentalidade pode exprimir-se de
duas maneiras:

- havia quem quisesse isolar-se do mundo, formando comunida


des peregrinas, que passariam de regiáo a regiáo contando com um míni
mo de tolerancia religiosa por parte das autoridades; apregoavam o
pacificismo e nao a violencia;

- outros queriam reagir contra a autoridade civil, tida como malvada


e perseguidora, mediante a espada; substituirían! os Governos corruptos
deste mundo por reinos teocráticos, na expectativa da vinda de Cristo, que
haveria de instaurar um milenio de paz sobre a térra em favor dos seus
seguidores.

A tendencia pacificista da primeira corrente nao se i..antevé sempre


alheia as lutas políticas. Quanto á corrente violenta, foi protagonista do
trágico episodio da cidade de Münster, capital da Vestfália (Alemanha).
Com efeito; aos 9/2/1534 o municipio foi ocupado pelos anabatistas radi
cáis, seguidores de Melchior Hofmann. Tomaram posse da cidade e esco-
Iheram como burgomestre o companheiro Bernhard Knipperdolling. Des-
se momento em diante, Münster tornou-se o refugio dos anabatistas per
seguidos de toda a Europa, e, em particular, da Holanda. Na primavera de
1534 apoderou-se do governo da cidade Joáo de Leyde, que criou um
clima de exaltacáo, transformando Münster em urna "nova Jerusalém",
centro de estranho "Reino de Israel"; neste, com. base em textos do Antigo
Testamento, foi permitida a poligamia. Os adversarios do regime teocrático
de Joáo de Leyde foram massacrados, após processo sumario; em 31/8/
1534 Joao de Leyde foi coroado "rei da Nova Sion". Todavía a cidade esta-
va cercada pelas tropas de Franz von Waldech, que era o antigo Senhor
do municipio; nao chegaram aos anabatistas os auxilios prometidos pelos
holandeses, de modo que a situacáo em Münster se tornou insustentável;
aos 25/6/1535, a cidade foi ocupada pelas tropas adversarias ajudadas
por cidadáos mesmos de Münster; foi exterminada, em conseqüéncia, a
maioria da populacáo masculina de Münster. Somente um pequeño gru
po conseguiu fugir e sustentou na Holanda um certo "münsterismo", de
efémera duracáo. Os tres principáis chefes do "Reino de Síon" - Joáo de
Leyde. Bernard Knipperdolling e Bernhard Krechting - foram presos, tor-
134
QUEM SAO OS ANABAT1STAS? QUEM SAO OS MENONITAS?
J^QUEM
J SAO OS BATISTAS?
turados, levados em gaiola ostensivamente para diversas partes da Ale-
manha, e finalmente executados em 23/1/1536.
Deve-se aqui registrar outrossim o movimento extremado anabatista
chefiado na Alemanha por Nicholas Storck e Thomas Münzer; provocou a
guerra dos camponeses (1522-1525), que explorava as idéias de Lulero
especialmente no campo social. Lutero se Ihes opós fortemente; Thomas
Münzer foi decapitado em 1525.
Nem por isto os anabatistas deixaram de existir. Dividiram-se, po-
rém, em quatro correntes - Menonitas, Amich, Hutteritas e Neo-huttentas
- com suas diversas subdivisóes.

Examinemos agora

2. OS MENONITAS

Os menonitas devem o seu nome a um sacerdote católico holandés


chamado Menno Simons (1496-1561). Foi ordenado em 1515 ou 1516 e
exerceu o ministerio paroquial. Em 1531 foi condenado á morte o anabatista
holandés Seicke Snijder, porque negava a validade do Batismo das cnan-
cinhas- Menno entáo quis estudar a temática e persuadiu-se de que o sa
cramento ministrado aos pequeninos nao era válido. Escreveu entao a
Lutero Bucer e a Bullinger, defensores do Batismo de enancas (pedo-
batismo) pedindo explicares; as respostas que Ihe enviaram, nao Ihe
satisfizeram; em conseqüéncia aderiu á corrente anabatista e foi rebatizado
em 1536 porObbe Philips, organizador da primeira comunidade anabatista
na Holanda.

