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No-coisa
Ferreira Gullar
O que o poeta quer dizer no discurso no cabe e se o diz pra saber o que ainda no sabe.
Ferreira Gullar
Uma fruta uma flor um odor que relume... Como dizer o sabor, seu claro seu perfume? Como enfim traduzir na lgica do ouvido o que na coisa coisa e que no tem sentido? A linguagem dispe de conceitos, de nomes mas o gosto da fruta s o sabes se a comes s o sabes no corpo o sabor que assimilas e que na boca festa de saliva e papilas invadindo-te inteiro tal do mar o marulho e que a fala submerge e reduz a um barulho, um tumulto de vozes de gozos, de espasmos, vertiginoso e pleno como so os orgasmos No entanto, o poeta desafia o impossvel e tenta no poema dizer o indizvel: subverte a sintaxe implode a fala, ousa incutir na linguagem densidade de coisa sem permitir, porm, que perca a transparncia j que a coisa fechada humana conscincia. O que o poeta faz mais do que mencion-la torn-la aparncia pura e ilumin-la. Toda coisa tem peso: uma noite em seu centro. O poema uma coisa que no tem nada dentro, a no ser o ressoar de uma imprecisa voz que no quer se apagar essa voz somos ns.
Poema extrado dos Cadernos de Literatura Brasileira, editados pelo Instituto Moreira Salles So Paulo, n 6, setembro de 1998, pg. 77.
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