Os perdigogos
JONG NEUVNR
Sei que a memoria 6 uma ferramenta que se enferruja sem uso,
como sei que um individuo sem memoria é pouco mais do que um legume.
rites de mais, antes de en-
trarno assunto desta cr6
nica, eu devo, por impe
rativos patridticos ¢ de
{justiga fazer uma dentincia grave,
(que é esta: a minha porteira é um
dos cérebros da Campanha Negra
que, nesta data em que eserevo, se
encontra em curso visando sabotar
‘0 Governo usando como pretexto
‘0 caso Freeport. Sei isto porque,
3s, ouvi-a dizer & senho.
6° E:°O que acontece € que
Zo todos uns desavergonhadas e
além disso esto todos nas méos
dos ricagos!
Bom. Feita uma tio importante
deniincia, passo entao ao tema de
hoje, explicando que a ilustracao
deste texto €a primeira fotograia,
feita em laboratério, de um virus
impiedoso que tem estado (muito
pior: que ainda estéeestard) a mi
nara savide mental e o futuro da
O seu nome cienifco € Ministe
rius obnoxius teibils, mas como
ringuém consegue lembrar-se dist, ha ja uma
designacéo vulgar: Perdigogo. A etimologia da
palavra é clara: vem de “perigoto",no sentido
de particula de saliva projectada da boca du
rante a fala, ede “pedagogo”, que significa... 0
fundo, seré que pedawogo ainda significa aleuma
Possivelmente, no; foi substitudo pelos per
digogos. Estes so, como expliquei ats, virus
desiruidores que se abrigam nao s6, ma essen-
cialmente- nos entreflhos de um Ministerio cu:
jo nome nao vem ao caso, Mesmo quando nao
produzem kis, provocam directvas ou, no mais
benigno dos casos, recomendagoes e doutrinas.
Dou-v0s alguns exemplos -mas atengio: como
se diz agora, em bom Portugués, viewer discre-
tion is advised. Assim
Certas actividades escolares, como as pias ¢
os ditados, sio comsideradas “pouco motivadoras
e pouco inovadoras”. Que sejam, apesar disso, 0
meio mais seguro para levar os jovens a terem
uma caligrafia decentee legivele saberem es-
erever sem erro, isso nao tem importéncia. As
coisas tém de ser inovedoras ~edivertdas, como
apontava, recentemente, Alice Viera. A gente vai
‘tescola para encher o bandulho de rio. Tenho
a.certeza de vira ler num futuro Plano Nacional
doensino: "0 docente empenbar-se em manter
a turma alegre erisonha durante toda a aula. Su-
‘gere-se que fara um stip-tease parcial ou total,
como forma de manter a atengao dos alunos"
Exagero? Lé chegaremos, descansem.
Por outro lado, convém nao obrigar o pessoal
1 decorar coisas; no interessam 0s conteddos,
interessam as competéncias, Ora, para muitos
perdigogos, a competéncia 6 independente do co
nhecimento dos contedidos- 0 que explica muita
‘coisa sobre as governantes que se tém sucedido
‘em Portugal nos tims quinze ou vinte anos €
também sobre a actual senhora ministra da Edu
cago y sus muchachos, perdi, secretérios de
Estade,
Decorar nio é divertido, eu sei. Mas também
sei que a meméria € uma ferramenta que se en:
ferruja sem uso, como sei que um individuo sem
memiéria é pouco mais do que um legume. AS
nossas escolas parecem-se cada vez mais com
horas,
‘Ah, esquecia.me do TPC. Para os perdigogos,
o trabalho para casa nio & perdigégico (embora
possa ser pedag6gico, mas, como jé reli, isso
esta & perder-se). Caramba, 0 pessoal tein de
brincar, grudado (autisticamente) ao computa
dor ou 20 nintendo, ou, na falta, a fazer outra
coisa qualquer; tem de conviver com os pais,
(que, por acaso, até ainda no chegaram a casa)
tem de ver TY, para ver se fica
to estiipido quanto a programa-
(0. Esto desde que sai da esco-
Ta até que se deita; uma missio
divina, ndo ha tempo para 0 TPC,
‘que aids, no € divertdo.
HE mais coisas a dizer sobre os
perdigogos, porém eu interrompo-
ine para vos confidenciar uma per
plexidade que ha muito me acom-
panha.
E que é esta: a quantidade de
material, o peso descomunal que
(0s alunos hoje tém de levar para a
escola, Ha dias, peguei na mockila
de uma sobrinha-neta~e por pou-
0 nio caf. E nao estou assim tao
dimimuido, Nunca, em todo o met
tempo de escola primariae de li
ceu [como se chamava entio), eu
tive de carregar um tergo, sequer
de tudo aquilo. MAS.
‘Mas eles sabem cada vez menos,
cm termos de Portugués, de Histé
ria, de Ortografiae de cultura ge
ral, Mas eles t€m dificuldade em
interpretar um texto. Mas eles de
senvolvem cada vez menos o seu espiito, olin.
do a Alice Vieira: ela contou recentemente, em
entrevista (e jé mo tinha contado antes), qué es
creveu o seu primeiro romance juvenil para a
faixa etre dos onze, doze anos e que hoje es
se mesmo livro s6€ entendido pelo pessoal dos
quinze, dezasseis ou dezassete
Suspeito que isto seja fruto das competéncias
sem conteidos. Das téenicasdivertdas. Do cui
dado em evitar que os jovens treinem a mem
ria. Dos perdigogos,enfim
E vem-me & meméria uma conversa com 0
Prof. Agostinho da Silva: dizia-me ele que, nas
escola, valiatdo: riser, vandalizar, partir ma
vidraca, alia tudo e ninguém fazia nada. E de
pois, para minha surpresa edelicia, acrescentou:
Tsto é bom, sabe vocé? Porque assim vio ter de
fechar as escolas;e, da maneira como a Educa-
do esta, é isso que € preciso: fechar tudo ¢ co-
Iegar de novo, de raz
Guando tivernos esta conversa, o dito era ain
da uma meia-piada, Hoje, passados ja uns quan:
tos anos, comego a perguntar-me se no teria
‘mesmo razo. Fechar tudo, comegar de novo,
Pela caga aos perdigogos esta bem de ver.
Shatettca ia eam in eaoresnameoSt
The Happiness Project: Or, Why I Spent a Year Trying to Sing in the Morning, Clean My Closets, Fight Right, Read Aristotle, and Generally Have More Fun