O episodio de Münster e a revolucáo dos camponeses na Alemanha


excitaram as autoridades civis da Holanda contra os anabatistas. Menno
refugiou-se entáo em Colonia (Alemanha) e pós-se a percorrer a Alema
nha Setentrional apregoando suas idéias e fundando centros menonitas.
Por essa época escreveu opúsculos e tratados. Menno procurou sempre
reprimir o ánimo passional dos anabatistas e coibiu seus excessos, sen
do por isto. considerado o segundo fundador da corrente anabatista, que
tomou o nome de Menonita. Morreu em 1559 na Alemanha.
Os menonitas extrairam dos escritos de Menno a sua Profissáo de
Fé que data de 1589 e consta de quarenta artigos, com o nome de "Con-
fissáo de Fé de Waterland"; nega a transmissáo do pecado original, afir
ma a morte do Senhor em favor de todos os homens, condena o juramen
to a guerra, qualquer tipo de violencia; recomenda a obediencia as auto
ridades civis desde que nada preceituem em oposicao á Palavra de Deus,
e só reconhecem o Batismo de adultos.

135
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Prevaleceu entre os menonitas o pacifismo, com a recusa do setvi-


co militar e do juramento (mesmo quando prescrito por lei) - o que Ihes
causou problemas em varios países. Sofreram a influencia de teorías li
beráis, mas atualmente tendem a voltar as teses fundamentáis de Calvino
As comunidades do Leste Europeu e da ex-URSS foram quase fotalmente
exterminadas pelo regime soviético.

No mundo inteiro há aproximadamente 700.000 menonitas distri


buidos por numerosas correntes independentes umas das outras 'sendo
que algumas contam apenas algumas centenas de membros Pod'em ser
mencionados como principáis ramos a Wlennonite Church (USA) os
¡míaos Menonitas (Mennoniten Brüdergemeinde), os Irmaos em Christo
(Brethren m Christ), os Menonitas da Antiga Ordem, dos quais o grupo
dos black pumpers só aceita carros pintados de preto, a Igreja de Deus
em Cristo {de caráter conservador, prescrevendo o uso da barba para os
nomens e o do véu para as mulheres)

É na sucessáo de tais acontecimentos que se sitúa a oriqem da


denominacáo batista.

3. E OS BATISTAS?

Os batistas tém por fundador o inglés John Smyth (t 1617) Foi


primeramente, pastor anglicano. Movido pelo espirito reacionário que"
agitava nao poucos cristáos de sua patria, quería urna reforma aínda mais
radical do que a anglicana; em particular, nao se conformava com a orga-
nizacao hierárquica (episcopal) e a liturgia dos anglicanos, que ele iulga-
va superfluas. Por isso formou, em Gainsborough, urna pequeña comuni-
dade dissidente do anglicanismo, no ano de 1604; foi, porém obrigado a
se exilar com os seus companheiros, indo ter a Amsterdam (Holanda)
onde o calvinismo predominava.

No exilio, viveu em casa de um padeiro menonita, que o persuadiu


de que era inválido o batismo conferido as enancas (tese anabatísta)
Smyth entao admínistrou a sí mesmo um segundo batísmo, de cuio valor
porem, comecou a duvidar. Em conseqüéncia, seus companheíros por
ele convencidos da tese anabatista, o expulsaram da comunidade- Smvth
VOSS admÍt¡d0 """ ^ *
Em 1612, um grupo de seus discípulos voltou á Inglaterra e lá fun-
«rín^rT'V9^ BatÍSta (na° mais Anabat|sta). também chamada
dos Batistas Gerais , porque, contrariamente á doutrina calvinista ensi-
nava que Cristo, pela cruz, salvou todos os fiéis. Outros grupos se forma-
ram pouco depois, ditos "dos Batistas Regulares ou Particulares" Com
efeito, em 1641 outra pequeña comunidade de dissidentes do anglícanís-
136
QUEM SAO OS ANABATISTAS? QUEM SAO OS MENONITAS?
QUEM SAO OS BATISTAS? 41_

mo, em Londres, convenceu-se da tese anabatista; mandou, entao, um


de seus membros, Ricardo Blount, a Rijunsburg, na Holanda, a fim de
pedir o batismo de adulto á seita do dompelaer (ramo menonita) e levar á
Inglaterra o "verdadeiro batismo". Blount se desincumbiu de sua missáo
e, voltando em 1641, rebatizou por imersáo (única forma de batismo reco-
nhecida por esses grupos) 55 membros da comunidade de Londres; acei-
tou do calvinismo holandés a doutrina de que Cristo salva somente os
predestinados - donde o nome de "Batistas Particulares" que Ihes coube.

Hoje em dia se contam mais de 20 ramos batistas, que em 1905 se


uniram de maneira um tanto vaga na "Liga Mundial Batista"; sao, entre
outros, os batistas calvinistas, os batistas congregacionalistas, os batis
tas primitivos, os batistas do livre pensamento, os batistas dos seis princi
pios (porque aceitam como único fundamento da fé e da vida crista os
seis pontos mencionados em Hb 6,1 s: arrependimento, fé, batismo, ¡m-
posicáo das máos. ressurreicio dos mortos, juízo eterno), os batistas
tunkers, os batistas campbellitas, os batizantes a si mesmos, os batistas
abertos, os batistas fechados, os batistas do sétimo dia (observantes do
sábado e nao do domingo), etc.

Cada comunidade batista é independente de qualquer autoridade


visível, seja eclesiástica, seja civil; é regida diretamente "por Jesús Cristo
e pelo Espirito Santo", que agem na assembléia - nio há, portanto, hie-
rarquia nem jurisdicáo eclesiástica. O pastor é, de certo modo, o governante
absoluto da comunidade; esta, porém, pode rejeitá-lo e substituir por ou-
tro. Todo poder é delegado pela assembléia dos crentes, que elege os
que por ela respondem, tanto pastores como diáconos.

Doutrina

Em sua teología, os batistas seguem teses calvinistas. Assim, por


exemplo, ensinam que Deus predestina os homens, diretamente, nao só
para a gloria, mas também para a condenacáo eterna. Afirmam também
que a justificacio ou a graca é obtida mediante a fé apenas, de tal modo
que nao admitem obras meritorias. A graca nao apaga o pecado existente
na alma do crente, mas tao-somente o encobre. Os ritos do batismo e da
Santa Ceia nao sao meios comunicadores da grasa (que vem somente pela
fé), mas servem apenas para fortalecer aqueles que os praticam com fé.

Como no protestantismo em geral, a Biblia é tida como única fonte


de doutrina, sem que haja atencao á tradicáo oral ou á transmissáo da
doutrina de Cristo e dos apostólos, que se fez de boca em boca e de
geracáo em gerac§o, sem ser consignada no Livro Sagrado. Esta posi-
cao básica dos protestantes dá origem ás numerosas denominacóes, no
inicio de cada urna das quais há um "profeta" iluminado que interpreta a
Biblia a seu modo.

137
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

Na verdade, afastam-se da tradicao bíblica e crista aqueles que só


querem batizar changas. Lemos, sim, que varios personagens pagaos
professaram a fé crista e se fizeram batizar "com toda a sua casa"; assim
o centuriáo romano Cornélio (At 10,1s.24.44.47s), a negociante Lidia de
Filipos (At 16,14s), o carcereiro de Filipos (At 16,31-33), Crispo de Corinto
(At 18,8) e a familia de Estéfanas (1 Cor 1,16). A expressáo "casa" (oikos,
em grego) designava o chefe de familia com todos os seus domésticos,
inclusive as changas.

Quanto á imersáo, ela nao é obrigatória, pois nao é o volume de


agua que importa, mas sim a efusio da agua como símbolo e canal de
pureza interior. No dia de Pentecostés, em Jerusalém, as tres mil pessoas
que se converteram certamente nao foram batizadas por imersáo, pois lá
nao havia rio e os resérvatenos de agua nao comportavam tal quantidade
de pessoas (cf. At 2,41).

Um Lugar ao Sol. Sua Vida pode ter Sentido, porMilton Paulo de


Lacerda. Ed. Vozes, Petrópolis 1994, 135x210mm, 86 págs.

Paciencia: ter ou nao ter? Psicología dos Momentos Conturba


dos, por Milton Paulo de Lacerda. - Ed. Vozes, Petrópolis 1996, 135 x
210mm, 134 págs.

O autor destes dois livros é um bom psicólogo católico, que trata de


temas de sua área de trabalho sem pregar religiao, mas seguindo urna
oríentagáo respeitosa dos valores cristáos, cujo elogio transparece cá e lá
em suas páginas.

Oprímeiro volume atende á questáo fundamental do sentido da vida,


questáo tida por ViktorFrankI como decisiva para o encaminhamento dos
passos de alguém. Recorre a linguagem fácil, usando de comparagóes e
imagens freqüentes, que bem ilustram a necessidade de se procurar o
por qué e o para qué viver na transcendencia ou em algo que supera os
limites do humano e do criado. No fim do livro, o autor, tendo em vista
leitores cristáos, propóe as passagens do Antigo e do Novo Testamento
mais significativas do sentido transcendental da vida.

O segundo livro considera a necessidade de autocontrole dos ale-


tos para que a pessoa chegue á equanimidade, evitando irritarse diante
dos pequeños problemas do cotidiano. Tal pessoa conhecerá entáo a fe-
licidade e a eficiencia no seu trabalho. "Um verdadeiro impaciente nao
venderá coisa alguma". "Um dentista impaciente nao conseguirá manter
urna clientela". "Um amigo impaciente se verá sozinho em pouco tempo".

138
Fala o Médico:

A MANIPULAQÁO DA VIDA E SEUS LIMITES ÉTICOS

O Dr. Helio Begliomini, radicado na cidade de Sao Paulo, é profissi-


onal vinculado a diversas Sociedades de Medicina nacionais e internad-
onais. Escreveu um artigo-resposta a um colega a respeito da lei natural e
dos limites que ela ¡mpóe á pesquisa científica. Ciencia sem consciéncia
é arma que se pode voltar contra o próprio autor da pesquisa científica. O
Dr. Begliomini lembra esta verdade, reafirmando a realidade objetiva da
lei natural, que nao é ficcáo criada pelos filósofos, mas decorre da própria
índole racional ou inteligente do ser humano.

O artigo tem, entre outros, o mérito de apresentar um cientista médi


co professando urna concepcao filosófica mais elevada e construtiva do
que a concepgao meramente pragmática e utilitaria; considera o ser hu
mano no que ele tem de transcendental, nao sujeito á manípulacao que a
técnica moderna impóe ao gado e aos irracionais em geral. Seja aqui re
gistrada a gratidao da Redacáo de PR a mais esta colaboracáo do Dr.
Helio Begliomini.

LIMITES ÉTICOS DA INTERVENQÁO SOBRE O SER HUMANO

Recentemente foi publicado no jornal do CREMESP1 (setembro/


outubro-1996, página 16) o artigo "Limites éticos da intervencao sobre o
ser humano" do Dr. Marco Segre, conhecido por sua militáncia na área da
deontologia médica e bioética.

Contrariamente áquilo que o título do artigo pretende seguir, o autor


leva a entender que nao existem limites éticos da intervencao sobre o ser
humano. Alias, concluí afirmando que "a ciencia sempre será a-ética". "A
sua eticidade estará no uso que déla se quiser fazer". Tal citacáo poderá
até ter um sentido relativo, mas é ¡nsustentável do ponto de vista filosófi
co. O Dr. Marco Segre cita alguns exemplos de pretensa mudanca da lei
natural, como seria a concepcáo do geocentrismo de Ptolomeu, que ce-
deu á concepcáo heliocéntrica de Galileu, como também cita o fato de
que antigamente a expectativa de duracao da vida humana nao ultrapas-
sava a casa dos trinta anos, ao passo que em nossos dias vai além dos
setenta anos de idade. Tais exemplos, na verdade, nada tem que ver com

1 Conselho Regional de Medicina do Estado de Sao Paulo.

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

a leí natural. Esta, no plano da Ética, é a que decorre do fato de ser o ho-
mem um vívente racional - o que nada tem a ver com os sistemas cosmo
lógicos nem com as expectativas de longevidade.

A lei natural tem sua fonte na Sabedoria (Ciencia) imánente á pró-


pria natureza humana. Nao sofre alteracóes a nao ser que Ihas impinjam.
Segué seu curso desde tempos imemoriais. No contexto, melhor seria
citar as leis que regem a transmissao da vida mediante a uniáo dos gametas
do homem e da mulher.

A producáo do ser humano em laboratorio por manipulacao genéti


ca, sua clonagem e sua extincáo tornam-se urna violacáo de lei natural.
Outrossim, apresenta-se como antinatural e insensato que um casal ho-
mossexual feminino faca um filho, tomando-se um oócito de urna das
mulheres. para fecundá-lo artificialmente e implantar os pré-embrióes no
útero de outra, como pretende o autor. Considerando apenas o aspecto
biológico, tal assertiva é aberrante. Se se tiver urna mentalidade mais
abrangente, holística, e se levarem em conta os aspectos educacionais,
psicológicos e sociais, ver-se-á que tais consideracoes s§o insustentáveis
frente a urna salutar concepcáo do homem e da vida. Alias, idéias como
estas, aparentemente modernas e de vanguarda, famigeradamente divul
gadas pelos meios de comunicacáo, contribuem para chafurdar o ser hu
mano. Lancam-no ao tempo de sua pré-história, deteriorando seus usos
e costumes no que de melhor o conhecimento Ihe proporcionou ao longo
dos séculos. Portanto, paira a idéia sutil e sorrateira de que há dois pesos
e duas medidas, ou de que o limite ético é o seu nao limite na manipulacao
do ser humano.

Isto fica patente quando o autor cita, como exemplo, os embrióes


fecundados por reproducio assistida na Inglaterra e fadados ao extermi
nio. Sao suas palavras: "nao vejo qualquer obstáculo á sua destruigáo,
principalmente obedecendo a cláusulas contratuais. O Homem, já capaz
de produzir a vida, deve assumir também o ónus de destruí-la, sempre
obedecendo aos valores prevalentes da época". Tal afirmacao nao camu
fla, mas ostenta acintosamente com viva audacia a mais hodierna versáo
da filosofía neonazista. Propositadamente, coloca "Homem" com maiús-
cula para equipará-lo a Deus, ou talvez colocá-lo em lugar de Deus. O
homem seria Deus se realmente produzisse a vida, como, alias, afirma o
autor. Contudo, ele (o homem) nao produz e nao cria a vida; símplesmen-
te a manipula e, por vezes, perversamente, respaldado em conceitos que
nao se sustentam á luz da reta razao. Ademáis, os homens nao "estruturam
democráticamente a idéia do Bem e do Mal, cominando premios para os
Bons e castigos para os Maus". Tal nocáo (Bem, Mal) já Ihe é plasmada
na fecundagáo pela própria natureza. Faz parte da lei natural. Ele apenas
a desenvolve com os matizes da educagáo e cultura peculiares.

140
A MANIPULACAO DA VIDA E SEUS LIMITES ÉTICOS 45

Este arrazoado de idéias confirma que posicóes diametralmente


antagónicas, irreconciliáveis, intangíveis e sofismáveis se tém abrigado
sob o teto da Bioética. Mais preocupante ainda, é constatar tais pensa-
mentos entre as lides universitarias, opinion-makers, e no próprio Conse-
Iho Regional de Medicina, que devena ser o Olimpo da defesa intransi
gente e insopitável da vida em todas as suas fases. Perder este principio
ontológico é perder o próprio senso ético.

Estas consideracóes nao pretendem denegrir a pessoa do autor,


que goza de nossa maior consideracáo e respeito. Entretanto, nao refletir
sobre suas idéias seria nao somente trair a nossa consciéncia, mas, tam-
bém, prestar um desservico á própria nocáo da Bioética.

Qumran e Jesús, por Klaus Berger. Tradugao do alemáo por Ivoni


Richter Reimer. - Ed. Vozes, Petrópolis 1994, 135x210mm, 120págs.

Klaus Berger é Professor de Novo Testamento na Universidade de


Heidelberg (Alemanha) e profundo conhecedor do judaismo. Aborda, no
livro em pauta, um problema levantado poralguns estudiosos de Qumran:
julgam que o conteúdo dos respectivos manuscritos é apto a revolucionar
as clássicas concepgóes relativas a Jesús e os crístáos; estes pouco ou
nada teríam de original, visto que anteriormente os monges de Qumran
teriam vivido urna espiritualidade crista antes de Cristo. A demora de qua-
renta ou mais anos para a publicagáo dos textos descobertos em Qumran
foi tida preconceituosamente como resultado de intervengóes da Igreja
Católica junto aos dentistas no intuito de impedirá publicagáo respectiva.

Klaus Berger tem em vista tal problemática, principalmente como foi


apresentada por M. Baigent e R. Leigh no livro Verschlussache Jesús
(A questáo secreta de Jesús); desfaz a conclusáo de tais autores á qual
dedica especialmente o seu capitulo IV ("Urna Ameaga para a Fé?"). Mos-
tra que as semelhangas entre qumranitas e cristáos, em parte, se devem
ao fundo judaico comum a uns e outros; em parte, também s§o discutiveis
porque baseadas em documentos obscuros; além do qué as diferengas
sensiveis entre uns e outros afastam a hipótese de continuidade entre
qumranitas e cristáos (basta lembrar, entre outras coisas, que a comuni-
dade de Qumran era fechada e alheia a qualquer contato com estranhos,
ao passo que Jesús mandou pregar sobre os telhados a Boa-Nova do
Evangelho; cf. Mt 10,27).

A leitura do livro de Berger é útil e interessante, pois permite conhe-


cer melhor o género de vida e o pensamento dos habitantes de Qumran.

141
LIVRO EM ESTANTE

A Biblia Judaica e a Biblia Crista, por Julio Trebolle Barrera. Tra-


ducáo do Pe. Ramiro Moncato. - Ed. Vozes, Petrópolis, 1996, 160 x 230
mm, 741 pp.

O autor da obra é membro do Comité Internacional de Publicacao


dos Manuscritos de Qumran, autor de varios livros sobre crítica textual e
hermenéutica bíblicas. É também professor do Departamento de Estudos
Hebreus e Arameus da Universidade Complutense de Madrid. Oferece
ao público um grosso volume, que tem por subtítulo "Introdugáo á Historia
da Biblia". O autor se interessa por tudo o que diz respeito á formacáo do
texto da S. Escritura. Daí os sucessivos capítulos sobre as linguas bíblicas
(hebraico, aramaico e grego), a escrita na antigüidade, a historia do Canon
Bíblico, a historia do texto e das versóes da Biblia, a crítica do texto do
Antigo e do Novo Testamento e hermenéutica bíblica.

A leitura do livro é muito interessante e enriquecedora, porque suas


páginas sao pródigas em dados, noticias e sentencas de autores diversos.
O autor oferece, no fim de cada unidade, urna ampie bibliografía, que
estimula ulterior pesquisa; no fim da obra encontra-se um Glossário muito
útil e importante; há também urna serie de ilustracóes que apresentam
gravuras relativas a pergaminhos e pinturas da antigüidade.

O leitor é colocado assim diante de urna enciclopedia de informa-


cóes valiosas, mas, se nao é preparado ou iniciado no assunto, pode
sentir-se perplexo, sem saber que juízo formular sobre o que lé. Daí po-
der-se dizer que o livro nao é para principiantes do estudo bíblico, embora
o autor queira fazer obra didática (cf. pp. 7s). O próprio Prof. Julio Barrera
escreve: "Ao longo de todo este livro, em homenagem á objetividade, evi-
ta-se normalmente todo juízo pessoal em relacao aos dados, argumentos
e conclusóes da pesquisa hodierna" (p. 9). Quando acontece que o autor
defina alguma posicáo, coloca-se geralmente em equilibrio, evitando sen-
tengas radicáis. Assim no tocante á data de origem dos Evangelhos e
demais escritos do Novo Testamento, ás pp. 287s. Estranho, porém, é
que o Prof. Julio Barrera nao se refira ás descobertas do O'Callaghan e
de Carsten Peter Thiede referentes a manuscritos de Marcos e Mateus
que poderiam datar de meados do sáculo I; cf. PR 398/1995, pp. 290-294.
O autor conhece muito bem Qumran e seu acervo literario, mas nao se
refere a 7Q5, fragmento estudado por papirólogos recentes, que julgam
tratar-se ai de Me 6,52s.

Quanto ao canon do Antigo Testamento, o Prof. Barrera afirma que


nao se pode sustentar tenha sido fechado em Jámnia por volta de 100

142
LIVRO EM ESTANTE 47

d,C. Mas nao é claro ao apresentar sentenca alternativa; propóe o século


II a.C. (época dos Macabeus), mas por vezes hesita - o que bem se com-
preende, pois falta documentacáo adequada para dirimir as dúvidas.
A obra é de grande valor como enciclopedia. Muito proveito há de
tirar déla quem souber orientar-se através de suas páginas.
Estéváo Bettencourt O.S.B

CARTAS A IMPRENSA

Ao JORNAL DO BRASIL (21/11/96):

Em sua edicáo de 14/11 pp., p. 16. o JB noticiou, com certa surpre-


sa, que o Papa Joáo Paulo II "atenuou a tradicional oposicáo da alta hie-
rarquia católica a qualquer plano ou iniciativa de contencao do cresci-
mento demográfico". - A bem da verdade, o Papa nao fez senáo reafir
mar a posicáo assumida em 1965 pelo Concilio do Vaticano II na Const.
Gaudium et Spes n° 51: a Igreja defende a paternidade responsável ou o
planejamento familiar, apregoando que nao se devem colocar criancas
no mundo se nao há condicóes de as educar dignamente. O ponto
nevrálgico da questáo é a maneira de se limitar a prole: a Moral católica
ensina o respeito as leis da natureza, que sao as leis do Criador; rejeita
portanto qualquer método artificial (que alias, aos olhos da própria medi
cina, sofre serias reservas) e preconiza a continencia periódica; o método
de Billings e outros métodos modernos indicam com grande precisáo os
dias esteréis do organismo feminino. A continencia periódica solicita a
colaboracao e a solidariedade de marido e mulher, ao passo que qual
quer ¡ntervencao artificial ou cirúrgica pesa apenas sobre uma das duas
partes, geralmente sobre a mulher. - Pe. Estévao Bettencourt O.S.B.

Ao Jornal O DÍA, 29/11/96:

Como se lé no jornal O DÍA, 26/11/96, a vereadora Rogéria Bolsonaro


está preocupada (e com razáo) com o problema dos abortos clandesti
nos, "uma das principáis causas de morte das mulheres". Em conseqüén-
cia, pleiteia a legalizacáo do aborto. - A propósito convém lembrar que
esta nao é a solucáo. O aborto fere nao somente a crianca, mas também
a máe, que guarda para o resto da vida o trauma de haver matado seu
filho. A mulher é naturalmente feita para a maternidade e para o carinho á
vida. Pesquisas médicas comprovam que existe um fator geralmente ig-

143
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 418/1997

norado, que é a sindrome pos-aborto: a mulher pode momentáneamente


desejar o aborto, mas, realizado o ato, ela passa a sofrer freqüentemente
de choro ¡motivado, medos, pesadelos, oscilacóes de ánimo e depres-
sóes, além de sentimentos de remorso e culpa, independentes de qual-
quer conviccáo religiosa. Donde se vé que, para a própria mulher, é me-
Ihor evitar o aborto; nao mate seu filho, deixe-o nascer e entregue-o a um
casal ou urna instituicáo que o educaráo dignamente. O remedio para o
problema apontado é mais profundo: trata-se de restaurar a estima dos
valores éticos, coisa que algumas sociedades, como a norte-americana,
comecam a entrever como sendo a única auténtica resposta aos proble
mas relacionados com a vida. - Pe. Estévao Bettencourt O.S.B.

Ao Jornal ESTADO DE MINAS (08/11/96):

O principio do livre exame da Biblia faz que muitos leitores introdu-


zam suas idéias no texto sagrado, em vez de depreender do texto bíblico
a sua santa mensagem. É o que acontece com o pastor Joñas Neves de
Souza pertencente á denominacáo Batista, na qual cada comunidade local
goza de certa autonomía em relacáo as outras. Com efeito; o pastor Joñas,
no "Estado de Minas" de 24/10 pp., escreveu um artigo em que tenta des-
fazer o primado do Apostólo Pedro e de seus sucessores os Bispos de
Roma; conseqüentemente esqueceu de citar o texto altamente significati
vo de Mateus 16,16-19; nesta passagem Jesús diz a Pedro que construi
rá a sua Igreja sobre essa Kepha que é Apostólo Kepha; Jesús entrega-
Ihe as chaves do Reino dos Céus e promete-lhe ratificar nos céus tudo
quanto Pedro ligar ou desligar na térra. Mais ainda: Jesús confiou a Pedro
a missáo de confirmar seus irmáos na fé (Lucas 22,31 s) e de apascentar
seu rebanho (Joáo 21,15-17). Nada mais claro do que isto! De resto, os
escritores do Novo Testamento dáo um relevo único a Pedro: é citado 171
vezes no Novo Testamento, ao passo que o segundo citado Joáo aparece
apenas 46 vezes. É Pedro quem toma a dianteira e responde em nome do
colegiado dos Apostólos; ver Me 8,28.32; 10,28; Mt 18,21; Le 12,41; Jo
6,67. Estes textos foram a base para que as primeiras geracoes cristas
reconhecessem a Pedro e seus sucessores o papel de primazia que Je
sús Ihes outorgou. Quem nao reconhece tal primado, nao reconhece a
mensagem bíblica. - Pe. Estéváo Bettencourt O.S.B.

144
PUBLICAgÓES MONÁSTICAS:

SAO BENTO, UM MESTRE PARA O NOSSO TEMPO, D. Gregorio Paixáo, OSB. Edi
les Sao Bento - Salvador - BA- 1996. 112 págs R$ 10,00.
Trecho da introducáo: "...Assim, além do texto inicial sobre a atualidade de Sao
Bento, acrescentamos outros. especialmente selecionados, de sua Regra e de
sua Vida, com uma traducáo facilitada, aproximando o texto do leitor de "primeira
viagem...".
DIÁLOGO COM DEUS. INTRODUQÁO A "LECTIO DIVINA". D. Garcia M. Colombás,
MB Traducáo- Monges do Mosteiro da Ressurreicáo. Paulus. 1996,
128 págs RW°-
Trecho de apresentacáo: "...O presente texto, como lemos no prólogo da edicáo
espanhola, reúne conferencias originariamente dirigidas a auditorios monásticos.
Podem, entretanto, por sua simplicidade, aliada ao dominio seguro e profundo do
tema, orientar leigos e religiosos na prática frutuosa da lectio divina...".
O MANTO DE ELIAS. ITINERARIO ESPIRITUAL PARA A VIDA RELIGIOSA. Enzo
Bianchi Traducáo Mosteiro de N. Sra. das Grasas. Cimbra-1996. Editora Santuario.
114 págs RS17.00.
Trecho do prefacio: "...Na crise atual que a vida religiosa, profundamente, ainda
atravessa, nao é oportuno uma modernizacáo, mas apenas uma resposta do
radicalismo evangélico testemunhado pela grande tradicáo...".
A MEDALHA DE SAO BENTO. D. Próspero Guéranger O.S.B., Abade de Solesmes. 2a
edicáo -1996 - Artpress - Sao Paulo. 142 págs.
Brinde: Uma Medalha de Sao Bento R$15,40.
Trecho de prologo do autor:"... O único desejo que nos leva a publicar este en-
saio sobre tao delicado assunto, numa época em que o racionalismo vai causan
do tantos estragos, é sermos de utilidade a nossos irmáos na fé...".
TRATADO SOBRE A ORACÁO. Tertuliano, S. Cipriano e Orígenes. Traducáo do Revmo.
D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisáo: Mosteiro de Maria Máe do Cristo
- Caxambu. Cimbra-1996. Mosteiro da Santa Cruz. 250 págs R$ 16,50.
VIDA E MILAGRES DE S. BENTO - LIVRO SEGUNDO DOS DIÁLOGOS DE S.
GREGORIO MAGNO. Traducáo do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro. 4a edicáo.
1996 115 págs. Edigóes "Lumen Christi" R$ 6>00-
Trecho da introducáo:"... A traducáo que estas páginas apresentam, é a vida de
um santo escrita por um santo. S. Gregorio, o grande Papa restaurador da disci
plina eclesiástica após a invasáo dos Bárbaros, o reformador da liturgia romana,
escreve a vida de S. Bento...".
OS OBLATOS SECULARES na familia beneditina. D. Jean Guilmard, OSB.
Traducáo: Bernard Barrandon, obl. O.S.B. Sao Paulo. 1995. Mosteiro de Sao Bento -
Sao Paulo Impresso pelo Mosteiro da Santa Cruz. 65 págs R$6,60.
Trecho do prefacio: "...Dirige-se a todos que, ansiosos por aprofundar sua vida
crista, se sentirem movidos pelo Espirito Santo a se agregar mais estreitamente
a uma familia monástica...".
■ CONSTITUICÓES - Congregacáo Beneditina do Brasil - 2a edicáo revista.
Apresentacáo de Dom Basilio Penido, O.S.B. Abade Presidente, de 11 dejulhode 1988.
Edicóes Lumen Christi. Impresso no Mosteiro da Santa Cruz, 120 pags R$ 15,00.
- SAO BENTO, O ETERNO NO TEMPO, D. Lourenco de Almeida Prado O S B Ed
"LUMEN CHRISTI", 1994, 289 págs R$ 15,00!
(A coletánea que forma este volume, representa até pela volta freqüente aos mesmos
textos e as mesmas reflexóes, pensamentos óu meditacóes de um beneditino que ficou
mais conhecido como educador, sem nunca deixar de querer ser, antes de tudo um discí
pulo do Patriarca de Monte Cassino).

- O COMPROMISSO CRISTÁO DO MONGE, Augusto Pascual OSB Traducáo do Mos-


teiro da Virgem, de Petrópolis. CIMBRA1994. 350 págs R$ 25,70.
Palavras de Madre Eugenia Teixeira, OSB:
"O autor, monge de Leyre, Espanha, oferece estas páginas aos monges e monjas que
tem como norma ¡mediata de vida crista a Regra beneditina.
Sao conferencias dadas através dos tempos e em varidas circunstancias a grupos mo
násticos.
O autor eré que possam interessar também a outros, cristáos, especialmente religiosas,
urna vez que a vida monástica está na raiz e na base dos institutos de vida consagrada que
se multiplicaran! através dos séculos. Ele nota que nossos dias carecem de um conheci-
mento aprofundado da espiritualidade monástica. Nao temos obras deste género".
- A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal.
Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró Curitiba / PR CIMBRA-
1994. 115 págs R$ 16 50
Apresentado pelo Dr. Roberto Runcie, arcebispo anglicano de Cañtuária, pelo Cardeal
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB abade de Sao
Bento da Bahia.

- A REGRA DE SAO BENTO, 3a edicáoem latim-portugués, com anotacóes por Dom Joáo
Evangelista Enout OSB. A Regra que Sao Bento escreveu no século VI continua viva em
todos os mosteiros do nosso tempo, aos quais nao faltam vocacóes para monqes e monias
21°Pá9s R$ 11,50.'
- PERSPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO, Irma Aquinata Bóckmann OBS
Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina - Tradu
cáo do alemáo por D. Mateus Rocha OSB.
A Autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma (Monte Aventino)
Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Franca. Portugal Espanha
como também nos Estados Unidos, Brasil. Tanzania, Coréia e Filipinas por ocasiáo de'
Cursos e Retiros. 364 págs ' r$ ^q 20
- SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE Por Dom Joáo Evangelista Enout OSB
19°Pá?s-. ; R$ 10,70.
u genio, ou seja, a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) -
SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de
vida crista, empenhado na procura crescente da face e da verdade de Deus espelhada na
trajetona de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim o discípulo
de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge. para assumir a "profissáo'de monge".
Pedidos pelo Reembolso Postal ou conforme 2a capa.
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RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA 1996/97 R£ 9S nn
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(Número limitado de exemplares) R$ 45,00 cada

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